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Uma revista para pastores e líderes de igreja

nov-dez de 2013
Exemplar avulso: R$ 11,30
SALA PASTORAL Heyssen J. Cordero Maraví
Pastor na Associação Peruana Central Sul

O mendigo e o rei

H
oje, lembrei-me de que sou pastor. Necessi- perguntou o rei, “como você pretende me matar? Com
tava ouvir um pastor, alguém que entendesse quem você está planejando isso?” O mendigo respondeu:
minha situação e não me obrigasse a ouvir o “Isso não é correto, majestade. Venho aqui todos os dias,
que eu não queria, mas o que necessitava ouvir. Confesso para não esquecer minhas raízes, minhas origens.”
que, inicialmente, sua resposta não me agradou. “Não Ao ouvir esse relato, meu coração quebrantou-se.
parece justo”, eu protestava silenciosamente, enquanto Descruzei os braços, senti-me humilhado, baixei os olhos
aquele pastor me aconselhava. Eu estava convencido de e disse: “Muito obrigado, pastor!” Lembrei-me de que
que minha queixa era bem fundamentada, que não pedia sou pastor. Quando decidi servir a Deus, vim apenas
nada fora do normal. Simplesmente reivindicava melhor com um sentimento: “Eis-me aqui. Envia-me!” Em que
tratamento. Consideração – essa é a palavra que melhor ponto da minha jornada pastoral eu me esqueci desse
definia meu pedido. propósito? Jamais havia pensado antes no que receberia
De fato, eu estava furioso. Sentado, com braços cruza- em troca do serviço prestado a Deus em Sua causa. Longe
dos, olhava fixamente um pastor que, em resumo, sim- esteve de mim pensar nos “direitos” (na verdade, nem
plesmente me dizia: “Não acre- os conhecia). Tudo o que dese-
dito que você esteja reclamando java era cada vez mais conhecer
direitos.” Pelo menos foi o que
inferi de suas palavras.
“O pastor jamais deve meus deveres de missionário na
causa de Deus.
A situação era a seguinte: Eu se desviar do verdadeiro Porém, qual seria o motivo
sentia que todos os demais eram propósito para o qual de eu estar escrevendo sobre
mais bem tratados do que eu. foi chamado” esta minha experiência? Sim-
Sempre me sentia prejudicado plesmente porque me lembrei
e, por isso, estava perdendo o de que sou missionário, sou pas-
respeito pelos demais. “Não é possível que isso esteja tor. Lembrei-me porque estava esquecendo. Como num
ocorrendo e ninguém pode fazer nada para reverter a piscar de olhos, despertei-me para o fato de que, sem
situação, ou me dar o que mereço, de acordo com os re- perceber, eu estava perdendo o primeiro amor. Graças
gulamentos!”, eu pensava. Será que isso acontecia porque à ajuda de um pastor que se dispôs a me ouvir e orar
eu ainda era aspirante ao ministério? Era assim que devia comigo, tudo ficou claro.
ser tratado um aspirante? Por que minha escala salarial Peço que Deus não me permita, jamais, desviar do
era baixa? Por que não me informaram isso, quando eu verdadeiro propósito para o qual fui chamado. Quero ser
ainda estava no seminário? Não seria melhor que tudo um pastor “segundo o coração de Deus” (Jr 3:15). Um
tivesse ficado claro desde aquela época? pastor que esteja sempre aos pés do Pastor dos pastores,
Então, meu conselheiro relatou a história do mendigo Jesus Cristo, o Bom Pastor (Jo 10:11). Que o passar do
e o rei. Segundo essa história, o rei levou um mendigo tempo não me converta em pastor infiel (Ez 34:2-11).
para viver no palácio com todos os privilégios e honras: Já se passaram quase dois anos desde o diálogo daque-
trabalho, comida, vestuário, cargos e outras coisas. Certo le dia. Sou extremamente feliz em servir a Deus! Todos
dia, alguém disse ao rei que o mendigo estaria planejando nós sabemos que, em nossa jornada pastoral, pode haver
matá-lo. O rei não acreditou, porém seguiu o mendigo momentos em que venhamos a nos sentir desvalorizados
até o lugar em que este estaria tramando o assassinato. ou ignorados. Porém, jamais devemos nos esquecer de
Entretanto, surpreendeu-se, ao encontrar o mendigo que fomos chamados para realizar, pela graça de Deus,
em uma tétrica e miserável cova, vestindo roupas sujas um trabalho especial para Ele. O mais importante nessa
e cercado e objetos de valor insignificante. “Diga-me”, vocação é agradar ao supremo Pastor.

2 MINISTÉRIO
EDITORIAL
Uma publicação da
Igreja Adventista do Sétimo Dia

Ano 85 – Número 509 – nov/dez 2013


Periódico Bimestral – ISSN 2236-7071

Autoridade suprema
Editor:
Zinaldo A. Santos
Editor Associado:
Márcio Nastrini
Assistente de Editoria:
Lenice F. Santos

Chefe de Arte:
Marcelo de Souza
Projeto Gráfico:

A
Marcos Santos
Fotos:
Capa - © Georgio Kollidas
ssistindo a um programa de televisão numa emissora católica, vi
Editor - Daniel Oliveira quando o apresentador respondeu a uma telespectadora cuja per-
Autores - cortesia e Ministry
gunta dizia respeito a Maria: “Por que a igreja católica exalta a mãe
Colaboradores Especiais: de Jesus, colocando-a em um pedestal quase divino, se não há fundamento
Carlos Hein; Rafael Rossi;
Jerry Page; Derek Morris
bíblico para tanto?” A consulente esclareceu que havia pesquisado a Bíblia e
nada encontrara nesse sentido. Em tom enfático, o apresentador explicou
Colaboradores:
Antônio Moreira; Bolívar Alaña; Carlos
que não havia necessidade da Bíblia para fundamentar a ideia em discussão,
Sanchez; Daniel Marin; Edilson Valiante; assim como não há necessidade dela para o estabelecimento de muitos ou-
Eliézer Júnior; Eufracio Quispe: Geovane
Souza; Horácio Cayrus; Jair Garcia
tros conceitos. Estando alguém diante de um impasse doutrinário ou prática
Góis; Jeú Caetano; Jim Galvão; Leonino eclesiástica para os quais, aparentemente, a Bíblia não tenha respostas, mas
Santiago; Salomón Arana.
tenham o aval da tradição da igreja, esse alguém deve seguir a tradição. Nesse
Diretor Geral: caso, ela é superior às Escrituras, decretou o apresentador, com argumentos
José Carlos de Lima
Diretor Financeiro:
cujos detalhes este espaço não permite analisar.
Edson Erthal de Medeiros Evidentemente, o fato não se constitui novidade. Esse conceito esteve no
Redator-Chefe:
Rubens S. Lessa
âmago do conflito entre o monge Martinho Lutero e sua antiga denominação,
e foi combatido pelo princípio Sola Scriptura, que exalta a suprema autoridade
SERVIÇO DE ATENDIMENTO AO CLIENTE
da Escritura, enfatizando-a com sua própria intérprete, à parte da autoridade
Ligue Grátis: 0800 979 06 06 humana. Graças a Deus, para a Igreja Adventista do Sétimo Dia, somente as
Segunda a quinta, das 8h às 20h
Sexta, das 7h30 às 15h45
Escrituras são a “norma do caráter, o revelador das doutrinas, a pedra de toque
Domingo, das 8h30 às 14h da experiência religiosa” (Ellen G. White, O Grande Conflito, p. 7).
Site: www.cpb.com.br
E-mail: sac@cpb.com.br
A propósito disso, nesta edição de Ministério, o doutor Kwabena Donkor
analisa interessantes aspectos do caminho trilhado por Lutero em direção
Ministério na Internet:
www.dsa.org.br/revistaministerio
ao estabelecimento dessa divisa. Além desse artigo, outros, a exemplo dos
www.dsa.org.br/revistaelministerio de Stephane Beaulieu, Nancy Vyhmeister, Humberto Rasi e Jack Blanco,
Redação: ministerio@cpb.com.br
oferecem subsídios bíblicos para enriquecimento da nossa pregação, além de
Todo artigo, ou correspondência, para ampliar a visão sobre questões teólogicas, sociais e doutrinárias.
a revista Ministério deve ser enviado para
o seguinte endereço:
Louvamos a Deus pelo privilégio de, como igreja, podermos nos identificar
Caixa Postal 2600 –70279-970 – Brasília, DF com esta afirmação: “Mas Deus terá sobre a Terra um povo que mantenha
Assinatura: R$ 54,90
a Bíblia, e a Bíblia só, como norma de todas as doutrinas e base de todas as
Exemplar Avulso: R$ 11,30 reformas. As opiniões de homens ilustrados, as deduções da ciência, os credos
ou decisões dos concílios eclesiásticos, tão numerosos e discordantes como são
CASA as igrejas que representam, a voz da maioria – nenhuma dessas coisas, nem
PUBLICADORA
BRASILEIRA
todas em conjunto, deveriam considerar-se como prova em favor ou contra
Editora da Igreja Adventista do Sétimo Dia qualquer ponto de fé religiosa. Antes de aceitar qualquer doutrina ou preceito,
Rodovia SP 127 – km 106 – Caixa Postal 34
18270-970 – Tatuí, SP
devemos pedir em seu apoio um claro – ‘assim diz o Senhor’” (Ibid., p. 595).
Contudo, não é exaustivo afirmar que esse privilégio nos impõe a sagrada
Todos os direitos reservados.
responsabilidade pela manutenção do fundamento de nossa fé, repelindo
Proibida a reprodução total firmemente toda e qualquer ideia que o ameace.
ou parcial, por qualquer
meio, sem prévia autorização escrita do
autor e da Editora. Zinaldo A. Santos
Tiragem: 0.000  5972/29297

NOV-DEZ 2013 3
SEÇÕES
10 A VOZ DOS PROFETAS 2 SALA PASTORAL
Por que e como pregar sobre o Antigo Testamento.

3 EDITORIAL
13 O EXEMPLO DE UM FILÓSOFO
Lições da vida de Justino Mártir.
5 ENTREVISTA
15 RETRATO DE UM LÍDER
 prenda a agir independentemente das circunstâncias
A
desfavoráveis. 8 AFAM

17 A REFORMA E O PRINCÍPIO SOLA SCRIPTURA 32 MURAL


 uais foram os objetivos e as motivações dos reformadores
Q
na defesa da Bíblia.
34 RECURSOS

35 D
 E CORAÇÃO
A CORAÇÃO
© Brian Jackson | Fotolia

21 QUEM FOI JÚNIAS?


Uma identidade em discussão.
“O maior inimigo da
24 A BÍBLIA, A ECOSFERA E NÓS igreja destes últimos dias
Fundamentos bíblicos para a ecologia.
não é o mundanismo,
28 “QUE NINGUÉM OS ENGANE” mas a indolência. Deus
O que envolve a correta compreensão sobre a vinda de Jesus.
nos chama para fazer
alguma coisa. Ação é
mais importante que
discursos, gráficos,
ideias, opiniões, palavras
e desejos.” – Roger Hernandez
ENTREVISTA WILLIE E ELAINE OLIVER

A “primeira família”
e seus desafios
Divulgação AG

“Ter vida familiar relativamente saudável requer esforço, intencionalidade


e dependência do Altíssimo. Nunca devemos nos esquecer de que Deus
prometeu estar conosco até o fim dos tempos, dando-nos Sua paz e
suprindo todas as nossas necessidades”

por Willie E. Hucks III

O
casal Willie e Elaine Oliver Antes de ser nomeado para a função Elaine tem mestrado em Acon-
dirige o Ministério da Fa- que atualmente ocupa, ele pastoreou selhamento Psicológico, Educação,
mília na Associação Geral igrejas em Nova York, foi professor bacharelado em Administração de
da Igreja Adventista, em Silver Spring, na Universidade Andrews e liderou Empresas e, atualmente cursa o dou-
Estados Unidos. O pastor Willie é PhD departamentos na Associação Grande torado em Psicologia. Anteriormente,
em Sociologia da Família e mestre em Nova York, na União do Atlântico e na ela trabalhou como administradora
Aconselhamento Pastoral e Sociologia. Divisão Norte-Americana. em uma universidade bem como em

NOV-DEZ 2013 5
ENTREVISTA WILLIE E ELAINE OLIVER

consultoria familiar na Divisão Nor- adolescentes isso frequentemente Ministério: Como os pastores devem
te-Americana. Casados há 28 anos, se manifesta por meio de compor- ministrar aos adultos solteiros da igreja?
ambos têm realizado seminários e tamento rebelde e desrespeito para Willie: Geralmente temos uma
palestras em várias partes do mundo, com as normas e os valores cristãos. noção holística de família. De nossa
além de participar em programas de perspectiva, uma família pode ser
televisão e escrever artigos. Eles têm Ministério: Que lições de sua expe- nuclear (pai, mãe e filhos; pais se-
dois filhos: Jéssica e Julian. riência, como pais, podem ser úteis para parados e filhos), ampliada (mais de
Em seu escritório na sede da As- outros pastores, no trato com os filhos? uma geração sob o mesmo abrigo),
sociação Geral, o casal deu a seguinte Elaine: A pressão para ter filhos nova família (pais/padrastos e fi-
entrevista, na qual falou a respeito deperfeitos é muito perigosa. Às vezes lhos/enteados). E ainda existem os
temas relacionados à vida familiar do essa pressão vem de nossas expecta- divorciados, adultos que não se casa-
pastor, programa de trabalho e recur- tivas; outras vezes, das expectativas ram, viúvos e viúvas a quem temos
sos disponíveis para o andamento do da congregação e outras influências a tendência de esquecer. O ministé-
ministério que realizam. externas. A verdade é que os filhos rio pastoral deve se preocupar com
do pastor são seres humanos todos os tipos de família. O pastor
e cometerão erros. A saída é deve estar bem informado sobre as
“Como casal pastoral, devemos amarmos incondicionalmente necessidades dos adultos solteiros da
compreender que somos nossos filhos, transmitindo a igreja, organizar um ministério que
humanos e sujeitos às eles nossos valores espirituais trabalhe junto a ele no atendimento
durante os cultos familiares, desse grupo. Apoiar, fomentar ami-
incompatibilidades. Mas a gastando com eles tempo di- zade e envolvê-los nas atividades da
graça de Deus deve ser ário (mesmo que seja pouco). igreja é fundamental à vida da igreja.
suplicada, para que o equilíbrio Se criamos para eles um am-
seja mantido no casamento” biente de confiança e seguran- Ministério: O que a igreja e os
ça, nossos filhos terão mais pastores podem fazer para educar os
boa vontade em nos falar de membros a respeito do abuso infantil e
Ministério: Que tipos de desafios suas lutas espirituais, como parte para causar impacto positivo em comu-
são peculiares à família pastoral? normal de seu desenvolvimento. nidades vítimas desse horror?
Willie: Temos que admitir que Elaine: Se há crianças em nossas
não existem famílias perfeitas porque Ministério: Existem famílias for- congregações, há também grande
não existem pessoas perfeitas. Ainda madas depois da morte de um cônjuge possibilidade de que pelo menos uma
que nos esforcemos para construir ou até por separação. Há recursos para delas venha a sofrer abuso. Toda igre-
relacionamentos sadios, permanece o essas famílias? ja necessita estar segura de que tem
desafio porque somos falhos e essas Elaine: Embora seja verdade que políticas postas em ação no sentido
falhas dificultam a manutenção des- há um ideal a ser alcançado, parte de proteger as crianças, especialmente
ses relacionamentos. Apesar disso, é do nosso trabalho é desenvolver re- quando elas estão na igreja ou partici-
possível desfrutar vida familiar sau- cursos que falem aos vários tipos pando de eventos relacionados à igre-
dável. A família pastoral é semelhante de famílias que encontramos hoje ja. Como cristãos, vemos as crianças
às outras famílias, mas tem a pressão na sociedade e na igreja. A boa co- como valiosos presentes de Deus e
adicional de estar em evidência e sob municação em famílias onde pai e temos a responsabilidade de protegê-
constante escrutínio. Os membros mãe estejam presentes não é dife- -las, cuidar delas e garantir seu desen-
da igreja instintivamente tendem rente daquela em que há somente volvimento e crescimento em Cristo.
a olhar a família do pastor como um deles. Portanto, todo ministério Cada igreja deve ter estabelecido o
modelo de comportamento cristão. relevante e significativo às famílias ministério da família, cujas atividades
Sendo que ninguém é perfeito, as de- deve tratar os problemas de todas incluem a educação dos pais. O obje-
ficiências nesse caso são ampliadas, as famílias da igreja, que, em muitos tivo da paternidade e da maternidade
simplesmente porque é a “primeira casos, refletem as famílias da popula- é nutrir os filhos, de modo que eles
família” da igreja. Esse fardo mul- ção em geral. Mas não há uma forma cresçam em seu potencial pleno em
tiplica a pressão sobre os filhos e o única de ministrar às famílias. Assim, Cristo. Disciplina, que é uma palavra
casal, que lutam para corresponder tentamos desenvolver recursos que derivada da raiz do termo discipulado,
às expectativas, ou alimentar ressen- tratem de necessidades específicas deve ser a motivação no trato dos pais
timentos por causa do estresse. Nos das famílias em geral. com seus filhos, em vez de punição.

