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MBUNDU
O Ndongo se situava na região que ficou conhecida como Angola a partir do início
da presença portuguesa e era habitado por um subgrupo entre os mbundu, os falantes do
kimbundu2, que ocupava uma larga faixa na savana da África Central Ocidental, ao longo
do baixo Kuanza e do médio Kuango. Sua estrutura social era baseada em formas
linhageiras de organização e em um sistema de parentesco matrilinear, sendo a aldeia a
base da organização política. O ngola era o chefe com o título mais importante, mas cada
parte do território era governada por chefes que tinham poder a nível local, os sobas,
chefes das linhagens e que exerciam o poder em contato direto com a população. O século
XVI marca o período de consolidação política do Ndongo, de maneira que no período
aqui considerado, o Ndongo era um Estado com uma relativamente bem sucedida
centralização e controle sobre as suas linhagens. Mas também de sua inserção no tráfico
atlântico de escravizados, que permitiu que portugueses e povos mbundu estabelecessem
uma série de relações que levou à presença estrangeira na região.3
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Mestre em História Social pelo PPGHIS/UFRJ (l.lucia.silva@hotmail.com).
2
O kimbundu é uma língua do tronco linguístico Bantu. De acordo com Selma Pantoja, grupos Bantu
migraram para a África Central e introduziram a agricultura e a metalurgia na região ocupada pelo Ndongo,
assim como difundiram suas técnicas e língua (PANTOJA, 2000, p. 35-44).
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Sobre as características políticas e sociais do Ndongo no século XVI ver: BIRMINGHAM, s/d;
PANTOJA, 2000; HEINTZE, 2007; MILLER, 1995.
Mello e Souza pontua que no princípio, as trocas comerciais entre os mbundu e os
comerciantes de São Tomé “era independente tanto de normas traçadas pela Coroa
portuguesa como daquelas estabelecidas pelo mani Congo” e que os chefes mbundu, por
sua vez, “agiam de forma independente do mani Congo” (MELLO E SOUZA, 2018: 89).
Beatriz Heintze pondera que apesar do esforço do Congo em reiterar seu monopólio, o
“rei” do Ndongo – apesar de o Ndongo se situar bastante para o interior – já era então
suficientemente poderoso e influente para atrair os comerciantes portugueses de São
Tomé (HEINTZE, 2007: 229-230). De maneira que defendemos que foi justamente este
crescente envolvimento com o tráfico atlântico que levou ao estabelecimento de relações
diretas entre os soberanos do Ndongo e a coroa portuguesa.
Em 1557 o rei de Portugal teria pedido ao capitão de São Tomé que se informasse
para saber se o novo rei de Angola, sucessor do rei que havia lhe enviado embaixadores
comunicando seu desejo de ser cristão, também desejava ser batizado e aceitar a ida de
religiosos:
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Alberto Oliveira Pinto cita outros momentos em que houve a busca de contatos diplomáticos e oficiais,
por parte das próprias chefias mbundu, com a Coroa portuguesa, já nos primeiros anos do século XVI.
Como o envio de braceletes de prata e a solicitação da presença de missionários em 1504 e a tentativa
frustrada de expedir embaixadores a Lisboa em 1514 (PINTO, 2015: 191-192).
despedir os Embaixadores e mandar com eles os Padres, e Embaixador
particular; por portaria feita em Lisboa a 22 de Novembro de 1557
(BRÁSIO, 1953, v. II: 466).
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Para Beatrix Heintze, o empenho português na conquista e colonização de Angola nesse momento, está
conectado a uma série de fatores interligados entre si que inclui fatores globais e locais; ponderando que a
necessidade portuguesa de obter escravos não pode ser colocada como explicação única, entre outros fatores
porque a obtenção de escravos “não exigia por si só nem a conquista territorial, nem a colonização”
(HEINTZE, 2007, p. 243-244). Perspectiva que pode ser questionada, mas com a qual somos conduzidos a
concordar.
