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A psicologia genÈtica È outra grande famÌlia teÛrica, cujos mem-

bros s„o principalmente Piaget e Vygotsky. Esses autores tÍm em co-


mum a abordagem genÈtica, ou seja, aquela que se refere ‡ origem e ao
processo de formaÁ„o das funÁıes psicolÛgicas. Vygotsky se diferenciade Piaget por
considerar a dimens„o dialÈtica e sÛcio-histÛrico do desen-
volvimento humano. A psicologia genÈtica ocupou-se da pesquisa da
origem e desenvolvimento dos processos de pensamento e linguagem.
Autores como Levisky, que se ocupam da problem·tica emocional
do adolescente, procuram articular os aspectos emocionais com os cog-
nitivos, concordando com a hipÛtese da construÁ„o e transformaÁ„o do
pensamento e linguagem nas diversas etapas da vida. Levisky afirma
que ìa inteligÍncia formal participa ativamente no processo de elabora-
Á„o da crise da adolescÍncia, levando subsÌdios que v„o integrar as in-
terferÍncias na vida afetiva.î (Levisky, 1995, p. 38).
Os estudos acerca do desenvolvimento cognitivo ocupam-se do
progresso gradativo da habilidade humana no sentido de obter conhe-
cimento e se aperfeiÁoar intelectualmente. Em suas pesquisas, Piaget
ocupou-se da sociogÍnese, express„o que designa o estudo dos conhe-
cimentos enquanto empreendimento da humanidade em seu conjunto,
atravÈs do esforÁo dos intelectuais que conseguiram captar as deman-
das por um novo saber e encarnaram as motivaÁıes e as possibilidades
do fazer ciÍncia; da psicogÍnese, estudando a formaÁ„o do conheci-
mento no nÌvel do sujeito. O conhecimento, nessa Ûtica, n„o procede
da experiÍncia ˙nica dos objetos, nem de uma programaÁ„o inata e
prÈ-formada no sujeito, mas da relaÁ„o sujeito/objeto. DaÌ a express„o
interacionismo, que possibilita construÁıes sucessivas com elaboraÁıes
constantes de estruturas novas no sujeito, que transformam tanto a ele
prÛprio como ao objeto de conhecimento. Por fim, Piaget ocupou-se
dos estudos de formalizaÁ„o, entendidos como pesquisas no campo das
relaÁıes lÛgicas
Ao estudar a din‚mica e a estrutura da personalidade adolescente, o
autor considera trÍs leis: a primeira regula o desenvolvimento e a estru-
tura das funÁıes psÌquicas superiores, que s„o o n˙cleo fundamental da
personalidade em formaÁ„o. … a lei de transiÁ„o das formas e modos de
comportamento naturais, imediatos e espont‚neos aos mediados e artifi-
ciais que surgem no processo do desenvolvimento cultural e psÌquico
do homem. Para Vygotsky, o desenvolvimento cultural do comporta-
mento se acha vinculado ao desenvolvimento histÛrico e social da hu-
manidade.
As funÁıes psÌquicas superiores s„o entendidas como aquelas que
caracterizam o funcionamento psicolÛgico tipicamente humano: aÁıes
conscientemente controladas, atenÁ„o volunt·ria, memorizaÁ„o ativa,
pensamento abstrato, comportamento intencional. Esses processos se
diferenciam de mecanismos mais elementares, como reflexos, reaÁıes
autom·ticas, associaÁıes simples.
A segunda lei diz respeito aos processos de interiorizaÁ„o das rela-
Áıes sociais traduzidas nas funÁıes psÌquicas superiores, ou seja, as for-
mas sociais e coletivas de comportamento se convertem em modo de
adaptaÁ„o individual. Vygotsky diz que a natureza psÌquica do homem
È um conjunto de relaÁıes sociais trazidas ao seu interior e convertidas
em funÁıes da personalidade, partes din‚micas de sua estrutura. A inte-
riorizaÁ„o das relaÁıes sociais externas existentes entre as pessoas È a base
da formaÁ„o da personalidade.