6 MINISTÉRIO
A disciplina tem como alvo ensinar e tona; podemos variar, escolhendo o samos, por causa de nossas fraquezas
orientar, enquanto punição tem co- que incluir ou não no programa. Caso humanas. Embora o relacionamento
mo objetivo castigar, ferir e dominar as crianças ainda estejam em idade com Cristo seja fundamental em mi-
crianças. Os pastores devem ser cuida- escolar, o período não deve exceder os nha vida e a prioridade que motiva e
dosos em treinar membros da igreja e quinze minutos. Sendo adolescentes, conduz minha vida conjugal, estou
pais nas respectivas congregações para vinte minutos é tempo suficiente. O sempre atento às incompatibilidades
valorizar os filhos. Entre os temas dos ponto principal do culto em família é que frequentemente aparecem em
seus sermões deve estar incluído o conectar os membros uns aos outros e meu casamento com Elaine. Então,
cuidado de Deus pelas crianças. todos a Deus. Invariavelmente, acha- meu cristianismo informa a maneira
mos fácil partilhar esse conceito com pela qual devemos buscar a concor-
Ministério: Como pastores e an- os membros das nossas congregações. dância: o caminho do amor, bonda-
ciãos podem obter os recursos disponi- Entretanto, realmente é importante de, paciência, perdão, compromisso
bilizados pelo Ministério da Família da que gastemos esse tempo, envolvidos mútuo. Considerando que sou hu-
Associação Geral? em disciplina espiritual como famí- mano, nem sempre faço o que desejo
Willie: Cada ano, nosso departa- lia. Os filhos crescem rapidamente e, fazer. Faz muito tempo, Elaine e eu
mento desenvolve um manual cha- quase antes que percebamos, já dei- concordamos que nunca magoaría-
mado Family Ministries Planbook, que xaram o lar. Deixar para eles um le- mos propositadamente um ao outro.
contém sermões, seminários e outros gado espiritual significa um dos mais Assim, quando nossa humanidade
recursos para facilitar o trabalho com valiosos presentes que podemos lhes se interpõe no caminho pelo qual
as famílias nas congregações. Com o dar – o tipo de presente que perma- pretendemos conduzir nosso com-
passar dos anos, temos desenvolvido necerá com eles durante toda a vida, portamento conjugal, nós paramos,
muitos outros materiais de fortale- quaisquer que sejam as decisões que reconhecemos o erro, perdoamo-nos
cimento da família que podem ser venham a tomar. e tomamos o tempo necessário para
obtidos através do site www.advent- fazer reparos. Temos aprendido a dar
source.org, clicando no ícone Store um ao outro o benefício da dúvida
e digitando family. Imediatamente, “A pressão para ter quando alguém fere o outro. Com-
aparecerá uma lista com itens que filhos perfeitos é muito preendemos que não existem pessoas
podem ser úteis para o efetivo minis-
tério às famílias. Também é possível
perigosa. A verdade é perfeitas, e isso nos inclui. Como casal
pastoral, devemos compreender que
obter informações adicionais, ideias que os filhos do pastor somos humanos sujeitos às incompa-
para culto com crianças e juvenis, em são seres humanos e tibilidades. Também devemos ter em
nosso site http://family.adventist.org. cometerão erros. mente a maneira pela qual o apóstolo
A saída é amarmos tratou o conflito descrito na carta aos
Ministério: Quais são os conse- romanos (7:24, 25), ou seja, a graça
lhos que os senhores dariam às famílias
incondicionalmente de Deus está sempre disponível e de-
pastorais, quanto à superação de even- a eles” ve ser suplicada, a fim de manter o
tuais dificuldades para a realização do equilíbrio necessário no casamento.
culto familiar diário? Ministério: Que lições da expe-
Elaine: Realizar o culto em famí- riência de ter Cristo como centro do Ministério: Que pensamentos os
lia é assunto de absoluta prioridade. casamento os senhores podem compar- senhores ainda gostariam de transmi-
Concordo em que, considerando as tilhar com outras famílias pastorais? tir aos leitores?
várias atividades em que estamos Willie: Ser cristão é uma realidade Willie: Ter vida familiar relativa-
envolvidos como família, devemos de tempo integral que se aplica a to- mente saudável é dom de Deus. Na
estabelecer o momento mais apro- das as facetas de minha vida, inclusive verdade, isso requer esforço, inten-
priado em que podemos estar juntos o casamento. Entretanto, sou igual a cionalidade e dependência do Altís-
para o culto familiar. Então, devemos todos os outros cristãos que, através simo. Entretanto, nunca devemos
permanecer comprometidos com esse dos tempos, partilham do conflito nos esquecer de que Deus prometeu
tempo e tornar o culto o mais interes- descrito pelo apóstolo Paulo: “Não en- estar conosco até o fim dos tempos,
sante possível, com a participação de tendo o que faço. Pois não faço o que dando-nos Sua paz e suprindo todas
todos os membros da família. Não há desejo, mas o que odeio.” Isso com- as nossas necessidades. Confiemos
necessidade de se seguir um roteiro prova que, como cristãos, tendemos nEle, a despeito dos desafios enfren-
fixo, pois a rotina pode ficar monó- a nem sempre praticar o que profes- tados cada dia em nossa vida.

NOV-DEZ 2013 7
AFAM Mirian P. de Rivero
Psicóloga, esposa de pastor na Associação Central Argentina

Fomos transferidos.
E agora?
Diante de uma transferência de distrito ou trabalho,
é importante contagiar os filhos com entusiasmo e
otimismo pelos aspectos positivos da experiência

A
o escrever sobre as mudanças de lugar e tra- mesma se a família envolvida estiver iniciando a vida
balho na vida pastoral, estou consciente de que matrimonial, se os filhos são pequenos, adolescentes,
o tema não fugirá a subjetividades, inclusive ou se pastor e esposa são de idade avançada e vivem
as minhas como esposa de pastor e mãe de dois filhos. sem os filhos.
O impacto que as mudanças causam nas pessoas e
nas famílias é um tema abordado pela Psicologia. Existe O positivo
farta bibliografia a respeito disso, considerando que, de Perto de completarmos 26 anos de vida pastoral,
acordo com pesquisas realizadas, tal experiência ocupa temos no currículo dez mudanças para oito distritos.
o terceiro lugar entre os estressores nos seres humanos, Somos agradecidos a Deus, por que sempre as encara-
somente superado pela morte de alguém muito próximo mos como desafios e oportunidades que nos ajudariam
e pelo divórcio. a crescer e desenvolver em muitos aspectos.
Mudar de residência repetidamente não é natural Tecnicamente falando, até aqui as mudanças promo-
para as pessoas, embora, pelo fato de se repetir tanto na veram expectativas quanto ao novo território, à nova
experiência da família ministerial, acabemos encarando casa, estudo dos filhos, vizinhos, igreja e outras coisas.
a mudança com normalidade. Contudo, normal não é Isso faz com que sempre nos preparemos e planejemos
sinônimo de natural. Mesmo que nos adaptemos, não para o futuro desconhecido, mas estando nós confiantes
escapamos totalmente do impacto no ritmo de vida, na possibilidade da adaptação.
nos relacionamentos, emoções e, às vezes, também na Uma das coisas que nos motivam é poder renovar
economia familiar. a decoração da casa. Cortinas, roupas, ornamentação,
Certamente, cada pessoa e cada família viverão essa tudo é considerado. Talvez, isso não se deva ao fato de
experiência de maneiras diferentes, dependendo das gostarmos ou não de trabalhar intensamente nesse as-
experiências do passado, dos vínculos com a família pecto, mas apreciamos a sensação de renovação, ao irmos
de origem e, especialmente, da época da vida em que nos acomodando ao novo destino. Obviamente, temos
a mudança ocorrer. Por exemplo, a experiência não é a também a chance de nos desprendermos de algumas

8 MINISTÉRIO
coisas velhas, avaliadas na ocasião como sendo inúteis. lia. Aniversários, casamentos, nascimentos, encontros
Novos ares, ares de renovação! Os filhos, já crescidos, especiais e falecimentos. Alguns anos atrás, ouvi uma
colaboram com entusiasmo nessas ocasiões. octogenária mãe de pastor dizer o seguinte: “Meu filho
Acredito firmemente que a atitude mostrada pelos participa de muitos casamentos, dedicação de bebês,
pais diante de uma transferência influi muito no estado aniversários e sepultamentos, mas está ausente das
de ânimo e enfrentamento da situação por parte dos fi- ocasiões especiais da família.” Não posso negar que sua
lhos. É sempre importante ressaltar os aspectos positivos reflexão foi como me colocar diante de um espelho e ver
da nova mudança, contagiando otimismo e entusiasmo a maneira pela qual nosso estilo de vida nos priva, muitas
a quem vive a experiência sem chance de escolher as vezes, dos abraços e sorrisos nos momentos felizes da
consequências da vocação dos pais. família, bem como dos abraços de consolo e lágrimas nos
momentos de perdas significativas.
O “negativo” As consequências de uma mudança no desenvolvimen-
O uso de aspas no intertítulo é intencional, porque o to profissional da esposa do pastor e, consequentemente,
impacto negativo das mudanças será singular para cada nas finanças familiares não é uma questão menor. Cada
família, dependendo das circunstâncias particulares e mudança pode implicar descontinuidade profissional,
diferentes personalidades. De todo modo, há algumas quer a esposa trabalhe para a igreja ou fora dela. A mudan-
que geralmente afetam todos os que enfrentamos isso ça de ambiente pode se converter em um forte estressor.
como estilo normal de vida. Sempre que nos encontramos
Sem dúvida, as afeições com outras esposas, compa-
são a área mais afetada. Po- “Deus é maravilhoso e, nheiras de ministério, a con-
demos dizer que deixamos mesmo em circunstâncias que versa quase que obrigatória
muitas coisas para trás, mas possivelmente não escolheríamos, gira em torno da nossa ma-
não as afeições. Em certo sen- manifesta-Se transbordante de neira de nos reinserirmos pro-
tido, as mudanças atentam fissionalmente nos diferentes
contra elas. As distâncias nos misericórdia para conosco” lugares. Nessa forma de vida,
separam de lugares queridos, o crescimento e desenvolvi-
paisagens conhecidas, pessoas e momentos significativos mento profissional podem ser difíceis, mas também nos
em nossa vida. Sempre é difícil girar pela última vez a colocamos diante de oportunidades inimagináveis. Em
fechadura, entrar no carro e marchar definitivamente certos lugares, podemos fazer ou continuar nossa forma-
para outro lugar. Não importa o que signifique para nós ção acadêmica e conseguir melhor função profissional.
o novo destino, além das expectativas positivas quanto
ao novo lugar, de alguma forma a despedida é dolorosa. Deus está na direção
Quando os filhos são adolescentes, a mudança de Embora eu tenha me tornado esposa de pastor por
ambiente escolar, da igreja e do bairro se torna o maior causa de situações positivas fora do meu controle, não re-
desafio. Mais do que ninguém, eles necessitam pertencer nego, absolutamente, minha experiência em uma família
a um lugar e a um grupo. Separar-se disso é doloroso e ge- ministerial. Para mim, as mudanças não têm sido apenas
ra a sensação de insegurança. Algo que muito nos ajudou possibilidades de conhecer lugares e me enriquecer com
nesse sentido foi a escolha espontânea de nossos filhos diferentes culturas. Acima de tudo, elas me proporcionam
de cursar o Ensino Médio no internato. Olhando para enriquecimento pessoal e espiritual, trabalhando melhor
trás, percebemos que, por mais que tenham superado atitudes e capacidades minhas e dos meus, que de outra
essa etapa, ali formaram vínculos significativos e estáveis, maneira não seria possível.
não importando qual fosse nosso lugar de residência. Deus é tão maravilhoso que, mesmo em circunstâncias
Certa ocasião, o coral do internato em que nossos que possivelmente não escolheríamos, Ele Se manifesta
filhos estudavam visitou nossa cidade. Durante o reci- transbordante de misericórdia para conosco. Esse Deus
tal, os coristas se apresentavam e diziam de onde eram. também age por meio de decisões administrativas
Então, o filho de um amigo pastor disse que morava em de Sua igreja. Oro para que Sua direção seja notada
outro país limítrofe ao nosso, mas ainda não conhecia nas decisões que implicam transferências de famílias
a casa dos pais, que não fazia muito tempo haviam se pastorais. Que, à semelhança do que comprovamos
mudado para lá. Nosso filho disse que vinha de Buenos em nossa experiência, elas sejam expressão do melhor
Aires, quando já morávamos em outra cidade. Mentira para a igreja bem como para as famílias envolvidas.
ou confusão? Certamente, confusão. Em última instância, Deus está interessado nos seres
Sempre que as mudanças nos levam para muito longe humanos, tanto naqueles que ainda não O conhecem
do nosso lugar de origem, o preço é mais alto. Acabamos como naqueles que escolheram servir a Ele na missão
não participando de momentos importantes da famí- de salvar pessoas para o Reino celestial.

NOV-DEZ 2013 9
Stephane Beaulieu
Estudante de PhD na

IDEIAS Universidade Andrews,


Estados Unidos

A voz dos profetas


Nossa pregação deve ser enriquecida com novos tesouros
da verdade, encontrados no Antigo Testamento

Q
uando foi a última vez em que Por que são evitados Alguns de nós costumamos afir-
você pregou sobre algum dos Existem algumas possíveis razões mar que esses livros parecem falar
profetas bíblicos? Não estou pelas quais evitamos essa parte da somente de juízos, não tendo apa-
falando sobre usar um solitário verso Bíblia. rentemente nada positivo em sua
de alguma passagem, mas a respeito Primeiramente, esses livros pa- mensagem. Entretanto, os mesmos
da pregação expositiva sobre um de- recem estranhos no sentido de que profetas que falam de juízos chamam
les. Provavelmente, tenhamos prega- aparentemente apresentam Deus também ao arrependimento e à justi-
do alguma coisa extraída dos livros como sendo rude e severo, ou al- ça, falam sobre justiça social, retidão
de Daniel, Jonas e outras passagens guém que parece liderar atos cruéis. moral e salvação.
conhecidas, tais como o servo sofre- Por exemplo, Isaías 1:24 declara: “O Às vezes, supomos que os mem-
dor de Isaías 53 ou a visão dos ossos Soberano, o Senhor dos Exércitos, bros da igreja não estejam interessa-
secos de Ezequiel 37. Mas, quando o Poderoso de Israel, anuncia: ‘Ah! dos em profecia, ou aparentemente
foi a última vez em que sua congre- Derramarei Minha ira sobre os Meus deixamos que eles ditem o tipo de
gação ouviu um sermão tendo como adversários e Me vingarei dos Meus pregação que preferem – muitas
base os livros de Obadias, Sofonias, inimigos.’” Noutras ocasiões, os pro- vezes, em detrimento de seu cres-
Isaías 19 ou Jeremias 17? fetas mostram condutas estranhas, cimento espiritual. Também cos-
Durante os cinco anos em que tra- como o caso de Isaías que andou “nu tumamos supor que as mensagens
balhei como pastor distrital, nunca e descalço” (Is 20:2). tenham sido dadas apenas para as
preguei sobre esses livros e passagens. Às vezes, parece complexo com- pessoas daquele tempo, e não sejam
Limitava-me a textos mais familiares. preender ou interpretar os profetas. aplicáveis a nós, hoje. Muitos pasto-
Então, dois anos atrás, despertei-me Como pregadores, tendemos a pre- res e teólogos pensam que o Antigo
para o fato de que, como pregadores ferir passagens narrativas. Entretan- Testamento foi significativo apenas
ou professores, alguns de nós tende- to, a maioria dos profetas escreveu para uma cultura de um longínquo
mos a usar apenas certas partes da em estilo poético, o que dificulta a passado, mas não é relevante para
Bíblia – aquelas que são mais cômo- compreensão da mensagem. Além os dias atuais. Pensamos que a so-
das ao estudo e preparo de sermões. disso, eles nem sempre escreveram ciedade está tão adaptada à injustiça,
Diante disso, cabe-nos perguntar: em ordem cronológica. Algumas que não pode ser identificada com o
Estamos tendo uma dieta bíblica vezes, encontramos neles profecias combate dos profetas à sua prática.1
não balanceada? Consequentemen- apocalípticas (Is 24-26), e esse es- Os leitores da Bíblia frequente-
te, estamos alimentando de maneira tilo requer abordagem diferente do mente preferem o Novo Testamen-
desequilibrada nossas congregações? restante do livro. to ao Antigo Testamento. Bruce

10 MINISTÉRIO
Moulton afirmou o seguinte: “In- deveria nos impedir de explorar as possível, certamente será benéfico
felizmente, muito do Antigo Testa- razões pelas quais Deus permitiu ou consultar comentários e outros escri-
mento e muito dos profetas meno- enviou tais juízos sobre Seu povo (Is tos bíblicos sobre o tema pesquisado.
res não é ensinado nem pregado. Os 5:13-23; Jr 25; Am 1–3). Embora os Bem, vamos ao nosso texto.
pastores acham que esses livros são leitores sejam deparados com juízos Estilo. Essa parte do livro de Mi-
muito controversos, irrelevantes e divinos, nesses livros, os registros queias pertence ao gênero poético:
difíceis de compreender.”2 E Walter também revelam o caráter de Deus a interpretação não será fundamen-
Kaiser apropriadamente nos convida e o do ser humano. tada em uma história. Assim, as
a refletir: “Por que muitos pastores Veremos que a mensagem dos pro- palavras-chave são necessárias para
admitem que têm um bloqueio men- fetas não apenas trata de juízos, mas dirigir o estudo. Exemplos estabe-
tal, sentimentos de insuficiência ou está saturada com o amor de Deus e lecidos em outros livros do Antigo
culpa quando devem pregar sobre Seu desejo de redimir a humanidade, Testamento ajudam a determinar o
o Antigo Testamento?”3 A pregação com a revelação da graça divina para que estava ocorrendo então. Nessa
sobre o Novo Testamento é mais com a humanidade, bem como das passagem é importante a palavra
atraente pelo simples fato de que atitudes de um Deus incansável que, “contenda” (Mq 6:1, 2). A palavra he-
essa parte da Bíblia é mais fácil de com indescritível paciência, procura braica riv (contenda, luta) também se
ser compreendida e interpretada. alcançar e trazer de volta para Si refere ao processo ou à condução de
Além disso, existe a percepção de aqueles aos quais Ele ama (Is 1:16- uma causa judicial. Assim, temos um
que o Novo Testamento foi escrito 20; 6:1-7; 12:1-6; Jr 3:6-25; 23:1-8; processo da aliança de Deus contra
para os cristãos, e o Antigo foi escrito Ez 33:10-19; Mq 7:1-20). Seu povo (Dt 32; Sl 50; Jr 2; Os 4).5
para Israel.4 Ao estudarmos os profetas, vere- Contexto. Em Miqueias 6, por
Alguns pastores não tomam tem- mos em Jesus o cumprimento das causa do uso da primeira palavra
po para explorar muito detalhada- predições feitas por eles. Os discí- “ouçam”, observamos um definitivo
mente os profetas. Estamos muito pulos entenderam que Jesus era o contraste entre o que acontecia nos
ocupados, cheios de compromissos e, Messias, exatamente por haverem cinco capítulos anteriores. Essa pa-
não raro, dispomos de pouco tempo estudado os profetas. Também des- lavra chama a especial atenção dos
para o preparo do sermão. Podemos cobriremos que as mensagens anun- leitores. As palavras que seguem re-
não ter tempo para escavar profun- ciadas por aqueles servos de Deus velam que o Senhor falou por meio
damente a Bíblia, mas os compro- são tão aplicáveis a nós hoje, como do profeta. O capítulo 6 pode ser
missos da vida e do trabalho jamais foram em seus dias. Nossa sociedade dividido em duas partes: Versos 1-8
deveriam nos impedir de buscar en- tem manifestado frieza para com as e versos 9-16. A exortação impera-
contrar novas verdades, inclusive as coisas espirituais, e as mensagens dos tiva shema significa “ouvir, escutar”
reveladas pelos profetas. profetas foram direcionadas a uma (v. 1, 9, por exemplo).
sociedade semelhantemente apática Estrutura/forma literária. Confor-
Benefícios e sem lei, antes do tempo de Cristo. me foi dito, esse capítulo contém
Pregar sobre os profetas resulta Nós e os membros de nossas con- um processo que utiliza o modelo
em grandes benefícios espirituais pa- gregações veremos um quadro mais de aliança encontrado em Deutero-
ra a congregação, que receberá uma amplo da atuação de Deus na vida nômio. A exceção ao modelo usual
dieta espiritual balanceada. Aqui es- de Seu povo. Pastores que reservam de aliança nessa passagem são as
tão alguns dos benefícios: tempo extra para pesquisar os livros testemunhas, frequentemente co-
Ao considerarmos as perspectivas proféticos e pregar sobre eles desco- locadas no fim da passagem, em vez
dos profetas, adquiriremos uma vi- brem um rico tesouro da verdade pa- do começo. Assim, temos a seguinte
são equilibrada do caráter de Deus. ra sua própria vida e a vida da igreja. estrutura:
Aprofundaremos nossas habilidades 1. Lista de testemunhas – monta-
de pregar, ao investir mais rigoroso Sermão sobre Miqueias 6 nhas e colinas (M1 6:1, 2).
tempo pesquisando as verdades es- No restante deste artigo, exempli- 2. Preâmbulo – introdução do So-
peciais de Deus em passagens desa- ficaremos a demonstração do benefí- berano e o chamado ao julgamento
fiadoras. cio de se pregar a partir dos profetas. (Mq 6:1, 2).
Descobriremos que os profetas O texto de Miqueias 6 nos é bastante 3. Prólogo histórico – revisão dos
não têm uma mensagem diferente familiar, porque os pastores muitas atos benevolentes do Soberano para
do restante da Bíblia. Na verdade, vezes citam o verso 8; mas, por que com os vassalos (Mq 6:3-5).
eles colocaram o mesmo conteúdo não examinar porção maior deste ca- 4. Acusações – quebra de cláusu-
em pacotes diferentes. Enquanto o pítulo? Lembre-se de que, depois de las da aliança: Revisão das cláusulas
envio de juízos divinos flui através ter estudado uma passagem específi- gerais (6:6-8); violação de cláusulas
dos escritos dos profetas, isso não ca e extrair dela o máximo que lhe for específicas (6:9-12).

