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Cadernos CEDES

On-line version ISSN 1678-7110

Cad. CEDES vol. 18 n. 43 Campinas Dec. 1997

http://dx.doi.org/10.1590/S0101 -32621997000200002

Antropologia e educação: Origens de um diálogo

Neusa Maria Mendes de Gusmão *

Resumo: Antropologia e educação constitue m hoje, um ca mpo


de confrontação e m que a co mpart imentação do saber atribui à
antropologia a condição de ciência e a educação, a condição de
prática. Dentro dessa divergência primordial, profissionais de
ambos os lados se acusam e se defende m co m base e m pré -
noções, práticas reducionistas e muito desconh ecimento. Muitas
coisas separa m antropólogos e educadores, mas muitas outras os
une. Neste texto, busca -se ressaltar o que há de co mum e de
diferente e m ambas as áreas co m base na existência de u m
diálogo do passado que possibilite um diálogo futuro.
Considera-se assim, a possibilidade de superação dos
preconceitos e, neste sentido, apontar para um avanço do
conhecimento.

Palavras -chave: Antropologia, educação, etnografia,


culturalismo, etnocentrismo, cultura, relativis mo.
A alteridade, terra pro metid a da antropologia, é um te ma difícil,
principalmente quando consiste numa a mbição de disciplinas
diferentes, que põe m por terra a divisão clássica, diz Darnto n
(1996, p. 9), referindo -se às relações entre antropologia e
história. No diálogo entre antropolo gia e educação, a questão
parece ser a mes ma: a aventura de se colocar no lugar do outro,
de ver como o outro vê, de compreender um conhecimento que
não é o nosso. Nessa "encruzilhada, os não -antropólogos
buscam "um olhar antropológico" pelo qual se guiarã o nos
mistérios da pesquisa de campo. Por sua vez, a antropologia e
os antropólogos se vêem em grandes dificuldades, quando são
cha mados a tratar dessa realidade cujo no me é educação, seja
por não conhecerem, ou ainda, por desligitimarem um certo
percurso do passado da antropologia. No entanto, é sabido que
uma ciência não se faz a partir do nada; alé m de ser fruto de
necessidades fundamentais postas pelo movimento das
sociedades humanas, nasce comprometida co m seu tempo, se m
ser ja mais verdade absoluta. A ciência como conhecimento é
movimento que se constrói, define -se e redefine-se vinculada ao
contexto histórico que a origina. Nada mais legítimo, portanto,
do que buscar conhecer os caminhos trilhados pela antropologia
para dimensionar os ca minhos em const ituição em face de
diferentes campos.

Antropologia e educação parece m constituir, hoje, um campo de


confrontação, e m que a co mpartimentação do saber atribui à
antropologia a condição de ciência e à educação, a condição de
prática. Dentro dessa divergência primordial, os profissionais
de ambos os lados se acusa m e se defende m co m base e m pré -
noções, práticas reducionistas e muito desconhecimento. Se há
muitas coisas que nos separam - antropólogos e educadores -, há
muitas outras que nos une m. Neste texto, pr etende-se ressaltar o
que há em comum, já que o que nos separa só pode ser
compreendido com base nesse mes mo pata mar . O que nos une
é, portanto, anterior ao que nos separa, e nele se inscreve o
diálogo do passado, tanto quanto a possibilidade do diálogo d o
futuro.

O diálogo entre antropologia e educação, percebido por muitos


como uma "novidade" que se instaura com as transformações da
década de 1970, neste século, é mais antigo que isso e reporta -
se a um mo mento crucial da história da ciência antropológica .
No âmbito deste artigo, não se poderá dar conta da totalidade
dessa história; pretende -se, no entanto, cha mar a atenção para
alguns pontos funda mentais. Antes de mais nada, é necessário
que se adentre no pensa mento antropológico, e m suas bases
episte mológicas co mo ciência e como ciência aplicada, co m
seus alinha mentos teóricos, avanços e limites. Aqui parece
residir a importância do passado para nosso presente, pois
somente nesse percurso parece ser possível vencer uma certa
instrumentalização da antropol ogia pela educação, propiciadora
de muitos equívocos, e onde, certa mente, se terá, co mo ganho, a
superação de estigmas e preconceitos que grassam de a mbos os
lados dessa fronteira ou desse divisor de águas - a antropologia
como ciência, a pedagogia como pr ática.

Avaliar a questão das diferenças, tão cara à antropologia e tão


desafiadora no ca mpo pedagógico justamente por sua
característica institucional homogeneizadora, não é uma tarefa
simples. Desde sempre, a antropologia e a educação tê m se
defrontado co m universos raciais, étnicos, econômicos, sociais e
de genêro, entre tantos outros, co mo desafios que limita m o u
impedem que se atinja m metas, engendrando processos mais
universalizantes e democráticos. No tempo presente, co m tantas
mudanças numa sociedade que se globaliza, estas questões não
só não se encontra m resolvidas, co mo renasce m co m intensidade
perante os contextos em transformação.