Por isso, deve-se ter em contar que a guerra, geralmente associada à presença
portuguesa no Ndongo, está vinculada não só a um ideal de conquista português, mas,
principalmente, ao fato de a guerra já ser uma característica da sociedade mbundu. Assim,
na medida em que a guerra era algo recorrente entre os mbundu, devido a competição por
recursos, os portugueses teriam se utilizado da realidade local como forma de obter
benefícios, não introduzido uma lógica de guerra externa. Antonio Mendes afirma, em
carta de 1563, que na maior parte do tempo o “rei” faz guerras contra muitos outros “reis”
da região, situados no entorno de seus domínios, com os quais competia. Além disso,
segundo ele, nessas guerras, o ngola era auxiliado pelos chefes a ele submetidos,
enfatizando a grande quantidade de pessoas que lutavam ao lado do ngola, já que os
chefes “vassalos” disponibilizavam toda a sua gente para participar desses combates
(BRÁSIO, 1953, v. II: 509). Prática que os portugueses buscaram reproduzir, como se
pode observar no exemplo a seguir:
Este trecho deixa evidente que as tropas que lutavam ao lado dos portugueses eram
formadas majoritariamente por africanos6; um dos elementos a nos trazer indícios de que
a presença portuguesa no Ndongo só foi possível a partir do estabelecimento de alianças
com chefes locais. Apesar do uso da expressão “negros sujeitos” ou, em outros casosd, o
termo “vassalagem”, devemos ressaltar que as informações contidas nas fontes
apresentam a relação estabelecida a partir das alianças efetivadas muito mais como
parceria do que como subjugação, especialmente ao nos deixar saber a facilidade com
que os chefes mbundu abandonavam tais alianças ou se eximiam de cumprir os acordos
quando estes deixavam de representar vantagem.
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De acordo com Mariana Bracks da Fonseca “pode-se afirmar que as guerras angolanas foram lutadas por
africanos contra outros africanos”, já que as tropas portuguesas nomeadas como “guerra preta” eram
compostas por homens dados pelos sobas vassalos, sendo completamente dependentes da força africana
(FONSECA, 2015: 78-79).
Assim, da mesma forma que ao se associarem aos ngola, os chefes locais
mantinham total controle sobre suas linhagens e autonomia no interior de suas aldeias;
além disso, em ambos os casos, a oferta de tributos e a obrigação de proteção e auxílio
militar davam corpo ao acordo estabelecido. De maneira que é perceptível, em diversos
aspectos, que o “governador” português buscava reproduzir a relação que os ngola
vinham estabelecendo com os chefes territoriais que habitavam as regiões nas quais estes
estavam a reivindicar domínio.
ei por bem [...] de lhe dar e doar [...] todas as terras de Quesu
baqueamafo Aquinjonge, fidalgo ambundo, sittas na prouinçia de
Moçeque [...] as quoais terras lhe dou assi e da maneira que o ditto
Subaqueamafo Aquinjonge, senhores e pessuidores dellas as pessuẽ e
huzão, com todo o mais que a elles pertençerẽ [...] (BRÁSIO, 1954, v.
IV: 461).
Nesse trecho Paulo Dias de Novais acredita estar doando terras situadas no
Musseque pertencentes a um fidalgo mbundu, com tudo o mais que a ele pertence,
enfatizando que a doação se faria com base na maneira com que este fidalgo e os demais
senhores possuem e utilizam suas terras. Demonstrando, mais uma vez, a busca de Paulo
Dias de Novais de reproduzir práticas locais em suas ações. Segundo Heintze, a doação
das terras processava-se com a entrega formal do soba ao “novo proprietário [que] era
designado por amo dos seus sobas”, de maneira que “esta modalidade especial de doação
de pessoas” ficou conhecida como “instituição de amos” (HEINTZE, 2007: 255).
Um documento escrito entre 1602 e 1603, afirma que os sobas eram dados
seguindo uma prática comum entre os habitantes do Ndongo e de que disto dependia a
manutenção da conquista:
Verificamos, assim, que aquilo que, muitas vezes, foi pensado como uma prática
característica da atuação portuguesa, se baseou na utilização por parte dos portugueses de
costumes locais, na busca, na maior parte das vezes frustrada, de atingir seus objetivos na
região. Questão que somada ao histórico do desenvolvimento das relações entre os
portugueses e os chefes mbundu, nos indica a fragilidade da presença portuguesa nesta
localidade da África durante todo o século XVI, bem como a capacidade de agência das
lideranças do Ndongo, que condicionou todos os aspectos dessa presença estrangeira em
seu território.
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Beatrix Heintze pondera que mesmo que o surgimento da “instituição de amos” esteja ligado à existência
de uma organização africana correspondente, se espelhando nos intermediários tradicionais mbundu, esta
não se conservou com essas características por muito tempo (HEINTZE, 2007, p. 262).
BIBLIOGRAFIA:
BIRMINGHAM, David. África Central até 1870: Zambézia, Zaire e o Atlântico Sul.
Luanda: ENDIPU/UEE, s/d.
HEINTZE, Beatrix. Angola nos séculos XVI e XVII. Luanda: Kilombelombe, 2007.
MELLO E SOUZA, Marina de. Reis negros no Brasil escravista: história da festa de
coroação de Rei Congo. Vol. 71. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.