NOV-DEZ 2013 11
5. Veredito – culpado, “por isso”; ao assunto: ykh (repreensão; debate). que realmente o Senhor procura –
e sentença – pronunciamento das Aqui, o verbo é hithpa’el, que signi- não sacrifícios e aparência exterior
maldições (6:13-16).6 fica “apresentar uma acusação, ar- superficial. O fato de que Miqueias
Uma rápida revisão dessa estrutura gumentar com”, sugerindo que será começa o verso 8 com as palavras
revela possibilidades para pelo menos um diálogo, um debate entre Deus e “Ele mostrou a você” revela algo que
um ou dois sermões tirados da passa- o povo. A questão é a seguinte: Quem Deus havia feito no passado, mas
gem. Agora, focalizaremos brevemen- está certo? o povo não havia aprendido. Deus
te apenas a primeira parte (Mq 6:1-8), Exame do demandante: Em Mi- não saltou com novas ideias, novos
para sugerir uma possível mensagem queias 6:3-5, Deus não acusa direta- princípios ou verdades, mas foi con-
fundamentada nesses versos. mente o povo de Judá por uma série sistente com Seu relacionamento e
de falhas, como era de se esperar, o que esperava que Seu povo fizesse.
Esboço do sermão mas usa uma abordagem retórica, Obviamente, o povo distorceu o que
Título – O processo de Deus con- perguntando o que Ele fez ou tem o Senhor lhe propôs, simplesmente
tra Judá (Mq 6:1-8). feito de errado. “Meu povo, o que fiz presumindo o que Deus queria, em
Introdução: Esta passagem reve- contra você? Fui muito exigente?” vez de tomá-Lo pela palavra.
la a seriedade da quebra de relaciona- Assim, Deus Se coloca à prova dian- Conclusão: Assim, Deus deseja
mento entre Deus e Seu povo. Esse te do povo. Parece abrir o coração que a humanidade adote três con-
processo em Miqueias especifica um para ser pesquisado, a fim de que ceitos básicos: (1) fazer/agir com
apelo final ao povo, um chamado seja visto se há alguma evidência de justiça; (2) amar a fidelidade, a mi-
ao despertamento. O povo de Deus falha da parte dEle. Esses versos re- sericórdia e a beneficência; (3) andar
assumiu que o relacionamento de velam o amor de Deus para com Seu humildemente, ou com circunspec-
aliança com Deus continuaria para povo, conforme retratado por Gary ção, sabiamente.9 Ao explicar esses
sempre, mesmo quando eles não Smith: “Essas perguntas removerão três princípios, Miqueias esperava
foram leais no culto e no serviço a a postura defensiva dos ouvintes e corrigir a incompreensão de sua au-
Deus. Entretanto, como foi anun- os abrirão para considerar supostas diência, nos versos 6 e 7, e explicar
ciado por Moisés, em Deuteronômio falhas de Deus, isto é, sua objeção a base do veredito de Deus nesse
(4–7; 27, 28; 31:14-21), pelas ações ao que Deus tem feito em favor de- processo, nos versos 13-16.
praticadas, o povo de Deus podia les”7 Isso nos leva a concluir que, se Conforme demonstrado neste
romper esse relacionamento. os ouvintes nada encontrassem de exemplo de Miqueias 6, os prega-
Testemunhas: Em Miqueias 6:1, errado com Deus, a quebra do re- dores verão ser possível pregar e en-
o Senhor disse a Seu povo: “Fique em lacionamento devia ser encontrada sinar, às respectivas congregações,
pé, defenda sua causa; que as colinas com o povo. mensagens relevantes dos profe-
ouçam o que você tem para dizer.” Se Deus mostra que Ele não foi infiel tas. Os profetas revelam o caráter
o povo tinha algo a dizer, que fizesse a Seu povo, lembrando Suas ações de Deus em contextos diferentes, e
isso diante das montanhas e coli- passadas. Fala sobre a maneira pela podemos ver como o Senhor intera-
nas, que seriam como testemunhas. qual Ele o tirou do Egito; enviou Moi- ge com Seu povo e como revela Seu
Os “céus e a Terra” também seriam sés, Arão e Mirian para guiá-lo, e agiu amor por meio do relacionamento
testemunhas (Dt 21:1; Sl 50:1). As em favor de Seu povo no incidente de aliança.
montanhas são personificadas de entre Balaque e Balaão. O passado Referências:
modo que conheçam a imoralidade demonstrou como Deus cuidou de 1
Abrham L. Maylue, Masters Seminary Journal
e o falso louvor praticados pelo povo. Seu povo e cumpriu Suas promessas 6, nº 1 (Spring, 1995), p. 50, 51.
2
Bruce Moulton, Analyzing the Applicability of
Alegação: No verso 2, Miqueias (Gn 12:1-3; Êx 6:6-8). Preaching the Minor Prophets in the 21st Century
revela o objetivo do processo de Resposta dos acusados: Em (Tese doutoral, Liberty Baptist Theological
Deus. O Senhor mostra que esse Miqueias 6:6, 7, os israelitas devem Seminary, 2011), p. 1.
3
Walter C. Kaiser, Toward an Exegetical
processo é contra Seu próprio povo defender suas ações. Esses versos Theology: Biblical Exegesis to Preaching and
e estabelece a seriedade das acusa- são declarações retóricas na forma Teaching (Grand Rapids, MI: Baker Book
ções contra ele. O autor não retrata o de perguntas que o povo usou para House, 1981), p. 201.
4
Bruce Moulton, Op. Cit., p. 52-54.
relacionamento entre Deus e o povo se defender, argumentando quão 5
Richard M. Davidson, Journal of the Adventist
como estando em boas condições. fiel havia sido diante de Deus.8 En- Theological Society 21, nº 1 (2010), p. 45-84.
Aqui, encontramos a mesma palavra tretanto, suas declarações não são 6
Ibid.
7
Gary V. Smith, Hosea, Amos, Micah, The NIC
“contenda” ou riv usada duas vezes, humildes; os israelitas focalizaram Application Commentary (Grand Rapids, MI:
e Deus é quem está contendendo. os verbos “dar” e “fazer”, em lugar Zondervan, 2001), p. 550.
Miqueias repete isso na última parte do relacionamento. 8
Ibid.
9
D. W. Thomas, Journal of Jewish Studies 1, nº 4
do verso 2, não com a palavra riv, Base do julgamento: Miqueias (1949), p. 182-188.
mas com outra palavra relacionada 6:8 responde à pergunta sobre o 10
Gary V. Smith, Op. Cit., p. 552.

12 MINISTÉRIO
Érico Tadeu Xavier
Professor na Faculdade

HISTÓRIA de Teologia do Iaene,


Cachoeira, BA

O exemplo
de um filósofo
Amor pela verdade, preparo e disposição para expô-la são
marcas importantíssimas do verdadeiro servo de Deus

A
história da igreja cristã é retórica, poesia e História. Quando losófica adquirida antes de sua con-
marcada por perseguições e jovem, interessou-se por filosofia, versão. Nem o martírio o demoveu.2
martírios. Historiadores re- estudando várias teorias dessa área Ensinou em Éfeso e chegou a Roma
latam fatos que levaram à expansão até conhecer o cristianismo. O desejo em 150 d.C., onde fundou uma es-
do cristianismo depois da morte e pela verdade o levou a buscar respos- cola filosófica, por meio da qual, em
ressurreição de Jesus Cristo, e que tas nas escolas estoica, peripatética, defesa do cristianismo, debateu com
expuseram os primeiros cristãos ao pitagórica, neoplatônica. pagãos, judeus e hereges. Para Justi-
sofrimento e até mesmo sacrifício Chegando a Éfeso, encontrou dis- no, o cristianismo era a “verdadeira
da própria vida. Nesse contexto, cípulos do apóstolo João e conheceu filosofia”. Ele afirmava que os ad-
evidencia-se o exemplo de fé e per- o evangelho por meio de um cristão versários dessa doutrina insultavam
severança de Justino que, diante de idoso que lhe indicou a leitura das a razão e a moral. Muito da convic-
filósofos de sua época, levantou-se Escrituras e dos profetas. Assim, ção desse valoroso cristão brotou da
em defesa do cristianismo, sendo, Justino encontrou a verdade que influência que lhe foi transmitida
por isso, martirizado. buscava e se converteu ao cristia- pelos próprios cristãos martirizados.
Justino Mártir (110-165 d.C.) foi nismo. Foi profundamente afetado Utilizando a doutrina do Logos,
um filósofo que viveu no período do pelo contato com os cristãos e pe- Jesus Cristo, e da compreensão ra-
imperador Antonino Pio e de Mar- los ensinos de Cristo, passando a cional do Universo, Justino enfa-
co Aurélio, no século 2. Acredita-se defendê-los diante de autoridades e tizava Jesus como a fonte de todo
que ele tenha nascido depois do ano filósofos da época, por meio de seus verdadeiro conhecimento, sendo por
100 d.C., em Flavia Neapolis (atual escritos e debates.1 ele considerado “a alma do mundo”.3
Naplusa), na Síria-Palestina, ou Sa- Afirmava que os filósofos antigos,
maria, a Siquém dos tempos bíblicos. Em defesa da fé à semelhança de Sócrates e Platão,
De família grega, pagã, cresceu em Plenamente convicto da verdade haviam recebido a sabedoria do Lo-
Samaria, tendo contato com judeus de Cristo, Justino colocou a serviço gos, sendo, portanto, cristãos em
e samaritanos. Sua educação incluiu da fé cristã sua cultura clássica e fi- sua essência.

NOV-DEZ 2013 13
A defesa da filosofia cristã e dos obedeciam às leis de Roma. Entre- discípulos. Embora não tivesse apre-
cristãos resultou, para Justino, no tanto, quanto à fé, tinham em Deus sentado o cristianismo na maneira
comparecimento diante de autori- seu Líder maior. A vida e a conduta de pela qual hoje o conhecemos, pode-
dades romanas, ocasião em que, por paz dos cristãos deveriam ser segui- mos afirmar que ele foi quem melhor
causa da firme convicção na verdade das pelas autoridades, considerando explicou e defendeu as crenças cris-
de Cristo, foi martirizado, aproxi- que um dia deveriam prestar a Deus tãs, promovendo o desenvolvimento
madamente em 165 d.C., em Ro- contas de seus atos.6 da teologia e apologética da igreja
ma, pouco tempo depois de dedicar nos seus primórdios.
as apologias aos imperadores. Suas A partir da perspectiva de suas
obras em defesa do evangelho e da
“Com seu defesas, Justino pode ser conside-
verdadeira filosofia são consideradas conhecimento e poder rado embaixador da Palavra de Deus
um testemunho dos ideais cristãos argumentativo, Justino no segundo século. Apesar de sua
e da filosofia cristã dos primeiros muito contribuiu para limitada compreensão das Escritu-
séculos. Essas apologias foram des- a defesa da fé em ras Sagradas, foi o principal apolo-
tinadas a Antonino Pio, seus filhos gista da fé cristã, na época em que
e ao senado romano, bem como a Cristo” viveu, apresentando o evangelho de
Antonino Vero. maneira consistente diante da clas-
Outras obras nas quais ele discu- O ensino se greco-romana, apoiando-se nas
tiu questões filosóficas e a natureza Muito embora a teologia de Justi- Escrituras, na vida, filosofia e nos
da fé cristã são destinadas a filósofos no apresente algumas interpretações ensinamentos de Cristo, além do
e ao povo em geral. Entre essas obras, questionáveis, seu trabalho como exemplo possibilitado pelo estilo de
destacam-se as seguintes: Apologias um todo contribui para explicar a vida dos cristãos. Seu conhecimento
I e II, Discursos aos Gregos, Refutação, fé cristã, tendo como base e fonte e admirável poder argumentativo
Sobre a Monarquia de Deus, Psaltes, de autoridade, as Escrituras, cujas muito contribuíram para a defesa da
Observações Sobre a Alma, Diálogo com profecias podem ser compreendidas fé em Cristo Jesus.
Trifão. Nelas Justino combatia a má pela graça de Deus.7 Seus escritos Nessa batalha, Justino foi às últi-
interpretação do Antigo Testamento se voltam para a pessoa de Cristo e mas consequências, pagando o preço
e evidenciava a figura de Cristo como Sua obra, sendo Justino o primeiro com a própria vida, deixando-nos o
cumprimento das profecias.4 teólogo a tentar explicar a relação exemplo de que o amor pela verdade,
Ao escrever para as autoridades, de Deus Pai com o Verbo, a teologia o preparo e a disposição para expô-
Justino se alicerçava na própria fé, trinitariana, a visão do porvir e a la são marcas importantíssimas do
no conhecimento das Escrituras, no crença no Reino milenar. Sua teolo- verdadeiro servo de Deus. Justino
exemplo de vida dos cristãos e em gia ganhou destaque pela erudição e se apresenta como exemplo de que
argumentos de autoridades romanas fervor manifestado em seus escritos. o evangelho de Jesus Cristo deve ser
que pleiteavam em favor dos cris- Assim, ele se tornou um marco na estudado, aceito, divulgado e defen-
tãos. Assim, enquanto explicava e história da igreja e um referencial dido, mesmo sob as circunstâncias
defendia sua fé, combatia o erro das inspirador da autêntica fé cristã para mais adversas. Que Deus nos conceda
autoridades romanas em perseguir todas as gerações. a graça de viver e ministrar com pron-
os cristãos, afirmando que deveriam A vida de Justino pode ser compa- tidão semelhante à de Justino!
unir forças ao cristianismo, em com- rada à de Paulo, no que diz respeito
Referências:
bate à falsidade dos sistemas pagãos.5 à descendência e à defesa do cristia- 1
Rick Walde, Justino Mártir: Defensor da Igreja,
Na defesa veemente que fazia dos nismo diante dos gentios. Ambos disponível em http://logoshp.6te.net/APO25.
cristãos, Justino apresentava o exem- tinham vivido entre judeus e gentios, htm; acesso em 03/04/2013.
2
 hilip Schaff, Ante-Nicene Christianity: a.D.
P
plo de pessoas perseguidas e mortas tinham boa formação e usavam da v. 2, p. 100-325; em History of the Christian
simplesmente por causa da fé cristã, argumentação para convencer tanto Church (Grand Rapids, MI: Eerdmans).
embora tivessem vivido dignamente. gentios como judeus a respeito de
3
Marlon Ronald Fluck, Teologia dos Pais da Igreja
(Curitiba, P: Escritores Associados, 2009).
Assim, condenava o tratamento in- Cristo. Consequentemente, os dois 4
Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica: Os
justo e preconceituoso imposto pelos foram martirizados em Roma, por Primeiros Séculos da Igreja Cristã (São Paulo:
imperadores e governantes romanos causa da fé que defenderam.8 Novo Século, 2002).
5
Roger Olson, História da Teologia Cristã (São
aos cristãos. Argumentava que os Quando chegou o momento de Paulo: Editora Vida, 2001).
cristãos adoravam o Deus verdadei- testemunhar a respeito de sua fé em 6
Rick Walde, Op. Cit.
ro – Pai, Filho e Espírito Santo; por Cristo, perante as autoridades greco-
7
Patrística, Justinio de Roma (São Paulo: Paulus,
1995).
isso, não havia razão para que fossem romanas, Justino o fez com absoluta 8
Dionísio Hatzenberger, História da Igreja,
perseguidos e mortos. Alegava que, firmeza, em prejuízo da própria vida. disponível em http://hist-igreja.blogspot.com.
por preceito e exemplo, os cristãos Tornou-se mártir, com seis dos seus br/p/cristianismo-nos/seculos-i-e-ii.html.

