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Luiz Araújo e José Marcelino Pinto

(ORGS.)

Público x Privado
em tempos de golpe

1ª Edição

São Paulo
2017
FUNDAÇÃO LAURO CAMPOS

Presidente Juliano Medeiros


Diretor Financeiro Lucas Van Ploeg
Diretor Técnico Gilberto Maringoni
Produção Editorial José Ibiapino
Revisão Rodolfo Vianna
Editoração Eletrônica Zaha Comunicação

Fineduca

Presidente Lisete Arelaro


Vice-presidente Nalú Farenzena
Secretária Rosana Evangelista Cruz
Tesoureiro Thiago Alves
Editor da Revista Fineduca Ãngelo Ricardo de Souza
Público x Privado
em tempos de golpe

Luiz Araújo e José Marcelino Pinto


(ORGS.)
Copyright © by 2017 Fundação Lauro Campos

1ª edição 2017 (Fundação Lauro Campos)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


P976

Público x Privado em tempos de Golpe / Luiz Araújo e José Marcelino


(organizadores) - São Paulo : Fundação Lauro Campos, 2017.
180p.; 14 x 21cm

ISBN 978-85-61475-04-8

Educação e Estado. 2. Educação – Aspectos sociais. 3. Educação – Privatização. 4.


Parceria Público-Privada. 5. Educação Pública – Brasil. I. Araújo, Luiz; II. Marcelino,
José; III. Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação –
FINEDUCA. IV. Título

CDD: 379.81 (22ª)


Bibliotecária Responsável: Patrícia Oliveira CRB-8/9415
SUMÁRIO

1. Apresentação - Luiz Araújo 8

2. A Privatização da Educação Básica no Brasil: considerações sobre a


incidência de corporações na gestão da educação pública - Theresa Adrião 16

3. Discussões sobre a Participação do Setor Privado na Educação Básica


Pública no Brasil - Glecenir V. Teixeira e Marisa R. T. Duarte 38

4. Estado da arte da relação público e privado na Educação Básica - Luiz Araújo 74

5. As Creches Conveniadas em São Paulo – quais os reais motivos dessa


opção política - Ana Paula Santiago do Nascimento e Cleber Nelson de
Oliveira Silva 98

6. O Público e o Privado na Definição da Meta 20 do PNE 2014-2024 -


Juliana Marques da Silva e Cristina Helena Almeida de Carvalho 120

7. Programas de Bolsa Creche e Pro-creche: dois casos de subvenção pública à


iniciativa privada - Jaqueline dos Santos Oliveira e Beatriz Aparecida Costa
e Raquel Fontes Borghi 140

8. A Aprovação da PEC 241 Significa Estrangular a Educação Pública Brasileira


e Tornar Letra Morta o Plano Nacional de Educação 2014-2024 – Nota
Conjunta da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e Associação
Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (FINEDUCA) 166
PÚBLICO X PRIVADO

Apresentação

Luiz Araújo

Um livro justifica a sua existência pelas ideias que


se propõe a apresentar e divulgar ou, no caso de textos
oriundos de pesquisas acadêmicas, pela relevância dos
problemas analisados. A presente coletânea de textos pro-
cura ser útil pelos dois motivos. Por isso, faz-se necessário
contextualizar o momento econômico e político em que
o mesmo é lançado.
Desde a última década do século passado se vivencia a
hegemonia da tese de diminuição do Estado (do espaço
público) e de redefinição de sua relação com o espaço pri-
vado. Esta redefinição é fruto das alternativas majoritárias
dentro do capitalismo sobre como superar a crise estru-
tural do sistema. A reconfiguração do papel do Estado
no desenvolvimento capitalista, especialmente acerca do
quanto de direitos sociais serão tolerados pelos detentores
do capital é uma questão crucial. Recuperar a capacidade
de auferir taxas de lucro mais altas, mesmo que para isso
se reduza a cobertura alcançada pelo Estado de Bem-Estar
Social ou por experiências próximas deste se tornou ob-
jetivo perseguido por sucessivos governos e induzida por
organismos internacionais.
Neste contexto, direitos universais passam a ser ques-
tionados, abrindo uma disputa sobre o sentido que a so-

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EM TEMPOS DE GOLPE

ciedade aceita para bens essenciais para a socialização hu-


mana, como a educação, cultura e saúde.
Assim, o papel do Estado na prestação das políticas so-
ciais sofre profunda transformação. Pelo menos duas ten-
dências se firmam neste cenário. Na primeira, o Estado
“se retira da execução, mas permanece com financiador e
avaliador das políticas sociais estas agora ofertadas por dis-
tintos agentes privados, configurando o tem sido identifi-
cado como a propriedade pública não-estatal” (ADRIÃO
e PERONI, 2009, p 109). Na segunda tendência, mesmo
que a prestação de serviços continue sendo feita pelo Esta-
do, acontece uma mudança da lógica, sendo introduzidos
conceitos e procedimentos oriundos do ethos privado, ou
seja, ganha força a lógica de mercado, processo identifi-
cado como a criação de uma esfera de “quase-mercado”
(OLIVEIRA e SOUZA, 2003).
Para que a chamada “propriedade pública não-estatal”,
conceito difundido por Bresser Pereira quando do debate
da reforma do Estado Brasileiro, se materialize é realizada
uma reconfiguração da natureza da propriedade antes es-
tatal que passa a ser privada de direito público. Este pro-
cesso, segundo Adrião e Peroni (2009, p. 110) acontece a
partir de dois movimentos:

através da alteração do status jurídico de uma ins-


tituição estatal logo pública, que passa a ser de di-
reito privado (como exemplos, citamos os casos das
organizações sociais, fundações, conselhos escolares
que se transformam em Unidades Executoras etc.);
b) ou por meio da instituição de parcerias entre o
Estado e instituições privadas sem fins lucrativos,
genericamente identificadas como integrantes do
Terceiro Setor para a execução das políticas sociais.

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PÚBLICO X PRIVADO

O momento atual é de profundo ataque ao caráter pú-


blico das políticas sociais em nosso país. Tem ocorrido,
nas últimas décadas tanto o desfazimento das fronteiras
entre o público e privado (Dourado e Bueno, 2001; Viei-
ra, 2008), como uma simbiose entre os dois setores de
que nos fala Adrião e Peroni (2009), via a hegemonia de
um discurso reiterado durante duas décadas de que o se-
tor privado é mais eficaz e eficiente que o estatal.
Em vários momentos de nossa história a batalha entre
uso público ou privado do fundo público esteve presente.
Não é possível registrar estes importantes momentos sem
recordar a contribuição do sociólogo e educador Florestan
Fernandes. Sua presença foi marcante na Campanha em
Defesa da Escola Pública (1958-1966) e, após o processo
de redemocratização do Brasil, ele teve participação efeti-
va na pressão popular quando da Constituinte de 1988,
processo que conseguiu inscrever a educação como direito
universal e garantir fonte segura e vinculada de recursos
para a sua efetivação.
A Constituição de 1988, no que tange o direito à edu-
cação, consignou avanços e contradições, espelhando a
configuração dos embates travados no processo consti-
tuinte. Se de um lado, a regra consagrada no texto é de
que os recursos públicos seriam direcionados para efetivar
a cobertura escolar descrita no seu artigo 208, por outro
lado, fruto da força dos setores privatistas, o seu artigo
213 abriu uma brecha para a utilização de recursos pú-
blicos no setor privado, restringindo tal uso em entidades
privadas sem fins lucrativos, de caráter filantrópico, con-
fessional e comunitário.
Uma análise da evolução da cobertura escolar em nos-
so país nesses 28 anos de vigência da Carta mostra um
crescimento significativo das matrículas públicas, espe-
cialmente no ensino fundamental, praticamente univer-
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EM TEMPOS DE GOLPE

salizado. Neste caso a presença privada ficou circunscrita


ao chamado “direito de escolha” por uma escola privada.
Porém, nas etapas e modalidades cuja presença da oferta
pública teve evolução mais tímida, a fatia pertencente ao
setor privado é mais significativa, vide o atendimento em
creche (zero a três anos), ensino profissionalizante e ensi-
no superior.
A brecha presente no artigo 213 da Carta, aliada a con-
quista de uma hegemonia política defensora do desfazi-
mento das fronteiras entre público e privado, criaram as
condições para o surgimento de novas e “criativas” formas
de repasse de recursos públicos para o setor privado edu-
cacional. Se no início a brecha contemplava o formato de
conveniamento do poder público com entidades sem fins
lucrativos, especialmente no atendimento de creche, pré-
-escola e educação especial, as décadas seguintes assistiram
ao surgimento de programas governamentais baseados em
isenções fiscais, incentivos e concessão de bolsas para ofer-
ta privada educacional. São exemplares deste processo os
programas federais Prouni, Pronatec, Ciências Sem Fron-
teiras e o turbinamento do subsídio ao financiamento es-
tudantil.
A primeira década do novo século indica o crescimento
de novas formas de relacionamento do setor público com
o setor privado, inclusive na educação básica. Fazem par-
te deste novo cenário o repasse de escolas públicas para
Organizações Sociais, estabelecimento de voucher escolar
e compra de pacotes pedagógicos de empresas privadas.
Em 2014, com a aprovação do Plano Nacional de
Educação (2014-2024), novo capítulo da disputa entre
público e privado foi travada. A aprovação de um PNE
de claro caráter expansionista dos direitos educacionais
ensejou um debate sobre o formato a ser efetivado para
garantir crescimento da oferta escolar desde o atendi-
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PÚBLICO X PRIVADO

mento de creche até a pós-graduação. Seja na redação das


metas e estratégias, seja na definição do percentual do
Produto Interno Bruto a ser alcançado durante a vigência
da lei, esteve presente diferentes concepções e formatos
da oferta escolar.
De um lado, os segmentos sociais publicistas, defenso-
res de um crescimento da oferta ancorado no setor públi-
co e defensores do uso das verbas públicas exclusivamente
na rede pública. De outro, o governo federal e o setor
privado, defensores de um crescimento compartilhado
da oferta, sob vários formatos. O resultado foi um PNE
mitigado entre as duas concepções, oferecendo uma lei
que em alguns momentos reforça que os recursos públicos
serão usados prioritariamente na escola pública (redação
da Meta 20, por exemplo) e, em outros, permitindo e in-
centivando o repasse de recursos públicos de forma mais
vigorosa para o setor privado (redação do parágrafo 4º do
artigo 5º, por exemplo).
O lançamento deste livro acontece no momento em
que as condições desta disputa sofreram significativa alte-
ração. O processo de impeachment da presidenta Dilma e
a posse de seu vice, Michel Temer, representou uma mu-
dança na correlação de forças no país e afeta diretamente
a disputa entre o público e privado.
A aprovação da Emenda Constitucional nº 95 repre-
senta a mais profunda revisão dos pressupostos inscritos
na Constituição de 1988 durante toda a sua vigência. Ao
estabelecer o congelamento dos gastos públicos durante
vinte anos, permitindo apenas a reposição das perdas in-
flacionárias, ao texto suspende a efetividade da vinculação
constitucional de recursos para educação e saúde, proje-
tando uma contínua diminuição da participação destas
áreas no conjunto dos recursos do fundo público.
Além da evidente consequência de perda de recursos
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EM TEMPOS DE GOLPE

(CAMPANHA, 2016; AMARAL, 2016), ao impedir a


ampliação da oferta educacional, a Emenda 95 impede,
na prática, o cumprimento das metas e estratégias previs-
tas no Plano Nacional de Educação. Com isso, todo o seu
caráter expansionista, ficou comprometido, especialmen-
te nas metas diretamente de responsabilidade da União,
mas também na participação deste ente no constitucional
auxilio aos demais.
A afirmação de que a mudança afeta a disputa entre
público e privado se baseia em algumas evidências e possi-
bilidades que se abrem neste novo cenário. A composição
atual do governo, sem nenhuma porosidade e escuta para
com as demandas dos movimentos defensores da escola
pública e a progressiva ocupação de espaço na estrutura
do MEC de representantes do setor privado, por si só,
anuncia maiores dificuldades de se implementar e mo-
nitorar medidas de crescimento da oferta pública. Mas,
o mais relevante é que o caminho para responder a con-
tínua pressão social por ampliação da oferta escolar (in-
clusive para garantir o estabelecido pela Emenda Consti-
tucional 59) encontrará pela frente a impossibilidade de
crescimento do gasto com a área educacional. A saída, já
presente em várias cidades e estados, será buscar formas
mais baratas de oferecer os serviços educacionais, sendo
o repasse de recursos para o setor privado, nos vários for-
matos descritos nos artigos deste livro, terá grande possi-
blidade de se tornar alternativa amplamente majoritária e
não apenas exceção.
Portanto, este livro, ao reunir reflexões atuais sobre a
relação entre o público e privado no Brasil, é um instru-
mento de alerta para a mudança de patamar desta dispu-
ta. Seus artigos pretendem lançar luz aos novos proces-
sos de repasse de recursos públicos para o setor privado,
analisando suas consequências para a efetivação do direito
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PÚBLICO X PRIVADO

e, com isso, oferecer elementos para todos os que pesqui-


sam, vivem e defendem um a escola pública de qualidade
em nosso país e a plena e universal oferta da educação.

Referência

ADRIÃO, Theresa e PERONI, Vera. A educação pública


e sua relação com o setor privado Implicações para a de-
mocracia educacional. Revista Retratos da Escola, Brasí-
lia, v. 3, n. 4, p. 107-116, jan./jun. 2009. Disponível em:
<http//www.esforce.org.br>.
BRASIL. Constituição Federal. Diário Oficial da Repú-
blica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. p.
01 (Anexo).
______. Lei nº 13.005, de 25 junho de 2014. Aprova o
Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providên-
cias. Disponível em: wwww.planalto.gov.br/legislação.
Acesso em 10 de janeiro de 2015.
_______. Emenda Constitucional nº 95, 15 de dezembro
d 2016, que altera o Ato das Disposições Constitucio-
nais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e
dá outras providências. Disponível em: http://migre.me/
vKiSo. Acesso em 16 de dezembro d 2016.
DOURADO, Luiz e BUENO, Maria. O público e o
privado na educação. In: Políticas e gestão da educação
(1991-1997) / Realização: Associação Nacional de Políti-
cas e Administração da Educação. – Brasília : MEC/Inep/
Comped, 2001
OLIVEIRA, R e SOUSA, S. Políticas de avaliação da edu-
cação e quase mercado no Brasil. Educ. Soc., Campinas,
vol. 24, n. 84, p. 873-895, setembro 2003. Disponível
em <http://www.cedes.unicamp.br>.

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EM TEMPOS DE GOLPE

PERONI, Vera. A democratização da educação em tem-


pos de parcerias entre o público e o privado. Cuiabá. Re-
vista de Educação Pública (UFMT), v. 19, n. 40, mai/ago
2010. p.215-227. 2010.
______. Privatização do público versus democratização
da gestão da educação. In: GOUVEIA, A; PINTO, J;
CORBUCCI, P. Federalismo e políticas educacionais na
efetivação do direito à educação no Brasil. Brasília: Ipea,
2011.
VIEIRA, S. O público e o privado na educação: cenários
pós LDB. In: BRZEZINSKI (org). LDB dez anos depois:
reinterpretação sob diversos olhares. São Paulo: Cortez,
2008.

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PÚBLICO X PRIVADO

A privatização da educação
básica no Brasil: considerações
sobre a incidência de
corporações na gestão da
educação pública.1

Theresa Adrião2

A qualidade e a extensão das consequências para a na-


tureza pública da educação brasileira da presença do setor
privado na definição e implementação de políticas edu-
cacionais variam em função da maneira pela qual o setor
privado se faz presente neste campo e também em função
do perfil das entidades privadas envolvidas.
Por essa razão, esta reflexão, de início, informa que não
procederá à análise do que tradicionalmente se verificou
como “presença privada” em nossa educação, dado se fe-
nômeno que remonta à própria ideia de educação difun-
dida entre nós pela Igreja católica tema objeto de traba-
lhos muito mais relevantes. (Cunha, 1981; Cury 1992,

1 Texto resultante de Projeto Fapesp por mim coordenado “Pri-


vatização da oferta da educação básica obrigatória: análise de três
programas governamentais de subsídio público ao setor privado”
de Tese Livre Docência (Adrião, 2015)
2 Professora da Faculdade de Educação da Unicamp, pesquisa-
dora Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política
Educacional (GREPPE).
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EM TEMPOS DE GOLPE

Pinheiro, 2001) De modo que, acalmando os espíritos de


leitores mais ansiosos, tentarei ater-me a refletir sobre for-
mas pelas a privatização da educação básica se manifesta
e subordina a financeirização econômica (Adrião 2015;
Adrião et al, 2014 e 2106).
Essa subordinação, que hora se generaliza, por força de
uma conjuntura global desfavorável à afirmação dos di-
reitos sociais (Hobsbawn 1997, Wood, 2003), tem sido
objeto de pesquisas desenvolvidas no âmbito do Grupo de
Estudos e Pesquisas Educacionais (Greppe)3. Tais investi-
gações acomodam, para as condições objetivas vigentes
no Brasil, movimento analisado por Bonal (2002) relativo
à privatização e à consequente ampliação da desigualdade
encontrada em outros sistemas de ensino.
Em se tratando da privatização da educação pública,
aquela que desde 1988 (ou seja, há bem pouco tempo)
é entendida como a mantida e gerida diretamente pelo
Estado, indica-se como condição sine qua non, ainda que
não suficiente, as alterações na maneira pela qual o Es-
tado brasileiro se organiza para o cumprimento de seu
dever frente à garantia do direito à educação básica. Tais
alterações, decorrentes de orientações inspiradas na Nova
Gestão Pública (Abrucio, 2007), foram deflagradas a par-
tir do previsto no Plano Diretor de Reforma do Aparelho
do Estado (PDRAE), de 1995 (Peroni, 2003) e operacio-
nalizadas, para o tema deste trabalho, pela Emenda Cons-
titucional n. 19 de 1998 e legislação decorrente (Adrião,
2014; Adrião et al. 2009).
Destas últimas, destacam-se as estratégias que vigoram,
neste começo de século, e que passam a compor progra-
mas de governos de diversos estados e municípios brasilei-
ros, cujo objetivo é a transferência da gestão da educação

3 Para mais informações ver https://greppe.wordpress.com/


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PÚBLICO X PRIVADO

pública para o setor privado, seja por meio de parecerias


público-privado, como anunciado para Belo Horizonte4,
seja por meio do estabelecimento de contratos de gestão
ou outras formas de conveniamento como as propostas
pelo governo do Estado de Goiás, seja ainda por meio
da adoção, por redes públicas, dos “sistemas privados de
ensino”, estes incidindo também sobre os currículos esco-
lares. (Adrião , 2014; Adrião 2015; Adrião et al. 2016)
Este trabalho baseia-se em pesquisas anteriores e em
mapeamento da produção bibliográfica sobre a privati-
zação da educação obrigatória, disponível em quatro ba-
ses (WEB of Science; Scielo; Banco de Tese da Capes e
repositório de teses e dissertações dos Programas de pós
graduação em educação das universidades e Universidade
Federal do Pernambuco (UFPE), Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Pará
(UFPA), Universidade de São Paulo (USP), Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Estadu-
al Paulista(Unesp) e Universidade de Brasília (UNB). (
Adrião, 2015)

A análise dos resumos, do conjunto de artigos e


produções discentes disponíveis no período de
1990 a 2014, permitiu seu “enquadramento” em
três dimensões sobre as quais as formas de privati-
zação operam nos diferentes contextos: Privatização
da oferta educacional e Privatização do Currículo e
Privatização da gestão da educação, no caso desta

4 Se até recentemente as parcerias Público-privadas, como previs-


tas na Lei Federal nº 11.079 de 30/12/04, não se faziam presente
na esfera da educação, o município de Belo Horizonte inaugurou
o modelo. (Adrião, Bezerra, 2013,p.11)
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EM TEMPOS DE GOLPE

última dimensão, objeto de interesse neste artigo,


“sua vigência pode ser percebida em duas esferas:
no âmbito dos sistemas públicos de ensino ou das
redes públicas de ensino, assumindo um caráter
sistêmico na medida em que se refere a políticas
educacionais de caráter geral. A esta dimensão de-
nominamos privatização da gestão educacional. A
segunda esfera, na qual as políticas e programas de
privatização relacionados à gestão podem incidir, se
refere às unidades escolares, trata-se da privatização
da gestão escolar. Claro está que, em muitos casos,
sistemas de ensino e unidades escolares podem es-
tar concomitante submetidos à gestão privada, mas
nem sempre é assim. (Adrião, 2015, p. 49)

A figura 1 representa esquematicamente, a formas de


privatização da gestão da educação identificadas.

Figura 1 - Dimensões e Formas de


Privatização da Gestão da Educação Básica

Delegação para
Organizações com
Fins de Lucro

Delegação para
Privatização da
Organizações
Gestão Escolar
sem Fins de Lucro

Privatização da
Gestão da Educação
Delegação para
Organizações sem
Fins de Lucros

Privatização da Delegação para


Gestão Educacional Corporações

Instalação
de PPP
Fonte. Adrião (2015)
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PÚBLICO X PRIVADO

Segundo Sallum Jr. (1999), o aparato legal-institu-


cional, construído com o fim da Ditadura Militar e re-
presentado pela Constituição Federal de 1988, buscou
manter formas de articulação entre Estado e mercado
que tendo em vista a transnacionalização da econo-
mia e o fim dos “socialismos de estado”, na perspectiva
hegemônica, já não mais se sustentam,. Por essa ra-
zão, assiste-se, a partir de 1990, a constantes alterações
no texto constitucional e nos ditames que orientam a
organização e o funcionamento da gestão pública, no
sentido de minimizar as políticas e medidas mais es-
truturais de proteção social e de regulação do mercado.
Esse processo de redefinição da organização e do
funcionamento do Estado brasileiro tem sido longo
e inclui alterações marco regulatório dos diferentes
níveis governamentais ocorridos com ritmos e qua-
lidades distintas. Exemplifica-se com o verificado no
Estado de São Paulo, quando o governo estadual an-
tecipa-se às revisões implementadas em âmbito federal
a partir de 1998 e cria, em já em 1996, mecanismos
competitivos no interior da administração e incorpora
agentes privados como “parceiros” na condução de po-
líticas públicas. (Adrião, 2006)
No que se refere à relação entre essas alterações e a
gestão educacional, algumas mudanças se destacam,
dado o papel que comprem na indução à privatização
desta última. Este é o caso da Emenda Constitucio-
nal (EC)- 19 de 1998, a partir da qual instituições
do terceiro setor passam a ser “parceiras” da gestão
governamental. Tal possibilidade resultou da intro-
dução de dois mecanismos: o contrato de gestão5 e

5 As Organizações Sociais (OS) foram disciplinadas pela Lei Fede-


ral 9.637 de 1998, pela qual o contrato de gestão com tais entida-
20
EM TEMPOS DE GOLPE

o termo de parceria. (Adrião, 2009 e 2014; Adrião


e Bezerra, 2013)
O contrato de gestão é um dispositivo jurídico que
inaugura a possibilidade de compromisso institucional
entre o Estado e uma entidade pública estatal (agên-
cias executivas) ou uma entidade pública não-estatal
(organizações sociais). (Adrião e Bezerra, 2013).
Para alguns estudiosos, como Maria Sylvia Zanella
Di Pietro (2007)

os contratos de gestão são uma forma do Esta-


do se eximir de suas responsabilidades, por meio
da transferência de suas responsabilidades às
Organizações Sociais, através da cessão de bens
públicos e funcionários, sem, entretanto, esta-
rem submetidas às exigências administrativas da
administração pública. (Adrião e Bezerra, 2013,
p.4)

No entanto, em julgamento de 2015, sobre uma


ação a respeito da inconstitucionalidade das OS, o mi-
nistro Luis Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF),
afirmou que a atuação dessas entidades não afrontaria
a Constituição Federal. Além disso, segundo posição
do STF, opções deste tipo podem dispensar licitação,
pois se configuram como convênios, ainda que devam
observar critérios objetivos e impessoais e de prestação
de contas no processo de seleção.
Já o termo de parceria, regido pela lei nº 9.790/996,

des se constitui em um instrumento de fomento para incentivar a


iniciativa privada, e não uma forma de descentralização da Admi-
nistração Pública. (Pietro, 2007)
6 Vulgo Lei do Terceiro Setor, pela qual se estabeleceu nova dis-
21
PÚBLICO X PRIVADO

assemelha-se ao contrato de gestão, mas se refere aos


acordos entre as Organizações da Sociedade Civil
de Interesse Público (OSCIP)7 e Poder Público. Esta
medida passa a regular a contratação e remuneração
pelo Estado, de entidades do Terceiro Setor para a re-
alização de atividades relacionadas às políticas sociais,
como a educação. Trata-se de outro mecanismos pelo
qual o Estado pode formalizar a transferência da res-
ponsabilidade sobre a gestão da educação para o se-
tor privado, neste caso, sem fins de lucro. (Peroni e
Adrião, 2005; Adrião e Bezerra, 2013).
Pretende-se contribuir com o este texto para o en-
tendimento a respeito das relações entre os segmen-
tos privados que se destacam neste contexto de finan-
ceirização econômica e as formas mais preeminentes
de atuação desses mesmos segmentos no campo edu-
cacional.
Privatização da gestão da educação e a delegação da
educação pública para organizações privadas “não lu-
crativas”.
Vários são os trabalhos que analisam programas, por
vezes se transformados em políticas, implantados e
manejados por filantropos junto a diferentes níveis de
governo. Como exemplo, cita-se que dados

coletados no site do Instituto Ayrton Senna in-

ciplina jurídica às entidades sem fins lucrativos, viabilizando sua


qualificação, pelo Poder Público, como Organizações da Socieda-
de Civil de Interesse Público (OSCIP) e a possibilidade de firmar,
acordos de cooperação com quaisquer esferas de governos. (Pulhez
Jr, 2010; Adrião e Bezerra, 2013;)
7 Definidas pela Lei Federal 9.790 de 1999 e regulamentadas pelo
Decreto Federal 3.100/99 se referem às pessoas jurídicas de direito
privado, sem fins lucrativos.
22
EM TEMPOS DE GOLPE

dicavam que em 2010 as parcerias com gover-


nos municipais e estaduais se aumentaram nas
regiões mais pobres: norte e nordeste. (Adrião,
Peroni et all., 2013) A Fundação Pitágoras, bra-
ço social do grupo empresarial e transnacional
Kroton Educacional, declara que desde há 10
anos oferece a municípios brasileiros alternativas
para a gestão educacional (SILVA, 2008). Ou-
tro exemplo de parceiro privado aos governos é
a Fundação Lemann, cuja presença nos eventos
da União Nacional de Dirigentes Municipais de
Educação (UNDIME) e como formadora de
gestores municipais é muito grande. (Adrião,
2014, p.268)

Complementarmente, e para alem da tradicional


presença desses segmentos em ocupando cargos no
executivo e junto ao legislativo, por meio de seus re-
presentes e de “advocacy”, acentua-se desde o final do
século passado a presença direta do setor privado em
instancias de governo, em alguns casos, criadas para
este fim.
Este o caso do Estado de São Paulo, que a exemplo
de outros governos, conta desde 2011 com o projeto
educacional “Programa Educação - Compromisso de
São Paulo”, cujo objetivo é propor a política educa-
cional para o estado. O “Compromisso” é integrado
por 16 entidades privadas: Instituto Natura, Funda-
ção Victor Civita; Fundação Lemann; Instituto Uni-
banco; Comunidade Educativa, Cedac; Instituto He-
dging-Griffo; Fundação Itaú Social; Instituto Tellus;
Parceiros da Educação; Fundação Educar D’Paschoal;
Fundação Bradesco; Centro de Estudos e Pesquisas
em Educação, Cultura e Ação Comunitária; Instituto
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PÚBLICO X PRIVADO

Península; Fundação Arymax; Consultoria Internacio-


nal Mckinnsey & Company, Instituto Itaú Social, o
Instituto C& A, entre outros. (ADRIÃO e GARCIA,
2014, p.3).
Shiroma (2011) apresenta, para o Brasil, um ilus-
trativo mapeamento das redes de relações constituída
por parte dessas instituições com vistas a intervir na
definição das reformas educacionais
A presença de setores privados vinculados a grandes
corporações atuando no campo educacional foi tam-
bém identificada por censo organizado pela Rede Gru-
po de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) para
o período de 2011-2012. Pelo levantamento, confir-
ma-se tendência anterior, segundo a qual a Educação
era o principal tema da Rede GIFE, “não apenas se
mantém em primeiro lugar desde o primeiro Censo,
como também apresenta crescimento de 2% em rela-
ção a 2009 (GIFE, 2013, P.39)”. Ainda segundo
o censo,

As ações executadas ou financiadas pelos asso-


ciados GIFE em educação envolvem, na maio-
ria dos casos, a capacitação de professores. 65%
das empresas, associações e fundações que res-
ponderam a este detalhamento desenvolvem tal
atividade, provavelmente com vistas a contribuir
para a melhoria na qualidade da rede pública de
ensino. A doação de livros e materiais didáticos
está igualmente associada a esta intenção, e é
realizada por 43% dos associados. A oferta de
atividades de reforço escolar também se revela
significativa dentre os respondentes, com 46%
de organizações atuando nesta frente. Investi-

24
EM TEMPOS DE GOLPE

mentos em construção, reforma ou manutenção


de escolas são feitos por apenas 17% das organi-
zações (p.39, grifos nossos).

No caso das entidades sem fins lucrativos, mas que


atuam em função do investimento social de suas mar-
cas, o Próprio GIFE alerta

Os dados do Censo também reforçam uma ca-


racterística do investimento social corporativo,
de alinhamento entre o investimento social
e o negócio. Mais da metade dos respondentes
afirma que todo ou parte do seu investimento
social está vinculado ao ramo de atividades da
empresa ou da mantenedora. O alinhamento
ao negócio pode ajudar na integração do in-
vestimento social às demais áreas da empresa, a
qual passa a perceber mais valor nele. Mas em-
presas, fundações e institutos não podem es-
quecer que o investimento social tem um fim
público. Isso quer dizer que, mesmo alinhado
ao negócio e trazendo benefícios para a empresa
em termos de imagem, reputação e licença para
operar, o objetivo de transformação social deve
estar evidente e transparente (Gife, 2013, p.41,
grifos nossos).

