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FORMAÇÃO DOCENTE

E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
Elane Nardotto Rios
Marine Souto Alves
(Organizadoras)
FORMAÇÃO DOCENTE
E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
Elane Nardotto Rios
Marine Souto Alves
(Organizadoras)

Ibicaraí / Bahia, 2022.


©2022 Elane Nardotto Rios; Marine Souto Alves (Organizadoras).
Direitos desta edição reservados à
VIA LITTERARUM EDITORA
Rua Frederico Maron, 299 - Térreo - Centro
Ibicaraí - Bahia - 45745-000
CNPJ: 02.268.459/0001-57
https://viaeditora.com.br | vialetras@gmail.com

editoração
Elimarcos Santana

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

F82 Formação Docente e Práticas Pedagógicas. / Organizado


por Elane Nardotto Rios; Marine Souto Alves. --
Ibicaraí, BA : Via Litterarum, 2022. 487p. : il.

ISBN: 978-85-86676-51-8

1. Educação. 2. Professores - Formação. 3. Avaliação


Educacional. I. Rios, Elane Nardotto. II. Alves, Marine
Souto. III. Título.

CDD 370.71
CDU 377

Ficha catalográfica : Rosivane Lima de Sena CRB-9/2020


Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação,
por qualquer meio, total ou parcial, constitui violação da lei n 9.610/98.
APRESENTAÇÃO

Este livro, resultado das pesquisas efetivadas na Pós-Graduação lato sensu em


“Formação Docente e Práticas Pedagógicas”, do Instituto Federal da Bahia-campus Je-
quié, vem a público para legitimar a importância das pesquisas em educação como pro-
dutoras de conhecimento entre profissionais, em especial, docentes, que fazem a relação
ensino-aprendizagem atravessar em todos os cantos deste país.
Pesquisas que se constituíram na experiência vivida e sentida de quem está na
base, nas salas de aulas da Educação Básica da Escola Pública (re)inventando, problema-
tizando, instigando e, sobretudo, (re)criando espaços de debates para o que se passa (in)
visível, mas que pulsa! Um olhar não só de quem está nos gabinetes de pesquisas – como
normalmente acontece –, como também de quem está no trânsito, nos riscos e desafios
da interface docente-pesquisador...professoras e professores que fazem a Educação des-
te país acontecer, e mais, promovem a esperança daquelas/es que encontram na Escola
Pública o único alimento, alento e afeto numa sociedade tão desigual como a nossa,
brasileira.
Pesquisas que materializaram o diálogo entre quem vive/sente a educação (do-
centes) com as reflexões (teorias) sobre o sentir; talvez, por isso, a beleza de cada escrito
fecundado no lócus das/os/es estudantes desta pós-graduação. A cada artigo lido para a
organização deste livro, as inquietações pulsavam com uma confiança na ação-reflexão-
-ação, porque, se as investigações nasceram do campo empírico, elas podem voltar; um
retorno com/para/a reflexão efetivada no transcurso da pós-graduação.
Com isso, acreditamos que o referido curso tenha alicerçado a formação pedagó-
gica e, também, a formação pesquisadora para que docentes da escola pudessem sonhar
com uma publicação, com uma vaga num programa de pesquisa stricto sensu; algo caro
se considerarmos a dicotomia entre quem pensa e quem executa, entre teoria e prática,
entre profissionais da Educação Básica e pesquisadoras/es da Universidade.
Por fim, no saber e sabor do que vamos ler nas próximas páginas, convidamos to-
das as pessoas a sentir e esperançar por uma Educação Pública digna e qualificada para
todos/as/es.

As organizadoras
Jequié-BA, Abril/2022
sumário

PROFESSOR OU EDUCADOR?
Um olhar sobre concepções epistemológicas ....................................................................7
Suely Ávila Cunha Duarte
Núbia Moura Ribeiro

A IMPORTÂNCIA DO RECONHECIMENTO DA FISSURA LABIOPALATINA


COMO DEFICIÊNCIA: desafios educacionais e sociais......................................................31
André Luiz Xavier Almeida
Anderson Brito da Silva

A PRÁTICA DOCENTE INTERDISCIPLINAR NO ENSINO MÉDIO.....................................46


Susan Alves de Souza Peixoto
Nubia Moura Ribeiro

EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA E DECOLONIAL NA CONSTRUÇÃO


DE UMA IDENTIDADE NEGRA EMPODERADA.................................................................74
Marcio Gonçalves dos Santos
Isis Emanoela do Amor Divino Borges
André Luis da Silva Santos

MARY WOLLSTONECRAFT E NÍSIA FLORESTA:


Sobre o direito das mulheres à educação..........................................................................95
Cristiane dos Santos Silva
Michel Menezes da Costa

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A PRÁTICA DOCENTE NA EJA..............................115


Amanda Silva Cardoso
André Luis da Silva Santos

EDUCAÇÃO INCLUSIVA: Um breve olhar acerca do Decreto 10.502............................133


Edilene Inocêncio da Silva Argolo
André Luis da Silva Santos
Isis Emanoela do Amor Divino Borges

VIOLÊNCIA ESCOLAR: No contexto da Escola Municipal Dr Joaquim Marques Monteiro


no Município de Jequié-BA.................................................................................................154
Márcia Lima Xavier
Isis Emanoela do Amor Divino Borges
Michel Menezes da Costa
RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE ESTRATÉGIAS E METODOLOGIAS
NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE DESENHO TÉCNICO
NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TECNOLÓGICA
NA PANDEMIA DA COVID-19............................................................................................180
Regivaldo Santos Silva Filho
Anderson Brito da Silva

DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL NOS LIVROS DIDÁTICOS:


Análise documental............................................................................................................198
Rubenisa Brito dos Santos
Elane Nardotto Rios
Lafayete de Alencar Lima Rios

O CINEMA NA SALA DE AULA: Uma estratégia de leitura da literatura ......................222


Deisiane Santos de Jesus
Marine Souto Alves

METODOLOGIAS ATIVAS COMO INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO


DA INCLUSÃO ESCOLAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTE COM TEA...........................249
Leide Simões Ramos
Isis Emanoela do Amor Divino Borges
André Luis da Silva Santos

FERRAMENTAS DE AVALIAÇÃO NO ENSINO ONLINE:


Os desafios da avaliação formativa em ambientes virtuais de aprendizagem...........270
Bruno Ricardo Santos Santana
Núbia Moura Ribeiro

A IMPORTÂNCIA DE UMA FORMAÇÃO CONTINUADA


PARA A PRÁTICA INCLUSIVA............................................................................................284
Camila Pires Santiago
Núbia Moura Ribeiro

UM CANÁRIO NA CAVERNA: Platão, Machado de Assis e o mundo..............................300


Táila Porto dos Santos Cerqueira
Michel Menezes da Costa

ATIVIDADE EDUCATIVA DO TÉCNICO EM SEGURANÇA DO TRABALHO:


Um olhar na formação e no exercício profissional .........................................................323
Gisele Gomes Andrade
Wesley Matos Cidreira
Leitura, escrita, educação infantil e BNCC:
Aspectos teóricos-metodológicos....................................................................................357
Eunice Novaes Araujo de Jesus
Elane Nardotto Rios
Lafayete Menezes de Alencar Lima Rios

INVESTIGAÇÃO MATEMÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE: Uma análise de teses


e dissertações publicadas na BDTD entre os anos de 2015 a 2020...............................374
Mariângela Santana Santos
Wesley Matos Cidreira

MÍDIAS NA EDUCAÇÃO: Análise da disponibilidade e uso


na Escola Municipal Dr. Joaquim Marques Monteiro, na cidade de Jequié/BA...........393
Amilton Meira Brito
Marine Souto Alves

EXPERIÊNCIAS DE APRENDIZAGEM NA PRÁTICA DA MONITORIA


PARA ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR...........................420
Amanda Nery da Silva
André Luis da Silva Santos
Valdirene Santos Rocha Sousa

TRAJETÓRIAS E VIDA-MULHER ATRAVESSADAS PELA VIOLÊNCIA:


análise documental das medidas protetivas de urgência / Lei Maria da Penha
e diálogo com a educação básica......................................................................................434
Ustana Rangel Rodrigues
Elane Nardotto Rios
Lafayete Menezes de Alencar Lima Rios

EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA: uma análise de livros didáticos de matemática


e sua relação com as mídias digitais.................................................................................450
Daiane Costa Assunção Quinto
Marine Souto Alves

DEPRESSÃO E SUICÍDIO EM JOVENS ENTRE OS ANOS DE 2015 A 2020


NA CIDADE DE JEQUIÉ: reflexões sobre essa problemática
no ambiente educacional ..................................................................................................474
Poliana dos Santos Silva
Solange Alves Perdigão

O USO DE TEXTOS DA REVISTA COTOXÓ EM SALA DE AULA:


Uma proposta pedagógica................................................................................................487
Domingos Ailton Ribeiro de Carvalho
Elane Nardotto Rios
Lafayete Rios
PROFESSOR OU EDUCADOR?
Um olhar sobre
concepções epistemológicas

Suely Ávila Cunha Duarte


Núbia Moura Ribeiro

INTRODUÇÃO

O dia a dia da escola proporciona um ambiente de revelações. No contato com


educadores e educandos, percebe-se, por um lado, angústias, medos e decepções; por
outro lado, sonhos, ideais e concepções. Percepções como essas provocam curiosidades
acerca das concepções epistemológicas sobre a docência.
Acreditando na força e no poder das influências que o profissional do magistério
possui, por meio de suas posturas que, provavelmente, estão pautadas em concepções e
teorias, “no chão” da sala de aula, fortalecendo crenças e desejos nos atores que compõe
o cenário da escola, é que nasce a proposta deste trabalho. Essa proposta é investigar as
concepções subjacentes nas epistemologias relacionadas à prática docente.
Esta investigação partiu do pressuposto de que exercer a profissão do magis-
tério não é tarefa fácil. Muitos são os profissionais da educação preocupados com a
melhoria de condições de trabalho, com salários adequados, valorização social, en-
fim, preocupados com o reconhecimento e a construção da identidade da profissão,
haja vista que esses profissionais, para viverem com dignidade, necessitam trabalhar
em dois ou três turnos, quase sempre em escolas diferentes, provocando um grande
desgaste físico e emocional.
A partir da vivência da própria autora em sua atividade docente, observações as-
sistemáticas induzem a crer que, de modo geral, as dificuldades enfrentadas pelos do-
centes os têm levado a exercer seus papéis sem o compromisso de educar e educar-se,
pois compreende-se que os sujeitos se constroem perenemente e, a partir desse processo,
percebe-se também que, assumir uma sala de aula, geralmente superlotada, com baixas
expectativas em relação aos alunos e ao retorno financeiro, favorece o surgimento de
uma postura autoritária e dominadora por parte do docente. E essa postura, infelizmen-
te, parece estar contribuindo para o insucesso escolar.
Essas razões, dentre outras, têm condicionado os profissionais do magistério
atuarem como agentes que se limitam, na sala de aula, apenas a transmitir conteúdos,

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seguindo programas impostos pela escola, sem levar em conta a realidade histórica e
o próprio contexto do aluno.
Por outro lado, existem aqueles docentes que, mesmo descontentes com o cenário
no qual estão inseridos, atuam de modo a não priorizar seus interesses pessoais. Acre-
ditam que sua função é privilegiada pelo seu poder de transformação. Por isso, o seu
interesse básico está voltado para a construção de um mundo novo, onde educador e
educando, na luta pela humanização, participam desse processo como sujeitos históri-
cos, dessa construção estando a serviço da libertação do ser humano.
Engajar-se nesse modelo exige do profissional um compromisso com a prática
educativa, o que implica numa reflexão constante sobre o processo pedagógico. Refle-
tindo sobre a práxis é possível desvelar o que está por trás de cada ação: que conteúdo
se espera que o aluno aprenda, que caminho se deve seguir para que a aprendizagem
aconteça e como se pode construir conhecimentos com esse aluno? Esses questiona-
mentos, sem dúvida, possibilitam ao docente modificar a sua práxis. Contudo, é ne-
cessário, também, perceber o encanto da sala de aula, onde o conhecimento se dá pelo
encontro entre professor e aluno, pois, é no espaço da sala de aula que se encontram
os saberes, as consciências, as dúvidas, os desejos, os sonhos, as experiências, enfim,
os pensamentos. Portanto, esse é o locus encantado e encantador. Esse encontro entre
professor e aluno inclui também a compreensão do silêncio, da comunicação e dos
gestos. Freire (1996, p. 109) diz que

[...] o espaço pedagógico é um texto para ser constantemente “lido”, inter-


pretado, “escrito” e “reescrito”. Neste sentido, quanto mais solidariedade
exista entre educador e educandos no “trato” deste espaço, tanto mais
possibilidades de aprendizagem democrática se abrem na escola.

Por meio dessas reflexões, pode-se constatar, enfim, a difícil tarefa de educar, pois
há aqui dois mundos diferentes: um que corrompe o profissional, colocando-o em um
patamar onde sua função parece ser elevada através do autoritarismo, tornando o edu-
cando um ser vazio; e o outro, que abre caminhos para transformação, possibilitando ao
educando conscientizar-se criticamente de seu papel, tornar-se um ser pleno e defender
a sua liberdade.
Resta ao profissional do magistério uma avaliação da própria práxis: como sua
concepção pedagógica fundamenta sua prática educativa? Percebe-se que de alguma for-
ma os docentes estão atuando, seja como professor ou como educador e que eles são fios
condutores de gerações, pois a partir de seus pensamentos sementes geradoras de novas
ideias brotarão.
Acreditando na ideia de que por trás da ação de qualquer docente há sempre uma
ou mais teorias que o orienta, inquietações brotaram e o desejo de investigar a prática do
profissional do magistério surgiu. Com isso, o objetivo deste trabalho é analisar, a partir

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de pesquisa bibliométrica e bibliográfica, algumas concepções subjacentes nas práticas
dos docentes.
Esta pesquisa é de natureza aplicada, já que está voltada para a compreensão de
um problema que afeta a prática docente, e ela se caracteriza por uma abordagem quali-
-quantitativa, já que emprega tanto as inferências baseadas na análise de produções cien-
tíficas como avaliações de indicadores bibliométricos dessas produções.

A ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA

Segundo Araújo (2006, p.11), a bibliometria é “técnica quantitativa e estatística de


medição dos índices de produção e disseminação do conhecimento científico”. Oliveira
(2001) afirma que o termo é usado para quantificar os processos de comunicação escri-
ta. A bibliometria é uma técnica que permite traçar o panorama de interesse sobre um
tema ou uma área de conhecimento. Permite ainda identificar os principais autores que
publicam sobre o tema, a evolução temporal do número de publicações, os principais
periódicos e canais de divulgação daquele conhecimento, entre outras informações que
delineiam esse panorama.
Para esta pesquisa bibliométrica, foram usadas duas bases de dados: uma inter-
nacional, a Scopus, e uma nacional, o Scientific Electronic Library Online (SciELO). A
Scopus (2021) é o maior banco de dados de resumos e citações da literatura com revisão
por pares: revistas científicas, livros, processos de congressos e publicações do setor, e é
uma das bases de dados da Elsevier. Oferece um panorama abrangente da produção de
pesquisas do mundo nas áreas de ciência, tecnologia, medicina, ciências sociais, artes e
humanidades; e disponibiliza ferramentas inteligentes para monitorar, analisar e visua-
lizar pesquisas. O SciELO (2021) é uma biblioteca eletrônica que abrange uma coleção
selecionada de periódicos científicos brasileiros. É o resultado de um projeto de pesquisa
da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) , em parceria com
a Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME).
A partir de 2002, o Projeto desta biblioteca conta com o apoio do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O Projeto tem por objetivo o desen-
volvimento de uma metodologia comum para a preparação, armazenamento, dissemina-
ção e avaliação da produção científica em formato eletrônico.
As buscas de dados, nas duas bases, foram realizadas no dia 13 de fevereiro de 2021.

PESQUISA NA BASE DE DADOS SCOPUS

A fim de construir um panorama do interesse no tema em termos de publicações


acadêmicas na base de dados Scopus, a primeira busca foi realizada com a seguinte sinta-
xe, reunindo descritores em inglês e operadores booleanos, nos campos de título, resumo

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e palavras-chave: (conceptions AND about AND teaching) AND (educator OR teacher).
A busca recuperou 3588 documentos.
Para refinar os resultados, enfocando aqueles com maior aderência ao tema,
foram empregados alguns filtros. Um dos filtros foi a seleção somente de artigos das
áreas de conhecimentos sobre ciências sociais (3066 documentos), artes e huma-
nidades (450) e psicologia (279). Quanto às palavras-chave, foram selecionados os
documentos que continham as seguintes palavras-chave: Docência (teaching, 536
documentos), educação (education, 223), educação docente (174), aprendizado (le-
arning, 118) e concepções (conceptions, 90). Quanto ao tipo de documentos, foram
selecionados os seguintes: artigos (2867 documentos), trabalho completo apresen-
tado em congresso (293), capítulo de livro (194), revisões (161) e livro (50). E, para
delimitar o corpus de documentos àqueles em língua portuguesa, foram selecionados
apenas os documentos publicados nesse idioma (205 documentos). A aplicação des-
ses filtros resultou em 33 documentos, dos quais 32 foram artigos completos publica-
dos em periódicos científicos, e 1 foi um artigo de revisão. Os periódicos com maior
número de publicações foram Educação e Pesquisa (7 documentos) e Calidoscópio
(3 documentos). Dentre os 33 documentos, 29 foram publicados por brasileiros e 4
por portugueses. As principais instituições de afiliação dos autores desses documen-
tos são USP (5 documentos); UFRGS (3 documentos). A figura 1 mostra a evolução
temporal do número de artigos publicados.

Figura 1 - Número de artigos publicados conforme dados da base Scopus, por ano de publicação.

Fonte: elaborado pela autora.

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A análise dos 33 artigos recuperados nesta pesquisa na base de dados Scopus in-
dicou que 3 deles tinham uma maior aderência ao tema em estudo: Severino (2012); De-
-Souza e Zimbetti (2014) e Back (2019).
Severino (2012) descreve em seu artigo “Formação docente: Desafio para as li-
cenciaturas”, numa perspectiva filosófico-educacional, sobre as exigências epistêmi-
cas, técnicas, éticas e políticas da formação docente nas Licenciaturas. O objetivo do
texto é o de explicitar as condições de fundo para a formação e para a atuação do pro-
fessor no atual contexto histórico-social brasileiro, com foco particularmente centrado
nas Licenciaturas.
O autor inicia com uma breve descrição das insuficiências do modelo formativo
atualmente praticado para a preparação dos professores da área, colocando, em seguida,
as exigências que este considera como imprescindíveis para uma proposta de formação
integral dos mesmos. Na sequência, procura explicitar as condições para que a ação do-
cente possa ser fecunda e eficaz, defendendo a ideia de que, para isso, ela precisa ocorrer
no âmbito de um projeto educacional. Para fechar a discussão, Severino destaca as di-
mensões éticas e políticas que perpassam a ação educacional, dimensões que lhe confe-
rem coordenadas de autenticidade.
Falar da formação do educador, impõe-se esclarecer que não se trata apenas da
sua habilitação técnica, da aquisição e do domínio de um conjunto de informações e de
habilidades didáticas. Impõe-se ter em mente a formação no sentido de uma autêntica
Bildung, ou seja, da formação humana em sua integralidade. No caso da formação para
a atividade profissional do educador, ela não pode ser realizada desvinculadamente da
formação integral da personalidade humana do educador. Daí a maior complexidade
dessa função social, já que ela implica muito mais, em termos de condições pessoais, do
que outras profissões nas quais a atividade técnica do profissional tem certa autonomia
em relação à sua própria qualificação pessoal. Sem dúvida, espera-se de todo e qualquer
profissional que tenha todas as qualidades específicas exigidas pelo convívio social, teci-
do de respeito pela dignidade das outras pessoas.
Esse é teoricamente e em princípio o perfil que deveria ser realizado por todas as
pessoas que atuam profissionalmente. Mas, no caso do profissional educador, para que
sua atividade educativa seja fecunda, sua personalidade e sua condição pessoal exigem
esse perfil, pois caso contrário, os objetivos de sua intervenção técnica não se efetivarão.
O autor relaciona quatro grandes problemas que têm comprometido os resulta-
dos do processo formativo dos professores. O primeiro diz respeito à forma pela qual o
formando se apropria, por meio do currículo, dos conteúdos científicos que precisa, ob-
viamente, dominar, com vistas a sua qualificação profissional. A posse desses conteúdos
é absolutamente necessária, mas a forma como vêm sendo trabalhados, no processo de
ensino/aprendizagem, não têm sido diferenciada, como deveria ser, mesmo se compara-
da à preparação dos profissionais das áreas técnicas.

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A segunda limitação é que, no atual modelo de curso de Licenciatura, o licencian-
do não incorpora a experiência prática na sua aprendizagem. Acaba recebendo apenas
alguns elementos teóricos e técnicos, cumprindo algumas poucas horas de estágio em
situações precárias e pouco significativas.
Uma terceira lacuna do currículo dos cursos de formação docente é a de não ser
mediação eficaz do desenvolvimento no aluno da necessária sensibilidade ao contexto
sociocultural em que se dará sua atividade de professor.
Cabe ainda assinalar a deficiência do atual processo pedagógico desses cursos no
sentido de não conseguirem um mínimo de efetiva integração e de interdisciplinaridade
que garantissem a inter-relação das disciplinas metodológicas entre si e com as demais
disciplinas de conteúdo.
A preparação do educador deve realizar-se, pois, de maneira a torná-lo um pro-
fissional qualificado, plenamente consciente do significado da educação, para que possa,
mediante o exercício de sua função, estender essa consciência aos educandos, contri-
buindo para que vivenciem a dimensão coletiva e solidária de sua existência.
O autor conclui seu texto afirmando que quando se tem em pauta a condição pro-
fissional do educador, pode-se afirmar que só será garantida qualidade a sua atuação se,
ao longo dos processos iniciais e continuados de sua formação, lhe forem asseguradas,
pelas mediações pedagógicas, um complexo articulado de elementos formativos, produ-
zidos pelo cultivo de sua subjetividade.
É pela subjetividade que o homem pode intervir significativamente na objetivi-
dade. Por isso mesmo, sua formação, ainda quando voltada para a preparação profissio-
nal, pressupõe o cultivo de sua subjetividade. Pois é só com os recursos da ciência e da
técnica que ele pode dar conta de seus desafios frente ao saber e ao fazer, no sentido de
decodificação do mundo natural e social e da sua intervenção nesse mundo, com vistas
a sua adaptação às necessidades da vida.
Em entrevista concedida pela pesquisadora mexicana Ruth Mercado acerca da “For-
mação de professores e saberes docentes”, as autoras Denise Trento Rebello de Souza e Marli
Lúcia Tonatto Zibetti (2014) trazem importantes contribuições para o campo educacional.
Para a compreensão desse processo de constituição dos saberes, a entrevistada
defende que é no trabalho cotidiano dos professores que ocorre o processo coletivo de
apropriação de saberes, tendo este processo várias dimensões: a história social da do-
cência, a história pessoal de cada professor, o diálogo entre os docentes, destes com seus
alunos e com outros sujeitos com os quais convivem. Em tal perspectiva, os saberes do-
centes são considerados pela autora como “pluriculturais, históricos e socialmente cons-
truídos” (MERCADO, 2002, p. 36).
Na entrevista, Ruth aborda de modo instigante diversas questões bastante atuais
e recorrentes relativas ao campo da formação inicial e continuada de professores: o pro-
cesso de “universitarização” e as implicações daí decorrentes, tais como as relações entre

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formação teórica e formação prática; o papel dos formadores; as relações entre cultura
universitária e cultura escolar.
Dentre os relatos sobre a trajetória profissional, Ruth conta que ficou morando na
casa de pessoas próximas às escolas e compartilhavam experiência entre a equipe, onde
faziam debates. Essa era uma boa forma de fazer etnografia. Ao encerrar esse projeto, ela
se envolveu com o ensino que, posteriormente, associou à formação de professores, pois,
nas descobertas sobre os saberes docentes, encontrou forçosamente essa relação com
a formação: à medida que se constroem saberes docentes no ensino, está se formando
profissionalmente também.
Ao ser questionada sobre as decorrências das dificuldades em se construir um
currículo de pós-graduação voltado à docência, ao aperfeiçoamento da docência, Ruth
crer que isso decorre de múltiplos fato­res. As pós-graduações têm maior história nas
áreas das ciências duras, que formam os cientistas. Na área da educação, o que se fez foi
imitar esse paradigma de forma­ção em pós-graduação, que deve sim, obviamen­te, for-
mar cientistas e estudiosos da educação, mas que, nesse caso, por ser uma profissão que
demanda atualização, como todas, e não termina com a formação inicial. Só que outros
profis­sionais têm espaços para continuar se formando academicamente, sem necessaria-
mente, se trans­formarem em cientistas.
Na área da profissão do­cente, há no mínimo dois pressupostos: um deles é de
que os cursos de pós-graduação são para formar cientistas, pesquisadores; o outro
é o de que aquele que realiza a docência não precisa saber tanto, pois já sabe o que
tinha que saber. Trata-se de uma construção social de uma visão sobre o ensino e
sobre a docência como algo não tão difícil: “Por que você entraria em um curso de
pós-graduação para saber mais da docência? Você já estudou pedagogia, você estu-
dou socio­logia da educação!”.
A entrevistada acrescenta que se menospreza muito essa formação prática. Acre-
dita que tem mais a ver com uma ideia da docência como algo simples. Ou seja, um
médico precisa continuar se atualizando porque a medicina é associada a conhecimentos
muito complexos e em constante desenvolvimento; vão a congressos e não têm que ser
cientistas. São profissionais da medicina que não necessariamente fazem pesquisa. São
profissionais que têm desafios de resolução cotidiana.
Rute apresenta os seguintes questionamentos: Mas o que o profissional da edu-
cação, da docência, tem que saber mais? Será que se produzem novos conhecimentos
sobre a docência? E a mesma diz que essas concepções lhe parecem muito complicadas,
pois são construções históricas e quase não nos é possível imaginar um curso de pós-
-graduação em educação que tenha conteúdos, produtos de pesquisas, mas que permita
ao profissional da docência saber mais sobre a própria docência.
Para Ruth, não há um consenso acadêmico quanto ao que seria a formação
de um bom professor. Alguns argumentam que é necessário mais didática; outros,

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maior densidade teórica. Para ela, há outras coisas importantes na formação do pro-
fessor, como a produção de conhecimento sobre a escola cotidiana, sobre o ensino
cotidiano, sobre a conformação histórica da profissão docente. Há várias coisas que
podem ajudar o professor a simplesmente saber mais, a ampliar seu conhecimento
sobre a docência, sobre a escola e os processos de escolarização.
Back (2019) traz em seu artigo “Por uma concepção filosófica da educação”, al-
guns questionamentos acerca da educação escolar. Inicialmente ele questiona: O que
é filosofia da educação? Segundo o autor, seu propósito específico consiste em se con-
trapor ao que pode ser considerado uma concepção escolar de educação. Segundo tal
concepção, a educação seria, basicamente, o exercício de uma profissão em que caberia
ao professor ensinar alguma coisa ao(s) estudante(s). Ao concebê-la assim, restaria à filo-
sofia da educação a tarefa de mediar um debate entre teorias pedagógicas cuja finalidade
seria orientar a prática docente.
Nesse artigo, Back cita diversos autores, servindo de base para seu pensamento.
Dentre eles, Back destaca Tarso Bonilha Mazzotti (GHIRALDELLI JR., 2002, p. 185ss)
informando que este se propõe a responder seu questionamento inicial: o que é filosofia
da educação? Embora haja alguns pontos obscuros para ele no artigo, a proposta geral
lhe parece evidente.
Segundo Mazzotti, a filosofia da educação deve ser considerada uma me-
tateoria, uma teoria sobre outras teorias acerca da educação. Todas elas visam a
um objetivo comum: indicar um caminho eficaz que oriente a prática educativa.
Porém, com frequência, tais teorias conflitam entre si e, por consequência, a ação
pedagógica acaba ficando sem uma orientação precisa. Então, torna-se necessária a
intervenção de um juiz, de alguém com competência para coordenar esse debate in-
terdisciplinar. É o que cabe à filosofia da educação, segundo Mazzotti. Para mediar
o conflito, ela deve assumir a tarefa de elucidar tais teorias por meio de uma análise
lógica, dialética e retórica.
Para Back, a finalidade última deste artigo consiste em estabelecer uma concepção
filosófica da educação. Para mostrar a particularidade de tal modo de concebê-la, convi-
ria distingui-la esquematicamente do que ele chama de concepção escolar da educação.
Desse modo, a educação seria uma atividade prática cuja incumbência se encarregam
certos profissionais e os professores que trabalham para instituições de ensino. Como
elas se propõem a disciplinar as atitudes e as crenças dos estudantes, caberia à filosofia
contribuir para a realização dessa finalidade prática.
Em resumo, é o que Mazzotti propõe ao defender um conceito de filosofia da
educação segundo o qual lhe restaria coordenar um debate entre teorias pedagógicas.
Por que a filosofia, ao olhar para a educação, deveria se esquecer do que, desde sempre,
a distingue das outras epistemologias? Por que ela deveria abrir mão daquele seu olhar
tão agudo, tão peculiar?

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Back define provisoriamente a educação como a busca incessante do ser humano
por uma forma. Essa forma buscada deve satisfazer um anseio humano básico – lidar com
o fato inexorável de ser alguém absolutamente singular no mundo. E ela, a forma, enforma
aquilo que o define enquanto ser humano: seu próprio ser. Dada a negatividade essencial
da experiência, a formação se revela, em última instância, (trans)formação. Justamente
assim, por ser (trans) formadora, a educação é uma experiência em que singularidades se
afirmam – eis seu último aspecto. Enfim, ela jamais se repete; ela será sempre única!

PESQUISA NA BASE DE DADOS SCIELO

Na base de dados SciELO, foi utilizada uma estratégia inicial semelhante à em-
pregada para a base de dados Scopus. Assim, a primeira busca foi realizada com a se-
guinte sintaxe, reunindo descritores em português e operadores booleanos, nos cam-
pos de título e resumo: (ti:(Concepções docência)) OR (ab:(Concepções docência)) OR
(ti:(Professor educador)) OR (ab:(Professor educador)). A busca recuperou 144 docu-
mentos, dos quais 131 foram artigos completos publicados em periódicos, sendo 111 em
português, 31 em espanhol e 2 em inglês.
Os principais países de origem das publicações foram: Brasil (106 documentos),
Colômbia (17) e Cuba (5). Os periódicos que mais divulgam artigos sobre o tema foram:
Educação e Pesquisa (8 documentos), Educação em Revista (8), Ciência & Educação (7)
e Revista História de la Educación Latinoamericana (7).
A figura 2 mostra a evolução temporal do número de artigos publicados.

Figura 2 - Número de artigos publicados conforme dados da base SciELO, por ano de publicação

Fonte: elaborado pela autora

15
Na análise dos 144 documentos recuperados na busca na base SciELO, verificou-
-se que 14 deles tinham maior aderência à temática desta pesquisa. O Quadro 1 mostra
os dados desses 14 artigos.

Quadro 1 – Dados bibliográficos dos artigos com maior aderência à temática desta pesquisa.

Autor(es) Título Periódico Link

Gorlova, Elena. O olhar estereoscópico para Fractal: Revista de Psicologia https://doi.


a ontogênese: desafiando o Jun 2020, Volume 32 Nº spe org/10.22409/1984-
professor Páginas 239 – 242 0292/v32_i-esp/40987

Scherer, Renata Modos de constituição da Cadernos de Pesquisa Mai https://doi.org/10.1590/


Porcher. docência brasileira: tradiciona- 2020, Volume 50 Nº 175 Pági- 198053146535
lismo, competência técnica e nas 274 - 293
boas práticas

Polonia, Ana aa O desenvolvimento de compe- Educação em Revista 2020, https://doi.


Costa; Santos, tências acadêmicas no ensino Volume 36 org/10.1590/0102-
Maria de Fáti- superior: a prática docente em 4698216223
ma Souza. foco

Dalbosco, Clau- Instructio, libertas e exercício Educação & Sociedade Dez https://doi.
dio Almir. docente na contemporanei- 2019, Volume 40 org/10.1590/es0101-
dade 73302019220333

Pietri, Émerson A construção da identidade Revista Brasileira de Educação https://doi.org/10.1590/


de; Rodrigues, profissional de professores de Dez 2019, Volume 24 s1413-24782019240062
Lívia de Araújo língua portuguesa em forma-
Donnini; ção inicial
Sanchez, Hugo
Santiago.

Marroquín Yero- Las concepciones epistemoló- Folios Jun 2019, Nº 49 Páginas https://doi.
vi, Dr. Hna. Ma- gicas, pedagógicas y didácticas 19 - 40 org/10.17227/fo-
rianita; Valverde del mejor profesorado de las lios.49-9388
Riascos, Dr. universidades acreditadas en
Oscar Olmedo Colombia

Vaz, Kamille. Professor, Profissional ou Revista Brasileira de Educação https://doi.


Educador: a Concepção de Especial Mar 2019, Volume 25 org/10.1590/s1413-
Professor de Educação Especial Nº 1 Páginas 101 - 116 65382519000100007
nas Produções Acadêmicas do
Campo Específico da Educação
Especial (2000-2016)

Mesquita, Sil- Referenciais do “bom profes- Cadernos de Pesquisa Jun https://doi.org/10.1590/


vana Soares de sor” de ensino médio: exercício 2018, Volume 48 Nº 168 Pági- 198053144820
Araujo. de articulação teórica nas 506 - 531

Cruz, Giseli Ensino de didática: um estudo Educação em Revista Dez https://doi.


Barreto da; sobre concepções e práticas de 2014, Volume 30 Nº 4 Páginas org/10.1590/S0102-
André, Marli professores formadores 181 – 203 46982014000400009
Eliza Dalmazo
Afonso de

16
Macera, Irene Un estudio de las concepciones Educación y Educadores Dez https://www.
Marina. docentes acerca de la formaci- 2012, Volume 15 Nº 3 Páginas redalyc.org/
ón permanente 513 – 531 pdf/834/83428627010.
pdf

Gariglio, José Saberes da docência na educa- Educação em Revista Mar https://doi.


Ângelo; Bur- ção profissional e tecnológica: 2012, Volume 28 Nº 1 Páginas org/10.1590/S0102-
nier, Suzana. um estudo sobre o olhar dos 211 - 236 46982012000100010
professores

Sales, Adriane Escolha da carreira e processo Educação em Revista Dez https://doi.


de Castro Me- de construção da identidade 2011, Volume 27 Nº 3 Páginas org/10.1590/S0102-
nezes; Chamon, profissional docente 183 – 210 46982011000300010
Edna Maria 8197
Querido de
Oliveira

Lopes, Rosema- Da licenciatura à sala de aula: o Educar em Revista 2010, Nº 36 https://doi.


ra Perpétua. processo de aprender a ensinar Páginas 163 - 179 org/10.1590/S0104-
em tempos e espaços variados 40602010000100012
8023

Paula, Ercília Pedagogia: concepções e práti- Educar em Revista 2009, Nº 35 https://doi.


Maria Angeli cas em transformação Páginas 223 - 236 org/10.1590/S0104-
Teixeira de; 40602009000300017
Machado, Érico 22393 downloads
Ribas.

Fonte: elaborado pela autora.

No artigo que traz como tema “O olhar estereoscópico para a ontogênese: de-
safiando o professor”, Gorlova (2020) tenta examinar como é possível ao professor
- ou ao adulto-educador - estruturar um sistema de meios culturais conjugado com
a idade psicológica da criança que possa operar sobre a zona de desenvolvimento
iminente da criança. Argumenta-se que, para o diagnóstico do desenvolvimento e a
definição de estratégia do trabalho corretivo, é importante manter um olhar estere-
oscópico em que os eixos das coordenadas da visão ampla da criança sejam: o conte-
údo da relação de convivência com os adultos e coetâneos, as especificidades da ne-
oformação psicológica da idade como o conteúdo da vontade e do desenvolvimento
cultural e, finalmente, a função psíquica central e a atividade-guia. São descritos dois
exemplos que permitem indicar os aspectos corretivos centrais do adulto-educador
e delinear prognósticos.
No artigo “Modos de constituição da docência brasileira: tradicionalismo,
competência técnica e boas práticas”, a autora (SCHERER, 2020) apresenta a docên-
cia brasileira como objeto de pesquisa. A partir de uma perspectiva histórica, procu-
ra responder ao seguinte questionamento: quais práticas podem ser descritas acerca
da docência brasileira na literatura pedagógica da segunda metade do século XX?
Realiza-se uma análise documental de três obras de importante impacto na literatura

17
educacional e propõe-se um breve exercício analítico, que, longe de esgotar tais fontes
documentais, busca mapear algumas pistas acerca das concepções de pesquisa sobre
a docência na educação básica que predominaram no Brasil.
Quanto ao artigo “O desenvolvimento de competências acadêmicas no ensino su-
perior: a prática docente em foco”, as autoras (POLONIA; SANTOS, 2020) entrevistam
12 professores de uma instituição do Distrito Federal, e as análises realizadas pelo sof-
tware IRaMuTeQ geraram três classes: (a) enfoque na realização da tarefa (tecnólogo);
(b) papel formativo do educador (licenciatura); e (c) práticas direcionadas ao desen-
volvimento do aluno (bacharelado). As representações sociais ressaltam a diversidade
de práticas alicerçadas nas áreas de atuação docente, revelando mundos próximos e em
conexão com a futura atividade profissional.
Nesse artigo “Instructio, libertas e exercício docente na contemporaneidade”, Dal-
bosco (2019) argumentou a favor do papel formativo do professor, o qual desempenha,
enquanto governante intelectual, papel indispensável na formação de novas gerações.
Investigou, na primeira parte, diferentes formas de reducionismo da educação contem-
porânea, provocadas pela invasão da governança empresarial neoliberal nas instituições
de ensino, focando no empobrecimento da experiência docente. Reconstruiu, na segun-
da parte, alguns traços do perfil do mestre que emerge da noção latina de educação como
instructio, concentrando-se no ideal da libertas como núcleo da relação formativa entre
mestre e discípulo, ou seja, entre educador e educando.
Quanto ao artigo “A construção da identidade profissional de professores de
língua portuguesa em formação inicial”, os autores Pietri, Rodrigues e Sanchez (2019)
apresentam resultados de pesquisa desenvolvida com o objetivo de compreender, em
suas bases identitárias e cognitivas, as concepções construídas por professores em for-
mação inicial do que é ser docente e do que é ensinar e aprender língua portuguesa em
condições de trabalho caracterizadas pela diversidade social e cultural e pela adversi-
dade econômica.
No artigo “As concepções epistemológicas, pedagógicas e didáticas do melhor
corpo docente das universidades credenciadas na Colômbia”, os autores (MARRO-
QUÍN YEROVI, H. M.; VALVERDE RIASCOS, 2019) apresentam os resultados
de uma investigação que envolveu a vinculação de universidades credenciadas e
cadastradas na Associação Colombiana de Universidades (ASCÚN), sobre o pen-
samento do melhor professor e seu trabalho em sala de aula. As informações fo-
ram avaliadas de cada universidade. Nesse cenário, as informações obtidas foram
classificadas em três categorias: concepções epistemológicas empiropositivas, con-
cepções epistemológicas construtivistas, concepções de ensino empiropositivistas,
concepções de ensino construtivistas, concepções de aprendizagem empiropositi-
vistas e concepções de aprendizagem construtivistas, em um contexto pedagógico
e didático.

18
Em seguida, no artigo “Professor, Profissional ou Educador: a Concepção de
Professor de Educação Especial nas Produções Acadêmicas do Campo Específico da
Educação Especial (2000-2016)”, a intenção da autora é a de expor o estudo acerca da
produção do conhecimento sobre o professor de Educação Especial (EE) no Brasil
durante os anos de 2000 a 2016. O objetivo é analisar como está sendo disseminada a
concepção sobre esse professor específico pelas pesquisas acadêmicas. Trata-se de uma
pesquisa bibliográfica e qualitativa, cuja base teórico-metodológica é o materialismo
histórico-dialético.
Mesquita (2018), em seu artigo “Referenciais do ‘bom professor’ de ensino médio:
exercício de articulação teórica”, articula um conjunto de referenciais teórico-metodo-
lógicos sobre desempenho docente. Parte-se de uma revisão de literatura sobre efeito-
-professor, eficácia escolar, desempenho docente, competências para ensinar, saberes
docentes e processo de profissionalização. Adotam-se como categorias de análises cinco
dimensões da docência no ensino médio: conhecimento, estratégica, relacional, motiva-
cional e profissional. Conclui-se que o alargamento das concepções do que constitui um
“bom professor” de ensino médio pode contribuir para a instituição de políticas para
fomentar o desenvolvimento da carreira docente e para as diretrizes dos cursos de for-
mação inicial e continuada dos professores especialistas.
No artigo “Ensino de didática: um estudo sobre concepções e práticas de pro-
fessores formadores”, as autoras Cruz e André (2014) fazem análise das concepções e
práticas de professores de Didática de três universidades, tendo por base a perspectiva
de Didática fundamental proposta por Candau (1983) e sua incorporação pelos progra-
mas de formação de professores. Buscou-se conhecer quem é esse professor que ensina
a disciplina de Didática, captar suas visões sobre Didática e identificar suas práticas em
sala de aula para compreender como as concepções e práticas defendidas fundamentam
o aprendizado da docência.
Macera (2012) apresenta, em seu artigo “Um estudo das concepções docentes so-
bre a formação permanente”, as concepções docentes sobre sua formação permanente.
Nele, identificaram-se diferentes pontos de análise relacionados com a antiguidade na
profissão, interesses metodológicos, interesses de atualização de conhecimentos, inte-
resses de incorporação de novos saberes e, por último, o lugar que a formação ocupa na
subjetividade docente.
Gariglio e Burnier (2012), no artigo “Saberes da docência na educação profissional
e tecnológica: um estudo sobre o olhar dos professores”, trazem como referência a histó-
rica desregulamentação da docência na Educação Profissional e Tecnológica. Discutem,
inicialmente, sobre os saberes mobilizados pelos docentes da EP, analisando, a partir
das representações dos sujeitos docentes de diversas instituições, os saberes acionados
e demandados nas suas atividades educativas e as concepções de formação profissional
subjacentes a tais saberes.

19
No artigo “Escolha da carreira e processo de construção da identidade profis-
sional docente”, Sales e Chamon (2011) analisam os fatores intervenientes na escolha
da profissão, assim como a influência desses elementos na construção da identidade
profissional docente. O método foi descritivo, com abordagem quantitativa, baseado
em um questionário fechado. Nos resultados, observou-se forte influência de ideá-
rios sociais nas concepções elaboradas pelos sujeitos sobre a profissão docente e nos
fatores declarados para a escolha profissional. Destacam-se, também, os conflitos
e a complexidade vivenciada pelos graduandos diante da necessidade de sentirem-
-se prontos a responder às demandas e exigências da escola, do contexto social e do
mercado de trabalho.
Lopes (2010) afirma, em seu artigo “Da licenciatura à sala de aula: o processo
de aprender a ensinar em tempos e espaços variados”, que a formação de professores
é um desafio que ultrapassa fronteiras de espaço e tempo. Realizou-se, nesse estudo,
uma investigação cujos objetivos foram: investigar processos de aprendizagem da do-
cência e evidenciar concepções de futuros professores sobre a sua profissão. Os dados
foram analisados em seis eixos temáticos, resultando em significativas constatações,
das quais se destaca a falta de saberes relativos à especificidade da profissão docente
e ao contexto sócio-histórico no qual ela acontece, comprometendo a ação futura do
professor e, consequentemente, a aprendizagem do aluno da escola básica. Cabe, pois,
repensar a formação docente, numa época em que seu redimensionamento por meios
tecnológicos é possível.
Finalmente, no artigo “Pedagogia: concepções e práticas em transformação”, os
autores Paula e Machado (2009) apresentam uma análise das concepções educacionais
do curso de Pedagogia voltadas para a formação social do Educador ao longo da história.
Os documentos oficiais e algumas entidades representativas priorizam a docência como
base de formação, outras priorizam o Pedagogo como cientista da educação. Este artigo
faz parte de uma pesquisa que analisa os documentos e produções bibliográficas a respei-
to das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, instituída pela Re-
solução CNE/CP n. 1 de 15/05/2006. Os estudos revelaram que a Pedagogia Social tem
surgido como instrumento da Educação para atender às novas demandas da sociedade e
formar o Educador Social como o seu agente transformador.

ANÁLISE QUALITATIVA

Para apresentar uma análise qualitativa acerca do tema, este estudo toma,
inicialmente, como principais autores Rubem Alves, Freire e Becker quando dis-
cutem o tema desta pesquisa: “Docente: professor ou educador? Um olhar sobre
sua concepção epistemológica”. Professor, na visão de Rubem Alves (1985, p. 14),

20
“[...] é funcionário de um mundo dominado pelo Estado e pelas empresas. É uma
entidade gerenciada, administrada segundo sua excelência funcional, excelência
esta que é sempre julgada a partir dos interesses do sistema”.
Com base neste pensamento, é possível identificar a postura do professor
como aquela que é exercida de forma mecânica sem dá relevância à aprendizagem
do educando.
Acreditar na definição do ser professor, segundo Rubem Alves (1985), é com-
preendê-lo como sendo um funcionário da educação formal que, mesmo inconscien-
te, contribui com o modelo social vigente, compactuando com a ideologia subjacente
desse sistema que é imposto pela classe dominante, implicando em atuar de forma
autoritária. Portanto, sua lógica é deixar evidente que existe uma relação de poder
entre professor e aluno, em que um manda e outro obedece. Nessa relação, não há
interação colaborativa entre professor e aluno, pelo contrário, há um relacionamen-
to distante e com papel bem definido, destacando o professor como dono do saber
e classificando o aluno como alguém que não sabe quase nada. O educando é visto
como um ser vazio que está ali apenas para receber o que lhe é imposto e reproduzir
fielmente o que lhe é cobrado. Aquele que conseguir manter-se disciplinado através
do silêncio e tirar nota 10 como resultado da memorização dos conteúdos transmi-
tidos, é considerado o aluno ideal.
Nesse contexto, percebe-se claramente o retorno que a escola dá à sociedade, for-
mando indivíduos “medíocres” que servirão apenas para dar continuidade a um modelo
conservador, impedindo qualquer possibilidade de mudança.
Por outro lado, educador, como afirma Rubem Alves (1985, p. 26): “[...] é um
fundador de mundos, mediador de esperanças, pastor de projetos”. Refletir a definição
do ser educador sob essa ótica implica em desvendar a utopia que é transmitida pelo
autor. Essa utopia perpassa a ideia de que o educador vive num mundo diferente, um
mundo onde não há desigualdade entre educador e educando, um mundo onde há
espaço para diversas possibilidades, permitindo um crescimento coletivo por meio da
verdadeira comunicação entre os sujeitos. Com essa visão, acredita-se que os educado-
res amam o que fazem porque sentem-se chamados interiormente pela vocação, dife-
renciando-se de professores, pois estes se sentem chamados a realizarem um trabalho
de mera transmissão de conhecimentos. Ainda de acordo com Rubem Alves (1985, p.
11): “[...] professor é profissão, não é algo que se define por dentro por amor. Educador,
ao contrário, não é profissão, é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de
uma grande esperança”.
Analisando as definições citadas pelo autor (ALVES, 1985), percebe-se claramente
que há diferentes funções entre ser professor ou ser educador.
Relacionando esta última definição do ser educador com a de ser professor, am-
bas de Alves (1985), mencionada no início desta seção, subtende-se que ser educador

21
não é simplesmente transmitir conhecimentos nem tampouco servir aos interesses de
uma política educacional que esteja voltada para defender os interesses do sistema
capitalista, mas é, acima de tudo, criar expectativas de um novo mundo. Contudo,
essa prática requer criatividade, cuidado, amor... requer, ainda, mediar esperanças por
meio de um discurso transparente, aberto às críticas, provocando conflitos no pensa-
mento do educador e do educando, promovendo saberes pelas trocas de conhecimen-
tos entre aprendizes.
Dentro desse contexto, acreditando na criação de mundos novos, é necessário que
haja educadores dispostos a enfrentar esse desafio. Mas, segundo Rubem Alves (1985, p.
11), “Educadores onde estarão? Em que covas terão se escondido? [...]”.
Percebe-se na indagação do autor, que educadores existem, estão apenas es-
condidos. Nesse caso, é interessante questionar o porquê de estes estarem escondi-
dos. Será por medo de transformar suas práticas, evitando os incômodos? Ou será
que optaram pela função de professor por uma questão de conveniência? Ou ainda,
será que estão apenas dormitando historicamente? Se estiverem nesse estado, basea-
do em Rubem Alves (1985, p. 26): “Basta que os chamemos de seu sono, por um ato
de amor e coragem”.
Dessa forma, Alves (1985) convida à reflexão sobre o compromisso de que o do-
cente deve ter em sua postura, sobretudo quando se deixa influenciar pela formação
recebida no passado e que, conscientemente ou não, permanece atuando com autorita-
rismo, desempenhando posturas “tradicionais”.
Analisando alguns textos de Paulo Freire (1983, 1987, 1992), não é possível iden-
tificar diferenças entre ser educador e ser professor, no entanto, percebe-se uma prefe-
rência por parte do autor em utilizar quase sempre o termo educador. São apontados
educadores que atuam de formas diferentes, o que Freire (1983, 1987, 1992) classifica
como educadores conservadores e educadores progressistas, que se enquadram em dois
modelos de concepção de educação que o autor apresenta como: concepção “bancária” e
concepção problematizadora e libertadora, o que nos leva a compreender melhor a razão
de ser educador.
Para a concepção da educação bancária, segundo Freire (1987, p. 58): “[...] a edu-
cação se torna um ato de depositar, em que os educandos são depositários e o educador
depositante”. É nessa concepção que se enquadram os educadores conservadores e, de
acordo com essa citação, percebe-se que esse tipo de educador se coloca como detentor
do saber, e por meio da transmissão de conteúdos vai enchendo o educando, desconside-
rando todo e qualquer conhecimento que este traz consigo, inibindo-o e tornando-o um
mero receptor de conteúdo, isto é, um mero depositário, além de mero ouvinte, já que o
educador narra o tempo todo.
Ainda de acordo com Freire (1987, p. 58), “a narração de que o educador é o su-
jeito, conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado”. Percebe-se,

22
dessa forma, que o educador conservador exerce o poder que manipula o educando,
exigindo que este reproduza o que lhe é ensinado, negando-lhe a capacidade de produzir
seus próprios conhecimentos. Nesse sentido, o educando torna-se um ignorante diante
do conhecimento que lhe é transmitido, uma vez que o transmissor emite uma ideia de
que o saber pertence a ele.
Provavelmente há, ainda, um significativo número de docentes que exerce
sua função colocando-se como centro do processo educativo. Essa postura fica cla-
ra quando Freire (1983, p. 38) afirma que “o professor ainda é um ser superior que
ensina a ignorantes”. Essa afirmativa revela uma verdade assustadora, mas, aqueles
que estiveram um dia atrás de uma carteira na sala de aula, na posição de aluno,
compreendem bem esse texto.
Ainda assim, há docentes que demonstram e defendem outros discursos, admitin-
do serem democráticos, acreditando que o aluno exerce um papel importante no proces-
so de ensino e aprendizagem e que a proposta curricular deve estar voltada para a reali-
dade do educando. No entanto, na prática, esse discurso entra em contradição uma vez
que, muitos docentes não conseguem superar a ideologia subjacente de um sistema que
reprime, dificultando que os educadores progressistas assumam uma postura coerente
com tais discursos. Embora selecionando conteúdos, acabam assumindo posturas tradi-
cionais, distanciando-se dos alunos, perdendo de vista a essência daquilo que acreditam
e defendem, tornando-se antidemocráticos. Nesse sentido, pode-se compreender Freire
(1992, p. 111) quando diz que “não é possível democratizar a escolha dos conteúdos sem
democratizar o ensino”.
Dessa forma, o autor parece fazer um convite para que se possa refletir cada vez
mais a função que o docente exerce, a fim de que este possa conscientizar-se de que a
seleção de conteúdos por si só não fará a diferença se a postura de quem a conduz não
estiver voltada para o diálogo. Enfim, inovar “o que fazer”, sem inovar “o como fazer”, é
se submeter ao modismo sem atingir resultados satisfatórios.
O educador progressista enquadra-se na concepção problematizadora e liberta-
dora da educação que, segundo Freire (1987, p.70), “[...] de caráter autenticamente re-
flexivo, implica um constante ato de desvelamento da realidade”. Engajar-se nessa con-
cepção, significa denunciar todo e qualquer tipo de ação desumanizadora e superar a
contradição educador/educando. Por isso, compete ao educador progressista refletir sua
prática pedagógica no sentido de reconhecer-se e reconhecer o educando como um ser
político, que tem visão de homem-mundo, comprometido com a humanização, reme-
tendo a ideia atrelada ao ato de educar como humanizar, termo propício para quem
pensa em educar não como ato profissional apenas, mas pela força impulsionadora de
trabalhar com gente, de lutar, o que aproxima mais de educar.
Atuar dessa forma, requer do educador progressista um relacionamento “amo-
roso” com o educando, ou seja, faz-se necessário perceber nele um ser capaz não só de

23
aprender, mas também de ensinar. Nesse caso, faz-se necessário também que o educador
resgate o desejo de aprender para que possa crer de fato na capacidade de educando.
Nesse contexto, vale apena citar Freire (1993, p. 11), quando fala em seu livro
“PROFESSORA SIM, TIA NÃO”: “o processo de ensinar, que implica o de educar e vice-
-versa, envolve a ‘paixão de conhecer’ que nos insere numa busca prazerosa, ainda que
nada fácil”.
Sob esta ótica, compreende-se que exercer a função de educador progressista
realmente não é tarefa fácil, pois, além de conhecimento acadêmico e pedagógi-
co, exige características tais como, por exemplo, humildade, paciência, esperança,
amor, dentre outras. Atuar dessa forma requer suporte a fim de que o educador
possa motivar-se para desempenhar melhor sua função no sentido de lançar um
novo olhar para a educação, na certeza de que através dela consiga trilhar novos
horizontes na tentativa de participar da sociedade e lutar para torná-la mais justa.
Afinal, como afirma Freire (1983, p.12): “Dentro de uma visão macroeducacional,
em que a ação pedagógica não se limita à escola, a organização da sociedade é tam-
bém tarefa do educador”.
Referindo-se ainda ao educador progressista, vale o questionamento: será que re-
ceber suporte necessário para atuar com dignidade basta para que o educador cumpra
sua função com rigor? A profissão do magistério não pode ser exercida isoladamente.
O educador precisa trabalhar com e para o educando. Nesse caso, é bom lembrar que o
educando é um ser que necessita de cuidado, carinho, amor, enfim, necessita de atenção.
E todo esse processo só é possível através do diálogo. No entanto, enfrentar a realidade
da escola, principalmente a da escola pública, onde o número excessivo de alunos nas sa-
las dificulta um relacionamento entre professor e aluno, ou seja, dificulta o diálogo como
forma de comunicação propriamente dita, impossibilita o docente atender os discentes
considerando as suas diferenças.
Diante de tantos obstáculos, nota-se que há, ainda, uma saída para construir esse
diálogo: o amor. Partindo desse pressuposto, compreende-se que o amor é algo podero-
so. O amor é capaz de superar todas as barreiras que impedem os seres de serem mais.
Portanto, é um poder mágico porque tem uma força que impulsiona a luta pela dignida-
de mútua, pela democracia autêntica, pela conscientização, pela liberdade. Nesse senti-
do, o amor é revolucionário quando se faz da prática educativa um ato político. Portanto,
somente com e por amor, os seres tornarão possível o diálogo.
O amor do qual se fala não se refere ao amor consequente de empatias, mas um
amor que força a separar o que é de natureza pessoal daquilo que é realmente necessá-
rio para os aspectos didáticos, que favorece ao educando situações de aprendizagens.
Compreende-se que isso não é fácil.
Percebe-se, dessa forma, que para ser um educador progressista, não basta
apenas receber os suportes necessários para desenvolver seu trabalho com eficácia.

24
Mas, é necessário que ele dê suporte ao educando através do amor e da esperança, o
que implica humildade para que possa desafiar sua função com dialogicidade.
Dentro desse contexto, compreende-se melhor a importância do diálogo no pro-
cesso educativo. De acordo com Freire (1987, p. 81): “Ao fundar-se no amor, na humil-
dade, na fé nos homens, o diálogo se faz horizontal, em que a confiança de um polo no
outro é consequência ‘óbvia”.
Vale ressaltar que os pensamentos e reflexões a respeito das práticas pedagógicas
e de vida fundadas nesse amor estão alicerçadas como algo inerente aos seres, não como
visão ingênua, mas como busca de equilíbrio mesmo provisório entre a objetividade da
vida, dos fatos e dos sujeitos que interagem com base na subjetividade.
Finalmente, o discurso de Becker (1993) fechará esta fundamentação teórica, que
levará a reflexão não mais sobre a diferença entre ser professor ou ser educador, mas
sobre a relação que existe entre a concepção epistemológica e a prática pedagógica dos
docentes. Sobre este assunto, o autor diz:

Sob o ponto de vista das relações pedagógicas que se constituem na prática


de cada sala de aula, podemos dizer que um movimento de polarização
“ESPONTÂNEO”, aí verificado, tende a valorizar: ou (a) o professor, ou (b)
o aluno, ou (c) as relações entre professor e aluno. Esta polarização, diga-se
de passagem, é consequência e não causa do processo escolar (BECKER,
1993, p.9).

A luz desse pensamento, compreende-se o que o autor pretende transmitir quan-


do aponta alternativas que leva a perceber determinadas concepções pedagógicas, que
tem como alvo o professor, ou o aluno, ou os dois. Veja a citação de Becker (1993, p. 9):

[...] uma pedagogia centrada no professor tende a valorizar relações hierár-


quicas que, em nome da transmissão do pensamento, acaba por produzir
ditadores, por um lado, e indivíduos subservientes, anulados em sua capa-
cidade criativa, por outro. Consideram o sujeito da aprendizagem, em cada
novo nível, como tábula rasa.

A citação acima lembra o cotidiano da maioria dos docentes que assumem postu-
ras típicas desta pedagogia, por ser, talvez, a que se reproduz mais facilmente, em função
de vivência anterior. Analisando a pedagogia que tem como alvo somente o aluno, vale
refletir o que Becker (1993, p.10) diz a respeito:

Uma pedagogia centrada no aluno pretende enfrentar os desmandos au-


toritários do modelo anterior, atribuindo, ao aluno, qualidade que ele não
tem, como: domínio do conhecimento sistematizado em determinada área,
capacidade de abstração suficiente, especialmente na área de atuação espe-
cífica do professor, e é claro, do domínio das didáticas.

25
Nessa perspectiva, compreende-se que não é possível conceber uma pedagogia
que tem como centro somente no aluno, enquanto sujeito do processo escolar. Dessa
maneira, ela nega a pessoa do professor, deixando-o à margem desse processo.
Esse tipo de pedagogia está fundamentada na epistemologia apriorista que
absolutiza o sujeito, neste caso, o aluno, considerando a bagagem hereditária que ele
traz consigo. Considera que o conhecimento é exclusivo desse sujeito. Daí a desva-
lorização do professor, já que, neste modelo, não se considera a experiência, no caso
a experiência do docente. Na epistemologia apriorista, o mundo do sujeito é deter-
minante do objeto.
Ao abordar uma terceira pedagogia, que, ao invés de centrar-se somente no pro-
fessor ou somente no aluno, se centra na relação entre eles, ou seja, tanto o professor
quanto o aluno são valorizados mutuamente. Becker (1993, p. 10) diz: “Uma pedagogia
centrada na relação tende a desabsolutizar os polos da relação pedagógica, dialetizando-
-os. Nenhum dos polos dispõe de hegemonia prévia. O professor traz sua bagagem, o
aluno também”.
Analisando essa última pedagogia, percebe-se que esta, talvez, seja a mais in-
dicada para se constituir na sala de aula, pois somente esta deve ser capaz de pouco
a pouco ir superando os modelos citados anteriormente, exercendo a interação entre
o sujeito e o objeto. Essa pedagogia é fundamentada na epistemologia interacionista
do tipo construtivista. Nela, o mundo do sujeito e o mundo do objeto são determi-
nantes entre si.
Sabe-se que o interacionismo, especialmente o construtivismo, propõe uma con-
cepção epistemológica contrária ao empirismo e ao apriorismo. Refletindo sobre as pe-
dagogias fundamentadas nas epistemologias empirista e apriorista, citadas por Becker
(1993), acredita-se na necessidade da superação dessas pedagogias. Mas, superar tais
pedagogias não significa desprezá-las totalmente. Nesse contexto, é preciso resgatar o
que há de importante em cada uma delas para o processo de construção de conhecimen-
to, bem como negar os fatores que impedem esse mesmo processo. O que se deve, então,
resgatar dessas pedagogias? Becker (1993, p. 10) indica que:

Resgata-se, do primeiro, a importância que se dá ao conteúdo, sistematiza-


do pelas várias ciências (“acervo cultural da humanidade”), e a autoridade
do saber do professor; do segundo, resgata-se a experiência de vida, o saber
até agora construído e a capacidade de construir conhecimento que a sala
de aula tem por função ativar.

À luz dessas pedagogias, nota-se que o julgamento que se faz em relação a elas,
nem sempre deve ser considerado, pois o professor ainda é a autoridade do saber na sala
de aula. Cabe a ele, conduzir esse saber de forma segura e eficiente, o que não significa
exercer uma postura autoritária.

26
E o que se deve negar dessas pedagogias? De acordo com Becker (1993, p. 11):

Nega-se, por um lado, o saber absoluto atribuído ao professor e o auto-


ritarismo daí derivado; a pretensa incapacidade de o professor influir no
aluno e a inutilidade dos conhecimentos deste. Por outro lado, nega-se a
ignorância absoluta atribuída ao aluno e a subserviência e a inanição que
lhe são cobradas; o autoritarismo e a pretensa autossuficiência de seus ins-
trumentos de acesso ao conhecimento.

Sob a ótica de Becker (1993), não é possível manter-se preso a teorias que susten-
tam práticas nas salas de aula e que implicam poderes exclusivos somente ao professor
ou somente ao aluno. Por outro lado, não se pode “adotar” uma postura interacionista
guiado pelo modismo ou mesmo por um ato inconsciente. É necessário um estudo mais
complexo sobre essa teoria, pois, pressupõe-se que seja a partir daí que se tem condições
de sustentar uma prática pedagógica mais equilibrada. Acredita-se que, talvez, este não
seja o único caminho a ser percorrido, mas que seja necessário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na tentativa de investigar as concepções subjacentes nas práticas dos docentes


citadas em literaturas e artigos, foi possível compreender a difícil tarefa de exercer a pro-
fissão do magistério.
Por meio da análise bibliométrica, os artigos pesquisados apontaram que a ga-
rantia da qualidade profissional do educador somente se dará se, ao longo dos processos
iniciais e continuados de sua formação, lhe forem asseguradas, pelas mediações pedagó-
gicas, um complexo articulado de elementos formativos, produzidos pelo cultivo de sua
subjetividade. Afinal, os recursos da ciência e da técnica são fios condutores dos desafios
do educador frente ao saber e ao fazer.
As principais abordagens nesses artigos tratam a docência a partir de uma pers-
pectiva histórica, em que as representações sociais ressaltam a diversidade de práticas
alicerçadas nas áreas de atuação docente enquanto governante intelectual cujo papel é
indispensável na formação de novas gerações.
Quanto aos artigos que discutem sobre as concepções epistemológicas, pedagógicas
e didáticas, estes discutem sobre características de um professor idealizado e seu trabalho
em sala de aula, buscando conhecer quem seria esse professor, procurando compreender
como as concepções e práticas defendidas fundamentam o aprendizado da docência.
Os discursos dos autores identificados na análise qualitativa apontaram diferenças
entre a atuação de professores e de educadores, bem como as características apresentadas
em dois modelos de concepção de educação, em que uns são classificados como educa-
dores conservadores e outros como educadores progressistas.

27
Esses discursos trouxeram ainda reflexões sobre a relação existente entre a con-
cepção epistemológica e a prática pedagógica dos docentes que se constituem na prá-
tica de cada sala de aula. Nessa relação, há um movimento de polarização, destacando
o papel do professor e do aluno de diferentes formas, conforme a ênfase dada à peda-
gogia que, por sua vez, está fundamentada em diferentes epistemologias, descritas da
seguinte maneira: uma pedagogia centrada no professor, fundamentada na epistemo-
logia empirista que tende a valorizar relações hierárquicas; outra pedagogia centrada
no aluno, fundamentada na epistemologia apriorista que absolutiza o sujeito; por fim,
uma pedagogia centrada na relação, fundamentada na epistemologia interacionista do
tipo construtivista e na qual nenhum dos polos dispõe de hegemonia prévia.
Nesse sentido, ficou clara a postura política de que o professor/educador deve as-
sumir, a fim de possibilitar o desenvolvimento da consciência crítica do educando, para
que este compreenda melhor o seu papel e a sua visão de mundo presente na sociedade.
No entanto, as análises apontaram o lado técnico, estruturado e metódico já internali-
zado pela formação acadêmica recebida, revelando que os indivíduos têm habitus es-
truturados não só pelas matrizes familiares obtidas pela escola, deixando transparecer a
epistemologia empirista subjacente em suas práticas.
As análises apontaram, também, caminhos para mudanças de posturas e reconhe-
cimento da identidade profissional em que o professor, por meio de uma formação que
esteja voltada para atender às novas demandas da sociedade, possa constituir-se enquan-
to agente transformador e atuar como um professor/educador.

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30
A IMPORTÂNCIA DO RECONHECIMENTO
DA FISSURA LABIOPALATINA COMO DEFICIÊNCIA: De-
safios educacionais e sociais

André Luiz Xavier Almeida


Anderson Brito da Silva

INTRODUÇÃO

As fendas de lábio e palato são os defeitos congênitos mais comuns entre os nasci-
dos vivos da população humana. Um dos grandes desafios é a aceitação por parte da fa-
mília e da sociedade de uma criança com Fissura Labiopalatina, seu devido acolhimento
e assistência integral, assim como o reconhecimento dos seus direitos e necessidade de
inclusão plena (JURADO; MOREIRA, 2018).
Sendo assim, para uma melhor compreensão desta proposta temática faz-se ne-
cessário, primeiramente, discorrer sobre o conceito de Fissura Labiopalatina. De acordo
com o Ministério da Saúde, a Fissura Labiopalatina é uma má formação congênita que
acomete uma a cada 650 bebês, sendo esta uma realidade brasileira. Este mesmo concei-
to está descrito no projeto de lei de n° 11217/2018, que cita:

A fissura labiopalatina é um defeito congênito que atinge uma criança a cada


650 nascidas, de acordo com a literatura especializada. Trata-se de um defeito
de não fusão de estruturas embrionárias. Inicialmente, tanto o lábio como o
palato são formados por estruturas que nas primeiras semanas de vida estão
separadas. Durante a formação normal da face, essas estruturas devem se
unir. Se esse processo não ocorrer, as estruturas permanecem separadas, dan-
do origem às fissuras no lábio e no palato (PL 11217, 2018, p. 02).

Logo, é perceptível que essa fissura ocorre no período de formação do bebê durante a
gestação e que esta pode ser acarretada por diversos fatores ainda não identificáveis com uma
precisão, o que gera socialmente uma invisibilidade desta como deficiência, já que, os estudos
científicos apenas mencionam alguns indícios, porém sem uma causa que o favoreça.
Importante ressaltar que para a pessoa com fissura implica um desconforto esté-
tico, uma vez que é uma deformidade visível na região da face, além de atingir algumas
funções fonológicas, como também psicoemocionais.

31
Ademais, a fissura varia de indivíduo para indivíduo, pois elas podem ser de modo
simples até complexas, as quais dependem também do tempo certo de tratamento po-
dendo evitar sequelas maiores ou sua total reabilitação. Cezar (2020), citando Garib
(2010), discorre que há diversas terminologias para a fissura labiopalatina, o que difi-
culta as pesquisas acadêmicas, bem como, a busca pela causa e tratamento pelo sujeito.
Assim se posiciona:

No Brasil, particularmente, é possível encontrar diversas nomenclaturas


que se refira à Fissura labiopalatina como por exemplo: fissura labial;
fenda labial; fissura lábio palatal; fenda lábio palatal; lábio leporino; go-
ela de lobo, dentre outras terminologias. Ocorre que esta variedade de
terminologias, dificultam a pesquisa de profissionais e pacientes quan-
do buscam suas causas, condições e tratamentos (CEZAR, 2020, p. 29
apud GARIB et al, 2010, p.31).

Por se tratar de uma alteração anatômico-fisiológica considerada rara, porém


comum, consiste em uma raridade com uma maior incidência na população (BOR-
GES- OSÓRIO; ROBINSON, 2013; JURADO; MOREIRA, 2018), o que faz com que o
preconceito e a discriminação ocorram pela falta de informação sobre esta temática,
bem como pela inexistência de uma lei que nos ampare identificando-a como defici-
ência para que tenhamos nossos direitos civis aceitos em empresas, concursos, cotas,
entre outros.
Assim, suscitamos as seguintes perguntas que norteiam o nosso trabalho: como
o não reconhecimento da fissura labiopalatina como deficiência invisibiliza o sujeito do
direito a educação inclusiva? De que maneira o não reconhecimento do indivíduo com
fissura labiopalatina como deficiência desfavorece no seu ingresso e permanência no
mercado de trabalho?
Com tais questões, esta pesquisa tem como objeto discutir a importância do re-
conhecimento da fissura labiopalatina como deficiência e seus desdobramentos na edu-
cação e no social, assim como refletir sobre os desafios encontrados pelos fissurados na
visibilidade da fissura labiopalatina como deficiência.
Esta investigação pretende discutir como o não reconhecimento da fissura labio-
palatina como deficiência invisibiliza o sujeito no direito a educação inclusiva e o acesso
ao mercado de trabalho, ou seja, de que forma a negativa de direito ao reconhecimento
da deficiência torna-se um mecanismo que desfavorece no seu ingresso e permanência
no mercado de trabalho, bem como, evidenciar as características que definem o sujeito
fissurado como deficiente. Dessa forma, o presente trabalho justifica-se pelas seguintes
razões, a seguir.
Primeiro, pela importância social do tema, pouco discutido no campo acadêmi-
co, o que permite ampliar horizontes no campo da pesquisa e contribuir e/ou encorajar

32
outros estudantes de graduação e pós-graduação a também desenvolverem pesquisas
que envolvam direitos sociais e educacionais das pessoas fissuradas.
Segundo, por me constituir enquanto sujeito fissurado e poder relatar minhas vi-
vências e experiências neste lugar de marginalização social pelo qual todos nós passa-
mos, uma vez que ser fissurado, nesta sociedade, demanda o enfrentamento de todos os
preconceitos existentes, demarcando o lugar de opressão e subvertendo-o. Como afirma
Berth (2019), é a partir da tomada de consciência do sistema de opressão que se constrói
os meios para mudá-los.
Assim, como aporte teórico para fundamentar esta pesquisa recorremos aos se-
guintes autores: Cezar (2020), que discute sobre a importância das políticas públicas
para pessoas com fissuras lábio palatinas; Campos (2011), que aborda sobre a efetivação
jurídica dos fissurados no mercado de trabalho; Machado e Pavão (2019), que discorre
sobre a invisibilidade dos fissurados e sua inclusão; além do Projeto de Lei (11217/2018)
e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB-9394/96), os quais utilizaremos para dis-
cutir o acesso, a permanência e o êxito escolar do fissurado no ensino.

REVISÃO TEÓRICA
A Fissura Labiopalatina: conceito e contextos

A palavra fissura, segundo o Dicionário on-line Michaelis (2021), vem do latim


fissura e significa: fenda aberta no sentido longitudinal; lesão superficial alongada; corte
profundo. Logo, a fissura labiopalatina consiste numa deformidade congênita que aco-
mete bebês no período intrauterino. Como afirma Campos (2011, p. 30),

[...] a fissura labiopalatina como [...] deformidade congênita mais comum


dentre as anomalias craniofaciais e que resulta da falta de fusão dos pro-
cessos faciais embrionários. Afirma que, anatomicamente, a fissura pode se
expressar como uma fenda apenas no lábio ou acometer, isolada ou simul-
taneamente, o palato e que neste último caso, quase sempre vem associada
a deformidades dentoesqueléticas e nasais, sendo considerada a causa mais
frequente de insuficiência velofaríngea.

Da mesma forma, Gil e Silva (2019) abordam o conceito de fissura labiopalatina


como malformação congênita, sendo esta desenvolvida entre o 4° e 8° semana de gestão.
Nessa mesma perspectiva, Cezar (2020) discorre o conceito como fissura congênita do
palato mole ou duro que se deve a uma fusão defeituosa.
Corroboro com as afirmações aqui expressas, porém vale ressaltar que quando se fala
em fissuras é preciso deixar esclarecido que não são padronizadas e que podem ocorrer de
diversas maneiras a depender do grau da fissura. Com isso, destaco algumas formas de fis-
suras que podem acometer os sujeitos no período da gestação: fissuras pré- forame incisivo,

33
transforame incisivo, fissuras pós-forame incisivo e fissuras raras da face (CAMPOS, 2011).
Observe a imagem a seguir.

Figura 1 - Tipos de Fissuras.

Fonte: CTMC. Malformações Craniofaciais Fissuras labiopalatinas.


<http://ctmc.lusiada.br/malformacoes-craniofaciais/>.

As fissuras raras da face são as que atingem somente a região da face, representadas
na imagem A e B. A fissura pré-forame incisivo é quando restringe ao lábio e a gengiva,
imagem C e D. Já a fissura transforame incisivo, consiste numa fissura que atinge o lábio
e o palato mole e duro, E e F. Essas últimas podem ser tanto unilaterais quanto bilaterais.
Por fim, a fissuras pós-forame incisivo, que atinge somente o palato mole ou a úvula.
É importante destacar que as sequelas atreladas aos sujeitos fissurados são muitas,
podendo ser um desvio na dicção, a qual interfere na comunicação do indivíduo, cau-
sando incompreensão pelo interlocutor, dificuldades na realização de atividades básicas
como alimentação, respiração, além de transtornos psicológicos (BORGES-OSÓRIO;
ROBINSON, 2013).
Contextualizado o conceito de fissura labiopalatina, enfatizamos que muitas des-
sas sequelas podem ser evitadas mediante a submissão ao processo cirúrgico, a qual deve
ocorrer no tempo adequado e ao tratamento interdisciplinar com profissionais de diver-
sas áreas, já que os

[...] indivíduos com fissuras labiopalatinas podem apresentar dificulda-


des na realização de funções básicas como a alimentação, fonação, res-
piração, audição e ainda podem desenvolver sérios transtornos psico-
lógicos. O tratamento inicia-se logo ao nascimento, e prolonga-se até a
vida adulta. Sabe-se hoje que os melhores resultados do tratamento são
atingidos quando conduzidos por uma equipe interdisciplinar, composta
por cirurgiões plásticos, cirurgião dentista, geneticistas, fonoaudiólogos,
otorrinolaringologistas, psicólogos, nutricionistas, entre outros (COSTA,
POGUE, GAZZONI, 2018, p. 259-260).

34
Mesmo com o indicativo do acompanhamento interdisciplinar, sabemos que esta
não é uma realidade acessível a todos, por conta da dificuldade financeira ao tratamento,
a falta de conhecimento das políticas públicas existentes, bem como, o reduzido número
de centros de tratamentos existentes no Brasil diante da demanda pelos serviços e grande
quantidade de pacientes, além do acesso tardio ao tratamento, influenciado por fatores
socioeconômicos e territoriais.

Acesso e permanência do fissurado na educação: contexto e desafios

A Constituição Federal (CF) de 1988, no seu artigo 23, inciso V, cita que é dever
do Estado, Municípios e União promover o acesso à educação. A LDB (9394/96), no seu
artigo 2, menciona que é dever da família e do Estado o pleno desenvolvimento no aluno
preparando-o para o convívio em sociedade e para o mercado de trabalho:

Art. 2°: A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de


liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho (LDB, 1996, p. 08).

É notório que essas leis que regem o bom funcionamento do sistema educacional
são bem enfáticas quanto ao acesso à educação, porém, no dia a dia, o que presenciamos
é o descumprimento da lesgislação, pois se as leis usam o verbo dever no imperativo,
indicando uma ordenança, deveria ser cumprida diariamente.
Outro ponto importante, mencionado na LDB, é a igualdade de acesso e perma-
nência a escola. Nos deteremos nesta questão, uma vez que, o sujeito com fissura labio-
palatina encontra diversos desafios para ter a efetivação da sua educação na completude,
visto que, além de lidar com as questões psicológicas, tem que enfrentar o preconceito
referente a sua deficiência.
Ademais, a falta de compreensão por parte dos docentes/ escola e sociedade civil
acarreta ainda mais a não permanência do fissurado no processo do ensino, ocasionando
a exclusão deste, pois ao se pensar nesta permanência é preciso subverter todos os siste-
mas opressores que impossibilitam a real inclusão dos fissurados no sistema de ensino,
já que,

[...] em nível nacional, a inclusão escolar constituiu-se razão de investimen-


to em políticas e práticas inclusivas, com vistas a inserir todas as pessoas
numa sociedade mais humana, alicerçada nos aspectos econômico, polí-
tico, cultural, étnico, religioso e ambiental. Porém, em direção contrária,
assistimos à exclusão social e educacional de crianças e jovens que se pode
identificar em diferentes populações e práticas (GIL, SILVA, 2019, p. 47).

35
Com isso, percebemos que ainda há uma luta a ser enfrentada e conquistada por
todos os fissurados para que possam ter seu direito de acesso e permanência na educação
com êxito, pois, como cita Gil e Silva (2019), ainda presenciamos uma exclusão desses
indivíduos; e consultando a LDB (1996), esta exclusão está em desacordo, pois em seu
artigo 58, diz que

§1° Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola


regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.
§2° O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços
especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alu-
nos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular
(LDB, 1996, art 58, p. 40-41).

Desse modo, os sistemas de ensino, sejam eles de educação básica ou superior,


devem promover espaços especializados com uma equipe multidisciplinar para atender
as necessidades dos fissurados, a fim de que estes possam desenvolver as competências e
habilidades exigidas na efetivação do ensino.
Ainda nessa perspectiva, a LDB (1996) menciona que o currículo, a metodologia,
entre outros recursos educativos, devem visar a promoção das pessoas com deficiências.
Nesta pesquisa, fazemos a inserção do fissurado, mesmo que este ainda não seja reconhe-
cido como deficiente, mas que necessita de um apoio pedagógico que favoreça também a
sua inserção na sociedade e no trabalho

Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência, transtor-


nos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação:
I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização especí-
ficos, para atender às suas necessidades;
II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível
exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas defi-
ciências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar
para os superdotados;
III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior,
para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular
capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;
IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na
vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revela-
rem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação
com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma
habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora;
V – acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementa-
res disponíveis para o respectivo nível do ensino regular (LDB, 1996, art
59, p. 41).

36
Para tanto, ao se pensar a permanência desse fissurado no sistema de ensino, de-
ve-se levar em consideração todos os parâmetros estipulados pela LDB-9394/96 para
que realmente se efetive uma educação igualitária e que assegure o seu acesso. Porém
essa condição só será completa quando ingressarmos efetivamente nesta luta e exigirmos
nossa visibilidade dentro e fora desses espaços.
Outro ponto em discussão sobre o sujeito fissurado é o seu acesso e permanência
em todas as etapas educacionais, de modo que se possa garantir não apenas o direito de
acesso à educação formal, como também o direito de permanecer e avançar, ter acesso à
cultura, ao esporte e ao pleno exercício da cidadania e integração social.

METODOLOGIA

Toda pesquisa se debruça sobre o prisma da investigação de demandas sociais que


precisam ser sanadas para que a sociedade possa cumprir a equidade entre todos.
Assim, o ato de investigar surge a partir de um questionamento e/ou problema
que precisa de uma atenção adequada para uma possível solução. Desse modo, o pesqui-
sador/investigador deve buscar meios para a promoção deste problema, já que, segundo
(PRADONOV; FREITAS, 2013, p. 42 apud BARROS; LEHFELD, 2000a, p. 14) “a fina-
lidade da pesquisa é “resolver problemas e solucionar dúvidas, mediante a utilização de
procedimentos científicos”.
Ao se verificar a existência de uma demanda social, o pesquisador trilhará cami-
nhos por ele estipulados para que se possa compreender os motivos, causas e possíveis
soluções a serem apresentadas durante o ato da investigação e construção da sua pesqui-
sa. Como afirma Pradonov e Freitas (2013, p. 14):

A Metodologia é a aplicação de procedimentos e técnicas que devem ser observa-


dos para construção do conhecimento, com o propósito de comprovar sua valida-
de e utilidade nos diversos âmbitos da sociedade.

Com isso, a metodologia consiste em criar métodos investigados que visam au-
xiliar o pesquisador no seu ato investigativo. Vale ressaltar que a metodologia assumida
neste trabalho não é padronizada, uma vez que, cada pesquisa exige procedimentos e
métodos específicos, cabendo ao pesquisador encontrar a que melhor respalde a sua
investigação.

Pesquisa é, portanto, um conjunto de ações, propostas para encontrar a


solução para um problema, as quais têm por base procedimentos racio-
nais e sistemáticos. A pesquisa é realizada quando temos um problema
e não temos informações para solucioná-lo. A pesquisa procura respos-
tas! Podemos encontrá-las ou não. As chances de sucesso certamente

37
aumentam à medida que enfocarmos a pesquisa como um processo e
não como uma simples coleta de dados (PRODONOV, FREITAS, 2013,
p. 44).

Assim, como procedimento por nós adotado para construção e investigação desta
pesquisa, optamos pela pesquisa bibliográfica de cunho exploratório que, segundo Gil
(2002), consiste na utilização de materiais já elaborados, como livros, artigos científicos
entre outros. Nesse sentido, os procedimentos adotados são de cunho bibliográfica- ex-
ploratório e se deu da seguinte maneira:

• Levantamento de livros, artigos, teses e dissertações que discorressem sobre a


fissura labiopalatina, mesmo que ainda escasso a discussão sobre a temática no
viés educacional e trabalhista;
• Leitura da lei de inclusão, da fissura labiopalatina, LDB-9394/96 e Constituição Fe-
deral (1988);
• Análise de editais de concursos públicos.

A LEGISLAÇÃO DE INCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

A lei de n° 3.146, de 6 de julho de 2015, define em seu artigo 1º que esta deve as-
segurar e promover condições de igualdade para o exercício dos direitos e das liberdades
fundamentais da pessoa com deficiência visando a sua inclusão social e cidadania. Po-
rém, o que presenciamos é uma disparidade entre o proferido na lei o que realmente vem
sendo exercido diariamente.

Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência


(Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover,
em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades funda-
mentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidada-
nia (LEI, n°3.146, 2015, p. 08).

O que está assegurado na lei n° 3.146 (2015) sobre o acesso e direito a inclusão,
faz-se necessário discorrer sobre o que é deficiência e pessoa com deficiência. Tal concei-
to corresponde a limitação do indivíduo em aspectos estruturais ao corpo, podendo ser
influenciada por fatores sociais e ambientais em que o sujeito está inserido.
Já a pessoa com deficiência, mediante a lei n° 3.146, corresponde ao impedimento
de natureza física, mental, intelectual e sensorial, que limita sua interação com outras
pessoas e sua participação ativa e efetiva na vida em sociedade.

38
Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento
de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual,
em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pes-
soas (LEI, n° 3.146, 2018, p. 08).

Com isso, deixamos esclarecido que não se deve igualar os termos deficiência e
pessoa com deficiência, pois, por mais que demonstrem ser semelhantes, socialmente
não o são, já que, a deficiência não é o sujeito, e sim uma característica que faz parte
desse sujeito.
Podemos afirmar que o fissurado se ampara nesta lei, uma vez que, a fissura la-
biopalatina é uma má formação que acarreta algumas limitações, as quais interferem
constantemente na vida em sociedade. E o que nos chama a atenção é que mesmo com
essa precedência existente na lei de que toda limitação pode ser considerada como defi-
ciência, não é isto que acontece com os fissurados.
Outro ponto em destaque na Lei Brasileira de Inclusão, é que todos têm di-
reito à igualdade e oportunidade como as pessoas ditas normais, e que estas não
devem sofrer nenhum tipo de discriminação, porém em se tratando do fissurado
não é o presenciamos. Todos os dias sofremos discriminações explicitas ou implí-
citas, sendo a nós negados os direitos presentes nesta lei, e isso precisa ser revisto,
pois segundo a lei.

Art. 4º Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades


como as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.
§ 1º Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de
distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão que tenha o propó-
sito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o
exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com defi-
ciência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de
tecnologias assistivas.

Como previsto na lei, toda e qualquer forma de discriminação, seja ela estrutural
ou velada, deve ser combatida para que nossos direitos não nos sejam negados. Contudo,
é importante dizer que a omissão e a negativa de direitos são igualmente prejudiciais,
sendo formas menos discutidas de discriminação.
Na negativa de direitos, podem ser incluídas práticas como a dificuldade de
acesso, a falta de sensibilidade às dificuldades educacionais, a ausência de assis-
tência à saúde e ao trabalho de centros e equipes multiprofissionais nos territórios
e municípios do interior do país. Não obstante, a omissão do poder público e dos
agentes públicos na implementação de políticas e garantia de direitos é vista como
algo difuso e difícil de responsabilizar por parte do judiciário brasileiro.

39
Nesse cenário, é essencial que haja mobilização social e cobrança por parte da
sociedade civil organizada e dos sujeitos fissurados aos agentes públicos, para que os
artigos frios e técnicos presentes na lei possam se traduzir em práticas de acolhimento,
integração, assistência e inclusão das pessoas fissuradas.
Queremos deixar eviddenciado que não é só o reconhecimento da fissura labio-
palatina como deficiência, mas que também haja um respeito as nossas diferenças e que
como cidadãos possamos gozar dos nossos direitos para o pleno exercício da cidadania
e verdadeira inclusão social, educacional e no mundo do trabalho.

DIREITOS, INCLUSÃO E NECESSIDADE


DE RECONHECIMENTO DA FISSURA COMO DEFICIÊNCIA

Diante do atual contexto, os fissurados têm tido seus direitos negados por falta de
políticas públicas. Com isso, se faz necessário que esta minoria se mobilize e se organize
para que possam ter sua voz na sociedade e que seus direitos sejam reparados dando a
eles acessibilidades em todas as esferas sociais.
Recorremos a PL n° 11217/2018 (que ainda se encontra em análise nas esferas
públicas) para respaldar a nossa pesquisa no que se refere ao reconhecimento da fissura
labiopalatina como deficiência. Assim, a referida lei, no seu artigo 1°, nos traz quem
pode se enquadrar como uma pessoa fissurada:

[...] pessoas acometidas pelas más formações congênitas fissura palatina ou


labiopalatina, quando não totalmente reabilitadas, são consideradas pos-
suidoras de impedimentos de longo prazo de natureza física que podem
obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condi-
ções com as demais pessoas (PL, 2018, art 1°, p. 01).

Com isso, é perceptível que a própria PL (11217/2018) deixa evidente os desafios


que os fissurados têm que enfrentar socialmente, uma vez que, mesmo esta deficiência
sendo visível, ainda não é equiparada pelas leis já existentes. A exemplo disso, temos as
seleções públicas, em que editais não incluem o fissurado como deficiência, ficando à
mercê de concorrer na ampla concorrência.
Assim, trazemos para discussão os editais da Polícia Rodoviária Federal –
edital nº 1, de 27 de novembro de 2018 e edital nº 1, de 18 de janeiro de 2021, os
quais trazem explícito requisitos que podem eliminar um candidato do processo se-
letivo e neste pré-requisito estão a fenda palatina e o lábio leporino/não corrigido.
Aqui, fazemos uma objeção ao termo “lábio leporino”, o qual deve ser substituído
por fissura labiopalatina. Porém, não é o que ocorre nesses editais, conforme pode
ser observado na imagem abaixo:

40
Figura 2. Edital Polícia Federal 2018

Fonte: EDITAL Nº 1, DE 27 DE NOVEMBRO DE 2018, PRF , p. 47-48

Essa nomenclatura, intitulado lábio leporino, é expressamente contestada pelos


fissurados, e apoiado pela Organizações não Governamentais (ONG) Smile Train que,
nas suas redes sociais, nos traz uma explicação do porquê não deve ser utilizado este ter-
mo, e sim o de fissura labiopalatina.
Assim, devido a falta expressiva desta informação na PL n° 11217/2018, na Cons-
tituição Federal (1988) e na Lei de Diretrizes e Base (LDB), presenciamos a reprodução
“erroneamente” do termo para se referir aos fissurados, já que,

Fissura labiopalatina – esse é o termo correto e a forma mais respeitosa para


identificar quem tem uma fissura no lábio e/ou no palato.

41
Se não dizemos que uma pessoa tem “orelha de burro”, ou “boca de pato”,
por que diríamos que ela tem o lábio de uma lebre?
Sim, leporino é uma palavra derivada de lebre. Soa desdenhoso e é ina-
propriado se referir a alguém fazendo uma comparação com um animal
(SMILETRAINBRASIL, 2021).

Vale destacar que esta explicação ao uso do termo “lábio leporino” ainda é muito
recente, sendo que das pesquisas por nós investigadas, nenhuma delas faz menção a
esta colocação. Por não haver uma propagação massiva cientificamente explicando o uso
incorreto deste termo, acaba sendo uma brecha para reprodução discriminatória pela
sociedade, como explicitamos aqui nos editais supracitados.

Figura 3. Edital Polícia Federal 2021

Já no edital de 2021, observamos que a mudança da nomenclatura foi mudada


parcialmente, pois acrescentou-se ao termo lábio leporino a palavra “não corrigido”, o

42
que não exime o edital de uso preconceituoso para com as pessoas fissuradas, os quais
não fazem mais uso do termo leporino.
Ainda com relação ao direito de participação e aprovação nos processos seletivos
públicos, salientamos que os fissurados não são equiparados pelas cotas de pessoas com
deficiência, levando-os a ter que concorrer em ampla concorrência. Porém, em alguns
editais, eles são vetados de concorrer por essas duas portabilidades, tendo seus direitos
civis negados, ferindo o seu direito constitucional de acesso a processos seletivos públi-
cos, uma vez que

[...] as pessoas com comprometimentos físicos e funcionais ficam distantes


dos padrões de normalidade impostos pela sociedade, sendo provável que
ocorra sua marginalização frente aos estereótipos e preconceitos sociais e
que deste modo a deficiência pode desorganizar e mobilizar toda a dinâmi-
ca das relações familiares, interpessoais e afetivas do indivíduo (CAMPOS,
2011, p. 43).

Em se tratando das instituições privadas, os fissurados sempre estão em desvan-


tagens aos seus concorrentes, já que, estes devem participar juntamente com as pessoas
ditas “normais” na seleção, pois até mesmo nesta esfera o sistema de cotas para pessoas
com deficiência não os equipara. Deve-se considerar que

[...] os diversos comprometimentos ocasionados pela fissura labiopalatina


que trazem alterações físicas, sensoriais e funcionais aos indivíduos, o da
inteligibilidade da fala é o que mais acarreta barreiras sociais e emocionais
que culminam em gerar efeitos psicológicos negativos; barreiras que são
capazes de comprometer a sua inclusão social, impedindo o alcance míni-
mo das condições necessárias ao desenvolvimento das suas habilidades in-
dividuais de forma natural como qualquer indivíduo considerado normal
(CAMPOS, 2011, p. 43).

Dessa forma, fica evidente que esses impedimentos das pessoas fissuradas estão
legitimamente atrelados ao não reconhecimento da fissura como deficiência, sendo que
esta é visivelmente notória, pois afeta sua dicção, seu psicológico, seu cognitivo e até
mesmo o estético.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista os argumentos expostos nesta pesquisa, concluimos que os fissura-


dos ainda têm uma luta árdua para ter o reconhecimento da fissura labipalatina como
uma deficiência, a fim de que possam ser amparados pela lei da inclusão, uma vez que,
estão a margem desta lei existente, a qual deveria nos amparar.

43
Para tanto, vale ressaltar que o reconhecimento do sujeito fissurado como defi-
ciente ainda é um campo arbitrário, pois este pode ou não se reconhecer como tal, ou
seja, por a fissura labiopalatina não ser padrão, esta representa uma via de mão dupla, já
que o indivíduo que não se identifica como deficiente tem a livre escolha de se incluir ou
não na lei, como afirma a Lei Brasileira de Inclusão, em seu art. 4, parágrafo 2°, ao citar
que “a pessoa com deficiência não está obrigada à fruição de benefícios decorrentes de
ação afirmativa” (BRASIL, 2015, p. 9). Sabemos que os desafios são muitos e que o pri-
meiro passo da conquista deste reconhecimento consiste em mudanças nas leis existen-
tes para que possamos ser incluídos e que os estigmas não nos padronizem como sujeitos
sem aptidões para o ingresso na educação e no mercado de trabalho, pois precisamos de
leis que nos favoreçam e não de leis que nos deixem a margem.

REFERÊNCIAS

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Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2016.

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13.146, de 6 de julho de 2015, que institui a Lei brasileira de inclusão da pessoa com
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BERTH, Joice. Empoderamento. São Paulo: Sueli Carneiro/Polén, 2019

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44
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..Edital nº 1, de 27 de novembro de 2018 – concurso público para o provimento de


vagas no cargo de Policial Rodoviário Federal, 2018. Disponível em: <http://www.
cespe.unb.br/concursos/prf_18/arquivos/ED_1_PRF_2018_ABT.PDF>. Acesso 20 mar
2021.

45
A PRÁTICA DOCENTE INTERDISCIPLINAR
NO ENSINO MÉDIO
Susan Alves de Souza Peixoto
Nubia Moura Ribeiro

INTRODUÇÃO

A interdisciplinaridade tem sido objeto de diversos estudos, como, por exemplo,


os realizados por Ivani Fazenda (1998; 2003; 2008). A relevância do tema é atestada pelas
recomendações de abordagens e práticas interdisciplinares encontradas nos mais diver-
sos documentos normativos da educação brasileira (MEC, 1997; 1998a; 1998b; 2000).
Embora esta importância seja incontestável, o conceito de interdisciplinaridade não é
completamente claro e uniforme para os que atuam no ambiente educacional (FAZEN-
DA, 2008).
De modo geral, pode-se dizer que a prática interdisciplinar depende da inter-re-
lação de saberes de diferentes disciplinas, e que ela contribui de diversas formas, princi-
palmente para o desenvolvimento dos professores que precisam ressignificar suas ações
a partir das competências e habilidades exigidas no contexto educacional. Para isso, o
docente deve estar em consonância com os demais professores, tanto os da sua área de
conhecimento, quanto os das demais, a fim de construir pontes para contextualizar os
conteúdos discutidos em sala e para amenizar a individualidade existente entre os profis-
sionais com diferentes formações acadêmicas. Tal consonância torna-se relevante, sobre-
tudo, numa perspectiva da colaboração da educação escolar para solução de problemas
sociais que, por sua vez, requeiram atitudes críticas e reflexivas tanto dos docentes como
dos educandos. Sendo a prática didático-pedagógica interdisciplinar muito importante,
ou até mesmo, essencial para formação integral do educando, espera-se que os docu-
mentos normativos das instituições de ensino tragam orientações esclarecedoras acerca
de abordagens e práticas interdisciplinares – temática deste estudo.
A motivação para esta pesquisa surge do fato de que a autora deste texto, en-
quanto professora do Ensino Médio e Fundamental, nesse contexto de docência, vê-se
desafiada, não só a entender teoricamente o que é a proposta interdisciplinar, mas,
também, a pesquisar de que forma pode potencializar a sua prática pedagógica, funda-
mentada nos documentos institucionais que apoiem o desenvolvimento de propostas

46
interdisciplinares – e talvez o aspecto mais delicado da interdisciplinaridade – funda-
mentado na necessidade do trabalho orquestrado entre as diversas áreas do saber.
Na condição de professora que atua há uma década diretamente na docência, esta
autora pode afirmar que a interdisciplinaridade está muito distanciada do chão da escola
e é, ainda, um grande desafio para quem está atuando na sala de aula. Essas dificuldades
tornaram-se um estímulo para reunir esforços em função de pesquisar a problemática
da prática docente interdisciplinar no ensino médio e como ela é tratada nos documen-
tos oficiais do Ministério da Educação e nos documentos de uma instituição de ensino,
tais como o Projeto Pedagógico da Instituição (PPI) da escola onde a autora atua. Tal
estímulo surge não só da vontade de aprender para si mesma, mas para contribuir no de-
senvolvimento de perspectiva interdisciplinar norteadora das práticas docentes refletida
nos documentos institucionais.
Considerando o exposto até aqui, surgem algumas questões para a investigação
que se delineia: quais são as bases teóricas e metodológicas relativas à interdisciplinari-
dade nos documentos nacionais e nos de uma dada instituição de ensino, aqui pesqui-
sada? Nos documentos institucionais é possível perceber qual é o apoio fornecido pela
escola, para sugestão, elaboração e execução de uma proposta interdisciplinar? Respon-
der essas questões é uma necessidade. Isso porque, atualmente, mais ainda do que nas
décadas anteriores, faz-se mister o desenvolvimento do trabalho didático-pedagógico
em perspectiva interdisciplinar. A interdisciplinaridade se desenvolve mais facilmente
se há um eixo integrador, que pode ser um conceito ou um objeto de conhecimento, um
projeto de investigação, um plano de intervenção. Nesse sentido, a ação interdisciplinar
deve partir da necessidade, seja das escolas, dos professores ou dos alunos de explicar,
compreender, intervir, mudar, prever algo que desafia uma disciplina isolada e atrai aten-
ção de mais um olhar, de vários deles (MEC, 2002).
Levando em consideração o que foi dito até aqui, apresenta-se como objetivo ge-
ral desta pesquisa identificar como a prática docente interdisciplinar é tratada nos docu-
mentos de uma escola de ensino médio, do interior da Bahia e seu alinhamento com as
normativas nacionais emanadas pelo Ministério da Educação (MEC).
Segundo o MEC (2020), os principais documentos que atualmente norteiam a
educação básica são a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, (LDB, Lei nº
9.394), (BRASIL, 1996), as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica
(DCN-EB) (MEC, 2013), e o Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei nº 13.005,
de 25 de junho de 2014 (BRASIL, 2014).
Assim, para realizar esta pesquisa serão buscados dados de investigação sobre como
a interdisciplinaridade é tratada nesses documentos oficiais emanados pelo Ministério
da Educação (MEC), ou seja, na Lei e Diretrizes e Bases da Educação (LDB-9394/96),
as DCN-EB (MEC, 2013), nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(PCNs-EM) (MEC, 2000), na Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Médio

47
(BNCC-EM) (MEC, 2017), e também nos documentos oficiais de uma instituição aqui
pesquisada, tais como o Projeto Pedagógico da Instituição (PPI) e os Planos de Cursos.
Os objetivos específicos da pesquisa são:

• Verificar como o tema da interdisciplinaridade em sala de aula é tratado nos


principais documentos oficiais do MEC que norteiam o Ensino Médio;
• Analisar como os documentos da instituição abordam a interdisciplinaridade
na sala de aula;
• Apresentar recomendações que contribuam para práticas interdisciplinares
em sala de aula.

Abordagem Metodológica

Quanto aos locus de pesquisa, cabe dizer que a escola pesquisada neste trabalho é
uma unidade da rede estadual de ensino, com 701 alunos distribuídos nas 1ª, 2ª e 3ª sé-
ries do Ensino Médio, nos turnos matutino, vespertino e noturno. A escola abriga 24 do-
centes, 02 coordenadoras, 03 técnicos e 06 apoios, e está localizada no Sudoeste Baiano.
Como esta pesquisa se desenvolveu no período da Pandemia de Covid-19, no qual
houve suspensão de atividades presenciais, optou-se por procedimentos de investigação
que não envolvessem coleta de dados diretamente com participantes de pesquisa. Assim,
este estudo se caracteriza, quanto aos procedimentos de coleta de dados, como pesquisa
bibliográfica e documental.
Em aspectos gerais, pode-se pensar que seria fácil construir o conhecimento ou
achar todas as respostas para as inquietações sobre a temática valendo-se de uma pesqui-
sa documental. Porém, no decorrer do processo de produção textual, notou-se que não é
bem assim. A cada escrita e reescrita, a cada orientação, o texto inicial foi se modificando
e talvez nem exista mais, pois, o pensamento já se desconstruiu inúmeras vezes. Para
entender melhor o conceito sobre pesquisa documental, cita-se Consetti (2006), segun-
do o qual esse tipo de pesquisa é realizado a partir de documentos contemporâneos ou
retrospectivos, considerados cientificamente autênticos visando compreender os objeti-
vos propostos na pesquisa. Não é nosso objetivo discorrer sobre os principais tipos de
pesquisas utilizadas no campo das ciências sociais. Mas como muitos autores se dedicam
às categorizações e classificações de tipologias de pesquisa, destaca-se que a investigação
documental implica trazer para a discussão uma metodologia que é “pouco explorada
não só na área da educação como em outras áreas das ciências sociais” (LÜDKE; AN-
DRÉ, 1986, p. 38).
O uso de documentos em pesquisa pode agregar informações relevantes. A rique-
za de informações que deles se pode extrair e resgatar justifica o seu uso em várias áreas

48
das Ciências Humanas e Sociais porque possibilita ampliar o entendimento de objetos
cuja compreensão necessita de contextualização histórica e sociocultural.

[...] o documento escrito constitui uma fonte extremamente preciosa para


todo pesquisador nas ciências sociais. Ele é, evidentemente, insubstituível
em qualquer reconstituição referente a um passado relativamente distante,
pois não é raro que ele represente a quase totalidade dos vestígios da ativi-
dade humana em determinadas épocas. Além disso, muito frequentemente,
ele permanece como o único testemunho de atividades particulares ocorri-
das num passado recente (CELLARD, 2008, p. 295).

São considerados documentos “quaisquer materiais escritos que possam ser usa-
dos como fonte de informação sobre o comportamento humano” (PHILLIPS, 1974, p.
187, apud LUDKE, ANDRÉ 1986, p. 38). Estes incluem desde leis e regulamentos, nor-
mas, pareceres, cartas, memorandos, diários pessoais, autobiografias, jornais, revistas,
discursos, roteiros de programas de rádio e televisão até relatórios, estatísticas e arquivos
escolares. A pesquisa documental constitui uma técnica importante na abordagem qua-
litativa, seja complementando informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando
aspectos novos de um tema ou problema.
Nesta pesquisa, os documentos foram analisados a partir das premissas da Aná-
lise de Conteúdo, seguindo Bardin (2010). Neles foram buscados os trechos nos quais
havia referência ao tema em foco: interdisciplinaridade. Identificados esses trechos,
estes foram destacados, e utilizados para construção dos argumentos que fazem parte
deste trabalho.
Este estudo conta com a experiência de vida da autora, já que esta atua na escola
pesquisada. Assim sendo, aos resultados da pesquisa documental somam-se relatos de
vida da referida, decorrentes de anos de exercício profissional como docente no locus de
pesquisa. Os relatos foram acrescentados ao texto como fruto de observações assistemá-
ticas, experiências vividas no transcurso da atividade docente.
Por meio da pesquisa documental, aliada à Análise de Conteúdo e aos relatos de
vida desta autora que atua na escola pesquisada, foi possível analisar os marcos norma-
tivos com o intuito de destacar a importância da prática interdisciplinar no contexto
educacional do ensino médio e da relação entre a teoria e a prática.

PRÁTICA DOCENTE, ENSINO MÉDIO


E INTERDISCIPLINARIDADE

Em meio à produção da escrita deste trabalho, um fato marcante aconteceu no


cenário mundial. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, em 30 de janeiro de
2020, o surgimento de um novo vírus, inicialmente na China, chamado Novo Coronavírus,

49
ou Covid-19, que se tornou um grande problema e uma emergência de saúde pública
de importância internacional. Na época não se tinha a dimensão do agravamento dessa
doença. Em 11 de março de 2020, a contaminação pelo vírus covid-19 foi caracterizada
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma pandemia.
Ainda nos meses iniciais de 2020, como o problema estava muito longe de nós,
achávamos que não chegaria ao Brasil, tão pouco no interior do Nordeste. Porém, no dia
06 de março de 2020, surgiu o primeiro caso na Bahia. O governador Ruy Costa, inicial-
mente, decretou o fechamento de escolas em algumas cidades baianas onde tinham sido
identificadas pessoas infectadas. No dia 19 de março de 2020, todas as escolas baianas
estavam fechadas com base em decretos expedidos pelo governador, decretos que en-
caminhavam várias medidas protetivas para toda a sociedade, a fim de conter o vírus
Covid-19.
Desde o início da pandemia, medidas de isolamento e distanciamento sociais fo-
ram tomadas para que o processo de infecção não deixasse o sistema de saúde em co-
lapso. Todos os segmentos da sociedade sofreram com a atual situação enfrentada pela
população mundial.
Com isso, desde o dia 19 de março de 2020 até 17 de junho de 2021, quando este
texto foi escrito, as aulas presenciais estavam suspensas. Muitas foram as discussões acer-
ca do retorno das mesmas, porém, até aquele momento, não se teve um devido posicio-
namento para esse impasse.
Diante do exposto, as instituições escolares precisaram se estruturar. O distancia-
mento social, o mote “#fiqueemcasa” tornou-se um grande apelo para que todos aqueles
que tivessem condições de ficar em casa para cuidar de si e dos outros, em tempos de
pandemia, assim permanecessem. No contexto educacional, novos termos linguísticos
foram empregados, a fim de que os alunos se ajustassem a esses tempos, como por exem-
plo: “ensino remoto”, “ensino híbrido” (aulas presenciais e virtuais), entre outros.
E como fica a interdisciplinaridade diante desse contexto? O diálogo entre os do-
centes acontecia de forma mais distanciada e cada área procurava trabalhar da maneira
mais sutil para que não houvesse um desinteresse por parte dos alunos.
A partir da necessidade de aproximar-se dos alunos, os gestores, coordenadores e
professores se reestruturaram para promover uma educação que não fosse tão excludente.
Um aliado para esse período foi o uso das tecnologias digitais, com a criação de grupos
no WhatsApp, com o uso da plataforma do Google Classroom e dos Ambientes Virtuais
de Aprendizagens (AVA) e com a realização de lives (encontros ao vivo) com os docentes
e discentes para aqueles que tinham acesso à internet. Para os alunos que não tinham essa
acessibilidade, as atividades eram impressas e enviadas diretamente para eles.
Após esta breve apresentação do momento atual, e prosseguindo com a apresen-
tação de dados da pesquisa documental sobre a interdisciplinaridade, nesta seção são
apresentados alguns subsídios para esta pesquisa. Não se pretendeu realizar uma revisão

50
exaustiva dos conceitos, mas, sim, apresentar os pilares nos quais a pesquisa se assentou:
a prática docente em sala de aula, aspectos relacionados ao ensino médio e à interdisci-
plinaridade.
Ao discorrer sobre a prática docente em sala de aula, inicia-se enfatizando a im-
portância de aprimorar os conhecimentos e renovar metodologias. Já não cabe mais a
utilização do “caderninho das páginas amareladas” e faz-se necessário a atualização dos
saberes do docente, da sua vivência também enquanto ser humano, valorizando aquilo
que ele traz consigo da arte da vida. Com a sua experiência vivenciada, o docente leva
para a escola toda sua história. E é lá, no contexto escolar, que ele coloca em prática o que
apreendeu. De acordo com Freire (1997, p. 38), “a práxis, porém, é a reflexão e a ação dos
homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contra-
dição: opressor/oprimido”. Sendo assim, a prática docente é uma prática social que deve
acontecer dentro e fora da sala de aula.
No que se refere ao Ensino Médio, a concepção deste nível de ensino surge a par-
tir da promulgação, em 1996, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (BRASIL,
1996), em substituição ao antigo “segundo grau”. O Ensino Médio refere-se à etapa final
da Educação Básica, da qual também fazem parte a Educação Infantil e o Ensino Funda-
mental. O Ensino Médio tem duração mínima de 03 anos e atende à formação geral do
educando.
Diante da demanda da sociedade contemporânea e do mundo do trabalho, a
educação vem passando por processos de reforma, sempre visando garantir um ensino
com a qualidade necessária aos estudantes brasileiros, explicitada na Lei nº 13.415/2017
(BRASIL, 2017), que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e estabe-
leceu uma mudança na estrutura do ensino médio.
Partindo das diretrizes legais que norteiam o Ensino Médio, sobre este nível de
ensino, a LDB indica as seguintes finalidades:

Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mí-
nima de três anos, terá como finalidades:
I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no
ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para
continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade
a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a for-
mação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamen-
to crítico;
IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada discipli-
na (BRASIL, 1996, Art. 35).

51
Também na LDB estão explicitadas normativas acerca da Base Nacional Comum
Curricular para o Ensino Médio:

Art. 35-A. A Base Nacional Comum Curricular definirá direitos e objetivos


de aprendizagem do ensino médio, conforme diretrizes do Conselho Na-
cional de Educação, nas seguintes áreas do conhecimento.
I - linguagens e suas tecnologias;
II - matemática e suas tecnologias;
III - ciências da natureza e suas tecnologias;
IV - ciências humanas e sociais aplicadas.
§ 1º A parte diversificada dos currículos de que trata o caput do art. 26,
definida em cada sistema de ensino, deverá estar harmonizada à Base Na-
cional Comum Curricular e ser articulada a partir do contexto histórico,
econômico, social, ambiental e cultural.
[...] § 7º Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação in-
tegral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção
de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos
e socioemocionais.
§ 8º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação processual e
formativa serão organizados nas redes de ensino por meio de atividades
teóricas e práticas, provas orais e escritas, seminários, projetos e ativi-
dades on-line, de tal forma que ao final do ensino médio o educando
demonstre:
I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a pro-
dução moderna;
II - conhecimento das formas contemporâneas de linguagem (BRASIL,
2017, Art. 35-A).

As mudanças que a LDB sofreu com a Lei nº 13.415/2017 (BRASIL, 2017) estão
incorporadas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (MEC, 2017). A BNCC está
voltada para as competências e habilidades do educando, de modo que a educação pro-
mova a formação integral da pessoa humana e desenvolva os valores para o seu aprofun-
damento profissional.
Uma das mudanças foi a alteração da carga horária: o tempo mínimo do estudan-
te na escola foi ampliado de 800 horas para 1.000 horas por ano. Outra mudança foi a
flexibilidade do currículo e os chamados itinerários formativos, que permitem que os
alunos escolham em qual área do conhecimento desejam se aprofundar. Foram criados
itinerários formativos: 1) linguagens e suas tecnologias; 2) ciências da natureza e suas
tecnologias; 3) matemática e suas tecnologias; 4) ciências humanas e sociais aplicadas e
5) formação técnica e profissional. Essa reforma do ensino médio aplica-se tanto às esco-
las públicas quanto às privadas.

52
Uma proposta de trabalho com foco em práticas interdisciplinares dá-se a
partir da elaboração das ementas dos itinerários formativos apontados na Lei  nº
13.415/2017 (BRASIL, 2017), denominados vulgarmente de “Novo Ensino Médio”,
sugeridos pela Base Nacional Comum Curricular (MEC, 2017). Para isso, faz-se ne-
cessário construir um conjunto de atividades e projetos interdisciplinares, porém,
percebe-se que os docentes não estão preparados para lidar com tal construção in-
terdisciplinar e muitas são as dúvidas existentes, tais como: quais as características
da prática docente no ensino médio? O que diferencia a prática docente no ensino
médio daquela no ensino fundamental? O que diferencia a prática docente no ensino
médio daquela no ensino superior?
Para responder ao primeiro questionamento acerca das características da prática
docente no ensino médio, faz-se necessário entender por quais caminhos o ensino se-
cundário percorreu para transbordar no Ensino Médio atual.
Enquanto profissional da educação, oriunda do antigo ensino de 2º grau, con-
cluinte do curso de Magistério, no final dos anos 1980 e atualmente, em meados do ano
de 2021, professora do Novo Ensino Médio, é possível perceber que, tanto em relação à
formação acadêmica, quanto na prática profissional, todos em âmbito estadual, muitas
foram as modificações sofridas pelo Ensino Médio, principalmente no que diz respeito
às nomenclaturas e à organização da sua composição curricular.
As práticas docentes costumam acompanhar os desenvolvimentos tecnológi-
cos e as tendências pedagógicas. Todavia, este acompanhamento não teve um re-
sultado tão significativo no contexto educacional. A cada nova proposta, é bastante
perceptível o distanciamento entre as propostas e a vontade de aprender por parte
dos estudantes. Mesmo assim, diante dos desafios encontrados, as Diretrizes Curri-
culares Nacionais revelam aspectos fundamentais da etapa de formação que o Ensi-
no Médio proporciona:

Quando o estudante chega ao Ensino Médio, os seus hábitos e as suas atitu-


des crítico-reflexivas e éticas já se acham em fase de conformação. Mesmo
assim, a preparação básica para o trabalho e a cidadania, e a prontidão para
o exercício da autonomia intelectual são uma conquista paulatina e reque-
rem a atenção de todas as etapas do processo de formação do indivíduo.
Nesse sentido, o Ensino Médio, como etapa responsável pela terminalidade
do processo formativo da Educação Básica, deve se organizar para propor-
cionar ao estudante uma formação com base unitária, no sentido de um
método de pensar e compreender as determinações da vida social e produ-
tiva; que articule trabalho, ciência, tecnologia e cultura na perspectiva da
emancipação humana (BRASIL, 2013, p. 39).

O Ensino Médio é um nível de ensino que faz parte da Educação Básica, como diz
o Artigo 4° da LDB:

53
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete)
anos de idade, organizada da seguinte forma:
a) pré-escola;
b) ensino fundamental;
c) ensino médio (BRASIL, 1996, art. 4°).

A título de contraponto entre o Ensino Médio e os níveis de ensino que o circun-


dam, serão tecidas algumas considerações entre este nível de ensino e o Ensino Funda-
mental e o Ensino Superior.
Quanto a Educação Fundamental, a LDB preconiza:

Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos,


gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por
objetivo a formação básica do cidadão, mediante
I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios bási-
cos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;
II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da
tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a
aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valo-
res;
IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade
humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.
§ 1º É facultado aos sistemas de ensino desdobrar o ensino fundamental
em ciclos.
§ 2º Os estabelecimentos que utilizam progressão regular por série podem
adotar no ensino fundamental o regime de progressão continuada, sem
prejuízo da avaliação do processo de ensino-aprendizagem, observadas as
normas do respectivo sistema de ensino.
§ 3º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa,
assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas
e processos próprios de aprendizagem.
§ 4º O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância uti-
lizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergen-
ciais.
§ 5º O currículo do ensino fundamental incluirá, obrigatoriamente, con-
teúdo que trate dos direitos das crianças e dos adolescentes, tendo como
diretriz a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o Estatuto da
Criança e do Adolescente, observada a produção e distribuição de material
didático adequado.
§ 6º O estudo sobre os símbolos nacionais será incluído como tema trans-
versal nos currículos do ensino fundamental (BRASIL, 1996, Art. 32).

54
Não só com base no que aponta a lei, mas também a partir da vivência desta auto-
ra, pode-se dizer que a prática docente no Ensino Fundamental tem uma característica
bastante peculiar. Os discentes chegam a essa etapa de ensino, após a Educação Infantil,
com a perspectiva de encantamento pelo novo, a escola é um ambiente instigante para
eles, e isso faz com que a proximidade entre os docentes e os discentes ocorra de forma
intensa. Mesmo com as dificuldades próprias das séries iniciais do Ensino Fundamental,
há uma preocupação entre os envolvidos no processo educacional: discentes, docentes e
pais interagem num grau mais frequente do que no Ensino Médio. Mas, essa necessidade
existe também no Ensino Médio.
A diferença reside no desenvolvimento etário dos discentes, e no fato de que para
muitos adolescentes a escola não é um ambiente motivador. Vários deles ainda não ama-
dureceram para perceber a importância da construção do conhecimento, e assim têm
pouco interesse pelo estudo. Muitas são as críticas em relação às aulas pelos discentes,
que desejam aulas diferenciadas. Levando em consideração uma juventude que passa
por desafios referentes à sua condição social, cultural, econômica e política, faz-se neces-
sário um olhar mais aprimorado nas questões dos currículos e das práticas pedagógicas
a fim de resgatar o protagonismo juvenil, como é relacionado nos documentos norma-
tivos. Dessa forma, é importante que haja uma modificação da escola para se aproximar
dos anseios dessa juventude atual.
Ainda traçando alguns contrapontos entre o Ensino Médio e outros níveis de En-
sino, cabe dizer que, quanto à Educação Superior, a LDB preconiza que:

Art. 43. A educação superior tem por finalidade:


I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e
do pensamento reflexivo;
II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a
inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento
da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;
III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o de-
senvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e,
desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;
IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técni-
cos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber atra-
vés do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;
V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional
e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimen-
tos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora
do conhecimento de cada geração;
VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em par-
ticular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comuni-
dade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;

55
VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando
à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da
pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.
VIII - atuar em favor da universalização e do aprimoramento da educação
básica, mediante a formação e a capacitação de profissionais, a realização
de pesquisas pedagógicas e o desenvolvimento de atividades de extensão
que aproximem os dois níveis escolares (BRASIL, 1996, Art. 43).

Em decorrência das finalidades da Educação Superior mostradas acima, as prá-


ticas docentes são diferenciadas das do Ensino Médio. No Ensino Médio, existe uma
preocupação explicitada com o acompanhamento do aluno, buscando identificar as
suas dificuldades e oferecendo planos de estudo e apoio pedagógico direto. Além disso,
no Ensino Médio, há um envolvimento maior dos gestores, coordenadores, professores
e todo apoio técnico no processo de ensino-aprendizagem, a fim de que as vivências
dos discentes em sala de aula venham servir tanto para o desenvolvimento deles no
espaço escolar, como na sociedade em geral. A Educação Superior, por sua vez, pre-
sume que o discente, agora com faixa etária mais elevada que no Ensino Médio, chega
mais consciente de sua escolha de estar no espaço de formação acadêmica, mais pre-
parado para assumir responsabilidade e para assimilar conhecimentos, e o docente
utiliza abordagens pedagógicas próprias para esse grau de maturidade, com menor
necessidade de acompanhamento direto de processo de ensino-aprendizagem de cada
educando.
Traçado esse paralelo entre o Ensino Médio e o Ensino Fundamental e o Ensino
Superior, a próxima seção discute a prática interdisciplinar e a inserção dela nos docu-
mentos normativos nacionais e institucionais.

A PRÁTICA INTERDISCIPLINAR

No Brasil, a proposta interdisciplinar se difundiu de fato, em termos teóricos, a


partir do final década de 1990, sobretudo com impactos de documentos oficiais, a exem-
plo dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que foram distribuídos em grande
escala, em escolas de Ensino Médio e Fundamental. Pode-se, assim dizer, que a partir da
primeira remessa, os PCNs tornaram-se imprescindíveis para as escolas, e os docentes
passaram, nem sempre com o devido embasamento, a praticar, ou tentar praticar, a pro-
posta interdisciplinar no trabalho pedagógico, como forma de auxiliar a sua práxis na
formação do discente brasileiro, a partir do compartilhamento das atividades com toda
a equipe escolar.
Nas décadas finais do século 20, o conceito de interdisciplinaridade foi in-
troduzido no ambiente educacional e muitos os autores renomados apresentaram o
termo interdisciplinaridade a partir das suas experiências (AUGUSTO et al., 2004).

56
A Nesse contexto, é imprescindível abordar as contribuições feitas por alguns pes-
quisadores que debruçaram nos seus estudos, a fim de esclarecer ou instigar a todos
os envolvidos da educação sobre a importância da interdisciplinaridade nas práticas
pedagógicas.
Para Japiassu (1976), a interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das
trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de
um mesmo projeto. Destaca que

[...] do ponto de vista integrador, a interdisciplinaridade requer equilíbrio


entre amplitude, profundidade e síntese. A amplitude assegura uma larga
base de conhecimento e informação. A profundidade assegura o requisito
disciplinar e/ou conhecimento e informação interdisciplinar para a tarefa a
ser executada. A síntese assegura o processo integrador (JAPIASSU, 1976,
p. 65-66).

Segundo Morin (2002B), a interdisciplinaridade pode ser entendida como uma


grande mesa de negociações na Organização das Nações Unidas (ONU), onde muitos
países se reúnem, mas cada qual para defender seus próprios interesses. Ela pode signifi-
car, assim, uma simples “negociação” entre as disciplinas; um tema, onde cada disciplina
defende seu próprio território, o que acabaria por confirmar as barreiras disciplinares e
aumentar a fragmentação do conhecimento. Vale lembrar que para Klein (2001, p. 115),
“não existe um currículo interdisciplinar único, um paradigma para a prática único e
uma teoria única.”
Para Paulo Freire (1987), a interdisciplinaridade é o processo metodológico de
construção do conhecimento pelo sujeito com base em sua relação com o contexto, com
a realidade, com sua cultura. Busca-se a expressão dessa interdisciplinaridade pela ca-
racterização de dois movimentos dialéticos: a problematização da situação, pela qual se
desvela a realidade, e a sistematização dos conhecimentos de forma integrada.
Veiga Neto (1995) afirma que existe um grande movimento ao qual ele denomina
movimento interdisciplinar. Ivani Fazenda (1998) associa a interdisciplinaridade com
a atitude de ousadia e busca frente ao conhecimento e, diante dessa abordagem, cabe
pensar sobre os aspectos que envolvem a cultura do lugar onde se dá a formação dos
professores.
Diante da grande diversidade de conceitos e abordagens, verifica-se que até mesmo
os documentos oficiais revelam uma dificuldade em conceituar a interdisciplinaridade:

A interdisciplinaridade pressupõe a transferência de métodos de uma


disciplina para outra. Ultrapassa-as, mas sua finalidade inscreve-se no
estudo disciplinar. Pela abordagem interdisciplinar ocorre a transver-
salidade do conhecimento constitutivo de diferentes disciplinas, por
meio da ação didático-pedagógica mediada pela pedagogia dos projetos

57
temáticos. A interdisciplinaridade é, assim, entendida como aborda-
gem teórico-metodológica com ênfase no trabalho de integração das
diferentes áreas do conhecimento (MEC, 2013, p. 84).

Entretanto, a abordagem dos documentos oficiais dá margens para interpretar que


as práticas pedagógicas interdisciplinares devem ser exercidas em todas as áreas do cur-
rículo do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

Interdisciplinaridade e as normativas oficiais


da educação de nível médio no Brasil

Nesta seção será analisado de que forma a interdisciplinaridade é tratada na Lei


de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (BRASIL, 1996), nas Diretrizes Cur-
riculares Nacionais para a Educação Básica (MEC, 2013), nos Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio (MEC, 2000) e na Base Nacional Comum Curricular
para o Ensino Médio (MEC, 2017).

Interdisciplinaridade na Lei de diretrizes


e bases da educação nacional (LDB)

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, documento oficial que norteia a Educa-


ção brasileira (BRASIL, 1996), explicita o Ensino Médio como a Etapa Final da Educação
Básica com caráter geral e que deve estar em consonância com a contemporaneidade
na construção de competências básicas, de modo que orientem o discente como um
indivíduo protagonista do conhecimento e participante do mundo do trabalho. A LDB
também estabelece um direcionamento de forma a integrar uma educação equilibrada e
equivalente para todos os educandos.
Segundo documentos oficiais, é inaceitável a educação praticada num formato de
imposição de modelos de exercícios de memorização, da fragmentação dos saberes, da
ignorância dos instrumentos mais avançados de acesso ao conhecimento e da comuni-
cação (BRASIL, 2000). A escola também deve apresentar um “planejamento e um desen-
volvimento do currículo” (idem, p. 12) de forma orgânica, a fim de superar a organização
por disciplinas estanques e revigorar a integração e articulação dos conhecimentos, num
processo permanente de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.
A LDB (BRASIL, 1996) declara, nos seus princípios, que o ensino deve ser
ministrado de forma que haja uma vinculação entre o aprendizado escolar, o tra-
balho e as práticas sociais, pois, de maneira fragmentada, o estudante não terá
condições de se socializar e de compreender adequadamente o contexto em que
está inserido.

