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14 a 18 de dezembro de 2021
RESUMO:
O presente estudo trata da atuação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) nas políticas educacionais, tendo como referência parcerias deste organismo internacional
com redes públicas do estado de Alagoas e do município de Maceió. Objetiva-se discutir o nível de
influência do referido organismo internacional no processo de reestruturação das bases políticas e
pedagógicas da educação pública. Para tanto, a metodologia do trabalho recorreu ao estudo de
referenciais que analisam de forma crítico-reflexiva as ações do PNUD na educação, a regulação
gerencialista e economicista da educação, e a atuação do PNUD em parcerias com as secretarias de
educação de Alagoas e de Maceió. Além disso, foram consultados materiais elaborados pelo PNUD e
pelas secretarias de educação de Alagoas e de Maceió, tratados metodologicamente como
documentos de política educacional. O estudo evidencia que o PNUD tem atuado nas políticas
educacionais, principalmente, por meio de parcerias firmadas com diversos governos, seja no âmbito
federal, estadual ou municipal, como ocorreu no estado de Alagoas e no município de Maceió.
Nessas experiências, a organização multilateral em questão prescreveu fundamentos e ações para a
regulação da educação, via implementação do gerencialismo, o que implicou, por um lado, na busca
dos resultados e metas fixados pelas parcerias e, por outro lado, na desconsideração das
necessidades dos estudantes de escolas públicas e das demandas dos profissionais que atuam
cotidianamente na execução das políticas educacionais.
1 INTRODUÇÃO
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educação e sua atuação no Brasil, e de ações desse organismo internacional em
parcerias em educação firmadas com os governos de Alagoas e de Maceió.
1O IDH é uma medida que avalia de forma sintetizada o desenvolvimento humano a partir de três
dimensões básicas (renda, educação e saúde), considerando as características sociais, culturais e
políticas que influenciam a qualidade de vida do ser humano (PNUD, 2020b).
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desenvolvimento humano sustentável a ser alcançado mundialmente entre os
anos de 2016 a 2030. De um modo ou de outro, o foco está no alcance de “[...]
resultados pragmáticos na expansão de capacidades, por meio de projetos e
programas de desenvolvimento, sem demandar alterações radicais na ordem
econômica internacional” (MACHADO; PAMPLONA, 2008, p. 81).
Ambos os documentos expressam uma visão economicista da educação,
entendida como instrumento para a geração de impactos positivos na economia,
por meio da formação de capital humano capaz de ampliar a produtividade do
trabalho e de aperfeiçoar as capacidades de participação e de interação social.
Trata-se, em especial, da adoção de um conjunto de conhecimentos, habilidades,
atitudes e valores considerados necessários para potencializar a força de trabalho e
intensificar a produtividade do trabalhador, logo, para explorá-lo de forma mais
intensa; em síntese, se dissemina uma noção de educação restrita à formação dos
sujeitos para o mercado de trabalho, secundarizando uma formação integral que
desenvolva as dimensões intelectuais, emocionais, físicas, sociais e culturais dos
sujeitos (FRIGOTTO, 2013).
Portanto, ao formular conceitos, disseminar documentos de alcance global
e atuar nacional e localmente por meio de parcerias, o PNUD acaba por estimular
processos determinados de regulação institucional e política, os quais dizem
respeito a “[...] modos de orientação, de coordenação e de controle dos atores que
são objetivados e institucionalizados em dispositivos materiais, legais, técnicos e
informacionais, e derivam de uma ação pública e estatal [...]” (MAROY, 2010, p. 1).
Nessa direção, quando governos nacionais ou locais inserem nas políticas
educacionais as concepções e orientações prescritas pelo PNUD, podem estar
sendo provocadas, em última instância, alterações substanciais nas escolas como,
por exemplo, a fixação das chamadas “boas práticas” a serem cumpridas por
gestores e professores e o direcionamento da avaliação dessas práticas
considerando, principalmente, o grau de cumprimento das ações estabelecidas pela
instituição transnacional. Trata-se, grosso modo, da adoção do gerencialismo como
ideologia, como estrutura calculista orientada pela eficiência traduzida em
alcance de resultados, e como um conjunto de discursos prescritivos que intenta
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a introdução de “[...] um ethos de negócios do setor privado no estado e no setor
público” (NEWMAN; CLARKE, 2012, p. 358).
