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PARA ALÉM DA EFICIÊNCIA E DA EFICÁCIA: Em Defesa de uma Cultura


Humanista Como Antídoto ao Empresariamento da Educação

Chapter · May 2023

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3 authors:

Altair Alberto Fávero Junior Bufon Centenaro


Universidade de Passo Fundo Universidade de Passo Fundo
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Antônio Pereira dos Santos


Universidade de Passo Fundo
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A PESQUISA EM POLÍTICA EDUCACIONAL: CARACTERÍSTICAS EPISTEMOLÓGICAS DE TESES NO PERÍODO DE 2013 A 2016. View project

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ABORDAGENS
DIVERSIFICADAS
dos Temas Urgentes na
Educação Contemporânea

Maria Cristina Pansera-de-Araújo


Eva Teresinha de Oliveira Boff
Alisson Vercelino Beerbaum
Diessica Michelson Martins (in memoriam)
Organizadores
Coleção Educação em Ciências

Maria Cristina Pansera-de-Araújo


Eva Teresinha de Oliveira Boff
Alisson Vercelino Beerbaum
Diessica Michelson Martins (in memoriam)
Organizadores

ABORDAGENS
DIVERSIFICADAS
dos Temas Urgentes na
Educação Contemporânea

Ijuí
2023
2023, Editora Unijuí Rua do Comércio, 3000
Bairro Universitário
Editor 98700-000 – Ijuí – RS – Brasil
Fernando Jaime González
Diretora Administrativa (55) 3332-0217
Márcia Regina Conceição de Almeida
Capa editora@unijui.edu.br
Alexandre Sadi Dallepiane
Responsabilidade Editorial, www.editoraunijui.com.br
Gráfica e Administrativa
Editora Unijuí da Universidade Regional
do Noroeste do Estado do Rio Grande do fb.com/unijuieditora/
Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)
Conselho Editorial instagram.com/editoraunijui/
• Fabricia Carneiro Roos Frantz
• João Carlos Lisbôa
• Vânia Lisa Fischer Cossetin

Apoio:

Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
A154
Abordagens diversificadas dos temas urgente na educação contemporânea
[recurso eletrônico] / organizadores Maria Cristina Pansera-de-Araújo … [et
al.]. – Ijuí : Ed. Unijuí, 2023. 311 p. ; 30 cm. – (Coleção educação em ciências).
Formato digital.
ISBN 978-85-419-0361-5 (digital)
1. Educação contemporânea. 2. Formação docente. 3. Formação continua-
da. 4. Tecnologias da educação. I. Araújo, Maria Cristina Pansera-de.
CDU: 376

Bibliotecária Responsável:
Cristina Libert Wiedtkenper
CRB 10/2651
A Coleção EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS da Editora Unijuí constitui-se em novo esforço para
ampliar a divulgação de trabalhos que se preocupam com a melhora das condições do
ensino das Ciências Naturais e que tenham como foco a formação de professores e pro-
fessoras em todos os níveis da escolarização. Com o crescimento da Pós-Graduação das
áreas da Educação e do Ensino em Ciências e Matemática, aumentou muito o número
de trabalhos que podem contribuir para a formação inicial e continuada dos professores
da área científica, nos diversos campos que compõem os conhecimentos necessários ao
exercício do magistério. Assim, poderão ser publicados livros que tratam de inovação
e produção curricular na área das Ciências Naturais, formação de professores, temas
específicos de formação – aprofundamento de conhecimentos sobre os quais os pro-
fessores são sempre inquiridos e textos de divulgação científica –, aspectos de teorias
de ensino e aprendizagem que sustentam novas abordagens curriculares e metodolo-
gias de pesquisa em educação científica, temas transversais que circundam as Ciências
Naturais – questões ambientais, sexualidade humana, diversidade cultural e outros.
Para a escolha e avaliação de originais é proposto Conselho Editorial interinstitucional
representativo da área.
Conselho Editorial:
Décio Auler (UFSM, RS)
Demétrio Delizoicov (UFSC)
Elizabeth Macedo (UERJ, RJ)
Flávia Maria Teixeira dos Santos (UFRGS, RS)
João Batista Harres (PUC, RS)
Lenir Basso Zanon (Unijuí, RS)
Leonardo Fabio Martinez Pérez (UPN – Colômbia)
Luiz Marcelo de Carvalho (Unesp, SP)
Marcelo Giordan (USP)
Maria do Carmo Galiazzi (Furg, RS)
Maria Emília Caixeta de Castro Lima (UFMG, MG)
Maria Ines Copello (Universidade de Montevideo)
Milton Antonio Auth (UFU)
Olival Freire Jr (Ufba, BA)
Rejane Maria Ghisolfi da Silva (UFSC)
Sílvia Chaves (Ufpa, PA)

Comitê Editorial:
Fernando Jaime González (Editora Unijuí, RS)
Otavio Aloisio Maldaner (Unijuí, RS)
Maria Cristina Pansera-de-Araújo (Unijuí, RS)
Diessica
Que a sua falta mova nossos desejos
Que nossas lágrimas não borrem
as boas lembranças
Nem apaguem os sonhos desta jovem
Que caberá a nós qualificar e defender.

(Paulo Evaldo Fensterseifer, 2023).