A terceira lei est· relacionada ‡ segunda, no que diz respeito ‡
interiorizaÁ„o dos comportamentos sociais e coletivos, que, ao conver-
ter-se em forma individual de conduta, perde, durante seu longo cami-
nho de desenvolvimento, os traÁos de operaÁ„o externa e se converte em
operaÁ„o interna.
A personalidade, para Vygotsky, n„o È outra coisa sen„o a auto-
consciÍncia do homem. O novo comportamento do homem se transfor-
ma em comportamento para si, o homem toma consciÍncia de si mes-
mo. Esse processo de tomada de consciÍncia È o ponto central e o resul-
tado final de toda a idade de transiÁ„o, ou seja, a adolescÍncia.

Citando a pesquisa de Busemann, Vygotsky concorda com as con-


clusıes do autor de que o desenvolvimento da autoconsciÍncia depen-
de do conte˙do cultural do meio ao qual pertence o adolescente, em
uma medida superior a qualquer outro aspecto da vida espiritual. Mas
Vygotsky discorda de Busemann quando este considera que as dife-
renÁas no desenvolvimento da autoconsciÍncia do adolescente em ra-
z„o do sexo s„o muito mais consider·veis do que as diferenÁas entre as
crianÁas de sexos diferentes procedentes de diversas camadas sociais.
Busemann acredita que as jovens trabalhadoras s„o mais parecidas
com as jovens da burguesia de que os jovens trabalhadores com os
jovens da burguesia.
Vygotsky mantÈm-se fiel ‡ sobredeterminaÁ„o de classe em relaÁ„o
ao desenvolvimento e n„o considera a maneira como a sobredetermina-
Á„o de classe agiria sobre as diferenÁas sexuais.
Vygotsky concorda que o adolescente pauta-se por uma forma lÛgico-dedu-
tiva de pensamento. Diz ele: ìAo longo do desenvolvimento, ocorre uma transfor-
maÁ„o, especialmente na adolescÍncia. Pesquisas sobre memÛria nessa idade mos-
traram que, no final da inf‚ncia, as re-laÁıes interfuncionais envolvendo a memÛ-
ria invertem sua direÁ„o. Para as crianÁas, pensar significa lembrar; no entanto,
para o adolescente, lembrar significa pensar. Sua memÛria est· t„o carregada de
lÛgica que o processo da lembranÁa est· reduzido a estabelecer e encontrar relaÁıes
lÛgicas; o reconhecer passa a coincidir em descobrir aquele elemento que a tarefa
exige que seja encontradoî (Vygotsky, 1994, p. 67).
O autor tambÈm mostra que n„o bastam as aÁıes do meio sobre o
sujeito, que a transposiÁ„o do exterior ao interior n„o È mec‚nica:
ìA presenÁa de um problema que exige a formaÁ„o de conceitos n„o pode,
por si sÛ, ser considerada a causa do processo, muito embora as tarefas com que o
jovem se depara ao ingressar no mundo cultural, profissional e cÌvico dos adultos
sejam, sem d˙vida, um fator importante para o surgimento do pensamento con-
ceitual. Se o meio ambiente n„o apresenta nenhuma dessas tarefas ao adolescente,
n„o lhe faz novas exigÍncias e n„o estimula o seu intelecto, proporcionando-lhe
uma sÈrie de novos objetos, o seu raciocÌnio n„o atingir· os est·gios mais elevados
ou sÛ os alcanÁar· com grande atrasoî (Vygotsky, 1993, p. 50).
No entanto, continua Vygotsky: ìO pesquisador deve ter como objetivo a
compreens„o das relaÁıes intrÌnsecas entre as tarefas externas e a din‚mica do
desenvolvimento, e deve considerar a formaÁ„o de conceitos como uma funÁ„o do
crescimento social e cultural global do adolescente, que afeta n„o apenas o conte˙-
do, mas tambÈm o mÈtodo de seu raciocÌnioî (Vygotsky, 1994, p. 50/51).
