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UNICESUMAR

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ


CAMPUS CURITIBA

FABIANA SILVA TERRA BARBOSA

Desinstitucionalização dos pacientes e a


multidisciplinaridade nos atendimentos: a melhor
intervenção em saúde mental

CURITIBA
2022
FABIANA SILVA TERRA BARBOSA

Desinstitucionalização dos pacientes e a


multidisciplinaridade nos atendimentos: a melhor
intervenção em saúde mental

Atividade de Estudo Programada do


quarto período do curso de Psicologia do
Centro Universitário de Maringá –
Unicesumar – Campus Curitiba,
apresentada como requisito de avaliação
nas disciplinas de Avaliação Psicológica
na Infância e Psicologia Comunitária e
Institucional.

Professores: Eduarda Basso e Vanessa


Brandelero Abib-Abib

CURITIBA
2022
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Desinstitucionalização dos pacientes e a multidisciplinaridade nos


atendimentos: a melhor intervenção em saúde mental

1. INTRODUÇÃO

A lei n° 10.216, de 6 de abril de 2001 trata fundamentalmente a respeito da


proteção e dos direitos das pessoas portadoras de doenças mentais, como também
de uma redefinição do modelo assistencial, redirecionando o atendimento para
serviços de atendimentos comunitários de saúde mental (BRASIL, MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2001). O projeto que configurou a lei tem data de 1989 e seu texto trazia a
proposta da regulamentação dos direitos da pessoa portadora de transtorno mental
em relação ao seu tratamento. Nesse sentido, ela sugeria a desmontagem
progressiva das estruturas manicomiais e a adoção de uma abordagem em saúde
mental de atenção ao território.

É notável que o texto da lei aprovada após doze anos caracteriza-se como um
importante passo na garantia dos direitos humanos, na medida em que trata da
inclusão de novos sujeitos de direito e novos direitos para os sujeitos que estão em
sofrimento mental. No entanto, ela não assegura aspectos fundamentais do texto
original, como a extinção progressiva dos manicômios. Indubitavelmente, a
aprovação desta, entre outras leis estaduais, significaram um avanço considerável
no modelo assistencial, ainda que para Paulo Amarante a constituição da cidadania
se refira a um processo de maior complexidade, envolvendo uma mudança de
mentalidades (AMARANTE, 2007).

Pode-se destacar dois períodos de redimensionamentos nos campos


teóricos-assistenciais da psiquiatria, sendo o primeiro deles a ênfase na crítica à
estrutura asilar, tendo em vista que esta seria o agente responsável pelo aumento
na cronificação dos casos dos pacientes. Neste período, via de regra, o manicômio é
compreendido como uma instituição de cura. Fato este que motivou a urgência de
uma reforma interna da organização psiquiátrica, a qual, de fato, teve início nos
movimentos das Comunidades Terapêuticas (Inglaterra, EUA) e de Psicoterapia
Institucional (França), culminando nas Terapias de Família.
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Por sua vez, o segundo momento é caracterizado pela extensão da


psiquiatria ao espaço público. Passa-se, então, a equipá-lo com o intuito de prevenir
e promover a saúde mental. Destacam-se então as experiências de psiquiatria de
setor na França e da psiquiatria comunitária ou preventiva nos EUA.

Dessa forma, em oposição a Psiquiatria tradicional ou clássica, surgem novas


teorias, que questionam o modelo de tratamento da loucura. Nasce então a
antipsiquiatria, que passa a afirmar que a doença mental não existe em si, sendo na
verdade uma construção da sociedade. Nesse entendimento, a antipsiquiatria
denuncia a manipulação do saber científico, a desumanização da pessoa com
doença mental, as condições violentas no tratamento e no encarceramento, e a
noção da loucura como produto do interior do indivíduo. E isso leva a compreensão
de que os fatores que resultaram no comportamento do indivíduo identificado como
louco estariam fora dele (BOCK, 2008).