58
Embora o termo interdisciplinaridade não seja tratado de forma explícita no texto
da LDB (BRASIL, 1996), no seu Artigo 35, parágrafo 7º, a lei afirma a importância de
trabalhar os currículos do ensino médio:

Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do


aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu
projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socio-
emocionais (BRASIL, 1996, Art. 35, § 7º).

Assim, o principal documento que normatiza a educação brasileira, a LDB, apon-


ta a necessidade de formação integral do educando, o que é favorecido por práticas in-
terdisciplinares.

Interdisciplinaridade nas Diretrizes Curriculares Nacionais


para a Educação Básica

Como um nível de ensino que compõe a Educação Básica, aplicam-se ao Ensino


Médio as diretrizes gerais da Educação Básica, que constam do documento publicado
pelo Ministério da Educação como “Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Bá-
sica” em 2013 (MEC, 2013).
No texto de apresentação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Básica (DCNEB), o então Ministro da Educação, Aloizio Mercadante, comparou a ne-
cessidade da

[...] formação escolar como um alicerce indispensável e condição primeira


para o exercício da cidadania e acesso aos direitos sociais, civis, econômicos
e políticos, que a Educação deve proporcionar o desenvolvimento humano
na sua plenitude, em condições de liberdade e dignidade, respeitando e
valorizando as diferenças (MEC, 2013, p.4).

Partindo desse pensamento, buscou-se a identificação da interdisciplinaridade


nas DCNEB. Foi notado que, diferentemente da LDB, o termo interdisciplinaridade não
fica subentendido, pelo contrário, as DCNEB trazem abordagens significativas sobre a
interdisciplinaridade.
De acordo com as DCNEB, “a interdisciplinaridade pressupõe a transferência de
métodos de uma disciplina para outra. Ultrapassa-as, mas sua finalidade inscreve-se
no estudo disciplinar” (MEC, 2013, p. 28). E “pela abordagem interdisciplinar ocorre
a transversalidade do conhecimento constitutivo de diferentes disciplinas, por meio da
ação didático-pedagógica mediada pela pedagogia dos projetos temáticos” (MEC, 2013,
p. 28). De fato, práticas interdisciplinares baseiam-se em um real trabalho de cooperação
e troca, aberto ao diálogo e ao planejamento (NOGUEIRA, 2001, p. 27).

59
As vigentes Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Reso-
lução CNE/CEB nº 3/98,fundamentada no Parecer CNE/CEB nº 15/98),
destacam em especial a interdisciplinaridade, assumindo o princípio de
que “todo conhecimento mantém um diálogo permanente com outros co-
nhecimentos”, e que “o ensino deve ir além da descrição e constituir nos
estudantes a capacidade de analisar, explicar, prever e intervir, objetivos
que são mais facilmente alcançáveis se as disciplinas, integradas em áreas
de conhecimento, puderem contribuir, cada uma com sua especificidade,
para o estudo comum de problemas concretos, ou para o desenvolvimento
de projetos de investigação e/ou de ação”. Enfatizam que o currículo deve
ter tratamento metodológico que evidencie a interdisciplinaridade e a con-
textualização (MEC, 2013, p. 28, nota de rodapé 13).

Ainda sobre a Educação Básica como um todo, na organização da matriz curricu-


lar preconizada pelas DCNEB (MEC, 2013), alguns dos critérios a serem observados são
apresentados no inciso III a V, nos quais consta:

III – da interdisciplinaridade e da contextualização, que devem ser cons-


tantes em todo o currículo, propiciando a interlocução entre os diferentes
campos do conhecimento e a transversalidade do conhecimento de dife-
rentes disciplinas, bem como o estudo e o desenvolvimento de projetos re-
feridos a temas concretos da realidade dos estudantes.
IV – da destinação de, pelo menos, 20% do total da carga horária anual ao
conjunto de programas e projetos interdisciplinares eletivos criados pela
escola, previstos no projeto pedagógico, de modo que os sujeitos do Ensino
Fundamental e Médio possam escolher aqueles com que se identifiquem e
que lhes permitam melhor lidar com o conhecimento e a experiência. Tais
programas e projetos devem ser desenvolvidos de modo dinâmico, criativo
e flexível, em articulação com a comunidade em que a escola esteja inserida;
V – da abordagem interdisciplinar na organização e gestão do currículo,
viabilizada pelo trabalho desenvolvido coletivamente, planejado previa-
mente, de modo integrado e pactuado com a comunidade educativa (MEC,
2013, p. 34).

A Resolução CNE/CEB Nº 4, de 13 de julho de 2010, da Câmara de Educação


Básica do Conselho Nacional de Educação, definiu Diretrizes Curriculares Nacionais
Gerais para a Educação Básica. Desse texto, destaca-se:

Art. 17. No Ensino Fundamental e no Ensino Médio, destinar-se-ão, pelo


menos, 20% do total da carga horária anual ao conjunto de programas e
projetos interdisciplinares eletivos criados pela escola, previsto no projeto
pedagógico, de modo que os estudantes do Ensino Fundamental e do Mé-
dio possam escolher aquele programa ou projeto com que se identifiquem

60
e que lhes permitam melhor lidar com o conhecimento e a experiência. §
1º Tais programas e projetos devem ser desenvolvidos de modo dinâmico,
criativo e flexível, em articulação com a comunidade em que a escola esteja
inserida. § 2º A interdisciplinaridade e a contextualização devem assegurar
a transversalidade do conhecimento de diferentes disciplinas e eixos temá-
ticos, perpassando todo o currículo e propiciando a interlocução entre os
saberes e os diferentes campos do conhecimento (MEC. 2013, p. 68).

Especificamente em relação ao Ensino Médio, a Resolução CNE/CEB Nº 2, de 30


de janeiro 2012, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, de-
finiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Destaca-se a indicação
da interdisciplinaridade no currículo:

Art. 8º O currículo é organizado em áreas de conhecimento, a saber: I –


Linguagens; II – Matemática; III – Ciências da Natureza; IV – Ciências
Humanas. § 1º O currículo deve contemplar as quatro áreas do conheci-
mento, com tratamento metodológico que evidencie a contextualização e
a interdisciplinaridade ou outras formas de interação e articulação entre
diferentes campos de saberes específicos (MEC, 2013, p. 195).

Sendo assim, as DCNEB, como marco normativo, trazem contribuições bastante


relevantes para práticas interdisciplinares, para uma prática pedagógica que leve em con-
sideração o aprendizado do discente de forma integradora e contextualizada em todas
as áreas do conhecimento. Além do mais, a prática interdisciplinar é uma abordagem
que facilita o exercício da transversalidade, constituindo-se em caminhos facilitadores
da integração do processo formativo dos estudantes, pois permite a sua participação na
escolha dos temas prioritários. Desse ponto de vista, a interdisciplinaridade e o exercício
da transversalidade ou do trabalho pedagógico centrado em eixos temáticos, organi-
zados em redes de conhecimento, contribuem para que a escola possa tornar os seus
educandos sujeitos conscientes de seus direitos e deveres e aptos a aprender a criar novos
direitos, coletivamente (MEC, 2013, p. 29).

Interdisciplinaridade nos Parâmetros Curriculares Nacionais


para o Ensino Médio (PCNs-EM)

Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio são documentos pu-


blicados pelo MEC (2000) em 4 (quatro) partes, a saber: Parte I - Bases Legais; Parte II
- Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Parte III - Ciências da Natureza, Matemática
e suas Tecnologias; Parte IV - Ciências Humanas e suas Tecnologias.
Ao iniciar a pesquisa documental, foi percebido que os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) do Ensino Médio, em sua apresentação, (MEC, 2000, p. 4), citam a

61
interdisciplinaridade na prática docente numa maneira inter-relacionada. A partir desta
inter-relação, os PCNs procuram apresentar um novo perfil para o currículo que não
seja descontextualizado, mas que dê significado ao conhecimento escolar de forma con-
textualizada, sem fragmento, fundamentado na interdisciplinaridade; e procuram tam-
bém incentivar o raciocínio e a capacidade de aprender (BRASIL, 2000, p. 4). Diante
do exposto, surge a questão: será que o docente está preparado para atuar de maneira
integrada?
Nessa perspectiva de transformação, a reforma do Ensino Médio traz uma abor-
dagem conclamando a uma reorganização curricular em áreas do conhecimento com o
objetivo de facilitar o desenvolvimento dos conteúdos, numa perspectiva de interdisci-
plinaridade e contextualização (BRASIL, 2000, p. 7):

A reforma curricular do Ensino Médio estabelece a divisão do conheci-


mento escolar em áreas, uma vez que entende os conhecimentos cada vez
mais imbricados aos conhecedores, seja no campo técnico-científico, seja
no âmbito do cotidiano da vida social. A organização em três áreas – Lin-
guagens, Códigos e suas Tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e
suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias – tem como base
a reunião 19 daqueles conhecimentos que compartilham objetos de estudo
e, portanto, mais facilmente se comunicam, criando condições para que
a prática escolar se desenvolva numa perspectiva de interdisciplinaridade
(MEC, 2000, Parte I, p. 18-19).

Os PCNs não têm como foco a dissolução das disciplinas, como é dito no
trecho citado:

Na perspectiva escolar, a interdisciplinaridade não tem a pretensão de criar


novas disciplinas ou saberes, mas de utilizar os conhecimentos de várias
disciplinas para resolver um problema concreto ou compreender um de-
terminado fenômeno sob diferentes pontos de vista. Em suma, a interdisci-
plinaridade tem uma função instrumental. Trata-se de recorrer a um saber
diretamente útil e utilizável para responder às questões e aos problemas
sociais contemporâneos (MEC, 2000, Parte 1, p. 21).

Os PCNs reforçam a importância de práticas interdisciplinares para a formação


do educando:

A integração dos diferentes conhecimentos pode criar as condições ne-


cessárias para uma aprendizagem motivadora, na medida em que ofereça
maior liberdade aos professores e alunos para a seleção de conteúdos mais
diretamente relacionados aos assuntos ou problemas que dizem respeito à
vida da comunidade. Todo conhecimento é socialmente comprometido e
não há conhecimento que possa ser aprendido e recriado se não se parte

62
das preocupações que as pessoas detêm. O distanciamento entre os conte-
údos programáticos e a experiência dos alunos certamente responde pelo
desinteresse e até mesmo pela deserção que constatamos em nossas escolas.
Conhecimentos selecionados a priori tendem a se perpetuar nos rituais es-
colares, sem passar pela crítica e reflexão dos docentes, tornando-se, desta
forma, um acervo de conhecimentos quase sempre esquecidos ou que não
se consegue aplicar, por se desconhecer suas relações com o real (MEC,
2000, Parte 1, p. 22).

Portanto, como parte dos documentos centrais da Educação Básica, os PCNs


apresentam a necessidade da integração dos diferentes conhecimentos a partir da con-
textualização dos saberes, a fim de que haja o desenvolvimento do sujeito, enquanto ser
social inserido numa sociedade em movimento.

Interdisciplinaridade na Base Nacional Comum Curricular


para o Ensino Médio

A Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Médio (BNCC) foi homolo-
gada pela Portaria MEC n° 1.570, publicada no Diário Oficial da União de 21/12/2017,
Seção 1, Pág. 146 (MEC, 2017). Nela, o Ensino Médio está organizado em quatro áreas
do conhecimento, conforme determina a LDB (BRASIL, 1996). Destaca que na BNCC
não há a pretensão de criar novas disciplinas ou saberes, mas, sim, utilizar os conheci-
mentos de várias disciplinas para resolver uma determinada situação ou compreender as
dificuldades nos diferentes pontos de vista, a partir do fortalecimento das relações entre
elas e a sua contextualização para a compreensão e influência na realidade, solicitando
que as atividades sejam integradas em relação aos professores na aplicação dos seus pla-
nos de ensino.
Na BNCC, o termo interdisciplinaridade é tratado de forma similar ao que se
apresenta no cenário mundial, enfatizando que o desenvolvimento do ser humano deve
ser global, em suas dimensões: intelectual, física, afetiva, social, ética, moral e simbóli-
ca. Na BNCC, ressalta-se que os processos educativos devam promover aprendizagens
sintonizadas com as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes e, tam-
bém, com os desafios da sociedade contemporânea, sempre levando em consideração a
grande desigualdade educacional brasileira.
A BNCC também aponta que os sistemas de ensino ficam com a responsabilidade
de implementar aos currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas con-
temporâneos que atendam as demandas local, regional e global da vida humana prefe-
rencialmente de forma transversal e integradora.
Segundo o documento oficial do MEC:

63
[...] BNCC e currículos têm papéis complementares para assegurar as
aprendizagens essenciais definidas para cada etapa da Educação Básica,
uma vez que tais aprendizagens só se materializam mediante o conjunto de
decisões que caracterizam o currículo em ação. São essas decisões que vão
adequar as proposições da BNCC à realidade local, considerando a autono-
mia dos sistemas ou das redes de ensino e das instituições escolares, como
também o contexto e as características dos alunos. Essas decisões, que re-
sultam de um processo de envolvimento e participação das famílias e da
comunidade, referem-se, entre outras ações, a: [...] • decidir sobre formas
de organização interdisciplinar dos componentes curriculares e fortalecer a
competência pedagógica das equipes escolares para adotar estratégias mais
dinâmicas, interativas e colaborativas em relação à gestão do ensino e da
aprendizagem (MEC, 2017, p. 16).

A BNCC traz em sua estrutura o fomento ao conhecimento com foco em compe-


tências e habilidades. Ela também divide as áreas do conhecimento em quatro. Ela não
elimina as disciplinas com os seus saberes, mas as organizam de modo que haja o forta-
lecimento das relações entre elas e a sua contextualização para apreensão e intervenção
na realidade, e um comprometimento entre o trabalho conjugado e colaborativo dos
docentes.
Além da divisão das áreas, a BNCC incentiva a criação dos itinerários formativos
que vão promover aos estudantes as possibilidades de se integrarem aos projetos de vida
e se desenvolverem de forma consciente e autônoma à vida cidadã e ao mundo do tra-
balho.
Sendo assim, o referido documento traz de forma implícita a importância da in-
terdisciplinaridade em todo o seu contexto, usando termos que deixam subentendida a
importância das práticas interdisciplinares, valorizando o conhecimento dos discentes
na sua formação de abordagem integrada entre as áreas.

Interdisciplinaridade nos documentos de escola de ensino médio


no interior da Bahia

Como dito na introdução deste texto, a escola pesquisada neste trabalho localiza-
-se no Sudoeste Baiano e faz parte da rede estadual de ensino, com 701 alunos distribuí-
dos nos 1º, 2º e 3º séries do Ensino Médio, nos turnos matutino, vespertino e noturno. A
escola abriga 24 docentes, 02 coordenadoras e 03 técnicos e 06 apoios.

Interdisciplinaridade no Projeto Político Pedagógico da escola

O Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola representa a síntese do pensamento


administrativo-pedagógico institucional e retrata a caminhada que vem sendo percorrida

64
pela comunidade escolar com o intuito de desenvolver uma educação de qualidade nos
níveis de ensino em que ela atua.
O PPP tem caráter assertivo, pois está embasado em concepções e princípios da
legislação vigente, tais como o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014), a Base Na-
cional Comum Curricular para o Ensino Médio (BNCC-EM) (MEC, 2017) e Reforma
do Ensino Médio, expressa na Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017),
que propõem um ensino pautado no desenvolvimento e na qualidade do educando.
Como fonte de pesquisa, o PPP da escola aqui estudada, dentro dessa perspectiva
transformadora da educação, aponta para a superação de práticas pedagógicas que assu-
mem apenas a transmissão mecânica de conhecimento, e para a construção dos saberes
a partir das vivências e realidades do sujeito da aprendizagem.
Esse Projeto Político Pedagógico (PPP) traz uma proposta de contextualização
histórica e local, através da organização e ação que norteia as atividades escolares. A
partir dos seus princípios e finalidades, a escola busca questionar a estrutura político-
-econômica e social vigente, acreditando no eixo básico que sustenta o trabalho pedagó-
gico que é o comprometimento com a construção do conhecimento pelo próprio sujeito.
Essa construção dá-se pela mediação de sujeitos com o objeto de conhecimento através
de cooperação mútua. Sob esse enfoque, cabe a todos os envolvidos neste processo edu-
cacional, que atuam na referida instituição escolar, a tarefa de garantir a circulação do
conhecimento, da multiplicidade de pensamentos, bem como a humanização nas rela-
ções decorrentes dos processos de ensino e de aprendizagem. O princípio que norteia
essas ações relaciona-se à formação de um sujeito-discente consciente, crítico e autôno-
mo que saiba respeitar os limites construídos, a partir da definição coletiva de princípios
de convivência; que se responsabilize por suas atitudes; que saiba analisar e interpretar a
realidade, transitando em toda a complexidade que a vem caracterizando, situando-se na
sociedade e posicionando-se na busca de alternativas para transformá-la. Sendo assim,
segundo o PPP, a organização da Escola deve balizar-se por alguns parâmetros básicos,
assim definidos:

- Elaboração coletiva do Projeto Político-Pedagógico;


- Flexibilidade, a fim de acolher as transformações ocorridas nas diferentes
fronteiras das ciências, bem como contribuir com essas transformações;
- Formação integral, que possibilite a compreensão das relações de trabalho, de
alternativas sócio-políticas de transformação da sociedade, de questões rela-
cionadas ao meio ambiente e à saúde, na perspectiva de construção de uma
sociedade sustentável;
- Interdisciplinaridade
- Predomínio da construção do conhecimento sobre a informação;

65
- Articulação entre teoria e prática;
- Indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
- Favorecimento do Protagonismo Juvenil, ofertando condições para o desen-
volvimento pleno do educando.

O PPP da escola define que a concepção curricular deve ultrapassar a estrutura


linear e compartimentalizada das disciplinas isoladas e desarticuladas. Assim, busca re-
lações de reciprocidade e colaboração entre as diversas áreas em uma atitude dialógica
e cooperativa permanente, necessária à compreensão das múltiplas relações que consti-
tuem o mundo da vida, no qual os sujeitos, mediados pela comunicação, organizam-se
e interagem construindo saber, cultura e condições necessárias à existência. Para tanto,
o currículo deve redimensionar, constantemente, os espaços e tempos escolares, reven-
do concepções e práticas pedagógicas. Nesse contexto, a formação permanente dos/as
educadores é indispensável, promovendo a cooperação entre os implicados no processo
educativo, possibilitando mudanças, a partir de uma práxis reflexiva, tendo em vista a
qualificação do processo de ensino-aprendizagem.
O currículo deve estar diretamente relacionado ao contexto sócio-político-cul-
tural e, assim, deve ser construído de forma dinâmica e participativa através de uma
abordagem interdisciplinar, tendo em vista, prioritariamente, a formação do cidadão
comprometido eticamente com a transformação da sociedade.
Dessa forma, a interdisciplinaridade é abordada no PPP como proposta de inter-
-relação entre as áreas que pretende ultrapassar a estrutura linear e compartimentalizada
das disciplinas isoladas e desarticuladas. Por meio dessa articulação, a educação pode
ultrapassar a reprodução de saberes e fazeres, possibilitando a troca de experiências e a
construção de aprendizagens significativas.
A visão interdisciplinar está intrínseca no contexto escolar que acredita na con-
cepção de que a escola é um espaço de aprendizagens significativas e, para isso, envolve
uma mudança da postura pedagógica. Sendo assim, o entrosamento entre os profissio-
nais deve facilitar uma maior integração entre as disciplinas e os projetos, enriquecen-
do-os a partir dos diferentes olhares. Como afirma Ivani Fazenda (1991, p. 31), “a in-
terdisciplinaridade depende então, basicamente, de uma mudança de atitude perante o
problema do conhecimento, da substituição da concepção fragmentária pela unitária do
ser humano”.
Nessa concepção de interdisciplinaridade, o enfoque do PPP aponta a necessidade
de que as áreas dialoguem, a fim de produzirem conhecimentos inter-relacionados. E
como forma de integração, na proposta de avaliação interdisciplinar, os docentes devem
trabalhar interagindo com as áreas. Assim, ao final de cada unidade, a avaliação inter-
disciplinar objetiva o diálogo entre as diversas faces do saber e, para isso, os professores

66
organizarão conteúdos que, ao longo da unidade letiva, possam dialogar entre as diver-
sas áreas, sobretudo àquelas que compõem o núcleo comum de sua área de atuação, pro-
porcionando ao educando o inter-relacionamento entre as disciplinas, rompendo com a
ideia ilusória de fragmentação do conhecimento.
Outra forma de trabalhar a interdisciplinaridade sinalizada no PPP é por meio
dos projetos pedagógicos internos e os projetos estruturantes, ofertados pela Secretaria
de Educação da Bahia (SEC), com uma proposta interdisciplinar, porém com o objetivo
de adequá-los à realidade escolar. Todos os projetos da escola, tanto os internos quanto
os externos, podem ser desenvolvidos de forma a integrar o currículo das disciplinas, ob-
jetivando o fortalecimento da relação teoria-prática, bem como a dinamização do pro-
cesso de ensino aprendizagem em todas as áreas do conhecimento.
Logo, o Projeto Político Pedagógico da escola pesquisada traz, nos seus princípios
orientadores, os princípios básicos para construção de uma proposta pedagógica que
vise a articulação entre os saberes locais dos sujeitos e a estruturação de projetos inter-
disciplinares que possibilitem o acesso ao conhecimento sistematizado, em cada uma das
áreas, com vistas à aprendizagem significativa.

Interdisciplinaridade em outros documentos da escola

Durante a Jornada Pedagógica de 2020, foi escolhida a Base Nacional Comum


Curricular do Ensino Médio como o documento norteador para a construção e discus-
são dos planos de curso. Nesse evento, os professores foram orientados a produzirem os
planos de curso, conforme os conhecimentos da área e a construção que deveriam ter
como base as competências e habilidades da BNCC e não os conteúdos.
Seguindo a orientação do PPP, documento normativo da escola, os planos de
curso devem seguir uma organização pedagógica dos cursos, compostos de objetivos,
abrangência e amplitude dos componentes curriculares, bem como estratégias de apren-
dizagem previstas para cada série. Além disso, os planos de curso devem ser elaborados
pelo coletivo de professores, tendo em vista a promoção da interdisciplinaridade.
No entanto, a percepção desta autora, como participante da Jornada Pedagógica
de 2020, ficou evidenciada a dificuldade de se estabelecer a interdisciplinaridade, já que,
a elaboração dos planos de cursos ficou restrita a cada área de conhecimento. Não acon-
teceu um diálogo entre os professores, por mais que existisse o discurso interdisciplinar.
Também como parte desta pesquisa documental, foram analisados os planos de
curso das áreas das Ciências Humanas e de Linguagens, do segundo ano do Ensino Mé-
dio da escola em foco. Nessa análise, foi possível perceber inexistência de diálogo entre
as áreas de conhecimento. As disciplinas que as compõem estão agregadas por meio das
competências e habilidades sugeridas pela BNCC, porém não é perceptível que as disci-
plinas se conectam ou dialoguem entre si na prática da sala de aula.

67
Um paralelo entre as normativas nacionais e a prática na escola

A fim de estabelecer um paralelo entre as normativas nacionais e os documentos


da escola pesquisada, foi construído o quadro 01, baseado nas citações resultantes da
Análise de Conteúdo dos documentos.

Quadro 01. Paralelo entre as normativas nacionais e os documentos da escola pesquisada

Normativa nacional Documento da escola pesquisada

LDB Apesar das atividades e dos projetos descritos


A LDB aponta a necessidade de formação inte- nos documentos da escola pesquisada ter uma
gral do educando, o que é favorecido por práticas visão interdisciplinar a sua execução não perpas-
interdisciplinares. sa pela integração do educando.

DNCEB
Conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais Nem sempre o que é regulamentado nas DNCEB
da Educação Básica, a escola que optar por abor- é praticado na escola pesquisada, pois o trabalho
dar a interdisciplinaridade deverá preocupar-se pedagógico, os equipamentos, o mobiliário e
com o cuidado e a educação, pensando na qua- as suas instalações não estão de acordo com as
lidade de ensino e na qualidade social em que o condições requeridas pela abordagem que adota,
sujeito está inserido. Todo ambiente escolar deve o qual não favorece a interdisciplinaridade.
estar de acordo com a proposta interdisciplinar.

PCNs
De acordo com os PCNs, a integração dos dife- Por não ter uma participação mais ativa da
rentes conhecimentos pode criar as condições família e da comunidade escolar na organização
necessárias para uma aprendizagem motivadora, interdisciplinar, os alunos não conseguem esta-
na medida em que ofereça maior liberdade aos belecer relações entre a teoria e a prática, entre o
professores e alunos para a seleção de conteúdos que se aprende na escola e o que vai servir para a
mais diretamente relacionados aos assuntos ou sua vida.
problemas que dizem respeito à vida da comuni-
dade.

BNCC
Conforme a BNCC, existem proposições que
devam-se adequar à realidade local, conside-
rando a autonomia dos sistemas ou das redes de
ensino e das instituições escolares, como tam- Nem sempre a escola consegue envolver as
bém o contexto e as características dos alunos, os famílias e a comunidade nas tomadas de decisões
quais resultam em um processo de envolvimento sobre a organização interdisciplinar dos com-
e participação das famílias e da comunidade nas ponentes curriculares, de acordo com o que é
tomadas de decisões sobre formas de organi- regulamentado pelo marco normativo.
zação interdisciplinar dos componentes curri-
culares e fortalecer a competência das equipes
escolares para adotar estratégias mais dinâmicas,
interativas e colaborativas em relação à gestão de
ensino e da aprendizagem.

68
Levando em consideração as propostas dos documentos normativos acerca da
interdisciplinaridade e os desafios encontrados pela escola em aplicar um planejamento
que não seja fragmentado, é possível que haja uma construção de pontes para amenizar o
distanciamento entre as organizações interdisciplinares, respeitando as realidades locais,
regionais e globais. Assim será possível envolver todos os participantes do processo educa-
cional, estabelecendo estratégias que possam fortalecer de forma mais dinâmica, interativa
e colaborativa em relação à gestão de ensino e da aprendizagem como pontua a BNCC.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pesquisadores renomados, com destaque para Ivani Fazenda (1991; 1998; 2003a;
2003b; 2008), apresentaram proposta interdisciplinar no contexto educacional como for-
ma do refazer pedagógico, a partir da contextualização e integração visando eliminar as
barreiras entre as disciplinas e entre as pessoas, num cenário de construção do conhe-
cimento hoje tão fragmentado. Porém, ao ponderar sobre a teoria e a prática é possível
verificar as dificuldades que os docentes têm de praticar a interdisciplinaridade, como,
por exemplo, as diferenças entre as linguagens das áreas do conhecimento; a rejeição do
próprio docente em trabalhar de forma integradora; o fato de os trabalhos interdiscipli-
nares demandarem tempo; a falta de capacitação do profissional e também a persistente
divisão entre as disciplinas.
Por outro lado, em que pese essa diferença entre teoria e prática, ao longo deste
trabalho, foi percebido que tanto os documentos oficiais brasileiros quanto o Projeto Po-
lítico Pedagógico da escola pesquisada trazem em seus enunciados os princípios básicos
da interdisciplinaridade. Assim sendo, há respaldo normativo e estímulo fundamentado
na legislação para que tais práticas venham a ocorrer nos espaços escolares. Isso significa
que, diante das demandas existentes no universo interdisciplinar, muitos esforços ainda
precisam ser feitos, não pretendendo, porém, superar o ensino organizado por discipli-
nas, mas a criação de condições de haver uma integração entre disciplinas, aliando-se
para superação dos problemas da sociedade contemporânea. Sobretudo em tempos de
pandemia, a escola precisará acompanhar o ritmo das mudanças que aconteceram em
todos os cenários da sociedade, mudanças que deixaram o mundo muito mais interco-
nectado, interdisciplinarizado e complexo.
Apesar do esforço da escola pesquisada, refletido em seus documentos normati-
vos aqui indicados, ainda é muito principiante o desenvolvimento de experiências ver-
dadeiramente interdisciplinares. Por isso, cabe aos gestores, coordenadores e professores
criarem condições para um planejamento integrador com a participação de todas as áre-
as do conhecimento. Em alguns casos, um bom começo é a proposição de projetos trans-
versais, com temas que aglutinem várias áreas de conhecimento, mobilizando docentes,
discente e equipe técnica para a realização das atividades desses projetos.

69
Outra proposta é a reformulação do planejamento escolar, o que pode acontecer com
a formação de grupos de estudos constituídos por professores de todas as áreas, com uma es-
trutura educacional incluindo o enfoque interdisciplinar na prática pedagógica, bem como in-
cluindo a participação da família e da comunidade escolar nesta organização interdisciplinar.
Os resultados desta pesquisa permitiram identificar como a prática docente é tra-
tada nos documentos normativos de uma escola de ensino médio, do interior da Bahia
através das propostas pedagógicas vinculadas à Secretaria de Educação. Principalmente,
em tempos de pandemia, novos rumos foram necessários seguir a fim de orientar a todos
os envolvidos na educação; e o termo interdisciplinaridade, neste momento do novo co-
ronavírus, nunca foi tão pronunciado e tratado na perspectiva de reorganizar e orientar
as escolas para o planejamento, execução e acompanhamento das ações para o retor-
no das aulas, alinhado às propostas normativas emanadas pelo Ministério da Educação
(MEC). Dessa forma, o tema da interdisciplinaridade em sala de aula e nos principais
documentos oficiais, como por exemplo, a BNCC, tem sido presente nas orientações
para nortear o Ensino Médio, neste contexto de ensino híbrido. A instituição escolar tem
se esforçado para contemplar a abordagem da interdisciplinaridade, além de apresentar
recomendações que contribuam para práticas interdisciplinares em sala de aula.
Logo, a pesquisa sobre a prática docente interdisciplinar no ensino médio não se
esgota nas discussões dos documentos normativos oficiais brasileiros. É necessário que
neste cenário de pandemia em que estamos vivendo, em que aumentaram os desafios
das escolas, um planejamento interdisciplinar poderá diminuir os impactos sofridos pela
educação neste distanciamento social.


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11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desen-
volvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação,
a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452,
de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga
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73
EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA E DECOLONIAL
NA CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE NEGRA
EMPODERADA
Marcio Gonçalves dos Santos
 Isis Emanoela do Amor Divino Borges
André Luis da Silva Santos

INTRODUÇÃO

O Brasil desde sua formação é marcado por diversos povos, etnias e culturas. Den-
tre esses povos, três se destacaram na sua constituição, os povos indígenas – povos origi-
nários que foram escravizados –; portugueses – os invasores colonizadores –; e os povos
africanos – sequestrados e escravizados. Os povos indígenas e africanos contribuíram
bastante para a formação sociocultural e econômica da sociedade brasileira. Entretanto,
no decorrer do tempo, esses povos foram tratados de forma desrespeitosa, sem digni-
dade, desumanizando sua inteireza de ser. A fundamentação dessa visão negativa em
relação a tudo que está ligado ao povo negro e indígena tem raízes nas teorias raciais, às
quais afirmavam que NÓS, negros e indígenas, éramos uma sub-raça, inferior intelectu-
almente e moralmente.
Apesar de a ciência provar cientificamente a não existência de raças, ou seja, só
existe uma única raça e, com isso, derrubar os argumentos utilizados pela ideologia ra-
cista, o racismo se encontra enraizado no imaginário da sociedade brasileira e repro-
duzido por um Estado que sempre foi omisso no combate efetivo do racismo. Toda au-
sência de representatividade da população negra e indígena nos espaços midiáticos, o
silenciamento de suas vozes e até mesmo a negação de suas riquezas culturas reverberam
drasticamente em toda sociedade brasileira.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD) 2015, 45,22% dos brasileiros se declaram como brancos, 45,06% como par-
dos, 8,86% como pretos, 0,47% como amarelos e 0,38% como indígenas. Negros são
a soma de pretos e pardos, o que faz de nós, negros, a maioria da composição étnico
racial da população brasileira. Mas a educação produzida e reproduzida no Brasil
está longe de ser afrocentrada; o que vemos é uma educação ainda pautada no mode-
lo eurocêntrico. A imagem representada e sempre potencializada é da branquitude;

74
livros, temáticas abordados, eventos históricos, filmes e momentos de diálogos ainda
nos remetem ao ideário do branco como o padrão universal aceitável por todos.
Essa grande falta de visibilidade permitiu e permite a criação de diversos estere-
ótipos e estigmas referente a esses indivíduos, determinando e fortalecendo atitudes e
condutas que perduram no decorrer da história até os dias de hoje. Não há como negar
ou ocultar à existência desses povos, a diversidade cultural, a riqueza da língua e mu-
sicalidade e, nesse contexto, mais do que nunca é importante e necessário falar sobre
antirracismo e decolonialidade.
Daí a grande importância das Leis: 10.639/2003 e 11.645/2008, cujo teor de-
termina a obrigatoriedade do ensino da História e Culturas afro-brasileiras e indí-
genas, no sentido de alcançar cada vez mais a dimensão de uma escola antirracista.
Uma educação que visa à disseminação de conhecimentos que contemple a todos
indistintamente e, consequentemente, a formação de valores de pertencimentos,
aceitação e dignidade.
Diante dessa problemática e para fins desta pesquisa, sem a intenção de di-
minuir a importância, luta e resistência dos povos indígenas, mas focando especi-
ficamente na população negra, cabe aqui questionar como a educação pode e deve
contribuir para o fortalecimento e empoderamento da identidade negra, através de
uma perspectiva educacional decolonial e antirracista. A questão norteadora deste
estudo é: de que maneira as práticas pedagógicas da escola quilombola Colégio
Estadual Doutor Milton Santos contribuem para a construção de uma educação
decolonial e antirracista?
Entre os motivos que me levou a pesquisar este tema está, principalmente, a
minha formação acadêmica em História, no curso de formação continuada em rela-
ções étnicas, em que pude me perceber, enquanto homem negro, o quanto ser negro
é positivo, valoroso, digno e gratificante. A minha atuação como professor junto a
adolescentes da Rede Pública de Ensino também influenciou o direcionamento dessa
pesquisa, pois este público é constituído em sua maioria por pessoas negras. A escolha
por essa escola também não foi por acaso, pois fiz parte do quadro de profissionais e
pude presenciar e vivenciar práticas pedagógicas direcionadas a luta antirracista e em-
poderamento da identidade negra.
A partir da questão norteadora, esta pesquisa tem como objetivo refletir de que
forma a prática pedagógica inserida no Projeto Político Pedagógico (PPP) do Colégio
Estadual Doutor Milton Santos contribui para a construção de uma educação na pers-
pectiva decolonial e antirracista.
A relevância deste trabalho está em oportunizar novos conhecimentos e reflexões
a respeito da importância de uma educação decolonial e antirracista na construção da
identidade negra empoderada, pois possibilita a desconstrução dos estereótipos e estigmas que
ainda imperam no imaginário social sobre a dimensão do ser negro/a.

75
Para o desenvolvimento deste estudo, foi utilizada como metodologia de pesquisa
a abordagem qualitativa com levantamento do material bibliográfico e análise documen-
tal. Entre os documentos que foram analisados estão: o PPP do Colégio Estadual Doutor
Milton Santos; a Lei 10.639/2003; Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das
Relações Étnico- Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana;
Parecer 03/2004 de 17 de junho de 2004; e Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educa-
ção Escolar Quilombola na Educação Básica. No que tange à revisão bibliográfica, partiu
de experiências e leituras dos autores que contribuíram para a perspectiva educacional
decolonial e antirracista.
Importante frisar que a educação defendida aqui não tem como propósito igno-
rar e/ou invalidar a contribuição europeia para a formação brasileira, mas, como afirma
Carvalho e Schram (2007), seja uma educação transformadora, uma educação para a
democracia pela participação de todos/as, calcada no ser humano livre, racional, capaz
de promover mudanças através do consenso entre grupos e classes sociais, por meio
de reformas histórico-culturais. A educação deve ser instrumento de empoderamento.
Empoderar segundo Bertth (2019, p.23), “não visa retirar poder de um para dar ao outro
a ponto de se inverter os polos de opressão, e sim para eliminação da situação injusta e
equalização de existências em sociedade.”

ASPECTOS METODOLÓGICOS

A metodologia do presente trabalho consistiu na abordagem qualitativa de pes-


quisa bibliográfica e análise documental. A pesquisa qualitativa preocupa-se com as-
pectos da realidade que não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e
explicação da dinâmica das relações sociais. Para Minayo (2001), a pesquisa qualitativa
trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes,
o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenôme-
nos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

Pesquisa bibliográfica

Gil (2007) explica que a pesquisa bibliográfica é desenvolvida por meio de ma-
terial já elaborado, principalmente livros e artigos científicos. Apesar de, praticamente,
todos os outros tipos de estudo exigirem trabalho dessa natureza, há pesquisas exclusiva-
mente desenvolvidas por meio de fontes bibliográficas. Segundo Fonseca (2002),

A pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento de referências


teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como

76
livros, artigos científicos, páginas de web sites. Qualquer trabalho cientí-
fico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisa-
dor conhecer o que já se estudou sobre o assunto. Existem, porém, pes-
quisas científicas que se baseiam unicamente na pesquisa bibliográfica,
procurando referências teóricas publicadas com o objetivo de recolher
informações ou conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do
qual se procura a resposta (FONSECA, 2002, p. 32).

Ainda, segundo Gil (2007, p. 44), os exemplos mais característicos desse tipo de
pesquisa são investigações sobre ideologias ou aquelas que se propõem à análise das di-
versas posições acerca de um problema.
Com o propósito de alcançar os aspectos de uma pesquisa bibliográfica, durante
o desenvolvimento deste trabalho, foram selecionados artigos de periódicos científicos,
livros, dissertações e teses em língua portuguesa. As fontes foram pesquisadas nas pla-
taformas Scielo e Google acadêmico. Foram utilizadas como palavras chaves: Educação
antirracista, relações raciais, educação decolonial, educação quilombola e racismo estru-
tural. Entre os intelectuais que contribuíram para a construção bibliográfica estão: Nilma
Lino Gomes, Silvio Almeida, Kabengele Munanga, Aníbal Quijano, Catherine Walsh,
entre outros.

Pesquisa documental

A pesquisa documental, bem como outros tipos de pesquisa, propõe-se a pro-


duzir novos conhecimentos, criar novas formas de compreender os fenômenos e dar a
conhecer a forma como estes têm sido desenvolvidos. Em relação a isso Fonseca (2002)
afirma que:

A pesquisa documental trilha os mesmos caminhos da pesquisa bibliográ-


fica, não sendo fácil por vezes distingui-las. A pesquisa bibliográfica utiliza
fontes constituídas por material já elaborado, constituído basicamente por
livros e artigos científicos localizados em bibliotecas. A pesquisa documen-
tal recorre a fontes mais diversificadas e dispersas, sem tratamento analíti-
co, tais como: tabelas estatísticas, jornais, revistas, relatórios, documentos
oficiais, cartas, filmes, fotografias, pinturas, tapeçarias, relatórios de empre-
sas, vídeos de programas de televisão, etc (FONSECA, 2002, p. 32).

Dentre os documentos analisados estão: o Projeto Político Pedagógico (PPP) do


Colégio Estadual Doutor Milton Santos; a Lei 10.639/2003; Diretrizes Curriculares Na-
cionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana; Parecer03/2004 de 17 de junho de 2004; e Diretrizes Curricu-
lares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica.

77
REFERENCIAL TEÓRICO
Silenciamento da negritude nos currículos

O currículo é o elemento norteador da Escola, é o documento que contém as


disciplinas e seus respectivos conteúdos que precisam e devem ser trabalhados ao lon-
go de um ano letivo da instituição Escolar. Ele é também identidade, algo que marca e
caracteriza o perfil da Escola, portanto, um guia que precisa ser consultado, analisado,
estudado e, principalmente, adaptado às demandas sócios/culturais de cada realidade.
Um currículo precisa sempre dialogar diretamente com todos os envolvidos da Escola,
está em sintonia com o processo ensino/aprendizagem, acompanhar também as possí-
veis mudanças que acontecem no cotidiano escolar e deve fazer menção às demandas
que surgem, falar de e para seus pares. Nessa perspectiva, segundo Elvira Lima (2006),
um currículo para a formação humana é aquele orientado para a inclusão de todos/as no
acesso aos bens culturais e ao conhecimento. Assim, teremos um currículo a serviço das
diferenças humanas.
Mas o apagamento dos conteúdos e conhecimentos referentes às questões étnico-
-raciais é algo notório. As abordagens necessárias que deveriam estar contidas nos cur-
rículos foram e ainda são silenciadas. Em contrapartida o que vemos é um currículo
fortemente marcado por conhecimentos e saberes eurocêntricos os quais tidos como
“superiores” e “universais”. Conforme afirmam Silva e Bezerra (2015):

[...] houve a luta pela inclusão da história dos negros nos currículos, pois
durante muitos anos os conteúdos escolares eram descritos de maneira es-
tereotipada, discriminando as imagens dos negros e enfatizando a cultura
eurocêntrica como predominante (SILVA e BEZERRA, 2015).

Os conteúdos programáticos das escolas seguem e refletem unicamente um padrão,


uma forma única de ministrar os conhecimentos necessários a formação do estudante. A
transversalidade e as abordagens que deveriam acontecer durante todo o tempo no per-
curso do ano letivo, poucas vezes acontecem; deixando somente para os momentos e datas
específicos. Numa visão crítica, segundo Onofre (2008), é possível afirmar que as práticas
curriculares reproduzem o saber de um grupo dominante que manipula o conhecimento e
os saberes com base na afirmação de uma hegemonia racional que coloca em desvantagem
as minorias desprivilegiadas dos bens culturais. Em consonância com Onofre (2008), Silva
(1995) reforça que o currículo não se restringe à transmissão de conteúdos, ideias e abs-
trações. Ele diz respeito a experiências e práticas concretas, construídas por sujeitos con-
cretos, imersos nas relações de poder. Para este autor, o currículo traz em suas narrativas,
de maneira velada, ideias sobre quais grupos tem autoridade para falar sobre si e sobre os
outros, quais grupos devem apenas ser representados e grupos que devem ser silenciados e
até excluídos das narrativas (SILVA, 1995). Conforme indaga Carmo (2020):

78
Aprendemos nas escolas a história que tem a Europa como lócus, mas pou-
co sabemos da história e da cultura da África, que é um continente que
fundamentalmente constituiu a nossa história e cultura, portanto, nossa
sociedade. Cabe-nos questionar o porquê desse silenciamento que apaga a
história e as culturas afro-brasileiras e africanas. A quem isso tem benefi-
ciado? (CARMO, 2020. p. 14).

De acordo com Onofre (2008), a homogeneização e padronização que ainda se


faz presente no espaço escolar acabam por descaracterizar os processos de aprendizagem
que visam acolher todos os saberes oriundos das experiências dos educandos, bem como
suas visões de mundo e da vida. Para o autor, a escola, enquanto espaço de descobertas,
troca de experiências e aprendizados diversos, necessita estar aberta para a realidade dos
educandos e da comunidade. Essa realidade se traduz naquilo que é de suma importân-
cia para a complementação do currículo escolar: a inserção de saberes, vivências e mani-
festações culturais que acontecem fora dos muros escolares.
O currículo imposto por um determinado grupo e/ou ideologia, impossibilita que
outros conhecimentos assimilados fora do ambiente escolar sejam introduzidos na sala
de aula. Com isso, reproduz-se uma política segregacionista em que os educandos têm
que se enquadrar nos padrões de inteligência ditados pela lógica do mercado globaliza-
do. A tendência é menosprezar a cultura e os saberes dos educandos das camadas popu-
lares em benefício daqueles que detém os bens culturais.
Quando pensamos no silenciamento da história e cultura afro-brasileira e africa-
na nos currículos das escolas, não temos outra resposta, a não ser a prática ideológica do
racismo que é estrutural na sociedade brasileira. O intelectual Silvio Almeida (2018), em
seu livro “Racismo Estrutural”, traz significavas contribuições para entendermos como o
racismo operacionaliza a sociedade brasileira. Segundo ele, o racismo é

[...] uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como funda-
mento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscien-
tes que culminam em desvantagens ou privilégios, a depender ao grupo
racial ao qual pertençam (ALMEIDA, 2018. 25).

Ao afirmar que essa ideologia é estrutural, Almeida (2008, p.38) quer dizer que
“o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo ‘normal’
com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares,
não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional”. O intelectual
afirma que comportamentos individuais e processos institucionais são oriundos de
uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção. Segundo ele, o racismo faz parte
de um processo social que "ocorre pelas costas dos indivíduos e lhes parece legado
pela tradição".

79
Romper com essa estrutura exige mudanças profundas na sociedade. Nesse cená-
rio, é necessária uma educação que se proponha a ser antirracista e decolonial. Segundo
o parecer nº. 003 da professora Petronilha, para

[...] reeducar as relações étnico-raciais no Brasil é necessário fazer emergir


as dores e medos que têm sido gerados. É preciso entender que o sucesso
de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade impostas a outros.
E então decidir que sociedade queremos construir daqui para frente (BRA-
SIL, 2004, p.1).

Construir uma sociedade socialmente e economicamente mais justa e iguali-


tária pede a formulação de uma pedagogia que aponte algumas alternativas de inter-
venção no currículo escolar, de modo a subverter a lógica do racismo. Para Gomes
(2006), a garantia de uma escola igual para todos/as não pode ser confundida com
um currículo único para todos/as os alunos/as e professores/as. Segundo a autora,
seria interessante questionar de que forma o currículo é construído, como se dá a
escolha dos conteúdos, qual visão de mundo, de homem, de mulher, de negro/a, de
indígena, de branco/a, de outros grupos étnicos, o que a escola tem priorizado em
seu currículo e de que forma tem se relacionado com aqueles que questionam dire-
tamente os currículos.
O currículo elaborado pelas escolas precisa ser pensado coletivamente, em cada
unidade escolar, visando enfrentar alguns desafios que a diversidade cultural e as dife-
renças humanas nos trazem. Esses desafios passam pelo compromisso com uma escola
cada vez mais democrática, pois falar da história e cultura afro-brasileira e africana
como meio de afirmação da identidade da população negra, traz como pressupostos
fundamentais o compromisso em denunciar a arbitrariedade por parte de políticas
curriculares cristalizadas que insistem em priorizar a dimensão positivista e cientifi-
cista do currículo, não contribuindo de forma eficaz para a inserção de temas culturais
que não estão sendo contemplados no currículo oficial. É preciso educar de maneira
antirracista e decolonial.

Educação decolonial e antirracista

A Educação brasileira sempre foi pautada em um modelo eurocêntrico, desta-


cando semente as propostas e ideologias que atendesse aos grupos dominantes, a elite e
seus interesses. Todos os demais grupos e, consequentemente, seus segmentos não eram
visibilizados, tampouco, protagonizados. Para Candau (2011),

A cultura escolar dominante em nossas instituições educativas, construí-


da fundamentalmente a partir da matriz político-social e epistemológica

80
da modernidade, prioriza o comum, o uniforme, o homogêneo, conside-
rados como elementos constitutivos do universal. Nesta ótica, as diferen-
ças são ignoradas ou consideradas um “problema” a resolver (CANDAU,
2011, p. 241).

A educação visa à emancipação do sujeito na sua plenitude, na elevação de sua


racionalidade e alcance de suas dimensões. Ademais, deve sempre está pautada na valo-
rização, respeito e dignidade do ser humano. Uma educação antirracista e decolonial é
primordial para a convivência harmoniosa entre todas as pessoas de diferentes etnias. A
mesma se faz necessária, pois conforme afirma Francisco Júnior (2008, p.398), “há mui-
to tempo se fala e escuta sobre igualdade social, étnico-raciais e direitos iguais a todos.
Contudo, a realidade social impregnada, não por acaso, em nossa atual sociedade está
distante desse discurso”. Essa distância é fruto de distorções históricas, de teorias pseu-
docientíficas que propunham a supremacia de algumas “raças” e do mito da igualdade
racial no Brasil. Essa igualdade nunca existiu ao longo da história; a palavra diferença e
inferioridade andavam e andam juntas.
É importante frisar que, como afirma Kabengele Munanga (2003), o conceito de
raça, tal como empregamos hoje, nada tem de biológico. É um conceito carregado de ide-
ologia, pois como todas as ideologias, ele esconde uma coisa não proclamada: a relação
de poder e de dominação. Aníbal Quijano (2005) ao tratar dessa questão acrescenta que:

Na América, a ideia de raça foi uma maneira de outorgar legitimidade às


relações de dominação impostas pela conquista. A posterior constituição
da Europa como nova identidade depois da América e a expansão do colo-
nialismo europeu ao resto do mundo conduziram à elaboração da perspec-
tiva eurocêntrica do conhecimento e com ela à elaboração teórica da ideia
de raça como naturalização dessas relações coloniais de dominação entre
europeus e não-europeus (QUIJANO, 2005, p.118).

Necessário se faz desconstruir a visão eurocêntrica, colonialista, que apaga a cul-


tura dos povos dominados, que os subjuga e se faz presente e dominante mesmo após
a emancipação das colônias. A adoção de uma educação antirracista e decolonial é o
caminho para essa desconstrução.
A proposta de uma pedagogia antirracista e, consequentemente, sua concretiza-
ção, tem sua gênesis com a bravura e incansável luta do Movimento Negro, o qual arti-
culou, planejou e reivindicou pautas primordiais para que a educação brasileira, de ma-
neira democrática, melhor contemplasse a todos. Nilma Lino Gomes (2017) afirmar que

Ao emergir no cenário nacional e político destacando a especificidade da luta


política contra o racismo, o Movimento Negro buscou na história a chave
para compreender a realidade do povo negro brasileiro. Assim, a necessidade

81
de negar a história oficial e de contribuir para a construção de uma nova in-
terpretação da trajetória dos negros no Brasil são aspectos que distinguem o
Movimento Negro dos demais movimentos sociais e populares da década de
1970 (2017, pág. 48).

Segundo Onofre (2008), uma educação antirracista prima pelo respeito à diferen-
ça, à diversidade. Ela não pode isentar-se do compromisso com os mais necessitados e
fragilizados por um sistema desumano e preconceituoso. Educar, respeitando as diferen-
ças, requer mais do que o cumprimento das obrigações curriculares, exige uma postura
ética e valorativa diante da cultura da população negra, que ainda sofre discriminação
nos espaços escolares.
Uma pedagogia antirracista não visa enaltecer um grupo em detrimentos de ou-
tros, não é direcionar tudo somente para um grupo. O intuito principal é possibilitar o
entrosamento de todas as abordagens educativas de forma respeitosa, prudente e pro-
gressiva. É reconhecer a importância de cada povo, etnia e culturas como elo da forma-
ção da sociedade brasileira, é combater de maneira articulada o racismo estrutural que
operacionaliza a sociedade brasileira.
Pensar sobre um modelo de educação ideal para todos/as é uma tarefa bem com-
plexa, árdua e necessária ao mesmo tempo, pois, exige um esforço e vontade por parte
daqueles que estão no controle do sistema. É nesse ponto que se faz importante entender
o que é a colonialidade e a quem ela serve.
A colonialidade, conforme discute o Grupo Modernidade/Colonialidade, é um
padrão de poder que age em várias dimensões do colonizado: as dimensões do ser, do
saber, do poder e da mãe-natureza. A colonialidade, através da ação nessas dimensões,
busca afirmar e celebrar, segundo Catherine Walsh (2007), a superioridade do conhe-
cimento dos europeus, ao mesmo tempo em que nega e silencia outras formas de ser e
saber. Walsh (2008) afirma, também, que as identidades raciais produzem uma hierar-
quia social, onde negros, índios e mestiços se mostram como identidades homogêneas e
negativas, impondo, dessa forma, um padrão único de referência, que seria o: masculino,
heterossexual, branco, cristão, europeu.
No que tange à educação brasileira, segundo Carmo (2020), cabe ressaltar que
temos um currículo não apenas colonizado, mas também colonizador, quando na esteira
da negação da história e culturas afro-brasileiras e africanas, produz o apagamento do
“Outro”, pois não apenas reforça a importância do branco, mas, sobretudo, ensina a infe-
rioridade do negro, dando sobrevida à colonização por meio da colonialidade. Somente
no decorrer do tempo, através de muita luta e reivindicações dos movimentos sociais,
começaram a surgir a representatividade de todos os segmentos nos mais diversos espa-
ços da sociedade brasileira.
Diante desses fatos, é primordial o entendimento que uma educação não somente
antirracista, como decolonial, para trilhar o caminho da justiça social e dignidade da

82
pessoa humana. É preciso romper com o sistema que ainda privilegia somente os saberes
oriundos da Europa em detrimento dos demais continentes.
Conforme pontua Oliveira (2016), a modernidade foi inventada a partir da colo-
nialidade e sua violência sistêmica. Em outros termos, conquistada a América, as classes
dominantes europeias inventaram que somente sua razão era universal, negando a razão
do outro não europeu. Ainda segundo Oliveira (2016):

Um pensamento crítico a partir dos subalternizados pela modernidade ca-


pitalista e, na esteira dessa perspectiva, a tentativa de construção de um
projeto teórico voltado para o repensamento crítico e transdisciplinar, ca-
racterizando-se também como força política para se contrapor às tendên-
cias acadêmicas dominantes de perspectiva eurocêntrica de construção do
conhecimento histórico e social (OLIVEIRA, 2016, p. 1).

A pedagogia decolonial é a ligação entre a interculturalidade crítica e campo edu-


cacional, é mais do que uma intervenção pedagógica, mas principalmente política na
busca por uma reinvenção da sociedade. A pedagogia decolonial expõe colonialismo
que, segundo Oliveira (2016, p. 03), “construiu a desumanização dirigida aos subalter-
nizados pela modernidade europeia”. Dessa forma, ela nos propõe uma crítica teórica à
geopolítica do conhecimento. Para Walsh (2009) a pedagogia decolonial acarreta

[...] em um trabalho de orientação decolonial, dirigido a romper as


correntes que ainda estão nas mentes, como dizia o intelectual afroco-
lombiano Manuel Zapata Olivella; desescravizar as mentes, com o dizia
Malcom X; e desaprender o aprendido para voltar a aprender, como
argumenta o avô do movimento afroequatoriano Juan García. Um tra-
balho que procura desafiar e derrubar as estruturas sociais, políticas e
epistêmicas da colonialidade – estruturas até agora permanentes – que
mantêm padrões de poder enraizados na racialização. No conhecimen-
to eurocêntrico e na inferiorização de alguns seres como menos huma-
nos (WALSH, 2009, p. 24).

Para Carmo (2020), a perspectiva pedagógica decolonial vai além dos sistemas
educativos, dos processos de ensinar e de aprender, é uma ação política cultural que
envolve, inclusive, os espaços não formais de educação e nos leva a construir outras
pedagogias além da hegemônica. Ultrapassa a denúncia aos grilhões coloniais e nos per-
mite a construção de outras formas de pensar, outras formas de construir conhecimento,
abrindo espaço para aqueles conhecimentos marginalizados e invisibilizados pela colo-
nialidade do saber e do poder. Para esta autora, uma pedagogia decolonial exige pen-
samentos que partam dos sujeitos subalternizados pela violência da colonialidade tais
como negros, mulheres, indígenas, homossexuais, entre outros.

83
Diante do exposto, cabe a nós perguntar: é possível desenvolver uma pedagogia
antirracista e decolonial na educação brasileira hoje? A resposta para essa pergunta é
sim, pois temos produção intelectual, luta, movimentos sociais e legislações que podem
endossar a produção de um modelo de educação que subverta a ordem vigente e con-
temple as diferenças sem que estas sejam associadas à inferioridade.

Legislação educacional antirracista e decolonial brasileira

O centenário da Abolição foi uma data oportuna para o Movimento Negro ques-
tionar a visão do Estado brasileiro referente às relações raciais no Brasil. Conforme Silva
e Barbosa (1997), juntamente com as denúncias de desigualdades raciais na educação,
surgiram iniciativas do Movimento Negro e de outros segmentos da sociedade, no sen-
tido de desenvolverem projetos educativos que buscavam pôr em prática perspectivas
pluriculturais e antirracistas, no sistema educacional brasileiro.
Na Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia
e as Formas Conexas de Intolerância, também conhecida como Conferência de Durban,
(África do Sul, 31 de agosto a 07 de setembro de 2001) - uma das propostas defendidas
e aceitas pelo governo brasileiro foi a de se introduzir no currículo escolar a disciplina
“História Geral da África e do Negro no Brasil”.
Essa proposta dos Movimentos Negros, só veio a ser atendida e se tornar Política
Pública de Estado, em 09 de janeiro de 2003, a partir da assinatura da Lei 10.639/03, de-
rivada do Projeto de Lei nº 259, apresentado no ano de 1999 pela deputada Esther Grossi
e pelo deputado Benhur Ferreira.
A Lei nº 10.639/03, promulgada pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da
Silva, em 09 de janeiro de 2003, altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
LDB nº 9.394/96. A seguir, o artigo 26:

Art. 26-A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e


particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-
-brasileira.
§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá
o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil,
a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e po-
lítica pertinente à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas
áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileira (BRA-
SIL,2003).

84
Após a aprovação da Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003), tímidas iniciativas foram
surgindo por parte de secretarias, educadores, gestores e sociedade civil. O desafio
ainda continua sendo o de colocar essa Lei em prática, de maneira eficaz e adequada,
na vida e no cotidiano das escolas brasileiras. Como afirma Munanga (2003), as leis
existem, mas há dificuldades para que funcionem. Primeiramente é preciso formar
os educadores, porque eles receberam uma educação eurocêntrica. A África e os
povos indígenas eram deixados de lado e a história do negro no Brasil não terminou
com a abolição dos escravizados. Não é apenas de sofrimento, mas de contribuição
para a sociedade.
A Lei nº 10.639/03 é regulamentada pelo Parecer n.º 03/04, homologado em 19 de
maio de 2004, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
(2004). As Diretrizes são orientações de como a Lei deve ser implementada que, segundo
Onofre (2008), faz parte de um conjunto de ações afirmativas que devem ser assumidas
pelo Governo Federal e por toda a sociedade, representadas nas diversas instâncias, as-
sumindo uma agenda de compromisso no combate ao racismo e no reconhecimento do
povo negro como constituinte da nação brasileira.
O Parecer n.º 03/04 do CNE prevê o ensino da História da África, de forma
positiva, buscando não enfatizar as questões relacionadas aos aspectos negativos. A
Lei determina que as disciplinas e seus conteúdos devam abordar o estudo da Histó-
ria da África e dos africanos, a cultura negra brasileira, a importância dos/as negros/
as na formação da sociedade brasileira, a luta do povo negro/a no Brasil e o papel
fundamental que os negros desempenharam e desempenham nas áreas econômica,
social e política. Essa indicação se deve principalmente ao fato de que o/a aluno/a
negro/a precisa, desde a infância, formar sua identidade. Sendo considerada como
um processo contínuo, construído pelos negros/as em diversos espaços institucio-
nais ou não, pelos quais circulam, essa identidade negra também é construída na
escola, durante a trajetória desses sujeitos. Para Gomes (2005), a escola tem a res-
ponsabilidade social e educacional de compreender sua complexidade, respeitando
as outras identidades construídas pelos sujeitos no âmbito escolar, lidando com ela
de maneira positiva.
Como desdobramento de uma aposta na educação para a diversidade e diferença,
a Lei nº10.639/2003 representa um dos mais significativos elementos no avanço das lutas
antirracistas e que tem, como particularidade, gerar maior problematização sobre as in-
justiças promovidas pelo sistema educacional. O Parecer n.º 03/04 afirma que:

Pedagogias de combate ao racismo e a discriminações elaboradas como ob-


jetivo de educação étnico-raciais positivas têm como objetivo fortalecer en-
tre os negros e despertar entre os brancos a consciência negra. Entre os ne-
gros, poderão oferecer conhecimentos e segurança para orgulharem-se da

85
sua origem africana; para os brancos, poderão permitir que identifiquem
as influências, a contribuição a participação e a importância da história e
da cultura dos negros no seu jeito de ser, viver, se relacionar com outras
pessoas, notadamente as negras (BRASIL, 2004).

Nessa perspectiva, podemos apontar a Lei 10.693/03, o parecer n° 03 de 2004 e as


Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2004) como resultados de um
modo de se enfrentar os lugares fixos reservados para os que, antes, ocupavam apenas
algumas alas da “Casa Grande” nas representações construídas sobre a população negra
brasileira. Esse aparato legal aponta para a necessidade de discutir e reconhecer a his-
tória do povo negro, o papel imprescindível que ela desempenha e valores civilizatórios
que os negros trazem na cultura, na dança, na literatura, na poesia na música, na culiná-
ria e na política.
Segundo Onofre (2008), as conquistas provenientes da implementação da Lei
nº 10.639/03, fruto das reivindicações do Movimento Negro Unificado (MNU) de
todo o país, devem servir de exemplo para as novas gerações que devem perceber
que a Lei, se não for implementada corretamente e colocada em prática com o apoio
das Secretarias de Educação de cada Estado e Município, tornar-se-á letra morta.
Portanto, concordamos com Onofre (2008) quando afirma que cabe aos educadores,
educandos, corpo diretivo da escola, bem como familiares e à comunidade civil or-
ganizada a responsabilidade pela fiscalização e acompanhamento da aplicação da Lei
nº 10.639/03, contribuindo, assim, para a disseminação de conceitos e práticas edu-
cativas que auxiliem no combate ao racismo e preconceito racial, ainda sutilmente
presentes na sociedade brasileira.

Educação Quilombola

Ao falar de Educação Quilombola, segundo Fernandes (2017), estamos nos refe-


rindo a uma modalidade emergente de educação, capaz de oferecer condições de con-
templar as especificidades e particularidades de grupos quilombolas. Essa modalidade
é parte das reivindicações dos movimentos Negros e Quilombolas desde 1995, quando
ocorreu o Encontro Nacional Quilombola, por ocasião da Marcha Zumbi realiza pelo
Movimento Negro, em Brasília. Desse ano em diante foram criadas ações na defesa dos
interesses das comunidades quilombolas, sobretudo no que diz respeito à educação.
Conforme pontua Nilma Lino Gomes:

Na agenda das lutas do movimento negro no Brasil, a questão quilombola


foi se tomando cada vez mais marcante, com a participação de lideranças
quilombolas que explicitavam a especificidade das suas demandas, sobre-

86
tudo em torno de uma educação escolar que se realize em nível nacional
e, de fato, contemple não só a diversidade regional na qual a população
quilombola se distribui em nosso país, mas, principalmente, a realidade
sócio-histórica, política, econômica e cultural desse povo. Uma realidade
que tem sido invisibilizada ao longo da história da política educacional
(BRASIL, 2011, p. 3).

Com a promulgação da Lei nº 10.639/03, foi possível o reconhecimento e a legiti-


mação dos conhecimentos africanos e afro-brasileiros na educação brasileira. As mobili-
zações do movimento negro e quilombola intensificaram-se, reivindicando a implemen-
tação da lei e também de uma educação diferenciada que atendesse as necessidades das
comunidades quilombolas. No que diz respeito à Lei 10.639 e à educação quilombola, o
Parecer 003/2004 prevê ações voltadas às comunidades remanescentes de quilombos que
se alinhem ao movimento próprio da dinâmica das mesmas.
No ano de 2010 foi criado o Parecer 07/2010 (BRASIL, 2010) que institui as Di-
retrizes Curriculares Gerais para a Educação Básica, inserindo a Educação Escolar Qui-
lombola como modalidade de ensino. Segundo o documento, a

[...] Educação Escolar Quilombola é desenvolvida em unidades educacionais


inscritas suas terras e cultura, requerendo pedagogia própria em respeito à
especificidade étnico-cultural de cada comunidade e formação especifica de
seu quadro docente, observados os princípios constitucionais, a base nacio-
nal comum e os princípios que orientam a Educação Básica brasileira. Na
estruturação e no funcionamento das escolas quilombolas devem ser reco-
nhecida e valorizada sua diversidade cultural (BRASIL, 2010, p. 42).

Diante das muitas mobilizações dos movimentos sociais, reuniões, eventos e de-
bates realizados com as instituições governamentais, como as secretarias de educação,
Ministério da Educação, universidades, entre outros, efetivou-se a conquista da educação
escolar quilombola em 2012, com a promulgação da Resolução nº 8 de 20 de novembro,
que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola
na Educação Básica que teve como relatora Nilma Lino Gomes. As Diretrizes devem
fundamentar-se, informar-se e alimentar-se:

a) da memória coletiva;
b) das línguas reminiscentes;
c) dos marcos civilizatórios;
d) das práticas culturais;
e) das tecnologias e formas de produção do trabalho;
f) dos acervos e repertórios orais;

87
g) dos festejos, usos, tradições e demais elementos que conformam o patri-
mônio cultural das comunidades quilombolas do país;
h) da territorialidade (BRASIL, 2012, p. 3).

A proposta de educação escolar quilombola reconhece e propõe a utilização dos


conhecimentos, da cultura e da organização social das comunidades quilombolas. Um
dos objetivos é assegurar que as escolas que atendem alunos quilombolas, instaladas em
território quilombola ou não,

[...] considerem as práticas socioculturais, políticas e econômicas das co-


munidades quilombolas, bem como os seus processos próprios de ensino-
-aprendizagem e as suas formas de produção e de conhecimento tecnológi-
co (BRASIL, 2012, p.04).

A Educação quilombola questiona a pretensão universal dos conhecimentos que


fazem parte dos currículos escolares, que se interligam à colonialidade do saber, do ser
e do poder. Para Ribeiro (2018), como representação de uma pedagogia decolonial, a
educação escolar quilombola, baseada na interculturalidade, na tradução intercultural
e na ecologia de saberes, deve questionar constantemente as formas de subalternização,
desumanização, opressão e os padrões de poder que invisibilizam as diferentes formas
de saber e de ser.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O Colégio Estadual Doutor Milton Santos, nome esse de suma importância,


pois, faz jus a um grande intelectual das ciências humanas, cuja contribuição para
área da geografia e área afins é bem expressiva e significativa, sendo um destaque e
orgulho para todos os moradores do entorno da Escola. Para ilustrar, segue trecho
do PPP:

A condição de escola quilombola trouxe para a comunidade escolar e do


seu entorno, o sentimento de pertencimento com a cultura negra, culmi-
nando na valorização e preservação da sua história. Fato que desencadeou
na comunidade o desejo de homenagear a cultura negra através do nome
de uma personalidade negra para batizar a escola. Assim a escola ora deno-
minada Colégio Estadual Duque de Caxias passou a ser denominada Colé-
gio Estadual Dr. Milton Santos, intelectual negro e baiano que empresta o
seu nome, não apenas para denominar uma escola, mas como significado
de pertencimento dessa comunidade com a sua história e preservação do
legado africano (PPP, 2013; p. 05).

88
O Colégio está situado no Barro Preto na Cidade de Jequié – Bahia, tendo seu re-
conhecimento pela Fundação Palmares desde o ano de 2007, contribuindo no caminho
de uma educação antirracista e decolonial. Ao analisar PPP é possível verificar o enten-
dimento e, ao mesmo tempo, grande relevância referente às relações étnico-raciais que
são desenvolvidas. O Colégio está inserido numa comunidade remanescente quilombola,
consequentemente seu público são pessoas oriundas desse mesmo perfil, que apresentam
suas etnias, ancestralidade e legados acumulados ao longo dos tempos. Por isso, o currículo
contextualiza os aspectos sociopolítico do entorno do Colégio, os saberes da comunidade,
a tradição da oralidade, o respeito aos valores e costumes acumulados e preservados pelos
mais velhos. Isso tudo possibilita a garantia da responsabilidade social e compromisso do
Colégio Doutor Milton Santos para com a comunidade. Trabalha também na visão de prá-
tica pedagógica em cinco pontos na perspectiva interétnica, tais como:

• Aspecto histórico;
• Aspecto culturológico;
• Aspecto antropobiológico;
• Aspecto psicológico;
• Aspecto sociológico.

Todos esses aspectos se unem e caminham para o combate ao racismo e o et-


nocentrismo que eventualmente também acontecem na escola. Os projetos criados e
trabalhado ao longo do ano letivo visam justamente a valorização plena de todos que
compõem o corpo discente, favorecendo a visibilidade da negritude e suas raízes como
marca de resistência, dignidade e cidadania. Reconhecendo a importância da Educação
como uma mola propulsora para o desenvolvimento de competências e habilidades ne-
cessárias ao ser humano, os

[...] projetos são frutos de muito entusiasmo. É a certeza de poder oportu-


nizar o experimentar saberes com diferentes metodologias e em diferentes
ambientes. A educação pública em especial nas comunidades quilombolas
é um desafio para toda a sociedade local e escolar. A equipe Milton Santos
assume o desafio de proporcionar ao quilombola uma educação que pro-
mova a igualdade de oportunidade, que o leve a fazer a passagem/trans-
formação de homem e mulher para cidadão e cidadã brasileiro (a), com
direitos e deveres, principalmente, com a ação de tomada em relação ao
protagonismo histórico ( PPP, 2013, p. 32).

Além disso, tem também as disciplinas específicas do Colégio, como: Estudos


Baianos no Ensino Fundamental II e Cultura Regional no Ensino Médio, as quais visam

89
justamente contribuir positivamente na formação de ideias e consolidação de pensa-
mentos dos educandos sobre a História e Cultura afro–brasileira, pois, a proposta desses
componentes curriculares é desenvolver estratégias e criar novos valores sobre a negri-
tude através de todos os conteúdos trabalhados ao longo do ano letivo. Tendo em vista
também os estereótipos que ainda são presentes no convívio social sobre os estudantes,
essas disciplinas específicas auxiliam diretamente para o entendimento mais profundo
das dimensões do ser negro e negra, considerando também a luta e bravura do contexto
histórico e suas conquistas e legados. Consequentemente, a formação de consciência
política e emancipatória sobre a ancestralidade e etnia, reconhecimento de atributos e
potencialidades nas relações interpessoais como forma de empoderamento de sua iden-
tidade sem qualquer sentimento de inferioridade.
A formação de identidade do educando é construída ao longo de um tempo e de
várias experiências, interação, socialização e espaços compartilhados. Uns dos pilares
fundamentais é a autoestima, a capacidade e consciência que assume de si mesmo, seus
valores e importância na vida como todo. O colégio citado contribui bastante para a efe-
tivação de todo esse processo, através de uma pedagogia antirracista e decolonial em que
os conhecimentos referentes ao legado africano, história do povo negro, suas conquistas e

feitos são compartilhados de forma proximal.

As ações da escola desenvolvem a revisão de valores para com a cultura


africana e afro-brasileira. É um processo lento já que por muitos séculos
sofreu o processo de degradação e exclusão onde todos foram obrigados ao
branqueamento cultural, ou pelo menos a não revelação de sua cultura e de
seus rituais religiosos (PPP, 2013; p. 32).

A diferença existente em cada ser humano não pode ser motivo de ações discri-
minatórias, desumanizando a pessoa e atribuindo estigmas que ferem até a alma. A le-
gislação que trate das relações étnico-raciais na educação foi um marco primordial, uma
necessidade e cobrança do movimento negro, pois, era preciso que todos de fato fossem
representados, mostrassem suas culturas sem quaisquer receios ou censura por parte de
ninguém.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho exposto teve o objetivo de contribuir para uma maior compreensão e


conscientização de uma Educação pautada na perspectiva antirracista e decolonial.
Baseado na análise do PPP do Colégio Estadual Doutor Milton Santos, percebeu-
-se o quanto um currículo respaldado na pedagogia antirracista pode favorecer na for-
mação sociocultural dos educandos no espaço escolar, pois, infelizmente a educação bra-
sileira foi conduzida historicamente pelo viés eurocêntrico, visando somente os feitos e

90
contribuições do povo europeu, como ideário de saber absoluto, válido e legitimado. Isso
tudo gerou ao longo dos anos, sérios prejuízos aos educandos enquanto seu processo
de formação, da construção de identidades, maturidade enquanto cidadãos politizados,
críticos e empoderados de marcas ancestrais.
A garantia da lei 10.639/2003 propiciou a quebra de paradigmas na Educação das re-
lações étnicas – raciais, abriu caminhos para o resgate e protagonismo de um dos principais
agentes da História do Brasil, da cultura brasileira e todas as suas manifestações. Nessa pers-
pectiva, o ensino de História e Culturas Afro – brasileira passa a ser obrigatório em todo siste-
ma educacional brasileiro. O valor e o legado da negritude tornam-se elementos primordiais
também dos assuntos ministrados em sala de aulas, e não somente algo secundário explana-
do eventualmente sem qualquer direcionamento na pedagogia antirracista e decolonial.
Sendo assim, é mais que necessário um entendimento da legislação educacional
brasileira antirracista e decolonial. É vital a sua implementação e, consequentemente,
sua prática por todos/as que vivem a educação brasileira. Em razão disso, o racismo es-
trutural, preconceitos e discriminações que porventura aconteçam, serão evitados e/ou
minimizadas na sociedade brasileira. É justamente na área da educação que deve iniciar
a propagação desses assuntos, desconstruindo ideias e pensamentos que foram interna-
lizados por gerações na mente das pessoas e no imaginário social brasileiro, Assim, ser
eliminando os estereótipos e estigmas que ainda imperam sobre o/a negro/a.

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INTRODUÇÃO

Para início de reflexão, primeiramente levamos em conta a seguinte pergunta:


onde estão as “cientistas”, pesquisadoras? filósofas? Essa indagação provoca inquieta-
ções acerca do quantitativo de autoras estudadas na escola, enfatizando as aulas de filo-
sofia sobre a ausência de trabalhos de filósofas nas grades curriculares e o silêncio ins-
titucionalizado. Percebendo, dessa forma, a ausência de mulheres filósofas, esse estudo
tem o objetivo de levantar, refletir e apresentar os discursos filosóficos científicos produ-
zidos por mulheres, com ênfase em duas estudiosas que, no seu tempo, contradisseram
o viés excludente de anos de história.
Esta pesquisa propôs a reflexão sobre a luta de duas filósofas por igualdade de
direitos individuais, sociais e políticos sobre como o discurso masculino se tornou
referência na busca pelas grandes verdades. Mesmo reconhecendo a filosofia como
a ciência primeira, disciplina reflexiva e questionadora, o silêncio predominou ao
longo de anos.
Nessa perspectiva, evidenciamos que a ausência feminina na história da filosofia
e nos ambientes acadêmicos não é tão grande quanto parece. Embora, à primeira vista,
se perceba certa invisibilidade devido ao patriarcado na esfera científica, o que ocor-
re (como mostrado nos trabalhos abordados aqui) é que a presença de mulheres, suas
obras e contribuições foram obscurecidas e/ou deixadas de lado.
Para Federici (2017), essa invisibilidade foi fortalecida pela impossibilidade de as
mulheres terem seu próprio dinheiro, ocasionando condições materiais para sua sujei-
ção aos homens e para a apropriação de seus bens, heranças e ganhos.
Levando em consideração que a filosofia é uma disciplina que preceitua e tem
por propósito promover a reflexão por meio das inquietações na busca por respostas,
considera-se justo e necessário incorporar a esta tradição também a contribuição de
intelectuais femininas. Desse modo, buscou-se, nesta pesquisa, promover a reflexão e
investigação sobre a presença feminina na filosofia.

95
Para tanto, a abordagem foi qualitativa, exploratória e de cunho bibliográfico que,
por sua vez, tem sido constantemente recorrido em estudos dirigidos para a compre-
ensão da vida humana em grupos, em campos como antropologia, sociologia, filosofia,
psicologia, dentre outros das ciências sociais (DENZIN e LINCOLN, 2000).
O estudo teve como objeto principal de análise excertos da produção de duas filó-
sofas: a inglesa Mary Wollstonecraft (1759-1797), cuja obra “Reivindicação dos direitos
das mulheres” (Vindication of Women Rigths), escrita em 1792 e traduzida no Brasil ape-
nas em 2016, ao mesmo tempo que é uma obra precursora e referência para as lutas das
mulheres pelos seus direitos; e a brasileira Nísia Floresta (1810-1885), divulgadora no
Brasil das ideias da inglesa e importante representante da luta das mulheres por igualda-
de de condições sociais, educacionais e políticas. Com embasamento nesses textos e na
bibliografia de apoio, buscou-se compreender a suposta ausência da mulher na história
da filosofia, suas causas e consequências.
A revisão literária desta pesquisa parte das temáticas em questão na busca siste-
mática pelo que já foi produzido e publicado referente à inserção do conteúdo desen-
volvido. Nessa busca realizaram-se leituras, reflexões e críticas referentes ao tema e que
puderam mostrar que diversos fatores, como feitios culturais e sociológicos, interferiram
para o afastamento das mulheres da planície da racionalidade, negando-as o direito ao
acesso a uma educação que não fosse submetida aos afazeres do lar ou a agradar os mari-
dos. Os conteúdos e metodologias ponderadas como próprias do conhecimento racional
não constavam na educação que lhes era oferecida, consequência da misoginia que en-
fraquecia ainda mais suas participações sociais, como veremos adiante.
A presença feminina na história da filosofia é um fato, mesmo que ocultado pela
história. Seja abordando temas tradicionais e clássicos, seja trazendo novas temáticas e
novos conceitos, o espaço que as mulheres preenchem no panorama filosófico ao longo
da história da filosofia até a contemporaneidade tem, a nosso ver, um peso relevante e
merece um protagonismo como objeto de estudo.
Nesse sentido, entende-se uma necessidade de torná-las conhecidas não só por um
público especializado, mas também por um público leigo, pois seus clamores e reivindi-
cações ao longo das épocas foram ininteligivelmente silenciados. Isto explica de alguma
forma a importância do tema de estudo: ressaltar obras que mostram que existiram e
existem mulheres estudiosas na história da filosofia, cujas ricas contribuições e reflexões
apresentaremos adiante. Além disso, objetivamos também, através da restauração dessas
vozes femininas, criar, incentivar e desenvolver em outros discentes o interesse em co-
nhecer os estudos destas mulheres ao longo da história.
A escolha do tema deste estudo tem ligação direta com a vida escolar e acadêmica
dos autores deste trabalho, diante do estranhamento e posterior questionamento sobre a
ausência de trabalhos de filósofas nos componentes curriculares. Não foi vivenciado em al-
gum momento da trajetória escolar/acadêmica, anterior à pós-graduação no IFBA-Jequié,

96
o estudo de obras produzidas por mulheres na história da filosofia*. Essa suposta ausência,
ou ainda suas causas e consequências levaram a um estudo sobre educação, focado em
duas autoras feministas. O estudo busca esclarecer o papel e a importância das autoras
abordadas, tanto no contexto em que estão inseridas quanto a influência que exerceram na
luta das mulheres por direitos.
Sobre a metodologia, é uma análise qualitativa e bibliográfica sobre a presença
feminina na história da filosofia, a partir das reflexões das filósofas Mary Wollstonecraft
e Nísia Floresta sobre educação. Com essa metodologia, tem-se como questão de pes-
quisa: qual a concepção das autoras estudadas sobre a suposta ausência das mulheres na
história da filosofia, a principal causa e o caminho proposto por elas para solucionar o
problema?
Para tanto, tem-se como objetivo geral apresentar os principais argumentos das
autoras estudadas para se compreender a situação de opressão vivida pelas mulheres em
seus respectivos contextos e o caminho apontado por elas para a solução do problema.
Os objetivos específicos são:

• Identificar nas passagens selecionadas, os elementos socioculturais que, se-


gundo as autoras consideradas, impulsionaram a desigualdade de gênero den-
tro da filosofia;
• Apresentar através da valorização e análise detalhada da argumentação das
autoras, a voz feminina que se levanta contra a misoginia sofrida;
• Mostrar que uma das faces dessa misoginia é a proibição ao acesso a uma
educação justa, ampla e abrangente que permita a mulher um pleno desenvol-
vimento de todas as suas capacidades, não apenas as de mãe, esposa ou dona
de casa.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Difundiu-se ao longo do tempo a ideia de que há poucas figuras femininas na


história da filosofia. Os poemas individuais de Alexander Pope (1688-1744)**, por exem-
plo, guardavam para a mulher um lugar inferior na sociedade. Essa misoginia reverbe-
rou para os espaços acadêmicos onde são raras as professoras e alunas nesse meio. Esse
ofuscamento das mulheres e de suas contribuições na história das reflexões filosóficas se

* Durante as aulas de Filosofia da Educação, um dos módulos da pós-graduação para a qual o presente trabalho
representa o trabalho final, estudamos trechos de obras de duas importantes filósofas: “Reivindicação dos direitos
da mulher”, de Mary Wollstonecraft; além do capítulo “A crise da educação”, presente no livro “Entre o passado e
o futuro”, com autoria de Hannah Arendt.

** Ensaios Morais (também conhecidos como Epístolas a Várias Pessoas) é uma série de quatro poemas sobre as-
suntos éticos de Alexander Pope, publicados entre 1731 e 1735.

97
estende do passado até os dias atuais. Apesar do desprezo sofrido pela mulher ao longo
da história da filosofia, pela misoginia e pela ausência de inclusão educacional, o tema
“mulher” foi abordado por muitos pensadores, mas quase sempre com sentido pejora-
tivo. Um exemplo é o caso de Aristóteles para quem “[...] as mulheres devem se casar
quando têm cerca de 18 anos de idade, e os homens com 37; então eles estão no auge de
sua vida, e o declínio dos poderes de ambos coincidirão [...]”***.
Para Aggio (2017), as regras do ser ou do tornar-se mulher vem de longa data,
bem sabemos. Esta história de opressão da mulher não poderia ter manchado a pena dos
filósofos, pois mesmo que uma obra seja filosófica por ir para além de seu tempo, ela não
deixa de ser uma obra de seu tempo.

[...] Começo por Aristóteles. O filósofo Estagirita nos disse que a mulher
é um desvio necessário da natureza, ou seja, ela é imperfeita por ser capaz
de exercer a essência da humanidade, a deliberação, apenas no âmbito do-
méstico e sem voz de mando ou autoridade, enquanto o homem seria capaz
de exercê-la plenamente, nos âmbitos privado e público e com autoridade
(AGGIO, 2017, p.12).

Desse modo, há séculos, a população composta por mulheres ainda está ligada ao
espaço familiar, sem visibilidade e não existência no espaço coletivo. A imagem histórica
da mulher contida na "prisão", ou seja, em casa, também ajuda a produzir um sentido
de que não existem filósofas, cientistas e escritoras. Tais discursos são construídos de tal
forma que os homens, portadores da palavra (filósofos, cientistas, historiadores, cléri-
gos), baseados apenas na substância das palavras construídas na história, pensem que os
temas femininos são inferiores aos masculinos.
Segundo Araújo e Araújo Júnior (2020)****, o despotismo patriarcal, desde a so-
ciedade grega, impulsionava as mulheres para longe da filosofia e para perto do lar com
obrigações monótonas. A mulher, durante muito tempo, não era considerada cidadã,
sua função era a reprodução, a criação dos filhos e a produção de bens de subsistências
como: fiação, tecelagem e alimentação. As outras atividades consideradas mais nobres,
como filosofia, política e artes, eram destinadas aos homens, ou seja, funções eminente-
mente masculinas. Aquelas que revelassem discordâncias com o sistema patriarcal eram
consideradas meretrizes e mundanas.
Ainda é importante enfatizar que os estudiosos apontam que, apesar desse pres-
suposto, o fato é que as mulheres foram escondidas dessa construção ao terem sua
singularidade e pluralidade ocultadas pela dominação masculina, fruto do patriarcado
que diminuiu sua participação em dar forma ao mundo pelo discurso e pelo diálogo,

*** ARISTÓTELES, Política VII, 16, 1335a28-34 apud MARTINS, 2015, p. 01

**** ARAÚJO, Iron Mendes; ARAÚJO JÚNIOR, Iron Mendes 2020, p.109.

98
inclusive na própria filosofia. Isso é evidenciado nos discursos dos filósofos sobre as
mulheres, eivado de gracejos e de linguajar que desqualificava a produção e a aptidão
das mulheres na filosofia.
Ao perpetuar a dominação masculina, as mulheres receberam como prê-
mio a invisibilidade. Contudo, estudos sobre as mulheres aparecem em obras me-
nos conhecidas, as quais tratam de temas relacionados à moral, o que certamente
contribuiu para que a questão da discriminação da mulher passasse despercebida
(ANDRIOLI, 2010).

Os exemplos são muitos e não vale a pena ficar aqui citando o que a maior
parte dos filósofos falaram das mulheres. São suficientes os exemplos dados
de filósofos de peso – Aristóteles, Rousseau, Kant, Schopenhauer e Nietzs-
che. A filosofia, feita majoritariamente por homens, fala das mulheres com
ressentimento, preconceito e agressividade (AGGIO, 2017, p. 16).

Aggio (2017) afirma que é preciso que recordemos da existência de mulheres fi-
lósofas por todo o período da história, inclusive na Grécia Antiga, mas que pouco ou
nada restou de seus escritos. O fato de as mulheres não estarem presentes na maior parte
das obras, não quer dizer que elas não contribuíram para o desenvolvimento das ideias
filosóficas e culturais em geral.
Desse modo, mesmo que a mulher tenha sido menosprezada na história da filoso-
fia, o tema “mulher” foi abordado por muitos intelectuais. Obras de importantes filóso-
fos como Platão, Aristóteles e Kant apontam a diferenciação entre os gêneros. Todavia,
estudos sobre as mulheres estão em obras menos populares, as quais conceituam temas
relacionados à moral, o que, indubitavelmente, colaborou para que a misoginia em rela-
ção à mulher fosse estática (ANDRIOLI, 2010).
Nesse contexto, levado em culminância, elas foram educadas para depender dos
juízos dos maridos, pais ou irmãos, e para executarem ocupações domésticas. Foram-
-lhes negados todos os privilégios políticos e educacionais, sendo assim, mantidas em
um “estado de minoridade”, ou seja, na “incapacidade de se servir de seu próprio enten-
dimento sem a tutela de outro”*****.
A obra “O Segundo Sexo”  (1949), da filósofa francesa Simone de Beauvoir
(1908-1986), que segue fundamentando as narrativas feministas até hoje, tenta que-
brar com o laço apontado acima, mostrando que a feminilidade é um espectro amplo
e que esse conceito de "sexo frágil" não representa a mulher moderna e independen-
te, que não usa o homem como sua pilastra, mas que é dona de si mesma e de suas
decisões.

***** Kant, 2013, p.63.

99
Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psí-
quico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da
sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermedi-
ário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino (BEAUVOIR,
1967, p.09).

Nessa perspectiva, a estudiosa incursiona a defesa e a distinção entre sexo e gê-


nero. O primeiro são os fatores biológicos, que estão relacionados à composição física e
química do corpo humano. O segundo é estabelecido pela sociedade, ou seja, o homem
ou a mulher não é um fato natural, mas uma espécie de significado expressivo e social
- ao longo da história, toda cultura criou tipos e padrões de comportamentos caracteri-
zando certo gênero.
Segundo Beauvoir (1970), no século XVIII, a liberdade e a independência das mu-
lheres aumentaram. Os princípios habituais permanecem rígidos: a jovem recebe ape-
nas uma sucinta educação, são casadas ou aprisionadas em um mosteiro sem o próprio
consentimento. A burguesia, classe em elevação e cuja existência se consolida, obriga à
esposa uma moral severa, sem educação política e em obediência ao marido. A estudiosa
salienta a concepção de que a liberdade e independência era um mérito a ser alcançado
por algumas mulheres, sob o jugo da sociedade patriarcal. Essa concessão ia além da
percepção da figura feminina, mas dos herdeiros.

A mulher é encarregada da educação dos filhos até a idade de sete anos,


quando se trata de meninos, e até o casamento em sendo meninas. A mu-
lher pode receber uma parte da herança do marido no caso de o filho não se
mostrar digno dela. Se ela é "a esposa privilegiada", no caso de lhe morrer o
marido sem deixar filho adulto, confiam-lhe a tutela dos filhos menores e a
administração dos negócios. As regras do casamento mostram claramente
a importância que tem para o chefe da família a existência de uma posteri-
dade (BEAUVOIR, 1970, p.106).

Para Campoi (2011), existem estudos filosóficos femininos que resistiram à mi-
soginia e à exclusão educacional igualitária entre homens e mulheres. No decorrer da
história, essas militantes contribuíram e participaram da história filosófica. No entanto,
o domínio da razão era prerrogativa do homem, criando certo conceito de hegemonia
masculina na ciência, que foi fortalecida no século do Iluminismo.

Os filósofos iluministas teorizaram sobre as qualidades características de


cada sexo, estabelecendo papéis, lugares e posturas de gênero que confi-
navam as mulheres ao âmbito privado. As diferenças biológicas serviam
para justificar sua inferioridade social; da análise do plano físico (com as
diferenças genéticas e sexuais) julgavam-se as faculdades intelectuais das
mulheres (CAMPOI, 2011. p.168).

100
É notória a percepção da existência da manipulação ideológica desses discursos e
seus efeitos na vida das mulheres ao longo da história. Desse modo, podemos entender
os motivos que levaram tantas mulheres a ver no elogio da maternidade a fórmula mági-
ca de fugir da circunstância desprezível em que algumas delas viviam, quando inférteis
sem parir herdeiros.
Conforme Silva (2014), as mulheres durante muito tempo estiveram ocultadas em
julgamentos equivocados e misóginos. No entanto, aos poucos, elas vão conquistando
espaço, devido as suas inquietações e lutas. Ao longo da história, suas contribuições de
diversas ordens mostram que elas sempre estiveram presentes na história da humanida-
de. Contudo, sua figura sempre foi mostrada de maneira sucinta e insignificante, subs-
tancialmente quando comparada ao homem. A autora ainda afirma que a

[...] figura das mulheres na mitologia grega é exposta na imagem das deusas Afro-
dite (símbolo do amor), Deméter (símbolo da agricultura), Hera (símbolo do
casamento), Atena (símbolo da inteligência), e outras. Apesar de haver presença
feminina na mitologia, é importante acentuar que, a deusa que representa a inte-
ligência surgiu da cabeça de Zeus. Isto demonstra a visão de que o pensamento e
a inteligência pertenciam à figura masculina (SILVA, 2014. p. 2 apud FERREIRA,
2009. p. 27).

Partindo das ideias acima, é realidade que a divisão e a consequente conceituação


apresentada por Ferreira (2009) também não são pontos pacíficos entre os estudiosos.
O que as atuais pesquisas sobre a presença de filósofas na história buscam não é com-
parar ou analisar se a filosofia produzida pelas mulheres é diferente da produzida pelos
homens, mas sim apresentar que houve e que existem produções filosóficas produzidas
pelas mulheres.
Nessa perspectiva, o silêncio se manteve ao longo de séculos, interposta por algu-
mas intervenções femininas, porém, a voz dominante da filosofia é a do sujeito masculi-
no. A convicção atual é de que à mulher é permitido uma mente e um corpo, mas não os
dois conjuntamente (FERREIRA, 2001). De acordo com essa visão, ela nunca seria vista
como um ser completo, capaz de produzir criações artísticas ou culturais, ou quando o
fizesse seria às custas de seus dons femininos. Sabe-se que, a redenção sobre a aparição
feminina na história da filosofia é discutida por meio de um indivíduo que não é o que a
representa, mas sim outro sujeito.
De todos esses problemas apontados, qual seria o maior? A misoginia histórica
que até hoje devasta e deixa pouco espaço para que apareçam as filósofas? O descrédito
que a mulher tem sobre si mesma para ser capaz de produzir obras filosóficas? O ma-
chismo presente em diversas obras canonizadas como filosóficas? A proibição ao acesso
a uma educação justa, ampla e inclusiva? Partindo dessas indicações, o presente estudo
visa contribuir no resgate da obra e do pensamento de importantes filósofas na história

101
da filosofia com ênfase em duas estudiosas do século XVIII e XIX, que lutaram contra
os obstáculos socioculturais de seu tempo que dificultavam (e por isso tornaram mais
marcantes e valiosas) sua participação na história filosófica.
Diante das assertivas apresentadas, é necessário explicitar a gigantesca invisibili-
dade das mulheres como protagonistas na história da filosofia. É indispensável também
verificar se a dominação patriarcal contribuiu para a invisibilidade das mulheres filóso-
fas. E como os discursos filosóficos dos filósofos e a ausência de direito ao acesso a uma
educação igualitária reforçaram ainda mais a invisibilidade histórica dessas mulheres.

METODOLOGIA

Esta pesquisa, de natureza qualitativa, levantou questões para compreensão de


uma indagação, não se preocupando com representatividade numérica, necessariamen-
te, mas privilegiando os estudos para entender mais sobre um determinado tema (MAR-
TINS, 2004).
Segundo Bardin (1977), para atingir os objetivos propostos, utiliza-se um plano
de pesquisa que permita analisar a presença ou a ausência de uma dada característica de
conteúdo ou de um conjunto de características num determinado fragmento de mensa-
gem que é tomado em consideração.
Enfim, a abordagem qualitativa, por sua vez, tem sido frequentemente utilizada
em estudos voltados para a compreensão da vida humana em grupos. A análise qualitati-
va não rejeita toda e qualquer forma de quantificação (BARDIN, 1977, p.115). Portanto,
para Bardin (1977), a análise de conteúdo configura-se como um conjunto de técnicas de
análise da comunicação que utiliza procedimentos e objetivos do sistema para descrever
o conteúdo dos discursos.

FEMINISMO FILOSÓFICO 
Mary Wollstonecraft

Mary Wollstonecraft (1759-1797) foi uma filósofa e defensora dos direitos das
mulheres, sendo hoje reconhecida como uma importante abolicionista inglesa e uma das
precursoras do feminismo. A estudiosa, no final do século XVIII, levantou questões so-
bre os direitos das mulheres e percebeu que a educação (ou falta dela) é a causa principal
da situação indesejada que as mulheres são submetidas, pois afirma que “se a mulher não
for preparada pela educação para se tornar a companheira do homem, ela interromperá
o progresso do conhecimento e da virtude [...]”******.

****** WOLLSTONECRAFT, 2016, p. 18.

102
A militante teve uma infância pobre, seu pai era um modesto tecelão de seda de
Londres, pai de seis filhos. Quase toda a formação intelectual foi adquirida de forma
autodidata. Araújo e Araújo Júnior (2020) afirmam que os próprios títulos de suas obras
alavancam uma preocupação com a concretude como critério dominante de suas refle-
xões filosóficas. Sua obra, “Reivindicação dos direitos da mulher” (1792), é considerada
pelos estudiosos como um dos textos pioneiros do feminismo e que teve uma grande
influência nas lutas pela emancipação das mulheres.
Tais autores apontam que o pensamento dela visa contestar o discurso dominante
que afirmava que a própria natureza determinou a subordinação da mulher ao homem.
Mary Wollstonecraft foi também uma grande defensora da igualdade de oportunidades
na educação para ambos os sexos e uma crítica severa da tese de que os homens e mulhe-
res são diferentes por natureza (ARAÚJO E ARAÚJO JÚNIOR, 2020, p. 47).
Garcia e Peinhopf (2020) refletindo sobre esses pleitos, primeiro salientam que,
durante séculos, não foi consentido às mulheres o acesso irrestrito e geral à educação.
Por seguimento, quem compunha e divulgava as convicções acerca do sexo feminino
eram homens. Desse modo, a presença e a ausência histórica das mulheres na sociedade
eram definidas e narradas pelos sujeitos do sexo masculino, isto é, filósofos, cientistas,
historiadores e clérigos.
Os pensamentos de Wollstonecraft se agregam aos valores iluministas expressos
por ideais como: liberdade, igualdade e fraternidade, já que, se desenvolvem num mo-
mento muito influenciado pelo Iluminismo. Em seus escritos, esses ideais se mostram
como uma intensa e dedicada luta pelo direito das mulheres ao acesso à educação for-
mal, à herança e ao voto.

Digo que se a Razão oferece sua sóbria luz, se as mulheres são realmente
capazes de agir como seres racionais, que não sejam tratadas como escravas
nem como animais que, submetidos ao homem, dependem da sua razão;
mas, ao contrário, cultivem sua mente, deixem que alcancem a dignidade
consciente, sentindo elas próprias que dependem apenas de Deus. Ensi-
nem‐nas, como aos homens, a se submeter à necessidade, em vez de torná‐
las apenas mais agradáveis (WOLLSTONECRAFT, 2016, p. 58).

A Razão é uma característica humana (e não apenas masculina), portanto é justo


que as mulheres tenham o mesmo direito de acesso à educação que os homens. Por que
as mulheres ocupam lugar inferior na sociedade? Não porque são inferiores aos homens,
mas porque não têm acesso à mesma formação (educação). As mulheres estão sujeitas
a inquebrantável cadeia do destino, lamenta Wollstonecraft, se for provado que elas não
devem jamais usar a própria razão, jamais ser independentes, jamais se colocar acima
da opinião comum, nem sentir a dignidade de uma vontade racional (WOLLSTONE-
CRAFT, 2016, p. 58).

103
Na luta pelos direitos da mulher, meu principal argumento baseia‐se neste
simples princípio: se a mulher não for preparada pela educação para se tor-
nar a companheira do homem, ela interromperá o progresso do conheci-
mento e da virtude; pois a verdade deve ser comum a todos ou será ineficaz
no que diz respeito a sua influência na conduta geral. Como se pode esperar
de uma mulher que ela colabore, se nem ao menos sabe por que deve ser
virtuosa? Somente a liberdade pode fortalecer sua razão, até que ela com-
preenda seu dever e veja de que maneira este está associado ao seu bem real
(WOLLSTONECRAFT, 2016, p. 18‐9).

No mesmo caminho, a filósofa critica o fato de os homens se ocuparem da


educação feminina, além disso, reforça a percepção de que as mulheres eram educa-
das tendo em vista o casamento e para que seus maridos as sustentassem. Ademais,
passando grande parte dos primeiros anos adquirindo habilidades superficiais para
o matrimônio, vistas como criaturas frágeis que servem apenas para viverem no ha-
rém, tratadas como seres frívolos e efêmeros, as mantendo em um estado de inferio-
ridade mental.

[...] Me parece que os homens agem de maneira muito pouco filosófica


quando tentam assegurar a boa conduta das mulheres, tratando de mantê-
-las sempre em um estado infantil. [...] Crianças, admito, devem ser ino-
centes; mas, quando o epíteto é aplicado a homens e mulheres, é só um eu-
femismo para fraqueza. [...] A educação mais perfeita é, em minha opinião,
um exercício do entendimento, calculado o melhor possível para fortalecer
o corpo e formar o coração. Em outras palavras, para possibilitar ao indi-
víduo alcançar tais hábitos de virtude que o tornarão independente. De
fato, é uma farsa chamar de virtuoso um ser cujas virtudes não resultam do
exercício de sua própria razão (WOLLSTONECRAFT, 2016, p. 40-2).

Já que a razão é uma característica humana (e não apenas masculina), então é


justo que as mulheres possuam o mesmo direito de acesso à educação que os homens.
A educação mais perfeita para Mary é aquela que valoriza o exercício do entendimento,
calculado o melhor possível para fortalecer o corpo e formar o coração, no entanto, sujei-
tadas pela inquebrantável cadeia do destino a se tornarem um acessório masculino para
reproduzir herdeiros, nem a prática dos exercícios físicos podem cultivar.

Amo o homem como meu companheiro, porém seu comando, real ou


usurpado, não se estende a mim, a menos que a razão do indivíduo mereça
minha homenagem – mesmo assim a submissão é à Razão e não ao ho-
mem. De fato, a conduta de um ser responsável deve ser regulada pela sua
própria razão (WOLLSTONECRAFT, 2016, p. 59).

104
A estudiosa ainda questiona autores como o filósofo iluminista Rousseau, que en-
fatiza os pensamentos de inferioridade feminina em algumas de suas obras, por exemplo,
em seu diálogo “Emílio”, ou “Da Educação”.******* Segundo a estudiosa, o respeito pela
opinião do mundo tem sido definido como o principal dever da mulher com as mais
explícitas palavras, já que Rousseau declara “que a reputação não é menos indispensável
do que a castidade”. Acrescenta ele:

Um homem seguro de sua própria boa conduta depende apenas de si mes-


mo e pode desafiar a opinião pública; mas uma mulher, comportando-se
bem, cumpre apenas metade de seu dever, pois o que se pensa a seu respeito
é tão importante para ela quanto o que ela realmente é. Segue-se disso que
o sistema de educação de uma mulher deveria, com relação a esse tema, ser
diretamente contrário ao nosso. A opinião é o túmulo da virtude entre os
homens, mas é o trono entre as mulheres (ROUSSEAU apud WOLLSTO-
NECRAFT, 2016, p. 173).

Nessa obra, o filósofo propôs que as mulheres precisam ser preparadas desde cedo
a conter os seus anseios, por isso não devem receber uma educação muito desregrada.
Para Rousseau, as mulheres penderiam à exorbitância sempre que lhes fossem conce-
didos o que quer que fosse, pois a educação delas deveria ser conduzida por homens.
Entretanto a nossa filósofa foi:

[...] Ferrenha crítica das ideias pedagógicas de Rousseau em relação às


mulheres, acusando-o de ser responsável por representar no seu Emílio
(1762), a mulher de forma subalterna na personagem de Sophie. Para ela, a
razão está presente em ambos os sexos e a mulher só é inferior ao homem
na força física (ARAÚJO E ARAÚJO JÚNIOR, 2020, p. 47).

Há, na história, outros exemplos nesse sentido. A famosa Aspásia, mulher de Pé-
ricles e professora de retórica contra a qual se insurge Platão no século IV. A Sra. Dacier,
conhecedora de grego, contra qual se insurge Kant, no Século das Luzes, são exemplos
de medo das mulheres na história. Indivíduos mais brandos, como o famoso Rousse-
au, relacionam as mulheres a Sofia, uma espécie de joia, que faz jus ao respeito e ao
apoio espiritual e emocional de seu marido representado por Emílio. Nessas condições,
acreditou-se que as mulheres fizeram trabalhos de criação intelectual ou artística e que
acumularam conhecimentos ao longo da história da filosofia, mas carregam a marca do
silêncio ou da negatividade (TIBURI, 2003).
Além disso, na perspectiva apresentada acima, recomenda-se às mulheres que não
se acostumem com a liberdade, já que, ao longo de suas vidas, terão que ser obedientes

******* ROUSSEAU, Jean J. Emílio, ou da educação. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Difel, 1979.

105
aos seus maridos. Além de uma falta de iniciativa que provém de sua educação, os costu-
mes tornam-lhe a independência difícil (BEAUVOIR, 1967, p.72).

Espero que meu próprio sexo me desculpe caso eu trate as mulheres como
criaturas racionais, em vez de adular suas graças fascinantes e considerá‐
las como se estivessem em um estado de perpétua infância, incapazes
de ficar sozinhas. Sinceramente, pretendo mostrar em que consistem as
verdadeiras dignidade e felicidade humanas. Desejo persuadir as mulhe-
res a se esforçarem para adquirir força tanto da mente quanto do corpo
e convencê‐las de que as frases suaves, a susceptibilidade do coração, a
delicadeza dos sentimentos e o gosto refinado são quase sinônimos de
epítetos de fraqueza, e de que os seres que são apenas objeto de pieda-
de e daquela espécie de amor sensual logo se tornarão alvo de desprezo
(WOLLSTONECRAFT, 2016, p. 27).

Diante das assertivas, Wollstonecraft explicita que a mulher cuja virtude se baseia
em preconceitos mutáveis, raramente alcança a grandeza da mente; tornando‐se escrava
de seus próprios sentimentos, é subjugada com facilidade pelos outros. Degradada dessa
maneira, emprega sua razão, sua confusa razão, para lustrar suas correntes em vez de
rompê‐las.

As mulheres têm sido isoladas e despojadas das virtudes que deveriam co-
brir a humanidade; sua única ambição é ser bela para provocar emoção,
em vez de inspirar respeito; e esse desejo ignóbil, tal como o servilismo nas
monarquias absolutistas, destrói toda a força de caráter. A liberdade é a mãe
da virtude, e se as mulheres são, por sua própria convicção, escravas, se não
lhes é permitido respirar o ar vivo e vivificante da liberdade, elas irão conti-
nuar a definhar como planta exótica e a ser consideradas belas imperfeições
da natureza (WOLLSTONECRAFT, 2016, p. 59).

O entendimento, a partir do exposto, ao trazer essa formulação para o campo in-


vestigativo, é que talvez seja possível a seguinte inquietação: o afastamento das mulheres
do espaço público e, por consequência, do espaço político, não teria sido uma forma de
impedir as mulheres de filosofarem? Uma vez que é de natureza da filosofia o diálogo
permanente no espaço público, cujo objetivo é se aproximar cada vez mais da verdade
das coisas. Nesse sentido, distanciar a figura feminina do espaço público é uma forma de
torná-las invisíveis, impedindo-as de filosofarem.
Para Tiburi (2003), a ausência de filósofas pode ser explicada de diferentes ma-
neiras. A primeira causa apontada é, portanto, o silêncio feminino facilmente notável na
escassa produção de obras. As mulheres filósofas são poucas e de produção quase rara
comparativamente aos homens. A autora aponta que não é possível dizer que as mu-
lheres escreveram muito para acobertar uma acusação de inferioridade intelectual, pois

106
esse argumento, mesmo frequente, não encontraria sustentação, nem é possível dizer,
entretanto, que não escrevessem ou participassem da fundação da tradição da filosofia.
Por isso, para essa estudiosa é necessário enfrentar a questão do silenciamento. Tal en-
frentamento, encontramos nos escritos da Wollstonecraft que afirmam:

A virtude se baseia em preconceitos mutáveis, raramente alcança a grande-


za da mente; tornando‐se escrava de seus próprios sentimentos, é subjuga-
da com facilidade pelos dos outros. Degradada dessa maneira, emprega sua
razão, sua confusa razão, para lustrar suas correntes em vez de rompê‐las
(WOLLSTONECRAFT, 2016, p. 134).

Araújo e Araújo Júnior (2020) mostram em seu livro, “Mulheres filósofas”, a pre-
sença de filósofas desde a antiguidade greco-romana, período medieval na Europa e no
período do Renascimento até a Idade Contemporânea. Denunciam uma certa ideologia
androcêntrica, ou seja, o homem como centro, levando muitas vezes à contextualização
do trabalho de filósofas num meio em que predominam pensamentos misóginos, de
aversão à mulher.
Para Bonfim (2021), a abordagem sobre educação nos escritos de Wollstonecraft,
a partir da sua intelectualidade, torna a filósofa uma importante embaixadora dos direi-
tos das mulheres e a situa em um lugar privilegiado, cuja extensão da obra vai para além
da Europa. No entanto, Wollstonecraft não é a única estudiosa a escrever sobre educação
no século XVIII, ou antes disso. Então, o que faz sua escrita se destacar?
O sistema patriarcal revela e contextualiza discordâncias com o fato de que mu-
lheres militantes que filosofaram fosse necessário, criticando esse tipo de teoria educa-
cional voltada para as meninas, que reivindicavam por uma educação justa.

Rebelião, resignação, independência e sujeição. Estes são alguns dos temas


que figuram nas páginas de Pensamentos sobre a Educação das Meninas:
com reflexões sobre a conduta feminina nos mais importantes deveres da
vida (sem tradução para o português) lançado pela jovem Mary Wollstone-
craft em 1787, que aos seus 28 anos, enfrentava inquietações profundas e
contradições relevantes em relação à sociedade e à sua condição de mulher
(BONFIM, 2021, p. 11).

Finalmente, Ávila (2007) sinaliza que as mulheres passaram a ter direito à educa-
ção com anuência do Estado, a partir do século XIX, podendo não ter sido uma educa-
ção de qualidade, mas influenciada pela escassez de operários mais capacitados às ati-
vidades nas indústrias, diante da Revolução Industrial na Inglaterra e a transição para
novos processos de manufatura no período entre 1760 a certo período entre 1820 e 1840,
acarretando em novas características econômicas.

107
Nísia Floresta

Nísia Floresta Brasileira Augusta (1810-1885), pseudônimo de Dionísia Gonçal-


ves Pinto, foi precursora do feminismo brasileiro, educadora, escritora e poetisa. Para a
feminista Floresta, uma das poucas presenças femininas na história da filosofia do Brasil
relativa à primeira metade do século XIX, a maior parte das mulheres se perde sob o
governo masculino ao invés de se aperfeiçoarem.
O livro “Direitos da Mulher e injustiça do homem” é um dos primeiros escritos
por uma mulher na história do Brasil; obra editada pela primeira vez no ano de 1832.
Nascida no Rio Grande do Norte, a nordestina casou-se muito cedo, se separou do ma-
rido de quem não gostava, voltou a casar e morou na França, onde conviveu com reno-
mados estudiosos do século XIX, ficando estimada por eles.
Para ela, não há motivos para as mulheres serem submissas aos homens. Mesmo
assim, as mulheres parecem ter sido condenadas por um juiz escolhido pelos homens,
um velho delirante, muito apegado ao seu próprio modo de pensar para aceitar o de sua
mulher.********

Tanto é assim que se pode entrever, para além de seus discursos, ou


os interesses do capitalismo em reorganizar as relações de classe e de
sexo, ou a imposição da nova ordem higiênica, ou o assentamento ide-
ológico da família burguesa, ou ainda, e, simplesmente, o interesse dos
misóginos em manter as mulheres afastadas de seu campo de atuação
(FLORESTA, 1989, p.22).

Nada ou quase nada tem se visto fazer para remover os obstáculos que retardam
os progressos da educação das nossas mulheres, a fim de que elas possam vencer as tre-
vas que lhes obscurecem a inteligência e conhecer as doçuras infinitas da vida intelectual,
a que têm direito as mulheres de uma nação livre e civilizada (FLORESTA, 1989 p.113).

Em uma palavra, mostremos-lhes, pelo pouco que fazemos sem o socorro


da educação, de quanto seríamos capazes se nos fizessem justiça. Obrigue-
mo-los a envergonhar-se de si mesmos se é possível, à vista de tantas injus-
tiças que praticam conosco, e façamo-los enfim confessar que a menor das
mulheres merece um melhor tratamento de sua parte, do que o que hoje
prodigalizam a mais digna dentre nós (FLORESTA, 1989, p.107).

Segundo a filósofa, o cérebro feminino é perfeitamente igual ao masculino, rece-


bendo as mesmas impressões e formando as mesmas ideias pela imaginação e memória.

******** FLORESTA, Nísia Brasileira Augusta. Direitos das mulheres e injustiça dos homens. 4 ed. São Paulo:
Cortez Editora, 1989.

108
A educação moral, de que tenciono aqui falar, falta geralmente por toda
parte: por toda parte é esboçada, não sendo em parte alguma levada a cabo.
Daí a origem e a causa capital de todos os males morais que afligem, e afli-
girão ainda por muito tempo o gênero humano (FLORESTA, 1997, p. 111).

Desse modo, só pode ser por uma inveja baixa e indigna que os homens privam
as mulheres das vantagens a que elas têm um direito tão natural quanto eles. A figura de
Nísia como filósofa permaneceu obscura por muito tempo entre nós, mas sua trajetória
e suas obras possuem muita relevância na história da filosofia. A filósofa aborda ques-
tões em seu livro sobre educação, não só revelando sua visão ampla e consciente sobre as
questões educacionais, mas também seu compromisso em mudar essa situação para que
as mulheres daquela época tivessem acesso à educação e oportunidades iguais aos ho-
mens. Nísia Floresta, alinhada com a filosofia mais avançada e ideias utópicas da época,
defendeu o argumento de que o progresso da sociedade depende da educação da mulher.
Nesse pensamento, a autora desencadeia a seguinte indagação: Por que os homens
afastam a presença da mulher das ciências? Esse direito é de ambos, porém, esse afasta-
mento repercute, ou ainda pior, gera barreiras na contribuição ou partilha de conheci-
mento entre os dois gêneros. A falta de desempenho feminino na administração ou em
cargos públicos, ou até mesmo ao direito ao voto e acesso justo a educação, se dá pela
misoginia sofrida no sistema patriarcal (FLORESTA, 1989).

[...] Ao longo dos séculos, as poderosas religiões monoteístas serviram


aos interesses da dominação de gênero ao atribuírem à vontade divina a
dominação “natural” do masculino sobre o feminino. E ainda, como essas
religiões, servindo aos (ou servindo-se dos) interesses do poder político e
econômico em vigor, regularam às mulheres o acesso ao saber e à instrução
ou serviram de ruptura contra essa mesma regulação (ÁVILA, 2007, p. 58).

Segundo Floresta (1989), somente as mulheres jovens ricas continuariam a rece-


ber educação em casa por meio de aulas particulares ou sob a orientação de seus pais. Ao
mesmo tempo, outras, mesmo que fosse possível estudar em escolas públicas, raramente
o faziam. Elas permaneceram em suas casas e foram condenadas ao mesmo destino de
seus ancestrais. Com o intuito de conseguir quebrar o preconceito e se destacar, Nísia
Floresta apoiou fortemente a bandeira da luta pela educação das mulheres.
A luta da filósofa Nísia Floresta pelo acesso educacional justo e abrangente às mu-
lheres, tem o objetivo de mudar o mundo através da educação, transformando as pessoas
para que constituam uma sociedade menos desigual.******** É da natureza da prática do

******** Interessante lembrarmos aqui do grande educador e filósofo brasileiro Paulo Freire (1921-1997) “quando
a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”, ou seja, a educação precisa ser libertadora

109
educador a busca por respostas sobre as coisas do mundo. Essa busca por interpretar o
mundo engloba o educando. Assim o educador inspira e propõe questões que movem os
alunados a apresentarem novos estudos sociais e científicos sobre a humanidade.

Só nessas condições se dará um aprendizado que não é apenas mera trans-


missão de conteúdos mecanicamente assimilados pelo aluno, mas um pro-
cesso de aprendizagem em que ele dispõe da liberdade de problematizar os
conteúdos e exercer, como sujeito que é também do processo, sua criticida-
de, reelaborando os conhecimentos adquiridos na experiência pedagógica
vivenciada (ARAÚJO E ARAÚJO JÚNIOR, 2020, p.90).

Diante do que foi exposto, é preciso relembrar o contato de Nísia Floresta com
a filosofia do positivismo de Auguste Comte, em Paris. Na luta por igualdade social, a
intelectual pregava pela garantia de que os talentos das mulheres e o renascimento dos
homens deveriam ser feitos por mulheres. Por isso, ela condenou tudo o que pudesse
afetar os valores da sociedade burguesa e estava impaciente com os responsáveis por
​​ sua
luta mais importante: a educação das mulheres.
É importante ressaltar a insignificância do número de escolas com o público fe-
minino, além da bagunça dos métodos, das doutrinas seguidas pelos docentes, quase
sempre discordantes em seus sistemas e, como já visto, em grande parte sem as precisas
qualificações. A autora aborda que o número de mulheres na população do século XIX
que participaram do ensino público e que receberam o grau de instrução intelectual é
muito reduzido (FLORESTA, 1989).
A ausência racional que elas efetuavam do uso da sua intelectualidade sobre
os homens não podia ser, portanto, culpa delas, mas sim da educação que obtinham
e dos homens que a fomentavam. Uma educação severa, o medo do pecado, o sen-
timento de culpabilidade em relação à mãe cria barreiras poderosas (BEAUVOIR,
1967, p.118).
No século XIX a idealização da mulher postulava, primordialmente, dar-lhe o
fundamento dos “ofícios básicos” e assim fumigar sua essência dos fictícios oratórios
teóricos que azoavam as mentes femininas com seus plácidos e, ao fim, conservando-as
subordinadas as suas fantasias através de uma educação que pouco acrescentava.
Para Silva (2014), a famosa expressão “atrás de um grande homem há sempre uma
grande mulher”, reforça a ideia de que as mulheres sempre estiveram numa posição de
sombras. Assim, para que essa expressão não perdure sendo propagado mundo afora, é
necessário sair da zona de conforto, passando por questionamentos e anseios, para que
logo, consigamos construir a ideia de igualdade humana.

para cumprir totalmente o seu objetivo. Este nos parece ser um ponto de contato entre o pensamento de Paulo
Freire e o das autoras aqui estudadas.

110
Dessa maneira, reformulamos a expressão citada anteriormente da seguinte ma-
neira: “ao lado de um grande homem há sempre uma grande mulher” (SILVA, 2014).
Nesse contexto, as mulheres contribuíram para o desenvolvimento do pensamento filo-
sófico e científico ao longo da história.
Segundo Federici (2017), partindo de uma análise da “política do corpo, as fe-
ministas não somente revolucionaram o discurso filosófico e político, mas também
passaram a revalorizar o corpo”. Esse foi um passo necessário, tanto para confron-
tar a negatividade que acarreta a identificação de feminilidade com corporalidade
quanto para criar uma visão mais holística do que significa ser um ser humano
(FEDERICI, 2017).
Dessa perspectiva de observação e entendimento, os debates dispuseram acerca
de que o sistema patriarcal inibiu escolas brasileiras para mulheres e meninas. Na verda-
de, esse parece ser o motivo de todas as reflexões de Floresta: a defesa do direito feminino
a um acesso à educação que permita o pleno desenvolvimento de todas as suas capacida-
des intelectuais e motoras, não apenas aos afazeres domésticos.
Acreditamos que a reflexão e o estudo em volta do pensamento feminino podem
amplificar a visão da sociedade em torno deste enunciado, colaborando para a inclusão
dessa concepção de gênero, ponderando na serenidade do tema. Tal reflexão pode tam-
bém comensurar o olhar daqueles que engendram filosofia para uma História filosófica
que incorpore também o pensamento feminino. Nesse reconhecimento lícito das suas
capacidades intelectuais e num reconhecimento paradoxal, que muitos filósofos omiti-
ram ou desprezaram a produção filosófica das mulheres à medida que foram responsá-
veis pela criação de certos estereótipos sobre elas.
Ainda sobre os pensamentos explícitos, o homem tem dificuldades de mensu-
rar as discriminações de gênero que projetam nas mulheres, sem enxergar as marcas
psicológicas e morais profundas. Essas marcas justificam porque é inevitável, sendo
mulher, não falar da mulher. Contudo, é necessário cuidado para fazer um discurso
militante excedendo o tecnicismo próprio aos discursos herméticos. É essencial bus-
car as palavras certas para questionar e criar inquietações sobre o comportamento
no mundo.
A produção literária feminista do filme Enola Holmes, apesar de misteriosa, apre-
senta o cenário de uma Inglaterra do século XIX em um de seus picos políticos de luta
por direitos feministas, ao mesmo tempo em que há a ascensão do movimento sufragis-
ta, na história da jovem personagem, que retrata a figura da mulher no contexto apre-
sentado nesse estudo.
Assim, vale reforçar que “o tema da mulher incomoda”, inquieta, mas ao mesmo
tempo é inevitável, principalmente quando se é uma. Não se pode admitir, devido à co-
vardia dos homens, a submissão causada por uma suposta inferioridade do sexo femini-
no, na busca por igualdade de gênero.

111
Desagradável porque ressoa inicialmente como uma reivindicação legítima e que
logo é associada a mais uma lenga-lenga feminista. Mas, afinal de contas, há “desigualdade
entre homem e mulher” em nossa sociedade democrática abrangendo o espaço filosófico?
Essa pergunta abordaria outro tema que acarretaria uma outra busca acadêmica,
em que seria necessário buscar as relações entre a misoginia e a negação às mulheres do
direito de acesso a uma educação de qualidade. O que se pode perceber através deste es-
tudo é que tais fatores conturbaram, mas não impediram a presença da intelectualidade
feminina na filosofia no passado até o presente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para as considerações finais deste estudo, foram construídas reflexões acerca das
perspectivas das autoras que fundamentam a temática desta pesquisa, considerando as
peculiaridades e dificuldades. Dessa forma, percebemos que a presença feminina na his-
tória da filosofia é um fato, mesmo que ocultado da história. A existência de Mary Wolls-
tonecraft e Nísia Floresta em si é uma demonstrativa da presença feminina na história
da filosofia e da luta das mulheres por igualdade de direitos sociais, apesar da misoginia
e do patriarcado.
Notamos, também, que fatores como a dependência financeira e a ausência de
uma educação de qualidade dificultaram a visibilidade e o reconhecimento social das
mulheres ao longo do tempo. O estudo mostrou que o principal ponto de contato entre
as autoras estudadas é a proposta de um acesso amplo à educação de qualidade como
meio de combater as desigualdades sociais que oprimem e condenam as mulheres a uma
injusta posição de inferioridade social em relação aos homens. Tal situação é em si mes-
ma injusta e deve ser combatida, já que, mulheres e homens pertencem todos ao mesmo
gênero humano, conforme nos ensinam as autoras.
Desse modo, considera-se possível ver e mostrar, a título de entendimento, a inte-
lectualidade das mulheres na filosofia. Ao considerarmos a história da filosofia constata-
mos que a presença feminina é sim existente e importante, e que estudos como este pode
lançar uma luz sobre o local obscurecido em que elas se encontram.
Por fim, estudar sobre o tema abordado não foi nada fácil, entretanto foi muito
gratificante conhecermos um pouco sobre a existência feminina na história da filosofia
e a figura de filósofas tão interessantes e importantes na luta pelo direito das mulheres à
educação. Mulheres que lutaram por espaço e igualdade de direitos em suas épocas, mas
cuja luta extrapolou o seu tempo e chegou até os dias atuais, mulheres contemporâneas
herdeiras e continuadoras da reflexão e da luta por igualdade de direitos. Este estudo
abriu caminhos para explorar novos objetos de pesquisa com relação às mulheres na
produção científica e acadêmica em outras áreas de conhecimento, as quais foram ofus-
cadas pela misoginia e pelo patriarcado.

112
REFERÊNCIAS

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Pocinho Motta. São Paulo: Boitempo, 2016.

114
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
E A PRÁTICA DOCENTE NA EJA
Amanda Silva Cardoso
André Luis da Silva Santos

INTRODUÇÃO

Ninguém educa ninguém,


ninguém educa a si mesmo,
os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo.
Paulo Freire

Este trabalho pretende refletir sobre a Educação de Jovens e Adultos (EJA) no que
tange à ideia de que o professor precisa ter uma formação específica para trabalhar com
os estudantes que estão matriculados na EJA. A maioria dos grandes teóricos sempre
foca na aprendizagem do estudante, que, de fato, é a essência do objetivo educacional. No
entanto, como estão acontecendo esses saberes em sala de aula? O teórico Paulo Freire
traz a seguinte ideia a respeito do docente e do discente:

Quanto mais analisamos as relações educador-educandos, na escola, em


qualquer de seus níveis, (ou fora dela), parece que mais nos podemos con-
vencer de que estas relações apresentam um caráter especial e marcante – o
de serem relações fundamentalmente narradoras, dissertadoras (FREIRE,
1978, p. 33).

Nesse sentido, o professor não pode ser simplesmente um narrador, ele precisa es-
tar aberto para aprender juntamente com seu estudante, para que possa haver uma troca
de saberes significativa e para que haja uma mudança positiva na vida deste educando. O
professor jamais pode assumir a posição de opressor, pois já existem muitos grupos que
oprimem há décadas as pessoas que estão à margem da sociedade.
É legítimo o pensamento de Paulo Freire, mas, aqui, pretendemos pensar de for-
ma mais ampla a respeito do professor e sua formação. Será que os professores que atuam
no ensino fundamental, médio e técnico estão, de fato, aptos a atuarem com o ensino da
EJA? Esse assunto é de extrema importância a ser refletido. De acordo com as minhas

115
experiências com o público supracitado e a partir de buscas a respeito da formação de
professores, são poucos os conteúdos e as teorias a respeito do tema.
Enquanto professora da área de linguagem, já atuei em todos os seguimentos
(anos) do ensino fundamental na EJA e nunca me foi cobrado sobre formação específica
e sei que sempre houve essa necessidade. Segundo dados do Instituto Nacional de Estu-
dos e Pesquisas Educacionais (INEP), de 2003, apenas 16 cursos de Pedagogia no Brasil
oferecem habilitação em EJA. A partir dessa informação, é possível perceber como a
formação específica para os professores da EJA segue em defasagem.
É sabido que a EJA no Brasil se iniciou com a chegada dos Jesuítas, seja na catequi-
zação, seja no ensino para crianças e adultos indígenas. Conforme Strelhow (2010), após
a saída dos jesuítas do solo brasileiro e a chegada da família real, a educação de jovens e
adultos acaba se extinguindo e só é retomada a partir da década de 1930. Foram apro-
ximadamente quinhentos anos de negação do direito dos jovens e adultos que, ao longo
da vida, não conseguiram realizar os estudos ou precisaram interromper por inúmeras
razões (trabalho, gravidez, problemas de saúde, acesso à escola etc.).
Nesse sentido, a Educação de Jovens e Adultos começa, efetivamente, a se destacar
em 1934, quando o governo cria o Plano Nacional de Educação (PNE) que estabeleceu
como dever do Estado o ensino primário integral, gratuito, de frequência obrigatória
para os adultos como direito previsto pela Constituição (FRIEDRICH et.al, 2010).
Podemos afirmar, com efeito, que a existência da EJA é uma realidade educacio-
nal há mais de 500 anos, porque os indígenas já assistiam aulas com os padres Jesuitas.
Durante a estadia dos padres Jesuitas no Brasil, eles formaram um plano de estudos cujo
nome era Ratio Studiorium1 e atendia da seguinte forma:

[...] diversificada, com o objetivo de atender à diversidade de interesses e de


capacidades. Começando pelo aprendizado do português, incluía o ensino
da doutrina cristã, a escola de ler e escrever. Daí em diante, continua, em
caráter opcional, o ensino de canto orfeônico e de música instrumental, e
uma bifurcação tendo em um dos lados, o aprendizado profissional e agrí-
cola e, de outro, aula de gramática e viagem de estudos à Europa (RIBEIRO,
1998, p. 21-22).