SUMÁRIO
PREFÁCIO................................................................................................. 10
Liliana Soares Ferreira
APRESENTAÇÃO...................................................................................... 14
Organizadores
TEMAS URGENTES NA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA:
Crise e a Catástrofe como Possibilidade e seu Lugar na Educação...........22
Fernando Bessa Ribeiro
A PROFISSÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA:
TRAJETÓRIA, IDENTIDADE E DESAFIOS..................................................... 42
Cristhianny Bento Barreiro
PARA ALÉM DA EFICIÊNCIA E DA EFICÁCIA:
Em Defesa de uma Cultura Humanista Como
Antídoto ao Empresariamento da Educação............................................53
Altair Alberto Fávero
Junior Bufon Centenaro
Antonio Pereira dos Santos
CONTEÚDO DE GENÉTICA NA COLEÇÃO DIDÁTICA
“MODERNA PLUS” PARA O ENSINO MÉDIO.........................................71
Alice Mafalda do Couto Miranda
Carina Copatti
FORMAÇÃO INTEGRADA E CULTURA DO SOFTWARE LIVRE:
Um Olhar a Partir do Conceito de Tecnologia em Álvaro Vieira Pinto......81
Adão Caron Cambraia
Maurício Moraes Gonçalves
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO ENSINO DE CIÊNCIAS:
Um Relato de Experiência Sobre Resíduos Sólidos...................................91
Dione Antunes
Rosangela Inês Matos Uhmann
Caroline Daiane Raduns
A IMPORTÂNCIA DO PPP NA CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO
DO ENSINO DE CIÊNCIAS DAS ESCOLAS DE EDUCAÇÃO BÁSICA......100
Inês Dahmer Stallbaum
Rosangela Inês Matos Uhmann
INICIAÇÃO TECNOLÓGICA NO ENSINO FUNDAMENTAL:
Projeto Pró-Robótica Para Desenvolver
o Pensamento Computacional............................................................... 109
Tiago Silva de Ávila
Adão Caron Cambraia
Uianes Luiz Rockenbach Biondo
Daniel da Silva da Cruz
Rafaela Gehrke
FORMAÇÃO DE PROFESSORES: Motivos e Sentidos Para Ensinar
Ciências da Natureza nos Anos Iniciais...................................................117
Cristiane de Almeida
REFLEXÕES DOCENTES ACERCA DO CURRÍCULO INTEGRADO
E DA EDUCAÇÃO PROFISSIONALE TECNOLÓGICA.............................128
Taniamara Vizzotto Chaves
Vanessa de Cássia Pistóia Mariani
Bianca Bueno Ambrosini
Larissa Cruz de Moura
Maria Teresinha Verle Kaefer
CARACTERÍSTICAS E IMPACTOS DA FORMAÇÃO CONTINUADA:
Docências de Professoras da Educação Infantil
Durante a Pandemia de Covid-19........................................................... 137
Luciane Frosi Piva
Viviane Catarini Paim
Gabriela Saueressig
Eduarda Sebastiany
DESENVOLVIMENTO DE TRILHAS ECOLÓGICAS COMO PROCESSO PEDA-
GÓGICO INTERDISCIPLINAR NA (TRANS)FORMAÇÃO DOS SABERES....147
Lezita Zalamena Schmitt
Elizandra Rasche Goettems
Vânia Dinara Rigon
O ESPAÇO E O TEMPO DO CURRÍCULO E DO CURRÍCULO
INTEGRADO NOS CURSOS DE LICENCIATURA DO IFFAR...................157
Márcia Adriana Rosmann
Beatris Gattermann
A PANDEMIA E A EPT:
Que Desafios Cabem à Gestão Educacional
da Educação Profissional e Tecnológica?................................................168
Priscila Ritzel
Giselda Mesch Ferreira da Silva
Júlia Rodrigues
Mariglei Severo Maraschin
A LEITURA CRÍTICA COMO DISPOSITIVO ANALÍTICO
NA FORMAÇÃO DOS JOVENS E ADULTOS:
Contribuições da Análise Crítica do Discurso.........................................177
Rozilene Vizzotto
Letícia Ramalho Brittes
Taniamara Vizzotto Chaves

ESTRATÉGIAS PARA PROMOVER A APRENDIZAGEM DE QUÍMICA


ANALÍTICA NO CURSO DE TECNOLOGIA EM ALIMENTOS.................187
Marieli da Silva Marques

FORMAÇÃO DOCENTE:
Desafios e Demandas da Formação
de Professores na Contemporaneidade.................................................194
Francieli Meotti Oliveira
Sidinei Pithan da Silva

A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO


ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA....................204
Renata de Menezes Soares
Renata Porcher Scherer

ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO:


Reflexões a Partir da Observação
de Aulas de Biologia no Ensino Médio...................................................213
Gustavo Zache
Beatris Gatterman
Clarinês Hames

RELACIÓN PROFESOR-ESTUDIANTE:
La Violencia Simbólica Como Aspecto Constitutivo del Tema................222
Alisson Vercelino Beerbaum
Eva Terezinha de Oliveira Boff
Maria Cristina Pansera-de-Araújo
Edi Branco da Silva

EM DEFESA DA PALAVRA:
Linguagem, Educação, Psicanálise e Democracia...................................242
Emanuel dos Santos
Luiz Felipe Vieira Amaral
Patrícia Feiten Pinto
PRÁTICAS INCLUSIVAS MEDIADAS PELAS TECNOLOGIAS DIGITAIS
DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA ÓTICA DOS PROFESSORES
DO ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO.........................250
Claudia Escalante Medeiros
Paula Vanessa Bervian
AS CIÊNCIAS HUMANAS NA ESCOLA, A FORMAÇÃO
PARA A CIDADANIA E AS DESIGUALDADES SOCIAIS:
Um Olhar Para a Escola Pública.............................................................. 259
Carina Copatti
Carla Riethmüller Haas Barcellos
Cláudia Eliane Ilgenfritz Toso
A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DA ESCOLA
BÁSICA EM CONTEXTO DE EDUCAÇÃO HÍBRIDA:
Desafios do Ensino e Potencialidades Formativas a Partir
das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs)............268
Maria Regina Johann
Sirlei Rigodanzo
Franciele da Silva dos Anjos Strohhecker
Sabrina Corrêa da Silva
EDUCACIÓN EN CIENCIAS Y CIUDADANÍA AMBIENTAL:
Un Encuentro Plural con Numerosos Retos y Oportunidades................277
Mónica Ofelia García Calvo
Isabel Garzón Barragán
MUSICALIZAÇÃO NA CRECHE:
De Que Forma é Trabalhada a Música com Crianças de 0 a 2 Anos?.....289
Adriana Silveira Campanharo
Mário Sergio Vasconcelos
Mariana Gallon
Vilma Aparecida Bianchi
CONSTITUIÇÃO DE ESPAÇOS INTEGRATIVOS DO PROCESSO DE
FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO CONTEXTO DA LICENCIATURA...298
Taiz Speroni
Adão Caron Cambraia
Renira Carla Soares
Lenir Basso Zanon
POSFÁCIO – O DESAFIO DA EDUCABILIDADE CIENTÍFICA.................. 307
Altair Alberto Fávero Gepes
PARA ALÉM DA EFICIÊNCIA E DA EFICÁCIA:
Em Defesa de uma Cultura Humanista Como Antídoto
ao Empresariamento da Educação

Altair Alberto Fávero1


Junior Bufon Centenaro2
Antonio Pereira dos Santos3

“Não há educação sem um ideal humano,


sem uma idéia de excelência humana” (Laval, 2003, p. 43).