O interesse central é trazer o aluno da pedagogia para uma


aproximação no ca mpo teórico da antropologia, que lhe é
inteira mente desconhecido. Por outro lado, o aluno de ciências
sociais, ca mpo onde o antropólogo é formado, no caso
brasileiro, ta mbé m desconhece o itinerário da antropologia no
campo da educação. A razão é simples: a educação não te m sido
um dos ca mpos privilegiados pela antropologia, da mesma
forma que certas abordagens teóricas, que estão na origem deste
diálogo, ta mbé m não se constitue m em objeto de conhecimento
e análise, em particular, lembro aqui, o culturalismo americano,
representado por Franz Boas e as gerações formadas por ele.
Podería mos elencar um número significativo de razões para que
isto ocorra, mas importa cha mar atenção para uma certa
distorção de visão de que somos todos aco metidos e que nos
leva a considerar aprioris e ou críticas insufici entes, deixando
de entender a constituição da ciência de que so mos herdeiros.
Ser herdeiros não nos torna culturalistas, acríticos o u
conservadores, mas exige que reconheça mos que o
conhecimento, co mo ciência, não nasce e morre dentro de um
tempo determina do, senão que se alimenta do que existe antes
dele e fornece alimento ao que lhe sucede, sem nunca deixar de
existir como referência. Defendo, ainda, a importância desse
resgate, se quisermos cobrar alguma coerência no fazer de
outros campos, quando se uti liza m do referencial da
antropologia na abordagem de te mas singulares, particularmente
na educação. Essa é a razão pela qual esta reflexão, ainda
iniciante, parte da negação imediata de um tempo mágico - a
década de 1970-, 1 co mo referência para as pesquisas
educacionais de tipo etnográfico e também para as pesquisas no
campo das ciências humanas, ditas pós -modernas, que, negando
todo o passado, torna m-se reificadoras de muitos limites.

O pioneirismo do diálogo entre antropologia e educação,


relatado por Galli (1993), 2 mostra que, já ao final do século
XIX, a antropologia tentava compreender uma possível cultura
da infância e da adolescência. Eram temas de suas pesquisas e
de seus debates os processos interculturais infantis e os
sistemas educativos informais, dentro de uma concepção
alargada de educação. Antropólogos participava m em processos
de revisão curricular e continuara m a participar no transcorrer
do presente século, nesse e e m outros movimentos ligados à
escola e à educação.

Entre os anos 20 e 50 deste século, muitos antropólogos


envolvidos nesses debates travaram celeumas com os
pensamentos de Freud e Piaget. O que se sabe ou se conhece
desses debates no Brasil? Pouco ou nada. No entanto, entre os
anos 30 e 40, os antropólogos tivera m uma atuação
importantíssima no vasto programa de reforma curr icular
pro movida nos EUA. Deles não se fala nem se ouve falar entre
nós. No entanto, importantes aspectos para a co mpreensão de
nossa visão da escola estão aí contemplados, pelo fato de que
muitos antropólogos que atuara m no processo vinham de uma
linha tradicional, e mesmo axial, na antropologia, posto que
eram discípulos de Boas, tais como Margareth Mead (que
dedicou toda sua vida ao estudo da educação) e Ruth Benedict.
Nomes que certa mente não soa m estranhos aos ouvidos do
estudante de antropologia, mas que certa mente nunca são
pronunciados nos corredores de uma Faculdade de Educação.
Por que ser discípulo de Franz Boas importa? Antes de mais
nada, por ser ele mesmo um aluno de Morgan - outra referência
axial na antropologia -, que, ro mpendo com o mestre, abre as
portas para a fecundidade e as multiplicidades de pensa mentos
que orientarão novas abordagens teóricas que alimenta m a
antropologia do século XX. Os discípulos de Boas, neste início
de século, dão continuidade ao próprio Boas, quando este nos
alertava para o fato de que tínhamos um modelo pedagógico
ocidental que iria nos conduzir a uma pedagogia da violência.

Hoje, quando vemos as dificuldades das escolas, em particular,


das escolas públicas de periferia, o fato de a escola como valor
não fazer eco entre os estudantes, a indisciplina violenta, a
evasão escolar e sua face mais cruel, a exclusão social, só para
citar alguns proble mas de nosso tempo, cabe perguntar qual a
natureza dos riscos de que falava Boas. Qual a natureza dos
riscos de hoje? Para ele, a realidade de seu tempo apontava u m
risco para os povos do futuro e para o futuro da própria
civilização. A razão era que, historicamente, a nossa sociedade
e a escola que lhe é própria não desenvolvia m - e não
desenvolve m - mecanis mos democráticos, perante
as diversidades social e cultural.

A propriedade e a atualidade da inquietação de Boas revela m


que o diálogo foi iniciado, mas não foi concluído. A breve
síntese de um processo vasto e intenso que se desenvolveu na
primeira metade do século, e que não termina aí, está exigindo
olhares mais profundos na história da intersecção entre
antropologia e educação. A pergunta que muitos podem fazer é:
Por que seria importante conhecer tais processos? Não estaria m
eles superados pela dinâ mica de um mundo mod erno que se
transforma continua mente e de modo acelerado?