Por seu turno, a Psiquiatria Social ou a Psiquiatria Alternativa, apesar de


fazerem oposição ao pensamento clássico da doença mental, não negam a
existência da doença. Segundo Basaglia, citado por Bock (2008), a loucura, assim
como todas as doenças, expressa as contradições do ser. Basaglia entende a
doença enquanto contradição que se manifesta no ambiente social, e não apenas
como um produto da sociedade. Ou seja, para ele a doença mental nada mais é
senão uma inter-relação biopsicossocial.

Nota-se então que a antipsiquiatria e a psiquiatria na tradição basagliana


causam uma ruptura dos campos do saber/epistemológico e da
prática/fenomenológico psiquiátricos. Isso porque Basaglia traz um nível teórico-
prático, que inaugura um novo momento, “de um movimento inicialmente político,
referido a questões do direito e da cidadania dos pacientes, para a
operacionalização de categorias e estruturas assistenciais referidas a uma
'psiquiatria reformada'” (ROTELLI, 1990 apud AMARANTE, 1998, p. 57).

De acordo com Shimoguiri AFDT e Costa-Rosa (2017), no Brasil, as primeiras


mudanças no formato de assistência em Saúde Mental estão atreladas aos
movimentos da Reforma Sanitária e da Reforma Psiquiátrica brasileira, as quais
apontavam para uma nova compreensão de saúde. Nesse ínterim, para as autoras a
Reforma Sanitária definiu a Saúde Coletiva como um campo de práticas e ideias
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positivas da saúde, com possibilidades de promoção e melhorias, e não


exclusivamente com o status de recuperação.

Em acordo com Basaglia, citado por Bock (2008), as ensaístas afirmam


igualmente que na visão sanitarista a saúde era entendida como efeito produzido
pela sociedade, e por essa razão, sua forte oposição ao fisicalismo. Pois um sujeito
saudável não se limita à boa saúde do seu corpo físico. Segundo Shimoguiri AFDT e
Costa-Rosa (2017), a partir desse entendimento, a saúde passou a ocupar espaço
intersetorial e político.

Sobre este aspecto político, Pitta (2011) reflete que o anseio por uma
sociedade sem manicômios aponta justamente para a necessidade do engajamento
da sociedade no debate e direcionamento das temáticas atreladas à doença mental
e à assistência psiquiátrica.

De fato, a trajetória caracterizada pela consciência da desinstitucionalização


tem seu marco inicial na segunda metade dos anos 80 e dentro de um contexto
político crucial para o Brasil. Nesta época, ocorrem inúmeros eventos e
acontecimentos de vital importância para a Reforma Psiquiátrica, dentre eles,
destaca-se a realização da VIII Conferência Nacional de Saúde. E, de acordo com
Amarante (1998), “uma nova concepção de saúde surgiu desta conferência – a
saúde como um direito do cidadão e dever do Estado” (p.135 e 136). Esse fato abriu
espaço para a conceituação de princípios básicos, tais como: a universalização do
acesso à saúde, a descentralização e democratização. O que causa uma mudança
na visão do Estado, ou seja, agora como promotor de políticas de bem-estar social.
Além disso, acarreta em uma nova visão de saúde, como sinônimo de qualidade de
vida, visto que dentre os tópicos de maior relevância no relatório final da conferência
estava ‘A Saúde como Direito’.

Neste mesmo cenário, também se destaca a relevância da I Conferência


Nacional de Saúde Mental, do II Congresso Nacional de Trabalhadores de Saúde
Mental, conhecido como o 'Congresso de Bauru', como também a criação do
primeiro Centro de Atenção Psicossocial em São Paulo, e do primeiro Núcleo de
Atenção Psicossocial em Santos, da Associação Loucos pela Vida em Juqueri, da
apresentação do Projeto de Lei 3.657/89, de autoria do deputado Paulo Delgado ou
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Projeto Paulo Delgado, e da realização da II Conferência Nacional de Saúde Mental


(PITTA, 2011).

Por conseguinte, toda esta trajetória pode ser considerada como uma ruptura
no processo da reforma psiquiátrica brasileira, visto que deixa de estar restrito as
transformações no campo técnico-assistencial para se tornar um processo mais
complexo, abrangendo os campos técnico-assistencial, político-jurídico, teórico-
conceitual e sociocultural (AMARANTE, 1998).