INTRODUÇÃO
A educação, no modelo empresarial, é compreendida como um
investimento para o rendimento individual. Autores como Laval (2003),
Dardot e Laval (2016), Masschelein e Simons (2018), Pacheco (2003),
Martins (2016), entre outros, já apresentaram detalhados diagnósticos da
incursão da ideologia empresarial sobre a educação. Os problemas dessa
incursão são variados: o aprisionamento da educação formal ao capital
econômico mundial, a redução da escola e da universidade à formação
para o emprego, a transformação do conhecimento em fator de produção
e, ainda, a fragmentação da cultura humanista e a ascensão de uma subje-
tividade empresarial. Ao empregar a terminologia “ideologia empresarial

1
PhD pela Universidad Autónoma del Estado de México, doutor em Educação pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, graduado em Filosofia Licenciatura Plena pela Universidade de Passo Fundo.
Atualmente é professor titular III e pesquisador da Universidade de Passo Fundo. favero@upf.br
2
Doutorando em Educação pelo PPGEdu/UPF. Mestre em Educação pelo PPGEdu/UPF. Especializa-
ção em Espiritualidade pela Itepa Faculdades; Licenciatura em Filosofia pela UPF (2016). junior.
centenaro@bol.com.br
3
Graduado em Filosofia (bacharelado) pelo Instituto Superior de Filosofia Berthier. Licenciatura
plena em Filosofia na Universidade de Passo Fundo. Mestre em Educação no Programa de Pós-
-Graduação em Educação da Universidade de Passo Fundo. antoniops1993@gmail.com

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PARA ALÉM DA EFICIÊNCIA E DA EFICÁCIA: EM DEFESA DE UMA CULTURA HUMANISTA COMO ANTÍDOTO AO EMPRESARIAMENTO DA EDUCAÇÃO
Altair Alberto Fávero – Junior Bufon Centenaro – Antonio Pereira dos Santos

na educação” não estamos nos referindo somente à privatização das ins-


tituições de ensino, mas sobretudo da “cultura empresarial” que passa a
ser o modus operandi da educação formal de modo geral.
A eficiência e a eficácia, conceitos empregados e desenvolvidos na
gestão empresarial, aparecem como elementos norteadores nas políticas
e planos educacionais contemporâneos. Ser eficaz significa, na lógica da
empresa, “fazer as coisas certas”, aquilo que é útil e produz lucro. Essa
noção quando associada à educação, carrega um caráter fortemente geren-
cial e de controle daquilo que é ensinado. Os gestores estipulam aquilo que
deve ser alcançado buscando os melhores resultados quantificáveis possí-
vel. Ser eficiente consiste em “fazer certo” as coisas no nível operacional,
“identificar a forma adequada de (por exemplo, em termos da carga de
trabalho ou de custo)” (Masschelein; Simons, 2018, p. 122). Aquilo que é
empecilho para alcançar a eficácia precisa ser abandonado. Por exemplo, se
a gestão democrática torna as decisões demoradas, diminuindo a eficiência
da gestão escolar, o certo seria aderir a uma gestão centralizadora. Além
disso, se em educação o objetivo principal for alcançar lucros imediatos, a
parcela de humanidades e artes e os aspectos humanos da ciência são silen-
ciados, pois não fornecem lucratividade imediata (Nussbaum, 2015, p. 4).
Ao escrever este ensaio estamos cientes de que o ideal de forma-
ção do ser humano completo é de um tempo em que o trabalho não era
a preocupação exclusiva da vida. Na sociedade industrial e pós-industrial,
em que o trabalho passa a ser compreendido como aquilo que há de mais
importante, a educação tem sido atrelada a conhecimentos operacionais
para o exercício de uma profissão e para o progresso econômico dos países.
Mesmo assim, não hesitamos em questionar: Como pensar a educação
humanística (formação do ser humano completo) nesse modelo de socie-
dade? De modo mais específico, almejamos problematizar o seguinte: O
que significa pensar a educação humanística para além dos discursos cor-
rentes da eficiência e da eficácia que reduzem o conhecimento à dimensão
funcional, como mercadoria e fator de produção? O ensaio defende a tese
de que a educação deve proporcionar um processo formativo de cultivo
da humanidade, como direito humano, para além de uma visão estreita de
conhecimento e de educação que reduz o próprio ser humano a uma peça
na engrenagem do sistema neoliberal.
Nossa argumentação está estruturada em dois núcleos. No primeiro,
embasados em Nietzsche (2003) e Laval (2003), buscamos evidenciar que na
concepção empresarial de educação o processo é reduzido à dimensão fun-

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cional e o conhecimento é transformado em mercadoria e fator de produção,


subtraindo seu aspecto humano e social. No segundo núcleo, a partir das
reflexões de Nussbaum (2005, 2014, 2015), sustentamos que a cultura huma-
nista é fundamental para repor questões centrais da educação, excluídas pelo
modelo empresarial, entre elas a questão decisiva da educação como direito.

A EDUCAÇÃO E O CONHECIMENTO TRANSFORMADOS EM MERCADORIAS


E FATORES DE PRODUÇÃO4
Entre janeiro e março de 1872 o filósofo alemão Friedrich Nietzs-
che proferiu um conjunto de conferências que compõem o escrito Sobre
o futuro dos nossos estabelecimentos de ensino (2003). As conferências
foram dirigidas a um público de estudantes, intelectuais e personalidades
ilustres da época, quando Nietzsche procura ressaltar a enorme impor-
tância da educação e do ensino para a formação dos jovens e para o
desenvolvimento do pensamento e da cultura. O campo de investigação
das conferências são os estabelecimentos de ensino alemães da segunda
metade do século 19 (a escola primária, a escola técnica, o ginásio e as
universidades); o ponto de partida indicado por Nietzsche é a tese de que
a cultura é uma determinação da natureza e não pode ser compreendida
como estando separada dela; o resultado é a condenação dos princípios,
dos meios e dos efeitos criados pela modernização pedagógica operada nas
escolas da época. Tal condenação feita por Nietzsche se justificava por que
a resolução da questão pedagógica realizada pela modernização apoiava-
-se em duas correntes complementares: uma que defendia a ampliação
da cultura e outra que reduzia a cultura a uma simples função. Ambas as
correntes acabam produzindo consequências pedagógicas nefastas, dele-
térias e antinaturais, pois a educação não pode ser reduzida a uma questão
meramente burocrática e instrumental. A universalização da cultura malfei-
ta pode gerar, no entendimento de Nietzsche (2003), a “barbárie cultivada”,
enquanto que a “cultura reduzida a instrumento útil e funcional” gera o
especialista, “operário de fábrica”, distante e “alienado da cultura autênti-
ca, e produtor de uma pseudocultura que do mesmo modo concorre para
o advento da barbárie” (Melo Sobrinho, 2003, p. 11).

Uma versão anterior da versão dos tópicos a seguir foi publicada pelos autores Fávero, Centenaro
4

e Santos (2020) na coletânea Leituras sobre Educação e Neoliberalismo.