14 MINISTÉRIO
Roger Hernandez
Secretário ministerial e

LIDERANÇA evangelista da União Sul


da Igreja Adventista, nos
Estados Unidos

Retrato de um líder

Em vez de esperar as circunstâncias certas, a fim de


que possa agir, você deve mudar as circunstâncias

U
ma definição simples do que Caso você tivesse um plano para está construindo com Ele. Ao mesmo
seja visão é que ela envolve a atacar um inimigo, não seria mais ló- tempo, não deixe que a crítica dete-
capacidade que uma pessoa gico compartilhá-lo com o rei? Porém, nha seu progresso; afinal, o maligno
tem de “ver algo antes que seja visto”. Jônatas escolheu nada dizer a seu pai, é contra tudo o que Deus abençoa.
Antes de qualquer grande invenção, o rei. Ele partilhou o plano apenas
realização ou ideia transformadora, com seu escudeiro de confiança. Vá em frente
alguém teve uma visão, ou seja, al- Precisamos ser cuidadosos e saber “Saul estava sentado debaixo de
guém viu antes. com quem compartilhamos nossa uma romãzeira na fronteira de Gi-
Um dos líderes bíblicos com visão visão. Algumas pessoas se oporão a beá, em Migrom. Com ele estavam
foi Jônatas, filho de Saul. O capítulo nossos sonhos. Outras rirão de nós, uns seiscentos soldados, entre os
4 do primeiro livro de Samuel focaliza ou questionarão nossa sabedoria. quais Aías, que levava o colete sacer-
uma atrativa história de implemen- Portanto, não espere que todos se- dotal. Ele era filho de Aitube, irmão
tação visionária, que tem aplicações jam capazes de perceber sua visão. de Icabode, filho de Fineias e neto de
práticas para os líderes de hoje. O inci- Outros podem não compreender sua Eli, o sacerdote do Senhor em Siló.
dente aconteceu quando os israelitas previsão, porque não é a visão deles. Ninguém sabia que Jônatas havia
estavam em má condição, nas mãos Oposição não significa que seu saído” (v. 2, 3).
dos filisteus. O povo estava desmo- objetivo não seja digno de ser per- Três grupos estavam acampados
ralizado. O rei estava perturbado, os seguido. Embora você não queira ser sob uma romãzeira, e todos tinham
inimigos os estavam destruindo. negligente nem irresponsável, dese- parte na visão para derrotar o inimi-
ja avançar pela fé. As maiores ideias go. Havia o rei Saul, que devia ter um
Partilhe com a pessoa certa inicialmente receberam oposição ou plano para liquidar os adversários.
“Certo dia, Jônatas, filho de Saul, descaso. Assim, se você está convicto Com ele estavam os soldados que
disse ao seu jovem escudeiro: ‘Vamos de que Deus lhe deu uma visão, não deviam executar a visão de Saul; Aí-
ao destacamento filisteu, do outro se importe com a crítica. Ela pode as, o líder religioso devia confirmar a
lado’. Ele, porém, não contou isso a ajudá-lo. Pode ser a lixa com que Deus visão. Todos eles tinham algo a fazer,
seu pai” (1Sm 14:1). está polindo a obra de arte que você mas nada fizeram.

NOV-DEZ 2013 15
Os desmoralizados líderes, senta- tátua em sua homenagem, mas seu algo sozinhos, é mais efetivo quan-
dos sob a romãzeira, sentiam tristeza Criador sorrirá. Faça algo! do envolvemos outras pessoas. Há
por eles mesmos enquanto Jônatas, uma pequena palavra, com grande
um jovem, agia. Mas “ninguém sabia Troque o medo pela fé poder, e essa palavra é a conjunção
que Jônatas havia saído”. Enquanto “Jônatas disse a seu escudeiro: “e”. Uma coisa é dizer: “Eu”. Outra
as autoridades permaneciam senta- ‘Vamos ao destacamento daqueles coisa é dizer: “Eu e minha igreja”. O
das, ruminando a derrota prevista, a incircuncisos. Talvez o Senhor aja em que nós falhamos em compreender
nova geração se movia. nosso favor, pois nada pode impedir algumas vezes, em nossa sociedade
Jônatas preferia morrer a perma- o Senhor de salvar, seja com muitos polarizada, é que necessitamos uns
necer inativo. Ele pensou que ter um ou com poucos’” (v. 6). dos outros. A unidade de muitos
plano e tentar fazer alguma coisa e É natural, e até saudável, ter al- multiplica o impacto.
falhar era melhor do que nada fa- gum temor. Antes de agir sobre uma
zer e nada sofrer. O maior inimigo visão recebida de Deus, se você não
da igreja destes últimos dias não é ficar um pouco apreensivo, então “Deus nos chama para
o mundanismo, mas a indolência. provavelmente essa visão não tenha fazer alguma coisa. Ação
Deus nos chama para fazer alguma sido originada em Deus. Se você já é mais importante que
coisa. Ação é mais importante que soubesse o que poderia fazer, por discursos, gráficos, ideias,
discursos, gráficos, ideias, opiniões, que necessitaria de Deus? Mas, se
palavras e desejos. O que dizemos você esperar que cesse o temor, antes opiniões e desejos”
não é tão importante como o que de alguma grande realização, pro-
fazemos. “Opiniologia” não está in- vavelmente jamais o consiga. Um Deus nos criou para comunidade.
cluída nos dons espirituais. visionário tentará grandes coisas, Ele partilha enfaticamente que uma
Durante o tempo em que pasto- apesar do temor. visão deve ser dada primeiramente
reei certa igreja, tínhamos um time A fé motivou Jônatas à ação. Ele ao líder, mas não exclusivamente.
de futebol com o qual esperávamos disse: “Vamos!” Mas, escondeu na Uma visão certa, partilhada com a
interagir e fazer amigos na comuni- fé uma crise de dúvida: “Talvez o pessoa certa, no tempo certo e com
dade. Às vezes, eu conseguia jogar e, Senhor aja em nosso favor.” Como o objetivo certo será executada da
no transcorrer da partida, todo mun- parte de Seu plano, algumas vezes melhor forma, em menos tempo.
do na audiência tinha uma opinião. Deus nos permite experimentar tur- Nesta vida, necessitamos de mento-
Certo dia, pensei ter ouvido alguém bulências antes de triunfar, de modo res, pessoas sábias a quem possamos
gritar: “Tirem o pastor! Ele é péssi- que, no fim do dia, compreendamos ouvir. Eles têm experiência e podem
mo!” Durante o intervalo, muitas que nada fizemos por nós mesmos. nos ajudar a encontrar maneiras de
pessoas nos ofereceram ideias, con- Cedo em meu ministério, ouvi es- tratar com todas as situações. Tam-
selhos e estratégias. Não somente ta declaração: “Se Deus não estiver bém necessitamos de amigos, pes-
eram diretas e insistentes quanto totalmente envolvido no que você soas afetuosas nas quais podemos
ao que devíamos fazer, mas ficavam está fazendo, isso será absolutamen- nos apoiar. Elas podem não ter todas
aborrecidas se não jogássemos se- te inútil e está destinado ao fracas- as respostas, mas conhecendo-as,
gundo a maneira que pediam. so.” O que você fez neste ano, que o sabemos que podem fazer diferença.
Não seria isso um pouco pareci- tirou de sua zona de conforto? Que A fim de cumprir a missão que o
do com o trabalho da igreja? Muitos riscos, sem precipitação, você tem Senhor nos confiou, necessitamos
observam, queixam-se, aconselham, proposto às pessoas que você lidera? de todas as pessoas. Tradicionais e
mas poucos realmente trabalham. Que ideia ousada e inovadora, fora contemporâneas, homens e mulhe-
Algumas vezes, uns 20% da congre- do comum, você implementou? Use res, jovens e adultos, de primeira e
gação fazem 80% do trabalho. Deus o pincel de Deus e repinte o quadro segunda geração, colegas creden-
não espera que façamos tudo, mas com vivas cores. Descubra a paixão ciados e irmãos voluntários. Somos
espera que façamos algo. A ação pela vida em tudo o que você fizer. uma igreja. Quando nos atacamos,
inspira nossos irmãos, desenvolve Você foi planejado para experimen- criamos confusão nos jovens, de-
nossas forças, e capta a atenção de tar paixões audaciosas. sencorajamos os mais experientes e
Deus. Talvez você tenha no compu- retardamos o progresso.
tador o esboço de uma grande ideia O poder de muitos Hoje, oro pedindo que Deus con-
para sua igreja ou área de trabalho. O “Disse o seu escudeiro: ‘Faze tudo ceda a você uma visão clara, ajudan-
que impede você de implementá-la? o que tiveres em mente; eu irei con- do-o a desenvolver um plano sus-
Em vez de esperar as circunstâncias tigo.’” (v. 7). tentável, e continue guiando você na
certas, mude suas circunstâncias. As Jônatas compreendeu que, em- liderança de um povo que precisa ver
pessoas podem não erguer uma es- bora julguemos ser mais fácil fazer as coisas antes que elas aconteçam.

16 MINISTÉRIO
Kwabena Donkor
Diretor associado do

HERMENÊUTICA Instituto de Pesquisa Bíblica


da Igreja Adventista

A Reforma e o princípio
Sola Scriptura
Por que os reformadores
protestantes se
empenharam tanto na
defesa da Bíblia como
única regra de fé e prática

O
princípio Sola Scriptura ga- A intenção suposições teológicas de autoridade
nhou visibilidade durante O nome de Martinho Lutero está normativa formal da Bíblia.2 Contu-
a Reforma Protestante. Foi tão intimamente ligado ao concei- do, sua negação da compatibilidade
empregada para estabelecer a Bíblia to Sola Scriptura que é impossível entre a Bíblia e a hermenêutica tradi-
como única autoridade normativa discuti-lo sem fazer referência a ele. cional da Igreja Romana representou
das crenças e práticas cristãs. De fa- A ideia foi o centro da luta de Lu- sua ruptura com a teologia medieval.
to, a frase era comum desde a Idade tero com a Igreja Católica Romana, No âmago do princípio Sola Scrip-
Média.1 Entretanto, o contexto em mas essa não foi uma luta pelo reco- tura estava a questão da interpre-
que ela tem sido usada cria nuances nhecimento formal da autoridade tação, o direito de compreender a
de significado que não devem ser da Bíblia. Como padrão da verdade Bíblia. A Reforma se opôs “à arbitra-
© Brian Jackson | Fotolia

confundidas. Neste artigo, focaliza- revelada, a Bíblia tinha sido reconhe- riedade que desprezava o reconheci-
mos o significado da frase conforme cida através dos séculos, incluindo a mento das Escrituras como Palavra
foi usada na Reforma, explorando era católica medieval. Assim, Lutero de Deus, negligenciando sua autori-
seu intento e suas motivações. compartilhou com seus oponentes as dade concreta”.3 Em contraste com

NOV-DEZ 2013 17
outros princípios de interpretação, do como “perfeições das Escrituras”. própria intérprete. O contexto histó-
no contexto da reforma, Sola Scriptu- Falar sobre as Escrituras sem tais rico é digno de menção. Havia-se de-
ra focalizou a atenção sobre a Bíblia. perfeições é deixar de captar a pro- senvolvido uma tradição apostólica
Nos dias de Lutero, o maior prin- fundidade de assuntos que o conceito fictícia que não apenas considerava
cípio de interpretação rival era a foi designado para combater. a Igreja como fonte do conhecimen-
tradição. É importante lembrar que, to teológico, mas a tratava como “o
primeiramente, Lutero não criticava fundamento necessário para a au-
a tradição como fonte de autorida- “As Escrituras funcionam toridade da Bíblia, e como o indis-
de religiosa. Sua forte denúncia era como a norma final para pensável guia para a interpretação
contra o uso dela como princípio avaliar e julgar a tradição, das Escrituras”.9 Evidentemente, a
de interpretação. Ele confrontou a
ideia de que as Escrituras podem ser
a razão, a experiência e autoridade da Bíblia não necessita
de procuração. A doutrina das perfei-
corretamente entendida apenas por assim por diante” ções das Escrituras, em geral, foi de-
alguns. John M. Headley captou a es- senvolvida para contrabalançar essa
sência do princípio da tradição, com- Autoridade tendência. Mais especificamente, a
batido por Lutero, ao mencionar que As palavras de Lutero em Worms autoridade das Escrituras, como uma
“tal princípio leva ao sepultamento (18/04/1521) representavam a visão dessas perfeições, enfatiza a nature-
das Escrituras e à imersão da teologia dos reformadores sobre a autorida- za da autoridade bíblica, isto é, “que
nos comentários humanos, onde os de da Bíblia, ligada ao conceito sola por sua própria luz, as verdades da
sofistas buscam não a substância das Scriptura: “Não posso submeter mi- Bíblia se autenticam como divinas”.10
Escrituras, mas o que eles podem nha fé quer ao papa quer aos concí-
observar nelas.”4 Ver o princípio Sola lios, porque é claro como o dia, que Necessidade
Scriptura como crítico da hegemonia eles têm frequentemente errado e se Outra das perfeições das Escri-
da tradição sobre a Bíblia realça a contradito um ao outro. Portanto, a turas, a necessidade das Escrituras,
importância do termo sola. menos que eu seja convencido pelo foram designadas para combater
Esse termo aborda a intenção crí- testemunho das Escrituras ou pelo duas tendências. Por um lado, havia
tica dos reformadores ao papel da mais claro raciocínio; a menos que a autossuficiente garantia da Igreja
Bíblia na Igreja. Geralmente é aceito eu seja persuadido por meio das pas- Católica Romana, em relação à Bíblia,
que, para Lutero e os reformadores, sagens que citei; a menos que assim no sentido de que, embora necessi-
“Sola Scriptura se refere à Bíblia como submetam minha consciência pela tando da tradição, não necessitava
fonte e norma do evangelho cristão... Palavra de Deus, não posso retratar- das Escrituras, apesar de professá-las
fonte e norma da doutrina da igre- me e não me retratarei, pois é pe- uma norma. Pois, “de acordo com
ja”.5 Assim, Sola Scriptura interpreta a rigoso a um cristão falar contra a Roma, é mais correto dizer que a Bí-
Bíblia como norma normans (a norma consciência. Aqui permaneço, não blia necessita mais da igreja, do que a
sobre todas as normas), não norma posso fazer outra coisa; Deus queira igreja necessita da Bíblia”.11 Por outro
normata, ou seja, governada por ou- ajudar-me. Amém!”7 Comentando lado, houve grupos, como os Cátaros,
tras normas, a exemplo da tradição, essa afirmação, disse J. I. Parker: “O para quem a Bíblia era realmente su-
da razão ou da experiência religiosa. que Lutero falou em Worms mostra pérflua. Ao exaltar a palavra interna
Entretanto, a fim de se apreciar ple- a motivação essencial e a preocupa- contra a externa, e considerando a
namente a função da interpretação ção teológica e religiosa da Reforma Bíblia não como Palavra de Deus
bíblica sola Scriptura na igreja, deve Protestante, ou seja, que somente mas como testemunho, esses grupos
ser notado que o princípio implica a Palavra de Deus deve governar e consideravam a real Palavra de Deus
certa “geografia lógica”. nenhum cristão deve fazer mais que aquela que era falada pelo Espírito
Nas palavras de Graham Cole, “So- entronizá-la na mente e no coração.”8 Santo ao coração dos filhos de Deus.
la Scriptura, em perspectiva sistemá- Já mencionamos que Lutero e Contra as duas tendências, os
tica, é um enredo de perfeições das seus oponentes afirmaram a auto- reformadores insistiam na neces-
Escrituras. O apelo à Bíblia somente ridade formal da Bíblia. Também sidade da Palavra escrita de Deus.
faz pouco sentido se as Escrituras não vimos que a ruptura de Lutero com Assim, eles não estavam favorecendo
tiverem autoridade, for desnecessária os oponentes consistiu em sua nega- a teoria da necessidade absoluta. Seu
para o bem-estar humano, obscura ção da presunção de que os ensinos ponto era enfatizar a necessidade
em significado ou insuficiente em tradicionais da Igreja estavam de da palavra escrita como testemunha
termos de seu propósito divino”.6 A acordo com a Bíblia. Agora podemos da revelação divina. A natureza das
autoridade da Bíblia, sua necessidade, estabelecer de maneira mais sucinta Escrituras como testemunha des-
clareza e suficiência constituem-se que, com o princípio Sola Scriptura, sa revelação torna isso necessário.
no que tradicionalmente é conheci- Lutero insistia em que a Bíblia é sua Estando além do esforço humano