Na relação entre antropologia e educação abre -se um espaço


para debate, reflexão e intervenção, que acolhe desde o contexto
cultural da aprendizagem, os efeitos sobre a diferença cultural,
racial, é tnica e de genêro, até os sucessos e insucessos do
sistema escolar em face de uma orde m social e m mudança.
Nesse sentido, co mo ciência e, em particular, co mo ciência
aplicada, antropologia e antropólogos estiveram, no passado e
no presente, preocupados com o universo das diferenças e das
práticas educativas. Se, co mo diz Galli, tais questões faze m
convergir os estudos da cultura, no caso da antropologia, e dos
mecanis mos educativos, no caso da pedagogia, possibilitando a
existência de uma antropologia da ed ucação - te ma e produto de
uma grande conversa do passado -, isto ta mbém ocorre no
presente, posto que a antropologia e a educação estabelece m u m
diálogo, do qual faz parte, ta mbém, o debate teórico e
metodológico das chamadas pesquisas educativas, relacio nadas
às diversas e diferentes formas de vida que, neste final de
século, estão ainda a desafiar o conhecimento. Em jogo, as
singularidades, as particularidades das sociedades humanas, de
seus diferentes grupos em face da universalidade do socia l
humano e sua complexidade através dos te mpos e, e m
particular, num mundo que se globaliza. Resta, pois, conhecer
um pouco dessa história.

Caminhos cruzados: Educação, cultura e relativismo

O fato mais curioso nesse encontro de culturas de que resultou a


conquista da América foi provavelmente a surpresa de ambos,
espanhóis e indígenas, ao se depararem. Uns ja mais suspeitara m
da existência dos outros. Para se livrarem do incô modo desse
assombro, ambas as partes mergulhara m nas suas tradições
míticas, a fim de encont rarem indícios reveladores o u
presságios que os ajudasse m a identificar e esconjurar os
espectros com que haviam topado. Que estranha tribo
desgarrada dos filhos de Israel seria m esses gentios,
perguntavam os espanhóis? Que pavorosos deuses vingadores
eram aquela gente barbada, toda revestida de metal e montada
em veados gigantes, clamavam os indígenas? (Nicola u
Scevcenko. Folha de S. Paulo/Ilustrada, domingo 2/2/1985, p.
53)

O que tem a ver co m antropologia e educação o texto acima? O


texto conta a história do contato entre espanhóis e indígenas
(astecas, maias, incas) na conquista da América. É um fato real,
histórico e concreto, e m que dois povos e duas culturas distintas
mostram o espanto do olhar - do europeu e do indígena, ambos
envolvendo de imediato a percepção de um sobre o outro. Trata -
se de um olhar etnocêntrico, fruto, como diz Azcona (1989), da
experiência do agir humano, segundo um modelo explicativo do
conhecimento e ta mbé m co mo realidade da cultura, entendida
como o sentir, o pensar, o agir do ho mem em coletividade.
Qualquer experiência vivida, referida a objetos, situações, fatos,
são, diz o autor, intersubjetivos, porque vive mos no mundo da
cultura "co mo homens entre outros homens, ligados a eles por
influências e trabalhos co muns, compreende ndo os outros e
sendo objeto de compreensão para outros" (p. 49).

A antropologia como ciência desenvolve -se preocupada e m


superar o mundo intersubjetivo, de modo a superar o
etnocentrismo que, resultando do encontro entre a civilização
ocidental e outros povos, implicou e m violência, distorções
sobre estes povos e suas culturas. O texto "Todos Nós So mos
Loucos por Ti, América", de Scevcenko, fala desse
encontro/desencontro e situa para nós o papel de uma ciência
preocupada com as diferenças e seu movimento. A antropologia
preocupada, antes de tudo, em superar a cultura própria do
mundo que lhe dá orige m - o mundo europeu e m expansão - para
poder conhecer a realidade do outro, faz disso seu grande
desafio. O desafio de ver -se e ver aos outros ho mens, para,
então, estabelecer as bases do conhecimento.

Como diz Scevcenko, "os europeus representando uma


civilização mais pragmática e que lançava nesse mo mento as
bases da ciência positiva moderna, logo passara m a utilizar -se
dos mitos indígenas a seu favor (...) os espanhóis não tivera m
escrúpulos e m se aproveitar das crenças indígenas (...) para
depois da conquista destruir os seus deuses e impor -lhes o
cristianis mo a ferro e fogo" (op. cit., p. 53). A partir daí,
segundo o autor, o que se te m é um trágico processo de invasão,
conquista e extinção da cultura indígena.

Compreende-se, então, que o mundo da cultura e se u


movimento, co mo parte da história de um povo, de uma tradição
e herança, ao ser confrontado co m outros universos, pressupõe
interesses diversos postos numa relação de alteridade (o eu e o
outro e m relação) mais que de diversidade (o eu e o outro).
Resulta m, daí, processos de manipulação da realidade, segundo
diferentes formas de percepção e conhecimento. A experiência
de contato entre povos diferentes e culturas diversas coloca e m
questão um espaço de encontro, de confronto e de conflito,
marcado pelo diverso, pelo diferente. Esta tensão é essencial à
constituição e ao desenvolvimento da antropologia co mo ciência
e como prática.

Assim, a antropologia nas ce de relações historica mente


constituídas entre os ho mens e, por sua natureza, busca
compreender o outro diferente de si - de seu mundo de origem, a
Europa do século XIX - dialogando com outras formas de
conhecimento, tendo por base e pressuposto central o mundo da
cultura, as relações entre os ho mens e a construção do saber.