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Nietzsche (2003) critica os estabelecimentos de ensino de sua época,


pois com o verniz de um discurso de “pedagogia moderna”, acabam produ-
zindo um misto de erudição e futilidade, de cientificismo e jornalismo que
ajudava tão somente a formar “servidores do momento”, mas distanciava
a possibilidade de formar homens exigidos por uma cultura elevada, como
protagonistas de um destino superior. Para Nietzsche (2003) era neces-
sário forjar uma “nova concepção de educação” e uma “nova orientação
pedagógica” capaz de oportunizar aos estudantes uma “cultura autêntica”
que estivesse igualmente longe da “erudição estéril” quanto da linguagem
bárbara do “jornalismo medíocre”.
Quase 150 anos nos separam dos escritos das Conferências de Niet-
zsche. Muitos acontecimentos e mudanças estão em curso na cultura de
modo geral e nos estabelecimentos de ensino de modo específico. As crí-
ticas endereçadas por Nietzsche a ambos, no entanto, continuam rever-
berando, pois ainda nos deparamos com imensos desafios para enfrentar
os limites da “cultura útil” que produz a retórica da eficiência e da eficá-
cia. Como ressalta Laval (2003, p. 23, grifos do autor), “de modo geral,
o utilitarismo que caracteriza o ‘espírito do capitalismo’ não é contra o
saber em geral, nem mesmo contra o saber para um maior número de
pessoas, ele vê o saber como uma ferramenta a serviço da eficácia do
trabalho”. A educação, cada vez mais instrumentalizada para o mundo eco-
nômico, foi produzindo um discurso sempre mais sedutor de que se quer
que as escolas ensinem coisas úteis”, então devem se adaptar ao mundo
do mercado, qualificar profissionais, mão de obra e consumidores. Assim,
as escolas vão se adaptando cada vez mais para promover a “indústria da
formação”, ou seja, oferecer às indústrias “trabalhadores qualificados em
número suficiente e de formar, igualmente, futuros consumidores capazes
de utilizar os produtos mais complexos fabricados pelo sistema industrial”
(Laval, 2003, p. 9). O ensino transformou-se numa “indústria de massa” e se
torna responsável por dar conta de “três funções da educação moderna: a
formação de uma mão de obra qualificada, a mudança cultural que preva-
lece sobre a herança e a formação de cidadãos responsáveis” (Laval, 2003,
p. 10). Com isso, a educação deixa de ser um processo desinteressado e
de livre atividade humana para se tornar um empreendimento altamente
funcional a serviço do capital econômico.

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PARA ALÉM DA EFICIÊNCIA E DA EFICÁCIA: EM DEFESA DE UMA CULTURA HUMANISTA COMO ANTÍDOTO AO EMPRESARIAMENTO DA EDUCAÇÃO
Altair Alberto Fávero – Junior Bufon Centenaro – Antonio Pereira dos Santos

Ao se tornar um empreendimento funcional a escola tem o papel


de formar sujeitos “preparados” para a vida em sociedade, regulada, em
grande medida, pelas relações de trabalho que são amplamente modifi-
cadas na transição da sociedade industrial para a sociedade pós-industrial
e onde a ideia de “inovação” passa a ser o grande atrativo educacional.
Nesta transição, conforme ressalta Klaus (2017, p. 346), “diferentemente da
organização disciplinar do trabalho baseada na reprodução, o imperativo da
inovação, que guarda estreita relação com a lógica da empresa, inscreve-se
no cenário contemporâneo de instabilidade, incerteza, competitividade,
concorrência, volatilidade e mobilidade”. Assim, reconfigura-se o papel do
Estado e a emergência do capital humano e do empreendedorismo que
vão modificando drasticamente os valores sociais e as relações entre os
sujeitos. Para Bauman (2005, p. 18), neste cenário, “um dos diagnósticos
mais comuns é o desemprego, e em particular as baixas expectativas de
trabalho para os recém-saídos da escola que ingressam sem experiência
num mercado preocupado em aumentar os lucros cortando os custos com
mão de obra [...]”. Tudo isso produzido numa doutrinação neoliberal que
recomende aos jovens “serem flexíveis e não muito seletivos, não espera-
rem muito dos seus empregos, aceitá-los como são, sem fazer perguntas, e
tratá-los como oportunidade a ser usufruída de imediato, enquanto dure”.
A ideia do empreendimento funcional é reforçada com as teorias do
capital humano que, segundo Laval (2003, p. 25), tornou-se hoje “a doutri-
na dominante da educação” e que “mesmo distorcidas ideologicamente,
traduzem uma tendência muito real do capitalismo contemporâneo”. Por
capital humano os economistas designam o “estoque de conhecimentos
valorizáveis economicamente e incorporados aos indivíduos”. Para tanto,
há a necessidade de promover “qualificações” tanto por meio do “sistema
de formação” quanto pela “experiência profissional”. Os organismos inter-
nacionais são convergentes ao se referirem à ideia de capital humano como
estratégia de desenvolvimento. Num documento de 2014, por exemplo,
intitulado Fomentando o desenvolvimento inclusivo na produtividade da
América Latina, a OCDE, ao falar da “base do capital humano”, ressalta que
“é essencial que se promova o amplo acesso à educação de qualidade e ao
treinamento profissionalizante, para aumentar a coesão social e fomentar
o crescimento da produtividade agregada do trabalho” (OCDE, 2014, p. 5).
Fica implícito que a ideia de capital humano reuniria “os conhecimentos,

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as qualificações e as competências individuais” e que, “o desenvolvimento


das habilidades de jovens e adultos, preparando-os para o aprendizado
contínuo, portanto, deve ser uma prioridade” (OCDE, 2014, p. 5).
Laval (2003, p. 26) ressalta que o sucesso da “concepção de capital
humano” nos organismos internacionais deu-se principalmente “porque
ela dá uma justificativa econômica às despesas educativas, a única que tem
valor hoje em dia aos olhos dos que têm poder de decisão”. Assim, a ideia
de capital humano foi se consolidando como uma forma de investimento
para que a produtividade e a concentração de capital pudessem ser poten-
cializadas. Adverte Laval (2003, p. 26-27), contudo, que “essa metáfora do
‘capital humano’ desemboca, todavia, em uma visão muito empobrecida
dos efeitos do ‘investimento no saber’, essencialmente considerado como
uma fonte de ganhos de produtividade”. De fato, o capital humano passou
a ser visto como “um bem privado”, dentro de uma “concepção estrita-
mente individualista”, em que “o indivíduo possui recursos próprios que
ele vai tentar fazer crescer ao longo de sua existência para aumentar sua
produtividade, sua renda e suas vantagens sociais”. Se é um investimento
do indivíduo, então deve-se desresponsabilizar o Estado de promover uma
educação pública de qualidade, ficando neste caso sob a reponsabilidade
da empresa ou da família ou outras organizações. “Diversificar as fontes de
financiamento”, diz Laval (2003, p. 28), “aparece como a única via racional,
já que ela faz com que os casais se encarreguem de uma parte crescente
das despesas, na proporção das vantagens pessoais que eles obtenham”.
Essa concepção ultrautilitarista da educação tem efeitos perver-
sos, pois acaba reforçando e justificando as desigualdades sociais como
sendo decorrentes do fracasso do indivíduo. Se o aluno não tem êxito, não
aprende rápido, tem pouca iniciativa e não acumula conhecimentos, habi-
lidades e competências, é um desperdício de tempo e de dinheiro investir
nele.5 Conforme a denúncia de Laval (2003, p. 28), “é essa lógica que se vê
trabalhar no mercado da formação permanente erigida por alguns como