18 MINISTÉRIO
realizar por si mesmo o verdadeiro tem sido tradicionalmente descrita A declaração de Lutero sobre pa-
conhecimento de Deus, a revelação como um entrechoque do princípio pas e concílios, feita em Worms, pa-
divina é necessária e isso é o que as Sola Scriptura com as Escrituras e o receria negar a validade da Tradição
Escrituras proveem. princípio da tradição. Heiko Ober- I. Aparentemente, embora Lutero
man formalizou esse choque como não estivesse disposto a seguir o
Clareza conflito entre Tradição I e Tradição II. caminho da interpretação subjetiva
No contexto da luta dos reforma- Assim ele contrasta os dois conceitos: das Escrituras, e ainda reconhecesse
dores com a Igreja Católica Roma- “No primeiro caso, a exclusiva como válidas algumas tradições, ele
na, a noção de clareza das Escrituras autoridade das Santas Escrituras é estava igualmente disposto a subme-
atingiu o coração do debate. Atribuir mantida como o cânon, ou padrão ter formalmente a autoridade bíblica
alguma autoridade ou necessidade da verdade revelada, de tal maneira à tradição da Igreja, ou concílios, ou
à Bíblia, que é obscura, não faria que as Escrituras não são contras- aos papas. Porém, Greg Krehbiel con-
sentido. No tempo dos Reformado- tadas com a tradição... No segundo trariou o pensamento de Mathison
res, havia sido alimentada a ideia de caso, argumenta-se que os apóstolos sobre a posição dos reformadores, a
obscuridade das Escrituras, razão não consignaram tudo para ser es- respeito da Tradição I: “Mas Lutero
pela qual as pessoas não eram enco- crito... os autores bíblicos relataram foi além. Ele disse: ‘Não aceito a au-
rajadas a lê-las. “Em 1199, Inocêncio o que Cristo disse e fez durante Sua toridade de papas e concílios.’ O que
III declarou que a leitura da Bíblia vida terrestre, mas não o que Ele quer que ele possa ter dito, essa é a
devia ser recomendada, mas a leitura ensinou aos discípulos durante o mensagem do luteranismo: os concí-
feita sem supervisão do sacerdote período entre a ressurreição e a as- lios não têm nenhuma autoridade.”19
não devia ser tolerada, porque a pro- censão. Durante aqueles quarenta Do ponto de vista da suficiência
fundidade das Escrituras é tal que dias, uma tradição oral originou o da Bíblia, o conceito Sola Scriptura,
nem o iletrado nem o douto podem que deve ser considerado comple- de Lutero, parece desafiar as cate-
captar seu significado.”12 O Sínodo mento às Santas Escrituras.”16 gorizações de Oberman. Ele negou
de Toulouse (1929) também havia Os reformadores tomaram clara os dois extremos dos reformadores
proibido o laicato de ler o Antigo e o posição contra a Tradição II. Mas, po- radicais que nada teriam que ver
Novo Testamentos com propósitos dia a posição tomada sobre a sufici- com a tradição ou Igreja (Tradição
devocionais, exceto o Saltério.13 ência das Escrituras ser enquadrada I) e a posição da Igreja Católica Ro-
A suposta obscuridade das Escri- com a Tradição I? Para Keith Mathi- mana que incluiu as Escrituras na
turas também foi a razão pela qual os son, “o caso pode ter feito com que os tradição (Tradição II). E, como tem
pais da Igreja, concílios e papas foram reformadores aderissem à Tradição sido apontado até aqui, a posição
elevados à condição de intérpretes I.17 Por sua vez, A. N. S. Lane esta- de Lutero também não concordava
últimos. A clareza das Escrituras não beleceu uma sistemática de quatro com a Tradição I. Em tudo isso, o que
significa simplicidade. A questão crí- componentes: A visão Coincidente parece claro é o distintivo intento do
tica tem que ver com a diferença entre (tradição coincide com as Escrituras; conceito Sola Scriptura. Como disse
proposições e afirmações. Para Lute- conforme a Tradição I); e visão Su- Graham Cole, “a lógica do sola tem
ro, as Escrituras expressam de manei- plementar (tradição é uma segunda que ver com a exclusão dos rivais.
ra absolutamente clara as proposições fonte de revelação, conforme a Tra- Seu uso indica a presença de um
sobre seus assuntos, embora algumas dição II); a visão Auxiliar (tradição princípio restritivo”.20
afirmações possam não ser claras para é um acréscimo à interpretação das
nós, por causa de nossa ignorância do Escrituras) e a visão Desdobrada A motivação
seu vocabulário e gramática.14 (tradição é o processo pelo qual o Por que a Bíblia era fonte autori-
significado da doutrina apostólica é zada para os reformadores? Como
Suficiência gradualmente desdobrado).18 já foi dito, a questão entre Lutero
É importante notar que a questão Lane identifica a posição dos refor- e seus oponentes ia além da auto-
da suficiência das Escrituras foi o an- madores com a visão auxiliar. Na ten- ridade normativa das Escrituras. A
tecedente imediato para Sola Scriptu- tativa de avaliar a posição dos refor- ruptura de Lutero com a teologia
ra. Na verdade, o sola foi planejado madores em relação à Tradição I, dois patrística e medieval centralizou-se
para realçar sua suficiência. As várias pontos críticos poderiam ser estabe- na rejeição da assumida congruên-
doutrinas, instituições e tradições lecidos. Embora a Bíblia seja mantida cia entre a Bíblia e a interpretação
que a igreja pôs em prática sem base como fonte exclusiva de revelação e a dela por meio da tradição. No centro
na Bíblia foram indicações para os re- autoridade final para doutrina e prá- do conflito estava a compreensão
formadores de que Roma considerou tica, deve ser interpretada na igreja e correta da Bíblia, que tem que ver
a Bíblia insuficiente.15 Na polêmica pela igreja, e deve ser interpretada de com o conteúdo da Bíblia. Segue-se
da situação da Reforma, a suficiência acordo com a regra de fé. que, para Lutero, a questão-chave, e

NOV-DEZ 2013 19
talvez sua primária motivação para Espírito Santo tenha produzido isto.” Embora Lutero possa ter superes-
defender o sola Scriptura, não estava Porém, torna-se claro que a inspira- timado alguns aspectos do princípio
relacionada com a autoridade for- ção não foi o fator crítico, quando Sola Scriptura, ele corretamente esta-
mal das Escrituras. Por autoridade ele observou: “Para mim, isto é ra- beleceu a Bíblia diante daqueles que a
formal entenda-se a autoridade que zão suficiente para não considerá-lo reconheciam como Palavra de Deus,
pertence à Bíblia em virtude de seus [o livro de Apocalipse]: Cristo não é mas negligenciavam sua autoridade
atributos divinos. ensinado nem conhecido nele; e en- concreta. Finalmente, Sola Scriptura
A distinção entre os aspectos ma- sinar Cristo é algo que todo apóstolo implica que a Bíblia permanece única
terial e formal da Bíblia se refere à foi comissionado a fazer.”23 e acima de outras autoridades. Isto é,
compreensão de Lutero sobre a fra- Diante disso, qual era a lógica ou como norma não regida por outras
se “Palavra de Deus”. Lutero usava motivação para Lutero haver estabe- normas, as Escrituras funcionam co-
os termos “palavra”, “Escrituras” e lecido o princípio Sola Scriptura? A mo a norma final para avaliar e julgar
“evangelho” no mesmo contexto, resposta depende do significado que a tradição, a razão, a experiência e
sem distingui-los claramente. Para alguém atribua às Escrituras. Para assim por diante. Como adventistas
ele, a Palavra de Deus era um termo Lutero, elas eram a forma escrita da do sétimo dia, é nosso privilégio dar
abrangente que assumia três formas: Palavra pessoal, de quem são servas. continuidade a esse princípio da Re-
A Palavra viva (Cristo), a Palavra fa- Na Palavra escrita está a proclamação forma, manter a autoridade, aceitar
lada (o evangelho) e a Palavra escri- da Palavra pessoal, o evangelho, que a necessidade e reconhecer a clareza
ta (as Escrituras). Essas formas são é o coração da Bíblia. O evangelho, das Escrituras.
distintas e classificadas nessa ordem. conforme revelado nas Escrituras é
Referências:
Todavia, nessa esquematização es- a autoridade interpretativa, um prin- 1
Heiko A. Oberman, The Harvest of Medieval
tava claro que a Escritura, a Palavra cípio material de autoridade. Esse é Theology (Cambridge, MA: Harvard University
escrita, tinha um status servidor a o evangelho usado por Lutero para Press, 1963), p. 390.
2
David W. Lotz, Sola Scriptura: Luther on Biblical
Cristo, a Palavra pessoal. Assim, o testar os decretos de papas e concí- Authority Interpretation 35/3 (1981), p. 266.
argumento de Lutero contra seus ad- lios, e encontrá-los deficientes. Essa 3
Keith A. Mathison, The Chape of Sola Scriptura
versários tomaria a seguinte forma: ideia é o “cânon dentro do cânon”, (Moscow, ID: Canon Press, 2001), p. 99.
4
John M. Headley, Luther’s View of Church
“Portanto, se os adversários colocam um conceito atribuído a Lutero. O History (New Haven, CT: Yale University
as Escrituras contra Cristo, nós real- princípio “Somente as Escrituras”, de Press, 1963), p. 82.
çamos Cristo. Nós temos o Senhor, Lutero, tinha em seu núcleo o Solus
5
Graham Cole, Churchman 104/1 (1990).
6
Ibid., p. 12.
eles têm o servidor; temos a Cabeça, Christ, “Cristo somente”. Sua mo- 7
Citado em Ellen G. White, O Grande Conflito,
eles têm os pés ou membros, sobre tivação para defendê-lo era o valor p. 160.
os quais a Cabeça necessariamente inestimável do evangelho proclama-
8
J. I. Packer, em John W. Montgomery,
ed., God’s Inerrant Word: An International
domina e tem precedência.”21 do pelas Escrituras. Symposium on the Trustworthiness of Scripture
Com isso, atingimos o âmago Essa exposição sobre a ênfase cris- (Minneapolis, MN: Bethany Fellowship,
da compreensão de Lutero sobre a tológica de Lutero no conceito Sola 1973), p. 44.
9
Louis Berkhof, Systematic Theology (Grand
Bíblia e sua autoridade. Isso parece Scriptura não contradiz sua crença Rapids, MI: Eerdmans Publishing Company,
explicar a ênfase que ele deu ao prin- na inspiração da Bíblia. Não se pode 1996), p. 163.
cípio material de autoridade bíbli- invocar a autoridade de Lutero para
10
Ibid., p. 164.
11
Ibid., p. 166.
ca. Para ele, era impossível escrever apoiar a visão de que as Escrituras 12
F. E. Mayer, Concordia Theological Monthly
formalmente sobre a Bíblia sem seu não são a verdadeira Palavra e au- 22/5 (1951), p. 326.
conteúdo, Jesus Cristo e o evange- têntica revelação de Deus. Muito me-
13
Ibid.
14
Erling T. Teigen, Concordia Theological
lho. A potência do princípio material nos é possível, em nome de Lutero, Quarterly 46 (1982), p. 148.
de Lutero sobre a autoridade bíblica colocar em xeque a Palavra escrita, 15
G. C. Berkouwer, Holy Scripture (Grand
está evidente em sua avaliação dos li- a Palavra personificada e a Palavra Rapids, MI: Eerdmans Publishing Company,
1975), p. 302.
vros bíblicos. Por exemplo, sobre essa falada.24 A preocupação dos refor- 16
Heiko Obernam, Forerunners of the
base, a epístola de Tiago foi chamada madores quanto à cuidadosa exegese Reformation: The Shape of Late Medieval
de “a epístola de palha”, porque não e um clero biblicamente instruído Thought (Londres: Lutterworth Press, 1967),
p. 60.
menciona a paixão, a ressurreição revela sua elevada consideração pelas 17
Keith A. Mathison, Op. Cit., p. 85.
ou o Espírito de Cristo.22 Semelhan- Escrituras. Todavia, aparentemente 18
Ibid., p. 86.
temente, o status canônico do livro por causa da hegemonia dos pais da
19
http://www.crowhill.net/Mathison.html1,
acessado em 30/04/2012.
de Apocalipse foi questionado. Nesse Igreja, papas e concílios, por pessoas 20
 raham Cole, Op. Cit., p. 24, 25.
G
caso particular, inicialmente pare- que também aceitaram a autorida- 21
Luther’s Works (Minneapolis: Fortress, 1960),
ceu que a inspiração teria sido fator de formal da Bíblia, talvez Lutero 34:112.
22
Ibid, 35:396.
decisivo, pois afirmou: “Não posso se encontrasse superenfatizando a 23
Ibid., p. 398, 399.
detectar, de forma nenhuma, que o autoridade material das Escrituras. 24
J. I. Packer, Op. Cit., p. 263.

20 MINISTÉRIO
Nancy Vyhmeister
Professora de Teologia e

PESQUISA editora, jubilada, reside na


Califórnia, Estados Unidos

Quem foi Júnias?


“Saúdem Andrônico e Júnias, meus parentes que
estiveram na prisão comigo. São notáveis entre os
apóstolos, e estavam em Cristo antes de mim” (Paulo)

O
nome Júnias aparece apenas e Júnias (como se estivessem no ca- um nome feminino romano comum.
uma vez no Novo Testamen- so nominativo, que seriam escritos Seu significado era “juvenil”, “moço”,
to, em uma lista de amigos e como Andrónikos e Iounias). O outro “jovem”. Derivado da deusa Juno, o
colaboradores de Paulo em Roma, nome, Iounían, também no acusati- nome aparece mais de 250 vezes nos
aos quais ele enviou saudações (Rm vo, é problemático. registros de Roma, somente no pri-
16). Através dos anos, têm sido le- A diferença entre o masculino meiro século.3 É um nome frequen-
vantadas perguntas sobre sua iden- Iounián e o feminino Iounian é ape- temente encontrado em lápides,4 que
tidade, ocupação e, especialmente, nas um acento. Na verdade, os mais também aparece em inscrições do
seu gênero (masculino ou feminino). antigos manuscritos, os unciais, primeiro século em Éfeso, Didyma,
Neste artigo, analisaremos algumas são escritos em letras capitais, sem Lídia, Bitínia e Trôade.5 A mais co-
dessas questões e também as impli- acentos. Consequentemente, os dois nhecida Júnias é meio-irmã de Bru-
cações das respostas. gêneros deviam ser IOUNIAN, dei- tus e esposa de Cassius.6
O texto original grego de Roma- xando o leitor decidir qual seria o Se o nome fosse masculino, deve-
nos 16:7 diz o seguinte: “Saúdem gênero de Júnias. ria ser Junias em grego, ou Junius em
Andrônico e Júnias, meus parentes Para elucidar essa questão, consi- latim. O nome Junius é bem compro-
que estiveram na prisão comigo. São deraremos o uso do nome na antigui- vado. Entretanto, não há comprova-
notáveis em/pelos/entre os apóstolos dade, as referências a Júnias, feitas ção para Junias em nenhuma “inscri-
e estavam em Cristo antes de mim.”1 pelos antigos escritores cristãos, e o ção, documento, escritura, epitáfio
Coloquei em itálico os termos em/ nome nos antigos manuscritos gre- ou obra literária do período do Novo
pelos/entre, porque a identidade de gos do Novo Testamento. Testamento”.7 Alguns têm sugerido
Júnias é encontrada na interpreta- que Iouniás deve ter sido uma forma
ção dessas palavras. Aqui, os nomes Na antiguidade reduzida de Iounianós, mas esse nome
gregos Andrónikon e Iounían, que Apesar da declaração de Wayne também não é evidente.8 De acordo
estão no modo acusativo (objeto di- Grudem e John Piper, de que Júnias com Linda Belleville, “Iouniás como
reto), por causa do verbo “saudar”, não era um nome feminino comum contração de Iounianós originou-se no
foram traduzidos como Andrônico no mundo de fala grega,2 esse era mundo de fala inglesa com Thayer”.9

NOV-DEZ 2013 21
Primeiras referências cristãs nuscritos unciais foram recopiados Traduções modernas
Em seu comentário sobre Roma- em minúsculas, forçando o uso de As sete mais antigas versões in-
nos, Joseph Fitzmyer enumerou 16 acentos. Esses manuscritos conti- glesas, de Tynbale (1525-1534) a
escritores cristãos gregos e latinos, nham Iounían, identificando Júnias KJV (1611), todas apresentam Jú-
do primeiro milênio, que compreen- como nome feminino. De acordo nias sendo mulher. Da Revised Ver-
diam Júnias em Romanos 16:7 como com Eldon Epp, nenhum manus- sion (1881) até a Nova Tradução Livre
sendo mulher. Entre esses, o mais crito grego em minúsculas usou o (1996), 21 traduções inglesas mos-
antigo é Orígenes, cujo comentário masculino Iounián.16 tram o gênero masculino, embora dez
sobre Romanos foi traduzido por Ru- O UBS Greek New Testament ano- mencionem o feminino.22
fino, em latim, e citado por Rabanus ta pelo menos 20 manuscritos do Algumas recentes traduções ingle-
Maurus.10 Em seu Liber de Nominibus Novo Testamento, em minúsculas, sas ainda usam o gênero masculino,
Hebraicis, Jerônimo enumera nomes que usam o feminino Iounían. Entre certamente porque sua fonte original
como Júnias.11 esses, os mais antigos são o 081 (de assim fazia, e o gênero masculino
De João Crisóstomo a Pedro Abe- 1044) e o 104 (de 1087). O mais re- estava no Novo Testamento grego
lardo, comentaristas gregos e latinos cente é o 2200 do século 14.17 traduzido por essas versões. Tais são
da epístola aos romanos usaram o Nos manuscritos e escritos do os casos do francês Louis Segond, a
nome feminino Júnias. As únicas ex- Novo Testamento sobre o capítulo espanhola Bíblia de las Américas, a
ceções foram Ambrosiastro (no fim 16 de Romanos, mais de uma vez o revisão de 1995 da Rainha Valéria,
do quarto século) e Atto de Vercelli nome Júnias, do verso sete, é dado a New American Standard Bible, a ver-
(925-960), que usaram Júlia.12 como Júlia, que aparece depois em são Inglesa Contemporânea e a Bíblia
Aqueles que argumentam ser Jú- Romanos 16:15. Isso pode ser visto Mensagem, entre outras.
nias um personagem masculino in- no manuscrito uncial P46, aproxi-
sistem muito no Index Discipulorum, madamente do ano 200.18 Júlia é um Entre eles ou um deles
atribuído a Epifânio, onde Júnias nome feminino. Para alguns, a frase grega episémoi
aparece como tal. Entretanto, Bel- Richard Bauckham conjectura que en tem sido problemática. É Júnias
leville nota que Epifânio também Júnias, de Romanos 16:7, possa ser a um dos apóstolos? Ou ela é reconhe-
se referiu a Priscilla como persona- mesma Joana mencionada em Lucas cida pelos apóstolos? A Vulgata Lati-
gem masculino e bispo de Cólofon, 8:3; 24:10. Seu nome romano devia na tem Júnias como “notável entre
enquanto Áquila, esposo dela, foi ser mais fácil de ser pronunciado, os apóstolos” (nobiles in apostolis”).
bispo de Heracleia – dois lugares e seu relacionamento com Jesus a Em seu comentário sobre Roma-
diferentes. “A confusão dos dois gê- identificava como cristã, antes de nos 16:7, João Crisóstomo escreveu
neros e a discrepância entre as duas Paulo. Andrônico seria um segundo o seguinte sobre Andrônico e Jú-
cidades minam a credibilidade do marido de Joana, ou outro nome da- nias: “Que são dignos de nota entre
documento”.13 do a Chuza, primeiro marido dela.19 os apóstolos. De fato, ser apóstolo é
Egídio de Roma foi o primeiro uma grande coisa. Mas estar entre os
escritor da igreja a se referir a An- Novo Testamento grego notáveis, que grande elogio! Mas eles
drônico e Júnias como “aqueles ho- De acordo com a lista de Epp, 38 eram notáveis por causa de suas obras
noráveis homens”.14 É interessante Novos Testamentos gregos, entre os e realizações. Quão grande era a devo-
lembrar que isso corresponde ao anos 1516 e 1920, usam o nome Iou- ção desta mulher, para que ela fosse
tempo em que o papa Bonifácio VIII nían, indicando gênero feminino para achada digna do título de apóstolo!”23
decretou em 1298 que todas as frei- Júnias. Durante aquele tempo, houve Até o fim do século 19, houve pou-
ras deveriam ser permanentemente apenas uma exceção: Alford, no século ca discussão sobre o apostolado de
enclausuradas.15 19, usou o modo masculino, mas co- Júnias. William Sanday e Arthur He-
locou o feminino como alternativa.20 adlam, anotaram em seu comentário
Antigos manuscritos gregos Desde a versão de Nestle, em sobre Romanos: “Júnias é, de fato,
Se o escriba de um manuscrito 1927, passando pelo UBS Greek New um nome romano comum e nesse ca-
uncial pretendesse escrever Iouní- Testament, de 1933, apenas o Hod- so os dois provavelmente seriam es-
an ou Iounián, isso era secundário. ges-Farstad New Testament, de 1982, poso e esposa. Por outro lado, como
As letras deveriam ser maiúsculas usa o feminino. As outras 14 versões nome masculino, Júnias era menos
e sem acento: IOUNIAN. O gênero usam o masculino, frequentemente comum... Se, como é provável, An-
dessa pessoa devia ser descoberto sem explicação alternativa. Essa ten- drônico e Júnias estavam incluídos
em outra fonte. dência foi revertida em 1994, com entre os apóstolos... é mais provável
Os manuscritos em minúsculas as versões de Kurt Aland (1994) e que o nome tenha sido masculino.”24
começaram a aparecer depois do do UBS (1998) que retornaram ao O adjetivo episémoi se refere a al-
sétimo século. Na verdade, os ma- feminino sem leitura alternativa.21 guma coisa que tem marca distintiva.