O que é o saber? Segundo Galli, é uma dimensão socia l


holística 3 que vai do caos à orde m, para outra orde m; que se
desconstrói co m bases em pressupostos construtivos, postos e m
movimento pela experiência e pela vivência. Trata -se da fruição
da cultura, que gera um fazer reflexivo e crítico, por vezes
cha mado educação.

O objetivo é assimilar o indivíduo à orde m social propiciadora


do nós coletivo e que, ao mes mo tempo em que integra
buscando ho mogeneizar, diferencia cada um por suas
características pessoais, por gênero, por idade, garantindo o
equilíbrio da vida em sociedade. A educaç ão realiza -se, então,
no interior da sociedade, composta por diferentes grupos e
culturas, visando um certo controle sobre a existência social, de
modo a assegurar sua reprodução por formas sociais
coletivamente trans mitidas.

A educação, nessa forma primei ra, é uma modalidade de


ajusta mento psicossocial que resulta numa forma de controle
social, com base na organização social e no horizonte cultura l
partilhado por um grupo. U m aspecto a considerar é que a
cultura é, aí, entendida co mo técnica social de mani pulação da
consciência, da vontade e da ação dos indivíduos, co m a
finalidade de modelar as personalidades humanas dos membros
do grupo social, tal como afirma Florestan Fernandes, ao tratar
da educação entre os Tupina mbás (1966).

Para exemplificar que todas as sociedades possue m técnicas


para estimular e corrigir seus membros da infância à idade
adulta, via transmissão de conhecimento, valores e normas,
Melatti (1979) relata o processo educativo de uma criança
marubo. Diz ele: "Durante o tempo em que o ind ivíduo é uma
criança de colo, se m dúvida já se inicia sua formação como
marubo". Ela pressupõe desde o contato co m os alimentos até
outros hábitos como amarrar os pulsos, os braços, os tornozelos
e as pernas para que engrossem, fazendo dele um bo m
trabalhador no futuro. À medida que cresce, está sujeito a tapas,
empurrões ou ainda a punições quando faz algo de errado. Uma
punição co mum é a urtiga que é passada no corpo para que a
criança deixe de ter preguiça e torne -se aplicada no trabalho. Da
mes ma forma, quando maiores, to mam a "injeção de sapo", uma
espécie de queimadura em pele viva, que espanta a preguiça e o
panema (azar) (op. cit., pp. 291-301).

Este e outros exe mplos entre grupos tribais co mo os Arapesh,


estudados por Mead, ou os japoneses, estudado s por Ruth
Benedict, revela m a existência de um siste ma de interpretação
de um modo de vida, mas também uma pedagogia, como diz
Galli, que se formaliza como técnica e ritual educativo, criando
sistemas especializados nessas técnicas e ritos. Nesse sentido,
cultura e educação são termos que se invoca m e se concita m
mutuamente, como afirmam Cazanga M. e Meza
(1993). Segundo esses autores, "permanentemente envolvido no
processo educativo e pelo simples fato de estar vivendo, o
home m está aprendendo na sociedad e pela cultura; a sociedade é
o meio educativo próprio do ho me m, ainda que a todo mo mento
não tenha consciência disso" (p. 82). 4

Isto não quer dizer que os indivíduos sejam produtos mecânicos


de uma linha de montage m. O homem como ser variável,
mutável no tempera mento e no co mporta mento, não fica à mercê
de sua natureza e de sua cultura, mas sim está sujeito a
condições históricas determinadas e determin antes do universo
em que está inserido.

No pano de fundo da história, os processos culturais revela m -se


arbitrários, posto que objetivam não apenas a produção e a
reprodução da sociedade em que se está e se vive, mas
objetiva m, também, interesses e metas q ue, indo alé m da
própria sociedade, envolvem outras sociedades, outros grupos
sociais, outras culturas. Tal como aconteceu com a expansão
colonial na América e, portanto, com as relações entre europeus
e indígenas.

É comum entre antropologia e educação, po rtanto, tal co mo


afirma Galli, a existência real e concreta de diferentes grupos
humanos. Uma existência que, segundo Lara (1990), mostra o
mundo cultural marcado por uma luta de interesses, com tudo o
que ela implica: a do minação, a espoliação, entre outr as coisas.
Para esse autor, os caminhos da produção cultural de um povo
foram, muitas vezes, obstruídos, "enquanto memória negada o u
recalcada, enquanto memória distorcida ou mes mo
completa mente deturpada por aqueles que tê m a força para se
impor. A história cultural de um povo, na maioria dos casos,
fica sendo a história das dimensões hegemônicas dessa cultura "
(p. 104).

Retomando pois, o caso dos espanhóis e dos indígenas, fica


clara a imposição das crenças dos valores dos conquistadores
em no me de um domínio que nega ao outro a própria existência
de seu mundo. Diziam alguns sábios astecas: "Somos gente
simples/ somos perecíveis, somos mortais,/ deixai -nos, pois,
morrer,/ deixai-nos perecer,/ pois nossos deuses já estão
mortos" (Scevcenko op. cit., p. 53). O processo político que
impõe a cultura do outro à revelia dos sujeitos sociais conduz à
violência que mata o corpo (genocídio), como ta mbé m mata a
alma, preservando o corpo físico (etnocídio). Os indígenas não
são, assim, indiferentes às condições vivida s, aprendem co m
elas, e se os espanhóis foram: "adorados inicialmente como
deuses, temidos depois co mo de mônios e desprezados por fim
apenas como bárbaros", é porque os indígenas percebera m a
"cupidez dos europeus e na sua obsessão proselitista, a raiz de
todo o sofrimento e m que sub mergiram (...) esse sentimento (...)
transformou-se numa pulsação de resistência e é até os nossos
dias revivido cerimonialmente como na periódica dramatização
da morte de Atahualpa" ( idem; ibidem).