Essa visão utilitarista e pragmática de educação se faz sentir no atual cenário das políticas edu-
5

cacionais. A título de exemplo cabe lembrar aqui a manifestação do ministro da Educação do


governo Bolsonaro, Ricardo Vélez Rodrigues, que afirmou com veemência em uma entrevista
no dia 28/1/2019 para o Jornal Valor Econômico que “as universidades devem estar reservadas
para uma elite intelectual” (Zero Hora, 2019).

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Altair Alberto Fávero – Junior Bufon Centenaro – Antonio Pereira dos Santos

modelo para a educação de base e cujo efeito mais certo é uma produção
de desigualdades entre aqueles que dela mais se beneficiam, os chefes, e
aqueles que dela menos se aproveitam, os assalariados”.
A transformação do conhecimento em mercadoria e em fator de
produção também pode ser percebido na configuração das “universidades-
-empresas” ou nas “novas indústrias do saber”. Conforme análise de Laval
(2003, p. 33), as instituições de educação superior estão se tornando “um
novo campo de acumulação do capital, com transformação das universi-
dades em indústrias de produção do saber eficaz” em que “a produção
do conhecimento e o próprio saber” passam a ser modelados como uma
espécie de “capitalismo universitário”, onde “toda a cadeia de produção
dos conhecimentos” passa a “se transformar segundo os imperativos de
valorização do capital”. Neste percurso, “a pesquisa universitária” transfor-
ma-se em uma “produção de bens submetidos ao regime de direitos de
propriedade e comerciáveis no mercado”, gerando com o tempo “uma sub-
versão das relações entre empresas e universidade”. Neste cenário, observa
Laval (2003, p. 34), os laboratórios que desenvolvem pesquisa de ponta se
transformam em “centros de aproveitamento”, “as universidades criam
filiais privadas encarregadas de comercializar as patentes e operar investi-
mentos financeiros”, as “parcerias com a indústria se multiplicam” e onde
“os riscos e os custos permanecem amplamente socializados” enquanto
que “os benefícios são privatizados”. Como consequência deste processo,
temos um “profundo desequilíbrio entre a “pesquisa comercializada” e
as atividades pedagógicas” que passam a ser reduzidas ao mínimo, onde
“vários pesquisadores se desinteressam pelo ensino”, “departamentos mais
afastados das atividades rentáveis viram seus meios diminuir rapidamente,
baixar os salários e aumentar o número de alunos por curso” (Laval, 2003,
p. 34).
Outro efeito perverso dessa instrumentalização mercantilista da
educação analisada por Laval (2003, p. 36) se faz sentir na forma como se
precariza o trabalho docente impondo “aos professores normas pedagógi-
cas sob a forma e a base de produtos pedagógicos cada vez mais calibrados
e aumentar sua carga de trabalho”, em vista da acumulação de capital.
“Esses ‘produtos’ pedagógicos comercializados”, ressalta Laval (2003, p.
36), “escapam ao domínio dos produtores e podem circular sob o único
controle da administração como mercadorias rotuladas pela instituição
universitária”. As consequências deste processo ainda não são amplamente

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dimensionadas, mas é possível adiantar que prejudica a ciência, pois “faz


penetrar em toda parte a lógica do lucro imediato e, antes de tudo, nos
cérebros dos pesquisadores e dos universitários” (Laval, 2003, p. 36-37).
Nesse cenário, a universidade deixa de ser o “lugar privilegiado da produ-
ção da alta cultura e conhecimento científico avançado” (Santos, 1997, p.
193), para tornar-se um espaço “de cobertura para os interesses privados”,
em que “os fundos de origem privada limitam, abertamente, a liberdade de
pensamento e a reflexão crítica” (Laval, 2003, p. 37).6 Após realizarmos este
percurso amparados em Nietzsche (2003) e Laval (2003), na sequência do
ensaio problematizaremos, com base na concepção educacional de Nuss-
baum (2005, 2014, 2015), a necessidade de enfrentar essa forma estreita
e limitada de compreender o conhecimento e a educação no cenário con-
temporâneo.

A CULTURA HUMANISTA E A DEFESA DA EDUCAÇÃO COMO DIREITO


Os escritos de Nietzsche (2003) e Laval (2003), como referimos ante-
riormente, estabelecem um importante diagnóstico das consequências de
uma educação reduzida a um empreendimento funcional, regulada pelas
necessidades da indústria, do mercado e do sistema econômico de modo
geral. A escola e a universidade, cada vez mais, apresentam-se como pro-
pulsoras do desenvolvimento econômico, da preparação para o mercado
de trabalho, do treinamento para o uso das ferramentas digitais e cada vez
menos como espaços de formação humana, de livre atividade e criatividade
humana. O diagnóstico de que a educação está sendo colonizada por uma
concepção empresarial também é compartilhado por Nussbaum (2015),
que denominou de “crise silenciosa” ou “crise mundial da educação” a
sobreposição de um modelo de educação para o lucro sobre um modelo
de educação para a democracia (2015, p. 3). Segundo a autora, os países,7

O próprio Laval (2003, p. 37) cita como exemplo o fato de que a “Nike ‘suspendeu’ recentemente
6

seu suporte financeiro a três universidades (Michigan, Oregon e Brown) sob o pretexto de que
seus estudantes haviam criticado algumas de suas práticas em países pobres, em particular no
tocante ao emprego de crianças”.
O campo de investigação de Nussbaum não se restringe apenas aos Estados Unidos. A filósofa
7

conhece o sistema educacional da Índia, país em que desenvolveu trabalhos de pesquisa ao lado
de Amartya Sen, vencedor do Prêmio Nobel de Economia; e também apresentou dados a partir
de pesquisas na Alemanha, Suécia e Inglaterra. Embora diversos entre si, em termos históricos,
culturais e políticos, em todos esses países a autora observa a submissão da educação ao lucro.