O alerta da rede que congrega o maior número de


investidores privados em investimento social do Brasil
nos remete à segunda forma pela qual a operacionali-
zação da privatização da gestão educacional pode ocor-
rer: a transferência da gestão de redes ou sistemas de
ensino para organizações privadas com FINS de lucro.
( Adrião, 2015)

25
PÚBLICO X PRIVADO

Para Milani Filho (2008, p.29) Investimento Social


Privado (ISP) é um conceito polissêmico “caracteri-
zado, basicamente, pela transferência voluntária de
recursos de empresas privadas para projetos sociais,
ambientais e culturais de interesse público.” Já para o
Gife, o ISP, difere da filantropia ou da responsabili-
dade social corporativa, pois pressupõe o acompanha-
mento dos recursos investidos com vistas a algum tipo
de retorno por parte dos grupos privados.
Esse movimento, que articula braços sociais de gru-
pos empresariais a retornos financeiros para estes mes-
mos grupos, não é restrito ao Brasil.
Segundo o documento VENTURE PHILAN-
THROPY IN DEVELOPMENT de 2014, desde
2012 a OCDE instituiu uma rede global, vinculada
ao Centro de Desenvolvimento da própria OCDE,
constituída por um pequeno grupo de fundações que
integram duas frentes de trabalho. A primeira frente
relacionada à filantropia empresarial, a segunda a ino-
vações desenvolvidas por filantropos. Para a OCDE,
o quadro de recessivo dos países da zona do Euro e a
consequente diminuição dos fundos públicos para a
promoção do desenvolvimento em países pobres, exi-
giria a participação mais direta desses grupos privados
e de sua “expertise” e recursos.
A rede (netFWD) teria como objetivos-chave:

otimizar e acelerar o impacto da filantropia para


o desenvolvimento através da partilha de experi-
ências e lições, influência política e o desenvol-
vimento de parcerias inovadoras (OCDE, 2014,
p29, tradução da autora).

26
EM TEMPOS DE GOLPE

O crescimento da presença deste tipo de investi-


mento privado em áreas relacionadas a políticas so-
ciais, por exemplo, segundo a própria OCDE está
também relacionada ao aumento da concentração da
riqueza em mãos privadas e ao crescimento de empre-
sas multinacionais, da filantropia empresarial somados
á crescente visibilidade dos perfis desses filantrópicos.
O documento informa que

o papel de cada vez mais importante de finan-


ciamento do setor privado e a alavancagem po-
tencial que cooperação intersectorial poderia
alcançar. A relação entre o capital da Fundação
e o mercado de investimento de impacto mais
amplo, portanto, é digna de atenção. (OCDE,
2014, p.30, tradução livre da autora)8

Em resumo, trata-se de uma nova e impactante mo-


dalidade de investimento que se tem devolvido na últi-
ma década, denominada Venture philantropy ou Filan-
tropia de risco (Robertson e Verger, 2012), ainda que
outros cognatos têm sido adotados para ilustrar este
segmento como o cunhado por Bishop e Green (2008)
“filantrocapitalismo”, cuja liderança caberia a Bill Ga-
tes e Warren Buffet, a Fundação da Emirates, Lundin
Foundation, Fundação Rockefeller e Shell Foundation
A figura 2, tradução livre do esquema elaborado por
Emerson et al. (2007), auxilia na percepção sobre o
comportamento” dos filocapitalistas. A matriz busca

8 “ [...]role of private sector finance and the potential leverage that


cross-sector co-operation could achieve. The relationship between
foundation capital and the broader impact investment market is
thus worthy of attention.”
27
PÚBLICO X PRIVADO

ilustrar a relação entre o envolvimento dos setores na


direção de maior lucratividade e o tipo de atividade
exercida, de modo que nos permite perceber que os
filantropos de risco (venture philanthropy) atuam no
espaço entre a caridade/filantropia e o alto investimen-
to financeiro ou de gestão. (OCDE, 2014)

Figura 2 - Matriz de Envolvimento e Lucratividade

Alto Envolvimento

Filantropia Capital
de Risco de Risco

Caridade Comércio

Investimentos Empréstimos
Tradicionais Bancários

Baixo Envolvimento

Fonte: a autora com base em O CDE 2014, p.36 (tradução livre)

No Brasil, é evidente o crescimento deste segmento no


campo educacional conforme se observa na figura 3, na
qual se destaca a articulação entre os filantropos “moder-
nos” e grupos financeiros. A figura, construída com base
nas indicações pelas próprias instituições, de seus mais
fortes ou constantes aliados, ilustra relações estabelecidas
entre os principais expoentes desses segmentos.

28
Figura 3 - Parceiros privados e educação: Relações Institucionais
Instituto HSBC de Solidariedade
Associação Crescer Sempre / Porto Seguro
Viação Piracicaba Praia Grande Instituto Cyrela Votorantim Metais Armínio Fraga
Moise Politi
Comunitas
Manoel Cintra - BI&P Safra Worldfund Unilever
Walter№ Siroco№ Viação Piracicabana de Santos
Participações
Fernão Bracher Tozzini№ Schalka ProAC
Viação Princesa do Norte Fundação Odebrecht
Associação Sustentare Freire
Tecnisa O Estado de S. Paulo
Razac Trading Instituto Votorantim
Shopping Market Place BASF
Sérgio Spinelli
Instituto Estáter Klabin
Aurora
Expresso Maringá Importadora
Penísula Participações

Fonte: Adrião, 2015, p. 199


Itaú BBA FutureBrand
Fundação Salvador Arena
Fundação Lúcia &№
Shopping Iguatemi Alphaville Pelerson Penido
Sertarding Parceiros da Educação Leão Alimentos e Bebidas Instituto Braudel Secretaria da Educação/RJ
Instituto Hedging Usina№ Moinho№
Paulista
Fundação Iochpe CAPES
Diana
Auriluce Falleiros
Flávia Regina de Souza Oliveira Buriti Fimes
DICICO
Instituto Eurofarma CERI
Instituto Ayrton Senna
Carlos Jereissati Filho Fernando Albuquerque
Jair№ OCDE
RIbeiro
Angela Freitas Alexandre Doria Machado Unesco
Cury Counstrutora Ecopav Grupo de Apoio à Educação
Comgas Centro Ruth Cardoso
Instituto Qualidade de Ensino
Instituto Gol Instituto Península WISE
Instituto V5 - Roberto Sallout
Itaú Unibanco PORVIR ICE
Shopping Iguatemi JK

Fundação Lemann Edsurge


Fundação Bradesco
Innovation Unit
Gera Venue de Capital Instituto Natura
Fundação Itaú Social GIFE
Riot Undime SP

Stanford CID Fundação Bradesco

Fundação Bradesco Prêmio Escola Voluntária


Fundação Bradesco
Fundação Bradesco CBVE
Fundação Bradesco
Fundação Bradesco Ministério da Educação (MEC)
Fundação Bradesco
Fundação Bradesco Compromisso Todos pela Educação
EM TEMPOS DE GOLPE

Fundação Bradesco Fundação Bradesco Cidade Escola Aprendiz

29
Fundação Bradesco Fundação Bradesco UNICEF
CENPEC
Fundação Bradesco Canal Futura
PÚBLICO X PRIVADO

São esses segmentos, articulados a grupos que integram


governos em todos os níveis os defensores as introdução
de alterações na gestão da educação e da escola públicas
por meio de transferência para o setor privado. Assistimos
a atuação de fundações, institutos e similares protagoniza-
rem o “socorro” às redes públicas, para o que consideram
um “despreparo” de origem dos sistemas públicos, incre-
mentando seus negócios, ao disporem para esse “merca-
do” constituído pelas redes públicas seus produtos e ser-
viços. Transformar as redes públicas em campo para seus
negócios (Hill, 2004) torna-se estratégico.
É nesse diapasão que se encaixa a defesa da ampliação
do conveniamento com o setor privado para a gestão de
escolas públicas. O modelo, apresentado por seus pro-
ponentes (Instituto Unibanco, Fundação Braudel, entre
outros) como “charter school”, na medida em que não se
ancora, sequer ideologicamente, na premissa liberal da es-
colha da escola e na medida em que não temos no Brasil a
matrícula obrigatória por georeferenciamento9, entre nós,
a proposta nada mais é que a ampliação para outras etapas
de escolaridade do precário atendimento por convênios
existente na educação infantil. (Adrião, 2015)
Transferir a gestão de escolas e sistemas de ensino para
o setor privado como forma de ampliar o mercado edu-
cacional é o objetivo das mudanças sugeridas. Na mesma
direção, concluímos este item indicando a recente criação
pelo MEC de um Grupo de trabalho para revisão da lista
de compromissos do Brasil junto à Organização Mundial
do Comércio (OMC), com vistas a analisar a lista.

9 Formato de matrícula que relaciona a escola a ser frequentada


ao endereço de residência do estudante, impedindo que a família
possa “optar” por outra escola pública.
30
EM TEMPOS DE GOLPE

Segundo a lista consolidada de compromissos do Brasil


na OMC, que restringe a liberação para negociação no
âmbito da OMC de qualquer serviço, em qualquer setor,
prestado no exercício da autoridade governamental, ou
seja que não sejam prestados em bases comerciais, nem
em competição com um ou mais prestadores de serviços,
como já ocorre com a educação a distancia e a superior e
cujo grau de privatização e subordinação ao capital finan-
ceira e ou internacional tem sido objeto de vários estudos
(Oliveira, 2009, Sguissardi, 2013, Jacob, 2015) Alerta-se
para que o pode estar reservado para a educação básica.

Alinhavando este diálogo

Se no Brasil, as proposições e experiências indicadas


acima ainda não subordinam diretamente a educação pú-
blica aos interesses corporativos ou de negócios, na medi-
da em que as relações entre o poder público e o mercado
são mediadas por fundações ou institutos, estas em geral
tem se apresentado cada vez mais como braços sociais de
corporações. (Silva; Souza, 2009)
A presença do setor privado na gestão das políticas
educacionais não se faz como se verifica tradicionalmen-
te, por meio da ação direta de entidades de representação
patronal ou como ação caritativa. O que se observa, neste
começo de século, é a generalização da prática do filoca-
pitalismo, forma pela qual, segundo a Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE,
2014), a filantropia se alinha, sem pudor, ao mundo dos
negócios e se apresenta como possibilidade de ampliação
dos lucros para investidores privados (Adrião, 2015).
Essas novas formas pelas quais o capital subverte a
conquista recente do direito à educação pública no Brasil
ancora-se em uma renovação do processo de acumulação
31
PÚBLICO X PRIVADO

do capitalismo. Para autores como Foster (2012), o capi-


talismo sob a supremacia do “capital monopolista-finan-
ceiro” assiste a um “processo de progressivo deslocamento
da centralidade da produção em direção às finanças que
tem caracterizado a economia ao longo das últimas qua-
tro décadas.” Tal deslocamento permite a subordinação
da gestão educacional aos interesses do capital, na medida
em que este, na forma de capital financeiro, controle as
empresas e corporações que assumem a gestão de escolas
e sistema.
Não é, pois, ao acaso, que na medida em que o setor
privado de base empresarial é alçado a protagonista da
melhoria da educação nacional, assiste-se à integração na
agenda educativa de uma pauta de mudanças centrada na
transferência da gestão da escola pública para o setor pri-
vado, seja, por meio de parecerias público privada (PPP)
para a oferta educativa, seja por meio da transferência da
gestão da escola pública para setores privados, ou ainda
pela adoção de sistemas privados de ensino por redes pú-
blicas (Adrião, 2014).
Não é, pois, de surpreender a ampliação de contratos,
convênios ou mecanismos equivalentes entre esferas go-
vernamentais e instituições privadas, com ou sem fins
lucrativos, para oferta de etapas da educação básica nas
quais o provedor já era o Estado, com evidente impacto
sobre a organização e o funcionamento do aparato ad-
ministrativo das redes públicas de ensino10 (Adrião et al,
2009, 2012). Situação que confirma a indução observada

10 Os contratos podem dar-se via um “contrato de gestão” que


envolve o Poder Público e as Organizações Sociais ou por meio da
adoção de termos de parceria, envolvendo o poder público e insti-
tuições do chamado terceiro setor, ambos os formatos derivam das
alterações promovidas na Constituição Federal, a partir da EC. 19
de 1998 (DI Pietro, 2007).
32
EM TEMPOS DE GOLPE

por Kless et al. (2010) ao analisar a agenda de reformas


educacionais proposta pela Agenda 2020 do Banco Mun-
dial cujo foco é a destituição da natureza estatal dos sis-
temas públicos educativos, com vistas a ampliar o campo
para os negócios educacionais ( Hill, 2003).

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37
PÚBLICO X PRIVADO

Discussões sobre a participação


do setor privado na educação
básica pública no Brasil

Glecenir V. Teixeira1
Marisa R. T. Duarte2

Introdução

Este artigo é um desdobramento do estudo desenvol-


vido no Grupo de Pesquisa Política e Administração de
Sistemas Educacionais – PASE que analisou o “Investi-
mento privado na educação básica pública e seus discur-
sos políticos” 3. As investigações conduzidas, no âmbito
do grupo, abordam a implementação local de programas
nacionais de educação e as lógicas que orientam ações dos
atores locais, públicos e/ou privados.Este artigo desenvol-
veu algumas questões suscitadas pelos estudos, como por
exemplo, qual a relação entre as reformas administrativas
do Estado e a participação do setor privado na execução de

1 Universidade federal de Minas Gerais (UFMG) – glecenir@


hotmail.com
2 Universidade federal de Minas Gerais (UFMG) – mmduarte@
ufmg.br
3 Essa pesquisa contou com o apoio financeiro da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG e bol-
sa CAPES de pós-doutoramento.
38
EM TEMPOS DE GOLPE

serviços públicos? E, qual a relação entre o financiamento


da educação básica pública e a participação do setor priva-
do neste nível da educação brasileira?
Para refletir sobre essas questões propõe-se abordar as
reformas administrativas do Estado associadas ao New Pu-
blic Management e, mais especificamente, as implicações
dessas mudanças nas políticas educacionais em especial
na inclusão na agenda pública educacional da participa-
ção das entidades privadas. E por fim, apresentamos as-
pectos do Plano Nacional de Educação 2014-2024 (PNE
– 2014-2024) (BRASIL, 2014) que reconhecem ou legiti-
mam a participação do setor privado no financiamento da
educação básica pública.

O Financiamento da Educação Básica no Brasil


e as relações entre o setor público e o privado:
uma revisão da literatura

Os estudos sobre o financiamento da educação no Bra-


sil têm sua origem na década de 1950 em um contexto
de mudanças sociais e na forma de organização do país.
Anísio Teixeira (1953; 1961) em suas reflexões sobre o fi-
nanciamento da educação demonstra a insuficiência dos
recursos públicos aplicados na efetivação do direito à edu-
cação. Esse educador e pioneiro, da Educação Nova no
Brasil considerava que o montante e o cálculo realizado
para definir os percentuais de recursos vinculados, quando
da formulação da LDB (BRASIL, 1961), não atendiam as
demandas educacionais, ou seja, o financiamento público
era insuficiente para garantir uma educação de qualidade
à população brasileira.
Vinte e três anos após a publicação dos estudos de Anísio
Teixeira, a insuficiência de recursos aplicados na educação
é reiterada por Melchior (2011, em artigo originalmente
39
PÚBLICO X PRIVADO

publicado em 1985). Esse estudo, elaborado no período


de redemocratização do país (década de 1980) e de reda-
ção da nova Constituição Federal, traz novamente à pauta
política o tema da insuficiência dos recursos financeiros es-
tatais para a educação. Acrescenta, ainda, Melchior (2011)
a respeito da responsabilidade das empresas em contribuir
financeiramente com a educação, que:

(...) o sistema econômico brasileiro é um sistema


misto em que coexistem estatização e iniciativa pri-
vada. Portanto, é justo que se envolva a iniciativa
privada no sistema de dever em relação à educa-
ção, porque, seguramente, ela será uma das benefi-
ciárias, em termos de absorção de uma mão de obra
mais qualificada (...) (MELCHIOR, 2011, p.3, gri-
fo nosso).

Nessa obra Melchior (2011) defende a participação do


setor privado no financiamento da educação profissional,
visto os benefícios advindos para este setor com a qualifi-
cação da mãe de obra, ou seja, para este autor, trata-se de
investimento do setor privado em educação pública, pois,
esses recursos contribuiriam para o crescimento de uma
riqueza imaterial e sua apropriação privada, segundo este
autor.
Na década de 1980, a mobilização em torno da rede-
mocratização do país e, especialmente, os debates cons-
tituintes em 1986-87 impulsionaram reflexões sobre o
financiamento da educação básica e culminou com a ga-
rantia constitucional de recursos públicos para a educação,
tal como expresso no art. 212, 213 e no art. 60 do ADCT
da Constituição (BRASIL, 1988). As discussões sobre a
insuficiência de recursos públicos para escolas públicas
presentes nas obras de SAVIANI (1999, 1998), CURY
40
EM TEMPOS DE GOLPE

(1998), ARELARO (1999) refletem os debates levantados


no período da constituinte de 1986-87.
Essa mobilização influenciou tanto o aumento no per-
centual de recurso vinculado à manutenção e desenvol-
vimento do ensino (BRASIL, CF 1998, art. 212,213),
quanto à redação que veda a destinação de recurso pública
a escolas públicas lucrativas (BRASIL, art. 213, 1988).
Fora isso outros temas de debates no período constituinte,
com referência ao financiamento da educação básica, tam-
bém foram travados. A defesa da ampliação de recursos
públicos para educação e a discussão sobre a transferência
de recursos públicos para o setor privado estavam também
presentes desde a elaboração constitucional até a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (Ldben). (BRA-
SIL, 1996).
Com a aprovação da Ldben 9394/96 (BRASIL, 1996),
os estudos passaram a focar também as mudanças no finan-
ciamento da educação e seus efeitos, a partir do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e de Valorização do Magistério (Fundef ) e, posteriormen-
te, Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educa-
ção Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(Fundeb) que foram incorporados ao debate sobre o fi-
nanciamento da educação básica no Brasil. Davies (1998
e 2001), Monlevade (1997), Pinto (2000 e 2002). Duarte
(2005) e Oliveira (2008) analisaram essas mudanças. Pin-
to (2012) afirma que, as mudanças ocorridas no financia-
mento da educação por intermédio da política de fundos
alteraram não somente o processo de financiamento, mas
também o perfil das responsabilidades educacionais dos
entes federados. Duarte (2005), por sua vez, afirma que
o Fundef introduz um mecanismo redistributivo e de re-
gulação por resultados nas relações intergovernamentais.
Nos debates mais atuais sobre o financiamento da
41
PÚBLICO X PRIVADO

educação autores como Cara (2012), Castro e Carvalho


(2013) reiteram a defesa de maiores recursos para a edu-
cação pública. Araújo (2012), por sua vez, advoga pela
ampliação de recursos direcionados para a implementação
das políticas públicas educacionais. Araújo (2012) e Cara
(2012) no contexto de formulação do Plano Nacional de
Educação (PNE 2014-2024, BRASIL, 2014) defendem
a meta de aplicação na educação pública de valores pró-
ximo a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
Castro e Carvalho (2013), afirmam que além do aumento
de percentuais do PIB, aplicado às políticas de educação,
também é preciso que se busquem outras possibilidades
de financiamento para a educação (CASTRO e CARVA-
LHO, 2013).
Na mesma direção, Davies (2014) afirma que, mesmo
com a aplicação integral de 10% do PIB no financiamento
público para a educação básica pública, ao final da vigên-
cia do Plano, essa conquista é ainda muito frágil. De acor-
do com o autor essa fragilidade decorre do cálculo do PIB
e na forma como o aumento e aplicação do PIB está redi-
gido na meta 20 (vinte) do PNE 2014-20244 (DAVIES,
2014, p. 198). Este pesquisador aponta, ainda, como
questão central ás análises sobre o financiamento, sobre a
aplicação dos recursos e sobre o controle institucional da
aplicação dos recursos.
Resumidamente a defesa da ampliação de fontes de
recursos para o financiamento da educação básica esteve
presente na literatura de política educacional brasileira.

4 Meta 20: ampliar o investimento público em educação pública


de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento)
do Produto Interno Bruto - PIB do País no 5o  (quinto) ano de vi-
gência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cen-
to) do PIB ao final do decênio (BRASIL, 2014). Não é estipulado
percentual para os anos que estão no intervalo do 5o  e 10o ano.
42
EM TEMPOS DE GOLPE

Na pauta de discussão sobre financiamento da educação


brasileira, também estiveram presentes temáticas de in-
suficiência de recursos, as necessidades de se criar outras
fontes para obter mais recursos para educação, às políticas
de vinculação de recursos para educação, às políticas de
fundos e os efeitos dessas políticas para educação “partici-
pação do setor privado na educação pública”.

O contexto de mudança: emergência das


parcerias público-privada

O movimento de reforma na administração pública,


impulsionado pela crise do Estado, na década de 1970,
ocorreu em três dimensões: econômica, social e a adminis-
trativa, segundo Abrucio (1998). Esta crise “afetou dire-
tamente a organização das burocracias públicas” (ABRU-
CIO, 1998 p. 176), permitindo aos reformadores da época
– década de 80 – elementos discursivos para a defesa das
reformas na administração pública, que aconteceram em
momentos e contextos distintos em cada país,

A partir das reformas da administração pública, inicia-


das no Brasil na década de 1990, introduziu-se e dissemi-
nou-se dois elementos discursivos centrais ao new public
management5 (NPM). O primeiro refere-se à ineficiência e
ineficácia da gestão estatal democrática, o segundo refere-
-se à participação de entidades, organizações e movimen-
tos sociais como necessária para a democratização do Esta-

5 Tradução: Nova gestão pública. Barzelay (2000, p. 229) o apre-


senta como: I define NPM abstractly as a field of professional and
policy discussion— conducted internationally—about subjects
concerning public management, including public management
policy, executive leadership, design of programmatic organiza-
tions, and government operations.
43
PÚBLICO X PRIVADO

do. BRESSER (1998), KETTL (1998) e MOTTA (2013)


difundem esse ideário, o ressignificando como reforma
gerencial do Estado. Nessa perspectiva, o pressuposto cen-
tral, conforme relata Mota (2013), considera que a admi-
nistração pública seria capaz de fazer mais com menos e
desse modo obter mais e melhores resultados.
Autores como Maroy (2008, 2011) e Barroso (2005)
observam, para esse mesmo período e em relação à rea-
lidade europeia, a emergência e disseminação de modos
pós-burocráticos de regulação dos sistemas educacionais.
De acordo com Maroy, (2011, p. 689) a “descentralização,
desconcentração, contratualização, avaliação, parcerias
(público/privado) ” são práticas e procedimentos constru-
ídos para cobrir déficits da administração burocrática.
Carvalho (2008) considera estar presente no new pu-
blic management estratégias de reelaboração das políticas
públicas no sentido da ampliação da participação do setor
privado na gestão estatal. Ou seja, para a autora trata-
-se da introdução de outras formas de redistribuição de
poder, entre o âmbito nacional e o local, bem como, de
valorização de parcerias, de flexibilização, autonomia e
descentralização, que fomentariam a participação das or-
ganizações sociais civis, redefinindo as fronteiras entre o
setor público e privado.
A crítica à administração burocrática centrava na des-
funcionaldidade da gestão normativa e/ou procedimen-
tal, por engessar a atuação do Estado no atendimento de
demandas sociais e/ou econômicas. Por essa razão, o se-
tor público deveria adotar ferramentas de gestão do setor
privado e, em alguns casos, transferir para a gestão pri-
vada a execução de serviços estatais não exclusivos como
educação, saúde e assistência social, almejando ganhos de
eficiência e eficácia. Esse ideário considera, também, que
a concorrência entre a oferta privada e estatal de serviços
44
EM TEMPOS DE GOLPE

traz ganhos de oportunidade aos cidadãos consumidores


(BRESSER 1998).
As reformas educacionais, iniciadas nos anos 1990, ti-
veram como referência importante a Conferência Mundial
sobre Educação Para Todos (Conferência de Jomtien)6 e os
compromissos nela firmados. De acordo Krawczyk (2012)
a “reforma educacional dos anos 1990 instaurou, sem dú-
vida, um novo modelo de organização e gestão da educa-
ção pública, tanto do sistema quanto de suas instituições”
no Brasil (KRAWCZYK, 2012, p. 348).
Para Krawczyk (2009, p. 24) observa-se no período
uma “nova” proposta de gestão pública, onde, de fato
o setor privado “está ocupando o espaço da construção
de um projeto político educacional para o país, inclusi-
ve sendo reconhecido como o ator imprescindível nesse
processo”. Segundo Carvalho (2008) a organização e a
gestão das políticas educacionais advogam “aumento de
produtividade, redução de custos, tomada de decisões
mais rápidas e mais adequadas as exigências de uma so-
ciedade cada vez mais dinâmica e heterogênea” (Carva-
lho, 2008, p. 251). Segundo a autora estas diretrizes são
disseminadas internacionalmente e nacionalmente pelo
movimento conhecido como NPM.
Robertson e Verger (2012) afirmam que essa mudança
de paradigma na gestão educacional traz consigo a eferves-
cência de novos termos e conceitos, ainda pouco analisa-
dos como: Investimento Social Privado, Responsabilidade
Social e Parcerias Público-Privadas, neste trabalho busca-
mos argumentar sobre a relação das parcerias públicos pri-

6 Nesta conferência explicitou - se os objetivos da política educa-


cional, tendo como referência os indivíduos, ou seja, os objetivos
educacionais voltando-se para o desempenho individual em ter-
mos de padrões mundiais.
45
PÚBLICO X PRIVADO

vadas no financiamento da educação básica.


São os estudos a respeito do financiamento da educa-
ção profissional no Brasil os primeiros a apontar medidas
sobre a participação do setor privado na educação. Castro
et al (1977, p.43) ao analisarem as formas de financia-
mento da educação profissional na América Latina des-
tacam a participação compulsória da empresa por meio
de uma taxa sobre a folha de pagamento do pessoal e se
debruçam no estudo do Serviço Nacional de Aprendiza-
gem Industrial7. (SENAI).
Castro et al (1977) analisam essa instituição, bem
como a forma jurídica em que o SENAI se constituiu,
e aponta para o financiamento do ensino técnico (atual-
mente ensino profissional). De acordo com Castro et al
(1997), na América Latina, cerca de 90% dos recursos a
serem investidos no ensino técnico eram provenientes do
setor privado, contra apenas 9,5% do setor público, na
década de 1970.
Bomeny (1998) expõe a participação do setor privado
na educação básica regular, por meio do programa Raízes e
Asas8, analisando-o sobre dois denominadores. A crítica à
noção de filantropia, que se construía na década de 1990
no meio empresarial e os debates em torno da apreensão
dessas atividades como de apoio ou investimento no de-
senvolvimento social. A autora ao analisar experiências de
atuação do setor privado na área social revela que o termo
cunhado, na década de 1990, para expressar essas experi-

7 Atualmente o SENAI é mantido pela contribuição social das


empresas industriais e agroindústrias, recolhendo 1% do montan-
te total da folha de pagamento dos empregados dessas empresas
(SENAI, 2014).
8 O estudo aborda o programa Raízes e Asas, desenvolvido pelo
Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Co-
munitária (CENPEC).
46
EM TEMPOS DE GOLPE

ências era “investimento empresarial em educação”. Este


enunciado buscava superar o que os discursos reconhe-
ciam como ações e filantrópica ou assistencialista.
De acordo com Bomeny (1998, p. 1) a tática de inser-
ção do empresariado na educação se dá ao “estabelecer a
equação entre investimento e custo/benefício social”. Para
a autora:
(...) a década dos anos 90 reintroduz o tema da re-
forma em outras bases. Cresce hoje o discurso sobre
a urgência no estabelecimento de políticas necessá-
rias à melhoria da educação básica no Brasil (...). É
nessa atmosfera que assistimos no Brasil o envolvi-
mento de empresas em projetos assistencialistas de
cunho social e educacional, muitos deles, direta-
mente orientados para melhoria do sistema público
de educação (BOMENY, 1988, p. 3).

Em matéria jornalística, que trata sobre o programa


federal “Acorda Brasil” Rainho (1998) informa que este
programa foi o “caminho escolhido pelo Ministério da
Educação (MEC) para incentivar políticas, beneméritas
de entidades, empresas e cidadãos em prol do ensino”
(RAINHO 1998 p. 18). O programa “Acorda Brasil”, de
acordo com Gonçalves (2004), decorreria de iniciativa da
Presidência da República, que solicitou publicamente aju-
da das empresas do país para o fortalecimento da educação
pública. Neste período, assistia-se a campanha governa-
mental, conduzida pelo executivo federal, para promover
o reconhecimento dessa atuação na área da educação bási-
ca, como ação subsidiaria ao poder público.
Esses estudos, ainda revelam a mudança paradigmática
no discurso do setor privado e do setor público sobre a
atuação da inciativa privada na educação, já diagnosticada
por Bomeny (1998), como forma de reconfigurar essa atu-
47
PÚBLICO X PRIVADO

ação tratando-a como apoio ou investimento na melhoria


da educação básica pública, e não mais como ação filan-
trópica. Essa mudança discursiva sinaliza uma abertura do
poder público para a atuação do setor privado em assun-
tos relativos à prestação de serviços sociais, conforme foi
sintetizado, no período, no Plano Diretor da Reforma do
Estado (BRASIL, 1995).

A participação do setor privado na


área social: mapeamentos.

Pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geogra-


fia e Estatística (IBGE, 2009 e 2011) dimensionaram a
participação do setor privado na área social em municí-
pios brasileiros e os dados aqui analisados se referem à área
educacional.

Tabela 1 – Participação de Atores Privados na Educação,


de Acordo com o Tamanho dos Municípios
Mediante Convênios Mediante Apoio do Setor Privado
Classe de Municípios e Parcerias e de Comunidade
por População
2009 2011 2009 2011

Brasil 802 712 556 440

Até 5.000 67 77 52 61

De 5.001 a 10 mil 127 88 84 58

De 10.001 a 20 mil 162 135 102 74

De 20.001 a 50 mil 205 186 145 94

De 50.001 a 100 mil 94 89 67 65

De 100.001 a 500 mil 124 113 85 71

Mais de 500 mil 23 24 31 17

Fonte: Perfil dos Municípios Brasileiros - IBGE, 2009 e 2011

IBGE, (2009 e 2011) apresentam a participação do se-


tor privado na área de educação em municípios brasilei-
ros, sob duas variáveis: a) mediante convênios e parcerias

48
EM TEMPOS DE GOLPE

e b) por meio de apoios do setor privado e comunidades9.