Em diálogo, a EJA foi regulamentada na década de trinta e de lá até o presente já


se vão cerca de 90 anos. É possível perceber, desse modo, que é uma modalidade de edu-
cação consistente, mas, na maioria das vezes, ela e seu público parecem negligenciados.
Será que a Educação de Jovens e Adultos é sempre “deixada de lado” porque o seu
público é composto, sobretudo, por trabalhadores, pobres, negros, desempregados, do-
nas de casa e, por fim, oprimidos, que veem na educação uma oportunidade de ter a sua
vida transformada para melhor? De acordo com Arroyo (2008, “a história oficial da EJA
se confunde com a história do lugar social reservado aos setores populares”.

116
Nesse contexto, qual é o objetivo da formação específica para os professores que
atuam na Educação de Jovens e Adultos? Essa formação específica vai contribuir com
a formação do sujeito participante desse seguimento? O processo de alfabetização do
adulto é igual ao das crianças? Essas e tantas outras perguntas surgem quando se pensa
na formação do professor que atua na EJA. Pimenta (1995) nos traz a reflexão acerca da
atividade prática do professor:

A essência da atividade (prática) do professor é o ensino-aprendizagem. Ou


seja, é o conhecimento técnico prático de como garantir que a aprendiza-
gem se realize em sequência da atividade de ensinar. Envolve, portanto, o
conhecimento do objetivo, o estabelecimento de finalidades e a intervenção
no objeto para que a realidade seja transformada enquanto realidade social.
Isto é, aprendizagem precisa ser compreendida enquanto determinada por
uma realidade histórico-social (PIMENTA, 1995, p. 61).

A partir dessa reflexão, Pimenta (1995) nos mostra que o professor precisa ter o
conhecimento “técnica e prático” para garantir que haja aprendizagem em sala de aula.
Esse conhecimento adquirido pelo professor precisa ser específico e consistente, para
alcançar os objetivos curriculares e de aprendizagem do estudante. Portanto, a formação
é essencial na vida do profissional de educação.
Buscando mais informações a respeito da formação docente, esse conteúdo foi
encontrado em algumas obras, principalmente do professor e pesquisador Miguel Ar-
royo. Ele trata, em seus livros, desse olhar mais próximo do professor que atua na EJA; há
algumas entrevistas muito esclarecedoras a respeito da temática e há poucos professores
que pesquisam especificamente não apenas os estudantes, mas os docentes.
Hodiernamente, seria difícil calcular o número de trabalhos voltados para a
aprendizagem do estudante adulto; seria mais difícil fazer esta estatística que fala essen-
cialmente da formação do professor da EJA. Logo, esse trabalho tem como objetivo pen-
sar na formação de professores que atuam na Educação de Jovens e Adultos. A pesquisa
será realizada a partir da análise de artigos e textos teóricos que discutem a formação dos
professores que trabalham com a EJA.

REFERENCIAL TEÓRICO

Para a pesquisa, os fundamentos que tecem esse artigo contam com autores, tais
como: Pimenta (1995), Arroyo (2008), Silva (2010), Capucho (2012), Freire (1987), entre
outros.
Entendemos que para a Educação de Jovens e Adultos acontecer, há toda uma
logística especial pensada para a formação do sujeito que está inserido na escola. Sabe-
mos que a maioria dos estudantes que se encontram matriculados na modalidade EJA

117
são pessoas oprimidas e que não puderam continuar a estudar na modalidade do ensino
regular. Os educandos geralmente têm uma realidade de vida difícil e que muitas vezes
veem na EJA uma possibilidade de resgatar o tempo de estudos que não puderam usu-
fruir. Arroyo (2001) apresenta este perfil do estudante da EJA:

A EJA tem como sujeito as camadas rurais, os camponeses excluídos da


terra e as camadas urbanas marginalizadas, excluídas dos espaços, dos
bens das cidades. Essa realidade de opressão e de exclusão e os saberes e
as pedagogias dos oprimidos passaram a ser os conteúdos, conhecimentos
e saberes sociais trabalhados nas experiências de EJA. A educação popular
e de jovens e adultos reflete os movimentos populares e cultural da época
(ARROYO, 2001, p. 18-19).

Com essa colocação do Arroyo, podemos perceber que essa Educação de Jovens
e Adultos é diferenciada, porquanto o público traz uma grande complexidade e necessi-
dade de se desenvolver intelectualmente e como cidadão, dentro da sociedade opressora
e desigual. Nesse sentido, mais uma vez, vejo que a formação específica do professor que
trabalha na EJA se faz necessária. Isso reflete diretamente na aprendizagem dos estudan-
tes e, frequentemente, gera desmotivação por parte dos educandos que, às vezes, são tra-
tados como crianças durante o percurso educacional. Na concepção de Capucho (2012):

O pensar na formação de professores(as) para atuação no âmbito da EJA,


refletimos sobre a possibilidades de uma prática pedagógica efetivada no
marco da Educação em Direitos Humanos, pois apesar dos avanços na le-
gislação internacional e nacional, há uma grande distância entre os direitos
positivados e a realidade concreta das violações dos direitos humanos (CA-
PUCHO, 2012, p. 63).

Com efeito, para os educandos da EJA, o acesso a uma educação de qualidade


é, na verdade, uma condição para o seu empoderamento pessoal, financeiro, social e
político, para que possam fazer acontecer os seus direitos e deveres dentro da sociedade
brasileira.
Outrossim, esses educandos são um público que merece uma educação de qua-
lidade, respeito e valorização. Por intermédio da EJA, o sujeito tem a possibilidade de
escrever a sua história de uma forma diferente; tem a possibilidade de escolher uma
profissão e ampliar o seu conhecimento de mundo. Os idosos que são alfabetizados no
Ensino de Jovens e Adultos têm a certeza que não serão mais enganados nas contas, vão
conseguir ler os livros, a bíblia, os jornais, entre outros suportes de letramento.
Outro ponto diferenciado da EJA é onde acontecem as aulas. No ensino regular,
as crianças e jovens assistem as suas aulas nos espaços escolares, seja eles com uma boa
estrutura ou com uma estrutura precária. Os estudantes da EJA, em contrapartida, nem

118
sempre têm essa oportunidade. As aulas acontecem em espaços escolares, templos reli-
giosos, empresas, penitenciárias, assentamentos e muitos outros espaços. Segundo Ca-
pucho (2012, p. 65), “A educação de Jovens e Adultos, diferente da educação de crianças e
adolescentes, efetiva-se em diferentes espaços/tempos. Os cenários são muitos e a maio-
ria precários [...]”. Então, podemos perceber o quanto essa modalidade educacional é
precarizada. Se nessa realidade de espaço escolar não é fácil para o estudante, imagina-se
a dificuldade para os professores que precisam ministrar aulas em espaços improvisados.
Esse é mais um motivo para os cursos de licenciatura terem uma disciplina voltada ao
ensino de EJA. Assim, haveria a possibilidade de os docentes se prepararem e se reinven-
tarem para atuar com o público adulto nos mais diversos espaços.
Para Capucho (2012), a modalidade EJA destaca-se pela diversidade de contextos
para que haja desenvolvimento da prática pedagógica e deve atender a pluralidade dos
sujeitos em processo de formação educacional e humana. Ainda falando de Capucho
(2012):

[...] um olhar diferenciado para a necessidade de aprendizagem dos dife-


rentes públicos presentes em uma sala de aula, formulação de propostas
de políticas pedagógicas flexíveis aos diferentes contextos nos quais se efe-
tiva a prática, domínio de temas emergentes, pertinentes às necessidades
dos(as) estudantes e de suas comunidades, bem como domínio dos conteú-
dos de área e metodologia adequadas às diferentes faixas etárias que a EJA
engloba. (CAPUCHO, 2012, p. 63)

A autora traz uma reflexão evidente do que é necessário para o professor de


EJA dominar o conteúdo durante o seu processo de ensino. É uma complexidade
muito grande, pois além do conteúdo, a metodologia precisa atender à realidade dos
estudantes. Uma outra discussão importante a ser feita diz respeito sobre o uso das
tecnologias da educação para a EJA, geralmente muito escassas, até porque os espa-
ços onde acontecem as aulas, muitas vezes, não comportam uma estrutura tecnoló-
gica, como: sala de informática, projeção multimídia e outros. Esse problema não é
apenas da EJA, mas também da maioria das escolas municipais inseridas no trabalho
com o ensino regular.
Durante a pandemia, as novas tecnologias foram essenciais para o ensino acon-
tecer. Entretanto, essa modalidade de ensino remoto aconteceu nas instituições particu-
lares que atendem à educação básica e nas universidades públicas e privadas. No estado
da Bahia, as aulas remotas não aconteceram nas escolas estaduais e municipais durante
o ano de 2020 para o ensino regular e EJA. Dessa forma, tivemos milhares de estudantes
desassistidos em 2020. Nesse contexto, a preocupação com esse tempo sem aulas foi o
público da EJA, pois muitos não retornaram às aulas em 2021 e, mais uma vez, a evasão
na Educação de Jovens e Adultos foi significativa.

119
O INEP publicou dados da EJA de 2019, os quais mostram que houve uma queda
de 7,7% no número de matrículas dos estudantes da Educação de Jovens e Adultos. “A
redução de matrículas ocorre de forma similar no nível fundamental (8,1%) e no ensino
médio (7,1%)”, conforme o Inep (2019). Esses dados eram preocupantes antes da pande-
mia, agora, após a longa pausa no contexto escolar, são mais preocupantes ainda, posto
que muitos educandos não voltaram à atividade escolar por diversos motivos. Um deles
foi o receio da contaminação e outros não se sentiram motivados a retomar às aulas,
porque a rotina de estudos foi quebrada por dois anos.
Para todos os seguimentos educacionais foi difícil ficar sem as aulas, mas para a
EJA, mais difícil ainda. De acordo com os dados do Inep, era significa a baixa nas matrí-
culas, e esses números de matrículas sofreram uma queda maior. No ano de 2021, muitos
estudantes da EJA optaram pelo Exame Nacional para Certificação de Competências de
Jovens e Adultos (ENCCEJA).

O Exame tem quatro aplicações, com editais e cronogramas distintos:


Encceja Nacional para residentes no Brasil; Encceja Nacional PPL, para
residentes no Brasil privados de liberdade ou que cumprem medidas so-
cioeducativas; Encceja Exterior, para brasileiros residentes no exterior; e
Encceja Exterior PPL, para residentes no exterior privados de liberdade ou
que cumprem medidas socioeducativas (INEP, 2002).

O Encceja é um exame amplo que atende jovens e adultos em várias particularida-


des. O candidato estuda e na data marcada vai realizar os exames. Portanto, esse exame
acaba se tornando mais rápido para concluir o ensino fundamental e médio. Por outro
lado, não há aulas para “tirar dúvidas” e o candidato deve estudar sozinho seguindo o
edital publicado a cada ano. É uma possibilidade para o estudante concluir o ensino fun-
damental e médio de uma forma mais rápida.
Na modalidade EJA, também existe o Programa Nacional de Integração da
Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jo-
vens e Adultos (Proeja). De acordo com o MEC, o Proeja oferece a educação profis-
sional técnica de nível médio. Esse programa está vinculado aos Institutos Federais
de Educação. É mais uma possibilidade para o estudante de EJA seguir os estudos e
sair do ensino médio com uma formação específica. Nessa modalidade de ensino,
os professores recebem a formação específica para atender aos estudantes do Pro-
eja, que tem o objetivo de ofertar a educação básica juntamente com a educação
profissional. É sabido que todos os programas e modalidades da EJA são muito
importantes e essenciais para atender à demanda do referido público. No entanto, é
necessário pensar nos profissionais da educação que trabalham com esses estudan-
tes. Dessa maneira,

120
[...] o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é
educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa.
Ambos, assim, tornam-se sujeitos do processo em que crescem juntos e
em que os “argumentos de autoridade” já não valem. Em que, para ser-se,
funcionalmente, autoridade, necessita-se de estar sendo com as liberdades
e não contra elas (FREIRE, 1978. p.39).

Nessa conjuntura, para o professor ser “libertador”, ele precisa estar aberto para
aprender juntamente com o seu educando. É uma via de mão dupla, onde a troca de co-
nhecimento precisa estar presente na escola e no ambiente escolar como um todo, pois é
de bom tom lembrar que o professor não é apenas um narrador em sala de aula. E para
que haja esse diálogo aberto nos ambientes onde está o público da EJA, o professor preci-
sa estar devidamente capacitado e aberto para fazer um trabalho integrador e libertador.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Os recursos metodológicos para realização desse estudo são de caráter qualitativo


(busca a qualidade no âmbito intrínseco da investigação), mediante a natureza biblio-
gráfica (a pesquisa bibliográfica busca fazer uma revisão bibliográfica ou de literatura
para adquirir os dados de pesquisa). A investigação recorre a textos já publicados para
realizar a análise. Nesse sentido, Hancock afirma que

[...] a pesquisa qualitativa está relacionada a achar as respostas a perguntas


com as quais começam: por quê? como? de que modo? Por outro lado, a
pesquisa quantitativa está mais preocupada com perguntas aproximada-
mente: quanto? quando? com que frequência? até que ponto?( HANCOCK,
2002. P.2).

Nessa perspectiva, este trabalho teve por objetivo discutir a formação para pro-
fessores que trabalham com EJA, a partir da análise dos artigos científicos: “O Educador
de Jovens e Adultos e sua Formação”, de Leôncio Soares; “Formação de Professores e
Educação de Jovens e Adultos: o formal e o real nas licenciaturas”, de Jaqueline Ventura
e Maria Ines Bomfim; “Formação de Professores e Prática Docente na EJA: saberes con-
ceituais, metodológicos e políticos”, de Ferdinando Santos de Melo; e “Formação de edu-
cadores de EJA: caminhos inovadores da prática docente”, dos autores Antonio Amorim
e Maria Luiza Ferreira Duques. Esses textos foram escolhidos porque trabalham com a
importância da formação de professores em perspectivas diferentes, e isso colaborou de
maneira muito positiva para a pesquisa. Eles abordam a respeito da formação de professo-
res desde a universidade até a educação básica e como deveria ser a trajetória do profissional
que trabalha em EJA. Dos poucos textos que discutem a formação do professor, em especial

121
aqueles que pretendem atuar no seguimento EJA, muito escassos, esses artigos pré-sele-
cionados foram os que mais se encaixaram no perfil da pesquisa desenvolvida.
São escassos os textos científicos que falam a respeito da formação de professores da
EJA e refletem sobre a aprendizagem do estudante e suas dificuldades para permanência
nessa modalidade. Para trabalhar com a perspectiva dos estudantes, existem maiores pos-
sibilidades literárias para pesquisar. Por esse motivo, foi escolhida como foco principal a
formação de professores, por ser uma literatura com lacunas na produção de conhecimen-
to em pesquisa e, por consequência, essencial para os professores em formação.
Ato contínuo, essa pesquisa teve um caráter exploratório e buscou explorar mais a
respeito da formação de professores nos textos pré-selecionados e responder às pergun-
tas: qual é o objetivo da formação específica para os professores que atuam na Educação
de Jovens e Adultos? Essa formação específica vai contribuir com a formação do sujeito,
participante desse segmento? Quais as dificuldades da EJA na atualidade?
Esses artigos selecionados trouxeram uma discussão interessante a respeito da prá-
tica pedagógica e das dificuldades encontradas para a formação de jovens e adultos, pois
sempre aconteceram nos diversos espaços escolares. Antes de pensarmos no letramento,
na alfabetização e na formação intelectual como um todo, devemos pensar nas pessoas hu-
manas. A EJA representa qual público, atualmente? São trabalhadores, negros em grande
maioria, pobres, favelados, que buscam respeito, valorização humana e uma vida justa.
Falamos sobre os estudantes. Adiante, versamos quem é o professor que atua na EJA
no período da noite. É o professor que levanta às seis da manhã e trabalha nos três turnos
para conseguir sustentar a sua família. Esse professor provavelmente chega esgotado para
ministrar as suas aulas à noite – não é fácil ter um bom rendimento depois de dar aula no
ensino regular para crianças e adolescentes e ainda ministrar aulas à noite para jovens e
adultos. Por isso, a realidade dos profissionais que trabalham na EJA é tão difícil quanto a
realidade de vida dos seus educandos. Conforme o professor Miguel Arroyo (2001), a

[...] EJA nomeia os jovens e adultos pela sua realidade social: oprimidos,
pobres, sem terra, sem teto, sem horizonte. Pode ser um retrocesso enco-
brir essa realidade brutal sob nomes mais nossos, de nosso discurso como
escolares, como pesquisadores ou formuladores de políticas: repetentes,
defasados, aceleráveis, analfabetos, candidatos a suplência, discriminados,
empregáveis... Esses nomes escolares deixam de fora dimensões de sua
condição humana que são fundamentais para as experiências de educação
(ARROYO, 2008. p.233).

Esse trecho que o professor Miguel Arroyo traz é muito duro, uma vez que reflete
uma realidade difícil acerca dos educandos da EJA. Os profissionais de educação devem
ser os incentivadores dos estudantes, pois os educandos precisam sair da condição de
oprimidos para a de protagonistas de sua própria história dentro da sociedade brasileira.

122
RETRATO SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
E A REALIDADE DA EJA

A preocupação com a formação específica para o professor que trabalha na EJA


é significativa, o público exige muita atenção e muito conhecimento do professor. Antes
do conhecimento teórico, o professor precisa ter uma formação humana sólida e uma
sensibilidade condizente para estar em uma sala de EJA. Compreende-se que trabalhar
com o Público da Educação de Jovens e Adultos é estar com os oprimidos da sociedade,
é experienciar com pessoas que acham que não podem mudar a realidade na qual estão
inseridos.

De modo complementar, um dos resultados significativos oriundos das


pesquisas em formação docente é o que aponta os limites para o professor
realizar uma atividade inovadora, além da já pontuada deficiência no do-
mínio do conteúdo, são as ideias sobre ensino e aprendizagem adquiridas
ao longo de sua formação, de modo não-reflexivo e naturalizado, escapan-
do à crítica e tornando-se um potencial entrave para a mudança didática
(MELO, 2015, p.4).

Melo (2015) traz em seu texto essa crítica à atuação do professor sem a devida
formação, não dando conta do conteúdo ou não tendo o domínio sobre o conteúdo mi-
nistrado em aulas. Independentemente de o professor lecionar para outros públicos, isso
não invalida o conhecimento adquirido durante a formação profissional. O que pode ser
questionado nesse caso é a metodologia aplicada nas aulas da EJA.
Nos cursos de licenciatura das academias, o que mais é debatido e pesquisado é
a formação crítica e reflexiva, que deve ser levada para a sala de aula, no ensino regular,
seja o público formado por crianças, adolescentes ou adultos. De acordo com Paula e
Oliveira (2011, p.60), “[...] especificidades da formação, as questões mais contundentes
que têm marcado o campo da EJA são aquelas que dizem respeito à organização do
trabalho pedagógico, tendo por referência as experiências e a realidade dos educandos”.
Juntamente com a formação do professor, o trabalho pedagógico deve acontecer com
toda a comunidade escolar, para que as aulas sejam sempre voltadas para atender a ne-
cessidade do educando.
No artigo “O Educador de Jovens e Adultos e sua Formação”, de Leôncio Soares,
afirma-se que os números de formação inicial para a Educação de Jovens e Adultos são
pequenos, porém crescentes. Os cursos de Pedagogia que ofertam essa formação em EJA
são menores. Os cursos que os professores recebem são formações rápidas para atender
às demandas dessa modalidade. Além disso, o autor defende que a formação de EJA deve
ser continuada e mostra que apenas 1,59% dos cursos de Pedagogia oferece uma habili-
tação em EJA, conforme dados de 2005 do INEP.

123
De acordo com Leônicio (2006, p. 85), “a falta de profissionalização do educador
de EJA é evidenciada, assim, pelos egressos, como o principal problema para uma inser-
ção profissional específica”. Trabalhar com a EJA é trabalhar com as classes populares da
sociedade. Ainda segundo Leônicio (2006, p.86), “Há lugares que se baseiam na ideia
de que ‘qualquer pessoa pode ensinar para jovens e adultos’, há outros que enxergam a
habilitação como um requisito essencial e outros, ainda, que concebem que a formação
inicial, apesar de seu valor, não é o preponderante para o trabalho.” O texto vai defender
a formação para o professor da EJA, mostrando que é para além da formação inicial, já
que, a EJA tem concepções e demandas específicas. De acordo com Silva (2010, p 128),
[...] a modalidade de ensino da EJA constitui-se em um espaço educativo, formativo e
socializador em que os conteúdos de aprendizagens escolares poderiam ser apenas os
fios condutores.”
Agora, vamos fazer um breve resumo do texto “Formação de Professores e Edu-
cação de Jovens e Adultos: o formal e o real nas licenciaturas”, de Jaqueline Ventura e
Maria Ines Bomfim. Este artigo defende, assim como o anterior, a formação inicial de
professores, promovida pelos cursos de licenciatura, e os direitos à identidade da EJA,
garantidos pela Constituição Federal. O texto tem como objetivo trabalhar a Educação
de Jovens e Adultos desde a alfabetização até a profissionalização dos estudantes. As
autoras Ventura e Bomfim (2013 p. 222) apontam “a vinculação da EJA aos subalter-
nizados da sociedade, às frações mais empobrecidas da classe trabalhadora, excluídas
até mesmo da estrutura dual do sistema escolar”. As autoras vão comparar o sistema
regular de ensino com a EJA e perceber que esse ensino é fragmentado. Outro ponto
que chama a atenção é o publico heterogêneo e os lugares de onde vêm os educandos –
muitos são da zona rural; outros da zona urbana; outros vivenciam o sistema prisional;
e outros estão nas periferias das cidades brasileiras. Cada educando aqui tem um obje-
tivo a ser conquistado com a Formação de Jovens e Adultos, e as autoras afirmam ainda
que os educandos mostram a desigualdade social existente na sociedade. O objetivo do
texto é, por fim, debater o lugar ocupado pela EJA na formação inicial, oferecida por
cursos de licenciatura.

Embora as conquistas no plano formal sejam fundamentais, resultado


da luta da sociedade brasileira, vários estudos têm destacado o silêncio
existente nos cursos de licenciatura em relação à EJA, em que pese a com-
plexidade dessa modalidade. Diante disso, nossa hipótese central é que
a frágil situação da formação docente inicial em EJA, em nível superior,
confunde-se com a da própria modalidade no Brasil. Alvo de metas mo-
destas, políticas descontinuadas e fragmentadas, iniciativas focais e ali-
geiradas, a EJA traduz um projeto societário no qual a universalização da
educação básica de qualidade para todos não é prioritária (VENTURA E
BOMFIM, 2013 p. 214).

124
Ademais, as autoras expõem a “fragilidade” que a educação de Jovens e Adultos
tem apresentado e apresentam a ideia de que a Educação de Jovens e Adultos não ocupa
lugar de destaque; não apenas nas propostas curriculares, mas também na produção
científica e acadêmica. Existem poucas pesquisas que discutem a formação de profes-
sores para atuarem na EJA. Para tanto, as autoras afirmam que uma formação inicial de
professores gera ação autônoma e criativa, com o intuito de atender às condições sociais
em que a EJA se inscreve.
O texto “Formação de Professores e Prática Docente na EJA: saberes conceitu-
ais, metodológicos e políticos”, de Ferdinando de Melo, fala sucintamente a respeito da
formação inicial para os profissionais que fazem cursos de formação docente. O autor
apresenta a necessidade da formação continuada para os professores que trabalham
com o PROEJA no Campus do Instituto Federal Bahiano do campus de Catu. O texto
nos chama a atenção para uma formação sólida, na qual a teoria e a prática cumpram
seus papeis nas salas de aula – hoje, salas virtuais. Na perspectiva de Melo (2015, P.
18325), “neste caso, são fundamentais: os saberes conceituais e metodológicos da área
em que irá ensinar; os saberes integradores, que são relativos ao ensino dessa área; e os
saberes pedagógicos.” Todos esses saberes devem estar articulados para que o processo
de aprendizagem seja significativo, principalmente quando o público é da EJA. Melo
(2015, P. 18325) traz em seu texto um ponto muito sério a respeito da importância
sobre a formação dos professores para atuar no momento em que estavam vivencian-
do: “no plano legislacional, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica, regulamentadas pelo Parecer CNE/CP 009/2001, enu-
meram dificuldades para a melhoria da Educação Básica, algumas delas ligadas especi-
ficamente à prática dos professores.” Essas práticas estão descritas no CNE (Concelho
Nacional de Educação):

Orientar e mediar o ensino para a aprendizagem dos alunos; comprometer-


-se com o sucesso da aprendizagem dos alunos; assumir e saber lidar com
a diversidade existente entre os alunos; incentivar atividades de enrique-
cimento cultural; desenvolver práticas investigativas; elaborar e executar
projetos para desenvolver conteúdos curriculares; utilizar novas metodolo-
gias, estratégias e materiais de apoio; desenvolver hábitos de colaboração e
trabalho em equipe. (BRASIL/CNE, 2001, p. 04 apud Melo, 2015).

Essas orientações trazidas pelo CNE são bastante relevantes e são apresentadas
geralmente na academia, quando um professor está em formação. Não é possível que o
fazer pedagógico e o labor do professor não sigam essas orientações e dos demais do-
cumentos oficiais que evidenciam e ampliam a dimensão educacional. Melo também
recorre à Lei e Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para falar das aparências
legais para a formação do educando da EJA.

125
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não ti-
veram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio
na idade própria. § 1o Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos
jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular,
oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características
do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cur-
sos e exames.
§ 2o O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do
trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre
si. § 3o A educação de jovens e adultos deverá articular-se, preferencial-
mente, com a educação profissional, na forma do regulamento.
Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que
compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao pros-
seguimento de estudos em caráter regular. § 1o Os exames a que se refere
este artigo realizar-se-ão: I – no nível de conclusão do ensino fundamental,
para os maiores de quinze anos; II – no nível de conclusão do ensino mé-
dio, para os maiores de dezoito anos. § 2o Os conhecimentos e habilidades
adquiridos pelos educandos por meios informais serão aferidos e reconhe-
cidos mediante exames. (BRASIL, 1996, P.30-31).

A LDB apresenta o que é assegurado ao estudante da EJA e como deve ser o pro-
cedimento das aulas na escola, de uma maneira sucinta, em dois artigos, que são o 37 e
o 38, já apresentados na citação acima, os quais asseguram os exames supletivos. Todos
esses documentos oficiais são norteadores e trazem as garantias educacionais para os
estudantes da EJA. Nesse sentido, a formação de professores não deve se afastar dessas
leituras e aplicações no fazer pedagógico diário. Segundo Melo (2015, P. 18334), “a for-
mação de educadores que atuam na Educação de Jovens e Adultos tem como principal
objetivo a melhora da qualidade de sua intervenção educativa e pedagógica”. É preciso
haver espaços de formação para que haja discussões a respeito da execução das aulas em
EJA, com mais significação para a realidade social em que a modalidade está inserida.
No documento “Políticas de EJA na Rede Estadual”, da Secretaria de Educação
do Estado da Bahia, há um belo texto (“romântico” inclusive) a versar sobre os direitos
assegurados aos estudantes da EJA na Bahia:

Ante os princípios e as afirmações trazidas por esta política de educação,


consideramos imprescindível destacar os compromissos que devem ser as-
sumidos pelo Estado, de forma a assegurar o direito à Educação Básica para
os sujeitos jovens e adultos:
1. Inserir a EJA no campo de Direitos Coletivos e de Responsabilidade
Pública.
2.Assumir a Política de EJA na atual política do Estado, definida no docu-
mento Princípios e Eixos de Educação na Bahia.

126
3.Assegurar a EJA como oferta de educação pública de direitos para jovens
e adultos, com características e modalidades adequadas às suas experiên-
cias de vida e de trabalho, garantindo as condições de acesso e permanência
na EJA, como direito humano pleno que se efetiva ao longo da vida. 10
4.Fazer a opção político-pedagógica pela Educação Popular, pela Teoria
Psicogenética que explica a construção do conhecimento, e pela Teoria
Progressista / Freireana (à luz da visão do ser humano integral e inacabado)
(BAHIA, 2009, p. 9 e 10).

Este é mais um recorte de um documente que prevê uma educação de qualidade


para a EJA, “bebe na fonte” freireana e prevê o ingresso e permanência dos estudantes
nas escolas baianas. Como conclusão, apontamos que os documentos oficiais já existem.
O que falta, todavia, é colocá-los em prática, não deixando escapar qualquer direito.
No texto “Formação de educadores de EJA: caminhos inovadores da prática do-
cente”, os autores Antônio Amorim e Maria Luiza Ferreira Duques vão tratar da impor-
tância da formação de professores baianos que trabalham com a EJA. Eles asseguram que
o sistema formativo para os professores em EJA está a cada dia mais escasso e limitado.
Esta pesquisa foi realizada no estado da Bahia e contou com a participação de 14 edu-
cadores que atuam em EJA. Alguns professores desenvolviam trabalhos em áreas distin-
tas de sua formação. Os autores também trazem um contexto histórico da formação de
professores ao longo das décadas de desenvolvimento desta área e demonstram que os
cursos de formação de professores sofreram mudanças da LDB em 1996.

Embora a estrutura dos cursos formativos tenha carregado as marcas de


legislações anteriores por um período razoável, foi a partir da LDB de 1996
que os cursos de formação de professores começaram a sofrer modifica-
ções. Através dos seus artigos 62 e 63, a LDBEN de 1996 estipulou, para os
professores da educação básica, a exigência de nível superior. (AMORIM E
DUQUES, 2017 p. 231).

A partir desses dispositivos, os professores que atuavam na área, mas ainda não ti-
nham um curso de nível superior (geralmente com formação no magistério), precisaram
fazer um curso de nível superior para continuar com a prática docente. Na atualidade,
raramente são encontrados docentes que não tenham pelo menos o nível superior. Para
o cumprimento da LDB e os artigos 62 e 63, foi estabelecido um prazo de 10 anos, a fim
de que as universidades organizem os cursos de formação de professores.
Nesse contexto, a formação na EJA, segundos os autores, tem buscado o apro-
fundamento de conhecimentos que atendam às demandas educacionais da atualidade,
e procurado inserir as novas tecnologias para otimizar o campo de conhecimento, ade-
quando-as às necessidades da sociedade atual. No contexto de pandemia, estamos tendo
o auxílio das novas tecnologias para atender às demandas das aulas. Ao público da EJA,

127
acompanhar essa nova estrutura educacional é muito importante, mas sabemos que é
bastante difícil, se observarmos que os estudantes fazem parte de um grupo da sociedade
no qual a condição financeira é precária. Muitos estudantes podem não ter computador,
um celular que comporte os aplicativos usados para realizar as aulas e talvez não tenham
acesso à internet que surporte o tempo das aulas diárias. São demandas que precisam
ser pensadas e revistas, com o intuito de que os estudantes não sejam prejudicados. De
acordo com Arroio (2008. p. 227), “não é a EJA que ficou à margem ou paralela ao ensino
nos cursos regulares, é a condição existencial do jovem e adultos que os condena a essa
marginalidade e exclusão.”
Na perspectiva de Amorim e Duques, existem práticas docentes “desconexas” à
necessidade do educando da EJA e isso se justifica pelo fato dos professores também
atuarem no ensino regular. Eles defendem que os professores precisam ter um “conhe-
cimento diferenciado”, pois o estudante da EJA tem necessidades específicas e vivem em
uma realidade de vida desigual. Ainda segundo os autores, o professor precisa ter uma
educação específica e continuada para atender de forma real e precisa à lacuna educa-
cional do estudante da EJA. O aperfeiçoamento dos professores está previsto na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394/96.

Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em


nível superior, em curso de licenciatura plena, admitida, como formação
mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco
primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na mo-
dalidade normal. (Redação dada pela lei nº 13.415, de 2017)
§ 1º A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, em regime
de colaboração, deverão promover a formação inicial, a continuada e a ca-
pacitação dos profissionais de magistério. (Incluído pela Lei nº 12.056, de
2009).
§ 2º A formação continuada e a capacitação dos profissionais de magis-
tério poderão utilizar recursos e tecnologias de educação a distância.
(BRASIL, 1996).

Apesar de a lei prever essa formação continuada, nem sempre acontece conforme
a orientação, o que prejudica tanto o professor quanto o estudante. No início do ano
letivo, geralmente acontecem as jornadas pedagógicas e durante o ano as reuniões peda-
gógicas nas escolas, que são momentos de formação, sem recortes específicos para a EJA.
O professor também precisa ter a sensibilidade na aplicação das suas aulas, na sua
prática diária, para saber além do conteúdo programático, o que os alunos têm neces-
sidade de aprender e estar aberto a trocar conhecimentos com os seus estudantes, pois
o aprendizado é uma via de mão dupla, quem ensina também aprende. De acordo com
Pimenta (1995):

128
A essência da atividade (prática) do professor é o ensino-aprendizagem. Ou
seja, é o conhecimento técnico prático de como garantir que a aprendiza-
gem se realize em sequência da atividade de ensinar. Envolve, portanto, o
conhecimento do objetivo, o estabelecimento de finalidades e a intervenção
no objeto para que a realidade seja transformada enquanto realidade social.
Isto é, a aprendizagem precisa ser compreendida enquanto determinada
por uma realidade histórico social (PIMENTA, 1995, p.61).

Pimenta ilustra muito bem a essência do ensino-aprendizagem e a finalidade des-


sa atividade prática, que está voltada para a realidade social na qual o estudante está in-
serido. O professor também precisa refletir continuamente a sua prática para que ela se
torne mais próxima da realidade de sua sala de aula.
Nos resultados da pesquisa de Amorim e Duques, o que mais ficou evidente
foi a necessidade de a formação continuada repensar a prática docente em EJA e a
escassez de estudos relacionados a essa modalidade, que são o apoio para o planeja-
mento da prática.
Diante dos textos analisados, foi possível perceber a necessidade da formação
inicial nos cursos de formação de professores. Esses autores abordados revelam que
essa porcentagem ainda é muito pequena, porém crescente, o que nos deixa mais
animados. Os autores também acreditam que a formação continuada para a EJA é
fundamental.
Percebemos que a escola e o corpo docente como um todo precisam repensar
a sua prática para atuar na sala de EJA, pois o que dá certo nas aulas dos adoles-
centes e crianças, provavelmente não vai funcionar com adultos que têm outras
demandas e necessidades de vida diferentes, e o professor deve ser o facilitador no
espaço escolar.
Durante essa pesquisa, também foi possível perceber o quanto a EJA é deixada
de lado, não é valorizada como deveria e fica num estado de “adormecimento”. Também
foi possível repensar o perfil do professor que trabalha em EJA, que geralmente é o pro-
fissional que trabalha com crianças e adolescentes durante o dia e atua na EJA à noite,
e, talvez, involuntariamente, não reflita acerca do currículo que precisa ser trabalhado
nesta modalidade.
Por fim, revisitamos alguns documentos oficiais da educação que garantem a mo-
dalidade de ensino da EJA, em um nível de qualidade muito significativo, mas na verda-
de ainda não é cumprido em sua totalidade. Pensamos quem é o estudante de EJA, a que
classe social ele pertence e os motivos para acessar essa modalidade de ensino. Compre-
endemos que o perfil do estudante da EJA é: o trabalhador, o desempregado, a mãe de
família, o esquecido pela sociedade – o oprimido a buscar seu “lugar ao sol”, dentro de
uma sociedade que não é igualitária. Esses são os resultados e reflexões acerca da forma-
ção de professores e da realidade do estudante da EJA.

129
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando falamos da formação inicial para os professores que trabalham na EJA,


começamos a perceber o quanto a problemática e as dificuldades para atender a esse
grupo profissional são nítidas. Como foi dito no decorrer do texto, os documentos na-
cionais e oficiais amparam perante a lei o pleno funcionamento da Educação de Jovens e
Adultos, mas, infelizmente, a prática diária nas escolas ou nos tantos outros espaços que
a EJA funciona é bem diferente.
Ao refletir a respeito dos espaços educacionais, a EJA, assim como os demais se-
guimentos educacionais, funcionou de forma remota no período pandêmico, o que ge-
rou ainda mais dificuldades, pois tanto professores quanto estudantes precisam de acesso
à internet, além de aparelho celular, tablet ou computador. Esses aparelhos são caros e
nem todos os estudantes têm condições econômicas ajustadas à essa demanda.
Apesar de toda a dificuldade que o profissional da educação enfrenta para minis-
trar as aulas na EJA, é muito importante atuar com profissionalismo, para que as pessoas
que não puderam concluir a formação na idade certa tenham uma oportunidade de dar
continuidade aos estudos. Acreditar na educação é acreditar na pessoa humana. Deve-
mos continuar acreditando nesta modalidade de ensino. Sabemos que não é fácil para os
docentes e muito menos para os educandos, pois, na maioria das vezes, os professores
e alunos trabalham durante todo o dia e reservam ainda energia para que os encontros
educacionais aconteçam diariamente, a proporcionar trocas de saberes e aprendizagens
entre eles.
Pensando na qualidade de ensino e na dinamização das aulas, é essencial que os
professores estejam aptos e em formação específica na EJA. Sabemos que essa formação
deve ser contínua, uma vez que, sempre há algo novo para aprender e aperfeiçoar na prá-
tica educacional. As formações continuadas para a EJA são mais escassas, assim como os
trabalhos científicos na referida área educacional, contudo, os docentes e toda a equipe
educacional das escolas não devem desanimar perante as dificuldades, pois, para muitos
educandos da EJA, a esperança de uma vida melhor e mais igualitária está na educação.
A educação ainda é a chance do oprimido pela sociedade conseguir conquistar os seus
objetivos e galgar uma realidade mais justa e saudável.

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18h10min.

132
EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
Um breve olhar acerca do Decreto 10.502
Edilene Inocêncio da Silva Argolo
André Luis da Silva Santos
Isis Emanoela do Amor Divino Borges

INTRODUÇÃO

De qualquer perspectiva, conviver com o outro ainda é um desafio para o ser


humano. Respeito pelas diferenças e aceitação no convívio social ainda faz parte da luta
diária de indivíduos que não são consideradas dentro do padrão de uma pessoa dita (nor-
mal). A escola como parte da sociedade é também um espaço marcado por diferenças e,
por conseguinte, é preciso aprender a conviver com isso. Numa perspectiva de acolher e
garantir que todos/as/es os/as/es alunos/as/es tenham acesso a qualquer nível de ensino
e aprendam juntos/as/es, a inclusão escolar é o caminho, mas ainda continua sendo uma
prática difícil de ser levada adiante na realidade escolar.
O tema inclusão escolar é algo que vem me inquietando há muito tempo,
principalmente após ter uma filha diagnosticada com Transtorno do Espectro Au-
tista (TEA), também conhecido como Autismo. Embora com uma licenciatura em
Química, senti a necessidade de me aprofundar na educação especial. Para isso,
busquei uma nova licenciatura em Pedagogia e formação em cursos de curta dura-
ção com esta temática que tanto me inquieta. Com isso, também passei a trabalhar
nessa área da educação.
Hoje, pedagoga, dou continuidade na minha formação fazendo pós-graduação e
acompanhando minha filha que estudou por aproximadamente seis anos em escola pri-
vada, em sala de aula comum, e há três anos estudando em escolas públicas, também em
sala comum e recebendo apoio especializado para pessoas com deficiência (PCD), em
turno oposto a escola regular. Ademais, atuo como professora em uma escola de ensino
regular no município de Jequié, auxiliando a professora regente na parte pedagogica
e nas necessidades apresentadas pelo/a/e aluno/a/e com deficiência devido a algumas
limitações física, motora e cognitiva. Sou auxiliar de uma criança autista no turno matu-
tino e três crianças com deficiências múltiplas no turno vespertino, matriculadas em sala
de aula comum da rede pública e recebendo apoio de serviços especializados no turno
oposto, uma vez que, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – 9394/96)

133
e a Politica Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva; apoio fornecido
quando necessário. Desse modo, sinto-me no dever de me debruçar sobre esse tema no
intuito de ampliar meus conhecimentos acerca do foco desta pesquisa que vem a ser
educação especial na perspectiva inclusiva.
Sabemos que a obrigatoriedade da inclusão de pessoas com deficiência nas escolas
é garantida por meio de Leis e decretos que visam superar os processos de segregação e
exclusão existente. A legislação é explícita, quanto à obrigatoriedade em acolher e matri-
cular todos/as/es os/as/es alunos/as/es, independente de suas necessidades ou diferenças
sejam elas de identidade de gênero, condição física e ou mental, cor/raça, etnia e ou
orientação sexual. De acordo com a Constituição Federal (CF) de 1988, no “Art. 205, ― A
educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade” (BRASIL, 1988).
Um dos pressupostos da Declaração de Salamanca (1994) refere-se à inclusão na
educação ao afirmar que o princípio fundamental das escolas inclusivas consiste em todos
os alunos aprenderem juntos, não importam quais sejam as dificuldades ou diferenças que
tenham. Portanto, em escolas inclusivas, as crianças com necessidades educacionais espe-
ciais devem receber todo apoio de que possam necessitar e garantir uma educação eficaz.
Para atender esse público cada vez mais crescente, com direitos e necessidades, a
Lei Brasileira de inclusão (LBI), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Defi-
ciência, fornece um conjunto de normas para garantir direitos e respeito às pessoas com
deficiência para que possam lutar contra a exclusão, discriminação, preconceito e falta de
oportunidades reais na sociedade.
Na busca por educação e, consequentemente, escolas mais inclusivas, muitos fo-
ram os documentos e declarações internacionais criados com este propósito. O Brasil é
um dos países que buscou orientar suas políticas educacionais tendo como referência
esses documentos e declarações internacionais, como é o caso dos já citados. Por isso
podemos dizer que o Brasil está bem servido e amparado por políticas públicas educa-
cionais que ressaltam a importância de assegurar os direitos à educação de pessoas com
ou sem deficiência, inclusive o direito à convivência. Cabe-nos a tarefa de melhor im-
plementar, avaliar e reformular, sempre com o propósito de melhor amparar e assegurar
direitos aos contemplados por essas políticas.
Recentemente, foi assinado pelo atual presidente da republica o Decreto nº 10.502,
de 30 de setembro de 2020, que "Institui a Política Nacional de Educação Especial: Equi-
tativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida", mas não está sendo vista com
bons olhos por muitos setores da sociedade e especialistas, pois há a possibilidade de
abrir brechas para o retrocesso da educação inclusiva.
Diante disso, surge a questão norteadora desta pesquisa: Como o Decreto 10.502
pode contribuir para o retrocesso das políticas educacionais na perspectiva de Educação
Inclusiva conquistada até os dias atuais? Com tal questão, esta pesquisa objetiva analisar

134
de que forma o decreto 10.502 contribui para uma educação capacitista, segregacionista,
excludente e discriminatória tendo como referência as diretrizes estabelecidas nas legis-
lações anteriores.
Embora educação inclusiva seja assunto bastante discutido ultimamente, a impor-
tância deste trabalho se dá por trazer ao centro do debate social e acadêmico o decreto
10.502 que tange o processo de inclusão escolar, uma vez que, a política desse documento
está sendo muito questionada e há possibilidade de sua anulação – no atual momento se
encontra suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ter sido considerado um de-
creto desfavorável a educação inclusiva. A relevância desta pesquisa está também no fato
de que, apesar de termos um grande número de produções sobre o tema, constantemente
se faz necessário apresentar novos olhares acerca das diretrizes de inclusão educacional
para buscar um sistema de ensino que favoreça a formação plena do cidadão sem distinção.
De acordo com o problema definido e por meio do objetivo a que me propus a
alcançar, este trabalho assume um caráter de pesquisa bibliográfica, uma vez que, se-
gundo Fonseca (2002, p. 32), a pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento de
referências teóricas analisadas e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros,
artigos científicos, páginas de web sites.
Para que se atinja, portanto, o objetivo, em principio será apresentado por meio
da análise de documentos um referencial teórico acerca da história das pessoas com de-
ficiência, cujo propósito está em conhecer fatos que explicam a sua trajetória de vida em
uma sociedade culturalmente capacitista. Em seguida, apresenta-se outro tópico intitu-
lado “Legislação brasileira da educação inclusiva”, apresentando alguns documentos im-
portantes no processo da educação numa perspectiva da Educação Inclusiva para PCD.
Seguido da apresentação do Decreto 10.502, que institui a Política Nacional de Educação
Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida.
Por fim, apresento como resultado uma análise e discussões sobre os aspectos do
decreto 10.502 expondo seu olhar capacitista e pontos que possivelmente culminará no
retrocesso das conquistas estabelecidas por leis inclusivas durante muitos anos na busca
de uma escola para tod/os/as/es.

REFERENCIAL TEÓRICO
Pessoas com deficiência: história, conceitos e o olhar capacitista

A vida do ser humano nunca foi fácil, principalmente a vida das pessoas com defi-
ciência (PCD) que durante muito tempo foram excluídas, marginalizadas e exterminadas
nas sociedades mundo a fora. Nesse contexto, ao realizar uma breve análise da história
sobre as pessoas com deficiência, desde os primórdios até os dias atuais, verifica-se que
essas trajetórias têm sido de muita luta. Antes de tudo, para serem considerados seres
humanos, como todos/as/es os/as/es demais devem ser vistos como sujeitos de direitos

135
indiscriminadamente, o direito à convivência social sempre esteve entre as prioridades
na luta contra a segregação.
Não se tem muitos relatos sobre pessoas com deficiência nos primórdios da civi-
lização, o que se sabe é que as condições de existência humana eram muito difíceis e o
ambiente desfavorável a essas pessoas de acordo com a história. Segundo Pereira (2017),
provavelmente, as pessoas com deficiência e enfermidades, eram mortas ou abandona-
das, por serem consideradas “fardos”. Pereira (2017) afirma ainda que não se tem regis-
tros de como eram tratadas essas pessoas nessa época, uma vez que, ainda não existia a
tradição da escrita, mas o que tudo indica é que de alguma forma elas eram eliminadas
do convívio social.
Desde a antiguidade, uma das preocupações das pessoas e das sociedades é a apa-
rência, a busca da perfeição humana. Para eles, a beleza física e a habilidade atlética eram
fundamentais. Portanto, as pessoas com deficiência física ou mental eram vistas como
outra raça inferior que não a humana, sem direito a participação na sociedade. Pereira
(2017) cita Gugel (2007) para afirmar que, na Grécia Antiga, o extermínio de PCD era
tão comum, que filósofos como Platão em sua obra “A República” e Aristóteles no seu
livro “A Política”, defendiam a eliminação dessas pessoas na formação das cidades-estado
gregas. Pereira afirma que o tratamento não era diferente na Roma Antiga do início da
era cristã, onde as PCD eram renegadas, abandonadas e extintas os pais tinham direito
de matá-las ou abandoná-las em cestos no Rio Tibre (PEREIRA, 2017).
Com o fim do Império Romano, início da Idade Média, as pessoas tidas como
loucas ou alucinadas já começavam a escapar do abandono, sendo acolhidos pela igreja
ou até mesmo em conventos. Nesse período, acreditava-se em bem e mal, céu e infer-
no, Deus e diabo. A população mergulhada no desconhecimento científico em prol de
suas convicções religiosas, acreditava que pessoas nascidas com deficiência era castigo
de Deus ou possuídos de coisas ruins; esse pensamento alimentou maus tratos e perver-
sidades com PCD.
Nesse sentido, a literatura mostra que a pessoa com deficiência na antiguidade
era desconsidera como ser humano, vista como outro tipo de raça. Na Idade Média,
elas eram tidas como seres possuídos pelo demônio, até esse período a PCD não tinha
direito a vida. Com a chegada da Idade Moderna e o surgimento de métodos científicos,
passa-se a criar políticas públicas para a vida humana, entre elas, políticas voltadas para
a saúde, onde se começa a estudar várias áreas, dentre elas a concepção sobre deficiência.
A ciência então passa a considerar a deficiência como sendo de caráter hereditário ou de
males físicos e mentais (TOMPOROSKI, LACHMAN, BORTOLINI, 2019, p. 24).
Mas a mudança do olhar místico para o científico não trouxe mais humanidade às
PCD. O filósofo Michel Foucault, em suas análises sobre a deficiência durante o período
da Idade Média até o início do século XX, coloca em evidência os significados de segre-
gação (ou exclusão) das pessoas com deficiência ao longo desse período.

136
Em suas aulas de 1974-75 cujo tema era “Os Anormais”, Foucault (2010) nos leva
a refletir sobre o discurso da anormalidade defendido pelas instâncias de poder político,
médico e judicial. O filósofo caracteriza esse discurso como grotesco, isto é, tais instân-
cias de poder fundavam suas narrativas com base no pressuposto da desqualificação do
sujeito sobre o qual se fala. Para Foucault (2010), esse posicionamento do poder não é
um incidente, falha ou mera coincidência histórica, mas sim, intencionalmente, produ-
zido pelas instâncias de controle de poder político, médico e judicial. Foucault (2010)
afirma que o sujeito considerado desqualificado e, portanto, anormal, era para as insti-
tuições detentoras de poder um transgressor da Lei. Seu desejo de violá-la é correlativo
de uma falha, de uma ruptura, de uma fraqueza, de uma incapacidade do sujeito.
O pensamento foucaultiano só reforça a afirmação de que mesmo com o sur-
gimento de um olhar científico sobre a deficiência, não resultou em respeito e fim de
políticas segregacionistas e preconceituosas. Uns dos importantes acontecimentos que
marcou o século XX demonstra o quanto a humanidade pode ser e foi cruel com PCD.
Estamos nos referindo à Segunda Guerra Mundial, 1939 a 1945. Nesse período
muitas pessoas foram exterminadas, inclusive as PCD. O holocausto foi o genocídio em
massa de judeus, ciganos e também PCD. Segundo Adriana Dias (2013), na Alemanha
Nazista, em 14 Julho 1933, foi criada uma Lei que permitiria a dita higiene racia, a Lei de
prevenção contra a prole geneticamente doente (Das Gesetz zur Verhütung erbkranken
Nachwuchses, doravante GezVeN). Ela determinava que as pessoas que possuíam deter-
minadas condições tidas como congênitas (retardo, esquizofrenia, bipolaridade, trans-
torno maníaco-depressivo, epilepsia, doença de Huntington, cegueira, surdez ou de-
formidade física grave) fossem conduzidas para um processo de esterilização, do qual
faziam parte um parecer médico e uma autorização judicial. Mais de 400 mil pessoas fo-
ram esterilizadas na Alemanha. Dias (2013) fala também sobre outro programa nazista,
o Aktion T4 que assassinou mais de 260 mil pessoas com deficiência na Alemanha, em
nome da morte misericordiosa. O programa se valia do slogan: uma vida que não valia
a pena ser vivida. Milhares de pessoas foram assassinadas em nome da busca de uma
suposta pureza da raça ariana.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a Europa e os países que enviaram suas
tropas para a guerra estavam devastados e as cidades exigiram reconstrução: crianças
órfãs precisavam de abrigo, roupa, comida, saúde e educação, enquanto os adultos sobre-
viventes da guerra que ficaram com sequelas, precisavam de tratamento médico para sua
reabilitação. A partir desse cenário que afetou a vida humana de forma drástica e com o
sentimento de que era necessário manter a paz e a segurança do mundo, em 1945 é cria-
da a Organização das Nações Unidas ()ONU, para junto com os países aliados, buscarem
solucionar os problemas que assolavam o mundo pós-guerra.
Em 1948, na cidade de Nova York, os países membros da ONU se reuniram em as-
sembleia e criam a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Essa declaração

137
em seu art. 1° afirma que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em
direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito
de fraternidade.(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948). Afirmam também em
seu artigo 3° o direito a vida e a liberdade (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).
A DUDH traz, em suas linhas, uma fresta para o reconhecimento e do direito à
dignidade humana das PCD, pois todos devem ser vistos com sujeitos de direitos e tra-
tados com seres humanos, independentemente de nacionalidade, gênero, idade, origem
social, cor da pele, etnia, faculdades físicas ou mentais, antecedentes criminais, doenças
ou qualquer outra característica.
A DUDH inspirou e ainda inspira a criação de diversos documentos no âmbito
nacional e internacional (decretos, leis, portarias, dentre outros) com intuito de forta-
lecer e cultivar a dignidade humana de PCD, possibilitando que, mesmo lentamente, o
direito de ocuparem seu espaço na vida em sociedade; direito este que historicamente
lhes foram negados enquanto seres humanos.
Também é perceptível a influência dos Direitos Humanos na terminologia que
utilizamos para se referir a PCD. Por muito tempo termos pejorativos foram utilizados
para nomear essas pessoas, termos como incapacitados, inválidos e defeituosos.
Segundo Sassaki (2005) ainda que, em sua maioria, a sociedade agisse de forma
preconceituosa, havia uma preocupação em torno de qual terminologia seria adequa-
da para se dirigir a essas pessoas sem diminuí-las perante as outras. A busca por essa
terminologia evoluiu ao longo do tempo, diversas expressões foram usadas de maneira
errônea, entre elas:

• PESSOAS DEFICIENTES: Entre os anos de 1981 até 1987;


• PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA (PPD): Entre os anos de 1988 até 1993;
• PORTADORAS DE NECESSIDADES ESPECIAIS (PNE): Durante os anos 90.

A expressão PPD está na Constituição Federal de 1988 e essas terminologias men-


cionadas, ainda são utilizadas no dia a dia e amplamente pesquisadas na internet. Apesar
de serem termos ainda vistos na sociedade, não significa que estão corretos e, por isso,
devem ser evitados, uma vez que, não refletem a realidade do momento. Para enten-
dermos a evolução das terminologias é necessário que analisemos o significado da sua
morfologia.
Segundo Sassaki (2005), a palavra portador significa algo que se porta e pode des-
cartar, sendo algo temporário, enquanto que a palavra deficiência vem do latim deficiente,
declinação de deficiens, do mesmo étimo do verbo deficere, faltar, falhar e é algo permanen-
te (ORIGEM, 2018). Também é preciso compreender que a deficiência não é sinônima de
doença, uma vez que, doença representa alteração da saúde que se manifesta por sintomas,

138
possíveis de ser identificados, ou não; enfermidade que precisa de cura. Necessidades espe-
ciais qualquer um pode ter, o que nos remetem a pessoas que necessitam de tratamentos
diferenciados por apresentarem alguma dificuldade em desenvolver uma ou mais habili-
dades, daí a importância de se reconhecer que o uso das terminologias PPD, PNE dentre
outras, são equivocadas (SASSAKI, 2005).
A partir das problemáticas apresentadas pelas expressões anteriores, somente a
partir do século XXI, os movimentos mundiais de pessoas com deficiência intensifi-
caram o debate o em torno da nomenclatura que gostariam de ser chamados. O termo
escolhido por esses indivíduos é Pessoa com Deficiência para substituir as terminologias
anteriores. Esse termo foi regulamentado pela ONU em 2006 e no Brasil em 2008 a par-
tir de emenda constitucional. Segundo Pereira (2017), a utilização do termo deficiente
de forma isolado, ressalta apenas uma das características que compõem o indivíduo,
ao contrário da expressão "pessoa com deficiência", que vem a ser mais humanizada ao
ressaltar a pessoa acima de sua deficiência, valorizando-a independentemente das con-
dições físicas ou intelectuais, sem colocá-la em condições de inferioridade.
Esta terminologia, atualmente, é considerada como oficial e mais adequada para
o momento em que vivemos. Mas é importante frisar que a busca por uma terminologia
adequada acompanha a evolução do tempo histórico e social, o que significa dizer que
essa busca não se finda aqui. As sociedades, organizações nacionais e internacionais e,
acima de tudo, pessoas com deficiência estão em constante movimento para melhor in-
cluir e socializar pessoas com ou sem deficiência.
Seguindo as mudanças conceituais e tomando como base a Convenção Interna-
cional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência realizada pela ONU, a Lei No 13.146,
de 06 de julho de 2015, Lei Brasileira de Inclusão (LBI), oficializa e considera pessoa com
deficiência como sendo aquela que tem

[...] tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual


ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obs-
truir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condi-
ções com as demais pessoas (BRASIL, 2015).

A definição acima citada deixa bem evidente que a pessoa não é deficiente e sim,
que por conta do algum impedimento que venha a ter, ao se deparar com as barreiras é
que se torna uma PCD. A LBI define barreiras como qualquer entrave, obstáculo, atitude
ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o
gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento
e de expressão (BRASIL. 2015, p.19).
Diante desses fatos, cabe refletir sobre a natureza dessas barreiras, se seriam essas
naturais ou induzidas pela sociedade? Sobre a trajetória histórica dessas pessoas e a luta
pelo reconhecimento de sua dignidade humana, não há como negar que muitas dessas

139
barreiras são frutos de uma sociedade capacitista. Sociedade essa que produz e reproduz
uma educação e cultura excludentes e discriminatórias, que pela força das Leis se vê obri-
gada a oferecer às pessoas com deficiência condições mínimas de vida que deveriam ser
garantidas a qualquer ser humano indiscriminadamente.
Capacitismo é a forma de discriminação, preconceito e opressão contra a pessoa
com deficiência, pois são vistas e tratadas como incapazes. Para Dias (2013), capacitismo
é a concepção presente no social que lê as pessoas com deficiência como não iguais, me-
nos aptas ou não capazes para gerir as próprias vidas. Segundo Fiona Campbell (2001),
capacitismo (ableism) é definido como uma rede de crenças, processos e práticas que
produz um tipo particular de compreensão de si e do corpo (padrão corporal), projetan-
do um padrão típico da espécie humana.
Na sociedade capacitista, aquelas ditas pessoas normais são as que não tem defi-
ciência, e as anormais as que possuem deficiência, aquelas que se desvia um pouco do
padrão de normalidade definido pela sociedade. A visão que se tinha em relação a essas
pessoas anormais era baseada na medicina. De acordo com essa visão, essas pessoas
precisariam ser tratadas para alcançar uma normalidade. Hoje em dia a visão que se tem
a partir dos avanços do entendimento do que vem a ser uma PcD, conclui-se que essas
pessoas não devem ser tratadas para atingir a suposta normalidade. A normalidade não
está em não ter deficiência e ou superà-la, e sim, em apesar da deficiência e possíveis
limitações, poderem interagir com o meio.
Para Fiona Campbell (2001), o capacitismo está para o segmento da pessoa com
deficiência assim como racismo está pra as pessoas negras e/ou o machismo para as
mulheres. Como o racismo e o machismo, o capacitismo vincula-se às relações de poder
fabricadas na sociedade.
Nessa perspectiva, os países e sociedades precisam construir uma educação para
inclusão. Mantoan (2003) nos traz que a inclusão de fato acontecerá quando houver
uma mudança de paradigma acerca do que se entende como educação escolar e qual seu
papel em nossa sociedade. Ainda segundo essa autora, se o que queremos é que a escola
seja inclusiva, é urgente que seus planos se redefinam para uma educação voltada para
a cidadania global, plena, livre de preconceitos, que reconheça e valorize as diferenças
(MANTOAN, 2003, p. 16). Só assim será possível combater a cultura do capacitismo,
que tanto impossibilita o convívio de todos/as/es de forma plena em sociedade.

Legislação Brasileira da Educação Inclusiva

Educação Inclusiva implica mudanças de paradigmas da educação escolar. Du-


rante muitos anos, por volta de 1920 até os 1980, predominou, no Brasil, uma educação
inteiramente segregacionista apresentando de um lado a escola para os ditos normais e do
outro lado espaços para aqueles que eram considerados anormais (pessoas com deficiência).

140
Dos anos 90 para cá, a luta por uma educação de qualidade que possibilite o direto dos/
as/es alunos/as/es, com e sem deficiência, de conviverem e aprenderem juntos tem sido
grande. Segundo Sassaki (1998):

Educação inclusiva é o processo que ocorre em escolas de qualquer nível


preparadas para propiciar um ensino de qualidade a todos os alunos inde-
pendentemente de seus atributos pessoais, inteligências, estilos de aprendi-
zagem e necessidades comuns ou especiais. A inclusão escolar é uma forma
de inserção em que a escola comum tradicional é modificada para ser ca-
paz de acolher qualquer aluno incondicionalmente e de propiciar-lhe uma
educação de qualidade. Na inclusão, as pessoas com deficiência estudam na
escola que frequentariam se não fossem deficientes (SASSAKI, 1998, p. 8).

Literaturas especializadas na história da educação brasileira relatam que, a partir da


década de 60, a educação oferecida a PCD estava ligada a um modelo clínico. Era neces-
sário a apresentação de um laudo médico para ser utilizado como critério para separar as
crianças ditas normais das anormais. Sendo assim, alunos/as/es que apresentavam qual-
quer grau ou tipo de deficiência, eram segregados e discriminados no ambiente escolar.
Laurinda Almeida e Mitsuko Antunes (2020) no texto “Mas ele tem laudo! Im-
plicações do decreto 10.502/2020 no desmonte das políticas públicas para a Educação
Inclusiva”, traz o relato de uma professora (X), nos anos 60, que se referia aos/às alunos/
as/es com deficiência, como retardados. Ela afirma que a classe dos retardados mentais
era fora do ambiente escolar (atrás do prédio principal). Nesse espaço as recomendações
eram permanecer em sala de aula e não tinham direito de ficarem no pátio com os ditos
normais. Esse mesmo olhar impregnado de capacitismo presente na fala da professora
(X), também se faz presente na Lei 5.962, Lei de Diretrizes e Bases de 1971. Esta lei afir-
mava em seu art. 9° que os

[...] alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os que se encon-


trem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os su-
perdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas
fixadas pelos competentes Conselhos de Educação (BRASIL, 1971).

Vale destacar que esse documento assegurava a escola especial como destino certo
para alunes com deficiência, visto que não garantia a inclusão deles em uma escola co-
mum. Desde a Constituição Federal (CF), de 1988, também conhecida como Constitui-
ção Cidadã, as políticas educacionais têm como um dos grandes objetivos a inclusão de
pessoas com deficiência no ensino regular, visto que, durante muitos anos essas pessoas
foram postos a margem da sociedade.
Os art. 205 e 206 da CF preveem a Educação como um direito detodos/as/es e de-
ver do Estado e da família promover o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da

141
cidadania e a igualdade de condições de acesso e permanência na escola (BRASIL, 1988).
Nesse mesmo documento, o art.208 garante que é dever do estado oferecer educação bá-
sica obrigatória e gratuita, atendimento educacional especializado (AEE) às pessoas com
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
Os avanços nos documentos internacionais e legislação nacional são inegáveis e
apontam para a necessidade de mudança na perspectiva da escola; para além dos mode-
los de exclusão promovida pela educação especial segregacionista. As diretrizes da De-
claração de Salamanca (1994) apontam que "as escolas regulares com orientação inclusi-
va constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias e que alunos
com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular”. Mantoan
(2003) defende que “todos os alunos, sem exceção, devem frequentar as salas de aula do
ensino regular” (MANTOAN, 2003, p. 15).
No Brasil, diversos alunos/as/es com deficiência estão matriculados em escolas
comum e, dependendo da sua necessidade, pode precisar frequentar outro ambiente de
ensino de Educação Especial para ter atendimento de apoio em seu desenvolvimento.
Esse atendimento acontece no Atendimento Educacional Especializado (AEE), que pode
ser realizado na e/ou fora da escola comum, mas ele é considerado um serviço de apoio
pedagógico especializado complementar e/ou suplementar e que não deve substituir o
ensino oferecido nas escolas comuns.
A regulamentação do AEE é contemplada na Política Nacional de Educação Espe-
cial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) implementada em 2008. Esse do-
cumento assegura o processo de inclusão escolar no Brasil, traz diretrizes para embasar
políticas públicas voltadas ao processo escolar inclusivo.
De acordo com a PNEEPEI, o serviço especializado de AEE constitui parte obri-
gatória do sistema de ensino, sendo oferecido no contraturno a classe comum e preferen-
cialmente na própria escola, mas não descarta que esse atendimento seja feito em outros
centros especializados (BRASIL, 2008). Segundo essa política:

O atendimento educacional especializado tem como função identificar, ela-


borar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade, que eliminem
as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas neces-
sidades específicas (BRASIL, 2008).

A PNEEPEI também tem como um dos seus objetivos a transversalidade da edu-


cação especial desde a educação infantil até a superior. Essa educação é uma modalidade
de ensino que visando o desenvolvimento da PCD, perpassa todos os níveis de educação.
Outro objetivo dessa política é a formação de professores para o atendimento educacio-
nal especializado e demais profissionais da educação para a inclusão. O documento afir-
ma que para atuar na educação especial, o professor deve ter como base da sua formação,
inicial e continuada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos

142
específicos da área (BRASIL, 2008). A PNEEPEI (2008) afirma caber aos sistemas de en-
sino, ao organizar a educação especial na perspectiva da educação inclusiva, disponibili-
zar pessoas para realizar diversas funções de auxilio e apoio a alunos/as com deficiência
no ambiente escolar.
A mais recente política pública brasileira direcionada a proteção de direitos
de pessoas com deficiência é a Lei 13.146/15 ou Lei Brasileira de Inclusão (LBI), de
2015, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. Esta política
tem como objetivos assegurar o direito a igualdade, promover o exercício da cida-
dania para garantir a inclusão social das pessoas com deficiência (BRASIL, 2015).
A base desta Lei é a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência pro-
movida pela ONU em 2006. Sua criação representa um grande avanço no processo
de inclusão de PcD na sociedade, sendo reconhecido como um importante marco
ao abordar questões relacionadas à acessibilidade, educação, trabalho e ao combate
ao preconceito e à discriminação. Questões de grande relevância devem ser discu-
tidas mediante a participação dessas pessoas, pois elas são as maiores interessada
no assunto.
Por entender a importância de todo o processo de luta por inclusão e legitimidade
das conquistas alcançadas até aqui, por pessoas com deficiência, não devemos admitir
nenhum tipo de retrocesso em termos de políticas públicas. Diante disso, a publicação
do decreto 10.502, que regulamenta a nova Política de Educação Especial, exige de nós
olhos atentos para mensurar o impacto que ele tem na luta por cidadania e inclusão de
pessoas com deficiência.

Decreto 10.502

Em 30 de setembro de 2020 o governo federal em exercício apresentou o decre-


to 10.502, intitulado Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com
Aprendizado ao longo da vida. Trata-se de uma política que institui novas diretrizes acer-
ca da educação para pessoas com deficiência, é um documento curto, composto por
nove capítulos.
Em seu capítulo I descreve de forma breve as disposições gerais, e apresenta no
Art. 2º o significado de Educação Especial como sendo modalidade de educação escolar
oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino aos educandos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. Ainda nes-
se Artigo, nos incisos VI e VII, trata da possibilidade para o financiamento de institui-
ções de ensino especializado e classes especializadas dentro do ensino regular inclusivo
(BRASIL, 2020).
Em seu capítulo II, Art. 3º, dispõe os princípios e os objetivos da nova Política
Nacional de Educação Especial. São eles:

143
• Educação como direito para todos em um sistema educacional equitativo e
inclusivo;
• Ambiente escolar acolhedor e inclusivo;
• Acessibilidade ao currículo e aos espaços escolares;
• Participação de equipe multidisciplinar no processo de decisão da família ou
do educando quanto à alternativa educacional mais adequada;
• Garantia de implementação de escolas bilíngues de surdos e surdocegos (BRA-
SIL, 2020).
• O capítulo III, art. 5° do decreto aponta o público-alvo da nova política:

A Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com


Aprendizado ao Longo da Vida tem como público-alvo os educandos que,
nas diferentes etapas, níveis e modalidades de educação, em contextos di-
versos, nos espaços urbanos e rurais, demandem a oferta de serviços e re-
cursos da educação especial (BRASIL, 2020).

O capítulo IV aborda as diretrizes da política. Entre elas, se destaca: garantir a


viabilização da oferta de escolas ou classes bilíngues de surdos aos educandos surdos;
priorizar a participação do educando e de sua família no processo de decisão sobre os
serviços e os recursos do atendimento educacional especializado.
A nova legislação de educação especial possibilita classes ou escolas bilíngues para
surdos e institui a possibilidade do educando ou seu responsável escolher o ambiente
educacional a ser matriculado.
No capítulo V são tratados os serviços e os recursos da educação especial como:
classes, escolas, centros de apoio especializados, dentre outros. O capítulo VI dispõe dos
atores, pessoas que atuarão na pretensão de serviços da educação especial como equipe
multiprofissionais; guia/interpretes; professores da educação especial, dentre outros. O
capítulo VII aborda a forma como a política deve ser implementada. No capítulo VIII,
trata dos mecanismos de avaliações e monitoramento da política; e, por fim, o capítulo
IX traz as disposições finais.
No dia 01 de dezembro de 2020 é veiculada na mídia uma notícia sobre a sus-
pensão da nova Política de Educação Especial concedida pelo ministro Dias Toffoli, por
meio de liminar, requerida por intermédio da ação do Partido Socialista Brasileiro (PSB).
Fernanda Bento (2020) afirma que a justificativa do partido é baseada principalmente na
defesa dos/as/es alunos/as/es com deficiência, para que não sejam vítimas de segregação,
tendo em vista que o decreto tem como meta a criação de escolas e classes especializadas,
fato que pode comprometer o direito à Educação Inclusiva.

144
Muitas foram às manifestações contrárias ao decreto, algumas afirmam a necessi-
dade da revogação desta política. A análise e reflexão para tal afirmação e demais críticas
feitas ao Decreto, faz parte dos resultados e discussões desta pesquisa.

METODOLOGIA

Essa pesquisa é de abordagem qualitativa com pesquisa bibliográfica e análise do-


cumental. A pesquisa qualitativa é uma metodologia de caráter exploratório. Recomen-
da-se a pesquisa exploratória quando há pouco conhecimento sobre o problema a ser
estudado (CERVO; BERVIAN; DA SILVA, 2007). Seu foco está no caráter subjetivo do
objeto analisado, além de compreender e interpretar comportamentos e tendências.
A pesquisa qualitativa preocupa-se com aspectos da realidade que não podem
ser quantificados, centrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das relações
sociais. Para Minayo (2001), a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significa-
dos, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais
profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis.

Pesquisa bibliográfica

A pesquisa bibliográfica compreende as etapas iniciais de todo trabalho científico


ou acadêmico, com o objetivo de coletar informações e dados que servirão de base para
uma proposta de levantamento com base em um determinado tema.
Para Fonseca (2002, p. 32), a pesquisa bibliográfica baseia-se no levantamento de
referenciais teóricos analisados e publicados por meio escrito e eletrônico, como livros,
artigos científicos e páginas de sites. Essa etapa inicial permite ao pesquisador saber
quais pesquisas já foram realizadas sobre o tema.
No entanto, existem alguns estudos científicos baseados apenas em pesquisas bi-
bliográficas e que buscam referências teóricas publicadas com o objetivo de coletar in-
formações ou conhecimento prévio sobre as questões para as quais se busca respostas
(FONSECA, 2002, p. 32).
Portanto, a pesquisa bibliográfica, segundo Gill (2007, p. 44), toma como exemplo
principal o estudo sobre ideologias ou estudos que se propõem à análise das diversas
posições acerca de um problema, bem como:

• Fazer Leitura;
• Fichar;
• Organizar;

145
• Arquivar;
• Resumir os textos;

Principal vantagem da pesquisa bibliográfica é permitir ao pesquisador a cober-


tura de um leque de fenômenos bem mais amplo do que se a pesquisa fosse feita direta-
mente. A principal desvantagem está no perigo de se obter informações equivocadas ou
errôneas, podendo ser sanada buscando-se o maior número de fontes possíveis e reali-
zando a análise e interpretação.

Pesquisa documental

Segundo Fonseca (2002), a pesquisa documental trilha os mesmos caminhos da


pesquisa bibliográfica, não sendo fácil por vezes distingui-las. A pesquisa bibliográfica
utiliza fontes constituídas por material já elaborado, constituído basicamente por livros
e artigos científicos localizados em bibliotecas. A pesquisa documental recorre a fontes
mais diversificadas e dispersas, sem tratamento analítico, tais como: tabelas estatísticas,
jornais, revistas, relatórios, documentos oficiais, cartas, filmes, fotografias, pinturas, ta-
peçarias, relatórios de empresas, vídeos de programas de televisão, etc.
Sendo assim, utilizamos, para a realização desta pesquisa, o levantamento teórico
a partir de livros, artigos, dissertações e teses, sendo alguns deles publicados e disponí-
veis nas plataformas Scielo e Google Acadêmico; e coleta de dados documentais como
decretos, leis, entre outros, do âmbito nacional e internacional. Dentre eles, destaco a
Constituição Federativa de 1988; Declaração de Salamanca de 1994; Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008 e o decreto 10.502 de
2020, como fonte de análise e reflexão a respeito do tema escolhido.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Documentos legislativos seguem uma hierarquia: constituição, emendas, leis, de-


cretos e resoluções. Nessa perspectiva, o decreto 10.502 é um documento legislativo que
não pode sobrepor a leis e demais documentos que o antecede, mas apresenta regula-
mentações de diversos questões que podem vir a ser implementadas em estados e mu-
nicípios.
O decreto aqui mencionado é acusado de trazer possibilidades de retrocesso para
as conquistas adquiridas até o presente momento, pelas pessoas com deficiência. Este
também está sendo motivo de muita insatisfação e repudio, já que, durante o processo de
criação deste importante documento, não houve um amplo diálogo entre governo fede-
ral, especialistas em educação inclusiva, organizações defensoras dos Direitos Humanos

146
e das pessoas com deficiência. O decreto 10.502, ao invés de contribuir com a consolida-
ção dos marcos legais da educação inclusiva vigente, possibilita a desconstrução do que
já esta sendo posto em prática nessa perspectiva.
O documento em questão, já começa ferindo os direitos a inclusão de todos/as/
es alunos/as/es, desde a apresentação do seu título, se referindo a – Educação Especial –
termo usando de forma errônea e ultrapassado ao se tratar de educação inclusiva – se ela
é especial, está sendo excludente e não inclusiva dando a entender que esta educação está
voltada para um determinado público específico, que nada mais é que os/as/es alunos/
as/es com deficiência, incentivando a formação de guetos, afastando as PCD do direito
de conviver com a diversidade, pluralidade de pessoas que permeia o ambientes escolar
comum.
No decreto 10.502, art. 2°, inciso II, propõe educação bilíngue de surdos com ser-
viços especializados disponíveis em escolas bilíngues de surdos e em classes bilíngues de
surdos nas escolas regulares inclusivas. O que seria inclusão, de acordo com o disposto?
Não existe inclusão onde há separação, se a intenção é fazer com que as pessoas se comu-
niquem, entendam umas as outras, aprendam umas com as outras. Por que não possibi-
litar no ambiente escolar inclusivo o aprendizado dessa língua a todos/as/es, assim como
qualquer outro idioma que os/as/es alunos/as/es tem como disciplina? Uma vez que o
país tem muitas pessoas surdas é fundamental o processo de comunicação entre todos/
as/es. Essa proposta nos leva a mais um ato de segregação, pois se o objetivo é incluir
todos/as/es em sociedade, não se justifica espaços de aprendizado exclusiva para surdos/
as/es.
Ainda no art. 2°, (VI e VII), dois pontos merecem a nossa atenção por sugerir
descredibilidade da capacidade da PCD, ao propor o fortalecimento das antigas e criação
de novas escolas especializadas, utilizadas até o momento por auxiliar a aprendizagem
dos/as/es alunos/as/es com deficiência, matriculados na rede regular de ensino. Sobre as
escolas especializadas o inciso VI afirma que :

VI-escolas especializadas: instituições de ensino planejadas para o aten-


dimento educacional aos educandos da educação especial que não se be-
neficiam, em seu desenvolvimento, quando incluídos em escolas regulares
inclusivas e que apresentam demanda por apoios múltiplos e contínuos
(BRASIL, 2020).

Será que esses alunos realmente não se beneficiam quando incluídos em esco-
las regulares, espaço comum de convivência? Quando somos chamados a refletir sobre
questionamento, sem dúvida percebemos que não é levado em consideração o fato de
que o educando necessita desenvolver algo muito além de apenas seu cognitivo, mas suas
relações interpessoal, afetivas, comportamental que só será possível mediante convívio
com seus diferentes. Observa-se então que essas instituições de ensino planejadas como

147
ambiente educacional para alunos/as/es com deficiência, não oferecem o mesmo ensino
que as escolas inclusiva. A convivência com as diferenças é comprometida, logo, suas
atividades diferem do ensino regular. Nesse sentido, a proposta de educação trazida por
este decreto contraria a convenção da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiên-
cia, que assegura o direito dos/as/es alunos/as/es com deficiência de estarem em classes
comum e apoio educacional especializado ofertados em vários ambientes da sociedade
quando não for possível nas escolas comum.
O decreto não proíbe o ingresso das pessoas com deficiência na escola comum,
mas também não é enfático em demonstrar a importância que é a inclusão dessas pesso-
as em escolas comuns. A nova legislação pode fornecer argumentos que desestimulem
pais a matricularem seus filhos em escolas comuns do ensino regular, justificando que
existem escolas especializadas e preparadas para receber seus filhos com deficiência. O
que endossa este pensamento é o Art. 3º, Inciso VI, que tem como princípio fornecer
uma equipe multidisciplinar para orientar os pais de PCD no momento da matrícula.
Por que uma equipe multiprofissional na hora da matrícula, quando o ideal seria uma
equipe para acompanhar a criança e ou adolescente com deficiência já matriculado/a?
Este princípio pode ser uma brecha para desestimular a inclusão escolar.
Outro ponto a ser discutido e analisado é o Art. 6º acerca das diretrizes para a
implementação da nova Política Nacional de Educação Especial. O inciso I afirma que:

Oferecer atendimento educacional especializado e de qualidade, em classes


e escolas regulares inclusivas, classes e escolas especializadas ou classes e
escolas bilíngues de surdos a todos que demandarem esse tipo de serviço,
para que lhes seja assegurada a inclusão social, cultural, acadêmica e profis-
sional, de forma equitativa e com a possibilidade de aprendizado ao longo
da vida (BRASIL, 2020).

A educação inclusiva apresenta como objetivo de implementação das políticas


educacionais, direitos iguais para todos/as/es, com o propósito de reparar injustiças pra-
ticadas contra PCD e com aqueles educandos que se desviam de um padrão estabelecido
pela sociedade, desconstruindo práticas de segregação. A nova política requer diretrizes
voltadas para uma educação de qualidade com investimento de diversas ordenas, dentre
eles o investimento na formação docente continuada para profissionais que irão atuar na
educação especial.
A partir dessa observação, surge um questionamento: será que o ensino regular
que deve ser comum a todos/as/es não é capaz de ser qualificado? Não há inclusão com
um ensino de segregação, por si só uma educação segregacionista não deveria ser vista
como ideal e qualificada.
A Política da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008
está pautada no dever de assegurar o direito à educação regular/comum às pessoas com

148
deficiência. Esse movimento tende a demarcar a escola como um lugar de todos/as/es.
Mantoan (2006) afirma que a inclusão de fato acontecerá quando houver uma mudança
de paradigma sobre o que se entende como educação escolar e qual seu papel em nossa
sociedade. A autora afirma que se queremos uma escola que seja inclusiva, é urgente que
seus planos se redefinam para uma educação voltada para a cidadania global, plena, livre
de preconceitos, que reconheça e valorize as diferenças (MANTOAN, 2006).
Já o decreto 10.502/2020 que traz Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com
Aprendizado ao Longo da Vida remete-nos a um movimento contrário, não sendo equi-
tativo, uma vez que, não busca promover condições de igualdade, não inclusivo, visto
que incentiva a separação dos alunos com deficiência dos sem deficiência.
O decreto 10.205 diz que possibilitara a participação da família ou do/a/e aluno/
a/e com deficiência na escolha do melhor ambiente onde esse aluno/a/e será matriculado,
porém, no momento em que essa política foi pensada, planejada, elaborada e implemen-
tada, os maiores interessados – pessoas com deficiência – não foram amplamente convi-
dados a participar e nem tiveram direito de opinar a respeito de decisões relacionada à
suas vidas. Com isso o que nos faz pensar que no momento da matrícula seus interesses
e de seus pais serão respeitados?
Esse não é um entendimento isolado, foi acompanhado por muitas instituições e
organizações da sociedade que emitiram notas de repúdio à nova política. Algumas delas
foram:

• Projeto Inclusive: Criado para promover a inclusão das pessoas com deficiên-
cia através da difusão da informação;
• Associação Brasileira de Saúde Coletiva- ABRASCO: Criada para apoiar in-
divíduos e instituições ocupados com o ensino de graduação e pós-graduação,
a pesquisa, a cooperação e a prestação de serviços em saúde pública;
• Associação Nacional do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Ido-
sos e Pessoas com Deficiência – AMPID: Criada para contribuir com o diá-
logo social e apromoção dos interesses dos idosos e pessoas com deficiência
(BENTO, 2020).

O momento em que este decreto entrar em vigor significará um grande retrocesso


para a consolidação e prática da educação inclusiva. A nova política de educação especial
fere a Constituição Federal, Declaração Universal dos Direitos Humanos, Declaração
de Salamanca, Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência,
a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, a Lei Brasileira de
Inclusão, bem como tantas outras que foram conquistadas com muita luta pelo reconhe-
cimento da dignidade humana de pessoas com deficiência.

149
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora a legislação educacional brasileira possa ser considerada bem avançada,


em consonância com recomendações internacionais, a promulgação de leis e diretrizes
pedagógicas não é garantia de que a teoria será convertida em prática. O Brasil é um país
muito bem servido de políticas educacionais, mas a inclusão escolar enfrenta muitas bar-
reiras. A pior das barreiras é a atitudinal, pois a sociedade está impregnada delas, visto
que, nascemos e vivemos em uma sociedade capacitista.
Somos capacitistas quando:

• Desejamos que nossos filhos sejam perfeitos ao nascer (Completinhos);


• Olhamos com piedade as PCD;
• Igualamos mães, pais e ou responsáveis por PCD com heróis;
• Afirmamos que uma PCD é especial;
• Pensamos que a escola comum e o ensino regular não é para as PCD.

O decreto 10.502 que institui a nova Política Nacional de Educação Especial:


Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida é impregnada do mesmo
olhar capacitista que tanto desumanizou pessoas com deficiência ao longo da história da
humanidade. É capacitista quando propõem, por exemplo, escolas e ou salas especiais
para alunos/as/es com deficiência; quando não exige que a escola regular se adapte às
necessidades para alunos/as/es com deficiência. É essencialmente capacitista por sugerir
um afastamento da capacidade, da aptidão dessas pessoas pela deficiência que possuem.
Esse cenário capacitista e segregacionista só podem mudar através da mudança de
paradigma e somente a educação é capaz de promover tal transformação.
Sendo assim, podemos afirmar que cabe às políticas educacionais apresentarem
diretrizes que objetivem promover situações inclusivas, que contemplem a plenitude da
diversidade e diferenças humanas. Políticas essas que devem ser construídas e consoli-
dadas no cotidiano a partir das relações e discussões entre estado e sociedade, que vise
diminuir os perversos efeitos das práticas capacitistas.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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153
VIOLÊNCIA ESCOLAR:
No contexto da Escola Municipal
Dr Joaquim Marques Monteiro
no Município de Jequié-BA
Márcia Lima Xavier
Isis Emanoela do Amor Divino Borges
Michel Menezes da Costa

O PRIMEIRO OLHAR

As crianças mais difíceis são aquelas com o maior amor. Muitas vezes,
porém, não sabemos para onde estão olhando.
Bert Hellinger

Há mais de dez anos tenho observado situações de violência e transgressão no


espaço escolar, especialmente na Escola Municipal Dr. Joaquim Marques Monteiro de
Jequié-Bahia, onde sou lotada e exerci a função de professora durante 26 anos. Em um
período demarcado entre anos de 2009 e 2013, vivia-se na escola momentos de vanda-
lismo ao patrimônio público; circulação visível de drogas e entorpecentes, além de atitu-
des agressivas verbais e físicas, tanto de discente para discente, quanto de discente para
funcionários e professores e de funcionários e professores para discente. Tais situações
tomaram proporções alarmantes a ponto de chamar a atenção da comunidade escolar
através dos relatos proferidos pelos participantes das reuniões pedagógicas.
Infelizmente, após tantos anos, ainda não foi possível visualizar mudanças signifi-
cativas nesse cenário de violência, pois os casos de agressões entre integrantes do corpo
discente e para com integrantes do corpo docente são recorrentes. Uma pesquisa realiza-
da pelo Instituto Locomotiva e o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado
de São Paulo (APEOESP) e publicada no portal da Empresa Brasileira de Comunicação
(EBC) da Agência Brasil em 18/12/2019, mostrou que a violência nas escolas públicas
paulistas aumentou, bem como, que os episódios de bullying e discriminação foram os
que mais cresceram. O Conselho Federal de Psicologia também realizou uma pesquisa
entre 2013 e 2015, intitulada “Violência e Preconceitos na Escola” em que “[...] os alunos
denunciaram a ausência de diálogo com diretores e coordenadores pedagógicos e uma

154
cultura de violência que se manifesta não apenas em agressões físicas, mas em xinga-
mentos e bullying” (SENADO NOTÍCIAS, 2019, n.p.).
Na Bahia, em março de 2019, o sindicato dos professores temendo pela seguran-
ça da comunidade escolar em unidades educacionais, cobrou do governo do Estado a
criação de um ambiente em defesa da escola pública, no sentido de garantir e preservar
a integridade das pessoas que a compõe. E, objetivando dialogar com a Secretaria de
Educação do Estado Bahia (SEC/BA), além de problematizar as questões de segurança e
o medo vivenciado por alunos e professores nas escolas estaduais, o Sindicato dos Traba-
lhadores em Educação do Estado da Bahia (APLB) planejou um seminário, a nível esta-
dual, sobre violência nas escolas para dialogar com a Secretaria de Educação do Estado
da Bahia (SEC), a fim de fomentar questionamentos sobre a segurança da comunidade
escolar, mas este evento aconteceu apenas em uma edição.
Ainda assim, é evidente que não só na escola Municipal Dr. Joaquim Marques
Monteiro, como muitas outras escolas espalhadas pelo país continuam vivenciando si-
tuações críticas em relação à violência e, em consequência disso, profissionais da educa-
ção sentem-se de mãos atadas mediante tal problemática.
Carvalho (2014) situa bem esse problema ao argumentar que a violência tem se
tornado um ato corriqueiro na escola, pois faz parte do cotidiano, sendo comuns os atos
violentos entre os alunos, ou com professores e/ou com os bens materiais da escola.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cul-
tura (UNESCO) (2006) diversas partes do mundo noticiam homicídios e uso de armas
nos espaços escolares, dando a impressão de que esses lugares deixaram de ser cuidados
pelos órgãos competentes. A violência vivida no dia a dia da escola deixa o ambiente
inseguro, põe em cheque a qualidade da educação, pois tanto compromete o trabalho de
profissionais que tentam dia após dia fortalecer a importância da educação para a socie-
dade, quanto a disposição e interesse dos discentes.
Diante dessa problemática, surgiu a questão que norteou esta pesquisa: como
a escola e a família podem constituir parcerias conjuntas para combater a violência
que é materializada na prática pedagógica, no espaço escolar? Esse questionamento
objetivou identificar como a escola e a família têm lidado com a questão violência es-
colar e quais estratégias conjuntas podem contribuir para minimizar tal problemática.
Além de analisar as ocorrências de violência praticada por alunos no ambiente escolar
a partir dos relatos registrados nos documentos da escola (fichas individuais, livros de
registros de ocorrências).
A relevância de pesquisar este tema se justifica pelo fato de a família e a escola
terem passado por transformações, ao longo do tempo, no processo social e históri-
co, que interferem nas relações do sujeito na sociedade e, dessa forma, influenciam
no processo educacional da criança. A família é a representação dos espaços sociais
ao passo que é o lócus para exercer a cidadania, a qual torna o “homem verdadeiro e

155
autêntico” (MARX, 1975, p.59), promovendo, dessa forma, o desenvolvimento tanto
individual quanto em grupo.
Uma pesquisa que se propõe a analisar como família e escola juntas podem com-
bater a violência no ambiente escolar é pertinente; pois, segundo Oliveira e Souza (2014),
na escola são exteriorizadas as informações que são internalizadas em casa. A vida num
ambiente agressivo poderá resultar em atitudes de agressivas.
Sendo assim, foram analisados: o Projeto Político Pedagógico da Escola (PPP); o
Regimento Escolar; os livros de ocorrências; os registros nas fichas de acompanhamento
dos alunes, datados entre os anos de 2017 a 2019, do 1°ao 9° ano do Ensino Fundamen-
tal. A pesquisa foi dividida em três fases: pré-análise, tratamento dos dados e exploração
do material.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A família e a escola

A educação é um processo que continua ao longo de toda vida, mas os pila-


res estão na educação da família e da escola.
Andrea Ramal

Família e escola são instituições sociais que têm sofrido mudanças ao longo do
tempo e espaço. Convém lembrar que ambas, família e escola, estão entrelaçadas no pro-
cesso de educar numa relação de interdependência. Mas, é preciso deixar evidente quais
conceitos de família e escola sustentam essa pesquisa. O que não mudou, aliás, tem sido
fortalecida, é o entendimento da importância de ambas para o bom desenvolvimento
educacional de crianças e adolescentes.
De acordo com o Art. 226, inciso 4º da Constituição Federal (CF) de 1988, en-
tende-se por entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus des-
cendentes. Para Oliveira e Araújo (2010), a família é uma instituição que tem a respon-
sabilidade de educar as crianças e, por isso, influenciam no comportamento delas na
sociedade, sendo fundamental para o desenvolvimento desses indivíduos. É por meio
da instituição social família que são incorporadas, por seus membros, valores morais e
sociais, costumes e tradições padronizadas socialmente, através do processo de sociali-
zação. E nesta perspectiva,

É na família que a criança encontra os primeiros "outros" e com eles apren-


de o modo humano de existir. Seu mundo adquire significado e ela começa
a constituir-se como sujeito. Isto se dá na e pela troca intersubjetiva, cons-
truída na afetividade, e constitui o primeiro referencial para a sua constitui-
ção identitária (SZYMANSKI, 2004, p.07).

156
Por outro lado, a escola é uma instituição onde se deve instruir e garantir a apren-
dizagem visando à “socialização do saber sistematizado” contribuindo para que a criança
se desenvolva especificamente adquirindo “o saber culturalmente organizado e às áreas
distintas de conhecimento” (OLIVEIRA E ARAÚJO, 2010, p.101).
Dessa forma, a educação está impreterivelmente intrínseca à família e à es-
cola sendo uma responsabilidade que deve ser compartilhada por ambas em um diálogo
que seja constante. Nesse contexto, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei federal
nº 8.069, de 13 de julho de 1990, no capítulo IV, no Art. 53 afirma que:

A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desen-


volvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualifi-
cação para o trabalho, [...] Parágrafo único. É direito dos pais ou responsá-
veis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição
das propostas educacionais (BRASIL, 1990, p.16).

Sendo assim, torna-se imprescindível a comunicação entre a família e a escola


quando se trata de decisões referentes às propostas educacionais para as crianças e ado-
lescentes que, por sua vez, estão em conformidade com o Plano Nacional de Educação
em Direitos Humanos (PNEDH) em que se observa:

Não é apenas na escola que se produz e reproduz o conhecimento, mas é


nela que esse saber aparece sistematizado e codificado. Ela é um espaço so-
cial privilegiado onde se definem a ação institucional pedagógica e a prática
e vivência dos direitos humanos. Nas sociedades contemporâneas, a escola
é local de estruturação de concepções de mundo e de consciência social, de
circulação e de consolidação de valores, de promoção da diversidade cul-
tural, da formação para a cidadania, de constituição de sujeitos sociais e de
desenvolvimento de práticas pedagógicas (BRASIL, 2018, p.18).

Oliveira e Araújo (2010) concordam com o Plano Nacional Educação dos Direitos
Humanos (2018) e o Estatuto da Criança e do Adolescente em relação à relevância da
participação da família e da escola. As autoras reconhecem que escola e família são ins-
tituições que têm especificidades, mas também, que se complementam, apesar de terem
objetivos diferentes, pois se cruzam e dividem a função de direcionar as crianças para in-
cluí-las criticamente de forma participativa na sociedade (REALI & TANCREDI 2005).
Mas as divergências se acentuam quando se trata da tarefa de ensinar, já que, a
escola cabe facilitar “[...] a aprendizagem dos conhecimentos construídos socialmente
em determinado momento histórico, de ampliar as possibilidades de convivência social
e, ainda, de legitimar uma ordem social” (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2010, p.101), enquanto
que a família cabe socializar as crianças ensinando padrões de comportamentos que são
aceitos na sociedade como valores e atitudes.

157
O que se destaca na fala das autoras é que a divergência que existe entre a escola e
família está na função de ensinar de cada instituição. Elas citam padrões comportamen-
tais que são de responsabilidade da família ensinar. Esses padrões comportamentais são
as atitudes e valores e podem ser comparados às situações que acontecem no ambiente
familiar.
Segundo La Taille (2005), na escola é reproduzido os conflitos e as situações que
constituem o psicológico do sujeito desde a infância. Ele afirma que as “[...] funções
parentais primitivas estarão ali fielmente reproduzidas, suscitando a evocação de senti-
mentos, afetos e conflitos remanescentes” (LA TAILLE, 2005, p.50).
Em consonância com esse pressuposto, compreendemos que para La Taille (2005),
na escola as crianças experimentam “[...] vivências afetivas primitivas e fundamentais da
estrutura psicológica”; estando suscetíveis a reviverem [...] vivências afetivas antigas e
estruturantes da personalidade (LA TAILLE, 2005, p.49-50), que fazem despertar an-
tigos fantasmas. As relações do dia a dia na comunidade escolar contribuem para que
os alunos exponham suas fragilidades, mas também os melhores e piores sentimentos.
E, na medida, que essas vivências acontecem, a escola junto às famílias deve permitir
um aprendizado que busque sua qualificação como sujeito crítico de direito, capaz de
inserir-se na sociedade, reduzindo as desigualdades.

Diante desse contexto, se torna imperativo um trabalho entre as instituições,


as famílias e toda a sociedade no sentido de valorizar a escola e o professor.
Além disso, é necessária forte articulação da unidade escolar com a família e
os alunos no estabelecimento das normas de convívio social na escola, cons-
truídas com a participação ativa da comunidade e dos alunos e registradas
em um regimento escolar pautado na legislação educacional e no Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) (BRASIL, 2013, p.112).

Desse modo, a escola precisa encontrar um meio para estreitar os laços entre ela
e as famílias. Lançar mão de atividades que aproximem a comunidade do ambiente que
permitam as famílias sentirem confiança no trabalho dos profissionais que estão no dia
a dia com seus filhos, pois para as famílias a relação com a escola está pautada nos en-
contros na porta da escola nos horários de entrada e saída, nas reuniões e comemorações
de datas festivas, ou seja, “um relacionamento superficial e limitado a situações ‘formais’,
como as reuniões bimestrais e as comemorações, ambas organizadas pela escola” (OLI-
VEIRA; ARAÚJO. 2010 p.105).
Ainda, sob a perspectiva de Oliveira e Araújo (2010), é possível compreender a
relevância de aproximar a família e a escola nas discussões que tratam sobre os com-
portamentos violentos no espaço escolar. Para as autoras, ao emergirem ao mundo, as
crianças têm o primeiro contato com a família e as informações que internalizam ou ex-
teriorizam, nesse convívio, podem levá-las a internalizarem agressividade, se o ambiente

158
assim proporcioná-las, de forma que, talvez venham também, a exteriorizarem atitudes
de agressividade.
Rego (1996), sob o mesmo ponto de vista de Oliveira e Souza (2014) diz que a
família é, coletivamente, a primeira experiência social das crianças e por isso, transmite
informações que exteriorizam em outros ambientes. A autora afirma que a família in-
fluencia muito, pois a maneira como os responsáveis praticam a criação e a educação
dessas crianças e adolescentes exerce interferência no desenvolvimento e comportamen-
to da criança na escola.
Em vista disso, Oliveira e Araújo (2010) nos chamam atenção para um fato muito
importante que acontece na relação família e escola:

[...] a relação entre a família e a escola tem-se caracterizado por ser um


fenômeno pouco harmonioso e satisfatório, uma vez que as expectativas de
cada instituição ou de cada ator envolvido não são atendidas e se mostram
pouco favoráveis ao crescimento e desenvolvimento dos alunos, os quais se
aborrecem com a relação em vez de tê-la como fonte de apoio e colabora-
ção (OLIVEIRA e ARAÚJO, 2010, p.107).

As autoras fazem reflexões que revelam as ocorrências diárias da escola. Elas vão
direto ao ponto, as insatisfações, os aborrecimentos que enfraquecem as relações famí-
lia/escola no dia a dia. Não há diálogo, discussões que os levem para um ponto de con-
vergência de interesses comuns e a certeza de que juntos podem ser mais eficazes no
propósito de educar. Assim, argumentam que “[...] um importante desafio surge para os
pesquisadores, estudiosos e profissionais da educação” (OLIVEIRA e ARAÚJO, 2010,
p.107), que é fazer com que a relação família-escola aconteça de forma mais agradável e
positiva, contribuindo efetivamente para o desenvolvimento, a socialização e a aprendi-
zagem das crianças.
Diante do exposto até aqui, mais do que nunca se faz necessário pensar em alterna-
tivas que modifiquem “a relação família-escola” e a transforme numa relação de parceria
e não de ameaça. Por isso, é fundamental que sejam pensadas ações nas quais envolvam
essas duas instituições – família e escola – de forma que todos sintam prazer em participar
e contribuam para a socialização, a aprendizagem e o desenvolvimento, principalmente das
crianças e dos adolescentes que formam essa comunidade (OLIVEIRA E ARAÚJO 2010).
Por conseguinte, assegura-se a formação de uma sociedade mais justa.

Violência na Escola

A escola sempre foi um refúgio contra a violência para crianças e adolescen-


tes. Hoje, ironicamente, a violência está na escola.
Douglas Rodrigues da Silva

159
O fenômeno da violência tem sido motivo de perplexidade e objeto de estudo
para muitos pesquisadores em várias áreas do saber. Mas para adentrarmos nessa “seara”
é de grande relevância para pesquisa, mesmo que de forma breve, citar o que dizem os
especialistas em relação à percepção de como a violência é vista pelo corpo discente e o
corpo docente no espaço escolar.
De acordo com Silva (2002), os alunos veem a violência na falta de respeito entre
as pessoas, quando há agressão física, como estupro e brigas em família. Contudo, para o
corpo docente há violência quando as leis são infringidas e geralmente está associada às
pessoas que pertencem às classes mais vulneráveis da sociedade.
Sendo assim, embasados nos autores que tratam desse tema, entendemos que
a violência deve ser analisada num contexto mais amplo, “[...]diante de todas as suas
implicações negativas, dentro desta sociedade desigual de exclusão [...]” (CARVALHO,
2014, P.22).
Souza (2008) também discorre de maneira competente sobre o tema, mostrando
toda a complexidade desse fenômeno, presente em nossa sociedade, nas mais diversas
formas e situações:

Cotidianamente convive-se com diversas modalidades de violência, visíveis


ou disfarçadas, variando inclusive a intensidade das ocorrências. As formas
e o grau das ações violentas variam, porém suas marcas são profundas para
aqueles que são vitimados. Cada vez mais perceptível na sociedade, o fe-
nômeno da violência, seja urbana, policial, familiar ou escolar, tornou-se
objeto de estudo e tem ocupado grande parte das reflexões de profissionais
dedicados à análise dos fenômenos sociológicos (SOUZA, 2008, p.121).

Coadunamos com Souza (2008) que a violência suscita o interesse da pesquisa,


pois é um fenômeno presente no dia a dia e que tem vitimado muitos indivíduos com
profundos impactos na vida social e na saúde mental. É um tema atual, presente em to-
dos os âmbitos da sociedade e, de acordo com Abramovay (2005), hoje naturalizada e às
vezes despercebida. Por isso, para as autoras, no cotidiano, as notícias sobre violência são
espetacularizadas “[..] tomando a forma ora de conflito, ora de alterações que se acercam
do fatal” (ABRAMOVAY, 2005, p.54).
De acordo com Paviani (2016, apud Chauí), a violência parte da força e viola a
liberdade. É toda ação que vai de encontro à natureza, aquilo que não é espontâneo, que
fere a vontade ou a liberdade de alguém, “[...] todo ato de transgressão contra aquelas
coisas e ações que alguém ou uma sociedade define como justas e como um direito” (PA-
VIANI, 2016, p.19).
Portanto, qualquer delito que vai de encontro com o que está estabelecido, pra-
ticado no ambiente escolar, é considerado uma violência. Paviani (2016) corrobora com
essa argumentação dizendo que o termo violência “[...] atualmente está na ordem do dia.

160
Ele frequenta a mídia, está nas ruas e na internet. O senso comum refere-se a ele de
modo simplificado e parcial [...]” (PAVIANI, 2016, p.9).
Desse modo, essa transgressão de ações valorizadas pela sociedade se constitui
na violência que é praticada frequentemente. Para Koehler (2008), a violência expressa
vários tipos de relações entre adultos, crianças, profissionais de diferentes setores. As
relações interpessoais, entre classes sociais e as intersubjetivas que acontecem entre as
pessoas que constituem uma sociedade, como também profissionais de várias categorias.
Sendo assim, segundo os estudos de Koelher (2008), o que se vê é a coisificação
dos indivíduos, e a presença da violência justificada na negação de valores como liber-
dade, igualdade e a própria vida. Os exemplos de relações citados por Koelher (2008)
remetem também aos aspectos psicológicos e sociais que, segundo Senna (2013), estão
ligados ao contexto sociocultural. Desse modo, a violência é “um fenômeno psicossocial
complexo que se expressa, de múltiplas formas, e se encontra sempre vinculada ao con-
texto social e histórico” (SENNA, 2013, p.13).
A escola e a família, enquanto instituições bases da sociedade, são espaços de pro-
dução e reprodução de muitas dessas violências. Em se tratando de violências praticadas
nas escolas, Abramovay (2005; apud Charlot 1997), relaciona algumas especificidades:

[...] em primeiro lugar, o aparecimento, no ambiente escolar, de formas de


violência mais graves do que as verificadas no passado (homicídios, estu-
pros, agressões com armas); segundo os ataques e insultos de alunos contra
professores (e vice-versa) se tornaram mais frequentes; terceiro, houve um
aumento das intrusões externas na escola (invasões) e; quarto, a existência
de um “estado de sobressalto, de ameaça permanente” entre os adultos de
certos estabelecimentos de ensino (ABRAMOVAY, 2005, p.67).

Nesse contexto, coadunamos com Ruotti (2010, p.342 apud SOARES, 2006) quan-
do afirma que a violência tem um padrão, uma linguagem, por isso, não é uma “manifes-
tação de irracionalidade”. A autora enfatiza a necessidade de investigar as manifestações
de violências presenciadas na sociedade. Assim, é preciso estudar esse tipo de violência
para que sejam elaboradas ações no intuito de solucionar o problema no espaço escolar.
Nessa perspectiva, convém aqui, segundo Charlot (2002) fazer uma distinção:

A violência na escola é aquela que produz dentro do espaço escolar, sem


estar ligada à natureza e às atividades da instituição escolar: quando um
bando entra na escola para acertar contas das disputas que são as do bairro,
a escola é apenas o lugar de uma violência que teria podido acontecer em
qualquer outro local. (...) A violência à escola está ligada à natureza e às ati-
vidades da instituição escolar: quando os alunos provocam incêndios, ba-
tem nos professores ou os insultam, eles se entregam a violências que visam
diretamente a instituição e aquelas que representam. Essa violência contra
a escola deve ser analisada junto com a violência da escola: uma violência

161
institucional, simbólica, que os próprios jovens suportam através da manei-
ra como a instituição e seus agentes os tratam (CHARLOT, 2002. P. 432).

O autor considera importante compreender como a violência que é desencadeada


no ambiente escolar tem representatividade da violência externa, seja do âmbito fami-
liar ou de outras relações sociais. Com a intenção de complementar a distinção feita por
Charlot (2002), recorremos então, à Pereira e Willians (2010), que apresentam os vários
conceitos de violência escolar através do esquema abaixo:

FIGURA 1: Esquema sobre o conceito de violência escolar

Fonte: (PEREIRA; WILLIANS, 2010, p.49)

Segundo Prioto e Boneti (2009), a violência escolar tem características que a di-
ferencia porque age numa mão dupla: de vítima e agressora, sendo assim, tanto recebe a
agressão, quanto a produz.
Por isso, para Charlot (2002), o fenômeno da violência à escola está relacionado à
instituição escolar e, talvez, por isso, seja o foco de estudo de profissionais da educação.
Vítimas e/ou agressores da violência escolar, os alunos sofrem e podem ter seu de-
senvolvimento saudável afetado. Logo, no ambiente escolar, os relacionamentos se inten-
sificam. Essa intensidade de relações sociais proporciona a formação de grupos que são
pequenos universos dentro da instituição escolar. Esses grupos interagem, mas também,
divergem. E ao divergirem devolvem à escola, em forma de ações, o sentimento por ela
internalizado; seja ele bom ou ruim.

162
La Taille (2005) diz que no ambiente escolar as crianças estarão mais suscetíveis
a sentimentos de perseguição, competitividade, se achando injustiçadas e frustradas nas
suas primeiras experiências; e, assim, ressuscitando outros eventos.
Assim, observamos que a violência escolar pode ser o reflexo de experiências mal-
sucedidas e se apresenta em muitas facetas; por isso, enfrentá-la é tão desafiador. Os
fantasmas os quais La Taille (2005) nos chama a atenção, podem estar relacionados a
diversas situações, que crianças, adolescentes e jovens estão suscetíveis a todo o momen-
to no percurso da vida. Segundo Souza (2008), as agressividades que se configuram no
comportamento das crianças, talvez estejam relacionadas ao ambiente familiar e social
delas e, por isso, elas consideram normal essas atitudes, porque presenciam situações de
violência e muitas vezes sofrem com a violência.
Sendo assim, o importante é perceber que a violência, seja no âmbito familiar ou
da comunidade, interfere no cotidiano escolar, pois, apesar de acontecer no ambiente es-
colar, a violência é concebida em ambientes externos a exemplo de: famílias em situação
de vulnerabilidade, com muitos conflitos socioemocionais.
Souza (2008) também chama a atenção para os exemplos de sociedade, pois in-
fluenciam a personalidade das crianças: “[...] uma criança que não é educada para respei-
tar os outros, a partir das noções de valores e cidadania, busca satisfazer suas vontades
e, quando isso não acontece, ela se torna violenta” (SOUZA, 2008, p.127-128). A autora
ainda argumenta que crianças e adolescentes têm como modelo a sociedade atual que
lhes é apresentada através do jornalismo seja de forma escrita, falada ou televisada, além
da internet, em que mostram cenas reais de todo tipo de violência. De acordo com o Pla-
no Nacional de Educação (PNE), os direitos humanos na cultura da escola podem estar
presentes à violência simbólicas

[...] que impõe normas, valores e conhecimentos tidos como universais e


que não estabelece diálogo com a cultura dos alunos, frequentemente con-
duzindo um número considerável deles ao fracasso escolar. Não só o fra-
casso no rendimento escolar, mas também a possibilidade de fracassar que
paira na escola criam um efeito de halo que leva os alunos a se insurgirem
contra as regras escolares (BRASIL, 2013, p.111).

Desvinculada da realidade de quem se quer atingir a cultura vivenciada na escola


não contempla sua clientela, expondo-a e causando conflitos internos a todo instante.
Ainda não nos damos conta de que a cultura que é prestigiada na escola; como as cren-
ças e os valores estão muito distantes da cultura dos alunos. Ademais, segundo Canem
(2001), as práticas docentes precisam privilegiar a diversidade de culturas que circulam
no espaço da escola. Para isso, deve haver a conscientização de que essas práticas não
podem apenas levar em consideração o sucesso ou fracasso dos estudantes, mas, acima
de tudo, promover a aprendizagem de todes, independente de etnia, classe social, gênero

163
ou padrões culturais. Dessa forma, permitir às crianças e aos adolescentes alcançarem “a
inserção crítica, participativa e produtiva na sociedade” (OLIVEIRA e ARAÚJO, 2010,
p.101 apud REALI & TANCREDI, 2005), para que possam interagir e transformá-la.
Logo, entender os conceitos e diferenciar as formas de violência leva a comuni-
dade escolar a pensar ações que mirem diretamente no motivo que desencadeia os atos
de violência no seu ambiente mas, acima de tudo, compreender que a escola e os pro-
fissionais que nela transitam, não podem eximir-se da responsabilidade de produzir tal
violência (PRIOTTO E BONETI 2009).

METODOLOGIA

A pesquisa é de abordagem qualitativa, pois permite insights e compreensão do


contexto do problema, além do alcance de uma compreensão qualitativa das razões e
motivações. Ela também dá ao pesquisador a condição de emergir no contexto e na con-
dução da pesquisa numa perspectiva interpretativa.
Segundo o que afirmam Ludke e André (1986), a abordagem qualitativa facilita
a compreensão do que é complexo, ou seja, de um problema ou hipótese e aproxima o
pesquisador dos sujeitos pesquisados.

Pesquisa Documental

De acordo com Gil (2008), a pesquisa documental é muito semelhante com a pes-
quisa bibliográfica, mas se diferem devido à objetividade da pesquisa documental se
constituindo num momento relacional e prático de fundamental importância, com a
exploração de documentos arquivados e guardados em órgãos públicos ou privado.
Segundo Bogdan e Biklen (1994, p.6), “[...] a investigação em educação qualita-
tiva, assume muitas formas e é conduzida em múltiplos contextos”. Sendo assim, esta
pesquisa terá uma abordagem qualitativa com levantamento do material que será ad-
quirido por meio da pesquisa documental. De acordo com Gil (2008. p. 51), a pesquisa
documental é muito semelhante com a pesquisa bibliográfica, mas se diferem devido à
objetividade da pesquisa documental se constituindo num momento relacional e prático
de fundamental importância exploratória de documentos arquivados e guardados em
órgãos públicos ou privados.

[...] o documento escrito constitui uma fonte extremamente preciosa para


todo pesquisador nas ciências sociais. Ele é, evidentemente, insubstituível
em qualquer reconstituição referente a um passado relativamente distante,
pois não é raro que ele represente a quase totalidade dos vestígios da ativi-
dade humana em determinadas épocas. Além disso, muito frequentemente,

164
ele permanece como o único testemunho de atividades particulares ocorri-
das num passado recente (CELLARD, 2008: 295).

Desse modo, serão analisados: o Projeto Político Pedagógico da Escola (PPP); o


Regimento Escolar, os livros de registros de ocorrências de entre os anos de 2009 a 2019,
delimitados em um intervalos de 5 em 5 anos, devido a quantidade de documentos pro-
duzidos.
Observamos que as fichas e os registros nas turmas do 6° ao 9° ano do Ensino
Fundamental dos Anos Finais, entre os anos de 2017 a 2019, trazem um maior número
de informações sobre as ações consideradas violentas no ambiente escolar. A delimitação
do material se deu de acordo com a qualidade do material e a quantidade de relatos sig-
nificados, escolhidos diante do critério de gravidade das ações praticadas.
De acordo com Elenice Ferreira (2020, s.p)*, a pesquisa documental é uma meto-
dologia indispensável para a investigação na área de ciências sociais humanas. A partir
dela é possível utilizar os documentos para extrair informações examinando “ações in-
vestigativas impregnadas de aspectos metodológicos”.
As vantagens desse tipo de pesquisa são:

• Os documentos são fontes ricas e estáveis de dados;


• Os documentos subsistem ao longo do tempo;
• É a mais importante fonte de dados em qualquer pesquisa de natureza histórica.
• Constituem pesquisas de baixo custo;
• Não necessitam de contato com os sujeitos da pesquisa;
• Favorecem a obtenção de dados sem o constrangimento dos sujeitos;
• São decisivas em Ciências Humanas e Sociais;
• Os documentos são quase sempre a base do trabalho de investigação (GERHARDT; SILVEIRA,2009,p. 45).

Por outro lado, existem as desvantagens como: a subjetividade da pesquisa. O


tempo também constitui fator relevante para a localização das fontes, ou seja, pode de-
morar-se muito para a elaboração da pesquisa documental. Nesse tipo de pesquisa deve-
-se verificar a disponibilidade dos documentos para estudo; estudar a documentação;
determinação dos objetivos; elaboração do plano de trabalho; identificação das fontes;
localização das fontes e obtenção do material e tratamento dos dados. Nesse sentido,
coadunamos com Cellard (2008) de que a pesquisa documental permite a observação do
processo de evolução dos sujeitos, seja em seus respectivos grupos ou não.
Portanto, teremos uma pesquisa de abordagem qualitativa, com pesquisa docu-
mental e análise de conteúdo de acordo com Bardin (2010) para analisarmos o que os

* s.p significa sem número de páginas .

165
dados nos mostram e o que está implícito nas ações descritas e palavras escritas. Segun-
do a autora a análise de conteúdo é um

[...] conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por


procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das men-
sagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis in-
feridas) dessas mensagens (BARDIN, 2010, p.44).

Lócus da pesquisa

A escola municipal Dr. Joaquim Marques Monteiro está localizada na Rua Ci-
dade de Brasília s/n, no Bairro do Brasil Novo, na cidade de Jequié-Ba. Ela foi fundada
em 1994. Inicialmente oferecia o ensino apenas nas modalidades de Educação Infantil e
Anos Iniciais (1° ao 5°ano) do Ensino Fundamental. Ao longo dos anos foi se adaptando
à necessidade da comunidade, recebeu algumas reformas para ampliação e estendeu o
atendimento do ensino para os Anos Finais (6° ao 9º ano) e a EJA.
Atualmente não atende à Educação Infantil e gradualmente está deixando de aten-
der aos Anos Iniciais para se adaptar a demanda da comunidade local e adjacências com
dedicação exclusiva para os Anos Finais (6° ao 9°ano) e EJA Juvenil e Educação de Jovens
e Adultos (EPJAI).
Com 11 salas de aula é considerada uma escola de médio porte. Possui laboratório
de informática, sala de atendimento às crianças especiais, sala de leitura e de vídeo. Sua
clientela é oriunda da periferia, ou seja, atende às classes mais vulneráveis (filhos de tra-
balhadores/as rurais, das indústrias, do comércio; desempregados, e etc).

Documentos

Nesse tópico apresentamos os documentos que foram escolhidos para servirem


como fonte de coleta de dados para a análise. Ruckstadter e Ruckstadter (2011) explicam
bem a importância dos documentos para uma pesquisa na área das Ciências Sociais:

Trata-se de todo o registro feito de modo intencional ou não, de fatos, da-


dos e interpretação sobre aspectos da história humana, de indivíduos ou de
grupos, institucional ou livre. Os documentos indicam os acontecimentos,
mas revelam também as intenções e interpretações daqueles que elaboram
os registros (RUCKSTADTER; RUCKSTADTER, 2011, p. 102).

Sendo assim, nessa pesquisa utilizamos os livros de registros de ocorrências dos


anos letivos de 2017 a 2019, as fichas de acompanhamento individual dos alunos do ano

166
letivo de 2019 e o Projeto Político Pedagógico da Escola. A utilização desses documentos
está em consonância com o que afirma Ferreira (2020) sobre a qualidade da investigação
que o/a pesquisador/a vai desenvolver.
Nessa perspectiva, para Tuzzo e Braga (2016), a pesquisa permite ver os objetos
por outros ângulos, desde que o pesquisador aprofunde suas observações. Dessa forma,
há a ampliação de perspectiva, havendo mudança de ideia nas variáveis: forma, tamanho,
cor. Dessa forma, “pesquisar é escrever um soneto de luz. A luz que parte do objeto, mas
que se concretiza na clareza de novas ideias de um universo multifacetado de pesquisas,
de arte e de vida” (TUZZO e BRAGA, 2016, p. 130).

O QUE DIZEM OS DOCUMENTOS DA ESCOLA


O PPP da escola Municipal Dr. Joaquim Marques Monteiro

Para iniciar nossa análise, o primeiro documento analisado foi Projeto Político
Pedagógico (PPP) da escola. É um documento que teve sua primeira versão em 2009 e
uma reformulação iniciada em 2011, mas que não foi concluída, devido a rotatividade
da gestão escolar durante as gestões municipais entre os anos de 2013 e 2018. Apesar de
a revisão do PPP ainda não ter sido feita, o texto que foi elaborado em 2009, continua
vigorando nos dias atuais e tem relevantes informações para o esclarecimento de alguns
pontos da pesquisa.
Sendo assim, é importante, inicialmente, entendermos quais as concepções de
homem, sociedade e educação são defendidas no PPP. Esse documento aborda a con-
cepção de homem como ser que pode ser modificado pelo meio em detrimento de uma
vida mais tranquila. Também, traz a concepção de sociedade como convívio em grupo
que exige a obediência de regras que servem ao coletivo. Concebe a educação como
instrumento que media o conhecimento do senso comum e o conhecimento científico.
Também traz alguns projetos pedagógicos em que foram propostos para fomentar a dis-
cussão sobre a violência na comunidade escolar e local.
Essa busca por informações nos permitiu identificar explicitamente uma aborda-
gem referente à violência contra o patrimônio escolar, aqui representada neste fragmento:

[...]a violência com o espaço físico da escola no que tange o seu patrimônio;
pichações depredações aparecem todos os dias como se todos os ranco-
res oriundos de políticas públicas sem sucesso, o patrimônio público fosse
responsável (Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Dr Joaquim
Marques Monteiro, 2011, p.110).

Observamos que a gestão e a comunidade escolar tinham uma preocupação com


a violência na e à escola (CHARLOT 2002). Por isso, na parte do PPP intitulada Plano
de Ação, é possível identificar alguns objetivos para melhorar a convivência e, assim,

167
solucionar ou minimizar esse problema. Objetivos que buscavam integrar a comunidade
escolar de forma que a convivência fosse harmoniosa. Por outro lado, não encontramos
neste documento ações direcionadas para a violência da escola. Destacamos aqui dois
objetivos gerais do PPP :

• Organizar e desenvolver situações de ensino: reconhecendo e respeitando di-


ferenças relacionadas a fatores tais como nível sócio-econômico, cultura, et-
nia, gênero, religião e outros;
• Utilizar os conhecimentos sobre a realidade: econômica, cultural, política e
social, para compreender o contexto em que está inserida a prática educativa,
explicando as relações entre o meio social e a educação e comprometendo-se
com a transformação dessa realidade.

E um específico:

• Propor uma prática pedagógica que supere os problemas de indisciplina e que


torne a Escola cada vez mais democrática;

Percebemos nos objetivos elencados que a comunidade escolar tem se preocupa-


do em desenvolver ações que promovam o ensino, observando a realidade da comunida-
de escolar, buscando superar os problemas de indisciplina, através de práticas pedagógi-
cas direcionadas aos acontecimentos do cotidiano. Souza (2008) afirma que a violência
está presente cotidianamente e preocupa toda sociedade. A preocupação da escola deixa
transparecer essa realidade.

Quadro 1: Trechos do Plano de Ação do PPP da escola

Fonte: Retirado do PPP, foto da pesquisadora.

168
Quadro 2: Ações para envolver a família e documentar as ocorrências

Fonte: Retirado do PPP, foto da pesquisadora.

Os livros de ocorrências

Esses documentos são parte fundamental para memória imaterial de uma insti-
tuição escolar e como documentação comprobatória dos fatos que ocorrem dentro e fora
do ambiente. Nesse caso, os livros trazem relatos das ocorrências com relação as ativida-
des diárias dos membros da comunidade escolar.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesse sentido, ao voltarmos nosso olhar atento para os quadros 1 e 2, observamos


que a produção do documento traz no Plano de Ações, atividades que visam harmonizar
a convivência no espaço escolar. As informações presentes no texto nos levou a deduzir
que tais ações foram criadas por haver problemas relacionados à indisciplina dos alunos
no espaço escolar e também fora dele.
Observe que na segunda linha do quadro 1 a ação é “combater qualquer tipo de
discriminação, seja racial, política, social ou mesmo de opiniões ;”. Essa ação nos conduz
a dedução que essas questões permeavam o universo dessa escola e, por isso, se fez neces-
sário que a comunidade escolar buscasse ações para solucionar os possíveis problemas
normatizadas no Projeto Político da Escola.
Também observamos que na produção do documento, há a preocupação de inse-
rir ações que envolvam a família nos projetos pedagógicos da escola. De acordo com o
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos,

A educação em direitos humanos vai além de uma aprendizagem cogni-


tiva, incluindo o desenvolvimento social e emocional de quem se envol-
ve no processo ensino- aprendizagem (Programa Mundial de Educação
em Direitos Humanos, PNEDH, 2005). A educação, nesse entendimento,

169
deve ocorrer na comunidade escolar em interação com a comunidade local
(BRASIL, 2018, p.18).

Dessa forma, o ponto chave de nossa análise encontra-se nos dados observados
no livro de ocorrência e nas fichas de acompanhamento dos alunos, pois registraram os
acontecimentos mais conflituosos entre os anos de 2009 a 2019 de alunos X alunos, alu-
nos X professores e direção; dentro e fora de sala de aula. Ameaças, agressões verbais e
físicas, destruição do patrimônio, indisciplina, etc.

Quadro 3: Categorias e enfoques

Categorias e enfoques

Violência ou transgressão? Ações da gestão escolar Reação da família


Atitudes dos alunos

O aluno falou palavrões, chutou Foi retirado da escola Não há relatos.


o que viu pela frente e ameaçou Informou a família do acontecido e
agredir os colegas e funcionários pediu a presença do responsável.
na presença de alguns pais. Ao ser
retirado da escola jogou pedras.

Ameaçou colegas e funcionários, Chamou o conselho tutelar e a polícia Não há relatos.


chutou o portão, agrediu fisica- militar que conduziu o aluno à sua
mente um colega. residência e solicitou a presença da
genitora.

O aluno ameaçou o colega, fez Convocou a família para uma peque- Questionou o aluno quanto à
tumultuo no corredor, xinga- na reunião e informou as atitudes concordância em permanecer na
mentos não cumpriu as regras de do aluno na presença do mesmo que escola.
convivência na sala de aula. reagiu com agressividade.

Ameaçou colegas, fez xingamen- Comunicou a mãe. Acatou a punição informando


tos. que o aluno tem as mesmas
atitudes violentas em casa.

Faltou com respeito aos membros Convocou a família e suspendeu o


da escola, não cumpriu as regras aluno. A mãe culpou o pai e disse que
de convivência na sala de aula. o filho não respeita nenhum dos
dois. Também fez reclamações
de funcionários e não garantiu
melhora no comportamento
do aluno e não quis assinar a
suspensão do aluno.

Desobedeceu e empurrou o por- Informou à mãe que o aluno seria Acatou a ação da escola.
teiro, causando um arranhão no suspenso e o enviou para casa.
braço do mesmo.
Insultou os colegas, professores
e funcionários, não cumpriu as
regras de convivência na sala de
aula.

170
Insultou a vice-diretora com pa- Suspendeu o aluno por 5 dias. Acatou a decisão.
lavrões, não cumpriu as regras de
convivência na sala de aula.

Agrediu com tapa na face uma Chamou o SAMU e a Ronda Escolar Os responsáveis compareceram
colega resultando em luta corporal para ajudar à escola e concordaram em con-
e soco na testa da mesma criando Conseguiu contornar a situação e ter os ânimos.
grande hematona. mandou os alunos envolvidos na
Lesão corporal em volta do briga para casa para retornarem com
pescoço da diretora ao tentar os responsáveis.
separar.
As agressões desencadearam out-
ras brigas. O aluno não cumpriu as
regras de convivência no ambiente
escolar.