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cada vez mais obcecados pelo PIB, pelos parâmetros da eficiência e da


eficácia, estão eliminando as humanidades e as artes da educação, pois
“são consideradas pelos administradores públicos como enfeites inúteis,
num momento em que as nações precisam eliminar todos os elementos
inúteis para se manterem competitivas no mercado global” (Nussbaum,
2015, p. 4).8
A busca pelo lucro a curto prazo está induzindo os formuladores de
políticas a priorizar as competências lucrativas. Segundo Nussbaum (2015,
p. 4), se essa tendência persistir, “todos os países estarão produzindo gera-
ções de máquinas lucrativas, em vez de produzirem cidadãos íntegros que
possam pensar por si próprios, criticar a tradição e entender o significado
dos sofrimentos e das realizações dos outros”. Algo semelhante também
é sustentado por Fávero e Tomazetti (2021) quando defendem a presença
das humanidades para assegurar uma educação democrática e criticam as
reformas neoliberais que estão em curso no Brasil, pautadas por uma lógica
instrumental. Nietzsche, em seu tempo, também identificou a ocorrência
de uma educação funcional que visava a uma “cultura útil” para formar
servidores do momento, por meio de um misto de erudição e futilidade em
oposição a uma cultura autêntica, de pessoas protagonistas de seu próprio
destino. Essas referências críticas nos levam a buscar, mesmo que de modo
abrangente, uma definição do que é educação para estabelecer um contra-
ponto àquilo que denominamos de concepção empresarial de educação,
pautada pela eficiência e eficácia, ou seja, pelo critério da utilidade.
Algumas definições são fundamentais para responder à problemáti-
ca do presente ensaio. A primeira delas declara que “educação é apropria-
ção de cultura, de tudo aquilo que o ser humano criou e cria para além da
natureza” (Cara, 2019, p. 25). Significa apropriar-se das características das
comunidades, sociedades, países, linguagens, valores, artes, esportes, das
formas de deliberação política e da administração pública do poder, dos
meios de produção, das relações de trabalho, enfim, aquilo que é criado

Essa tendência ficou explícita nos discursos oficiais durante a tramitação da Reforma do Ensino
8

Médio no Brasil, entre 2016 e 2017. Por exemplo, o senador Pedro Chaves (PSC-MS) – relator
da Reforma no Senado Federal – afirmou que a reforma “muda radicalmente a cara do Ensino
Médio” e as “disciplinas hoje são engessadas e fragmentadas, o que torna as aulas maçantes e
provoca evasão escolar”. Além disso, o senador afirmou que o novo Ensino Médio representa
uma adequação a uma agenda internacional “em que a educação é uma fonte de desenvolvi-
mento econômico e social” (Torres, 2017).

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pela humanidade. A segunda anuncia a educação como “uma reconstrução


ou reorganização da experiência” (Dewey, 1979, p. 83). Essa concepção,
que é clássica no pensamento pedagógico, sustenta, em síntese, que o
“processo educativo não tem outro fim além de si mesmo: ele é seu próprio
fim”, e que “o processo educativo é um contínuo reorganizar, reconstruir,
transformar” (Dewey, 1979, p. 53). Por fim, uma terceira definição declara
que “a educação se ocupa em primeiro lugar da mente da criança e deve
ter como principal objetivo o desenvolvimento da liberdade dessa mente”
(Nussbaum, 2014, p. 84). Essas três definições apresentam três núcleos
essenciais do processo educacional: a apropriação e recriação conscien-
te da cultura humana do passado e do presente, a experiência educativa
como fim em si mesma e a conquista permanente da liberdade e da auto-
nomia individual para a experiência futura de vida.
Os núcleos referidos anteriormente são fundamentais para com-
preender a educação formal no processo de desenvolvimento humano,
em que se estabelece uma primazia pela formação do ser humano em
suas múltiplas dimensões. Aos olhos de Cara (2019, p. 26), “A educação
se concretiza por meio de processos educativos, sistematizados ou não”,
e a escola, por sua vez “é a instituição criada com o objetivo de socializar
saberes e conhecimentos historicamente acumulados, mas também de
construir outros”. Na esteira do pensamento de Nussbaum (2015) sobre
as tendências educacionais contemporâneas, podemos compreender que
a educação escolar orientada estritamente pelos parâmetros empresariais
não possui como prioridade a formação humana e, por extensão, não dá
conta do fortalecimento da educação como direito, haja vista que esse
processo requer as humanidades e as artes.
Sustentar a cultura humanista no âmbito da educação não significa
uma defesa de um “falso idealismo”; o ideal de humanidade está associado
a compromissos constitucionais de grande parte das nações democráticas
do mundo (Nussbaum, 2015, p. 25). Se negássemos o papel da cultura
humanista na educação, estaríamos negando o pacto constitucional e
democrático. No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 em seu
artigo 205 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996),
afirmam uma correlação de objetivos educacionais: “o pleno desenvolvi-
mento da pessoa, o preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho”. Nussbaum também desenvolve uma argumentação da
complementaridade, ou seja, “o interesse econômico também exige que

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recorramos às humanidades e às artes a fim de promover um ambiente


administrativo responsável e cauteloso e uma cultura de inovação criati-
va” (2015, p. 11). Sendo assim, não deveria estar em questão a escolha
entre uma educação que promova desenvolvimento econômico e uma que
promova a cultura humanística, como se fossem totalmente excludentes,
dado que uma “economia próspera exige as mesmas competências que
servem de suporte à cidadania” (Nussbaum, 2015, p. 11) e ai está o calca-
nhar de Aquiles dos defensores da concepção empresarial de educação,
que é exigir dela prosperidade econômica sem o interesse de atrelar esse
progresso ao fortalecimento da democracia, da justiça social e da redução
das desigualdades.9 Dessa forma, compreende-se que uma economia é
sólida na medida em que for instrumento para alcançar objetivos humanos,
uma vez que ela não se justifica por si mesma.10 Com isso, a educação
necessita estar primordialmente direcionada aos objetivos de um ideal de
humanidade.
A concepção educacional de Nussbaum (2005) permite um contra-
ponto ao reducionismo da eficiência e da eficácia. Como já mencionamos
anteriormente, quando a educação passa a operar por estes parâmetros
empresariais, acaba por eliminar aquilo que seria “inútil” ao processo de
acúmulo de capital e formação de mão de obra para o mercado de traba-
lho. Além disso, a educação está submetida a uma avaliação de qualidade
pautada em exames nacionais padronizados. É incômodo crer que saber
responder às avaliações externas seja o único determinante da qualidade
educacional, pois compreende-se que a educação está muito além daquilo
que o modelo empresarial considera “útil”.