Assim, num processo inverso a o da homogeneização proposta


pelo ca mpo político das relações entre povos e culturas
distintas, renasce a diferença, celebra -se a alteridade. A
realidade vivida implica um fazer e refazer constantes, via
processos culturais que, no dizer de Lara, produze m e veicula m
projetos de vida humana, com propostas tidas como válidas e
como tais trans mitidas. Daí que o processo de ver -se e ver a
outros homens, só pode ocorrer em contextos históricos
concretos, seja em termos do senso comum, seja e m termos do
conhecime nto científico.

A co mpreensão das diversas sociedades humanas, em seus


próprios termos, através de questiona mentos dos valores e das
convicções de nossa sociedade, como diz Novaes (1992),
permite o conhecimento através da crítica "ao etnocentris mo, à
intolerância e à não aceitação da diferença" (p. 128). A
superação do etnocentrismo, a apreensão do diverso para
compreendê-lo e m relação, significa relativizar o próprio
pensamento para construir um conhecimento que é outro.
Alargado, co mo diria Merleau Ponty. U m conhecimento co mo
ciência, ou seja, a realidade como realidade vivida e
experimentada pela compreensão de outras sociedades e da
própria cultura.

Nesse movimento de tensão e compreensão reside a natureza do


diálogo entre antropologia e educação, já que ambas são
devedoras científicas do processo de imposição de si ao outro,
posto pelo desenvolvimento do mundo colonial e do
colonialis mo ocidental, cuja meta visava suprimir toda e
qualquer alteridade, em nome de um modelo de vida cultural e
pedagógico de tipo etnocêntrico, autocentrado e
homogeneizador. O diálogo revela co mo ponto comu m
a cultura, entendida como instrumento necessário para o home m
viver a vida, distinguir os mundos da natureza e da cultura e,
ainda, co mo lugar a partir do qual o home m cons tró i
um saber que envolve processos de s ocialização e
aprendizagem. No primeiro caso trata-se de diferentes formas
de transmissão de conhecimento, de habilidades e aspirações
sociais; no segundo, trata -se das formas de transmissão de
herança cultural, atra vés de gerações implicando processos de
apropriação de conhecimentos, técnicas, tradições e valores.
Tudo em acordo com a criação dos homens e m situações sociais,
concretas e historicamente determinadas. Situações essas,
segundo Galli e outros autores,
tipicamente pedagógicas e diversas. Aqui seria possível citar
inumeráveis exemplos de diversidade social e de múltiplas
situações pedagógicas que precisariam ser relativizadas para ser
melhor co mpreendidas.

No entanto, a dominação política e historica mente de terminada


nas relações entre diferentes grupos e, principalmente, na
história do mundo ocidental, revela o colonialismo co mo
negador da diversidade humana. Centrado num modelo cultural
único e na necessidade de colocar sob controle o diferente, a
sociedade ocidental constrói uma prática pedagógica també m
única e centralizadora. O movimento deste mundo, de que
fazemos parte, ca minha da diversidade para a homogeneidade,
eixo e m que também se inscreve a história da antropologia,
como ciência, e da pedagogia oc idental, co mo prática.
Vinculadas e determinadas pela lógica impositiva dessa história
comum, defrontam-se ambas com o desafio de resgatar e
redimensionar o universo das diferenças, da diversidade que,
como diz Carvalho (1989), referindo -se aos antropólogos, exige
renovar a visão de mundo e das coisas (p. 20).

Antropologia e educação: O diálogo do passado

As origens da antropologia e do fazer antropológico como


ciência, ou melhor dizendo, de um modo de fazê -la, tem a ver
com a expansão do mundo colonial q ue conduz o mundo
europeu a defrontar -se co m outros povos e outras culturas - nas
Américas e na África. O defrontar -se com o diverso, co m o
desconhecido, implicou fazer perguntas, cujas respostas
permitira m a constituição de um saber legítimo e reconhecido
como ciência. Entre o século XIX e o atual século XX, as
perguntas e suas respectivas respostas organizaram -se e m
diferentes formas de interpretação da realidade. Assim, afirma -
se que o "olhar antropológico" não é um único olhar, mas
qualquer que seja ele, é dependente de pressupostos que
orienta m as perguntas que são feitas e indica m ca minhos de
busca das possíveis respostas. Isto quer dizer que, dependendo
de onde se parte, têm-se configurados modos diversos de faze r
uma mesma ciência, no caso, a ciência antropológica com base
em diferentes teorias que a sustentam.