Uma das ferramentas comumente utilizadas pelo PNUD para regular a
educação pública é a parceria com governos de diversos países, estados e
municípios, oficializada mediante dois instrumentos de cunho político e burocrático,
chamados de Execução Nacional e Acordos de Cooperação Técnica. O primeiro
corresponde à norma de implementação dos programas e projetos da ONU, em que
os governos participantes destas atividades têm a possibilidade de atuarem em
conjunto com agências daquele organismo internacional, como o PNUD, e também
em articulação com outros agentes e instituições privados, como organizações não-
governamentais e grupos comunitários, por exemplo (UNDP, s/d). E o segundo se
refere aos documentos que o PNUD e outras organizações multilaterais elaboram
para firmar parcerias com os governos (MACHADO, 2008).
Nas parcerias seladas especificamente entre o PNUD e o governo brasileiro,
o documento do Acordo de Cooperação Técnica é denominado de Country
Cooperation Framework (CCF) e nele constam os objetivos, as metas e as
estratégias de desenvolvimento a serem buscados pela parceria (MACHADO, 2008).
Esses acordos do PNUD com o Brasil são coordenados pela Agência Brasileira de
Cooperação2 (ABC), que é vinculada ao Ministério das Relações Exteriores e tem a
função de implementar e coordenar a cooperação técnica internacional no país, com
o intuito de promover o desenvolvimento nacional e dos parceiros, além de negociar,
aprovar, acompanhar e avaliar as parcerias (BRASIL, 2014).
Em vista disso, na educação brasileira, o PNUD tem elaborado e executado
programas e projetos educacionais com o suposto objetivo de universalizar a
educação básica para que o país alcançe um desenvolvimento sustentável. No
entanto, o que se percebe é uma assimetria entre as funções desempenhadas pelo
governo e pela instituição transnacional nesses programas e projetos educacionais –
geralmente, efetivados por parcerias público-privadas –, posto que o PNUD está
2Segundo Chediek (2017), a ABC foi criada em 1987 a partir do apoio do PNUD, quando este último
estabeleceu um modelo de cooperação técnica a ser fortalecido institucionalmente no Brasil, com a
finalidade de obter resultados concretos de desenvolvimento. Desde essa aproximação, a relação
entre o PNUD e a ABC tem se consolidado, o que demarca a organização transnacional da ONU
como um parceiro histórico do Brasil (CHEDIEK, 2017). Em face disso, é possível supor que o PNUD
vem há décadas influenciando significativamente a condução de políticas do governo brasileiro de
diferentes maneiras.
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centrado nos papéis de parceiro do governo, facilitador de gestão, assistente de
projetos e monitor de desempenho, fixando os termos entre o PNUD e o governo,
controlando os fundos dos programas e monitorando o desempenho dos mesmos; e
o governo, por sua vez, é responsável pela execução final dos programas (UNDP,
s/d). Entre essas ações estão o Projeto de Cooperação Técnica MEC-PNUD-
SEE/AL, resultante da parceria entre o Ministério da Educação (MEC), o PNUD e a
Secretaria Estadual de Educação de Alagoas (Seduc), e o chamado MEC-PNUD II,
de nº 77150, tendo o PNUD, o MEC e a Secretaria Municipal de Educação de
Maceió (Semed) como parceiros (PNUD, 2012).
3 Governador de Alagoas de 2007 a 2015, filiado ao Partido da Social Democracia Brasileiro (PSDB).
4 Com o término do governo Vilela Filho, em 2015, a nova gestão de Alagoas, assumida por Renan
Filho, encerrou o Alagoas Tem Pressa, por ter entendido que este macroprograma não gerou
resultados positivos devido à centralização da tomada de decisões e da atuação de um único núcleo
especial de trabalho, que não propiciou, de fato, a participação das outras secretarias alagoanas
(BUARQUE, 2015).