Os dados coletados indicam que 1.358 municípios brasi-
leiros (24.4% do total) realizaram algum tipo de convênio
e/ou parceria com o setor privado ou receberam apoios
desse setor incluindo de comunidades, em 2009. Na pes-
quisa realizada em 2011, o IBGE afirma que 1.152 mu-
nicípios (21%) informaram a participação de atores pri-
vados na área de educação (Tabela 1). Em 2011, 53% dos
municípios de pequeno porte (até 10.000 hab.) firmaram
algum tipo de relação com atores privados (IBGE, 2011,
N/C). Verificou-se, ainda, pequeno decréscimo dessa par-
ticipação no intervalo de dois anos, sem que possamos
estabelecer tendências, conforme apresentado na tabela 1.
IPEA (2006, p. 4) apresenta resultados da coleta de
dados realizada entre 2002 e 2004, sobre a participação
do setor privado em ações sociais nas áreas de educação,
saúde e assistência social. Estes estudos contêm um “ma-
peamento da participação do setor empresarial em ativi-
dades sociais, voltadas para as comunidades mais pobres”
(IPEA, 2006, p. 5). Os resultados da pesquisa publicados
em 2006 afirmam que a realização de atividades sociais no
conjunto das empresas pesquisadas aumentou 10 pontos
percentuais em apenas quatro anos, de 2000 para 2004,
em todo o país (IPEA, 2006, p. 11).
IBGE (2010) ao aferir a “dinâmica da organização da

9 Convênio de parceria com o setor privado: acordo firmado


entre a prefeitura e o setor privado, em que as partes assumem e
dividem responsabilidades de projetos e/ou serviços. Geralmen-
te envolve divisão de trabalho e contrapartida financeira, não se
incluindo, neste caso, as contratações de serviços terceirizados.
Apoio do setor privado ou de comunidades: Ações que contri-
buem para a realização de algum projeto ou manutenção de ser-
viços em que não seja obrigatória a contrapartida da prefeitura.
(IBGE, 2009).
49
PÚBLICO X PRIVADO

sociedade civil na história recente”, demonstra que 44,2%


das entidades sem fins lucrativos localiza-se na região su-
deste do país. Destas localizadas na região sudeste 57,4%
são entidades confessionais. Já na Região Nordeste, que
ocupa o segundo lugar no número de entidades (22%
do total) no país, 37,7 % são entidades voltadas para a
defesa de direitos e interesses dos cidadãos. IBGE (2010,
p, n/c) demonstra, ainda, que apenas 6,1% do total de
entidades sem fins lucrativos, ou seja, 17.664 entidades
atuam na educação básica e suas modalidades, sendo que
a maior participação desse setor se dá no ensino funda-
mental (25,3%), enquanto em outras formas de educa-
ção/ensino a participação das entidades sem fins lucrati-
vos é de 27,8%.
Essas pesquisas (IBGE, 2009, 2010 e 2011; IPEA,
2006) aferiram a presença do setor privado de formas di-
versas na área educacional, porém com elevado grau de
imprecisão quanto as características dessa atuação. Entre-
tanto, o mapeamento dessa presença, revela a distribui-
ção regional dessa atuação. Esses estudos auxiliaram na
descoberta e reflexão sobre a diversidade e ambiguidade
de termos, para a caracterização das entidades presentes
nesse setor, o que reafirmou para a pesquisa a definição
dos atores cujo discurso seria analisado.
A respeito de uma maior participação do setor priva-
do na educação, Gohn (2004) afirma que a participação
da sociedade civil – entre essas as instituições de direito
privado – na educação básica pública se fez em um con-
texto político democrático, de ampliação da participação
de diversas entidades, organizações e movimentos sociais,
por meio de ações coletivas. Ou seja, uma possível am-
pliação da atuação do setor privado envolveria dinâmicas
de democratização. Analisando os estudos de BRESSER
(1998), KETTL (1998) os autores advogam o ideário do
50
EM TEMPOS DE GOLPE

new public management demonstrando a importância atri-


buída à participação de atores privados na gestão pública.

A difusão das parcerias público-privada

A normatização das Parcerias Público-Privada (PPP) re-


digida na lei 11.079 de 2004 institucionalizou as parcerias
e impôs regras e formas sobre como devem ser firmadas
(BRASIL, LEI 11.079, 2004). A regulamentação definiu
dentre outros aspectos a duração máxima desses acordos,
as exigências de contrapartida do parceiro privado, a ne-
cessidade de critérios de avaliação de desempenho, entre
outros e também as diferenciou conceitualmente das prá-
ticas de “concessão comum” dos serviços públicos.
As PPPs “são formas contratuais inovadoras que com-
pletam a realização de investimentos e a prestação de
serviços de interesse da administração diretamente aos
usuários ou à própria administração” (Althuon e Landi,
2015 p. 642). Os entes federados são atraídos por esse
mecanismo de execução de serviços alterando em alguns
casos a própria legislação, com o intuito de respaldar suas
relações com o setor privado.
As formas de parceria de parcerias diversas, analisadas
por: Gonçalves Junior (2004), Andrade (2011), Adrião et
al (2012), Camillo e Morgenstern (2012), Peroni (2012)
e Azevedo e Gonzalez (2013), revelam a amplitude de ti-
pos de PPPs possíveis, na área de educação. Embora as
PPPs já estejam regulamentadas (BRASIL, lei 11. 079,
2014), este estudo considera importante uma distinção
entre concessão e PPP. Uma vez que, a PPP também é
uma forma de concessão do poder público ao privado,
porém diferenciada da concessão comum, conforme dis-
posto na lei: “Não constitui parceria público-privada a
concessão comum, assim entendida a concessão de ser-
51
PÚBLICO X PRIVADO

viços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no


8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando não envolver
contraprestação pecuniária do parceiro público ao parcei-
ro privado” (BRASIL, art. 2, § 3°. LEI nº 11. 079/2014).
As concessões presentes nas PPPs são caracterizadas
como: Concessão patrocinada e Concessão administrati-
va10 e segundo Di Pietro o que as diferencia (Concessão
comum e PPP) não é somente o conceito, mas também o
regime jurídico que as constitui. Esse regime jurídico traz
para as relações administrativos estabelecidas nas PPPs o
compartilhamento, entre o setor público e privado, dos
riscos e ganhos econômicos advindos da redução de gas-
tos presentes nessas relações de PPP, a garantia de execu-
ção do serviço, que será prestado por PPPs, também é
compartilhada entre o setor público e privado, no caso
das parcerias público privado.
Recentemente, as parcerias entre o setor público e
privado foram reconhecidas no atual PNE 2014-2024
(BRASIL, 2014). Ao analisar o conteúdo do texto do
PNE 2014-2024, constata-se que o termo parceria é re-
corrente no documento, mas o mesmo se configura em
três formas. A primeira se caracteriza como colaboração
horizontal – entre os entes federados e entre as áreas das
políticas públicas como saúde e assistência social. Uma
segunda forma de parceria é realizada pelos convênios, en-

10 “Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou


de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de
1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usu-
ários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro
privado” (BRASIL, art. 2, § 1°. Lei lei 11. 079/2014).
Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços
de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta,
ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação
de bens (BRASIL, art. 2, § 2°. Lei lei 11. 079/2014)
52
EM TEMPOS DE GOLPE

tre o poder público e instituições educacionais comunitá-


rias, confessionais e filantrópicas. E a terceira se constitui
com as chamadas públicas à participação de organizações
da sociedade civil. Essas modalidades de parcerias estão
presentes na oferta da educação infantil (Meta 1/1.7), na
educação em tempo integral (Meta 6/6.5); na erradicar
o analfabetismo (Meta: 9/9.5); na educação profissional
(Meta 8/8.4; 10/10.8;11) e na oferta da educação especial
(Meta 4/4.17 á 4.19)11.
A análise de conteúdo dos dispositivos constantes nos
anexos do PNE observou que a expansão e aprimoramen-
to dos serviços educacionais referentes à educação básica,
no ritmo proposto pelo PNE deveram:
a) para atingir a expansão da educação infantil a articu-
lação na “oferta de matrículas gratuitas em creches certifi-
cadas como entidades beneficentes de assistência social na
área de educação com a expansão da oferta na rede escolar
pública” (BRASIL. LEI 13.005, 2014, estratégia: 1.7);
b) para alcançar a expansão da educação escolar em
tempo integral à pessoa deficiente, promover parcerias
com instituições comunitárias, confessionais ou filantró-
picas sem fins lucrativos, conveniadas com o poder pú-
blico, cujos termos abrangem a ampliação das condições
de apoio ao atendimento escolar, a oferta de formação
continuada; a produção de material didático, os serviços
de acessibilidade (BRASIL. LEI 13.005, 2014, estratégia:
4.17; 4.18; 4.19);
c) para atingir os percentuais de atendimento na edu-
cação em tempo integral “estimular oferta de atividades
voltadas à ampliação da jornada escolar de alunos (as) ma-
triculados nas escolas da rede pública de educação básica

11 Essas parcerias também estão presentes nas metas 11, 12 e 14


que tratam sobre a expansão do ensino superior (BRASIL, 2014).
53
PÚBLICO X PRIVADO

por parte das entidades privadas de serviço social vincu-


ladas ao sistema sindical, de forma concomitante e em
articulação com a rede pública de ensino” (BRASIL. LEI
13.005, 2014, estratégia: 6.5);
d) para elevar a escolaridade da população de 18 a 24
anos a estratégia de atuação propugnada no texto do PNE
envolve expandir a oferta gratuita de educação profissio-
nal técnica por parte das entidades privadas de serviço
social e de formação profissional vinculadas ao sistema
sindical (BRASIL. LEI 13.005, 2014, estratégia 8.4);
e) para elevar a taxa de alfabetização da população com/
ou mais de 15 anos e erradicar o analfabetismo segundo
o PNE 2014-2024 será necessário “realizar chamadas pú-
blicas regulares para educação de jovens e adultos, pro-
movendo-se busca ativa em regime de colaboração entre
entes federados e em parceria com organizações da socie-
dade civil” (BRASIL. LEI 13.005, 2014, estratégia: 9.5);
f ) para expandir e integrar a educação de jovens e adul-
tos à educação profissional a estratégia constante no PNE
prevê o apoio de entidades privadas de formação profis-
sional vinculadas ao sistema sindical e de entidades sem
fins lucrativos de atendimento à pessoa com deficiência.
(BRASIL. LEI 13.005, 2014, estratégia: 10.8);
g) Ainda, na busca de melhorar a oferta da educação
profissional a estratégia estabelecida no PNE 20144-2024
é “ampliar a oferta de matrículas gratuitas de educação
profissional técnica de nível médio pelas entidades pri-
vadas de formação profissional vinculadas ao sistema
sindical e entidades sem fins lucrativos de atendimento à
pessoa com deficiência, com atuação exclusiva na modali-
dade; 11.6, bem como expandir a oferta de financiamento
estudantil à educação profissional técnica de nível médio
oferecida em instituições privadas de educação superior
(BRASIL. LEI 13.005, 2014, estratégia: 11.7).
54
EM TEMPOS DE GOLPE

Outra parceria que pode ou não ser estabelecida entre


o setor público e privado constante no PNE, foi norma-
tizada, pelo art.7 § 7o da Lei 13.005/2014. Este artigo
trata sobre o regime de colaboração, caracterizado como
colaboração horizontal e diz que o fortalecimento do regi-
me de colaboração se dará “mediante a adoção de arranjos
de desenvolvimento da educação” (ADEs) (BRASIL. Lei
13.005, 2014, art. 7, § 7o). O texto normativo do PNE
2014-2024, menciona apenas as colaborações, possíveis
entre os entes federados, mas quando analisamos os do-
cumentos jurídicos que tratam sobre os ADEs12 constata-
mos que a relações entre o setor público e privado poderá
ser estabelecida13.
Segundo o parecer do CNE 9/2011 os ADEs, “não
obstante a forte característica intermunicipal, devem
agregar a participação do Estado e União, incluindo ou
não a participação de instituições privadas e não gover-
namentais, tais como empresas e organizações diversas,
que assumem o objetivo (...)”, ou seja, os ADEs podem
ou não ser estabelecidas com o setor privado (BRASIL,
2011). Essa concepção de participação do setor privado
nos ADEs é reiterada na resolução nº 1 de 23 de Janeiro
2012, “Essa forma de colaboração poderá ser aberta à par-
ticipação de instituições privadas e não-governamentais,
mediante convênios ou termos de cooperação, sem que
isso represente a transferência de recursos públicos para
estas instituições e organizações” (BRASIL, 2012, art.2,
§1, p.2).

12 Parecer CNE/CEB Nº 9/2011. Conselho Nacional de Edu-


cação/Câmara de Educação Básica e a Resolução Nº 1, De 23 De
Janeiro 2012 - Ministério Da Educação/ Conselho.
13 A origem dos arranjos de desenvolvimento da educação, está
em ações desenvolvidas pelo setor privado em colaboração com
determinados municípios, ver Parecer CNE/CEB Nº 9/2011.
55
PÚBLICO X PRIVADO

Essas estratégias presentes no PNE 2014-2024 reco-


nhecem que a ampliação de serviços educacionais, os
mais diversos, envolverá ações da iniciativa privada, o que
significa a possibilidade de transferência de recursos pú-
blicos para este setor, mediante parcerias. Dessa forma o
cumprimento do dispositivo constitucional que vincula
o investimento público ao percentual do PIB, poderá ser
cumprido com transferências financeiras para o setor pri-
vado, seja lucrativo ou não, uma vez que, o financiamen-
to dessas possíveis parcerias é contemplado no parágrafo
4ºdo art.5 da Lei 13.005/2014:

O investimento público em educação a que se re-


ferem o inciso VI do art. 214 da Constituição Fe-
deral e a meta 20 do Anexo desta Lei engloba os
recursos aplicados na forma do art. 212 da Consti-
tuição Federal e do art. 60 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, bem como os recursos
aplicados nos programas de expansão da educação
profissional e superior, inclusive na forma de incen-
tivo e isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas
no Brasil e no exterior, os subsídios concedidos em
programas de financiamento estudantil e o finan-
ciamento de creches, pré-escolas e de educação es-
pecial na forma do art. 213 da Constituição Federal
(BRASIL,2014).

O art. 5º do parágrafo 4º da Lei 13.005/2014 (BRA-


SIL, 2014) ao incluir a expansão de recursos a serem apli-
cados na educação profissional, integral e especial, bem
como o financiamento da educação infantil, conforme
o art. 213 da Constituição Federal/1988 (CRFB/1988)
legitimam, por meio das metas e estratégias acima cita-
das o financiamento de serviços prestados por instituições
56
EM TEMPOS DE GOLPE

privadas ao setor público na área educacional lucrativas


ou não. Pinto (2016) comenta que “esses recursos devem
ser considerados como gastos públicos em educação para
efeito do cumprimento da Meta 20 do PNE” e que esse
repasse de recursos para instituições lucrativas “fere fron-
talmente o art. 213 da CF” (PINTO,2016, p.139).
O estabelecimento de parcerias e o uso de recursos pú-
blicos para financiamento de projetos e programas, insti-
tuídos pelas PPPs, se apresentam como uma tendência de
atuação do Estado, que merece aprofundamentos teóricos
e práticos. Entretanto, apresentamos a seguir algumas ex-
periências de parcerias identificadas no decorrer da pes-
quisa, para exemplificar, que já estão sendo estudadas.
Gonçalves Junior (2004), analisou o Programa Moto
Perpétuo desenvolvido pela empresa Fiat Automóveis no
âmbito do Programa Federal Acorda Brasil14. De acordo
com Gonçalves Junior a concepção do programa Moto
Perpétuo originou-se na Itália, na década de 1990, e cons-
tituía na distribuição de kits de material paradidático para
várias escolas em diversas regiões do país. Gonçalves Ju-
nior (2004) informa que os formuladores do programa
denominação essas ações de parceria entre o setor públi-
co e privado. Esse autor demonstra as características top
down do programa e sua duração, no Brasil no período de
difusão do NPM.
Peroni (2012 p.19) ao abordar o tema da “gestão de-
mocrática da educação em tempos de parceria entre o se-
tor público e o privado”, demonstra os efeitos perversos
da introdução de uma lógica privada nas escolas públicas

14 O programa “Acorda Brasil” Foi lançado em 1995 e tinha


como objetivo estabelecer parcerias entre Estado e Sociedade Civil
(Rocha, 2002, p. 4). Já a parceria firmada com o a empresa Fiat
durou cinco anos de 1997-2001 (Gonçalves Junior, 2004).
57
PÚBLICO X PRIVADO

e suas consequências. A autora ao analisar a atuação do


Instituto Ayrton Senna (IAS) em municípios brasileiros
revela uma atuação top down, pois o IAS desenha e exe-
cuta programas, pré-definidos, a serem desenvolvidos nos
municípios, sem considerar as especificidades locais.
Andrade (2011), Camillo e Morgenstern (2012),
Azevedo e Gonzalez (2013), também analisaram pro-
gramas formulados e implementados pela inciativa pri-
vada na educação básica pública, a partir da segunda
metade da década de 1990, demonstrando, também,
ação como top down.
Andrade (2011) reflete sobre as relações de parceria do
Programa Nacional de Educação Reforma Agrária (PRO-
NERA), com a sociedade civil15. Andrade (2011, p.6) ao
estudar as relações entre PRONERA e as diversas enti-
dade da sociedade civil a reconhece como parcerias entre
o setor público e privado. A autora retoma a discussão
realizada por Munarin, (2005) entendo parceria como es-
tratégia do neoliberalismo e como estratégia de democra-
tização essas seriam apenas algumas das várias formas de
se instituir uma parceria. Por essa razão Andrade (2011,
p. 9) afirma que é preciso ter cautela ao generalizar as
parcerias, pois no caso do PRONERA, mesmo com suas
fragilidades obteve sucesso e se efetivou como estratégia
de democratização política. Mediante esse entendimento
podemos inferir com Andrade (2011) que a parceria entre
o poder público e a sociedade civil como estratégia de de-
mocratização decorre de mobilizações sociais para o reco-
nhecimento. Enquanto que como estratégia neoliberais as
parcerias podem ser vistas como redução ou substituição

15 O PRONERA é um programa do governo federal destinado


a população do campo, em especial, aos assentados da reforma
agrária. (ANDRADE, 2011).
58
EM TEMPOS DE GOLPE

da ação estatal.
Camillo e Morgenstern (2012) analisam as práticas
de governamento desenvolvidas, por meio do programa
Acelera Brasil. 16Camillo e Morgenstern (2012) afirmam
que há no Programa Acelera Brasil formas e estratégias de
produção de sujeitos:

O programa Acelera Brasil, enuncia formas especí-


ficas de governamento que se afirmam com a lógica
da produção de sujeitos empreendedores de si, pro-
curamos atentar ao modo pelo qual as tecnologias
de subjetivação têm se refinado colocando em fun-
cionamento práticas de governamento que operam
na constituição de sujeitos desejados pela economia
política atual (CAMILLO E MORGENSTERN,
2012, p.3).

Souza (2012) ao investiga “a atuação do setor privado


na implementação de uma política pública educacional”
desenvolvida no município de Salto (SP) acerca da expe-
riência de adoção do sistema privado de ensino”. Como
resultado parcial, a autora, elenca três formas de PPPs,
entre o setor privado e público no município de Salto,
que são: a oferta de matrículas em creches, a contratação
de assessoria para a gestão educacional e o fornecimento
de materiais apostilados (SOUZA, 2012, P. 135).
Santos (2012) estudou as parcerias público-privada na
educação básica e suas implicações na gestão da escola pú-
blica e no trabalho docente. O autor apresenta evidencias

16 Este programa foi implementado pela Fundação Carlos Cha-


gas, mas que teve a sua gênese no Instituto Ayrton Senna em par-
ceria com instituições do governo federal como Banco Nacional
do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
59
PÚBLICO X PRIVADO

impactos e consequências dessas parcerias para a gestão


pública educacional. Quanto ao trabalho docente, o au-
tor, afirma que este passa a ser diretamente afetado por
uma lógica tecnicista e gerencialista presente na parceria,
que incentiva a competitividade. Ainda pontua que: a in-
satisfação de alguns professores, o aumento da comunica-
ção entre a escola e a comunidade escolar, a valorização do
diretor como efeitos dessas parcerias (SANTOS, 2012).
Adrião et al (2012) apresentou resultados de pesqui-
sa realizada em municípios do Estado de São Paulo que
mantinham parcerias com o setor privado na oferta da
educação infantil e no ensino fundamental. Neste estudo
as autoras, com fundamento em Bezerra (2008) conceitua
o termo parceria:

A expressão parceria púbico-privada (...) implica


também a capacidade de intervenção que o setor
privado passa a dispor junto à administração pú-
blica, por meio da assunção total ou parcial de
responsabilidades até então atribuídas ao poder pú-
blico em sua totalidade” (BEZERRA 2008, P. 62-
63apud ADRIÃO et al 2012 p. 535/536).

Nessa mesma perspectiva, Martins (2012) analisou a


interferência do setor privado na educação básica pú-
blica com foco na atuação da entidade “Movimento
Todos pela Educação” e seu projeto para a educação
brasileira. A autora demonstrou como o setor privado
interfere na agenda de educação em âmbito nacional,
de forma sistemática e legitimado por uma organização
social de direito privado ligada as grandes empresas do
país, e tem como princípio pactuar com o setor público
um “único projeto para a educação básica no Brasil do
século XXI” (MARTINS, 2012, p. 85).
60
EM TEMPOS DE GOLPE

Já Azevedo e Gonzalez (2013) analisam a relação pú-


blico-privado existente entre o Instituto Oi Futuro e a
Secretária de Educação do Rio de Janeiro (SERJ). Esta
parceria tem como objetivo a implementação do proje-
to “Núcleo Avançado em Educação” (NAVE) nas esco-
las do estado voltado para educação escolar em tempo
integral do ensino médio.
Azevedo e Gonzalez (2013 p. 4) identificaram algu-
mas características para delinear a relação de parceria
público-privada estabelecida com o projeto NAVE
como a possibilidade de oferta de recurso do setor pri-
vado para o setor público como a criação de espaço,
dentro ou fora da escola para o desenvolvimento de ati-
vidades no contra turno. De acordo com os autores, o
projeto NAVE está caracterizado como uma “parceria
sistêmica” que almeja mudanças permanentes da reali-
dade e uma “parceria e alternativa” que auxilia na ofer-
ta de recursos, atuando onde a escola tem dificuldades,
visando o alinhamento de investimentos públicos aos
investimentos privados.
Braga e Santos (2013) analisaram a parceria firma-
da entre a Fundação Itaú Social e escolas públicas,
com a implantação do programa Excelência em gestão
Educacional. De acordo essas autoras, o objetivo do
programa é “aplicar na educação brasileira as medi-
das adotadas pela reforma educacional de Nova York
(EUA), que tem como base central o modelo das Esco-
las Charter” (BRAGA E SANTOS, 2013, p.3). Nesse
estudo demonstram que a “forma como esse modelo
tem sido utilizado no Brasil, deixa claro que as esco-
las públicas brasileiras não caminharão em direção a
uma gestão democrática” (BRAGA E SANTOS, 2013,
p.15).
Prado (2013), por outro lado, analisou a formação
61
PÚBLICO X PRIVADO

continuada de professores nas redes públicas que ad-


quiriram material didáticos de instituições educacio-
nais privadas, a partir do ponto de vista, de gestores
e professores da rede municipal de educação, que ti-
veram acesso a esse tipo de formação. O estudo ca-
racteriza a parceria/PPP como sendo uma forma de
privatização da educação e conclui que essa ação leva
o poder público a investir menos na educação públi-
ca, deixando o poder público refém do setor privado
(PRADO, 2013, p. 73).
Ao nosso ver os estudos analisados entendem as par-
cerias público/privado (PPP) como concessões de ser-
viços do poder público ao setor privado. Nessa perspec-
tiva, as PPPs são consideradas por esses autores como
estratégias de privatização e terceirização dos serviços
públicos e representam a diminuição da participação
do Estado na oferta da educação pública. As análises
desses estudos demonstram a amplitude de possíveis
parcerias que podem ser firmadas entre o setor públi-
co e privado, na educação. No entanto esses estudos
não informam a respeito de aportes financeiros do se-
tor privado para a educação básica pública e embora
apresentem um uso recorrente do termo “Parceria” en-
tendo-o como “Parceria Público Privada” (PPP), o faz
no sentido da transferência de recursos públicos para
o setor privado que interfere diretamente no financia-
mento da educação básica pública.

Considerações finais

A relação entre o poder público e privado, no âmbi-


to das políticas educacionais, estreitada pelas reformas
da administração pública, iniciadas na década de 90,
consolidou-se em diversas formas de parcerias.
62
EM TEMPOS DE GOLPE

Apesar dos avanços nas legislações brasileiras tanto


no esfera administrativo quanto na educacional, as
parcerias entre público e privado no âmbito educacio-
nal ainda são confusas, em alguns casos encontramos
organizações da sociedade civil propondo projetos e
intervenção, que, segundo os proponentes almejam a
qualidade dos serviços educacionais e em outros casos é
possível verificar a chamada do governo para que orga-
nizações da sociedade civil executem serviços até então
executados pelo setor público, essas várias formas de
parcerias entre o setor público e privado carecem de
mais reflexão e críticas.
No caso da educação essas parcerias são legitimadas
pelo Estado em suas normatizações e estarão presen-
tes durante o período de vigência do PNE 2014-2024,
com vista à expansão, conforme metas um, quatro,
oito e dez e suas estratégias de execução. No que tange
o financiamento da educação básica pública, a relação
entre o setor público e o privado suscitam outras ques-
tões, em especial, a mudança nos modos operantes do
poder público em atender a demanda da sociedade,
nos serviços que giram em torno das políticas educa-
cionais. Essa relação apresenta características de modos
pós-burocráticos de regulação segundo Maroy (2011).
O repasse de recursos públicos para instituições de di-
reito privado seja por meio das instituições confeccio-
nais filantrópicas e comunitárias (art.213 CF/1988 e
art.77 da Ldbn/1996) ou por meio de programas de
expansão do ensino, instituídos por parcerias entre o
setor público e privado, conforme disposto no texto do
PNE 2014-2024, necessidade de estudo que nos auxi-
liam a mensurar o impacto dessas parcerias no finan-
ciamento da educação básica brasileira e as alterações
advindas deste.
63
PÚBLICO X PRIVADO

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EM TEMPOS DE GOLPE

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71
PÚBLICO X PRIVADO

Estado da Arte da Relação


Público e Privado na
Educação Básica

Luiz Araújo

Introdução

Um dos debates mais antigos nas políticas públicas


educacionais é, sem sombra de dúvida, a participação
do setor privado no atendimento educacional. E um
dos aspectos mais relevantes desta polêmica é a desti-
nação (ou proibição) de recursos públicos para escolas
privadas.
Parto da concordância de que a destinação de cada
vez mais recursos públicos para o setor privado é uma
faceta da redefinição do papel do Estado. Este processo,
como sistematizado por Peroni (2010), acontece por
meio de um duplo movimento:

(...) a primeira é a alteração da propriedade, na


qual há a passagem do estatal para o público não-
-estatal ou privado; já na segunda, permanece a
propriedade estatal, mas passa a haver a lógica
de mercado, reorganizando os processos prin-
cipalmente de gestão, o que alguns autores têm

72
EM TEMPOS DE GOLPE

chamado de quasemercado (PERONI, 2010, p.


216).

A análise dos termos constitucionais e dos seus des-


dobramentos comprovam que os dois movimentos
não são excludentes, pelo contrário, existem de forma
combinada. E que o caráter privatista, que se tornou
hegemônico, é resultante do alargamento das funções
do ethos privado ainda que subvencionadas pelo poder
público.

Processa-se, nessa perspectiva, uma falsa publici-


zação do privado, que se apropria cada vez mais
do espaço público no que concerne ao carreamen-
to de recursos e à exploração de serviços, ao mes-
mo tempo em que aprofunda suas características
mercadológicas, alinhadas ao processo de moder-
nização e reforma do Estado, configurado como
sua minimização no tocante às políticas públicas
(DOURADO e BUENO, 2001, p. 54).