A primeira dessas teorias, que nasce junto com a própria ciência


antropológica, foi o evolucionismo. As idéias de evolução e
progresso, inspirados e m princípios da biologia e, portanto, das
ciências naturais do século XIX, conduze m a que se pensem as
diferenças entre grupos e sociedades numa escala evolutiva que
toma o mundo europeu co mo modelo único de humanidade. A
concepção etnocêntrica de mundo vê o "outro" a partir de s i
mes ma e estabelece um fazer científico de base discriminatória
e racista, já que entende que branco, europeu e cristão
constitue m a superioridade da condição humana, enquanto os
demais povos e culturas representam um atraso, uma
sobrevivência do passado do home m e, como tal, uma condição
inferior da própria humanidade. Um evolucionista importante,
no século XIX, foi L. Morgan, inspirador de muitos pensadores,
entre eles seu aluno Franz Boas.

Franz Boas vivencia todas as descobertas de seu te mpo e chega


ao presente século trazendo para debate, agora, através de seus
próprios alunos, importantes antropólogos da primeira metade
do século XX, uma crítica contundente ao pensa mento de se u
mestre L. Morgan. Boas considera a idéia de que cada grupo,
cada cultura têm uma história singu lar, própria, que depende do
que é a vida do grupo, no aqui e agora de sua existência. Não se
trata, portanto, de olhar as diferenças próprias do modo de ser
do "outro" co mo sobrevivência de um mo mento já superado pela
evolução da humanidade e, como tal, e xe mplo vivo de atraso
social e cultural. A possibilidade de que a história da
humanidade não tenha seguido um único caminho e direção faz
do pensamento de Boas uma condição revolucionária na
compreensão das realidades humanas. Como história múltipla e
variada, elimina o viés do pensamento evolucionista
etnocêntrico. Co m este princípio, Boas mostra a imensa riqueza
do social humano e a natureza da cultura como não determinada
biologicamente. A cultura, e não a biologia, torna -se referência
para pensar as diferenças e comp reendê -las em suas bases
constitutivas. O pensa mento de Boas, ao investir contra o
evolucionismo de Morgan, possibilita também a crítica aos
valores liberais e de igualdade postos pelo campo político do
século XIX, co mo modelo autocentrado pa ra as sociedades
humanas e suas instituições, entre elas, a escola e seu modelo
pedagógico ocidental.

Boas será um crítico atuante diante do sistema educativo


americano, denunciando, entre outras coisas, a ideologia que lhe
serve de base, centrada na idéia de liberdade, e sua prática
educativa de cunho conformista e coercitivo, visando criar
sujeitos sociais adequados ao sistema produtivo, segundo u m
modelo ideologizado de cidadão. Demonstra, através de estudos
diretos obtidos no campo educacional, que a es cola inexiste
como instituição independente e, como tal, não possibilita
independência e autonomia dos sujeitos que aí estão. A meta da
escola centra -se num aluno -modelo que desconsidera a
diversidade da comunidade escolar e, para contê -la, atua de
forma autoritária.

Boas revela como a diversidade do social é desrespeitada no


modelo político de desenvolvimento a mericano, já que
diferenças sociais ou culturais, de gênero, raça ou etnia, são
ainda pensadas a partir das idéias evolucionistas. Com isso,
Boas influencia muitos outros a pensarem a questão da
diferença como parte de mecanismos culturais, referidos a
pequenos grupos ou regiões, que exige m um intenso trabalho de
campo junto a esses grupos, para que seja possível co mpreendê -
los. O fazer científico que se instaura nessa
concepçãoparticularista da história humana, chamada també m
de história cultural ou culturalismo, tem por significativo o
fundamental dessa ciência chamada antropologia, o trabalho de
campo, e elege co mo central, para pensar as sociedades
humanas, o conceito de cultura. Por outro lado, cabe dizer que
esta é a vertente americana de desenvolvimento da antropologia,
a antropologia cultural. Mais centrada nos conceitos
de sociedade e de estrutura, elaborada por Radcliffe -Brown e
outros, constitui-se a vertente da antropologia social, na
Inglaterra, da qual e mergirá uma segunda e funda menta l
corrente teórica da antropologia, o funcionalismo, cujo
representante maior será B. Malinowski. Boas e Malinowski,
segundo Laplantine (1987), são os pais fu ndadores da
etnografia, na medida e m que percebe m e sistematiza m os
caminhos pelos quais "o pesquisador deve ele mesmo efetuar no
campo a própria pesquisa" (p. 75). Com eles, o trabalho de
campo se torna a própria fonte de pesquisa e a condição
modular da antropologia como ciência da alteridade que,
segundo Laplantine, se dedica ao estudo das lógicas particulares
de cada cultura.

A corrente americana terá maiores preocupações com a questão


educacional, cuja continuidade se fará com os alunos de Boas.
Ruth Benedict e Margaret Mead dedicam-se aos estudos do
campo educativo e traze m à tona a questão da diversidade das
culturas, vista por diferentes ângulos: as formas operativas da
cultura dentro dos processos educativos nos primeiros anos de
vida; os ciclos de desenvolvimento da infância à idade adulta e
o papel da educação formal e informal; a questão do controle
social e o campo das e moções e do sexo; as dificuldades
educativas e os relacionamentos entre grupos dentro dos estados
nacionais e deles com os outro s, como por exemplo, a América
e a África, o mundo ocidental e o oriental; a adolescência e a
formação da personalidade, entre tantos outros temas que se
pode m elencar na produção culturalista do início do século até
os anos 50.