Desacatou a professora, agrediu Chamou a ronda escolar e encamin- A mãe compareceu à escola
fisicamente colegas, desacatou um hou o aluno ao complexo policial e solicitou que uma cunhada
policial, nunca cumpriu as regras acompanhado de um responsável. acompanhasse o filho, mas no
de convivência na sala de aula. dia seguinte foi a uma FM da
cidade fazer denúncias contra a
diretora, alegando que ela teria
chamado a polícia para seu filho.
Depois solicitou uma reunião
com o conselho escolar. Decidiu
que o aluno ficaria até o fim
do ano letivo, dando mais uma
chance, contudo se praticasse
mais algum ato indesejável na
escola seria transferido.

Aluno agrediu com uma pedrada Recebeu a mãe da menina e relatou A mãe da aluna: Levou a filha à
uma aluna fora da escola, além os fatos. emergência e disse que buscaria
de ameaçá-la anteriormente por o conselho tutelar e a família do
várias vezes. Não cumpriu as agressor.
regras de convivência na sala de
aula.

Xingamentos, jogou bolinha de Emitiu diversas suspensões e a mãe Não há relatos


papel e ameaçou os colegas. Colo- foi chamada a escola.
cou uma rã na mesa da professora,
não cumpriu as regras de con-
vivência na sala de aula.

Usou o celular o tempo todo, Emitiu advertências e suspensões. Não há relatos.


tumultuou a aula, não cumpriu as
regras de convivência na sala de
aula.

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

O quadro 2 descreve atitudes praticadas pelos alunos da Escola Municipal Dr.


Joaquim Marques Monteiro, nos anos de 2009 a 2019, e as ações da escola para resolver
os conflitos. Nele fizemos um recorte de cinco em cinco anos e destacamos alguns relatos

171
que mais nos chamaram a atenção durante esse período, principalmente, os datados do
ano de 2019.
A maior incidência nos últimos anos de casos de violência associados a instituição
escolar, não é algo aleatório. Os outros fatos são relatados no PNEDH (BRASIL, 2018).
Segundo este documento também podemos observar que

Além do recrudescimento da violência, tem-se observado o agravamento


na degradação da biosfera, a generalização dos conflitos, o crescimento da
intolerância étnico-racial, religiosa, cultural, geracional, territorial, físico-
-individual, de gênero, de orientação sexual, de nacionalidade, de opção
política, dentre outras, mesmo em sociedades consideradas historicamente
mais tolerantes. (BRASIL, 2018, p.7).

Oliveira e Araújo (2010) conceituam a escola como instituição, a qual cabe socia-
lizar o saber adquirido através da cultura e à família repassar os costumes e valores, pre-
parando moralmente as crianças; e isso deve acontecer na “educação primária”. Contudo,
sabemos que a família e a escola têm sofrido transformações, em um processo social e
histórico, que interferem nas relações do sujeito na sociedade e, dessa forma, modificam
o processo educacional dos alunos.
Os relatos revelam que a gestão escolar buscou resolver os atos violentos no espa-
ço escolar, na maioria das vezes, comunicando aos responsáveis as ações praticadas pelos
alunos/as/es no ambiente escolar e até mesmo fora dele, e como forma de punição usou
a suspensão das aulas, mas que também em situações com maior gravidade buscou o
auxílio do conselho tutelar, da polícia militar e da guarda municipal.
Porém, a comunicação aos responsáveis muitas vezes não surtiu efeito esperado
pela escola, já que, ocorreram casos que resultou em reincidência. Alguns relatos cha-
mam a atenção. Por exemplo:

1. “A mãe culpou o pai e disse que o filho não respeita nenhum dos dois. Fez re-
clamações de funcionários, não garantiu melhora no comportamento do alu-
no, também não quis assinar a suspensão do aluno.”

2. “A mãe compareceu à escola e solicitou que uma cunhada acompanhasse o


filho, mas no dia seguinte foi à uma FM da cidade fazer denúncias contra a
diretora, alegando que ela teria chamado a polícia para seu filho. Depois soli-
citou uma reunião com o conselho escolar”.

É necessário justificar aqui, que se trata do mesmo aluno que, por vezes, tanto o
pai quanto a mãe estiveram na escola, com maior frequência da mãe. Apesar de a presen-
ça paterna ser relatada em alguns casos, na maioria das vezes na figura materna que era

172
depositada as expectativas de contornar as situações geradas por seus filhos, como se a
responsabilidade de educar fosse principalmente dela. Podemos afirmar que o

[...] homem encontrava dificuldades para separar sua individualidade das


funções de pai. Manteve-se protegido no silêncio, comprometedor de toda
possibilidade de diálogo com a família, especialmente com os filhos. Foi
sempre apoiado pela cultura que, sendo patriarcal, reservou-lhe lugar aci-
ma da trama doméstica constituída, sobretudo pela mulher e pela criança
(BENZICK, 2011, p.68).

Os comportamentos descritos em alguns relatos deixam transparecer que algo


também não andava bem no seio de algumas famílias.

A violência familiar também é um fator que contribui para o crescimen-


to de crianças violentas nas escolas, pois na maior parte dos casos, estas
crianças crescem vendo os pais se agredirem. Existem também crianças
que crescem sem uma estrutura familiar, sem ter em quem buscar apoio
[...] (SILVA MATA e VAZ, 2017, p.97).

As autoras retratam nesse fragmento um conteúdo que pode explicar a violência e


as transgressões cometidas por crianças e adolescentes nos espaços escolares. Elas tam-
bém chamam a atenção para a maneira como muitos pais e responsáveis entendem que
a função de ensinar valores como respeito ao próximo é só da escola, quando na verdade
é dever de ambas.
Outra observação importante é que todas as vezes que a escola expediu as suspen-
sões, solicitou a ajuda do conselho tutelar e da polícia militar foi com o intuito de punir.
Nesse sentido, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos diz que:

Não é apenas na escola que se produz e reproduz o conhecimento, mas é


nela que esse saber aparece sistematizado e codificado. Ela é um espaço
social privilegiado onde se definem a ação institucional pedagógica e
a prática e vivência dos direitos humanos. Nas sociedades contempo-
râneas, a escola é local de estruturação de concepções de mundo e de
consciência social, de circulação e de consolidação de valores, de pro-
moção da diversidade cultural, da formação para a cidadania, de consti-
tuição de sujeitos sociais e de desenvolvimento de práticas pedagógicas
(BRASIL, 2018, p.18).

É importante frisar que ainda não é comum na sociedade e nas escolas desse país a
prática da cultura de valorização e promoção dos direitos humanos. Outro agravante é a
escassez de recursos que poderiam ser convertidos em políticas públicas desta natureza.
Muitas escolas públicas têm comportamentos agressivos.

173
Dessa forma, muitas vezes a gestão escolar encontra dificuldades para estabelecer
parcerias com as famílias, em prol do combate à violência na escola e cultura de promo-
ção dos direitos humanos, pois essas famílias também necessitam de apoio. E ao invés de
se unirem, acabam entrando em conflito, pois algumas vezes, diante da recusa de alguns
responsáveis em participar da vida escolar do filho. Além do mais, a violência ou trans-
gressão pode refletir o desejo das crianças e dos adolescentes em expor a falta de atenção
dos pais (FIAMENGLI; XIMENEZ, 2001).
Por outro lado, sabemos que as escolas públicas desse país, na grande maioria,
não têm assistência de políticas públicas que contribuam para a socialização do sujeito
de direitos. É uma escola desprovida do mínimo e muitas vezes não oferece aos gestores
condições para programar ações que acolham as crianças e os adolescentes que apresen-
tam desvios de comportamentos e não aceitam regras de convivência.
Ao questionarmos como a escola e a família podem constituir parcerias conjun-
tas para combater a violência, que é materializada na prática pedagógica, no espaço
escolar; uma hipótese é: reformular e concluir o Projeto Político Pedagógico (PPP)
e reforçar a sua importância e aplicação na comunidade escolar. Já dizia Paulo Freire
(200, p.61): “é preciso diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, até que
num dado momento, a tua fala seja a tua prática”. Assim deve ser pensado na elabora-
ção do PPP da escola, para que ações previstas nele promovam um espaço democrático
e sadio no cotidiano escolar.
Cabe também à escola buscar com outros profissionais a ajuda para que essas
atividades aconteçam dentro das expectativas esperadas. Esses profissionais podem
ser: psicólogos, professores pesquisadores do ensino e da educação, técnicos da Se-
cretaria de Educação, esportistas, assistentes sociais e etc. Uma opção, por exemplo,
é garantir a aplicação da Lei 13.935/2019 que assegura a Psicologia e o Serviço Social
nas Redes Públicas de Educação Básica, cujo objetivo é atender as necessidades e
prioridades definidas pelas políticas de Educação através das equipes multifuncio-
nais a partir de ações que visem melhorar o processo do ensino-aprendizagem, mas
que envolva a comunidade e aja como mediadores nas relações entre escola, família
e sociedade.
Consequentemente, é importante ressaltarmos que na atual conjuntura da socie-
dade brasileira, em que os conflitos das mais variadas formas se acentuam, educar com
base nos direitos humanos, exige urgência e precisa ser anexada nos documentos que
regem ações no espaço escolar, a exemplos dos Projetos Políticos Pedagógicos e regi-
mentos, de forma que promovam a valorização do respeito ao próximo (BRASIL 2018).
A educação em direitos humanos é compreendida como um processo sistemático
e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos, articulando as seguin-
tes dimensões:

174
• apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos
humanos e a sua relação com os contextos internacional, nacional e
local;
• afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultu-
ra dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade;
• formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente em ní-
veis cognitivo, social, ético e político;
• desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de cons-
trução coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextua-
lizados;
• fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e ins-
trumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos
humanos, bem como da reparação das violações (BRASIL, 2018, p. 11).

Os projetos políticos pedagógicos das escolas precisam garantir a educação em di-


reitos humanos e, dessa forma, promover a formação dos sujeitos de direitos. Permitindo
assim, uma educação voltada para o diálogo.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Com o objetivo de entender de que forma a escola e a família podem juntas dimi-
nuir a violência na escola municipal Dr. Joaquim Marques Monteiro em Jequié na Bahia,
analisamos os documentos produzidos no ambiente escolar (PPP, fichas de acompanha-
mento dos alunos e livro de registro de ocorrência)
Sendo assim, verificamos que na escola, durante os anos de 2009 a 2019, acon-
teceram muitas ocorrências com relação à violência escolar, principalmente, no ano de
2019. Também observamos que a forma como a escola lidou com as ações consideradas
violentas, nesse ambiente, não deram bons resultados . Não houve estratégias elabora-
das conjuntamente entre escola e família; e utilizadas para minimizar tal problemática.
Durante o período analisado foram propostos projetos pedagógico que, na verdade, não
tiveram os resultados esperados pela gestão escolar, não só na escola, como também na
comunidade em geral.
A escola precisa reformular o Projeto Político Pedagógico, o quanto antes e rever
no plano de ação, as metas e estratégias, de forma que articule a participação efetiva da
família nas suas ações, com base nos preceitos do PNEDH (2018). Dessa forma, minimi-
ze a violência não só no espaço escolar, mas em toda comunidade.
Salientamos que é necessário revisitar e aprofundar essa pesquisa de forma que se
aprofunde mais nessas questões, sob a ótica não apenas dos documentos, mas de toda
comunidade escolar (pais, professores, gestores, funcionários, alunos), já que, a Pande-
mia de Covid-19 impossibilitou que adentrássemos ao espaço físico da escola.

175
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179
RELATO DE EXPERIÊNCIA
SOBRE ESTRATÉGIAS E METODOLOGIAS NO PROCESSO
DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE DESENHO TÉCNICO
NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TECNOLÓGICA
NA PANDEMIA DA COVID-19

Regivaldo Santos Silva Filho


Anderson Brito da Silva

INTRODUÇÃO

No Brasil, o perfil dos estudantes e a escola modificaram-se nos últimos anos, com
extremos contextos educacionais diversificados, onde se encontra escolas, professores e
estudantes, que estão ou são dos séculos XIX, XX e XXI, respectivamente (BELLA et al.,
2019). Há aqueles que ressalta a importância de reinventar a escola tradicional para “dar
conta das demandas e necessidades de uma sociedade democrática, inclusiva, permeada
pelas diferenças e pautada no conhecimento inter, multi e transdisciplinar, com a que
vivemos neste início de século XXI”.
Segundo Custódio, Brod e Lopes (2016), a educação contribui, colabora e desen-
volve nos estudantes suas diversas habilidades, a partir da mediação dos docentes e le-
vando em consideração suas possibilidades e limitações, no processo de ensino-apren-
dizagem, na construção e busca de suas identidades e no encontro do seu espaço social
e laboral produtivo.
Enquanto a sociedade evolui, muitas escolas e professores ainda se baseiam em
metodologias de ensino arcaicas, previsíveis, repetitivas e pouco estimulantes, nas quais
os estudantes aprendem pouco, sentem-se desmotivados e perpetuem um modelo des-
gastado e com resultados mínimos (CARNEIRO et al., 2018; CUSTÓDIO; BROD; LO-
PES, 2016).
É importante, desse modo, pensar e implementar práticas pedagógicas e estraté-
gias didáticas alternativas que garantam acessar e atingir os objetivos e conteúdos curri-
culares determinados e específicos da disciplina, reconhecendo as limitações de cada su-
jeito, valorizando os seus diferentes estilos de aprendizagem. Contudo, estabelecer uma
proposta de ensino que ofereça condições para que todos aprendam juntos, no mesmo
processo pedagógico, é um dos grandes percalços da prática docente, pois exige modificações

180
do ato de ensinar, necessitando de recursos diferentes, organização do tempo, apoio peda-
gógico, conhecimentos, entre outros (LIRA et al., 2019).
Nesse contexto, nos casos específicos de Desenho Técnico, a metodologia de en-
sino amplamente praticada nas escolas, institutos e universidades, é por meio de aulas
expositivas em quadro e/ou aulas práticas executadas manualmente em pranchetas. Essa
metodologia tradicional de ensino, embora seja largamente utilizada, nem sempre con-
segue atender aos alunos com baixo nível de aptidão espacial, ou seja, a capacidade de
imaginação de objetos tridimensionais; fazendo o docente transformar sua aula, apri-
morando o processo de ensino-aprendizagem e proporcionando dinamismo e interati-
vidade nas práticas pedagógicas (CARNEIRO et al., 2018; CUSTÓDIO; BROD; LOPES,
2016, PALÚ; SCHÜTZ; MAYER, 2020).
Com o início da pandemia provocada pelo novo coronavírus SARS CoV-2 em
2020, a união, estados e municípios estabeleceram medidas de proteção e de diminuição
dos riscos de contágio. Durante esse acontecimento global que exigia o distanciamento
em massa, remodelou planos em curso e cobrou imediatas e eficientes respostas dos ór-
gãos/entidades reguladoras da educação em todo o país.
O processo, que parecia lento e gradual, foi sistemático, e os professores e demais
profissionais da educação não tiveram tempo para adaptações e coube a cada um se
reinventar no modelo novo e desafiador do processo de ensino nas aulas remotas – não
presenciais.
Sendo assim, diante do desafio de tornar tais aulas mais dinâmicas, interativas e esti-
mulantes, durante o ensino remoto emergencial provocado pela pandemia da COVID-19,
enquanto docente da disciplina de Desenho Técnico, originou-se uma inquietação, a qual
suscitou a seguinte questão de investigação: quais estratégias metodológicas podem ser re-
comendadas para melhorar e potencializar o processo de ensino-aprendizagem em Desenho
Técnico de modo a propiciar uma aprendizagem mais significativa para o(a)s estudantes?
A partir dessa problematização, o presente artigo tem por objetivo analisar e pro-
por estratégias metodológicas que possibilitem uma prática pedagógica que priorize o
protagonismo do estudante e uma aprendizagem mais significativa, especificamente nos
conteúdos fundamentais de Desenho Técnico, durante a pandemia da COVID-19.

CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia ou Instituto Fede-


ral da Bahia (IFBA), cuja Reitoria localiza-se em Salvador, capital baiana, é constituído
por 22 campi, 01 Núcleo Avançado, 02 campi em fase de implantação, 05 Centros de
referência e 01 Polo de Inovação, que estão presentes em 113 municípios do Estado, que
corresponde a 27% das cidades baianas, funcionando em 26 do total de 27 Territórios de
Identidade do Estado.

181
Desse modo, o IFBA favorece indiretamente em todas as regiões da Bahia, uma
vez que todos os campi atuam na educação com ações, capacitações, empreendedoris-
mo, pesquisa, inovação e desenvolvimento de tecnologias, contribuindo para o desen-
volvimento social, ambiental, tecnológico e econômico do estado; e oferece à sociedade,
Educação Profissional e Tecnológica pública, gratuita e de excelência nos seguintes seg-
mentos: educação básica, técnica e tecnológica; e nas seguintes modalidades: integrado,
concomitante e subsequente (Lei nº 11.741, de 16 de julho de 2008).
Com base na Plataforma Nilo Peçanha, em 2020 (ano base 2019), o IFBA possui
mais de 31 mil estudantes matriculados nas modalidades presenciais e à distância, sendo
262 cursos presenciais (08 cursos de pós-graduação, 24 bacharelados, 17 licenciaturas,
149 cursos técnicos, 48 cursos de qualificação profissional (FIC) e 16 cursos técnicos
EJA) e 14 cursos à distância (09 licenciaturas, 04 cursos de qualificação profissional (FIC)
e 01 cursos técnicos), cerca de 1.747 professores (sendo 1.520 efetivos e 227 substitutos)
e mais 1.109 técnicos administrativos.
O IFBA campus Jequié, possuí em funcionamento 02 Cursos Técnicos de nível
Médio na modalidade Integrada e Subsequente em Eletromecânica e Informática, 01
Curso Superior em Engenharia Mecânica implementado e 01 Curso Superior em Enge-
nharia da Computação em fase de implementação, além de 03 Cursos de Pós-graduação
Lato Sensu em Ensino de Ciências, Formação Docente e Práticas Pedagógicas e Gestão e
Educação Ambiental; e 01 Curso de Pós-graduação Stricto Sensu em Propriedade Inte-
lectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação. Esta unidade do Instituto atende
em média 881 alunos por ano (IFBA, 2020).
O Curso Técnico de Eletromecânica das duas modalidades de ensino do IFBA
campus Jequié, possui aproximadamente 309 alunos (IFBA, 2020), e tem por objetivo
formar profissionais aptos a atuarem nas áreas de manutenção e de projetos eletro-
mecânicos com conhecimento para ações em coordenação de grupos de trabalho
bem como planejamento e execução de manutenção elétrica e mecânica de equipa-
mentos industriais.
O Curso Técnico de Informática das duas modalidades de ensino do IFBA campus
Jequié, possui aproximadamente 336 alunos (IFBA, 2020), e tem por objetivo formar
profissionais aptos a atuarem no desenvolvimento de rotinas de cálculo e tomadas de de-
cisão; manipulação da base de dados mono ou multiusuário; utilização das ferramentas
de programação visual e elaboração de programas em linguagens de alto nível; além de
efetuarem e avaliarem testes nos programas desenvolvidos.
O Curso Superior em Engenharia Mecânica do IFBA campus Jequié, possui
aproximadamente 107 alunos (IFBA, 2020), e tem por objetivo formar profissionais
para atuar na área de pesquisa, planejamento e desenvolvimento tecnológico, abran-
gendo aspectos de fabricação e gerenciamento de sistemas mecânicos e eletrônicos,
entre outros.

182
No primeiro ano do ensino médio integrado e no primeiro semestre do ensino
subsequente, os estudantes cursam a disciplina de Desenho Técnico para capacitar-se
e tornarem-se aptos a interpretar e executar a mão livre, com auxílio de instrumentos e
ferramentas, desenhos industriais eletromecânicos de acordo com a Associação Brasilei-
ra de Normas Técnicas (ABNT).
Os estudantes de Engenharia Mecânica cursam no primeiro semestre a disciplina
Desenho Assistido por Computador, que proporciona aos estudantes executar desenhos
com auxílio do computador por meio de um programa CAD (Computer Aided Design),
e no segundo semestre Desenho Técnico, a mão e com o auxílio de instrumentos e fer-
ramentas. Isto é, em ambas as disciplinas os estudantes serão capacitados a executar, ler
e interpretar desenhos técnicos industriais eletromecânicos de conjuntos, detalhados e
de montagem, sendo ele tridimensional ou bidimensional, no papel ou assistido por um
computador.

REFERENCIAL TEÓRICO
Ensino Tradicional de Desenho Técnico

As escolas europeias e brasileiras de Engenharia surgem no século XVIII e XIX


para consolidar o projeto como atividade profissional, consciente e formal. A criação
dessas escolas faz surgir as instituições de conselhos e ordens profissionais, consolida-se
o estudo das técnicas associado aos conceitos e propriedades científicas, colocando uma
perspectiva tecnológica e mais objetiva no tratamento das questões envolvidas com a
concepção de novos objetos (KEMPTER et al., 2012).
Ainda no século XVIII, o matemático francês Gaspard Monge cria e publica em
sua obra intitulada Geometrie Descriptive, o sistema de representação, que é a base da
linguagem utilizada pelo Desenho Técnico (MARQUES; CHISTÉ, 2016).
O Desenho Técnico é uma ferramenta utilizada no desenvolvimento e na comuni-
cação de ideias, conceitos e projetos. Para Ribeiro, Peres e Izidoro (2011), é uma forma de
expressão gráfica que tem por finalidade a representação, a dimensão e o posicionamen-
to dos objetos, de acordo com as necessidades requeridas pela Arquitetura e pelas várias
modalidades de Engenharias.
Os primeiros registros de desenhos em forma de planta, elevação e cortes, ou seja,
a representação de edificações tridimensionais em duas dimensões aconteceu no renas-
cimento, nos tratados de Arquitetura desse período. Observou-se, na ocasião, a evolução
do conceito de escala, que no caso dos projetos, passou a ser utilizada a escala de redu-
ção, para que grandes obras pudessem ser representadas em uma pequena superfície
de papel. Nessa época também foi desenvolvida por Brunellesch a perspectiva, o que
possibilitou a execução de projetos complexos, por facilitar a compreensão dos mesmos
(MARQUES, 2015).

183
Com a Revolução Industrial, houve a necessidade de elaborar normas técnicas que
estabelecessem parâmetros e padrões universais, ou seja, a estandardização (padroniza-
ção) da fabricação de produtos e de serviços para beneficiar a cooperação e o intercâm-
bio de todos os interessados a fim de atender as novas necessidades e escalas produtivas
(MARQUES; CHISTÉ, 2016; KEMPTER et al, 2012).
Sendo assim, ocorreu a normatização da geometria descritiva a fim de unificar
a interpretação de projetos e atender essas demandas, a partir da criação da ABNT em
1940 e da comissão técnica da International Organization for Standardization (ISO) em
1947. Esse processo de normatização ocorreu por meio do Desenho Técnico, que ga-
nhou caráter de documento por utilizar linhas, números, símbolos e indicações escritas
normalizadas internacionalmente e por ser definido como linguagem gráfica universal
da Arquitetura e das Engenharias (SILVA, 2006)
A partir de então, tradicionalmente, o Desenho Técnico passou a ser ensinado e
executado utilizando os equipamentos e instrumentos como prancheta, esquadros, ré-
gua paralela, escalímetro, etc. (KEMPTER et al, 2012).
De acordo com Ching (2011), mesmo com o avanço da tecnologia, o desenho
manual tem o potencial de superar o achatamento de uma superfície bidimensional e re-
presentar desenhos tridimensionais da Arquitetura de forma clara, legível e convincente.
Para tanto, é preciso aprender a executar e ler a linguagem gráfica do Desenho. O ato de
desenhar não é só uma questão técnica, é também uma ação cognitiva que envolve per-
cepção visual; avaliação e raciocínio de dimensões; e relacionamentos espaciais.
Os pesquisadores destacam a importância que o Desenho Técnico tem nos cursos
da área tecnológica, visto que, enquanto linguagem da expressão gráfica, ele é a princi-
pal ferramenta de comunicação nas Engenharias, foco das Universidades e Institutos de
Educação, Ciência e Tecnologia.
Sendo assim, faz-se necessário analisar estudos relacionados ao Ensino de Dese-
nho Técnico, a fim de atender as necessidades e inquietações dos estudantes, identificar
estratégias e metodologias inovadoras, assim como facilitar a aprendizagem e o desen-
volvimento de funções cognitivas relevantes, tais como a capacidade de compreensão de
uma forma tridimensional através de sua representação planificada, em duas dimensões,
que é conhecimento obrigatório para a atuação profissional.

Práticas Pedagógicas do Ensino de Desenho Técnico


na Educação Profissional Tecnológica

A percepção tridimensional dos profissionais que atuam nas áreas de Engenharias


e Arquitetura é essencial e sua ausência resulta em desvantagens na atuação e desenvol-
vimento profissional. No entanto, é notória a dificuldade dos estudantes desses cursos
no aperfeiçoamento e desenvolvimento desta habilidade, uma vez que, sobretudo nos

184
últimos anos, o ensino de desenho não foi priorizado no ensino fundamental e médio
do Brasil. Por isso, Santos e Correia (1998) ressaltavam as vantagens de utilizar a com-
putação gráfica no ensino e aprendizagem da geometria. Desde então, os avanços tecno-
lógicos tornam-se cada vez mais acessíveis aos educadores (HARRIS, 2006; SANTOS;
CORREIA, 1998).
Os conteúdos didáticos dos cursos que dificultavam o aprendizado e exigiam dos
estudantes uma maior dedicação na captura, assimilação, abstração e compreensão dos
conceitos, hoje em dia, são idealizados, planejados e preparados de modo a auxiliar, fa-
cilitar a compreensão e acelerar o processo de ensino-aprendizagem, aumentando a sua
velocidade e o interesse dos alunos, a partir do uso de animações ou visualizações ma-
nipuláveis 3D e outros conteúdos disponibilizados na internet, que possibilitam a (re)
visualização quantas vezes, quando e onde quiser (HARRIS, 2006).
Quando usada e aplicada adequadamente, o ensino-aprendizagem e o desenvol-
vimento de projetos de profissionais de Engenharias e Arquitetura tem sido favorecido
pela computação gráfica cada vez mais amigáveis e potentes e tem permitido a explora-
ção de novas formas e sua efetiva realização (HARRIS, 2006).
Em contrapartida, no Ensino Profissional e Tecnológico, onde os cursos prepa-
ram os estudantes para desenvolver e aperfeiçoar a habilidade de compreensão espacial
e dominem adequadamente a linguagem do Desenho Técnico que será sua principal
ferramenta para a transmissão de informações gráficas, com a computação gráfica, as
tradicionais ferramentas e instrumentos de Desenho Técnico foram substituídos por fer-
ramentas computacionais de modelagem em 2D e 3D e os “desenhistas”, transformaram-
-se em “cadistas” (MARQUES, 2016).
Nesse contexto, percebe-se a necessidade de aprender a linguagem do Desenho
Técnico somando à necessidade de dominar softwares vigentes no mercado atual. Com
isso, os cursos de Arquitetura e Engenharia passaram a inserir a aprendizagem de pro-
gramas computacionais em sua grade curricular (HARRIS, 2006).
Porém, o ensino das ferramentas computacionais cada vez mais potentes e a re-
dução da importância dada ao ensino tradicional de Desenho Técnico geraram novos
problemas, como por exemplo, uma menor capacidade de compreensão espacial e co-
nhecimento de geometria, o que permeia o risco de serem reduzidos a “cadistas” ao
invés de “projetistas”, limitando-se a projetar apenas até onde os softwares permitirem
(HARRIS, 2006).

Os desafios do Ensino Profissional e Tecnológico


nos Institutos Federais

O Ensino Técnico Profissional iniciou em 1909, quando o presidente da República,


Nilo Peçanha, ergueu as primeiras 19 escolas de Aprendizes e Artífices que revolucionou

185
a educação do Brasil e tornaram-se as precursoras das Escolas Industriais e Técnicas (ET),
dos Centros Federais de Educação Profissional e Tecnológica (Cefet) e dos Institutos Fe-
derais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF), quando sancionada a Lei nº 11.892, de 29
de dezembro de 2008, responsável por transformar os Cefets em Institutos Federais (IFs),
vinculado ao Ministério da Educação (MEC), e membro do Conselho Nacional das Insti-
tuições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) (LO-
PES; ALMEIDA, 2021).
Hoje, em 2021, após 112 anos das Escolas de Aprendizes e Artífices e quase 13 anos da
criação dos Institutos Federais, este último contabiliza 599 campi que junto com outras Ins-
tituições Educacionais atuam para suprir à demanda nos Estados e Munícipios do Brasil. Os
IFs oferecem 10.888 cursos e contabilizam 1.023.303 matrículas, segundo a Plataforma Nilo
Peçanha (2020), que apresenta um panorama de toda a Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica vinculada ao Ministério da Educação (MEC) (ALVES et al, 2019).
Segundo Lemos (2020), ao abranger inúmeras frentes de trabalho,

[...] a Rede acaba por enfrentar desafios no que se refere à gestão de proces-
sos internos de registro e acompanhamento acadêmico de alunos que estu-
dam sob diferentes modalidades, diferentes formas de ingresso, programas
e, às vezes, até mesmo, de diferentes sistemas avaliativos... Enquanto “rede”,
os Institutos Federais enfrentam atualmente desafios e forças que atuam
tanto como elementos de coesão como, também, de dispersão. A grande
questão é descobrir, até que ponto, tal variedade de situações pode exercer
o papel de força centrífuga, de centralização, ou centrípeta, de pulverização,
no seio da própria rede (LEMOS, 2020, p.13, pg.16).

Diante de todos esses desafios, centenários e da última década vivida, a Rede


Federal e os Institutos Federais enfrentam um momento mais que desafiador, o ensi-
no, a pesquisa e a extensão em tempos de pandemia, ou seja, disponibilizar Atividades
Educacionais Não Presenciais Emergenciais (AENPE), conforme Resolução de nº 30 do
CONSUP-IFBA, de 23/12/2020, para os estudantes a fim de garantir o acesso às ativida-
des pedagógicas e o cumprimento do calendário letivo do ano de 2020, como medida de
prevenção e combate à disseminação do Coronavírus (COVID-19).
Para isso, adotou-se um conjunto de ações coordenadas, cujo objetivo foram de
disponibilizar a todos os estudantes do Instituto Federal a oportunidade de acesso as
atividades escolares não presenciais no período de isolamento social, zelar pelo rela-
cionamento já existente entre escola, professor, aluno e famílias/responsáveis, buscando
implementar soluções diversificadas de amplo e fácil acesso à comunidade escolar.
Os docentes, buscando viabilizar essa estratégia e alcançar esses objetivos, cria-
ram, distribuíram e avaliaram atividades pedagógicas com diferentes canais, ferramentas
e processos de aplicação no período de distanciamento social.

186
Portanto, reforçar a importância de estudos sobre estratégias e metodologias de
ensino na perspectiva do ensino remoto, tendo em vista que serão muito úteis durante a
transição para o retorno presencial e uma reflexão sobre as práticas que terá bons frutos
sobre o ensino pós-pandemia.

METODOLOGIA

A natureza da pesquisa deste trabalho é básica e aplicada, definida por Lakatos e


Marconi (2003), como aquela que gera novos conhecimentos úteis para o progresso da
ciência. A abordagem do problema é caracterizada como qualitativa, por não representar
ou traduzir numericamente a existente relação de um grupo social ou de uma organiza-
ção e suas especificidades (GERHARDT; SILVEIRA, 2009).
Segundo Gil (2002), em relação aos objetivos, a pesquisa é exploratória quando
desenvolve, elucida e modifica conceitos e ideias, proporcionando uma visão geral acerca
do tema abordado através de dados secundários oriundos de publicações e resultados
de pesquisas específicas. Além disso, a pesquisa exploratória objetiva diagnosticar si-
tuações, explorar alternativas ou descobrir novas ideias, a fim de procurar esclarecer e
definir a natureza de um problema e gerar mais informações que possam ser adquiridas
para a realização de futuras pesquisas conclusivas.
Neste âmbito, pesquisa descritiva tem como finalidade mapear as características,
valores e problemas relacionados à cultura de um grupo ou acontecimento específico,
estabelecendo relações entre as variáveis (GIL, 2002).
Com base no exposto, em relação aos objetivos, a pesquisa é exploratória-des-
critiva, pois para atingir os objetivos propostos e no tocante aos meios para que a ques-
tão proposta deste estudo fosse respondida, realizou-se uma pesquisa bibliográfica,
cuja investigação é feita através da procura de elementos em materiais editados eletro-
nicamente ou impressos, ou seja, trata-se de um levantamento de toda a bibliografia
já publicada em forma de livros, revistas, publicações avulsas em imprensa escrita e
documentos eletrônicos, tais como, livros, dissertações, teses, artigos, periódicos, etc.
(MARCONI; LAKATOS, 2001).
Além disso, a pesquisa se enquadrada quantos aos procedimentos técnicos como
pesquisa-ação por ser uma pesquisa com base empírica que é concebida e realizada em
estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual
os pesquisadores e participantes representativos da situação ou do problema estão envol-
vidos de modo cooperativo ou participativo (THIOLLENT, 1986).
Em síntese, trata-se de um relato de experiência, com escopo metodológico de
natureza básica e aplicada, de abordagem qualitativa. Quanto aos objetivos, a pesqui-
sa caracteriza-se como exploratória-descritiva e possui procedimentos técnicos como
pesquisa-ação.

187
RESULTADOS E DISCUSSÕES

Uma parcela dos estudantes das diferentes modalidades e níveis de ensino que
cursam a disciplina de Desenho Técnico demonstra um desinteresse quanto ao ensino-
-aprendizagem tradicional, ou seja, utilizando os equipamentos e instrumentos como
prancheta articulada, esquadros, régua paralela, escalímetro, etc., pois a utilização de
ferramentas computacionais de modelagem em 2D e 3D tem sido cada vez mais fre-
quente nas instituições e tem provocado um grande interesse por parte dos estudantes
(CUSTÓDIO et al., 2016; PEREIRA et al., 2011).
Aliás, é incontestável a contribuição dessas ferramentas ao ensino de Desenho Téc-
nico, uma vez que, a inclusão de novas tecnologias ao ensino proporciona maior facilidade
de assimilação dos conceitos e a rapidez do processo de aprendizagem. Mas, apesar dessa
vantagem, surge um problema, o interesse dos estudantes ser voltado apenas à ferramenta
quando o ensino é auxiliado por computador, ou seja, os conteúdos didáticos de Desenho
Técnico são colocados em segundo plano em detrimento ao domínio de tais ferramentas.
Por isso, é necessário explicar que o Desenho Técnico é um importante instru-
mento de comunicação em diversas áreas do conhecimento para que ocorra um enten-
dimento dos conteúdos da disciplina como fundamental na formação dos profissionais
da Arquitetura e Engenharia, uma vez que, o Desenho Técnico é uma linguagem da ex-
pressão gráfica que aplicando símbolos, conjuntos de linhas, números e indicações inter-
nacionalmente normatizadas, tem por objetivo evidenciar formas, dimensões e posições
de objetos conforme demandas das áreas supracitadas.
Portanto, pesquisa-se, frequentemente, novas estratégias e metodologias que des-
pertem o interesse dos estudantes e que os conduzam na direção dos objetivos ao apren-
dizado dos conteúdos didáticos. Para isso, segundo Beltrão (2017), devem ser propostas
atividades diferentes e instigantes como jogos, desafios, quizzes, projetos, pesquisas, ex-
periências que mantenham sempre renovado o interesse nas aulas, desde que incluam a
busca por informações e ideias, observação ou experimentação e reflexão.
Com base no exposto, durante o distanciamento social, os docentes aprimoraram-se
no uso da sala de aula virtual do Google ou Google Classroom como sendo o principal canal
de comunicação com seus alunos nos momentos assíncronos, ambiente online de aces-
so gratuito, necessário para a centralização do processo de construção do conhecimento,
onde se concentra outras ferramentas do Google, inclusive o acesso ao Google Meet.
Por permitir aplicações de atividades online e atividades que podem ser realizadas
fora da sala de aula, o Classroom é considerada uma ferramenta hibrida e uma sala de
aula invertida, pois o docente usa o tempo da aula síncrona para explicar o conteúdo e
elucidar as dúvidas e posta o material da aula no momento assíncrono, podendo os es-
tudantes construir o conhecimento de qualquer lugar que desejar, seja pelo computador
ou por um dispositivo portátil (MOREIRA et al., 2020).

188
O Classroom possibilita que o docente organize turmas, direcione os trabalhos
e simplifique a elaboração, distribuição e compartilhamento de materiais digitais, tais
como, aulas, atividades, fóruns, seus materiais em links, imagens e vídeos, para dialogar
com seus estudantes.
Além disso, para tornar as aulas de Desenho Técnico possível durante a pandemia
da COVID 19, as quais ocorreram às Atividades Educacionais Não Presenciais Emergen-
ciais (AENPEs), entre os meses de Outubro e Dezembro de 2020, foi necessário adotar
o uso do Google Meeting como ferramenta de transmissões de aulas síncronas, uma vez
que, é uma ferramenta gratuita, integrada ao Gmail e permite interação com os estudan-
tes em tempo real (OLIVEIRA et al., 2020; RITTER et al., 2020).
Na aula teórica do Ensino Presencial, cujo tema foi “Materiais e Instrumentos
de Desenho”, normalmente, o professor ministra aulas explicativas para a turma, apre-
sentando em cada aula prática as características, objetivo e forma de uso dos materiais
e instrumentos de Desenho Técnico que serão usados para a realização das atividades.
Já na aula teórica síncrona do Ensino Remoto Emergencial, com o mesmo tema,
propôs-se aos estudantes uma apresentação no modelo de seminário em equipe com sor-
teio dos Materiais e Instrumentos de Desenho Técnico que cada grupo seria responsável
por apresentar a história, característica, objetivo e forma de uso ao restante da turma.
Essa técnica potencializa a aprendizagem significativa e desenvolve a autonomia
dos estudantes, pois o aluno pesquisa, discute e debate, ou seja, assume o protagonismo
na condução seu próprio processo de aprendizagem (OLIVEIRA et al., 2020; SUSZEK
et al., 2019). Segundo Lakatos e Marconi (2005), o seminário “desenvolve não só a capa-
cidade de pesquisa, de análise sistemática de fatos, mas também o hábito do raciocínio,
da reflexão, possibilitando ao estudante a elaboração clara e objetiva de trabalhos cien-
tíficos”.
Sendo assim, essa estratégia pode ser aplicada tanto no Ensino Presencial como
no Ensino Remoto Emergencial, por proporcionar mobilização, organização e domínio
do conteúdo pelo discente, além de ser possível, para o docente, uma avaliação com en-
foque qualitativo, que prioriza os acertos, o diálogo e a reflexão e não somente os erros e
o processo final (PEREIRA et al., 2011).
Para aumentar o nível de aptidão, compreensão e percepção espacial adequada
dos estudantes, após a aula teórica expositiva dialogada do Ensino Presencial com
o tema “Vistas Ortográficas”, propôs-se aos estudantes um jogo de “Autódromo”,
conforme mostra um exemplo de questão na Figura 1, onde formou-se grupos e
cada grupo recebe duas placas contendo as letras A, B, C e D em cada face, para que,
após finalização do tempo estimado para a tomada de decisão da resposta, cada re-
presentante do grupo levante a placa com a face contendo a letra correspondente à
alternativa correta.

189
Figura 1 - Exemplo de Questão do Autódromo sobre Vistas Ortográficas

Fonte: autores

No Ensino Remoto Emergencial, após a aula síncrona sobre “Vistas Ortográficas”,


o “Autódromo”, que antes era coletivo e presencial, pode ser adaptado para o virtual e
individual com o uso de plataformas digitais, como por exemplo, o Worldwall (https://
wordwall.net/pt), onde é possível criar atividades gamificadas interativas digitais, com
tempo limite para resposta e ranking na finalização da atividade. Outra plataforma digi-
tal possível de se criar essa atividade é o Google Forms.
Criar níveis de dificuldades e elaborar questões de qualidade, intrigantes e de-
safiadoras causa empenho, envolvimento e, sobretudo a aprendizagem dos estudan-
tes, uma vez que, os mesmos terão motivação e interesse em participar da discussão
coletiva para contribuir com a decisão correta e a equipe ocupar o primeiro lugar no
ranking do jogo.
Anualmente, acontece a Semana de Educação, Ciência e Tecnologia (SECI-
TEC), um evento científico, gratuito e vinculado à Semana Nacional de Ciência e
Tecnologia (SNCT), sob coordenação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ino-
vações (MCTI), que tem o intuito de aproximar com uma linguagem acessível a
Ciência e a Tecnologia da população, promovendo um compartilhamento de expe-
riências, estimulando a curiosidade e fomentando a produção científica e o diálogo
sobre as implicações sociais do país.
Para estimular a participação de forma ativa dos estudantes à SECITEC, propôs-
-se a confecção em equipes de protótipos de peças mecânicas utilizando materiais reci-
cláveis/reutilizáveis a partir de vistas ortográficas e perspectivas pesquisadas pelo gru-
po para exposição “Desenho Técnico, no Técnico!” na Mostra Cultural que ocorreu no
evento, conforme mostra a Figura 2, 3 e 4.

190
Figura 2 - Exposição “Desenho Técnico, no Técnico!” na SECITEC

Fonte: autores

Figura 3 - Exposição dos protótipos na mostra cultural da SECITEC

Fonte: autores

191
Figura 4 - Peças construídas pelos estudantes para mostra cultural da SECITEC

Fonte: autores

A SECITEC é um evento científico que normalmente ocorre de forma presen-


cial, mas em 2020, por causa da pandemia do COVID-19 e do distanciamento social,
o evento aconteceu totalmente online e não foi possível realizar a exposição, mas como
alternativa, após a aula síncrona sobre escalas, foi proposto para os estudantes elaborar
individualmente maquetes com tema livre, utilizando materiais recicláveis/reutilizáveis
e noções básicas de escala, que é a relação de proporção entre o real e o representado,
conforme mostra as Figuras 5, 6, 7 e 8.

Figura 5 – Maquete representando noções básicas de proporção

192
Fonte: autores
Nota: captura de tela da aula síncrona. Figuras 5a, 5b (cada quadrado corresponde a 5 cm), 5c e 5d.

Figura 6 – Maquete lúdica de representação residencial

Fonte: autores
Nota: captura de tela da aula síncrona

193
Figura 7 – Representação urbana com noções básicas de proporção

Fonte: autores
Nota: captura de tela da aula síncrona

Figura 8 – Projeto residencial tridimensional utilizando materiais recicláveis

Fonte: autores
Nota: captura de tela da aula síncrona

Buscou-se, a partir da confecção dos protótipos das peças e das maquetes, reduzir
o abstracionismo do ensino tradicional de Desenho Técnico com a introdução do lúdico
e da arte, instigando os estudantes a pensar, usar a criatividade, tomar decisões sobre os
materiais a serem utilizados, enfrentar os desafios de execução e resolução desses desa-
fios, assim como acontece no dia a dia de um profissional (PEREIRA et al., 2011).
Notou-se, com isso, que as referidas atividades potencializaram e enriqueceram a ap-
tidão, compreensão e percepção espacial dos estudantes por confeccionarem peças tridimen-
sionais dos objetos de estudo, fazendo com que os mesmos reconhecessem a importância das
inovações no processo de ensino-aprendizagem de Desenho Técnico, questionando a efici-
ência do ensino totalmente tradicional na atualidade diante dos avanços tecnológicos. Sendo
assim, obteve-se como resultado o prazer em aprender e em ensinar, dentro outros diversos
benefícios no processo de ensino-aprendizagem nesta área do conhecimento.

194
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Educação Profissional e Tecnológica enfrenta desafios históricos, especialmente


no ensino de desenho técnico, os quais podem ser superados pela criatividade e mudan-
ça nas estratégias de ensino, com excelentes resultados e aprendizagem significativa por
parte dos estudantes.
As metodologias ativas de ensino utilizadas no presente relato de experiência
apontam para boas alternativas em tempos de ensino remoto emergencial, que podem
muito bem ser replicadas e desdobradas em atividades no ensino híbrido e presencial,
modificando a forma tradicional de ensinar desenho técnico.
A aplicação de novas tecnologias nunca foi tão necessária na atualidade, visando
a manutenção das atividades de ensino, sendo uma oportunidade dos professores de
desenho técnico se reinventarem e assumirem novas e criativas formas de trabalhar o
conhecimento em sala de aula, mesmo que virtual.
Diante dos resultados obtidos com uso das metodologias ativas no ensino de De-
senho Técnico, bem como das experiências vivenciadas com os alunos, pude perceber
que existem ainda muitos aspectos e campo a serem explorados em pesquisas futuras,
especialmente na aplicação sistemática de estratégias que privilegiem o protagonismo
dos educandos e a aprendizagem colaborativa.

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197
DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL
NOS LIVROS DIDÁTICOS:
Análise documental

Rubenisa Brito dos Santos


Elane Nardotto Rios
Lafayete de Alencar Lima Rios

CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA

O debate sobre as desigualdades raciais no cenário atual brasileiro tem sido bas-
tante recorrente. Apesar das discussões em torno dessa temática, observa-se que as teo-
rias não condizem com a prática e o que se tem ainda está distante da realidade.
Apesar da existência de documentos oficiais, como a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB) que, em seu artigo 26, traz uma proposta voltada à integração de
uma parte diversificada aos currículos do Ensino Fundamental e Médio; além da Lei de
Inclusão Social e Lei nº 11.645/2008 que tratam do currículo de ensino, em artigos es-
pecíficos, evidencia-se a necessidade de trazer, nos conteúdos curriculares, abordagens
que contemplem o ensino e a valorização da diversidade étnico racial, supracitada nas
leis mencionadas.
A população negra e as demais classes sociais que se inserem dentro das mi-
norias, como os indígenas e quilombolas, ganharam visibilidade a partir da Lei de
Educação Inclusiva, de n° 10.639/2003 alterada pela Lei n° 11.645/2008, instituída
no ano de 2003, com as medidas legais do então presidente em exercício, Luís Inácio
Lula da Silva, passando a integrar o currículo de ensino de educação básica. A Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) reconhece a importância de educar pensando
na formação integral do aluno e assumir uma visão plural, singular e integral, conce-
bendo-os como sujeitos de sua aprendizagem, destacando o respeito e a valorização
das diferenças.
Referente a isso, fica evidente que todas as disciplinas na escola teriam que
dialogar entre si mediante os conteúdos referentes à questão do negro como propos-
to nas diretrizes curriculares. Diante disso, apresento a seguinte questão de pesquisa:
como os livros didáticos têm apresentado, em seus conteúdos e atividades, a diver-
sidade étnico-racial?

198
Nessa perspectiva, o interesse em desenvolver uma pesquisa sobre essa temática
se deu pelo fato de eu ser professora, mulher, negra e sempre observar a omissão, nos
conteúdos e nas atividades, de abordagens sobre o papel do negro na sociedade e suas
contribuições na formação social, política, econômica e cultural do Brasil, já que, o ne-
gro foi o principal responsável pela construção do nosso país.
A reflexão sobre a diversidade racial é uma temática recorrente em meu processo
de escolarização, todavia, foi a graduação que reforçou minha inquietação sobre o ra-
cismo presente em nossa sociedade, seja ele de forma estrutural ou não. Os conteúdos
curriculares dos livros didáticos, geralmente, a partir do meu campo empírico, são dire-
cionados à classe “superior” (branca), não abrangendo as questões dos negros, indígenas,
entre outros grupos minoritários.
Quando há uma abordagem, costuma ser descontextualizada da realidade, defor-
mada do contexto real e, frequentemente, os negros/as aparecem na condição de pessoas
escravizadas. Segundo Oliveira (2009, pág.34), “os preconceitos, os estereótipos e a dis-
criminação presentes nesses livros acabam propagando ideologias como a do branquea-
mento, inferioridade e superioridade raciais”. Assim, ao ver o negro ocupando os lugares
inferiores em nossa sociedade, como também, a negação de sua cultura, fui motivada a
investigar como essas questões vêm sendo tratadas nos livros didáticos.
Dessa forma, o objetivo desta investigação é analisar o livro didático de história,
especificamente “Novo Pitanguá”, quinto ano, da Editora Moderna que, de acordo com
Le Goff (1924, pág.463),

[...] a leitura dos documentos não serviria, pois, para nada se fosse feita
com ideias preconcebidas... a sua única habilidade (do historiador) consiste
em tirar dos documentos tudo o que eles contêm e em não lhes acrescentar
nada do que eles não contêm.

Nesse sentido, o documento, o livro didático analisado levando em conta os con-


teúdos de acordo consta em seus escritos originais.
Para fundamentação teórica desse trabalho de pesquisa, recorri a alguns teóricos
que, ao longo dos tempos, vêm pesquisando e desconstruindo essa imagem deturpa-
da do negro no material didático utilizado nas escolas brasileiras que, durante décadas,
marcou história de vidas de pessoas negras. E, sobretudo, as defesas de grupos de resis-
tência que, como o movimento negro e ações marcadas por essas lutas, foi definido a Lei
de Inclusão n. 10.639/03, a qual tem amenizado um pouco a discriminação, estereótipos
e estigmas em relação ao que determinava.
De acordo Silva (2018, pág.177), o conteúdo e as imagens, “possuem um caráter
ideológico, elitista e formador de opinião, de forma bastante implícita e subliminar que
simplesmente reproduz e traz os conceitos da sociedade para dentro dos muros da esco-
la.” Assim, Ana Celia (2011) afirma que a construção e a reconstrução de uma identidade

199
negra são feitas num processo de avanços e recuos, de seguranças e incertezas, uma vez
que, dificultam a assunção da identidade negra.
Com o exposto, a relevância social deste estudo se manifesta no sentido de
que essa temática é de suma importância, tanto no cenário atual, como no campo
acadêmico, uma vez que, é constante o debate traçado no campo educacional sobre
a necessidade de inserir as diversidades étnico-culturais no processo de ensino e
aprendizagem. Parto do princípio de que devamos visibilizar, conhecer e estudar os
elementos culturais e sociais deixados como legado pelos grupos sociais, que envolve
não só a população negra, mas os índios, a educação do campo e outros grupos que
se adequam às minorias.

DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL NO LIVRO DIDÁTICO

Desde meados do século XX, os livros didáticos passaram de ferramenta pedagó-


gica auxiliar para um instrumento pedagógico principal na sala de aula. Dessa forma, foi
estabelecida, em muitas escolas públicas do país, uma relação de interdependência entre
livro didático, educadores e educandos, atuando diretamente no processo educacional.
O livro didático tem sido considerado o principal veiculador do conhecimento sistema-
tizado em sala de aula para professoras/es e alunas/os/es.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs,1997 – temas trans-
versais), constitui elemento integrante da História do Brasil o registro da dificuldade
situada no tratamento do tema relacionado ao preconceito e à discriminação étnica. O
referencial aponta que, na escola, em vários momentos, ocorrem manifestações de ra-
cismo, discriminação social e étnica praticadas por professoras/es, alunas/os/es, equipe
escolar, mesmo que tal evento ocorra de modo involuntário ou inconsciente.
Tais atitudes representam uma violação aos direitos das alunas/os/es, docentes e
funcionárias/os que sofrem discriminação e também trazem obstáculos capazes de di-
ficultar o livre acesso ao processo educacional pelo sofrimento e constrangimento que
provocam nesses sujeitos. Em virtude das conquistas alcançadas pela comunidade negra
no Brasil, sua situação social tem melhorado.
Anterior a isso, no entanto, o movimento negro, nos anos 1980, iniciou importan-
te tarefa:

[...] além de denunciar e reinterpretar a realidade social e racial brasileira,


o movimento passou a buscar a reeducação da população, dos meios políti-
cos e acadêmicos sobre a imagem do sujeito negro” (GOMES, 2001, p. 62).

Isso contribuiu para o surgimento de uma ausência de tratamentos de ordem pre-


conceituosa ou discriminatória no livro didático.

200
A partir da instauração do programa de avaliação do Governo Federal, iniciado
em 1996, os autores/as e editores/as desse material didático passaram a ter uma preocu-
pação maior com a maneira de abordagem de elementos étnico-culturais, pois seria eli-
minado de qualquer coleção caso apresentasse e/ou discutisse atitudes preconceituosas
e estereotipadas ou desrespeitasse os dispositivos legais, como a Constituição Federal de
1988 (CF) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
As mudanças implantadas no processo de elaboração de materiais didáticos, a
partir da implantação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), levaram à ex-
clusão de considerações racistas da linguagem e à proibição de toda referência textual
ou pictórica à pessoa negra por meio de piadinhas, apelidos e/ou imagens distorcidas
ou estereotipadas. O fato de os autores/as e editores/as preocuparem-se com a forma de
tratamento da etnia, devido ao estabelecido na Constituição Federal e na avaliação do
PNLD, não significa que exista uma abordagem da diversidade étnica e uma valorização
de sua importância no processo da construção histórica do Brasil.
Uma visão superficial dos livros didáticos disponíveis no mercado permite obser-
var a presença de uma invisibilidade, ou uma visibilidade subalterna de vários grupos so-
ciais, incluindo negros, indígenas e mulheres. Nesse ponto, um dos destaques é oferecido
à importância da formação docente, da metodologia de ensino utilizada pelas institui-
ções e dos materiais didáticos que serão empregados no ensino de História. Sendo o livro
didático um importante instrumento pedagógico usado na escola de modo sistemático,
ele pode criar referências para o/a aluno/a.
É possível verificar que este material ainda compreende a principal fonte de infor-
mação impressa utilizada por muitos professores/as e alunos/as/es brasileiros/as. Dessa
forma, ele parece ser, para grande parte da população, “o principal impresso em torno
do qual sua escolarização e letramento são organizados e constituídos” (BATISTA, 2002,
p. 535). Além disso, traz conteúdos sobre valores morais, éticos, sociais e patrióticos.
Um estudo acerca de um livro didático permite o desenvolvimento de uma análise das
representações e valores predominantes em determinado período de tempo, em uma so-
ciedade específica, oportunizando a discussão de projetos de construção e de formação
social. Para Fonseca, o

[...] livro didático e a educação formal não estão separados do contexto po-
lítico e cultural e das relações de dominação, atuando, muitas vezes, como
ferramentas utilizadas na consolidação de sistemas de poder, além de re-
presentativos de universos culturais específicos (FONSECA, 1999, p. 204).

Devido tal situação, este material exige análise e estudo e, por isso, se tem buscado
assegurar a qualidade desse, a fim de realmente atender às necessidades da classe estu-
dantil. O desenvolvimento de estudos sobre o livro didático também consiste em uma
maneira de avaliação sobre saberes e conceitos disseminados para a sociedade a fim de

201
verificar a adequação destes às necessidades dos/as alunos/as/es, considerando as abor-
dagens apresentadas pelos documentos oficiais.
A questão da diversidade cultural no Brasil evidencia uma situação específica,
pois se verifica um discurso politicamente correto de que o brasileiro é um povo único,
resultado de um intenso processo de miscigenação e mestiçagem. De outro, nas relações
sociais cotidianas, vivenciam-se muitas práticas preconceituosas, discriminatórias e ra-
cistas em relação a alguns segmentos da população, como os afrodescendentes (ABRA-
MOWICZ, 2006, pág.26).
Dessa forma, a produção didático-pedagógica referente ao ensino de história al-
cançará problematização por meio do desenvolvimento e da utilização do seu teor rela-
cionado ao povo afro-brasileiro no contexto histórico do Brasil.
Cabe ao Estado promover e incentivar políticas de reparações no que cumpre ao
disposto na Constituição Federal, Art. 205, que afirma o dever do Estado ao garantir,
indistintamente, por meio da educação, igualdade de direitos para o pleno desenvolvi-
mento coletivo e individual. Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)

A ideia vinculada na escola de um Brasil sem diferença, formado original-


mente pelas três raças – o índio, o branco e o negro – que se dissolveram
originando o brasileiro, também tem sido difundida nos livros didáticos,
neutralizando as diferenças culturais e, às vezes, subordinando uma cultura
a outra. Divulgou-se, então, uma concepção de cultura uniforme, depre-
ciando às diversas contribuições que compuseram e compõem a identidade
nacional (BRASIL, 1988, p.126).

Apesar disso, no Brasil, a pesquisa sobre livros didáticos é recente. É essencial des-
tacar que a difusão de programas oficiais aumentando a utilização dos manuais didáticos
nas salas de aula transformou essa publicação no recurso pedagógico mais utilizado nas
escolas brasileiras, se tornando objeto de discussões e reflexões acadêmicas.

DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL
SOB A LUZ DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

É fundamental entender o poder e a ordem da Lei n. 10.639/03 por se constituir


de uma mudança da Lei n. 9394/96, a partir da inserção dos artigos 26 A e 79 B. O seu
conteúdo e suas várias maneiras de regulamentação apresentam amplo alcance no Brasil
e necessitam de implementação na totalidade de instituições educacionais de cunho pú-
blico e privado do território, e também pelos conselhos e secretarias de educação e pelos
estabelecimentos de ensino superior.
Desse modo, a Lei n. 10.639 de 2003, a Resolução CNE/CP 01/2004 e o Pa-
recer CNE/CP 03/2004 associam-se ao papel de assegurar o direito à educação,

202
qualificando-o com a integração do direito à diferença. No entanto, a sua concre-
tização como política pública, no contexto educacional vem enfrentando situações
marcadas por tensão e complexidade. É possível observar o seu “cunho gerador e
construtor de programas e ações voltados ao suporte de políticas de direito e de
reforço aos temas vinculados à raça em um sentido de maior amplitude e inclusão”
(GOMES, 2011, p.116).
Tais iniciativas têm sido tomadas pelo Ministério da Educação (MEC) e, de forma
diferente, pelos sistemas de ensino. Porém, em virtude da responsabilidade do MEC,
dos sistemas de ensino, das unidades escolares, dos diretores/as e dos professores/as na
superação do racismo e na educação das relações étnico-raciais, as medidas voltadas à
consolidação de tal política ainda precisam de mais força para se fixarem. Para Gomes:

Tal realização requer uma mobilização social para conseguir a garantia do


direito à diversidade étnico-racial nas escolas, nos currículos, nos projetos
político-pedagógicos, na formação docente, nas políticas educacionais, en-
tre outros (2011, p.116).

Apesar da verificação de avanços e limites, a Lei n. 10.639/03, o Parecer CNE/CP


03/2004 e a Resolução CNE/CP 01/2004 permitem uma curvatura na educação nacional,
pois integram uma categoria de política caracterizada pela limitada aplicação na esfera
estatal e no MEC. Elas consistem em políticas de ação afirmativa que buscam valorizar
a identidade, a memória e a cultura negra que são elementos de reivindicação do Movi-
mento Negro e de outros movimentos sociais que apoiam a luta de combate ao racismo.
Gomes (2011, p. 116) verifica que o desenvolvimento de tal processo “não representa a
sua plena consolidação na prática escolar da educação básica, na educação superior e nos
processos de formação inicial e continuada de professores”. A lei e as diretrizes travam
um embate entre as práticas e o imaginário racial situados na estrutura e no funciona-
mento da educação nacional como o mito da democracia racial, o racismo duvidoso, a
ideologia do branqueamento e a nacionalização das desigualdades raciais.
É necessário avançar na utilização de programas e projetos específicos voltados à
diversidade étnico-racial efetuados de modo casual e interrompido. Exige a interposição
da temática racial nas metas educacionais do país, no Plano Nacional da Educação, nos
planos estaduais e municipais, na gestão escolar, nas práticas pedagógicas e curriculares
e na formação inicial e continuada de educadores de maneira mais acentuada.
Tal legislação necessita de uma compreensão capaz de observá-la como resultado
de um processo de lutas sociais, pois, como uma política de ação afirmativa, ela continua
sendo percebida com insegurança pela concepção republicana brasileira, a qual resiste
em avaliar a diversidade. Essa ideologia defende políticas públicas de cunho universal e
uma posição neutra do Estado, como assim afirma a passagem a seguir:

203
A situação apresentada pode revelar o contexto de conflitos que abrange as
ações, os programas e os projetos voltados a garantia do direito à diversida-
de étnico-racial realizados pela lei n. 10.639/03, o Parecer CNE/CP 03/2004
e a Resolução CNE/CP 01/2004 no Brasil (GOMES, 2011, p.117)

O desenvolvimento de uma análise acerca dessa lei, do parecer e da resolução


permite avaliar a dimensão da contribuição de tais dispositivos legais para a com-
preensão da diversidade étnico-racial na educação e como uma questão política es-
tendida na gama de padrões de poder, de trabalho, de saberes, de classificação e hie-
rarquização social e racial na sociedade brasileira. Gomes (2011, p. 117) destaca que
uma das questões que deve ser analisada envolve “a articulação da lei n. 10.639/03
e suas formas de regulamentação com o repertório de políticas de Estado voltadas à
diversidade étnico-racial”.
O papel instigador de tal legislação e suas formas de regulamentação como políti-
ca pública remete ao aumento da responsabilidade do Estado frente à complexidade e as
variadas dimensões e tensões vinculadas à questão racial. Nesse sentido, o conjunto de
direitos negados à população negra, de acordo com a história do Movimento Negro, re-
quer o dever do Estado no reconhecimento e na legitimação de tal questão nas políticas
públicas de saúde, trabalho, meio ambiente, terra, juventude e gênero.
Considerando essa inter-relação, a implementação da lei n. 10.639/03 tem pressio-
nado o Ministério da Educação, o Conselho Nacional de Educação, os conselhos estadu-
ais e municipais de educação, as secretarias de educação e as escolas para implementar
políticas e práticas capazes de assegurar a plenitude dos direitos do povo negro (GO-
MES, 2011, p.117).
Um estudo essencial e necessário compreende a avaliação do impacto e do alcan-
ce de tais ações na implementação da educação das relações étnico-raciais na gestão da
educação básica. Sobre as secretarias estaduais e municipais de educação, diversas delas
têm efetuado ações de formação voltadas à temática racial como cursos, seminários, or-
ganização de coordenações ou equipes pedagógicas específicas para cuidar do proces-
so de execução da lei, construção com conselhos estaduais e municipais de educação
de diretrizes curriculares estaduais e municipais para efetivar as orientações da Lei n.
10.639/03, entre outros.
No entanto, Gomes (2011, p.118) orienta que “as ações colocadas em execução
em nível nacional, estadual e municipal podem ser consideradas ainda limitadas dian-
te da urgência do conteúdo da lei”. Também é preciso destacar a dificuldade encontra-
da pelos Secretários de Educação na implantação de uma gestão voltada à diversidade
geral e étnico- racial, situada na presença e na persistência de um caráter conservador
referente à diversidade e à questão racial partilhado por vários gestores de sistema de
ensino e das escolas.

204
Algumas unidades educacionais da rede pública têm utilizado práticas peda-
gógicas relacionadas à diversidade étnico-racial. Existem experiências mais vincu-
ladas à inserção da Lei n. 10.639/03 nos Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs), tra-
balhos com a comunidade, Movimento Negro, comunidades de terreiro, projetos de
cunho interdisciplinar, celebração do Dia Nacional da Consciência Negra, estudos
sobre a África, entre outros. As escolas que apresentam uma gestão mais democráti-
ca e participativa encontram maior facilidade para o desenvolvimento de trabalhos
com mais dinamismo, coletividade, articulação e efetivação sobre a educação das
relações étnico-raciais.

ANÁLISE DOCUMENTAL

A diversidade resulta da construção histórica, cultural e social das diferenças


construídas pelos sujeitos sociais nos processos de acomodação ao meio social no con-
texto das relações de poder. Gomes (2008, p. 133) verifica que “os elementos verificáveis
de forma comum” percebidos como “diferentes desde a origem” do ser humano admitem
consideração apenas porque o homem, “no contexto cultural, efetua a nomeação e iden-
tificação”.
Como produto da gama de opostos, discrepantes e incoerentes, a diversidade não
é considerada, pois o que há, de acordo com Barros (2008, p. 18-19), é uma “uma fusão
equilibrada”. Essa diversidade apresenta uma abordagem cultural oriunda das “trocas
estabelecidas entre sujeitos, grupos sociais e instituições, a partir da consideração de
diferenças, desigualdades, tensões e conflitos”. Durante os processos de contato entre et-
nias, ocorre o envolvimento dos sujeitos em várias experiências culturais entrecruzadas
e sobrepostas, gerando tensões ao pertencimento de identidade.
A compreensão acerca dos efeitos de tal processo de trocas e imposições cultu-
rais e seus impactos nos planos sociais, econômicos e políticos referem-se à diversidade
cultural, que representa o folclórico, o etnográfico de uma sociedade, as formas e os
modelos de conhecimento, que atua sobre a identidade, ou seja, a maneira de afirmação
a partir do uso de representações sobre si e o mundo. Para Alves e Barros (2009, p. 02), a
diversidade cultural compreende os elementos “que diferenciam uma cultura das outras
em virtude da capacidade dos sujeitos de alterar criativamente a herança cultural recebi-
da, conferindo diversidade à sua forma e vida”.
Desse modo, é possível verificar que esse tipo de diversidade traz aspectos diferen-
tes entre as culturas, pois a ação humana é responsável pela promoção de mudanças nes-
se sentido. Alves e Barros (2009, p. 02) acrescentam que tal variedade de expressões “re-
presenta a capacidade humana de adaptação e transformação de suas condições de vida.
As manifestações culturais constituem ferramentas que levam os sujeitos a reafirmação
de suas identidades culturais”. Assim, identidade e diversidade evidenciam diferentes

205
relações de sentido, produto dos processos de conflito e negociação, pois, na interação
com o outro, a identidade é construída e as características de tal contato estabelecem a
sua forma.
Ocorre o estabelecimento, a transformação e a reafirmação das identidades,
pois a aquisição de uma identidade consiste em sua definição em relação a outras
culturas. Tal articulação entre identidade e diversidade cultural se completa, consi-
derando que a diversidade cultural passa a ser pensada a partir da simultaneidade da
contestação de conflitos e de convivência entre as diferenças culturais apresentadas.
Barbalho (2007, p. 56) explica que “a relação entre identidade e diversidade atua
como referência identitária para diferentes grupos sociais, pois os sentidos admiti-
dos possuem caráter processual”.
Assim, “a identidade passa a ser uma produção”, sendo resultado de um “cam-
po identitário cedido à diversidade e se reproduz em identidades”. Nesse sentido,
a diversidade gera sujeitos caracterizados pela ordem múltipla que dividem várias
identidades sociais responsáveis por sua redefinição e se reafirmação. A diversidade
cultural pode ser afirmada como a convivência entre várias identidades situadas nas
comunidades, instituições e no acesso e nas trocas entre outras identidades com as
quais negociam sentido.
De acordo com Thomaz (1995, p. 427), "a cultura corresponde à capacidade
dos sujeitos de conferir sentido às suas atividades e ao contexto", ou seja, definir um
código simbólico, pois o estabelecimento da cultura exige a aceitação dos indivíduos
para com as práticas, considerando a ação antropocêntrica capaz de alterá-la e inse-
rir outros significados segundo o contexto vivido. A compreensão de cultura, como
conjunto de símbolos compartilhado pelos integrantes de um grupo social, favorece
a atribuição de sentido ao mundo e as ações humanas, pois Woodward (2000, p. 41)
afirma que “cada cultura apresenta suas formas específicas voltadas a classificação
do mundo”, promovendo maneiras capazes de conceder sentido a sociedade e a cons-
trução dos significados.
Assim, percebe-se a frágil ligação da cultura aos costumes, técnicas, artefatos e
a acentuada associação com o significado dos elementos nas relações sociais. É possí-
vel interpretá-la como capacidade humana de imaginação das situações, inspirando a
concretização de ações, consolidando o pensamento, a partir do emprego de símbolos
construídos, que adquirem valor real no contexto de elaboração dos códigos, ou seja,
na cultura. Tal conceito de cultura, como código simbólico, transpassa os momentos da
vida das sociedades, pois abrange as atitudes cotidianas naturais, a produção material da
vida e as mais profundas pesquisas e teorias referentes ao universo.
Por isso, cada momento da vida social não pode ser assimilado de forma isolada,
mas apenas em relação à universalidade cultural. Gomes (2008, p. 135) salienta que “a
diversidade cultural é efetuada no humano, durante a história”, pois o ser humano vive

206
e atua segundo um determinado código simbólico, construído e definido no contexto
social. O fundamento social da cultura é que, segundo Luciano (2008, p. 70), “as culturas
apresentam ordem dinâmica”, sofrendo alterações ao longo da história, considerando o
ato dos sujeitos sociais criarem e recriarem aspectos voltados ao atendimento de suas
necessidades de sobrevivência.
Dessa forma, é essencial efetuar reformulações das ideias e normas a partir
dos saberes prévios a fim de estabelecer o embate entre novas situações. Fleuri (2003,
p. 23) destaca que, no Brasil, devido à origem de sua sociedade ser caracterizada pela
presença de várias etnias, reconhecer a diversidade na cultura requer “aspectos vin-
culados às identidades sociais que não possuem estabilidade e firmeza específicas”,
pois “as identidades culturais, aspectos das identidades oriundos do pertencimento a
culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas, nacionais, sofrem frequentes desvios
ou interrupções”.
Nesse contexto, o sujeito, como construção social, resulta de valores sociais e a
identidade cultural é observada como identidade coletiva, fator de um grupo social que
partilha atitudes iguais e encontra suporte num contexto com um ideal coletivo pro-
jetado, estabelecendo-se na construção social. Marinho (2009, p. 88) aponta que, pela
“identidade, o sujeito é apresentado ao mundo social e se conforma”. A identidade efetua
o intermédio da relação entre indivíduo e sociedade.
Assim, a formação das identidades historicamente produzidas e transmitidas
pela estrutura social possui a regulação de um contexto de políticas de reconhe-
cimento, considerando as interações identitárias e relacionando-se à organização
social responsável pela definição da postura humana diante do contexto social. Para
Marinho (2009, p. 93), a identidade étnica compreende “a organização simbólica do
eu”, que “permite o alcance de soluções adequadas para os problemas de interação
social situados em várias culturas”, e sua permanência no tempo e no espaço, “sob a
perspectiva de sua história pessoal”.
A formação de tal identidade, em diversos níveis, pode ser fortalecida por proces-
sos de aprendizagem institucionalizados, nos quais deve ocorrer a consideração das in-
terações entre sujeito e meio. Nessa proposta de organização, as experiências vivenciadas
pelo indivíduo durante a vida em interação com a realidade sociocultural, representam
a dinâmica da vida social, que se moldam, mas modificam aspectos sociais. A identida-
de refere-se tanto ao mundo como ao modo de manipulação efetuado pelo ser humano
sobre o seu contexto histórico, reconstruindo de acordo com sua compreensão sobre si
e o mundo.
Nesse contexto, analisamos o livro didático considerando as contribuições da aná-
lise documental que, segundo Ludke (1986, pág. 38), constituem uma fonte poderosa
de onde podem ser retiradas evidências que fundamentem afirmações e declarações do
pesquisador, como uma técnica exploratória indica problemas que devem ser bem mais

207
explorados através de outros métodos. Logo, ao fazer a análise do documento utilizado
nesta pesquisa, material didático, verificaram-se as temáticas apresentadas, examinan-
do sinuosamente cada parte do documento utilizado, fazendo uma contextualização de
acordo o tema que foi investigado.

LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO

Foi os livro de valô


Mais maió que vi no mundo,
Apenas daquele autô
Li o premêro e o segundo
Mas, porém, esta leitura,
Me tirô da treva escura,
Mostrando o caminho certo,
(ASSARÉ, Patativa do, 1978)

Em algumas pesquisas que tratam sobre o livro didático, apresenta-se que, no


Brasil, as primeiras ideias,

[...] sobre o livro didático surgiram em 1929, com a criação do Instituto


Nacional do Livro (INL). Esse instituto foi criado para legitimar o livro na-
cional e auxiliar na sua produção. Mas tudo isso ficou no papel por muito
tempo, pois foi apenas em 1934, no governo do presidente Vargas, que o
instituto começou a elaborar um dicionário nacional e uma enciclopédia e
aumentar o número de bibliotecas públicas [...] (UOL, 2020).

Ao analisar a política que envolve o livro didático, no que concerne ao acompa-


nhamento dos diferentes desdobramentos, feições e práticas desta política ao longo dos
anos, o texto final consegue inserir o livro didático no único contexto que permite per-
ceber corretamente seu perfil complexo, multifacetado, sutil e ambíguo. Contexto sem o
qual qualquer discussão sobre ele - livro didático - perde o sentido, apesar das intenções
melhores ou piores que a inspiram (LAJOLO, 1987, p.02).
Ao longo de 80 anos, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), criado
em 1985, com o decreto n° 91.542, de 19/8/85 – um dos programas mais antigos de
distribuição de livro didático para os estudantes da rede pública – , foi sofrendo al-
terações, mudanças e se aperfeiçoando; atualmente, é voltado para educação básica,
ensino médio, inclusive na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, exceto a
educação infantil.
De 2012 para os dias atuais, foram criados alguns avanços tecnológicos como o
livro digital, com o mesmo conteúdo do impresso. Essas multimídias que incluem jogos
educativos, simuladores, entre outros, foram enviados para as escolas através de DVD

208
considerando aquelas que não têm acesso à internet, como também os endereços impres-
sos para uso online, a fim de facilitar o aprendizado e tornar as aulas mais interessantes,
tanto para o aluno/a/e quanto para o professor/a. Esses avanços tecnológicos permitiram
novas versões de livros digitais e materiais multimídias.
Além disso, a leitura proporciona ao leitor uma interlocução com o texto e o en-
volvimento com a leitura dá um sentido, mesmo que esse não tenha sido oferecido pelo
texto, mas criado através do seu entendimento a partir do seu contexto no contato com
o mesmo. Uma maneira única de cada um interpretar e se comunicar através dapalavras
criando uma expectativa do que foi acolhido, do que o texto quer mostrar ou não. Dian-
te disso, cabe à/ao docente interagir contribuindo com o enriquecimento do assunto
abordado. Mas, ressalto que o livro didático não cumpre a sua funcionalidade se seu
conteúdo não for trabalhado com questionamentos e abordagens de quem manuseia,
desafiando o que ele traz em sua composição.
No entanto, não deve ser o único instrumento usado por professoras/res, pois
as discussões em sala de aula por toda turma, experiências trocadas com todos, em
diferentes contextos e situações, desenvolvem o raciocínio de que o/a estudante
aprende determinado assunto de acordo suas interações em coletivo. O livro é um
facilitador no processo de ensino e aprendizagem da aluna/o/e, mas não é um instru-
mento exclusivo. Sendo assim, contribui na criação de estratégias para docente no
desenvolvimento das atividades em sala de aula. De acordo com Bittencourt (2004,
pág.319), os livros didáticos merecem ser considerados e utilizados mediante suas
reais possibilidades pedagógicas e cada vez mais aparece como um referencial, e não
como um texto exclusivo, depositário do único conhecimento escolar posto à dispo-
sição para os alunos/as/es.
Nesse sentido, a atenção na escolha e uso do livro didático em sala de aula
precisa ser curiosa e responsável, para que esse não se restrinja a um instrumento
exclusivo na metodologia usada e que seu conteúdo seja viés para ampliação de ou-
tras visões, pois é preciso organizar as ideias e intensões trazidas em seus escritos, e
de que maneira está sendo tratados os assuntos, por quem foram escritos para que
o trabalho de construção do conhecimento do aprendiz seja de desenvolvimento
intelectual do sujeito e não de uma alienação. Ao professor/a compete a missão de
desconstruir possíveis ideologias que, talvez, não condizem com a realidade mostra-
da. Ademais, a interação junto à/ao estudante, problematizando-a para que ocorra
suas análises com base na perspectiva de desenvolver um sujeito pensante, crítico e
formador de opiniões. Por isso, a importância de não negligenciar a escolha do livro
didático e, principalmente, fazer uma análise geral, cuidadosa e criteriosa por todo
conteúdo, imagens, temas, entre outros.
Diante do que foi discutido, trago, mais uma vez, a questão desta pesquisa: como os
livros didáticos têm apresentado em seus conteúdos e atividades a diversidade étnico-racial?

209
Cada dia está mais frequente vivenciar situações diversas de racismo, que causam a morte de
pessoas pretas e pobres em nosso país. E todos esses assuntos vêm sendo discutidos e viven-
ciados numa sociedade que determina o que devemos ser, usar e nos comportar. Nosso país
tem uma diversidade étnico-racial, cultural, que vem sendo discutida e debatida em vários
setores e mídias e, ainda assim, a questão do racismo estrutural continua viva, pois perce-
bemos o retrocesso em muitos seguimentos da sociedade e, durante os últimos dois anos,
infelizmente, se agravou ainda mais considerando a conjuntura política nacional.
A pessoa negra, muitas vezes, é vista por parte da sociedade elitista e racista, como
marginal ou aquele que não deveria fazer parte da sociedade a qual tem seu padrão úni-
co: branco. Ao longo dos tempos, aprendemos e fomos induzidos a acreditar que homem
preto, que usa seu cabelo estilo rastafari, black power ou qualquer outro que se encontra
fora do “estilo padrão”, é usuário de drogas, bandido ou ladrão. Ressaltando que a pessoa
branca, mesmo que adote um perfil parecido e tenha seu estilo despojado, use seu cabelo
do modelo ou cor que desejar, por conta da sua cor de sua pele, não será estigmatizada,
já que ela não presenta “perigo”.
Uma sociedade que deseja maximizar as vantagens da diversidade genética de
seus membros deve ser igualitária, isto é, oferecer aos diferentes indivíduos a possibi-
lidade de escolher entre caminhos, meios e modos de vida diversos, de acordo com as
disposições naturais de cada um (MUNANGA, 2003, p.07).
A construção negativa da imagem do negro numa sociedade racista e precon-
ceituosa reverbera no que se aprendia no livro didático de história, junto às aborda-
gens do professor, que passava do jeito que estava ali naquele impresso de interesses
de uma burguesia branca, com atitudes e ideais de colonizadores, que estipulava a
edição do modo que lhes eram convenientes e achava convincente. A história real
dos que foram escravizados e lutaram durante toda sua vida pela libertação não foi
contada nos detalhes da situação. Outro dado se refere à ideia de salvação, assim nos
contaram que foram libertos por uma princesa que assinou uma lei e “viveram felizes
para sempre...”.
A negação de ser negra ou negro reflete até hoje em algumas pessoas, principal-
mente nas que viveram o tempo em que a escola contribuía com a segregação e com
atitudes racistas e preconceituosas, talvez de forma ingênua ou por não ter tido orien-
tação de saber como tratar esse assunto em sala de aula. Entretanto, os estereótipos que
foram criados e aprendidos com essas vivências favoreceram essa negação de identida-
de, ou seja, poderia ser pele morena ou parda, menos preta, o que foi internalizado por
uma geração. Enfim, o fato de ser negra ou negro não estava estabelecido como algo
positivo. Qual criança, adolescente ou jovem negro/a que gostaria de levar o nome de
derrotado ao invés de herói? Quem iria ficar bem sendo chamado na escola ou qual-
quer outro local da sociedade com apelidos que discrimina pelo fato de ser preta ou
preto? Isso afirmo: “sentir na pele”, visto que, ao longo da minha infância, ouvia as mais

210
diversas “piadinhas de péssimo gosto” que escutava na escola ou na rua. Talvez, não
me lembre de detalhes da minha infância, mas recordo o suficiente para entender os
apelidos, os quais guardo na minha memória até hoje!
Aprendemos na escola a comemorar e agradecer o dia 13 de maio. Data sem-
pre tão lembrada nos livros de história como referência de um marco heroico da
Princesa “boazinha”, Isabel, que libertou os escravos, assinando a Lei Áurea, ofere-
cendo vida livre ao povo negro. O sofrimento que vivia o povo trazido dos países
africanos fazia com que eles, em atos de resistência e lutas contra os escravagistas,
se organizassem em quilombos e conseguissem fugir. Muitos que não conseguiam
acometiam suicídio, por não terem que viver em situações tão desumanas. Estudos
mostram que, quando essa lei foi assinada, poucos escravizados/as ainda viviam sob
poder dos seus senhores. A grande maioria já vivia em quilombos ou condições de
miséria em fugas constantes.
Nesse cenário, a escola, enquanto espaço de formação humana, tem seu papel
para uma ação efetiva na construção de conhecimento. Esse espaço precisa se rein-
ventar e, para isso, deveria usar como base a experiência de uma ampla avaliação
do seu passado, composto por diferentes povos e culturas, partindo das raízes como
ponto fundamental.
Acreditamos que trabalhar conteúdos de história de nosso país com valorização
da história “verdadeira” facilita a compreensão do desenvolvimento do/da aprendiz e
traz novas perspectivas para entender os fatos. A Lei 10.639/03 inclui no currículo o
ensino de história e cultura afro-brasileira, o estudo da História da África e dos Africa-
nos, a luta das negras/os no Brasil, a cultura negra brasileira e na formação da sociedade
nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política
pertinente à História do Brasil.
É preciso trabalhar todas essas questões da história de nosso país, abordar conteú-
dos de diversas pesquisas ao longo dos tempos e não se prender a um único instrumento
que é o livro didático. A escolha do livro a ser usado em sala de aula deveria acontecer de
forma sistemática pelos professores/as dada a importância que este material pedagógico
tem para o aprendizado e o desenvolvimento das/os estudantes. Devemos atentar para
a maneira como esses conteúdos são abordados, as características predominantes sobre
esses, de que forma está sendo posto e suas intenções. Talvez não tenhamos o preparo
e a oportunidade devidos para analisar o livro didático que vai ser usado por nossa/o
aluna/o/es e, muitas vezes, pecamos por não sabermos usá-lo de uma maneira que consi-
ga desmitificar situações que tragam ideias ultrapassadas. Para isso, é interessante entrar
no universo do livro didático a fim de conhecer e entender seu conteúdo e de que forma
está sendo passado para os nossos/as estudantes, além de conhecer um pouco sobre os
autores/as dos livros didáticos.

211
RESULTADOS E DISCUSSÕES:
COMO ANDA A DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL
NOS LIVROS DIDÁTICOS?

Bem te vi, bem te vi


Andar por um jardim em flor
Chamando os bichos de amor
Tua boca pingava mel
Bem te quis, bem te quis
E ainda quero muito mais
Maior que a imensidão da paz (…)
(Paulino Pedra Azul,”Jardim da Fantasia”, de 1982)

O Novo Pitanguá, das autoras Adriana Machado Dias e Maria Eugenia Bellusci. O
livro de história que analisamos tem um nome de uma pequena ave, mais precisamente
um bem-te-vi. De acordo com o dicionário informal, “Pitanguá” é uma palavra indígena
que define uma ave, o mesmo que neinei- Pitauá. Em tupi-guarani significa literalmente:
¨o comedor de pitanga¨ (pitanga+guá)”. O livro traz sequência de imagem do passarinho
informando e comentando um pouco do tema que será abordado.
Esse livro traz como objetivo fornecer ao professor conteúdos como abordagem
atual, abrangente e integrada considerando o melhor aprendizado ao aluno. E como já
abordamos anteriormente, o papel da escola é saber trabalhar e garantir a aprendizagem
e o desenvolvimento dos educandos. De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacio-
nais para o Ensino Fundamental:

I - As escolas deverão estabelecer, como norteadores de suas ações pedagógi-


cas: a) os Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidarie-
dade e do Respeito ao Bem Comum; b) os Princípios Políticos dos Direitos
e Deveres de Cidadania, do exercício da Criticidade e do respeito à Ordem
Democrática; c) os Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, e
da Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais. Estes princípios de-
verão fundamentar as práticas pedagógicas das escolas, pois será através da
Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem
Comum, que a Ética fará parte da vida cidadã dos alunos (1998, p. 04).

O livro se divide em quatro unidades que subdividem em eixos temáticos. Logo


no começo, apresenta-se o manual do professor e um sumário do material digital do
Novo Pitanguá V, com onze eixos subdivididos nos temas abordados no conteúdo desse.
O livro de História Novo Pitanguá é direcionado ao/à aluno/a do quinto ano
com a idade esperada entre 10 a 11 anos. Sendo esse o último ano do fundamental I,
percebe-se que, nessa transição, o/a estudante está saindo de uma etapa escolar primária
para a secundária, assim como da fase que antecede a adolescência, que compreende o

212
processo onde ocorrem as mudanças físicas e psicológicas dando-lhes uma visão mais
ampla de mundo nesse contexto de transformações. Segundo Bock (2007, p.66), a ado-
lescência concebida como transformação, torna da sociedade e da cultura as formas
para se expressar.
Nesse sentido, a criança desperta as mais diversas ideias, sentimentos e constata-
ções de mundo com atitudes, responsabilidade, respeito e independência na sociedade
em que está inserido. Vale ressaltar o importante papel da escola nesse contexto de mu-
danças e transformações, pois é primordial junto à família, para que esse se reconheça
como parte de um todo, na construção de novos conhecimentos, vivências, e suas rela-
ções sociais e culturais que contribuem na formação de um sujeito com características
construídas através de seu meio na relação com a outra pessoa.

ANÁLISE DO NOVO PITANGUÁ QUINTO ANO

Em suas primeiras 23 páginas, é apresentado o manual do professor, sumário do


livro digital e alguns atributos da coleção que são: a Base Nacional Comum Curricu-
lar (BNCC); Eixos norteadores; Livro Digital; Portal Novo Pitanguá; Integração entre
componentes curriculares e visual atrativo. Logo em seguida, os Objetivos Educacionais
Digitais (OEDs). E assim, a explanação de cada eixo da coleção.

O que traz cada unidade

A primeira unidade, “Povos e culturas”, de acordo o descrito no livro, os alunos


estudarão o processo de sedentarização, a dinâmica de formação dos povos e culturas,
conceito de Estado. Traz, também, uma proposta de reflexão acerca da diversidade cul-
tural, com destaque para as várias religiões da atualidade.
A segunda, que começa com um questionamento e explicação sobre o que é no-
madismo, é seguida de uma atividade com uma imagem de uma pintura rupestre. Abor-
da sobre as mudanças na relação com a natureza. Um breve histórico sobre povo, cultura
e diversidade, exemplificando com algumas imagens representando a cultura, como os
Zigurates, templos feitos em homenagens aos deuses, pintura egípcia e de uma múmia.
No tópico “Natureza e Religiões na Antiguidade” fala sobre os povos da antiguidade con-
templando com imagens de esculturas representando símbolos naturais como a água, a
luz do sol e a figura feminina, símbolo de fertilidade da terra.
O tópico que aborda a respeito da diversidade religiosa traz um pequeno texto que
fala da religião de matriz africana no Brasil, e uma imagem com três negras e um negro
num terreiro de candomblé, em Lauro de Freitas, aqui na Bahia. Em uma outra parte, é
falado sobre o cristianismo e o judaísmo, todos esses sem muito aprofundamento.

213
Esse conteúdo vem seguido de várias imagens sobre religiões, inclusive, uma cena
chama atenção: a passeata contra a intolerância às religiões de matriz africana. Notamos
a importância dessas abordagens sobre a diversidade religiosa em nosso país, princi-
palmente, quando se trata das religiões de matriz africana, pois ainda vemos, nos dias
de hoje, muitos associarem estas religiões a coisas negativas. Ouvimos, infelizmente, de
muitos cristãos fundamentalistas, a partir do seu preconceito e estereótipos, que essas
religiões são movidas por magia negra ou algo do tipo.
Na segunda unidade, o primeiro tópico, “Cidadania e Direitos Humanos”, come-
ça apresentando cinco crianças diante de uma urna simbólica representando a votação.
Entre essas crianças, têm-se dois meninos negros e três meninas brancas. Nas páginas se-
guintes, visualizamos a figura de uma família: uma senhora de pele clara e dois meninos
negros; e outra gravura de crianças brincando representada por três crianças brancas e
um menino negro. Percebemos que todos os tópicos desse tema trazem gravuras de pelo
menos uma pessoa negra.
A terceira unidade, intitulada “Os registros da história”, começa o primeiro tema
com questionamento: Qual é a importância do estudo do passado? Além disso, fala um
pouco sobre as invenções do homem, e dá um exemplo com a foto do brasileiro Alberto
Santos Dumont, inventor do avião. No tópico “A linha do tempo”, as autoras fazem três li-
nhas do tempo: uma sobre a história de um município brasileiro, de Recife/Pernambuco;
outra, sobre um objeto: o telefone; e a terceira sobre a história de uma pessoa, o jogador
de futebol Pelé.
No tópico “A tradição oral”, também são apresentadas gravuras. A primeira con-
siste em uma roda de crianças índias sentadas em círculo no chão com uma senhora
também índia ensinando sobre a origem do milho. A outra gravura mostra povos africa-
nos, e os contadores de histórias cantadas, também chamados de Griôs.
Por fim, a quarta unidade, “Patrimônios da humanidade”, apresenta duas imagens
que chamaram a atenção. Em uma imagem exibe atividades que retratam manifestações
do Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, o Samba de Roda do Recôncavo Baiano, mu-
nicípio de Santo Amaro/Bahia e a outra apresenta a imagem do Círio de Nazaré em Be-
lém/Pará. Para finalizar essa unidade, no tópico “Arte e História”, apresenta-se a foto da
escultura do profeta, obra Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, filho de uma escra-
vizada africana. No tópico “Sítio Arqueológico Cais do Valongo”, as autoras descrevem,
em poucas linhas, relatos entre outras da chegada de 500 mil e 1 milhão de africanos/
as escravizados/as, que foram trazidos de forma forçada ao Brasil para trabalhar. Vemos
ainda outra imagem dos escravizados/as expostos no mercado de escravos do Valongo.
No que se refere às atividades do livro, não houve alguma que pudesse envolver
mais os alunos/as/es numa pesquisa mais apurada, com o intuito de motivá-los a buscar
mais informações sobre suas origens, para futuros questionamentos em sala de aula com
seus/suas colegas e professores/as sobre as questões étnicos raciais.

214
Apesar de ter percebido uma quantidade de imagens e assuntos relacionados ao
nosso povo negro, notei que a abordagem referente a esse povo foi bastante sucinta e
superficial para uma construção efetiva de consciência coletiva, principalmente, por se
tratar de um livro de história, o qual o professor/a vai utilizar durante todo o ano letivo,
mesmo que este não se prenda totalmente nesse material.
É imprescindível que o professor/a não se limite a um único instrumento em sala
de aula, no caso do livro didático, pois deve dar possibilidades ao/a estudante de tam-
bém buscar pesquisas relacionadas ao tipo de assunto trabalhado. O livro deve funcionar
como um suporte para que o/a docente/a investigue os conteúdos e atividades, analisan-
do o que é preciso ampliar ou quem sabe melhorar para instigar o/a aprendiz a alcançar
o objetivo proposto. Além disso, o professor/a auxiliado pelo livro didático pode fazer
com que o/a educando/ perceba e busque a construção do seu próprio conhecimento e,
consequentemente, se desenvolver enquanto pessoa humana, pertencente a uma socie-
dade plural e diversa e que possui direitos e deveres.
A representação negativa do negro no livro didático causa ao aluno ou aluna ne-
gra a negação de seu passado, de sua identidade. As imagens negativas dos seus ante-
passados, apresentadas no material didático, em situações desumanas diante do homem
branco, como geralmente são apresentadas nos livros didáticos de história, corroboram
para essa negação. São constatadas imagens frequentes do negro amarrado num tronco,
corpo seminu, sendo chicoteado por outro também negro (capataz) que é de alguma ma-
neira forçado para aquela situação, normalmente, na condição de exemplo para aquele e
os demais escravizados/as não tentassem fugir ou se revoltar contra o seu opressor.
Há de se ressaltar que para a criança negra que estuda a retratação de seu povo, no
livro didático, sendo apresentado das mais desumanas formas de violência, entende seus
antepassados como se fossem animais, já que não percebe outra versão da história, pois
muito do que poderia ser trabalhado nas escolas acaba sendo omitido, talvez, por falta de
orientação dos/as profissionais ou por outros mais diversos motivos.
A seletividade dos conhecimentos nos currículos, o silêncio dos professores/as so-
bre as práticas discriminatórias identificadas em seu cotidiano escolar nos conduzem a
ficar atentos não apenas para o que é transmitido com conotação discriminatória, mas para
o que é impedido de ser transmitido e dito (GONÇALVES, 1988 apud SILVA, 2011, p. 77).
Nesse contexto, para as crianças brancas, esse aprendizado que coloca o homem
branco em posição superior ao negro, fazendo seu semelhante em condição de escravo,
por ter a cor da pele preta, demonstra a forma como ao longo dos tempos estamos pre-
parando as nossas crianças brancas para o convívio com os seus colegas negros.
Dessa forma, notamos, nos exemplos contidos no livro e estudos trazidos por nós,
que a história de vida dos nossos/das e de nossas estudantes pretas/os se repete, à medida
que se encontram sempre em posições de inferioridade diante dos brancos e esses, por
sua vez, se apresentam sempre como os detentores do poder. Poder esse representado em

215
seu fenótipo e hábitos, atitudes e experiências. Portanto, precisamos refletir sobre quais
ensinamentos as crianças brancas estão recebendo para viverem numa sociedade que
carrega raízes de racismo estrutural.
As imagens do negro que o livro analisado nos apresenta revela a violência sofrida
pelas pessoas em nossa sociedade ao longo dos tempos, pois tem relação com todo o
processo que se perdura até os dias atuais. Assim, a criança branca que recebe as infor-
mações de acordo com o que traz o livro didático que lhes é apresentado, vai ser influen-
ciada a também interpretar a história dos negros com inferioridade.
A criança negra, por seu turno, que desde sempre vivenciou a sua história como
um povo oprimido, segue aprendendo que vive do lado da opressão, e precisa se defen-
der. Essa ideologia tem a função de mostrar, através dos livros didáticos, brancos em
posições superiores ao negro, fazendo com que estudantes brancos/as e negros/as, repro-
duzam as posições de opressor e oprimido, respectivamente.
A partir da implementação da Lei 11.645/2008 (BRASIL, 2008), que complementa
a Lei 10.639/2003 (BRASIL, 2003), tornando obrigatório “o estudo da história e cultura
afro- brasileira e indígena”, nos diferentes níveis da educação brasileira, percebemos que
ainda existe certa resistência do sistema educacional, pois as disciplinas ainda parecem
não contemplar esse estudo com envolvimento de assuntos relacionados às temáticas
que traduzam as questões da diversidade nas escolas. Observa-se que já se passaram qua-
se 18 anos desde que foi implementada a referida lei e ainda não temos uma ação efetiva
no ensino brasileiro em relação às ações que objetivam a intenção proposta por essa lei.
Frisa-se que nosso país tem uma população heterogênea e nossa diversidade pre-
cisa ser cada vez mais reconhecida e aceita na igualdade de direitos e deveres entre todos
os brasileiros. Se assim acontecesse, não precisaríamos de implementação de leis para
que nossos direitos fossem garantidos. Carregamos uma riqueza cultural de nossos ante-
passados, saberes diversos de nossos ancestrais que fazem parte de todos nós brasileiros.
Isso dever ser trabalhado em nossas escolas como parte natural do que vivemos, e não
negado durante décadas por aqueles que defenderam e defendem uma cultura europei-
zante, criada por aqueles que se negaram e negam a aceitar os verdadeiros povos consti-
tuintes de nossa nação, pois trazem consigo os interesses de uma elite de colonizadores.
Dessa forma, ainda temos que lutar para que nossos direitos contidos na lei te-
nham a sua legitimidade, e que o sistema educacional atenda às necessidades que garan-
tam a obrigatoriedade de incluir os estudos de história da população afrodescendente de
maneira mais profunda e crítica. Infelizmente, na maioria das vezes, presenciamos um
trabalho a respeito da cultura afro-brasileira nas escolas apenas nos festejos do dia 20 de
novembro, dia da Consciência Negra.
Trazer para as aulas o conteúdo da História e da cultura Afro-Brasileira e Africana
é fazer cumprir o grande objetivo proposta pela nova lei, que é fazer com que possamos
refletir sobre a discriminação racial, valorizar a diversidade étnica, gerar debates, estimular

216
valores e comportamentos de respeito e solidariedade. Para que esses objetivos se cum-
pram é necessário que exista uma educação voltada para diversidade cultural e as relações
étnico- raciais nas escolas (LIMA, 2016, p. 15).
A escola tem seu papel crucial no tipo de educação que oferece. As influên-
cias que esta produz vão marcar a vida do sujeito, de forma positiva ou negativa,
dependendo de como a escola irá tratar as questões étnicos raciais – de forma crítica
e problematizadora ou simplesmente como reprodução da cultura da classe domi-
nante. Sabemos que, durante décadas e gerações, os povos negros viveram com as
imposições de uma elite dominante. O que se aprendia na escola era justamente a
história contada pelo olhar dos subordinadores. Assim, o que era ensinado nos livros
didáticos como verdade única e incontestável serviria para dominação de um povo.
Segundo Cargnin (2014),

[...] analisar e interpretar de forma adequada os livros didáticos é funda-


mental para que os(as) educadores(as) possam instrumentalizar a si e aos
seus educandos com relação à compreensão da importância da Histórica da
África, dos africanos e consequentemente combater o racismo explícito ou
implícito nos livros didáticos (pág.18).

As mudanças que queremos, em nossa sociedade, para garantia dos direitos ad-
quiridos precisam começar a partir da escola, a qual necessita de se reinventar. Enten-
dendo que ainda carregamos herança dos modelos duríssimos de escola tradicional, é
preciso buscarmos transformações para uma sociedade livre das heranças do coloniza-
dor que ainda carregamos.
Nessa perspectiva, volto ao papel do professor em suas ações na vida do/a estu-
dante bem como profissional engajado e consciente de suas responsabilidades no sistema
de ensino, na participação e na elaboração do currículo, na escolha do material pedagó-
gico, do livro didático, entre outros. Como mencionado anteriormente, a participação
do professor/a na escolha do livro que será utilizado por nossos estudantes é salutar e
demanda uma análise criteriosa.
Além do mais, não se pode esquecer que a produção do livro didático leva sempre
em conta a imagem que a escola tem de si mesma. E devolvendo à escola tal imagem,
conta - como contou, no caso em discussão - com a adesão apressada de quem come gato
por lebre, gosta e ainda elogia o guisado (LAJOLO,1987, pág.10).
A garantia de mudanças e melhorias na qualidade do livro didático, visto que, esse
ainda é um instrumento bastante utilizado em nossas escolas brasileiras, depende de um
alinhamento na escolha e sugestões de seus conteúdos. O estudo de nosso passado, mar-
cado por sua diversidade e culturas múltiplas, deveria estar sempre em evidência, pois
a real história de gerações jamais pode ser esquecida, e teria que ser sempre vivenciada
através de nossos estudos desde pequenos.

217
Ao contrário disso, deveriam ser considerados na história de nosso país como os
verdadeiros formadores da nossa nação. Mulheres e Homens que foram injustamente
tirados de suas vidas, e deles arrancado toda sua dignidade que até nos tempos atuais
lutam para terem o seu lugar na sociedade. Ao longo dos tempos vivenciamos o racismo
latente em nossa sociedade e, até os dias atuais, percebemos o quanto que mata!
A escola, sendo um lugar responsável por educar, tem o papel também de apresen-
tar a história do povo brasileiro (bem como assegura a Lei 10.639/03, que implementa o
ensino de história, cultura Afro-Brasileira e africana em todas as instituições de ensino
brasileiras), de forma que o/a educando/a a reconheça e a valorize como sua própria his-
tória, pois a cultura negra contribuiu e contribui muito para a cultura do povo brasileiro
em variados aspectos.
Ressalto que, se tivéssemos desde o início uma valorização de nossas raízes,
quem sabe não teríamos a nossa cultura negada. Fomos ensinados e apresentados, ao
logo de décadas, por uma elite europeizante, impondo como deveríamos ser e viver,
e assim copiar o modelo que a elite estabelecia, como um exemplo padrão/correto a
ser seguido.
Notamos que há a necessidade da existência de leis e lutas para que seja cum-
prida e ensinada a nós mesmos como nos comportar, respeitar, educar e até não matar
nossos irmãos por ter uma cor diferente da estabelecida “padrão”, ou quem sabe por
ter religião de matriz africana, entre outros. Se todos obedecessem aos princípios de
respeito ao próximo, não precisaríamos de leis ou algo que nos ensinasse ou “forçasse”
a sermos tolerantes conosco. Entretanto, nos foi ensinado que preto não é pessoa igual
ao branco, tem diferença e como tal precisa ser tratado diferente, servindo aos seus
senhores. Assim, ensinou-se, nos estudos de história, muitas vezes de forma sutil e in-
consciente, através da imagem que trouxe ao longo dos tempos, do negro. Se todos os
nossos antepassados tivessem sido respeitados, vividos como pessoas ditas “normais”,
quem sabe não estaríamos lutando a todo instante por igualdades de direitos, para
sermos reconhecidos como gente.
Nesse contexto, com a obrigatoriedade prevista na Lei nº 11.645/2008, a escola
recebe a tarefa de desconstruir toda e qualquer imagem deturpada que foi e ainda é pro-
pagada a respeito dos povos descendentes de africanos. A educação precisa ser a chave
de libertação de fato, da produção de conhecimento, das melhorias de convivência entre
todos os povos, independentemente de sua situação racial, social, cultural ou de gênero.
Também ampliando aos profissionais da educação, estudantes em sua formação, melho-
res condições, para que esses levem adiante as mudanças possíveis às quais requerem as
nossas instituições de ensino.
Portanto, precisamos mudar essa ideia de que o negro tenha que aparecer nos
livros didáticos, simplesmente como aponta o seguinte exemplo: “Olha, ele é um negro!
Mas foi um herói!”.

218
Considerações finais

Podemos considerar, a partir da análise do livro didático “Novo Pitanguá”, que


esse material didático traz, em suas páginas, abordagens superficiais e rasas referentes
ao ensino de história, cultura afro-brasileira e de África, o que não contempla o § 1°,
que inclui “o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a con-
tribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do
Brasil” (BRASIL, 2003).
Além disso, é notado que o heroísmo mostrado neste livro didático, infelizmen-
te, representa a realidade de muitos outros (verificado em outras pesquisas), que assim
como esse vem sendo adotado em algumas escolas, e o que se insinua é que está faltando
uma atenção maior sobre a escolha desse material nas escolas.
Nesse sentido, a partir de uma análise criteriosa do professor, essa realidade de-
veria ser resolvida. Verifico que na maior parte do livro o negro aparece na situação de
escravo, como se essa fosse a sua única condição possível por ter nascido negro. Quando
não está na condição de escravizado, o negro aparece como um herói, por atitudes que
o fizeram se destacar, já que, por ser negro, muitos acreditam que talvez não conseguiria
tal “proeza”, sendo tratado por vezes como um evento excepcional.
Acreditamos que o livro de história deve trazer conteúdos diversos da vida de seus
antepassados, ensinando ao/aluno/a/e, sobretudo em idade de pré-adolescência (que já
observa os movimentos de uma sociedade diversa de costumes, culturas, etnias, gênero
desde suas primeiras expectativas de sociedade, cultura e, consequentemente, as pri-
meiras experiências de seus antepassados) como viver em sociedade. Pode possibilitar,
dentro das propostas do ensino, conteúdos atuais, uma promoção da inclusão, ofere-
cendo o necessário a respeito das questões étnico racial. Uma familiarização com seus
antepassados desde jovens, para que assim se reconheçam no lugar da história como
uma mudança futura de suas relações sociais, culturais, sabendo que faz parte de todo
processo como igual aos seus sem distinção de raça, credo religioso, gênero, entre outros,
como assim assegura a nossa constituição brasileira.
Com isso, concluo que para que as relações étnico-raciais sejam tratadas em sala
de aula de maneira efetiva e satisfatória, é necessário que os/as professores/as sejam bem
formados a respeito da cultura afro-brasileira, que tratem o ensino referente aos povos
negros de forma crítica, problematizadora, consciente e questionadora, a fim de oferecer
aos seus/suas alunos/as/es condições para que eles compreendam diversos temas im-
portantes para a sociedade como a discriminação racial, e a valorização da diversidade
étnica. Além disso, um professor/a consciente do seu papel tem melhor capacidade para
escolher um livro didático que não trate o negro a partir de estereótipos e que valorize o
povo negro como parte constituinte e construtora da sociedade em que vivem.

219
Assim, deixo aqui abertura para novos desdobramentos de pesquisas futuras com
a continuidade de ideias e ações contínuas sobre a relevante questão de melhorias na
qualidade do livro didático para que esse contemple em seus conteúdos o estudo da cul-
tura afro- brasileira e indígena de acordo determina a Lei de Inclusão 11645/08, para que
possamos realmente alcançamos uma inclusão das diferenças.

REFERÊNCIAS

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escolas. São Paulo: Summus, 2001. p. 83-96.

221
O CINEMA NA SALA DE AULA:
Uma estratégia de leitura da literatura

Deisiane Santos de Jesus


Marine Souto Alves

TRADUZIR-SE (Ferreira Gullar)


Uma parte de mim é todo mundo.
Outra parte é ninguém, fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão.
Outra parte estranheza e solidão.
Uma parte de mim pesa, pondera. Outra parte delira.
Uma parte de mim almoça e janta.Outra parte se espanta.
Uma parte de mim é permanente.
Outra parte se sabe de repente. Uma parte de mim é só vertigem.
Outra parte linguagem.
Traduzir uma parte na outra parte,
que é uma questão de vida e morte, será
arte?(In. GULLAR, Ferreira. Na vertigem do dia (1975-1980), São Paulo,
Cia das
Letras, 1990.)

INTRODUÇÃO

Entende-se que a percepção do processo de ensino-aprendizagem da Língua Por-


tuguesa e Literatura perpassa por questões sociais, culturais, filosóficas e históricas, fa-
zendo-se necessário que esse ensino seja ofertado de maneira a contemplar, da forma
mais completa possível, todos esses aspectos, desde o ingresso desse aluno no ambiente
escolar, estendendo-se à continuidade de sua vida social.
Para tanto, o referido estudo objetiva investigar o processo de incentivo da leitura
de obras literárias por meio da relação entre literatura e cinema na sala de aula, a fim
de validar a utilização da mídia cinematográfica como estratégia de leitura da lingua-
gem literária. Haverá, ainda, por meio de uma Sequência Didática, a análise (leitura
e interpretação) da adaptação literária do conto “A terceira m a r g e m d o r i o” de
João Guimarães Rosa, para o cinema, com o filme de mesmo nome, dirigido por Nelson
Pereira dos Santos, com vistas a possibilitar uma, entre tantas vertentes, que podem ser
trabalhadas em aulas de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira.

222
Nesse sentido, esse estudo justifica-se pela necessidade de implementação de
novas estratégias para o ensino da Língua Portuguesa e Literatura, uma vez que, sendo
uma das mais importantes ferramentas de convívio, comunicação e, consequentemente,
inserção social, o processo de leitura, sobretudo a leitura de obras literárias que trazem
consigo grande panorama social e histórico do país, precisa ser constantemente revisto,
a fim de garantir ao educando, múltiplas possibilidades de ver e se posicionar dentro e
fora do âmbito escolar, haja vista que, os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) já preveem que “A escola tem importante papel a cumprir na sociedade, ensi-
nando os alunos a se relacionarem de maneira seletiva e crítica com o universo de in-
formações a que têm acesso no seu cotidiano” (BRASIL, 1998, p. 139). Do mesmo modo,
mais atualmente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (2017) traz também uma
espécie de humanização do espaço escolar; ao menos é o que se teoriza e

Reconhece, assim, que a Educação Básica deve visar à formação e ao desen-


volvimento humano global, o que implica compreender a complexidade e a
não linearidade desse desenvolvimento, rompendo com visões reducionistas
que privilegiam ou a dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afeti-
va. Significa, ainda, assumir uma visão plural, singular e integral da crian-
ça, do adolescente, do jovem e do adulto – considerando-os como sujeitos
de aprendizagem – e promover uma educação voltada ao seu acolhimento,
reconhecimento e desenvolvimento pleno, nas suas singularidades e diversi-
dades. Além disso, a escola, como espaço de aprendizagem e de democracia
inclusiva, deve se fortalecer na prática coercitiva de não discriminação, não
preconceito e respeito às diferenças e diversidades (BRASIL, 2017 p. 11).

A necessidade de implementação de novas metodologias e recursos se dá, tam-


bém, muito por conta da realidade tecnológica vivida atualmente, isto é, cada vezmais
as mídias tem adentrado o ambiente escolar e, por isso, deve-se considerar os múltiplos
letramentos que surgem da necessidade social, cultural e histórica vividas. Sobre isso,
Rojo (2001) afirma em “Letramentos múltiplos, escola e inclusão social” que,

[...] as mudanças fazem ver a escola de hoje como um universo onde con-
vivem letramentos múltiplos e muito diferenciados, cotidianos e institucio-
nais, valorizados e não valorizados, locais, globais e universais, vernacula-
res autônomos, sempre em contato e em conflito, sendo alguns rejeitados
ou ignorados e apagados e outros constantemente enfatizados (ROJO,
2001, p. 106).

Tendo em vista essa crescente ascensão das novas tecnologias em todo o mundo,
a necessidade de utilizar-se dela como suporte à uma melhora no sistema educacional
como um todo se faz cada vez mais imprescindível, uma vez que, como afirma Moran
(2007) em “Desafios na Comunicação Pessoal”

223
A televisão, o cinema e o vídeo, CD ou DVD - os meios de comunicação au-
diovisuais - desempenham, indiretamente, um papel educacional relevan-
te. Passam-nos continuamente informações, interpretadas; mostram-nos
modelos de comportamento, ensinam-nos linguagens coloquiais e mul-
timídia e privilegiam alguns valores em detrimento de outros (MORAN,
2007, p. 162).

Dentre essas questões, o cinema, enquanto linguagem, tem se mostrado uma


maneira possível a se repensar os caminhos estabelecidos entre a teoria e a prática pe-
dagógica do ensino da Língua Portuguesa, mais precisamente no processode leitura da
literatura brasileira, pois, quando se estimula a capacidade leitora, melhora-se, conco-
mitantemente, a capacidade linguística dos alunos, bem como seurendimento em todo
âmbito educacional. Napolitano (2006) corrobora a ideia de que a utilização do gênero
cinema na sala de aula agrega em muito no que diz respeito a reaquisição cultural, uma
vez que nele a expressão estética do social, do cotidiano se materializa e se difunde
mais amplamente numa só obra (NAPOLITANO, 2006, p. 11).
É sabido que a utilização da mídia cinematográfica em sala de aula por si só não
promoverá efeitos desejáveis, a menos que isso seja feito com o fundamento pedagógico
necessário, pois o que pretende ser um recurso facilitador pode se transformar em um
ensino raso e despreparado, se não for embasado e contextualizado às práticas educati-
vas de maneira concreta e eficiente. Barbero (1996) já alertara para as consequências da
má utilização de recursos tecnológicos em sala de aula, a saber,

A simples introdução dos meios e das tecnologias na escola pode ser a


forma mais enganosa de ocultar seus problemas de fundo sob a égide da
modernização tecnológica. O desafio é como inserir na escola um ecossis-
tema comunicativo que contemple ao mesmo tempo: experiênciasculturais
heterogêneas, o entorno das novas tecnologias da informação e da comu-
nicação, além de configurar o espaço educacional como um lugar ondeo
processo de aprendizagem conserve seu encanto (BARBERO, 1996, p.12).

Esse posicionamento de Barbero nos leva a pergunta: o uso da mídia cinemato-


gráfica na sala de aula é conhecimento ou apenas entretenimento? Ora, se bem direcio-
nado e planejado, o cinema pode sim ser usado como recurso pedagógico na busca por
aproximar a prática da leitura ao aluno. E como um recurso lúdico, facilitar e ampliar a
visão de mundo, de modo a desenvolver aimaginação, colocar mais assuntos em diálogo
e as próprias impressões e comparações do aluno com o que foi visto e dito na literatura
impressa.
Para isso, essa pesquisa se sustenta numa abordagem qualitativa a partir da sequ-
ência didática que, de acordo com o artigo, “Sequências didáticas para o oral e a escri-
ta: apresentação de um procedimento”, consiste em: “[...] um conjunto de atividades

224
escolares organizadas de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou
escrito” (DOLZ, NOVERAZ e SCHNEYWLY, 2004, p. 97).
Segundo Pedro Demo, a pesquisa qualitativa busca atuação em níveis de realida-
de, na qual os dados trazem à tona indicadores e tendências observáveis (DEMO, 1999).
Por isso, o caminho percorrido para desenvolver este trabalho baseou-se em dados bi-
bliográficos para estruturação da teoria; uma vez que geralmente eles armazenam grande
quantidade de informação.
Assim, este trabalho também se propõe a desenvolver uma Sequência Didática,
pois pretende lançar mão de uma organização de atividades com as quais seja possível
tornar as aulas de literatura nacional mais atrativas para o aluno, incentivando o hábito
da leitura e o desenvolvimento do senso crítico.
Tudo isso implicará na leitura e releitura críticas sobre o corpus da pesquisa, de
modo a analisá-lo, tendo em vista o método dedutivo, partindo do geral para o particu-
lar, (DEMO, 1999); escolha do tema, seleção do suporte teórico e leitura de autores, pes-
quisadores e críticos, assim como anotações e fichamentos, redação; digitação; revisão;
exposição oral e entrega do artigo, que visa construir uma Sequência Didática: Leitura e
interpretação em A TERCEIRA MARGEM DO RIO, conto de João Guimarães Rosa, es-
crito em 1962, com características coincidentes com a terceira fase do Modernismo e tra-
duzido intersemioticamente para o filme homônimo, 1994, dirigido por Nelson Pereira
dos Santos, em cores e com duração de 98 minutos, como possível prática metodológica
da teoria a ser analisada.
Sendo assim, o intuito dessa pesquisa em investigar sobre a eficiência da utilização
da mídia cinematográfica em sala de aula enquanto estratégia incentivadora no processo
de leitura de Literatura para alunos do 7º ano do ensino fundamental será fundamentada
nos teóricos, Eni Pulcinelli Orlandi, Marcos Napolitano, Jesús Martin Barbero, Irandé
Antunes, Magda Soares, Marisa Lajolo, René Wellek, Austin Warren e Izabel Solé, entre
outros que abordam a questão da leitura, da literatura, bem como a utilização do cinema
na sala de aula.

A LEITURA E O PROCESSO DE APRENDIZAGEM

É sabido que a educação tem desempenhado cada vez mais importante papelna
vida das pessoas, uma vez que por ela perpassam questões dos mais variados aspectos
da vida humana. Diante disso, o espaço escolar tem sido cada vez mais responsável pela
formação de indivíduos que se pretendam capazes de apreender e depreender sobre os
diversos assuntos e sua relevância na realidade em que estão inseridos.
Desse modo, é necessário que se exerça uma educação pautada na atualização e
capacitação, tanto dos alunos quanto dos professores, a fim de garantir a eficiência e
eficácia do ensino ofertado, de modo a não apenas inserir, mas acompanhar todo o

225
processo de ensino-aprendizagem de acordo as necessidades e mutabilidades que sur-
gem. Os Parâmetros Curriculares Nacionais(PCN’s) alertam para isso:

Uma análise da conjuntura mundial e brasileira revela a necessidade de


construção de uma educação básica voltada para a cidadania. Isso não se
resolve apenas garantindo a oferta de vagas, mas sim oferecendo-se um en-
sino de qualidade, ministrado por professores capazes de incorporar ao seu
trabalho os avanços das pesquisas nas diferentes áreas de conhecimento e
de estar atentos às dinâmicas sociais e suas implicaçõesno âmbito escolar.
(BRASIL, 1998a, p. 9).

A BNCC também traz muito presente essa questão da interatividade, da conecti-


vidade e do acesso à internet como forma de garantir a qualidade e eficiência do ensino
em sua continuidade, visto que, nos dias atuais, não se pode mais negar a necessidade da
utilização das mídias digitais e o poder que a internet impõe a todo osistema educativo.
Sem contar, é claro, nas inúmeras vantagens que os meios tecnológicos proporcionam
ao dia a dia escolar e, consequentemente, ao ensino- aprendizagem. Muito por isso, está
presente em várias vertentes, como é o caso exposto em um dos aspectos das Competên-
cias Gerais da BNCC (2017):

Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras,


e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das
linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar
informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e
produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo (BRASIL, 2017, p. 7).

Nesse sentido, é importante que se analise aqui a leitura da literatura enquanto


primordial no processo de aprendizagem. Isto é, em que medida o ensino- aprendizagem
é comprometido por falta de assiduidade e eficácia na leitura de obrasliterárias. E quando
se fala aqui de leitura, é sobre toda capacidade leitora que o indivíduo pode desenvolver
a partir também da leitura de mundo.
Entendendo que a Literatura Brasileira abarca temas e questões importantes sobre
a cultura e o contexto histórico de cada época, entende-se que a sua leitura oferta aos alu-
nos possibilidades de conhecimento de outros momentos, que aliado aos conhecimentos
já existentes, constrói uma rede de base para a compreensão de novos sentidos. Como
está posto na Base Nacional Comum Curricular – BNCC (2017),

Se a linguagem é comunicação, pressupõe interação entre as pessoas que


participam do ato comunicativo com e pela linguagem. Cada ato de lingua-
gem não é uma criação em si, mas está inscrito em um sistema semiótico de
sentidos múltiplos e, ao mesmo tempo, em um processo discursivo (BRA-
SIL, 2017, p. 59).

226
E esse tem sido um dos maiores desafios em se tratando de leitura de literatura
impressa, é sabido que principalmente no 2º ciclo do ensino fundamenta l (5º ao 9º
ano) e até mesmo no ensino médio há muita heterogeneidade nas salas de aulas, e que
essas salas são compostas por alunos vindos de realidades muito distintas. Além disso,
pelos mais diversos motivos, esses alunos não têm conseguido fazer sequer a decodifi-
cação das palavras sem maiores limitações. Apesar de ser do conhecimento dos agentes
da prática pedagógica que a leitura perpassa a simples decodificação do signo linguístico,
é sempre bom lembrar que está para além disso, mas é preciso que haja análise e compre-
ensão para que as habilidades sejam plenamente desenvolvidas.
De acordo com Isabel Solé (1988), as estratégias de leitura são os instrumentos ne-
cessários ao desenvolvimento da leitura proficiente, já que ao utilizá-los é possível uma
melhor compreensão e interpretação com maior autonomia dos textos lidos, e ainda
pretende despertar o professor para a importância em desenvolver um trabalho efetivo
no sentido da formação do leitor autônomo, crítico e reflexivo.
Nesse sentido, como Freire (1989), entende-se que a leitura de mundo se antepõe
a leitura da palavra e, para isso, é importante que se aprenda a perceber a ler um texto
antes mesmo de seu contato textual, é o ver nas entrelinhas, além do que está posto, o
subtendido, é perceber os intertextos. Tudo isso são estratégias de leitura que constroem
os significados da leitura (FREIRE, 1989, p. 11).

O CINEMA COMO ESTRATÉGIA DE LEITURA DA LITERATURA

Leitura, literatura e cinema são temas aparentemente comuns, mas quando anali-
sados sob a ótica de uma combinação educativa, cabe a reflexão e a análise de como, nos
dias atuais, cada vez mais audiovisuais, essa junção pode sair da zona comum a que tem
sido submetida e utilizada, para um potencializador no processode ensino-aprendiza-
gem, que esteja pautado na atualização constante e no dinamismo a que o ensino tem
exigido, principalmente nas questões da Língua. Segundo Ribeiro (2002):

Educar quer dizer contribuir para o desenvolvimento harmonioso de uma


pessoa por meio de boas relações com a realidade em que tal pessoa vai
vivendo. Assim, a educação não pode ser concebida como qualquer coisa
estática, à margem da experiência concreta do educando. Todos os es-
tímulos, todas os componentes de tal experiência devem ter lugar na
atividade educativa quotidiana (RIBEIRO, 2002, p. 46).

E é no ensino da linguagem que a problemática tende a aparecer. Os desafios


da leitura de obras literárias se dá por vários motivos, alunos desinteressados, realidade
socioeconômica que dificulta o acesso a várias possibilidades de leituras, ensino com-
prometido por práticas de leitura engessadas e pouco dinâmicas, entre outras. Contudo,

227
apesar das causas, é dever da escola e de seus agentes, bem como da família, o compro-
misso com a formação integral e eficaz de cada aluno, embora se saiba que cada vez
mais esse papel formativo tem recaído apenas sobre a escola, o que por si só já é uma das
causas da má formação leitora dos alunos no contexto e realidades vividas.
Logo, conhecendo toda essa realidade, desde os problemas dos alunos com a
leitura literária até as consequências que isso trará em toda sua trajetória acadêmica e
social, o professor de Língua Portuguesa não pode olvidar ao uso de novas metodologias
que possam abranger o novo mundo desse alunado, dispondo- se das novas práticas de
conhecimento, principalmente considerando a base tecnológica em que é formada essa
nova geração. Segundo Quental e Dias (2005),

[...] o alunado se compõe de um público formado na virtualidade. Trata-se de


uma geração net, em que telas de computador ou de televisão fazem parte do am-
biente doméstico, em que não se consegue imaginar um mundo sem máquinas
e em que as culturas se difundem com velocidade inédita. Paralelamente, há o
benefício da multimodalidade, em que imagens ou sons se mesclam às palavras,
ampliando as possibilidades de comunicação (QUENTAL E DIAS, 2005, p. 32).

Consequentemente, os professores, em contínuo processo de formação, em suas


salas de aula, dedicam-se à leitura das obras que trazem o contexto histórico- social de
várias épocas com vistas à contribuição da leitura de obras de outras épocas, por meio
de mídias cinematográficas como estratégia de ensino. Aqui entra em contexto o uso de
obras cinematográficas como auxílio e estratégia de suporte à leitura das obras literárias.
E como Todorov (1964-69) já apontava, a literatura tem o benefício de já ser naturalmen-
te apta à exploração de todo campo semântico da linguagem, o que facilita amplamente
sua tradução, adaptação à linguagem cinematográfica.

A literatura goza, como se vê, de um estatuto particularmente privile-


giado no seio das atividades semióticas. Ela tem a linguagem ao mesmo
tempo ponto de partida e como ponto de chegada; ela lhe fornece tanto sua
configuração abstrata quanto sua matéria perceptível, é ao mesmo tempo
mediadora e mediatizada. A literatura se revela, portanto, não só como
o primeiro campo que se pode estudar a partir da linguagem, mas também
como o primeiro cujo conhecimento possa lançar uma nova luz sobre as
propriedades da própria linguagem (TODOROV, [1964-69], 2011, p.54).

Embora muitas sejam as críticas às adaptações cinematográficas de obras literá-


rias, devido a não literariedade e desvalorização do cinema enquanto arte que possa
comportar a expressão do texto literário, é exatamente a diferença que exerce que faz
surgir uma nova obra, mesmo criada em contexto histórico e social diferente em relação
à obra traduzida. Dick (1990) fala que não há fidelidade em tradução. EWellek, Warren
(Teoria da Literatura: Publicações, s/d), afirmam que:

228
[...] reações individuais de um leitor ou de um espectador [que] se con-
tentem com descrever alguma semelhança emocional nas nossas reações
às duas artes nunca se poderão prestar a uma verificação e, portanto, a um
avanço construtivo dos nossos conhecimentos (WELLEK, WARREN. s/d).

Assim, toda nova leitura e interpretação tem um ponto de partida diferente.


Como fenômenos, as técnicas de reprodução são distintas, mas em crescente intensida-
de (BENJAMIN, [1936], 1987). Diante disso, entende-se, não apenas como possível, a
tradução de uma obra literária numa obra cinematográfica, como também se considera
extremamente relevante seus resultados na utilização do ensino da literatura.

[...] em princípio, a obra de arte sempre foi suscetível de reprodução. O


que seres humanos fazem pode ser imitado por outros. Os estudantes co-
piavam obras como forma de se exercitar, os mestres as reproduziam para
divulgá- las, e finalmente outras pessoas as copiavam para ganhar com isso.
Diferentemente, as técnicas de reprodução são um fenômeno (BENJAMIN,
[1936], 1987, p.176).