Durante o último processo constituinte este embate


apareceu de forma intensa. De um lado, os defensores da
destinação exclusiva de recursos públicos para a escola
pública e, de outro, os defensores de que a participação
privada não somente fosse permitida, mas que em de-
terminadas situações pudesse receber recursos públicos.
Nestes vinte e oito anos de vigência da Carta Magna,
vinte anos de aprovação da Lei de Diretrizes e Bases e ao
completar um ano de vigência do novo Plano Nacional
de Educação, faz-se necessário não somente atualizar o
balanço deste embate sobre a destinação do fundo pú-
blico, mas também anunciar os próximos terrenos em
que o debate será travado na década coberta pelo PNE.
73
PÚBLICO X PRIVADO

Interessa investigar, em primeiro lugar, se o número


de matrículas privadas é compatível com o previsto
na Constituição Federal. A Carta Magna estabeleceu,
no seu artigo 205, que a educação é um direito de to-
dos e dever do Estado, detalhando este princípio nos
demais artigos. Portanto, no seu primeiro artigo, o
constituinte ressaltou a obrigação estatal de prestação
do serviço educacional, mecanismo necessário para a
efetivação do direito.
No seu artigo 206 já começam a ficar expressas as
contradições oriundas dos embates ocorridos na elabo-
ração da Carta, motivados pelos interesses conflitantes
entre defensores da primazia da oferta pública versus se-
tores representativos das escolas privadas, sejam laicas
ou religiosas. No seu inciso I é realçado o princípio da
“igualdade de condições para o acesso e permanência
na escola”, o qual obrigou a existir o inciso IV, o qual
estabeleceu a “gratuidade do ensino público em estabe-
lecimentos oficiais”. Porém, no rol de princípios ficou
consignado o “pluralismo de ideias e de concepções pe-
dagógicas, e coexistência de instituições públicas e pri-
vadas de ensino”. Assim, se por um lado a primazia da
oferta estatal gratuita está bem clara, por outro, o pro-
cesso constituinte afastou o fantasma da estatização das
escolas particulares, garantindo sua existência, associada
na redação do inciso III a democrática pluralidade exis-
tente no país.
Cury (1992) identificou uma inovação importante
na Constituição de 1988. Afirma que a Carta estabele-
ceu dois gêneros de escolas (públicas e privadas) e, pela
primeira vez, subdividiu as escolas privadas em duas
espécies (lucrativas e não-lucrativas). As não-lucrativas
foram, por sua vez, subdivididas em confessionais, fi-
lantrópicas e comunitárias. Para o autor, até na década
74
EM TEMPOS DE GOLPE

anterior (anos 70) havia duas modalidades de discurso:


“aquele que repõe o argumento da família como célula-
-mater das relações societárias (daí o direito de escolha)
e aquele que põe o argumento da relação custo/benefí-
cio” (CURY, 1992, p. 35). A nova Carta representaria
uma vitória da segunda visão.
Em dois artigos a relação do Estado com o setor
privado educacional está presente. No primeiro deles
(artigo 209) são estabelecidos os condicionantes para a
coexistência: cumprimento das normas gerais da edu-
cação nacional e autorização e avaliação de qualidade
pelo poder público. Entretanto, no artigo 213 foi aber-
ta a exceção para que recursos públicos pudessem ser
direcionados a instituições privadas, ultrapassando os
limites do conceito de coexistência e abrindo uma po-
derosa brecha para o rompimento de fronteiras claras
entre público e privado.
A possibilidade de financiamento público para o setor
privado foi alargada na Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação Nacional (Lei nº 9394 de 1996). Concordo com
Vieira (2008) de que a redação desta lei e por demais
maleável e ambígua, permitindo que no decorrer de sua
vigência as instituições privadas fossem se adaptando a
suas regras com o intuito de se habilitar a receber recur-
sos públicos.
Mais recentemente, quando da regulamentação da
Emenda Constitucional nº 53 de 2006, que criou o
Fundeb, nova concessão ao setor privado foi institu-
cionada. No artigo 8º da Lei nº 11.494 de 2007 foi
garantida a contabilização dos alunos matriculados em
creche, pré-escola e educação especial em entidades co-
munitárias, confessionais e filantrópicas, desde que con-
veniadas com o Poder Público.
O texto original já sofreu seguidas alterações, todas
75
PÚBLICO X PRIVADO

direcionadas a ampliar prazos e escopo de cobertura. As-


sim, a formato atual é o seguinte:

1. Durante toda a vigência do Fundeb, ou seja,


até 2020, todas as matrículas da educação infantil
oferecida em creches para crianças de até 3 (três)
anos e também as matrículas na educação do cam-
po oferecida em instituições credenciadas que te-
nham como proposta pedagógica a formação por
alternância1.
2. As matrículas conveniadas na pré-escola, que
originalmente seriam remuneradas durante ape-
nas quatro anos (até 2011), continuará sendo fi-
nanciada até 31 de dezembro de 2016, momento
em que por força de dispositivo constitucional
(Emenda nº 59 de 2009) todas as crianças de qua-
tro e cinco anos deverão estar na escola2.
3. Também com validade até o final da vigência
do Fundeb, as matrículas de educação especial
(atendimento exclusivo) serão remuneradas.

As garantias que devem ser apresentadas pelas enti-


dades conveniadas estão circunscritas a lógica da LDB,
ou seja, basta que as instituições ofereçam “igualdade de
condições para o acesso e permanência na escola e aten-
dimento educacional gratuito a todos os seus alunos”,
comprovem “finalidade não lucrativa” e assegurem que
em caso de fechamento, seu patrimônio será destinado
a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional
com atuação em uma das etapas ou modalidades finan-
ciadas pela Lei.

1 Este formato é produto da aprovação da Lei nº 12.695, de 2012.


2 Redação dada pela Lei nº 12.837, de 2013.
76
EM TEMPOS DE GOLPE

A única novidade legal, inscrita no parágrafo quinto


do artigo 8º, onde é dito que “”eventuais diferenças do
valor anual por aluno entre as instituições públicas da
etapa e da modalidade referidas neste artigo e as institui-
ções a que se refere o § 1o  deste artigo serão aplicadas
na criação de infraestrutura da rede escolar pública” é
de difícil fiscalização e não há conhecimento de que as
prestações de contas comprovem tal procedimento para
os Tribunais de Contas ou para o respectivo legislativo.

Explorando os dados do
Censo Escolar de 20143

Utilizando os microdados do Censo Escolar da Edu-


cação Básica mais recente (2014) foi possível construir
um estado da arte da relação entre setor público e setor
privado. Para efeito de identificação das redes de ensino,
as matrículas foram separadas em pública e privada. A
rede pública foi subdividida em rede federal, estadual
e municipal. E para os da rede privada foi adotada a
seguinte classificação:

1. Escolas sem fins lucrativos (comunitárias, filan-


trópicas e confessionais) conveniadas com o poder
público estadual e/ou municipal;
2. Escolas sem fins lucrativos não conveniadas
com o poder público;
3. Escolas privadas cujo mantenedor é uma em-
presa, grupo empresarial ou pessoa física e que
possui fins lucrativos.

3 Registro agradecimento especial ao professor Thiago Alves


(FACE/UFG) pelo trabalho com os microdados. Sem esta valoro-
sa contribuição o presente trabalho não teria sido possível.
77
PÚBLICO X PRIVADO


Esta classificação é necessária devido ao disposto
no artigo 213 da Constituição Federal, que permite
destinação de recursos públicos para escolas sem fins
lucrativos, as quais são tipificadas em comunitárias,
filantrópicas, confessionais. Tal possibilidade está con-
dicionada a que as referidas escolas “comprovem fina-
lidade não lucrativa”.
A Educação Básica em 2014 registrou 49.696.119
alunos matriculados. Deste total, 18,3% são oferecidas
pelo setor privado.

Gráfico 01 - Brasil 2014: Percentual de Matrículas na


Educação Básica por Dependência Administrativa

Fonte: Elaborado a partir dos microdados do Censo Escolar 2014

O gráfico acima também apresenta uma primazia de


matrículas mantidas pela esfera municipal (46,5%), em
grande parte produto do intenso processo de municipali-
zação do ensino ocorrida na década de vigência do Fundef
e que não sofreu alteração nos oito anos de vigência do
Fundeb (Araújo, 2013). A participação federal é residual,
posto que a mesma mantinha em 2014 apenas 296.714
alunos (0,6% do total).
A percentual de participação privada se mostra relevan-

78
EM TEMPOS DE GOLPE

te e um olhar mais detido nos dados aponta para a exis-


tência de uma rede financiada com recursos públicos. O
gráfico 02 apresenta as matrículas privadas de acordo com
a classificação de suas instituições mantenedoras.

Gráfico 02 – Brasil 2014: Matrículas


Privadas na Educação Básica
6.537.298

1.217.267 1.329.829

Federal Estadual Municipal

Fonte: Elaborado a partir dos microdados do Censo Escolar 2014

Existe uma participação significativa de matrículas


mantidas por instituições que se declaram sem fins lu-
crativos, sendo que praticamente a metade delas decla-
ra possuir convênios com alguma esfera do Poder Pú-
blico, ou seja, a manutenção das mesmas é financiada
com recursos públicos. As entidades conveniadas com o
Poder Público representam 2,4% do total de matrículas
da Educação Básica e 13,4% do total de matrículas pri-
vadas.
A desigualdade territorial existente entre os muni-
cípios brasileiros (ver ARAUJO, 2013) indicaria que a
ausência da prestação direta pelo poder público deveria
acontecer nas cidades com menor potencial de provi-
mento dos referidos serviços. Contudo, a tabela 01 con-
traria esta expectativa. Analisando o comportamento
das matrículas nas capitais, as quais são responsáveis por
22,2% das matrículas da educação básica, a presença pri-

79
PÚBLICO X PRIVADO

vada se apresenta acima da média nacional e com forte


peso do subsídio público para entidades permitidas pela
brecha constitucional.

Tabela 01 – Brasil 2014: Matrículas privadas na Educação


Básica nas Capitais das Unidades Federadas

Município Total Privadas Privadas Empresas


Privadas Conveniadas Não Conveniadas

RECIFE 47,7 1,2 3,8 42,6

FORTALEZA 43,6 1,0 3,6 39,0

ARACAJU 41,3 1,6 7,0 32,8

SÃO LUIS 40,7 17,7 4,5 18,5

GOIÂNIA 39,9 6,0 6,8 27,1

MACEIÓ 38,8 0,6 4,0 34,1

NATAL 38,7 0,7 4,7 33,3

RIO DE JANEIRO 36,8 2,7 5,4 28,7

FLORIANÓPOLIS 36,3 8,9 3,9 23,5

PORTO ALEGRE 35,7 11,0 8,8 15,9

JOÃO PESSOA 34,8 1,9 1,3 31,6

BELO HORIZONTE 34,7 5,9 6,9 21,9

BRASÍLIA 31,0 2,6 5,6 22,8

SÃO PAULO 30,8 6,9 2,5 21,5

CURITIBA 30,7 3,0 11,8 15,8

SALVADOR 30,0 3,2 4,7 22,2

TERESINA 30,0 2,9 4,3 22,8

CUIABA 29,4 4,1 3,3 22,0

VITÓRIA 27,6 0,2 5,7 21,8

BELÉM 27,2 0,7 5,6 21,0

CAMPO GRANDE 22,7 3,0 3,5 16,1

PALMAS 20,3 0,5 5,8 14,0

MANAUS 18,1 1,0 4,1 13,0

BOA VISTA 17,8 2,2 1,4 14,1

MACAPÁ 16,4 1,9 3,9 10,6

PORTO VELHO 15,3 0,4 5,1 9,7

RIO BRANCO 12,5 2,0 2,0 8,6

Fonte: Elaborado a partir dos microdados do Censo Escolar 2014

80
EM TEMPOS DE GOLPE

Apenas cinco capitais (Rio Branco, Porto Velho, Ma-


capá, Boa Vista e Manaus) possuem participação privada
abaixo da média nacional. A situação mais grave foi en-
contrada em quatro capitais (Recife, Fortaleza, Aracaju
e São Luís) onde a participação privada ultrapassa a casa
dos 40%.
A presença do conveniamento de matrículas com en-
tidades comunitárias, filantrópicas e confessionais está
muito acima da média nas cidades de São Luís (17,7%),
Porto Alegre (11%), Florianópolis (8,9%), São Paulo
(6,9%) e Belo Horizonte (5,9%). Com exceção da pri-
meira cidade, as demais não se enquadram numa loca-
lização com perfil de baixa capacidade de arrecadação
ou de disponibilidade de recursos orçamentários. Pelo
contrário, é justamente nas capitais, com mais destaque
para cidades das regiões Sul e Sudeste, que encontramos
as melhores condições para a garantia da oferta dos ser-
viços educacionais, tornando os dados ainda mais preo-
cupantes.
Da mesma forma, temos capitais que a ausência de
prestação direta do serviço educacional abriu espaço para
participação privada empresarial também muito acima
da média nacional. Este é o caso de Recife (42,6%), For-
taleza (39%), Maceió (34,1%), Natal (33,3%), Aracaju
(32,8%) e João Pessoa (31,6%). Neste caso, todas as ca-
pitais acima de 30% se encontram no Nordeste, com
per capita de receita corrente menores do que as demais
capitais analisadas.
Mesmo que não conclusivos, os dados podem indicar
uma lógica vinculada a duas condutas: no primeiro caso,
havendo recursos, mas não suficientes, opta-se por con-
veniar com a iniciativa privada e, no segundo caso, na

81
PÚBLICO X PRIVADO

falta de recursos simplesmente a opção é a não prestação


dos serviços educacionais.
Sendo obrigatório, o ensino fundamental é a etapa
mais próxima do conceito previsto na Constituição, ou
seja, de que a oferta é pública, obrigatória para os pais e
para o Estado, mas permitida a existência de matrículas
privadas na lógica do direito de escolha.

Tabela 02 – Brasil, 2014: Distribuição das Matrículas


no Ensino Fundamental por Dependência Administra-
tiva e por Localização

Rede Pública Rede Privada


Etapas Localização
Federal Municipal Estadual Conveniada Não Empresas
Conveniadas

EF Urbano 0,1 16,5 63,0 1,3 2,8 16,3


Anos
Iniciais Rural 0,0 7,2 91,5 0,2 0,2 0,9

EF Urbano 0,1 48,1 35,8 1,1 2,5 12,3


Anos
Finais Rural 0,0 18,8 80,2 0,3 0,2 0,5

Fonte: Elaborado a partir dos microdados do Censo Escolar 2014

Em 2014, com a frequência quase que universalizada,


a presença pública é amplamente majoritária, coexistin-
do com setor privado comercial e registrando pouca pre-
sença de subsidio público via compra de vagas em ins-
tituições privadas. Inexiste um critério sociológico para
definir que segmento social utilizaria o direito de escolha
para não matricular seus filhos na rede pública. Caso o
corte fosse feito pelos mais 10% mais ricos, os dados
mostram que parte da classe média também estaria man-
tendo seus filhos em instituições privadas4.

4 Não há um consenso sobre como definir quem pertence à classe


média e seu tamanho. Nem mesmo os programas governamentais
82
EM TEMPOS DE GOLPE

De qualquer forma, como o Ensino Fundamental


é a etapa com maior cobertura escolar líquida, pode
ser utilizada como parâmetro de comparação com as
demais etapas. Quanto maior a distância entre o per-
centual de matriculas do setor privado da etapa versus
o encontrado no Ensino Fundamental, maior a dis-
torção e, por conseguinte, distância da efetivação do
princípio constitucional.
Note-se que a presença privada é maior na área ur-
bana, justamente onde a população possui maior ren-
da familiar e, portanto, maior capacidade de compra da
educação no mercado privado. Além disso, a utilização
do expediente de conveniamento nesta etapa de ensino
é pequena, variando de 0,2% (anos iniciais rural) até
1,3% (anos iniciais urbano).
O quadro do atendimento na Educação Infantil é
exemplar. A oferta privada em creche é muito superior
ao encontrado no Ensino Fundamental, chegando a
38,8% na área urbana e 6,9% na área rural. O expedien-
te de conveniamento é usado em 16,2% das matrículas
da etapa na área urbana e 5,1% na área rural.
Caso sejam separados os dados apenas das matrícu-
las em escolas privadas comerciais, ou seja, locais onde a
educação precisa da contrapartida financeira do cidadão
para ser acessada, os percentuais não estão tão distantes,
sendo que a distância entre creche e séries iniciais urba-
nas seria de 20,4% para 16,3%. Ou seja, a forte presença
privada é impulsionada pela oferta subsidiada de vagas

possuem uma definição única. Em 2012, a Secretaria de Assuntos


Estratégicos da Presidência da República produziu relatório sobre
o tema, buscando homogeneizar o tratamento do tema. Ver SAE,
2012.
83
PÚBLICO X PRIVADO

para os mais pobres, formato que permite ao Poder Pú-


blico expandir a oferta educacional com padrões inferio-
res de investimentos e, por conseguinte, de padrões de
oferta de insumos educacionais.

Tabela 03 – Brasil, 2014: Distribuição das Matrículas


na Educação Infantil por Dependência
Administrativa e por Localização

Etapas Localização Rede Pública Rede Privada

Federal Estadual Municipal Conveniada Não Empresas


Conveniadas

Creche Urbano 0,0 0,2 61,0 16,2 2,3 20,4

Rural - 0,5 92,6 5,1 0,2 1,7

Pré- Urbano 0,0 1,0 69,6 4,3 2,9 22,2


Escola
Rural - 1,3 96,1 1,2 0,3 1,2

Fonte: Elaborado a partir dos microdados do Censo Escolar 2014

Por outro lado, a oferta de pré-escola, etapa ainda


não universalizada, mas com cobertura superior a 80%
da faixa etária, apresenta indicadores mais próximos
do registrado no Ensino Fundamental, indicando que
mais do que direito de escolha por matrículas priva-
das, o fenômeno de alta taxa percentual de matrículas
privadas melhor pode ser explicado pela ausência total
(inexistência de oferta pública) ou parcial (oferta sub-
sidiada de vagas privadas) de prestação de serviço por
parte do Estado. Assim, mesmo crescendo um pouco a
presença comercial (22% na área urbana), a utilização
de conveniamento cai para 4,3% na área urbana e ape-
nas 1,2% na área rural.
Os dados do Ensino Médio mostram que o fenômeno
é mais grave nas demais etapas. A participação do setor

84
EM TEMPOS DE GOLPE

privado era menor do que a encontrada no Ensino Fun-


damental (13,3% na área urbana e no total), sendo o
conveniamento muito pequeno (0,9% na área urbana e
2,3% na área rural).
Selecionando três modalidades que possuem quan-
titativo de matrículas mais significativo (Educação de
Jovens e Adultos, Educação Profissional e Educação
Especial), também se identifica forte presença de oferta
privada, sendo mais grave a presença nas duas últimas.

Tabela 04 – Brasil, 2014: Distribuição das Matrículas


na Educação de Jovens e Adultos, Educação Profissional
e Educação Especial por Dependência Administrativa e
por Localização

Rede Pública Rede Privada


Modalidades Localização
Federal Estadual Municipal Conveniada Não Empresas
Conveniadas

EJA Urbano 0,3 56,5 38,1 0,3 1,9 2,8

Rural 0,5 13,7 85,5 0,2 0,0 0,0

Ed. Urbano 7,3 22,6 1,4 4,3 18,1 46,4


Profissional
Rural 42,5 46,9 1,6 3,6 1,7 3,6

Ed. Especial Urbano 0,4 9,8 17,2 69,8 1,0 1,9

Rural - 6,9 25,1 68,0 - -

Fonte: Elaborado a partir dos microdados do Censo Escolar 2014

A presença privada na Educação de Jovens e Adultos é


a mais baixa de todas as etapas e modalidades analisadas,
estando em 5% no total. Na área rural é primazia muni-
cipal e na área urbana há uma divisão de responsabilida-
des com predominância estadual.
A Educação Profissional é a única modalidade em que
o setor privado comercial é majoritário, ou seja, onde
o Estado não é o principal prestador do serviço educa-

85
PÚBLICO X PRIVADO

cional (46,4% nas matrículas urbanas). Merece destaque


para forte presença (18,1% na área urbana) de matrí-
culas em instituições privadas não conveniadas (e não
lucrativas).
Na Educação Especial, em que pese os esforços inclu-
sivos realizados na última década, a presença do atendi-
mento subvencionado pelo Poder Público é majoritária
(69,8% na área urbana e 68% na área rural).
As duas modalidades acima analisadas confirmam a
dinâmica de que, omisso o Poder público no cumpri-
mento da tarefa de prestação direta do serviço educacio-
nal, o espaço é ocupado por um dos formatos permitidos
pela Constituição.
Na área urbana, onde reside os ricos e a classe média,
o setor privado comercial se estabelece e consegue abar-
car parte relevante das matrículas. Onde a renda familiar
não permite sustentabilidade para este formato de em-
preendimento entra em cena a figura do subsídio pú-
blico na forma de conveniamento com instituições não
lucrativas, conforme brecha prevista no artigo 213 da
Carta Magna.
Além de identificar uma presença privada que vai além
de parâmetros associados ao direito de escolha dos ricos e
parte da classe média, é necessário verificar também se há
estabilidade neste quadro ou qual a tendência presente
nas últimas décadas.
Um recorte escolhido foi analisar a situação da oferta
privada ao final dos últimos cinco mandatos presiden-
ciais. Tal escolha se deve por representar o longo período
recente de estabilidade política institucional.

86
EM TEMPOS DE GOLPE

Tabela 05 – Participação percentual da oferta privada


na educação no final de mandatos presidenciais (2002
a 2014)

Creche Pré-escola Anos Anos Ensino Educação


Iniciais Finais Médio Profissional

FHC 1 32,3% 24% 8% 11% 18% -

FHC 2 37,8% 26% 9% 10% 13% 51%

LULA 1 35,7% 26% 10% 10% 12% 55%

LULA 2 34,4% 24% 13% 12% 12% 56%

DILMA 1 36,3% 25% 17% 15% 14% 65%

Fonte: INEP/Sinopses Estatísticas da Educação Básica 2002 a 2014.

A presença privada nas matrículas de creche alcan-


çou o seu maior patamar no final do segundo manda-
to de Fernando Henrique Cardoso (2006), chegando a
37,8%, mas o comportamento durante dois mandatos
de Lula e o primeiro mandato de Dilma não representa-
ram mudanças substanciais, caindo apenas para 36,3%,
taxa muito acima dos 18% de média da Educação Básica
e acima do registrado no final do primeiro mandato de
FHC. Uma das explicações possíveis seria a baixa cober-
tura escolar, o que valorizaria em demasia a matrícula
da classe média nas escolas. Os dados de 2013 mostram
que tínhamos 23,2% de cobertura entre zero e três anos.
Porém, o forte subsídio das redes municipais ao setor
privado pode ser arrolado como uma explicação adicio-
nal (ou mesmo agravante).
A matrícula privada na pré-escola se manteve estável
e em patamar elevado durante todo período analisado.
É um comportamento não esperado, pois era razoável
supor que quanto mais próxima da universalização (e a
consequente incorporação dos segmentos mais pobres
na escolarização) menor seria a presença privada. A co-
87
PÚBLICO X PRIVADO

bertura escolar nesta etapa chegou a 81,4% em 2013


(dado mais recente disponível), mas isto não afetou po-
sitivamente a redução da presença privada.
Uma das surpresas que a tabela nos apresenta é o cres-
cimento da matrícula privada no Ensino Fundamental.
No último ano de FHC o percentual privado nos anos
iniciais estava em 8% e no último ano do primeiro man-
dato de Dilma chegou a 17%, ou seja, mais que dobrou
no período estudado. Nos anos finais o crescimento foi
mais tímido, passando de 11% para 15%. No caso do
Ensino Fundamental, com 98,4% de cobertura e com
matrículas declinantes, o crescimento privado merece
uma investigação específica, o que infelizmente não será
possível realizar neste artigo.
Somente o Ensino Médio teve resultados esperados.
Em 2002 o patamar de presença privada era de 18% e
teve sucessivas quedas no decorrer do segundo mandato
de FHC e nos dois de Lula, voltando a ter um cresci-
mento no primeiro mandato de Dilma (14%), mas ain-
da abaixo da série aqui analisada.
As matrículas privadas no ensino profissional repre-
sentavam 51% da oferta no final do segundo mandato
de FHC, período marcado por congelamento no cres-
cimento da rede federal, comportamento que ajuda a
explicar o fraco desempenho do segmento público. En-
tretanto, em que pese as reformas realizadas na legisla-
ção da área durante os mandatos de Lula e a volta do
crescimento da rede federal, a participação privada deu
um salto considerável no período entre 2006 e 2014,
alcançando 65% das matrículas. Neste caso, pelo menos
no que tange o segundo mandato de Dilma, período em
que a presença privada cresceu 9%, a explicação pode

88
EM TEMPOS DE GOLPE

estar diretamente relacionada com a implementação do


Pronatec.
Em 2011 foi aprovada a Lei nº 12.513, que institui o
Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Em-
prego (Pronatec). Mesmo que nas suas ações (artigo 4º)
conste a “ampliação de vagas e expansão da rede federal
de educação profissional e tecnológica” e o “fomento à
ampliação de vagas e à expansão das redes estaduais de
educação profissional”, toda a sua lógica tem sido dire-
cionada ao “incentivo à ampliação de vagas e à expansão
da rede física de atendimento dos serviços nacionais de
aprendizagem” e demais setores privados, inclusive lu-
crativos, indo além do escopo permitido pelo artigo 213
da Constituição Federal.

Próximas batalhas

A aprovação da Lei nº 13005, em 24 de junho de


2014, abriu novos terrenos para o embate entre público
e privado na educação. Planejando o desenvolvimento
educacional para a próxima década, o Plano Nacional de
Educação é, antes de tudo, uma escolha de direção feita
pelo país.
O teor do novo PNE circunscreve os contornos da
polêmica entre público e privado. A primeira caracterís-
tica é a clarificação da batalha pelos recursos do fundo
público, mantendo no âmbito do setor privado o duplo
movimento identificado por Vera Peroni.
De um lado, as instituições privadas lucrativas, que
disputam a continuidade e aprofundamento de progra-
mas governamentais que viabilizam subsidio aos alunos
(FIES é o melhor exemplo), isenções fiscais (PROUNI)

89
PÚBLICO X PRIVADO

ou repasse via concessão de bolsas de estudos (PRONA-


TEC). Não somente defendem a ampliação do volume
de recursos nestes programas, como tentam ampliar as
áreas educacionais contempladas, de olho no ensino à
distância e na pós-graduação.
De outro lado, ocorre uma pressão para que a amplia-
ção de matrículas na educação básica, prevista em várias
metas do PNE, por se tratar de ampliação para extratos
sociais que não possuem condições de comprar a educa-
ção no seu formato mercadológico, possa ser realizada
via aumento de subsídios públicos. As dificuldades de
expansão da oferta em creche é a mais simbólica des-
ta disputa. Crescem as experiências de parceria públi-
co-privado, de entrega de unidades educacionais para o
terceiro setor ou o conveniamento direto com entidades
cobertas pelo artigo 213.
A introdução do parágrafo 4º do artigo 5º foi a maior
vitória deste duplo movimento. Depois de perder a ba-
talha sobre qual percentual do PIB deveria ser inscrito
no Plano, o governo federal conseguiu inserir dispositivo
que permite contabilizar todas as formas de subsídio do
Poder Público para o setor privado, inclusive itens que
não são cobertos pela exceção do artigo 213 da Consti-
tuição, causando dúvidas fundadas sobre a constitucio-
nalidade do texto aprovado.
A segunda característica, muito articulada com a pri-
meira, é um conjunto contraditório de sinalizações que
a lei oferece sobre este embate. Duas metas são sintomá-
ticas deste caráter hibrido presente no Plano. Na Meta
11, que trata da ampliação da oferta de ensino profissio-
nal, a pressão dos setores publicistas conseguiu inscrever
que 50% das novas matrículas sejam públicas. Porém,

90
EM TEMPOS DE GOLPE

se na Meta a indicação é de parcial reversão do quadro


desfavorável de oferta educacional pública nesta moda-
lidade, nas estratégias foi tornada política de Estado o
incentivo à geração de vagas pelo setor privado, com
destaque para o Sistema S e ampliação do FIES para o
ensino profissional. Da mesma fora, foi possível garantir
que 40% das novas vagas a serem criadas durante a dé-
cada no ensino superior devam ser públicas (Meta 12),
mas não foi possível barrar a permanência da lógica de
incentivo ao crescimento da dotação orçamentária para
PROUNI e FIES.

Conclusões

Aproveitando as brechas abertas com a redação da


Constituição Federal de 1988, o setor privado aprofun-
dou sua presença na prestação de serviço na educação bá-
sica. Os dados censitários mostram que é forte a presença
do setor, com destaque para uma parcela de instituições
que sobrevivem às custas de repasse de recursos públicos
para a manutenção das vagas por elas oferecidas.
Ao contrário do que era esperado, é nas capitais que
encontramos as situações que mais contrariam a con-
quista da educação enquanto direito de todos e dever
do Estado. Sendo os municípios com maior potencial
de arrecadação e contabilizando 22% das matrículas da
educação básica, foi nestes territórios que foi encontrado
38,1% de todas as matrículas conveniadas com o Po-
der Público. Em algumas cidades, a participação privada
chega perto da metade das vagas ofertadas.
A situação é mais precária na oferta de creche, mas
no ensino profissional tem crescido a participação priva-

91
PÚBLICO X PRIVADO

da no decorrer dos últimos cinco governos. A dinâmica,


guardadas algumas diferenças, tem se mantido, ou seja,
mesmo com uma leve retomada da oferta pública, o se-
tor privado vem ocupando progressivamente mais espa-
ço na oferta da educação básica em nosso país.
A consolidação de programas federais (seguidos por
congêneres estaduais e municipais) e mudanças na le-
gislação são fortes sinalizações de que parcelas maiores
da oferta educacional poderão ser ocupados pelo setor
privado na próxima década. Neste sentido, as sinaliza-
ções do novo PNE são, no mínimo, contraditórias. Se é
possível encontrar salvaguardas para a oferta pública e no
seu todo está presente a lógica da ampliação do direito à
educação básica, por outro lado, é nítida a presença da
lógica de parceria com o setor privado na prestação dos
serviços e na busca de aumento da oferta, caracterizan-
do uma dissolução das fronteiras entre os dois conceitos,
fenômeno que as pesquisas na área de financiamento já
vinham detectando desde a metade da década de 90 (ver
Dourado e Bueno, 2001; Vieira, 2008 e Peroni, 2010).
Sem que haja mudanças bruscas de sinalizações e
ações, a próxima década poderá consolidar um novo
modelo, muito mais compartilhado, de prestação de ser-
viço, tornando ainda mais frágil a principal conquista
constitucional, ou seja, relativizando o conceito de edu-
cação como direito.

Referências

ARAUJO, L. Limites e possibilidades da redução das


desigualdades territoriais por meio do financiamento da
educação básica. 416f. Tese (Doutorado em Educação).

92
EM TEMPOS DE GOLPE

Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo,


2013.
BRASIL. Constituição Federal. Diário Oficial da Repú-
blica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. p.
01 (Anexo).
______. Constituição (1988). Emenda Constitucional
nº 53, de 19 de dezembro de 2006. Dá nova redação aos
arts. 7º, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição
Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucio-
nais Transitórias. Diário Oficial da União, Brasília, 20
dez. 2006.
______. Lei n. 11.494, de 20 de junho de 2007. Regu-
lamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação – Fundeb. Diário Oficial da União, Brasília,
DF, 21 jun. 2007.
_______. Constituição (1988). Emenda Constitucional
nº 59, de 11 de novembro de 2009. Diário Oficial da
União, Brasília, 12 nov. 2009.
______. Lei nº 12.513, de 26 de outubro de 2011. Ins-
titui o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico
e Emprego (Pronatec). Disponível em: http://migre.me/
qunKb. Acesso em 15 de janeiro de 2015.
______. Lei nº 12.695, de 25 de julho de 2012. Altera
a Lei no 11.494, de 20 de junho de 2007, para con-
templar com recursos do Fundeb as instituições comu-
nitárias que atuam na educação do campo. Disponível
em: http://migre.me/qvEpB. Acesso em 25 de junho de
2015.
______. Lei nº 12.837, de 9 de julho de 2013. Dispõe
sobre o cômputo no Fundo de Manutenção e Desenvol-
vimento da Educação Básica e de Valorização dos Pro-

93
PÚBLICO X PRIVADO

fissionais da Educação - Fundeb das matrículas em pré-


-escolas conveniadas com o poder público. Disponível
em: http://migre.me/qvEAM. Acesso em 25 de junho
de 2015.
______. Lei nº 13.005, de 25 junho de 2014. Aprova
o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras pro-
vidências. Disponível em: wwww.planalto.gov.br/legisla-
ção. Acesso em 10 de janeiro de 2015.
CURY, Carlos. O público e o privado na educação brasi-
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pública. Brasília, 2012.
VIEIRA, S. O público e o privado na educação: cená-
rios pós LDB. In: BRZEZINSKI (org). LDB dez anos

94
EM TEMPOS DE GOLPE

depois: reinterpretação sob diversos olhares. São Paulo:


Cortez, 2008.