Outros antropólogos que ta mbé m discutem a escola e a


educação nesse período são M. Herskovits, R. Redfield e C.
Kluckholn, que aponta m para a questão da escolha cultural, do
papel da cultura e das experiências vividas que marca m e
constitue m um universo centrado no relativis mo. São parte da
discussão: a negação dos cha mados "testes de inteligência", tão
em voga nos anos 30/40; as dificuldades de integração cultural
do diferente, em face da visão etnocêntrica da organização
escolar; a questão da tarefa do educador perante as experiênc ias
pessoais e a herança cultural e, ainda, a questão dos valores de
cada grupo e m face dos conflitos entre grupos e perante as
diferenças. A relativização dos saberes e as conexões entre
saberes diversos só se fizera m possíveis e m razão das
experiências vividas e da integração no mundo e na cultura de
cada um. A exigência, portanto, de se pensar um saber e uma
aprendizagem diversa, porém de igual valor, coloca e m vigência
uma ética no fazer antropológico e lhe dá uma dimensão política
afinada com seu tempo.

Por sua vez, o funcionalis mo dos anos 20/30 baseava -se no fato
de que as necessidades de um povo, grupo ou indivíduo, dadas
pela vida em sociedade, encontram na cultura os ca minhos de
sua satisfação e conduzem às respostas originais, singulares e
coletivas, que de marcam e estruturam formas próprias de ser e
de pensar o mundo, diferentes para cada povo ou grupo, já que
são dependentes da dinâmica de diversos siste mas sociais e de
seu funcionamento. Co mo conseqüência, a melhor forma de
compreender os difere ntes povos é estar com eles, viver e m
profundidade o universo de suas práticas, entendendo -as como
práticas "encarnadas", co mo diria Malinowski, ou seja, como
práticas que possue m um sentido e um significado. A
perspectiva de que o home m não apenas vive, m as que, ao viver,
questiona, cria sentidos, valores, mitos, artes e ideologias que
ordenam sua co mpreensão de mundo, revoluciona o fazer
etnográfico, pois impõe o trabalho empírico, de campo, como
fundamental na compreensão de outros povos e de nós mesmos.

O trabalho de ca mpo redimensiona o conhecimento científico,


na medida em que exige uma rigorosa e siste mática apreensão
de uma dada sociedade ou grupo em seus múltiplos aspectos,
formais, institucionais, concretos, tal como se encontra m
relacionados entre si e de acordo com a representação que deles
é feita. A cultura se torna, assim, central para a co mpreensão
das práticas humanas, vistas co mo práticas significantes que
distingue m o ho mem da natureza, o ho mem do animal e que
fundam diferentes sistemas de interpretação da vida. Nesse
processo, o antropólogo é aquele que faz a "teoria nativa" da
sociedade que estuda, ou seja, que busca explicá -la em seus
próprios termos. Isso exige desde a compreensão da
especificidade de cada cultura, já posta pelo cultural is mo, como
també m a compreensão das partes que co mpõem uma dada
cultura em termos de um todo integrado, de que fala o
funcionalis mo. Na conjunção de ambas as teorias, torna -se
possível o estudo de pequena parte da sociedade - um
microcos mo de seu universo - para compreendê-la no seu todo.
A isso, se propusera m os chamados estudos de comunidade.

Os estudos de comunidade constitue m a outra ponta da


perspectiva antropológica que hoje parece retornar, sem uma
efetiva consciência do fato, nas pesquisas educacion ais deste
fim de século. A proposta desses estudos conduz os
pesquisadores a verem no â mbito de pequenos grupos a
reprodução da sociedade, elegendo no campo da pesquisa o
particular, co mo objeto de conhecimento, e não a
generalização. A cultura vista nela mes ma, no interior do grupo
e a ele referida, o contexto em si mes mo tornam -se expressão
maior dessa perspectiva de análise, desse fazer científico. 5 Não
dão conta, poré m, do fato de que "as relações culturais estão
submersas em relações de poder " (Carvalho op. cit., p. 21) e,
como tais, dize m respeito a realidades mais amplas, estruturadas
em torno de relações de classe e baseadas em mecanismos de
desigualdade e dominação.

Ainda assim, as vertentes do culturalismo e do funcionalis mo,


que ao final dos anos 40 co meçam a ser criticadas nos EUA,
terão forte influência no Brasil, primeiro via Gilberto Freyre,
que estuda co m Boas nos anos 30 e escreve seu cél ebre e
polê mico Casa grande e senzala ; depois será a vez de
pesquisadores americanos que, entre os anos 40 e 50, chegam ao
Brasil através da Universidade da Bahia, e aqui desenvolve m
estudos de comunidade, que serão inspiradores, mais tarde, das
propostas do CBPE (Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais) dirigido por Anísio Teixeira, e m termos de
pesquisas e de programas educacionais no Rio de Janeiro, entre
os anos 50 e 60. No entanto, a crítica feita a tais estudos, já a
partir da década de 1940, pare ce não fazer parte da reflexão
daquele mo mento, como não o faz na atual reto mada da
aplicabilidade das técnicas de pesquisa antropológica aos
estudos das culturas complexas, na antropologia e na educação.
Segundo P. Sanchis (1996), nos anos 50 e 60 deste s éculo, a
descolonização e a emergência de antigas colônias como nações
independentes eliminaram a distância estrutural entre
sociedades, estabelecida de modo teórico e diverso pelo
evolucionismo e pelo funcionalismo (p. 29). Nesta segunda
metade do século, não se trata mais de estudar o "outro",
diferente, distante, e sua cultura. A questão agora é que a
"etnografia deixou de ser privilégio de antropólogos desde que
estes mudaram seu ca mpo para as cidades", diz Zaluar (1995, p.
85). Ao mes mo te mpo, a necess idade de aplicar seus métodos,
seus conceitos e paradigmas às ditas sociedades co mplexas
instaura o desafio e a aventura que é "conhecer outros mundos
simbólicos" no interior de nosso próprio mundo. Tal desafio,
segundo Zaluar, constitui-se numa via de mão dupla, e m que
estão e m jogo a objetividade e a teoria científica e também a
sensibilidade interpretativa de quem se propõe a singrar mares à
la Malinowski. 6 O desafio não é fácil, nem simples.