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atuação deste em praticamente em todas as etapas do Programa, desde a sua
proposição até a organização, elaboração e avaliação de como ele foi executado
pelo estado (AMORIM; PAZ, 2012).
Já na educação municipal de Maceió, o PNUD celebrou parceria com o MEC
e o governo maceioense, expressa em dois programas. No governo de Cícero
Almeida5, a parceria com o PNUD foi operacionalizada no Programa Cidade Educar,
com as finalidades de universalizar o acesso à educação básica, melhorar a
qualidade da aprendizagem, garantir a permanência dos estudantes nas escolas e
elevar os indicadores educacionais municipais, especialmente, os do Ideb (MACEIÓ,
2011a).
Para tanto, o Cidade Educar definiu uma série de ações voltadas à gestão
educacional, práticas pedagógicas, formação docente continuada e dos profissionais
do apoio escolar, avaliação, infraestrutura e recursos pedagógicos (MACEIÓ,
2011b). Todavia, após 18 meses foram cessadas a “[...] assistência do PNUD e o
financiamento do MEC [...], possivelmente pela desorganização e ausência de
clareza dessa rede de ensino quanto à orientação a ser dada à política educacional”,
como indica Braz (2019, p. 59). Apesar do breve tempo de execução, é possível
supor que o Cidade Educar representou a abertura para a introdução das primeiras
orientações gerencialistas na condução da política educacional municipal, sob a
orientação do PNUD.
Com a eleição da gestão Rui Palmeira6, em 2013, o diálogo com o PNUD foi
retomado, quando a Prefeitura de Maceió e a Semed tomaram a iniciativa de
restabelecer a parceria com aquela instituição transnacional, o que resultou na
incorporação da rede municipal no Projeto MEC-PNUD II nº 77150, oficializando
nova cooperação técnica por intermédio da parceria entre o MEC, o PNUD e a
Semed, implementada pelo Programa Viva Escola (MACEIÓ, 2013a, 2013b; PNUD,
2019).
Por sua vez, o objetivo da parceria MEC/PNUD/Semed foi promover
melhorias na gestão e na qualidade da educação básica de Maceió a partir da
5 Prefeito de Maceió de 2005 a 2012, pertenceu a diversos partidos no período (Partido Democrático
Trabalhista – PDT; Partido Trabalhista Brasileiro – PTB; Partido Ecológico Nacional – PEN; Partido
Social Democrático – PSN).
6 Prefeito de Maceió de 2013 a 2020, filiado ao PSDB.
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adoção de padrões básicos de funcionamento, de mudanças nos baixos indicadores
educacionais do município e da reestruturação do ensino com a elaboração e a
utilização de documentos, estudos, planos de ações e metas (MACEIÓ, 2013a;
2013b). No período de vigência dessa parceria (2014-20197), a educação
maceioense incorporou práticas de governança (BRAZ, 2019) que desencadearam
um intenso processo de regulação almejando a afirmação do gerencialismo como
fundamento da política educacional municipal (SILVA, 2021). Segundo a autora, no
conjunto de ações do Programa Viva Escola, a gestão por resultados, por um lado, e
o monitoramento e controle de processos, por outro, foram mecanismos de
regulação acionados pela Semed, por meio de instrumentos gerenciais a eles
articulados.
No caso da gestão por resultados, podem ser citados a definição do Ideb
como referência de avaliação da qualidade educacional, a premiação financeira por
desempenho e os simulados preparatórios para o Ideb; quanto ao monitoramento e
controle de processos, foram utilizados os seguintes instrumentos gerenciais:
documentos norteadores sobre os padrões básicos de aprendizagem; rede de
parceiros; formação continuada para os profissionais da rede municipal de ensino;
eventos de planejamento, avaliação e divulgação da parceria MEC/PNUD/Semed;
mudanças curriculares com a adoção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC);
autoavaliação dos resultados escolares e geoprocessamento para o monitoramento
da qualidade educacional (SILVA, 2021).