(Footnotes)

1 A Sinopse Estatística da Educação Básica de 2002 não


coletou a informação sobre ensino profissional. Consul-
tado o INEP, obtivemos a resposta que o dado inexiste
também nos microdados daquele ano.

95
PÚBLICO X PRIVADO

As creches conveniadas em São


Paulo – Quais os reais motivos
dessa opção política

Ana Paula Santiago do Nascimento1


Cleber Nelson de Oliveira Silva2

Introdução

A trajetória da história da educação infantil no Bra-
sil ao longo da consolidação de nosso país em um Es-
tado Nacional, se funde ao percurso percorrido pelos
grupos organizados na busca pela garantia de direitos
sociais, tais como o movimento de mães trabalhadoras,
datados da década de 1930 com o início do proces-
so de industrialização dos grandes centros urbanos do
país, assim como os grupos de mulheres feministas e o
“Criança Pró-Constituinte” vistos durante os anos de
1980 e 1990 (ROSEMBERG, 2003).
Antes de assistirmos a consolidação do direito sub-

1 Doutoranda na Faculdade de Educação da USP. Coordenadora


Pedagógica da Rede Municipal de Ensino de São Paulo. E-mail:
anpaula@usp.br
2 Mestrando na Faculdade de Educação da USP. Diretor de Es-
cola da Rede Municipal de Ensino de São Paulo. E-mail: cleber.
nelson.silva@usp.br
96
EM TEMPOS DE GOLPE

jetivo à educação3 garantido pela Constituição Federal


de 1988 (CF/88) e, posteriormente, regulamentado
pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de
1996 (LDB/96), o Estado Brasileiro4 enquanto agente
fomentador de políticas públicas efetivadoras da inser-
ção social de todos os brasileiros delegava a entidades
de cunho filantrópico a educação e os cuidados para
com as crianças pequenas, valendo-se da prerrogati-
va de compensar carências e limitações inerentes aos
filhos legados das famílias mais pobres. Esta ausência
estatal na educação das crianças pequenas, considerada
hoje uma política pública fundamental para efetivação
de uma educação pautada em princípios qualitativos,
marcou substancialmente o modo como os governos
que se sucederam no comando do país trataram e con-
tinuam a tratar a educação infantil no que tange sua
efetivação enquanto etapa inicial da educação básica.
Partindo do princípio constitucional, regulamenta-
do pela LDB/96, de que a educação infantil tem como
objetivo educar e cuidar das crianças com idade entre 0
a 5 anos, em um ambiente que seja diferente do escolar
– enquanto lócus privilegiado do processo de alfabe-
tização –, do familiar, do hospitalar e que contemple
as necessidades básicas características desta faixa etária,
com flexibilidade de horários, currículo diferenciado
e organização espacial específica, a educação infantil
deveria ter sido desde então encarada pelos entes fe-

3 Entenda-se direito subjetivo a educação, àquele que vem con-


templar desde a criança pequena, público-alvo da educação infan-
til, aos jovens e adultos que não tiveram acesso à educação básica
na idade correta.
4 Queremos remeter o termo “Estado Brasileiro”, ao conjunto
do pacto federativo, ou seja, a figura da União, dos Estados, dos
Municípios e do Distrito Federal.
97
PÚBLICO X PRIVADO

derados como etapa preponderante na construção de


um sistema de ensino cujo objetivo final fosse oferecer
aos brasileiros uma educação de qualidade. Todavia,
as marcas da omissão do Estado Brasileiro, já citadas
anteriormente, para com esta etapa da educação bá-
sica, se fez presente até o início do século XXI, onde
somente no ano de 2007 a educação infantil passou a
ter financiamento federal vinculado diretamente a um
fundo de natureza contábil, o Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização
dos Profissionais da Educação (Fundeb), criado pela
Emenda Constitucional nº 53/2006.
Antes da criação do Fundeb, a educação nacional já
havia contado com vinculação5 de recursos previstos na
constituição de 1934, sendo “suprimido pelas ditadu-
ras (1937 e 1967) que tivemos ao longo do século e foi
restabelecido durante os períodos democráticos” (OLI-
VEIRA 2001, p. 98). Em 1997 o governo neoliberal
de Fernando Henrique Cardoso (FHC) cria o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Funda-
mental e de Valorização do Magistério (Fundef ), em
cumprimento a CF/88, todavia, assim como as demais
vinculações de alíquotas observadas em outras consti-
tuições, a educação infantil, assim como o ensino mé-
dio, e as modalidades da educação especial e educação
de jovens e adultos (EJA), tornaram-se o “gargalo” da
educação brasileira, por ficarem de fora de tal fundo.
Ao priorizar o ensino fundamental (EF), FHC esti-
mula prefeitos e governadores a atentarem-se somente

5 Vinculação é a destinação de parte dos impostos arrecadados


pelos entes federados a determinada área de uma política pública;
no caso específico se refere a vinculação constitucional destinada a
manutenção e desenvolvimento do ensino.
98
EM TEMPOS DE GOLPE

a esta etapa da educação, “justificada” pela quantia de


recursos recebidos do governo federal relativo ao nú-
mero de matrículas no EF (CHOI, 2004), o que fez
com que o país elevasse substancialmente o número de
crianças matriculadas da 1ª à 8ª séries, com critérios
de qualidade – ou nenhum critério – suscetíveis a to-
das as formas de questionamentos, mas que suprimisse
ainda mais o compromisso estatal para com as crianças
pequenas.
No município de São Paulo, objeto de análise deste
artigo, a trajetória da educação infantil não se difere
da direção destinada pelo país a esta etapa da educa-
ção básica. Franco (2009) traça de forma clara a linha
histórica da educação de crianças pequenas na cidade,
nos mostrando que as primeiras instituições de aco-
lhimento e instrução de crianças pequenas se deram
por iniciativa privada ainda no início do século XX.
A criação da primeira creche na cidade de São Paulo,
que se dá em 1913, é dedicada a professora Anália
Franco, que conjuntamente com um grupo de senho-
ras da sociedade paulista, através da “sociedade desti-
nada ao amparo da mulher e da criança” (FRANCO,
2009, p. 30) fundam a creche Baronesa de Limeira,
que destinava seu atendimento aos filhos das empre-
gadas domésticas e das operárias que trabalhavam
para a então burguesia paulistana, que se configurava
pelos barões do café e pelos primeiros industriais que
se instalavam na capital do estado.
Esta primeira iniciativa de caráter privado se es-
tendeu pelas mãos dos novos barões de São Paulo, os
donos de fábricas, que para contrair mão de obra fe-
minina, construíam creches. Desta forma fica clara a
origem do atendimento ofertado as crianças pequenas
da cidade, que se estenderia por todo século XX, per-
99
PÚBLICO X PRIVADO

durando até os dias atuais, ou seja, o caráter privado


dado à educação infantil para crianças de 0 a 3 anos,
reafirmando a omissão do Estado Brasileiro para com
esta etapa da educação.
Para ilustrar ainda mais este cenário na cidade de São
Paulo, Franco (2009) nos mostra que é somente na dé-
cada de 1950, com o início da até hoje predominante
política de conveniamento de entidades, que o muni-
cípio mostra-se representar na tomada, ao menos da
organização do atendimento de crianças de 0 a 3 anos
de idade, através da firmação dos primeiros convênios
com entidades beneficentes. Até então os primeiros re-
gistros de ações, cujo objetivo era uma tentativa de or-
ganização por parte da municipalidade para educação
na cidade, datavam de 1930, com a publicação do Ato
nº 767/1935 onde

criou-se o Serviço Municipal de Jogos e Recreio


cujo objetivo era atender crianças de 3 a 12 anos
de idade. Ainda em 1935, Mario de Andrade
organiza o Departamento de Cultura e com ele
nascem os primeiros Parques Infantis (PIs), espa-
ço destinado aos cuidados com a saúde, educação
e alimentação de “pré-escolares” e de “escolares”
no contra turno das aulas regulares. (SILVA,
2015, p. 05)

Todavia esta política era destinada às crianças com


mais de 3 anos de idade, deixando fora os bebês de 0 à
2 anos e 11 meses, público prioritário das creches.
A política de conveniamento de entidades de caráter
privado/filantrópico na cidade de São Paulo continua
perdurando exclusivamente até o ano de 1969, onde
segundo Franco (2009) se registra a primeira ocorrên-
100
EM TEMPOS DE GOLPE

cia de uma creche direta6 no município, decorrente de


um desentendimento entre a Secretaria de Bem-Estar
Social, responsável pela organização dos convênios, e
uma entidade mantenedora de uma creche. Desta for-
ma, a cidade passa a ter a seguinte configuração em
sua organização no serviço de atendimento à primeira
infância que se mantém até os dias atuais:

Centros de Educação Infantil da Rede Pública


Direta (CEI direto): são as instituições próprias
da rede. Nessas unidades os docentes, a gestão
e a equipe de apoio (inspetoria e secretaria) são
funcionários da rede municipal concursados e
efetivos (com alguns casos excepcionais de fun-
cionários contratados por tempo determinado);
Centros de Educação Infantil/Creches Particula-
res Conveniadas: são instituições que estão sob
responsabilidade das instituições conveniadas e
funcionam em prédios da própria entidade, a ela
cedido ou locado pela própria entidade e que re-
cebe recursos financeiros da SME para custear as
despesas com as instalações;
Creches particulares: escolas de educação infan-
til de gerenciamento privado. Essas escolas não
recebem nenhum tipo de recurso financeiro da
prefeitura.

Surgindo mais tarde também a figura dos Cen-


tros de Educação Infantil Indiretos:

6 Entenda-se creche direta, aquela onde o município assume todas


as responsabilidades por seu funcionamento, desde a contratação
de pessoal e gestão da unidade, até o fornecimento de insumos,
merenda e manutenção do equipamento.
101
PÚBLICO X PRIVADO

Centros de Educação Infantil da Rede Pública


Indireta (CEI indireto): são as instituições que
funcionam em prédios públicos ou locados pela
SME com o gerenciamento por entidades priva-
das. Essas entidades recebem recursos financeiros
da Secretaria para oferecer o “serviço”. Nessas
instituições tanto a gestão como os docentes e
equipe de apoio são funcionários da entidade
conveniada.

Desta forma, diante de uma nova organização do


atendimento de crianças de 0 a 3 anos de idade na ci-
dade de São Paulo, podemos concordar com a cons-
tatação que Silva (2015) nos apresenta através dos
números de matrículas, ou seja, um vigoroso aumen-
to da oferta de vagas, todavia, ainda muito aquém da
demanda apresentada no município. Até então as cre-
ches, já nomeadas Centros de Educação Infantil (CEI),
ainda estavam sob a responsabilidade da Secretaria de
Bem-Estar Social, que conduzia a construção de CEIs
diretos e a ampliação e gerenciamento dos convênios
com entidades privadas, cenário este que se alterou no
ano de 2003, quando a então prefeita Marta Suplicy,
passou a responsabilidade de todos os CEIs diretos, in-
diretos e convênios para a SME.
Com a transposição das creches para a SME, espe-
rava-se que a política de conveniamento de entidades
para a criação de novas vagas fosse diminuindo e que
proporcionalmente a rede direta fosse ampliada, em es-
pecial por conta do processo de formação docente que
se deu na ocasião da transposição destes equipamentos
para educação, que passou a exigir dos profissionais
que atuavam no atendimento direto às crianças a for-
102
EM TEMPOS DE GOLPE

mação mínima no magistério em nível médio, e com


o enquadramento destes como docentes na carreira do
magistério municipal.
Todavia, como poderá ser observado mais a frente,
esta política não se alterou, nos fazendo concordar com
o que nos diz Cruz (2006), ou seja, no Brasil os indí-
cios de que a persistência da ideia de que quanto menos
idade tem uma criança, menor é a energia empenhada
pelos governantes na consolidação de um atendimento
educacional de qualidade, assim como esta preocupa-
ção é igualmente despendida quando o assunto é a for-
mação docente e o prestígio do profissional que atuará
com estas crianças.

A oferta de vagas nas creches na rede


do município de São Paulo

O município de São Paulo incorporou a rede de cre-


ches na educação municipal no início dos anos 2000
e vem desde de então expandido o atendimento. Atu-
almente o município atende mais de 240 mil crianças
em turno integral – 10 horas diárias – em instituições
diretas ou convênios. Para esse atendimento na rede
direta e indireta a prefeitura conta com mais de 18 mil
docentes com exigência de formação pelo menos em
nível médio. Segundo o Censo Escolar o número de do-
centes na rede direta e nos convênios são praticamente
o mesmo – 9 mil em cada – mesmo sendo o número
de matrículas na rede conveniada bem superior a rede
direta. Esses valores são explicados pelo fato dos docen-
tes da rede direta trabalharem 5 (cinco) horas diárias
com as crianças e os profissionais da rede conveniada
trabalhar 8 horas diárias com as crianças, necessitan-
do dessa forma de um número menor de docentes por
103
PÚBLICO X PRIVADO

crianças. Vale destacar que a proporção adulto/criança


na rede municipal – tanto direta como convênios – é
regulamentada pela Portaria nº 6.572/14, artigo 13 no
qual regulamenta:

Quadro 01 - Número de Crianças por Professor em


Cada Agrupamento – Jan/2015
Número de Crianças por
Professor

Berçário I 7
CEIs
Berçário II 9

Mini Grupo I 12

Mini Grupo II 25

Fonte: Construído pelos autores com dados da Portaria nº 6.572/14 artigo 13.

Cada agrupamento atende uma faixa etária das crianças


em idade de creche, sendo: Berçário I crianças de 0 a 10
meses de idade; Berçário II crianças de 11 meses a 1 ano
e 10 meses de idade; Mini-Grupo I atendendo as crian-
ças de 1 ano e 11 meses a 2 anos e 10 meses de idade; e
Mini-Grupo II crianças de 2 anos e 11 meses a 3 anos e
10 meses.
O município contava em junho de 2015 com o aten-
dimento das crianças em creches distribuídas em 1.766
instituições. Essas instituições estavam divididas em 361
CEIs Diretos e 1 CEMEI7, 360 CEIs Indiretos e 1.044
CEIs Conveniados, essas unidades juntas atendiam
242.427 crianças de 0 a 3 anos de idade, sendo que essas
crianças estavam divididas nos quatro agrupamentos da
seguinte forma:

7 O CEMEI é um Centro Municipal de Educação Infantil que


atende as crianças de 0 a 5 anos de idade. Essa é uma proposta
recente na rede municipal para melhor integração das duas etapas
da educação infantil.
104
EM TEMPOS DE GOLPE

Tabela 01 - Dados de Matrículas por Agrupamento na Rede


Municipal de São Paulo – creches diretas, indiretas
e convênios em Junho de 2015
Agrupamento que pertence Número de Alunos

Berçário I 24.976

Berçário II 51.598

Mini-Grupo I 75.899

Mini-Grupo II 89.954

Total de crianças em Creches 242.427

Fonte: Construído pelos autores com base nos dados da SME disponibilizados
no site: www.portal.sme.prefeitura.sp.gov.br. Acesso em: 10/07/2015 e Portaria nº
6.572/14 artigo 12.

Tanto as instituições diretas como as conveniadas aten-
dem todos os agrupamentos descritos acima. Não se pode
afirmar que as instituições atendem de forma equitativa
todos os agrupamentos, esta questão necessitaria de um
estudo mais detalhado para se definir se existe alguma di-
visão entre as instituições – diretas ou indiretas – e os
agrupamentos da rede.
Analisando os dados de matrículas em uma série histó-
rica – 2007 a 2014 – pode-se observar o comportamento
das redes nesse período e verificar se o atendimento está
se expandindo e de que forma essa expansão se configura
na cidade.
O gráfico 01 demonstra as matrículas nas redes: muni-
cipal (CEIs diretos), Convênios (CEIs Indiretos e Creches
Conveniadas) e rede privada sem convênio. O gráfico traz
ainda uma linha com os totais das redes municipal e convê-
nios juntas e da rede privada com as escolas com e sem con-
vênios. Esse gráfico permite algumas análises sobre o com-
portamento da rede e a política adotada para sua expansão.

105
PÚBLICO X PRIVADO

Gráfico 01 - Matrículas nas Creches do Município


de São Paulo (2007 – 2014)

300000

250000

200000 Municipal
Convênios
150000 Municipal + Convênios
Particular (sem convênio)
Privada
100000
Total (Municipal + Privadas)

50000

0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Fonte: Construído pelos autores com dados dos Microdados do Censo Escolar
dos anos de 2007 a 2014.

Com a análise dos dados disposto no gráfico 01 pode-


-se afirmar que a cidade de São Paulo adotou a política
de oferta de educação infantil na etapa creche através de
convênios com instituições privadas já a algum tempo.
Enquanto as matrículas na rede própria passou de
33.770 em 2007 para 57.367 em 2014 – um aumento
de 69,9% - a rede conveniada passou no mesmo período
de 50.035 atendimentos para 163.777 – um aumento de
mais de 227,3%. A rede se expandiu, somando as matrí-
culas na rede direta e indireta e convênios, em 163,9% de
2007 a 2014.
Vale destacar que a política de convênios é vista como
uma opção transitória na qual se deslumbraria o seu fim
a medida que a rede fosse se reorganizando e construindo
as suas próprias unidades escolares. No caso do município
essa situação está posta como permanente se agravando
quando pensamos na política de expansão dos CEIs Indi-
retos onde a proprietária do prédio é a própria prefeitura,
eliminando assim o argumento de falta de espaços físicos

106
EM TEMPOS DE GOLPE

para a implementação da unidade educacional.


Partindo dessa reflexão inicial sobre as causas que leva-
ram os governos paulistanos a optarem pelo atendimento
conveniado, levanta-se a hipótese do custo desse aten-
dimento para os cofres públicos, além da agilidade que
esse tipo de política traz, visto que o atual governo de
Fernando Haddad (Partido dos Trabalhadores) – gestão
2013-2016 – prometeu em sua campanha eleitoral e co-
locou como meta de governo zerar o número de crianças
na lista de demanda da SME. Na época esse número era
de cerca de 150 mil inscritos, atualmente (junho/2015)
essa lista conta com 124.741 crianças8, o que nos leva a
acreditar que essa meta não será cumprida dentro de seu
atual mandato.

Mas afinal, quanto custa o atendimento


conveniado em comparação ao atendimento direto?

Para contribuir com a discussão posta decidiu-se nesse


artigo realizar um exercício com os valores de investimen-
tos da prefeitura de São Paulo ao oferecer o atendimento
as crianças de 0 a 3 anos de idade em instituições diretas
e indiretas. Para esse exercício pensou-se em levantar o
custo de uma escola direta da rede a fim de compará-lo
com os repasses destinados a um convênio que atendes-
se o mesmo número de crianças. Desta forma, teríamos,
mesmo que inicialmente, uma ideia de custo de ambas as
“opções” de atendimento público.
Para essa análise levantou-se o custo dos salários brutos
pagos aos funcionários – docentes e não docentes – da

8 Dado retirado do site: http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/


Main/Noticia/Visualizar/PortalSMESP/Demanda-2015. Acesso
em 10/07/2015.
107
PÚBLICO X PRIVADO

unidade educacional através da folha de pagamento tendo


como mês de referência o de outubro9 de 2014. Esse valor
foi multiplicado por 13,3 referindo-se aos doze meses do
ano mais o décimo terceiro salário e um terço de férias10.
Os valores obtidos com os salários foi acrescido de 15%11
referentes aos outros insumos e contratos de terceirizados
para realizar serviços como limpeza e preparo da alimen-
tação; destacamos que não foram computados os valores
de implementação da unidade escolar como aquisição do
terreno, construção do prédio e aquisição de mobiliário.
Com os valores de investimento mensal e anual dessa uni-
dade escolar dividiu-se tal valor pelo número de alunos
atendidos pela escola, encontrando assim o valor per ca-
pita mensal e anual.
Para determinar os gastos dispendidos pela prefeitura
para atender as crianças através de convênios se utilizou os
valores de repasses oficiais (publicados em Portaria) para o
mesmo mês de referência da coleta dos valores dos salários

9 Esse mês foi escolhido para que se garantisse um valor sem


acréscimo de outras vantagens como décimo terceiro, férias, gra-
tificações anuais entre outras visto que é um mês onde essas não
ocorrem.
10 Essa é a metodologia utilizada por diferentes estudos de cus-
to-aluno como o caso descrito no estudo: FARENZENA, Nalú
(Org.). Custos e Condições de qualidade da Educação em Esco-
las Públicas: Aportes de Estudos Regionais. Brasília: INEP/MEC,
2005.
11 Esse percentual segue a metodologia proposta no estudo de
CAMARGO, Rubens Barbosa de e NASCIMENTO, Ana Pau-
la Santiago do. Levantamento do Custo/aluno/ano em escolas da
educação básica de São Paulo que oferecem condições para a ofer-
ta de um ensino de qualidade. In.: FARENZENA, Nalú (Org.).
Custos e Condições de qualidade da Educação em Escolas Pú-
blicas: Aportes de Estudos Regionais. Brasília: INEP/MEC, 2005
constante na tabela 3 na p. 197.
108
EM TEMPOS DE GOLPE

brutos – outubro de 2014. Segue tabela de repasses aos


convênios.

Tabela 02 – Valores dos Repasses às Instituições Conveniadas a


Rede Municipal de Educação de São Paulo em Outubro de 2014
Faixa de Valor per Capita Valor
Atendimento Adicional
Da 1º a 60º Da 61º a 90º Da 91° a A partir da Berçário
criança criança 120° criança 121º criança

Até 60 R$ 545,00 R$ 175,00


crianças

De 61 a 90 R$ 545,00 R$ 424,00 R$ 175,00


crianças

De 91 a 120 R$ 545,00 R$ 424,00 R$ 389,00 R$ 175,00


crianças

Acima de 120 R$ 545,00 R$ 424,00 R$ 389,00 R$ 360,00 R$ 175,00


crianças

Fonte: Portaria nº 6.053, de 15 de outubro de 2014.

A unidade educacional escolhida atende 167 crianças


e possui todos os agrupamentos da etapa – Berçário I e
II e Mini Grupo I e II. Vale ressaltar que os números de
crianças por agrupamentos segue a média de atendimento
disponibilizado no site da SME. Esses agrupamentos es-
tão divididos da seguinte forma:

Quadro 02 - Agrupamentos do CEI Direto


Utilizado para o Exercício
Agrupamento Quantidade de Turmas Número de Crianças Média de Atendimento
por Turma por Turma

Berçário I 2 14 7

Berçário II 5 45 9

Mini-Grupo I 6 66 11

Mini-Grupo II 2 42 21

Total 15 167 -

Fonte: Construído pelos autores com base nos dados da SME/SP.

Essa unidade escolar possui 30 (trinta) docentes


– dois para cada turma – mais 4 (quatro) módulos docen-

109
PÚBLICO X PRIVADO

tes12, 7 (sete) funcionários de apoio – inspetoria, secreta-


ria, lavanderia e vigilância – e 3 (três) gestores – Diretor,
Assistente de Direção e Coordenador Pedagógico. Segue
tabela com a média das remunerações brutas dos docen-
tes, gestão e quadro de apoio, assim como a média do
tempo de exercício13 na rede municipal.

Tabela 03 - Dados de Remuneração Bruta dos Funcionários de


um CEI Direto da Rede Municipal de São Paulo
Quant. Remuneração Remuneração Média do Tempo
Bruta per Capita Bruta Total de Serviço

Docentes 34 3.699,80 125.793,20 6,5 anos

Gestão 3 5.443,12 16.329,36 9,5 anos

Apoio 7 2.242,57 15.697,99 8 anos

Fonte: Construído pelos autores com base nos dados da folha de pagamento/SME.

Para análise de quanto custaria atender essas mesmas


167 crianças na rede conveniada, realizaram-se dois exer-
cícios – atendimento dessas crianças em uma única ins-
tituição e o atendimento em três instituições menores.
Foram realizados dois exercícios visto que segundo a Por-
taria nº 6.053/2014 as 60 primeiras crianças matriculadas
possuem um valor mais alto em relação as demais crianças
atendidas a partir dessa quantidade (conforme apresen-
tado na tabela 02). Dessa forma, a instituição receberia
mais recursos por crianças caso atendesse até 60 delas por
convênio. Assim o custo aluno no exercício onde o aten-

12 Na rede municipal as escolas, além dos docentes com turmas


atribuídas, existe a função do docente de módulo. Esta docente
tem como atribuição substituir os professores regentes de turmas
em sua ausência.
13 Esse dado é importante para esclarecer que essa é uma unidade
escolar que possui um quadro de servidores que estão a menos
de 10 anos na carreira, o que impacta nos valores de seus salários
brutos.
110
EM TEMPOS DE GOLPE

dimento é dividido entre as três instituição será um pouco


maior (como será observado na tabela a seguir).
Após esses dois levantamentos foi possível comparar
os valores dispensados para manter o CEI direto e o que
seria gasto caso o atendimento fosse realizado por insti-
tuições conveniadas a prefeitura. Em síntese apresenta-se
a tabela 04 abaixo:

Tabela 04 - Investimento da Prefeitura de São Paulo em Cada um


dos Casos: CEI Direto, Creche Conveniada com 167 Crianças
e Três Creches Conveniadas com 60 Crianças
Número de Investimento
Crianças

Total Mensal Total Anual Per Capita Per Capita


Mensal Anual

CEI Direto 167 181.493,63 2.383.090,31 1.086,79 14.270,00

167 em uma
única instituição 84.335,00 1.012.020,00 505,00 6.060,00

167 em três
Creche instituições com
Conveniada atendimento de 101.340,00 1.216.080,00 606,83 7.281,92
até 60 crianças

Fonte: Construído pelos autores com base nos dados obtidos na folha de paga-
mento/SME.

Na tabela é possível concluir que para o atendimento


do mesmo número de crianças nas diferentes instituições
– CEI Direto e Creche Conveniada – a prefeitura de São
Paulo dispende de recursos de forma díspares, sendo o
dobro do valor do atendimento na rede direta de ensino.
Quando analisado o valor mensal por crianças, enquanto
a rede direta dispende de R$ 1.086,79, na rede convenia-
da o custo é de no máximo R$ 606,83.
Esses valores trazem mais informações para o debate
que se trava na rede de ensino sobre a política de convê-
nios, em especial no que se refere a estrutura dos prédios,
a formação e jornada de trabalho dos docentes e a quali-
dade do atendimento ofertado.
111
PÚBLICO X PRIVADO

O que pode explicar essa diferença?

Após análise dos números levantados, podemos con-


cluir que a principal política de expansão da rede muni-
cipal de educação infantil nas creches de São Paulo se deu
e continua assim se efetivando, através da celebração de
convênios com instituições de caráter privado sem fins
lucrativos e econômicos. Desta forma, a política perma-
nece assim como Arelaro (2008, p. 64) indicava que “a
tendência é que elas permaneçam enquanto não se subs-
tituírem as prioridades para atuação do Estado estabe-
lecidas nos últimos 15 anos no país, enquanto o estado
mínimo for considerado tradução de competência polí-
tica e gerencial.”
O custo desses dois tipos de atendimento é, como
discutido, o ponto principal dessa “opção” política, não
deixando de considerar lobbies que são postos na relação
estabelecida entre os mantenedores e agentes políticos.
Ainda dentro desta questão, no que se refere ao finan-
ciamento desse atendimento, as diferenças de investimen-
to nas duas instituições se relacionam com os valores pa-
gos aos profissionais que atendem as crianças, visto que,
como já destacado em pesquisas sobre custo-aluno, um
dos insumos que mais incidem nos valores finais de inves-
timentos é a remuneração desses.
Sobre esse ponto, destacamos que os docentes inte-
grantes da rede municipal de ensino direta, em outubro
de 2014, tinham um piso salarial de R$ 3.000,0014 para
trabalharem 30 horas semanais, enquanto os docentes

14 Valor retirado da Lei nº 16.008 de 05/06/2014. Disponível


em: http://www.sinpeem.com.br/lermais_materias.php?cd_ma-
terias=7959&friurl=_-Lei-no-16008-DOC-de-06062014-pagi-
na-01-_#.U5-RQShLlE
112
EM TEMPOS DE GOLPE

que trabalhavam nas creches conveniadas a rede muni-


cipal tinha como piso salarial o valor de R$ 1.846,07 15
para trabalharem 40 horas semanais. Uma diferença de
R$ 1.153,93 no piso. Lembrando que os docentes na rede
municipal trabalham 6 horas diárias, o que equivale a R$
25,00 a hora de trabalho, e os docentes da rede convenia-
da trabalham 8 horas diárias – R$ 11,54 a hora de tra-
balho – o que aumenta mais essa diferença salarial entre
esses trabalhadores.
Ressaltamos ainda que quando falamos de valoriza-
ção profissional, os docentes da rede direta trabalham
25 horas semanais com crianças e 5 horas em formação,
possuem ainda quatro dias no ano destinados a reuniões
pedagógicas de 6 horas cada e um Estatuto do Magistério
que permite, entre outras garantias, progressão na carrei-
ra; já os docentes da rede conveniada trabalham as 40 ho-
ras semanais com as crianças, tendo somente um dia por
mês para tratar de sua formação e organização da escola,
sem garantias dadas em um Plano de Carreira.
Esses dados nos fazem refletir sobre alguns questiona-
mentos levantados por Arelaro (2008) e aqui reproduzi-
dos, no intuito de repensar as políticas no município de
São Paulo para a expansão do atendimento com qualidade
a demanda reprimida por vagas em creches no município:

Não seriam as creches conveniadas opção perma-


nente de política para a educação infantil? […].