Segundo Ruth Cardoso (1986), no campo das ciências humanas


o desafio atual é o de conciliar a conquista do trabalho de
campo, siste matizada pelo positivismo e, ao mes mo te mpo, dar
conta de esquemas explicativos de outra natureza, centrados na
questão das sociedades complexas, as sociedades de classe,
revelada pelas teorias mais críticas e menos positivistas, tais
como o estruturalismo e o marxismo. Diante do trabalho de
campo e do desafio da interpretação, a antrop ologia e a
educação se debate m com o fato de que sempre existiu "u m
modelo positivista de sociedade (...) e uma tendência
interpretativa ou compreensiva" das mes mas (Lovisolo 1984, p.
66). Para este autor, a antropologia interpretativa é aquela que
hoje é aceita, tanto no campo das ciências humanas co mo na
educação, e nisso consiste o desafio de agora. Em debate, o
questiona mento das práticas científicas e das práticas
educativas no tocante ao trabalho de campo e ao fazer
etnográfico que, desenvolvidos na trajetória da antropologia
como ciência, são hoje, década de 1990, campos co muns e
conflitivos no diálogo entre antropologia e educação.

Fazendo minhas as palavras de Santos (1996) e, certa mente,


alterando-lhes os sentidos, estamos vivendo um temp o
paradoxal, simultanea mente de conflito e de repetição. Cabe,
então, perguntar: Estamos perante uma situação nova? No
presente, o relativis mo e a alteridade apresenta m -se de forma
ambígua e até antagônica (Garcia 1994, p. 135), de modo que se
torna obrigatório reve r a idéia de que o passado seja
reacionário, para se buscar, como diz Santos, energias mais
progressistas, menos conformadas no interior de um universo
matricial, da antropologia co mo ciência e da educação como
prática.

Notas

1. Não se trata de negar a importância dessa década na definição


temática e conceitual no ca mpo das ciências humanas, mas de
demarcar tal período como o da cristalização de proces sos que
desde muito estava m e m constituição e cujo movimento é parte
integrante das conquistas desse mo mento.

2. Deste ponto e m diante, intercruzo, com outros autores, o


trabalho de Matilde C.Galli, "Antropologia Culturale e Process i
Educativi", editado pela La Nuova Italia, Scandice, Firenze,
1993, e to mo por roteiro parcial o curso de antropologia e
educação que ministrei e m 1996, na Faculdade de Educa ção da
Unica mp. Agradeço à professora doutora Ana Lúcia G. de Faria
por ter me apresentado à obra de Galli e ter, assim,
desencadeado um processo de reflexão de que participara m
també m meus alunos, aos quais agradeço pelo incentivo e pela
discussão.

3. O holismo tem sido abordado em diferentes estudos e, e m


geral, diz respeito às propriedades do todo ou da totalidade da
vida social, ainda que ne m todos c oncorde m co m isso.

4. No original: "Permanentemente involucrado en el proceso


educativo y por el simple hecho de estar viviendo, el hombre
está aprendiendo en la sociedad por la cultura, la sociedad es e l
medio educativo propio del hobre, aunque no en todo mo mento
hay conciencia de esto."

5. Ver, a respeito, Josildeth da S. Gomes. "A educação nos


estudos de comunidade no Brasil. Educação e Ciências Sociais. "
Boletim do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais -
CBPE. Ano 1, Nº. 2, Rio de Janeiro, agosto de 1956, vol. 1.
6. Ver, a respeito, Ana Lúcia F. Valente. "Usos e abusos da
antropologia na Pesquisa Educacional. Proposições."Revista da
Faculdade de Educação da Unicamp. Campinas, 1997 (no
prelo).

Anthropology and education: The origin of a dialogue

Abstract: Today anthropology and education constitute a field


of confrontation where the compartimentalization of knowledge
attributes to anthropology the status of science and to
education the status of practice. Within this primary
divergence, professionals of both sides accuse each other and
defend themselves based on preconceived ideas, reductionist
practices, and lots of ignorance. Many aspects keep
anthropologists and educators apart, but man y others bring
them together. In this text, we seek to point out what is similar
and what is different in both areas based on the existence of a
past dialogue which makes possible a future one. Therefore, we
consider the possibility of overcoming prejudice and, thus,
aiming at an advance in knowledge.

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* Antropóloga e professora do Departamento de Ciências


Sociais Aplicadas à Educação -Decisae - Faculdade de Educação
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