Contudo, é necessário que se aprofunde o entendimento individualizado dessas


duas expressões da arte, para que se possa entender como, por meio da relação entre
elas, mais especificamente, a transformação, transmutação de uma sobre a outra, pode
favorecer o gosto, o hábito e a prática da uma leitura crítica e reflexiva. E para entender a
significação desse processo, é preciso entender os contextos históricos que transcendem
as obras literária e cinematográfica, com intuito de harmonizar ensino e aprendizagem
e, ainda, perpetuar a historicidade da cultura vista nas obras literárias.
Considera-se que a literatura ocidental surge com a Odisseia e Ilíada no século
VIII a.C., poemas de Homero. Note-se que a este tempo não era ainda conceituada como
literatura, mas como Poesia, uma vez que a função desses textos era demonstrar a beleza
das palavras e entreter aos grandes da nobreza. Literaturaestava desde então entrelaçada
com a cultura da época produzida.
Marisa Lajolo (2001) traz a questão do que seria ou não considerada obra li-
terária e admite que esta seja uma pergunta complicada, por se ter várias respostas,e que
cada grupo social em sua época tem suas definições, para uso interno daquele grupo ou
daquele tempo. Jonathan Culler (1999) considera que “às vezes o objeto tem traços que o
tornam literário, mas às vezes é o contexto literário que nos faz tratá-lo como literatura”
(CULLER, 1999, p. 34). Desse modo, juízos críticos a respeito do tipo de linguagem
empregada, das intenções do autor, dos temas e assuntos de que se tratam os tex-
tos literários produzem efeitos aos leitores que variam com o tempo desde Platão.
Antoine Compagnon (2001) ratifica, “no sentido restrito, a literatura (fronteira entre
o literário e o não literário) varia consideravelmente segundo as épocas e as culturas”
(COMPAGNON, 2001, p. 32.)

229
Na atualidade, com conceito de obra literária sendo mais vasto, isto é, de variados
textos literários, o efeito causado ao leitor sobre a literatura é que suas funções estão
mais ampliadas, como Zilberman (2008) expõe: a literatura “acionasua fantasia, co-
locando frente a frente dois imaginários e dois tipos de vivência interior, mas suscita um
posicionamento intelectual” (ZILBERMAN, 2008, p.23).
Nesse sentido, a leitura de uma obra literária tem se constituído cada vezmais
em um processo de harmonia entre o adentrar o espaço individual e distinto desse leitor,
sem, contudo, deixar de lado a subjetividade histórica que esse texto traz.
Sabendo que o momento já traz uma nova possibilidade de leitura ou releitura,
de utilização das imagens em movimento e que hoje em dia qualquer pessoa pudesse
tornar um criador de conteúdo audiovisual, por que a educação não se apropria dis-
so enquanto ferramenta que possibilite ampliação da capacidade leitora? A partir desse
questionamento, há outro que se faz pertinente e complementar à primeira, seria o uso
da mídia cinematográfica em sala de aula mesmo capaz de proporcionar maior interesse
à leitura da literatura impressa? Morin (1997) identifica que o processo psicológico que
o ser humano projeta e identifica está também presente na relação que se tem com as
imagens cinematográficas, isto é, o processo de cognição está relacionado à abstração
da realidade e sua representação imagética em pensamento.
Portanto, neste estudo da educação e da literatura associada ao cinema, o aluno en-
quanto leitor da literatura impressa tem sobre o papel as possibilidades de apreensão naquele
momento, no entanto também é possível a esse aluno outra forma de leitura, aquela que se
pode fazer sob a ótica da arte das telinhas ou telonas, com a inserção de fatores que não estão
presentes na obra escrita, isto é, a imagem, os sons, as cores que se encorpam e ganham for-
ma, mas que podem se formar subjetivamente com o proceder da leitura do escrito.
Esse aluno leitor que passa a gostar da obra cinematográfica se torna também ex-
pectador e assim faz parte de um processo ressignificado de leitura. Não que deixe de lado
a leitura da literatura escrita, mas adiciona a ela as sensações vistas, ouvidas do que foi
apreendido pela obra cinematográfica. Desse modo, passa a estabelecer relação entre as
obras de arte literária e a obra cinematográfica e a deter maior percepção imagética e sono-
ra, dando mais significado a junção entre as percepções das duas modalidades de leituras.
Sobre isso, Plaza (2003) pontua a tradução intersemiótica como intercurso dos sentidos e
considera “relevantes às relações entre os sentidos, meios e códigos” (PLAZA, 2003, p.45).
Ainda sobre essa relação que há no processo de adaptação, Diniz (1998) pontua

[...] termos outros exemplos de tradução intersemiótica. Um deles é a re-


lação entre textos dramáticos e filmes. Também entre esses textos existea
simultaneidade verbal e visual, porém, nesse caso, bem mais aparente. Os
textos se baseiam em palavras e imagens, o que ilustra a simultaneidade, já
apontada, dos elementos verbal e visual, embora um deles sempre predo-
mine (DINIZ, 1998, p. 314).

230
Pode-se entender na leitura que se faz da história uma perspectiva que avança
para além do presente. E “é pela leitura que damos sentido e reanimamos o passado”
(PLAZA, 2003, p. 2). Assim tem-se na leitura uma forma de tradução do passado, uma
vez que na literatura não existe conceitos que se perdem, mas a possibilidade de uma
releitura, uma incorporação ao que agora se faz presente no cenário literário. De sorte
que, “é a visão da história como linguagem e a visão da linguagem como história que nos
ajudam a compreender melhor estas relações” (PLAZA, 2003, p. 2).
E apesar de se saber que a literatura tem a ver com a palavra escrita, eruditae a
arte de escrever, e como se vê em Todorov, “[...] é uma linguagem não instrumental e
o seu valor reside nela própria” (TODOROV, 2010), vale ressaltar que ela é também
uma linguagem verbal, e há de se pensar que o ensino da língua não pode se dar fora
desse lugar de comunicação. Como afirma Centeno (1986), “o texto literário resulta de
uma vontade de comunicação” (CENTENO, 1986, p.34). Assim sendo, o processo
de leitura por si mesma não pode ser despretensiosa e desatenta, é necessária uma
competência leitora que agregue além do que se vê escrito a capacidade de interpretar
e ativar os subsunsores (AUSUBEL, [1963], 2003)existentes sobre o conteúdo exposto.
E essa tem sido há tempos uma das maiores problemáticas à compreensão leitora dos
alunos, conforme mostram Colomer e Camps (2011).

Segundo o National Assesment of Educational Progress (NAEP), em seu


informe sobre a leitura em 1984, 40% dos alunos norte-americanos de
13 e 16% dos de 17 anos não haviam adquirido as habilidades de leitu-
ra necessárias para fazer inferências e formular generalizações nos textos
de diferentes áreas de conteúdos. Mais débil ainda eram suas capacidades
de reagir criticamente ou para elaborar interpretações que mais tarde lhes
permitissem confrontar argumentos (COLOMER e CAMPS, 2011, p.70).

Desse modo, considera-se para o progresso da competência leitora e literária, não


apenas o aprender a ler, mas a significação capaz de ser feita por meio das diversas leitu-
ras. Para isso, seria necessário situar um parâmetro que forneça continuidade às apren-
dizagens literárias, de modo significativo, e ainda, que se promova a cognição literária
necessária ao desenvolvimento da “destreza leitora” (ROCKWELLE, 1982, p.76).
E por perceber e considerar como objetivo à educação leitora e literária como
contribuição à formação do indivíduo; formação essa que está diretamente relacionada
à construção social dele mesmo e ao coletivo, pensa-se uma educação feita por meio da
comparação com textos que mostram a maneira como eram e são abordados a estimativa
da atividade humana mediada pela linguagem.
A partir dessa reflexão sobre literatura e leitura, que as mídias digitais são aqui
inseridas, no sentido de como as mídias cinematográficas se articulam nesse conjunto
“literatura-leitura-cinema”.

231
A priori, é preciso que haja uma breve conceituação, a fim de verificar a origem e
semânticas empregadas para tal nomenclatura. Assim, ‘Mídia’ é o plural de medium, que
no singular quer dizer: meio, veículo, canal. De acordo com Melo e Tosta (2008), há uma
relação entre os brasileiros e a mídia que vai além do significado literal da palavra; isso
porque teria relação direta com a indústria de bens simbólicos.
A história das mídias começa por volta de 1808, com a invenção da imprensa, mas
só em 1896, surgem as primeiras imagens do cinema. Aqui no Brasil só em 1898, no
Rio de Janeiro. Depois disso, o desenvolvimento midiático no país se deu com mais cele-
ridade e, por volta de 1919 a 1922, com a introdução do rádio, cerca de 30 anos depois a
televisão e só em 1985 a cibercomunicação alcança a era dos computadores.
As mídias cinematográficas aparecem no contexto do avanço entre cinema e
tecnologia, e são posteriormente inseridas nas aulas a fim de auxiliarem as práticas
pedagógicas.

O campo que une educação e comunicação representa um novo espaço teórico


capaz de fundamentar práticas de formação de sujeitos conscientese efetivos cida-
dãos. Já é consensual que a constituição desse campo é umatarefa complexa, pois
exige o reconhecimento da mídia como um outro lugardo saber, que condiciona e
influencia, juntamente com a escola e outras agências de socialização, o processo
de formação dos indivíduos (MELO e TOSTA, 2008, p.49).

[...] reafirmamos que se faz necessário, nos tempos atuais, pensar a Educação
com uma perspectiva comunicativa. Mais do que isso, pensá-la como uma
instancia de produção de conhecimento que saiba lidar com os processos co-
municacionais, incluindo todo o aparato midiático disponível na sociedade.
A análise de diferentes formas e conteúdos midiáticos poderá fornecer ele-
mentos significativos para o gestor, para o professor e para o aluno em sala de
aula e nos múltiplos espaços de que a escola dispõe, na medida em que esse
professor mediador estiver inteirado dos processos de produção cultural que
se apresentam na mídia (MELO E TOSTA, 2008, p. 60 e 61).

Assim, percebe-se que a utilização do recurso cinematográfico, quando emprega-


da para associação e não como único modelo de leitura, será uma via de acesso à prática
criativa e crítica das produções e reproduções, da leitura e meta- criação (PLAZA, 2003,
p.14.)
No entanto, é imprescindível ressaltar que o fato de aqui se abordar a impor-
tância da obra cinematográfica (tradução intersemiótica) como estratégia nas aulas de
literatura; não dispensa a total necessidade da leitura da obra literária. Destaque-se que
a obra cinematográfica não pode ou deve ser usada como subterfúgio à fuga da leitura,
muito menos ser usada para camuflar o aprender. Colomer (2007) corrobora essa ideia
ao afirmar que o ensino da literatura deve considerar as mudanças culturais quando do
seu exercício no contexto escolar, pois

232
[...] o sistema literário como tal teve que posicionar seu espaço e sua função
social em relação aos novos sistemas culturais e artísticos. Não é portanto
estranho que o ensino de literatura ficasse profundamente afetado pelo fato
de que as ideias sociais a respeito de sua função e aos hábitos de consumo
cultural – incluídas as dos próprios alunos – se tornassem diferentes da-
quelas assumidas pelas gerações anteriores (COLOMER, 2007, p.22).

Por isso também, a linguagem cinematográfica tem se mostrado uma boa maneira
de trabalhar esse processo de compartilhar sentimentos, afetos, emoções, uma vez que
pelo uso do cinema se pode acionar mais facilmente o cognitivo dos alunos/expectado-
res. Para além disso, o audiovisual tem a capacidade de representar o imaginário, fazen-
do essa transposição do que seria físico nas narrativas para a materialização imagética
da coisa. O que acaba por aproximar mais ainda dos alunos/telespectadores a então
realidade histórica abordada na Literatura Brasileira. E, por conseguinte, oportuniza
maior interesse e melhor apreensão do conteúdo proposto.
Em suma, tanto a obra literária quanto a produção cinematográfica estão em
constante atualização da garantia de ocupar seu lugar na prática do ensino docente e da
aprendizagem discente.

O CONTO “A TERCEIRA MARGEM DO RIO”


E A SUA ADAPTAÇÃO PARA O CINEMA: Uma análise

O conto, A Terceira Margem do Rio, faz parte da obra Primeiras Estórias, e é


considerado o mais famoso de Guimarães Rosa (1999); a primeira edição é do ano de
1962. Nele, o personagem de Guimarães Rosa adentra a canoa e fica no paradoxo entre
uma e outra margem do rio, na terceira margem. A partir da leitura do conto, pode-se
fazer uma análise metafórica da cultura que ali se apresenta, que recorra a psicanálise e
até mesmo ao transcender, todas cabíveis.
A simbologia que o “rio” apresenta no supracitado conto, o torna em demasiado
intrigante e tem sido objeto de estudos tanto no Brasil quanto no exterior, uma vez que
desperta tantas indagações e interpretações.
As duas margens físicas do rio podem representar, metaforicamente, a morte e
a vida. A morte em: “Largo, de não se poder ver a forma da outra beira” (ROSA, 1999,
p.83), e a vida pode ser expressa em: “Nossa casa, no tempo, era mais próxima do rio,
obra de nem quarto de légua” (ROSA, 1999, p.83).
O espaço é concretamente marcado pelo rio, com cenário ruralista, de onde saem
as primeiras impressões do que seja o transcender pelo cenário em que passam a vida e
corre o rio.
Embora se mostre bastante cronológico, o tempo em “A terceira margem do rio”,
também é demarcado pelo caráter psicológico. Nota-se isso por meio das impressões

233
intensas do narrador, bem como pela maturidade expressa no decorrer de um longo pe-
ríodo que é toda a vida do narrador.
Quanto aos personagens, há o filho, que é narrador-personagem, e o pai, descrito
como um homem que “virara cabeludo, barbudo, de unhas grandes, magro, preto de
sol e coberto de pelos, com aspecto de bicho, quase nu, mesmo dispondo das peças de
roupa que a gente, de tempos em tempos, fornecia”, a mãe, o irmão, a irmã, o tio (irmão
da mãe), os dois soldados, o mestre, os jornalistas e o Padre. Percebe-se no pai, uma
forte disposição a um afastamento, a quietude, de modo que a mãe se faz responsável
por conduzir a família. Um dos paradoxos do filho (narrador), se dá ao fato de quando
criança, não ter sido aceito para acompanhar o pai em sua jornada. Quando mais velho,
o filho novamente teve a oportunidade de estar naquele lugar, mas agora a insegurança e
o estranhamento ao “desconhecido” o fazem recuar.
Em relação á estilística empregada por Guimarães Rosa, percebem-se marcas da ora-
lidade, não à toa, mas fundamentadas nos recursos empregados nas frases curtas, bastante
coordenadas, que dão o ritmo lento e proporcionam uma leitura pausada. Veja-se: “Ele me
escutou. Ficou em pé. Manejou remo n‘água, proava para cá concordando” (ROSA, 1999,
p.61). Note-se que há uma sintaxe refeita, de maneira um tanto quanto diferente, o que pode
causar certo estranhamento a priori, como se vê em: “nosso pai se desaparecia para a outra
banda, aproava a canoa no brejão, de léguas, que há, por entre juncos e mato, e só ele conhe-
cesse, a palmos, a escuridão, daquele” (ROSA, 1999, p.61). Outra marca do estilo rosiano no
conto é a repetição, “e o rio-rio-rio, o rio sempre fazendo perpétuo” (ROSA, 1999, p.61).
O regionalismo é marca presente nos dizeres das personagens que se expressam
também por meio dos neologismos “a la” Guimarães Rosa. E como que para corroborar
a vertente poética da prosa, as figuras de linguagem são bastante empregadas. A exemplo
da antítese, “perto e longe de sua família dele” (ROSA, 1999, p.72, da metaforização do
próprio rio e da gradação: “Cê vai, ocê fique, você nunca volte!” (ROSA, 1999, p.72).
Na supracitada fala da mãe em que aparece a gradação, cabe duas interpretações:
a primeira é a do distanciamento físico com o afastamento da figura paterna; e a segunda
se refere ao sentido adquirido de indignação da mãe.
O incomum da obra de Guimarães Rosa se apresenta ao leitor já no título,com a
inquietante questão do que poderia ser a terceira margem do rio. E assim, percebe-se a
abstração que a expressão traz, um inconsciente, intocável, invisível, mas atrativo.
É nítido que todos esses aspctos da obra de Guimarães Rosa pode trazer certo con-
flito, mas uma vez que superados as barreiras iniciais, abrem as percepções, bem como
o encantamento por esse mundo novo e diferente, expresso na terceira margem. Logo,
a abordagem presente no conto é uma maneira de enxergar o mundo fora das margens.
Em relação ao fato de o pai não ter voltado da sua atitude “louca”, o narrador afirma
que ele “não tinha ido a nenhuma parte” (ROSA, 1999, p.73). Ele poderia estar buscando
em seu âmago um autoconhecimento, sendo necessário, para isso, o isolamento, como for-

234
ma de tentar entender qual o enigma da vida e os segredos que a alma carrega. Toda essa
história, traz à tona essa temática de mistério e de um aparente medo do desconhecido. E o
rio, claramente sempre foi o elo metafórico utilizado como simbologia da sua mente.

[…] amo os grandes rios, pois são profundos como a alma do homem. Na
superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranquilos
e escuros como os sofrimentos dos homens. Amo ainda mais uma coisa
de nossos grandes rios: a eternidade. Sim, rio é uma palavra mágica para
conjugar a eternidade” (ROSA, 1999, p.74).

Dois momentos importantes ao enredo e seu entendimento são expressos pela


primeira tentativa do filho (narrador) em estar na canoa de seu pai. Na primeira vez,
ainda criança, seu pedido foi negado, e na segunda, já homem feito, imaginando os
motivos do pai, intenta a troca de lugar. Diante disso, pela primeira e última vez, o pai se
aproxima à margem do rio. Contudo, o filho foge ao se deparar com a imagem do desco-
nhecido que teria que enfrentar. Nisso, se dá o seu fracasso pessoal, uma vez que não foi
capaz de entender e aceitar o autoconhecimento e o processo de transcender.
A escrita do conto se deu em tempos instáveis, (fim da 2ª Guerra Mundial, início
da era atômica, os ataques em Hiroxima e Nagasaki e início da Guerra Fria), o que refle-
tia significativamente sobre na vertente temática e estilística seguidas e exploradas, bem
como nas mudanças literárias, ora positivas, ora negativas.
João Guimarães Rosa se destacava na prosa e um dos motivos é a maneira como
sua obra e sua vida se relacionavam com uma abordagem natural e espontânea dos per-
sonagens, como por exemplo, na religiosidade, no misticismo, na possibilidade da morte
e na descoberta de uma nova realidade.

O senhor... mire, veja: o mais importante e bonito do mundo, é isto: que as


pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que
elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a
vida me ensinou. Isso que me alegra montão (ROSA, 1999, 86).

No que tange ao filme, “A Terceira Margem do Rio” (1994), com direção e produ-
ção de Nelson Pereira dos Santos, conta com grande quantidade de imagens nuviosas,
passando a ideia do vazio do “pai”. Essa narrativa conta a história de um homem que é
considerado louco, por optar pela solitude do rio em contraponto a convivência com sua
família e com sua comunidade.
A abertura do filme traz o rio e suas margens bem definidas e enquadradas pela
câmera, diferentemente do que diz o conto com “largo, de não se poder ver a forma da
outra beira”. Mostra-se, também, um jogo de cores entre o alaranjado e o avermelhado
de um entardecer refletidos no rio, mas logo amanhece.

235
(Cena do filme “A outra margem do rio”, 1994, de Nelson Pereira dos Santos)

A priori, a família fica inconformada com a atitude repentina do pai. No filme isso
é representado pela busca da religiosidade para trazer o pai de volta, com o padre rezan-
do uma missa a beira do rio.

(Cena do filme “A outra margem do rio”, 1994, de Nelson Pereira dos Santos)

236
O passar do tempo, e ele passa de repente, em uma cena que revela a transição da
idade do filho (narrador). Mostra também como todos, à sua maneira, se acostumaram
com tal atitude do pai.

(Cenas do filme “A outra margem do rio”, 1994, de Nelson Pereira dos Santos)

E a vida segue, de modo que todos se mudam da fazenda onde residiam; a mãe
vai embora com a filha que casou-se, e o irmão vai para outra cidade. Apenas Liojorge
permanece ali. Talvez, por não conseguir avançar, por se sentir preso aos misteriosos
motivos do pai, acaba por ter uma vida ancorada também na enigmática terceira mar-
gem do rio.
Como no conto, no filme, Liojorge (o filho-narrador do conto), que na narrativa
cinematográfica está de volta ao sertão, e à margem do rio, chama pelo pai para ocupar
o seu lugar na canoa. Então, a primeira sequência do filme, transcodificadado conto,
é retomada para sua conclusão, ou seja, a narrativa desse conto foi transformada nas
margens, ou na moldura, do texto fílmico. Porém, não há como pensar na sequência da
enigmática ação do pai sem relacioná-la com o que há entre suas margens, toda a expe-
riência da família (no sertão e na cidade), da qual Liojorge é o fio condutor.
Percebe-se que a atitude do filho é reflexo da ação do pai, de modo que
Liojorge também busca uma terceira margem, a concretização de um projeto utópico.
Mas, finalmente, como no conto, o filho desiste do projeto do pai. Liojorge foge da
canoa que, se por um lado aproximou o pai dos valores transcendentes que ele
talvez buscasse, por outro, alienou-o quase por completo da realidade da primeira
margem, da vida em sociedade.
O conto traz à tona o transcender, visto que, as margens são o reflexo disso, aliado
a imagem do rio em sua movimentação e fluidez, temática recorrente emRosa. Já
no filme, é o enigma do que seria a terceira margem que sustenta a estrutura narrativa.
A narrativa cinematográfica apresentada traz como ponto central a representação das
imagens da cidade de Brasília, isto é, a proposta de um projeto de desenvolvimento, que
seria modelo para o restante do país na época.

237
Nesse sentido, parece que o diretor de “A terceira margem do rio”, se propõe
a uma investigação das consequências do processo de urbanização decorrente daquele
projeto para um grupo social específico, o povo sertanejo que passa pelo êxodo rural e,
mesmo assim, continua sendo estigmatizado e deixados à margem. Tudo isso, leva ao en-
tendimento dos aspectos sociológicos da obra de NelsonPereira dos Santos em contraste
com a obra rosiana.

SEQUÊNCIA DIDÁTICA

O material didático produzido durante a pesquisa foi uma sequência didática em


que o uso da obra cinematográfica é utilizado como estratégia de leitura da literatura
brasileira, com intuito de trazer uma das muitas vertentes possíveis a aplicabilidade da
proposta desta pesquisa.
Espera-se que a aplicação do material didático em sala de aula possa contribuir de
maneira significativa para a aprendizagem e apropriação dosinstrumentos de compreen-
são e interpretação leitora dos alunos. As estratégias desenvolvidas na sequência preten-
dem ajudar o aluno a compreender e a desvendar o sentido do texto literário, utilizando
a capacidade crítica de julgar o que leu e armazenar as informações lidas.
A sequência didática será construída a partir das narrativas literária e cinemato-
gráfica do conto e o filme homônimo, a saber, “A terceira margem do rio”, de Guimarães
Rosa e Nelson P. dos Santos, respectivamente.
O material didático apresentado será constituído de duas partes, sendo quena
primeira, a aplicação das estratégias de leitura está em torno do conto: A outra margem
do rio; e na segunda, o filme homônimo.
As estratégias de compreensão leitora estão expostas em cada uma das etapas da
sequência didática, conforme apresentadas por Isabel Solé (1998), para antes, durante e
depois da leitura. Está incluso também um passo a passo com sugestões de atividades e
orientações para o professor que deve atuar como mediador no encaminhamento dos
textos.

SEQUÊNCIA DIDÁTICA – cinema X literatura

TEMA: O cinema como estratégia de leitura da literatura brasileira em A TERCEIRA


MARGEM DO RIO

PUBLICO ALVO: alunos do 7º ano do ensino fundamental de 9 anos.

TEMPO ESTIMADO: 12h/a

238
OBJETIVO GERAL: Utilizar o cinema como estratégia de leitura das linguagens literá-
ria e cinematográfica.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
• Incentivar a leitura de obras literárias por meio da relação entre literatura e
cinema na sala de aula.
• Analisar (leitura e interpretação) a adaptação literária do conto “A terceira
margem do rio” de João Guimarães Rosa, para o cinema, como filme homô-
nimo, dirigido por Nelson Pereira dos Santos.

CONTEÚDOS:
• Gênero textual: Conto - A outra margem do rio, de Guimaraes Rosa;
• Gênero textual: Cinema - A outra margem do rio de Nelson Pereira dos Santos;
• Leitura e interpretação das narrativas literária e cinematográfica.

METODOLOGIA:
• Exposição da proposta do plano de aula, indagando os alunos a respeito dos
seus conhecimentos prévios sobre a temática proposta;
• Leitura e discussão do conto: “A terceira margem do rio”, seus contextos e suas
especificidades;
• Exibição e do filme “A terceira margem do rio”;
• Análise crítica do filme “A terceira margem do rio”, sua conjuntura contextual
e cinematográfica;
• Análise das semelhanças e diferenças entre as duas narrativas;
• Debate por parte dos grupos acerca da compreensão de elementos estéticos
básicos de cada gênero textual, a saber, enredo, personagens, narrador, tempo,
espaço, cenário;
• Reconstituição de outro possível desfecho para ambas as narrativas por meio
da escrita e, posteriormente, da teatralização humana ou por meio de fanto-
ches;
• utilização de um questionário para os alunos avaliarem a atividade e a própria
aprendizagem.

RECURSOS UTILIZADOS:
• Papel A4
• Cópia do conto “A terceira margem do Rio”, de Guimaraes Rosa
• Data show
• Filme “A terceira margem do Rio” de Nelson Pereira dos Santos

239
AVALIAÇÃO:
A avaliação se dará de forma processual, de forma individual e coletiva.

PASSO A PASSO METODOLÓGICO

1. Questionário para sondagem dos conhecimentos prévios dos alunos;

Atenção, professor(a)!

A aplicação do questionário é o momento para verificar a relação dos alunos


com alinguagem literária, audiovisual e com a leitura propriamente dita.

IDENTIFICAÇÃO DO ALUNO

Nome __________________________________________________________

RELAÇÃO COM A LEITURA

1. Você costuma frequentar bibliotecas?


( ) sim ( ) não

2. Você lê livros de:


( ) romance ( ) ação/aventura ( ) drama
( ) humor ( ) terror ( ) outros, especifique:

3. Qual a frequência com que você lê livros de literatura?


( ) um livro por mês ( ) dois livros por mês
( ) seis a dez livros por mês ( ) não leio

4. Você lembra o título do último livro que você leu?


( ) sim ( ) não

5. Discorra um pouco sobre o último livro lido.

6. Você gosta de assistir filmes?


( ) sim ( ) não

7. Você costuma ver filmes:


( ) na televisão ( ) no computador

240
( ) no tablet ( ) no smartphone
( ) outro, especifique:

8. Você costuma ir ao cinema?


( ) sim ( ) não ( ) às vezes ( ) outro, especifique:

9. Você vai ao cinema:


( ) uma vez por mês
( ) uma a duas vezes por mês
( ) duas a quatro vezes por mês
( ) não vou ao cinema
( ) outro, especifique:

10. Qual é o tipo de filme que você gosta de assistir?

( ) romance ( ) ação/aventura
( ) animações ( ) comédia ( ) drama ( ) terror ( ) drama
( ) outro, especifique:

11.Você lembra o nome do último filme que assistiu?


( ) sim ( ) não

12. Comente um pouco sobre o último filme que assistiu.

2. Contextos e especificidades do gênero textual “conto” e do conto “A terceira


margem do rio”;

Atenção, professor(a)!

Aqui você irá introduzir o assunto, de modo a integrar as ideias já passadas pelos
alunos e embasá-los literariamente quanto ao gênero textual e posterior apreciação do
conto “A terceira margem do rio”. Lembrando que, nesse artigo, há mais explanação a
respeito do conto supracitado e sua contextualização.
O conto é um gênero textual literário que possui narrativa curta e tem sua origem
da necessidade humana de contar e ouvir histórias. Passa por narrativas orais de po-
vos antigos, trilhando pelos gregos e romanos, pelas lendas orientais, parábolas bíblicas,
novelas medievais, até chegar a nós como é conhecido hoje.
A estrutura do conto é formada por situação inicial, desenvolvimento e situação
final. Essa divisão é parte importante para composição do enredo. Dessa forma, na cons-
trução do conto, ocorrem os elementos da narrativa, que são: foco narrativo, verosimi-

241
lhança, tempo e espaço. Pela necessidade de contextualização, o conto sofre diversas
transformações ao longo da história, originando alguns tipos, como: conto infantil
juvenil, conto de ficção científica, conto de fadas e o conto fantástico.

O conto “A terceira margem do rio”: resumo e contexto

“A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa é um conto com uma riqueza de vo-
zes, marcada pela imagem do próprio rio que ele descreve. Nesse enredo o leitor é levado
para essa terceira margem, já que, o discurso narrativo remete-se apenas a duas margens li-
terais. A busca pela resposta de onde estaria a terceira margem, pergunta implícita no con-
to, pode ser interpretada pelos leitores em tempos e espaços diferentes. E o ilho, narrador
também, permanece prisioneiro de suas próprias indagações, transportando-se para a ter-
ceira margem, incapaz de reconhecê-la. Esse conto surge em uma cultura pós-moderna e é
marcado por um movimento emergente das margens. Esse contexto torna a narrativa de “A
terceira margem do rio”, de Primeiras Estórias, publicado em 1962, ainda mais intrigante.

3. Conjuntura contextual e cinematográfica do gênero “cinema” e do filme


“Aterceira Margem do rio”;

Atenção, professor(a)!

Nessa parte, haverá a apreciação do filme “A terceira margem do rio”, logo após,
assim como sobre o conto, você irá introduzir o assunto, sob a perspectiva audiovisual,
com base nas concepções dos alunos, de maneira a contextualizá-los quanto à adaptação
cinematográfica. Note que, nesse artigo, há mais explanação a respeito do filme supraci-
tado e sua contextualização histórica.

Sinopse:

O filme brasileiro “A Terceira Margem do Rio”, (1994), do gênero drama, foi dirigido
por Nelson Pereira dos Santos com roteiro baseado no conto homônimo do livro “Pri-
meiras Estórias” (1962) de João Guimarães Rosa. Usm homem deixa sua família e amigos
para viver isolado em uma canoa no meio de um rio, na região central do Brasil, e jamais
volta a pisar em terra firme. Seu único contato com as pessoas acontece por meio de seu
filho Liojorge, que lhe deixa comida na margem do rio. Os anos se passam e a filha Rosário
se casa com um rapaz da região e vai morar na cidade. O filho também casa, mas decide
permanecer com a mãe e continuar levando diariamente o alimento para o pai, sem que
ao menos pudesse vê-lo. Quando Nhinhinha nasce, a filha de Liojorge, que tem poderes
mágicos, resolve levá-la até a beira do rio para apresentá-la ao pai.

242
4. Guia para análise das semelhanças e diferenças entre as duas narrativas (Li-
teratura e cinema);

Atenção, professor (a)!

Peça para que o aluno escreva como cada personagem foi retratada no conto e
no filme. Observar as diferenças e semelhanças entre o conto e a adaptação em relação
ao enredo, espaço, tempo, bem como o formato de cada um, (não esquecer de chamar
a atenção do aluno para observar a fotografia, a iluminação, a trilha sonora, os enqua-
dramentos, as cores, os figurinos, a edição, isto é, os elementos que são próprios da
linguagem cinematográfica e que não são encontrados no conto).

5. Questionário de aprendizagem:

1 - Quanto tempo se passou entre a criação das narrativas literária e fílmica?


2 - O que vocês podem visualizar a partir de cada uma delas?
3 - Em relação aos personagens há muitas mudanças entre o conto e o filme?
4 - A descrição do local é semelhante? Aponte as diferenças percebidas.
5 - Quanto a narrativa, o que se percebe de semelhante no enredo de ambas nar-
rativas?
6 - No conto há a predominância de uma linguagem mesclada entre o regiona-
lismo e a norma culta, qual a intenção do autor ao empregar essa linguagem? Há algum
termo que você desconhece?
7 - As duas narrativas mostram o enredo de uma família atravessada pela terceira
margem do rio, na sua concepção o que vem a ser essa terceira margem?
8 - Qual a apresentação da narrativa que mais lhe agradou e por quê?
9 - Você acha que existe alguma intenção por parte dos criadores ao escolher essas
estruturas e características que foram usadas e os formatos?

6. Roteiro da atividade para reconstituição de outro possível desfecho para


ambas as narrativas por meio da escrita:

Atenção, professor (a)!

Relembre aos alunos que os contos vem da tradição oral e como a cultura interfere
no reconto dessas histórias populares. Dessa forma, cada povo e geração contam-nos,
à sua maneira, às vezes corrigindo ou acrescentando alguma coisa no enredo. Daí o pro-
vérbio: quem conta um conto aumenta um ponto...

243
Atividade:

Peça aos alunos que recriem um novo final para o conto e o filme, com base no
momento vivido pela sua geração e sua cultura.

7. Roteiro para a atividade de teatralização humana ou por meio de fantoches;

Atenção, professor (a)!

Depois da realização e leitura da atividade anterior, organize os alunos em gru-


pos,os quais deveram escolher um entre os desfechos e roteirizá-lo, juntamente com o
restante da história, para uma apresentação que poderá ser teatral ou por meio de fanto-
ches para toda a turma.

8. Roteiro para avaliar a atividade e a aprendizagem.

Atenção, professor (a)!

Os alunos irão avaliar entre si a melhor apresentação de acordo com os critérios


preestabelecidos, a saber:

• Há a presença de um narrador? Qual a importância dele para o enredo?


• Há a presença de no mínimo dois personagens?
• Como se deu a demarcação de tempo (cronológico, psicológico) e do espaço
em questão?
• Houve interpretação por meio da teatralização humana ou dos fantoches? A
interpretação seguiu os passos da escrita do conto? Isso fez alguma diferença
para a história? Justifique.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A utilização da obra cinematográfica como acréscimo ao ensino da literatura,


na função de estratégia da leitura dos clássicos, é uma das várias vertentes possíveis
ao uso dessa mídia como objeto das margens. Torna-se, portanto, um instrumento
não canônico e uma alternativa que adentra o espaço escolar, o que caracteriza a
inserção de outros produtos culturais, que não o modelo hegemônico de ensino,
apenas com o uso da obra escrita. Nesse sentido, por meio desta pesquisa, buscou-se

244
o entendimento de como é possível a utilização dessa estratégia, em que se baseia e
com qual finalidade ela se aplica.
Considerando todos os recursos de linguagem, a cultura da época, a diversi-
dade presente e as construções literárias em si, vê-se que essa aplicabilidade se dá em
movimento à interdisciplinaridade. Trabalhar as obras cinematográficas nas aulas de
literatura está em um lugar de encanto, de deslumbre, de emoção e, para além de tudo
isso, de ensino. Contudo, o uso da mídia cinema como auxílio, requer ainda mais or-
ganização do professor no planejamento, para que essa estratégia não recaia sobre um
lugar comum e simplório da transmissão de conhecimento, mas possibilite o aumento
da interlocução do aluno-sujeito que, a partir de sua própria realidade, faz sua leitura
de mundo, abre os canais de comunicação e ampliam as possibilidades de escrita, de
reflexão e criticidade.
Sobre o porquê, partimos de pressupostos da dificuldade da leitura da obra im-
pressa. Assim, se a forma tradicional de produção de leitura e escrita enfrenta dificul-
dades, deve-se sempre refocalizar e ressignificar, e se a cinematografia pode instigar a
busca pela leitura da obra impressa, a pergunta deveria ser, por que não? Soma-se a isso,
o fato de que essa inserção proporciona a análise de diferentes aspectos de obras de arte
distintas, a entender que o que ocorre é uma tradução intersemiótica e não apenas a ro-
teirização de um outro gênero textual.
Sem contar o fato de, nos dias atuais, não se poder mais negar a inclusão das mí-
dias tecnológicas no ensino, e de o cinema ser um dos muitos modos de expressão da
cultura. Logo, cinema e educação mantêm relações suficientemente enfáticas no contex-
to da escolarização e da educação.
Apesar de tudo que foi explanado, é necessário que se trace um paralelo a essa
situação, levando em consideração o fato de que há aspectos educacionais formais entre
cinema e conhecimento que podem e devem ser explorados, para que não caia no lugar
comum de uma simples utilização como estímulo audiovisual ou como artifício para
preenchimento do tempo vazio das aulas.
É necessário falar que sim, é possível agregar ao meio educacional por meio da
mídia cinematográfica, sobretudo, no que diz respeito à didática, às atividadesque ins-
tigam a reflexão e que podem atuar no imaginário. É preciso que tudo isso parta de uma
análise pautada nas culturas, e que ensejem discussões de pensamentos históricos,
literários, ideológicos, mercadológicos e políticos, entre outros, com vistas a proporcio-
nar visões completas dessa mídia na educação.
É importante ressaltar sempre que a utilização do cinema nas aulas de forma que
não se pretenda inovadora e eficaz no processo de ensino-aprendizagem, nãose confi-
gura uma estratégia de ensino de literatura brasileira nem de estímulo à leitura. Sob este
aspecto, o cinema, mais do que uma ferramenta educativa, constitui-se em alternativa
para principiar novas formas de ver o mundo e o situar-se nele.

245
Enfim, com qual finalidade? De acordo com tudo o que foi analisado e estudado
aqui, acredita-se que as mídias cinematográficas incentivam a leitura de obra literárias
impressas. Entende-se que incentivar não é substituir, mas quando bem planejadas e
organizadas dentro de uma proposta que envolva didáticas inovadoras, servem como
importantes estratégias de ensino-aprendizagem.
Sabendo que o ensino deixou de ser baseado em teorias de simples memorização
de conteúdo, tem sido cada vez mais necessária uma educação que oriente para a capa-
cidade de leitura e compreensão do que foi lido e visto. Nesse sentido, o uso de obras
cinematográficas só tem a agregar a maneira de ensinar a leitura, sobretudo, no âmbito
da literatura e do próprio cinema, linguagens tão presentes no cotidiano das pessoas.
Salienta-se, ainda, que os estudos aqui iniciados não pretendem fechar as variadas
hipóteses, antes evidenciam pontos importantes, no que concerne à temática, e espera
abrir espaço para pesquisas futuras.

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TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. Tradução: Leyla


Perrone-Moisés. São Paulo, SP: Martins Fontes, [1982], 2010.

WELLEK, René. WARREN, Austin. Teoria da Literatura: Publicações. Europa. Amé-


rico. Biblioteca Universitária. s/d.

248
METODOLOGIAS ATIVAS
COMO INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO
DA INCLUSÃO ESCOLAR
DE CRIANÇAS E ADOLESCENTE COM TEA

Leide Simões Ramos


Isis Emanoela do Amor Divino Borges
André Luis da Silva Santos

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como foco refletir as metodologias ativas como instru-
mento que possibilite a inclusão de crianças e adolescentes com o Transtorno do
Espectro Autista (TEA). O TEA envolve um conjunto de transtornos neurodesen-
volvimentais de causas orgânicas, caracterizado por dificuldades de interação e
comunicação que podem vir associadas a alterações sensoriais, comportamentos
estereotipados e/ou interesses restritos. Sua manifestação é muito diversa e seus
sinais, embora comumente presentes na infância, podem surgir somente quando
as demandas sociais extrapolarem os limites de suas capacidades (AMERICAN
PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
Segundo dados do Center of Deseases ControlandPrevention (CDC) – órgão li-
gado ao governo dos Estados Unidos – , existem, hoje, um caso de autismo a cada 110
pessoas. Estima-se que o Brasil, com 200 milhões de habitantes, aproximadamente 2
milhões de autistas. Contudo, apesar de numerosos, muitas crianças e adolescentes com
TEA encontram dificuldades para receber diagnóstico e tratamento adequados a sua
realidade.
Esses dados se expressam em desafios para o processo de inclusão de indivíduos
com TEA nos diversos espaços sociais e institucionais. A escola é um desses espaços,
enquanto instituição social reproduz os mesmos conflitos vivenciados na vida em socie-
dade e, por essa mesma razão, se mostra o espaço ideal para minimizar esses conflitos.
Nesse sentido, é necessário compreender que a inclusão é muito mais que o
inserir, vai além do fato de matricular na escola; esse entendimento é respaldado
por Leis. De acordo com a Lei brasileira de inclusão de pessoas com deficiência

249
(Lei 13.146/2015), é papel da escola, e também da sociedade, contribuir para a su-
peração de barreiras de comunicações, ou seja, qualquer entrave, obstáculo, atitude
ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de
mensagens, bem como comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participa-
ção social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades
com as demais pessoas. Se tratando especificamente de autistas, a política nacio-
nal de proteção dos direitos de pessoas com transtorno do espectro autista (Lei nº
12.764/12) afirma que não é o indivíduo autista que deve adaptar-se ao ambiente,
porém o ambiente que deve ser adaptado à educação inclusiva.
O interesse por esta temática surgiu, a partir de minha experiência enquanto vice-
diretora e diretora em instituições públicas de ensino no município de Jequié. Nesse
período refleti sobre as inquietações dos professores em relação as suas práticas pedagó-
gicas para com o processo de inclusão dos/as/es alunos/as/es com TEA e o processo de
aprendizagem dos mesmos.
O uso de uma metodologia que seja eficaz para o desenvolvimento de uma criança
ou adolescente durante o processo educacional é, sem dúvida, uma das maiores preo-
cupações dos professores, principalmente quando se precisa adaptar certas práticas e
métodos para atender todos/as/es os/as/es alunos/as/es em sala de aula. A partir desse
entendimento, se faz viável pensar o uso de metodologias ativas como um caminho para
romper com as barreiras e as dificuldades que os/as professores/as encontram quando se
trata de adequar uma metodologia às necessidades de crianças com TEA.
Baseadas nessas reflexões é que surge a temática desta pesquisa; como o uso de
metodologias ativas pode contribuir para o processo de inclusão escolar de crianças e
adolescentes com TEA?
Metodologias ativas são formas de desenvolver o processo de aprender, utilizando
situações reais ou simuladas, visando solucionar os desafios advindos essencialmente da
prática social, em seus diferentes contextos (BERBEL, 2016). O objetivo desse método é
que os/as/es alunos/as/es aprendam de forma autônoma e participativa, a partir de pro-
blemas e situações reais. A proposta é que o estudante esteja no centro do processo de
aprendizagem, sendo protagonista da construção de conhecimento.
Diante do exposto acima, este estudo objetiva refletir sobre as possíveis contri-
buições das metodologias ativas para a educação de crianças e adolescentes com TEA
em salas de aula de escolas regulares. A relevância deste trabalho está em poder contri-
buir tanto para a comunidade escolar, o sistema de ensino, para os/as/es educadores/as
quanto para os/as/es alunos/as/es com necessidades educativas especiais, pois mostra
possibilidades de minimizar os conflitos que impedem e dificultam o processo de ensi-
no-aprendizagem e na participação desses alunos/as/es em atividades escolares e na vida
social. Assim como qualquer outra criança e ou adolescente, indivíduos com TEA devem
ser vistos e entendidos como seres humanos detentor de direitos.

250
Para a realização deste estudo, foi utilizado como método de pesquisa revisão bi-
bliográfica. Nessa perspectiva, partimos de experiências e leituras dos autores com o
intuito de refletir sobre possíveis contribuições de metodologias ativas para a educação
de indivíduos com TEA em salas de aula de escolas regulares.
O trabalho não tem a intenção de apresentar soluções ou fórmulas para as dificul-
dades enfrentadas por docentes na promoção da inclusão escolar, afinal, a escola inclusi-
va, pensada a partir da Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), deve ser aprimorada
cotidianamente e que as soluções de um contexto podem não servir para outros, mas
busca indicar caminhos alternativos que possam auxiliar professores/as no desenvolvi-
mento de uma educação que contemple todas as pessoas.

REFERENCIAL TEÓRICO
Educação Inclusiva

A Educação inclusiva é entendida como uma política social dedicada a alunos/as/


es com necessidades educacionais especiais, amparada por diversos documentos nacio-
nais e internacionais.
A inclusão educacional escolar, no Brasil, é uma ação política, cultural, social e
pedagógica que visa garantir o direito de todos os alunos de estarem juntos, aprenden-
do e participando (BRASIL, 2006). A Educação Especial passou a ser pensada no Brasil
a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Mas, apesar da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional propor que as pessoas com deficiência de-
veriam ser inseridas, preferencialmente, no ensino regular, foi apenas a partir da Cons-
tituição de 1988 e sob a influência da Declaração de Jomtien (1990) e da Declaração
de Salamanca (1994) que, em nosso país, começou a ser discutida a universalização
da Educação, e a ser implementada nas escolas regulares uma política de Educação
Inclusiva, culminando com a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva
da Educação Inclusiva (2008).
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(2008) determina que os/as/es alunos/as/es com TEA, assim como aqueles com defici-
ência e altas habilidades/superdotação, devem estar incluídos na rede regular de ensino,
recebendo Atendimento Educacional Especializado (AEE) no contraturno.
O AEE tem como função identificar, elaborar e organizar recursos pedagógi-
cos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos/as/
es alunos/as/es nas escolas públicas e privadas, considerando suas necessidades es-
pecíficas. As atividades desenvolvidas por esses educandos nas salas do AEE devem
diferenciar-se daquelas realizadas na sala comum, não sendo substitutivas à escola-
rização, mas sim complementar e/ou suplementar ao processo de aprendizagem dos
alunes (BRASIL, 2008).

251
Outra importante legislação que veio para fortalecer as anteriores e ir além
é Lei nº 13.146 de 2015, intitulada Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Defici-
ência, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. Segundo Dias
(2019), esta Lei assim como as demais criadas, vem de encontro à necessidade de
legalizar um direito que por muitas vezes foi negado à pessoa com deficiência: a
igualdade de condições.
Em seu capítulo I, artigo 1º, tal Lei afirma assegurar e promover, em condições de
igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com defici-
ência, visando à sua inclusão social e cidadania (BRASIL, 2015). No Art. 2º

Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de lon-


go prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em in-
teração com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena
e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas
(BRASIL, 2015).

No capítulo II, art. 4º, observamos a afirmativa de que “toda pessoa com defici-
ência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá
nenhuma espécie de discriminação” (BRASIL, 2015).
O capítulo IV, art. 27º, trata especificamente do direito à educação inclusiva. É
afirmado que

[...] a educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados


sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo
da vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus
talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas
características, interesses e necessidades de aprendizagens (BRASIL, 2015).

A promoção da educação inclusiva para todas as pessoas transita pelo acesso. A


legislação nacional e documentos internacionais são enfáticos em afirmar o direito ao
acesso. Mas esses mesmos documentos reforçam que incluir não é apenas inserir, são
também de extrema importância a oferta de condições de aprendizagem à todes esses
sujeitos de direitos. Muito se discute a respeito do acesso à educação inclusiva no Brasil,
aqui refletimos sobre as condições de aprendizagem, fundamentais para uma inclusão
plena de indivíduos.
Um dos conceitos mais significativos de educação inclusiva está presente na De-
claração de Salamanca (UNESCO, 1994). Segundo ela, as escolas devem acolher todas
as crianças, independentemente de suas condições, físicas, intelectuais, emocionais, lin-
guística e outras. A definição que consta nesse documento é considerada bastante ampla,
ao afirmar que devem ser acolhidas crianças com deficiência ou bem dotadas, crian-
ças que vivem nas ruas e que trabalham, crianças de populações distantes ou nômades,

252
crianças de minorias linguísticas étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos ou
zonas desfavorecidas ou marginalizadas.
Tomando como referência a Declaração de Salamanca educação inclusiva, seria a
prática da inclusão de todes (independentemente de seu talento, deficiência, origem so-
cioeconômica ou origem cultural) em escolas do ensino regular e salas de aula comuns,
onde todas as necessidades dos alunos/as/es deve ser atendidas. Maria Tereza Mantoan
(2003) em conformidade com o que diz a declaração acima citada. Afirma que se o que
queremos é que a escola seja inclusiva, é urgente que seus planos se redefinam para uma
educação voltada para a cidadania global, plena, livre de preconceitos, que reconheça e
valorize as diferenças (MANTOAN, 2003, p. 16).
Para Camargo e Bosa (2009), na prática inclusiva, a instituição e os professores
necessitam de atenção tanto quanto a criança com necessidades especiais. Na inclu-
são é o sistema educacional e social que deve adaptar-se para receber a criança. Uma
escola que almeja ser inclusiva deve ser pensada por profissionais que enxerguem
os seus alunes sem estereotipá-los. Segundo Victor e Vieira (2017), muitas vezes, os
discentes são taxados com uma pluralidade de “nãos”: não falam; não escutam; não
aprendem; não conseguem. Para esses autores, os “nãos” partem de uma “suposta”
análise da capacidade desses indivíduos. Entretanto os mesmos deveriam ser vistos
com sujeitos de potencialidades.
Ao falar sobre pessoas com deficiência, Flávia Leite (2012) enfatiza que a

[...] deficiência em si não torna a pessoa com deficiência incapacitada, mas,


a sua relação com o ambiente sim. Portanto, é o meio que é deficiente, pois
esse, muitas vezes, não possibilita o acesso de forma plena a essas pessoas,
não proporcionando equiparação de oportunidades (LEITE, 2012. p. 51).

Para Rangel e Guimarães (2020), se a diferença é característica natural da huma-


nidade, uma vez que a própria apresenta tanto geneticamente como socialmente plurais,
não faz sentido pensar uma sociedade a partir de padrões preestabelecidos. Precisamos
entender que é justamente por sermos diferentes que somos iguais e únicos ao mesmo
tempo.
A educação é um direito fundamental que deve ser exercido por todes, afinal,
trata-se de um direito do qual emanam condições para lutar em prol de outros direitos,
inclusive de ser diferente e não ser discriminado por isso. Segundo Rangel e Guimarães
(2020), na escola, o professor pode ser um importante aliado na formação do aluno e na
luta pela garantia de sua cidadania. Entretanto, nem sempre o docente se sente apto a
contribuir para o processo de inclusão escolar.
Vieira, Baldin e Freire afirmam (2013) que é necessário orientar o/a
professor/a, tornando-o/a capacitado/a para identificar de maneira mais adequa-
da as necessidades de seus alunes com necessidades especiais como é o caso de

253
crianças e adolescentes com TEA. Rangel e Guimarães (2020) sustentam que, na
formação inicial, por vezes, o licenciando aprende a planejar aulas pensando em
um modelo específico de indivíduo com uma posição socioeconômica, traços cul-
turais e características físicas homogêneas. Afirmam que muitos professores foram
formados para ensinar a uma “turma padrão”. Por isso, segundo esses estudiosos, é
compreensível que quando esses licenciados, ao se tornarem professores, se veeem
em escola reais com todas as suas multiplicidades e, por isso, se sintam desorien-
tados e resistentes; por vezes contrários à educação inclusiva.
A educação inclusiva deve ser pensada como uma construção diária, segundo Baú
(2014). Em consonância com o autor, devemos entender que a promoção de uma escola
inclusiva passa pelo entendimento de que todos/as/es os/as/es discentes podem apren-
der, mas de maneiras diferentes. Assim, os planejamentos didáticos devem estar em con-
formidade com as necessidades dos/as/es alunos/as/es, respeitando o contexto e o ritmo
de cada turma.
Rangel e Guimarães (2020) afirmam que a escola para todos/as/es deve ser um
espaço dinâmico e de construção coletiva. Um lugar de constante desenvolvimento de
práticas inclusivas que sejam capazes de criar e recriar caminhos e repensar ações sem-
pre que algum discente tenha o seu direito de aprender prejudicado.
O tratamento diferenciado aos que apresentam condições desiguais está de acordo
com o princípio de equidade, que tem como propósito a igualdade de condições para
que todes possam gozar de seus direitos. Portanto, é importante que, em sala de aula, os
discentes tenham as suas necessidades respeitadas.
O respeito às necessidades passa pelo planejamento. Por essa razão, concordamos
com Antonia Lopes (2012) quando afirma que a etapa do planejamento do ensino deve
ser “um processo integrador entre escola e contexto social”, momento no qual o professor
traça os objetivos para os/as/es alunos/as/es e escolhe seus recursos e percursos meto-
dológicos. Em relação às pessoas com deficiência e ou com TEA, além do atendimento
educacional especializado previsto por Lei, existem recursos pedagógicos e estratégias
metodológicas que podem ser utilizadas por professores/as. Entre essas estratégias temos
as metodologias ativas como possível alternativa de inclusão.
Em relação às metodologias ativas, Borges e Alencar (2014, p. 120) afirmam
que sua utilização “pode favorecer a autonomia do educando, despertando a curio-
sidade, estimulando a tomada de decisões individuais e coletivas”. Ainda segundo
Fonseca e Mattar Neto (2017), as metodologias ativas articulam-se com a fundamen-
tação teórica na pedagogia de Paulo Freire, que defende uma educação como prática
da liberdade.
É importante afirmar que o propósito desta pesquisa não é contestar métodos
mais tradicionais de ensino como as aulas expositivas, pois ela tem seu valor e a depen-
der da forma como for conduzida, ela pode ser mais ou menos democrática, dialogada

254
e inclusiva. A escolha das metodologias ativas não pretende desmerecer outras práticas,
mas apenas apresentar alternativas que podem contribuir para que a sala de aula seja um
espaço de desenvolvimento democrático e coletivo.

Transtorno do Espectro Autista

O dia 02 de abril foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU)
como o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, ou apenas Dia do Autismo. O
propósito dessa ação é alertar e ampliar o debate da causa autista. O Autismo é um
transtorno comportamental neurodesenvolvimental, caracterizado por limitações de
interação social, visualizado pela inabilidade na relação com o outro, usualmente com-
binado com limitações de linguagem e alterações de comportamento (VIEIRA; BAL-
DIN; FREIRE, 2013). Um transtorno de desenvolvimento infantil que, normalmente,
se manifesta antes dos 03 anos de idade e se prolonga por toda a vida (CAMARGO;
CAMARGO, 2020).
A palavra foi utilizada primeiramente por Bleuler, em 1911, significando a perda
de contato com a realidade. “O termo foi cunhado analisando as crianças pesquisadas,
que viviam num mundo próprio, “dentro de si mesmas” , e daí é proveniente a raiz auto”
(voltado para si próprio)” (CUNHA, 2012, p.12). Em 1943, Kanner utilizou a expressão
“autismo” para descrever 11 crianças que tinham em comum comportamento bastante
peculiar. Segundo ele, os sintomas já eram evidentes na primeira infância e sugeriu que
se tratava de uma inabilidade inata para estabelecer contato afetivo e interpessoal. Esse
autor descreveu os casos de crianças que apresentavam como características em comum,
a inabilidade para desenvolver relações interpessoais, extremo isolamento, atraso no de-
senvolvimento da linguagem e uso não comunicativo da mesma, repetições de simples
padrões de atividade de brinquedo e presença de habilidades isoladas. Kanner reconhe-
ceu também que existiam diferenças individuais nos casos descritos, porém dois traços
foram sistematicamente encontrados: isolamento e insistência obsessiva na repetição
(VIEIRA; BALDIN; FREIRE, 2013).
O autismo também é conhecido pelo termo Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Passou a ser usado, a partir de 2013, na nova versão (5ª edição) do Manual de Diagnós-
tico e Estatística dos Transtornos Mentais, publicação oficial da Associação Americana
de Psiquiatria, o DSM-V, quando foram fundidos quatro diagnósticos para TEA: Au-
tismo, Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno Global do Desenvolvimento
Sem Outra Especificação e Síndrome de Asperger (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSO-
CIATION, 2014). O TEA é classificado como um transtorno global do desenvolvimento,
tendo como característica principal o desenvolvimento acentuadamente atípico na inte-
ração social e na comunicação e pela presença de um repertório marcadamente restrito
de atividades e interesses (CAMARGO; BOSA, 2009).

255
A origem do TEA ainda é desconhecido. Não se conseguiu, até hoje, provar
nenhuma causa psicológica e/ou no meio externo dessas pessoas que possa cau-
sar o transtorno. As pesquisas científicas sempre concentram esforços no estudo
da predisposição genética, analisando mutações espontâneas que podem ocorrer
no desenvolvimento do feto e a herança genética passada de pais para filhos. No
entanto, já há evidências de que as causas hereditárias explicariam apenas metade
do risco de desenvolver TEA. Fatores externos que podem impactar o feto, como
estresse, infecções, exposição a substâncias tóxicas, complicações durante a gravi-
dez e desequilíbrios metabólicos teriam o mesmo peso na possibilidade de apareci-
mento do distúrbio. Camargo e Bosa (2009) afirmam que o TEA pode ocorrer em
qualquer classe social, raça/etnia ou cultura, e 65 a 90% dos casos são associados
à deficiência mental.
As dificuldades na interação social podem manifestar-se como isolamento ou
comportamento social impróprio; pobre contato visual; dificuldade em participar de ati-
vidades em grupo; indiferença afetiva ou demonstrações inapropriadas de afeto; falta
de empatia social ou emocional. Especialistas afirmam que a TEA não se manifesta de
acordo com um padrão único, e sim, de diversas formas, se manifesta de maneira muito
particular em cada pessoa; por isso, um dos principais problemas é o diagnóstico do
transtorno. Como ainda não há marcadores biológicos e exames específicos para o au-
tismo, o diagnóstico clínico é feito por meio de observação direta de comportamentos
e uma entrevista com pais ou responsáveis (KNIBEL, 2017). É de extrema importância
estar atento aos sinais de alerta para a realização de um diagnóstico precoce e encami-
nhamento para acompanhamento especializado e adequado. Feito isto, crianças e ou
adolescentes com TEA podem, a partir de suas limitações, desempenharem seu papel
social de maneira satisfatória.
Talvez, uma das dificuldades da sociedade, hoje e sempre, seja o acolhimento
do outro, do que se mostra “diferente”. Possivelmente esta seja a maior das dificulda-
des que um indivíduo com TEA irá enfrentar em sua jornada, ser acolhido por socie-
dades que, muitas vezes, sequer lhes concedem o reconhecimento de sua dignidade
humana. Nesse cenário, reside uma grande contradição, pois, segundo Camargo e
Camargo (2020), ao citar o conceito de alteridade do filósofo Emmanuel Levinas
(1993), mostra que sem a relação que o humano é capaz de estabelecer com o outro
(aquele diferente de si) não existiria humanidade. Para Camargo e Camargo (2020),
a relação do outro com o eu possibilita que este se conheça, se complete, se descubra
enquanto sujeito e amplie suas possibilidades de existência. Quando nos colocamos
no lugar daquele que é diferente e estamos dispostos a respeitá-lo, descobrimos o
que há de mais essencial no ser humano. Conviver com pessoas com TEA nos permi-
te abrir caminhos de possibilidades para descobrir quem somos e ampliarmos nossa
condição existencial.

256
No Brasil, a vida e condição de sujeitos de direitos de pessoas com TEA é tão
difícil quanto em qualquer outro lugar desse mundo. Uma longa jornada foi trilhada
para que, em dezembro de 2012, fosse publicada a Lei 12.764 que institui a Política
Nacional de Proteção aos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, a
Lei Berenice Piana. Essa e muitas outras legislações asseguram o direito de indiví-
duos com TEA, mas as Leis em si não se convertem automaticamente em respeito e
acolhimento.
Para conhecer o outro, o eu (sujeito) precisa acolhê-lo, no sentido de acolher
aquilo que este outro revela ao sujeito, respeitando aquilo que é revelado. Para justi-
ficar essa afirmação, Camargo e Camargo (2020), mais uma vez, faz uso das reflexões
do filósofo Levinas (1993) para pensar a diferença. Segundo o filósofo, o eu só pode
acolher o outro quando respeita seu modo de ser, isto é, sua diferença. Quando o outro
é revelado, o eu deve acolher sua manifestação em si mesmo, respeitando sua diferença
e a novidade de seu modo de ser. O acolhimento implica responsabilidades e zelo pela
vida que se revela.
Quando pensamos em pessoas com TEA, nos vem à mente a imagem de uma
criança isolada, que vive no seu próprio mundo e brinca de uma forma diferente das
outras crianças; não gosta de barulhos altos, balança o corpo para lá e para cá, alheia a
tudo e a todes, alguém cuja vida não faz sentido. Mas, essa forma de pensar fala mais
sobre nossas limitações do que do autismo em si, afinal estamos falando de crianças
com habilidades que revelam a fragilidade de nossa existência (CAMARGO E CA-
MARGO, 2020).
Camargo e Bosa (2009) afirmam que existem poucas crianças com TEA incluídas,
se comparadas àquelas com outras deficiências. Uma das dificuldades de se pensar a
inclusão escolar de autistas pode estar associada à forma como tentamos inserir esses in-
divíduos dentro de um contexto que extrapola sua realidade. Isso porque, quando surge
uma criança que escape do modelo padrão de “encaixe”, ou seja, o surgimento daquele
que é diferente, pode colocar em xeque o Projeto Político-Pedagógico ()PPP da escola ao
não dar conta dessa demanda.
Conforme Belisário, Cunha e Mata (2010), é grande o impacto nos profissionais
da educação que recebem esses alunes na escola, quando se deparam com suas reações,
pois ainda estão diante de uma experiência nova. Nesse contexto, muitos professores re-
latam sentirem-se despreparados para atender essa demanda na inclusão, gerando uma
sobrecarga de estresse (CAMARGO; BOSA, 2009).
O insucesso da inclusão pode estar na insistência em adaptar esse indivíduo
a velhos modelos e padrões educacionais nitidamente não inclusivos. Segundo Dias
(2019), o sujeito é visto por professores e escola somente sob o ângulo de suas limi-
tações, consequentemente, comprometendo a prática pedagógica a ser desenvolvida
com esses alunes. Uma inversão no olhar dirigido a esses sujeitos pode ser a caminho

257
para a inclusão. Ao invés de focar nas limitações por que não direcionar as atenções
nas potenciais habilidades?
As metodologias ativas podem ser utilizadas como instrumento de inclusão na
medida em que podem revelar as potencialidades de crianças e adolescentes com TEA.
O uso dessas metodologias não seria benéfico somente para o processo de inclusão de
autistas, mas de todos/as/es aqueles/as que possuem dificuldades na aprendizagem. Ne-
cessidades especiais todos/as/es nós temos, uns mais, outros/as/es menos, mas todos/as/
es tem o direito de ser e se sentir incluído.

Metodologias Ativas

No momento em que o professor planeja sua aula, estabelece caminhos para


atingir a aprendizagem proposta, mas em alguns casos o que se vê são percursos
pedagógicos focados no ensino, em que a aprendizagem e o/a/e aluno/a/e ocupam
lugar secundário.
Rangel e Guimarães (2020) afirmam que as metodologias ativas se baseiam
nas ideias do pedagogo americano John Dewey (1859–1952), que têm como princí-
pio norteador o entendimento de que o/a/e aluno/a/e deve ser o centro do processo
de ensino-aprendizagem. Os métodos e os recursos planejados para uma aula espe-
cífica devem estar de acordo com as necessidades dos estudantes, permitindo que
sejam atuantes em sala.
Segundo Lilian Bacich, a teoria de Dewey pede uma mudança no entendimen-
to do que possa ser ensinar. Ela afirma que “[...] não podemos dizer que ensinamos
algo se ninguém aprendeu, assim como não podemos dizer que vendemos se ninguém
comprou” (BACICH 2018, p. 17). Para ela, a ideia de ensinar deve estar relacionada ao
pensamento de Dewey; mesmo que o professor tenha apresentado tudo (conteúdos que
deveriam ser transmitidos) e os alunos não aprenderam, o professor não ensinou.
As metodologias ativas surgiram como alternativas a uma tradição de aprendiza-
gem passiva, onde a apresentação oral dos conteúdos, por parte do professor, se consti-
tuía como única estratégia didática.
Na obra “Pedagogia do oprimido”, Paulo Freire (2018) afirma que as metodolo-
gias ativas são uma concepção educativa que estimula processos de construção de ação-
-reflexão-ação em que o estudante tem uma postura ativa em relação ao seu aprendizado
numa situação prática de experiências, por meio de problemas que lhe sejam desafiantes
e lhe permitam pesquisar e descobrir soluções, aplicáveis à realidade.
Berbel (2016) concorda com Freire ao definir metodologias ativas como for-
mas de desenvolver o processo de aprender, utilizando situações reais ou simuladas,
visando solucionar os desafios advindos essencialmente da prática social, em seus
diferentes contextos.

258
As metodologias ativas têm como propósito fazer com que os alunos aprendam de
forma autônoma e participativa, a partir de problemas e situações reais. A ideia é que o
estudante esteja no centro do processo de aprendizagem, sendo responsável direto pela
construção de conhecimento.
De acordo com Berbel (2011, p. 28), essas novas metodologias precisam incen-
tivar a autonomia do aluno; logo a função do professor também é alterada, isto é, ele
“deve levar em consideração a visão do discente, acolher seus pensamentos e ações,
sempre que manifestados, é importante também apoiar o seu desenvolvimento mo-
tivacional e capacidade para autorregular-se”. O pensamento Berbel conversa com a
perspectiva freiriana, pois Freire (2018) afirma que ensinar exige a convicção de que a
mudança é possível, exige compreender que a educação é uma forma de intervenção
no mundo e, desse modo, ensinar não deve ser entendido como transferência de co-
nhecimento. Paulo Freire (2018) defende um processo educacional para adultos que
privilegiasse o modelo baseado na superação de desafios e resolução de problemas do
cotidiano, além da construção de novos aprendizados baseados em experiências vivi-
das pelos seus alunos.
A concepção freiriana se assemelha ao pensamento de Dewey citado por Rangel e
Guimarães (2020). Segundo eles, Dewey criticava os métodos pautados na memorização
que, para ele, condicionavam o aluno a uma posição sempre passiva no processo educa-
tivo. Defende a ideia do “aprender fazendo”, ou seja, de uma aprendizagem pautada na
prática, na experiência.
A prática das metodologias ativas pede um professor que estimule em seus alu-
nos/as/es a autonomia para que este desenvolva suas habilidades e potencialidades e se
torne protagonista de seu processo de aprendizagem. Dessa maneira, a mera transmissão
de conhecimentos e informações torna-se insuficiente nesse processo educacional. Para
Camargo e Camargo (2020), o aluno/a/e deve ter à sua disposição todos os meios possí-
veis para acessar as informações que quiser e o/a/e professor/a também terá que acom-
panhar o ritmo dos seus alunos/as/es, lembrando sempre que cada indivíduo possui um
tempo de aprendizagem diferente. Por fim, precisa saber lidar com as frustrações de seus
discentes, caso não alcancem o objetivo desejado.
É importante frisar que as metodologias ativas não devem ser vistas por professo-
res/as como uma fórmula pronta. Essa é uma crítica trazida Lilian Bacich e José Moran.
Para esses autores, é importante que haja reflexão da prática docente para que:

[...] o educador se posicione como um mediador, um parceiro na constru-


ção de conhecimentos que não está no centro do processo. Quem está no
centro, nessa concepção, são o aluno e as relações que ele estabelece com o
educador, com os pares e, principalmente, com o objeto do conhecimento
(BACICH, MORAN, 2018. p.13).

259
A imagem abaixo expressa o que se espera do professor/a que escolhe adotar as
metodologias ativas como alternativa de método de ensino-aprendizagem:

Outro ponto muito importante que merece a nossa atenção, é a forma como as
metodologias ativas podem favorecer a interação entre indivíduos. A sala de aula ao ser
transformada em espaço de troca de experiências possibilita aos discentes interagir com
o/a professor/a e com os seus iguais. Rangel e Guimarães (2020), pautados no sociointe-
racionismo, em que o homem entendido como um ser social que se constrói e aprende
a partir da relação com o outro, percursos metodológicos que favoreçam a interação e
permitam que os/as/es alunos/as/es dialoguem construindo conhecimentos são bem-
-vindos porque têm o potencial de promoção de uma sala de aula mais inclusiva, na qual
todos/as/es podem ter a oportunidade de aprender, independente de ser ou não uma
pessoa com deficiência.
No que se refere à educação especial, na perspectiva inclusiva, ainda que esta esteja
amparada por diversos documentos internacionais e nacionais, alguns aqui já citados na
seção anterior desta pesquisa, a inclusão de educandos com deficiência, transtornos glo-
bais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação em escolas regulares, ainda
deixa muitos/as professores/as inseguros/as. Presenciar essa insegura foi justamente o
principal elemento motivador desta pesquisa.
Por isso, diante das reflexões feitas até aqui a respeito do TEA, da educação
inclusiva e das Metodologias ativas, podemos afirmar que ao colocar o/a/e aluno/a/e
como protagonista do processo de ensino-aprendizagem e o/a professor/a como faci-
litador e mediador desse processo, impulsiona as metodologias ativas no auxilio do

260
processo de ensino e inclusão de crianças e adolescentes com TEA. Não pela noto-
riedade amplamente discutida na última década, mas pelo potencial de promoção de
autonomia e interatividade.

Tipos de Metodologias ativas

Aprendizagem baseada em problemas; Aprendizagem entre pares ou times;


Aprendizagem híbrida; Aprendizagem por sala de aula invertida; Estudo de casos e Ga-
mificação são alguns dos tipos de metodologias ativas existentes. Selecionamos algumas
delas para uma breve apresentação do que são e suas possíveis contribuições para o pro-
cesso de ensino-aprendizagem.

• Aprendizagem baseada em problemas: segundo Rosa (2008), essa metodo-


logia é similar a aprendizagem baseada em projetos, porém o foco é diferente.
Enquanto na aprendizagem baseada em projetos o foco é na prática, no pro-
duto, a aprendizagem baseada em problemas é mais teórica, focada nas possi-
bilidades e nas soluções. A metodologia se aproxima da ideia de Paulo Freire
(2018) de uma educação problematizadora que visa a desenvolver a autonomia
do aluno. Na prática, os educandos são organizados em torno de algum pro-
blema a fim de buscarem, coletivamente, meios para resolvê-lo.

• Sala de aula invertida: Tradicionalmente, professores esclarecem conteúdos em sala


de aula e depois pedem que os/as/es alunos/as/es façam atividades. No modelo da
aula invertida, as instruções dos conteúdos se realizam fora da sala de aula por
meio de vídeos-aula, leituras e outras mídias, sendo o tempo de sala de aula
liberado para realização de atividades ativas, nas quais os alunos praticam e
desenvolvem o que aprenderam com o auxílio e supervisão do professor (DA-
TIG; RUSWICK, 2013).

• Ensino híbrido: Metodologia na qual o/a/e aluno/a/e aprende, pelo menos em


parte, por meio do ensino online, com algum elemento de controle do estudan-
te sobre o tempo, lugar, modo e/ou ritmo do estudo, e pelo menos em parte em
uma localidade física supervisionada, fora de sua residência (CHRISTENSEN,
HORN & STAKER, 2013, p.7).

• Gamificação: Tem como propósito aprender através de jogos de perguntas


e respostas e outros formatos acabam por ser uma ferramenta interessante,
estimula a busca do conhecimento de forma competitiva sempre com uma
recompensa ao final, tornando conteúdos complexos em materiais mais aces-
síveis facilitando o aprendizado de forma mais dinâmica (LUDO PRO, 2019).

261
Metodologia

A metodologia utilizada é a abordagem qualitativa de revisão bibliográfica de


caráter exploratória. Na pesquisa qualitativa são feitas análises mais profundas em
relação ao fenômeno que está sendo estudado. A abordagem qualitativa visa desta-
car características que não observadas por meio de um estudo quantitativo, devido
superficialidade deste último. A pesquisa qualitativa preocupa-se com aspectos da
realidade que não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e expli-
cação da dinâmica das relações sociais. Nessa mesma linha de raciocínio, Minayo
(2001) afirma que a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais
profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos
à operacionalização de variáveis.

Pesquisa bibliográfica

A pesquisa bibliográfica é a base que sustenta qualquer pesquisa científica. Para


Vianna (2001), o primeiro passo a ser trilhado por quem quer se aprofundar e avançar
em qualquer campo do conhecimento, é conhecer o que já foi realizado por outros pes-
quisadores e quais são as fronteiras do conhecimento naquela área.
Cervo e Bervian (2009) definem a pesquisa bibliográfica como a que explica um
problema a partir de referenciais teóricos publicados em documentos, podendo ser re-
alizada independentemente ou como parte da pesquisa descritiva ou experimental. Em
ambas busca- se recolher, conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas já
produzidas sobre um determinado assunto, tema ou problema. Por ser de natureza teóri-
ca, a pesquisa bibliográfica é parte obrigatória, da mesma forma como em outros tipos de
pesquisa, haja vista que é por meio dela que tomamos conhecimento sobre a produção
científica existente.
Gil (1999) explica que a pesquisa bibliográfica é desenvolvida por meio material
já elaborado, principalmente livros e artigos científicos. Apesar de praticamente todos
os outros tipos de estudo exigirem trabalho dessa natureza, há pesquisas exclusivamente
desenvolvidas por meio de fontes bibliográficas. Nesse sentido, em concordância com
Gil, Fonseca afirma que a

[...] pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento de referên-


cias teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrôni-
cos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites. Qualquer
trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que per-
mite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o assunto.
Existem, porém, pesquisas científicas que se baseiam unicamente na

262
pesquisa bibliográfica, procurando referências teóricas publicadas
com o objetivo de recolher informações ou conhecimentos prévios so-
bre o problema a respeito do qual se procura a resposta (FONSECA,
2002, p. 32).

Com o objetivo de atender as características de uma pesquisa bibliográfica, duran-


te o desenvolvimento deste estudo, foram selecionados artigos de periódicos científicos,
livros e dissertações, em língua portuguesa. As fontes foram pesquisadas nas plataformas
Scielo e Google acadêmico. No decorrer das buscas, além das produções selecionadas
terem como critério similaridade com o tema investigado, outro critério foi utilizado, o
ano de publicação. Portanto, com o intuito de obter fontes com discussões atualizadas,
só foram selecionados artigos com menos de dez anos de publicação. Foram utiliza-
das como palavras chaves: metodologias ativas, Autista, Transtorno do Espectro Autista
(TEA) e Educação Inclusiva.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O método tradicional de ensino com aulas expositivas, para Grogan (2015),


pode ser um fator limitador para a inclusão de crianças e adolescentes com TEA. A
autora afirma que é necessária a escolha de uma abordagem que promova o acesso e
participação dos/as/es/ alunos/as/es, limitando as barreiras de aprendizagem. Sobre o
impacto a escolha de uma abordagem, Grogan (2015) afirma que os/as/es alunos/as/es
quando tem seus pontos fortes estimulados, podem demonstrar habilidades de inúme-
ras maneiras, sendo protagonistas na elaboração de tarefas, estimulando a colaboração
e o engajamento.
As metodologias ativas são possibilidades de ensino-aprendizagem que podem fa-
cilitar o processo de inclusão. Mas diante das variadas possibilidades, Moran (2015) res-
salta que as metodologias ativas precisam acompanhar os objetivos pretendidos, ou seja,
se a proposta é ter alunos/as/es proativos, é aconselhável metodologias que envolvam
os/as/es educandos/as/es em atividades cada vez mais complexas, nas quais tenham que
tomar decisões e avaliar resultados. Se a intenção é ter estudantes criativos, eles precisam
experimentar inúmeras novas possibilidades de mostrar sua iniciativa.
Segundo especialistas, o TEA não se manifesta de acordo com um padrão único,
e sim, de diversas formas. Manifesta-se de maneira muito particular em cada pessoa.
Com o propósito de atender à variabilidade de perfis de crianças e adolescentes com
TEA, e às recomendações feitas por Moran e mencionadas cima, é que selecionamos as
metodologias ativas descritas na seção anterior. Acreditamos que elas podem estimular
a autonomia e criatividade e, principalmente, promover uma maior interação, e inclusão
de crianças e adolescentes com TEA.

263
Segundo Camargo e Camargo (2020), a sala de aula invertida pode ser uma
boa alternativa para a promoção de meios que favoreçam a inclusão de pessoas com
deficiência, pois o professor pode apresentar os conteúdos atendendo a diferen-
tes necessidades dos/as/es alunos/as/es. Além disso, os materiais podem ser lidos,
ouvidos ou assistidos quantas vezes o/a/e aluno/a/e precisar, de acordo com a sua
necessidade.
Na concepção de Moran (2014), a sala de aula invertida é um dos modelos mais
interessantes da atualidade para mesclar tecnologia com metodologia de ensino, pois
concentra no virtual o que é informação básica e, na sala de aula, atividades criativas e
supervisionadas com uma combinação de aprendizagem por desafios, projetos, proble-
mas reais, jogos, simulações, entre outras possibilidades.
Schmitz (2016) apud Tarnopolsky, 2012) afirma que a sala de aula invertida é um
modelo com origem no ensino híbrido. Para Miranda (2005), ensino híbrido mistura re-
cursos e métodos usados face a face (presencialmente) e online, no qual é possível extrair
o melhor dos dois sistemas de aprendizagem, podendo favorecer o desenvolvimento de
autonomia e independência em crianças e adolescentes com TEA.
Quanto à abordagem baseada em problemas, Rangel e Guimarães (2020) afir-
mam que os/as/es alunos/as/es são organizados em torno de algum problema a fim
de buscarem, coletivamente, meios para resolvê-lo. Em uma perspectiva inclusiva,
cada aluno/a/e a exemplo do/a/e aluno/a/e com TEA, pode dar a sua contribuição
a fim de entender a complexidade da situação apresentada. Além disso, o fato de a
metodologia partir de problemas reais pode ser um convite a um maior envolvimen-
to da turma e favorecer a interação de crianças e adolescentes com TEA, com seus
colegas e professores/as.
É característica da gamificação trabalhar o engajamento, o trabalho em equipe e
as múltiplas linguagens (ROJO, 2012). Zichermann e Cunninghan (2011) afirmam que
as pessoas sentem maior atração pelas atividades que envolvem jogos, pois consideram
que aumentam o domínio de atenção e aprendizagem. Além do mais, a dinâmica do
jogo pode ajudar a entreter e pode funcionar como um mecanismo para a socialização
dos indivíduos. Trabalhar com jogos pode estimular o desenvolvimento de habilidades,
a atenção e criatividade de crianças e adolescentes com TEA, além de lhe permitir socia-
lizar com o meio.
Essa maneira de ensinar pode conduzir o/a/e aluno/a/e para a aula e para a troca
de conhecimentos. Dessa forma, o que primeiramente era uma explicação do docente, se
converte em interatividade. Isso pode amparar indivíduos com TEA a se aproximarem
mais do ambiente escolar e, conseqüentemente, à socialização de conteúdo de forma
mais leve e natural.
Os principais resultados que podem ser obtidos com a utilização de metodologias
ativas no processo de inclusão de alunos/as/es com TEA são a integração e a participação

264
junta aos professores/as e colegas. O ensinar e aprender acontece numa interligação, cria
um mundo participativo entre alunos/as/es e professores, que equilibra a interação com
todos/as/es e com cada um.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entendendo que a educação é direito de todas as pessoas, é fundamental que a es-


cola esteja preparada para acolher a diversidade e as diferenças humanas. É notório que
muitos professores tem dificuldades de desenvolver o processo de inclusão de alunos/as/
es com TEA em salas de aula comuns. Mas precisamos entender que a educação inclu-
siva demanda responsabilidades coletivas: de administradores públicos, de profissionais
da educação e da sociedade de uma forma geral.
No processo de inclusão de alunos/as/es, o professor tem um papel fundamental.
Razão pela qual é fundamental que professores/as se apropriem de meios que lhes ajudar.
Os desafios são grandes, as metodologias ativas podem ser um caminho para amenizar
os desafios. Nesse sentido, essa pesquisa teve como ponto de partida a leitura e reflexão
da contribuição de muitos autores que se dedicaram a pensar nas possibilidades que as
metodologias ativas poderiam fornecer ao processo de inclusão de pessoas com defici-
ência e TEA em salas de aula comuns.
Segundo Rangel e Guimarães (2020), em quaisquer processos de aprendi-
zagem, o/a/e aluno/a/e é ativo/a, já que a aprendizagem é sempre autoral. Porém,
acredita-se que metodologias que convidem, mais incisivamente, o/a/e aluno/a/e a
participar de diálogos e de atividades em sala de aula são relevantes para o desen-
volvimento da autonomia e do entendimento da importância do respeito a plurais
pontos de vista e posicionamentos. Inclusão não é integração, é estar e socializar
em todas as atividades, propondo condições para que eles possam interagir e cons-
truir novos conhecimentos de maneira própria e no respeitando ao tempo do/a/e
aluno/a/e.
Esta pesquisa não tem intenção de mostrar o caminho a ser seguido, mas espera
incentivar pesquisas e práticas docentes que estejam fundadas no respeito ao diferente e
na dignidade humana. Faz-se necessário entender que a inclusão escolar é um processo
que deve ser alimentado e construído cotidianamente.

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269
FERRAMENTAS DE AVALIAÇÃO NO ENSINO ONLINE:
os desafios da avaliação formativa
em ambientes virtuais de aprendizagem
Bruno Ricardo Santos Santana
Núbia Moura Ribeiro

INTRODUÇÃO

O presente trabalho traz reflexões acerca das concepções e ferramentas de ava-


liação atualmente aplicadas no ensino online para cursos de nível superior. Para além
dos últimos acontecimentos na humanidade, com a pandemia do COVID-19, forçando
novas abordagens de ensino, este enfoque justifica-se pelo fato de que, nos últimos anos,
a educação na modalidade a distância (EaD) tem representado grande parcela dos novos
matriculados em cursos superiores no Brasil.
Entre 2006 e 2018, o número de matrículas na modalidade EaD saltou de 207.206
para 2.056.511, um crescimento de quase 900% (TOLEDO, 2020, p. 78). Conforme da-
dos do Censo da Educação Superior do ano de 2019, aproximadamente 63% das mais de
16 milhões de vagas em cursos de graduação foram oferecidas na modalidade à distância
(BRASIL, 2019). Este mesmo censo aponta uma estabilidade na oferta de vagas na moda-
lidade presencial, que cresceu 20% entre 2014 e 2019, enquanto a oferta na modalidade
EaD mais que triplicou no mesmo período.
À luz de Santos (2010), convém diferenciar os conceitos de Educação à Distância
e a Educação online. O primeiro se caracteriza por ser uma modalidade de educação
mediada na qual docentes e discentes estão separados espacial ou temporalmente, sen-
do, ou não, um elemento potencializador da educação presencial, ou seja, os atores estão
separados entre emissores e receptores. Por outro lado, Santos (2010) define a Educação
online como algo mais abrangente: um conjunto de ações de ensino-aprendizagem me-
diadas por interfaces digitais que refletem um fenômeno da cibercultura, na qual práticas
comunicacionais, em rede, promovem a criação de inúmeros espaços de aprendizagem e
uma interação em tempo real.
Apesar de estar implicitamente contemplada na Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação (LDB) de 1961, complementada pelo Decreto-Lei nº 236 de 1967, considera-se
que o marco legal para a EaD no Brasil, de maneira mais explícita, seja a mais recente

270
LDB, de 1996 (MATTOS et al., 2019). A partir desta lei, a EaD passou a ser possível em
praticamente todos os níveis, sobretudo na graduação e pós-graduação. A educação a
distância possui metodologia, gestão e avaliação peculiares, conforme Souza e Menezes
(2015), devendo, obrigatoriamente, prever momentos presenciais de avaliação.
Mesmo não tendo força de lei, o Ministério da Educação (MEC) possui um do-
cumento norteador intitulado “Referenciais de qualidade para educação superior à dis-
tância”, que deve ser observado pelas instituições que propõem cursos de educação a
distância. Em sua última versão, de 2007, avaliação é um dos oito referenciais constantes
nesse documento. No tópico que trata desse tema, está posto que “devem ser articulados
mecanismos que promovam o permanente acompanhamento dos estudantes, no intuito
de identificar eventuais dificuldades na aprendizagem e saná-las ainda durante o proces-
so de ensino-aprendizagem” (BRASIL, 2007, p. 16).
A motivação para este trabalho de pesquisa tem origem na vivência profissional
de um dos autores no ramo da engenharia. Ao longo dessa vivência, nos últimos anos,
tem sido observada a utilização em larga escala de metodologias à distância para ações
educativas, seja em educação coorporativa, seja em especializações. Nessas experiências,
o quesito avaliação da aprendizagem tem se mostrado uma temática sensível e importan-
te, mas com processos ainda carentes de melhoria.
Considerando o que foi exposto, o objetivo geral deste trabalho é apresentar for-
mas de avaliação da aprendizagem aplicadas no ensino online, com foco especialmente
na avaliação formativa. Gusso (2009) conceitua avaliação formativa como aquela que
observa cada momento vivido pelo aluno, buscando acompanhar o desempenho no de-
correr do processo de aprender.
Como objetivos específicos, este trabalho também buscou: (a) identificar métodos
e ferramentas de avaliação formativa; (b) apontar os instrumentos de avaliação formati-
va disponíveis nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs).
Para alcançar esses objetivos, realizou-se uma pesquisa com abordagem qualitati-
va e com procedimentos de pesquisa bibliográfica e documental, tendo como fontes ar-
tigos e documentos publicados sobre o tema. Assim sendo, este trabalho pauta-se numa
orientação exploratória de pesquisa bibliográfica e documental.

AVALIAÇÃO NO PROCESSO EDUCATIVO

Esta seção tem como foco a avaliação, discutindo brevemente a avaliação no pro-
cesso de ensino-aprendizagem, bem como sobre avaliação formativa e sua relação com
o ensino online. Também serão conceituados os ambientes nos quais a educação online
se dá, os chamados ambientes virtuais de aprendizagem, e sua importância na avaliação
da aprendizagem.

271
A avaliação no processo de ensino e aprendizagem

[...] Aliás, faz parte do senso comum a ideia de que o conhecimento pode
ser simplesmente absorvido pelos indivíduos e que a avaliação serviria para
medir o grau de absorção desse saber. Em uma visão mais crítica, ao con-
trário, a avaliação é considerada como um meio de perceber as singulari-
dades do indivíduo e como elas interferem no processo de aprendizagem
(SOUZA; MENEZES, 2015, p. 165).

Definida por Luckesi (2000) como um recurso pedagógico útil e necessário para
auxílio dos educadores e educandos na busca da sua melhor forma de proceder, a ava-
liação surge como etapa de grande importância no processo de ensino-aprendizagem.
Demo (2002, apud BEHAR; PASSANI, 2009, p. 94) afirma que o debate em tor-
no da avaliação está repleto de pressupostos lineares, ao passo que o conhecimento e
a aprendizagem são atividades que expressam processos não-lineares. Dessa forma, a
avaliação da aprendizagem, seja qualitativa ou quantitativa, pode ser considerada apenas
uma aproximação possível da realidade, não sendo, portanto, um retrato perfeito.
Na concepção positivista, em que a avaliação é entendida como técnica de men-
suração da aprendizagem, não se leva em consideração os contextos e características dos
estudantes (PESCE, 2012). Embora seja uma concepção limitada, ela ainda está presente
no meio docente, onde para muitos a avaliação ainda é vista como um processo de clas-
sificação com ênfase na mensuração e que é aplicado apenas do final de um ciclo. Nessa
ótica, Hoffmann (1994) afirma:

E, de fato, o que se observa na investigação da prática avaliativa dos três


graus de ensino é, ao contrário de uma evolução, um fortalecimento da prá-
tica de julgamento de resultados alcançados pelo aluno e definidos como
ideais pelo professor (HOFFMANN, 1994, p. 51).

Entretanto, as demandas pedagógicas atuais convidam os docentes a refletir criti-


camente sobre a necessidade premente de remodelagem desse processo, embutindo-lhe
empatia e dando-lhe novos sentidos e significados.
Avaliar implica diagnosticar e decidir (LUCKESI, 2000). Hoffmann (2001, p.89,
apud BEHAR; PASSANI, 2009, p. 94), além de destacar a complexidade do processo
avaliativo ao afirmar que se faz necessário acompanhar percursos individuais de apren-
dizagem que se dão no coletivo, fortalece a importância da avaliação contínua: “quando
se acompanha para ajudar no trajeto, é necessário percorrê-lo junto, sentindo as dificul-
dades, apoiando, conversando, sugerindo rumos adequados a cada aluno”.
A mesma autora, reforçando a importância da produção do avaliado, em sua abor-
dagem sobre avaliação formativa e avaliação mediadora, afirma:

272
A tarefa que o aluno deixa de fazer é ponto em branco a ser preenchido. É
silêncio que o professor também deve escutar e transformar em ação. Pre-
cisa descobrir a razão da não resposta, mudar a pergunta, ou, talvez, o tom
da pergunta (HOFFMANN, 2005, p. 5).

As funções da avaliação, segundo Jorba e Sanmarti (2003, apud BEHAR; PAS-


SANI, 2009, p. 94), podem ser divididas em duas vertentes: (1) a de caráter peda-
gógico ou formativo, que objetiva munir o docente de informações para que haja
adequação das atividades às necessidades do aluno; (2) e a de caráter social, cujo
objetivo é selecionar e classificar o avaliado, atestando ou não a aquisição de co-
nhecimentos suficientes para avançar às próximas etapas ou níveis de ensino. Com
base nos seus objetivos, pode-se auferir que, enquanto a avaliação de caráter social
normalmente é feita de maneira pontual, ao final de determinado ciclo, a avaliação
formativa deve ocorrer durante o processo, apontando as necessidades de ajustes ao
longo da caminhada.
Concordando com a classificação quanto à função da avaliação dada por Jorba
e Sanmarti (2003), Litto e Formiga (2009) apontam, também, classificações quanto à
modalidade. Para esses autores, existem três modalidades de avaliação (diagnóstica,
formativa e somativa) que são conhecidas, tanto para o ensino presencial quanto
para o ensino online. O Quadro 1 sintetiza essas concepções de avaliação quanto à
sua função.

QUADRO 1 - CONCEPÇÕES DE AVALIAÇÃO QUANTO À SUA MODALIDADE

Avaliação Avaliação Avaliação


Diagnóstica Formativa Somativa

Certamente é o tipo de avaliação


Caracteriza-se por ser uma ação Comumente realizada ao final de
mais densa. Nela, o professor
inicial de verificação dos conheci- ciclos, esta avaliação verifica se os
acompanha o processo por meio
mentos prévios do aluno, confir- objetivos propostos foram alcança-
de aproximações sucessivas, obser-
mando a existência dos pré-requis- dos, avaliando o resultado final sob
vando o desenvolvimento do aluno
itos para o que virá a seguir uma ótica linear
e redefinindo estratégias

FONTE: elaborado pelos autores, com base em Litto e Formiga (2009)

Arredondo (2002) ilustra graficamente os tipos da avaliação destacando os mo-


mentos em que elas são aplicadas, conforme mostrado na Figura 1 (apud LITTO; FOR-
MIGA, 2009, p.154).

273
FIGURA 1 – MOMENTOS DA AVALIAÇÃO

FONTE: Adaptação de Arredondo (2002, apud LITTO; FORMIGA, 2009, p.154).

Embora os três tipos de avaliação citados possam ser utilizados de maneira con-
junta, a literatura aponta para a necessidade de maior atenção à avaliação formativa para
o ensino online (SOUZA; MENEZES, 2015).

A avaliação formativa e sua relação com o ensino online

Com o advento das novas tecnologias e a facilidade do acesso a conteúdos com


diversas formas e linguagens, o modelo classificatório de avaliação já não atende satis-
fatoriamente ao contexto atual. Nesse sentido, o processo avaliativo deve abandonar o
formato apenas mensurador do grau de conhecimento do aluno, para tornar-se um ins-
trumento para modificação de práticas e contínua inclusão e motivação, deixando de ser
apenas classificatório (LITTO; FORMIGA, 2009).
A proposta de avaliação somativa, classificatória, não leva em conta fatores impor-
tantes como o interesse do aluno nos temas abordados e sua participação em sala de aula;
logo, mostra-se insuficiente na avaliação da aprendizagem, principalmente no ensino
online (PESCE, 2012).
A avaliação no ensino online possui dificuldades próprias, entretanto a op-
ção por uma avaliação contínua permite uma atenuação dessas dificuldades, que
incluem desde os problemas relacionados à falta de percepção do comportamento
do aluno (algo que não ocorre no ensino presencial) até a própria incerteza da real
identidade do avaliado. Dessa forma, a avaliação contínua proporciona a criação de
uma familiarização com o avaliado, reduzindo as possibilidades de erro na avaliação
(OTSUKA; ROCHA, 2002).
Seja no ensino presencial, seja no ensino online, a avaliação contínua, ou forma-
tiva, exige mais do professor, face ao grande número de informações que precisa reunir

274
para testificar o desenvolvimento e alcance do avaliado aos níveis esperados. Nesse senti-
do, para o ensino online, quanto melhor for o suporte de software, mais acurada e precisa
será a avaliação. Ainda assim, o professor não deve terceirizar a avaliação ao computa-
dor. Como apontado por Campos et al. (2003, p.124, apud BEHAR; PASSANI, 2009, p.
100), a avaliação inclui aspectos afetivos e sociais envolvidos na aprendizagem, de forma
que ela é uma tarefa do professor, e não do sistema informatizado.
Para Zanelato (2009), o avanço das tecnologias da informação e comunicação
(TICs) revolucionou a EaD, pois essas tecnologias proporcionam diversas platafor-
mas com ferramentas ricas em interatividade, de modo que a opção por uma avalia-
ção meramente quantitativa não faz sentido, corroborando com os avanços pedagó-
gicos em termos de avaliação. Em contrapartida, o foco maior desta modernização
tem sido na perspectiva discente, com o desenvolvimento de melhores interfaces
com o usuário, facilitação no acesso e arquivamento de materiais, além de melhor
navegabilidade. Esta mesma importância não parece ter sido dada à perspectiva
docente, pois tais plataformas ainda têm lacunas quanto a desenvolvimentos que
contemplem necessidades do docente, principalmente em termos de suporte para
a avaliação.
Conforme Luckesi (2005, apud PESCE, 2012, p. 197), são três os elementos
que constituem o processo de avaliação: dados relevantes; instrumentos; e utilização
dos instrumentos. Nessa concepção, a coleta de dados sobre a trajetória do estudante
(o que ele sabia sobre o assunto a ser estudado e o que ele agora sabe) é sobremaneira
importante, e esta coleta está inteiramente ligada aos instrumentos disponíveis para
o professor.
Nesse sentido que as ferramentas disponíveis em cada ambiente virtual de apren-
dizagem (AVA) podem facilitar o correto diagnóstico pelo professor, haja vista que
Luckesi (2005, apud PESCE, 2012, p. 197) ainda alertar para o adequado uso de tais
instrumentos, sob pena de uma avaliação imprecisa e consequente tomada de decisão
equivocada. Por isso, a próxima seção deste texto se debruça sobre os ambientes virtuais
de aprendizagem e sobre os recursos disponibilizados por eles, em especial as ferramen-
tas de avaliação.
Como o enfoque deste trabalho volta-se para a avaliação formativa, ressalte-se que
Pesce (2012) aponta alguns princípios desta avaliação, dentre os quais se destacam:

a) O caráter processual (professor e estudantes são sujeitos ativos no processo de


construção do conhecimento);
b) A abordagem diagnóstica, que revê as ações de mediação;
c) A avaliação dialogada, que integra o desempenho dos estudantes, a autoavalia-
ção de cada um deles, e a avaliação sobre o curso, em diferentes momentos deste.

275
Portanto, a avaliação formativa vai muito além do ranqueamento dos alunos, e
visa a formação plena tanto científica e tecnicamente, como uma formação participativa,
crítica e cidadã.
Na perspectiva defendida por Hoffmann (1994), a avaliação mediadora surge
como oposição ao método classificatório tradicional promovendo, por meio do diálogo,
“um movimento de superação do saber transmitido a uma produção de saber enrique-
cido, construído a partir da compreensão dos fenômenos estudados” (HOFFMANN,
1994, p. 51). A realização da avaliação formativa implica em sucessivas aproximações,
interação e intenso diálogo (aluno-professor e aluno-aluno), incluindo, dessa maneira, a
ação mediadora do professor enquanto interlocutor desse processo.

Ambientes Virtuais de Aprendizagem

Um ambiente de aprendizagem pode ser definido como um espaço, formal ou não,


no qual há oportunidade de aprendizado (JACOBUCCI, 2008, apud SOUZA; MENE-
ZES, 2015, p. 162). Para Araújo Jr. e Marquesi (2009), os Ambientes Virtuais de Apren-
dizagem (AVAs) são ambientes virtuais, com o uso das tecnologias da informação e co-
municação (TICs), que simulam ambientes presenciais de aprendizagem. Desse modo,
pode-se definir de maneira simplista que um AVA equivale a uma sala de aula virtual.
Conforme dito anteriormente, com a evolução das TICs, os AVAs também evo-
luíram e passaram a permitir uma maior interação entre o aluno, a turma, o professor
e o conteúdo estudado (disponibilizado pelo professor e/ou produzido pelos próprios
alunos). O AVA não só oferece recursos digitais que possibilitam o compartilhamento de
arquivos (material didático digitalizado, mídias sonoras e visuais), mas também permite
interação entre os participantes por meio de chats e fóruns de discussão. Tal interação
pode ser síncrona (realizada em tempo real, quando os participantes estão conectados ao
mesmo tempo) e assíncrona (em momentos distintos).
Por meio do AVA, o professor se comunica de maneira coletiva ou individual com
os alunos, assim como os alunos podem comunicar-se entre si, criando um ambiente de
aprendizagem colaborativa (SANTOS, 2010, p. 5665). Souza e Menezes (2015) afirmam
que a implementação de um AVA requer do professor a elaboração de estratégias que
facilitem a aproximação e interação dos alunos para com o conteúdo e entre os alunos,
de forma que vínculos sejam criados.
Os primeiros AVAs eram utilizados meramente como um apêndice da sala de aula
presencial, ou seja, eram usados pelos professores para disponibilizar materiais aos quais
os alunos tinham acesso. Entretanto, com a evolução das TICs, esse ambiente virtual dei-
xou de ser apenas local de depósito e extração de material, mas também de experiências
diferentes num ambiente presencial, com recursos multimidiáticos e elementos multis-
sensórios (ARAÚJO JR.; MARQUESI, 2009).

276
Para que um AVA proporcione produção de conhecimento, num processo de
autoria e co-criação, Santos (2010) sugere a necessidade de algumas características,
a saber:

a) O ambiente deve permitir conexão com outros sites, ter boa navegabilidade,
integrar diversas mídias (texto, som, imagens, vídeos, gráficos);
b) O ambiente deve permitir e potencializar comunicação interativa síncrona e
assíncrona;
c) O ambiente deve estimular a criação do conhecimento contextualizando situ-
ações do universo do aluno;
d) O ambiente deve permitir avaliação formativa, com constante negociação para
tomada de decisões e que permita autoria e co-autoria nos processos.

Santos (2010, p. 5664) afirma que a convergência de mídias (texto, sons, imagens e
gráficos), característica típica da internet, atualmente é observada nos AVAs, reafirman-
do sua posição de ciberespaço. A autora sugere a seguinte relação entre as potencialida-
des das TICs e suas contribuições para a Educação Online:

FIGURA 2 – RELAÇÃO ENTRE TICS E EDUCAÇÃO ONLINE

FONTE: Adaptação de Santos (2010, p. 5666).

277
RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesta seção, objetiva-se, com base na fundamentação teórica acima apresentada,


apontar quais são as funcionalidades dentro de um ambiente virtual de aprendizagem
que proporcionam uma avaliação formativa.
As ferramentas constantes em AVAs para avaliação diagnóstica e somativa são
amplamente conhecidas. Comumente os professores lançam mão de questionários de
múltipla escolha com correção automatizada e formulários de autoavaliação para forma-
lizar essas etapas da avaliação.
Conforme explicitado no tópico sobre avaliação formativa e sua relação com
o ensino online, a avaliação somativa, de cunho apenas classificatório e com pers-
pectiva quantitativa, não satisfaz as aspirações dos modelos pedagógicos atuais.
Nessa perspectiva, esta seção discorre sobre como um AVA pode dispor de ferra-
mentas que permitam as aproximações sucessivas para a construção de uma ava-
liação formativa.

As atividades realizadas em AVAs podem ser utilizadas como um cami-


nho para promover a autonomia, sistematizar o conhecimento, possibilitar
a exploração de espaços virtuais e recursos virtuais e avaliação formativa
(ARAÚJO JR.; MARQUESI, 2009, p. 358).

Para que uma avaliação formativa seja materializada, Borba e Penteado (2001,
apud LITTO; FORMIGA, 2009) afirmam que, com a evolução das ferramentas de TIC,
há uma ampliação de possibilidades de acompanhamento do discente com registro das
interações e participação nos ambientes colaborativos de aprendizagem, ou seja, maior
oferta de ferramentas para avaliação formativa.

No entanto, apenas o registro das interações não é suficiente para prover


suporte efetivo à avaliação formativa. Esse processo de avaliação demanda
muito trabalho e tempo do professor no acompanhamento, análise e orien-
tação das atividades desenvolvidas ao longo do curso, o que consiste num
dos principais problemas da avaliação formativa, seja ela presencial ou à
distância (OTSUKA; ROCHA, 2002, p. 147).

Considerando a avaliação formativa como um processo, Moreira (2003, apud


PESCE, 2012) sugere alguns instrumentos de avaliação processual, a saber:

a) O portifólio – espaço de registro de todas as etapas de aprendizagem do aluno;


b) A autoavaliação – permite ao estudante uma reflexão sobre os aspectos rela-
cionados à sua trajetória;

278
c) O trabalho final – aponta a capacidade de organizar os conteúdos trabalhados;
d) A discussão colegiada – compartilhamento de percepções entre professores e
coordenação;
e) O correio eletrônico – promove maior visibilidade e permite acompanhamen-
to do processo de ensino-aprendizagem.

Silva (2006, apud PESCE, 2012, p. 200) destaca a importância dos instru-
mentos informais de avaliação, como a participação de fóruns e debates e, de modo
mais detalhado, aponta alguns fatores para efetivar a interatividade dos processos
de avaliação e contribuir com a melhoria da aprendizagem em ambientes online,
são eles:

a) Favorecer tarefas em grupo e propor aos alunos tarefas ligadas a etapas ante-
riores;
b) Viabilizar a interatividade em tempo real;
c) Considerar o histórico qualitativo e quantitativo, e avaliar com base em crité-
rios expressamente e anteriormente definidos;
d) Incentivar a autoavaliação e a avaliação coletiva.

Nos dias atuais, observa-se também a utilização das atividades de criação de ma-
pas mentais e podcasts como atividades assíncronas que podem proporcionar avaliação
formativa; assim como, a exemplo de atividades síncronas, pode-se citar a realização de
web conferências ou seminários. Se por um lado tais ferramentas expandem as possibili-
dades pedagógicas, por outro exigem mais do professor para que a avaliação seja asserti-
va (SOUZA; MENEZES, 2015).
Otsuka e Rocha (2002), com base nos autores Nelson (1998), Fuks, Gerosa e Lu-
cena (2001) e Thorpe (1998), também apontam alguns tipos de atividades que permitem
uma avaliação formativa. Com base nesses autores e em Souza e Menezes (2015), o Qua-
dro 2 sintetiza as ferramentas e ações avaliativas disponíveis em AVAs, cujo uso propor-
ciona uma avaliação formativa.

279
QUADRO 2 – SÍNTESE DE FERRAMENTAS PARA AVALIAÇÃO FORMATIVA EM AVAS

Relação de inte-
Ferramenta no AVA Ações Características / Vantagens
ração

As participações favorecem
proposições mais elaboradas em
Discussão de Aluno – Aluno
comparação com as discussões
questões e temas
face a face.
propostos pelo (mediada pelo
professor. professor)
• Fóruns de dis- Interação e aprendizagem colabo-
cussão rativa.
• Chats
É proposto ao aluno apontar quais
Aluno – Professor
Críticas às assuntos ele considera importante,
– Aluno
discussões nos entretanto não foram abordados
fóruns. Críticas ao nas discussões dos fóruns. (de maneira
conteúdo.
pública)
Compartilhamento de percepções.

Professor – Aluno
Resolução de É proposto ao aluno expressar
• E-mail.
questões disserta- suas ideias acerca de um assunto
• Chats privados (de maneira
tivas proposto pelo professor
privada)

O professor propõe a realização


de atividades que estejam ligadas à
• Web conferên-
realidade vivida pelos alunos, com
cias / seminários Elaboração de
problemas contextualizados, nos
online projetos autênti- Aluno – Coletivo
quais haja necessidade de trabalho
• Podcasts cos
em grupo para resolução.
• Trabalho final
Promoção da contextualização.

FONTE: elaborado pelos autores, com base em Otsuka e Rocha (2002) e em Souza e Menezes (2015)

Nessa perspectiva, e com base no Quadro 2, pode-se concluir que para que um
AVA seja considerado apto ao desenvolvimento da avaliação formativa, deve, minima-
mente, disponibilizar ao professor e alunos ferramentas computacionais:

a) de interação entre os próprios alunos, com a participação do professor (media-


ção de debates, chats, proposição de questões);
b) de interação entre professor e aluno de maneira privada (diálogos particulares,
questões dissertativas, acompanhamento individualizado e local para feedba-
ck);
c) de publicação de mídias e compartilhamento de arquivos (entrega de ativida-
des e projetos propostos pelo professor);
d) de interação síncrona (áudio e videoconferência).

280
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa discutiu formas de avaliação, com foco na avaliação formativa e


suas aplicações num ambiente virtual de aprendizagem. Os modelos híbridos de ensino
tendem a se tornar cada vez mais presentes, mesmo após a pandemia de COVID-19.
Portanto, uma apropriação das ferramentas de avaliação em ambientes virtuais é muito
importante para o docente.
Foram abordados temas pertinentes à atual realidade enfrentada pelos professores
e estudantes: o desafio da avaliação da aprendizagem em plataformas não-presenciais,
bem como as formas de avaliação da aprendizagem que são aplicáveis nos ensinos pre-
sencial e a distância, apontando o protagonismo da avaliação formativa.
Este trabalho também versou sobre ambientes virtuais de aprendizagem e as
possibilidades de interação que são oferecidas aos usuários, mostrando que o fenô-
meno da cibercultura está presente no processo de aprendizagem. Quanto à avaliação
formativa e sua relação com o ensino online, foram analisadas ferramentas propostas
pelos autores estudados, de modo a implementá-las efetivamente em ambientes virtu-
ais de aprendizagem.
Em resumo, algumas das ferramentas ou procedimentos de avaliação são o
acompanhamento da participação em fóruns de discussão com assuntos propostos
pelo professor, favorecendo interação entre os alunos centrada em um assunto e
mediada pelo professor; o feedback para os alunos, com críticas a essas discussões,
apontando assuntos importantes que eventualmente não foram abordados; o uso
de questões dissertativas, de modo que o aluno expresse suas impressões sobre o
assunto abordado e demonstre sua capacidade de síntese do que fora aprendido; a
elaboração de projetos autênticos pelo alunos, contextualizando os temas abordados
na realidade vivida por eles.
Ademais, este trabalho apontou as possibilidades de implementação de tais ferra-
mentas, mostrando que a avaliação formativa exige mais do professor, pois requer domí-
nio e disponibilidade de tempo, todavia é mais assertiva.
Esta pesquisa se encerra mostrando que há muito a se percorrer no sentido de
melhorar a compreensão dos professores de como utilizar os instrumentos disponíveis
para a realização das avaliações em AVAs. Entretanto, a partir deste trabalho, já é possível
concluir que a avaliação, por mais que seja uma atividade árdua para os docentes, pode
ser realizada com o auxílio das ferramentas disponíveis em plataformas virtuais e não
deve ser terceirizada a um algoritmo computacional.

281
REFERÊNCIAS

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283
A IMPORTÂNCIA DE UMA FORMAÇÃO CONTINUADA
PARA A PRÁTICA INCLUSIVA

Camila Pires Santiago


Núbia Moura Ribeiro

INTRODUÇÃO

O número de matrículas de alunos com Necessidades Educacionais Especiais


(NEE) nas escolas municipais de Jequié, ou seja, o quantitativo de matrículas efe-
tuadas na Educação Especial da rede municipal de Jequié, no período de 2015 a
2020, pode revelar informações importantes em relação à dinâmica dessa educação
neste município. Assim, conforme dados divulgados pelo Censo Escolar realizado
pelo Instituto Nacional de Estudo e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)
(INEP, 2015; 2016; 2020), não constam quantidades específicas das referidas matrí-
culas relativas aos anos 2015, 2016 e 2020. No ano de 2017, a quantidade registrada
foi de 2.577 alunos matriculados (INEP, 2017). Em 2018, o número decresceu para
1.825 de matriculas (INEP, 2018), e no ano de 2019, esse número aumentou para
2.111(INEP, 2019). Cabe destacar que mesmo no contexto da Pandemia Covid-19,
houve um aumento de matrícula nessa modalidade no ano de 2019. Sugere-se a re-
alização de estudos concernentes a essa temática, mas cabe aqui destacar que há um
número significativo de matrículas efetuadas como Educação Especial na rede mu-
nicipal de Jequié.
Diante desse cenário, é de suma importância uma capacitação específica e
ressignificação de saberes dos professores desse município para atender a esta de-
manda. Como muitos profissionais educacionais não possuem formação inicial, ou
não passaram por um processo formativo específico que contemple o atendimento
desses alunos, surgiu a motivação para realização desta pesquisa. Busca-se, portanto,
demonstrar, tanto para os profissionais da educação, quanto para os órgãos compe-
tentes, a importância de uma formação continuada para a prática inclusiva em sala
de aula, considerando que os alunos com deficiência têm possibilidade de alcançar o
aprendizado, e assim, seguir os princípios apresentados no artigo 205 do capítulo III
da Constituição Federal (BRASIL, 1988):

284
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvol-
vimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualifi-
cação para o trabalho (BRASIL, 1988, art. 205).

São, portanto, necessários profissionais especializados, para atender esse público


específico, valendo-se de novas metodologias, estratégias e saberes. Diante do exposto,
surge o seguinte questionamento: Qual a importância da formação continuada para a
prática inclusiva? A finalidade desta pesquisa, portanto, é analisar, a partir da literatura
acadêmica e referências documentais, como a formação em exercício, também chamada
formação continuada, pode influenciar na atuação do profissional docente nas escolas
municipais de Jequié. Essa formação é essencial para a prática docente inclusiva, pois são
muitas as dificuldades que surgem na sala de aula.
Nessa perspectiva e diante do incômodo sobre essa problemática, que foi observa-
do durante a experiencia de trabalho como professor cuidador, da rede municipal, que
surgiu a necessidade de um estudo detalhado sobre a importância da formação cotidiana
para uma verdadeira prática inclusiva.
A partir da questão de pesquisa, o presente trabalho traz fundamentos de teóricos,
a fim de responder a questão proposta. O estudo se fundamenta em diversos teóricos,
destacando-se como Mantoan (2003), em seu livro “Inclusão Escolar, O que é ? Por quê?
Como Fazer?”, que enfoca a inclusão escolar e defende que esta inovação educacional
tem como objetivo atender as necessidades de todos os alunos de qualquer nível escolar.
A autora enfatiza ideias sobre o ensino-aprendizagem em um contexto escolar que seja
aberto e receptivo às diferenças.
O estudo também considera as contribuições de Gatti (2008), ao sinalizar que a
formação continuada, em geral, se restringe a cursos estruturados e formalizados ofere-
cidos depois da graduação, mas, de modo genérico, pode ser vista como uma atividade
que contribui para um melhor desempenho do profissional docente. Gatti, em concor-
dância com outros autores como Barreto e André (2011), ressaltam a importância da
integração entre a teoria e a ação que contribui para a qualidade de educação.
Este estudo também enfatiza algumas normativas, leis, diretrizes e planos de edu-
cação, que são concernentes com o tema, que, portanto, dão sustentação à pesquisa.
Levando em conta o atual cenário da educação e do mundo, na busca de maior
inclusão, percebe-se que é necessário buscar novas reflexões e novas metodologias acerca
da inserção, na rede de ensino, de alunos diagnosticados com alguma deficiência. As no-
vas metodologias e o devido apoio dos órgãos de educação, pode resultar numa prática
pedagógica e em um ensino aprendizado concreto e efetivo para todos, levando em con-
sideração que os alunos são sujeitos biopsicossociais que aprendem de forma singular, e
que dependem de forma diferenciada do corpo docente.

285
Esta pesquisa utilizou procedimentos de revisão bibliográfica e pesquisa docu-
mental, com objetivos descritivos, optando por uma abordagem qualititiva, baseando-se
em inferências fundamentadas nos dados bibliográficos e documentais. Alguns dados
foram produzidos a partir da observação assistemática da pesquisadora, estes resultantes
da própria atuação como docente cuidadora.
Inicialmente foi pesquisado o quantitativo de matrículas entre os anos de 2015 a
2020 nos Censos do INEP (INEP, 2015-2020). Foram também pesquisadas contribuições
de teóricos sobre o tema, e as fontes encontradas foram triadas de forma minuciosas
especificamente em relação com o tema, e os textos selecionados passaram a compor a
revisão bibliográfica do estudo. Foram também pesquisadas normativas, leis, diretrizes
e planos de educação vigentes relacionados a Educação Especial inclusiva e a formação
continuada.
Tendo como motivação o aumento da demanda de matrículas de alunos com de-
ficiência e o despreparo da maioria dos profissionais docentes que são regentes da sala
de aula do ensino básico que, de acordo com a Lei das Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), no seu artigo XXI, “I – educação básica é formada pela ducação infan-
til, ensino fundamental e ensino médio”, das escolas municipais de Jequié, foi realizada
a seleção dos dados bibliográficos e documentais que, analisados, fundamentaram as
considerações apresentadas neste estudo.

FORMAÇÃO CONTINUADA

É notável, na vivência da sala de aula, que os alunos com deficiência transmitem


uma grande preocupação para os educadores que não tem uma formação específica vol-
tada para Educação Especial.
De acordo com as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial (DNEE) do ano
2001 (BRASIL, 2020), as instituições de ensino devem matricular todos os alunos, e as
mesmas são responsáveis por organizar o atendimento aos educandos com NEE, assegu-
rando as condições necessárias para uma educação inclusiva de qualidade, adaptando o
ambiente de acordo com a necessidade de cada aluno. Diante disso e considerando que
os docente têm um papel central no processo de educar, pode-se afirmar que a formação
de professores é uma das condições necessárias para uma escola comprometida com o
ensino inclusivo.
Para conceituar a formação continuada, apresenta-se a contribuição de Cunha e
Isaias (2003):

Pode-se definir formação continuada como iniciativas de formação no perío-


do que acompanhem o tempo profissional dos sujeitos. Apresenta formato e
duração diferenciados, assumindo a perspectiva da formação como processo.

286
Tanto pode ter origem na iniciativa dos interessados como pode inserir-se em
programas institucionais. Nesse último, os sistemas de ensino, universidades e
escolas, são as principais agências de tais tipos de formação (CUNHA; ISAIAS,
2003, p. 368).

Nessa perspectiva, a expressão formação ou educação continuada também serviu


como um guarda-chuva para diversas iniciativas, segundo Gatti (2008):

[...] tudo que possa oferecer ocasião de informação, reflexão, discussão e


trocas que favoreçam o aprimoramento profissional, em qualquer de seus
ângulos, em qualquer situação. Uma vastidão de possibilidades dentro do
rótulo de educação continuada (GATTI, 2008, p. 12).

Devido a grandes mudanças nas políticas educacionais e administrativas que


ocorreram ao longo da história e que tiveram como finalidade oferecer uma educação
inclusiva na rede de ensino regular, foi necessário repensar a formação do profissio-
nal docente, estabelecendo uma continuidade do seu processo formativo. Para isso, é
de suma importância a formação continuada que enfoca a temática da inclusão, voltada
para o professor que atua em sala de aula. Como afirma o artigo 59 da Lei de Diretrizes e
Bases – Lei nº 9.394/96, as instituições dos sistemas de ensino devem garantir aos alunos
“currículo, métodos, recursos e organização específica para atender às suas necessida-
des” (BRASIL, 1996, art. 59), compondo também do inciso III:

Professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para


atendiemento especializado, bem como professores do ensino regular capa-
citados para a integração desses educandos nas classes comuns (BRASIL,
1996, art. 59).

Ademais, o artigo 2º da Resolução do Conselho Nacional de Educação e a Câ-


mara de Educação Básica, Resolução CNE/CEB nº 2/2001, referente às Diretrizes Na-
cionais para a Educação Especial na Educação Básica, ressalta que as instituições de
ensino são responsáveis pela adaptação do ambiente, “[...] assegurando as condições
necessárias para uma educação de qualidade para todos” (BRASIL, 2001, art. 2°). Po-
de-se inferir que uma das condições necessárias para uma educação de qualidade para
todos é ter o professor qualificado para atender a demanda da Educação Especial. A
compreensão desse cenário deveria fazer parte da realidade socioeducativa, compre-
endendo que a educação concretizada deve incluir todos os alunos, independente da
sua especificidade, e que isso exige a criação de mecanismos e recursos para superar as
limitações e as dificuldades no contexto escolar.
A formação continuada é, portanto, um desses mecanismos para promover a
qualificação docente, e ela deve ser oferecida considerado-se que a prática docente é

287
constituída por “[...] consciência, concepções, definição de objetivos, reflexão sobre as
ações desenvolvidas, estudo e análise da realidade para a qual se pensam as atividades”
(OLIVEIRA, 2010, p. 68). Desse modo, a formação continuada deve provocar reflexões
críticas e oferecer ideias que geram mudanças significativas na prática pedagógica do
profissional docente. Como ressaltam Jesus e Vieira (2011):

Cabe valorizar perspectivas de formação que promovam a preparação de


professores críticos e reflexivos, que também assumam a responsabilidade
de seu desenvolvimento profissional e que participem, como protagonistas
na implementação de políticas educativas capazes de garantir a qualida-
de do ensino ministrado nas escolas públicas de Educação Básica (JESUS;
VIEIRA, 2011, p.146).

Ao buscar condições para que a escola possa atender de forma efetiva os alunos
com deficiência, a formação continuada dos profissionais da educação é uma ferramenta
estratégica para a efetivação das políticas e programas da educação.

A formação inicial e continuada dos docentes frente ao processo de inclu-


são escolar são variáveis e premissas decisivas para o sucesso e a efetivação
das leis inclusivas de nossas instituições escolares, assim conhecê-los torna-
-se uma necessidade imperativa, na construção de uma educação mais justa
[...] (TERRA; GOMES, 2013, p.113).

Nesse contexto, percebe-se que a proposta da educação inclusiva, atualmente, está


direcionada à política educacional vigente, estimulada pelos movimentos sociais e tem
como proposta voltada para a equidade das oportunidades para os alunos excluídos so-
cialmente. Inclusive, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96
(BRASIL, 1996) deve ocorrer, preferencialmente, na rede regular de ensino, porém esse
suporte deve ocorrer no turno oposto ao das aulas.
As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, publi-
cadas por meio da Resolução CNE/CEB nº 2/2001 (BRASIL, 2001), em especial nos
artigos 3º, 8º e 12°, destacam que os alunos com deficiência devem ser educados, prin-
cipalmente, nas classes comuns das escolas regulares, usufruindo do convívio com os
demais alunos da escola.
Nessa conjuntura, cursos de especializações na área de educação inclusiva é uma
das possibilidades para atender à demanda de formação docente, uma vez que, o atendi-
mento às diversidades de alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) requer
a preparação dos docentes de ensino básico, contribuindo para que a escola seja um
espaço inclusivo. Vale lembrar que, no documento da Política Nacional de Educação Es-
pecial (PNEE), na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), o docente deve ter
conhecimentos gerais e específicos para atuar na Educação Especial, com base, tanto na

288
sua formação inicial como na continuada; e isso deve ocorrer de maneira participativa e
interdisciplinar *.
A importância da formação continuada é, portanto, alcançar a articulaçao entre a
teoria e prática educativa, a práxis, para que a escola se torne um ambiente comprome-
tido com a inclusão de alunos com NEE, por meio da utilização de diferentes metodolo-
gias e estratégias. Inclusive, o Plano Municipal de Educação de Jequié, na lei 2.078, de 14
de Dezembro 2018 (JEQUIÉ, 2018), tem como meta no número 4, a universialização do
acesso a educação básica, na rede regular de ensino e, preferencialmente, garantindo um
sistema educacional inclusivo para alunos de quatro a 17 anos com deficiência, transtor-
no global do desenvolvimento e altas habilidades; e tem como estratégia

4.5) intensificar, a partir do primeiro ano de vigência deste plano, políticas


de formação continuada para professores do AEE, do ensino comum, para
intérpretes e instrutores de Libras, cuidadores, ledores, revisor de braille e
demais profissionais que atuam na Educação Especial, visando assegurar
as condições necessárias para o pleno desenvolvimento das pessoas com
deficiência matriculadas na rede comum de ensino (JEQUIÉ, 2018, p.12).

Quando essa formação está prevista nas políticas municipais, estaduais e federais
de educação, este fato se torna um elemento facilitador para oferecer a qualificação ne-
cessária aos professores que atuam de forma debilitada, de modo que eles possam rever
suas práticas, usando metodologias específicas, estratégias que corroborem com a con-
dição do aluno com as mais distintas deficiências. Por outro lado, a obrigatoriedade de
matrícula e uma prática pedagógica inclusiva vazia fazem com que a política de inclusão
se torne cada vez mais utópica nas escolas de rede pública.
Apresentando reflexões e conceitos acerca da formação continuada, Mantoan
(2003) enfatiza que essa formação deve ser voltada para atender a todos os alunos, sem
distinção, reconhecendo as habilidades dos alunos. É de suma importancia compreen-
der que essa formação deve se dar em toda caminhada, em toda a trajetória profissio-
nal do docente, pois é um processo. Os professores devem atualizar-se periodicamente
a fim de atender às mudanças que vem acontencendo na educação: “todos os níveis dos
cursos de formação de professores devem sofrer modificações nos seus currículos, de
modo que os futuros professores aprendam práticas de ensino adequadas às diferen-
ças” (MANTOAN, 2003, p.24).
É essa formação continuada que vai despertar um olhar sensibilizado do professor
frente ao aluno com dificuldades, observando suas imprecisões para poder encontrar as
possibilidades criativas e meios necessários a fim de efetivar sua práxis. Afinal, a inclusão

* É importante dizer que o Brasil dispõe atualmente da Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, In-
clusiva e com Aprendizado ao longo da Vida, que foi instituída pelo Decreto n° 10.502, de 30 de Setembro de
2020 (BRASIL, 2020).

289
é uma atuação interdisciplinar que se constrói a passos lentos e tem como personagens
os alunos, os professores, a família, o poder público e a sociedade.
Acerca de formação continuada, o Quadro 01 apresenta as principais referencias
analisadas sobre o tema.

Quadro 01. Síntese do estudo acerca de formação continuada

Referência Citação

Pode-se definir formação continuada como iniciativas de formação no período


que acompanhem o tempo profissional dos sujeitos. Apresenta formato e duração
CUNHA; ISAIAS, 2003, diferenciados, assumindo a perspectiva da formação como processo. Tanto pode
p. 368 ter origem na iniciativa dos interessados como pode inserir-se em programas
institucionais. Nesse último, os sistemas de ensino, universidades e escolas, são as
principais agências de tais tipos de formação.

[...] tudo que possa oferecer ocasião de informação, reflexão, discussão e trocas
que favoreçam o aprimoramento profissional, em qualquer de seus ângulos, em
GATTI, 2008, p. 12
qualquer situação. Uma vastidão de possibilidades dentro do rótulo de educação
continuada.

Cabe valorizar perspectivas de formação que promovam a preparação de professo-


res críticos e reflexivos, que também assumam a responsabilidade de seu desen-
JESUS; VIEIRA, 2011,
volvimento profissional e que participem, como protagonistas na implementação
p.146
de políticas educativas capazes de garantir a qualidade do ensino ministrado nas
escolas públicas de Educação Básica.

A formação inicial e continuada dos docentes frente ao processo de inclusão esco-


TERRA; GOMES, 2013, lar são variáveis e premissas decisivas para o sucesso e a efetivação das leis inclusi-
p.113 vas de nossas instituições escolares, assim conhecê-los, torna-se uma necessidade
imperativa, na construção de uma educação mais justa [...].

Artigo 59 da Lei de
As instituições dos sistemas de ensino devem garantir aos alunos “currículo, méto-
Diretrizes e Bases, Lei nº
dos, recursos e organização específica para atender às suas necessidades”.
9.394/96

Refere-se às Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, e


Artigo 2º da Resolução ressalta que as instituições de ensino são responsáveis pela adaptação do ambiente,
CNE/CEB nº 2/2001 “[...] assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para
todos”.

Refere-se às Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica,


Artigos 3º, 8º e 12 da
e destacam que os alunos com deficiência devem ser educados principalmente
Resolução CNE/CEB nº
nas classes comuns das escolas regulares, usufruindo do convívio com os demais
2/2001
alunos da escola.