22 MINISTÉRIO
Biblical Manhood and Womanhood: A Response
Pode ser usado como sinal de que o mesmo estudo e apresentou evi- to Evangelical Feminism (Wheaton, IL:
uma coisa ou pessoa é considerada dências bíblicas para o erro daqueles Crossawy Books, 1991), p. 79-81.
muito boa, notável, famosa, como autores. Mostrou que a preposição
3
Joyce Salisbury, Encyclopedia of Women in the
Ancient World (Santa Barbara, CA: ABC-CLIO,
em Romanos 16:7, ou muito má, en acompanhada pelo dativo normal- 2001), s. v. “Junia”.
infame, como é aplicada a Barrabás mente é inclusiva. Também descobriu 4
Linda Belleville, Discovering Biblical Equality
(Mt 27:16), onde o termo é traduzido paralelos helenísticos da frase episémoi (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2005),
p. 117.
pela NRSV como “notório”.25 Aproxi- en tois, claramente inclusivos. Para Bel- 5
___________, New Testament Studies 51
madamente no início do ano 1900, a leville, Júnias era mulher e foi apósto- (2005), p. 241.
ideia de que o nome fosse Júnia, uma la.31 Em 2002, Eldon Epp escreveu um
6
Ibid., p. 234.
7
Linda Belleville, Discovering Equality Biblical,
mulher estimada pelos apóstolos apa- extenso artigo que se tornou base para p. 117.
receu em comentários de vários au- seu livro publicado em 2005: Júnias: 8
Eldon Epp, Junia: A First Woman Apostle
tores.26 Considerando que somente A Primeira Mulher Apóstola. Nele, Epp (Mineápolis, MN: Fortress Press, 2005), p. 26-28.
9
Linda Belleville, New Testament Studies, 239.
homens podiam ser apóstolos, Júnias apresenta uma bem documentada ar- 10
Joseph Fitzmyer, Anchor Bible (Nova York:
não podia ser apóstola, mas podia ser gumentação favorável a essa ideia.32 Doubleday, 1993), v. 33, p. 737, 738.
muito estimada por eles.
11
w ww.documentcatholicaomnia.eu/02/0347-
0420_Hieronymus_Liber_De_Nominibus_
Em 1994, o Comentário Textual pa- Os apóstolos Hebraicis_MLT.pdf; acessado em 14/05/2013.
ra o UBS Greek New Testament dizia A grande questão é: Quem são 12
 te Elsen, Women Officeholders in Early
U
o seguinte: “Considerando a impos- esses apóstolos? Obviamente, não Christianity: Epigraphical and Literary Studies
(Colleville, MN: Liturgical Press, 2000), p. 47.
sibilidade de uma mulher ser uma são os doze. Em 1 Coríntios 12:28, 13
Linda Velleville, New Testament Studies, p. 235.
entre os apóstolos, alguns membros Paulo se refere ao dom espiritual do 14
Bernadette Brooten, Women Priests: A Catholic
[da comissão do UBS] entenderam apostolado. Teriam Andrônico e Jú- Commentary on the Vatican Declaration
(New York: Paulist Press, 1977), www.
o nome como sendo masculino.”27 nias recebido esse dom? Sabemos womenpriests.org/classic/brooten.asp.
Evidentemente, o ponto crucial do muito pouco, além do significado 15
Ute Eisen, Op. Cit., p. 47.
problema é a preposição en, que pode da palavra apóstolos – “alguém que
16
Eldon Epp, Op. Cit., p. 45.
17
United Bible Societies, The Greek
ser traduzida como “entre”; “com”; é enviado”. Se Andrônico e Júnias New Testament (Stuttgart: Deutsche
ou “pelos”.28 A palavra indica lugar e foram enviados ou comissionados, Bibelgesellschaft, 1993), p. 564.
normalmente é seguida de uma pala- quem os enviou?
18
Bruce Metzger, A Textual Commentary on the
Greek New Testament (Stuttgart: Unite Bible
vra no caso dativo (objeto indireto). Richard Bauckham sugere que Societies, 1971), p. 539.
Qual é o significado de en no Paulo se refere aos apóstolos de 19
Richard Buckham, Gospel Women: Studies
texto em apreço? Foram Andrônico Cristo, como ele mesmo, que foram of the Named Women in the Gospels (Grand
Rapids, MI: Eerdmans, 2002), p. 109-202.
e Júnias reconhecidos como após- comissionados pelo Cristo ressus- 20
Eldon Epp, Op. Cit., p. 62, 63.
tolos? Eram eles notáveis entre os citado e que, com os doze dos Si- 21
Ibid.
apóstolos (visão inclusiva)? Ou foram nóticos, formam um grupo maior.33
22
Ibid., p. 66.
23
John Chrysostom, Nicene and Post-Nicene
reconhecidos pelos apóstolos como Orígenes defendeu que Júnias e An- Fathers (Grand Rapids, MI: Eerdmans, s/d),
cristãos notáveis, mas não apóstolos drônico estavam entre os setenta e v. 11, www.ccel.org/ccel/schaff/npnf111.pdf,
(visão exclusivista)? dois enviados por Jesus.34 acessado em 26/08/2012.
24
 illiam Sanday e Arthur Headlam,
W
Em 2001, Michael Burer e Daniel Craig Keener diz o seguinte: “Não International Critical Commentary (Edinburg:
Wallace apresentaram um reexame é natural ler nesse texto que eles ti- T&T Clark, 1895), v. 32, p. 423.
de Romanos 16:7, e propuseram nham apenas elevada reputação com
25
Gerhardt Kittel, Geoffrey Bromiley e Gerhard
Friedrich, editors, Theological Dictionary of the
que Júnias era mulher e que ela e os apóstolos... Em nenhum lugar New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans,
Andrônico eram admirados pelos Paulo limita a companhia apostólica 1964-1976), “Episémos”.
apóstolos. Depois de destacar o que aos doze e a ele mesmo, como alguns
26
Eldon Epp, Op. Cit.
27
Bruce Metzger, Op. Cit., p. 322.
percebiam ser um erro daqueles que têm defendido.” 35 28
Theological Dictionary of the New Testament, “en”.
tomavam a posição inclusiva, esses É difícil concluir este estudo sem 29
Michael Burer e Daniel B. Wallace, New
comentaristas encontraram evidên- mencionar que Paulo estava se refe- Testament Studies 47 (2001), p. 76-91.
30
Richard Buckham, Op. Cit., p. 172-180, 246.
cia para a sua própria visão exclu- rindo a uma mulher chamada Júnias, 31
Linda Belleville, New Testament Studies, 242-247,
sivista, no estudo de documentos que, com Andrônico (provavelmente 248; Discovering Equality Biblica, p. 119, 120.
antigos.29 Episémoi en tois apostólis seu marido) participou do grupo de
32
Elton Epp, New Testament Textual Criticism
and Exegesis (Leuven: Leuven University
devia significar “notáveis pelos após- apóstolos do Novo Testamento. Paulo Press, 2002), p. 45.
tolos”. As três principais respostas a reconheceu como tal, uma mulher 33
Richard Bauckham, Op. Cit., p. 179, 180.
dadas a essa proposição vieram de disposta a sofrer pelo evangelho que
34
Rena Pederson, The Lost Apostle: Searching for
the Truth About Junia (San Francisco: Jossey-
Bauckham, Belleville e Epp. ela incansavelmente anunciava. Bass, 2006), p. 36.
Bauckham analisou o estudo fei- 35
Craig Keener, citado em Rebecca Merril
Referências: Groothuis, Good News of Women: A Biblical
to por Burer e Wallace, e mudou su- 1
Tradução da autora. Picture of Gender Equality (Grand Rapids, MI:
as conclusões.30 Belleville reaplicou 2
Wayne Grudem e John Piper, Recovering Baker, 1997), p. 195.

NOV-DEZ 2013 23
Humberto Rasi
Pastor, professor e editor,

MEIO AMBIENTE jubilado, reside na Califórnia

A Bíblia,
a ecosfera e nós
“O Senhor deseja que tratemos a Terra como precioso
tesouro a nós confiado” (Ellen G. White)

C
inquenta anos atrás, a biólo- na segunda vinda de Jesus, não deve- disse o filósofo Douglas Groothuis,
ga norte-americana Rachel ríamos estar tão preocupados sobre o “a cosmovisão cristã nem deifica a
Carson publicou o livro Silent que acontece em nosso lar terrestre natureza nem denigre seu valor. De
Spring, focalizando o prejuízo causa- e suas criaturas. acordo com a Bíblia, a criação não
do no planeta e em seus organismos Como deveriam os cristãos res- é divina e não deve ser cultuada.
vivos pelo uso de pesticidas quími- ponder à degradação ambiental? O Porém, ela não é intrinsecamente
cos, particularmente os pássaros.1 que as Escrituras nos ensinam sobre má nem ilusória. Portanto, deve ser
Esse livro, que foi amplamente lido nossa responsabilidade para com a tratada com respeito”.3 Assim, a me-
e discutido, lançou o moderno mo- Terra e seus habitantes? Pastores ad- lhor abordagem à responsabilidade
vimento ambiental. ventistas, professores e outros envol- ambiental é teocêntrica – não an-
Poucos anos depois, em 1967, a vidos no ministério e na educação tropocêntrica nem ecocêntrica – e
revista Science publicou o texto de cristã são frequentemente solicita- firmemente alicerçada na Bíblia.4
uma palestra do historiador Lynn dos a responder a essas perguntas. Cuidadosa leitura da Bíblia revela
White Jr., intitulada “As raízes his- Então, necessitamos lembrar que a que os seres humanos foram coloca-
tóricas de nossa crise ecológica”. No Bíblia apresenta uma cosmovisão dos por Deus em um relacionamento
texto, o autor afirma que “o cristia- sobre a origem, o significado, pro- duplo com os animais criados por
nismo tornou possível explorar a na- pósito e destino da criação de Deus e, Ele. Por um lado, espera-se que cui-
tureza em um clima de indiferença particularmente, dos seres humanos. demos deles, assim como Deus cuida
para com os objetos naturais”.2 de nós. Por outro lado, partilhamos
Embora Carson e White tenham Implicações para nossa nossa origem com eles. Somos dis-
sido criticados, o movimento am- abordagem tintos de outras criaturas, mas temos
biental continua a crescer e, às vezes, A cosmovisão bíblica tem claras um grau de afinidade com elas, desde
tem assumido características quase implicações para a maneira pela qual que partilhamos o planeta com elas e
religiosas. Alguns cristãos creem que, nos relacionamos com nosso am- também dependemos de Deus para
uma vez que o mundo será destruído biente natural e suas criaturas. Como nossa existência e nosso sustento.5

24 MINISTÉRIO
Tendo a Bíblia como fundamento, interligação da ecosfera da Terra e a bre as aves do céu, sobre os grandes
os conceitos mais significativos so- inter-relação do planeta e a vastidão animais de toda a Terra e sobre todos
bre maneiras pelas quais os cristãos do cosmos (At 17:24, 25; Rm 1:19, os pequenos animais que se movem
devem se relacionar com a natureza 20; Hb 11:3). rente ao chão’” (Gn 1:26). Então,
e promover o bem-estar humano Os primeiros seis dias testemu- Deus “colocou o homem no jardim
podem ser esboçados como segue: nharam o surgimento da luz, a se- do Éden para cuidar dele e cultivá-lo”
Deus criou o mundo e continua paração entre águas da Terra e águas (Gn 2:15). Essas afirmações sugerem
cuidando dele. À semelhança do ar- na atmosfera, o surgimento da terra três princípios: Primeiro, os recur-
tista que se detém a contemplar sua seca, o gênesis de toda vegetação, a sos da criação foram disponibilizados
obra-prima, o Criador olhou cada aparição do sol, lua, planetas e es- para o sustento e bem-estar do ser
estágio de Seu trabalho e considerou trelas, bem como a criação de aves, humano. Segundo, o relacionamen-
“bom” o resultado (Gn 1:4, 10, 12, criaturas marinhas e animais terres- to do homem com a ecosfera devia
18, 21, 25). Depois de criar o pri- tres. Nos livros de Jó e Salmos, Deus ser de sensível cuidado e interesse
meiro homem e a primeira mulher, descreve Seu papel mantenedor na (Dt 11:11-15; Pv 12:10; Os 2:18;
e colocá-los em um perfeito habitat, operação regular do Universo e da Lc 13:15). Terceiro, os seres huma-
cercado por uma luxuriante vegeta- vida neste planeta, e indica a inter- nos deviam expandir o desabitado
ção e seres vivos de todos os tipos, dependência do ecossistema glo- ecossistema para incluir todo o pla-
Ele supervisionou “tudo o que havia bal por Ele designado (Jó 38:4-41; neta: “Sejam férteis e multipliquem-
feito” e declarou tudo “muito bom” Sl 65:9-13; 104:1-33). Isso signifi- -se! Encham e subjuguem a Terra!”
(Gn 1:31). Por duas vezes, Deus ca que, quando os seres humanos (Gn 1:28).6
abençoou os seres vivos criados no prejudicam um aspecto da ordem Como descendentes do primeiro
quinto e no sexto dia (v. 22, 28). criada, outras facetas podem sofrer casal, de nós é esperado cuidadoso
Depois, Deus deu instruções es- consequências, às vezes irreversíveis. gerenciamento, conforme nos foi
pecíficas sobre o repouso sabático re- Diante do delicado equilíbrio com confiado. Devemos fazê-lo sabia-
querido pelo solo para recuperar sua que Deus dotou Sua criação, temos mente, transmitindo-o às futuras
fertilidade; proveu diretrizes para o o privilégio de nutri-la e mantê-la. gerações.
cuidado de árvores, aves e animais de Deus nos deu livre-arbítrio. No A desobediência humana resul-
carga (Lv 19:23; Dt 20:19, 20; 22:6, sexto dia, coroando o trabalho da tou em prejuízo para a ecosfera.
7; 25:4); e assegurou provisão de criação do ecossistema deste planeta, Embora Deus houvesse criado um
alimento e repouso para os animais Deus trouxe Adão e Eva à existência, harmonioso habitat para Adão e
selvagens e domésticos (Êx 23:10- criando-os à “imagem” e “semelhan- Eva, cercando-os de belas criaturas,
12; Jó 38:39-41; Sl 104:10, 11, 14, ça” divinas (Gn 1:26, 27; 2:21). Eles a desobediência deles resultou em
21, 27, 28; 145:15, 16; 147:8, 9). Ele não somente foram dotados com dramática alteração do ambiente
afirmou Sua exclusiva propriedade racionalidade, consciência moral e natural. Consequentemente, a paz
sobre tudo o que existe (Jó 41:11; habilidade para falar, mas também interior, o relacionamento mútuo e
Sl 50:9-11) e ordenou o cosmos, nu- com capacidade para planejar, es- o bem-estar do primeiro casal foram
ma irrefutável evidência de Seu po- colher e agir diferentemente. Deus quebrados e o sofrimento atingiu
der criador e mantenedor (Is 40:25, também lhes comunicou os limites todo o mundo criado (Gn 3:1-23). A
26, 28; 45:12, 18). de sua liberdade e os advertiu sobre lista de males é dolorosa: disfunção,
Deus Se preocupou com o bem- as consequências da desobediência sofrimento, doença, crueldade, pre-
estar não somente das pessoas de (Gn 2:16). Ainda temos habilidade dação, decadência e morte. Poucas
uma grande metrópole, mas também para raciocinar da causa para o efei- gerações depois, a maldade humana
de seu rebanho (Jn 4:10, 11). Por tu- to, fazer decisões e agir (Dt 30:15, levou Deus a permitir um Dilúvio
do isso, não devemos destruir levia- 19; Jo 6:66, 67; Ap 3:20; 22:17). global que eliminou a maioria dos
namente o que Ele criou e mantém. Algumas das escolhas que fazemos organismos vivos e alterou drastica-
Na verdade, de acordo com a Bíblia, afetam nossos semelhantes, o am- mente a superfície da Terra (Gn 6-8).
no fim do tempo, Deus trará severo biente natural e os organismos vivos Porém, em seguida a esse massivo
juízo sobre “os que destroem a Terra” (Is 24:4-6; Zc 11:1-3). Assim, somos desastre, Deus estabeleceu um gra-
(Ap 11:18). responsáveis diante do Criador. cioso concerto com Noé, seus des-
Deus criou o cosmos e a vida na Deus confiou ao homem a admi- cendentes e as espécies de animais
Terra como um sistema integrado e nistração do planeta. O relato da sobreviventes na arca (Gn 9:8-10).
dinâmico. A ordenada sequência de criação é claro: “Então disse Deus: Assim, o que nós hoje observamos
eventos da primeira semana revela ‘Façamos o homem à Nossa imagem, nos seres humanos e na natureza
o extraordinário poder e inteligência conforme a Nossa semelhança. Do- não reflete a criação original de Deus,
do Criador, como pode ser visto na mine ele sobre os peixes do mar, so- mas uma realidade desfigurada.