Além do alcance das metas do Ideb – em 2017 e 2019 nas séries iniciais e
em 2019 nas séries finais do ensino fundamental – pela rede municipal de ensino de
Maceió, outros êxitos da parceria com o PNUD foram destacados pela Semed e
pelos representantes da agência da ONU: “O saldo desse trabalho, segundo a
secretária, fica para a rede de ensino e se transforma em uma política de estado,
não apenas de uma gestão” (MACEIÓ, 2019). O artificialismo dos resultados e a
7Em outubro de 2013 ocorreu a oficialização da parceria MEC/PNUD/Semed, mas foi em janeiro de
2014 que se realizaram as suas primeiras atividades (MACEIÓ, 2014). É válido explicar também que
a previsão para o encerramento dessa parceria era o ano de 2020, momento em que seria finalizado
o segundo mandato do governo municipal que ensejou a criação da referida parceria. Contudo, a
mesma teve que ser concluída em outubro de 2019, antes do tempo previsto, devido à suspensão do
envio de recursos pelo MEC, que inviabilizou a continuidade das ações (MACEIÓ, 2019).
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diminuição da autonomia das unidades escolares, entretanto, indicam que não há
muito a ser comemorado.
A discussão travada até aqui indica o acentuado grau de influência do
PNUD na condução da política educacional alagoana e maceioense nas últimas
décadas, aprofundando a adoção do gerencialismo como modelo de gestão
assentado em concepções e ações oriundas do setor privado e orientado pela
busca de resultados. Essa influência extrapola o tempo definido nos acordos de
cooperação, uma vez que noções e práticas estimuladas pelo PNUD são
incorporadas pelas secretarias de educação em questão, mesmo após o término
dos vínculos formais com aquele organismo.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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parcerias enquanto as secretarias de educação estadual e municipal ficaram
circunscritas à execução das prescrições do PNUD. Tais atribuições assimétricas
ilustram como essa instituição transnacional pode influenciar a educação pública,
inclusive obstruindo mecanismos de gestão democrática e restringindo a autonomia
pedagógica, administrativa e financeira das escolas, conforme definido pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação n° 9.394/1996.
Nessa perspectiva, se compreende aqui que o PNUD tem regulado as
políticas educacionais por intermédio da inserção do gerencialismo, na medida em
que vem preconizando ações e concepções que induzem as escolas e os
profissionais que atuam nelas a buscarem os objetivos, metas e resultados
preestabelecidos pelo organismo internacional nas parcerias sob a justificativa de
que a adesão aos elementos propostos é fundamental para melhorar a qualidade
educacional e, consequentemente, promover o desenvolvimento econômico. Mas,
de fato, essas parcerias expressam o alinhamento de governos locais ao papel dos
organismos internacionais de “[...] guardiães da reprodução e segurança do capital
[...]” que, entre outras ações, estimulam “[...] reformas educativas para ajustar os
sistemas educacionais à nova (des)ordem mundial (FRIGOTTO, 2013, p. 11).
Desconsidera-se, assim, tanto as reais necessidades formativas dos
estudantes de escolas pública, como a participação e o protagonismo dos gestores,
professores e demais profissionais que vivenciam o cotidiano escolar, os quais
poderiam contribuir significativamente com os processos de reflexão, planejamento e
formulação das políticas educacionais, tendo em vista que estas são implementadas
por esses sujeitos nas unidades escolares.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Agência Brasileira de Cooperação. Diretrizes para o desenvolvimento da
cooperação técnica internacional multilateral e bilateral. Brasília: ABC, 2014.
BUARQUE, L. AL Tem Pressa termina sem resultados: Programa que custou R$ 5,2
mi apresenta desempenho pífio. Gazeta de Alagoas, Maceió, p. 1-2, 20 ago. 2015.
UNDP. National Execution: Promise and Challenges. New York: UNDP, s/d.
Disponível em: <http://web.undp.org/evaluation/documents/nec6.htm> Acesso em:
01 jan. 2021.
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