290
Política Nacional de
Educação Especial O docente deve ter conhecimentos gerais e específicos para atuar na Educação
(PNEE) na Perspectiva Especial, com base, tanto na sua formação inicial como na continuada; e isso deve
da Educação Inclusiva ocorrer de maneira participativa e interdisciplinar.
(BRASIL, 2008)

Meta n° 4 do o Plano
Municipal de Educação A universialização do acesso a educação básica, na rede regular de ensino, e prefer-
de Jequié, na lei 2.078, encialmente garantindo um sistema educacional inclusivo para alunos de quatro a
de 14 de Dezembro 2018 17 anos com deficiência, transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades.
(JEQUIÉ, 2018)

4.5) intensificar, a partir do primeiro ano de vigência deste plano, políticas de


formação continuada para professores do AEE, do ensino comum, para intérpretes
Plano Municipal de
e instrutores de Libras, cuidadores, ledores, revisor de braille e demais profissionais
Educação (JEQUIÉ,
que atuam na Educação Especial, visando assegurar as condições necessárias para
2018, p.12)
o pleno desenvolvimento das pessoas com deficiência matriculadas na rede comum
de ensino.

Fonte: elaborado pelas autoras, 2021.

PRÁTICA INCLUSIVA NAS ESCOLAS

A Educação inclusiva pode ser entendida como:

[...] o processo que ocorre em escolas de qualquer nível preparadas para


propiciar um ensino de qualidade a todos os alunos independentemente
de seus atributos pessoais, inteligências, estilos de aprendizagem e neces-
sidades comuns ou especiais. A inclusão escolar é uma forma de inserção
em que a escola comum tradicional é modificada para ser capaz de acolher
qualquer aluno incondicionalmente e de propiciar-lhe uma educação de
qualidade. Na inclusão, as pessoas com deficiência estudam na escola que
frequentariam se não fossem deficientes (SASSAKI, 1998, p. 8).

Assim, o objetivo primordial da Educação Inclusiva é propiciar um ensino de


qualidade a todos os alunos, em todos os níveis de ensino. No que se refere à Educação
Especial, a Secretaria de Educação Especial do MEC (SEESP), na Política Nacional de
Educação Especial, numa versão antiga, de 1994, define a Educação Especial como:

[…] um processo que visa a promover o desenvolvimento das potencia-


lidades de pessoas portadoras de deficiências, condutas típicas ou altas
habilidades, e que abrange os diferentes níveis e graus do sistema de en-
sino. Fundamenta-se em referenciais teóricos e práticos compatíveis com
as necessidades específicas de seu alunado. O processo deve ser integral,
fluindo desde a estimulação essencial até os graus superiores de ensino.

291
Sob esse enfoque sistêmico, a educação especial integra o sistema edu-
cacional vigente, identificando-se com sua finalidade, que é a de formar
cidadãos conscientes e participativos (BRASIL, MEC/SEESP, 1994, p.17).

Com base nessas definições, pode-se compreeender que a Educação Especial se


insere na Educação Inclusiva, tratando de nortear a inclusão de alunos com NEE. Na Po-
lítica Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao longo
da Vida, instituída pelo Decreto n° 10.502, de 30 de Setembro de 2020 (BRASIL, 2020),
é apresentado um quadro com um paralelo sobre a forma de atendimento educacional
do público-alvo da educação especial e da educação inclusiva, mostrado no Quadro 02.

Quadro 02. Evidências da divisão e polarização na forma de atendimento educacional


do público-alvo da educação especial

EDUCAÇÃO ESPECIAL EDUCAÇÃO INCLUSIVA

País de referência: Finlândia: 22% do total das crian-


País de referência: Itália - único país do mundo a apli-
ças finlandesas recebe atendimento especial em parte
car o modelo de inclusão total. Na Itália também há o
do período escolar e 8% recebe este tipo de atendi-
maior número de escolas especializadas clandestinas
mento durante todo o período escolar (TAKALA
no mundo (DIMITRIS ANATASIUS, 2015).
et al., 2009).

Modelo no qual todas as crianças, independente-


mente do impedimento de longa duração de natureza
Oferece atendimento a todas as crianças em escolas
física, intelectual ou sensorial são matriculadas nas
comuns, em escolas especiais ou em classes especiais
escolas comuns e participam das classes comuns
dentro das escolas comuns, considerando sempre o
por todo o período escolar, recebendo atendimento
formato mais adequado para cada educando.
complementar e suplementar em salas de recursos no
contraturno escolar.

Visa a desenvolver as habilidades próprias do indi-


Visa a formar uma sociedade inclusiva, sem foco nas
víduo, preparando-o para a vida mais autônoma no
singularidades da pessoa.
contexto social pós-escola.

Foco no estudante. Foco na sociedade.

Planejamento da intervenção educacional e avaliação Planejamento para a inclusão de todos os educandos


individual. de forma indiferenciada.

Instrução especializada, intensiva e direcionada por A instrução especializada, quando existe, não é inten-
objetivos. siva.

Parceria colaborativa entre escola, família e outros


Filosofia de aceitação e pertencimento à comunidade.
profissionais, com visão de intersetorialidade.

A diversidade é vista como valor em si mesma e como


A diversidade é vista como um fator que demanda
oportunidade de aprendizagem e convivência que
atendimentos educacionais específicos.
beneficia a todos.

Práticas instrucionais comuns, com algum atendi-


Práticas instrucionais baseadas em evidências.
mento educacional especializado no contraturno.

292
Algumas classes ou escolas especializadas devem ser Todas as escolas devem passar por adaptações para
criadas ou adaptadas para atender a demandas especí- receber todas as crianças com suas diferentes deman-
ficas do público-alvo da educação especial. das.

Prioriza a inclusão social, cultural, acadêmica e visa Prioriza a inclusão educacional, não colocando foco
aos projetos de vida e à capacitação profissional sem- nos impedimentos de longa duração de qualquer
pre que possível. natureza, mas, nas barreiras sociais.

Todos os profissionais devem receber alguma for-


Profissionais especializados são necessários para su- mação para adequar-se às necessidades de todos os
prir a demanda com elevado nível de qualificação. educandos que forem recebidos nas escolas comuns
inclusivas.

Fonte: Política Nacional de Educação Especial, Brasil, 2020, p. 18.

No âmbito municipal, consta, na meta 22 do Plano Municipal de Educação (PME),


da cidade de Jequié (JEQUIÉ, 2018), que deve ser assegurado que as escolas se tornem
espaços sustentáveis, inclusivos e que valorizem a “[...] diversidade étnico-racial e de se-
xualidade pela inserção dessas temáticas na gestão, na organização curricular, na forma-
ção de professores, nos materiais didáticos e no fomento da cidadania” (JEQUIÉ, 2018,
p.34), que tem como estratégia,

22.1) garantir o acesso, o fortalecimento e a implantação de programas de


formação continuada aos professores(as) que atuem em todas as modali-
dades de ensino, em regime de colaboração com o estado, a união e insti-
tuições conveniadas, incluindo temas específicos como história da África,
do afrosdescendente, quilombola e indígena, a Educação Especial, a educa-
ção ambiental, a diversidade sexual e de gênero, entre outros, prevendo em
sua carga horária tempo suficiente para estudo, planejamento e avaliação
da proposta pedagógica em execução, a partir da aprovação do plano (JE-
QUIÉ, 2018, p. 35).

Sobre esse tema, Mantoan (2003) salienta que:

[...] é preciso mudar a escola e, mais precisamente, o ensino nela ministra-


do. A escola aberta a todos é o grande alvo e, ao mesmo tempo, o grande
problema da educação nestes novos tempos (MANTOAN, 2003, p.32).

Ainda segundo Mantoan (2003), ao falar no desenvolvimento de uma ação


pedagógica para todos, o que não é simples, é necessário compreender que todos os
alunos são sujeitos da aprendizagem, no entanto, cada um aprende de forma singu-
lar, e algumas metodologias devem ser repensadas, para que atendam à diversidade
da sala de aula.
Cada vez mais, na realidade educacional, é possível identificar alguns professores
que demonstram dificuldades para atender alunos diagnosticados com alguma deficiência.

293
O professor, como mediador e facilitador do processo ensino-aprendizagem, deve entender
que a articulação entre o ensinar e o aprender é um fator que requer grande compreensão
para que a inclusão aconteça. Assim, o professor deve conduzir o processo, objetivando a
construção do conhecimento. Portanto, é essencial que os profissionais, na prática pedagó-
gica, saibam lidar com as limitacões de cada aluno.
É preciso, ainda, que as escolas e os profissionais de educação considerem a di-
versidade cultural, garantindo uma ação de inclusão social, direcionada ao educando,
levando em conta a especificidade de cada um.
Grande é o paradoxo encontrado no contexto da educação inclusiva, que exi-
ge uma atenção para as possíveis fronteiras entre a formação inicial do professor,
e o estudo contínuo do profissional docente em exercício. Apesar de nem todos os
profissionais possuírem a formação específica para desenvolver a atividade inclusi-
va, os mesmos precisam aplicar metodologias e estratégias concernentes ao público
específico. Por outro lado, a escola, enquanto espaço físico, requer adaptações a
fim de assegurar o direito à inclusão. Nessa perspectiva, ao pensar inclusão, deve-
-se saber que existem mudanças que acontecem na estrutura do espaço escolar,
que são as adaptações no ambiente, na estrutura do espaço físico; ou seja, deve ha-
ver uma organização, envolvendo todos os alunos. Como ressalta Carvalho (2006,
p.61): “[...] pensar em todos os alunos, enquanto seres em processo de crescimento
e desenvolvimento, que vivenciam o ensino-aprendizagem segundo suas diferenças
individuais”.
Algumas diretrizes são definidas pela Política Nacional da Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008). A educação de todos os educandos
com transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação deve ser
assegurada por currículos, métodos, recursos, e organizações específicas, assim como a
capacitação de professores, com a especialização adequada.
As práticas e intervenções pedagógicas devem, portanto, considerar todo o pro-
cesso de ensino-aprendizagem e atender às demandas dos diferentes alunos, com o obje-
tivo de tornar mais efetiva à educação inclusiva.
No que concerne ao entendimento sobre a prática inclusiva, algumas ações
pedagógicas centrais contribuem notadamente para a Educação Especial. Citam-se,
como exemplo dessas ações: planejamento dinâmico e flexível, apoio e materiais
diversificado, organização do espaço físico da sala de aula, estratégias pedagógicas,
avaliações e acompanhamento da aprendizagem, entre outras. Para isso, o processo
de escolarização desses alunos deve estar descrito no projeto político pedagógico
da escola. Nesse sentido, prática e teoria têm que andar juntas, a fim de reunir o
conjunto de competências adquiridas pela formação, como ressalta Gatti, Barreto e
André (2011):

294
Teoria e prática precisam andar juntas. Durante as aulas, já era possível
contextualizar questões que se apresentavam no cotidiano escolar sobre a
inclusão, bem como, levar para meus pares [no curso] e dialogar com eles
teorias e possibilidades que se abriam a partir do que vivenciávamos em
sala de aula [na escola] (GATTI, BARRETO; ANDRÉ 2011, p. 43).

Esses aspectos sobre Educação Especial não podem se restringir apenas a mu-
danças na legislação vigente, mas é preciso reflexão e compreensão dessas práticas, as
quais podem evidenciar causa e efeito na reestruturação do ensino regular, atendendo
a todos os alunos com igualdade. A inclusão não é só inserir um aluno com deficiência
no ensino regular, é muito mais vasto, não é simples, é importante que a escola ofereça,
o acolhimento e a permanência desse aluno durante todo o período letivo. Solidificando
a ideia de que o professor é fundamental para uma educação de qualidade, a formação
continuada e as condições de trabalho ainda são grande desafios para as ações educacio-
nais no Brasil. O Quadro 03 apresenta síntese com as principais referencias analisadas
sobre a prática inclusiva nas escolas.

Quadro 03 – principais referencias analisadas sobre a prática inclusiva nas escolas

Referência Citação

[Educação inclusiva é ] o processo que ocorre em escolas de qualquer nível pre-


paradas para propiciar um ensino de qualidade a todos os alunos independente-
mente de seus atributos pessoais, inteligências, estilos de aprendizagem e neces-
sidades comuns ou especiais. A inclusão escolar é uma forma de inserção em que
SASSAKI, 1998, p. 8
a escola comum tradicional é modificada para ser capaz de acolher qualquer aluno
incondicionalmente e de propiciar-lhe uma educação de qualidade. Na inclusão,
as pessoas com deficiência estudam na escola que frequentariam se não fossem
deficientes.

[Educação Especial é] um processo que visa a promover o desenvolvimento das po-


tencialidades de pessoas portadoras de deficiências, condutas típicas ou altas habili-
Política Nacional de dades, e que abrange os diferentes níveis e graus do sistema de ensino. Fundamenta-se
Educação Especial, em referenciais teóricos e práticos compatíveis com as necessidades específicas de seu
BRASIL, MEC/SEESP, alunado. O processo deve ser integral, fluindo desde a estimulação essencial até os
1994, p.17 graus superiores de ensino. Sob esse enfoque sistêmico, a educação especial integra o
sistema educacional vigente, identificando-se com sua finalidade, que é a de formar
cidadãos conscientes e participativos.

Meta 22 do Plano
Deve ser assegurado que as escolas se tornem espaços sustentáveis, inclusivos e que
Municipal de Educação
valorizem a “[...] diversidade étnico-racial e de sexualidade pela inserção dessas
(PME) da cidade de
temáticas na gestão, na organização curricular, na formação de professores, nos
Jequié (JEQUIÉ, 2018,
materiais didáticos e no fomento da cidadania”
p. 34)

295
22.1) garantir o acesso, o fortalecimento e a implantação de programas de forma-
ção continuada aos professores(as) que atuem em todas as modalidades de ensino,
Plano Municipal de em regime de colaboração com o estado, a união e instituições conveniadas, inclu-
Educação (PME) da ci- indo temas específicos como história da áfrica, do afrosdescendente, quilombola
dade de Jequié (JEQUIÉ, e indígena, a Educação Especial, a educação ambiental, a diversidade sexual e de
2018, p. 35) gênero, entre outros, prevendo em sua carga horária tempo suficiente para estudo,
planejamento e avaliação da proposta pedagógica em execução, a partir da aprova-
ção do plano (JEQUIÉ, 2018, p. 35.

Fonte: elaborado pelas autoras, 2021.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo foi motivado pelo número significativo de quantitativo de matrículas


efetuadas como Educação Especial na rede municipal de Jequié, tendo 2.111 matrículas
nesta modalidade no ano de 2019 (INEP, 2019). Soma-se a esta motivação, o que indicam
as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial (DNEE) do ano 2001 (BRASIL, 2001):
as instituições de ensino devem matricular todos os alunos, e as mesmas são responsá-
veis por organizar o atendimento aos educandos com NEE, assegurando as condições
necessárias para uma educação inclusiva de qualidade, adaptando o ambiente de acordo
com a necessidade de cada aluno. Ademais, o estudo partiu do pressuposto de que, mui-
tos docentes que atuam na rede municipal de ensino de Jequié, deparam-se com alunos
com NEE e não têm formação específica para atender esses alunos. Assim sendo, para
compreender melhor esta problemática, o estudo teve como objetivo analisar, partir da
literatura acadêmica e referencias documentais, como a formação em exercício, também
chamada formação continuada, pode influenciar na atuação do profissional docente nas
escolas municipais de Jequié.
Para alcancar esse objetivo, foram pesquisados dados sobre duas temáticas: a for-
mação continuada, considerando que esse deve ser o caminho para qualificar os docen-
tes a fim de atender os alunos com NEE; e a prática inclusiva nas escolas, como princípio
basilar para favorecer o aprendizado desses alunos.
Verifica-se, portanto, a importância da formação continuada para que o docente
esteja preparado para a inclusão de alunos com NEE, utilizando diferentes metodolo-
gias e estratégias de modo que a escola se torne um ambiente comprometido com a
Edicação Especial.
Assim, refletindo sobre esses dados, pode-se inferir que, para uma prática inclusiva
nas escolas, não bastam mudanças na legislação, faz-se necessário compreender essas prá-
ticas, solidificar a percepção de que o professor é fundamental para uma educação de qua-
lidade para todos, sejam os alunos com NEE, seja alunos advindos de diferentes culturas,
indígenas, quilombolas, com diferentes opções religiosas ou sexuais, e assim por diante.

296
Com o exposto, para se construir uma escola comprometida com a inclusão de
alunos com NEE, a formação em exercício do professor deve estar direcionada totalmen-
te para a prática no ambiente da sala de aula, para o ensino-aprendizagem. A formação
continuada favorece a construção de saberes sobre as metodologias eficazes para ação e
a compreensão do professor, frente a essas demandas e exigências trazidas pelos alunos
com deficiências.
É possível concluir que a formação continuada dos profissionais da educação
deve ser indissosiável da teoria-prática referente à educação inclusiva. Para isso é ne-
cessário enfrentar os desafios de mudar conceitos e percepções enrraizadas na socie-
dade e no contexto escolar, e aceitar que os alunos com NEE são capazes e que podem
se desenvolver cognitivamente, mesmo com as suas limitações biológicas, intelectuais,
afetivas e sociais. O contato sensibilizado do professor-aluno torna o ensino-aprendi-
zagem efetivo e relevante. Para tanto, os órgãos e as entidades educacionais devem as-
sumir a responsabilidade na construção de um ensino inclusivo, investir na formação
dos educadores, por meio de cursos, especializações, promovendo debates, palestras,
congressos sobre as diferenças metodológicas, pedagógicas para desenvolvimentos de
práticas que visam a inclusão.
Este estudo permitiu demonstrar a relevância de uma formação continuada volta-
da para prática inclusiva, que é fundamental para que a escola se torne de fato um espaço
de inclusão, a fim de extinguir preconceitos e compondo um novo olhar sobre a pessoa
com NEE. Para isso é necessário atualizações constantes e aperfeiçoamento das práticas
pedagógicas, que acontecem na vivência escolar, e isso depende muito de um olhar sen-
sibilizado, subjetivo, do professor para o aluno que está apresentando dificuldades no
processo ensino-aprendizagem. Acredita-se, por fim, que a formação continuada voltada
para a inclusão de alunos com NEE é uma forma de solucionar a questão de pesquisa
apresentada.

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299
UM CANÁRIO NA CAVERNA:
Platão, Machado de Assis e o mundo

Táila Porto dos Santos Cerqueira


Michel Menezes da Costa

APRESENTAÇÃO DA TEMÁTICA EM ESTUDO

Como já dizia Machado de Assis: “Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e
assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução, alguns dizem que assim é que a na-
tureza compôs as suas espécies” (ASSIS, 1997, pág.44). As palavras supracitadas aguça-
ram nosso interesse pelo estudo de uma de suas obras, o conto Ideias de Canário visando
relacioná-las com a Imagem da caverna, de Platão.
A fim de esclarecer melhor o interesse pelo estudo, apresento como ocorreu o pri-
meiro contato com os escritos de Machado. Durante a disciplina Literatura Brasileira II,
na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), tive a oportunidade de estudar
os contos clássicos do autor e me encantar com sua inteligência e a beleza de suas pala-
vras. Quando iniciei a Pós Graduação em Formação Docente e Práticas Pedagógicas, no
Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), tive a oportunidade
de estudar Platão com um novo olhar, voltado para educação.
No entanto, durante um seminário integrador no campus do IFBA, no qual os
professores apresentavam propostas para serem trabalhadas no artigo, o professor
Michel Menezes lançou as propostas que ele gostaria de trabalhar e apresentou o
tema “Literatura e Filosofia”. Fui contemplada para ser sua orientanda e a proposta
foi trabalhar a Literatura de Machado de Assis no conto Ideias de canário e as pos-
síveis relações com a filosofia de Platão conforme expressa no trecho da República
que ficou conhecido como Imagem da caverna.* Considerei a ideia maravilhosa e
iniciamos os estudos.

* Embora o trecho seja consagrado com o nome de “mito da caverna”, preferimos valorizar o texto original de
Platão que se refere à cena em que Sócrates irá descrever para seus interlocutores como seria a vida dos seres
humanos sem terem acesso ao conhecimento/educação. O termo usado por Sócrates logo na abertura do trecho,
em 514a1 é “apeikazo”, verbo que significa “representar”, “fazer uma imagem”. Logo em seguida, após a primeira
parte da descrição, seu interlocutor, Glauco, usa o termo “eikón” para expressar seu estranhamento em relação
à cena descrita. O substantivo “eikón”, significa “imagem” e não “mito”, como boa parte dos estudiosos insiste,
erroneamente em utilizar.

300
Platão foi um filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga, autor de
diversos diálogos filosóficos e fundador da Academia em Atenas, que é a primeira ins-
tituição de educação superior do mundo ocidental. Ele narra a Imagem da Caverna, em
sua obra A República, entre os anos 514a-517a, num diálogo entre Sócrates, personagem
principal, e Glauco, seu interlocutor. O trecho apresenta ao leitor a teoria platônica sobre
o processo de conhecimento da verdade e a necessidade de que o governante da cidade
tenha acesso a esse conhecimento.
Platão propõe através de seu personagem Sócrates, um exercício mental. Ele pede
que seus interlocutores (e leitores) imaginem uma cena em que há pessoas aprisionadas
dentro de uma caverna de costas para a entrada. Elas têm braços e pescoços amarrados e
a única visão que têm são as sombras que se projetam na parede ao fundo. Entre a saída
e os prisioneiros, há um muro e uma subida íngreme. Após essa subida, queima uma
fogueira que projeta as sombras dos objetos transportados por outras pessoas na parede
do fundo da caverna. Assim, quem passasse entre a fogueira e o muro, no interior da
caverna, tinha a sombra dos objetos que carregava refletida na parede e era apenas por
essas imagens que os homens acorrentados construíam suas realidades de mundo.
Machado de Assis, por sua vez, é o maior representante do realismo brasileiro. Es-
creveu o conto Ideias de Canário, presente em Páginas Recolhidas, publicado em 1899. O
conto traz como personagem um cientista, o ornitólogo Macedo, que ao entrar em uma
loja de objetos antigos se depara com um canário falante e fica impressionado com a sua
linguagem. Ademais, apresenta críticas ao passionalismo do ornitólogo e à construção
de conceitos, por meio das falas do canário, sobre o que poderia ser o mundo.
Em nosso estudo, a leitura dos escritos de Miguel Reale, A filosofia na obra de
Machado de Assis e Antologia filosófica de Machado de Assis. E o livro Machado de Assis,
Leitor Uma viagem à roda de livros, dos autores Ruth Silvano Brandão e José Marcos Re-
sende Oliveira, foram de suma importância para o embasamento teórico desta pesquisa.
Mediante ao exposto, esta pesquisa objetivou analisar a importância para a educa-
ção escolar do pensamento filosófico da Imagem da Caverna de Platão e sua relação com
o conto machadiano Ideias de canário, de modo a sugerir uma proposta de sequência
didática para estudantes do Ensino Médio, considerando o contexto da sala de aula no
processo de ensino e aprendizagem. A sequência didática “é um conjunto de atividades
com etapas ligadas entre si para tornar mais eficiente o processo de aprendizado, são
atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual
oral ou escrito” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, Pág.97).
Ao fazer uma comparação entre os dois textos, analisamos como esse material poderia
ser trabalhado com os alunos do ensino médio. Para isso, elaboramos uma sequência didática
com o gênero oral debate, mediado pelo(a) professor(a) e com o gênero textual dissertativo-
-argumentativo, através dos quais os alunos expressariam suas opiniões e reconheceriam,
em seu próprio mundo, as questões abordadas nos textos, tendo como ponto de partida

301
a pergunta filosófica: “O que é o mundo?”. Buscamos refletir em que medida somos iguais
ao canário ou aos prisioneiros na caverna, uma vez que, também temos dificuldades de
abandonar pontos de vista anteriores e compreendermos novas realidades. E cabe ainda
um questionamento: Por que preferimos manter ideias preconceituosas a buscar novos
modos de pensar? Esse questionamento foi a base das reflexões propostas ao longo do
nosso trabalho.
O trabalho está dividido da seguinte forma: na primeira parte apresentamos Pla-
tão e a Imagem da caverna, abordando o contexto e leitura da obra. Na segunda parte
foi apresentado Machado de Assis e o conto Ideias de canário com a contextualização
do autor e resumo da obra. Na terceira parte, a relação entre os dois textos e o contexto
da sala de aula abordando quais situações na sala de aula, durante o processo ensino-
-aprendizagem, podem ser relacionadas com as situações descritas nos textos. Por fim,
nas conclusões finais apresentamos nossa contribuição, a nível de inspiração, de uma
proposta de atividade retomando os principais conceitos abordados nesta pesquisa.

PLATÃO E A IMAGEM DA CAVERNA

Platão (427-347 a.C.), filósofo e matemático do período clássico da Grécia An-


tiga, foi também autor de diversos diálogos filosóficos e fundador da Academia em
Atenas, a primeira instituição de educação superior do mundo ocidental. Considerado
um dos principais pensadores da história da filosofia, era discípulo de Sócrates, com
quem estudava e discutia os problemas do conhecimento do mundo e das vidas huma-
nas. Com a condenação de Sócrates, ele resolve deixar seu sonho de atuar na política e
decide se dedicar inteiramente à filosofia. Platão criticava a política tal como praticada
na Atenas de sua época, questionava as ordens propostas pelos governos bem como,
sua organização. Na República reflete sobre como se poderia construir uma cidade
justa e acreditava que isso só poderia acontecer pela educação. Dedicou sua vida a esse
projeto de formação humana.
Seus estudos lhe deram o conhecimento necessário para formular suas teorias
próprias e aprofundar os conhecimentos de Sócrates, já que, seu mestre não escreveu ne-
nhum livro. Platão eterniza seus ensinamentos nos diálogos em que Sócrates é o perso-
nagem principal, embora essa chave de leitura, segundo a qual Sócrates seja o porta-voz
do pensamento de Platão, não possa ser estendida por toda a sua obra. Entendemos que
é uma boa chave para lermos a República, uma das obras mais famosas.
No livro VII da República está contida a Imagem da Caverna, trecho no qual,
em diálogo com Sócrates, Glauco seu interlocutor, questiona sobre como seria a na-
tureza humana com ou sem educação/instrução. O que se buscou aqui é apresentar
ao leitor a teoria platônica sobre o conhecimento da verdade e a necessidade de
que o governante da cidade, para conduzi-la conforme a justiça, tenha acesso a

302
esse conhecimento. O objetivo principal do famoso trecho da República é imaginar
como seria a natureza humana com ou sem educação, isto é, com ou sem conheci-
mento sobre o mundo e sobre si mesmo.

A imagem da caverna

A imagem da caverna inicia com as palavras de Sócrates pedindo para Glauco


imaginar pessoas aprisionadas dentro de uma caverna de costas para a entrada e a única
visão que tinham eram as sombras projetadas na parede ao fundo. Assim, quem passasse
entre o muro e a fogueira da caverna tinha a sombra dos objetos transportados refletida
na parede do fundo e era apenas por essas imagens que os homens acorrentados cons-
truíam sua realidade de mundo. Vejamos o trecho:

Sócrates: Agora imagine a nossa natureza, segundo o grau de educação que


ela recebeu ou não, de acordo com o quadro que vou fazer. Imagine, pois,
homens que vivem em uma morada subterrânea em forma de caverna. A
entrada se abre para a luz em toda a largura da fachada. Os homens estão
no interior desde a infância, acorrentados pelas pernas e pelo pescoço, de
modo que não podem mudar de lugar nem voltar a cabeça para ver algo
que não esteja diante deles. A luz lhes vem de um fogo que queima por trás
deles, ao longe, no alto. Entre os prisioneiros e o fogo, há um caminho que
sobe. Imagine que esse caminho é cortado por um pequeno muro, seme-
lhante ao tapume que os exibidores de marionetes dispõem entre eles e o
público, acima do qual manobram as marionetes e apresentam o espetáculo
(Rep.514a-c).

Compreendendo essa imagem dos prisioneiros, Sócrates pede para imaginar ho-
mens carregando todo tipo de objetos fabricados, ultrapassando a altura do muro, obje-
tos como estátuas de homens, de pedra, madeira ou outros objetos quaisquer. E se além
das imagens projetadas na parede também pudesse ouvir um eco vindo da parede diante
deles? Assim, questiona a Glauco o que os prisioneiros conversariam? Nomeariam as
sombras com nomes de seres reais? E conclui que [...] assim sendo, os homens que estão
nessas condições não poderiam considerar nada como verdadeiro, a não ser as sombras
dos objetos fabricados (Rep. 515a).
Platão aborda um mundo dividido em dois aspectos ou níveis: um sensível e outro
inteligível. O aspecto sensível da realidade são as coisas que vemos, ouvimos, tocamos.
Elas não podem gerar conhecimento porque mudam o tempo todo. Platão defende que o
conhecimento é possível e precisa propor um outro nível de realidade, um nível das ideias
alcançáveis não pelos sentidos, mas pelo pensamento. Neste nível as ideias não mudam,
são sempre iguais e por isso podem fornecer as bases para o conhecimento. Ou seja, o
mundo é um só, mas dividido em dois níveis ou aspectos: um sensível e outro inteligível.

303
Na Imagem da caverna, o interior da caverna representa o aspecto sensível, já o
exterior representa esse outro aspecto, o inteligível. Pois, para ele, a maioria da humani-
dade vive presa na ignorância devido ao aspecto ilusório das coisas sensíveis tal como os
prisioneiros da caverna. Já o nível das ideias é percebido com a razão e está acima do sen-
sível. Mas o que aconteceria se um deles fosse libertado? Como seria a saída da caverna?

A saída da caverna

Imaginemos, agora, a partir da cena descrita anteriormente, um prisioneiro for-


çado a sair da caverna. Primeiramente, teria muita dificuldade em enxergar e depois
descobriria que o mundo vai muito além da caverna.

Sócrates: Veja agora o que aconteceria se eles fossem libertados de suas cor-
rentes e curados de sua desrazão. Tudo não aconteceria naturalmente como
vou dizer? Se um desses homens fosse solto, forçado subitamente a levantar-se,
a virar a cabeça, a andar, a olhar para o lado da luz, todos esses movimentos
o fariam sofrer; ele ficaria ofuscado e não poderia distinguir os objetos, dos
quais via apenas as sombras anteriormente. Na sua opinião, o que ele poderia
responder se lhe dissessem que, antes, ele só via coisas sem consistência, que
agora ele está mais perto da realidade, voltado para objetos mais reais, e que
está vendo melhor? O que ele responderia se lhe designassem cada um dos
objetos que desfilam, obrigando-o com perguntas, a dizer o que são? Não acha
que ele ficaria embaraçado e que as sombras que ele via antes lhe pareceriam
mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora? (Rep. 515c-d).

Nessa passagem do diálogo, o prisioneiro consegue se libertar das correntes, sain-


do da ignorância para contemplar a verdade, o conhecimento. Mas esse processo acon-
tece por etapas, primeiro o ser que foi liberto, irá ver pouco a pouco aspectos da reali-
dade que ele até então desconhecia, exercitando a visão (metáfora da razão na imagem),
descobrindo que o mundo vai muito além do interior a caverna. No processo de saída, o
liberto consegue mover a cabeça, depois o corpo e, em seguida, consegue caminhar com
muita dificuldade até o muro e aos poucos consegue escalar.
Quando alcança a saída, fica completamente cego pela luz do sol, seus olhos não
estavam acostumados e sente muita dor ao ser ofuscado pela luz externa, muito mais
forte do que a luz do interior da caverna; e, por isso, não consegue enxergar com niti-
dez. Mesmo não conseguindo ver bem os objetos ele persiste e consegue contemplar as
formas bem definidas. É essa contemplação que representa o conhecimento verdadeiro.

Sócrates: E se o forçassem a olhar para a própria luz, não achas que os olhos
lhe doeriam, que ele viraria as costas e voltaria para as coisas que pode
olhar e que as consideraria verdadeiramente mais nítidas do que as coisas
que lhe mostram?

304
Glauco: Sem dúvida alguma.
Sócrates: E se o tirarem de lá à força, se o fizessem subir o íngreme caminho
montanhoso, se não o largassem até arrastá-lo para a luz do sol, ele não
sofreria e se irritaria ao ser assim empurrado para fora? E, chegando à luz,
com os olhos ofuscados pelo brilho, não seria capaz de ver nenhum desses
objetos, que nós afirmamos agora serem verdadeiros (Rep.515d-e).

Platão mostra que o primeiro impulso diante das dificuldades é retornar à ca-
verna e livrar-se da dor que é tão grande, pois se sente atraído pela escuridão e lhe pa-
rece mais acolhedora. Mas o que significa a dor da subida? O ofuscamento dos olhos?
A dificuldade de se aceitar a nova realidade? O que liberta o prisioneiro? Com esses
questionamentos, percebemos que o processo de saída da ignorância coincide com o
conhecimento, podendo contemplar o que há no céu. A lua, e as estrelas simbolizando as
ideias imutáveis e o sol que ao iluminar o mundo representa a possibilidade de conhecer.
Esse processo de aprendizagem é doloroso, fazendo-o desejar a caverna, onde tudo lhe é
familiar e conhecido.
No entanto, aos poucos, o prisioneiro começa a se habituar à luz e começa a ver
o mundo e se encanta com tamanha beleza da natureza. Agora ele percebe os objetos
e descobre que durante toda sua vida tudo que conhecia eram as sombras, chegando a
desejar não voltar à caverna. Porém, ao lembrar dos outros prisioneiros, ele decide voltar
para contar tudo que descobriu e convencê-los a se libertarem também.

A volta à caverna

Ao voltar à caverna, o prisioneiro sofre outro ofuscamento que se dá devido a


escuridão. Após estar na superfície e conhecer as coisas reais e suas formas, se acostu-
mou com aquela luz forte, que simboliza a verdade. Ao voltar ele corre perigo, porque os
prisioneiros, que nunca saíram, não iriam acreditar no que ele contava. Pois eles nunca
viram a luz do sol, ou seja, não conheciam a verdade. Este novo ofuscamento significa a
libertação da cegueira para ver a luz das ideias. Decide voltar a caverna para convidar os
outros prisioneiros a se libertarem e saírem da caverna.
No entanto, da mesma forma que sair da caverna foi doloroso, o seu retorno seria
torturante, pois teria que se habituar às trevas novamente, mas agora, devido à ausência
de luz. De volta à caverna, o prisioneiro fica cego novamente e tem dificuldade em se
movimentar na escuridão e não sabe como conversar com os outros prisioneiros; tudo
que ele fala é desacreditado e se torna alvo de zombaria, pondo em risco a própria vida.

Sócrates: E se ele tivesse que emitir de novo um juízo sobre as sombras e en-
trar em competição com os prisioneiros que continuaram acorrentados, en-
quanto sua vista ainda está confusa, seus olhos ainda não se recompuseram,

305
enquanto lhe deram um tempo curto demais para acostumar-se com a escu-
ridão, ele não ficaria ridículo? Os prisioneiros não diriam que, depois de ter
ido até o alto, voltou com a vista perdida, que não vale mesmo a pena subir
até lá? E se alguém tentasse retirar os seus laços, fazê-los subir, você acredita
que, se pudessem agarrá-lo e executá-lo, não o matariam? (Rep. 517a).

Nesse momento do texto, pensando em como seria o retorno à caverna, podemos


fazer vários questionamentos: o libertado retorna com a dificuldade em enxergar nas
trevas novamente? Os companheiros não acreditavam nas suas palavras? Ironizavam e
podiam até matá-lo? A descida à caverna retratava a obrigação do filósofo para com o Es-
tado em ter que compartilhar o conhecimento com os cidadãos, mesmo não sendo uma
tarefa fácil, pois o filósofo tem a função de educador, orientador e a função de governante
nessa cidade. A função de governante lhe é apropriada por ter conhecido as formas: o
bem e o justo, e por ter conhecimento governaria melhor a cidade. Agiria de acordo com
o que é justo e não por interesses próprios.
E Sócrates encerra seu pensamento:

Sócrates: E agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar exatamente essa


alegoria ao que dissemos anteriormente. Devemos assimilar o mundo
que apreendemos pela vista à estada na prisão, a luz do fogo que ilumina
a caverna à ação do sol. Quanto à subida e à contemplação do que há no
alto, considera que se trata da ascensão da alma até o lugar inteligível,
e não te enganarás sobre minha esperança, já que desejas conhecê-la.
Deus sabe se há alguma possibilidade de que ela seja fundada sobre a
verdade. Em todo o caso eis o que me aparece tal como me aparece; nos
últimos limites do mundo inteligível aparece-me a ideia do Bem, que se
percebe com dificuldade, mas que não se pode ver sem concluir que ela
é a causa de tudo o que há de reto e de belo. No mundo visível, ela gera
a luz e o senhor da luz, no mundo inteligível ela própria é a soberana
que dispensa a verdade e a inteligência. Acrescento que é preciso vê-la
se quer comportar-se com sabedoria, seja na vida privada, seja na vida
pública (Rep. 517a-c).

Nessas palavras percebemos a grande preocupação de Platão em ilustrar como


deveria ser a formação dos habitantes da cidade, orientar quais os principais valores.
Em todo o texto da República percebemos a preocupação de Platão com a formação
do cidadão e com a educação para a formação do cidadão justo. Para isso, foi neces-
sário que o filósofo fosse como um educador, pois era ele que tinha conhecimento
das ideias. Tais são as condições para se pensar nas possibilidades de se erigir uma
cidade justa.

306
MACHADO DE ASSIS O CONTO IDEIAS DE CANÁRIO

Joaquim Maria Machado de Assis, escritor do século XIX, considerado por


muitos críticos o maior autor da literatura brasileira. Nasceu em uma família pobre,
neto de escravos alforriados, foi criado no morro do Livramento no Rio de Janeiro.
Não podia frequentar regularmente uma escola, mas com muito esforço e seu talento
superou todas as dificuldades. Foi casado com Carolina Augusta Xavier de Novais,
por 35 anos. Não tiveram filhos e sua esposa contribuiu muito para seu amadure-
cimento intelectual. Machado teve vários cargos públicos e isso lhe garantiu uma
estabilidade financeira.
Em 1880, Machado inaugurou o Realismo na literatura brasileira causando uma
grande revolução em termos de estilo e de conteúdo. O espírito crítico, a grande ironia,
o pessimismo e uma profunda reflexão sobre a sociedade brasileira são as suas marcas.
Em 1897, fundou a Academia Brasileira de Letras e foi o primeiro presidente a ocupar a
cadeira de número 23. Com a morte de sua mulher, seu estado de saúde foi piorando por
consequência da epilepsia. Os problemas nervosos e uma gagueira contribuíram ainda
mais para o seu isolamento. Morreu no Rio de Janeiro, no dia 29 de setembro de 1908,
com 69 anos.
Machado de Assis escreveu o conto Ideias de Canário presente em Páginas Re-
colhidas, publicado em 1899. Nesse conto, ele critica o dogmatismo acerca do conheci-
mento científico que ganhou força, a partir da segunda metade do século XIX e início do
século XX, com a expansão dos métodos de observação e experimentação das ciências
naturais e do Positivismo nas ciências sociais.
No conto Ideias de Canário, Machado apresenta uma estrutura inovadora em um
tom fabular, com um narrador observador em terceira pessoa, o personagem Macedo,
um cientista, ornitólogo, que se depara com um canário falante em uma loja de objetos
antigos e fica impressionado com a sua linguagem.
O conto inicia apresentando Macedo, um homem dado a estudos de ornitologia
que, por acidente, entra em uma loja de Belchior e se depara com vários objetos velhos,
enferrujados, amontoados e sem serventia. Panelas sem tampa, chapéus, máscara de car-
naval, ferraduras, camas, cadeiras e outras coisas que ele não conseguiu ver. Era uma loja
escura e havia vários objetos perdidos na escuridão.
No entanto, quando Macedo estava saindo da loja no meio da escuridão se depa-
rou com uma gaiola velha, mas que não estava vazia. Dentro da gaiola pulava um canário.
Sua cor e animação davam vida àquela loja, assim como um cemitério brincando com
um raio de sol. Macedo ficou indignado com o espaço que o pássaro habitava e começou
a se questionar: Quem seria o dono deste bichinho? Quem teria coragem de se desfazer
dele? Mas, para sua surpresa, o canário responde: “Quem quer que sejas tu, certamente
não estás em teu juízo” (ASSIS, 2019, pág. 320).

307
Assim iniciam um diálogo e o pássaro responde às perguntas de Macedo, e ele
continua fazendo mais e mais perguntas. Sobre ter um dono, o pássaro diz que não tem
dono e sim um criado que lhe dá água e comida todos os dias e com tamanha regulari-
dade que se fosse pagar o serviço sairia caro. Para o pássaro, o homem era apenas um
criado e que estava ali apenas para lhe servir. O canário começou então a expor sua visão
de mundo:

Que dono? Esse homem que aí está é meu criado, dá-me água e comida
todos os dias, com tal regularidade que eu, se devesse pagar-lhe os serviços,
não seria com pouco; mas os canários não pagam criados. Em verdade, se
o mundo é propriedade dos canários, seria extravagante que eles pagassem
o que está no mundo (ASSIS, 2019, pág. 320).

O conto Ideias do Canário, de Joaquim Maria Machado de Assis, nos mostra como
o ser humano é limitado pelo mundo em que vive e como pode ser influenciado em sua
conduta e modo de pensar pelos limites e possibilidades do contexto no qual está inserido.

O mundo dentro da loja

Macedo, ao entrar na loja de Belchior, cuidadosamente, analisa o local, visualiza


uma gaiola pendurada com um pequeno canário dentro. O pássaro transbordava alegria
e animação capaz de dar um pequeno traço de vida àquele amontoado de destroços. Ele
fica perplexo com a situação de abandono à qual fora jogado o canário e critica a indife-
rença com que alguma pessoa tratou o pássaro ao deixá-lo naquele local desprezível. Em
seguida, tenta mostrar ao pássaro a situação de penúria na qual estava inserido e o pouco
cuidado que lhe era dado pelo seu dono. Admirado com a linguagem e as ideias do caná-
rio, Macedo faz outra pergunta, se o pássaro tinha saudade de espaço azul e infinito, mas
para sua surpresa, responde-lhe o canário:

— Mas, caro homem, trilou o canário, que quer dizer espaço azul e infinito?
— Mas, perdão, que pensas deste mundo? Que cousa é o mundo?
— O mundo, redargüiu o canário com certo ar de professor, o mundo é
uma loja de belchior, com uma pequena gaiola de taquara, quadrilonga,
pendente de um prego; o canário é senhor da gaiola que habita e da loja que
o cerca. Fora daí, tudo é ilusão e mentira (ASSIS, 2019, pág. 320).

Com a resposta do pássaro, observamos as definições de mundo feitas pelo caná-


rio, sua visão de mundo, afinal. Elas mostram que ele só reconhece como mundo o que
está ao alcance dos seus olhos, ou seja, apenas o aspecto sensível da realidade. O pássaro
encontra-se no mundo das sombras, sua visão de mundo se restringe apenas à loja em
que vive. Para ele, o conceito de mundo é o espaço físico onde habita, até onde sua visão

308
alcança e todo resto é ilusão. Encantado com as respostas do pássaro e indignado com
o seu modo de vida, Macedo, ornitólogo que era, resolve comprá-lo para pesquisar tais
comportamentos e atitudes.

O mundo fora da loja

O cientista Macedo comprou uma gaiola grande, circular, branca, de madeira e


arame e colocou na varanda de sua casa, onde o pássaro contempla o jardim, o chafariz e
um pouco do céu azul. Com o canário bem instalado no seu novo lar, o ornitólogo inicia
seu estudo sem comunicar a ninguém sobre a descoberta, pois pretendia pesquisar em
segredo. Primeiro começou pelo o alfabeto, a língua do canário, sua estrutura, as rela-
ções com a música, o sentimento e suas ideias de reminiscência, estudou sua fisiologia e
sua história de origem. Queria, enfim, conduzir as pesquisas de forma mais completa e
rigorosa possível.
Macedo não tinha família, apenas dois criados e ordena-lhes que não o inco-
modassem a não ser por um motivo urgente. Ele dedicava seu tempo todo ao pássaro,
dormia pouco, acordava várias vezes à noite e sentia um pouco de febre, mas nada lhe
interrompia os estudos. Estava sempre relendo, acrescentando e ratificou mais de uma
observação, a definição de mundo foi uma delas. Diferentemente do ornitólogo, que se
vai isolando do mundo e se torna um recluso, à medida que o tempo passa as fronteiras
do canário vão se ampliando, há três semanas na varanda da casa, Macedo indaga ao
canário para que repetisse a definição de mundo:

O mundo, respondeu ele, é um jardim assaz largo com repuxo no meio,


flores e arbustos, alguma grama, ar claro e um pouco de azul por cima; o
canário, dono do mundo, habita uma gaiola vasta, branca e circular, donde
mira o resto. Tudo o mais é ilusão e mentira (ASSIS, 2019, pág. 321).

A fala do pássaro sofreu algumas alterações. Agora o mundo para ele é o seu
novo lar, a varanda da casa de Macedo. Notamos que seu conceito de mundo evoluiu e
o modo pelo qual a sua leitura do mundo é norteada pela compreensão do contexto no
qual ele está inserido. Podemos perceber que as palavras do canário apresentam uma
definição de mundo diferente da primeira, sua visão de mundo agora é representada
por um jardim, ar claro, alguma grama. Entretanto, o canário ainda está em uma gaio-
la e, por isso, vê apenas alguma grama e um pouco de céu azul. No sentido inverso, o
ornitólogo vai se afastando cada vez mais da sociedade, ficando mais aprisionado em
suas descobertas.
Todo conteúdo anotado do pássaro ainda não era suficiente para mandar ao Mu-
seu Nacional, ao Instituto Histórico e às universidades alemãs, pois era necessário ratifi-
car algumas observações. Macedo dedicava todo seu tempo aos estudos, não saia de casa

309
e não respondia às cartas. Um dos seus empregados tinha a função de limpar a gaiola e
pôr lhe água e comida, mas o pássaro não lhe falava nada, dando a impressão que faltava
um preparo cientifico.
O ornitólogo dedicou muito do seu tempo aos estudos, chegando a adoecer por
uma obsessão. O médico lhe ordenou absoluto repouso, o excesso de estudo lhe deixou
assim. Ao se sentir melhor, foi a procura do pássaro e recebeu a notícia que o canário
fugiu quando o funcionário estava limpando a gaiola. Macedo se entristece, mostrando
todas suas emoções em relação ao pássaro.

O mundo depois da varanda

Procuraram o pássaro aos arredores da casa e não encontraram, perguntaram aos


vizinhos, e ninguém tinha visto. Macedo fez anúncio e perguntava às pessoas, mas não
encontrou. Passados alguns dias ele resolveu visitar um amigo que morava em uma das
mais belas e grandes chácaras e quando ele ouviu a pergunta:

— Viva, Sr. Macedo, por onde tem andado que desapareceu?


Era o canário; estava no galho de uma árvore. Imaginem como fiquei, e o
que lhe disse. O meu amigo cuidou que eu estivesse doudo; mas que me
importavam cuidados de amigos? Falei ao canário com ternura, pedi-lhe
que viesse continuar a conversação, naquele nosso mundo composto de um
jardim e repuxo, varanda e gaiola branca e circlar...
— Que jardim? Que repuxo? — O mundo, meu querido.
— Que mundo? Tu não perdes os maus costumes de professor. O mundo,
concluiu solenemente, é um espaço infinito e azul, com o sol por cima. In-
dignado, retorqui-lhe que, se eu lhe desse crédito, o mundo era tudo; até já
fora uma loja de belchior...
— De belchior? — trilou ele às bandeiras despregadas. Mas há mesmo lojas
de belchior? (ASSIS, 2019, pág. 322-323).

As palavras finais do canário definem o mundo como um espaço azul e infinito, o


pássaro sai do mundo das sombras em uma loja de Belchior. Agora o mundo, para o pe-
queno pássaro, ganha um novo sentido a partir do conhecimento. O mundo transforma
quando há a possibilidade de conhecer. Os três momentos vividos pelo canário represen-
tam diferentes conceitos de mundo capaz de nortear a leitura que dele se faz e capaz de
limitar a compreensão que se tem desse mundo.
Machado de Assis apresenta o exemplo do canário para entendermos a evolução
do conceito de mundo no qual estamos inseridos. No entanto, essa evolução requer um
profundo aprendizado crítico do próprio ser humano, para que fosse capaz de aceitar o
esgotamento da visão de mundo no qual está inserido, para somente então, ser capaz de
se reinventar para um novo mundo.

310
A RELAÇÃO ENTRE OS DOIS TEXTOS

No livro Machado de Assis Leitor, Uma viagem à roda de livros, Ruth Silviano
Brandão e José Marcos Resende Oliveira afirmam que “Machado de Assis nunca foi um
leitor ingênuo, um leitor submisso às verdades eurocêntricas, um repetidor deslumbrado
de estilos e escolas, mas antes um pensador da cultura, um escritor-crítico” (BRANDÃO
e OLIVEIRA, 2011, pág.16).
Ainda de acordo com os mesmos autores lembrados acima, “escritores são antes
de tudo, leitores e como tais buscam-se uns nos outros, no espaço constelar da literatura
e se leem e se escrevem” (BRANDÃO e OLIVEIRA, 2011, pág. 17).
É notória a influência da filosofia nas obras de Machado. Segundo o autor Miguel
Reale, em seu livro A Filosofia na Obra de Machado de Assis e Antologia Filosófica de Ma-
chado de Assis, há uma inquietação filosófica representada nas obras de Machado. Para
Reale:

Todos os sentidos atribuídos por Machado de Assis às palavras “filosofia” e


“metafisica” não se conflitam, mas antes se combinam num plexo de ima-
gens, graça às quais ao mesmo tempo se revela e se mascara uma cosmovi-
são transfigurada em representação artística (REALE, 1982, pág.5).

O conto Ideias de Canário é um dos escritos de Machado que traz grandes seme-
lhanças com a imagem da caverna desenvolvida por Platão no início do livro sétimo da
República. A principal semelhança se refere à teoria do conhecimento de mundo. Marca-
do pela passagem de um homem que habitava em uma caverna, representando o mundo
das sombras e a saída da caverna, representando a construção do conhecimento rumo a
superfície, isto é, rumo ao mundo da Luz, o mundo real, a imagem platônica da caverna
mostra, assim, diferentes visões de mundo. Essas diferenças se mostram tanto no estado
de conhecimento dos prisioneiros em relação àquele que se liberta como no estado de
conhecimento do próprio libertado antes e depois de sair da caverna.
A primeira semelhança entre as obras pode ser vista na descrição da loja de Bel-
chior, onde o ornitólogo compra o canário, um lugar sombrio marcado por várias ima-
gens e objetos perdidos na escuridão. O cenário da loja é marcado com a presença de
objetos incompletos:

A loja era escura, atulhada das cousas velhas, tortas, rotas, enxovalhadas,
enferrujadas que de ordinário se acham em tais casas, tudo naquela meia
desordem própria do negócio. Essa mistura, posto que banal, era interes-
sante. Panelas sem tampa, tampas sem panela, botões, sapatos, fechaduras,
uma saia preta, chapéus de palha e de pêlo, caixilhos, binóculos, meias casacas,
um florete, um cão empalhado, um par de chinelas, luvas, vasos sem nome,
dragonas, uma bolsa de veludo, dous cabides, um bodoque, um termômetro,

311
cadeiras, um retrato litografado pelo finado Sisson, um gamão, duas máscaras
de arame para o carnaval que há de vir. (...) Lá para dentro, havia outras
cousas mais e muitas, e do mesmo aspecto, dominando os objetos grandes,
cômodas, cadeiras, camas, uns por cima dos outros, perdidos na escuridão
(ASSIS, 2019, pág. 319).

Observamos que os objetos contidos na loja são descritos como se estivessem per-
didos na escuridão. Escuridão versus luz, com presença de inúmeros termos que suge-
rem imperfeição ou incompletude. Temos, então, o primeiro indicador da representação
da caverna de Platão no conto machadiano.
Após o canário sair da loja e ir morar na casa de Macedo, o pássaro define o mun-
do como um espaço azul e infinito. Nas palavras do canário: “é um jardim assaz largo
com repuxo no meio, flores e arbustos, alguma grama, ar claro e um pouco de azul por
cima; o canário, dono do mundo, habita uma gaiola vasta, branca e circular, donde mira
o resto. Tudo o mais é ilusão e mentira” (ASSIS, 2019, pág. 321). Retomando a alegoria
da caverna, o pássaro representaria o homem que consegue sair do mundo das sombras
que é loja de Belchior, e encontra o mundo real, comprovando a teoria do conhecimen-
to de Platão, segundo a qual o conhecimento é construído em etapas. Trata-se, seja no
conto machadiano ou no trecho platônico, de construção e desenvolvimento gradual da
própria noção de conhecimento.
Desse modo, Ideias de Canário pode ser visto como uma alegoria machadiana
da alegoria platônica. O mundo, para o pequeno pássaro, ou para o prisioneiro liberto,
adquire um novo sentido a partir do conhecimento por eles construído a partir das ex-
periências pelas quais passam. Nesse sentido que propomos que Ideias de Canário pode
ser analisado como uma alegoria da própria alegoria de Platão.
O mundo transforma-se quando há a possibilidade de conhecimento. O mundo,
como afirma João Francisco Duarte Junior, em seu livro O que é realidade, é um conceito
humano. O mundo é “a compreensão de tudo isto numa totalidade, é a ordenação deste
aglomerado de seres num esquema significativo, só possível ao homem através de sua
consciência simbólica, linguística” (DUARTE JR.,2000, pág. 22).
Como mostramos, o conto machadiano tem uma grande semelhança com o pen-
samento metafísico, mais precisamente com a imagem da caverna, de Platão. Dessa for-
ma, nosso estudo visa aproximar duas áreas de suma importância na construção do pen-
samento crítico do discente, a Literatura e a Filosofia.
A compreensão da profundidade das construções literárias está diretamente liga-
da à questão de como se poderia definir a expressão “visão de mundo”. Expressão que
evidencia a importância na construção de um pensamento crítico, vital para uma socia-
lização “consciente”. Paulo Freire destaca a função social da educação, afirmando ser esta
a via de acesso à cidadania:

312
[...] Somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capa-
zes de aprender. Por isso, somos os únicos em quem aprender é uma aven-
tura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente
repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar
para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito
(FREIRE, 2002, pág. 77).

Pensando na área da educação, o objetivo do nosso trabalho é abordar toda essa


discussão em sala de aula. Para isso, no próximo tópico, iremos apresentar uma sequên-
cia didática que pode ser trabalhada na perspectiva anunciada.

PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

O objetivo do nosso trabalho foi analisar a importância para a educação escolar do


pensamento metafísico da Imagem da caverna de Platão com o conto machadiano Ideias de
canário, de modo a sugerir uma proposta de sequência didática para estudantes do Ensino
Médio considerando o contexto da sala de aula no processo de ensino e aprendizagem.
A sequência didática é um termo utilizado para determinar um conjunto de ativi-
dades com etapas ligadas entre si para tornar mais eficiente o processo de aprendizado.
Dito de outro modo, “uma sequência didática é um conjunto de atividades escolares
organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito”
(DOLZ, NOVERRAZ, SCHNEUWLY, 2004, pág. 97).
Toda e qualquer sequência didática planejada deve ser desenvolvida para atingir
um objetivo que deve atender as necessidades dos alunos, criando estratégias de passo a
passo e uma didática adequada para a sala de aula. De forma geral, acontece da seguinte
forma: o professor explica um tema, em seguida se desenvolve um conteúdo e por fim o
aluno tenta colocar em prática o que foi aprendido.
De acordo com os autores Dolz; Noverraz; Schneuwly (2004), sequência didática
pode ter a seguinte estrutura: Apresentação da situação, produção inicial, módulo 1, mó-
dulo 2, módulo 3 e a produção final. A apresentação da situação é a descrição de maneira
detalhada a tarefa de expressão oral ou escrita que os alunos deverão realizar. Pois “essa
etapa permite ao professor avaliar as capacidades já adquiridas e ajustar as atividades e
os exercícios previstos na sequência às possibilidades reais de turma” (DOLZ; NOVAR-
RAZ; SCHNEUWLY, 2004, pág. 98).
Os módulos são constituídos por várias atividades com os instrumentos necessá-
rios para esse domínio, para serem trabalhados de maneira sistemática e profunda. Na
produção final, o aluno poderá pôr em prática os conhecimentos adquiridos e o profes-
sor poderá medir e avaliar os progressos.
As sequências didáticas, de acordo com os autores Dolz; Noverraz; Schneuwly,
(2004), contribuem com amadurecimento dos conhecimentos que estão em fase de

313
construção e permite que novas aquisições sejam possíveis, pois a organização dessas
atividades antecipa uma progressão modular, a partir do levantamento dos conhecimen-
tos que os alunos já possuem sobre um determinado assunto.
Segundo Antoni Zabala (1998), a utilização das sequências didáticas é essencial
para o desenvolvimento do pensamento crítico científico. A fase de aplicação da sequ-
ência didática é reconhecida pelo levantamento de conhecimentos prévios dos alunos
sobre um problema a apresentação, contextualização, análise e discussão deste problema,
permitindo que um novo conhecimento seja construído.
O fechamento da sequência consiste em sintetizar e reiterar o conteúdo. Tudo isso
acompanhado por uma avaliação sobre os conhecimentos adquiridos. Uma sequência
didática em algumas situações se assemelha com um plano de aula, porém se diferencia
na sequência que o conteúdo deverá ser organizado, de forma que leve o estudante a uma
evolução no conhecimento através do aprofundamento dos estudos sobre o tema.
Por fim, a nível de inspiração e para pôr em prática nossa teoria, desenvolvemos
uma sequência didática como sugestão, assim retomando os principais conceitos abor-
dados nesta pesquisa. Com o objetivo de induzir os alunos a refletirem sobre a temática
abordada e como, na prática, podemos unir as duas áreas: Filosofia e Literatura. Dividi-
remos em 5 horas aula.
Na primeira aula, o(a) professor(a) iniciará perguntando aos alunos se eles têm
conhecimento do texto a Imagem da caverna ou se já ouviram falar sobre o mesmo.
Mediante as respostas dos educandos o(a) professor(a) apresentará o autor do texto e,
consequentemente, o contexto em que foi criado. Por meio de slides, o(a) professor(a)
mostrará algumas imagens apresentando a Imagem da Caverna para que os alunos te-
nham mais conhecimento.
No segundo momento, o(a) professor(a) apresentará o texto Ideias do canário,
explicando que esse foi escrito por Machado de Assis, maior representante do realis-
mo brasileiro. Se julgar necessário, o(a) professor(a) ainda falará um pouco sobre as
características desse movimento e o contexto histórico do período em que o conto
foi escrito. Em seguida, o(a) professor(a) pedirá que dois alunos façam a leitura do
texto. Após a leitura, o(a) professor(a) fará questionamentos sobre o texto discu-
tindo as diferentes visões de mundo do canário e dará oportunidade para os alunos
responderem.
Na terceira aula, o(a) professor(a) lançará uma proposta para um debate expli-
cando as características desse gênero e como ele deve ser organizado. O(a) professor(a)
explicará ainda que a escolha do gênero debate se deve ao fato desse se tratar de um texto
argumentativo oral, cujo propósito é convencer os interlocutores sobre a validade da
opinião defendida. Por conta disso, os debatedores precisarão planejar seus discursos,
acionando uma série de argumentos de acordo com o movimento argumentativo que
deseja seguir.

314
Segundo os autores Dolz; Schnewly; Pietro (2004), o debate nos permite expor
livremente nossas ideias, como também exige estarmos aptos a respeitar as opiniões
alheias. Independentemente do resultado essa experiência é extremamente enriquecedo-
ra, pois debater significa modificar as pessoas e a nós mesmos. É um exercício cognitivo
e de cidadania ao mesmo tempo.
No quarto momento, o(a) professor(a) dividirá a turma em dois grupos, um gru-
po ficará com o texto Ideias de Canário e defenderá as ideias de mundo do canário, o
contexto de fala do pássaro. Enquanto o outro grupo ficará com a Imagem da caverna
e defenderá as visões de mundo dentro e fora da caverna. O(a) professor(a) mediará a
discussão apontando partes do texto em que essas visões de mundo são relevantes.
Na quinta aula, o(a) professor(a) solicitará um texto dissertativo-argumentativo e
explicará o motivo da escolha do gênero, pois é um tipo textual que consiste na defesa de
uma ideia por meio de argumentos, opinião e explicações fundamentadas, tendo como
objetivo central a formação de opinião do leitor. Assim, ele é caracterizado por tentar
convencer ou persuadir o interlocutor da mensagem através da argumentação.
Dessa forma, o(a) professor(a) solicitará que os alunos deverão responder ao
questionamento “Tendo como ponto de partida a pergunta filosófica: “O que é o mun-
do?”. Refletiremos em que medida somos iguais ao canário ou aos prisioneiros na caver-
na, uma vez que, também temos dificuldades de abandonar pontos de vista anteriores
e compreender novas realidades. Por que preferimos manter ideias preconceituosas a
buscar novos modos de pensar?”.
Para auxiliar a execução dessa sequência didática, disponibilizamos no apêndice
do trabalho os planos de aula, elaborados com toda explicação e detalhes necessários
para o desenvolvimento das atividades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com isso, acreditamos que o nosso objetivo será alcançado, mas, será necessá-
rio que os professores tenham autonomia e condições suficientes para desenvolver um
trabalho significativo, de modo a impactar no desenvolvimento da aprendizagem dos
educandos. A educação é fundamental para o desenvolvimento do sujeito, por isso cabe
ao professor instigar aos alunos a irem além do conteúdo, a saírem da comodidade, esti-
mular o raciocínio e propor desafios com o objetivo de construir seres pensantes.

REFERÊNCIAS

ASSIS, Machado de (1997). Histórias sem data. In: ASSIS, Machado de. Primas de Sa-
pucaia. São Paulo: Globo. p. 43-49.

315
ASSIS, Machado de. 1839-1908. Todos os contos, volume 2 / Machado de Assis; 1.ed.
– Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019.

BRANDÃO, Ruth Silvano. Machado de Assis leitor: uma viagem à roda de livros/
Ruth Silvano Brandão, José Marcos Resende Oliveira. – Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2011.

DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michele; SCHNEUWLY, Bernard. Sequência didática


para o oral e a escrita: Apresentação de um procedimento. Gêneros orais e escritos na
escola/tradução e organização Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro, Campinas, SP. Mer-
cado das letras, 2004.

DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard; PIETRO, Jean-François. Relato da elabora-


ção de uma Sequência: o debate público. Gêneros orais e escritos na escola/tradução
e organização Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro, Campinas, SP. Mercado das letras,
2004.

DUARTE JÚNIOR, João Francisco. O que é realidade. São Paulo: Brasiliense, 2000.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São


Paulo: Paz e Terra, 2002.

REALE, Miguel, 1910-A filosofia na obra de Machado de Assis: com uma “Antologia
filosófica de Machado de Assis” / Miguel Reale. – São Paulo: Pioneira, 1982.

PLATÃO. A República. Tradução de Anna Lia A. A. Prado. São Paulo: Martins Fontes,
2006.

ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Trad. Ernani F. da Rosa – Porto
Alegre: ArtMed, 1998.

316
APÊNDICE
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
TURMA DO 1° ANO DO ENSINO MÉDIO

Plano de Aula n° 1

Tema:
A Imagem da Caverna

Carga horaria:
50 min

Objetivos:
Averiguar se os alunos têm conhecimento do texto a “Imagem da caverna”.
Ler os principais momentos do texto a “Imagem da caverna”.
Discutir com os alunos a saída e o retorno a caverna.
Apresentar imagens que representam os prisioneiros na caverna.
Refletir sobre a atitude tomada do prisioneiro que consegue sair da caverna.

Conteúdo:
Texto a Imagem da Caverna.

Metodologia:
Inicie a aula perguntando aos alunos se eles têm conhecimento do texto
a Imagem da caverna ou se já ouviram falar sobre o mesmo. Mediante as res-
postas dos educandos, o(a) professor(a) apresentará o autor do texto e conse-
quentemente o contexto em que foi criado. Em seguida faça a leitura do texto
destacando os momentos principais como a saída e o retorno a caverna. Por
meio de slides o(a) professor(a) mostrará algumas imagens apresentando a
Imagem da Caverna para que os alunos tenham mais conhecimento. Feito isso
peça aos alunos para refletirem sobre a saída da caverna.

Recursos:
Notebook, Datashow, imagens que representa os prisioneiros na caverna.

318
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
TURMA DO 1° ANO DO ENSINO MÉDIO

Plano de Aula n° 2

Tema:
Ideias do canário

Carga horaria:
50 min

Objetivos:
Apresentar aos alunos o conto Ideias do canário, o autor e seu contexto
histórico.
Fazer uma leitura coletiva do texto.
Discutir com os alunos os pontos principais do texto.
Fazer questionamentos sobre as diferentes visões de mundo do canário.

Conteúdo:
Texto Ideias do canário.

Metodologia:
Inicie a aula apresentando o conto Ideias do canário, apresente o autor e o
contexto histórico do período que o conto foi escrito. Explique que foi escrito por
Machado de Assis, maior representante do realismo brasileiro. O(a) professor(a)
poderá falar um pouco sobre as características desse movimento. Em seguida
o(a) professor(a) irá junto com os alunos fazer a leitura do texto, após a leitura
o(a) professor(a) fará questionamentos sobre o texto, discutindo as diferentes
visões de mundo do canário e dará oportunidade para os alunos responderem.

Recursos:
Cópias do texto Ideias do canário.

319
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
TURMA DO 1° ANO DO ENSINO MÉDIO

Plano de Aula n° 3

Tema:
Entendendo o Gênero debate

Carga horaria:
50 min

Objetivos:
Conhecer o gênero debate.
Entender a importância desse gênero, para planejar um discurso.
Compreender as regras do gênero.

Conteúdo:
Texto Relato da elaboração de uma Sequência: o debate público.

Metodologia:
O(a) professor(a) lançará a proposta para o debate, explicará as caracte-
rísticas desse gênero e como ele deve ser organizado. O(a) professor(a) explanará
que a escolha do gênero debate se deve ao fato desse se tratar de um texto argu-
mentativo oral, cujo propósito é convencer os interlocutores sobre a validade
da opinião defendida. Por conta disso, os debatedores precisam planejar seus
discursos, acionando uma série de argumentos de acordo com o movimento ar-
gumentativo que deseja seguir.
Feito isso, o(a) professor(a) irá apresentar as regras do debate e dividir a
turma em duas equipes, e dará um tempo para os alunos se organizarem.

Recursos:
Caderno e caneta para anotar as explicações.

320
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
TURMA DO 1° ANO DO ENSINO MÉDIO

Plano de Aula n° 4

Tema:
Imagem da caverna x Ideias de Canário

Carga horaria:
50 min

Objetivos:
Debater sobre as diferentes visões de mundo apresentas nas obras.
Entender o contexto de fala do pássaro.
Compreender as atitudes do homem liberto da caverna.

Conteúdo:
A imagem da caverna e o texto Ideias de Canário.

Metodologia:
Após ter preparado o turma para o debate, o(a) professor(a) irá sortear
qual equipe iniciará o debate. A equipe sorteada iniciará defendendo a visão de
mundo de acordo com o seu texto.
Em seguida a próxima equipe fará da mesma forma. O(a) professor(a)
mediará a discussão apontando partes do texto onde essas visões de mundo são
relevantes. E cada equipe terá a oportunidade de defender o seu texto, dentro do
tempo estabelecido pelo(a) professor(a).

Recursos:
Cronômetro, papel, caneta.

321
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
TURMA DO 1° ANO DO ENSINO MÉDIO

Plano de Aula n° 5

Tema:
O que é mundo?

Carga horaria:
50 min

Objetivos:
Explicar o que é um texto dissertativo-argumentativo e o motivo da esco-
lha do gênero.
Solicitar dos alunos que façam um texto dissertativo-argumentativo.

Conteúdo:
A imagem da caverna e o texto Ideias de Canário.

Metodologia:
O(a) professor(a) explicará o que é texto dissertativo-argumentativo, o
motivo da escolha do gênero. Em seguida, o(a) professor(a) solicitará que os alu-
nos respondam ao questionamento “Tendo como ponto de partida a pergunta
filosófica: “o que é o mundo?” reflitam em que medida somos iguais ao caná-
rio ou aos prisioneiros na caverna, uma vez que também temos dificuldades de
abandonar pontos de vista anteriores e compreender novas realidades. E por que
preferimos manter ideias preconceituosas a buscar novos modos de pensar?”.
Os alunos deveram escrever suas opiniões de acordo com as regras do
gênero textual e entrega-las para o(a) professor(a).

Recursos:
Papel e caneta.

322
ATIVIDADE EDUCATIVA
DO TÉCNICO EM SEGURANÇA DO TRABALHO:
Um olhar na formação e no exercício profissional

Gisele Gomes Andrade


Wesley Matos Cidreira

INTRODUÇÃO

Durante o período em que integrava o corpo estudantil da educação profissio-


nalizante na rede pública do Estado da Bahia, foi possível observar que na lista de
atribuições da profissão estabelecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE),
através das Portarias 3.275/89 e 397/02 (BRASIL, 1989; 2002), há funções tais como:
desempenhar funções educativas, promover encontros, debates, palestras, treinamen-
tos, material didático, entre outras atividades no campo educativo. Por isso, os Técni-
cos em Segurança do Trabalho (TSTs) têm muitos desafios no dia a dia de trabalho,
haja vista que são responsáveis por cuidar da educação dos trabalhadores para preser-
var suas próprias vidas e conscientizar o empregador de que todo recurso financeiro
destinados à Saúde e Segurança do Trabalhador (SST) é um investimento, pois um
trabalhador em segurança produz mais e melhor. Desse modo, este estudo teve como
principal estímulo as inquietações diante das problemáticas relacionadas ao contexto
educacional da profissão de TST.
Na história da constituição da Segurança no Trabalho, há relatos antigos
feitos por Hipócrates que ficou conhecido como “Pai da Medicina”, vivendo entre
os anos de 460 a 370 a.C., o qual relatou a doença dos trabalhadores das minas de
estanho. No período antecessor à Revolução Industrial, a mão de obra era substi-
tuída com mais facilidade. Após a revolução em 1760, a mão de obra artesã passou
a ser utilizada no trabalho com máquinas. Daí em diante a qualificação do traba-
lhador se fez cada vez mais necessária e o patrão percebeu que a substituição do
trabalhador não era vantajosa devido aos investimentos e, a partir desse momento,
os empregadores passaram a ver de outra forma as relações dentro do local de tra-
balho (ANJOS et al., 2004).
No ano de 1802, na Inglaterra, houve a criação da lei de saúde e, em 1833, a cria-
ção da lei das fábricas; no mesmo ano em que a Alemanha criou a lei dos operários.

323
Aqui no Brasil, a legislação relacionada à segurança no trabalho teve início com a lei que
tratava sobre a prestação de serviço, fato ocorrido em 1830. Somente em 1967 foi insti-
tuído o Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho
(SESMT) e a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) por meio do Decreto
229/67 (BRASIL, 1967). Ressaltando que o “SESMT era facultativo e só passou a ser
obrigatório em 1972, quando foi dado o início da profissionalização do segmento”. Nesse
mesmo período foram criados os cursos de formação em saúde e segurança do trabalho
(ANJOS et al. 2004).
A profissão de TST foi regulamentada em 1985, surgindo, desse modo, o primeiro
profissional integrante do SESMT exigido na empresa, atendendo ao disposto na Norma
Regulamentadora (NR) 4 que classifica as empresas de acordo com a gradação de risco
e o número de funcionários. O SESMT é composto por: TST, Engenheiro de Segurança
do Trabalho, Médico do Trabalho, Auxiliar de Enfermagem do Trabalho e Enfermeiro
do Trabalho (BRASIL, 1985).
Ademais, os TSTs são facilitadores de conhecimento tanto para o empregado
como para o empregador. A responsabilidade é tanta que o TST pode responder civil
e/ou criminalmente caso seja constatada negligência em caso de acidente ou doen-
ça relacionada ao trabalho. Observando tantas responsabilidades que são atribuídas
sinaliza-se a seguinte questão de pesquisa: de que forma os cursos de formação para
TSTs ofertados em Jequié apresentam os componentes curriculares específicos para
desenvolver as funções educativas conforme a legislação? A pesquisa terá como prin-
cipal objetivo: demonstrar como os TSTs relatam o desenvolvimento das atividades
educativas no ambiente laboral, considerando as técnicas empregadas para facilitar a
aprendizagem teórica e prática dos colaboradores. Para complementar o objetivo prin-
cipal, tem-se estabelecidos os seguintes objetivos específicos: conhecer as atividades
educativas realizadas pelos TSTs; associar os dados encontrados com a bibliografia
das atividades educativas dos TSTs; e examinar de que maneira os TSTs relatam seu
dia a dia no processo educacional de colaboradores visando à prevenção de acidentes
e doenças ocupacionais. Para tanto, foram analisados os componentes curriculares da
rede pública estadual e privada da cidade de Jequié; foi aplicado um questionário e
posteriormente realizou-se entrevista semiestruturada com 30 profissionais TST. O
estudo teve como metodologia as abordagens bibliográfica, documental e participação
de pessoas por meio de questionários e entrevistas. Na parte bibliográfica foram ana-
lisados estudos desenvolvidos abordando o tema através de livros, teses, artigos e pe-
riódicos; na abordagem documental examinou-se legislação vigente como as Normas,
Leis, Decretos e Instruções Técnicas de Saúde e Segurança do Trabalho, SST e ementas
do respectivo curso ofertado em Jequié; e a participação de pessoas, por meio de ques-
tionários e entrevistas, que possibilitaram observar como é a rotina do profissional,
suas percepções e suas dificuldades.

324
Observamos que nos diversos bancos de dados como Biblioteca Digital Brasileira
de Teses e Dissertações (BDTD), Google Acadêmico e no Portal de Periódicos da Co-
ordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), há uma carência
de produções sobre o tema, fato que contribuiu para a escolha do objeto de pesquisa. As
produções localizadas foram consideradas, conforme o escopo do estudo, nas seguintes
classes: andragogia em ambiente laboral; educação e SST; e o profissional TST e suas
funções educativas.

METODOLOGIA

A pesquisa foi classificada como qualitativa e quantitativa de acordo com a defini-


ção de Silva e Menezes (2001):

Pesquisa Quantitativa: considera que tudo pode ser quantificável, o que


significa traduzir em números opiniões e informações para classificá-las e
analisá-las. Requer o uso de recursos e de técnicas estatísticas.
Pesquisa Qualitativa: considera que há uma relação dinâmica entre o
mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo
objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em
números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados
são básicas no processo de pesquisa qualitativa. Não requer o uso de
métodos e técnicas estatísticas. O ambiente natural é a fonte direta para
coleta de dados e o pesquisador é o instrumento-chave. É descritiva. Os
pesquisadores tendem a analisar seus dados indutivamente. O processo
e seu significado são os focos principais de abordagem (SILVA e ME-
NEZES, 2001, p. 19).

A partir dos respectivos conceitos, dividiu-se em três fases, a saber: revisão bi-
bliográfica; análise documental; e a participação de pessoas através de questionário e
entrevista semiestruturada. Inicialmente foram pesquisadas as contribuições sobre o
tema, no campo de SST, assim como no escopo pedagógico. Porém, em relação à fun-
ção educativa do TST, há uma lacuna. Foram localizadas publicações que, após triadas
a favor da temática, foram lidas, fichadas e passaram a compor a revisão bibliográfica
do estudo. Foram observadas as NRs, Leis, Decretos e Instruções Técnicas vigentes
relacionadas à área de SST.
Em seguida, a pesquisa ocorreu da seguinte forma: aplicação de questionários e
entrevistas semiestruturadas com TSTs formados na cidade de Jequié e com Registro
Profissional no Ministério da Economia através da Secretaria do Trabalho. Devido
à situação atual de pandemia da Doença por Coronavírus (COVID19) que assolou
o mundo e com o objetivo de preservar à integridade dos participantes da pesquisa,
a entrevista foi realizada em 5 fases sequenciais por meio eletrônico. A pesquisa foi

325
realizada com 30 profissionais a partir do banco de dados (acesso público) do Centro
de Referência em Saúde do Trabalhador de Jequié (CEREST – Jequié) considerando as
seguintes fases:

Fase 1: Após acessar a lista com os e-mails dos profissionais, foi encaminhado
um e-mail (individual) convidando para participação na pesquisa (contendo o
prazo de 15 dias para resposta do e-mail).
Fase 2: Os (a) participantes que manifestaram interesse em participar da pes-
quisa receberam esclarecimentos de forma individualizada (via WhatsApp e e-
-mail) e puderam solicitar informações diretamente com a pesquisadora (para
que a identidade do participante fosse preservada).
Fase 3: Após ser contatada diretamente pela pesquisadora e feitos todos os
esclarecimentos, a pessoa que permaneceu interessada em continuar na lista
de participantes recebeu em seu e-mail o link de um formulário eletrônico
contendo o Termo de Livre Consentimento Esclarecido (TCLE). A pessoa par-
ticipante que leu e preencheu o formulário demonstrando interesse foi identi-
ficada pela pesquisadora através de sigla precedida das consoantes “TST” mais
um número entre 1 e 30. Exemplo: TST1, TST2, TST3.
Fase 4: Após identificação da pessoa participante (conforme exemplo na fase
3), a mesma recebeu o link de um formulário eletrônico contendo 23 questões
objetivas e 1 subjetiva, totalizando 24 questões.
Fase 5: Após o envio das respostas do questionário, a pessoa participante foi
contatada pela pesquisadora para agendar a data e o horário para realização
da entrevista composta por 23 questões, ressaltando que todos os dados dos
(a) participantes foram/serão mantidos em total sigilo conforme Resolução
nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). A entrevista semiestru-
turada, composta por 23 questões foi realizada via aplicativo (WhatsApp) e/
ou por contato telefônico (de acordo com a disponibilidade e viabilidade de
acesso do partícipe). No caso das respostas das entrevistas realizadas via liga-
ção telefônica, todas foram transcritas. As entrevistas realizadas via aplicativo
WhatsApp foram salvas (no próprio aplicativo) e tanto as entrevistas por meio
de ligação como via aplicativo, em 2 dias úteis, foram enviadas ao participante
(via e-mail) para que o mesmo conferisse as respectivas respostas (nesse mo-
mento também foi facultado a cada participante alterar ou acrescentar alguma
informação) e autorizasse a inclusão das mesmas no banco de dados elaborado
via planilha eletrônica composta por todas as respostas dos questionários e das
entrevistas. Após a fase de coleta de dados foi realizada uma análise quantita-
tiva e, posteriormente, discussão dos resultados.

326
CONHECENDO A HISTÓRIA DA SEGURANÇA
E SAÚDE NO TRABALHO

A história da segurança do trabalho começou cerca de 350 anos a.C., pois, nesse
período, Aristóteles (384–322 a.C.) estudou as enfermidades dos trabalhadores nas mi-
nas e, principalmente, a forma de evitá-las. Este foi o primeiro registro de um esforço a
favor da saúde dos trabalhadores. O próximo registro foi quando Platão (428-348 a.C.)
ratificou as enfermidades do esqueleto de alguns trabalhadores no exercício laboral. Em
seguida, Hipócrates (460-375 a.C.) fez o primeiro reconhecimento e descrição de enve-
nenamento por chumbo. Após um período de silêncio sobre o assunto, foi encontrado
em Roma, o registro de Galeno (129-201 a.C.) que se referia ao envenenamento decor-
rente do trabalho com enxofre, zinco e vapores ácidos. O romano Plinio (23-79 d.C.)
estudou agentes como chumbo, enxofre e zinco e poeiras, fazendo a recomendação do
uso de proteção para as vias aéreas. Anos depois, Avicena (908-1037) identificou que
as cólicas dos pintores eram causadas pelas tintas à base de chumbo. Posteriormente,
Ulrich Ellenbog (1435-1499), editou publicações de medidas sobre higiene do trabalho
(ANVISA, 2009, p. 8).
Em 1473 foi encontrado um novo registro publicado na Alemanha. Era um estudo
sobre as doenças com dois ourives provocadas pelos gases usados nas atividades laborais.
No ano de 1556, Giorgius Agrícola, na Alemanha, publicou o livro De Re Metallica que
fazia relação das doenças dos trabalhadores das minas e fundições de ouro e prata. No
ano seguinte, Paracelso (1493-1541) publicou a primeira monografia onde destacou a
relação da intoxicação pelo mercúrio com a atividade laboral. No ano 1606, o Rei Carlos
II (1630-1714) proclamou que as casas novas fossem construídas com tijolos e pedras e
que as ruas fossem alargadas a fim de evitar a propagação de um possível incêndio assim
como ocorreu em Londres. Já em 1700, na Itália, Bernardino Ramazzini (1633-1714) pu-
blicou a obra de referência da medicina ocupacional o livro De Morbis Artificium Diatri-
ba. Em 1775, na Inglaterra, Percivall Pott (1714-1788) descreveu o câncer dos limpado-
res de chaminés. Em 1801, o médico Thomas Beddoes (1760-1808) relatou as condições
de higiene do trabalho (ANJOS et al 2004 p. 18; ANVISA, 2009, p. 8).
Em 1802, na Inglaterra, surgiu a primeira lei de proteção ao trabalhador: A Lei da
Saúde Moral dos Aprendizes, que estabeleceu uma jornada de trabalho de no máximo
12 horas. Em 1831, Charles T. Thackrah (1795-1833), também na Inglaterra, descreveu
as doenças relacionadas ao trabalho em geral. Em 1833, foi instituída a Lei das Fábricas,
que obrigava as empresas a instalarem sistemas de ventilação exaustora nos ambientes.
Nesse mesmo ano foi promulgado o Ato das Fábricas que passou a considerar algumas
doenças como evitáveis nos profissionais pintores, chapeleiros e mineiros. Em 1840,
o médico Louis René Villerme (1782-1863) realizou um estudo sobre as condições de
saúde dos trabalhadores têxteis, se preocupando com a relação entre o ambiente social,

327
a mortalidade e a morbidade. Já em 1842 Edwin Chadwick (1800-1890) e John Simon
(1816-1904) fizeram um estudo sobre as condições sanitárias da classe trabalhadora.
Em 1862, na França, ocorreu a regulamentação da Segurança e Higiene do Trabalho
(OLIVER, 2019).
Em 1865, na Alemanha, instituiu-se a Lei que responsabilizava o empregador pe-
los acidentes de trabalho e determinava o pagamento de indenizações aos trabalhado-
res. No ano de 1867, Karl Marx (1867-1883), em “O Capital”, denunciou o trabalho de
crianças e o número excessivo de horas trabalhadas. Na França em 1883, Emilio Muller
foi fundador da Associação de Indústrias Contra Acidentes de Trabalho. Em 1886, nos
Estados Unidos, ocorreu a Revolução Trabalhista de Chicago. Nesse período houve o
fortalecimento das organizações trabalhistas e, posteriormente, dos movimentos sindi-
cais (ANVISA, 2009, p. 8).
No ano de 1891, em janeiro, surgiu a primeira Lei de Saúde e Segurança Ocupa-
cional no Brasil, que tratava da proteção ao trabalho dos menores de idade. Entre 1907
e 1920, no Brasil, ocorreram greves objetivando a proteção do trabalho. Na Inglaterra
em 1897, falou-se, pela primeira vez, em indenização por incapacidade decorrente de
acidente de trabalho. Em 1898, Thomas Legge foi nomeado o primeiro inspetor médico
de fábrica. Em 1911 começou a implementar com maior amplitude o tratamento médico
industrial. Voltando ao Brasil, em 1919, surge a Lei 3.724 sobre acidente de trabalho,
ainda no mesmo ano surge a Organização Internacional do Trabalho (OIT) por meio do
Tratado de Versales (OLIVER, 2019).
Em 1930 foi criado o MTE e em 1934 a Inspetoria de Higiene e Segurança do Tra-
balho. Em 1 de maio de 1943, sancionou-se a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
que no seu Capítulo V trata de Segurança do Trabalho. Em 1944, foi feita uma reforma
na Lei de Acidente de Trabalho. Em 1953, ocorreu a regulamentação da Comissão In-
terna de Prevenção a Acidentes (CIPA). Em 1948, foi criada a Organização Mundial da
Saúde (OMS) e em 1960 a regulamentação dos Equipamentos de Proteção Individual
Nacional de Segurança Higiene e Medicina do Trabalho – atual Fundação Jorge Duprat
Figueiredo, de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro). Em 1972 a Portaria
3.237 do MTE criou o SESMT (ANJOS et al 2004 p. 18).
Em 1974, foram criados os primeiros cursos de formação dos profissionais de se-
gurança higiene e medicina ocupacional. Em 1978, foram criadas as primeiras 28 NRs.
Em 1983, a Portaria 33 alterou a NR5 introduzindo os riscos ambientais. Em 1985, foi
oficializada a especialização em engenharia de segurança do trabalho e criou a categoria
de TST. Em 1986, foram regulamentadas as profissões de enfermeiro do trabalho, técnico
de enfermagem do trabalho e auxiliar de enfermagem do trabalho. Em 1990, a NR4 foi
alterada e o SESMT passou a ser formado por engenheiro de segurança do trabalho, mé-
dico do trabalho, enfermeiro do trabalho, auxiliar de enfermagem do trabalho e TST. A Lei
8.213/91 constituiu legalmente os Acidentes de Trabalho e de Trajeto e a obrigatoriedade

328
de efetuar a Comunicação dos Acidentes de Trabalho aos órgãos competentes. Em 1994,
foi alterado o título da NR9 de “Riscos Ambientais” para “Programa de Prevenção de Ris-
cos Ambientais”. No ano de 2001, entrou em vigor a Portaria 458 que proibiu o trabalho
infantil em todo território nacional. Anos depois, já em 2009, a terminologia “ato inse-
guro” foi retirada do texto da NR1. A partir de 2012, o dia 10 de outubro ficou definido
com o “Dia Nacional de Segurança e Saúde nas Escolas”. Em 2019, o governo extinguiu
o Ministério do Trabalho e Emprego que a partir de então, se tornou uma secretaria vin-
culada ao Ministério da Economia (OLIVER, 2019).

A FORMAÇÃO DO TST

Até 27 de julho de 1972 não havia obrigatoriedade de curso para o então Inspetor
de Segurança do Trabalho. Posteriormente o curso foi implantado e a Fundacentro pas-
sou ser responsável pelo mesmo que se tornou obrigatório contendo carga horária míni-
ma de 120 horas. Em 1982, o curso foi reformulado e a carga horária foi dobrada. No ano
seguinte, passou para 264 horas e seguiu assim até 1984. Em 1985, com a regulamentação
da profissão, houve a interrupção do curso, quando o mesmo foi reimplantado já foi com
a carga horária de 1200 horas (ANATEST, 2021).
Na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e suas respectivas alterações são estabelecidos
critérios para criação dos cursos técnicos, no entanto a pesquisa limitou-se a analisar os
componentes curriculares e o perfil proposto aos egressos. Os cursos técnicos são regidos
pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) que define condições mínimas para realiza-
ção dos mesmos. No Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNCT) atualizado em 2020,
o curso de TST está registrado dentro do Eixo de Segurança juntamente com os cursos de
Técnico em Defesa Civil, e Técnico em Prevenção e Combate a Incêndios. Os requisitos
mínimos podem variar conforme a modalidade de ensino, entretanto o perfil do profissio-
nal permanece o mesmo.
Seguindo o que está descrito no CNCT (2020) o egresso estará habilitado a:

Elaborar e implementar políticas de saúde no trabalho, identificando vari-


áveis de controle e ações educativas para prevenção e manutenção da qua-
lidade de vida do trabalhador. - Desenvolver ações educativas na área de
saúde e segurança do trabalho [...] (CNCT, 2020, p. 446).

Ao analisar o mínimo estabelecido pelo MEC, observa-se os componentes curri-


culares dos cursos ofertados em Jequié, tanto na rede pública como na rede particular, a
fim de responder a questão proposta nesta pesquisa.
Os componentes ofertados na rede pública estadual no Centro Estadual de Edu-
cação Profissional em Gestão e Tecnologia da Informação Régis Pacheco (CEEP) são:

329
Higiene, Saúde e Segurança do Trabalho; Metodologia do Trabalho Científico; Empreen-
dedorismo e Intervenção Social; Ética, Cidadania e Meio Ambiente; Estatística Aplicada;
Administração Aplicada à Segurança; Legislação e Normas de Segurança; Segurança do
Trabalho; Prevenção e Combate a Acidentes; Psicologia e Relações Humanas; Saúde do
Trabalhador; Aspectos e Impactos Ambientais; Organização e Sistemas Integrados de
Segurança; Primeiros Socorros; Técnicas de Segurança Industriais e Ocupacionais. O
perfil dos egressos conforme Projeto Politico Pedagógico (PPP) é:

O TST atua em ações prevencionistas nos processos produtivos com auxí-


lio de métodos e técnicas de identificação, avaliação e medidas de controle
de riscos ambientais de acordo com as NRs e princípios de higiente e saúde
do trabalho. Desenvolve ações educativas na área de saude e segurança do
trabalho. Orienta o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e
Equipamentos de Proteção Coletiva (EPC). Coleta e organiza informações
de saúde e segurança do trabalho. Executa o Programa de Controle de Ris-
cos Ambientais (PPRA). Investiga e analisa acidentes e recomenda medidas
de prevenção e controle. Este profissional participa de projetos de educação
do trabalhador, incluindo especialmente os programas de prevenção de ris-
co à segurança e saúde, controle de perdas humanas por danos a proprieda-
de ao meio ambiente (PPP CEEP RÉGIS PACHECO, 2018, n.p.).

No CEEP são ofertadas três modalidades sendo: concomitante - destinado aos


egressos do ensino fundamental II; Educação Profissional de Jovens e Adultos integrada
ao ensino médio; e o subsequente: destinado a quem já concluiu o ensino médio. Para
equilibrar a análise no CEEP, só observou-se o perfil dos educandos da modalidade sub-
sequente, pois se trata da mesma ofertada no Colegio Politécnico Humberto Reis Ribeiro
(CPHRR).
Na rede privada são ofertados, no CPHRR, os seguintes componentes: Redação
Técnica; Estatística Aplicada; Higiene Ocupacional; Fundamentos de Saúde do Trabalho;
Toxicologia e Doenças Profissionais; Técnicas de Biossegurança e Primeiros Socorros; De-
senho Técnico; Ergonomia; Segurança do Trabalho; Normatização e Legislação Aplicada;
Psicologia e Ética Profissional; Prevenção e Combate a Sinistros; Princípios de Tecnologias
Modernas; Educação e Legislação Ambiental; Prevenção de Acidentes e Controle de Per-
das. O PPP do CPHRR é destinado a disversos cursos oferecidos e não detalha especifica-
mente o perfil do egresso do curso de TST, pois sua abrangencia é geral: “nossos educandos
deverão apresentar um perfil profissional que esteja centrado de competências com domí-
nio de conteúdos específicos de sua area de atuação, conhecimentos abrangentes no que se
refere a produção de bens e serviços” (PPP DO CPHRR, 2017, n.p.).
Os perfis dos egressos possuem pequenas diferenças entre os componentes, pois, na
rede pública, os diferenciais são voltados ao empreendedorismo e intervenção social; me-
todologia do trabalho científico; ética, cidadania e meio ambiente; e organização e sistemas

330
integrados de segurança. Já na rede privada encontrou-se os seguintes componentes: redação
técnica, toxicologia e doenças ocupacionais, desenho técnico e ergonomia. Apesar de oferta-
rem diversos componentes inerentes ao perfil profissional estabelecido pelo MEC conforme
CNCT (2020), é obrigatório ter uma carga horária de estágio ou realização de trabalho de
conclusão de curso. É perceptível a carência de componentes específicos para embasamento
da função educativa desempenhada pelo profissional, conforme afirmação de Bley (2004)
“o TST é um professor”. Mesmo havendo muitos componentes de ordem técnica, as funções
educativas estão para além somente de dominar teoricamente a legislação específica da área.
Para complementar o que já fora identificado do processo de formação, aplicou-se questio-
nário para 30 TSTs formados em Jequié e realizou-se entrevistas individuais para identificar
as percepções dos profissionais participantes da pesquisa.

O QUE SE COLETOU: questionários e entrevistas

Esta seção poderia conter dados atualizados referentes a quantidade de TSTs


no Estado da Bahia, assim como a quantidade local, porém, desde o início da pesqui-
sa, foram realizadas diversas tentativas de obtenção dos dados junto ao Ministério
da Economia por meio da Secretaria do Trabalho, mas não obtivemos respostas dos
órgãos competentes. Contactou-se o Sindicato dos Técnicos em Segurança do Tra-
balho da Bahia (SINTESB) e a entidade não conta com nenhum registro de TST da
cidade de Jequié. Apesar das dificuldades para obtenção dos dados mais abrangen-
tes, o CEREST de Jequié forneceu uma lista com contatos de TSTs locais, o que enri-
queceu a coleta de informações. Para realização da consulta aos profissionais, foram
cumpridos critérios estabelecidos pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), onde o
projeto de pesquisa está registrado, aprovado e disponível para consulta pública sob
o número: 33081120.2.0000.5031. Foram contactatos, via e-mail, um total de 73 téc-
nicos egressos dos cursos ofertados em Jequié, obteve-se retorno de 31 profissionais
e, posteriormente uma desistência (o profissional atua na cidade, mas fez o curso em
outro Estado).
O questionário serviu para identificar gênero; faixa etária; tempo de experiência
na função; periodicidade na participação de eventos correlatos a profissão; percepção
sobre a formação recebida e o trabalho desempenhado, além de demais questões. Foram
30 profissionais com seus respectivos registros profissionais válidos, todos devidamente
esclarecidos sobre cada fase da pesquisa, conforme estabelecido pelo CEP.
De todas as pessoas que participaram, 19 se consideram do gênero masculino e 11
do gênero feminino. Conforme dados do Censo da Educação Básica de 2017, as pessoas
do gênero feminino ocupam a maioria das turmas nas escolas de técnicos em segurança
do trabalho. As questões de gênero são de extrema relevância, merecem atenção especial
e demandam estudos específicos, mas não compoem o escopo desta pesquisa.

331
Quando se tratou do fator idade foram identificados que 26,7% possuem menos
de 30 anos, 70% entre 31 e 50 anos e 3,3% têm idade superior a 50 anos. Percebeu-se que
todos os participantes ainda têm muitos anos de trabalho pela frente e quando falou-se
de tempo de experiência, os resultados foram equilibrados, pois 46,7% têm até 5 anos e
53,3% possuem entre 6 e 10 anos.
Sobre a participação em eventos correlatos à profissão, um total de 60% afirmou
participar de eventos mais de uma vez por ano, já 33,3% participam uma vez ao ano e
6,7% nunca participam. Questionou-se então, se na ordem de serviço referente às ativi-
dades desenvolvidas definidas pelo TST na empresa, há menção a atividade educativa e
73,34% responderam que sim. Com o avanço do questionário fomos nos aproximando
de questões mais específicas e identificou-se que 73,34% entende que receberam pouco
ou nenhum preparo para desempenho da função educativa, somente 33,33% acredita
possuir habilidades para educar adultos no ambiente laboral.
Perguntou-se quais as atividades educativas desenvolvidas pelos TSTs e as mais
citadas foram: palestras, Diálogo Diário de Segurança (DDS), Diálogo Semanal de Se-
gurança (DSS), campanhas, cursos e treinamentos. Como são desenvolvidas diversas
ações, procurou-se saber se após a realização das mesmas são efetuadas avaliações e
somente 13,32% afirma que sim. Desses profissionais, 66,6% acreditam que possuem
habilidades para educar trabalhadores e julgam as ações como eficazes. A maioria dos
TSTs reconhece a importância das ações educativas e o quanto os colaboradores podem
contribuir dando sugestões de melhoramento no uso de equipamentos, bem como nos
procedimentos operacionais.
Os participantes relataram que observam o comportamento dos trabalhadores
para no desenvolvimento das ações educativas chamar à atenção para os pontos que de-
mandam correção. Para que não haja desentendimento entre as partes, os TSTs buscam
se aproximar, interagir e observar as atitudes dos trabalhadores. Saber o que pensa o
trabalhador é crucial para o desenvolvimento das ações educativas, assim como saber o
nível de instrução de cada um e dar início a partir do grau mais inferior para que todos
compreendam. Fazer citações nos momentos educativos de fatos ocorridos, bem como
o uso de estatísticas de acidentes como estratégias mencionadas a fim de conscientizar o
trabalhador sobre a importância da segurança no trabalho. Hahn (1999) compartilha a
ideia de que a maior exigência é a motivação heutagógica, ou seja, entrega contínua para
aquisição do conhecimento reflete diretamente no desempenho da atividade laboral.
Descobriu-se também que 80% costuma executar várias ações com periodicidade
máxima de 30 dias. Quando questionados sobre a participação em eventos voltados à area
de SST, somente 6,7% afirmam não participar de eventos durante o periodo de um ano.
O desejo apontado pelos participantes é de aperfeiçoar as técnicas para me-
lhor desenvolvimento das atividades educativas, inclusive, Bley (2004) disse que pro-
fissionais TSTs não demonstram que foram preparados para a função de “professor”

332
na area de SST e, ao longo do estudo, fomos observando a confirmação dessa afir-
mativa. Uma das questões que teve o percentual bem elevado foi sobre a necessidade
de formação para aperfeiçoamento das ações educativas realizadas onde 90% confir-
mou a carência de preparo especializado para executar a ação.
Sobre as ações educativas mais executadas para previnir acidentes e doenças la-
borais, o DDS foi dominante, sendo citado por 93,3% dos participantes, provavelmente
por ser a ação mais cômoda para ser desenvolvida, pois além de ser dinâmica não ocupa
tanto tempo e algumas empresas optam por fazê-lo com frequência diária, semanal ou
mensal. O treinamento alcançou o percentual de 69,9% e as palestras 53,3%, caracteri-
zando as atividades educativas mais realizadas pelos TSTs.
No final do questionário disponibilizou-se um espaço para que o participante
expressasse sua visão e perspectivas sobre a formação e o exercicio profissional. O que
mais foi citado pelos participantes foi a carência de: pedagogia laboral; didática; aulas
práticas e simulados; inteligência emocional; relacionamento interpessoal; professores
capacitados; educação para adultos; poucos eventos de SST; prática sobre documentos
específicos; aprender a ensinar; metodologia de ensino para o TST; oratória; e liderança.
Somente o questionário não foi suficiente para compreender a percepção dos
TSTs perante ao tema. Desse modo, realizou-se a entrevista semiestruturada. Duran-
te a realização das entrevistas, foram identificados profissionais atuantes nos mais
diversos ramos de atividade e de porte variado assim como o grau de risco. Como
disse Bley (2004), independente do porte e ramo de atuação, a responsabilidade edu-
cativa sempre é atribuida a um profissional de nível médio/técnico, mais especifica-
mente o TST.
Foram estabelecidos como critérios para definição da amostra: exercício da fun-
ção educativa; tempo de experiência igual ou superior a cinco anos; e grau de risco das
condições de trabalho, conforme estabelecido na NR4. Após a triagem dos perfis, foram
selecionados oito perfis profissionais sendo cinco do gênero masculino e três do femi-
nino. Os perfis, conforme descrito na metodologia, foram identificados pela sigla TST
seguida de um número, os homens foram identificados como: TST1, TST3, TST5, TST6
e TST8 e as mulheres como: TST2, TST4 e TST7.
A transcrição das entrevistas foi realizada de forma integral e respeitando a par-
ticularidade de cada perfil. A primeira questão foi sobre as experiências profissionais e
obteve-se os seguintes resultados:

TST1: Construção civil, Montagem industral, Mineração e Ramo elético.


TST2: Antes da segurança do trabalho só com vendas.
TST3: Feira livre, mototaxi, embalador, operador de máquina e tecnico de
segurança.
TST4: Trabalhei na ferrovia, mas já traabalhei em construção civil e na in-
dustria alimentícia.

333
TST5: Construção civil pesada (Ferrovia), Construção civil, Fiscalização e
supervisão, Mineração, Transporte Rodoviário e logística.
TST6: Construção civil, clínica de saúde ocupacional, mineração e escola
técnica.
TST7: Ferrovia e Mineração.
TST8: Educação, treinamento profissional e consultoria.

Quando perguntados sobre filiação em alguma associação ou sindicato, a catego-


ria dos respectivos profissionais as respostas foram:

TST1: Sintesp/SP.
TST2: Não, só o registro no Ministério do Trabalho
TST3: Não.
TST4: Não.
TST5: Não.
TST6: CREA.
TST7: Não.
TST8: Não.

A ausência de filiação dos TSTs em entidades que assegurem os direitos à catego-


ria é um aspecto relevante e foi um dos pontos observados nas entrevistas. Foi identifica-
do somente um profissional que está filiado ao sindicato da categoria, mas percebeu-se
que alguns externam receio e outros esperança quanto ao atual e futuro cenário do setor
de Segurança do Trabalho no país.

TST1: Vejo muitas mudanças acontecendo de forma a revolucionar a área


nos próximos anos, revisões das normas regulamentadores, desburocrati-
zação dos processos de aplicação dessas normas.
TST2: Estamos passando por muitas mudanças no setor, principlamente de-
pois da pandemia e com as modificações na legislação. Tenho medo de como
estaremos daqui 5 anos, já que alguns direitos vem sendo tirados da classe.
TST3: Temos que evoluir psicológico e no comportamento para termos
uma melhoria significativa na segurança do trabalho.
TST4: São muitos obstaculos até melhorar a saúde e segurança do traba-
lhador. O trabalhador resiste muito, reclama e questiona até entender que
estamos fazendo para o beneficio dele mesmo. Preservamos a vida do jeito
que podemos e eles insistem e colocar-se em risco sempre. Por mais que
tomamos todas as medidas de segurança ainda não é o suficiente, princi-
palmente na atualidade onde tudo está passando por mudanças deixado-os
cada vez mais desamparados.
TST5: Sentimentos que ainda falta mais rigor nas fiscalizações, por parte
dos órgãos competentes, tendo em vista que a Segurança do Trabalho é
algo importante, primordial para todo e qualquer trabalhador. Levando em
consideração que estamos falando de saúde e vidas. Mesmo assim existem

334
empresas que investem sim em segurança, em contra partida, outras ao
contrário, não estão nem aí. Sem contar o profissional que trabalha nessa
empresa que não investe, está ali somente para cumprir uma legislação, ou
seja, somente para cumprir tabela.
TST6: Momento de evolução. Edição das normas tornando-as mais sim-
plificadas e sem perder a capacidade de busca da melhoria da saúde do
trabalhador.
TST7: Apesar de ter avançado muito ainda precisa melhorar, digo por conta
de muitos documentos e pouca prática, entendo que quem tem mais cons-
ciencia é por temer pela propria vida. E como profissional de segurança
cabe a mim observar se os procedimentos estão sendo seguidos e procurar
corrigir evitando acidentes.
TST8: O cenário da Segurança do Trabalho, devido sua importância, está
sempre em evidência. A Segurança do Trabalho é uma área que precisa de
constante treinamento e fiscalização para preservar vidas e danos materiais.

As pessoas participantes citaram modificações na legislação e informaram haver


falhas quanto a fiscalização, o que impacta diretamente na aplicabilidade dos procedi-
mentos de SST. Ainda deixam evidente que o trabalhador é, na maioria dos casos, um
cumpridor de regras.
Ao tratar especificamente da atividade educativa, das percepções e do desenvolvi-
mento, perguntamos aos participantes se entendem que desempenham função educativa
e como esta função se manifesta.

TST1: Sim, através de treinamentos, diálogos de segurança, inspeções de


segurança realizadas em campo, palestras e campanhas educativas perió-
dicas.
TST2: Com toda certeza, a gente é meio psicologo.
TST3: Sim, diariamente, quando percebo a mudança no comportamento.
TST4: Na minha situação e de colegas próximos a base é pelos cursos mes-
mo, e no dia a dia a gente sempre passa uma lição que vai ser usada no
trabalho ou em casa. Eu trabalho no campo e tenho contato com os ter-
ceirizados e com os efetivos e todos precisam ser alertados e passar a lição
para os outros.
TST5: Sim! Com base em orientações diárias nas frentes de serviço, por
muitas vezes não terem uma percepção de risco aguçada. Através de trei-
namentos...
TST6: Sempre. O profissional SST é multidisciplinar que abarca temas de
ordem geral e a função educativa é intrínseca.
TST7: Como eu venho da área de cursos, tenho total facilidade tanto
para perceber como para desenvolver meu trabalho, seja do ajudante
ao engenheiro precisamos simplificar a maneira de falar para que to-
dos entendam.

335
TST8: Sim. Levando informação da Legislação e Conscientização da pre-
venção de acidentes de trabalho.

Observa-se que os participantes apresentam percepções diferentes sobre a função


educativa, mas todos entendem que a desempenham sendo praticada por meio de trei-
namentos e cursos relacionados aos procedimentos descritos na normatização vigente
ou simplesmente para atender as normas internas das empresas. Todos os respondentes
se vêem como educadores mesmo não tendo a preparação específica para a função. Este
despreparo pode trazer aos TSTs a dúvida de estar ou não desevolvendo um bom traba-
lho no campo que abrange ensinar adultos.
Ao indagarmos sobre o conhecimento da Portaria 3.275/89 que, além de regu-
lamentar a profissão, estabelece a função educativa como atribuição do respectivo pro-
fissional e saber se na empresa existe algum documento onde esta prática seja definida
como atividade do TST, os participantes se manifestaram da seguinte forma:

TST1: Sim. Não.


TST2: Sim, é bem claro que eu tenho que desenvolver treinamentos para os
colaboradores.
TST3: Sim. Não de forma clara, mas é inerente a nossa atividade
TST4: Não tenho conhecimento, se bem que nas atribuições do cargo defi-
nidas pela empresa consta a atividade e tambem existe um plano de cargos
e salários para a área educacional.
TST5: Sim. "Educar" propriamente dito não, mas consta: Orientar, treinar...etc.
TST6: Sim. Conheço as atribuições do técnico. Mas discordo pela definição
da expressão educar! Na verdade, pode ser até interpretativo, mas, a função
do mister é informar/instruir/orientar. Dentro do papel da empresa que
lhe é exigido: fazer cumprir! Conduz os profissionais SST a instruir/treinar.
Então são ações similares.
TST7: Não sei dizer se isto está na registrado na atividade, na ordem de ser-
viço não me lembro. Em outros lugares que trabalhei não tinha nada disso.
TST8: Sim. Sim.

É perceptível que alguns TSTs desconhecem a integralidade da função estabe-


lecida por lei e correlacionem à atividade educativa somente com ministrar cursos ou
treinamentos para atender a determinação interna da organização ou a legislação. Então
procurou-se identificar de que maneira os participantes vêem o ato de educar em SST no
ambiente laboral.

TST1: Sim, positivamente, uma vez que a melhor forma de eliminar


os acidentes e doenças ocupacionais passa pela orientação, feita com
qualidade, uma das principais indicadores para confirmar essa teoria,

336
são as campanhas educativas que realizamos e reduzem os índices de
acidentes no ambiente laboral.
TST2: Sim, claro. Com o desenrolar das coisas o trabalhador vai entenden-
do a forma correta de executar a atividade dentro do padrão de segurança,
basta saber como falar.
TST3: Sim, ainda é tímida, mais isso depende muito da forma com que o
profissional em questão faz a gestão das suas atribuições.
TST4: Acho que só somos capazes de fazer um pouco deste trabalho através
de campanhas, treinamentos periódicos etc.
TST5: Sim... Pois existe um planejamento anual de Treinamentos, Ações
que devemos atender aos requisitos do "futuro extinto" PPRA...
TST6: Existe! É real! Todos os dias ocorrem os DDS’s. Até empresas que
não possui uma gestão de segurança com um bom nível; todos os dias no
início das atividades haverá ali o diálogo diário de segurança. Daí há perio-
dicamente os treinamentos, semanas de prevenção, disseminação de infor-
mações e afins.
TST7: Sim. Temos uma equipe especializada em treinamentos que inclui
uma psicologa e uma pedagoga, além de todos os outros profissionais que
compoem a gestão de SST.
TST8: Não enxergo que essa educação deva ser informal. Ela deve ser for-
mal e com embasamento na Legislação (CLT, NR's etc).

Os participantes apresentam visões distintas em relação ao contexto educacional


dos trabalhadores até por conta do ambiente em que cada um está inserido. Percebe-se
profissionais de campo, da area administrativa e de produção. Observou-se um cuidado
com a forma de falar com o trabalhador assim como efetuar os devidos registros legais.
As estratégias, recursos e a relação com o trabalhador foram aspectos levantados pelos
participantes.
Perguntou-se então, se os participantes foram formados para educar os trabalha-
dores, se os mesmos se sentem preparados e se a experiência contribui para o desenvol-
vimento da respectiva função. Eles nos retornaram da seguinte maneira:

TST1: Sim, preparado, mas disposto aprender, o educador precisa buscar


conhecimento a todo momento, melhoria precisar ser continua.
TST2: Francamente, não! O que aprendi foi já atuando com colegas ex-
perientes. No curso de formação nao recebi nenhum preparo para passar
conhecimento para outra pessoa e isso me prejudicou muito no inicio. As
empresas acham que você sai do curso pronto para assumir tudo sozinha e
na prática é bem diferente.
TST3: Sim. Sim, mas busco melhoria cotínua.
TST4: No periodo de formação, não. Quando fiz o curso creio que este as-
sunto nem existia. Uma grande falha que trouxe sérias consequencias para
minha vida profissional principalemente por ser um universo masculino,

337
e chegar e não saber fazer um diálogo de segurança. Mais com o passar do
tempo fui pegando o jeito, afinal a troca com os trabalhadores ajuda muito
no dia a dia.
TST5: De uma certa forma o profissional da área de saúde e segurança do
trabalho, tem que buscar diariamente aprimorar seus conhecimentos, bus-
cando qualificação, especializações, atualizações, para de uma certa forma
está preparado para educar... Até mesmo buscar dentro da área da psicolo-
gia, estudar mais o ser humano.
TST6: Como disse anteriormente, para instruir/orientar sim. Como tenho
outras formações e cursos específicos de didáticas e técnicas de ensino, no
meu caso em particular, sim também.
TST7: Não. Não tive esta formação, fui aprendendo ao longo dos anos a
ministrar treinamentos e ha praticamente dez anos eu já fazia isso.
TST8: A formação de Técnico de Segurança do Trabalho dá conhecimen-
to e estratégias de intervenção nessa área educacional, com vistas prevenir
acidentes e doenças. Ninguém sai do curso de formação pronto. Esse pre-
paro acontece de forma progressiva e com estudos de qualificação.

Conforme dito, pela maioria dos entrevistados, eles aprenderam a educar os tra-
balhadores na prática laboral ou com formação continuada, pois não receberam o de-
vido preparo durante a formação na escola técnica. Acreditam desempenhar um bom
trabalho pautado nas experiências profissionais.
As principais ações educativas de acordo com os relatos dos participantes são trei-
namentos, campanhas e os diálogos de segurança:

TST1: Está confirmado que o trabalhador com baixa escolaridade tem


maiores chances de se acidentar no ambiente de trabalho. Treinamentos
constantes com a participação e envolvimento total do trabalhador.
TST2: Nós implementavamos campanhas educativas incluindo as famílias
e os dialogos quando eu estava ausente o encarregado fazia.
TST3: Sistema de gestão integrada.
TST4: Fazemos SIPAT e oficinas.
TST5: Com base em orientações diárias nas frentes de serviço, por muitas
vezes não terem uma percepção de risco aguçada. Através de Treinamen-
tos... DDS de forma coletiva.
TST6: Há previsões de cursos obrigatórios para atividades específicas. Há
palestras, seminários, congressos sempre sobre temáticas de prevenção e
qualidade de vida
TST7: Treinamentos e palestras.
TST8: Treinamento de CIPA, EPI e outras normas regulamentadoras rela-
cionadas ao serviço do trabalhador, fiscalização das medidas de segurança,
análise de riscos no ambiente de trabalho, etc.

338
Voltaro olhar para o trabalhador é imprescindível para que se desenvolva uma
ação educativa eficaz. Perguntou-se, dessa forma, se os colaboradores demonstram ca-
rência de capacitação e se os relatos das experiências colabora para a elaboração dos
conteúdos a serem aplicados.

TST1: Hoje, infelizmente através dos índices de desvios de segurança


encontrados nos ambientes laborais. Sim, uma das melhores ferramen-
tas para criação das campanhas educativas são as experiências trazidas
por eles.
TST2: Em muitos casos os trabalhadores fazem sugestões e isso pode ser
acatado ou não, ao observar o dia a dia decidimos se é viavel implementar
para antecipação dos riscos.
TST3: De acordo a atividade de cada cargo. Sim, considero um ponto ex-
tremamente importante.
TST4: Sim, raramente recebo sugestões ou relatos de necessidade, mas
quando ocorre geralmente o pedido é para reciclagem.
TST5: Muitas vezes, por atos inseguros. Falta de percepção de risco. Muitas
vezes entram em zona de conforto, por acharem experientes ao ponto de
ignorar os riscos existentes no ambiente de trabalho. Uso de ferramentas
inadequadas. Importante demais, eles falarem das experiências vividas, isso
contribui para que outros aprendam
TST6: As ações atualmente possui um cunho obrigatório. Portanto se fa-
zendo presente e aplicando-se durante isso já demonstra o interesse. Sim.
Pois sempre coletamos Feedback e solicitamos sugestões.
TST7: Os caras falam da maneira que fazia no emprego anterior, e a gente
analisa e acata porque a fala deles é muito importante pois vem da expe-
riencia prática do negócio.
TST8: Podem manifestar a necessidade através de: atos inseguros, negli-
gência, imprudência, desconhecimento da Normas, durante sua vida labo-
ral etc. Sim. As vivências dos trabalhadores e suas dúvidas são as principais
referências na seleção e produção dos conteúdos.

Nas explanações dos participantes, notou-se que eles ouvem e analisam as su-
gestões e experiências dos colaboradores a fim de desenvolver melhoria nos processos e
compartilhamento de conhecimento na área de SST; ressaltaram, também, a manuten-
ção do diálogo. Foi perguntado como eles interpretam as falas e relatos de experiências
dos trabalhadores.

TST1: De forma positiva, uma vez que nos ajuda na sensibilização dos trabalha-
dores.
TST2: É necessário ouvir o outro e procurar entender, pois muitos técnicos pen-
sam que não é importante este momento, acho muito válido e positivo.
TST3: Uso, na composição do trabalho que publicar entre eles

339
TST4: Penso que é interessante para o desenvolvimento de todas as ações, pois
tudo os envolve, como não ouvi-los? Se eles fazem parte do processo. Sempre ouço,
registro e analiso antes de dar um retorno.
TST5: Relativo...Vai depender de quem passa o conhecimento. Quando percebo
que o colaborador está disperso ou não absorveu, veja a necessidade de uma reci-
clagem...
TST6: Os resultados na aplicação dos procedimentos e se existente o cumprimento
das determinações.
TST7: Procuro entender ao maximo o que o trabalhador de fato quer me dizer e
aproveito tudo para o momento de planejamento das ações.
TST8: Muito relevante. Por meio delas o técnico planeja suas estratégias de inter-
venção, orientando, tirando dúvidas e esclarecendo o que a legislação fala sobre o
assunto em questão.

Para fazer a interpretação das falas, o TST precisa. antes de mais nada, estar disposto
a ouvir e entender o sentimento, prosseguir no diálogo e deixar que o trabalhador perceba
sua importância no processo. Na sequência perguntou-se como analisam cumprimento
das normas, estatísticas e a necessidade das ações educativas no ambiente de trabalho.

TST1: Através dos indicadores de desvios de segurança.


TST2: Com a dimunuição ou com o não acontecimento de acidentes.
TST3: De modo geral ainda é tímida.
TST4: A necessidade aqui na empresa vem dos prazos de treinamentos e
campanhas ao longo do ano, juntamente com os indices de acidentes.
TST5: Muitas vezes tem eficiência, hora não. Se na empresa de fato real-
mente existe uma política e segurança, isso é trabalhado diariamente, vai
existir eficácia. Agora na empresa em que o TST não tem apoio e ele está ali
só para cumpprir o anexo da NR4, ele vai sofrer.
TST6: Resultados! Número de ocorrências de baixa gravidade, redução nos
desvios.
TST7: Buscamos cumprir o estabelecido na legislação, minimizar os índi-
ces de acidente e manter o ambiente seguro.
TST8: Nos atos e comportamentos prevencionista dos trabalhadores, no
índice de afastamento por motivo de acidente ou doença, no número de
acidente de trabalho.

Percebeu-se que o número de acidentes é o principal indicador utilizado como


referência pelos TSTs para o desenvolvimento das ações educativas, além de também
embasar-se no que é estabelecido na legislação. Os indicadores nacionais ainda trazem
dados alarmantes em relação aos acidentes de trabalho, mesmo os TSTs deixando evi-
dente a implementação da cultura de SST. Perguntou-se, então, se aos olhos do TST as
ações educativas possuem caráter positivo ou negativo.

340
TST1: Positivo, Todas as vezes que realizamos campanhas educativas obte-
mos indicadores de segurança melhores, nos levando a acreditar na efici-
ência da ferramenta.
TST2: Apesar de haver muitas falhas eu vejo como positiva. Já ouvi relatos
até do trabalhador prestar primeiros socorros a um familiar atraves do co-
nhecimento adquirido no local de trabalho.
TST3: Positivos, pois salvamos vidas, melhoramos comportamentos.
TST4: Meio a meio, pois como ainda há muitas falhas não posso caracteri-
zar como positiva nem como negativa.
TST5: Positivo. A tendência é diminuir os acidentes de trabalho.
TST6: Positivos. Porque é o profissional que está no dia a dia com os tra-
balhadores e possuindo as ferramentas corretas poderá ter um efeito bem
positivo.
TST7: Positivo, nós ensinamos lições que vão alem do chão de fábrica, eles
levam para casa e para a vida.
TST8: Positivos. Porque ela tem seu papel importante no processo de cons-
cientização e prevenção.

Todos os TSTs participantes veem as ações de forma positiva, mesmo havendo


ressalvas. Questionou-se, dessa forma, se os mesmos acreditam na educação do traba-
lhador ou na determinação de procedimentos.

TST1: Apesar do mercado puxar para determinações de procedimentos,


nós profissionais de segurança, temos que trabalhar na educação do traba-
lhador.
TST2: Em muitas empresas só existem os documentos assinados, mas o co-
nhecimento deixa a desejar. Acredito na determinação de procedimentos.
TST3: Educação e comportamento mais procedimentos.
TST4: O ideal seria e educação do trabalhador, mas é impossível educar
o trabalhador mais experiente e cheio de vícios. Neste caso temos que ir
diretamente pelo procedimentos para não gerar problemas para a empresa.
TST5: Procuro acreditar em educação do trabalhador.
TST6: A disciplina está associada a questões comportamentais fruto de
ações educativas e imperativas. Andam de mãos dadas.
TST7: Os procedimentos são necessários para cumprir a legislação, mas
sem a educação do trabalhador só o SESMT não pode garantir o ambiente
seguro. É uma via de mão dupla, uma depende da outra.
TST8: As duas coisas existem e são necessárias no ambiente de trabalho,
elas se completam. Alguns procedimentos são determinados visando o
cumprimento das normas de segurança; por outro lado, a educação é uma
estratégia muito eficiente da saúde e segurança do trabalho.

341
Apesar de não ser a favor somente da determinação de procedimentos, os partici-
pantes entendem que ainda é o caminho executável, pois acreditar unicamente na educa-
ção ainda é uma realidade bem distante. Para atender a normatização, os procedimentos
precisam ser registrados e este é o caminho seguido pelos profissionais. Indagou-se se já
pensaram sobre a relevância do papel do TST como educador.

TST1: Sim, sistema atual obriga o técnico de segurança a ser burocrático


em meio a tanta documentação, que muitas vezes ficam engavetadas, sem
eficácia no processo de melhoria do ambiente laboral, quando o ideal seria
um ambiente onde as ações sejam concentradas efetivamente nas causas
reais de acidentes e doenças ocupacionais, tornaria a profissão mais dinâ-
mica, além de criação de estabilidade dos profissionais que hoje estão re-
féns de empregadores que só contratam por obrigação, coagem e assediam
para agradar o sistema capitalista, que visa produzir a qualquer custo, e não
compactuamos dessas ideias, onde muitos colegas perdem seus empregos.
TST2: Nosso papel é relevante, somos facilitadores do conhecimento em
segurança do trabalho.
TST3: Sim, mais depende como você se comporta neste campo, a função da
segurança é especialmente de gestão.
TST4: É de suma importancia o papel do técnico, afinal são vidas e familias
sob nossa responsabilidade, alem de toda questão legal.
TST5: Sim, muitas vezes já me peguei pensando que posso melhorar sim,
meus métodos de trabalho.
TST6: Acredito que as atribuições a ele definidas, sendo aplicadas, atende
seu objetivo profissional.
TST7: Só sala de aula não resolve principalmente com quem trabalha no
campo e aí entra a importancia do nosso jogo de cintura com os trabalha-
dores.
TST8: Já repensei. O técnico deve estar o tempo todo atento aos procedi-
mentos e processos dentro da empresa, visando sempre a segurança e saúde
do trabalhador, prevenindo acidentes, perdas e afastamentos. Essa ação é
também reflexiva, ou seja, durante seu trabalho, ele deve estar refletindo
suas ações com vistas a melhorar cada vem mais na busca dos objetivos
traçados.

Observa-se, nas respostas, que se sentem motivados e dispostos a continuar a de-


sempenhar a atividade apesar das falhas existentes. Alguns pensam em somente aplicar o
que está determinado para cumprir a legislação, mas a maioria busca melhoria em todo
o processo, tendo uma visão mais crítica e empática.
Por fim, pediu-se que sugerissem melhorias no processo de formação inicial, as-
sim como na formação continuada levando em conta o desenvolvimnto da atividade
educativa.

342
TST1: Disciplina específica para melhora da comunicação dos profissionais
e técnicas de ensino
TST2: Eu vejo a formação com muitas falhas, as vezes recebemos estagiários
ou recem formados sem a minima condição para desempenhar a função,
infelizmente é o que é oferecido pelas escolas técnicas, foi assim comigo
tambem. Precisa reformular todo o curso, inserindo disciplinas que de fato
ofereçam conhecimento prático para os alunos. Já para a formação poste-
rior ao curso técnico, é um desejo de muitos de nós, mas há uma carência
destes cursos específicos, só existe curso de NR ou algunas ferramentas de
gestão. Precisamos de técnicas de ensino.
TST3: Evoluir no estágio de formação, mais contato com as atribuições que
vão executar.
TST4: Na formação continuada precisamos desenvolver melhor o que faltou
na formação e reciclar alguns conceitos como relações entre pessoas, lideran-
ça, oratória principalmente e para quem ainda está se formando isso pode ser
ensinado na escola e colocado em prática no estágio (no meu caso não houve
um estágio como deveria ser, fizemos somente visitas e a carga horaria foi
contabilizada como estágio, na época foi bom adiantou muito, mas ao chegar
no mercado de trabalho senti o peso e não ter aprendido na prática.
TST5: Até mencionei anteriormente, importante o técnico está aprimoran-
do, se atualizando diante das normas vigentes. Tem que procurar está com
o diferencial sempre.
TST6: Eu acredito que inserindo na formação uma disciplina específica,
por exemplo: Didática seria uma disciplina especifica; Pedagogia aplicada.
Nós temos várias disciplinas especificas, né. Temos uma Redação Técni-
ca Aplicada, Estatística Aplicada, Psicologia Aplicada. Por que não inserir
uma Pedagogia Aplicada ou coisa do tipo? Talvez poderia enriquecer e qua-
lificar melhor esse contexto. Existe uma linha da pedagogia chamada An-
dragogia que já é educação para adultos ao invés de pedagogia. Andragogia
específica, eu acredito que seria a solução para melhorar a qualificação do
profissional de segurança do trabalho.
TST7: O curso é muito voltado para normas de segurança e o técnico não é
só cumpridor das normas, nós somos psicólogos, professores, gestores, advo-
gados etc. A parte crucial dessa nossa função é saber lidar com gente de todo
tipo, rico, pobre, patrão e empregado e fazer eles entenderem o que estamos
tentando expor. Os técnicos poderiam sair mais bem formados das escolas se
no cotidiano como alunos estas habilidades fossem trabalhadas. Hoje em dia
vejo muito colegas buscando cursos para complementar a falha deixada pela
formação, alguns fazem até nível superior buscando melhoria na execução da
tarefa e continuam como técnicos no registro. A categoria precisa de orienta-
ção especifica para nossa função, esta é a minha bandeira.
TST8: A formação é um processo contínuo e inacabado, o que considero
como proposta de evolução na formação profissional é a participação de
cursos, seminários e palestra, buscando sempre novos aprendizados e atu-
alizações na área incentivada pela empresa.