9
De acordo com Nussbaum, pesquisas empíricas desenvolvidas por Jean Drèze e Amartya Sen no
início dos anos 2000 mostram que o progresso econômico de um país não está necessariamente
associado à igualdade distributiva e social, à qualidade das relações de gênero, à qualidade de
vida e à própria democracia. Na África do Sul, por exemplo, o período de maior expansão eco-
nômica foi aquele do apartheid. A China é um país em constante ascensão econômica, porém a
liberdade política e a democracia não são garantidas. Na Índia, alguns Estados (Gujarat e Andhra
Pradesh) adotaram um desenvolvimento econômico baseado em investimentos externos, “pouco
fazendo pela saúde, pela educação e pela condição dos pobres”, enquanto outros (Kerala, Déli
e Bengala Ocidental) “adotaram estratégias mais igualitárias, tentando assegurar que a saúde e
a educação estejam disponíveis para todos” (Nussbaum, 2015, p. 14-15).
10
Na economia, Amartya Sen, um dos maiores interlocutores de Nussbaum, tem trabalhado e
alargado a noção de “desenvolvimento” para além da esfera econômica, em Desenvolvimento
como liberdade (2000) e Desigualdade Reexaminada (2001).

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Partindo do pressuposto de que os seres humanos necessitam de


sentido, de conhecimento, de perspectivas e logicamente de trabalho
digno, consideramos o “cultivo da humanidade” uma abordagem perti-
nente para contrapor o discurso reducionista da concepção empresarial de
educação. Ainda é possível pensar, como bem pontuou Tagore, a formação
do “homem moral, o homem completo” ou na acepção de Dewey, “a con-
quista de uma vida plena de sentido” (Nussbaum, 2015). Ao sustentar a
abordagem da educação como cultivo da humanidade, Martha Nussbaum
tematiza a necessária atenção que as reformas educacionais contemporâ-
neas devem dar aos clássicos objetivos da “escola”, seja da tradição grega
antiga ou dos teóricos modernos.
Estudiosa da concepção filosófico-educativa greco-romana, defende
um modelo de educação para o desenvolvimento humano e da democra-
cia, sintetizado na obra El cultivo de la humanidad (2005), na qual apre-
senta três capacidades básicas para o cultivo da humanidade na atualida-
de, as quais os cidadãos tem o direito de exigir dos processos educativos
(Nussbaum, 2005, p. 28). A primeira delas é a capacidade de exame crítico
de si mesmo e das próprias tradições, que Sócrates ousou chamar de vida
examinada; Sócrates passou a ser para a tradição pedagógica o primeiro
grande inspirador de qualquer proposta educacional que enseje tornar os
cidadãos livres e autônomos. Muito conhecida, a máxima socrática “uma
vida superficial não vale a pena ser vivida”, é fundamental para compre-
ender a necessidade de argumentar por conta própria, ao invés de se sub-
meter à tradição e à autoridade sem questioná-las. Nussbaum assegura
que “essa vida de questionamento não é somente algo útil, é componente
indispensável de uma vida com sentido para qualquer pessoa e qualquer
cidadão” (2005, p. 42, tradução livre). Diante disso, a educação possui um
papel central na formação de cidadãos que possam argumentar e defender
suas concepções de maneira crítica e racional. Nas palavras de Nussbaum
(2005, p. 40, tradução livre), “a educação, [...] deve ser socrática, dedicada
à tarefa de ativar em cada estudante uma mente independente e produzir
uma comunidade que possa verdadeiramente raciocinar em conjunto sobre
um problema, e não simplesmente trocar alegações e contra alegações”.
A segunda é a capacidade de se ver a si mesmo como cidadão do
mundo ligado a toda humanidade por laços de reconhecimento mútuo,
numa expressão: “cidadania do mundo”. Segundo Nussbaum (2005, p. 86,
tradução livre),

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Ao admitir isso, não deveríamos permitir que diferença de nacio-


nalidade e classe, ou de pertencimento a um grupo étnico, ou
de gênero, se constituam em barreiras entre nós e nossos seme-
lhantes. Deveríamos reconhecer a humanidade – e seus ingre-
dientes fundamentais: razão e capacidade moral – onde quer
que seja, e comprometer nossa lealdade em primeiro lugar com
essa comunidade da humanidade.
A cidadania do mundo (kosmo polites) está ligada profundamente
ao reconhecimento daquilo que é fundamental para a humanidade, que é
razão e a capacidade moral, ou seja, é valioso para todos os seres humanos
reconhecer a humanidade nos outros, reconhecer que todos pertencem
a uma mesma comunidade racional no planeta. Para os estoicos, o bom
cidadão é o cidadão do mundo, pois a capacidade de compreensão de si
mesmo aumenta quando se reflete sobre a humanidade como um todo.
Nussbaum explica que “os estoicos argumentam que um estilo de cidadania
que reconhece a comunidade moral/racional como aspecto fundamental
promete um estilo mais razoável de deliberação política e de solução de
problemas” (2005, p. 87, tradução livre). A comunidade racional à qual
os humanos pertencem é a origem das obrigações morais e os estoicos,
ao convidarem a pensar em termos de cidadania do mundo, propuseram
abandonar as confortáveis posturas nacionalistas. O ponto de partida das
obrigações morais na concepção estoica é o compromisso com a comuni-
dade da razão (humanidade) e em segundo lugar com as particularidades
locais.
A fim de cultivar a humanidade, uma terceira capacidade precisa
ser desenvolvida pelos processos educativos, a “imaginação narrativa”. A
autora cita a célebre frase atribuída a Heráclito: “aprender sobre muitas
coisas não leva à compreensão” (Nussbaum, 2005, p. 117, tradução livre);
em outra passagem afirma que “as pessoas não podem pensar conve-
nientemente se o seu raciocínio for apenas baseado num conhecimento
factual” (2014, p. 81). Para que os seres humanos se tornem cidadãos do
mundo não é suficiente apenas que saibam fatos sobre a diversidade cultu-
ral dos povos, mas sobretudo é fundamental cultivar “uma capacidade de
imaginação receptiva que nos permita compreender os motivos e opções
de pessoas diferentes a nós, sem vê-las como estranhos que nos ameaçam,
mas como seres que compartilham conosco problemas e oportunidades”
(Nussbaum, 2005, p. 117, tradução livre). Isso representa a capacidade de