Nesse sentido, em solo brasileiro, observa-se o quanto a questão da saúde


mental avançou no que diz respeito aos direitos humanos e sociais das pessoas
portadoras de transtornos mentais. Pois, por meio da Reforma Psiquiátrica, tem-se
buscado novas estratégias de cuidado e atenção à saúde mental, causando a
desinstitucionalização e incitando tratamentos alternativos no Sistema Único de
Saúde (SUS) (PAMPONET e MATOS, 2018).

2. METODOLOGIA

O presente referencial teórico a respeito dos temas: Luta Antimanicomial e


Direitos Humanos e Saúde Mental, tem por objetivo dar suporte a uma
documentação de consultoria quanto ao caso de suicídio sob internação ocorrido em
2012, no município de Maringá – PR. Para tanto, foi organizada uma documentação,
em formato de Portifólio, para que sirva de consultoria quanto ao caso, e viabilize a
promoção da Saúde Mental e dos Direitos Humanos.

Para a escrita deste referencial foram revisitados os trabalhos


primordialmente de Amarante (1998), (2000), (2007), Bock (2008), Boarini (2020),
Frazzato (2018), Maia e Gradella (2021), Matos e Pamponet (2018), Pitta (2011) e
Shimoguiri AFDT e Costa-Rosa (2017) todos relacionados ao tema da Luta
Antimanicomial, Direitos Humanos e Saúde Mental.

Também foi criado um material audiovisual, em formato pitch contendo em


seu instrumento reflexões acerca da temática deste trabalho. O vídeo foi criado em
um programa de edição específico de audiovisuais, e posteriormente, postado na
plataforma online de comunicação digital youtube.
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3. RESULTADOS

A elaboração deste material permitiu a construção de um portifólio feito na


plataforma Canva e disponibilizado no espaço deste trabalho, no apêndice. O
portifólio traz de forma didática e intuitiva elementos textuais deste documento, como
também imagens ilustrativas com o propósito de facilitar o acesso ao seu conteúdo,
que trata a respeito da Luta Antimanicomial, Direitos Humanos e Saúde Mental.

Ademais, foi feito um vídeo de apresentação do material em formato Pitch,


que pode ser acessado por meio do link:

https://youtu.be/rYhyPfgudZo

4. DA ESTRUTURA ASILAR ÀS NAPS/CAPS/RAPS: BREVE PERCURSO


SOBRE A HISTÓRIA DA LUTA ANTIMANICOMIAL

Para se compreender o conceito de doença mental faz -se necessário aludir a


Michel Foucault, que trouxe significativa contribuição a constituição histórica da
loucura. Ele estabelece uma linha do tempo com base na pesquisa em arquivos de
prisões, hospitais e hospícios, traçando o marco temporal de seu trabalho histórico
no Renascimento (Século XVI), período em que a loucura significava “ignorância,
ilusão, desregramento de conduta, desvio moral, pois o louco toma o erro como
verdade, a mentira como realidade” (SAMPAIO, 1998 apud BOCK, 2008, p. 348).
Nessa época, quando ocorriam as raras internações de loucos em hospitais, o
tratamento era o mesmo dado aos demais pacientes.

Nos séculos XVII e XVIII, com a criação do Hospital Geral em Paris, teve
início um grande número de internações heterogêneas, devassos, feiticeiros,
libertinos e os loucos, ou seja, a escória da sociedade. O Hospital Geral não era
uma instituição médica, mas assistencial. Portanto não se oferecia um tratamento e
os loucos não eram considerados doentes, mas como os demais, eram inadequados
ao convívio social, por isso excluídos dessa relação (BOCK, 2008).