15 Segundo Acordo Coletivo firmado pelo sindicato dos traba-


lhadores das creches conveniadas com o sindicato patronal. Sin-
dicato dos Trabalhadores em Entidades de Assistência e Educação
à Criança, ao Adolescente e a Família do Estado de São Paulo –
SITRAEMFA. Convenção Coletiva de Trabalho 2014/2015. Dis-
ponível em: http://www.sitraemfa.org.br/convencoes-coletivas/
rede-conveniada.html. Acesso em 20/02/2015.
113
PÚBLICO X PRIVADO

Não se constituiriam as creches diretas, sob respon-


sabilidade do Poder Público, uma excrescência a ser
gradativamente extirpada, pelo seu alto custo e mal
exemplo, pois geram permanentes mobilizações só-
cias? (ARELARO, 2008, p.65)

Cabe ainda destacar que se faz necessária um de-


bate sobre quais condições se dão o atendimento dessas
crianças nas instituições conveniadas a prefeitura, sendo
que aqui a discussão desenvolvida se limitou a explicitar
se essa é uma política que se encerra a médio e longo pra-
zo ou se faz permanente no município.

Referências

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lações público-privadas: o caso das creches conveniadas.
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sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, na
forma prevista no art. 60, § 7º, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, e dá outras providências.
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belece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília,
1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCI-
VIL_03/leis/L9394.htm. Acesso em 11/07/2015.
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114
EM TEMPOS DE GOLPE

bro de 2006. Dá nova redação aos arts. 7º, 23, 30, 206,
208, 211 e 212 da Constituição Federal e ao art. 60 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Brasí-
lia, 2007. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc53.htm. Aces-
so em 20/02/2015.
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Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São
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PÚBLICO X PRIVADO

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construindo o presente. Brasília: UNESCO, 2003.
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de São Paulo. Ato nº 767 de 9 de janeiro de1935. Créa o
Serviço de Jogos e Recreio, para crianças.
SÃO PAULO. Portaria nº 3.477 de 8 de julho de 2011.
Institui normas gerais para celebração de convênios no âm-
bito da Secretaria. São Paulo, 2011. Disponível em: http://
www3.prefeitura.sp.gov.br/cadlem/secretarias/nego-
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SÃO PAULO. Portaria nº 6.572 de 25 de novembro de
2014. Dispõe sobre a  organização das Unidades de Edu-
cação Infantil, de Ensino Fundamental, de Ensino Fun-
damental e Médio e dos Centros Educacionais Unificados 
da Rede Municipal de Ensino, e dá outras providências.
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sorc.com/EspelhoSeis/Organiza2015.htm. Acesso em:
10/02/2015.
SILVA, C. N de O. A garantia do direito social a educa-
ção: um panorama da ralidade do atendimento da criança
pequena com deficiência no Município de São Paulo. In:
Anais do XXVII Simpósio Brasileiro de Política e Admi-
nistração da Educação, Centro de Convenções de Per-
nambuco – Olinda. Olinda, 2015. (no prelo)
Sindicato dos Trabalhadores em Entidades de Assistência
e Educação à Criança, ao Adolescente e a Família do Esta-
116
EM TEMPOS DE GOLPE

do de São Paulo – SITRAEMFA. Convenção Coletiva de


Trabalho 2014/2015. Disponível em: http://www.sitra-
emfa.org.br/convencoes-coletivas/rede-conveniada.html.
Acesso em 20/02/2015.

Sites consultados:

www.inep.gov.br
www.portalsme.prefeitura.sp.gov.br
www.sinpeem.com.br
http://transparencia.prefeitura.sp.gov.br/Paginas/home.
aspx

117
PÚBLICO X PRIVADO

O público e o privado na
definição da meta 20
do PNE 2014-2024

Juliana Marques da Silva1


Cristina Helena Almeida de Carvalho2


Introdução

O presente trabalho tem por objetivo investigar a rela-


ção entre o público e o privado na definição da meta 20
(que trata exclusivamente do financiamento da educação
no Brasil) no decorrer da deliberação do Projeto de Lei nº
8.035/2010, posteriormente transformado no Plano Na-
cional de Educação (PNE) 2014-2024. A reflexão apoia-se
no entendimento de que essa relação, no que diz respeito à
deliberação em torno do escopo da meta 20, assume uma

1 Mestra em Educação pela Universidade de Brasília – UnB. Pes-


quisadora-Tecnologista em Informações e Avaliações Educacionais
– INEP. E-mail: ju.msilva@gmail.com.
2 Doutora em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual
de Campinas – UNICAMP. Professora Adjunta II do Departa-
mento de Planejamento e Administração da Educação (PAD) da
Faculdade de Educação da Universidade de Brasília - UnB. Mem-
bro da Rede Universitas/BR e do Projeto OBEDUC sobre Políti-
cas da Expansão da Educação Superior no Brasil. Líder do grupo
de pesquisa do diretório do CNPq intitulado Financiamento da
educação: avanços e desafios. E-mail: cristinahelenaa@yahoo.com.
br.
118
EM TEMPOS DE GOLPE

postura de continuidade em relação a utilização de dispo-


sitivos legais que, embora voltados para o cumprimento de
seus deveres com a educação pública, abrem espaço para a
utilização dos recursos públicos no âmbito privado.
O artigo divide-se em duas partes, além da introdução
e das considerações finais. O ponto de partida da pesqui-
sa é a contextualização da peculiar relação público-privado
no que diz respeito ao tema do financiamento da educação
brasileira a partir de 1988. Nesse sentido, tomam-se como
documentos de referência a Constituição Federal de 1988 e
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/96)
para o embasamento da análise sob a perspectiva do modelo
de federalismo nacional.
Em seguida, é feita a análise documental do conteúdo le-
gislativo atinente ao processo de deliberação sobre o escopo
da meta 20 para o PNE 2014-2024. Foram verificados os
registros de tramitação das emendas relativas ao Projeto de
Lei nº 8.035/2010 propostas na Câmara dos Deputados e
no Senado Federal, as apresentações de especialistas nas au-
diências públicas promovidas por ambas as casas legislativas
e o próprio PNE (Lei Ordinária nº 13.005/2014).3

O público e o privado no financiamento


da educação brasileira pós-1988

Ao longo da história da educação no Brasil, tem sido


constante o debate sobre presença e influência do setor pri-
vado em relação à atuação do Estado no cumprimento dos

3 Esta etapa da pesquisa faz parte do trabalho de dissertação de


Mestrado de Juliana Marques da Silva, (em processo de elabora-
ção) pela Faculdade de Educação da Universidade de Brasília -
UnB, orientada pela Professora Dra. Cristina Helena de Almeida
Carvalho, ambas coautoras do presente artigo.
119
PÚBLICO X PRIVADO

seus deveres para com a população. Para Bonamino (2003,


p.2), nos últimos trinta anos, algumas mudanças não so-
mente de cunho socioeconômico e político nacional, mas
também educacional trouxeram à tona o debate sobre a re-
lação público-privado sob novas perspectivas.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu o modelo de
Federalismo Cooperativo que deveria ser sedimentado por
meio do regime de colaboração recíproca, descentralizado,
com funções compartilhadas entre entes federativos. A Car-
ta Magna determinou o sistema de repartição de compe-
tências e de atribuições legislativas entre seus integrantes
dentro de limites expressos. A novidade do texto constitu-
cional foi atribuir a cada município brasileiro o papel de
ente federado. O federalismo administrativo conferiu a ges-
tão autônoma das políticas públicas nos níveis da União,
dos Estados e Distrito Federal e dos Municípios.
Em matéria educacional, a União passou a ser responsá-
vel pela formulação e implementação da política educacio-
nal nacional e a elaboração do Plano Nacional de Educação
(PNE), bem como pela articulação dos diferentes níveis e
sistemas, exercendo funções normativa, redistributiva e su-
pletiva em relação às demais instâncias educacionais.
Por sua vez, os 26 Estados ficaram responsáveis pela
formulação e implementação de políticas e planos educa-
cionais, desde que em consonância às diretrizes e planos
nacionais de educação, de modo a integrar e coordenar suas
ações com as dos seus municípios. Mais de 5.500 Municí-
pios passaram a se integrar às políticas e planos da União
e dos Estados, e, ao mesmo tempo, exercer função redis-
tributiva em relação às suas escolas. No caso peculiar do
Distrito Federal, são aplicadas as competências de Estado
e de Município.
O federalismo educacional possibilitou a existência de
múltiplos sistemas educacionais. O Sistema Federal ficou
120
EM TEMPOS DE GOLPE

responsável pela educação superior e pelo ensino técnico


federais. Atualmente, fazem parte deste sistema mais de
2.000 instituições de educação superior privadas, cuja atri-
buição da União é de regulação do Ministério da Educação
(MEC) e do Conselho Nacional de Educação (CNE). Os
Sistemas Estaduais começaram a ofertar ensino fundamen-
tal e, de forma prioritária, o ensino médio, sendo que não
há qualquer restrição à oferta de educação infantil e de edu-
cação superior. Fazem parte de cada um deles as institui-
ções de educação superior municipais e as escolas de ensino
fundamental e médio privadas, cuja regulação é realizada
no nível estadual pelas Secretarias Estaduais de Educação e
pelos Conselhos Estaduais de Educação.
Por fim, os Sistemas Municipais se responsabilizaram
por oferecer educação infantil e com prioridade o ensino
fundamental. Foi permitida a atuação no ensino médio e
na educação superior desde que atendidas as necessidades
de sua área de competência e com recursos acima daqueles
vinculados pela CF/88 à manutenção e desenvolvimento
do ensino. Fazem parte de cada sistema municipal as escolas
de educação infantil privadas, cuja regulação é realizada no
nível municipal pelas Secretarias Municipais de Educação e
pelos Conselhos Municipais de Educação. O Distrito Fede-
ral passou a ter o dever de ofertar educação básica pública e
a poder oferecer educação superior, cabendo a ele a regula-
ção de toda a rede privada de educação básica.
A LDB/96 definiu quais são recursos públicos destinados
aos sistemas educacionais. São eles: a) receita de impostos
próprios da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios; b) receita de transferências constitucionais e
outras transferências; c) receita do salário-educação e de ou-
tras contribuições sociais;4 d) receita de incentivos fiscais;

4 Para compreensão sobre as funções redistributiva e supletiva da


121
PÚBLICO X PRIVADO

e) outros recursos previstos em lei. Para compreender os


limites e desafios do financiamento da educação, é relevante
mapear os dois primeiros, cuja sistematização encontra-se
no quadro 1 abaixo.

Quadro 1: Estrutura de Impostos e


Transferências por ente Federado
Arrecadação Própria Transferências

União União a Estados

- Impostos sobre a Importação (II) - FPE 21,5% do IPI e o IR

- Imposto sobre a Exportação (IE) - 10% do IPI de produtos exportados pelos Estados

- Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - 100% do IRPF na fonte dos funcionários
(ITR) públicos estaduais

- Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) - 30% do IOF para os estados de origem do ouro-
financeiro

- Imposto sobre Pérações de Crédito (IOF) - Compensação financeira desoneração do ICMS


- Lei Kandir

- Imposto sobre a Renda e Proventos de União a Municípios


Qualquer Natureza (IRPJ/IRPF)

- Imposto sobre Grandes Fortunas (aguardando - FPM 23,5% do IPI e o IR


Lei Complementar)

Estados - 100% do IRPF na fonte dos funcionários públicos


municipais

- Impostos sobre Circulação de Mercadorias e - 70% do IOF para os municípios de origem do


Serviçoes (ICMS) ouro-financeiro

- Imposto sobre a Propriedade de Veículos - Compensação financeira desoneração ICMS - Lei


Automotores (IPVA) Kandir

- Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e - 50% do Imposto sobre a Propriedade Territorial
Doação ITCMD) Rural (ITR)

Municípios Estados a Municípios

- Impostos sobre Serviços de Qualquer Natureza - 25% do ICMS


(ISS)

- Impostos sobre a Propriedade Predial e - 50% do IPVA


Territorial Urbana (IPTU)

Fontes: Carvalho (2013, p.7).

Como é o ente federado que mais arrecada, e, com o


intuito de reduzir as desigualdades regionais, por meio

União no uso dos recursos do salário-educação, remete-se a Cruz


(2011) e a Carvalho (2014).
122
EM TEMPOS DE GOLPE

da equalização da capacidade de arrecadação vis a vis às


responsabilidades na prestação de serviços, cabe à União
transferir parte de sua arrecadação ao Fundo de Partici-
pação dos Estados (FPE) e ao Fundo de Participação dos
Municípios (FPM)5 além de outras transferências aos Es-
tados e ao Distrito Federal6 Imposto de Renda Pessoa Físi-
ca (IRPF), Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio
e Seguros (IOF), Imposto Sobre Produtos Industrializa-
dos (IPI) – aos Municípios por meio do IRPF, IOF e
Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR)7 e
ambos recebem compensação financeira da desoneração
do ICMS (Lei Kandir).8
Esse quadro de distribuição dos impostos e transferên-
cias é importante, pois a vinculação de recursos públicos
específicos à educação foi determinada pela Constituição
Federal de 1934. Excetuando-se os períodos autoritários,
esse mecanismo permaneceu nos textos constitucionais
de modo a reduzir o poder discricionário dos governantes
de gasto público educacional, na medida em que garante
o atrelamento do orçamento público à atividade econô-
mica, e à arrecadação fiscal. É importante destacar que a
educação é a única política social brasileira com vincula-
ção constitucional de impostos há quase 80 anos.

5 Ver: Ministério da Fazenda (2011).


6 O Distrito Federal arrecada os impostos estaduais e municipais
e recebe transferências da União a estados e municípios.
7 O município tem direito a 100% do ITR, desde que assuma a
responsabilidade por fiscalização e cobrança e desde que não im-
plique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia
fiscal.
8 A renúncia fiscal do ICMS nas operações que envolvem a expor-
tação de mercadorias com o intuito de favorecer o saldo da balança
comercial implica em queda na arrecadação o que passou a ser
ressarcida pela União na forma de transferência.
123
PÚBLICO X PRIVADO

Com relação ao financiamento público da educação, é


possível identificar algumas disposições legais constantes
na CF/88 que, ao retratarem os deveres do Estado, aca-
bam abrindo espaço para que o setor privado seja con-
templado, se favorecendo de direitos ou se isentando de
responsabilidades. No artigo 205, por exemplo, a Carta
Magna divide o dever do Estado em ofertar educação
para todos, ao permitir que ela seja “promovida e incen-
tivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Brasil,
1988).
Nesse sentido, dá prosseguimento a esse compartilha-
mento de função, ao prever, na sequência, nos artigos
206, inciso III, e 209 a possibilidade de coexistência entre
instituições de ensino públicas e privadas, desde que estas
cumpram com “as normas gerais da educação nacional” e
sejam autorizadas e avaliadas no tocante à qualidade pelo
Poder Público.
É possível também verificar essa situação de interação
entre o público e o privado na CF/88 no artigo 208. Ci-
tando Bonamino, este artigo

[...] abre possibilidades para que o Estado garanta


a gratuidade do ensino básico nas escolas privadas,
ao dispor que o dever do Estado com a educação se
efetivará mediante garantia de ensino fundamental
gratuito, agora sem que se “prescreva” uma faixa
etária específica, incluindo, no inciso III, a pro-
gressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade
ao ensino médio. (2003, p.5).

Outro dispositivo constitucional muito debatido é o

124
EM TEMPOS DE GOLPE

artigo 213, que trata da destinação dos recursos para as


escolas públicas. Desde 1988, o financiamento público
da educação brasileira baseia-se nas vinculações mínimas
de 18% da arrecadação de impostos, deduzidas as transfe-
rências, da União e de 25% dos impostos e transferências
recebidas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios à
manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE).9 To-
davia, parte dos recursos públicos pode ser direcionada a
escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas para
bolsas de estudo no ensino fundamental e médio quando
faltarem vagas na rede pública próximas à residência do
educando.
Esses estabelecimentos beneficiam-se também da imu-
nidade fiscal que é a não incidência de impostos nas ins-
tituições não-lucrativas10 sobre a renda, os serviços e o
patrimônio.11 Outrossim, prevê-se a isenção tributária
a qualquer estabelecimento privado de nível superior,
quando adere ao Programa Universidade para Todos

9 São gastos com remuneração e aperfeiçoamento do pessoal


ativo da educação básica e educação superior; gastos com custeio
da máquina pública, como uso e manutenção de bens e serviços
vinculados ao ensino, realização de atividades meio necessárias ao
funcionamento dos sistemas de ensino; e investimento na aqui-
sição, manutenção, construção e conservação de instalações e
equipamentos necessários ao ensino e em material didático-escolar
(Carvalho, 2014).
10 Os estabelecimentos educacionais são classificados em sem fins
lucrativos, desde que comprovem finalidade não-lucrativa, apli-
quem seus excedentes financeiros em educação e assegurem a des-
tinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica
ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de
suas atividades (Carvalho, 2014).
11 A renúncia fiscal às instituições educacionais passou a constar,
pela primeira vez, nos moldes da Carta Magna de 1988 na Cons-
tituição Federal de 1946.
125
PÚBLICO X PRIVADO

(Prouni).12 Há, inclusive, legislação específica que con-


cede a isenção da cota patronal do Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS) para instituições filantrópicas. A
imunidade e a isenção fiscais são formas de financiamen-
to indireto à iniciativa privada, pois a renúncia fiscal re-
duz os custos operacionais desses estabelecimentos. Este
instrumento tem sido essencial ao crescimento intensivo
das escolas e instituições de educação superior na prospe-
ridade econômica e, garantindo a continuidade da ativi-
dade no período de crise, por meio da redução nos custos
inerentes à prestação de serviços (Carvalho, 2014).
A renúncia fiscal à iniciativa privada tornou-se meca-
nismo de estímulo ao crescimento intensivo e extensivo,
sobretudo, no nível superior. Como há disputa por re-
cursos do fundo público, o instrumento reduz a arreca-
dação do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), cujo
impacto transcende a educação federal, uma vez que a
arrecadação deste imposto compõe o FPE e o FPM, des-
tinados ao financiamento da educação básica pública nos
Estados, no Distrito Federal e nos Municípios. A imu-
nidade do Imposto sobre Serviços de qualquer natureza
(ISS) e do Importo Predial e Territorial Urbano (IPTU)
compromete a arrecadação dos municípios brasileiros,
pois fazem parte da base de recursos à educação infantil e
ao ensino fundamental (Carvalho, 2014).

12 O Prouni consiste no preenchimento de vagas ociosas por


meio de bolsas de estudos parciais e integrais em troca da renúncia
fiscal. A adesão ao Prouni torna a instituição isenta do IRPJ, e
de três contribuições: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL), Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade
Social (COFINS) e Contribuição para o Programa de Integração
Social (PIS). Ver a respeito: Carvalho (2006) e Carvalho e Lopre-
ato (2005).
126
EM TEMPOS DE GOLPE

O público e o privado na definição da


meta 20 do PNE 2014-2024

O foco da seção é a análise da arena decisória na defi-


nição do escopo da meta 2013, que trata do financiamento
no PNE 2014-2024. O objetivo é investigar como se deu
a relação entre o público e o privado nesse processo e ve-
rificar de que forma essa interação estabelece continuida-
de frente ao seu histórico no financiamento da educação,
quando visto sob a perspectiva constitucional.
O financiamento, trouxe consigo uma bagagem de de-
bates e questões remanescentes do plano anterior, uma
vez que o PNE 2001-2010 foi aprovado com nove vetos
presidenciais relacionados aos recursos necessários para o
cumprimento das metas propostas. Para a aprovação do
que veio a ser o segundo PNE, então, a questão de como
seria tratado e definido o financiamento já criou expecta-
tivas, tanto para o governo quanto para a sociedade civil.
Encaminhado pelo governo em 15 de dezembro de 2010
para o Congresso Nacional, o projeto de lei 8.035/2010
dispunha sobre o PNE e dava outras providências. Cons-
tituído inicialmente de 12 artigos e 20 metas, o PL era
uma resposta às manifestações advindas de várias partes
envolvidas com a educação, como o Conselho Nacional
de Educação (CNE), a Conferência Nacional de Educação
(CONAE) e a “Campanha Nacional pelo Direito à Edu-
cação” (CNDE).
O projeto trouxe consigo 10 diretrizes para a condu-

13 É necessário ressaltar que, embora existam outros trechos no


PL nº 8.035/2010 que mencionem as expressões “educação” e
“educação pública” ao longo do processo de construção do PNE,
preferiu-se delimitar a investigação somente da redação do caput
da meta 20.
127
PÚBLICO X PRIVADO

ção do PNE, dentre elas o inciso VIII do artigo 2º, que


estabelecia uma meta de aplicação dos recursos públicos
em educação como proporção do Produto Interno Bruto
(PIB) brasileiro, de forma que conseguisse “atender às ne-
cessidades financeiras do cumprimento das demais metas
do PNE” (BRASIL, 2010). Além desse inciso, o PL dispôs
também sobre o monitoramento dessa meta de financia-
mento. No artigo 5º, então, definiu que a meta de aumen-
to do investimento público em educação deveria passar
por avaliação no quarto ano de vigência do plano, poden-
do ser ampliada, caso fosse necessária a sua adequação para
o cumprimento das outras metas.
Esses foram alguns dos pontos já pacificados no debate
acerca do financiamento no projeto. No que dizia respeito
à meta em si e suas estratégias, o processo de definição não
ocorreu de modo tão simples e pacífico. Dois aspectos da
meta se destacaram, nesse sentido: a definição do percen-
tual que deveria ser investido pelo Poder Público na edu-
cação em relação ao PIB para o cumprimento das demais
metas e o escopo desse investimento, ou seja, se os recursos
contemplariam apenas a educação pública ou a educação
como um todo, incluindo o ensino privado.
A redação final do projeto de lei, transformado em Lei
Ordinária nº 13.005/2014, conhecida como o Plano Na-
cional de Educação, com 14 artigos e vigência para o perí-
odo 2014-2024 ficou com a seguinte redação final em sua
meta 20, que dispõe sobre o financiamento,

[...] ampliar o investimento público em educação


pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar
de sete por cento do Produto Interno Bruto (PIB)
do país no quinto ano de vigência desta lei e, no
mínimo, o equivalente a dez por cento do PIB ao
final do decênio.

128
EM TEMPOS DE GOLPE

O texto final, da forma como se apresenta, não revela o


intenso debate ocorrido até que a redação final (extensa-
mente debatida e modificada) fosse aprovada e publicada.
Nesse sentido, a investigação da arena decisória14 no que
se refere à definição do escopo da meta 20 apresenta uma
interessante perspectiva sobre a relação entre o público e o
privado, que merece ser verificada.
A questão da definição do escopo da meta já começou
a delinear os atores, seus recursos de poder e interesses
desde o momento de envio do projeto de lei pelo Minis-
tério da Educação para o início da tramitação na Câmara
dos Deputados. No PL original, foi previsto o dever do
Estado, por meio do PNE de “[...] ampliar progressiva-
mente o investimento público em educação até atingir,
no mínimo, o patamar de sete por cento do produto in-
terno bruto do País”.
Tal encaminhamento posiciona o Ministério da Educa-
ção, em nome do Poder Executivo, como um ator cujo inte-
resse era de ampliar a abrangência do dispositivo legal para as
entidades de ensino privado, o que legitimaria e estenderia o
uso de recursos públicos para também para programas fede-
rais que se utilizam de parcerias privadas, como o Programa
Universidade para Todos (ProUni), o Fundo de Financia-
mento Estudantil (FIES), o Programa Nacional de Acesso ao
Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e o Programa Ciências
Sem Fronteiras. Nesse sentido, seria considerar para a meta o
chamado investimento público total em educação15.

14 Reconhece-se que a deliberação da meta 20, bem como de


todo o PNE 2014-2024 (texto, metas e estratégias), contou com a
participação de variados atores. No entanto, para fins de pragma-
tismo, o presente artigo deteve-se à escolha dos atores de atuação
mais expressiva no processo.
15 O investimento público total “compreende como Investimen-
129
PÚBLICO X PRIVADO

Quando da tramitação do PL no Poder Legislativo, a


Câmara dos Deputados, na posição de Casa Iniciadora do
processo, ao encaminhar a segunda versão do projeto de
lei para deliberação do Senado, modificou a redação da
meta, de forma a estabelecer que o investimento público
em educação pública devesse ser ampliado para que alcan-
çasse, no mínimo, 7% do PIB no quinto ano de vigência
do Plano e 10% ao final do decênio.
A definição do escopo voltado para a educação públi-
ca foi ao encontro do posicionamento apresentado pela
CNDE, representante de boa parte de movimentos sociais
e organizações da sociedade civil que entendiam que os
esforços para com a oferta de uma educação de qualidade
deveriam concentrar-se na educação pública, direito de to-
dos e dever constitucional do Estado.
No entanto, também houve representações da socieda-
de civil (principalmente as que consideravam os interes-
ses do empresariado das instituições de ensino privadas)
contrárias sobre o parecer da Câmara dos Deputados. O
movimento “Todos Pela Educação” foi um dos principais
nomes entre essas representações e defendia que a meta 20

to Público Total em Educação os valores despendidos nas seguin-


tes Naturezas de Despesas: Pessoal Ativo e seus Encargos Sociais,
Ajuda Financeira aos Estudantes (bolsas de estudos e financiamen-
to estudantil), Despesas com Pesquisa e Desenvolvimento, Trans-
ferências ao Setor Privado, outras Despesas Correntes e de Capital,
e a estimativa para o complemento da aposentadoria futura do
pessoal que está na ativa (Essa estimativa foi calculada em 20% dos
gastos com o Pessoal Ativo)”. Já no investimento público direto,
“não constam os valores despendidos pelos entes federados com
Aposentadorias e Pensões, Investimentos com bolsas de estudo,
financiamento estudantil e despesas com juros, amortizações e en-
cargos da dívida da área educacional” (INEP, 2014). Disponível
em: http://portal.inep.gov.br/indicadoresfinanceiros-educacio-
nais. Acesso em: 15 nov. 2014.
130
EM TEMPOS DE GOLPE

englobasse o investimento público na educação como um


todo, não somente a pública.
Ao passar pelo Senado Federal, o projeto de lei também
teve amplo debate nas comissões por onde passou, sofren-
do modificações ao longo do percurso. Lá recebeu a deno-
minação de Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 103/2012
e passou pela deliberação das Comissões Permanentes de
Assuntos Econômicos (CAE), Constituição, Cidadania e
Justiça (CCJ) e de Educação, Cultura e Esporte (CE).
Segundo informa o documento de referência do PNE
2014-2024 (Brasil, 2014), o substitutivo aprovado pelo
Senado Federal, que o deliberou enquanto Casa Revisora
no processo, retirou da sua redação a expressão “pública”,
voltando a corroborar com a posição do governo e de al-
gumas representações da sociedade civil, de contemplar
a educação brasileira em geral (pública e privada) com o
investimento público. Além disso, o substitutivo acrescen-
tou remissão ao §4º do artigo 5º, que estabelecia que

O investimento público em educação a que se refere


o art. 214, inciso VI, da Constituição Federal, e a
Meta 20 do anexo desta lei, engloba os recursos apli-
cados na forma do art. 212 da Constituição Federal
e do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, bem como os recursos aplicados nos
programas de expansão da educação profissional e
superior, inclusive na forma de incentivo e isenção
fiscal, as bolsas de estudos concedidas no Brasil e
no exterior, os subsídios concedidos em programas
de financiamento estudantil e o financiamento de
creches, pré-escolas e de educação especial na forma
do art. 213 da Constituição Federal (p.20).

Tendo em vista as informações apresentadas acima,


131
PÚBLICO X PRIVADO

pode-se resumir a análise do processo de definição do


escopo da meta 20 no quadro a seguir:

Quadro 2: Trajetória do Escopo da


Meta 20 no PNE 2014-2024
PL № 8.035/2010 PLC № 103/2012 Parecer CAE

Ampliar progressivamente Ampliar o investimento público Ampliar o investimento público


o investimento público em em educação pública de forma em educação de forma a atingir,
educação até atingir, no a atingir, no mínimo, o patamar no mínimo, o patamar de 7%
mínimo, o patamar de sete de 7% (sete por cento) do (sete por cento) do Produto
por cento do Produto Produto Interno Bruto – PIB Interno Bruto – PIB do País no
Interno Bruto do País. do País no 5º (quinto) ano quinto ano de vigência desta Lei
de vigência desta Lei e, no e, no mínimo, o equivalente a
mínimo, o equivalente a 10% 10% (dez por cento) do PIB ao
(dez por cento) do PIB ao final final do decênio.
do decênio.

Parecer CCJ Parecer CE Lei Ordinária № 13.005/2014

Ampliar o investimento público Ampliar progressivamente Ampliar o investimento público


em educação de forma a atingir, investimento público em em educação pública de forma
no mínimo, o patamar de 7% educação pública de forma a a atingir, no mínimo, o patamar
(sete por cento) do Produto atingir, no mínimo, o patamar de sete por cento do Produto
Interno Bruto – PIB do País no de 7% (sete por cento) do Interno Bruto (PIB) do país no
quinto ano de vigência desta Lei Produto Interno Bruto – PIB quinto ano de vigência desta lei
e, no mínimo, o equivalente a do País no quinto ano de e, no mínimo, o equivalente a
10% (dez por cento) do PIB ao vigência desta Lei e, no mínimo, dez por cento do PIB ao final
final do decênio. o equivalente a 10% (dez por do decênio.
cento) do PIB ao final do
decênio, observado o disposto
nos §§4º e 5º do artigo 5º desta
Lei e assegurados os mecanismos
de gestão e critérios de
repartição que visem a combater
a ineficiência e as desigualdades
educacionais.

Fonte: Carvalho (2014, p.12). Com atualizações.