NOV-DEZ 2013 25
Jesus Cristo veio ao mundo para Lamentavelmente, alguns desses prover uma pausa saudável no ciclo
redimir, educar e curar. Vinte séculos avanços têm causado impacto nega- semanal para benefício de homens
atrás, a segunda Pessoa da Divinda- tivo no ambiente. Assim, ao estu- e animais (Gn 2:2, 3; Êx 20:8-11;
de, que trouxe o mundo à existência darmos e usar com responsabilidade 31:17). Isso ocorreu milhares de anos
(Jo 1:1-3, 14; Ef 3:9), veio à Terra os recursos naturais para atender as antes de Israel ter surgido como na-
como Homem para “buscar e salvar necessidades humanas e promover o ção. Na verdade, Jesus declarou que
o que estava perdido” (Lc 19:10) e desenvolvimento sustentável – apri- esse dia foi designado para promover
responder às necessidades humanas morando o bem-estar de homens e o bem-estar de homens e mulheres,
(Jo 5:17; 10:10). Ao tomar a natureza animais – estamos usando talentos independentemente de suas convic-
humana e viver na Terra, Jesus dig- concedidos por Deus para benefício ções religiosas (Mc 2:27), bem como
nificou a criação. De fato, Ele nasceu de toda a criação. de toda a criação. Acima de tudo,
em uma manjedoura, cercado por Deus estabeleceu princípios de quando descansamos no sétimo dia,
alguns animais originalmente cria- bem-estar em um mundo imperfei- nos aproximamos do Criador e am-
dos por Ele, e esteve quarenta dias to. Ao primeiro casal, Ele indicou uma pliamos nosso conhecimento dEle.
e noites no deserto cercado e prote- dieta tendo como base sementes e Deus restaurará o mundo. As
gido por animais (Lc 2:7, 8, 12, 16; frutas: “Eis que lhes dou todas as condições atuais do planeta e seus
Mc 1:13). Em Suas parábolas e ilus- plantas que nascem em toda a ter- habitantes não são as que original-
trações, Ele revelou compreensão do ra e produzem sementes, e todas as mente foram preparadas e designa-
mundo natural, do qual extraiu lições árvores que dão frutos com semen- das pelo Criador. A Bíblia diz que
espirituais (Lc 8:4-8; 15:3-6; 17:24; tes. Elas servirão de alimento para “toda a natureza criada geme até ago-
Mt 13:31, 32; Mt 24:32). vocês.” Também os animais deviam se ra” (Rm 8:22), e que nosso ambiente
Jesus chamou a atenção para a alimentar de vegetais (Gn 1:29, 30). em decadência alcançará um ponto
delicada beleza dos lírios do campo Depois da queda, foram acrescentadas de retorno (Is 51:6; 2Pe 3:10-13). As
e lembrou que nenhum pardal “cai ervas à dieta humana (Gn 3:18, 19). Escrituras predizem um tempo futu-
no chão sem o consentimento do Em seguida ao Dilúvio, Deus especifi- ro em que será restaurada a harmo-
Pai” (Mt 10:29). Porém, disse que os cou tipos de animais, aves e peixes que nia entre seres humanos e animais
seres humanos valem muito mais poderiam compor a dieta do ser hu- (Is 11:6-9), que terão a Nova Terra
que as aves (Mt 6:26). Por meio de mano (Gn 9:3, 4; Lv 17:1-14). Depois, como sua morada (Ap 21:3-5). Este
uma parábola e um milagre, Jesus Ele determinou que a gordura devia planeta passará a ser nosso habi-
também esclareceu que um agente ser removida da carne a ser comida tat, por toda a eternidade, tão logo
maligno havia distorcido a harmonia (Lv 3:17; 11:1-47; Dt 14:3-20). Deus recrie tudo o que foi estragado
original da criação (Mt 13:24-28). A Bíblia também recomenda e destruído pela desobediência, pelo
Assim Jesus Cristo nos modelou pa- simplicidade, regularidade e equi- descuido e abuso dos seres huma-
ra interagir com nossos semelhantes líbrio no comer e beber (Ec 10:17; nos. Neste mundo imperfeito, tal
e com o restante da criação. Jo 6:10-13; 1Co 10:31), bem como expectativa nos dá esperança de um
Deus nos deu capacidade para uma atitude confiante no cuidado de mundo melhor.
estudar, utilizar e beneficiar a cria- Deus por nós (Mt 6:25-34). O con-
Referências:
ção. Criados à imagem e semelhança tato com a natureza pode melhorar 1
R achel Carson, Silent Spring (New York:
do Criador, fomos dotados com habi- a saúde física e mental. A maneira Houghtn Mifflin, 1962).
lidades para observar, planejar e agir pela qual tratamos nosso corpo é
2
Lynn White Jr., Science 155, nº 3767,
10/03/1967, www.zbi.eel/~kalevi/white/htm.
em nosso ambiente (Gn 2:15, 19, importante, porque Deus nos criou 3
Douglas Groothuis, Christian Apologetics: A
20). Os descendentes imediatos de como unidades integrais (Lc 10:25- Comprehensive Case for Biblical Faith (Downers
Adão e Eva foram pastores, cultiva- 28; 1Ts 5:23; Hb 10:15, 16), habita Grove, IL: IVP Academic, 2011), p. 113.
4
Andrew Hoffman e Lloyd E. Sandelands,
vam o solo, fabricavam tendas, cons- em nós por meio de Seu Espírito, e Organization & Enviroment 18, nº 2,
truíam cidades, compunham música através das nossas percepções ce- junho/2005, p. 141-162.
e fabricavam ferramentas (Gn 4:2, rebrais, Ele interage conosco (1Co
5
Richard Buckham, Living With Other Creatures:
Green Exegesis and Theology (Waco, TX: Bylor
17, 20-22). Salomão conquistou 3:16, 17). Assim, Deus nos anima University Press, 2011), p. 4, 5, 223.
renome por seu conhecimento da a seguir esses princípios e desfrutar 6
A palavra original hebraica, radah, traduzida
flora e fauna do seu tempo e lugar seus benefícios. no verso 26 como “dominar”, também pode
ser traduzida como “governar” ou “reinar”.
(1Rs 3:5-15; 4:29-34). Por meio de Deus estabeleceu um dia semanal No verso 28, a palavra original é kabash, que
observação, testes e erros, a descen- de repouso, restauração e memo- significa “manter em submissão”.
dência do primeiro casal desenvolveu rial. Depois de haver completado
7
A mudança na dieta, depois do Dilúvio,
aparentemente foi um fator na considerável
inovações tecnológicas, mecânicas e Seu trabalho criador da Terra, Deus redução do tempo de vida do ser humano, em
científicas, que caracterizam a civili- repousou no sétimo dia, não por- relação às centenas de anos que eles viviam
zação moderna. que estivesse cansado, mas a fim de antes da catástrofe (Gn 5; 9:28, 29).

26 MINISTÉRIO
Jack J. Blanco
Professor de Teologia,

ESCATOLOGIA jubilado, reside em


Collegedale, Tennessee,
Estados Unidos

“Que ninguém
os engane”
O que está realmente
C
ristãos que não conseguem número de falsos conceitos a respeito
entender como os judeus fa- desse tema. Neste artigo, analisamos
em jogo na lharam em identificar Cristo brevemente as ideias mais proemi-
compreensão de como o Messias prometido têm pouca
razão para alimentar sentimentos de
nentes. Elas não são apresentadas
como fatos históricos que devam ser
quando e como Cristo superioridade. Mesmo antes da mor- simplesmente coletados e examina-
te dos apóstolos, os cristãos primiti- dos com destaque acadêmico. Você es-
virá pela segunda vez? vos interpretaram incorretamente as tá prestes a seguir a descrição de uma
profecias sobre a segunda vinda de trilha de engano que tem na extremi-
Thiago Lobo

Jesus, e, ao longo dos séculos, mui- dade uma farsa mortal de magnitude
tos cristãos têm promovido grande cósmica. Então, prossiga em oração.

28 MINISTÉRIO
de confirmar as visões deles.1 Com vens proféticas”. Sobre o fim dos
isso em mente, é bastante nos refe- tempos, ele ensinava como sendo
rirmos aos eventos que precederam a crucificação do mundo no coração
1844, para imaginar os resultados! dos cristãos, significando que, para
A confusão entre os tessalonicen- esses, o mundo estava morto.4 Isso
ses obrigou o apóstolo a esclarecer nos faz lembrar que a maneira pe-
o que ele realmente quis dizer. Na la qual alguém interpreta a Bíblia é
segunda carta, ele escreveu: “Não muito importante.
deixem que ninguém os engane de
modo algum. Antes daquele dia virá Quinto século
a apostasia e, então, será revelado o A compreensão de Agostinho so-
homem do pecado, o filho da perdi- bre a segunda vinda de Jesus Cristo
ção. Este se opõe e se exalta acima influenciou a igreja cristã durante
de tudo o que se chama Deus ou é séculos. Sendo um dos pais da igreja
objeto de adoração, chegando até a latina, ele acreditava que a segunda
assentar-se no santuário de Deus, vinda de Jesus ocorre quando Ele
proclamando que ele mesmo é Deus. entra no coração de quem O acei-
Não se lembram de que quando eu ta. Porém, Agostinho não excluía,
ainda estava com vocês costumava como fazia Orígenes, a vinda literal
lhes falar essas coisas?” (2Ts 2:3-5). de Cristo. Ele ensinava que o reino
milenar de Cristo começou quando
Terceiro século Ele esteve aqui e continuaria por mil
Orígenes, famoso teólogo, é mais anos antes da segunda vinda. Agos-
conhecido pela maioria dos adventis- tinho acreditava que esse evento
tas por causa das teorias que desen- ocorre pouco a pouco e em partes,
volveu sobre a adoração no domingo, por meio da presença de Cristo na
do que por seu conceito espirituali- igreja. Quando a igreja toda estiver
zado da segunda vinda de Jesus. A plena de Sua presença física, então
vinda de Cristo, ele ensinou, ocorre Ele virá pessoalmente.5
Primeiro século quando o próprio Cristo entra na Pouco tempo antes de Agostinho,
Teólogos compreendem muito alma do cristão, unindo assim, o fiel o Império Romano, sob Constantino,
bem a queixa de Pedro sobre “nosso com Ele mesmo. A iluminação do havia se tornado nominalmente cris-
amado irmão Paulo”, o qual escreveu cristão, por intermédio dos escritos tão. Assim, o império não mais era
cartas que “contêm algumas coisas dos profetas e apóstolos, é a segunda a sede do mal, que ainda reinava no
difíceis de entender, as quais os igno- vinda de Cristo. Segundo Orígenes, é coração dos pagãos. Segundo afir-
rantes e instáveis torcem” (2Pe 3:15, nesse sentido que o cristão entra no mava Agostinho, eles constituíam o
16). Nos cristãos tessalonicenses reino de Deus.2 Essa espiritualização abismo milenial que, de acordo com
encontramos um bom exemplo de teológica contaminou sua compre- o livro de Apocalipse, é atribuído a
crença quanto ao tempo da segunda ensão geral das Escrituras Sagradas. Satanás. Nesse sentido, a grande
vinda de Cristo. Eles acharam que Ele acreditava que a Palavra de Deus controvérsia entre o bem e o mal
os eventos finais mencionados pelo tinha três partes: corpo, alma e es- passa a ser entre a “cidade de Deus”
apóstolo Paulo já haviam chegado, e pírito. Cada parte representava um e a “cidade do diabo”.6
assim esperavam que a segunda vin- nível diferente de interpretação. O Os eleitos compõem a cidade de
da de Jesus ocorresse em seus dias. significado literal estava relacionado Deus, e a igreja é o reino dos Céus,
De fato, alguns citavam palavras de ao corpo. A alma das Escrituras cons- habitada pelos santos. Entretanto, a
Paulo “como se o dia do Senhor já ti- tituía seu ensino moral. O terceiro cidade de Deus – visível e organizada
vesse chegado” (2Ts 2:2). Para eviden- nível, o qual somente os “perfeitos” hierarquicamente – deve governar
ciar isso, alguns partilhavam supostas podiam compreender, eram os ensi- mais e mais o mundo. Esse status
revelações dadas pelo Espírito Santo; nos espirituais da Bíblia.3 é alcançado por intermédio da ínti-
outros faziam circular uma carta ima- Assim, Orígenes falava sobre a ma relação da igreja com um Esta-
ginariamente escrita por Paulo, a fim segunda vinda de Cristo nas “nu- do cristão, o qual deve promover a

NOV-DEZ 2013 29
verdadeira adoração a Deus pela pu- derou que Jesus não havia dito que o primeira e os ímpios ressuscitariam
nição e supressão da heresia. Assim, mundo todo se converteria antes de na segunda. Posteriormente, enfren-
a cidade de Deus irá superar a cidade Sua vinda; mas que o evangelho do tariam as consequências de seus pe-
do diabo.7 Com algumas modifica- Reino é que seria pregado no mun- cados, antes de o Senhor criar novos
ções, essa é ainda a compreensão de do todo para testemunho a todas as céus e nova Terra.
muitos católicos até hoje. nações; então, viria o fim. Porém, na
época em que o sermão de Dwight foi Século vinte
Século quinze apresentado, o conceito de um milê- Com o novo século, vieram tam-
Até a Reforma, ninguém havia nio temporal havia sido adotado pela bém novos e mais sofisticados ata-
desafiado a associação do milênio maioria dos pastores evangélicos. ques às Escrituras. Já na metade
e da segunda vinda de Cristo com o Essa “espiritualização” da segunda do século 19, a abordagem da Alta
triunfo da igreja romana, feita por vinda de Jesus causou profundo im- Crítica à Bíblia havia começado a
Agostinho. A Reforma trouxe não pacto na igreja protestante. exercer impacto no mundo teoló-
somente a mudança na doutrina da Antecipando mil anos de justiça gico. Em 1900, aproximadamente,
salvação, ao enfatizar a justificação havia causado impacto devastador
pela fé, mas também possibilitou na doutrina da segunda vinda de
um reestudo da segunda vinda de “Teorias contraditórias Cristo. Exemplo disso são os escritos
Cristo. Lutero e Calvino enfatiza- sobre a vinda de Jesus de Albert Schweitzer, famoso músi-
vam que os cristãos devem abreviar co, teólogo e físico, e seu influente
esse evento e se preparar para ele.
nos motivam a intensificar trabalho The Quest of the Historical
Contudo, Lutero, mesmo observan- nossa pregação e nosso Jesus [A Procura do Jesus Históri-
do na Europa ocorrências que ele ensino sobre a bendita co], publicado primeiramente em
entendia como sinais do fim, várias esperança cristã” 1906. Ele restringia a chegada do
vezes disse que a segunda vinda de Reino dos Céus somente à época de
Cristo ainda demoraria cem, duzen- Cristo. Por meio de Sua pregação,
tos ou trezentos anos.8 e paz, a maioria dos membros não por intermédio de Seus discípulos
Por outro lado, Calvino simples- mais via como iminente a segunda e, finalmente por Seu próprio sa-
mente admoestou os cristãos a que vinda de Jesus.11 A correção doutri- crifício, ensinava Schweitzer, Jesus
vigiassem e estivessem prontos. nária veio de uma fonte jamais ima- procurou estabelecer o Reino de
Longe de equiparar a Igreja Católica ginada – Manoel Lacunza, sacerdote Deus. Sendo que nenhuma dessas
Romana com o Reino de Deus na e missionário jesuíta. Lacunza escre- tentativas alcançou sucesso, Jesus
Terra, ambos acreditavam que o papa veu um livro intitulado The Coming morreu como um homem desiludido.
era o anticristo. Ambos afirmavam of the Messiah in Glory and Majesty [A Essa abordagem da parousia, centrali-
que a batalha final entre a igreja ver- Vinda do Messias em Glória e Majes- zada apenas no passado, é chamada
dadeira e a falsa, ora iniciada, culmi- tade], no qual afirmou que Cristo vi- de “Escatologia Consistente”.
naria com a segunda vinda de Jesus.9 ria no início do milênio. Seus escritos Reagindo à interpretação de
despertaram muitos para a iminente Schweitzer, o teólogo C. H. Dodd
Século dezoito e literal vinda de Cristo e motivaram propôs a “Escatologia Realizada”,
Quando Timothy Dwight, presi- o reestudo das profecias, incluindo fundamentada em textos bíblicos
dente da Universidade de Yale, pre- os 2.300 dias proféticos de Daniel que enfatizam que o Reino de Deus
gou seu sermão no dia 4 de julho 8:14, o que também foi o tema da já veio. Ele quis demonstrar que
de 1978, falou entusiasticamente pregação de Guilherme Miller. Jesus não falhou e o Reino de Deus
da vinda de Cristo como estando às Os mileritas, bem como outros já está presente. O ministério de
portas. Entretanto, o que ele tinha pré-milenialistas, acreditavam que Cristo é uma realidade atemporal
em mente não era um advento li- o Reino de Cristo seria estabelecido e bem-sucedida. O Reino está aqui.
teral, como alguns têm afirmado. na Terra. Entretanto, eles diferiam na Devemos apenas decidir aceitá-lo.12
Na verdade, ele previa um advento crença de que o tempo de prova seria Um terceiro exemplo de inter-
espiritual, à semelhança do que havia encerrado primeiro, e que somente os pretação errônea das Escrituras é a
sido popularizado por Daniel Whi- redimidos habitariam a Terra durante chamada “Escatologia Inaugurada”,
tby, comentarista inglês. Sua teoria os mil anos. Porém, os adventistas proposta por J. A. Robinson, aluno
era a seguinte: Antes do segundo ad- do sétimo dia logo definiram que os de Dodd. Robinson via a parousia de
vento, o mundo seria convertido pelo santos estariam no Céu durante o Jesus acontecendo sempre que Ele
poder do Espírito Santo e os mil anos milênio, com duas ressurreições ge- Se manifestasse em amor e poder,
de paz, culminariam com a vinda rais marcando o início e o fim desse mostrando sinais de Sua presença.
pessoal de Jesus.10 Whitby desconsi- período. Os justos ressuscitariam na Inaugurada pela morte e ressurreição