Então, a partir da segunda metade do século XVIII, inicia-se o processo de


patologização do louco, que passa a ser caracterizado como alienado. Nesse
período, já na Modernidade, é criada a primeira instituição asilar, que tem na
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definição da doença mental seu objeto de medicalização e terapeutização, o que se


funda como marco histórico de constituição do saber e da prática médica psiquiátrica
(AMARANTE, 1998). Por seu turno, Maia e Gradella Junior (2021) sumarizam as
discussões sobre Direitos Humanos em termos de ‘gerações’, e segundo Gallardo
(2014) apud Maia e Gradella Junior (2021), “a primeira geração como o conjunto de
direitos que constituem capacidades individuais que o Estado deve reconhecer e
proteger, e que emergiram como consequência da ação da sociedade civil
emergente”, situa-se nas Revoluções Burguesas dos Séc. XVII e XVIII. Já a
segunda geração de direitos humanos está ligada à promoção dos direitos
econômicos, sociais e culturais, por parte do Estado, as quais surgiram das lutas dos
trabalhadores organizados em sindicatos e cooperativas e da luta contra a
escravidão em todo o mundo. Relacionada a esta segunda geração de direitos
torna-se essencial notar o lugar real ocupado pelos sujeitos e grupos que são
privados de direitos.

Foucault relata em O Nascimento da Clínica a transformação do hospital em


instituição medicalizada, devido a dominância da disciplina, da organização e
vigilância médicas. Desse modo, entende-se que a relação tutelar para com o louco
em nada diferem das noções do ‘vigiar’ e ‘punir’ observada nos presídios. Ocorre
que o imaginário de perigo social aliado ao conceito de doença mental da medicina
cria uma oportunidade para a sobreposição entre punição e tratamento. Outrossim, o
status de vigilância e tutela para com o doente mental passa a ser o cerne das
práticas manicomiais e a ocupar territórios de isolamento, morte e ausência de
verdade (AMARANTE, 1989, 2007, 1998).

Amarante (2007) esclarece que na Idade Média o objetivo do hospital era


abrigar, alimentar e dar assistência religiosa aos pobres e mais necessitados, como
uma espécie de hospedagem ou hospedaria. No entanto, no século XVII, os
hospitais assumem uma função de ordem social e política. Dessa forma é possível
notar que com o avanço da medicina psiquiátrica e a transformação de seu espaço
de atuação, o hospital, que passa a se adequar a essa medicina hospitalar, os
vínculos com o modelo biomédico ocidental, cuja característica essencial é a
hospitalização. Esse modelo médico ocupa-se da doença em si e não do sujeito
afetado por ela.
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Desse modo, Pinel elabora a primeira nosografia, isto é, ele classifica as


enfermidades mentais, como também consolida a definição de alienação mental e a
profissão do alienista. Ele funda os primeiros hospitais psiquiátricos, estabelece o
princípio de isolamento para os alienados e inaugura o modelo terapêutico da
psiquiatria, introduzindo o tratamento moral (AMARANTE, 2007)

O tratamento de isolamento proposto por Pinel tem o objetivo de afastar o


alienado de quaisquer interferências que pudessem prejudicar tanto a observação
para precisão do diagnóstico quanto o tratamento moral, pautado em regras e
disciplinas, para que a mente desregrada voltasse a clareza seus objetivos e à
verdade de seus pensamentos e emoções. De alguma forma, o hospital passa a ser
visto como lugar de cura e não apenas de morte, como o era em seu período
filantropo.

Assim, o hospital psiquiátrico se torna um espaço para produção do


conhecimento, ou seja, um laboratório onde as pessoas são observadas e
estudadas e seus comportamentos descritos e analisados. Outrossim, à medida que
surgem novas instituições assistenciais, o hospital ocupa uma nova finalidade, que é
a de tratar os enfermos. Finalmente, conforme o trabalho de Pinel - reconhecido
como o pai da psiquiatria, que sucede o alienismo - se expande, inúmeros hospitais
de alienados passam a surgir pelo mundo, dando sequência aos princípios e as
estratégias iniciadas por Pinel (AMARANTE, 2007).

De acordo com Amarante (1998, p. 62),

É interessante constatar que o modelo clássico da psiquiatria foi tão


amplamente difundido, que influencia a prática psiquiátrica até os nossos
dias – apesar de terem surgido outros tantos modelos. O que talvez sugira a
confirmação de que sua validação social está muito mais nos efeitos de
exclusão que opera, do que na possibilidade de atualizar-se como um
modelo pretensamente explicativo no campo da experimentação e
tratamento das enfermidades mentais.