343
O posicionamento dos técnicos é bem parecido, pois reconhecem a importância
da educação em SST. As mudanças necessárias nos currículos foram relatadas por expe-
riência da própria formação, assim como, ao receber estagiários ou profissionais forma-
dos, recentemente.
As informações coletadas nas entrevistas enriquecem questionamentos sobre a
qualidade de vida da população brasileira. Os TSTs colaboram através da atividade edu-
cativa para a conservação da vida, exercício da cidadania e autoestima dos trabalhadores.
As ações refletem na formação da identidade e como as pessoas interagem com o meio
em que vivem. Os TSTs externam em suas falas que não são filiados ao sindicato da cate-
goria, nem a associações, fato que os limita na buscar de melhorias para a classe.
A atuação do TST vai além do ambiente laboral, pois os conhecimentos compar-
tilhados com o trabalhador formam uma teia de informações envolvendo os familiares,
amigos ou mesmo desconhecidos. Essas conexões possibilitam o conhecimento coletivo
para preservação da vida, tornando-se uma ação social. O trabalho e a educação são
ações mútuas que contribuem para o avanço local oferecendo dignidade ao trabalhador
e a seus pares.

A SEGURANÇA DO TRABALHO E A EDUCAÇÃO


EM ESPAÇO NÃO FORMAL

A área de SST é repleta de carga horária de treinamentos, instruções, oficinas, cur-


sos, palestras, seja de forma presencial ou online. Percebe-se que o espaço de aprendiza-
gem é o local de trabalho e o educador é em muitos casos o TST. Cabe a este profissional
manter o bom relacionamento com os demais trabalhadores para o desenvolvimento
de estratégias para ensino/aprendizagem no ambiente laboral. Esta prática ocorre desde
o momento que a pessoa é admitida na empresa, posteriormente com os treinamentos
periódicos e/ou eventuais. Vargas e Abbad (2006) definem treinamento como reuniões
com fins educacionais que podem ter duração curta ou média e têm o objetivo principal
o desenvolvimento laboral.
De forma geral, as empresas possuem esquemas próprios para as capacita-
ções desde que atendam ao disposto na legislação. As empresas costumam adotar
os diálogos de segurança, seja em periodicidade diária ou semanal, e os mesmos
são compostos por temáticas variadas desde que, preferencialmente, seja inerente à
atividade desenvolvida.
O TST corrige as avaliações e, conforme os resultados, cria formas de reforçar o
aprendizado dos participantes. Além das oficinas e treinamentos, existem outras ações
destinadas a capacitação do trabalhador. Existem conceitos variados para os termos trei-
namento e capacitação, no entanto trata-se de um processo que a curto ou a longo prazo
requer aprimoramento do profissional que o desempenha.

344
A boa relação do SESMT que, na maioria das vezes, é constituído somente pelo
TST, é de suma importância, pois proporciona conhecimento, melhoria no desempenho,
motivação e, consequentemente, melhoria no ambiente laboral, uma relação análoga a
do professor com seus educandos. Ainda existem os eventos conhecidos como campa-
nha, pois reúnem esforços em períodos determinados durante o ano que também são de
responsabilidade do TST – desde o planejamento até os resultados. A Semana Interna
de Prevenção a Acidentes de Trabalho (SIPAT) é estabelecida na NR5 Comissão Interna
de Prevenção a Acidentes (CIPA). As informações, por meio de palestras de temas rela-
cionados a SST, são organizadas e ministradas pelo TST que precisa ter a comunicação
facilitada e dominar técnicas de oratória para o melhor entendimento dos participantes.
Todas as atividades educativas desempenhadas no ambiente de trabalho depen-
dem de metodologias de ensino para que haja um sentido nas informações compartilha-
das. O TST, geralmente, utiliza alguns recursos: livros, revistas, jornais, cartazes, vídeos,
filmes, slides etc.
É indispensável o envolvimento do colaborador para que a melhoria ocorra, pois
ele é o principal fornecedor de informações para que o TST desempenhe sua função an-
dragógica. Para que a ação educativa do TST seja efetiva é crucial que a mesma seja pau-
tada na interdisciplinaridade, pois demanda conhecimentos diversos ligados às vivências
dos trabalhadores e suas relações laborais. O sucesso das atividades educativas depende
da aceitação do trabalhador, pois, a cada instante, surge novos conceitos e métodos de
aplicabilidade da SST. Entretanto, se o colaborador não estiver disposto a mudanças, as
relações podem ser conflituosas.
Planejar as ações baseando-se nos saberes e na capacidade de compreensão do tra-
balhador é relevante, inclusive permitir que o mesmo opine, discuta e reflita, conforme
suas experiências. Trata-se de uma relação de confiança entre as partes a fim de promo-
ver um ambiente saudável e seguro para todos. Quando o trabalhador pode contribui, se
sente valorizado, autoconfiante e tem a autoestima elevada.

ANDRAGOGIA E SEGURANÇA DO TRABALHO

Pode-se entender a andragogia como uma forma de educar adultos, utilizando,


principalmente, as vivências para seguir no processo de aprendizagem. Na pedagogia,
o educador assume um papel mais ativo no processo da construção de conhecimentos
do aluno, através da condução ativa, criando oportunidades de construção de conheci-
mentos, uma vez que, são crianças e estão em processo de formação. Na andragogia, o
compartilhamento de conhecimento é constante, mas nem sempre parte do educador
somente por ser uma construção de conhecimentos bilateral. Quando se trata de uma
pessoa adulta permite-se considerar toda sua história para, em seguida, iniciar o proces-
so de troca de conhecimento entre as partes.

345
Em SST os ensinamentos devem partir das estratégias andragógicas, já que, toda e
qualquer atitude requer excelência na execução. Para tanto, nas empresas, por mais im-
perceptível que pareça, os instrutores precisam de técnicas efetivas. Tardif (2000) eviden-
cia que o aperfeiçoamento no meio laboral deve se dá por formação continuada, sendo
crucial o emprego da prática andragógica.
Barros (2018) diz que o ponto de início motivacional do adulto é intrínseco e re-
quer automotivação. O trabalhador precisa ser sujeito do seu conhecimento associando
suas vivências a aquisição de saberes.
O ensino de adultos é diferenciado por depender de fatores como: conhecimento;
vivências e conflitos pessoais; autoestima; forma de ensinar; e estímulo cultural. Chan
(2010) diz que a andragogia é composta por seis elementos: autoconceito do aprendiz; o
papel da experiência do aprendiz; prontidão para apender; orientação da aprendizagem;
necessidade de conhecimento; e motivação para aprender.

Mercúrio (2017) diz que o processo educativo nas empresas, na maioria


das vezes, não têm bons resultados, pois são aplicadas técnicas pedagógicas
e que por se tratar de adultos os fundamentos metodológicos devem ser
andragógicos.

Na andragogia o educando é parte ativa e multiplicadora do conhecimento, pois


o aprendizado é compromisso do aluno que transforma o instrutor em mediador do co-
nhecimento para alcance dos objetivos. No entanto, para aplicabilidade da andragogia, é
necessário que exista conhecimento das particularidades do aluno/trabalhador.

HEUTAGOGIA E SEGURANÇA DO TRABALHO

A área de SST está passando por mudanças, principalmente nas Normas Regu-
lamentadoras. Uma das principais discussões foi sobre a NR1 que sofreu mudanças em
2019. Dentre as alterações, cabe comentar sobre os treinamentos à distância: iniciais
ou de integração; periódicos; e eventuais. Com essa permissão regulamentada, surge
um novo desafio para a equipe do SESMT, em especial, a classe dos técnicos de segu-
rança do trabalho.
A partir da “liberdade” na realização de treinamentos, pode-se afirmar que
o desafio do TST em manter a equipe ativa e motivada aumentou, pois exercer esta
tarefa à distância exige mais engajamento e aplicabilidade de metodologias para
compartilhamento de saberes. Diante do exposto, entende-se que é pertinente falar
sobre heutagogia. Almeida (2003) define heutagogia como autodireção no proces-
so de aprendizagem; trata-se do interesse da própria pessoa adquirir e desenvolver
o conhecimento.

346
As organizações precisam de processos diversificados práticos e rápidos, então a
motivação heutagógica do colaborador e do TST são uma via expressa para o desenvol-
vimento da gestão em SST. Baptista (2011) definiu heutagogia como metodologia onde o
sujeito escolhe: de que forma, quando, onde e o que aprender, pois este é autor da própria
aprendizagem a fim de alcançar seus objetivos.
A heutagogia é característica dos melhores profissionais, pois não buscam saberes
por mera obrigação. Teoricamente, tanto a andragogia como a heutagogia não são con-
ceitos criados recentemente. No entanto, como já foi dito, após as modificações nas nor-
mas regulamentadoras, a aplicabilidade passou a ser mais utilizada, sem contar que com
a pandemia de COVID-19 e todos os protocolos estabelecidos pelos órgãos competentes,
o ensino a distância permitiu que a periodicidade dos treinamentos fosse mantida. Por
outro lado passou a exigir mais dedicação dos instrutores/TSTs que, assim como os edu-
cadores formais, precisaram ressignificar sua prática docente.

Educar para o trabalho saudável e seguro nas empresas

No ambiente laboral o processo de ensino-aprendizagem ocorre ao educar a


força de trabalho para produzir, executar, operar máquinas para fins de profissionali-
zação e/ou qualificação, entre outras atividades. O processo acontece independente da
modalidade ou nível e não se trata de componentes curriculares formais, mas sim do
contexto laboral.
As contradições concretas formadas por vínculos da produção capitalista no en-
quadramento laboral têm a capacidade de propiciar várias interrogações que englobam:
normas e regras, chance da atuação do colaborador, ingresso da renovação, produção
de conhecimentos, melhoramento da habilidade humana, a fim de fortificar o início da
metamorfose do espaço produtivo.
Silva (2015, p. 38) identifica uma pedagogia fabril e ressalta que essa “realiza no
cotidiano da produção três objetivos fundamentais: o aumento da produtividade, a for-
mação técnica e a conformação normativa de comportamentos, atitudes e valores”. É
relevante salientar que os pilares são favoráveis à saúde e segurança do trabalhador. Na
realidade, as instituições funcionam como uma espécie de ponte da educação formal es-
colar, pois completa o conhecimento conquistado que, por vezes, não fornece um olhar
crítico do mundo do trabalho.
Diante das divergências, é importante observar de que forma a prática educati-
va em SST ocorre no ambiente laboral e como pode promover as mudanças relevantes
que a vivência laboral requer. A educação para SST necessita considerar as necessidades
dos aprendizes, definir metodologia compatível com a realidade individual e os recursos
disponíveis, pois o processo de aprendizagem tende a ser diferenciado no campo das
demandas, das temporalidades e do recurso pedagógico utilizado.

347
Souza (2001) afirma que o espaço para treinamento dos trabalhadores no am-
biente laboral deve permitir a liberdade para descobertas, troca de experiências, diálo-
gos, compreensão e respeito para com a linguagem e conhecimento dos trabalhadores.
Entretanto, o hábito de preparo do trabalhador dentro da organização não é visto da
melhor maneira, pois a estratégia utilizada é o treinamento. Do lado oposto, à estratégia
citada está o cultivo da inteligência do colaborador, não mecanicamente submetendo-o
a treinamentos.
A educação em SST não é recente, mas é tradicionalmente embasada em caracte-
rísticas pedagógicas autoritárias, fato que remete ao que o pensamento de Paulo Freire
(1998) tanto repudia. As organizações necessitam de abordagens renovadas, que não
sejam somente direcionadas ao ambiente físico de labor, mas que objetivem a formação
do trabalhador.

POLÍTICAS PÚBLICAS NACIONAIS,


SEGURANÇA E EDUCAÇÃO DO TRABALHADOR

Segundo a OIT, o Brasil vem ocupando os primeiros lugares do ranking de aci-


dentes de trabalho há muitos anos, inclusive sendo o campeão mundial em 1970. Com-
preende-se que para modificar o cenário histórico e atual é necessário que a cultura de
segurança seja implementada e não somente políticas públicas que atendam aos traba-
lhadores que já se tornaram vítimas ou suas respectivas famílias em casos fatais. Toda
esta desordem ocorre, pois, na atual situação, é mais viável remediar ao invés de somente
prevenir o que seria a ação mais propícia.
As políticas públicas são implantadas a partir da divulgação estatística dos aci-
dentes pelos Ministérios da Saúde e Ministério da Economia. Souza (2001) define políti-
cas públicas como a “área do conhecimento que vislumbra ação governamental, analisa
e propõe mudanças necessárias”. Diante do exposto, é possível identificar as políticas
públicas nacionais inerentes a SST: A Constituição Federal no seu Art. 7o que trata de
direitos dos trabalhadores; As NRs que objetivam ações preventivas em vários setores
econômicos; A Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalho (PNSST) implantada
em 2011 e composta por cinco objetivos: “Universalidade; Prevenção; Precedência das
ações de promoção e proteção; Práticas e Prevenção sobre as de assistência, reabilitados
e reparação; e Diálogo Social e a integridade” (BRASIL, 2011).
Cabe ao Ministério da Economia, Ministério da Saúde e a Fundacentro implemen-
tar tanto a PNSST como o Plano Nacional de Segurança e Saúde do Trabalho (PLAN-
SAT) que é composto por oito objetivos:

Inclusão de todos os trabalhadores brasileiros no sistema nacional de pro-


moção e proteção da Segurança e Saúde no Trabalho (SST); 2) Harmo-

348
nização da legislação trabalhista, sanitária, previdenciária e outras que se
relacionem com SST; 3) Integração das ações governamentais de SST; 4)
Adoção de medidas especiais para atividades laborais submetidas a alto ris-
co de doenças e acidentes do trabalho; 5) Estruturação de uma rede inte-
grada de informações em SST; 6) Implementação de sistemas de gestão de
SST nos setores público e privado; 7) Capacitação e educação continuada
em SST; 8) Criação de uma agenda integrada de estudos e pesquisas em
SST (BRASIL, 2011).

Estratégia Nacional para reduzir os acidentes laborais, implantada em 2015-2016


contêm quatro eixos: O primeiro trata da intensificação das ações fiscais para proteção
da saúde do trabalhador nos segmentos econômicos com maior incidência de acidentes
do trabalho, que resultaram em morte e incapacidade. O segundo se refere ao Pacto Na-
cional pela Redução dos Acidentes e Doenças do Trabalho no Brasil. O terceiro se ocupa
da Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho, prevista no Artigo 155
da CLT. O quarto se dedica à ampliação das análises de acidentes do trabalho realizadas
pelos Auditores Fiscais do Trabalho, melhorando sua qualidade e divulgação, de modo a
contribuir para a prevenção de novos agravos (BRASIL, 2015).

Além as políticas públicas já citadas, existe o Programa Nacional de Edu-


cação e Saúde no Trabalho (Proeduc) é desenvolvido pela Fundacentro que
realiza cursos na área de SST com quatro tipos de atuação: 1ª) Práticas pe-
dagógicas em Segurança e Saúde do Trabalhador: a Pedagogia dos Projetos
de Trabalho; 2ª) Capacitação e atualização em SST; 3ª) SST na educação
formal. Aprendendo com a natureza e EJA – Educação de Jovens e Adultos;
4ª) Pesquisas: Práticas Pedagógicas em SST. Saúde, trabalho, desenvolvi-
mento sustentável no setor de transportes e Trabalho e subjetividade nas
marmorarias. (BRASIL, 1997).

Em março de 2020 o Governo Federal publicou a Medida Provisória (MP) 927


que tratava de teletrabalho; férias; feriados; banco de horas; CIPA; exames médicos; e
treinamentos em decorrência do estado de calamidade pública causado pela COVID-19,
no entanto a MP caducou após 120 dias.

O TST E SUA PRÁTICA EDUCATIVA

No ano de 1978, foram aprovadas pelo então TEM, através da Portaria 3.214,
as NRs. No entanto, a profissão de TST só foi instituída em 27 de novembro de
1985. A obrigatoriedade de contratação do referido profissional está descrita na
NR4, onde é instituído o SESMT que, por sua vez, é definido pelo grau de risco e
quantidade de funcionários.

349
O TST tem suas atribuições definidas pelo MTE por meio da Portaria 3.275 de 21
de setembro de 1989. As atividades delegadas aos técnicos abrangem reconhecimento
e identificação de agentes nocivos à segurança e saúde dos trabalhadores, sendo eles:
físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e mecânicos. Compete-lhes também, forne-
cer orientação para o empregador e seus colaboradores a fim de eliminar, monitorar e
controlar tais agentes.
Nesse contexto o profissional deve realizar funções educativas conforme descrito
no Art. 1o §VI:

[...] promover debates, encontros, campanhas, seminários, palestras, reuni-


ões, treinamentos e utilizar outros recursos de ordem didática e pedagógica
com o objetivo de divulgar as normas de segurança e higiene do trabalho,
assuntos técnicos, visando evitar acidentes do trabalho, doenças profissio-
nais e do trabalho (BRASIL, 1989).

Ainda complementando as atribuições, expõe-se o §VIII da mesma Portaria:

[...] encaminhar aos setores e áreas competentes normas, regulamentos,


documentação, dados estatísticos, resultados de análises e avaliações, ma-
teriais de apoio técnico, educacional e outros de divulgação para conheci-
mento e autodesenvolvimento do trabalhador (BRASIL, 1989).

É perceptível que as ações de prevenção a doenças e acidentes ligados ao trabalho


devem ir além da administração de locais insalubres, penosos ou perigosos. É necessário
que o trabalhador se integre a seu local de labor da mesma forma que o labor deve ser
integrado ao trabalhador.
No início de 2020, a OIT publicou o ranking atualizado dos acidentes de trabalho
e o Brasil ocupa o terceiro lugar da lista, ficando atrás dos Estados Unidos e China. De
acordo com dados divulgados pela Secretaria do Trabalho e Emprego, em 2018, foram
registradas 576.951 Comunicações de Acidentes de Trabalho (CAT), ressaltando que o
número é bem superior, pois as comunicações contabilizadas foram de colaboradores
com registo em carteira de trabalho.
O então Ministério do Trabalho, por meio da Classificação Brasileira das Ocupa-
ções (CBO), descreve as atividades do TST:

Elaboram, participam da elaboração e implementam políticas de saúde e se-


gurança do trabalho (SST); realizam auditoria, acompanhamento e avaliação
na área; identificam variáveis de controle de doenças, acidentes qualidade
de vida e meio ambiente. Desenvolvem ações educativas na área de saúde
e segurança do trabalho; participam de perícias e fiscalizações e integram
processos de negociação. Participam da adoção de tecnologias de processos
de trabalho; gerenciam documentos de SST; investigam, analisam acidentes e
recomendam medidas de prevenção e controle (BRASIL, 2002).

350
O TST é um profissional operacional independente do ramo da atividade da em-
presa, buscando propor melhorias nos locais de produção. Sua busca por um ambiente
seguro depende de terceiros, fato que pode fazer com que seu esforço seja imperceptível
a curto prazo.
No Art. 7o §XXVIII da Constituição Federal e no Art. 132 do Código Penal Brasi-
leiro, está discriminada a responsabilidade civil e criminal que implicar para o profissio-
nal TST em caso de negligência.
A experiência seja do TST ou de outro colaborador é de extrema relevância no
processo de transformação dos trabalhadores, pois os mesmos participam ativamente do
processo, sendo assim, o técnico é uma ligação direta entre a parte individual e coletiva
no labor para promoção à qualidade de vida.
Os TSTs, além de responsáveis pelo gerenciamento dos riscos laborais, exercem
a função educativa que, na maioria das vezes, não é oficialmente admitida, como relata
Bley (2004):

[...] com a finalidade de capacitar o trabalhador para atuar com se-


gurança no trabalho existe a predominância de instrutores (profissio-
nais que coordenam as atividades educativas) que não apresentam for-
mação didático-pedagógica para exercerem a função de “professores
(BLEY, 2004, p. 30).

Tais ações dentro das empresas servem de orientação, informação, capacitação e


forma o colaborador no ganho de conhecimento e nas práticas seguras. Os TSTs articu-
lam relações de segurança do trabalho e táticas de engajamento do empregador com os
empregados no ambiente de trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A segurança do trabalho está presente na vida da maioria das pessoas, seja direta
ou indiretamente, pois abrange várias áreas e, por esse motivo, demanda atualização
constante por parte dos profissionais a fim de atender sua finalidade. Os TSTs desem-
penham o papel de educador e deixam evidentes as dificuldades devido a ausência de
preparo, ainda na formação técnica.
Alguns dos participantes demonstram total desconhecimento da determinação
legal do exercício da atividade educativa, assim como, relatos de insegurança no de-
senvolvimento das mesmas e formar sujeitos ativos para a rotina laboral não é uma
missão simples.
Percebe-se que apesar de ofertar os cursos técnicos há alguns anos, ainda exis-
tem lacunas de uma esfera superior identificadas através dos relatos dos profissionais
egressos das respectivas escolas situadas em Jequié. Identifica-se que mesmo os cursos

351
contendo diversos componentes curriculares que contribuem para a formação dos TSTs,
esses profissionais, ainda quando alunos, não recebem o amparo andragógico voltado
à respectiva atividade educativa desenvolvida no ambiente laboral e estabelecida na le-
gislação que define as atribuições profissionais, apesar das escolas atenderem a todos os
requisitos estabelecidos pelo MEC.
A função exige um olhar sensível para o comportamento humano, para embasar
todas as atividades de análise, liderança e desenvolvimento de conteúdos específicos.
Viu-se que as principais ações educativas praticadas são os diálogos de segurança, treina-
mentos e campanhas e os TSTs carecem de formação específica para o desenvolvimento
das mesmas, conforme relatado na pesquisa.
Os TSTs vêm atuando de forma intuitiva nas ações educativas, no entanto,
suas responsabilidades são concretas perante a legislação, pois o que eles têm como
base são uma estabilidade nos indicadores, mas não na implemetação da cultura de
segurança.
Identifica-se o anseio dos profissionais por uma formação continuada específica
e acessível. A temática abre um leque de possibilidades de pesquisas futuras, tanto en-
volvendo gênero; métodos; criação de conteúdos; desenvolvimento; perfil do docente;
estrutura escolar; componentes curriculares de ordem técnica e modalidades de oferta
de curso; entre outras.
Muito se faz para cumprir as determinações da normatização de SST e manter os
indicadores em níveis baixos, mas os problemas permanecem, por alguns pontos citados
na pesquisa.
O Brasil ainda continua ocupando um dos primeiros lugares no ranking de aci-
dentes laborais, logo, entende-se que existem lacunas que precisam ser preenchidas para
que todo o contexto de SST faça sentido.

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Leitura, escrita, educação infantil e BNCC:
aspectos teóricos-metodológicos

Eunice Novaes Araujo de Jesus


Elane Nardotto Rios
Lafayete Menezes de Alencar Lima Rios

CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO

Desde a infância, a criança traz consigo um mundo de imaginação, habilidades e


potencialidades que, uma vez exploradas, podem representar um progresso em sua tra-
jetória escolar. Diante disso, é relevante considerar a Educação Infantil como etapa que
traz uma grande contribuição para o desenvolvimento integral da criança implicado em
suas condições psíquicas, físicas, emocionais e sociais.
A criança, quando vivencia no seu entorno um universo de diferentes linguagens
orais e escritas, capaz de promover estímulos necessários para o aprendizado, desfrutan-
do de condições favoráveis para uma boa desenvoltura cognitiva, terá grande probabili-
dade de se tornar uma criança bem desenvolvida que, por consequência, na fase adulta,
pode contribuir para uma sociedade mais justa e igualitária.
Atualmente, o Brasil apresenta um cenário desafiador, onde a vulnerabilidade so-
cial se faz presente em boa parte da população, principalmente para as políticas públicas
educacionais que, para alcançar um futuro de avanços científico, econômico e social,
precisa investir em uma formação educacional de qualidade.
Os dados levantados pela Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA)*, no ano
de 2016, revelam resultados preocupantes. Cerca de 54,73% de mais de 2 milhões de
alunos concluintes do 3º ano do ensino fundamental apresentam níveis de proficiência
insuficientes para a idade, mesmo havendo passado por três anos de escolarização. Desse
total, cerca de 450 mil alunos foram classificados no nível 1 da escala de proficiência, o
que significa incapacidade de interpretar textos simples de até cinco linhas e de identifi-
car textos como convites, cartazes, receitas e bilhetes. Estamos falando de crianças que,
mesmo estando na escola, são consideradas analfabetas (BRASIL 2019).

* Avaliação Nacional de Alfabetização – instrumento do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) que mede
os níveis de alfabetização e letramento em língua portuguesa e matemática do ciclo de alfabetização das redes
públicas.

357
Tais dados me levam a cogitar o lugar da Educação Infantil como a representação
das primeiras possibilidades de construção de conhecimento no âmbito escolar, capaz de
contribuir, desde cedo, para a formação de um sujeito autônomo que será inserido como
cidadão na sociedade.
Diante do exposto, trago algumas inquietações: é possível o processo de leitura e
escrita acontecer ainda na Educação Infantil? É viável que isso ocorra sem atropelar o
tempo cognitivo da criança? Como conciliar competências leitora e escrita com o brin-
car e a ludicidade? Como isso está materializado nas orientações nacionais para a Edu-
cação Infantil?
Com tais questões, apresento o problema desta investigação: como a Base Na-
cional Comum Curricular da Educação Infantil presentifica as diretrizes de leitura e de
escrita considerando as peculiaridades desse nível de ensino?
Tal problemática me orientou ao objetivo geral deste trabalho: analisar como
a BNCC da Educação Infantil presentifica as diretrizes de leitura e de escrita, con-
siderando as peculiaridades desse nível de ensino. Diante disso, busquei investigar
a possibilidade de a leitura e a escrita ocorrer ainda na Educação Infantil e averi-
guar a probabilidade desse processo acontecer com a conciliação entre a compe-
tência leitora/escritora e a ludicidade/brincadeiras, respeitando o tempo cognitivo
da criança.
Mediante a problemática e os objetivos explicitados no parágrafo anterior, decidi
pela investigação de abordagem qualitativa, especificamente análise documental, tendo
como documento analisado a Base Nacional Comum curricular da Educação Infantil,
que traz dois eixos estruturantes: interações e brincadeiras. Os referidos eixos proporcio-
nam à criança uma construção de conhecimentos através de suas ações e interatividade,
com possibilidade de aprendizagem e desenvolvimento.
Embora a BNCC da Educação Infantil não mencione as palavras alfabetização e
letramento em seus escritos, a mesma apresenta em suas entrelinhas, como aspecto me-
todológico, que o processo de leitura e escrita pode ocorrer ainda na Educação infantil,
de forma espontânea, respeitando o tempo cognitivo de cada criança em sua faixa etária,
sem perder de vista a ludicidade e a brincadeira, considerando sua infância e vivências
do cotidiano.
Os resultados estão apresentados em duas seções: a primeira - BNCC: um
olhar preliminar, onde apresento a Base Nacional Comum Curricular, conceito, ob-
jetivo e estrutura do documento. Já na segunda seção, Ensino/aprendizagem da
leitura e escrita na Educação Infantil: o que a BNCC nos diz sobre isso?, estão
pontuadas as diretrizes que a BNCC apresentou para o processo de desenvolvimento
e aprendizagem no que tange à leitura e escrita, como também o ponto de vista dos
teóricos citados na fundamentação.

358
DOS FUNDAMENTOS TEÓRICOS

A história da Educação Infantil no Brasil traz em sua trajetória um cenário mar-


cado tanto por desafios como por avanços. Ao longo dos anos, os fatores sociais envol-
vendo as classes menos favorecidas influenciaram para que muitas crianças se tornassem
vítimas de sofrimento, descaso e discriminação. A priori, a ausência de creches e escolas
contribuiu para que essas crianças se sentissem desamparadas. De acordo Vignon e Sa-
liba (2015), a escassa existência de instituições, como creches ou órgãos afins, durante
o período do século XIX, mostrava a dura realidade das crianças, submetidas a maus
tratos, má alimentação e pouca higiene.
Segundo os autores, nesse período, o aumento das fábricas têxteis proporcionou
às mulheres da época sua inserção no mercado de trabalho, entretanto, as operárias não
dispunham de alternativas acerca dos lugares onde seus filhos ficariam enquanto traba-
lhavam, não lhes restando outra opção, senão deixá-las aos cuidados das “mercenárias”
ou “cuidadoras”, as quais, mesmo possuindo o devido preparo, por terem que cuidar de
muitas crianças ao mesmo tempo, acabava expondo-as a descuidos.
Grande parte dessas crianças eram abandonadas por suas mães devido à falta de
condição para criá-las, isso quando não eram recolhidas pelas rodas de expostos (uma
espécie de abrigo para crianças abandonadas, onde a identidade da mãe era preservada).
Diante desse cenário, no final do século XIX e início do século XX, surgiram, no
Brasil, as primeiras creches. Essas instituições e programas pré-escolares foram criados
com o objetivo de favorecer a classe em vulnerabilidade social, diminuir a mortalidade
infantil, retirar as crianças abandonadas da rua, demonstrando, dessa forma, um caráter
auxiliador, de combate à pobreza.
Tais complexidades influenciaram para que tanto políticas públicas quanto edu-
cadores voltassem sua atenção para essa etapa da Educação. Primeiro, um olhar assisten-
cialista; depois, a tentativa de devolver à criança o direito à infância enquanto ela desfruta
do processo de aprendizagem. Entretanto, somente com a promulgação da constituição
de 1988 (BRASIL, 1988), a educação infantil passou a abranger crianças de 0 a 6 anos
de idade, atendendo em creches e pré-escolas, passando a ser reconhecida como dever
do Estado. Por sua vez, com a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), Lei nº 9.394/96, as
crianças de 0 a 5 anos passaram a compor este segmento, sendo ofertado gratuitamente
pelo Estado.
Em 2006, com a lei nº 11.274/2006, o Ensino Fundamental, com a duração de 9
anos, passou a ter obrigatoriedade de matrícula a partir de 6 anos. Apesar de se tornar
um direito adquirido, a Educação Infantil, só passa a ser obrigatória para crianças de 4
e 5 anos, a partir da Emenda Constitucional nº 59/2009, que determina que a Educa-
ção Básica seja composta dos 4 aos 17 anos, determinação esta que, só foi incluída na
LDB com a lei 12.796/2013. Com a inclusão da Educação Infantil na Educação Básica,

359
a escola passou a ocupar um espaço importante no percurso de vida dos pequenos,
pois a criança passou a ser reconhecida em sua individualidade, tendo a infância como
um direito enquanto vivencia a aprendizagem.
É possível que nesse processo de desenvolvimento infantil, a criança seja capaz
de dar os seus primeiros passos na aquisição da leitura e da escrita. Pesquisadoras como
Ferreiro e Teberosky (1999) partem do pressuposto de que todo o conhecimento tem
uma gênese e as autoras colocam as seguintes questões: quais as formas iniciais do co-
nhecimento da língua? Quais os processos de conceitualização do sujeito (ideias do su-
jeito + realidade do objeto de conhecimento)? Como a criança chega a ser um leitor, no
sentido das formas terminais de domínio da base alfabética da língua escrita?
De acordo com os resultados das pesquisas, as crianças, antes mesmo de vir à es-
cola, reconhecem que a escrita é um sistema de representação e fazem hipóteses de como
se dá tal interpretação. Existem 4 níveis que podem ser representados pelas crianças, des-
critos por Ferreiro e Teberosky (1999), a saber: pré-silábico, silábico, silábico-alfabético,
alfabético.
Segundo as autoras, no nível pré-silábico, o aprendiz pensa que pode escrever com
desenhos, rabiscos, letras ou outros sinais gráficos; no nível silábico, ele descobre que a
palavra escrita representa a palavra falada, acredita que basta grafar uma letra para po-
der pronunciar uma sílaba oral. No nível alfabético, o aprendiz analisa, na palavra, suas
vogais e consoantes.
Partindo desse pressuposto, Ferreiro e Teberosky (1999) expõem a pertinente
teoria de Jean Piaget que, por sua vez, apresenta a criança como sujeito que procura
ativamente compreender o mundo que o rodeia e busca resolver as interrogações que
este universo provoca. Diante disso, levantam-se hipóteses de que uma criança de 4 ou
5 anos, por exemplo, que cresce num ambiente no qual reencontra textos escritos em
qualquer lugar (em seus brinquedos, cartazes, publicitários, roupas, tv, etc.), consegue
construir alguma ideia a respeito da natureza desse objeto cultural.
Na teoria piagetiana, apresentada por Ferreiro e Teberosky (1999), o sujeito da
aprendizagem está no centro do processo e a concepção de aprendizagem (entendida
como um processo de obtenção de conhecimento) inerente à psicologia genética supõe,
necessariamente, que existem processos de aprendizagem do sujeito que não dependem
dos métodos, mas que a obtenção do conhecimento resulta da sua própria atividade.
Segundo as escritoras, Piaget compreende que o desenvolvimento cognitivo da crian-
ça passa por várias fases e cada etapa dependerá das características biológicas do indivíduo
e de fatores sociais e educacionais. Para ele, o aparecimento da linguagem oral permite à
criança interagir com o meio, todavia, a criança deve ser estimulada e desafiada com ativida-
des criativas através de ações pedagógicas significativas. Sendo a criança aceita como sujeito
histórico, detentor de direitos, deve ter sua identidade pessoal desenvolvida assim como sua
autonomia, sendo capaz de crescer como cidadão com direito à infância reconhecida.

360
Enquanto Piaget salienta o desenvolvimento biológico, por meio de estágios a se-
rem atingidos, Vygotsky, em sua obra conjunta com Luria e Leontiev, defende que o
contexto cultural é responsável por moldar os comportamentos, as transformações e as
evoluções ao longo do desenvolvimento, pois desde

[...] o nascimento, as crianças estão em constante interação com os adultos,


que ativamente procuram incorporá-las à sua cultura e à reserva de significados
e de modos de fazer as coisas que se acumulam historicamente. No começo, as
respostas que as crianças dão ao mundo são dominadas pelos processos naturais,
especialmente aqueles proporcionados por sua herança biológica. Mas através da
constante mediação dos adultos, processos psicológicos instrumentais mais com-
plexos começam a tomar forma. Inicialmente, esses processos só podem funcionar
durante a interação das crianças com os adultos (VYGOTSKY, LURIA, LEON-
TIEV, 2010, p.27).

Para Vygotsky, Luria e Leontiev (2010), a linguagem é um fator que determina o


desenvolvimento dos processos cognitivos como memória, percepção, atenção, imagina-
ção e o brincar como uma atividade que estimula o crescimento desses processos.
Em vista disso, a ludicidade presente no educar é um recurso potencializador que
permite à criança aprender por meio de jogos e brincadeiras, unindo competências e o
lúdico. Brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da identida-
de e da autonomia. Através das brincadeiras, além de a criança desenvolver sua criativi-
dade por meio da imaginação, ela vivencia regras de convivência, como também a repre-
sentação de diversos sentimentos, emoções e construções humanas. Segundo Vygotsky,
apresentado por Rego,

[...] através do brinquedo, a criança aprende a atuar numa esfera cognitiva que
depende de motivações internas. Nessa fase (idade pré-escolar) ocorre uma dife-
renciação entre os campos de significado e da visão. O pensamento que antes era
determinado pelos objetos do exterior passa a ser regido pelas ideias. A criança
poderá utilizar materiais que servirão para representar uma realidade ausente, por
exemplo, uma vareta de madeira como uma espada, um boneco como filho no
jogo de casinha, papéis cortados como dinheiro para ser usado na brincadeira de
lojinha etc. Nesses casos ela será capaz de imaginar, abstrair as características dos
objetos reais (o boneco, a vareta e os pedaços de papel) e se deter no significado
definido pela brincadeira (REGO, 1995, p. 81,82).

O pensamento de Lev Vygotsky, descrito no texto acima por Rego (1995), traz a
compreensão de que as experiências vivenciadas pelo indivíduo, através de jogos e brin-
cadeiras, é um incentivo para a criança conhecer diferentes situações de aprendizagem,
no seu cotidiano por meio de suas próprias vivências, favorecendo o seu desenvolvimen-
to cognitivo.

361
É importante também salientar a afirmação de Lev Semenovitch Vygotsky de que,
através da interação, a criança é capaz de desenvolver processos da aprendizagem os
quais, sem ajuda externa, jamais conseguiriam, denominando, assim, de Zona de Desen-
volvimento Proximal (ZDP), conforme explicado por Rego,

[...] a distância entre aquilo que ela é capaz de fazer de forma autônoma (ní-
vel de desenvolvimento real) e aquilo que ela realiza em colaboração com
os outros elementos de seu grupo social (nível de desenvolvimento poten-
cial) caracteriza aquilo que Vygotsky chamou de "zona de desenvolvimento
potencial ou proximal" (REGO, 1995, p. 73).

Dessa forma, o pesquisador nos traz o entendimento de que, com a Zona de De-
senvolvimento Proximal, a criança pode desenvolver funções que ainda não foram ama-
durecidas. Através da ajuda de outra pessoa, aquilo que ela não consegue fazer sozinha,
pode em um tempo breve se tornar em zona de desenvolvimento real.
Diante disso, pesquisas como a de Magda Soares também são importantes e tra-
zem grandes contribuições para o processo de alfabetização, em especial, por serem de-
senvolvidas em classes populares de escolas públicas de um município no Brasil. Para
ela, a leitura e a escrita estão relacionadas com o processo de alfabetização e letramento,
o que ela chama de Alfaletrar. Para Magda, Alfaletrar é

[...] compreender como a criança aprende a língua escrita, o sistema alfabé-


tico e seus usos, e com base nessa compreensão, estimular e acompanhar a
aprendizagem com motivação, propostas, intervenções, sugestões, orienta-
ções, o que supõe um olhar reflexivo e propositivo sobre o desenvolvimento
e a aprendizagem da criança (SOARES, 2020, p.290).

A pesquisadora vem desenvolvendo um trabalho de alfabetização e letramento


nas escolas do município de Lagoa Santa, em Minas Gerais, desde 2007, e vem dando
certo, conforme Soares (2020). De acordo a autora, deve ser visto como meta para o
aluno na pré-escola: identificar e escrever letras maiúsculas de imprensa ouvindo seu
nome; identificar números de sílabas em palavras ouvidas, palavras que terminam iguais;
escrever o nome completo; escrever espontaneamente palavras ou frases; reconhecer, em
livro, a capa e o autor; reconhecer as letras do alfabeto; ter consciência fonológica; dentre
outros; e que deve ser dado continuidade, aprofundando de forma progressiva nas séries
posteriores, tendo sempre o papel do docente como principal mediador para a aprendi-
zagem acontecer de maneira eficaz.
Ainda dentro desse processo de leitura e escrita, a Política Nacional de Al-
fabetização** - PNA (BRASIL, 2019) traz à discussão a Literacia emergente, isto é,

** PNA - Política Nacional de Alfabetização, documento criado com objetivo de melhorar a qualidade da al-

362
o conjunto de fatores como conhecimentos, hábitos e exercícios desenvolvidos an-
teriormente à fase da alfabetização. Para a PNA, a Literacia se faz presente ainda na
primeira infância, quando a criança inicia seu primeiro contato com variados exercícios
de linguagem oral e escrita, entretanto, seu diferencial é o foco em uma experiência de
aprendizagem voltada à ludicidade (BRASIL, 2019). Dessa forma, a criança deve ouvir
histórias lidas e contadas, parlendas, cantigas de rodas, familiarizar-se com literatura
infantil e outros afins.
Outra prática importante citada pela PNA (BRASIL, 2019) é a Literacia familiar, ou seja,
as vivências relacionadas à família no tocante à linguagem, leitura e escrita. Práticas como: con-
versas com a criança, desenvolvimento do vocabulário, manuseio de lápis, brincadeiras, entre
outras, são experiências que podem ser consideradas ganhos para a aprendizagem.
Face ao exposto, vale ressaltar a importância do favorecimento do ambiente esco-
lar para o processo de ensino e aprendizagem, devendo ser esse um espaço de interação
e de socialização com a família e a comunidade. Sendo assim, o fato de todas as crianças
terem acesso à escola não garante que as mesmas terão um ensino de qualidade favorável
ao seu desenvolvimento.
Ao longo do tempo, foram criados documentos institucionais que objetivavam
melhorar a qualidade do ensino e erradicar o analfabetismo no Brasil; dentre eles, o Pla-
no Nacional de Educação (PNE), aprovado por decênios desde 2001 e, recentemente, a
BNCC – Base Nacional Comum Curricular – uma normativa para o currículo das esco-
las públicas e privadas, homologada em 2017 (BRASIL, 2019).
Em conformidade com o PNE, a BNCC propõe que a criança seja alfabetizada até
o fim do 3º ano do Ensino Fundamental. Cabe ressaltar que o documento dispõe, em seu
conteúdo, de uma parte específica para a Educação Infantil.
Com o objetivo de pesquisar sobre as possibilidades de a leitura e a escrita co-
meçarem a ocorrer ainda na Educação Infantil, sem perder de vista suas especificidades,
busquei analisar o documento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educa-
ção Infantil, a fim de compreender se ocorre um embasamento favorável a tais práticas.

ABORDAGEM METODOLÓGICA:
Sobre a pesquisa documental

Este estudo está pautado numa abordagem qualitativa, utilizando-se da pesquisa
documental, como um importante mecanismo que nos permite ter uma visão ampliada
e uma melhor compreensão do objeto a ser estudado. A análise de documentos possi-
bilita acessos à historicidade de fatos e sua autenticidade registrada em determinados
momentos da história. Para Silva, Almeida e Guindani (2009, p.2),

fabetização no território brasileiro e combater o analfabetismo absoluto e funcional.

363
[...] O uso de documentos em pesquisa deve ser apreciado e valorizado.
A riqueza de informações que deles podemos extrair e resgatar justifica o
seu uso em várias áreas das Ciências Humanas e Sociais porque possibilita
ampliar o entendimento de objetos cuja compreensão necessita de contex-
tualização histórica e sociocultural [...].

Com o intuito de analisar as possibilidades de leitura e de escrita na Educação In-


fantil e conciliando essas competências com o brincar e a ludicidade, concebemos, como
documento para análise, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação In-
fantil. De acordo Gil (2002), a pesquisa documental apresenta algumas vantagens; dentre
elas, considera-se que os documentos constituem fonte rica e estável de dados.
Como os documentos subsistem ao longo do tempo, tornam-se a mais importante
fonte de dados em qualquer pesquisa de natureza histórica. Em concordância com Silva,
Almeida e Guindani (2009), quando um pesquisador utiliza documentos objetivando
extrair dele informações, ele o faz investigando, examinando, usando técnicas apropria-
das para seu manuseio e análise.
É importante salientar que a análise documental, dentre outros aspectos, contri-
bui para que um conteúdo seja analisado, seguindo uma linha de pesquisa qualitativa
com possibilidade de investigação e interpretação através de retiradas de elementos sig-
nificativos do texto, de forma que o objeto seja estudado com uma percepção ampliada,
respeitando seu contexto social. Nesse cenário, serão abordados a seguir os resultados e
discussão desta pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO DA PESQUISA BNCC:


Um olhar preliminar

Conforme apontado anteriormente, foi utilizado como corpus desta pesquisa a


Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Um documento de caráter normativo que
define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alu-
nos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo
que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em confor-
midade com o que preceitua o PNE.
A BNCC visa a um pleno desenvolvimento do estudante através de uma educa-
ção integral e de competências que venham a assegurar-lhe os direitos de aprender e
desenvolver-se, designando dez competências, as quais estão organizadas da seguinte
forma: conhecimento, pensamento científico, crítico e criativo; repertório cultural; cul-
tura digital; comunicação; trabalho e projeto de vida; argumentação; autoconhecimento
e autocuidado; empatia e cooperação e responsabilidade e cidadania.
Para a BNCC, competência é definida como a mobilização de conhecimentos (concei-
tos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores

364
para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do
mundo do trabalho.
Com a finalidade de ajudar a superar a fragmentação das políticas educacionais,
ensejar o fortalecimento do regime de colaboração entre as três esferas de governo e ser
balizadora da qualidade da educação, esse documento pretende garantir o acesso e a
permanência do aluno na escola, reconhecendo a necessidade de que sistemas, redes e
escolas garantam um patamar comum de aprendizagens a todos os estudantes.
Sua estrutura contempla as três etapas da Educação Básica (Educação Infantil, En-
sino Fundamental e Ensino Médio). Foi organizada de modo a explicitar as competên-
cias que devem ser desenvolvidas ao longo de toda a Educação Básica e em cada etapa da
escolaridade, como expressão dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento de todos
os estudantes. Abaixo, o modo como essas competências estão distribuídas.
Na Educação Infantil, os direitos à aprendizagem, ao desenvolvimento e aos cam-
pos de experiências; sendo, como eixos principais, as interações e as brincadeiras. No
Ensino fundamental, as áreas do conhecimento, competências específicas da área, com-
ponentes curriculares e competências específicas de componente. Por último, no Ensino
médio, as áreas do conhecimento e competências específicas de área.
Com a intenção de viabilizar uma educação de qualidade para os pequenos da
Educação Infantil, foi observado que a Base demonstra certa preocupação em educar
sem restringir os direitos que lhe são próprios: conviver, brincar, participar, explorar,
expressar, conhecer-se, de forma que esses direitos sejam garantidos através dos campos
de experiências: o eu, o outro e o nós; corpo, gestos e movimentos; traços, sons, cores e
formas; escuta, fala, pensamento e imaginação; espaços, tempos, quantidades, relações e
transformações.
No Ensino Fundamental, as competências específicas de componente dos anos
iniciais e dos anos finais estão distribuídas por unidades temáticas, objetos de conhe-
cimento e habilidades. Cada componente curricular apresenta um conjunto de habili-
dades, que estão relacionadas a diferentes objetos de conhecimento – aqui entendidos
como conteúdos, conceitos e processos que, por sua vez, são organizados em unidades
temáticas.
Já no Ensino Médio, as competências específicas de áreas estão distribuídas por
habilidades que representam as aprendizagens essenciais a serem garantidas no âmbito
da BNCC a todos os estudantes do Ensino Médio. Elas são descritas de acordo com a
mesma estrutura adotada no Ensino Fundamental.
Frente à estrutura geral da BNCC apresentada nesta seção, vou me deter apenas
na parte da Educação Infantil, com foco na questão de pesquisa: como a Base Nacional
Comum Curricular da Educação Infantil presentifica as diretrizes de leitura e de escrita,
considerando as peculiaridades desse nível de ensino?

365
Ensino/aprendizagem da leitura e escrita na educação infantil:
o que a BNCC nos diz sobre isso?

No contexto da Educação Básica, até a década de 80, a Educação Infantil (EI) era
vista como uma etapa à parte, antecedente à Educação Básica. Com a promulgação da
LDB, em 1996, a EI ficou no mesmo patamar do Ensino Fundamental, sendo parte inte-
grante da Educação Básica. Com a inclusão da EI na Educação Básica, a BNCC passou
a contemplar os direitos de aprendizagem e desenvolvimento da criança como parte de
suas diretrizes.
Os referidos eixos estruturantes da prática pedagógica da Educação Infantil, apre-
sentados pela BNCC, interações e brincadeiras, proporcionam à criança uma construção
de conhecimentos através de suas ações e interatividade, com possibilidade de aprendi-
zagem e desenvolvimento.
Tendo em vista propiciar condições para que as crianças aprendam em situações
nas quais possam desempenhar um papel ativo em ambientes que convidem a vivenciar
desafios e sentirem-se provocadas a resolvê-los, a Base estabeleceu seis direitos, confor-
me supracitado, os quais examinamos abaixo:

1. Conviver - para a BNCC: "Conviver com outras crianças e adultos, em pe-


quenos e grandes grupos, utilizando diferentes linguagens, ampliando o co-
nhecimento de si e do outro, o respeito em relação à cultura e às diferenças
entre as pessoas" (BNCC, p. 38).

O convívio da criança com coleguinhas e demais pessoas no ambiente escolar ou


familiar é apresentado na Base como uma mola propulsora para o desenvolvimento em
diversas áreas: na afetividade, resolução de conflitos, respeito ao próximo, na oralidade,
mediação das frustrações e controle das emoções, considerando este um aspecto impor-
tante, pois o desenvolvimento da leitura e da escrita é precedido por suas vivências no
cotidiano. Segundo Vygotsky, Luria e Leontiev (2010), a criança é compreendida como
sujeito histórico cultural, que é influenciado pelo seu ambiente de convívio, na interação
com os adultos, para um desenvolvimento do processo de aprendizagem, pois

[...] através da constante mediação dos adultos, processos psicológicos instrumen-
tais mais complexos começam a tomar forma. Inicialmente, esses processos só
podem funcionar durante a interação das crianças com os adultos (VYGOTSKY,
LURIA, LEONTIEV, 2010, p.27).

2. Brincar – para a BNCC  "Brincar cotidianamente de diversas formas, em


diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), am-
pliando e diversificando seu acesso a produções culturais, seus conhecimentos,

366
sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais, corporais, sen-
soriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais" (BNCC, p. 38).

A ludicidade presente no educar é um direito adquirido pela criança, que lhe per-
mite aprender por meio de jogos e brincadeiras. Para isso, a meu ver, as brincadeiras pre-
cisam ser planejadas com o intuito de gerar aprendizagem durante as aulas, sem perder
de vista o direito à infância ao passo que promove interação, criatividade, produtividade
como parte do processo de aprendizagem. Nesse sentido, o documento analisado faz
questão de conciliar a ludicidade com a aprendizagem, como possibilidade de uma edu-
cação com qualidade.
Vygotsky, nas palavras de Rego (1995), vem fortalecer a ideia de que a brincadeira
potencializa o desenvolvimento da criança favorecendo o acontecimento do processo
de aprendizagem. Para ele, o lúdico estimula o desempenho dos processos cognitivos,
conforme descrito abaixo:

[...] a criança poderá utilizar materiais que servirão para representar uma
realidade ausente, por exemplo, uma vareta de madeira como uma espa-
da, um boneco como filho no jogo de casinha, papéis cortados como di-
nheiro para ser usado na brincadeira de lojinha etc. Nesses casos ela será
capaz de imaginar, abstrair as características dos objetos reais (o boneco,
a vareta e os pedaços de papel) e se deter no significado definido pela
brincadeira (REGO, 1995, p. 81,82).

3. Participar - a BNCC diz: "Participar ativamente, com adultos e outras crian-


ças, tanto do planejamento da gestão da escola e das atividades propostas pelo
educador quanto da realização das atividades da vida cotidiana, tais como a
escolha das brincadeiras, dos materiais e dos ambientes, desenvolvendo dife-
rentes linguagens e elaborando conhecimentos, decidindo e se posicionando"
(BNCC, p. 38) .

A BNCC apresenta a participação do aluno no planejamento de forma ativa para


o seu desempenho escolar. Essa participação, no planejamento, tem seu lado positivo de
o indivíduo sentir-se valorizado por estar envolvido nas atividades e na construção do
aprendizado, considerando suas vivências do cotidiano.
Soares (2020) reconhece habilidades e conhecimentos que devem ser distribuí-
dos da pré-escola ao 3º ano do ciclo de alfabetização, os quais evidenciam em que ano
a criança tem condição de desenvolver tais habilidades, respeitando o processo de con-
tinuidade de um ano para outro. Tais orientações foram feitas a partir de diagnósticos e
pesquisas realizadas anteriormente.

367
4. Explorar - para a BNCC “Explorar movimentos, gestos, sons, formas, tex-
turas, cores, palavras, emoções, transformações, relacionamentos, histórias,
objetos, elementos da natureza, na escola e fora dela, ampliando seus saberes
sobre a cultura, em suas diversas modalidades: as artes, a escrita, a ciência e a
tecnologia” (BNCC, p. 38).

Pensando no processo de aquisição de leitura e escrita, o contato com os livros


e diferentes gêneros literários possibilita à criança, desde cedo, despertar interesse em
desenvolver suas habilidades. À medida que ela vai se familiarizando, vai explorando
naturalmente novas descobertas no tocante à aprendizagem.
De acordo Ferreiro e Teberosky (1999), a criança, antes mesmo de chegar à escola,
vê a escrita como sistema de representação, faz hipótese de como se dar tal interpretação.
As autoras afirmam que o aprendiz pode escrever com desenhos, rabiscos, letras ou ou-
tros sinais gráficos.

5. Expressar - a BNCC diz que "Expressar, como sujeito dialógico, criativo e sen-
sível, suas necessidades, emoções, sentimentos, dúvidas, hipóteses, descobertas,
opiniões, questionamentos, por meio de diferentes linguagens" (BNCC, p. 38).

Constata-se que a BNCC da EI defende que, para acontecer a leitura e a escrita na


fase pré-escolar, não precisa necessariamente que a criança tenha o domínio dos códigos,
mas que esses ocorram de forma espontânea, a partir da correlação de suas experiências
do cotidiano e as vivências em sala de aula. É importante ressaltar que esse processo re-
quer a devida atenção do professor em mediar situações que exijam habilidade de trans-
formar os momentos espontâneos em momentos de aprendizagem.
Ferreiro e Teberosky (1999) expõem a teoria de Jean Piaget, a qual apresenta a
criança como sujeito que procura ativamente compreender o mundo que o rodeia e trata
de resolver as interrogações que este mundo provoca. Assim, à medida que ele conecta
com o mundo ao redor, ele consegue construir alguma ideia desse objeto cultural.

6. Conhecer-se - a BNCC diz: "Conhecer-se e construir sua identidade pesso-


al, social e cultural, constituindo uma imagem positiva de si e de seus grupos
de pertencimento, nas diversas experiências de cuidados, interações, brinca-
deiras e linguagens vivenciadas na instituição escolar e em seu contexto fami-
liar e comunitário" (BNCC, p. 38).
 
De fato, é possível perceber em sala de aula que o aluno que tem sua identidade
construída, com uma autoestima elevada, se apresenta confiante para o processo do apren-
dizado. Quando o aluno tem uma imagem positiva de si mesmo, ele se sente capaz, aceito

368
e bem resolvido. Nesse aspecto, é notório que a BNCC apresenta certo cuidado com a
construção da identidade dos pequenos. Conforme a LDB nº 9.394/96, o desenvolvimento
integral da criança de até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual
e social dentro da escola, complementa a ação da família e da comunidade.
No que tange à organização curricular da Educação Infantil na BNCC, o docu-
mento apresenta a estrutura em cinco campos de experiências, nos quais são definidos
os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento por faixa etária, considerando a vida
cotidiana e os saberes das crianças. Nesses campos, as crianças se apropriam dos direitos
disponibilizados pelo mesmo, de forma materializada, como podemos ver a seguir:
Primeiro campo de experiência – o eu, o outro e o nós, é na interação com os
pares e com adultos que as crianças vão constituindo um modo próprio de agir, sentir
e pensar e vão descobrindo que existem outros modos de vida, pessoas diferentes, com
outros pontos de vista (BNCC, p. 40).
Nesse campo de experiência, as crianças desfrutam do direito de conviver. Através
da coletividade, vão se descobrindo como seres individuais e sociais, de forma que des-
cobrem, na interação, possibilidades para o conhecimento. Conforme Vygotsky, Luria e
Leontiev (2010), os adultos são agentes externos servindo de mediadores do contato da
criança com o mundo.
Segundo campo de experiência - corpo, gestos e movimentos, com o corpo (por
meio dos sentidos, gestos, movimentos impulsivos ou intencionais, coordenados ou es-
pontâneos), as crianças, desde cedo, exploram o mundo, o espaço e os objetos do seu
entorno, estabelecem relações, expressam-se, brincam e produzem conhecimentos sobre
si, sobre o outro, sobre o universo social e cultural, tornando-se, progressivamente, cons-
cientes dessa corporeidade (BNCC, p.40,41).
Nesse campo, o direito de brincar é assegurado à criança, conciliando aprendiza-
do com ludicidade. Por meio de diferentes linguagens e interações, sejam elas musical,
teatral ou outras, as crianças conseguem conhecer a si mesmo, suas emoções, seu próprio
corpo, como também ao outro com o qual está se relacionando, fazendo descobertas e
construindo sua própria autonomia para o conhecimento.
De acordo o Plano Nacional de Alfabetização (BRASIL, 2019), na literacia emergen-
te, incluem-se experiências e conhecimentos sobre a leitura e a escrita, adquiridos de ma-
neira lúdica e adequada à idade da criança, de modo formal ou informal, antes de aprender
a ler e a escrever, desenvolvendo habilidades que promovam a evolução da cognição.
Terceiro campo de experiência - traços, sons, cores e formas, conviver com di-
ferentes manifestações artísticas, culturais e científicas, locais e universais, no cotidiano
da instituição escolar, possibilita às crianças, por meio de experiências diversificadas, vi-
venciar diversas formas de expressão e linguagens, como as artes visuais (pintura, mode-
lagem, colagem, fotografia etc.), a música, o teatro, a dança e o audiovisual, entre outras
(BNCC, p.41).

369
A criança experimenta o direito de explorar o universo ao seu redor através da arte,
cultura e diferentes linguagens, no contato com uma diversidade de materiais e recursos tecno-
lógicos, produzindo senso crítico, conhecimento de si mesmo e afirmação da sua identidade.
Ferreiro (1998) afirma que, muito antes das crianças lerem, tentam interpretar
livros, embalagens comerciais, cartazes de rua, anúncios de televisão, estórias em quadri-
nhos, entre outros, explorando o mundo ao seu redor.
Quarto campo, escuta, fala, pensamento e imaginação – Desde o nascimento, as
crianças participam de situações comunicativas cotidianas com as pessoas com as quais
interagem (...). Progressivamente, as crianças vão ampliando e enriquecendo seu voca-
bulário e demais recursos de expressão e de compreensão, apropriando-se da língua ma-
terna – que se torna, pouco a pouco, seu veículo privilegiado de interação (BNCC, p.42).
Esse campo chama a atenção para a imersão da criança no mundo da leitura e da
escrita. As crianças, ao se relacionarem com os textos circulados no ambiente familiar,
escolar e pela própria comunidade, mantendo contato com outras pessoas e com di-
ferentes gêneros literários, como contação de histórias e ilustrações, são estimuladas a
desenvolverem o gosto pela leitura e escrita.
Vygotsky, apresentado por Rego (1995), compreende a existência de uma Zona de
Desenvolvimento Proximal, que é a distância entre o que a criança já sabe daquilo que
ela ainda pode desenvolver, ou seja, processos de aprendizagem que se desenvolvem com
ajuda externa, possibilitando novos conhecimentos através da mediação de outros.
Quinto campo - espaços, tempos, quantidades, relações e transformações, as
crianças vivem inseridas em espaços e tempos de diferentes dimensões, em um mundo
constituído de fenômenos naturais e socioculturais (BNCC, p.42).
Permite ao aprendiz buscar respostas às suas indagações e curiosidades; para isso,
a escola deve criar oportunidades para que as crianças ampliem seus conhecimentos.
Rego (1995) apresenta o ponto de vista de Vygotsky quanto ao favorecimento da escola
enquanto espaço de aprendizagem, apontando para a necessidade de criação de melho-
res condições na escola, a fim de que todos tenham acesso às informações e experiências
e possam efetivamente aprender.
Quanto aos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para a Educação In-
fantil, o documento curricular compreende tanto comportamento, habilidades, conheci-
mentos, quanto vivências que promovem aprendizagem e desenvolvimento nos diversos
campos de experiências, sempre tomando as interações e a brincadeira como eixos es-
truturantes. Estão distribuídos por faixa etária, respeitando o ritmo de aprendizagem e
desenvolvimento de cada criança.
Com base nos resultados, a BNCC da Educação Infantil aponta que o processo
de leitura e escrita pode ocorrer ainda na Educação infantil, de forma espontânea, res-
peitando o tempo cognitivo de cada criança em sua faixa etária, sem perder de vista a
ludicidade e a brincadeira, considerando sua infância e vivências do cotidiano.

370
Considera-se que toda estrutura organizada pela BNCC para o processo de apren-
dizagem na EI requer o papel do professor como principal mediador para que isso acon-
teça. Sendo esse um documento que visa a um patamar comum de aprendizagens a todos
os estudantes, é relevante considerar que nem todas as escolas possuem infraestruturas
adequadas para a apropriação desse documento, assim como a formação continuada dos
professores para que estejam aptos a mediar as diretrizes materializadas na Base.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme apresentado, a Educação Infantil traz, em sua trajetória, complexidades


que envolvem tanto o educando quanto o educador. A historicidade e os desafios dessa
etapa da Educação, vivenciados ao longo do tempo, nos fazem perceber que a Educação
Infantil é e sempre será um campo aberto a novos olhares para a aprendizagem e o de-
senvolvimento da criança.
Na tentativa de compreender como a Base Nacional Comum Curricular da Edu-
cação Infantil presentifica as diretrizes de leitura e de escrita, considerando as peculiari-
dades desse nível de ensino, constatei que, na análise do documento estudado, existem
pontos similares no paralelo entre as práticas pedagógicas apontadas pela BNCC para
o desenvolvimento infantil e o discurso teórico apresentado, embora o documento não
mencione em momento algum a palavra alfabetização, nem letramento. Tal documento
apresenta aspectos metodológicos que possibilitam que a leitura e escrita comecem a
ocorrer ainda na Educação Infantil.
A BNCC traz, em seus escritos, que é possível a criança desenvolver habilidades
e aprendizagens favoráveis à leitura e escrita, dando-lhes o direito de conviver com ou-
tras crianças e adultos, brincar de diversas formas em diferentes lugares, participar do
planejamento escolar, explorar o mundo ao seu redor, direito de se expressar livremente
e de conhecer-se, construindo sua identidade pessoal, social e cultural, sem deixar de
usufruir de sua infância. Deixa evidente que o contato com diferentes linguagens, gêne-
ros literários, entre outros, permite à criança tomar gosto pela leitura e escrita a ponto de
desejar se apropriar delas.
Contudo, toda essa estrutura e prática pedagógica da BNCC só serão possíveis acon-
tecer se houver uma preparação adequada dos educadores para mediar as ações educativas,
e uma infraestrutura favorável a tais práticas. Diante disso, referindo-se a um documento
comum a ser aplicado a todas as escolas, me pergunto: frente à nossa realidade atual no
país, no que tange ao ensino público, como a BNCC colocará em prática suas diretrizes
nas escolas que não tem uma infraestrutura adequada e educadores capacitados para este
fim? O que me faz pensar que tais observações resultariam talvez em outra pesquisa. Logo,
trata-se de um estudo que não está concluído, dado a sua amplitude, mas que traz grandes
contribuições para a reflexão sobre a prática da leitura e escrita na Educação Infantil.

371
REFERÊNCIAS

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mulgada em 5 de outubro de 1988. Senado Federal, 1988.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009. Diário Oficial da


União, Brasília, 12 de novembro de 2009. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc59.htm>. Acesso em: 10 jul. 2021.

BRASIL. Lei n°11.274, de 06 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos arts. 29, 30,
32 e 87 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases
da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino funda-
mental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. Diário Oficial da
União, Brasília, 07 fevereiro 2006.

BRASIL. Lei nº 12.796, de 04 de abril de 2013. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezem-


bro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial
da União, Brasília, 05 de abril de 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12796.htm>. Acesso em: 10 jul. 2021.

BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. LDB - Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro


de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília, MEC, 1996.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Alfabetização. Política Nacional de


Alfabetização. Brasília, 2019.

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FERREIRO, E. TEBEROSKY, A. Psicogênese da Língua Escrita. Trad. Diana Myriam


Lichtenstein et all. Ed. Artmed, Porto Alegre, 1999. Reimpressão 2008.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.

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372
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e metodológicas. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais Ano I - Número I -
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Acesso em 03 jun. 2020.

SOARES, Magda. Alfaletrar: toda criança pode aprender a ler e escrever. São Paulo:
Contexto, 2020.

373
INVESTIGAÇÃO MATEMÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE:
Uma análise de teses e dissertações
publicadas na BDTD entre os anos de 2015 a 2020

Mariângela Santana Santos


Wesley Matos Cidreira

INTRODUÇÃO

Durante o curso de graduação em matemática na Universidade Estadual do Su-


doeste da Bahia (UESB), a autora desta pesquisa teve a oportunidade de participar
como bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID),
desenvolvido nos níveis de ensino fundamental e médio por meio de aulas e oficinas
em escolas públicas.
Nesse contexto, a pesquisadora pôde vivenciar diversas experiências escolares
com as intervenções, com os planejamentos e observações. Conseguiu notar que os estu-
dantes possuíam muitas dificuldades em relação ao conhecimento e à aprendizagem da
matemática. Percebeu que na maioria das vezes o professor se preocupava muito com a
“absorção” dos conteúdos matemáticos por parte dos estudantes, estimulando-os a de-
senvolver suas atividades por meio de treinos decorativos, memorização de procedimen-
tos e regras, e execução de exercícios de modo mecânico.
Recorrendo a história da Educação Matemática (EM) como campo profissional,
encontramos (FIORENTINI; LORENZATO, 2006) autores que nos alertam que a fase de
gestação da EM começa no início do século XX até o final dos anos de 1960. Durante
esse período, o ensino da matemática era voltado diretamente a práticas de execução de
tarefas e os procedimentos realizados em sala de aula eram sempre voltados a utilização
e elaboração de manuais e materiais didáticos, entretanto é possível perceber esforços
e movimentos contrários a essas perspectivas, no momento em que surge a Educação
Matemática como campo profissional, de ação e sistematização de conhecimentos (FIO-
RENTINI; LORENZATO, 2006).
A literatura em Educação Matemática aponta que este tipo de ensino não colabora
com a construção do conhecimento matemático e com os avanços teóricos e metodo-
lógicos de tal literatura. Atualmente as propostas educacionais vêm privilegiando um
ensino contextualizado, interdisciplinar e autônomo.

374
Na Educação Matemática existem propostas metodológicas de ensino e apren-
dizagem consideradas fundamentais para aprender matemática, dentre elas a Inves-
tigação Matemática (IM), que se trata de uma abordagem que vai de encontro as
propostas tradicionais de ensino, por proporcionar autonomia para os alunos, que
se tornam mais ativos e participativos no processo de aprendizagem, e que assumem
o papel de autores do seu próprio conhecimento. Por esse motivo, se faz tão necessá-
ria à utilização da IM. Desse modo, seguir as propostas curriculares, que defendem
maneiras autônomas de aprendizagem, que se referem às ações protagonizadas pelos
próprios alunos.
Ao pensar em metodologias como a IM no ensino de matemática, nos deparamos
com questionamentos a respeito da formação do professor, de quais maneiras esta me-
todologia tem contribuído na formação do educador matemático, em suas aulas, em seu
modo de lecionar, e sobre sua formação profissional reflexiva. Nessa perspectiva, esta
pesquisa vem apresentar uma análise bibliográfica de teses e dissertações sobre Inves-
tigação matemática e a formação docente na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações
(BDTD), dentre os anos de 2015 a 2020.
Diante do exposto, apresentamos este estudo para encontrar maneiras de
amenizar as dificuldades existentes no ensino de matemática, como também apre-
sentar a importância da IM na formação de professores de matemática em práticas
escolares. Propomos responder o seguinte questionamento: O que dizem as teses
e dissertações publicadas na BDTD acerca da contribuição da IM para a formação
de professores de matemática? Tendo por objetivo geral: Conhecer o estado da arte
acerca de como a IM tem contribuído na formação de professores de matemática.
Objetiva-se fazer um levantamento das publicações acerca das contribuições da In-
vestigação Matemática na formação docente na BDTD no período de 2015 a 2020;
analisar o que dizem publicações acerca das contribuições da Investigação Mate-
mática na formação docente; e refletir como a IM impacta nas práticas pedagógicas
dos professores de matemática.
Para realizar os objetivos propostos, trabalhou-se com a análise de publicações na
BDTD relacionados a investigação matemática e formação de professores, sendo eles: “a
formação continuada de professores em investigação matemática na região oeste de pa-
raná” JUNKERFEURBOM (2019) e “resolução de problemas e investigação matemática:
um processo de intervenção formativa para licenciatura em matemática” CAVALHEIRO
(2017). Para tal ação levamos como meta predominante o processo de análise bibliográ-
fica do conteúdo dos textos abordados e a significação da pesquisa no que diz respeito a
formação de professores por meio da IM.

375
INVESTIGAÇÃO MATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DOCENTE:
Um breve estado da arte

As Investigações Matemáticas podem ser utilizadas como metodologia de ensino


em diversos conteúdos, podendo contribuir para a aprendizagem dos alunos. Sendo as-
sim, subdividem-se estes pressupostos-teóricos de estudo em duas seções. A primeira: o
ensino por meio da investigação matemática na perspectiva de Ponte (2016), Oliveira
(2016) e Brocardo (2016) investigando a concepção, importância e papel do professor,
embasado nas propostas do livro “Investigações Matemáticas na Sala de Aula” de autoria
dos autores citados acima. Na segunda seção: Análise e discussão dos resultados traze-
mos então a nossa questão de pesquisa: O que dizem as teses e dissertações publicadas
na BDTD acerca da contribuição da IM para a formação de professores de matemática?
Acreditamos que os professores precisam constantemente de inovações pedagó-
gicas para fortificar sua prática. Para isso faz-se necessário uma boa formação inicial e
continuada pautada nos princípios da superação de desafios, limites e dificuldades, para
a adoção de práticas reflexivas, colaborativas e inovadoras. Desse modo, sucintamente, a
IM se apresenta como possível mediadora na promoção do aprimoramento e estabeleci-
mento de uma formação docente qualificada.

O ENSINO POR MEIO DA INVESTIGAÇÃO MATEMÁTICA


NA PERSPECTIVA DE PONTE, OLIVEIRA E BROCARDO:
Concepção, importância e papel do professor

Nesta seção faremos a discussão teórica referente à Investigação Matemática e seu


papel em aulas investigativas. Ao se pensar em IM, como ferramenta metodológica de en-
sino, deve-se refletir sobre o próprio conceito de investigação. Ponte (2003) salienta que:

[...] investigar não significa necessariamente lidar com problemas na fron-


teira do conhecimento nem com problemas de grande dificuldade. Signi-
fica, apenas, trabalhar a partir de questões que nos interessam e que apre-
sentam inicialmente confusas, mas que conseguimos clarificar e estudar de
modo organizado (PONTE, 2003, p. 2).

Assim como Ponte, acreditamos que o ensino de matemática deva se preocupar


em formular questões no intuito de investigá-las e respondê-las. Nessa perspectiva, o
ensino teria uma abordagem de acordo com a aprendizagem baseada na investigação, ou
aprendizagem baseada na pesquisa.
Sendo assim, admitindo-se que a Matemática é uma ciência imprescindível, neces-
sária ao homem em as suas ações do dia a dia, busca-se por um ensino de matemática que
possibilite à aprendizagem que direcione o aluno a construção autônoma do conhecimento,

376
por meio de explorações, manipulações e construção de hipóteses. Ponte, Brocardo e Oliveira
(2005, p. 10) ressalta ainda que “o interesse por este tema decorre do fato de diversos estudos
em educação terem mostrado que investigar constitui uma poderosa forma de construir
conhecimento”. Mas como isto ocorre em sala de aula?
Para Ponte, Brocardo e Oliveira (2016), as investigações matemáticas em sala de
aula, podem ser desenvolvidas em três etapas sendo elas: (1) o professor propõe a tare-
fa; (2) realização da tarefa (em grupos ou individual); (3) discussão dos resultados; O
professor na aula investigativa assume o papel de mediador, para melhor viabilizar o
entendimento da tarefa aos estudantes, para a aprendizagem do conteúdo matemático
proposto.
O professor precisa criar um ambiente tranquilo, em que os alunos se sintam à
vontade para expor seus pensamentos, ideias e raciocínios, motivados pelo caráter au-
tônomo que a atividade propicia, diante das discussões e valorizações de falas durante
a investigação. Na aula investigativa os alunos realizam processos para resolução das
tarefas, que são: a exploração e a formulação de questões, formulação de conjecturas,
teste e reformulação de conjecturas, justificação de conjecturas e avaliação do trabalho
(PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2016).
Nesse sentido, o aluno que deve formular as suas questões e hipóteses de reso-
lução. Essa atitude será conquistada através dos direcionamentos feitos pelo professor
que, por sua vez, mediará o processo de aprendizagem. Ponte; Brocardo; Oliveira (2016)
sustentam que:

O sucesso de uma investigação depende também, tal como de qualquer outra


proposta do professor, do ambiente de aprendizagem que se cria na sala de
aula. É fundamental que o aluno se sinta à vontade e lhe seja dado tempo para
colocar questões, pensar, explorar as suas ideias e exprimi-las, tanto ao profes-
sor como aos seus colegas (PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2017, p. 28).

Nesse processo de construção de conhecimento, o diálogo é importante. Uma


busca nas atividades investigativas o professor precisa fazer o acompanhamento dos alu-
nos, visando atender as necessidades de cada um, desafiando-os sempre e questionando-
-os de maneira que eles possam aprender com autonomia e motivação desenvolvendo o
raciocínio matemático. Corroborando com o pensamento de Fiorentini:

O desenvolvimento de aulas exploratório-investigativas na prática escolar per-


mite dar voz e visibilidade à variedade de ideias, raciocínios e conhecimentos
dos alunos quando realizam a atividade matemática em sala de aula. A análise e
reflexão dos professores sobre o pensamento matemático dos alunos em mobi-
lização durante essas atividades de sala de aula representa um rico contexto de
problematização e de produção de conhecimentos e de renovação do currículo
escolar (PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2017, p. 28).

377
Com isso, podemos considerar que o professor tem grande papel no decorrer das
atividades investigativas, e como gratificação profissional possui a chance de se deparar
com novos desafios que singularizam sua prática docente, assim, Ponte, Oliveira e Bro-
cardo (2017) consideram:

Contudo a interação que ele tem de estabelecer com os alunos é bem di-
ferente da que ocorre em outros tipos de aula, levando-o a confrontar-se
com algumas dificuldades e dilemas. Tais aulas representam um desafio
adicional à sua prática, mas, certamente, traduzem-se também em momentos
de realização profissional (PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2005, p. 47).

Um dos desafios adicionais que (PONTE, OLIVEIRA e BROCARDO, 2016) sa-


lientam na citação acima poderia dizer respeito ao reconhecimento do grupo que o pro-
fessor está trabalhando. Outro desafio é a imprevisibilidade, que é uma característica
forte desta metodologia, pois é preciso que o professor esteja preparado, pronto para
apoiar e discutir as ideias que surgirão.
Fiorentini (2013, p.76), afirma que “quando o professor dá voz e ouvidos ao
modo de pensar e significar dos alunos, eles o surpreendem com seus raciocínios e
estratégias de resolução de problemas e com suas conjecturas e argumentações”. É
preciso o estabelecimento de parceria e troca de conhecimentos formando um elo
de confiança e significância, priorizando sempre a capacidade dos alunos. Faz-se
necessário também:

Que o professor possa, ao mesmo tempo, experienciar e refletir/analisar


outros modos de estabelecer relação com o conhecimento em ambientes
de exploração, investigação ou de resolução de problemas seja enquanto
aprendiz na formação inicial seja enquanto docente sobre sua prática com
os alunos (FIORENTINI, 2013, p. 76).

Discorrido sobre a Investigação Matemática, traremos, em seguida, a seção que


tratará sobre a IM no currículo, e as indicações nas legislações educacionais do seu uso
no ensino de matemática.

A INVESTIGAÇÃO MATEMÁTICA NO PCNsS, PCNEM E BNCC

A IM está inserida nos currículos de diversos países, como Estados Unidos, Por-
tugal, Inglaterra, França e Brasil. Ponte (2003) afirma que a IM vem como uma aborda-
gem particular da Resolução de Problemas (RP) que vem sendo utilizada em Portugal
desde o início dos anos 1990. No entanto, além de Portugal, a IM também aparece em
estudos de outros países como Estados Unidos da América, Inglaterra e França.

378
No campo da formação contínua de professores, Santos e Ponte (2003) do-
cumentam a realização de um círculo de estudos, no formato de educação
à distância. Nesta ação de formação, os professores – dos mais diversos
pontos do país e até alguns do Brasil – trabalhavam em grupos de dois
elementos, lendo e discutindo textos sobre assuntos relacionados com as
atividades de investigação e a sua realização na sala de aula e realizavam
tarefas que pressupunham reflexão crítica, pesquisa e experimentação na
sala de aula (PONTE, 2003, p. 66).

Os autores indicam que a grande maioria dos participantes consideram que este
círculo de estudos foi uma experiência positiva de desenvolvimento profissional, tendo-
-os ajudado a refletir sobre diversas questões e ajudado a compreender melhor o papel
das investigações nos currículos, valorizando muito a possibilidade de trabalhar de ma-
neira autônoma e colaborativa.
No nosso país, de modo particular, podemos encontrar a IM nas legislações edu-
cacionais. Segundo a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), no que se refere às
competências gerais da educação básica, podemos destacar o que se destina a investiga-
ção, no tópico dois, onde se considera fundamental:

Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ci-


ências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e
a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular
e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos
conhecimentos das diferentes áreas (BRASIL, 2017, p. 09).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) fazem indicações para o uso de prá-


ticas investigativas no ensino da matemática. Podemos observar, nos objetivos gerais
para o ensino fundamental, indicações que descrevem de forma direta e por vezes in-
diretamente aspectos importantes no processo de ensino da matemática por meio da IM,
como a comunicação, argumentação, raciocínio lógico dedutivo, trabalhos em parceria,
valorização da autonomia e da autoestima.

Quadro 1. Objetivos gerais inerentes ao uso de práticas investigativas


no ensino da matemática de acordo com os (PCNs)

OBJETIVOS GERAIS

· Comunicar-se matematicamente, ou seja, descrever, representar e apresentar resultados com precisão e


argumentar sobre suas conjecturas, fazendo uso da linguagem oral e estabelecendo relações entre ela
e diferentes representações matemáticas;

· Sentir-se seguro da própria capacidade de construir conhecimentos matemáticos, desen-


volvendo a autoestima e a perseverança na busca de soluções;

379
· Interagir com seus pares de forma cooperativa, trabalhando coletivamente na busca de
soluções para problemas propostos, identificando aspectos consensuais ou não na discussão de um
assunto, respeitando o modo de pensar dos colegas e aprendendo com eles.

Fonte: BRASIL. Ministério da Educação / Secretaria de Educação Fundamental.


Parâmetros Curriculares Nacionais: matemática- 1º e 2º ciclos. Brasília: MEC/SEF, 1998.

Podemos encontrar também no primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental,


objetivos que refletem a importância de ações para o ensino de matemática, que podem
ser contempladas, com uso da IM. No primeiro ciclo, podemos encontrar os objetivos
específicos: interpretar e produzir escritas numéricas, levantando hipóteses sobre elas,
com base na observação de regularidades, utilizando-se da linguagem oral, de registros
informais e da linguagem matemática; desenvolver procedimentos de cálculo — mental,
escrito, exato, aproximado — pela observação de regularidades e de propriedades das
operações e pela antecipação e verificação de resultados.
No segundo ciclo, encontramos os objetivos específicos: ampliar o significado do
número natural pelo seu uso em situações problemas e pelo reconhecimento de relações
e regularidades; ampliar os procedimentos de cálculo — mental, escrito, exato, aproxi-
mado — pelo conhecimento de regularidades dos fatos fundamentais, de propriedades
das operações e pela antecipação e verificação de resultados; utilizar diferentes regis-
tros gráficos — desenhos, esquemas, escritas numéricas — como recurso para expres-
sar ideias, ajudar a descobrir formas de resolução e comunicar estratégias e resultados;
demonstrar interesse para investigar, explorar e interpretar, em diferentes contextos do
cotidiano e de outras áreas do conhecimento, os conceitos e procedimentos matemáticos
abordados neste ciclo.
Nos objetivos gerais do terceiro e quarto ciclos, podemos novamente encontrar
referências para a prática da IM, onde diz: identificar os conhecimentos matemáticos
como meios para compreender e transformar o mundo à sua volta e perceber o caráter de
jogo intelectual, característico da Matemática, como aspecto que estimula o interesse, a
curiosidade, o espírito de investigação e o desenvolvimento da capacidade para resolver
problemas; comunicar-se matematicamente, ou seja, descrever, representar e apresentar
resultados com precisão e argumentar sobre suas conjecturas, fazendo uso da linguagem
oral e estabelecendo relações entre ela e diferentes representações matemáticas; sentir-se
seguro da própria capacidade de construir conhecimentos matemáticos, desenvolvendo
a autoestima e a perseverança na busca de soluções; sentir-se seguro da própria capaci-
dade de construir conhecimentos matemáticos, desenvolvendo a autoestima e a perseve-
rança na busca de soluções.
Ponte (2005) ressalta, ainda, que atividades de investigação podem ser desenvolvi-
das nos mais diversos conteúdos dos eixos matemáticos. Como podemos citar: grandezas

380
e medidas; cálculo; espaço e forma e tratamento de informação. Sendo esses apresenta-
dos, respectivamente, como um processo de viabilização de: manuseio de instrumentos
de medidas, análise de figuras por observação e construção. Em relação aos cálculos,
indica-se o uso de dispositivo eletrônico (calculadora) no intuito de facilitar e estimular
a investigação, a elaboração e teste de conjecturas.
As Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) ainda
mostram direcionamento, competências e habilidades a serem desenvolvidas em ma-
temática. No tópico “Investigação e compreensão”, podemos encontrar as indicadas
a seguir: identificar o problema (compreender enunciados, formular questões etc.);
procurar, selecionar e interpretar informações relativas ao problema; formular hipóte-
ses e prever resultados; selecionar estratégias de resolução de problema; interpretar e
criticar resultados numa situação concreta; distinguir e utilizar raciocínios dedutivos
e indutivos; fazer e validar conjecturas, experimentando, recorrendo a modelos, esbo-
ços, fatos conhecidos, relações e propriedades; discutir ideias e produzir argumentos
convincentes.
Sendo assim, observamos que tanto nos objetivos gerais, quanto nos especí-
ficos, para o primeiro, segundo, terceiro e quarto ciclos, bem como nas abordagens
indicativas de habilidades e competências complementadas pelos PCNEM, existem
propostas de ensino da matemática que revelam suma importância da IM no proces-
so de aprendizagem.
Os interesses maiores das propostas, acima citadas, estão enraizados na busca da
construção de capacidades para que o aluno investigue, resolva problemas, argumente,
descubra e crie seus próprios caminhos para aprendizagem.

INVESTIGAÇÃO MATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

A formação docente e as práticas pedagógicas, que se baseiam nos princípios da


reflexão e da valorização, das diversas formas de ensinar e aprender, ainda são as bases
centrais de uma construção profissional singular, na qual se reflete um professor pesqui-
sador, que investiga e questiona seu próprio papel social na educação.
As Diretrizes Curriculares para Cursos de Matemática (DCN) defendem que
são competências e habilidades aos formandos em licenciatura em matemática “per-
ceber a prática docente de Matemática como um processo dinâmico, carregado de
incertezas e conflitos, um espaço de criação e reflexão, onde novos conhecimentos são
gerados e modificados continuamente” (BRASIL, 2002, p. 4-5). Como também ressal-
ta a importância de “desenvolver estratégias de ensino que favoreçam a criatividade,
a autonomia e a flexibilidade do pensamento matemático dos educandos, buscando
trabalhar com mais ênfase nos conceitos do que nas técnicas, fórmulas e algoritmos”
(BRASIL, 2002, p.4).

381
Podemos observar que a constituição de uma boa formação docente do professor
de matemática está pautada na aderência de competências e habilidades fundamentais
na prática do saber ensinar. Esta, por sua vez está inteiramente relacionada a formação
específica, inicial e continuada, de modo que não existiria possibilidade alguma de es-
tabilidade no saber profissional, sem a formação, e seus processos de construção. Para
Albuquerque e Gontijo (2013):

A formação inicial e/ou continuada deve promover a construção dos sa-


beres docentes de maneira que estes relacionem os já validados cientifi-
camente aos que estão em processo de construção por parte do professor,
articulando o conhecimento adquirido na formação com a sua experiência
de vida e profissional (ALBUQUERQUE; GONTIJO, 2013, p. 4).

Há muito se tem discutido a respeito da formação do professor de matemática e


sua preparação curricular de formação. A importante ligação que deve ser estabelecida
entre o saber matemático e os saberes sobre a educação matemática, de modo que se te-
nham avanços nas práxis pedagógicas e nos processos de ensino e aprendizagem.
Sendo assim, é possível que uma formação pautada nesses elementos contribua
para transformação de conhecimentos específicos matemáticos em conhecimentos ma-
temáticos escolares (contexto escolar). Trata-se de uma reflexão sobre a não suficiência
do saber matemático conteudista por si só, mas também, do envolvimento do professor
em processos participativos, e colaborativos, nas suas práxis pedagógicas e em todos os
seus aspectos constitutivos. Passos et al. (2006) ressaltam que:

[...] consideramos a formação docente numa perspectiva de formação con-


tínua e de desenvolvimento profissional, pois pode ser entendida como um
processo pessoal, permanente, contínuo e inconcluso que envolve múlti-
plas etapas e instâncias formativas. Além do crescimento pessoal ao longo
da vida, compreende também a formação profissional (teórico-prática) da
formação inicial — voltada para a docência e que envolve aspectos con-
ceituais, didático-pedagógicos e curriculares — e o desenvolvimento e a
atualização da atividade profissional em processos de formação continua-
da após a conclusão da licenciatura. A formação contínua, portanto, é um
fenômeno que ocorre ao longo de toda a vida e que acontece de modo in-
tegrado às práticas sociais e às cotidianas escolares de cada um, ganhando
intensidade e relevância em algumas delas (PASSOS et al, 2006, p. 196).

Podemos notar que o conhecimento dos conteúdos matemáticos e a prática de


ensino da matemática escolar são processos inseparáveis na construção de conheci-
mento, como também a formação docente pensada na busca de informações pondera-
das em processos de pesquisa, investigação e atualização profissional (formação inicial
e continuada).

382
Com isso, ainda são muitos os desafios encontrados pelos professores que ensi-
nam matemática, e que de todo modo a busca de superações para esses desafios ainda se
encontram em metodologias de ensino defendidas pela EM. De modo particular como
temos discutido neste trabalho, no que se refere a IM, em aulas investigativas, percebe-
mos que os professores tendem a se tornar mais próximos de seus alunos, nos momen-
tos de discussão, mediação, promoção da autonomia, interações e diálogos.
Podemos considerar que se trata de uma atitude desafiadora trabalhar com IM,
tanto para o professor quanto para o aluno. Entretanto, apesar de apresentar estranheza e
possíveis dificuldades nos momentos iniciais de sua aplicação, posteriormente é notório
e relevante os benefícios de seu uso para o ensino de matemática, bem como as possibi-
lidades de favoráveis resultados que podem impulsionar um bom desenvolvimento de
trabalhos posteriores.
Para Ponte (1998, p. 8), “defende-se cada vez mais que o trabalho investigativo em
Matemática é importante para a aprendizagem dos alunos”. O autor ainda salienta que:

A formação matemática dos professores será necessariamente deficiente se estes


não contactarem de um modo suficientemente aprofundado com as diversas
áreas da Matemática ao longo da sua formação inicial, se não tiverem oportu-
nidade durante esta formação de percorrer um leque variado de experiências
matemáticas, incluindo a resolução de problemas, a realização de trabalho inves-
tigativo, a construção de modelos de situações reais, etc (PONTE, 1998, p. 4-5).

Problemas relacionados ao ensino e aprendizagem da matemática vêm sendo tema


de discussão nos eventos e estudos científicos na área de educação e ensino, e é possível
notar que o período temporal que estamos vivendo requer uma reestruturação no ensi-
no desta disciplina. Ao falarmos de reestruturar o ensino, estamos nos referindo ao uso
de novas tendências metodológicas de ensino, e assumindo prioritariamente práticas de
aulas não tradicionais, e sim aulas em que o professor tenha a possibilidade de assumir
um papel importante, de mediador e desafiador (dos estudantes e de si próprio).
Segundo Wichonski (2018) a formação de professores e a sua atualização profis-
sional requer reflexões, interrogações e compreensões a respeito do que ele chama de
estar-com a IM, na crença deste ser, possivelmente, um cumprimento de uma grande
etapa, tanto para a promoção e qualidade do ensino. No que diz respeito ao engran-
decimento desta ciência, quanto as concepções e análises de procedimentos da prática
docente, Wichnoski (2018) ainda nos aponta que:

Investigação Matemática, tal qual a compreendo, existe no mundo não


como coisa materializada, mas como realidade passível de ser vivenciada
por quem a ela se dirige intencionalmente, estar-com a Investigação Ma-
temática significa estar junto, abrindo-se ao seu modo de ser e existir no
mundo, interrogando-a (WICHNOSKI, 2018, p. 6).

383
Logo, mesmo que árduo o processo seja, faz-se necessária a disposição do docente
para a prática de novas aplicações metodológicas. Para isso, a IM de modo distinto e sin-
gular, aborda aspectos de abordagem colaborativas, discursivas e reflexivas, bem como
deve-se acontecer a formação inicial e continuada de professores desta disciplina.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Nesta seção serão apresentadas as análises dos documentos que compuseram o


corpus desta pesquisa. Tal estudo teve como abordagem qualitativa. Do ponto de vista
dos objetivos, caracteriza-se por exploratória, pois, “Pesquisas exploratórias são de-
senvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca
de determinado fato” (GIL, 2008, p. 27). Quanto aos procedimentos técnicos adotados,
caracteriza-se como bibliográfica, pois, “A pesquisa bibliográfica é desenvolvida a par-
tir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.”
(GIL, 2008, p.50).
Dito isso, foi feita uma busca, no site na BDTD, sobre pesquisas relacionadas ao
tema Investigação Matemática e Formação Docente, no intervalo de tempo de 2015 a
2020. Contemplando os critérios de seleção, foram encontradas duas pesquisas na área.
A pesquisa intitulada “A formação continuada de professores em investigação matemá-
tica na região oeste do Paraná” tendo como autoria Maiara Aline Junkerfeurbom (2019),
e “Resolução de problemas e Investigação Matemática: um processo de intervenção for-
mativa para licenciandos em matemática”, produzida pela autora Gabriela Castro Silva
Cavalheiro (2017).
Iniciamos com a análise preliminar dos trabalhos citados. Examinamos o con-
texto, os autores, problemas e objetivos de cada pesquisa, bem como os principais
conceitos que abordam a temática do trabalho aqui tratado, a IM e a formação de
professores, suas implicações na formação inicial e continuada desses profissionais.
De acordo com Cellard (2008), no tópico análise, após a realização das apresentações
preliminares do texto, é necessária a análise documental, momento de união de todas
as partes, problemática, contexto, autores, confiabilidade, natureza do texto confiabili-
dade, para assim o pesquisador obter uma análise coerente, partindo do problema de
pesquisa e seu objetivo.
Sendo assim, os documentos serão dispostos por meio das suas correspondentes
descrições, sendo divididas em partes informativas sobre o título, problemática da pes-
quisa, ano de realização, local empírico, sujeitos da pesquisa, autor, objetivos, abordagem
metodológica e principais considerações, estas por sua vez serão investigadas conforme a
relação direta com os contextos relacionados a IM e a formação de professores, para uma
análise efetiva pautada nos objetivos elencados na pesquisa.

384
Quadro 2. Informações gerais sobre a dissertação.

A formação continuada de professores em investigação matemática na região oeste do


TÍTULO
Paraná.

Dissertação foi realizada através do Programa de Pós-graduação em Ensino (PPGEn), no


ano 2019, por meio de pesquisa qualitativa com enfoque fenomenológico, formação con-
DESCRIÇÃO tinuada, de local empírico: Rede estadual do Paraná, dos Núcleos Regionais de Educação
de Cascavel, Foz do Iguaçu e Toledo, sendo os sujeitos investigados: professores da rede
estadual do Paraná. Escrito pela Autora: Maiara Aline Junkerfeurbom.

Fonte: Biblioteca Digital de Teses e Dissertações.


Disponível em <https://repositorio.unesp.br/handle/11449/151482>.

Podemos observar que a dissertação intitulada “A formação continuada de pro-


fessores em investigação matemática na região oeste do Paraná”, procurou responder à
questão: “o que se mostra das Formações Continuadas em Investigação Matemática, se-
gundo os professores participantes?”, tendo objetivo geral para responder tal questiona-
mento, contribuir na difusão de tal tendência. A partir dos estudos da literatura e da nossa
experiência com a Investigação Matemática, notamos que esta pode trazer contribuições
para uma melhoria na qualidade do ensino e aprendizagem de Matemática (JUNKER-
FEURBOM, 2019).
A autora utilizou da metodologia na abordagem qualitativa, com o intuito de
analisar e compreender as falas de oito depoimentos de professores da rede estadual do
Paraná, dos Núcleos Regionais de Educação de Cascavel, Foz do Iguaçu e Toledo, onde,
os mesmos participaram de formações continuadas em que a Investigação Matemática
esteve presente como objeto de estudo.
Junkerfeurbom (2019) percebeu que os modelos e programas de formação conti-
nuada precisam ser reavaliados, de maneira que os professores saibam desenvolver a IM
em sala de aula, na sua essência prática de um espaço de construção coletiva/colabora-
tiva. Para Ponte (2016), no que se trata sobre a formação de professores e IM, defende
que “deve ser também reconhecido que o trabalho investigativo em questões relati-
vas à prática profissional é necessário para o desenvolvimento profissional do professor”
(PONTE, 2016, p. 38).
Ao se tratar da prática profissional, é evidente a importância do conhecimento
específico, do domínio dos conteúdos e saberes, como também a relevância da formação
continuada. A autora ressalta que:

O atual momento exige um novo profissional professor, não basta dominar


o conteúdo é preciso que este novo modelo de professor saiba lidar com o
conhecimento de construção, saiba trabalhar em grupo, saiba conviver com
as mudanças estruturais e sociais (JUNKERFEURBOM, 2019, p. 51).

385
Ensinar matemática de fato não é tarefa fácil, mas saber que existem metodologias
que corroboram com a melhoria do ensino desta ciência, modifica as possibilidades das
práticas docentes. Junkerfeurbom (2019) ainda nos aponta que

A Investigação Matemática no Brasil vem ganhando espaço nos últimos


anos, especialmente nas pesquisas realizadas nos programas de Pós-Gra-
duação, porém sua utilização nas salas de aula e na formação de professores
ainda aparece de maneira tímida (JUNKERFEURBOM, 2019, p. 54).

Notamos que o uso da IM aparece de maneira sucinta nas formações de professo-


res, e em suas práticas escolares, podendo se justificar a evidências de adoção de conhe-
cimentos teóricos sobre a metodologia, não dando a devida importância ao saber prático
da mesma. Junkerfeurbom (2019) acredita que:

[...] ter acesso a esse material não é suficiente para o professor aderir a este
modelo de práticas, pois o professor precisa participar do processo, ou seja,
os professores precisam ser formados na prática, desenvolvendo tarefas de
Investigação Matemática, conversando, refletindo e debatendo sobre estas,
para no momento que se sentirem confiantes levarem para sua sala de aula
e promover o trabalho com os alunos (JUNKERFEURBOM, 2019, p. 56).

Atualizar-se profissionalmente requer antes de tudo o desejo por uma formação


singular, a busca por novas práticas, por qualificação e melhoria no exercício docente,
requer um ato de coragem e disponibilidade, visto que ensinar nos dias atuais requer
motivação, dedicação e amor, e muitas vezes o desafio intimida e bloqueia. Para autora:

Em meio às angústias que o professor vive, ele precisa encontrar uma for-
mação que o acolha, o escute e lhe mostre direções para melhorar a quali-
dade do ensino. Acreditamos em formações que aconteçam no ambiente es-
colar, que se fortaleçam como grupos colaborativos, que sejam contínuas,
pois, para nós, a adoção da Investigação Matemática está entre outras coisas
associadas a constituição de espaços coletivos de discussão (JUNKER-
FEURBOM, 2019, p. 57).

Baseados nas contribuições do trabalho que foi citado, notamos que a IM na for-
mação de professores parte inicialmente da própria investigação do “ser professor”, sua
prática e desenvolvimento profissional, pois, trabalhar com aulas investigativas não é
tarefa fácil e, por sua vez, só é possível de realizar por meio da sua prática e, para além
disso, conceber a sua essência e compreender seus procedimentos.
Dess,e modo mais do que conhecer a tendência, é necessário saber trabalhar com
ela, e esta é uma característica fundamental a ser conquistada por docentes que buscam
melhorar sua prática. Apoiar-se no trabalho investigativo em sala de aula nada mais é do

386
que permitir a existência de uma prática de ensino colaborativa, participativa, acolhedo-
ra, e emancipadora, que proporcione ao professor a promoção do ensino com qualidade
e reflexão de sua prática.
Para o segundo documento de análises, temos:

Quadro 3. Informações gerais sobre a tese

Resolução de problemas e Investigação Matemática: Processo de intervenção formativa


TÍTULO
para licenciandos em matemática

Tese doutoral, realizada através faculdade de ciências - Bauru, da Universidade Estadual


de São Paulo, no ano 2017. Por meio de uma pesquisa qualitativa mediante estudo do caso;
formação inicial; instituição pública de ensino superior no interior do estado de São Paulo;
Descrição
sendo os sujeitos investigados: sete licenciandos em matemática de uma instituição pública
de ensino superior no interior do estado de São Paulo; escrito pela autora: Gabriela Castro
Silva Cavalheiro.

Fonte: Repositório Institucional UNESP.


<Disponível em: http://tede.unioeste.br/handle/tede/4637>.

A tese intitulada por “Resolução de problemas e Investigação Matemática: Pro-


cesso de intervenção formativa para licenciandos em matemática” procurou responder a
seguinte questão de pesquisa: quais as contribuições, para licenciandos em Matemática,
de um processo de intervenção formativa que envolve teoria, prática e análise da RP e da
IM como metodologias de ensino e aprendizagem de Matemática.
Tendo os seguintes objetivos: quais as contribuições, para licenciandos em Ma-
temática, de um processo de intervenção formativa que envolve teoria, prática e aná-
lise da RP e da IM como metodologias de ensino e aprendizagem de Matemática? Se-
gundo esses sujeitos, quais as potencialidades e as dificuldades didático- pedagógicas
no uso em sala de aula das metodologias em questão? Eles preferem alguma dessas
metodologias ao utilizá-las na prática? Por quê? A coleta/produção dos dados foi rea-
lizada durante três meses, por meio de questionários, análise documental, observação
participante e entrevista, sendo analisados à luz dos pressupostos teóricos da análise
textual discursiva.
Cavalheiro (2019) nos traz, após a análise dos dados de sua pesquisa, que foi pos-
sível constatar algumas possíveis potencialidades com o uso da IM em sala de aula, sendo
elas: “I. Ampliar seus conhecimentos prévios e construir novos; II. Investigar sua própria
prática docente; III. Refletir na e sobre a ação docente e IV. Relacionar teoria e prática”
(CAVALHEIRO, 2017, p. 165-166).
Na primeira possibilidade, Ampliar seus conhecimentos prévios e construir
novos, podemos perceber na afirmação do autor que a IM possibilitou aos sujeitos da
pesquisa um novo olhar para sua formação. No que se refere à ampliação e construção de
novos conhecimentos, corrobora com as indicações essenciais para uma formação completa,

387
no sentido de que se faz necessário que o professor saiba para além de um conhecimen-
to específico matemático, um conhecimento em Educação Matemática, assim como o
desenvolvimento de uma aprendizagem pratica para aplicações de novas abordagens e
tendências metodológicas por ela defendidas, como a IM. O que se confirma quando a
autora relata que:

Os conteúdos matemáticos presentes nos problemas e tarefas investigativas


exigiram o domínio dos saberes disciplinares na área de Matemática, ao
passo que o planejamento, a simulação e a aplicação das regências de aula
requisitaram conhecimentos do campo da Educação e da Educação Mate-
mática – principalmente aqueles que dizem respeito às metodologias cita-
das –, mobilizando assim os saberes provenientes da formação profissional
(CAVALHEIRO, 2017, p. 165-166).

Na segunda possibilidade, Investigar sua própria prática docente, percebemos


que o ato de investigar não abrange apenas o conceito do uso desta metodologia em sala
de aula, mas também como o docente conseguirá aplicá-la e, para isso, requer, antes de
tudo, uma reflexão sobre sua prática, na busca de superação dos limites e dificuldades
que pode se deparar em todo o processo, isso desde o planejamento, elaboração e apli-
cação da aula, de modo que saibam utilizá-la em sua essência colaborativa e participativa
de aprendizagem.
Na terceira possibilidade, Refletir na e sobre a ação docente, como uma potencia-
lidade atingida, observamos, mais uma vez, que a metodologia IM, e toda sua essência de
caráter exploratório, com questões abertas e de inesperadas conjecturas, desafia para além
do aluno o professor, uma vez que, o surgimento eventual de dúvidas, possibilita a reflexão
também do professor diante das situações que na maioria das vezes são imprevisíveis.
Por fim, na quarta possibilidade, Relacionar teoria e prática, entendemos que
todos os conhecimentos intelectuais, específicos, e sobre a educação matemática em si,
são validos, mas, se tornam vazios e incompletos sem as aprendizagens praticas. Desse
modo, na decisão da utilização da IM como metodologia de ensino, faz necessário tam-
bém o conhecimento de sua execução em sala de aula. Aqui reside o conceito de práxis,
como a coexistência harmônica entre a teoria e prática.
Já ao que se refere às dificuldades didático-pedagógicas, a pesquisa mostrou em
seus resultados, que os professores tiveram limitações relacionadas à sua prática. Segundo
a autora:

Dificuldades e inexperiência do (futuro) professor no preparo e desenvolvi-


mento das aulas de IM: a) faltar ou sobrar tempo para realizar todas as ativida-
des, em outras palavras, o docente precisa planejar muito bem o tempo da aula;
e b) tarefa investigativa com dupla interpretação ou mal formulada pode gerar
insegurança no professor durante a aula (CAVALHEIRO, 2017, p. 167).

388
Diante do exposto, é possível perceber que a formação, a preparação e o conheci-
mento a respeito do uso da IM, é fator essencial para sua aplicação, e o docente, por sua
vez, precisa planejar, conhecer e se preparar para as aulas investigativas. Sendo assim, a
não realização desses passos e procedimentos podem desencadear em algumas limita-
ções e dificuldades na prática pedagógica, e mais uma vez mencionamos que o processo
de formação docente para utilização da IM ,em sala de aula, requer o conhecimento prá-
tico e intelectual da metodologia em toda sua estrutura prática e teórica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a intenção de encontrar novos estudos e meios de construção de uma


formação para o professor de matemática, é que propusemos analisar dois docu-
mentos retirados da BDTD no intervalo de 2015 a 2020, que tratassem da IM e for-
mação de professores. Nosso intuito foi perceber como a utilização desta metodo-
logia o professor pode melhorar sua prática pedagógica e sua formação de maneira
integral.
Percebemos que nos relatos dos sujeitos investigados, nas pesquisas analisadas,
durante as atividades e abordagens metodológicas, ficaram explícitas que a IM, de fato,
pode contribuir na formação dos professores, uma vez que, podem potencializar, em
suas aulas, ações colaborativas, participativas, coletivas e autônomas para a construção
de conhecimentos.
A IM possibilita uma promoção e evolução formativa nos processos de possíveis
ampliações do conhecimento prévios e novos, investigação da prática docente, reflexão
sobre a ação docente e relação entre teoria e prática. Contudo, observou-se que os cursos
de formação necessitam de reformulação, pois, é sabido que práticas docentes pautadas
nas concepções teóricas da IM é fundamental para formação do professor de matemáti-
ca, considerando o que se apresentou nesta pesquisa.
Foi perceptível, ainda, a justa necessidade de os professores conhecerem a IM de
maneira efetiva, e que os cursos de formação ainda não atingiram um público consi-
derável, bem como os que conseguiram atingir afirmaram ter sentido a necessidade de
conhecer mais sobre a sua prática. Com isso, necessita-se urgentemente da ampliação de
pesquisas como esta, para que levem a contento a implicação de uma formação de pro-
fessores pautada no uso da IM.
Diante das mudanças e das novas exigências, a ação educativa de formar docentes
requer uma atribuição realista das condições e das mudanças almejadas, demonstrando
por diversos vieses que é possível a prática desta tendência no dia-a-dia em sala de aula.
Trata-se, então, da disponibilidade de uma formação que esteja centrada na construção
de um suporte de autonomia, colaboração e coletividade, para o docente em seu exercício.
Para além disso, a veiculação dessas condutas com sua prática.

389
Por fim, com a finalização desta pesquisa entendemos que ainda há muito para des-
cobrir. Há, a frente de nós, grandes inquietações quanto as possibilidades da construção
de um ensino de matemática com qualidade, e movimentar-se diante disso significa nada
menos que conhecer, refletir e pesquisar sobre a nossa própria prática, bem como sobre
a adoção de novas ações pedagógicas. De modo pontual nos referimos a uma formação
que motive o docente no desejo de ensinar, utilizando a IM, e também todas as tendências
disponíveis na EM.

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392
MÍDIAS NA EDUCAÇÃO:
Análise da disponibilidade e uso na Escola Municipal
Dr. Joaquim Marques Monteiro, na cidade de Jequié/BA

Amilton Meira Brito


Marine Souto Alves

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa é fruto de uma inquietação que teve origem desde o momento em
que comecei a ministrar aulas para os alunos do 4° ano do ensino fundamental I, em uma
escola da rede municipal de ensino, na cidade de Jequié, Bahia. Tal inquietação deveu-se
ao fato da relevância das mídias ser reconhecida em todos os setores e âmbitos sociais,
culturais, econômicos e políticos. No âmbito educacional do fundamental I, partindo
do exemplo da referida escola, um dos grandes desafios está na desigualdade que esses
setores emergem e que afetam a realidade das crianças brasileiras, em especial as oriundas
de escolas públicas, mais precisamente de bairros periféricos. Percebe-se que a disponi-
bilidade e/ou importância dada a esses recursos tecnológicos não são os mesmos dados
por outros setores como os da saúde e economia e dentro do próprio sistema educacional
brasileiro, é tratado de forma diferente, se o parâmetro for a educação privada.
Hoje, nos espaços escolares do ensino fundamental I público, continuamos viven-
ciando a escassez dos recursos, principalmente os mais contemporâneos, a exemplo das
mídias digitais (Internet, computadores, notebooks, notebooks educacionais, recursos
audiovisuais, lousa digital, projetores multimídia etc.) mesmo sabendo que, esses, se bem
utilizados, são propulsores de uma educação que caminha junto, paralela a evolução do
seu tempo, pois segundo Moran (2007),

[...] as tecnologias são pontes que abrem a sala de aula para o mundo, que
representam, medeiam o nosso conhecimento do mundo. São diferentes
formas de representação da realidade, de forma mais abstrata ou concreta,
maisestática ou dinâmica, mais linear ou paralela, mas todas elas, combina-
das, integradas, possibilitam uma melhor apreensão da realidade e o desen-
volvimento de todas as potencialidades do educando, dos diferentes tiposde
inteligência, habilidades e atitudes (MORAN, 2007, p.164).

393
Diante da problemática da pouca disponibilidade e do uso das mídias na educação
dos alunos do fundamental I, na referida escola, surgiu a questão que norteará esta pes-
quisa: quais são as mídias digitais disponíveis na Escola Municipal Dr. Joaquim Marques
Monteiro e como funciona a utilização desses recursos com os alunos?
Nesse sentido, esta pesquisa tem como objetivo geral estudar a importância, a
disponibilidade e o uso das mídias na educação dos alunos do fundamental I da Escola
Municipal Dr. Joaquim Marques Monteiro, localizada na cidade de Jequié, Bahia, partin-
do do princípio de que a mídia-educação (Belloni, 2001) é hoje responsável por grande
parte da socialização dos indivíduos. Acredito que tal investigação seja relevante, devido
a acanhada disponibilidade e do uso das Novas Tecnologias. Por isso, atrela-se,também,
ao pouco contato com as mídias na educação por parte dos professores e alunosda Escola
Municipal Dr. Joaquim Marques Monteiro.
Para tanto, este estudo traz como objetivos específicos: investigar quais são os
recursos midiáticos disponíveis na escola (eles existem? quais? se não existem, qual o
motivo?); e analisar como os recursos disponíveis são utilizados no processo de ensino e
aprendizagem pelos professores, a partir da perspectiva de Moran (2007).
Sobre a apropriação pedagógica das tecnologias digitais disponíveis nas escolas,
Moran (2007) apresenta a existência de três etapas: Tecnologias para fazer melhor, o que
corresponde a utilização das tecnologias a fim de ajudar na organização e apresentação
dos conteúdos trabalhados em sala de aula; Tecnologias para mudanças parciais, que diz
respeito a utilização mais constante das tecnologias em sala de aula e laboratórios de in-
formática, embora o foco continue na transmissão de saberes centralizado no professor;e
Tecnologias para mudanças inovadoras que buscam provocar mudanças na escola e que
dizem respeito à flexibilização da organização curricular e a forma de gestão do processo
de ensino e aprendizagem.
É importante também nos atentarmos para o que aponta Barbero (apud CITELLI;
COSTA, 2011, p. 123), pois, segundo ele, os recursos tecnológicos não são uma solução
mágica que vem melhorar a educação, é preciso mudar o modelo de comunicação vigen-
te no sistema escolar. Para ele, o modelo predominante é vertical, autoritário na rela-
ção professor/aluno e linearmente sequencial no aprendizado. Introduzir nesse modelo
meiose tecnologias modernizantes é reforçar ainda mais os obstáculos de nossa socieda-
de (BARBERO, 2011, p. 123).
Esta pesquisa teve, portanto, uma abordagem qualitativa, de cunho bibliográfico e
com levantamento do material adquirido e análise da disponibilidade e uso, através de
análise documental. Segundo Bogdan e Biklen (1994), “[...] a investigação em educação
qualitativa, assume muitas formas e é conduzida em múltiplos contextos” (BOGDAN;
BIKLEN, 1994, p. 6). Nesse sentido, serão analisados: o Projeto Político Pedagógico da
Escola (PPP); os registros do balanço patrimonial dos últimos cinco anos e os planos de
cursos também dos últimos cinco anos.

394
Com isso, acredito que esta pesquisa poderá ampliar as discussões em torno do
processo de ensino e aprendizagem através das mídias digitais, tendo em vista a neces-
sidade de utilização desses recursos como uma das demandas importantes naatualidade
para o ensino no fundamental I. Certamente, contribuirá para o avanço da compre-
ensão de como esses conhecimentos estão sendo articulados e concebidos dentro do
âmbito escolar, uma vez que, na teoria, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
já trata da tecnologia como possuidora de um papel fundamental, de forma que a sua
compreensão e uso são tão importantes, sendo inclusive um dos seus pilares. Na Base
há duas competências gerais que estão relacionadas ao uso da tecnologia: Competência
quatro: Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e
escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens
artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências,
ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendi-
mento mútuo; e Competência cinco: Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais
de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nasdiversas
práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminarinforma-
ções, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na
vida pessoal e coletiva, ou seja, a BNCC já traz a cultura digital e como ela deve ser inse-
rida no processo de ensino e aprendizagem. No entanto, na prática do âmbitoeducacional
do fundamental I, partindo do exemplo da escola já citada, qual é a relevânciadada a essas
inovações tecnológicas contemporâneas, qual é a disponibilidade e/ou importância dada
a esses recursos tecnológicos?

A IMPORTÂNCIA DO USO DAS MÍDIAS NA EDUCAÇÃO

Desde a década de 80, com a expansão dos computadores pessoais e o desenvolvi-


mento de técnicas computacionais como os jogos simulados, que o computador passou
a ser visto como um otimizador das capacidades cognitivas humanasque agregam a ativi-
dade do pensar, criar e memorizar. Segundo Pretto e Costa Pinto (2006), essas máquinas
não estão apenas a serviço do homem, mas interagindo com ele, formando um conjunto
pleno de significado. Além disso, os modos que são utilizados para produção de conhe-
cimentos nas mais variadas áreas do saber de hoje já são bem mais tecnológicas do que
há décadas atrás. Manuel Castells (2002) defende que

Nosso mundo está em processo de transformação estrutural desde há duas


décadas. É um processo multidimensional, mas está associado à emergência
deum novo paradigma tecnológico, baseado nas tecnologias de comunica-
ção e informação (CASTELLS, 2002, p.17).

395
Sendo a área educacional parte dessas variadas áreas do saber que dialogam com
as novas tecnologias, não pode fugir à regra, uma vez que, uma das funções principais
daescola é produzir saberes e, em função dessas mudanças que vêm ocorrendo, o site Por-
vir, uma importante plataforma de conteúdos e mobilização sobre inovações educacio-
nais do Brasil, desde 2012, mapeia, produz e difunde referências para inspirar e apoiar
transformações que garantam equidade e qualidade de educação a todos os estudantes
brasileiros. O site corrobora com a ideia de que a tecnologia está mudando a forma como
produzimos, consumimos, nos relacionamos e, até mesmo, como exercemos a nossa ci-
dadania, e que agora é a vez de transformar também a maneira como aprendemos e en-
sinamos. Para Castells (2005), em sua obra “A Era da Informação: Economia, Sociedade
e Cultura”,

[...] tem-se enfatizado a questão do conhecimento como essencial para


uma boa educação. É básico ajudar o educando a desenvolver sua(s)
inteligência(s), a conhecer melhor o mundo que o rodeia. Por outro lado,
fala-se da educação como desenvolvimento de habilidades: "Aprender a
aprender", saber comparar, sintetizar, descrever, se expressar. Aprender a
ver mais abertamente, o que já estão acostumadas a ver, mas que não cos-
tumam e perceber com mais profundidade (como os programas de televi-
são). Antes de pensar em produzir programas específicos para as crianças,
convém retomar, estabelecer pontos com os produtos culturais que lhes são
familiares. Fazer releituras dos programas infantis, recriação desses mes-
mos programas, elaboração de novos conteúdos a partir dos produtos co-
nhecidos. Partir do que o rádio, jornal, revistas e televisão mostram para
construir novos conhecimentos e desenvolver habilidades. Não perder a
dimensão lúdica da televisão, dos computadores. A escola parece um des-
mancha-prazeres. Tudo o que as crianças adoram a escola detesta, questiona
ou modifica. Primeiro deve- se valorizar o que é valorizado pelas crianças,
depois procurar entendê-lo (os professores e os pais) do ponto de vista de-
las, crianças, para só mais tarde, propor interações novas com os produtos
conhecidos. Depois se podem exibir programas adaptados à sua sensibili-
dade e idade, programas que sigam o mesmo ritmo da televisão, mas que
introduzam alguns conceitos específicos que, aos poucos, irão sendo incor-
porados (CASTELLS, 2005, p. 17).

Nessa perspectiva, trazer as mídias para a educação é uma forma de tornar a escola
contemporânea e mais próxima do contexto sociocultural dos alunos e professores, uma
vez que, as novidades tecnológicas já são utilizadas em praticamente todos os segmentos
do conhecimento e essas invenções são extremamente rápidas; uma invenção sobrepõem
a outra, numa velocidade nunca antes imaginada, basta “um estalo de dedos” para o novo
ficar velho. Os canais de televisão a cabo e abertos, os recursos de multimídia e, em espe-
cial, a rede mundial de computadores faz com que nossos alunos estejam cada vez mais
“antenados” com o que ocorre pelo mundo afora, e participantes deste mundo globalizado.

396
Percebe-se, portanto, que o público que está dentro da sala de aula mudou e, esse
novo público, já chega com outro repertório que os alunos das décadas passadas não
tinham. E esse é o grande desafio: como é que a escola faz a conexão com o repertório
das crianças que chegam com aquilo que se pretende cumprir do papel dessa instituição?
Nesse novo contexto, apresenta-se a necessidade de a escola estar preparada para
trabalhar com as tecnologias que esses alunos já trazem. Nesse sentido, Dorigoni e Silva
(2007) apontam que:

Desde a década de 1950, teóricos chamam a atenção para a caracterização


da sociedade pela tecnificação crescente nos mais variados setores sociais.
Já havia preocupações no sentido de que os meios de comunicação cons-
tituíam uma escola paralela onde as crianças e os adultos estariam encan-
tados e atraídos em conhecer conteúdos diferentes da escola convencional
(DORIGONI; SILVA, 2007, p.4).

O ambiente escolar, nesse sentido, precisa se adequar aquilo que de fato vai con-
tribuir com a experiência de aprendizagem do aluno, de preferência fazendo uma anco-
ragem com as vivências praticadas por eles fora da sala de aula. Como diz Jesús Martín-
-Barbero e Mier Vega (1993), é necessário estudar “os processos de comunicação que
acontecem na praça, no mercado, no cemitério, nas festas, nos ritos religiosos” (Barbero;
Mier Vega, 1993, p.70).
Em outras palavras, os autores mostram que precisa haver um deslocamento para
o cotidiano, a fim de se perceber como as pessoas se comunicam, logo, a escola não pode
ser estabelecida como uma instituição a parte do cotidiano de seus alunos, ou seja, eles
atestam a necessidade de os professores trazerem a comunicação da comunidade local
de seus alunos para dentro da sala de aula. A escola, desse modo, não deve separar a
comunicação cotidiana da comunicação escolar; pelo contrário, ela deve recepcionar a
linguagem local do dia a dia de seus estudantes e, a partir dessa ancoragem, fazer as in-
tervenções necessárias para a construção do saber escolarizado.
Nesse processo de vêm e vai, vêm tudo que permeia a comunicação diária dos es-
tudantes e vão os resultados do processamento contínuo dessa comunicação cotidiana,
logo, as chances de a escola firmar-se como parceira, aliada das necessidades deaprendi-
zado de seus públicos, pode ser muito mais eficaz do que uma prática que imagina existir
a comunicação escolar e a não escolar.
No contexto atual desses novos alunos que chegam às escolas, a mídia na educação
é importante, pois funciona como mecanismo de socialização e interação e pode ser mais
interessante e atrativa que o mecanismo escolar tradicional, uma vez que, os estudantes
não apenas aprendem coisas novas, mas também e, talvez, principalmente, desenvolvem
novas habilidades cognitivas, ou seja, novos modos de aprender, mais autônomos e cola-
borativos, como interagir no tablet ou como elaborar experimentos para feira de ciências

397
no computador e depois transferir a ideia para um projeto real/ físico. Para tanto, como
evidencia José Moran (2007),

A educação escolar precisa compreender e incorporar mais as novas lin-


guagens, desvendar os seus códigos, dominar as possibilidades de expressão
e as possíveis manipulações. É importante educar para usos democráticos, mais
progressistas e participativos das tecnologias, que facilitem a evolução dos
indivíduos (MORAN, 2007, p. 165).

Dito de outro modo, Moran nos mostra que a escola não pode ser atemporal, con-
tinuar de modo que se torne obsoleta, pois precisa contemporaneizar-se. As máquinas
chegaram, e agora a escola precisa saber o que fazer com elas. E não se trata de fazer o
velho com o novo, o ideal é buscar fazer um novo com o novo. Sobre isso, Belloni (2005)
afirma que,

Diante dessa realidade, delineiam os desafios da escola sobre esse tema na


tentativa de responder como ela poderá contribuir para que crianças e jo-
vens se tornem usuários criativos e críticos dessas ferramentas, evitando
que se tornem meros consumidores compulsivos de representações novas
de velhos clichês (BELLONI, 2005, p.8).

Focar nas experiências midiáticas dos jovens fora da escola para, a partir delas,
possibilitar a construção do conhecimento para um aluno ativo, autor, sem, contudo,
deixar de perceber que, ao incorporar essas novas linguagens, a pessoalidade do profes-
sornão pode desaparecer. O metodológico precisa andar junto com o tecnológico, ambos
commuito potencial para ser utilizado, afinal, entre a máquina e o aluno está a importan-
te figura do professor, o mediador, uma vez que, conforme apontam Friedmann e Pocher
(1977), as tecnologias são mais do que meras ferramentas a serviço do ser humano, elas
modificam o próprio ser, interferindo no modo de perceber o mundo, de se expressar
sobre ele e de transformá-lo, podendo também levá-lo em direções não exploradas, en-
caminhando a humanidade para rumos perigosos.
No entanto, se bem conduzido, segundo publicou a professora Heloisa Teixeira Ar-
gento, Mestre em Educação, Coordenadora de Tecnologias Digitais na Educação e Gestora
da empresa virtual Professor do Futuro Assessoria Educacional Ltda. no site “Professor do
futuro”, os novos recursos tecnológicos podem permitir avançar na superação de três grandes
desafios da educação. O primeiro deles é a equidade: ampliação do acesso ao conhecimento
e a recursos educacionais diversificados; é a personalização (inteligência artificial para acom-
panhar o que cada um aprendeu e como aprende melhor, tudo isso em tempo real, além da
oferta do que cada um precisa, a partir dos seus interesses e ritmos). O segundo desafio é o da
qualidade: um conjunto de recursos mais ricos, interativos, dinâmicos, que ajudam o aluno
a compreender e a utilizar o que aprende; apoio ao professor na construção de estratégias

398
pedagógicas mais eficazes; disponível a toda hora, em qualquer lugar, inclusive dando mais
autonomia para o aluno (coconstrutor). Já o terceiro, o da contemporaneidade, José Moran
(2007) sinaliza que seria “no nível comunicacional: conhecer e incorporar todas as lingua-
gens e técnicas utilizadas pelo homem contemporâneo. Valorizar as linguagens audiovisuais,
junto com as convencionais” (MORAN, 2007, p.163), ou seja, a aprendizagem que dialoga
com o universo dos alunos do século 21, intensamente mediado pelas tecnologias; prepara-
ção para a vida presente e futura, que também demanda competências relacionadas ao uso de
recursos tecnológicos, o uso da tecnologia racional.
Vale ressaltar, entretanto, que, nesse processo, alguns cuidados precisam ser ado-
tados, pois preocupado com a forma de uso das Tics (Tecnologias) na Educação, José
Moran (2007), afirma que,

A simples introdução dos meios e das tecnologias na escola pode ser


a forma mais enganosa de ocultar seus problemas de fundo sob a égi-
de da modernização tecnológica. O desafio é como inserir na escola
um ecossistema comunicativo que contemple ao mesmo tempo: expe-
riências culturais heterogêneas, o entorno das novas tecnologias da in-
formação e da comunicação, além de configurar o espaço educacional
como um lugar onde o processo de aprendizagem conserve seu encanto
(MORAN, 2007, p. 164).

Assim, as mídias na educação são apresentadas como ferramentas disponíveis não


para substituir o professor, muito pelo contrário, ela chega com a função de empoderar
os educadores, pois permite, sobretudo aos professores, que abandonem atividades me-
cânicas ou repetitivas, como corrigir exercícios e dar aulas expositivas, e tenham mais
tempo para atuar como mediadores, mentores e designers da aprendizagem. Para isso
acontecer, a escola precisa lidar com a transição das práticas pedagógicas tradicionais.
Dito de outra maneira, a escola precisa estar em sintonia com seus educandos e
não pode correr o risco de seus educadores questionarem a si próprios com um ''talvez
sejamos ainda os mesmos educadores, mas certamente, nossos alunos já não são os mes-
mos, estão em outra” (DORIGONI, 2007, p. 7). E nem o risco de tornar “a tecnologia edu-
cacional, como ferramenta do planejamento de educação, como panaceia para melhorar
qualitativa e quantitativamente os sistemas educacionais nos países do terceiro mundo
(BELLONI; SUBTIl, 2002).
Sobre esse processo de transição, Barbero (2000), já preocupado com a comu-
nicação participativa, propunha que se desse um adeus a Aristóteles, pois seu esquema
expresso no tratado sobre a Retórica, apropriada e refinada pelos funcionalistas norte-
-americanos, ainda ficava numa visão autoritária e não participativa, por isso, segundo
MORAN (2007),

399
A escola precisa exercitar as novas linguagens que sensibilizam e motivam
osalunos, e também combinar pesquisas escritas com trabalhos de dramati-
zação,de entrevista gravada, propondo formatos atuais como um programa
de rádio, uma reportagem para um jornal, um vídeo, onde for possível. A
motivação dosalunos aumenta significativamente quando realizam pesquisas,
onde se possam expressar em formato e códigos mais próximos da sua sen-
sibilidade. Mesmo uma pesquisa escrita, se o aluno puder utilizar o computa-
dor, adquire uma nova dimensão e, fundamentalmente, não muda a propos-
ta inicial (MORAN, 2007,pp. 162-166).