As informações consolidadas no quadro acima de-


monstram que a discussão para a definição do escopo da
meta 20 desde o projeto de lei inicial até a redação final,
transformada no PNE 2014-2024 obedece a uma trajetó-
ria dinâmica de debate entre os atores, influenciada por
seus interesses, mas, ao final, determinada a partir do peso
dos recursos de poder16 de cada um. De um lado, organi-

16 Para Mello e Paulillo (2005, p.17) “os recursos de poder são


as variáveis relevantes para a análise dos processos de concorrên-
cia, de políticas públicas e de tomada de decisões estratégicas em
132
EM TEMPOS DE GOLPE

zações representativas da sociedade civil como a CNDE e


o movimento Todos Pela Educação, ao defenderem suas
perspectivas sobre o papel do público e do privado, de-
monstraram o peso de seu poder político-ideológico jun-
to ao debate. De outro, o Ministério da Educação, apre-
sentando seus não somente recursos político-ideológicos,
mas também institucionais e financeiros.
Ao final, a Lei Ordinária nº 13.005/2014 acabou por
definir um escopo que abrangeu apenas a educação pú-
blica no caput da meta 20, porém com o acréscimo do
§4º do artigo 5º proposto pelo substitutivo do Senado
Federal. Desse modo, foi formalizada a possibilidade de
contabilizar os recursos diretos e indiretos que financiam
programas federais como os mencionados anteriormente
(ProUni, FIES, Pronatec, etc).

Considerações Finais

O processo de definição do escopo da meta 20 do PNE


2014-2024 teve na relação público-privado um impor-
tante elemento de influência para a sua dinâmica. Como
pôde ser observado ao longo deste artigo, é possível ob-
servar que historicamente essa interação entre o público e
o privado esteve incluída nos dispositivos legais responsá-
veis pela condução da educação brasileira e de seu finan-
ciamento.
De fato, a forma como se apresentam alguns dispositi-
vos constitucionais em relação à educação e à forma como
ela deve ser financiada evidencia a uma relação de coexis-
tência entre o público e o privado, em que o Estado com-

um entorno produtivo ou não-produtivo”. Para Silva (apud CAS-


TRO, 2001), os recursos de poder podem ser de cunho: institu-
cional, político-ideológico, gerencial, financeiro ou tecnológico.
133
PÚBLICO X PRIVADO

partilha o cumprimento de seus deveres e a distribuição


dos recursos públicos. E esse formato se perpetuou desde
1988 em outros importantes instrumentos legais, como o
PNE. Se no Plano 2001-2010, apesar do intenso debate,
a questão do financiamento foi econômica e politicamen-
te vetada, no segundo PNE a temática voltou com força
e participação total no foco das deliberações. As discus-
sões ao longo de sua construção contaram com uma forte
atuação da sociedade civil apresentando suas demandas e
percepções sobre o Plano, incluindo sobre o seu escopo.
As divergências de posicionamento sobre até onde o in-
vestimento público deveria ir na área educacional deixou
evidente que a questão do público-privado ainda persistia,
principalmente no que diz respeito ao financiamento dos
recursos. De um lado, atores como a CNDE e a Câmara
dos Deputados defenderam que os recursos públicos de-
veriam ser direcionados somente para a educação pública.
Do outro, a opinião de outros atores como o movimen-
to Todos Pela Educação, Senado Federal e Ministério da
Educação, compreendiam que para que a almejada edu-
cação de qualidade fosse alcançada, seria necessário que
também o setor privado fizesse parte desse esforço, jus-
tificando que o investimento público deveria ser para a
educação brasileira.
No final das contas, na interação entre o público e o
privado sobre o escopo da meta, ainda que tenha incorri-
do em um debate intenso e extenso, o que prevaleceu foi
a manutenção do “comportamento” que dá continuidade
a lacunas legais já existentes e legitimadas desde a Consti-
tuição Federal de 1988, em que se confirma e o posicio-
namento sobre o dever do Estado para com a sociedade,
mas uma lacuna que beneficia também o setor privado em
relação aos recursos públicos.

134
EM TEMPOS DE GOLPE

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137
PÚBLICO X PRIVADO

Programas bolsa creche e


pró-creche: dois casos de
subvenção pública à
iniciativa privada lucrativa

Jaqueline dos Santos Oliveira1


Beatriz Aparecida Costa2
Raquel Fontes Borghi3

Introdução

O financiamento da educação infantil no Brasil é uma
problemática que tem merecido atenção dos pesquisado-
res no campo da política educacional nos últimos anos.
Segundo Cury (1998) antes da Constituição Federal de
1988 (CF/88) a questão da fase da vida infantil era toma-
da sob a figura do amparo e da assistência, desta forma as
expressões que apareciam no corpo das legislações eram o
silêncio ou, no caso da Constituição de 1946 a expressão
utilizada era assistência. A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação de 1961 (Lei nº 4.024/61) faz referência muito
discreta com relação à Educação Infantil, considerando-a

1 Mestra em Educação, Doutoranda em Educação PPGE UNESP


Rio Claro - Pesquisa Financiada pela CAPES.
2 Mestra em Educação, Doutoranda em Educação PPGE UNESP
Rio Claro - Pesquisa Financiada pela CAPES.
3 Doutora em Educação, Professora UNESP Rio Claro.
138
EM TEMPOS DE GOLPE

dentro do Grau Primário (distinção Educação Pré-Esco-


lar e Ensino Primário). Esta Lei previa também que as
empresas que empregavam mães com filhos menores de
sete anos deveriam organizar ou manter, diretamente ou
em cooperação com os poderes públicos, educação pré-
-escolar. A Lei nº 5.692/71 mantém o que a nº 4.024/61
já determinava e reforça que as empresas organizassem e
mantivessem toda essa ligação com as mães trabalhadoras
que tivessem filhos menores de sete anos (CURY, 1998).
A CF/88 altera este padrão, pois a educação infantil
passa do campo do amparo para o direito. Para Cury
(1998) a CF/88 incorporou a si algo que estava presente
no movimento da sociedade e que advinha do esclareci-
mento e da importância que já se atribuía à Educação In-
fantil. Segundo Domiciano (2009, p.51):

[...] o texto constitucional elevou também o status


desta etapa da educação básica no que diz respeito
ao seu financiamento, ao permitir que sua manu-
tenção e desenvolvimento fossem incluídos nas re-
ceitas de impostos constitucionalmente vinculados
para educação (Art.212).

No texto constitucional o financiamento da educação


no Brasil é tratado, diretamente, apenas nos artigos 212,
213 e no Art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT). Na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB), Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
1996, o financiamento é tratado no Título VII, “Dos Re-
cursos Financeiros”, compreendendo os artigos 68 a 77
(OLIVEIRA, 2007).
A Emenda Constitucional nº 14 de setembro de 1996
(EC-14/96) modificou o Art. 60 do ADCT e redefiniu
o papel da União e as responsabilidades dos demais en-
139
PÚBLICO X PRIVADO

tes federados, quanto à manutenção e desenvolvimento


do ensino em seus diferentes níveis e criou o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e de Valorização do Magistério (Fundef ), que foi regula-
mentado pela Lei nº 9424 de 24 de dezembro de 1996.
O Fundef representou uma subvinculação dos recursos
vinculados à educação. Este fundo, de natureza contábil
foi instituído no âmbito de cada Estado e do Distrito
Federal a partir de 1º de janeiro de 1998 até 31 de de-
zembro de 2006. O Fundo não significou um aumento
de verbas para educação, mas a realocação de recursos de
outros níveis de ensino para o ensino fundamental. (Bor-
ghi, 2002). Dessa forma, as normas e diretrizes legais que
envolviam a educação infantil encontraram empecilhos
financeiros para serem cumpridas plenamente, pois o ente
federativo responsável por essa etapa educacional é aquele
que recebe a menor quantidade de impostos e sem auxílio
dos outros entes encontrava dificuldade para a implanta-
ção plena da educação infantil (CAMPOS, FÜLLGRAF,
WIGGERS, 2006).
O fundo provocou um desestímulo de investimentos,
por parte dos poderes públicos na educação infantil, na
educação de jovens e adultos e mesmo no ensino médio
(ARELARO, 2008; BORGHI, 2002; PINTO, 2002),
pois privilegiava o ensino fundamental regular, desconsi-
derando as outras etapas de ensino, sendo que estas con-
tinuariam a ser financiadas pelo restante dos recursos vin-
culados a educação. Na prática, uma das consequências
mais danosas do Fundef foi à redução dos gastos com os
outros níveis e modalidades de ensino, o que na educação
infantil significou um grande prejuízo. Para Jesus (2008)
não existiu investimento em educação infantil na perspec-
tiva do Fundef. Guimarães e Pinto (2001, p.97) apontam
que os recursos que eram “[...] aplicados na educação in-
140
EM TEMPOS DE GOLPE

fantil, aparentemente, foram carreados, por municípios


e Estados, para o ensino fundamental, levando ao qua-
dro de estagnação de oferta de vagas”. Oliveira e Borghi
(2013) apontam que no período de vigência do Fundef
houve avanços em termos do número de municípios pau-
listas que passaram a subsidiar instituições privadas para a
oferta da educação infantil:

[...] desde o ano de 1998 houve um aumento con-


siderável no número de parcerias entre o Poder Pú-
blico Municipal e instituições privadas, sendo que
a partir do ano de 2000 estes números aumentaram
em maior escala. Este dado corrobora com a tese de
influência do Fundef, que direcionou recursos para
o Ensino Fundamental e, de certa forma, acabou
contribuindo para um aumento de parcerias pú-
blico-privadas na educação infantil. (OLIVEIRA e
BORGHI, 2013, p. 48)

Com o término do Fundef (dezembro de 2006) por


meio da Emenda Constitucional nº 53 (EC/53) foi cria-
do o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Edu-
cação Básica e de Valorização dos Profissionais da Edu-
cação (Fundeb), regulamentado pela Lei nº 11.494 de
20 de junho de 2007. O Fundeb abrange toda educação
básica: a educação infantil (creches e pré-escolas), o ensi-
no fundamental, o ensino médio, em todas as modalida-
des inclusive a educação especial e a educação de jovens e
adultos. Assim como o Fundef, o Fundeb é um fundo de
natureza contábil, instituído em cada unidade da federa-
ção, com duração de 14 anos.
No que diz respeito à educação infantil, Jesus (2008,
p.291) aponta que “Para a educação infantil, a principal
questão reside no fato de que foi incluída na política de
141
PÚBLICO X PRIVADO

financiamento da educação básica. Entretanto, os recur-


sos destinados mostram-se insuficientes”. Para Arelaro
(2008) um aspecto que

[...] não pode ser desconsiderado é a autorização


de financiamento do setor privado com recursos
públicos que a regulamentação do Fundo permi-
tiu em várias modalidades de ensino, admitindo a
inclusão, no cômputo das matrículas efetivadas na
educação infantil dos municípios, oferecidas em
creches para crianças até 3 anos de idade, as reali-
zadas pelas instituições comunitárias, confessionais
e filantrópicas, desde que conveniadas com o Poder
Público. (ARELARO, 2008).

É exatamente sobre a problemática da subvenção pú-


blica a instituições privadas, denominadas convênios ou
parcerias4 público-privadas, que trataremos no próximo
item.

Convênios e parceiras na educação infantil

A alocação de recursos públicos para a iniciativa priva-


da no Brasil encontra respaldo na legislação. O capítulo
sobre educação da Constituição Federal de 1988 faz refe-

4 O termo parceria aqui adotado designa os acordos formalmen-


te firmados pelo poder público com setores da iniciativa privada,
entendendo, como Bezerra (2008), que a expressão parceria pú-
blico-privada: “[...] implica também na capacidade de intervenção
que o setor privado passa a dispor junto à administração pública,
por meio da assunção total ou parcial de responsabilidades até en-
tão atribuídas ao poder público em sua totalidade.” (BEZERRA,
2008, p. 62-3).
142
EM TEMPOS DE GOLPE

rência a instituições públicas, entendidas como estatais,


e instituições privadas, subdivididas em instituições com
fins lucrativos e sem fins lucrativos, as últimas com di-
reito de receber subsídios do poder público, conforme o
artigo 213.
No entanto, esta relação entre o poder público e insti-
tuições privadas é muito anterior, inclusive na educação
infantil.
Segundo Campos, Rosemberg e Ferreira (2001) o aten-
dimento às crianças de 0 a 6 anos consolidou-se por meio
de convênios entre os inúmeros órgão públicos responsá-
veis pelo repasse de recursos e estabelecimentos privados
filantrópicos, comunitários e/ ou confessionais.
Campos, Rosemberg e Ferreira (2001) explicitam que
em 1989, o Ministério do Interior,reunia três órgãos que
atuavam no atendimento às crianças pequenas: A Fun-
dação Legião Brasileira de Assistência (LBA), a Funda-
ção Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), e
a Secretaria Especial de Ação Comunitária (SEAC), que
apesar de criados em momentos distintos a possuirem
trajetórias diferentes tinham em comum o repasse direto
de verbas para prefeituras e/ ou instituições privadas de
caráter filantrópico e comunitário por meio de convênios.
A LBA foi criada para prestar assistência à maternida-
de, à infância e à adolescência, a população pobre, sendo
o Projeto Casulo, o principal programa implantado e fi-
naciado por este órgão. Os recursos públicos e privados
recebidos pela LBA eram repassados via convênios, às ins-
tituições privadas de caráter filantrópico e comunitário e
também as prefeituras que mantivessem atendimento a
educação infantil. As autoras apontam que o Programa
de Creches da LBA, repassava um percapita insuficiente,
obrigando muitas vezes, a que os estabelecimentos conve-
niados estabelecessem convênios com outras instituições
143
PÚBLICO X PRIVADO

(CAMPOS, ROSEMBERG, FERREIRA, 2001).


Às mudanças ocorridas no sistema educacional brasi-
leiro, a partir das reformulações legais da década de 1990,
trouxeram maiores incumbências aos municípios, e estes
adotaram diferentes estratégias para assegurar o cumpri-
mento de suas responsabilidades legais, muitas vezes con-
solidando a política de convênios com instituições pri-
vadas, agora incluidas as instituições com fins lucrativos.
Para Campos (1988) o repasse às entidades privadas
consideradas sem fins lucrativos é justificado com argu-
mentos ligados a maior eficiência e custos mais baixos do
que os dos serviços prestados diretamente pelo Estado.
Para Arelaro (2008, p.61) os custos com as creches diretas
são mais altos do que com as privadas, particularmente os
das filantrópicas e comunitárias.Assim pressupõe-se que
os municípios busquem alternativas menos onerosas para
dar conta da grande pressão de demanda desta etapa de
ensino, “[...] é de supor que a busca pela manutenção e
expansão das parcerias firmadas com o setor privado se-
jam consolidadas”.
Neste sentido, tem sido considerável o papel do Fundef
e do Fundeb para o aumento de parcerias entre as prefei-
turas e a iniciativa privada como mecanismo para assegu-
rar o cumprimento de suas responsabilidades legais frente
à educação infantil.Estudos tem evidenciado diferentes
arranjos entre a esfera pública e instituições privadas tanto
stricto sensu como do chamado terceiro setor (ADRIÃO
et. al., 2009, BORGHI, et. al. 2014; DOMICIANO,
2009, OLIVEIRA, 2013, COSTA, 2014).
Analisando as parcerias público-privadas, Adrião et.
al. (2009) identificou novos arranjos institucionais entre
o público e o privado para a oferta educacional. Como
exemplo desses novos arranjos podemos citar o Programa
Bolsa Creche – existente nos municípios de Piracicaba e
144
EM TEMPOS DE GOLPE

Hortolândia – que consiste em um formato de financia-


mento adotado para ampliação da oferta de vagas à edu-
cação infantil. Este modelo inova em relação ao modelo
tradicional, pois há uma subvenção de recursos públicos
à iniciativa privada stricto sensu, que se dá a partir do
repasse de recursos, considerando um valor per capita
para cada aluno atendido gratuitamente pela instituição
privada (DOMICIANO; ADRIÃO, 2005; DOMICIA-
NO, 2009).
Também Borghi et. al. (2014), em estudo acerca da
política de conveniamento para a oferta da educação in-
fantil, identifica sete municípios paulistas que subsidiam
instituições privadas com finalidades lucrativas, dos quais
dois o fazem a partir de termos de concessão.
São os Programas destes dois últimos municípios que
iremos aqui apresentar: o “Programa Bolsa Creche”, ado-
tado no município de Limeira, e o “Programa Pró-Cre-
che”, adotado no município de Araras.

Os programas “Bolsa Creche” e “Pró-Creche”

Os Programas “Bolsa Creche” e “Pró-Creche” repre-


sentam mais uma forma de alocação de recursos públicos
para instituições privadas. São materializados em cidades
vizinhas de grande porte5, no interior do estado de São
Paulo, sendo elas Limeira e Araras consecutivamente. O
Programa Pró-Creche, em sua formulação e implementa-
ção buscou inspiração no Programa Bolsa Creche, conse-
quentemente os dois Programas apresentam muitas simi-
laridades.

5 Consideramos, assim como o Instituto Brasileiro de Geografia


e Estatística (IBGE), cidade de grande porte, aquelas que apresen-
tam de 100.000 a 500.000 habitantes.
145
PÚBLICO X PRIVADO

As parcerias no município paulista de Limeira são


estabelecidas por meio do programa Bolsa Creche, que
abarca instituições privadas stricto sensu, isto é, com fins
lucrativos, e também instituições sem fins lucrativos.
O Programa Bolsa Creche, foi criado pela lei munici-
pal no 3.649, de 2003, e regulamentado pelo decreto
municipal no 318, de 18 de outubro de 2007, consiste
em subsidiar vagas em escolas de educação infantil da
rede particular de ensino para alunos que não podem
ser atendidos pela rede pública por falta de vagas e que
estejam na lista de espera dos centros infantis (CIs) do
município (OLIVEIRA, 2013).
A lei no 3.649, de 2003 dispõe “sobre a prestação de
assistência à educação de crianças com até cinco anos
no Município de Limeira e dá outras providências” (LI-
MEIRA, 2003), sem fazer referência ao nome “Programa
Bolsa Creche”, usado por toda a cidade, inclusive pela
Secretaria (OLIVEIRA, 2013). A justificativa munici-
pal para a adoção da parceria é a falta de vagas na rede
municipal. Segundo o secretário municipal, na época da
pesquisa, o programa constitui um projeto provisório
de médio e longo prazo. Para um dos mantenedores de
uma instituição concessionária, a concessão veio em um
momento oportuno para a prefeitura, pois a demanda
por educação infantil para a faixa etária de 0 a 3 anos
era alta, e o programa tem permitido que boa parte das
crianças fosse atendida pelas instituições particulares
(OLIVEIRA, 2013).
O Programa estabelece alguns critérios para atender
as famílias que desejam participar, como ser residente no
município, estar empregado, não possuir renda superior a
4 (quatro) salários mínimos, tal medida mesmo que seja
para dar prioridade, contraria a legislação vigente (CF/88,
ECA, LDB), pela qual a educação é um direito da criança
146
EM TEMPOS DE GOLPE

e cabe ao Estado oferecê-la.


No que diz respeito aos recursos financeiros, o pro-
grama Bolsa Creche é subsidiado pelos recursos próprios
que o município tem de investir em educação. Na lei no
3.649, de 5 de novembro de 2003, o art. 1o determina
que “[...] O Município de Limeira poderá destinar anual-
mente até 1% (um por cento) de seus recursos orçamen-
tários para assistir a educação das crianças com idade de
até 5 (cinco) anos” (LIMEIRA, 2003, p. 1), não podendo
essa quantia ser inferior a 0,5% (meio por cento), de acor-
do com o parágrafo único da mesma lei.
O artigo 2o prescreve que “a assistência a crianças a
que se refere o artigo 1o terá como objetivo primordial
garantir o direito à sua permanência em escolas infantis”
(LIMEIRA, 2003, p. 1).
No artigo 3o, lê-se:

A ação do município a que se referem os artigos 1o


e 2o, dar-se-á pela: concessão de bolsas ou bene-
fícios mensais equivalentes, no caso de não haver
vaga na rede pública, de 30% (trinta por cento) a
100% (cem por cento) do custo de cada criança/
mês nas unidades da Rede Pública Municipal de
que trata o artigo 1o.fornecimento de material es-
colar ou de recursos para a sua aquisição (LIMEI-
RA, 2003, p.1).

Segundo o secretário municipal de educação, em con-


formidade com o decreto no 420/2010, o valor repassado
as instituição privadas equivale a 100% do custo de cada
criança/mês em período integral nas unidades da rede
pública (OLIVEIRA, 2013). No que concerne ao valor
pago a cada instituição e à verba destinada ao programa
encontra-se decreto: “Art. 9o O valor a ser pago a cada
147
PÚBLICO X PRIVADO

instituição de ensino, por vaga disponibilizada e ocupada,


será aquele baixado pelo Poder Executivo, a cada exercí-
cio, através de Decreto” (LIMEIRA, 2010, p. 5).
De acordo com o termo de concessão, “[...] o repas-
se será efetuado no prazo de até 10 (dez) dias após o
encerramento do mês, devendo a Secretaria Municipal
da Educação, através dos Agentes de Desenvolvimento
Educacional, atestar o Relatório Mensal das Atividades
da concessionária” (LIMEIRA, 2011, p.4). Já a prestação
de contas é tratada na cláusula oitava do termo de con-
cessão, que impõe à concessionária a entrega de informa-
ções e documentos ao poder público, por meio da SME
(OLIVEIRA, 2013).
Após a criação do Programa Bolsa Creche em Limeira,
o município de Araras, que também possuía uma deman-
da reprimida substancial por creche, teve conhecimento
do mesmo e seis anos depois publicou lei municipal nº
4.269 de 30 de julho de 2009, que institui o programa
de auxílio-creche às crianças não atendidas na rede muni-
cipal de ensino (creches) no município de Araras. A 4 de
agosto de 2009, foi publicado, no diário oficial do muni-
cípio, o Decreto nº 5.678, que regulamenta o programa
auxílio-creche.
Uma diferença do Programa descrito anteriormente é o
fato do Programa Pró-Creche instituir parcerias somente
entre o poder público municipal e instituições de edu-
cação infantil lucrativas. Sendo que no município existe
convênio com uma associação sem finalidade lucrativa,
mas esta não foi incluída no Programa Pró-Creche.
O recurso utilizado no Programa, para conceder bolsas
de 100% a crianças de 0 a 3 anos em escolas particulares
que não encontram vaga na rede pública de creche, se-
gundo a lei que o institui, corre “por conta de dotações
próprias consignadas no orçamento vigente, suplemen-
148
EM TEMPOS DE GOLPE

tadas, se necessário” (ARARAS, 2012, s/p.) e é reajusta-


do anualmente segundo o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA). Entretanto no ano de 2012
as escolas stricto senso concessionárias do poder público
começaram a ser incluídas no censo escolar como insti-
tuições comunitárias conveniadas com o poder público
e consequentemente essas vagas começaram a receber re-
cursos do Fundeb (COSTA, 2014).
Segundo o autor do Projeto de lei que instituiu o Pro-
grama Pró-Creche no município, o Programa “foi uma
solução com custo beneficio muito grande para popula-
ção”. Sendo que a prefeitura já havia firmado 2 vezes um
Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) junto com o
Ministério Público, para solucionar o problema da de-
manda, mas ainda não havia realizado ações efetivas para
tanto. Utilizando, assim, a desproporcionalidade de vagas
em creche como justificativa promulgada para a imple-
mentação do Programa Pró-Creche, como uma alternati-
va emergencial (COSTA, 2014).
De acordo com o mesmo entrevistado, a denominação
Programa Pró-Creche foi inspirada no Programa Univer-
sidade para todos –ProUni (COSTA, 2014). Realizado
pelo Governo Federal, o ProUni também se materializa
como uma política que concede bolsas de até 100% para
os alunos, voltadas àqueles que desejam frequentar ins-
tituições privadas de educação superior e que satisfaçam
diversos requisitos.
No Programa Pró-Creche, a família deve atender os se-
guintes critérios para a concessão da bolsa:

I – estarem aguardando vagas na lista de espera de


uma escola pública municipal;
II- manterem residência no município de Araras;
III- estarem empregados;

149
PÚBLICO X PRIVADO

IV – os pais desempregados também serão inseri-


do no Programa de Auxílio-creche, desde que fique
constatado pela Secretaria Municipal de Ação e In-
clusão social que estão desprovidos de recursos para
cuidar de seus filhos de zero a três anos
Parágrafoúnico - A criança não poderá estar ma-
triculada em escola pública ou privada durante o
período de triagem ou matriculada, salvo os casos
de transferência comprovada por mudança de en-
dereço (ARARAS, 2009, art. 4º)

A evolução do Programa Pró-Creche foi representativa


em cinco anos. Começando pela disponibilidade de recur-
sos para o mesmo, observamos que em sua formulação a
parceria poderia absorver até 3% dos recursos destinados à
educação no município, o que foi modificado pela lei nº
4.530 de 18 de maio de 2012, que aumenta o percentual
de 3% para 5% do recurso da SME. Sendo que em valores
reais, a injeção de recursos públicos à iniciativa privada pra-
ticamente dobrou e o programa expandiu em 90%.
Enquanto isso, a rede municipal de creche cresceu so-
mente 23% em 5 anos. Sendo que a partir de 2011 o nú-
mero de vagas disponibilizadas pelo poder público para a
população em instituições privadas parcerias foi maior do
que nas instituições públicas diretas.
Aferiu-se que objetivo promulgado do PPC, no muni-
cípio, não foi alcançado, pois, mesmo com a expansão do
PPC, a fila de espera por creche no município manteve-se
crescente, de 2008 a 2012. Os entrevistados envolvidos no
fenômeno declaram não acreditar na extinção do progra-
ma, mas pelo contrario, acreditam em sua ampliação. Assim
como salientou o ex-secretário da educação municipal e au-
tor do projeto de lei que institui o Programa Pró-Creche:
“[...] Acredito que nunca vai ter uma paralisação deste pro-
150
EM TEMPOS DE GOLPE

jeto [...] o programa foi criado para ser ‘uma política pública
e não política eleitoreira’ [...] Estamos buscando a amplia-
ção e consolidação do Programa Pró-Creche no município”
(COSTA, 2014).
Assim como no Programa Bolsa Creche, o município de
Araras utiliza o termo de concessão para firmar tais parce-
rias na educação infantil. No termo de concessão é descri-
to as responsabilidades que as duas entidades envolvidas
possuem. Basicamente o poder público se compromete a
realizar o pagamento das bolsas, supervisionar e apoiar as
instituições, ficando a cargo das escolas particulares todas as
responsabilidades pelo o fornecimento de condições para o
atendimento de alunos de 0 a 3 anos, sem realizar cobran-
ça financeira das famílias, pois se entende que os recursos
advindos do Poder Público inclui todo o serviço e material
utilizados pelas instituições parcerias (ARARAS, 2009).
Para melhor compreender o que significa tal instrumento
normativo, utilizamos a definição de Di Pietro (2006, p.
294), que salienta que a concessão em sentido amplo é um
contrato “[...] pelo qual a administração confere ao parti-
cular a execução remunerada de serviço público ou de obra
pública, ou lhe cede o uso do bem público, para que explore
pelo prazo e nas condições regulamentares e contratuais.”
Bezerra (2008, p. 45) observa que “em uma análise mais
detalhada, essa modalidade de parceria [concessão] pode ser
entendida como uma forma de transferir funções adminis-
trativas do Estado para o setor privado, independente do
fato de haver ou não cobrança de tarifa dos usuários”.
A Concessão é regida pela Lei 11.079, de 30 de dezembro
de 2004, que institui e regulamenta as parcerias público-
-privadas. Tal legislação destaca a existência de dois tipos
de concessões: patrocinada e administrativa. No caso dos
Programas Bolsa Creche e Pró-Creche, utiliza-se a Conces-
são administrativa, pois esse tipo de concessão facilita a re-
151
PÚBLICO X PRIVADO

alização de serviços públicos à instituição privada, mas não


admite cobrança de tarifas dos usuários, sendo o poder pú-
blico que o remunera pelos serviços prestados (DI PIETRO,
2011, p. 154),
Bezerra (2008, p. 61), afirma que a Concessão adminis-
trativa é um dos instrumentos que:

[...] resultam da introdução de estratégias voltadas


para promover a flexibilização da administração
pública, em referência às propostas da reforma do
Estado empreendida nos governos do presidente
Fernando Henrique Cardoso (1995-1998; 1999-
2002). Tais propostas, ideologicamente defendidas
pelos proponentes da reforma como uma das con-
dições para o aumento da eficácia e da eficiência
dos serviços públicos, previam que o Estado trans-
ferisse para o setor privado as atividades que pudes-
sem ser controladas pelo mercado.

A concessão se diferencia dos tradicionais convê-


nios estabelecidos na educação infantil, pelo fato de que no
convênio, as duas partes têm o mesmo objetivo; no caso,
o atendimento educacional. Já, na Concessão, o interesse
das duas partes é diverso: o objetivo do poder público é o
atendimento educacional à população; para a instituição
privada, o objetivo é a obtenção de lucro (BRASIL, 1993).
Porém, Di Pietro (2011, p. 154) salienta que, tanto na
parceria público-privada quanto no convênio, a lógica uti-
lizada é a mesma: “delegar à entidade privada a execução
de serviço público”, ou seja, privatizar o serviço público.
Para sintetizar as similaridade e diferenças entre os dois
Programas de subvenção municipal apresentados, elabora-
mos um quadro com suas principais características.

152
EM TEMPOS DE GOLPE

Quadro 1: Programas Bolsa Creche e Pró-Creche


Bolsa Creche Pró-Creche

Criação (Lei) 2003 2009

Normatização Termo de Concessão Ampliação de oferta de vagas


para crianças de 0a 3 anos

Recursos disponíveis 1% do recurso da educação 5% do recurso da educação


municipal municipal

Tipo de instituição Privadas com e sem finalidade Privadas com finalidade lucrativa
lucrativa

Critérios de ingresso de alunos -Ser residente no município; - Ser residente no município;


-Pais estarem empregados; -Pais estarem empregados, ou
-Não possuir renda superior a 4 aqueles desempregados devem
(quatro) salários mínimos comprovar a falta de recursos
para cuidar de seus filhos;
- Estar em lista de espera na
escola pública.

Vagas subvencionadas 1156 760

Vagas em escolas públicas 8864 (2011)6 650 (2013)7

Número de instituições 15 (2012) 8 (2013)

Evolução das matrículas Ampliação de 4.524% (2007- Ampliação de 90% (2009-2013)


subvencionadas 2012)

Fonte: Elaborado pelas autoras.6


7

O quadro demonstra que diversos aspectos são seme-


lhantes nos Programas, mas isto não acontece em todos
os aspectos, demonstrando que o município de Araras,
trouxe inovações a partir do programa original.