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se colocar no lugar dos outros, de interpretar e compreender de forma inte-


ligente a história das pessoas, seus anseios, emoções, desejos e opiniões.
A imaginação narrativa está ligada ao desenvolvimento da compreensão e
da sensibilidade diante daquilo que ocorre no entorno do cidadão.
Nussbaum (2014, p. 81) alega que “a imaginação narrativa cultiva-se,
acima de tudo, através da literatura e das artes”, pois “desempenham um
papel vital, visto que cultivam poderes da imaginação que são essenciais
para a construção da cidadania” (Nussbaum, 2005, p. 118, tradução livre).
Algo semelhante é reafirmado por Fávero et al. (2021, p. 174) quando
analisam “de que forma a educação das emoções e a imaginação narra-
tiva podem se tornar potencialmente produtivas para construir uma con-
cepção alargada de formação humana”. Todas as manifestações da arte
– música, dança, pintura, teatro, arquitetura – assim como da literatura –
ficção, comédia, poesia, novela, etc. – participam do modo como os seres
humanos se compreendem entre si. A imaginação narrativa fomenta as
relações morais, e as crianças em seu crescimento necessitam da arte e da
literatura para seu desenvolvimento como cidadãos. A educação, quando
reduzida às dimensões conteudista e instrumental, pode facilmente não
corresponder a estas aspirações, por que as pessoas possuem uma difi-
culdade natural de reconhecer o outro ser humano como sujeito de sua
história. Dessa forma, a educação é constantemente desafiada a tensionar
as tendências egoístas e individualistas para criar um ambiente de vida
coletiva mais saudável.
Convergindo com Nussbaum (2015), compreende-se que a defesa
das humanidades e das artes na educação é fundamental para compreen-
dê-la como direito humano. Tal posição também é defendida por Fávero,
Centenaro e Santos (2020, p. 1-2) quando analisam “a exclusão/flexibiliza-
ção da filosofia pelas reformas curriculares como uma das faces do ataque
ao pensamento reflexivo” e com isso problematizam “a maneira como as
reformas educacionais em curso representam um ataque ao pensamento
reflexivo na medida em que realizam um processo sutil de exclusão da
filosofia no currículo da educação básica”. De acordo com Cara, “O direito à
educação é, em um sentido geral e por consequência, o direito de todas as
pessoas se apropriarem da cultura, por essa apropriação ser parte essencial
da condição humana é uma necessidade para o pleno usufruto da vida”
(2019, p. 26). Vale lembrar que a Constituição Federal (Brasil, 1988) ao
delegar a tripla missão à educação – pleno desenvolvimento da pessoa,

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seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o traba-


lho – assume uma concepção educativa como apropriação e recriação da
cultura, capaz de garantir uma leitura crítica de mundo. O direito humano
à educação tem se tornado uma pauta inegociável e ele está em risco
constante; basta ver as reformas educacionais dos últimos quatro anos,
que ao arrepio da LDB e da própria Constituição, têm reduzido “a educação
a um insumo econômico ou a uma estratégia disciplinadora e autoritária”
(Cara, 2019, p. 27).
Na medida em que o neoliberalismo acentua as desigualdades, prio-
riza o lucro para uma elite tecnocrata em detrimento das classes menos
favorecidas, fica evidente que o projeto capitalista moderno não cumpre
com os clássicos ideais de liberdade e igualdade. Reduzir a educação aos
parâmetros do neoliberalismo, como observamos na parte inicial deste
ensaio, é torná-la funcional, sem capacidade crítica e reflexiva da socieda-
de, revelando-se uma instância que vai gerar pessoas adaptáveis e submis-
sas. Dessa maneira, “a educação baseada principalmente na lucratividade
do mercado global amplia essas deficiências, criando uma estupidez ganan-
ciosa que põe em risco a própria existência da democracia, e que certa-
mente impede a criação de uma cultura mundial satisfatória” (Nussbaum,
2015, p. 143). Na ótica de Cara (2019, p. 27), “a educação transforma o
mundo quando o direito de as pessoas se apropriarem da cultura se realiza
plenamente”. Esse processo não poderá ser realizado sem a presença das
humanidades e das artes no processo formativo, nos currículos, na forma-
ção de professores e, sobretudo, na formulação das políticas educacionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A concepção de educação empresarial que coloniza a escola e a
universidade, que transforma a própria educação numa mercadoria e num
insumo econômico, pauta-se pelo ideário neoliberal da eficiência e da efi-
cácia. A lógica é a do produzir, comercializar e consumir; o conhecimento,
bem como a ação pedagógica, passam a circular nessa órbita, legitimando
uma “cultura útil” em detrimento de uma cultura ampliada, humanística
e democrática. Os autores que foram requisitados para este estudo nos
mostram esse preocupante diagnóstico da deterioração da educação como
direito humano de apropriação e recriação da cultura. A concepção de
educação funcional e utilitária, difundida e legitimada pelas políticas educa-

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cionais contemporâneas, põe em xeque uma série de questões referentes


ao desenvolvimento do pensamento crítico, da imaginação criativa, da
consciência política e social no interior das instituições educacionais .
Ocorre um “vedar” os olhos e “amordaçar” a boca, na medida em que o
conhecimento e a cultura são reduzidos à eficiência e à eficácia.
Sustentamos no decorrer de nosso estudo que é preciso transcen-
der os padrões empresariais da eficiência e da eficácia por meio de uma
concepção educacional entendida como direito humano e baseada em
três núcleos: a apropriação e recriação consciente da cultura humana do
passado e do presente, a experiência educativa como fim em si mesma e
a conquista permanente da liberdade e da autonomia individual para a
experiência futura de vida. Esse processo torna indispensável a presença de
componentes das humanidades e das artes, que em nosso ponto de vista
sustentam na educação uma cultura humanística e de formação integral
do ser humano.
Esse processo, contudo, não é gratuito e muito menos espontâneo.
Toda e qualquer formação é carregada de intencionalidade, requer
investimento, direção, posicionamento, opções. O presente e o futuro
da humanidade dependem da coragem de constituir políticas e tomadas
de decisão que sejam suficientemente conscientes dos rumos societários
de uma determinada coletividade. Que tipo de sociedade queremos
construir? Que perfil de ser humano almejamos? O que é prioritário na
formação das futuras gerações? Queremos uma sociedade competitiva,
consumista, centrada no individualismo e no acúmulo de capital? Ou uma
sociedade solidária, responsável e atenta às questões sociais, ambientais
e culturais? São questionamentos que não podem ser omitidos quando
planejamos as políticas educacionais e quando são tomadas as decisões a
respeito dos rumos da educação.
Garantir “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania” como indica nossa Carta Maior (Brasil, 1988) ao se
referir à missão da educação, não pode ser apenas uma retórica utilizada
de forma oportunista em determinadas ocasiões. Deve ser um princípio
condutor das políticas educacionais e uma meta prioritária de uma nação
que almeja o bem-estar de seus cidadãos.

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-cjrgf7q9u00tv01nyfdfjwyoc.html

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