Ademais, sabe-se que a história pode promover constantes releituras e


reinterpretações, e nesse sentido, há de se perceber que as informações sobre o
ocorrido em campos de concentração impactaram fortemente na relação
estabelecida com os grandes hospitais psiquiátricos europeus, no que diz respeito à
precariedade e às violências contra os internos, visto se aproximar muito dos
ocorridos nos campos de extermínio (BASAGLIA, 1985 apud MAIA E GRADELLA
JUNIOR). Destaca-se, ainda, no período pós-guerra, a produção em escala
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industrial de potentes psicofármacos. Além de favoreceram tratamentos extra-


hospitalares, tinham menor custo para o Estado do que a manutenção dos hospitais
psiquiátricos. Desse modo, investir em ações de saúde mental amparadas por
psicofármacos tornou-se economicamente rentável, e tal investimento passa a
repetir o que é representado pelos campos de extermínio, isto é, a negação do outro
como humano.

Posteriormente à reforma e às conquistas trazidas por Pinel para a medicina


psiquiátrica, surgem inúmeras críticas ao seu modelo de tratamento e outras
reformas que questionam “o papel e a natureza, ora da instituição asilar, ora do
saber psiquiátrico, surgindo após a Segunda Guerra, quando novas questões são
colocadas no cenário histórico mundial.” (AMARANTE, 1998, p. 63-64).

Exemplos de propostas alternativas ao tratamento asilar são trazidos por Maia


e Gradella (2021, p.6). Tais como:

a Psiquiatria de Setor de Lucien Bonnafé, em 1945, que buscava uma


transformação das condições asilares do pós-guerra; a Comunidade
Terapêutica de Maxwell Jones, em 1959, desenvolvida em um hospital
psiquiátrico, baseada nos trabalhos de Sullivan, Meninger, Bion e
Reichman; a Psicoterapia Institucional de François Tosquelles no hospital
de Saint Alban, uma experiência de transformação do espaço asilar
buscando sua superação como espaço de segregação; a Psiquiatria
Preventiva de Caplan, na década de 1960, organizada em Prevenção
Primária, Prevenção Secundária e Prevenção Terciária, entre outras
iniciativas.

Para esses autores a novidade trazida por essas reformas está na introdução
da Prevenção Primária, cujo foco é a transformação do espaço asilar, a fim de
resgatar os direitos dos internos. A psiquiatria preventiva, com sua estratégia de
intervir nas causas ou na origem das doenças mentais, tem o intuito não apenas na
prevenção destas, mas essencialmente na promoção da saúde mental. Esse fato
define um novo território para a psiquiatria e aponta para um novo objeto no
tratamento das doenças mentais, ou seja, a saúde mental.

Dessa forma o projeto do preventivismo será adotado por organizações


sanitárias internacionais como a OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde e
OMS – Organização Mundial da Saúde.

Nesse sentido, para Amarante (1998, p.84)

o preventivismo significa um novo projeto de medicalização da ordem social,


de expansão dos preceitos médico-psiquiátricos para o conjunto de normas
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e princípios sociais. Tal processo representa a existência de uma


'atualização' e de uma metamorfose do dispositivo de controle e
disciplinamento social, que vai da política de confinamento dos loucos até à
moderna 'promoção da sanidade mental'.

Ademais, um grande marco para o surgimento da Psiquiatria Preventiva deve-


se ao censo realizado em 1955, nos Estados Unidos, que analisa as condições
assistenciais dos hospitais psiquiátricos do país. Fato que dá visibilidade à
precariedade na assistência, à violência extrema e aos maus tratos sofridos pelos
internos na estrutura asilar. O impacto causado desencadeou um histórico discurso
e decreto do então Presidente Kennedy, em fevereiro de 1963, no qual convocava o
país para necessárias mudanças no campo da saúde mental.