Os experimentos feitos por Vygotsky objetivando estudar a forma do
pensamento do adolescente mostram que o car·ter transitÛrio dessa fase da
vida est· tambÈm presente na forma de pensar: o adolescente È capaz de
elaborar conceitos e manej·-los no nÌvel abstrato, mas pode ter dificulda-
de em aplic·-los numa situaÁ„o pr·tica ou explic·-los com palavras.
Vejamos as conclusıes de Vygotsky: ìO adolescente formar· e utilizar· um
conceito com muita propriedade numa situaÁ„o concreta, mas achar· estranha-
mente difÌcil expressar esse conceito em palavras, e a definiÁ„o verbal ser·, na
maioria dos casos, muito mais limitada do que seria de se esperar a partir do modo
como utilizou o conceitoî (Vygotsky, 1994, p. 69).
Vygotsky constata que o processo de formaÁ„o de conceitos È bas-
tante complexo e oscila entre duas direÁıes b·sicas: do particular para o
geral e do geral para o particular. E conclui: ìA maior dificuldade È a
aplicaÁ„o de um conceito, finalmente apreendido e formulado num nÌ-
vel abstrato, a novas situaÁıes concretas (...), um tipo de transferÍncia
que em geral sÛ È dominado no final da adolescÍncia. A transiÁ„o pri-
mitiva do concreto para o abstratoî (Vygotsky, 1994, p. 69).
A relaÁ„o do sujeito humano com o mundo, para Vygotsky, n„o È
uma relaÁ„o direta, mas mediada pelos sistemas simbÛlicos, entre eles a
linguagem. O mundo de cultura no qual o sujeito se constitui n„o È
algo pronto, n„o È um sistema est·tico ao qual o indivÌduo fica subme-
tido, mas um espaÁo de negociaÁıes em que os membros da cultura
est„o em constante movimento de recriaÁ„o e reinterpretaÁ„o de infor-
maÁıes, conceitos e significados.
Quanto ‡s questıes cognitivas, È preciso ressaltar que o pensamen-
to formal ou hipotÈtico-dedutivo, visto como a forma mais elaborada do
pensamento alcanÁado na adolescÍncia, tambÈm n„o È universal. Tal
como lembra Vygotsky, a qualidade do pensamento na adolescÍncia est·
referida ‡ sua inserÁ„o de classe, ou seja, ‡s condiÁıes concretas de existÍncia que
permitem ou impedem o acesso do adolescente a bens materiais
e simbÛlicos.
Os pesquisadores do grupo de Vygotsky e mais contemporanea-
mente os estudos de Dolle (1993) e LajonquiÈre (1992) procuram arti-
cular os aspectos emocionais aos cognitivos.
Dolle define o sujeito psicolÛgico como um sistema composto por
quatro elementos: sujeito biofisiolÛgico, afetivo, cognitivo e social, em
constante interaÁ„o entre si e com o meio. Nessa Ûtica, o meio È tambÈm
considerado como um sistema composto de trÍs elementos, a saber: pes-
soas ou sujeitos, objetos naturais e artificiais e regras institucionais, em
constante interaÁ„o.
Dolle dir· que n„o existe hierarquia entre os elementos que com-
pıem o sujeito psicolÛgico ñ cada um deles È necess·rio, mas nenhum,
isoladamente, È suficiente. Dessa forma, o autor reafirma que a totalida-
de do sujeito psicolÛgico È o resultado da interaÁ„o entre todos os ele-
mentos. No entanto, admite que necessidades funcionais na relaÁ„o do
sujeito psicolÛgico com o meio podem acarretar a prevalÍncia de um
dos elementos, e que tal prevalÍncia È transitÛria e relacionada ‡s neces-
sidades do sujeito psicolÛgico em interaÁ„o com o meio em um mo-
mento particular.