30 MINISTÉRIO
de Jesus, essa nova fase do Reino mencionou o diálogo entre Jesus e Terra ressoa um brado de triunfo:
de Deus ainda está para ser comple- os discípulos, quando esses pergun- ‘Cristo voltou! Cristo voltou!...
tamente concluída. Entretanto, já taram ao Mestre: “Dize-nos quan- “Durante as semanas seguintes, o
estamos vivendo a antecipação do do acontecerão essas coisas? E qual visitante da Terra promete uma nova
que será realizado. Assim, Robinson será o sinal da Tua vinda e do fim ordem das coisas, a reconstrução de
colocou a ênfase da segunda vinda de dos tempos?” O Mestre respondeu: uma sociedade na qual não haverá
Cristo no futuro, não sobre a vinda “Cuidado, que ninguém os engane” mais injustiça, pobreza, doença nem
iminente e literal naqueles dias. (Mt 24:1-4). Depois o professor ci- morte. De seus lábios saem palavras
Hoje, o Rapto Secreto, ou arreba- tou Paulo: “pois o próprio Satanás se do Sermão do Monte, palavras que
tamento, é um ensinamento comum disfarça de anjo de luz” (2Co 11:14). milhões e milhões de cristãos memo-
entre os evangélicos, tendo como “Não deixem que ninguém os engane rizaram nas classes dominicais. E, à
base particularmente a má compre- de modo algum. Antes daquele dia semelhança de uma pequenina crian-
ensão de passagens como Mateus virá a apostasia e, então, será reve- ça, o mundo se deleita”, descreveu o
24:40-44 e 1 Tessalonicenses 4:13- lado o homem do pecado, o filho da professor concluindo a encenação.
18. A expressão usada por Mateus: perdição. Este se opõe e se exalta aci- Acaso, será assim? Será esse o
“um será levado e outro deixado”, ma de tudo o que se chama Deus ou verdadeiro Cristo? Evidentemente,
e a de Paulo na carta aos tessaloni- é objeto de adoração, chegando até não! Será que ainda precisamos
censes: “seremos arrebatados com a assentar-se no santuário de Deus, perguntar a nós mesmos por que
eles nas nuvens” são interpretadas proclamando que ele mesmo é Deus. é tão importante para nós, não
como significando que os santos se- Não se lembram de que quando eu apenas crer na segunda vinda de
rão arrebatados secretamente, num ainda estava com vocês costumava Cristo, mas também compreender os
evento que pode ter lugar a qualquer lhes falar essas coisas?” (2Ts 2:3-5). acontecimentos relacionados a ela?
momento, desde que estejamos vi- “Quando Jesus vier pela segun- Acaso, precisamos de mais fortes
vendo no tempo do fim. da vez”, continuou o professor em argumentos que nos motivem a
sua encenada contrafação, citando intensificar nossa pregação e nosso
Século vinte e um a Bíblia: ‘o próprio Senhor descerá ensino sobre a bendita esperança da
Não somente o ensino do Arre- dos Céus e os mortos em Cristo res- vinda de Jesus?
batamento Secreto, mas também as suscitarão primeiro. Depois nós, os
Referências:
crenças fundamentais das teorias do que estivermos vivos seremos arre- 1
W. J. Conybeare e J. S. Howson, The Life and
segundo advento mencionadas aqui, batados com eles nas nuvens, para o Epistles of St. Paul (Grand Rapids, MI: Wm. B.
de alguma forma, estão em moda nos encontro com o Senhor nos ares. E Eerdmans, 1957) p. 315.
2
Norskov V. Olsen, ed., The Advent Hope in
dias atuais. Na ênfase sobre “o Cristo assim estaremos com o Senhor para Scripture and History (Washington, DC: Review
dentro de nós”, preconizado pelo Mo- sempre. Consolem-se uns aos outros and Herald, 1987), p. 78.
vimento Nova Era, podemos detectar com essas palavras’ (1Ts 4:16-18).
3
Bernard Ramm, Protestant Biblical
Interpretation (Boston: W. A. Company, 1956),
elementos da teoria iluminista espi- Citando Apocalipse 20 a 22, ainda p. 32, 33. Ver também The Oxford Dictionary
ritual de Orígenes.13 A igreja católica no contexto da ficção que ele havia of the Christian Church (Londres: Oxford
não tem descartado a teoria segundo elaborado, o professor ensinou: ‘Isso University Press, 1958), p. 991-993.
4
Le Roy Edwin Froom, The Prophetic Faith of
a qual o mundo se tornará católico ocorrerá depois do milênio, quando Our Fathers (Washington, DC: Review and
antes da segunda vinda de Jesus. A Deus estabelecer Seu reino eterno na Herald, 1950), v. 1, p. 315-318.
alta crítica continua idealizando a se- Terra restaurada’.
5
Norskov Olsen, Op. Cit., p. 87.
6
Ibid.
gunda vinda dentro de uma moldura “Tudo na Terra parece estar espira- 7
Williston Walker, A History of the Christian
não bíblica. A comunidade evangélica lando dentro de um buraco negro de (Edinburgh: T & T Clark, 1959), p. 167. Ver
alimenta a ideia “whitbiana” da es- inimagináveis trevas e terror. Moedas também Le Roy Edwin Froom, Op. Cit., v. 1,
p. 479-491; Oxford Dictionary of the Christian
perada era duradoura de mil anos de internacionais são inúteis. Guerra e Church, p. 106-108.
paz, onde as espadas serão transfor- doença estão convulsionando con- 8
Don F. Neufeld e Julia Neuffer, ed., Seventh-
madas em foices, e o leão se deitará tinentes inteiros. Então, quando o day Adventist Bible Student’s Source Book
(Washington, DC: Review and Herald, 1962),
com o cordeiro. extermínio da humanidade parece p. 919, 920. Ver também Le Roy Edwin Froo,
iminente, um ser grande e brilhante Op. Cit., v. 2, p. 278.
Seria realmente Cristo? Norskov V. Olsen, Op. Cit., p. 115-117.
9
aparece nas capitais da Terra. A glória 10
Le Roy Edwin Froom, Op. Cit., v. 2, p. 651.
Ao ensinar sobre a segunda vida que o cerca supera os mais selvagens 11
R . W. Schwarz, Light Bearers to the Remnant
de Jesus, numa classe de novos con- alcances da imaginação, e os líderes (Mountain View, CA: Pacific Press Publishing,
versos, na Escola Sabatina, certo pro- das nações caem de joelhos diante 1979), p. 654.
12
Ibid., p. 26, 27.
fessor tentou ensinar uma contrafa- dele. Em poucas horas, emissoras 13
Jack J. Blanco, “Mysticism’s New Challenge to
ção da segunda vinda e daquele que de televisão transmitem as cenas ao Adventist Christians”, Adventist Perspectives v.
personificará Cristo. Inicialmente, redor do mundo, e de cada canto da 2, nº 3 (1988), p. 27-34.

NOV-DEZ 2013 31
MURAL S. Joseph Kidder
Professor na Faculdade de Teologia da Universidade Andrews

PARA OS VISITANTES, O MELHOR


Pesquisando algumas igrejas e perguntando aos membros sobre a razão da força delas,
ouvi como resposta: “Somos uma igreja amistosa.” Porém, ao fazer a mesma pergunta entre os
visitantes daquelas igrejas, a resposta foi contrária a isso.
Pessoas que assistem à igreja regularmente veem a questão da amizade de dentro para fora.
Ou seja, da perspectiva delas, elas experimentam um ambiente de amizade. Visitantes veem a
questão de fora para dentro, isto é, se suas necessidades foram notadas ou tratadas.
De início, devemos dizer que todos os membros são responsáveis pelo acolhi-
mento dos visitantes. Porém, o que mais frequentemente acontece? Talvez o acolhi-
mento não ocorra. Os membros da igreja facilmente se acomodam com a mentalidade
de que formam uma comunidade amigável, portanto, alguém receberá bem os visitantes. Na
tentativa de ajudar a evitar desgastes, oferecemos aqui algumas sugestões práticas que têm
feito diferença em muitas igrejas.

4 – AS MELHORES BOAS-VINDAS
1 – A MELHOR ATITUDE Em uma igreja, para meu espanto, o pastor pediu que
Os visitantes precisam notar uma os visitantes se levantassem e se apresentassem. Isso
prevalecente atitude de amizade. A foi embaraçoso para muitos deles. Estudos mostram
maioria deles formará uma opinião que 72% das pessoas se sentem desconfortáveis com
sobre a igreja, trinta segundos de- essa prática. Ela pode parecer uma boa coisa, mas seja
pois de transpor a porta de entrada. cuidadoso apresenta os visitantes. Esteja sempre atento
para não embaraçá-los.
2 – A MELHOR COMUNICAÇÃO
Sempre que visito igrejas, fico em algum lugar do 5 – A MELHOR VAGA NO ESTACIONAMENTO
edifício para ver quantas pessoas falarão comigo. Muitas Geralmente, as pessoas dirigem por alguns minutos
vezes, algumas passam e me ignoram completamente. até que encontrem vaga para estacionar o carro. Quanto
Se isso acontece em sua igreja, seus visitantes se sen- mais difícil seja encontrar uma vaga, mais tempo ficarão
tirão invisíveis. Instrua os membros para que, sempre rodando. Caso sua igreja tenha estacionamento, reserve
que eles vejam uma pessoa, pelo menos digam: “Oi!” para os visitantes aproximadamente 5% das vagas.

3 – O MELHOR SERVIÇO 6 – OS MELHORES ASSENTOS


Recentemente, visitei uma igreja e, assim que me As pessoas gostam de liberdade. Por isso, ao chegar
viu, uma senhora me cumprimentou perguntando à igreja, os visitantes preferem sentar onde se sintam à
se aquela era a primeira vez em que eu os visitava. vontade. Alguns preferem a galeria, o corredor lateral ou a
Diante de minha resposta positiva, ela se apresen- parte traseira do santuário. Reserve lugares nessas áreas, e
tou, perguntou meu nome e me acompanhou até a não os force a ficar onde você acha que eles devem ficar.
recepção. Ali, fui apresentado à recepcionista, que
imediatamente me ofereceu ajuda e informação so- 7 – O MELHOR TEMPO
bre dependências importantes do templo, como Ao terminar o culto em uma igreja, o pastor disse aos
banheiro e santuário. ouvintes: “Lembrem-se da regra de cinco minutos!” Depois,
Se você deseja ter uma igreja amistosa, sugiro estes fiquei sabendo que os membros daquela igreja haviam
três princípios: sido instruídos a interagir com os visitantes durante os
n Aproxime-se prontamente dos visitantes. primeiros cinco minutos depois do culto. Essa é uma ótima
© Rudie | Fotolia

n Ofereça ajuda e informação. sugestão que deve ser experimentada. Permita que os
n Apresente-o pelo nome a outras pessoas. visitantes de sua igreja digam: “Esta é uma igreja amistosa.”

32 MINISTÉRIO
CALENDÁRIO
MISSIONÁRIO
4102

“A Única Esperança”
Evangelismo da Amizade
Comunhão –
Relacionamento – Missão
13-22 de fevereiro
dez horas
Dez dias de oração, concluindo com
ja.
de jejum e oração, no dia 22, na igre

12-20 de abril
) e evangelismo
Dia dos Amigos da Esperança (12/04
do nos
da Semana Santa (13-24/04, inician
ndo na igreja).
pequenos grupos e termina

19 e 20 de abril
Batismo das Primícias.

31 de maio
livro
Impacto Esperança, distribuição do
A Única Esperança.

09 de agosto
grupos.
Dia da multiplicação dos pequenos

27 e 28 de setembro
Batismo da Primavera.
© kittisak_taramas | Fotolia

15-22 de novembro
ol.
Evangelismo via satélite, em espanh

22-29 de novembro
uês.
Evangelismo via satélite, em portug
RECURSOS

DICIONÁRIO ILUSTRADO DOS


A ESPIRAL HERMENÊUTICA
INTÉRPRETES DA FÉ
Grant R. Osborne, Edições Vida Nova, São Paulo, SP,
Justo L. González (editor), Editora Hagnos, São Paulo, SP,
www.vidanova.com.br, 767 páginas.
e-mail hagnos@hagnos.com.br, 699 páginas.

Este livro apresenta um


do resumo dos conceitos Neste livro, o autor aprofunda
defendidos por vários autores questões de extrema relevância
e pensadores da teologia cristã, para a hermenêutica tais como:
em diversas épocas da História contexto histórico, padrões de
e em várias partes do mundo, retórica, analise gramatical,
ao longo de vinte séculos semântica e exegética, gêneros
de pensamento cristão. De literários, entre outras,
acordo com o editor, “parte do indispensáveis para a correta
propósito dos autores e editores, interpretação do texto bíblico. A
ao preparar este dicionário, Espiral Hermenêutica é uma obra
foi mostrar que o cristianismo comprometida com a pregação
é muito mais amplo do que frequentemente da Palavra. Osborn dedica dois capítulos do livro a
imaginamos. Por isso incluímos autores e pensadores mostrar passo a passo como preparar um sermão que,
de todas as épocas, de todas as confissões cristãs e começando com a exegese, leva em conta todas as etapas
de todos os continentes”. Trata-se de ótima fonte de da hermenêutica.
pesquisa e informação.

COMPLETANDO AS AFLIÇÕES DE CRISTO PLANTAÇÃO GLOBAL DE IGREJAS


John Pieper, Shedd Publicações, São Paulo, SP, Craig Ott e Gene Wilson, Editora Evangélica Esperança,
tel.: (11) 3577-0177, sheddpuplicacoes@uol.com.br, Curitiba, PR, tel.: (41) 3022-3390,
144 páginas. comercial@esperanca-editora.com.br, 447 páginas.

Excelente recurso para executar


William Tyndale, Adoniram o que tem sido considerado “o
Judson e John Paton foram empreendimento mais urgente
embaixadores fiéis do Senhor da humanidade”, ou seja, a
que enfrentaram aflições expansão do Reino de Deus
momentâneas e a morte, nesta Terra. Este é um livro
diariamente, para alcançar fundamentado em pesquisas,
pessoas e encaminhá-las à biblicamente ancorado e
salvação de Deus. A vida deles habilidosamente apresentado,
tem inspirado todas as gerações que deve ser lido não apenas por
de crentes e deve despertar em todos os que pensam em plantar
nós uma grande paixão por Deus. uma igreja, mas por toda pessoa
Este livro é uma oportunidade para se obter um pouco que ocupe função de liderança eclesiástica.
mais de inspiração da experiência daqueles homens.

34 MINISTÉRIO
Carlos A. Hein DE CORAÇÃO A CORAÇÃO
Secretário ministerial da Divisão Sul-Americana

A motivação certa

C
hegamos ao fim de mais um ano cheio de lutas É trabalhar com alegria, esperando a coroa da vida, que
e vitórias. É tempo de avaliação. Não de uma será entregue por Cristo.
avaliação mesquinha, concentrada apenas nas Paixão pela promoção é trabalhar para agradar ho-
fichas de batismos. É tempo de agradecer a Deus pelos mens, desejando ser bem visto por eles. É competir com
perdidos que, guiados por Seu Espírito, pudemos alcançar. colegas, em busca da primazia. É preocupar-se apenas
Quando Jesus nos ordena a ir e fazer discípulos de em preencher fichas de batismos, priorizando números.
todas as nações, não promete que a tarefa será fácil ou É esperar a recompensa dos homens, na forma de indi-
simples, mas que teremos Sua companhia. No Salmo cação para alguma função de “destaque” ou igreja mais
126:6, lemos: “Aquele que sai chorando enquanto lança “expressiva”. É se deixar levar pelas pressões.
a semente, voltará com cantos de alegria, trazendo os Se não temos a motivação certa, a tarefa se torna
seus feixes.” Isso implica esforço. Paulo afirmou que se extremamente difícil. Por outro lado, “Como são belos
esforçava para “pregar o evangelho” (Rm 15:20), como os pés dos que anunciam boas-novas!” (Rm 10:15; cf. Is
resultado da paixão missionária que o envolvia: “Quando 52:7). Reflita sobre estas afirmações de Ellen G. White:
prego o evangelho, não posso me orgulhar, pois me é “Não há constrangimento na obra da redenção. Não
imposta a necessidade de pregar. Ai de mim se não pregar se exerce nenhuma força externa. Sob a influência do
o evangelho!” (1Co 9:16). Espírito de Deus, o homem é deixado livre para escolher
A esta altura, devemos perguntar a nós mesmos se a quem há de servir. Na mudança que ocorre quando a
também sentimos essa pai- pessoa se entrega a Cristo, há
xão. Faz algumas semanas, o mais alto senso de liberda-
um colega me disse que “Sentir paixão pelos perdidos é de” (O Desejado de Todas as
sentia haver uma pressão ter consciência de que se trabalha Nações, p. 466).
muito grande por batismos. para Jesus. Paixão pela promoção é “Não é o temor do castigo,
Acrescentou que os pastores nem a esperança da recom-
são pressionados pela lide-
trabalhar para agradar homens” pensa eterna, que leva os dis-
rança a alcançar seus alvos. cípulos de Cristo a segui-Lo.
Fiquei pensando nesse comentário e perguntei a mim Contemplam o incomparável amor do Salvador revelado
mesmo: “Acaso essa pressão vem de fora ou de dentro?” em Sua peregrinação na Terra, da manjedoura de Belém
Creio que o pastor apaixonado por Deus e pela sal- à cruz do Calvário, e essa visão dEle atrai, abranda e sub-
vação de pessoas não está preocupado com eventuais juga o coração. O amor desperta na alma dos que O con-
pressões externas, mas, à semelhança de Paulo, sente a templam. Ouvem-Lhe a voz e O seguem” (Ibid., p. 480).
pressão interior, mais poderosa que a externa, e não pode “A pessoa redimida e purificada do pecado, com to-
deixar de anunciar a mensagem de esperança. das as suas nobres faculdades consagradas ao serviço
Precisamos ter bem clara em nossa mente qual é de Deus, é de inexcedível valor; e há alegria no Céu, na
nossa verdadeira motivação: Paixão pela salvação dos presença de Deus e dos santos anjos, sobre uma pessoa
perdidos, ou paixão pela promoção? Sentir paixão pelos resgatada – alegria que se expressa em cânticos de santo
perdidos é ter consciência de que se trabalha para Jesus. triunfo” (Caminho a Cristo, p. 126).
É dar prioridade às pessoas pelas quais Ele deu a vida, No trabalho pela salvação dos perdidos, qual é a nossa
vendo-as como seres humanos, não como dados esta- motivação? Neste fim de ano, relataremos apenas núme-
tísticos. É respeitar e seguir as orientações dos líderes. ros, ou louvaremos a Deus pelo resgate de pessoas, seres
É não se contentar apenas com o número de batismos. humanos pelos quais Ele deu a própria vida?

NOV-DEZ 2013 35
Imagem: Fotolia

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