Por outro viés, a antipsiquiatria aparece na Inglaterra, no final da década de


50, tendo sua maior repercussão nos anos 60, sob a abordagem dos psiquiatras
Ronald Laing e David Cooper, que em suas experiências de Comunidade
Terapêutica e Psicoterapia Institucional entendem que as pessoas tidas como loucas
sofriam violências e eram oprimidas não apenas no hospital psiquiátrico, onde
estavam para serem tratadas, mas também na família e na sociedade. Para eles os
discursos dos loucos revelavam os conflitos familiares e da sociedade (AMARANTE,
2007).

O termo antipsiquiatria é sugerido posteriormente por Ronald Cooper como


uma antítese à teoria psiquiátrica, trazendo à baila a proposição de que a doença
não ocorre no corpo da pessoa com transtorno mental, mas nas relações que esta
estabelece com a família e a sociedade. Nesse sentido, tais “críticas ao objeto, às
teorias e aos métodos da Psiquiatria e Psicopatologia, proporcionando uma profunda
revolução nesse campo.” (MAIA E GRADELLA, 2021, p. 6), na medida em que a
proposta dos autores faz eco aos questionamentos “políticos anticoloniais, críticos
da racionalidade dominante alienada e a movimentos sociais que viriam a consolidar
a terceira geração de direitos humanos, das minorias e dos povos dominados.”
(MAIA E GRADELLA, 2021, p. 6).

Apesar de todas as críticas à Psiquiatria Clássica, o modelo de hospital


psiquiátrico segue predominante. O que traz na sequência a proposta da Psiquiatria
Democrática Italiana, dirigida por Franco Basaglia, o qual executa um
desmantelamento do aparato manicomial, propondo o fim dos tratamentos violentos,
do enclausuramento e construção de novos espaços e formas de lidar com a
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loucura. Assim, a experiência de desinstitucionalização da psiquiatria tem início com


o psiquiatra Franco Basaglia (1924-1980) (BOARINI, 2020).

Barros (1994) apud Amarante (1998) menciona três pilares de crítica da


tradição basagliana. São elas: a interdependência entre psiquiatria e justiça, o status
social das pessoas internadas e a não-neutralidade do conhecimento científico.

Segundo o autor, a grande contribuição do movimento Psiquiatria


Democrática Italiana (PDI) diz respeito “à possibilidade de denúncia civil das práticas
simbólicas e concretas de violência institucional e, acima de tudo, à não restrição
destas denúncias a um problema daqueles que trabalham com a saúde mental.

Por esse turno, Maia e Gradella (2021) explicam que os movimentos da


desinstitucionalização psiquiátrica emergem no Brasil a partir de 1970, numa relação
intrínseca, envolvendo a reforma psiquiátrica e o Movimento Nacional da Luta
Antimanicomial em um cenário de grandes oposições e entornos políticos, para
questionar a violação dos direitos humanos na Ditadura Militar.

Nesse período, os movimentos da Reforma Sanitária e de Renovação Médica


traziam uma nova concepção de saúde, fazendo eco à Conferência Internacional
sobre Cuidados Primários de Saúde promovida pela Organização Mundial de Saúde
(OMS), em 1978. Na conferência, “uma atenção maior foi dada à complexidade do
fenômeno saúde-doença, à sua multideterminação biopsicossocial e às discussões
sobre as equipes multidisciplinares em saúde” (PAULIN E TURATO, 2004 apud
MAIA E GRADELLA J., 2021, p. 6).

Da mesma forma, no Brasil, no final dos anos 80, foram criados os Conselhos
Populares de Saúde, os quais passam a pleitear o cumprimento da função do
Estado na promoção de saúde, realizando, em 1986, a VIII Conferência Nacional de
Saúde, onde é aprovado o Sistema Único de Saúde (SUS). Tal movimento vai além
de reinvindicações pontuais e abre caminhos para a construção de políticas de
saúde mental, tais como os hospitais-dia, os centros de atenção psicossocial, os
centros de convivência e cultura, as residências terapêuticas entre outros.

Esses acontecimentos em solo brasileiro culminaram no movimento social


que, em 18 de maio de 1987, ficou conhecido como a Luta Antimanicomial, com o
lema por uma Sociedade sem Manicômios. Esse é o marco de uma longa trajetória
13

em defesa dos direitos humanos na saúde mental, cujo espaço jurídico é


estabelecido pela Lei n° 10216 de 2001 que “Dispõe sobre a proteção e os direitos
das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial
em saúde mental” (BOARINI, 2020, p. 26).