O sujeito psicolÛgico È ativo e sua constituiÁ„o se d· no processo de
interaÁ„o com o meio, de forma que tanto o sujeito como o meio trans-
formam-se na e pela interaÁ„o.
O sujeito psicolÛgico fica ent„o caracterizado como um sujeito his-
tÛrico, que n„o pode ser destacado de seu meio, porque isto acarretaria a
eliminaÁ„o do sujeito social, prejudicando o equilÌbrio interno do siste-
ma e, por outro lado, desconsiderando sua interaÁ„o ativa com o meio.
Vejo que, muitas vezes, a habilidade de construÁ„o de hipÛteses,
teorias e sistemas que o adolescente teria È impedida, no seu desenvolvi-
mento, pelas pr·ticas escolares empobrecidas. Por outro lado, quando
se universaliza essa qualidade de pensamento a todos os adolescentes,
ela È utilizada no sentido de explicar a suposta alienaÁ„o do adolescenteem relaÁ„o ao
mundo real e ‡s conseq¸Íncias dos seus atos, reforÁando o
estereÛtipo do adolescente como irrespons·vel e inconseq¸ente.
Que se considerem como tarefas prÛprias da adolescÍncia a aceita-
Á„o do corpo sexuado pronto para a atividade reprodutiva e a aceitaÁ„o
de que cada um dos sexos ter· um papel determinado e especÌfico nos
processos de fecundaÁ„o e gestaÁ„o. No est·gio atual das tecnologias da
reproduÁ„o, esse papel n„o È intercambi·vel. H· tambÈm a tarefa de
encontrar um lugar na vida produtiva, escolher uma profiss„o, buscar
um modo reconhecido como positivo pelo seu grupo para sustentar-se
economicamente. Defendo que tais tarefas est„o relacionadas ‡s normas
da condiÁ„o de gÍnero, aos lugares e ‡ divis„o de poderes distribuÌdos
desigualmente entre homens e mulheres na nossa organizaÁ„o social,
aos lugares de classe social ocupados pelos sujeitos, ‡s implicaÁıes de seu
pertencimento de raÁa e etnia, bem como ‡ sua posiÁ„o geracional.
As tarefas n„o s„o naturais, nem conseq¸Íncia pura e simples da
chegada do sujeito a uma determinada faixa et·ria. Trabalho com a
hipÛtese de que se a adolescÍncia inicia-se com a puberdade, ela termi-
na com o acesso dos sujeitos ao mundo adulto, segundo a realizaÁ„o de
determinadas tarefas consideradas importantes pelo seu grupo social,
que resultam na identidade sexual, ideolÛgica e profissional.
Podemos concluir que as transformaÁıes afetivas e cognitivas vivi-
das pelos adolescentes est„o articuladas na construÁ„o psicossocial de
sua identidade. Por outro lado, sabemos que a psicologia procura en-
tender o comportamento humano considerando alguns par‚metros uni-
versais. Por exemplo, a psicologia pode afirmar que brincar È uma con-
diÁ„o necess·ria ‡ sa˙de psÌquica do sujeito, ao seu desenvolvimento
afetivo e cognitivo. No entanto, o significado do brincar e a forma como
se brinca est„o referidos ‡s condiÁıes da cultura, de gÍnero, de classe
social, de geraÁ„o, de etnia. Podemos dizer que as tarefas universais de
passagem da inf‚ncia ‡ idade adulta, realizadas no perÌodo da adoles-
cÍncia, s„o a construÁ„o de uma identidade sexual, profissional, ideolÛ-
gica, como propıe E. Erikson, mas que tais tarefas est„o balizadas pe-
las condiÁıes e significaÁıes construÌdas, nas sociedades complexas, a
partir da classe social, gÍnero, geraÁ„o e raÁa/etnia.

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