Algumas Considerações

Entendemos que, nas últimas décadas, o Brasil vem le-


gitimando em seu aparato legal: avanços no entendimento
sobre o que seja a infância, em como entender a criança e
oferecer-lhe garantias institucionais para que se assegure,
na prática social, o direito desta a ter seu desenvolvimento
integral garantido por meio de consequente atendimento
educacional, pedagógico (ANGOTTI, 2010).

6 Número de Matrículas nas creches e pré-escolas públicas.


7 Número de Matrículas nas creches públicas.
153
PÚBLICO X PRIVADO

Ao mesmo tempo, as legislações abrem oportunidades


e incentivam o aumento de iniciativas de parcerias pú-
blico-privadas, que vêm se mostrando como estratégias
privatizantes que sucateiam uma das parcelas mais frágeis
da educação brasileira: a Educação Infantil. Consequen-
temente, “[...] hoje corre-se o risco de perdas de direitos
conquistados e adquiridos com muita luta em prol da in-
fância” (ANGOTTI, 2010, p. 16).
Os Programas Bolsa Creche e Pró-Creche, aqui anali-
sados, mostram a transferência de responsabilidade edu-
cacional do poder público para o a iniciativa privada, in-
jetando recursos públicos no mercado, financiando sua
expansão e fortalecimento na área educacional.
Para Di Pietro (2011, p. 08) privatização em sentido
amplo é representada pela “concessão de serviços e de
obras públicas e os vários modos de parceria com o setor
privado, inclusive a parceria público-privado”. Conside-
ramos, assim, que os dois Programas de parceria públi-
co-privadas apresentados neste trabalho se caracterizam
como uma estratégia privatizante na área educacional, a
qual segue as propostas neoliberais, expandidas a partir de
1990 no Brasil.
Segundo Adrião (2011), o movimento de privatização
aprofundou-se na educação pública brasileira, com a ela-
boração do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do
Estado (1995) e sua dita publicização. Adrião (2011, p. 7)
salienta que “[...] a gestão pública tem sido objeto de pro-
fundas alterações justificadas primeiramente pela dissemi-
nação de uma opção ideológica segundo a qual o setor
privado seria o padrão de eficiência e de qualidade a ser
seguido e perseguido”. Entretanto, como pode ser obser-
vado nos municípios de Araras e Limeira, essa ideologia
não condiz com a realidade, pois são as escolas públicas
que ofertam melhores condições de atendimento quan-
154
EM TEMPOS DE GOLPE

do comparadas com escolas particulares subvencionadas


(COSTA, 2014; OLIVEIRA, 2013) .
Silva Júnior e Sguissardi (2001, p. 119) ressaltam que
o Brasil, nesse movimento de reforma do Estado, passou
de interventor (estruturador) “[...] à condição de Estado
Gestor, que se desvincula de muitas de suas funções es-
pecíficas tradicionais, mormente no setor de serviços, e
as transfere total ou parcial para o mercado”. O Progra-
ma Bolsa Creche e Pró Creche são exemplos desse movi-
mento, no qual o poder público se desresponsabiliza por
parte considerável do atendimento da educação infantil,
somente se comprometendo a repassar recursos, supervi-
sionar e apoiar as instituições particulares se necessário.
Montaño (2005), salienta que com a privatização do
ensino, há a perda de direitos dos trabalhadores da educa-
ção, historicamente proclamadas, resultante da flexibiliza-
ção da contratação de funcionários. Por a contratação dos
funcionários das escolas subvencionadas aqui estudadas
serem responsabilidade da instituição privada, ou seja,
guiadas e pertencerem a lógica do mercado, lucrativa, a
instituição procura aumentar sua mais-valia, reduzindo os
salários, aumentando a quantidade de funções por pro-
fissional, aumentando o número de horas trabalhadas e,
assim, precarizando as condições de trabalho dos mesmos
(COSTA, 2014). Com isso, concordamos com Montaño
(2005, p. 26) quando ele afirma que esse “projeto neoli-
beral constitui uma radical ofensiva contra as conquistas
históricas dos trabalhadores”.
A abertura do Estado para as conquistas de espaço pelo
mercado atinge “atividades geradoras de benefícios que
não podem ser comercializados” (MORAES, 2000, p.
12), mas que sustentam e alavancam as estratégias e as
bases do sistema capitalista, sendo que sem que perceba-
mos a lógica privada, vem se naturalizando a cada dia em
155
PÚBLICO X PRIVADO

nosso meio, ao ponto de que quando se atentara respeito,


perceber-se-á que os “[...] dogmas legitimados pela vaga
neoliberal [...] nos dirigem sem que o saibamos”, mini-
mizando os direitos sociais historicamente conquistados
e tornando a privatização comum em nosso meio, sem
força de reivindicação. Salientamos então, que a expansão
do privado sobre o público, não se faz somente em busca
de lucros financeiros, mas também de poder de decisão
dentro do âmbito público.
Costa (2014, p. 278) ao analisar os efeitos do processo
de privatização em curso na educação Ararense, declara
que o aumento do número de atendimento de alunos na
educação infantil não vem sendo acompanhado qualitati-
vamente pelas condições de atendimento. Onde se obser-
va, duas condições de atendimento distintas para os mes-
mos alunos “[...] sendo que somente uma delas garante o
direto da criança de 0 a 3 anos, aquela pública, gratuita e
de qualidade, ou seja, aquela ofertada na rede municipal
de ensino”.
Segundo as legislações que sancionam os Programas
Bolsa Creche e Pró-Creche, os recursos utilizados em seu
financiamento correm por conta de dotações orçamen-
tárias próprias vinculadas a educação municipal. Entre-
tanto, de acordo com a Constituição Federal de 1988,
com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
de 1996, as escolas de educação infantil com finalidade
lucrativa não estão habilitadas a pleitear recursos públi-
cos (OLIVEIRA, 2007), nos deparamos, então, com uma
contravenção legal.
Ainda no caso do Programa Pró-Creche de Araras,
conforme Costa (2014), as vagas compradas pelo poder
público de instituições privadas stricto sensu, vem sendo
vinculadas no censo escolar como matrículas advindas de
instituições comunitárias. Sabendo que o Fundeb autoriza
156
EM TEMPOS DE GOLPE

que seus recursos sejam repassados para instituições pri-


vadas, mas somente para aquelas sem finalidade lucrativa,
entendemos que o município vem buscando subterfúgios
para captar maiores aportes financeiros advindos do Fun-
deb, pois com tal manobra, o poder público adéqua as
matrículas advindas do Programa Pró Creche a receber
recursos do Fundo.
Tendo tais colocações, concordam com Freitas (2012,
p.386) sobre o fato de que recursos públicos devem ser
investidos nas escolas públicas, pois é nela que estão ga-
rantidos efetivamente uma verdadeira democratização do
ensino de qualidade, com expansão qualitativa e garantia
de direitos da população à educação. “Transferir recursos
para a iniciativa privada só piora as escolas públicas” e
precariza o atendimento a população.

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gulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação – Fundeb, de que trata o art. 60 do Ato das

159
PÚBLICO X PRIVADO

Disposições Constitucionais Transitórias; altera aLei nº


10.195, de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos
das Leis nos 9.424, de 24 de dezembro de 1996, 10.880,
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EM TEMPOS DE GOLPE

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EM TEMPOS DE GOLPE

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(Footnotes)

1 Número de Matrículas nas creches e pré-escolas pú-


blicas.
2 Número de Matrículas nas creches públicas.

163
PÚBLICO X PRIVADO

Nota 1/2016

A APROVAÇÃO DA PEC 241


SIGNIFICA ESTRANGULAR A
EDUCAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA
E TORNAR LETRA MORTA
O PLANO NACIONAL DE
EDUCAÇÃO 2014-2024

Em 25 de junho de 2014, foi sancionado o Plano


Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, sem qual-
quer veto e após um longo processo de negociação,
tanto no parlamento quanto na sociedade brasileira.
Nas palavras do Deputado Henrique Eduardo Alves,
então presidente da Câmara dos Deputados:
O Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº
13.005/2014, é um instrumentode planejamento do
nosso Estado democrático de direito que orienta a
execuçãoe o aprimoramento de políticas públicas do
setor. Neste novo texto,fruto de amplos debates entre
diversos atores sociais e o poder público, estãodefinidos
os objetivos e metas para o ensino em todos os níveis
– infantil, básico e superior – a serem executados nos
próximos dez anos. (BRASIL, 2014, p.7)
E complementa:
O Plano Nacional de Educação é uma lei viva, a ser
lida, revisitada e, principalmente, observada. O seu
cumprimento é objeto de monitoramentocontínuo
e de avaliações periódicas realizadas pelo Ministério
da Educação(MEC), pelas comissões de educação da

164
EM TEMPOS DE GOLPE

Câmara e do Senado, pelo ConselhoNacional de Edu-


cação (CNE) e pelo Fórum Nacional de Educação.
(BRASIL, 2014, p.7)
Como ressalta Martins (BRASIL, 2014) este é o
nosso segundo PNE aprovado por lei e vem fortale-
cido pelas mudanças feitas no art. 214 da Constitui-
ção Federal através da Emenda Constitucional (EC)
nº 59/2009. Segundo o Consultor Legislativo, a nova
redação melhor qualificou o papel doPNE, ao estabe-
lecer sua duração como decenal – no texto anterior,
o planoera plurianual – e aperfeiçoar seu objetivo: ar-
ticular o sistema nacional deeducação em regime de
colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas eestra-
tégias de implementação para assegurar a manutenção
e desenvolvimentodo ensino, em seus diversos níveis,
etapas e modalidades, por meiode ações integradas das
diferentes esferas federativas. (BRASIL, 2014, p. 9)
Em particular, esta emenda à CF/88 incluiu o inciso
VI no art. 214 que determinou oestabelecimento de
meta de aplicação de recursos públicos em educação
como proporção do produto interno bruto no PNE.
Como se sabe, a ausência dessa determinação foi um
dos motivos alegados pelo Presidente Fernando Hen-
rique Cardoso para vetar a meta de investimento de
7% do PIB de recursos públicos em educação pública
prevista no PNE 2001-2011 (lei nº 10.172/2001)
Pois bem, o PNE 2014-2024, verdadeiro consenso
no âmbito da sociedade brasileira, definiu para a déca-
da iniciada em 2014 um conjunto de metas de amplia-
ção do atendimento e de melhoria da qualidade, to-
das com forte impacto no financiamento da educação,
como se lembrará a seguir.Por ter clareza disso que, na
meta 20, o legislador estabeleceu aampliação dos gastos
públicos em educação para 10% do PIB.
165
PÚBLICO X PRIVADO

A tabela 1, a seguir, faz uma síntese das metas de


maior impacto no atendimento.

Tabela 1 - Metas Ampliação de Matrículas do PNE


com Maior Impacto Econômico
Metas do PNE Situação Anual Meta PNE (2024) Demanda Estimada de
de Ampliação de Vagas (milhões)
Matrículas com Maior
Impacto Financeiro

Ampliação do 23,2% 50% 3,1


atendimento na faixa
de 0 a 3 anos

Obrigatoriedade na 81,4% 100% 1,4


faixa de 4 e 5 anos

Obrigatoriedade na 98,4% 100% 0,6


faiza de 6 a 14 anos

Obrigatoriedade na 84,3% 100% 1,5


faixa de 15 a 17 anos

Ampliação da 9,8 anos 12 anos 14


escolaridade média
da população (18 a
29 anos)

Ampliação da matrícula 13,5% 25% 5,8


em tempo integral na
educação básica

Atendimento 85,8% 100% 6,3


às crianças com
deficiência (4 - 17
anos)

Alfabetização de todos 91,5% 100% 13


os brasileiros com 15
anos ou mais

Reduzir à metade 29,3% 15,4% 14


o analfabetismo
funcional (15 anos
ou +)

Ampliação da educação 1,6 milhões 4,8 milhões 3,2


profissional técnica de
nivel médio

Ampliação da EJA 2,8% 25% 0,4


integrada à educação
profissional

Elevar a taxa bruta de 30,3% 50% 4,8


matrícula na educação
superior

* Ano de referência para a maioria das metas: 2013 ou 2014.


Fontes: INEP (PNE em movimento), para as colunas 2 e 3; e PNAD e Censo
Escolar para a coluna 4.

166
EM TEMPOS DE GOLPE

A síntese apresentada na Tabela 1, mostra com cla-


reza os desafios que se colocam ao país. Em etapas e
modalidades tais como creches, Educação Especial, Ed.
Profissional e Educação Superior, todas com elevado
custo por aluno, há uma necessidade superior a 17 mi-
lhões de matrículas. Somam-se a esses, os desafios da
Educação de Jovens e Adultos, uma modalidade que,
antes de mais nada, reflete os efeitos de um sistema
educacional que sempre negou uma educação de quali-
dade, quando não uma educação qualquer, aos milhões
de trabalhadores e seus filhos. Só em EJA, estamos fa-
lando de um desafio de cerca de 30 milhões de brasi-
leiros com direito a concluir seu ensino fundamental
e médio e a obter uma formação profissional técnica.
Só o desafio da escolaridade obrigatória de 4 a 17
anos, a ser assegurada já neste ano de 2016, implica
em matricular na educação básica mais 3,5 milhões de
estudantes. Como incluir esses novos alunos nas redes
estaduais e municipais de educação básica, que vivem
dos recursos do Fundeb, que têm sofrido queda real
desde 2013, sem um aumento da contribuição federal
ao fundo? Negar novos recursos da União ao Fundeb
significa uma inclusão perversa, fazendo com que mais
alunos compartilhem de um bolo de recursos que só
tende a cair, como se mostrará mais adiante.
Até aqui, falou-se dos desafios da quantidade, mas
restam aqueles referentes à melhoria da qualidade do
ensino, sem os quais, como já se disse, é impossível o
acesso com garantia de conclusão e aprendizado.
A Fineduca e a Campanha, historicamente, têm
criticado o uso do desempenho dos alunos no IDEB,
PISA, ou ENEM, como indicadores de qualidade da
escola onde estudam. Isso porque, pesquisas no mundo
todo mostram que 70% do desempenho dos estudan-
167
PÚBLICO X PRIVADO

tes em exames são explicados por fatores extraescolares,


tais como renda e escolaridade dos pais e desigualda-
de no acesso aos bens culturais de um país. Contudo,
para o objetivo dessa nota vale resgatar os valores das
mensalidades das escolas privadas com melhores notas
no Enem e compará-los com o que se gasta nas redes
públicas do país. O que se constata? Em 2011, a maior
nota do Enem foi do colégio Objetivo Integrado, que
não é dos mais caros da rede privada. Sua mensalidade
era de R$ 1.802,00. No mesmo ano, o valor propi-
ciado pelo Fundeb aos alunos da rede pública de São
Paulo foi inferior a R$ 240,00 por mês.E aqui se está
considerando que todo o recurso do Fundeb chega à
escola e ao aluno, o que, como se sabe, não ocorre, uma
vez que parte desses recursos é destinada ao pagamento
de aposentados, à manutenção dos órgãos centrais das
secretarias de educação; sem falar naquilo que é desvia-
do. A se considerar as escolas frequentadas pela classe
média alta vai se constatar que o valor de uma men-
salidade corresponde ao que se gasta durante todo o
ano com um aluno da rede pública; isso falando de São
Paulo, o estado mais rico da federação.
Então como dizer que dinheiro não faz diferença? A
Coreia do Sul, sempre citada como exemplo de quali-
dade, gasta, por aluno, três vezes mais que o Brasil; a
Finlândia, quatro vezes mais.
Elemento central da qualidade da educação, mos-
tram, também, todos os estudos, é a qualidade dos pro-
fessores. Bons professores fazem toda a diferença. O
Brasil possui mais de dois milhões de professores e são
formados, anualmente, mais de 250 mil licenciados.
Portanto não há falta de potenciais bons professores
no Brasil. O que falta é atratividade da profissão. O
PNE dedica quatro metas à valorização dos profissio-
168
EM TEMPOS DE GOLPE

nais da educação (15,16, 17 e 18) determinando que


todos tenham formação em nível superior obtido na
área em que lecionam (em 2013 eram apenas 50,6%)
com um plano de carreira adequado. Define ainda
que, até 2023, 50% dos professores possuam pós-gra-
duação e que, até 2020, os profissionais do magistério
da rede pública tenham seu rendimento médio equi-
parado àquele dos demais profissionais com nível de
formação equivalente.Considerando que, nessa data,
todos deverão possuir nível superior, isso implicaria
uma ampliação entre 60 e 90% dos valores atualmente
praticados. Como atingir essa meta sem recursos novos
para educação, considerando que, de cada cem reais
gastos com educação, 85 são destinados ao pagamento
de profissionais?
Por fim, restam as metas e estratégias que relacionam
diretamente a qualidade com seu custo e que se conso-
lidam na meta 20, a única que pode viabilizar todas as
outras. E aqui entra o CAQi (Custo Aluno-Qualidade
inicial), estratégia central para assegurar a todos os bra-
sileiros uma escola com padrões básicos de qualidade.
Hoje, o valor recebido no âmbito do Fundeb pelos es-
tados e municípios mais pobres não é estabelecido por
qualquer critério de qualidade, mas tão somente pelo
grau de pobreza do ente federado e da complementação
da União de, no mínimo - mínimo que vira máximo
- um montante correspondente a 10% dos valores que
o conjunto de estados e municípios aportam ao fundo.
A Tabela 2 mostra a distância que o valor mínimo
do Fundeb se encontra do CAQi, que foi aprovado, em
2010, pelo Conselho Nacional de Educação e, até hoje,
não homologado pelo MEC.

169
PÚBLICO X PRIVADO

Tabela 2 - A distância entre o Fundeb e o CAQi


Critérios para CAQi (% PIB CAQi (R$) Valor Mínimo CAQi/
o CAQi per capita) do Fundeb Fundeb

I - Creche pública CAQi (Parec.


em tempo CNE/CEB 39,9 10.938,06 3.561,83 3,07
integral: nº 8/2010)

II - Creche Fator Fundeb


pública em tempo sobre CAQi 30,0 8.413,89 2739,87 3,07
parcial:

III - Creche Fator


conveniada em Fundeb s/ 35,5 9.943,69 3013,85 3,30
tempo integral: Caqi Creche
T Int.

IV - Creche Fator
conveniada em Fundeb s/ 24,0 6.731,11 2191,89 3,07
tempo parcial: Caqi Creche
T Int.

V - Pré-Escola em Fator Fundeb


tempo integral: S/CAQi 19,6 5.505,49 3561,83 1,55
pré-escola

VI - Pré-Escola CAQi (Parec.


em tempo CNE/CEB 15,1 4.234,99 2.739,87 1,55
parcial nº 8/2010)

VII - Anos iniciais CAQi (Parec.


do ensino CNE/CEB 14,4 4.038,67 2.739,87 1,47
fundamental nº 8/2010)
urbano

VIII - Anos CAQi (Parec.


iniciais do ensino CNE/CEB 23,8 6.675,02 3.150,85 2,12
fundamental no nº 8/2010)
campo

IX - Anos finais CAQi (Parec.


do ensino CNE/CEB 18,2 3.954,53 3.013,85 1,31
fundamental nº 8/2010)
urbano

X - Anos finais do CAQi (Parec.


ensino CNE/CEB 18,7 5.104,43 3.287,84 1,55
fundamental no nº 8/2010)
campo

XI - Ensino Fator Fundeb


fundamental em sobre CAQi 14,5 5.250,27 3.561,83 1,47
tempo integral Anos Iniciais

XII - Ensino CAQi (Parec.


médio urbano CNE/CEB 18,9 4.066,71 3.424,83 1,19
nº 8/2010)

XIII - Ensino Fator Fundeb


médio no campo s/Caqi E 18,9 5.286,73 3.561,83 1,48
Médio

XIV - Ensino Fator Fundeb


médio em tempo s/Caqi E 18,9 5.286,73 3.561,83 1,48
integral Médio

170
EM TEMPOS DE GOLPE

XV - Ensino Fator Fundeb


médio integrado à s/Caqi E 28,8 5.286,73 3.561,83 1,48
educação Médio
profissional

XVI - Educação CAQi (2x


especial e AEE CAQi Anos 23,8 8.077,33 3.287,84 2,46
Iniciais

XVII - Educação (CAQi


indígena e Campo Anos 23,8 6.675,02 3.287,84 2,03
quilombola Iniciais)

XVIII - Educação (CAQi Anos


de jovens e Iniciais) 14,4 4.038,67 2.191,89 1,84
adultos com
avaliação no
processo

XIX - Educação (=Ensino


de jovens e Médio
adultos integrada Integrado
à educação à educação 18,9 5.286,73 3.287,84 1,61
profissional de Profissional)
nível médio
com avaliação no
processo

XX - Pré-Escola Pré-Escola
conveniada Integral 24,0 6.731,11 3.561,83 1,89
Tempo Integral

XXI - Pré-Escola Pré-Escola


Conveniada Parcial 19,6 5.505,49 2.739,87 2,01
Tempo Parcial

Já a Tabela 3 indica de quanto deveria ser o comple-


mento da União ao Fundeb para que o CAQi fosse as-
segurado. Cabe lembrar que segundo PNE 2014-2024 o
CAQi já deveria estar em plena vigência a partir de junho
deste ano de 2016.

Tabela 3 - A Demanda de Recursos da União para


Viabilizar o CAQi(R$ milhões)
Recursos Recursos Previstos Complemento Complemento
Necessários para no Âmbito do da União Previsto Necessário para o
Garantir o CAQi Fundeb (2016) (2016) CAQi

RR 630 685 0 0

AP 957 864 0 93

AC 1.264 951 0 313

DF 2.075 1.748 0 327

RO 1.904 1.454 0 450

TO 1.826 1.304 0 522

171
PÚBLICO X PRIVADO

SE 2.062 1.501 0 561

MS 2.889 2.154 0 735

ES 3.721 2.821 0 901

RN 3.242 2.069 0 1.173

GO 5.351 4.156 0 1.195

MT 3.659 2.362 0 1.297

PB 3.868 2.246 181 1.622

AL 3.564 1.855 378 1.709

SC 6.424 4.695 0 1.729

PI 3.706 1.877 456 1.829

RS 9.395 7.723 0 1.672

AM 4.913 2.663 525 2.250

PR 10.423 7.670 0 2.754

RJ 11.496 8.614 0 2.881

PE 8.341 4.830 505 3.512

CE 8.538 4.067 1.342 4.471

MA 9.236 2.946 2.810 6.290

MG 18.143 12.087 0 6.056

PA 10.265 3.906 2.608 6.360

SP 38.252 31.407 0 6.845

BA 15.023 6.976 2.502 8.046

Soma 191.166 125.631 12.563 65.535

% do PIB (2015) 3,238 2,128 0,212 1,110

Fonte: Simulação da Fineduca a partir de dados do FNDE e do valor do CAQi.

Os dados da Tabela 3 indicam que, para viabilizar o


CAQi, a complementação da União deveria sair dos atu-
ais 0,212% do PIB para 1,11% do PIB. Não se pode dei-
xar de denunciar que a União, cuja receita de tributos é
superior a 17% do PIB, contribua com apenas 0,22% do
PIB para o Fundeb, principal mecanismo e financiamento
da educação básica, o que corresponde 1,3% de sua recei-
ta líquida de tributos.
Nesse sentido, preservar a complementação da União
da PEC 241 terá um efeito muito pequeno, dada a sua pe-
quena participação. De acordo com o PNE, e respeitando
o CAQi, a União deveria estar complementando o fundo
172
EM TEMPOS DE GOLPE

com um valor 5 vezes maior que o atual.

O mito do crescimento exagerado dos


gastos com educação

Uma das justificativas para a PEC 241 seria o enorme


aumento dos gastos públicos. Ora os dados apresentados
no Gráfico 1(abaixo) indicam que, em relação ao PIB,
os gastos educacionais apresentaram um crescimento de
2006 a 2013, mas que está longe de ser um crescimen-
to exorbitante e praticamente se estabilizaram a partir de
2010, em um patamar um pouco acima de 5% do PIB
que é claramente insuficiente para as demandas que se
apresentam para a educação nacional.

Gráfico 1 – Carga Tributária x Gasto em Educação

O mais grave, contudo, é que, a partir de 2012, em


termos reais os gastos da União com Manutenção e De-
senvolvimento do Ensino (MDE) só tem caído e devem
continuar a cair em 2016, como mostra o Gráfico 2. Vale
ressaltar que, de 2012 a 2015, houve uma redução de 15
bilhões de reais nas despesas com MDE. Portanto, conge-
lar os gastos da União no patamar de 2016, significa con-
gelar, por 20 anos, a obrigação da União com os jovens e
crianças do Brasil, condenando seu futuro.

173
PÚBLICO X PRIVADO

Gráfico 2 – Evolução dos gastos com


MDE da União (R$ bi de 2015)

Fonte: STN

E se olhamos para os Estados e Municípios, a situa-


ção também é crítica, pois, como se pode observar pelos
dados do gráfico 3, a partir de 2015 os recursos do Fun-
deb começaram a declinar em termos reais e, com certeza,
2016 representará a pior situação dos últimos anos. Isso
em um ano em que todas as crianças de jovens de 4 a
17 anos deveriam estar na escola, conforme estabeleceu a
Constituição Federal através da EC 59/2009.

Gráfico 3 – Evolução dos valores do Fundeb


de 2010 a 2015 (R$ de 2015)

Fonte: FNDE

174
EM TEMPOS DE GOLPE

Os Impactos Diretos da PEC 241

Existem várias formas de se medir o impacto para a educa-


ção da PEC 241, e todas elas mostram graves consequências.
No Gráfico 4 mostra-se como, na prática, a PEC 241 vai
corroendo a maior conquista da educação brasileira que foi
a vinculação de um percentual da receita de impostos para
a educação, definidos em um mínimo de 18% para a União
e de 25% para estados e municípios, introduzido na CF de
1934 e revogados apenas na ditadura do Estado Novo e com
o golpe militar de 1964. Pois é exatamente esse o efeito da
PEC 241, revogar a vinculação constitucional por 20 anos.

Gráfico 4- Efeitos da PEC 241 na vinculação da União

Elaboração: José Marcelino de Rezende Pinto (USP)


Obs: Considerando-se um crescimento real da receita de 3% ao ano.

Pelos dados apresentados no Gráfico 4, constata-se que,


partindo-se de um percentual de 18% e considerando-se um
crescimento da receita real de 3% ao ano, após 5 anos a vin-
culação já estaria em 16%; após 10 anos, em 13,8% e após
20 anos chegaria a 10,3%, ou seja, uma redução de 43% no
índice.
A situação aliás pode ser mais grave, pois, em 2015, a

175
PÚBLICO X PRIVADO

União aplicou 23% de sua receita líquida de impostos em


MDE, ou seja, cinco pontos percentuais acima do mínimo.
Se o atual governo continuar reduzindo os gastos até 2018,
quando se iniciaria o congelamento, a queda real de gastos
da União pode superar os 50%, o que representaria o colap-
so da rede federal de ensino, que sofreu forte expansão nos
últimos anos.
Outra forma de se ver os efeitos da PEC 241 seria um
olhar retrospectivo, ou seja, como estaria o gasto da União
com MDE se a PEC 241 já estivesse em vigor. Os dados são
apresentados na Tabela 4 com base em trabalho técnico feito
pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da
Câmara dos Deputados.

Tabela 4 - Efeitos da PEC 241 nos gastos da União com MDE,


considerando-se sua vigência a partir de 2010
Gastos com MDE (União) Gastos com MDE sob a vigência
(R$ bilhões correntes) da PEC 241
(valores efetivamente aplicados) (R$ bilhões correntes)

2010 33,7 33,7

2011 39,8 35,7

2012 56 38

2013 53,9 40,2

2014 56,8 42,6

2015 59,4 45,3

2016 59,7* 50,3

Diferença acumulada 73,6

Fonte: Fonte: Estudo Técnico 11/2016. Consultoria de Orçamento e Fiscalização


Financeira da C. dos Deputados, Marcos Mendlovitz
Obs: 2016: orçado

A Tabela 4 indica que se a PEC 241 já estivesse em vigor,


em 2010, somente o governo federal teria deixado de gastar
73,6 bilhões de reais em manutenção e desenvolvimento do
ensino em valores correntes; em valores corrigidos, seriam
mais de R$ 89 bilhões que a educação deixaria de receber.

176
EM TEMPOS DE GOLPE

Finalmente, cabe dizer que, muito embora esta Nota


Técnica aborde exclusivamente a questão do direito à edu-
cação, por ser a área de atuação tanto da Fineduca, quanto
da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, é preciso
que se vote contra toda a PEC 241/2016, já que ela colo-
ca também sob o teto dos investimentos as demais áreas
(como saúde e assistência social, por exemplo), e não há
direito mais importante que outro.
Outro engodo que se pretende passar é que essa medida
representa uma economia geral dos gastos públicos. Na ver-
dade, o gasto público mais daninho para a nação brasilei-
ra longe de ser reduzido, aumentará. Trata-se das despesas
com juros e encargos da dívida pública que, de 2012 a 2015
foram superiores a 1 trilhão de reais, recursos que, em sua
maioria, foram parar no bolso das famílias mais ricas do
país que não vivem do suor de seu trabalho, mas da espe-
culação financeira. É importante lembrar que a PEC 241
não congela esses gastos; na verdade libera mais recursos
públicos para o seu pagamento.

Referências

Brasil. [Plano Nacional de Educação (PNE)].Plano Nacional


de Educação 2014-2024: Lei nº 13.005, de 25 de junho de
2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá
outras providências. – Brasília:Câmara dos Deputados, Edi-
ções Câmara, 2014.86 p. – (Série legislação; n. 125).
Estudo Técnico nº 11/2016. Análise dos efeitos da PEC
nº 241 sobre aManutenção e Desenvolvimento do Ensi-
no. Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da
Câmara dos Deputados, Marcos Mendlovitz. Junho/2016.
Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-le-
gislativa/orcamentobrasil/estudos/2016/et11-2016-analise-
-dos-efeitos-da-pec-no-241-sobre-a-manutencao-e-desen-
volvimento-do-ensino>.
177
www.laurocampos.org.br
fundacao@laurocampos.org.br
Al. Barão de Limeira, 1.400 - C. Elíseos - São Paulo | SP

Este livro foi composto em Agaramond em corpo 11,5


e os títulos em corpo 13 bold.

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