Essa lei desinstitucionaliza o tratamento hospitalar, cuja função é ser um


mecanismo de exclusão e limpeza social de pessoas, que pudessem causar algum
tipo de transtorno na sociedade. E o direciona para um tratamento humanizado e de
inclusão social da pessoa em sofrimento mental, com a participação da família,
através de uma Rede de Atenção Psicossocial, estruturada em unidades de serviços
comunitários e aberta (BOARINI, 2020), (PAMPONET e MATOS, 2018).

A décima segunda edição do Conexão Fiotec-Fiocruz traz uma entrevista com


Paulo Amarante, que fala da sua percepção da reforma antimanicomial, no Brasil,
após a década de 70, quando ele denuncia as situações de violências, negligência e
abandono nos manicômios e participa da organização do livro ‘Colônia: uma tragédia
silenciosa’, que dá início à abundante produção de textos a respeito das barbáries
ocorridas nos hospitais psiquiátricos brasileiros (GOMES, 2018).

Gomes (2018) destaca na entrevista com Amarante, que há não muito tempo
atrás, o tratamento recebido por alguém que fosse considerado ‘louco’ - como era
chamada uma pessoa que sofresse de algum tipo de transtorno mental - era interná-
la em um hospício. E uma vez dentro de uma instituição manicomial, a pessoa
perdia o direito à sua cidadania, sendo relegada a condições sub-humanas e
submetida a intervenções violentas, que poderiam resultar até mesmo em sua
morte.

Sendo assim, em se tratando dos direitos da pessoa humana, Maia e Gradella


J. (2021) entendem de acordo com Gallardo (2014 apud MAIA e GRADELLA, 2021,
p. 2),

que os direitos humanos devem ser vistos como resultado de lutas


históricas de movimentos sociais que conseguiram, por sua força e
organização, consolidar declarações, tratados, pactos e leis que
estabeleceram direitos para populações discriminadas e que sofreram as
mais diversas formas de violência. (p. 2)
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No entanto, os autores apontam para o fato de que a existência das leis não
necessariamente é garantia do respeito e da promoção dos direitos humanos, pois
sua efetivação depende do encadeamento de forças políticas.

Para Pamponet e Matos (2018) a pauta dos direitos humanos no Brasil se dá


com a Constituição Federal de 1988, constituindo-se a base na consolidação de um
Estado democrático. Conforme disposto no art. 6º da Constituição Federal:

São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a


moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção
à maternidade à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição. (BRASIL, 1988)

E ainda no Art. 196 dispõe:


A saúde é o direito de todos e o dever do Estado, garantindo mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988)

Segundo estabelece a constituição de 1988, pode-se observar que a garantia


do direito à saúde não se limita em oportunizar o acesso à cura das doenças física e
mental, mas na prevenção, por meio do elemento pedagógico, trazendo informação,
ensino e esclarecimento para a população, dando condições para a existência de
uma educação social. Como também, a garantia do direito a saúde se dá pelo
planejamento estratégico do Estado, ao adotar um conjunto de medidas de cunho
social e econômico e ações elaboradas em políticas públicas (PAMPONET e
MATOS, 2018).

O trabalho de Pitta (2011), dez anos após a aprovação da Lei n° 10216, traz a
proposta de uma breve análise sobre a Reforma Psiquiátrica Brasileira e chama a
atenção a respeito dos desafios que ela precisa enfrentar para manter e renovar a
aspiração pela cidadania como um direito de todos, numa sociedade sem
manicômios.
Nesse sentido Pitta (2011) aborda o significativo avanço que a reforma
psiquiátrica brasileira obteve na primeira década dos anos 2000. Ela destaca a
regulamentação “da expansão da rede comunitária e do controle dos hospitais, onde
as Portarias 336 e 189 expandem os CAPS”, como também as “portarias, 106 e
1.220, ambas de 2000” (p.8), as quais estabelecem os serviços residenciais
terapêuticos (SRT), que oportunizam aos moradores de hospitais cronicamente
internados a sua reinserção na comunidade. Pitta leciona que tais portarias
15

contribuíram para a instituição dos “CAPS e NAPS (336/2001), [ambos] importantes


instrumentos normativos da Reforma.” (p. 8)
Assim, se reconhece que a lei demarca o início de um processo na criação e
viabilização de políticas públicas para a implementação mais efetiva da assistência
por meio “das portarias ministeriais e da indução financeira para tal fim.” (PITTA,
p.9). Segundo a autora, muito se avançou nos primeiros dez anos do marco da
Reforma Psiquiátrica, sobretudo no enfrentamento de preconceitos a respeito dos
transtornos mentais e o uso de substâncias psicoativas. Pitta aponta esses avanços
nas prescrições e nas diretrizes do Ministério da Saúde, da Justiça e
Direitos Humanos, da Cultura, do Trabalho, para a área. Tal avanço
prescritivo, presente na Legislação, nos relatórios das Conferências, nas
portarias ministeriais, até mesmo em manifestações públicas de
Presidentes, Governadores, Prefeitos e Secretários (2011, p.9).

No entanto, ela alude ao fato de que os mesmos avanços não foram


acompanhados de “ações consequentes que viabilizem o dito ou o escrito na
intensidade na qual se faz necessária.” (PITTA, 2011, p.9).

Por este mesmo viés, Frazzato (2018) demonstra um aumento significativo no


investimento de recursos federais nos serviços extra-hospitalares, e uma
proporcional diminuição de recursos destinados a serviços hospitalares. Ela
corrobora com Pitta (2011) sobre o aumento no acesso ao cuidado em saúde mental
nos primeiros anos da Reforma, e destaca a forma responsável com que se tem feito
a desospitalização na área da saúde mental no Brasil. Também enfatiza a expansão
das RAPS, que implica na transformação no modelo de assistência em saúde
mental, apresentando evidências da efetividade e resultados no tratamento feito na
comunidade daqueles que sofrem de transtornos psíquicos. Para Frazzato Isso
revela que os cuidados apoiados nos princípios da Reforma Psiquiátrica têm
impactado e transformado histórias de pessoas, viabilizando a reconstrução de
histórias e não apenas a promoção de meras mudanças administrativas.

Apesar dos avanços e êxitos que a Reforma Psiquiátrica trouxe para a saúde
mental, segundo Frazzato (2018), ela permanece inconclusa e repleta de desafios.
Sendo assim, por ser a Reforma um processo em construção se faz necessário
rever o que se alcançou e o que ainda precisa ser superado.
16

5. CONCLUSÃO

Tendo em vista tudo quanto foi dito, nota-se que o advento de experiências
institucionais bem-sucedidas no desenho e construção de uma nova abordagem de
cuidado em saúde mental corresponde ao sucesso da reforma. Nesse sentido, fala-
se em um processo de desinstitucionalização responsável, em que o sujeito é
tratado em toda complexidade de sua existência intrínseca às suas reais condições
de vida. Somente assim, o tratamento deixa de ser a exclusão asilar em lugares de
violência e afastamento social para viabilizar espaços de subjetivação e interação
social na comunidade.

Finalmente, para atender a essa demanda foram criados serviços capazes


de oferecer essa experiência institucional bem sucedida e permanente de cuidados:
os CAPS, serviços residenciais terapêutico, além de outros serviços ambulatoriais de
referência.

Também foram inseridos no campo da saúde cuidados e procedimentos


como recurso econômico (o auxílio Reabilitação De volta pra casa, Lei Federal),
trabalho protegido (Programa geração de renda e trabalho, MS/MT), lazer assistido
(Pontos de cultura, MINC/MS) e outras possibilidades de intervenção intersetorial
ampliada. Ou seja, toda uma rede de atenção psicossocial que compreende como
um todo o sujeito assistido (PITTA, 2011).

Destarte, sem essa rede de cuidados o sujeito/paciente estaria condenado a


viver como indigente na sociedade, ou ainda, ser relegado a longas internações e
abandono em manicômios.
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REFERÊNCIAS

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