A finalidade das mídias na educação, nesse contexto, é a de garantir recursos digi-


tais cada vez mais diversificados e qualificados para fomentar a produção porempreen-
dedores, educadores e estudantes; permitir que estejam disponíveis para escolasde forma
gratuita ou adquiridas pelas redes, como ocorre com o livro didático. Avaliar para que
sejam sempre aprimorados e que os professores saibam utilizá-las na própria formação
a fim de que eles se familiarizem de modo a oferecer referências adequadas do que pode
ser feito em relação à disponibilidade das ferramentas para usar ou para trocar conheci-
mentos e práticas, inclusive na mobilização da sociedade, especialmente famílias e alunos
com propósito de garantir o direito de todos os brasileiros a uma educação de qualidade,
que prepare para a vida.
Sobre a dualidade de acesso às tecnologias contemporâneas entre crianças das
escolas públicas e privadas, uma pesquisa realizada anualmente desde 2012, pelo site TIC
Kids Online Brasil, que tem como objetivo gerar evidências sobre o uso da Internet por
crianças e adolescentes no Brasil e que produz indicadores sobre oportunidades e riscos
relacionados à participação on-line da população de 9 a 17 anos no país, constatou no ano
de 2020,que existem cerca de três milhões de crianças e adolescentes não usuários de
Internet no Brasil, sendo que 1.4 milhões nunca acessaram a Internet. Apesar disso, reve-
lou não haver um abismo na educação dos alunos que nasceram no mundo digital e que
eles chegam às escolas das redes privadas ou públicas com oportunidades semelhantes,
no que diz respeito ao acesso às tecnologias contemporâneas.
Nessa mesma pesquisa, o que mais chama a atenção é o percentual em alguns
critérios como o local de acesso à internet. Enquanto em casa o percentual é de até 99%,
na escola cai para até 27%, sendo que fora da escola 83% dessas crianças já assistiram a
vídeos, programas, filmes os séries, 76% já pesquisaram na internet para fazer trabalhos
escolares, 68% já usaram as redes sociais e 59% já baixaram músicas e filmes, sejam elas
das redes públicas ou particulares de ensino.
A pesquisa aponta ainda que a maior discrepância entre os alunos dessas redes é
no uso da internet para a realização de atividades escolares. Nesse aspecto, observou-se
que as classes A e B, as que têm um maior percentual de alunos matriculados nas redes
privadas, também aparecem com maior percentual de participação no uso da internet

400
para fins pedagógicos, enquanto que as classes D e E apresentam um acesso muito menor
para esses fins.
Além disso, a pesquisa mostra que as crianças nato digitais, sejam elas estudantes
das redes privadas ou públicas, tem, fora da escola, oportunidades não muito distantes
umas das outras no que diz respeito ao acesso às tecnologias contemporâneas, ainda que
por diferentes tipos, meios, locais ou atividades de acesso. Sobre as habilidades para o
uso da internet entre crianças de 11 a 12 anos, alunos do ensino fundamental I, público
alvo de nossa pesquisa, o percentual ficou entre 47% e 91% para as habilidades de como:
salvar uma foto que encontrou na Internet, mudar as configurações de privacidade em
redes sociais, baixar ou instalar aplicativos, desativar a função de geolocalização, escolher
que palavras usar para encontrar algo na Internet, verificar se uma informação encontra-
da na Internet está correta.
Diante do exposto, é notório que os resultados expostos no referido site/pesquisa
só reforçam o que os estudiosos em mídias na educação apontam. Sendo assim, cabe a
escola usar todos esses conhecimentos prévios do seu alunado para fazer a ancoragem,
tão necessária, e que pode ser a ponte que falta para tornar a escola do passado, a escola
atualizada no seu tempo e espaço. Esta, inclusive, já é uma preocupação da própria Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), tópico que será abordado em seguida.

A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR


E O SEU OLHAR PARA AS TECNOLOGIAS E MÍDIAS

A BNCC é um documento de caráter normativo, que define o conjunto de


aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas
e modalidades da educação infantil e do ensino fundamental, de modo que tenham
assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento. Ela trouxe diversas
mudanças para a educação do país, e uma delas se refere ao uso da tecnologia nas
salas de aula.
Mas como é que a tecnologia aparece na BNCC? Sabemos que existe uma com-
petência geral de tudo que poderá ser ensinado às crianças e jovens brasileiros reunidos
em dez competências gerais, essas competências mostram tudo que é preciso e que é o
básico, essencial para uma criança ou um jovem do século XXI. Entre essas dez com-
petências gerais apresentadas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), as duas
competências que trazem a tecnologia como ferramenta de desenvolvimento pedagógico
e habilidades são as de números quatro e cinco. Elas abrangem o uso da tecnologia pelos
alunos de maneira direta e expressiva. Mas, enquanto uma diz respeito ao digital como
uma das linguagens a serem utilizadas, a outra foca totalmente no aprofundamento de
seu uso com senso crítico. Vejamos:

401
1. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como
Libras,e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhe-
cimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se ex-
pressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em
diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento
mútuo (BNCC, 2018).
2. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunica-
ção de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais
(incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações,
produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria
na vida pessoal e coletiva (BNCC, 2018).

Percebe-se que, enquanto uma diz respeito ao uso das linguagens tecnológicas e
digitais, a outra versa sobre utilizar a tecnologia de maneira significativa, reflexiva, cria-
tiva e ética. É importante destacar também que, além de constar nas competências gerais,
a tecnologia também é citada entre os Direitos de aprendizagem e desenvolvimento da
Educação Infantil e nas Competências específicas da área nos Ensinos Fundamental e
Médio, bem como nos respectivos objetivos de aprendizagem, desenvolvimento e habi-
lidades.
O objetivo de a tecnologia ser trabalhada no Ensino Fundamental é que os alunos
devem ser orientados pelos professores para que consigam usufruir da tecnologia de
forma consciente, crítica e responsável, tanto no contexto da sala de aula quanto para a
resolução de situações cotidianas. Para isso, os professores podem e devem explorar o
auxílio de metodologias que aliam a tecnologia ao ensino, promovendo o desenvolvi-
mento integral das competências e habilidades previstas na BNCC.
Atualmente, a BNCC sofreu alterações e, a partir de 2018, estados e municípios
deram início à elaboração de seus próprios currículos para que seja dado andamento à
implementação da BNCC nas escolas (MEC, 2017). Para apoiar a construção de currícu-
los escolares e de propostas pedagógicas que contemplem tal uso “ativo” das Tecnologias
Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) nas escolas, o Centro de Inovação para
a Educação Brasileira (Cieb) elaborou e disponibilizou de forma aberta e gratuita o Cur-
rículo de Referência em Tecnologia e Computação (2018), que prevê eixos, conceitos e
habilidades alinhadas à BNCC e voltadas exclusivamente para odesenvolvimento de
competências de exploração e de uso das tecnologias nas escolas, além de propor uma
reflexão sobre os usos das TDICs.
A grande conquista, na visão do Centro de Inovação para a Educação Brasileira
(CIEB), na competência número cinco, foi a inclusão do verbo criar, pois a primeira ver-
são da base só tratava de compreender e utilizar tecnologias digitais. Dessa inclusão, o
CIEB participou ativamente das audiências públicas com outras organizações e outros
especialistas, dizendo que compreender e utilizar não era suficiente. Hoje, para ser um
cidadão do Século 21, é preciso ter a capacidade de criar soluções, criar tecnologias para

402
resolução de problemas reais, ou seja, as crianças e jovens não podem ser só consumido-
res de novas tecnologias, na realidade, eles precisam entender a lógica dessastecnologias
e serem capazes de criar soluções para os problemas pessoais e coletivos a partir das suas
curiosidades pelo uso da tecnologia. Em outras palavras, a competência geral de número
cinco diz claramente que aprender a utilizar e criar tecnologias faz partedas competên-
cias gerais previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
É importante ressaltar, que nas competências de número um e dois também apa-
recem a questão da tecnologia digital. Na um, quando fala sobre

Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o


mundo físico social, cultural e digital para entender e explicar a realidade,
continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade jus-
ta, democrática e inclusiva (BNCC, 2018).

Nessa competência, fica muito claro o poder da tecnologia de ser uma plataforma
de colaboração e para que pessoas que estejam perto ou longe fisicamente consigam
trabalhar e criar, a partir de um espaço colaborativo. De igual maneira, na competência
número dois, é perceptível essa preocupação, quando diz que se deve

Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer a abordagem própria das ci-


ências incluindo a investigação, a reflexão, análise crítica, a imaginação e
a criatividade para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular
e resolver problemas e criar soluções, inclusive tecnológicas com base nos
conhecimentos das diferentes áreas (BNCC, 2018).

É notório, portanto, que a tecnologia aparece explicitamente na BNCC, nas com-


petências gerais de maneira bem evidente, como também nas áreas de conhecimento e
nas habilidades. O CIEB fez um mapeamento observando todas as habilidades da base,
para saber onde a tecnologia aparecia explicitamente e chegou à conclusão de que ela
aparece em todas as áreas do conhecimento, em seus componentes curriculares, com
diferentes pesos a depender da área. Das 391 habilidades da língua portuguesa do
componente curricular, dez fazem menção explícita à tecnologia. Na área da Matemática,
por exemplo, das duzentos e quarenta e sete habilidades, vinte e uma fazem menção à
tecnologia. Além disso, é importante destacar, que ela aparece na base de forma trans-
versal, em todos os componentes curriculares e em todas as áreas do conhecimento.
É válido compreender também, que o CIEB estudou o comportamento de vários
países que começaram a inclusão do tema tecnologia como uma área transversal. Depois
evoluíram para criar uma área do conhecimento, chamada “computação” ou “tecnolo-
gia”, mas não existe muito consenso sobre qual é o termo que deve ser utilizado.No caso
do Brasil, o currículo é de “tecnologia e computação”, porque são os termos mais usados,
quando são aplicados a esse conjunto de conhecimento sobre tecnologias digitais, todavia,

403
em outros lugares, os nomes variam. Na Finlândia, por exemplo, usa-se o nomede “pen-
samento algoritmo”, já na Austrália, têm dois termos: “designer de tecnologia” ou “tec-
nologias digitais”.
A partir do estudo encomendado pelo CIEB aos seus consultores, para a constru-
ção do Currículo de Referência em Tecnologia e Computação, chegou-se àconclusão de
que, apesar de não existir um consenso de nomenclatura, o que existe é a presença da
tecnologia nos currículos analisados de diversas partes do mundo. A Austrália é um óti-
mo exemplo, pois ela começou com um tema transversal e depois evoluiu para uma área
específica do conhecimento. Essa parece ser a tendência Mundial,haja vista que o Reino
Unido fez o mesmo e os Estados Unidos estão caminhando nessa mesma direção. Outros
países estão revendo seus currículos e colocando a tecnologia como um tema transversal
ou como área do conhecimento.
No Brasil, na versão aprovada da BNCC, a tecnologia aparece como um tema
transversal e o CIEB, observando algumas referências, algumas práticas de como traba-
lhar esses temas que não estavam previstos nos currículos anteriores das redes, sinaliza
que a tecnologia tanto pode ser trabalhada como tema transversal, alinhada aos demais
temas da BNCC, como pode ser trabalhado nas redes que decidirem criar uma áreade co-
nhecimento ou como componente curricular específico, um vez que a lei também trata
de seus elementos necessários.
A BNCC é organizada para contemplar a educação infantil e o ensino fundamental
um e dois, com três eixos que cobrem todos esses temas da tecnologia: cultura digital,
tecnologia digital e pensamento computacional. Em cada um desses três eixos estrutu-
rantes, existem dez conceitos que são trabalhados com habilidades diferentes, de acordo
com cada ano de ensino. Na cultura digital, o currículo contempla o letramento digital,
a cidadania digital e Tecnologia e sociedade. No eixo estruturante, as tecnologias digitais
são trabalhadas com habilidades de representação de dados, hardware, softwaree comu-
nicação e redes. Já no eixo do pensamento computacional, são trabalhados os conceitos
de abstração algoritmo, decomposição e reconhecimento de padrões.
No nível de habilidades, um dos diferenciais no currículo de referência é que, além
de descrever habilidade, existem exemplos de como os professores podem desenvolver
essas habilidades. São exemplos de práticas que promovem o seu desenvolvimento, traz
referências sobre como trabalhar cada tema em sala de aula, uma vez que, muitos dos
temas podem ser novidade para a grande maioria dos professores.
Traz também atividades e rubricas para o professor avaliar as atividades produ-
zidas pelos alunos, bem como referências de materiais didáticos e dados que podem ser
utilizados no desenvolvimento de cada habilidade. Os especialistas buscaram referências
em inglês, já que, ainda não existe muito material em português.
O documento orienta ainda sobre o “grau de maturidade” que a escola, o docente e o
aluno precisam estar, para que seja colocada em prática cada uma das habilidades propostas,

404
apesar de não ser algo determinante. Entretanto, a importância da sinalização informa
que a escola, o docente e o aluno precisam estar no mínimo a nível x ou y para prosse-
guir neste ou naquele trabalho, o que é relevante para que um trabalho de qualidade seja
realizado nas instituições de ensino. Esse “grau de maturidade” diz respeito a como cada
um desses agentes do processo de ensino-aprendizagem (escola, professor e aluno) está
preparado, ancorado, para evoluir nas habilidades propostas.

METODOLOGIA

Para esta pesquisa utilizou-se a metodologia da pesquisa qualitativa, uma vez que
a mesma pode fornecer dados que incluem detalhes e pode também proporcionar uma
perspectiva mais humana aos resultados da análise, ajudando a coletar informações de-
talhadas sobre o assunto pesquisado. A opção pela referida metodologia também se dá
porque ela pode trazer uma perspectiva humana às tendências e ajuda a descobrir quais
são os seus pontos cegos, no sentido de que ela é o ponto de partida quando se busca
descobrir novos problemas e oportunidades para fazer um trabalho mais aprofundado.
Posteriormente, já que abre possibilidades para o que poderia ter passado despercebido,
em uma pesquisa de cunho quantitativo.
É preciso esclarecer, antes de tudo, que as chamadas metodologias qualitativas pri-
vilegiam, de modo geral, a análise de micro processos, através do estudo das ações sociais
individuais e grupais, realizando um exame intensivo dos dados, tanto em amplitude
quanto em profundidade. Os métodos qualitativos tratam as unidades sociais investiga-
das como totalidades que desafiam o pesquisador.
Antes de tudo, é preciso entender que a metodologia é compreendida aqui como o co-
nhecimento crítico dos caminhos do processo científico, indagando e questionando acerca de
seus limites e possibilidades (Demo, 1989). Sendo assim, se há uma característica que constitui
a marca dos métodos qualitativos, é a flexibilidade, principalmente quanto às técnicas de coleta
de dados, que incorpora aquelas mais adequadas à observação que está sendo feita e o ponto
principal a enfatizar. No que se refere especificamente à metodologia qualitativa, a pesquisa
depende, fundamentalmente, da competência teórica e metodológica do cientista social.
Dentre as variadas formas de como obter dados qualitativos, optamos pela pes-
quisa bibliográfica, através da coleta de dados em variadas fontes, por meio de diversos
instrumentos, tais como consultas a livros, periódicos e documentos científicos em geral,
afinal, como demonstra Demo (2014), a leitura, análise e interpretação de livros, peri-
ódicos, documentos científicos em geral, bem como todo material selecionado, deveser
submetido a uma triagem, separando o conteúdo que servirá de fundamentação teórica
para o estudo. Optamos também pela pesquisa documental, que nada mais é do que aque-
la realizada a partir de documentos, afinal, “nada supre os documentos: onde não há
documentos não há história” (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 2017, p. 54).

405
Este tipo pesquisa permite a investigação de determinada problemática, não em sua
interação imediata, mas de forma indireta, por meio do estudo dos documentos que são pro-
duzidos pelo homem e, por isso, revela o modo de ser, viver e compreender um fato social.
Estudar documentos, portanto, implica fazê-lo a partir do ponto de vista de quem os produ-
ziu. Por este motivo, requer cuidado e perícia por parte do pesquisador para não comprome-
ter a validade do seu estudo. Flores, ao citar Calado e Ferreira (2004), considera que:

Os documentos são fontes de dados brutos para o investigador e a sua aná-


lise implica um conjunto de transformações, operações e verificações rea-
lizadas a partir dos mesmos com a finalidade de se lhes ser atribuído um
significado relevante em relação a um problema de investigação (FLORES
apud CALADO; FERREIRA, 2004, p.3).

É importante ressaltar que a pesquisa documental é extremamente importante para


a nossa sociedade, pois é responsável por mostrar as descobertas deixadas ao longo do tem-
po, uma vez que, ela gera conhecimento e oferece fontes de informação aos pesquisadores
para interpretar e aperfeiçoar novos documentos. Para Le Goff (1996), “ o documento não
é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou
segundo as relações de forças que aí detinham o poder” (LE GOFF, 1996, p. 545). E no que
diz respeito à forma como foi escrita, segundo Bloch, “o vocabulário dos documentos não
é, a seu modo, nada mais que um testemunho: precioso, sem dúvida; mas, como todos os
testemunhos, imperfeito; portanto, sujeito à crítica” (BLOCH, 2001, p. 142).
Em resumo, tudo que pode revelar suas ideias, opiniões e formas de atuar e viver,
pode ser considerado como documento. Nas palavras de Paul Ricoeur (2017), “[...] torna-
se, assim, documento tudo o que pode ser interrogado pelo historiador com a ideia de nele
encontrar uma informação sobre o passado” (RICOEUR, 2007, p.189).
Nesse contexto, compreende-se que as características mais importantes da pes-
quisa documental são a coleta e uso de documentos existentes para analisar os dados e
oferecer resultados lógicos, e a reunião dos dados com uma ordem lógica, o que permite
encontrar fatos que aconteceram no passado, fontes de pesquisa e elaborar instrumentos
de pesquisa. A utilização de vários processos como análise, síntese e dedução de docu-
mentos é realizado de forma ordenada, com uma lista de objetivos específicos, a fim de
construir novos conhecimentos.
 Para a realização de uma investigação documental, a metodologia para condu-
zi- la começa pela seleção de material, já que, é importante fazer uma extensa coleção
de material que pode ser útil para o processo e fazer a revisão do mesmo. Nessa etapa,
o pesquisador classifica o material e separa aqueles que são pouco necessários daqueles
que são importantes para o assunto; também organiza todo o material selecionado para
comparar e obter informações textuais, para fazer citações e referências e, a fim de sus-
tentar teorias e interpretações, faz a análise dos dados. Conforme aponta Cellard (2008),

406
Depois de realizada a coleta de dados, parte-se para a análise preliminar,
ondese faz o exame e crítica do documento, o contexto de produção do do-
cumento; uma espécie de biografia do autor ou dos autores de um docu-
mento; a autenticidade e a confiabilidade do texto; a natureza do texto; os
conceitos- chave e a lógica interna do texto (CELLARD, 2008, p.295).

Sintetizando, o presente trabalho buscou estudar, através de uma pesquisa qua-


litativa e documental, a disponibilidade e o uso das mídias na educação dos alunos do
fundamental I da Escola Municipal Dr. Joaquim Marques Monteiro, localizada na cidade
de Jequié, Bahia, a partir da análise dos seguintes documentos: O Projeto Político Peda-
gógico da escola (PPP); os registros do balanço patrimonial dos últimos cinco anos e os
planos de cursos também dos últimos cinco anos.

ANÁLISE DOS DOCUMENTOS

Antes de analisar os documentos pretendidos, abro aqui um parêntese para infor-


mar a dificuldade em acessar tais documentações. Ainda que exista no Brasil a Lei de
acesso à informação (LAI) número 12.527, de 18 de novembro de 2011, em seu Art. 1º
que dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações públicas, previs-
to no inciso XXXIII do art. 5º , no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da
Constituição Federal, na prática, a obtenção desses documentos pode ser comparada a
uma “peregrinação”, que causou um desgaste muito grande na condução deste trabalho
de pesquisa. Infelizmente, o “jeitinho brasileiro”, através de contatos pessoais, foi ainda
a forma mais eficaz para obtê-los. Dito isso, partimos para a análise dos documentos, a
saber, o Projeto Político Pedagógico da Escola (PPP); os registros do balanço patrimonial
dos últimos cinco anos e os planos de cursos também dos últimos cinco anos.

Projeto Político Pedagógico (PPP) da Escola Joaquim Marques Monteiro

Ao analisar o Projeto Político Pedagógico (PPP) da Escola Joaquim Marques


Monteiro, no que se refere à sua estrutura, foi possível observar que o documento possui
314 laudas, estruturado em 16 tópicos, sendo alguns desses divididos em subtópicos. Em
relação aos tópicos, destacamos aqui, os objetivos gerais e específicos, o marco filosófi-
co, os princípios norteadores da educação, o ato conceitual, a Concepção de Homem, a
Concepção de Sociedade, a Concepção de Tecnologia,a Concepção de Ciência, a Con-
cepção de Inclusão, a Concepção de Diretrizes curriculares, os Projetos Desenvolvidos
pela Escola, a Visão de Futuro, a Qualificação dos equipamentos, os funcionários e espa-
ços e a Identificação dos recursos já existentes.

407
No que se refere ao conteúdo, foi possível constatar que o PPP teve a sua última
atualização no ano de 2013. Segundo Muriele Massucato (2017), parte-se do princípio de
que este documento precisa ser construído e revisitado sempre, para que todos se sin-
tam parte dele e, considerando a concepção de “entrega”, entende-se que o PPP é uma
obrigação a ser cumprida pela equipe de gestão, devendo ser revisitado por toda comu-
nidade escolar para validação, orientação, reorientação e reflexão das práticas cotidianas
da escola. Além disso, o ideal é que o PPP seja consultado ao longo de todo o ano em
várias situações, atrelado às práticas formativas, pois sempre há algo a ser atualizado
com as “inovações” educacionais. A não atualização do documento, entre os anos de
2014 a 2020, deixa uma lacuna considerável, principalmente em relação ao nosso tema
de pesquisa - Mídias na educação: análise da disponibilidade e uso na Escola -, uma vez
que, muitas atualizações educacionais ocorreram nesse intervalo, a exemplo da última
alteração da BNCC no ano de 2018, que contempla novas competências atreladas às
tecnologias digitais.
Nessa perspectiva, é notório que a escola deixa a desejar quanto ao cumprimento
de um dos seus objetivos gerais presentes no PPP, que é o de:

Utilizar os conhecimentos sobre a realidade: econômica, cultural, política e


social, para compreender o contexto em que está inserida a prática educa-
tiva, explicando as relações entre o meio social e a educação e comprome-
tendo-se com a transformação dessa realidade (Projeto Político Pedagógico
da Escola Joaquim Marques Monteiro, 2013, p. 17).

Ainda nesse contexto, também não contempla pelo menos um dos seus objetivos
específicos que é o de “construir possibilidades de melhoria contínua das condições pe-
dagógicas da escola” (Projeto Político Pedagógico da Escola Joaquim Marques Monteiro,
2013, p. 19).
No que se refere ao marco filosófico, consta no documento que “cabe à escola, [...]
a introdução e estudos de temas extraídos do contexto atual, tais como: [...], a inclusão
digital, [...] e o desenvolvimento de novas competências para lidar com novas tecnologias
e linguagens” (Projeto Político Pedagógico da Escola Joaquim Marques Monteiro, 2013,
p.20, grifo nosso). Já em relação aos princípios norteadores da educação, traz que

tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio, a EAD deve ser


desenvolvida em comunidade de aprendizagem em rede, com aplicação, den-
tre outras, das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) na ‘busca
inteligente’ e na interatividade virtual”, [...] (Projeto Político Pedagógico da
Escola Joaquim Marques Monteiro, 2013, p.30, grifo nosso).

Nesse aspecto, é notório que o PPP mostra-se sintonizado com as ideias de Moran
(2007), quando diz que

408
A educação escolar precisa compreender e incorporar mais as novas lin-
guagens, [...], dominar as possibilidades de expressão e as possíveis mani-
pulações. [...] educar para usos democráticos, mais progressistas e partici-
pativos das tecnologias, que facilitem a evolução dos indivíduos (MORAN,
2007, p. 165).

Desse modo, é possível afirmar que o documento é válido ao tratar da inclusão


digital e, inclusive, se adianta, se considerarmos que sua última atualização ocorreu no
ano de 2013, se comparada às duas competências trazidas somente no ano de 2018 pela
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), referente ao uso das tecnologia como ferra-
menta de desenvolvimento pedagógico. O PPP traz, portanto, em seu marco filosófico e
nos seus princípios norteadores, elementos suficientes para promover um ensino-apren-
dizado “antenado” ao que preceitua os estudiosos da área educacional no quese refere ao
aprendizado através das mídias digitais.
Ainda nos reportando aos princípios norteadores da educação, o PPP apresenta
alguns princípios que nortearão a educação especial, pautados no Decreto nº 6.572/2008,
Art. 13, quando trata das atribuições do professor no Atendimento Educacional Especia-
lizado. Aponta que este deverá ensinar aos seus alunos a usarem a tecnologia assistiva de
forma a ampliar as habilidades funcionais deles, promovendo autonomia e participação
e que, o professor que não domina as tecnologias recentes, deve capacitar- se.
Da extração de termos ligados às novas tecnologias, encontrados no marco
filosófico deste PPP, a exemplo de vocábulos como: contexto atual, novas competências,
novas tecnologias e linguagens, inclusão digital, tecnologias de informação ecomunica-
ção (TIC), aprendizagem em rede, interatividade virtual e tecnologia assistiva, percebe-
-se a intencionalidade quanto a importância dos recursos midiáticos para oprocesso de
ensino-aprendizagem na escola Joaquim Marques Monteiro.
Observa-se assim, que existe do ponto de vista documental, um reconheci-
mento da importância da inclusão das mídias digitais no processo educacional da
escola como forma de agregar novas metodologias e novas competências no ensino-
-aprendizagem através de ferramentas digitais. Os conceitos como aprendizagem em
rede, interatividade virtual, mediações, tecnologia assistiva, formação tecnológica
presentes no documento, demonstram que a escola, do ponto de vista documental,
tem ciência de que as tecnologias podem ser “pontes que abrem a sala de aula para o
mundo” (MORAN, 2007, p.164).
Já em sua concepção de tecnologia, o PPP reconhece que esta muda constante-
mente, provocando alterações na vida das escolas, isto é, “a tecnologia tem um impacto
significativo não só na produção de bens e serviços, mas também no conjunto das re-
lações sociais e nos padrões culturais vigentes” (Projeto Político Pedagógico da Escola
Joaquim Marques Monteiro, 2013,p. 84).

409
Para corroborar este pensamento, o referido documento cita ainda a Lei deDire-
trizes e Bases da Educação (LDB- 9394/96), que propõe

[...] a formação tecnológica como eixo do currículo e assume, segundo


Kuerger (2000), a concepção que a aponta como a síntese, entre o conhe-
cimento geral e o específico, determinando novas formas de selecionar, or-
ganizar e tratar metodologicamente os conteúdos. A tecnologia deve ser
entendida como umaferramenta sofisticada e alternativa no contexto edu-
cacional, pois a mesma pode contribuir para o aumento das desigualdades,
ou para inserção social se vista como uma forma de estabelecer mediações
entre o aluno e o conhecimento em todas as áreas (Projeto Político Pedagó-
gico da Escola Joaquim Marques Monteiro, 2013, p. 85).

E fecha pontuando que uma

[...] concepção de educação tecnológica não será suficiente para o acesso


de todos, da Escola Pública, sem que haja uma vontade e ação política que
possibilite investimento para que esses recursos tecnológicos (elementares
e sofisticados) existam e possam ser ferramenta que contribua para o de-
senvolvimento do pensar, sendo um meio de estabelecer relações entre o
conhecimento científico, tecnológico e sócio histórico, possibilitando arti-
cular ação, teoria e prática (Projeto Político Pedagógico da Escola Joaquim
MarquesMonteiro, 2013, p. 85).

Sendo assim, percebe-se que a LDB, além de corroborar com a concepção de tec-
nologia da escola, é norteadora também, uma vez que, apresenta a formação tecnológica
como uma inovação no processo de ensino. As formas de pesquisar, construir e partilhar
conhecimentos mudaram de configuração com o advento das tecnologias digitais e, a
depender da sua utilização, promotora de maior ou menor para desigualdade social. O
resultado desta inovação dependerá do desprendimento adotado pelas políticas públi-
cas, investindo em maior ou menor proporção na implementação dessa formação.
Quanto à dinâmica do currículo da escola, segundo o PPP, deve conciliar os co-
nhecimentos científicos que presidem a produção moderna, o humanismo e a tecnolo-
gia, explorando criativamente essas novas formas de aprendizagens que vêm com as tec-
nologias, para que possa possibilitar aos alunos, condições para entrar na comunidade
educativa global com novas oportunidades de ingresso no mercado de trabalho. Para
tanto, a escola deverá buscar recursos junto aos órgãos públicos para à implantação de
um laboratório de informática, que possa favorecer o desenvolvimento dos alunos acerca
do uso das novas tecnologias.
Ao analisar o tópico “Projetos desenvolvidos pela escola”, o intuito foi identificar se a
escola utiliza-se das mídias digitais no percurso das atividades e como são utilizadas. Foi pos-
sível identificar cinco projetos, a saber: Todos contra a dengue; Projeto 31 de março: o golpe, a

410
família e a escola assumindo responsabilidades, uma conscientização mútua; Semeando cul-
tura de paz na escola; Incentivo à leitura por meio das manifestações folclóricas; A rede social
da Escola Municipal Dr. Joaquim Marques Monteiro unida na prevenção do uso de drogas.
Foi possível constatar também, que esses projetos, de forma indireta, contemplam o uso das
mídias digitais à medida que apresentam expressões como: para ser cantada, pesquisas com
dados, painéis ilustrativos com fotos, fatos de filmes que apresentem palestras, debates, ofi-
cinas, atividades lúdicas, apresentação de vídeo, entrega de folder, assistir ao filme, leitura e
interpretação de músicas, pesquisa da biografia, sendo que as expressões mais recorrentes
são: “assistir ao” e “pesquisar as”, atividades estas, que demandam o uso das mídias digitais a
exemplo de microfones, caixas de som, televisores, impressoras, computadores com acesso a
internet. Isso denota que a escola, no aspecto do uso das tecnologias digitais, está mais con-
centrada na etapa um das três citadas por Moran (2007), que é a de fazer uso das Tecnologias
para fazer melhor, o que corresponde a utilização das tecnologias a fim de ajudar na organi-
zação e apresentação dos conteúdos trabalhados em sala de aula.
É perceptível também, ainda que de forma “tímida”, a presença de expressões
como: Produção de vídeos, construção de gráfico, slides, produção de textos, o que evi-
dencia ser o caminhar da escola para atingir a segunda etapa que Moran (2007) classifica
ser a de fazer com que a escola venha a fazer uso das Tecnologias para mudanças parciais,
que diz respeito a utilização mais constante das tecnologias em sala de aula e laborató-
rios de informática, embora o foco continue na transmissão de saberes centralizados no
professor.
Além de tudo isso, encontra-se no PPP informações sobre a identificação dos recur-
sos audiovisuais já existentes na instituição de ensino como TV, rádio, vídeo, retroprojetor,
máquina fotográfica, filmadora, Data show e computador na sala dos professores.
Para finalizar, ainda que este mesmo documento já tenha citado a existência de
alguns recursos tecnológicos na escola, analisamos, a partir dos inventários dos últimos
cinco anos, a real disponibilidade desses recursos.

Os registros do balanço patrimonial dos últimos cinco anos

O objetivo da análise dos registros do balanço patrimonial da escola é verificar a


disponibilidade, quais aquisições de mídias digitais foram feitas pela Escola Joaquim Mar-
ques Monteiro nos últimos cinco anos, a fim de possibilitar a prática das teorias presente
no Projeto Político Pedagógico, no que se refere à presença das mídias digitais na escola.
Ao analisar o balanço patrimonial da referida escola, que é o conjunto de bens mó-
veis e imóveis que formam a parte física da estrutura escolar dos seus últimos cinco anos,
foi possível observar que o último documento dessa natureza, presente nesta escola, foi
criado no ano de 2008 e atualizado apenas nos anos de 2012 e 2019, conforme consta no
próprio documento. É importante ressaltar, que o objetivo da nossa análise corresponde

411
apenas ao período compreendido entre os anos de 2016 a 2020. Sendo assim, das caracte-
rísticas do documento encontrado na escola, descrevemos aqui, que o mesmo é registrado
à mão, em um livro ata, documento escrito com base em uma redação técnica, cujo objeti-
vo é registrar os acontecimentos que necessitam de anotações formais para registro.
O referido livro consta de 200 laudas, numeradas de 1 a 200 e, conforme descrito
na sua contracapa, assinado pela diretora à época de 25 de novembro do ano de 2008,
destina-se às anotações do inventário de todos os bens que existem na Escola Municipal
Joaquim Marques Monteiro, que foram doados pela Secretaria Municipal de Educação,
outros órgãos e os que foram adquiridos com os recursos do Programa de Dinheiro Di-
reto na Escola (PDDE).
Após registros datados do ano de 2008, fica a lacuna desse tipo de registro até o ano
de 2012 e novamente uma lacuna até o ano de 2019, ano que compreende o nosso objeto de
estudo. Portanto, a partir da lauda de número 5, consta que o setor de informática dispõe,
entre outros objetos, de 10 computadores e um roteador. Na sala da coordenação, constam
06 itens, sendo que nenhum deles é objeto relacionado ao nosso estudo, e na sala de vídeo
há 16 itens, destes: uma caixa amplificada, um caixa de som e um projetor com tela.
Nas páginas seguintes, lista-se os setores: sala dos professores e sala do Atendi-
mento Educacional Especializado (AEE), sendo que na primeira constam cinco itens,
destes, 1 televisor e no segundo, 18 itens, entre eles, 1 computador e 2 impressoras.
A página 8, por sua vez, é dedicada a listar os itens da secretaria/diretoria. Esse se-
torpossui 17 itens, entre eles, 1 impressora, 2 microfones, 2 notebooks, 1 câmera fotográ-
fica digital e 1 filmadora. Já a sala de alfabetização, dispõe de 4 itens e a página 9 traz a
lista do Almoxarifado e do pátio, sendo o primeiro com 17 itens, dos quais destacamos 1
estabilizador e o segundo com 7 itens; nenhum deles objeto da nossa pesquisa.
É importante registrar, que do ponto de vista da qualidade das anotações, em sua
grande maioria, os objetos listados não possuem número de tombamento, data de aqui-
sição, valor adquirido, nem estado de conservação dos mesmos, o que dificulta uma aná-
lise mais profunda para sabermos, por exemplo, quantos desses objetos estão em perfeito
estado de conservação e quantos estão obsoletos.
Para fins de verificar um dos nossos objetivos específicos de pesquisa que é a dispo-
nibilidade, aqui abrimos um parêntese (disponibilidade real). Assim sendo, esta verificação
fica resumida apenas à quantificação e variedade desses objetos listados nesse documento.
Desse ponto de vista, podemos encontrar registros de boa parte de mídias digitais atuais,
contemplando duas competências gerais que estão relacionadas ao uso da tecnologia na
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o que demonstra as mídias digitais como re-
levantes no processo de ensino-aprendizagem desta escola, no que se refere a tais recursos.
Dessa forma, uma vez verificada a presença das mídias digitais no PPP da escola e
no inventário, partimos para o próximo tópico em que analisamos como se dá a sua pre-
sençanos planos de curso de diferentes disciplinas dos últimos cinco anos.

412
Os planos de cursos dos últimos cinco anos

Em primeira análise, é preciso destacar que o Plano de Curso é um instrumento


de trabalho que possui o objetivo de referenciar os conteúdos, as metodologias, os pro-
cedimentos e as técnicas a serem utilizadas no processo de ensino-aprendizagem con-
cernentes às unidades escolares. Como nos diz Libâneo (1990), "O planejamento é um
processo de racionalização, organização e coordenação da ação docente, articulando a
atividade escolar e a problemática do contexto social" (LIBÂNEO, 1990, p. 222).
Complementando este pensamento, podemos dizer que a confecção do plano deve
ocorrer na presença do grupo pedagógico da unidade escolar, atendendo à característi-
ca interdisciplinar com contextualização estabelecida pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs). Conforme aponta Marcos Noé (2021), a construção dessematerial gera
entre os profissionais uma nova postura, ocasionando debates voltados para a satisfação
em promover ações norteadoras, visando a um melhor nível de ensino dos conteúdos
programáticos. Constituído, o plano de curso orienta o profissional no decorrer das ati-
vidades escolares, sequenciando os conteúdos primordiais, os eventos escolares, osmate-
riais a serem utilizados, os procedimentos avaliativos, entre outros.
Dando prosseguimento ao conceito de planejamento e da sua importância, Libâ-
neo(1994), ainda acrescenta que a:

[...] ação de planejar, portanto, não se reduz ao simples preenchimento


de formulários para controle administrativo, é, antes, a atividade cons-
ciente da previsão das ações político – pedagógicas, e tendo como referência
permanente as situações didáticas concretas (isto é, a problemática social,
econômica, política e cultural) que envolve a escola, os professores, os
alunos, os pais, a comunidade, que integram o processo de ensino (LIBÂ-
NEO, 1994, p. 222).

Com base nesses apontamentos, ao analisar os planos de curso de diferentes dis-


ciplinas, dos últimos cinco anos, da Escola Joaquim Marques Monteiro, no que se refere
à sua organização e estrutura, foi possível observar que os documentos não ficam como
cópia, organizados e disponíveis em um local próprio, onde possam ser consultados ou
manipulados pela comunidade escolar. Os planos ficam de posse, somente do próprio
professor que ministra a disciplina.
Por esse motivo, o acesso aos documentos não se deu através de requerimento
formal entre o solicitante (pesquisador) e a solicitada (escola), mas sim, por intermédio
de uma professora que é colega tanto do pesquisador como também dos professores da
escola pesquisada.
É válido pontuar que foram analisados cinco planos de curso completos, ou
seja, cada plano continha as disciplinas de História, Ciências, Português, Matemática

413
e Geografia do 2º ao 5º ano das séries inicias dos últimos cinco anos, os quais estavam
disponíveis para análise.
Quanto à estrutura, não foi possível perceber uma sistematização comum ao cor-
po geral desses documentos, o que denota que foram construídos de forma particularpor
cada professor, uma vez que, cada plano analisado tinha um formato quase que exclusi-
vo, demonstrando não seguir uma diretriz única, se existente na escola.
De todo modo, constatou-se que os planos possuem algumas partes em comum,
afinal, todos eles apresentam os objetivos gerais e específicos e os conteúdos a serem
abordados. No entanto, há algumas diferenças, poucos apresentam os recursos, as com-
petências e habilidades a serem desenvolvidas, e nenhum apresentou as metodologias.
Dito isto, o objetivo da análise dos planos de curso de diferentes disciplinas dos últimos
cinco anos da escola foi verificar a presença das mídias digitais nos referidos documen-
tos e de que maneira elas estão sendo utilizadas, levando em consideração a perspectiva
de Moran, já evidenciada neste estudo.
Da análise dos planos de curso do 2º ano/2018 das disciplinas de História, Ci-
ências, Português, Matemática e Geografia, encontramos apenas na disciplina de
português, objetivos propostos em relação às mídias digitais como o de conhecer o gênero
textual e-mail e suas características. O estudo dos conteúdos denominados como “ponto
com”, remetendo a pesquisas em sites que disponibilizam livros, estudo do internetês,
para fazer um estudo do universo da internet e como criar um blog. Quanto aos recur-
sos, esse plano apresenta o uso do data show e da sala de informática, no entanto, não
especifica como esses recursos serão utilizados, fato que provoca uma lacuna no processo
de entendimento de como esses recursos serão empregados, se possibilitando o protago-
nismo do aluno ou transformando-o em mero espectador.
Nos planos de curso do 3º ano, também do ano de 2018, das disciplinas de História,
Ciências, Português, Matemática e Geografia, a presença das mídias digitais aparece ape-
nas na disciplina de ciências, na qual um dos objetivos era “identificar as relações entre o
conhecimento científico, produção de tecnologia e condições de vida no mundo de hoje
e sua evolução histórica”. Para tanto, apontou como recursos, a utilização de TV, vídeo,
DVD, retroprojetor, aparelho de som, cd e internet, mas também não especificou como
esses recursos seriam utilizados, deixando em aberto o fazer pedagógico.
Já nos planos de curso do 4º ano/2019, das disciplinas de História, Ciências, Por-
tuguês, Matemática e Geografia, percebeu-se a presença das mídias digitais nas seguintes
disciplinas: Português, Matemática, Geografia e Ciências.
Na área de Português, as competências específicas tratam de “analisar argumentos
e opiniões nos meios de comunicação”, através de resenha de filmes, entrevistas e produ-
ção de reportagem, a fim de adquirir habilidades presentes no eixo da escrita, a exemplo
do que trata da argumentação sobre “conhecimentos de interesse social com base em co-
nhecimentos sobre fatos divulgados em TV, rádio, mídia impressa e digital com cordialidade

414
e respeito e a pontos de vista diferentes”. No eixo da leitura, a partir da seleção de informações
que circulam em meios digitais ou impressos e no eixo da edição de texto com “utilização de
softwares, inclusive programas de edição de texto” para editar e publicar os textos pro-
duzidos, constatou-se uma exploração dos recursos multimídias disponíveis. Apesar
de explicitar a utilização da mídia e de alguns recursos como softwares, com o objetivo
de editar e publicar os textos produzidos pelos alunos, de igual modo, esse plano não
explicita quais serão esses softwares nem qual será a metodologia a ser utilizada.
Já nas competências específicas da disciplina de Matemática, verificou-se que elas
apresentam a necessidade de utilizar processos e ferramentas, inclusive tecnologias di-
gitais, e como habilidades, a possibilidade de “uso da calculadora, quando necessário”.
No eixo ângulos retos e não retos, apresenta-se “a importância do uso de softwares de
geometria”.
Na disciplina de Geografia, por sua vez, apresenta como competências específicas,
fazer uso das linguagens iconográficas e geotecnológicas. No entanto, é importante regis-
trar que esse plano também não informa quais recursos seriam utilizados para tal prática
nem como seriam utilizados.
Por fim, na disciplina de Ciências, os objetivos são “analisar, compreender e expli-
car características, fenômenos e processos relativos ao universo tecnológico (incluindo
o digital)”, buscar respostas e criar soluções (inclusive tecnológicas), “além de utilizar as
diferentes linguagens proporcionadas pelas tecnologias digitais”. Mas, em relação aos
recursos e como eles serão utilizados, nada aparece registrado.
No que se refere à análise dos planos de curso do 5º ano/2016, das disciplinas de
História, Ciências, Português, Matemática e Geografia, constatou-se que as competências
relacionadas ao nosso estudo são: “reconhecer relações entre o conhecimento científico,
produção de tecnologia e condições de vida e suas mudanças, saber usar a tecnologia de
forma correta, na busca pelo equilíbrio entre a natureza e homem”.
Como habilidades, este plano apresenta: “analisar o uso da tecnologia, conscien-
tizar-se de seus benefícios e malefícios, conhecer as causas e consequências do campo
tecnológico”, e como conteúdos, aparece a produção do e-mail. Este plano, entre todos
os analisados, é o que mais se aproxima das duas competências gerais da BNCC, que
estão relacionadas ao uso da tecnologia, no entanto, de igual modo, como na analise do
planos anteriores, é importante registrar que esse plano também não informa quais re-
cursos seriam utilizados para tal prática nem como seriam utilizados, o que mais uma
vez deixa uma lacuna entre as pretensões para o fazer e o fazer concreto.
Diante do exposto até aqui, percebe-se que alguns objetivos, competências ou mes-
mo recursos presentes nos planos, de um modo geral, comprovam a existência da prática
educativa voltada para o uso das mídias digitais, afinal, observou-se que as palavras que
mais aparecem nos corpos dos planos de curso da escola são: TV, rádio, mídia impres-
sa e digital, DVD, retroprojetor, aparelho de som, cd, internet, sala de vídeo, data show.

415
Contudo, percebe-se que são apresentadas, na maioria dos planos de cursos analisados,
apenas para reproduzir um conteúdo já pronto, cabendo aos estudantes apenas a função
de participar como meros expectadores, uma vez que os verbos conhecer, identificar, en-
tender, aprender foram muito mais empregados do que os verbos criar, produzir e fazer,
por exemplo.
Sendo assim, diante da análise dos planos de curso dos últimos cinco anos da Escola
Joaquim Marques Monteiro, a fim de possibilitar a transposição das teorias presente no
Projeto Político Pedagógico da referida escola, no que se refere à presença das mídias
digitais, foi possível concluir que as mídias digitais não aparecem na mesma intensidade
e organização que aparecem no PPP, o que deixa de contemplar, em sua maior parte,
as Competências 4 e 5 da BNCC, em especial, em utilizar e criar tecnologias digitais
de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nasdiversas
práticas sociais (incluindo as escolares). Na perspectiva de Moran (2007), quando apre-
senta a existência de três etapas sobre a apropriação pedagógica das tecnologias digitais
disponíveis nas escolas, que a Escola Municipal Joaquim Marques Monteiro está fazendo
uso das Tecnologias para fazer melhor, significa que a utilização das tecnologias objetiva
na organização e apresentação dos conteúdos trabalhados em sala de aula.
Percebe-se, desse modo, que cabe à escola avançar ainda mais para alcançar as duas
etapas seguintes que são: usar as tecnologias para mudanças parciais, no que diz respeito
a utilização mais constante das tecnologias em sala de aula e laboratórios de informática.
Ou seja, ressignificar o foco na transmissão de saberes centralizados no professore no
uso dastecnologias para mudanças inovadoras que buscam provocar mudanças na escola
voltadas para a flexibilização da organização curricular e a forma de gestão do processode
ensino e aprendizagem já proposto no PPP desta escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Diante da problemática da pouca disponibilidade e do uso das mídias na educação


dos alunos do fundamental I, na Escola Drº Joaquim Marques Monteiro, de onde surgiu
a questão norteadora desta pesquisa, onde o objetivo foi pesquisar quais são as mídias
digitais disponíveis na Escola e como funciona a utilização desses recursos com os alunos,
com objetivos específicos de investigar quais são os recursos midiáticos disponíveis na
escola e analisar como os recursos disponíveis são utilizados no processo de ensino-
-aprendizagem pelos professores, a partir da perspectiva de Moran (2007), observou-se
que o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola apresenta em sua estrutura elemen-
tos suficientes para promover um ensino-aprendizagem “antenado” com o que preceitua
a BNCC no que se refere ao aprendizado através das mídias digitais.
Da análise dos registros do balanço patrimonial dos últimos cinco anos, foram
encontrados registros de boa parte das mídias digitais atuais, como TV, rádio, DVD,

416
aparelho de som, internet, sala de vídeo e data show de modo que faz contemplar as
duas competências gerais que estão relacionadas ao uso da tecnologia na Base Nacio-
nal Comum Curricular (BNCC), demonstrando que as mídias digitais têm relevância
no processo de ensino-aprendizagem desta escola. Também, no que se refere à dispo-
nibilidade desses recursos, não foi possível identificar se estão em bom estado, se são
utilizados e como.
Já da análise dos planos de cursos dos últimos cinco anos, foram observados al-
guns poucos registros quanto ao uso das mídias digitais no processo de ensino-aprendi-
zagem além de, também, não informar quais recursos seriam utilizados para tal prática
nem como seriam utilizados, o que deixa uma lacuna entre as pretensões para o fazer e o
fazer concreto, e que nos leva a inferir que ainda falta um sintonia entre esses registros e
o que está registrado no PPP da escola.
Desse modo, ao estudar a importância das mídias digitais para a Escola Municipal Dr.
Joaquim Marques Monteiro, foi possível concluir que do ponto vista do PPP, ela contempla de
forma satisfatória as demandas preceituadas na BNCC. Do ponto de vista da disponibilidade,
verifica-se a presença desses recursos materiais. Quanto ao uso dessas mídias na educação,
foram observadas poucas anotações relacionadas a sua utilização no processo de ensino-
-aprendizagem dos alunos do fundamental I, o que leva a escola a ser classificada na primeira
das três etapas, a partir da perspectiva de Moran (2007), sendo esta, quando se utiliza as Tec-
nologias apenas para fazer melhor, corresponde a utilização das tecnologias a fim de ajudar
na organização e apresentação dos conteúdos trabalhados em sala de aula, o que evidencia,
que de fato, as etapas apresentadas por Moram (2017), existem e a escola precisa avançar nes-
te quesito para conquistá-las. Avançar na Educação pela mídia, com a mídia e para a mídia.

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419
EXPERIÊNCIAS DE APRENDIZAGEM
NA PRÁTICA DA MONITORIA
PARA ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA
NA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Amanda Nery da Silva
André Luis da Silva Santos
Valdirene Santos Rocha Sousa

INTRODUÇÃO

A educação, nos seus diferentes níveis, é um direito inerente ao ser humano. As


pessoas com deficiência, sujeitos pertencentes a um grupo historicamente excluído e
estigmatizado, devem ter acesso aos espaços de ensino formal, devendo ser garantidas
condições de permanência, participação e aprendizagem (BRASIL, 2015). Na educação
superior, como Anjos (2011) destaca, as pessoas com deficiência cada vez mais têm es-
tado presentes como estudantes, porquanto, o processo de inclusão dessas pessoas nas
universidades precisa ser amplamente discutido. 
Dessa forma, é imprescindível a concretização de políticas de ações afirmativas
visando a permanência de sucesso desses estudantes na educação superior. Nesse viés,
podemos citar as atividades de monitoria para os estudantes com deficiência como uma
dessas ações e que já vêm sendo mencionadas em estudos sobre a acessibilidade e per-
manência de estudantes com deficiência na graduação. 
A função de monitoria acadêmica, que cada vez mais tem sido implantada nas
instituições de educação superior, pode ser considerada como uma prática disponível
aos estudantes interessados em ter momentos de estudo e aprofundamento dos conteú-
dos vistos em sala de aula (DE LIMA; SIMÕES, 2018). São diversos estudos referentes à
atividade de monitoria, principalmente como iniciação à docência acadêmica, no entan-
to, algumas poucas pesquisas anunciam um estudo mais aprofundado acerca da monito-
ria para os estudantes com deficiência no nível superior, como por exemplo, ao relatar a
implementação do Programa de Monitoria – também foi feito para estudantes indígenas
(SANTOS et al., 2016b); e ao discutir a monitoria, que contribui para a permanência do
estudante com deficiência na graduação, como uma iniciativa de política de ação afirma-
tiva (SANTOS et al., 2016a). 

420
Para além disso, é uma atividade desenvolvida que pode constituir uma experi-
ência significativa para a formação humana ao discente monitor, em que o sujeito pode
mobilizar saberes anteriores e, por conseguinte, influenciar na construção de uma prá-
tica profissional respeitosa à diversidade e às diferenças. Então, podemos considerá-la
como uma prática potencializadora que pode oportunizar experiências problematizado-
ras das questões humanas.
No Núcleo de Ações Inclusivas para Pessoas com Deficiência, um setor que atende
aos estudantes com deficiência da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB),
alguns estudantes de graduação desenvolvem a atividade de monitoria, como maneira
de acompanhamento e orientação próximos aos discentes com deficiência nas suas es-
pecificidades, no tocante aos assuntos específicos de uma determinada disciplina. Essa
monitoria pode ser voluntária ou da disciplina, quando um professor disponibiliza um
tempo do monitor acadêmico para atender ao estudante. 
Diante desse cenário, a partir da concepção de educação como formação humana,
que Paulo Freire (1986) afirma ser uma educação emancipadora, e do conceito de ex-
periência afirmado por Jorge Larrosa Bondía (2002, 2011) como tudo aquilo que passa
e deixa marcas, pretende-se explorar a temática sobre a atividade de monitoria para os
estudantes com deficiência como oportunidade de experienciar, a partir do contato com
o outro, uma formação humana para além do conteúdo em sala de aula.
Nesse sentido, a questão de investigação é: como as experiências na atividade de
monitoria para estudantes com deficiência reverberam na formação de discentes na uni-
versidade? Partindo do seguinte objetivo: analisar como as experiências desenvolvidas
através da monitoria de disciplina, junto aos estudantes com deficiência, reverberam na
formação profissional dos monitores.
Para a realização desta investigação, foi feito um estudo de caso a partir das nar-
rativas de quatro estudantes, que exercem ou já exerceram a atividade de monitoria no
Núcleos de Acessibilidade e Inclusão para Pessoas com Deficiência (NAIPD). Para isso,
foi utilizada a entrevista semiestruturada como instrumento para aproximação aos par-
ticipantes da pesquisa. 
Iniciamos com uma discussão teórica sobre a política inclusiva, a concepção de
deficiência e a forma como reverbera na prática educativa. O tópico seguinte é sobre a
concepção de educação enquanto formação humana e o conceito de experiência, fa-
zendo referência à atividade de monitoria realizada com os estudantes com deficiência.
Depois, relata-se sobre o percurso metodológico da pesquisa para, em seguida, apresen-
tar os resultados a partir da interpretação das informações. Por fim, são apresentadas as
considerações finais.

421
EDUCAÇÃO ENQUANTO DIREITO DE TODOS

Diferente do que muitos pensam, a perspectiva da inclusão se refere a todas as


pessoas, não somente as às pessoas com deficiência, é e independentemente de sua clas-
se, gênero, condição, todos têm direito à educação: “[...] a inclusão é, ao mesmo tempo,
motivo e consequência de uma educação de qualidade e aberta às diferenças” (MAN-
TOAN, 2006, p. 24). Ao falar sobre a inclusão dos estudantes com deficiência, é possível
afirmar que por muito tempo foram excluídos dos espaços de ensino comum.
A educação das pessoas com deficiência se organizou, inicialmente, numa edu-
cação segregadora, com a criação de instituições específicas que recebiam cada pessoa
a partir da deficiência, por exemplo, um lugar recebia as pessoas com deficiência visual,
outro as pessoas surdas, e assim sucessivamente. No Brasil, a primeira instituição dire-
cionada para a educação dessas pessoas foi o Instituto dos Meninos Cegos, em 1854, que
recebia as pessoas com deficiência visual e, em 1857, foi inaugurado o Instituto Nacional
de Surdos.
Somente a partir de 1961, com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que se começou
a apontar o direito das pessoas com deficiência a serem inseridas no sistema comum
de ensino (BRASIL, 2008). Em 1988, com a elaboração da nova Constituição Federal,
estabeleceu-se no artigo 208, inciso V, o "acesso aos níveis mais elevados do ensino, da
pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um" (BRASIL, 1988). A
Declaração de Salamanca de 1994 foi um marco na discussão sobre a inclusão de todas
as pessoas no sistema escolar e a escolarização das pessoas com deficiência em classes
comuns de ensino (BRASIL, 1994a). Todavia, a concepção de inclusão afirmada na épo-
ca ainda era incipiente. Dessa forma, vigorava a integração, na qual era o sujeito que
precisava se adequar ao contexto escolar e, para isso, ainda eram predominantes as salas
especiais.
Pela LDB de 1996, são assegurados currículos, métodos, recursos e organização
específicos para atender às especificidades de cada sujeito, em qualquer nível de ensino
(BRASIL, 1996). Já no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos afirma que: 

[...] os preceitos da igualdade, da liberdade e da justiça devem guiar as


ações universitárias de modo a garantir a democratização da informação,
o acesso por parte de grupos sociais vulneráveis ou excluídos e o compro-
misso cívico-ético com a implementação de políticas públicas voltadas para
as necessidades básicas desses segmentos [...] desenvolver políticas estraté-
gicas de ação afirmativas nas IES que possibilitem a inclusão, o acesso e a
permanência de pessoas com deficiência (BRASIL, 2007, p. 38-41). 

O Decreto n° 6.949, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com


Deficiência de 2009 reforça, no artigo 24, que o acesso à educação superior, das pessoas

422
com deficiência, deve ser garantido sem discriminação e em igualdade de condição (BRA-
SIL, 2009). Diante de toda essa política, já podemos perceber que o acesso e a permanência
das pessoas com deficiência nas instituições de ensino são direitos, não podendo ter a sua
condição como justificativa para serem excluídas.
Consoante com esse direito, existe a transversalidade do atendimento ao discente
com deficiência. No ensino superior ocorre através de atitudes que possibilitem o acesso,
a permanência e a participação desses estudantes (BRASIL, 2008). Para tal, precisam ser
ações que promovam “[...] acessibilidade arquitetônica, nas comunicações, nos sistemas
de informação, nos materiais didáticos e pedagógicos” (BRASIL, 2008, p. 17). Assim,
pelo Decreto n° 7611/11, as Instituições de Educação Superior precisam ter núcleos de
acessibilidade organizados para viabilizar essas ações inclusivas, impedindo que as bar-
reiras não impeçam a formação dos estudantes com deficiência (BRASIL, 2011).
Reforçando todo esse direito, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) determina que
deve ser assegurado um sistema educacional inclusivo em todos os níveis de ensino e
avança, no seu artigo 28, em 

II. [...] garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendi-


zagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que
eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena [...]
III. [...] atender às características dos estudantes com deficiência e garantir
o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a
conquista e o exercício de sua autonomia [...]
V. adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maxi-
mizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiên-
cia, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem
em instituições de ensino (BRASIL, 2015).

Portanto, é emergente discutir o processo de inclusão desses estudantes nas uni-


versidades, principalmente quando fazemos referência ao quantitativo de estudantes
com deficiência, transtorno global do desenvolvimento ou altas habilidades/superdo-
tação presentes nas instituições de educação superior. O levantamento feito pelo Censo
da Educação do Ensino Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educa-
cionais Anísio Teixeira (INEP), em 2017, ficaram registradas 38.272 matrículas, 0,4% do
total (INEP, 2019), isto é um quantitativo maior do que no ano de 2016, que pelo Censo
registrou 35.891 matrículas, e menor em relação ao ano de 2018, com 43.633 estudantes
na graduação (ALUNOS, 2019). Constata-se então que é crescente o número de pesso-
as com deficiência que vem ingressando nas universidades. Como resultado, pensa-se
como tem sido a permanência, participação e a aprendizagem desse público nas institui-
ções de ensino superior. 

423
As pessoas com deficiência e seus atravessamentos na educação

Todas as formas de entender a deficiência, ao longo da história, são constituídas


dentro de um contexto histórico, social e cultural de cada época e lugar. De toda essa
trajetória, destaco dois momentos: a patologização do termo, que concebia a deficiên-
cia enquanto doença, considerando as pessoas incapazes que precisavam ser tratadas
(FREITAS, 2007); e a visão social do impacto das barreiras presentes numa sociedade
excludente, como conceituado principalmente na LBI (BRASIL, 2015).
Então, a deficiência foi construída pela ciência médica, dentro de parâmetros que
definia a dicotomia normalidade/anormalidade, considerando o diferente enquanto um
desvio-padrão. Era uma clínica e assistencial levada bastante em consideração pelos sis-
temas educacionais que buscavam alcançar aqueles que queriam (ALCOBA, 2008). Atu-
almente, a Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015) define, no seu artigo 2º, que 

[...] pessoa com deficiência é aquela que tem impedimento de longo prazo
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação
com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva
na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. 

As barreiras citadas na LBI são referentes a tudo aquilo que, porventura, venha a
impedir a participação efetiva da pessoa com deficiência no meio social, bem como o seu
proveito e uso dos direitos. Estão classificadas em urbanísticas, arquitetônicas, nos trans-
portes, nas comunicações e na informação, atitudinais e tecnológicas (BRASIL, 2015).
Na formulação do discurso da inclusão, as ações são provenientes de mudanças na socie-
dade para que esta se torne acessível a todas às pessoas (FREITAS, 2007). 
Referente ao que ocorre nos espaços de educação, mais especificamente em sala
de aula, Kastrup e Pozzana (2020) afirmam que há “[....] todo um campo micropolítico
de tensões que emergem nas relações com professores”, ou seja, nessas relações ocorrem
tensionamentos, como por exemplo, o encontro com os discentes com deficiência. Ainda
de acordo com as autoras, “[...] a política cognitiva da invenção configura outro modo
de estar no mundo [...] conhecer envolve a abertura da atenção ao presente e inclui a
perturbação do saber anterior” (KASTRUP; POZZANA, 2020, p. 36). Nessa política in-
ventiva que os docentes podem mobilizar o saber de antes para justamente a partir daí
transformar esse pensar.
No sentido de que “para educar – e para ser educado – é necessário que haja ao
menos duas singularidades em contato. Educação é o encontro de singularidades [...]
pode promover encontros alegres e encontros tristes, mas sempre encontros” (GALLO,
s/a, p. 15). Nesse encontro ambos são aprendizes. Essa educação está a todo o momen-
to sendo atravessada pelas diferenças, as relações cotidianas, na sua maioria, também
como alternativa para essa política inventiva a educação enquanto formação humana,

424
para além do conteúdo. Assim ser uma possibilidade para refletir sobre o trato com as
diferenças e a diversidade humana.

EDUCAÇÃO COMO FORMAÇÃO HUMANA E AS EXPERIÊNCIAS:


Atividade de monitoria

Articular a educação com a formação humana, em que os participantes desse pro-


cesso busquem a humanização, é defender o que Freire (1987) conceitua como uma edu-
cação libertadora e problematizadora. Em contradição, tem-se a educação bancária, na
qual o ensino ocorre através da transferência do conhecimento de maneira unidirecional
e verticalizada, do professor para o estudante – esse um ser que serve de depósito de
conteúdo (FREIRE, 1987). Diante disso, a formação pode ser pensada a partir de experi-
ências que podem ser oportunizadas nos diferentes espaços de educação.
Experiência é uma palavra bastante utilizada, na maioria das vezes, sem uma re-
flexão do seu real significado, e em outros momentos servindo para indicar um modo
empírico de realizar pesquisa experimental (BONDÍA, 2011). De acordo com Bondía
(2002, 2011), experiência é tudo aquilo que nos passa, formando e transformando o
nosso ser. Logo, o sujeito da experiência é dinâmico e aberto para passar pelos processos
de formação e transformação. Assim que a experiência “[...] ao passar por mim ou em
mim, deixa um vestígio, uma marca, um rastro, uma ferida” (BONDÍA, 2011, p. 8). Daí
a etimologia dessa palavra, que tem a ver com travessia, percurso, “[...] o verbo “experi-
ência” ou “experimentar”, o que seria “fazer uma experiência de algo” ou “padecer uma
experiência com algo”, se diz, em latim, ex/periri. E desse periri vem, em castelhano, a
palavra “perigo”” (BONDÍA, 2011, p. 8). Porquanto, ao nos atravessar, a experiência nos
tira de um estado de comodidade, mobilizando quem somos e no que acreditamos.
Reafirmo que o ato de experienciar pode ocorrer nos diferentes espaços de edu-
cação, e nas diferentes práticas de ensino. Por exemplo, na educação superior tem-se a
monitoria de disciplina que é desenvolvida pelos discentes, estando prevista no artigo 84,
da Lei 9394/96, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), enquanto tarefa
de ensino e pesquisa (BRASIL, 1996). 
Como afirma Nunes (2007), as experiências durante a graduação têm significativa in-
fluência na formação do estudante. Sobre a monitoria acadêmica a autora ainda declara que:

[...] tem se mostrado nas Instituições de Educação Superior (IES) como um


programa que deve cumprir, principalmente, duas funções: iniciar o aluno
na docência de nível superior e contribuir com a melhoria do ensino de
graduação. Por conseguinte, ela tem uma grande responsabilidade no pro-
cesso de socialização na docência universitária, assim como na qualidade
da formação profissional oferecida em todas as áreas, o que também rever-
terá a favor da formação do futuro docente (NUNES, 2007, p. 46).

425
Como consequência dessa relação socializadora, em que o conhecimento é com-
partilhado, pode-se afirmar então que: 

Visto como um instrumento para trabalhar com a diversidade em sala de


aula, no âmbito universitário, a monitoria proporciona uma contribuição
no sentido de que possibilita que as novas formas de saber, fazer e ensinar
instiguem mudanças no contexto da população discente, levando a uma
aproximação maior do que se denomina escola democrática, e assim bus-
que atender às novas exigências da sociedade (NASCIMENTO; BARLET-
TA, 2011, s/p).

Nesse sentido, os sujeitos inseridos podem construir conhecimentos acerca do


mundo, das pessoas, por meio do contato com o outro, mobilizando saberes anteriores.

PERCURSO METODOLÓGICO 

O percurso metodológico seguiu pela via da pesquisa qualitativa, tendo em vista


que “[...] ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das
crenças, dos valores e das atitudes” (MINAYO, 2007, p. 21), ou seja, realidades que não
devem ser quantificadas por se tratar de relações e representações humanas. 
Dentro das diferentes formas que a pesquisa qualitativa pode ter, este trabalho
é um estudo de caso. Nele busca-se compreender a complexidade da realidade de um
determinado cotidiano, podendo recorrer aos diferentes sujeitos com perspectivas va-
riadas relacionadas ao contexto da sua pesquisa; o investigador também pode se aproxi-
mar de informações que podem estar associadas a outras situações parecidas, das quais
aquele(a) que estiver lendo pode encontrar identificações (ANDRÉ e LUDKE, 1986).
Dentre as técnicas que podem ser adotadas para a aproximação dos participantes
da pesquisa para tomar nota das informações necessárias à investigação, utilizou-se a
entrevista. Gil (2010) conceitua esse instrumento como um diálogo entre o pesquisador,
que busca compreender a realidade e o contexto do ambiente de pesquisa, e a pessoa
inserida nesse cotidiano. Ela será do tipo informal, pretendendo a “[...] obtenção de uma
visão geral do problema pesquisado” (GIL, 2010, p. 111). 
Nesse cenário, da monitoria para os estudantes com deficiência, os participantes
da pesquisa foram três discentes da universidade, dois do curso de licenciatura em Ma-
temática e um do curso de bacharelado em Sistemas de Informação, e outra que concluiu
o curso de licenciatura em Ciências Biológicas, todos já desenvolveram a monitoria com
os estudantes atendidos pelo NAIPD.
Por conta da pandemia da Covid-19, uma doença causada pelo coronavírus que
é transmitido pelo simples contato com pessoas contaminadas, tendo facilidade na con-
taminação e podendo ocasionar a morte, várias atividades presenciais foram suspensas,

426
como forma de evitar aglomerações. A Universidade do Sudoeste da Bahia (UESB) ado-
tou como retorno para as atividades do semestre a Educação Online, também o trabalho
remoto para os docentes, técnicos e administrativos. Portanto, as entrevistas também
foram realizadas de forma remota, utilizando dos aparatos tecnológicos, como forma
de manter a segurança dos participantes sem a necessidade de haver qualquer contato
físico. A aplicação do roteiro de entrevista ocorreu da seguinte forma: foram gravados
Podcasts via bate-papo no aplicativo WhatsApp, que consiste na gravação de áudios que
poderão ser ouvidos em qualquer momento; assim, os participantes foram contatados
enviando a pergunta por áudio e recebendo a resposta da mesma forma. 
Vale ressaltar que, como se trata de uma pesquisa que envolve seres humanos,
é fundamental atentar-se aos fundamentos éticos e científicos. Logo, a pesquisa pre-
cisou passar pela análise do Sistema CEP/CONEP, composto pelo Comitê de Ética
em Pesquisa (CEP), presente no estabelecimento do qual a pesquisa será desenvolvi-
da; e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), uma instância ligada
ao Conselho Nacional de Saúde/MP (BRASIL, 2012), e obteve aprovação através do
parecer 4.524.910.
A fim de preservação da imagem dos participantes da pesquisa, serão identifica-
dos por nomes fictícios, sendo que a escolha dos nomes se deu de forma aleatória. Foram
duas mulheres, uma estudante do curso de Licenciatura em Matemática, com o nome
Violeta dos Santos, e outra já formada do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas
com o nome Rosa Souza. Os outros dois participantes, um do curso de Licenciatura em
Matemática que será chamado pelo nome Vitor Ferreira, e o outro, do curso de Sistemas
de Informação pelo nome de Ravi Carlos. 

EXPERIÊNCIAS DE APRENDIZAGEM DA MONITORIA


PARA ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA: Impressões e narrativas 

A atividade de monitoria, investigada neste trabalho, é desenvolvida junto aos


estudantes com deficiência da UESB. A universidade conta com o Núcleo de Ações In-
clusivas para Pessoas com Deficiência (NAIPD), um setor 

[...] criado com o objetivo de fazer com que os impedimentos e as barreiras


ainda existentes não impeçam a aprendizagem e uma participação efetiva
dos estudantes com deficiência no ensino superior, desenvolvendo ações
inclusivas que garantam o cumprimento dos direitos de acesso ao conhe-
cimento e também de permanência (SILVA; CORREIA; PONTES, 2019).

O Decreto 7611/11, quando dispõe sobre a educação especial e o atendimento edu-


cacional especializado, consolida a criação de núcleos de acessibilidade nas instituições

427
federais de ensino superior, visando “[...] eliminar barreiras físicas, de comunicação e de
informação que restringem a participação e o desenvolvimento acadêmico e social de estu-
dantes com deficiência” (BRASIL, 2011).
Os discentes da UESB atendidos no Núcleo podem contar com o apoio de
monitores de disciplina. Esse monitor é um estudante de graduação que já tenha
cursado a disciplina, que precisa passar por um processo seletivo que ocorre no res-
pectivo Departamento, conforme edital de inscrição lançado semestralmente no site
da UESB; pode ser também uma monitoria voluntária, com estudantes que já cur-
saram e tenham afinidade com a respectiva disciplina curricular. Entende-se que a
monitoria não deve substituir o papel do docente em sala de aula, sendo o discente
monitor um mediador no processo de ensino e aprendizagem do estudante que esti-
ver cursando a respectiva disciplina, podendo ele rever o que foi trabalhado em sala
de aula (DE LIMA; SIMÕES, 2018). É uma prática que se consolida objetivando a
melhoria nesse processo (DANTAS, 2014). 
A monitoria aos estudantes com deficiência é uma condição oferecida como for-
ma de garantir o sucesso e permanência dos estudantes com deficiência no meio acadê-
mico, que precisam ter as suas especificidades reconhecidas no sentido de que possam
ter acesso ao conhecimento em comum a todos, consolidando-se enquanto uma ação
inclusiva. No entanto,

[...] não podemos ver o programa de monitoria apenas como um meio de


auxílio apenas ao discente com deficiência, e sim devemos considerar que
o aluno apoiador (monitor) tem por meio desse programa inúmeras opor-
tunidades de aprendizagem (SANTOS et al., 2016a, p. 3).

Esse tipo de monitoria que se consolidou, já consta no Edital 020/2021, de aber-


tura de inscrições para seleção de monitoria de disciplina da UESB, como uma das atri-
buições do monitor que:

O monitor de disciplinas cursadas por, pelo menos, um aluno com defi-


ciência, deverá dedicar o total de 02 (duas) horas, dentre as 12 (doze) ho-
ras semanais exigidas, para participar de minicurso ou oficina sobre in-
clusão de pessoa com deficiência no ensino superior e para a execução de
atividades previstas em plano de monitoria, junto a esse (s) discente (s)
matriculado(s,) devendo contar com o apoio e suporte dos profissionais
especializados que atuam no NAIPD (UESB, 2021).

De acordo com os participantes da pesquisa, as monitorias ocorriam no Naipd.


Ravi Carlos informou que além de ocorrer no Núcleo, também marcava encontros cole-
tivos fora do Núcleo, em que a estudante com deficiência se juntava com os colegas para
o estudo coletivo, de acordo com a entrevista: “Foi uma coisa proveitosa para que ela não

428
tivesse apenas a experiência de monitoria isolada no Naipd, para que ela também tives-
se experiência em conjuntos com os alunos”. Ele destacou, também, a importância das
orientações dos profissionais do Núcleo: “[...] me deixaram bastante tranquilo”. Violeta
dos Santos e Vitor Ferreira ressaltaram a presença dos intérpretes de Libras para mediar
a comunicação com os estudantes surdos.
Inseridos nessa realidade, dialogando com os discentes, contando com o apoio
dos profissionais que atuam no AEE, os monitores puderam deslocar sua visão acerca da
pessoa com deficiência. Por exemplo, Vitor Ferreira relatou sobre como era marcada a
imagem da pessoa com deficiência para ele e de que forma foi mobilizado após a experi-
ência da monitoria, do encontro com o outro:

Assim, inicialmente eu imaginava que era muito difícil ou impossível de-


terminadas coisas, como por exemplo comunicar com o surdo, ou a comu-
nicação era limitada o suficiente para você colocar quase como inexistente.
Depois você vê que não, que não é bem assim que você pode sim comu-
nicar com a pessoa surda e ela tem total capacidade de se estabelecer no
meio social, isso você externa essa ideia para o cadeirante, para pessoa com
deficiência visual, sempre é possível! (Fragmento da Entrevista com Vitor
Ferreira - 2021). 

Parece que os monitores tinham uma ideia dessa pessoa enquanto incapaz, sem tan-
tas possibilidades de estar no meio social, nos diferentes espaços e em interação com todos.
Após o contato e a escuta a essas vozes dos estudantes com deficiência, essa perspectiva se
torna conflituosa, e é mobilizada para passar a perceber as possibilidades que essas pessoas
tem de alcançar os seus objetivos, de estarem na universidade e demais espaços. Leva-se
em consideração as experiências da deficiência que, de acordo com Martins (2005), reforça
uma perspectiva anunciada pelas pessoas com deficiência que, através das suas experiên-
cias, podem confrontar e reivindicar os seus espaço. Ou seja, as ideias dos monitores foram
mobilizadas não por se colocarem no lugar da pessoa com deficiência, mas por vê-las em
ação, estarem próximas a ele e ouvir sobre as suas experiências.
Esses momentos de problematização deram lugar a uma “[...] abertura da atenção
ao outro e também de uma atenção a si [...] pequenos gestos de abertura da atenção e
possibilitando novas percepções” (KASTRUP; POZZANA, 2020, p. 40-41). Nesse lugar
apresentado, rompe-se com a ideia de hierarquização do quem seria considerado capaz
ou incapaz, todos são seres potentes.
Abaixo são apresentadas algumas falas dos participantes acerca das experiências
de aprendizagem, que como já vimos mobilizam o sujeito da experiência:

[...] as monitorias no núcleo abriram muito meu pensamento para isso,


na questão da adaptação, da metodologia, da didática em sala e tudo mais
(Fragmento da Entrevista com Violeta dos Santos - 2021). 

429
[...] depois que eu tive contato com a pessoa com deficiência eu consigo en-
tender bem melhor a forma com que eu posso tentar ensinar a ele, mostrar
a ele o caminho diferente do que era antes (Fragmento da Entrevista com
Vitor Ferreira - 2021).

Me ajudou a ter um olhar mais aberto, mais amplo sobre a educação inclu-
siva de como saber trabalhar com esses discentes (Fragmento da Entrevista
com Rosa Souza – 2021).

A experiência de monitoria foi muito proveitosa, de forma geral [...] me


ensinou a ser paciente, a estudar melhor [...] a questão da gratidão, a grati-
dão dos alunos para com você, ver que os alunos que você ajudou se saíram
bem numa prova, compartilho desse sucesso [...] acho que todos os alunos
deveriam fazer ao menos uma monitoria durante a vida acadêmica (Frag-
mento da Entrevista com Ravi Carlos - 2021).

A atividade de monitoria possibilitou aos participantes a compreensão da pers-


pectiva da construção de uma educação inclusiva, a de “[...] tornar reconhecida e valo-
rizada a diversidade como condição humana favorecedora da aprendizagem” (PRIETO,
2006, p. 40). Com isso, compreender o reconhecimento das diferenças para ter práticas
que irão promover a aprendizagem e uma participação social, a partir de uma compre-
ensão de justiça social e garantia de direitos (MANTOAN, 2006). Ravi Carlos mostra a
sua visão de uma forma geral sobre a monitoria, refere-se não somente aos encontros
com a discente com deficiência, reforçando a importância que teve para a sua formação:
“[...] este programa, faz com que o monitor desenvolva atividades voltadas à docência e
esteja em contado direto com o público de alunos, contribuindo assim, para sua apren-
dizagem” (DE LIMA; SIMÕES, 2018).
A oportunidade de exercer a monitoria ofereceu aos monitores e monitores apren-
dizagens que talvez não teriam em sala de aula. Os mesmos afirmaram que nos cursos de
graduação somente tem a disciplina de Libras como obrigatória, por conta do Decreto nº
5.626, de 22 de dezembro de 2005 que regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002,
que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, em que o Capítulo II trata sobre a
inclusão da Libras como componente curricular (BRASIL, 2005), não havendo mais pro-
postas no currículo para discussão do processo de inclusão dos estudantes com deficiência.

[...] as monitorias no núcleo realmente me deram muita base para isso, por-
que o meu curso, apesar de ter apenas uma matéria de educação especial
que é a libras, ele não dá todo suporte para essa questão da adaptação, para
essa visão que o núcleo dá. Então, independente da área que eu for seguir
eu sei que a minha visão na prática vai ser para atender esse aluno e que ele
consiga esse êxito de cem por cento (Fragmento da Entrevista com Violeta
dos Santos - 2021).

430
Com o crescente quantitativo das pessoas com deficiência nos diferentes níveis de
ensino, penso o quanto é emergente pensar no processo de ensino e aprendizagem desse
público, de que forma tem se efetivado sua participação. O encontro com as diferenças
nos tira de um lugar de conforto, a proposta da educação inclusiva é da imprevisibilidade
e da multiplicidade (MANTOAN, 2006). Nos diferentes espaços de educação são mani-
festadas essas imprevisibilidades, nada é estático, além do mais todos podem aprender.
Estar nesses espaços é um direito, pois tem têm anseios e desejos que devem ser levados
em consideração e respeitados.

CONSIDERAÇÕES 

Com este trabalho foi possível apontar uma possibilidade de experiência de apren-
dizagem para além da sala de aula e que se configura como uma condição de permanên-
cia do estudante com deficiência na educação superior. É emergente que a educação,
para além da perspectiva conteudista, dialogue com a formação humana, e quando nos
referimos ao processo de ensino e aprendizagem no nível superior, esse diálogo deve
ocorrer principalmente no sentido da formação de profissionais que deverão garantir
um atendimento apropriado para que haja inclusão social e respeito às diferenças.
Os participantes da pesquisa vivenciaram momentos durante o processo de mo-
nitoria que não conseguiriam ter somente em sala de aula, o que reforça o alcance da
educação como formação humana somada ao potencial dessas experiências. Foram
aprendizagens necessárias, ressignificação do olhar para com as pessoas com deficiência,
principalmente porque as barreiras atitudinais impedem que as pessoas com deficiência
realizem os seus desejos e estejam presentes nos diferentes espaços.
O contato com os estudantes com deficiência na trajetória de formação dos mo-
nitores, fez e vai fazer diferença no trajeto profissional de cada um, nas atitudes e cum-
primento das suas funções, visando o respeito para com as diferenças que cada pessoa
carrega em si. Foi possível que os monitores ampliassem o seu olhar acerca do processo
de inclusão dos discentes com deficiência nos espaços educacionais, compreendendo
que, ao exercer a docência, haja uma aproximação para atender as especificidades de
cada discente na metodologia adotada em sala de aula.
Para a construção dessa pesquisa, o diálogo aconteceu com os monitores(as) para al-
cançar o objetivo de perceber como a experiência da monitoria afeta a formação deles(as),
todavia, entendendo que nada é inconcluso e acreditando nas aberturas possíveis de uma
pesquisa, ouvir os discentes atendidos pela atividade de monitoria e os próprios docentes
das respectivas disciplinas monitoradas seria outra aproximação para problematizar questões
que essa atividade exercida pode afetar. Por exemplo, a construção dos currículos dos cursos
de licenciatura, no sentido de haver discussões em sala de aula que possibilitem a constru-
ção de um olhar sensível no trato à diversidade de futuros professores, podendo até mesmo

431
abranger para os cursos também de bacharelado e na área de saúde; outra questão é como
essa monitoria, vista dentro de um contexto curricular, impacta na aprendizagem dos estu-
dantes atendidos, ou até mesmo perceber de que forma as experiências com os estudantes em
sala de aula tencionam a prática docente. 
Tudo isso entrelaçado ao movimento de perceber que o desafio da acessibilidade
para todos os estudantes, principalmente para os que possuem alguma deficiência, na
educação superior, perpassa pelo envolvimento da universidade em suas diversas ins-
tâncias. Refletir com e sobre as pessoas com deficiência na educação básica é pontuar
também sobre a formação dos profissionais que lá estão e que passam pela universidade.

REFERÊNCIAS

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433
TRAJETÓRIAS E VIDA-MULHER ATRAVESSADAS PELA
VIOLÊNCIA: Análise documental
das medidas protetivas de urgência/
Lei Maria da Penha e diálogo com a educação básica
Ustana Rangel Rodrigues
Elane Nardotto Rios
Lafayete Menezes de Alencar Lima Rios

INTRODUÇÃO

Ao trazer a temática violência doméstica e familiar contra a Mulher* num curso


de Pós-Graduação da área de Educação significa que acreditamos nessa esfera como pos-
sibilidade de formação humana em todos os âmbitos da vida, haja vista todas as vidas
importarem! Sobretudo, quando nos referimos à vida de mulheres que, sem escolha, são
violentadas de diferentes formas por um patriarcado que dita as regras e se sente no di-
reito de violar os nossos corpos.*

* Para fins deste trabalho, foram adotados o conceito e as formas de violência doméstica e familiar contra a mu-
lher trazidos pelos artigos 5º, 6º e7º da Lei Nº 11.340 de 07 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), conforme
transcrição:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou
omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial: (Vide Lei complementar nº 150, de 2015)
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou
sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram
aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, inde-
pendentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Art. 6º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

CAPÍTULO II
DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição
da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar
suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipu-
lação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, explora-

434
Nesse sentido, esta pesquisa demarca a sua relevância, pois a Educação Básica,
em especial, as esferas de ensino-aprendizagem – a escola, necessitam trazer temas da
dimensão social para si, considerando que os espaços educacionais se constituem como
um microcosmo do que ocorre de fato na sociedade, inclusive a reprodução da exclusão,
da violência, do machismo, do racismo. Por que não trazer temas que descontruam essa
reprodução? Por que não concebermos o espaço de ensino como lugar de debates de
temas, formação humana para a inclusão e a construção de criticidade? Já dizia o maior
filósofo da Educação deste país, Paulo Freire, a educação escolar deve ser libertadora!
Para isso, espaço de aprender a opinar, argumentar, respeitar as pessoas.
Nas Diretrizes Curriculares da Educação Profissional, por exemplo, há um impul-
sionamento para que a formação técnica esteja em articulação com a formação básica
curricular, o que significa trazer as humanidades como espinha dorsal para o mundo do
trabalho. Uma formação técnica e profissional perpassada por conceitos implicados e
aterrados em um mundo de pessoas de “carne e osso”. Entre os conceitos, destacamos gê-
nero como modo de compreender o lugar da mulher neste mundo, sempre atravessado
por histórias de violência perpetradas pelo machismo e a misoginia, conforme veremos
na análise documental que fizemos e por que não dizer, denunciamos? Em seguida, levar
esses dados para um diálogo efetivo na prática pedagógica a fim de não só socializá-lo
como também concebê-los como mediador de debates sobre a temática.
Nessa perspectiva, sentimos o desejo de efetivar esta investigação que foi motiva-
da diante de dados estatísticos que nos mostram, todos os dias, estampados nos jornais,
que mulheres ainda não são donas de suas vidas nem dos seus corpos. E transformar as
pesquisas em movimentos de diálogo com a realidade prática é o que chamamos, neste
momento, de pesquisa-militante.
Para chegarmos a essas conclusões, visitamos outras investigações que evidenciam a
violência doméstica e familiar contra a Mulher como um grave problema no Brasil e no mun-
do. Muitas mulheres se sentem (e os dados confirmam que elas de fato estão e são) desprote-
gidas e violadas, diariamente, apesar das lutas e movimentos para conscientização e combate
à essa violência. Além disso, a importância da consolidação de uma rede de proteção para
que as mulheres se sintam seguras para denunciar e assim coibir a disseminação desses atos

ção e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar
de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comer-
cializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo
ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou
manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição
parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recur-
sos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

435
de violação contra a sua integridade e dignidade como pessoa, de forma que consigam viver
uma vida digna e sem medo desse agressor (comumente homem), tendo a justiça, nesse con-
texto, como efetiva no sentido de “Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher”
(Lei Nº 11.340 de 07 de agosto de 2006), para que não venhamos a perder mais mulheres no
mundo por violência, como ainda acontece, e muitas vezes, de forma tão brutal.
Apesar de a pauta sobre a violência contra a mulher ser uma constante nos mais
variados meios de comunicação, o avanço em relação ao objetivo da discussão, qual seja
a erradicação desse tipo de violência, ainda é inexpressivo. Desde o ano de 1990, a Or-
ganização Mundial de Saúde (OMS) reconhece a violência contra mulher como um pro-
blema de saúde pública, o que requer, naturalmente, políticas públicas mais eficientes e
efetivas para o seu combate. Atentando-nos para o fato de que apesar dos esforços para
dar visibilidade ao tema e ao cumprimento à Lei Maria da Penha, ainda é comum mu-
lheres se sentirem acuadas quando violadas e paralisadas em relação ao ato de denun-
ciar seus agressores, pois, mesmo com uma lei sancionada para a sua proteção, muitas
vítimas, quando decidem denunciar, são desacreditadas e desrespeitadas, sentindo-se,
muitas vezes, culpadas pela forma como são acolhidas nas delegacias. Infelizmente ainda
existe um ranço histórico e cultural de superioridade masculina em relação à mulher, le-
gitimando em alguns homens o seu poder sobre a mulher, tendo-a como sua posse, com
o direito de fazer com ela o que quiser; inclusive violentá-las das mais variadas formas,
como uma prática natural do cotidiano.
Embora a Constituição Brasileira de 1988 disponha sobre a igualdade de direitos
e deveres entre homens e mulheres, é perceptível a existência, ainda hoje, de distinções
relacionadas ao gênero que inferiorizam a mulher, seja qual for o lugar que ela esteja
a ocupar. Diante disso, se faz necessário a união e o fortalecimento dos movimentos
feministas para o avanço da conquista e consolidação do espaço de valor da mulher na
sociedade, de forma que essa Igualdade saia da Lei para se atualizar no lugar ora ocupado
por um “fingimento de igualdade” de direitos.
Para tanto, é preciso ter uma visão crítica e responsiva quanto à violência contra
a mulher, a qual deve ser vista em sua complexidade, exigindo intervenções interseto-
riais. Faz-se necessário um forte movimento para a quebra deste ciclo de violência, que
vai desde a Educação para o fortalecimento e valorização da mulher e de seu papel so-
cial, até a criação de mecanismos de prevenção e proteção efetivos, ressaltando a cria-
ção de uma rede de serviço de atenção multidisciplinar estruturada com a capacidade
de compreender e atuar com o objetivo de garantir o direito à liberdade e à autonomia
como um todo.
Diante do exposto, trazemos como questão de pesquisa o modo como a violência se
materializa nas Medidas Protetivas de Urgência/Lei Maria da Penha na Comarca de Jequié,
cidade do Sudoeste da Bahia, Brasil, considerando a inter-relação entre dados qualitativos e
dados quantitativos. Objetivamos, dessa forma, analisar como a violência contra a mulher

436
se apresenta a partir de documentos jurídicos e, em seguida, propor ações didatizadas dos
dados analisados para, posterior, debates na esfera da Educação Básica.
Para isso, pautamo-nos na metodologia de pesquisa documental que, em seus
princípios, afirmam que o documento é resultado de um determinado momento histó-
rico, inserido numa sociedade que o produziu. Desse modo, a pesquisa documental se
constitui como uma técnica poderosa em que podemos retirar evidências sobre determi-
nado objeto de estudo. Para Le Goff (1996, p. 547-548, apud BECALLI), os documentos
são definidos como

[...] o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história,


da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas suces-
sivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais
continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma
coisa que fica, que dura [...].

Tomamos, assim, o material jurídico como documentos a fim de analisar como


está se materializando a violência contra a mulher. De acordo com Ludke e André (1986),
há três vantagens sobre esse tipo de pesquisa: a) os documentos são uma fonte estável,
rica e podem ser revisitados inúmeras vezes; b) as fontes documentais surgem num de-
terminado momento e fornecem informações sobre ele; c) esse tipo de pesquisa não traz
alto custo para a/o/e pesquisadora/or e, ainda, permite a análise sem a presença de quem
o construiu.
Para isso, na próxima seção, trazemos o referencial teórico acerca da violência
como um todo e, especificamente a violência contra a mulher, desde a conjuntura social
das questões de gênero, o surgimento das Leis para proteção das mulheres como a Lei
11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e a Lei n.º 13.104/2015 (Lei do Feminicídio). Por fim,
uma discussão de como essa temática pode se relacionar com o campo da educação par-
tindo da ideia de que essa esfera se constitui como um agente transformador na vida das
mulheres como um todo.

REFERENCIAL TEÓRICO

A violência contra a mulher, como outras formas de violência, é resultado de uma


complexa relação entre cultura, indivíduo, relacionamento, contexto e sociedade. Uma
problemática que está presente nas diferentes culturas e na história da humanidade e,
por isso, a esfera educacional, os espaços de ensino, como lugar de relação humana, não
está incólume a isso.
Não é de hoje que se percebe uma discussão em torno de temáticas, nos con-
textos educacionais, como escolas mistas e diferenciadas, aulas de educação para o lar
para meninas, cursos profissionalizantes para meninos, sem deixar de mencionar a carga

437
ideológica e segregadora de que a ciência é o lugar, apenas, para os homens. Violências
materializadas nas esferas acadêmicas que, na maioria das vezes, estão sedimentadas e
naturalizadas sem um devido olhar crítico. Chamamos a atenção de que, no contexto
do Instituto Federal da Bahia, Campus Jequié, a professora Vanessa Mutti sinalizou, em
sua pesquisa, o lugar das mulheres no Curso de Eletromecânica, sendo constatado que
em 4 anos consecutivos de ingresso nesse curso, em todas as turmas, todas as mulheres
desistiram. Diante desse quadro, um projeto de pesquisa-ação voltou-se para verificar os
motivos bem como implantar intervenções para a permanência das mulheres no curso
que, entre as ações, materializou uma escuta sensível para as questões anunciadas no
diagnóstico dos dados (MUTTI, 2018).
Nessa perspectiva, analisar documentos sobre como anda a violência contra a
mulher e, ao mesmo tempo, propor ações didatizadas mediante essa análise para, pos-
terior execução, implica ampliar o olhar sobre essa violência que está em todo lugar
e se presentifica de diferentes formas. Nos escritos do Filósofo Michel Foucault cons-
tata-se que onde há pessoas, há relações de poder e, em se tratando de gênero, há um
poder-violento intrínseco que tira vidas de mulheres, além de mostrar “suas garras”
nas sutilezas, também.
Uma violência permeada pelas questões de gênero e acompanhada fortemente
pela desigualdade de poder da relação homem e mulher. De acordo com Bittencourth,
Silva e Abreu (2017, p.6),

Verifica-se que a desigualdade de gênero no meio da sociedade é uma con-


juntura social tão antiga quanto a formação da convivência entre os seres.
Uma conduta falha fora enraizada ao esguio dos tempos com abundantes
contextos históricos e sistemas sociais fixados pelos homens como regula-
mento de convívio.

Culturalmente, foi passado de gerações para gerações que o homem é o prove-


dor da casa, o que pode tudo, cheio de direitos e privilégios, enquanto à mulher foi
reservado o lugar de submissão e passividade, que tudo deve aceitar em virtude de
sua fragilidade e incapacidade, especialmente a condição de ter sua vida gerida por
um homem, situação que deu o direito de violações de seu corpo e de sua privacidade,
culminando nas mais variadas formas de violências, quais sejam as violências física,
psicológica, moral, sexual e patrimonial. Sob essa nociva cultura patriarcal, por anos,
a violência contra a mulher se configurou como um problema invisível (ou, pior, como
um não-problema), compondo a esfera do privado e, assim, se naturalizou não confi-
gurando por longos séculos como crime.
A violência contra a mulher, muitas vezes, se desdobra em casos perversos e cruéis
que acontecem cotidianamente, acomete vítimas de diferentes classes sociais, culturais,
étnicas e religiosas, não se importando com as condições socioeconômicas e políticas,

438
revelando, assim, a complexidade do tema, embora tanto se fale e se especule nos diálo-
gos dos diversos espaços da sociedade.
Com a naturalização desses atos, ora discretos e sutis, ora escancaradamente per-
versos e, considerando a incredulidade acerca da hipótese de seu agravamento extremo,
estudos mostram que:

Há uma grande possibilidade, de acordo com as estatísticas, de a violência se


agravar, caso a situação não seja resolvida e acompanhada. Em último nível,
casos de violência contra a mulher no âmbito dos relacionamentos terminam
em feminicídio ou, muitas vezes, em suicídio (ALMEIDA, 2020, p. 87).

Ainda discorrendo sobre o feminicídio nas relações adoecidas das quais muitas
mulheres não conseguem sair, Fonseca et al, (2018, p.61, apud BRASIL) trazem que o

[...] feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o


controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de
posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou
ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher,
por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da
identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como
aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a à tortura ou a trata-
mento cruel ou degradante (BRASIL, 2013, p. 1003).

No âmbito legal, foi promulgada, em março de 2015, a Lei n.º 13.104/2015 (Lei
do Feminicídio) cujo objetivo é apresentar o assassinato de mulheres como forma de
homicídio, fazendo parte do rol de crimes hediondos. Essa Lei surge com a finalidade de
reconhecer, dar visibilidade e coibir a discriminação, a opressão, a desigualdade e a vio-
lência sistemática contra as mulheres que, em sua forma mais aguda, culmina na morte.
Chamamos a atenção que o feminicídio é

[...] assassinato de mulheres pelo fato de serem mulheres, definindo-o como


uma forma de terrorismo sexual ou genocídio de mulheres. O conceito
descreve o assassinato de mulheres por homens motivados pelo ódio, des-
prezo, prazer ou sentimento de propriedade (MENEGHEL e PORTELLA,
2017, p. 3079).

Antes da Lei do Feminicídio, em agosto de 2006, foi promulgada a Lei 11.340/2006


(Lei Maria da Penha), demonstrando um avanço na legislação para o combate à violência con-
tra a mulher, que se tornou um marco fundamental no enfrentamento desse tipo de violência,
visibilizando o problema ao introduzir no Sistema Brasileiro um pacote amplo de me-
didas – protetivas, puni­tivas, de atendimento à mulher, criação de órgãos, ampliação de
serviços, entre outras.

439
Também vale ressaltar que um dos mecanismos mais impor­tantes trazidos pela
Lei Maria da Penha foi a previsão de medidas protetivas de urgência (prevista na Seção
II da lei dos artigos 22 a 24), que podem ser aplicadas diante do risco de violência contra
a mulher. Segundo Almeida (2020, p.101), “as medidas protetivas possibilitam que o juiz
aumente a proteção à mulher para prevenir novas situações de violência”.
Embora a Lei Maria da Penha esteja em vigor desde o ano de 2006 para amparar e
acolher as mulheres vítimas das mais variadas formas de violências, o índice ainda é alto,
conforme traz o Atlas da Violência 2019 (2019, p. 35), que fez um levantamento relatan-
do que houve um crescimento expressivo de 30,7% no número de homicídios de mulhe-
res no país durante a década compreendida entre os anos de 2007 a 2017, assim como no
último ano da série, que registrou aumento de 6,3% em relação ao anterior.
A violência, na contemporaneidade, ocupa lugar prioritário na pauta dos proble-
mas sociais, principalmente no período pandêmico vivenciado pelo mundo, no qual se
constatou um aumento (para além dos índices já anteriormente crescentes) de violência
contra às mulheres, pois, neste período, também aumentou a permanência dos homens
em casa devido ao isolamento social. Alguns pelo fato de realizarem suas atividades de
forma remota, tantos outros pela perda dos empregos e conjuntamente todos os desdo-
bramentos desta condição.
A violência contra a mulher é uma violação dos direitos humanos e das liberdades
fundamentais que limita total, ou parcialmente, o reconhecimento, o gozo e o exercício
de tais direitos e liberdades que, por muitas vezes, vimos ser feridas, violadas e lesadas;
principalmente no que diz respeito ao Artigo 3° das Disposições Preliminares da Lei Ma-
ria Da Penha, que assegura às mulheres condições para o exercício efetivo dos direitos à
vida, à segurança, à saúde, ao acesso à justiça, à educação, dentre outros.
Diante de tantas leis assegurando, no papel, direitos à mulher, ainda é perceptível
uma carência do Estado de forma a coibir e suprimir as questões relacionadas a esse tipo
de violência, bem como garantir a igualdade de direitos e segurança conforme prescreve
a própria Lei Maria da Penha.
Além disso, percebemos que não há uma efetividade do debate sobre tal tema nas
instituições de Educação Básica, considerando que essa esfera se constitui como espaço de
formação humana e apropriações de conceitos e conhecimentos. Trazer o conceito de gê-
nero como forma de discutir a construção e a desconstrução dos papéis sociais, culturais,
históricos e ideológicos da mulher e do homem, é uma forma de trazer questões relaciona-
das com a violência, tão caro para os corpos femininos na nossa sociedade. Implicar me-
ninas e meninos nas suas próprias narrativas é um passo para a tomada de consciência de
como repetimos papéis, formas de subjugação a práticas de violência numa circularidade
viciosa que, de acordo com os dados estatísticos, tem aumentado.
Refletindo sobre tamanha complexidade e abrangência do tema, é necessário e
urgente colocar em prática o que se lê de tão bonito no destrinchar das leis, a exemplo

440
a Lei Maria da Penha, de modo que não se perca mais tantas vidas mulheres de formas
tão brutais e repugnantes. E, ao mesmo tempo, potencializar essa discussão nas esferas
institucionais de ensino, pois a reflexão pode e deve fazer parte de uma esfera social im-
portante, a escola; objetivando combater ações machistas e possessivas tão enraizadas
ainda em nossa cultura.
O papel da Educação, nesse contexto, é primordial para conseguirmos uma mu-
dança significativa, consistente e duradoura. Assim, é de extrema urgência investir em
debates educativos que sejam capazes de, para além dos muros das escolas, fortalecer
meninas e meninos, desde suas primeiras interações sociais, para que cresçam e se de-
senvolvam pautando seus comportamentos nos valores da igualdade entre as pessoas,
da dignidade humana, do respeito e da empatia para com todo e qualquer ser humano:

A cultura em que estamos inseridos e a educação que recebemos influen-


ciam muito na forma como nos comportamos quando adultos. Assim,
crianças e jovens que aprendem desde cedo que homens e mulheres pos-
suem igualdade de direitos e deveres e que podem dividir igualmente os
papéis e funções na família tendem a construir relacionamentos familiares
e afetivos mais saudáveis (ALMEIDA, 2020, p.152).

Um trabalho que deve ser iniciado desde a mais tenra idade da criança, dentro das
famílias, nas primeiras relações dos pares de cada ser; que dever ser continuado, desenvol-
vido, debatido e consolidado nos espaços formais e informais de educação; extrapolando
muros, como um pacto coletivo da população como um todo, uma vez que se trata de um
assunto de abrangência global, que deve envolver as diversas áreas do poder público, na
consolidação das políticas para erradicar a violência contra mulher e o feminicídio.
Nesse sentido, fortalecer os envolvidos de forma que sejam respeitados, deixan-
do para traz um modelo machista e patriarcal falido que ainda insiste em se perpetuar
tendo a figura do homem como o centro de todas as coisas. E, caso sejam violentadas
de alguma maneira, tenham consciência e força para denunciar, na certeza de que serão
protegidas e de que suas vidas não serão ceifadas de maneira tão brutal.
Então, cabe a nós remover as pedras do caminho que atrapalham a nossa com-
preensão tão limitada dos temas que envolve e afeta toda uma população, ampliando
a perspectiva de gênero e outras categorias de análises liberadoras às nossas reflexões e
seguir plantando as flores por meio da abertura aos novos sentidos, ampliando as nossas
compreensões sobre essas e outras demandas urgentes que necessitam ser debatidas e
são relativas às diversas realidades co-existentes na sociedade.
Com isso, reiteramos a questão desta investigação: o modo como a violência se
materializa nas Medidas Protetivas de Urgência/Lei Maria da Penha na Comarca de Je-
quié, cidade do Sudoeste da Bahia, Brasil, considerando a inter-relação entre dados qua-
litativos e dados quantitativos. Objetivamos, desse modo:

441
- Analisar como a violência contra a mulher tem se materializado nas Medidas
Protetivas de Urgência/Lei Maria da Penha.
- Identificar dados qualitativos nas Medidas e sua relação com o índice de vio-
lência.
- Discutir, sob abordagem qualitativa, os dados quantitativos.
- Didatizar a análise para posterior utilização em ações nos espaços escolares de
Educação Básica.

Para tanto, anunciamos, na próxima seção, a abordagem metodológica que alicer-


çou a questão de pesquisa bem como os objetivos expostos.

METODOLOGIA

O presente artigo alicerça-se na abordagem quanti-qualitativa e teve como corpus


de pesquisa os dados disponibilizados pela Primeira Vara Criminal da Comarca de Je-
quié, do Estado Federado da Bahia, no Fórum Bertino Passos, localizado na região Nor-
deste da Bahia. O objeto da investigação, inicialmente, foi o quantitativo de Processos
referentes a pedidos de Medidas Protetivas de Urgência - Lei Maria da Penha que foram
protocolados na Comarca de Jequié, no ano de 2020.
A fim de possibilitar a análise qualitativa sobre os dados quantitativos, utilizou-
-se a pesquisa documental visando alcançar o corpus proposto por meio de dados ge-
rados pelo Judiciário. Os dados foram solicitados e recebidos via e-mail, sem necessi-
dade de deslocamento ou de contato presencial desta pesquisadora com outras pessoas
(sejam os envolvidos nos pedidos de Medidas Protetivas, sejam os servidores da Justi-
ça), sendo essas vantagens próprias da pesquisa de natureza documental, sobretudo, se
considerarmos esse momento de crise na saúde. Como ressalta Gil (2002, p.46):

A pesquisa documental apresenta uma série de vantagens. Primeiramente há


de se considerar que os documentos constituem fonte rica e estável de dados.
Como os documentos subsistem ao longo do tempo, tornam-se a mais im-
portante fonte de dados em qualquer pesquisa de natureza histórica.
Outra vantagem da pesquisa está em seu custo. Como a análise dos docu-
mentos, em muitos casos, além da capacidade do pesquisador, exige apenas
disponibilidade de tempo, o custo da pesquisa torna-se significamente bai-
xo, quando comparado com o de outras pesquisas.
Outra vantagem da pesquisa documental é não exigir contato com os su-
jeitos da pesquisa. É sabido que em muitos casos o contato com o sujeito é
difícil ou até mesmo impossível. Em outros, a informação proporcionada
pelos sujeitos é prejudicada pelas circunstâncias que envolvem o contato.

442
Tal escolha, além de responder de forma direta ao corpus, foi também providen-
cial para a continuidade deste trabalho durante o período da Pandemia pela COVID-19,
que se instalou logo no início do ano de 2020, requerendo de toda a sociedade a adoção
de distanciamento social como principal medida de proteção em saúde.
Desse modo, como fontes documentais, valemos-nos de uma certidão e relatórios
emitidos pela Vara Criminal da Comarca de Jequié, constando o quantitativo e os núme-
ros dos processos protocolados perante aquele Juízo no período de 2016 a 2020, dados
esses que foram utilizados para viabilizar a presente pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados coletados para a pesquisa foram obtidos por meio de documentos ju-
rídicos referentes às Medidas Protetivas de Urgência/ Lei Maria da Penha, protocoladas
no Juízo de Direito da Primeira Vara Criminal da Comarca de Jequié, que é um muni-
cípio brasileiro do Estado da Bahia, localizado a 365 km da capital Salvador, na Região
Sudoeste do Estado, na zona limítrofe entre a Caatinga e a Zona da Mata, cuja população
estimada em 2020 é de 156.126 habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Ge-
ografia e Estatística (IBGE).
Com relação ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que é
calculado com base no aprendizado dos alunos em português e matemática (Prova Bra-
sil) e no fluxo escolar (taxa de aprovação) e pode variar de 0 a 10, no ano de 2019, o IDEB
no Município de Jequié foi igual a 4,4 nos anos iniciais do Ensino Fundamental e 3,3
nos anos finais desse Ensino, ficando abaixo da meta projetada para o Município – 4,6
e 4,1, respectivamente – em ambas as etapas, e também abaixo do IDEB do Estado da
Bahia, considerada toda a Rede Pública de Ensino, que foi igual a 4,9 nos anos iniciais
do Ensino Fundamental e 3,8 nos anos finais desse Ensino, de acordo ao site do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
Os dados sobre o quantitativo de Medidas Protetivas de Urgência/Lei Maria da Pe-
nha foram solicitados via e-mail, no dia 25/11/2020, ao Juízo de Direito da Primeira Vara
Criminal, Fórum Bertino Passos - Comarca de Jequié, situado à Praça Duque de Caxias,
s/n, Jequiezinho. Tal solicitação foi reiterada, também, via e-mail, em 02/12/2020, para então
ser atendida por aquele Órgão em 03/12/2020, através de uma Certidão com a informação
de que, do início do ano de 2020 até o dia 03/12 daquele ano, havia sido protocolados perante
aquele Juízo 105 (cento e cinco) pedidos de Medidas Protetivas de Urgência (Lei Maria da Pe-
nha), sendo que 2 (dois) deles haviam sido arquivados, continuando em trâmite os 103 (cento
e três) restantes; e de um Relatório extraído do Sistema de Automação do Juízo (E-SAJ) com
a lista dos 105 processos citados na Certidão.
Com o decorrer da pesquisa, verificou-se a necessidade de acesso também ao
quantitativo de pedidos de Medidas Protetivas de Urgência referentes aos anos de 2016

443
a 2019, ensejando nova solicitação àquela Vara Criminal, novamente encaminhada via
e-mail, em 05/02/2021, sendo essa prontamente respondida em 08/02/2021, por meio do
envio de 04 (quatro) relatórios, um para cada ano solicitado, evidenciando os seguintes
quantitativos de pedidos de Medidas: 49 (quarenta e nove) no ano de 2016, 60 (sessenta)
no ano de 2017, 97 (noventa e sete) no ano de 2018 e 100 (cem) no ano de 2019.
Dessa forma, apresentamos a Tabela 1 com o quantitativo de pedidos de Medidas
para nortear a discussão da temática de pesquisa proposta:

Tabela 1: quantitativo de Medidas Protetivas de Urgência distribuído entre os anos de 2016-2020

Medidas Protetivas de Urgência – Comarca da cidade de Jequié-BA

Ano 2016 49 Medidas Protetivas de Urgência

Ano 2017 60 Medidas Protetivas de Urgência

Ano 2018 97 Medidas Protetivas de Urgência

Ano 2019 100 Medidas Protetivas de Urgência

Ano 2020 105 Medidas Protetivas de Urgência

TOTAL 411 – 5 anos

Diante da Tabela acima, chamamos a atenção para o conceito de Medidas Protetivas


de Urgência como as providências para às vítimas que sofrem violência doméstica. As leis,
nesse contexto, garantem a proteção, sobretudo das mulheres que passam por isso; e a au-
toridade judicial tem o prazo de 48 horas para fazer o pedido a partir da denúncia.
Com os dados quantitativos da Tabela 1, algumas questões se impuseram: 1- há
um crescimento contínuo e linear de Medidas entre os anos de 2016 a 2020; 2- com esse
crescimento linear há duas perspectivas – as mulheres passaram a denunciar de forma
efetiva ou ocorreu um acréscimo da violência contra as mulheres?; 3- no ano de 2020,
com a pandemia provocada pela Covid-19, ocorreu um acréscimo com relação ao ano
anterior; 4- qual a relação desses dados com a Educação Básica e a constituição emanci-
patória de meninas/meninos e de adolescentes que estão no espaço escolar?
Partimos do princípio de que a violência contra a mulher é algo que está enrai-
zado na nossa realidade e, de acordo com Nardotto (2020), a impulsividade de homens
ciumentos em diferentes partes do Brasil mata muitas mulheres, diariamente. Em Bra-
sília, como exemplo, entre os anos de 2015 e 2018, das 67 mulheres assassinadas, 55
foram vítimas de impulsos decorrentes de ciúmes. Ao abordar esse sentimento, conce-
bemos que os casos de feminicídio são noticiados mediante a relação doentia e patoló-
gica que se configura na possessividade dos homens, considerando que o corpo físico,
mental e emocional da mulher sempre – historicamente, socialmente, culturalmente

444
e ideologicamente – foi território para ser dominado e invadido por um patriarcado,
conforme anunciamos no referencial teórico.
Dessa forma, esse crescimento contínuo e linear configura algo que está enraizado
e ainda engessado na nossa sociedade, embora consideramos ter avançado com a legis-
lação voltada para a proteção da mulher que sofre violência doméstica. Avanços decor-
rentes das lutas feministas que estão presentes em toda a constituição da humanidade,
ou seja, em vários contextos históricos e sociedades diversificadas, as mulheres sempre
sentiram no corpo as marcas da opressão, o que impulsionou e impulsiona a configura-
ção de leis, espaços de debate e Medidas Protetivas de Urgência, corpus de análise desta
investigação.
Sobre a questão 2, acreditamos que as duas perspectivas ocorreram: as mulheres
passaram a denunciar de forma efetiva e também ocorreu um acréscimo da violência
contra as mulheres. Com uma legislação mais específica, delegacias especializadas e, no
caso da Comarca de Jequié que tem o trabalho da Ronda Maria da Penha, as mulheres
se encorajaram mais na denúncia e isso decorre de um trabalho de base efetivado por
feministas que, pela e na coletividade, vão imprimindo um debate para uma tomada de
consciência do quão estamos subjugadas e reféns de uma história marcada por violências
contra os nossos corpos. Ademais, não podemos perder de vista que as mídias – televi-
sivas, redes sociais, entre outras – têm denunciado e, também, dialogado com a socieda-
de sobre como a violência e o machismo matam. Estamos num momento de registros,
através de filmagens, de todas as formas de opressão contra a vida humana, seja racismo,
machismo, preconceitos de ordens diversas; e isso tem favorecido a denúncia.
Com a denúncia, há o crescimento dos casos; no entanto, o contexto atual tem
favorecido o aumento, já que, a nosso ver, as mulheres têm mostrado uma autonomia
não só financeira, como também uma autonomia afetiva. Isso tem favorecido o embru-
tecimento de formas cada vez mais violentas contra as mulheres levando em conta que o
Brasil teve 1890 homicídios de mulheres no primeiro semestre de 2020, número maior
que o registrado no mesmo período, no ano anterior.
A questão 3, anunciada através dos dados da Tabela 1, traz que no ano de 2020,
com a Pandemia provocada pela Covid-19, ocorreu um acréscimo dos pedidos de Me-
didas Protetivas de Urgência com relação ao ano de 2019; entretanto, pelo percentual de
acréscimo observado não podemos afirmar que este se deu devido à Pandemia, já que na
mesma tabela pode-se perceber que os dados foram sempre crescentes desde o ano de
2016. Entre os anos 2017 e 2018, por exemplo, houve um aumento de 37 Medidas Pro-
tetivas protocoladas na comarca de Jequié, sem que nenhum evento substancialmente
atípico tenha ocorrido de modo a justificar tamanho aumento, evidenciando que inde-
pendente dos acontecimentos e eventos históricos locais, regionais, estaduais, nacionais
e/ou mundiais – como é o caso –, a violência contra a mulher ainda é uma constante na
vida cotidiana.

445
Já sobre a questão 4, que traz o questionamento sobre a relação dos dados com a
Educação Básica e a constituição emancipatória de meninas e meninos e de adolescentes
que estão no espaço escolar; e diante dos dados acessados junto à Justiça na cidade de Je-
quié, defendemos a ideia da premente necessidade de que o Espaço Escolar, desde as sé-
ries iniciais, se constitua em um espaço que proporcione as condições para que meninos
e meninas sejam estimulados a participar de reflexões, vivências, discussões, atividades
que os ajudem a crescer e a se desenvolver pautando subjetividades e construções nos
valores da igualdade entre as pessoas, da dignidade humana, do respeito e empatia para
com todo e qualquer ser humano.
Um espaço escolar criativo, reflexivo, conectado com as questões da vida cotidia-
na, que trate de forma leve e responsável as grandes problemáticas da sociedade, como
a Violência contra a Mulher, de modo transversal à Educação Formal, fazendo-a fazer
sentido às diversas realidades que ocupam a mesma sala – seja por meio de discussões,
linguagens artísticas, brincadeiras, rodas de conversas, entre outras; proporcionando-
-lhes experiências que lhes estimulem ao exercício de se colocarem no mundo, de se
posicionarem, de falarem o que pensam, de escutarem e dialogarem com as opiniões
divergentes, sempre na perspectiva da autonomia, do respeito à vida e da liberdade.
Nessa perspectiva, a busca da criação de espaços que propiciem a emancipação das
crianças e adolescentes no desenrolar dos anos na escola, por exemplo, é uma das medidas
capazes de contribuir para o desenvolvimento de indivíduos tornando-os mais preparados
e confiantes, aptos a colaborar com uma sociedade mais inclusiva como um todo.
Assim, apresentamos a Tabela 2, com sugestões de intervenção na esfera escolar,
acerca do tema da pesquisa em questão e como forma de levar a contento um dos ob-
jetivos propostos por nós: didatizar a análise para, posterior, utilização em ações nos
espaços escolares de Educação Básica.

AÇÕES OBJETIVOS

- Compreender o conceito de autonomia.


1. Rodas de conversa com as meninas/adolescentes
sobre o conceito de autonomia. - Diferenciar as autonomias financeira, pessoal e
afetiva.

- Acionar, quando necessário, outras instituições para


dirimir as problemáticas.
2. Escuta sensível, em rodas de conversa ou espaços
individuais, formas de violência que estudantes - Dialogar com sofrimentos e demandas de estu-
dantes, considerando que qualquer desconforto
sofrem em seus espaços privados.
emocional e mental impacta no processo de apren-
dizagem.

446
- Ler o mundo através das esferas jornalística e ju-
rídica.
3. Reflexão, nas aulas, sobre dados estatísticos acerca - Desenvolver o raciocínio crítico, através dos dados
da violência contra as mulheres e quais são as estatísticos que, à sua vez, materializam a realidade.
variáveis em torno dessa problemática. - Identificar questões relacionadas ao racismo, nos da-
dos estatísticos, levando em conta que a mulher negra
é alvo do feminicídio.

- Visibilizar a escrita feminina.

4. Leitura de textos literários escritos por mulheres. - Discutir o que a escrita feminina denuncia nas suas
linhas e entrelinhas acerca do machismo e do patri-
arcado.

- Compreender sobre os conceitos em questão.


5. Debate e discussão sobre os conceitos de femi- - Evidenciar, mediante discussão, que os conceitos
nismo, masculinidade, machismo, patriarcado e estão além da aparência.
violência. - Implicar-se diante desses conceitos para uma trans-
formação efetiva de atos e atitudes.

- Entender, mediante textos verbal e não verbal, como


6. Sessões de filmes sobre a temática em questão. a violência contra a mulher está presente nas relações
sociais.

Nesse sentido, é de suma importância o engajamento de todos os envolvidos na


proteção, educação e direcionamento das crianças e adolescentes em todos os contextos
sociais, conforme ressalta Almeida (2020, p.157):

[...] o engajamento conjunto da sociedade e do poder público, em âmbito


nacional e internacional, é fundamental para a permanência do tema como
questão de relevância pública. Pois, se nada for feito, os comportamentos,
práticas sociais e mentalidades que contribuem para inferiorizar social-
mente as mulheres tendem a se reproduzir no tempo e se tornam “naturais”,
costume social que nunca é questionado.

A quebra dos paradigmas que vêm sendo reproduzidos ao longo do tempo é es-
sencial para que mudanças de comportamentos ocorram de modo significativo nas dife-
rentes esferas sociais, desnaturalizando toda e qualquer tipo de violência, inferiorização
e discriminação, em especial contra as mulheres.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabemos que não vamos esgotar com este trabalho as discussões e contribuições
para a erradicação da violência, mas temos a esperança de, ao trazer desde cedo esse

447
debate para o contexto escolar, contribuiremos para a formação de cidadãos mais re-
flexivos e com propósito de fazer diferente e melhor do que vem sendo feito, no que
diz respeito à essa cultura patriarcal e machista que tem sido passada de geração para
geração, para homens e mulheres, naturalizando atos violentos, violentando e violan-
do pessoas a todo o tempo, reforçando a desigualdade de gênero, que comumente
reduzem o valor e o lugar da mulher.
Então, como contribuição para o tratamento dessa mazela social, pensamos e
propomos inserir no contexto escolar ações que proporcionem as condições para uma
quebra desse paradigma de violência, estimulando crianças e adolescentes, desde os anos
iniciais, a refletirem e debaterem, dentro da educação formal, sobre temas voltados para
questões do cotidiano como um todo, com didática e linguagem adequados a cada etapa
do desenvolvimento escolar, visando à internalização e defesa intransigente do respeito e
da proteção da vida de toda e qualquer pessoa, independente de gênero, como princípios
inalienáveis de convivência em sociedade.

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449
EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA:
Uma análise de livros didáticos de matemática
e sua relação com as mídias digitais
Daiane Costa Assunção Quinto
Marine Souto Alves

INTRODUÇÃO

Na atualidade, não é necessário fazer esforço para se observar as mudanças que


estão acontecendo de maneira significativa com o uso das novas tecnologias em todo o
mundo. Desde a Segunda Guerra Mundial, essa dimensão das Tecnologias da Informa-
ção e Comunicação (TICs) vêm influenciando as relações sociais.
É óbvio, portanto, que as novas tecnologias chegariam ao ambiente escolar, caben-
do então à escola o papel de ressignificá-las para que, além de entretenimento, ela pu-
desse cumprir o papel de orientar os alunos, bem como toda a comunidade escolar, para
uma nova educação tecnológica, isto é, para o auxílio no desenvolvimento do processo
de ensino e aprendizagem. Esse instrumento não deve substituir o que já vem sendo ado-
tado de modo satisfatório na sala de aula, tampouco sua intenção deve ser modernizar
as velhas práticas pedagógicas, mas sim, alterar significativamente o quadro educacional
que temos de maneira positiva com os recursos tecnológicos que possuímos.
Diante disso, surge a seguinte questão de pesquisa: como as TICs se apresentam nos
livros didáticos e quais são suas contribuições didático-pedagógicas para as aprendizagens
matemáticas? No intuito de responder a essa questão, definimos como objetivo geral da
pesquisa: analisar se as mídias digitais estão inseridas no contexto escolar por meio do livro
didático. Para isso, foi necessário atender aos objetivos específicos de: resgatar a história do
livro didático e sua relação com as mídias digitais; e analisar-comparar dois livros didáticos
no tocante a como eles oferecem aos professores os suportes das novas tecnologias.
Considera-se que, com o surgimento dos avanços tecnológicos, o livro didático
impresso não perdeu seu papel e, mesmo sendo considerado uma ferramenta antiga para
alguns, destaca-se como um excelente recurso, sendo que as editoras, juntamente com a
equipe pedagógica vêm procurando meios que possam envolver os alunos nesse material
didático, estabelecendo alguns critérios de orientações para serem direcionados ao uso
do material com as ferramentas tecnológicas.

450
Partindo do pressuposto do tempo de minha experiência docente, tenho obser-
vado o quanto esse tema nos chama atenção e inquieta os profissionais. Esses, muitas
vezes, por não compreenderem que a adoção de recursos tecnológicos consiste em algo
necessário à sua prática pedagógica, acabam ignorando e deixando de interagir com es-
sas realidades e descobertas que cada vez mais vêm facilitando a vida das pessoas sob
diversos aspectos. No profissional por exemplo, é possível trabalhar em home office (isto
é, trabalhar em casa, mesmo tendo um emprego formal. No caso dos professores por
exemplo, já é possível ministrar aulas sem que estes estejam dentro de uma escola, em
uma sala de aula convencional com os alunos sentados à sua frente). No social, cita-se o
acesso ao banco digital (não sendo mais necessário, salvo em casos extraordinários, ir a
bancos fazer transferências, pagamentos, consultar saldos e extratos e etc.). Nas questões
afetivas, a comunicação a distância não se constitui mais como uma fronteira, pois é pos-
sível enviar e receber mensagens de forma imediata, reduzindo saudades e aproximando
as pessoas. Nesse sentido, nós:

[...] educadores, temos de nos preparar e preparar nossos alunos para en-
frentar exigências desta nova tecnologia, e de todas que estão a sua volta
- A TV, o vídeo, a telefonia celular. A informática aplicada à educação tem
dimensões mais profundas que não aparecem à primeira vista (ALMEIDA,
2000, p.78).

Vivemos em uma sociedade onde os alunos estão um passo à frente dos profes-
sores em relação aos conhecimentos tecnológicos. Uma pesquisa realizada pela Confe-
deração Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e pelo Grupo de Estudos
sobre Política Educacional e Trabalho Docente da Universidade Federal de Minas Gerais
(Gestrado/UFMG) com 15.654 professores da educação básica da rede pública de todo
o Brasil, no período de 8 à 30 de junho de 2020 (primeiro ano de pandemia), revelou
que 89% não tinha experiência, anterior à pandemia, para ministrar aulas remotas (sen-
do que dentro deste grupo, 42% sequer recebeu algum tipo de treinamento), enquanto
para 21% dos professores pesquisados ainda é muito difícil lidar com as TICs*. Por isso,
o professor necessita caminhar junto aos alunos e aprender com aqueles que têm mais
afinidade com as TICs, objetivando um ensino-aprendizagem mais significativo.
Pierre Lévy (2010, p.21), no livro “Cibercultura”, aponta que, em eventos e publi-
cações, “fala-se muitas vezes do “impacto” das novas tecnologias da informação sobre a
sociedade ou a cultura”. O filósofo, no entanto, considera inadequado o uso da palavra
impacto, por se tratar de uma “metáfora bélica”. Assim, a tecnologia 2.0 incorre no risco
de ser vista como algo externo que ataca a sociedade e causa prejuízos e danos, “com-

* Disponível em: <https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/07/08/quase-90percent-dos-professores-nao-tinham-


-experiencia-com-aulas-remotas-antes-da-pandemia-42percent-seguem-sem-treinamento-aponta-pesquisa.ghtml>.

451
parável a um projétil (pedra, obus, míssil?) e a cultura e a sociedade a algo vivo”. Mas
sabemos que a tecnologia traz muitos benefícios e um deles é justamente no campo edu-
cacional, o que justifica a nossa pesquisa.
Fazendo uma análise de como as pessoas realizavam suas pesquisas antigamente e
nos dias atuais. Nota-se que antes eram em livros didáticos, encontrados, quase sempre,
em bibliotecas. Diferentemente, na nossa atualidade, existem diversas fontes de pesqui-
sas e o aluno não fica preso aos livros, mas dispõe de um leque de opções que as tecno-
logias trazem. Com isso, o professor também deve seguir esses avanços para que possa
saber utilizar esses recursos de maneira eficaz.
Segundo Jesús Martín Barbero (apud MOTTA, 1983), as pessoas têm vivenciado
um momento de limitações e medo, impossibilitando-as de adquirirem novos saberes
por meio das novas tecnologias, sendo elas hoje uma peça fundamental, principalmente
no que diz respeito ao contexto escolar. O que se observa é que uma nova sociedade de
midiatização está se formando, sendo que os educadores não poderão ficar para trás e
sim caminhar com os alunos, ou seja, aprender com eles. Mas é importante lembrar que
essa midiatização precisa ser observada de perto pela escola, para não se tornar uma
ferramenta sem sentido em sala de aula.
Ao afirmar o conceito de midiatização, portanto, nos seus diversos níveis (indi-
vidual, situacional, social e vídeo-tecnológica), Barbero (apud MOTTA, 1983) ajuda a
assentar as bases para que a reflexão evolua para, desde o fim dos anos de 1990, se cen-
trar nos processos midiáticos e desembocar no conceito de midiatização. Dessa forma,
é preciso saber conduzir os nativos digitais, pois trata-se de um recurso amplo, que por
estar presente de forma massiva na sociedade, consequentemente, estará nos espaços
educativos - que é um recorte da sociedade.
A Respeito desse conceito, Gomes (2016) afirma que a midiatização é um conceito
utilizado para definir as interrelações entre as mudanças nos meios de comunicação e
as mudanças socioculturais. Ou seja, a midiatização é consequência das relações comu-
nicacionais usadas pela sociedade e manifestadas através de vários instrumentos, que
expandem cada vez mais a partir do avanço da tecnologia digital.
Como sabemos, a sociedade contemporânea vivencia constantes transformações
que estão ocorrendo a partir da expansão das tecnologias. Essas têm, ao longo do tempo,
conquistado o seu espaço de maneira muito eficaz. Mesmo existindo algumas resistências
quanto ao seu uso, elas vêm se legitimando na sociedade moderna. Segundo Almeida:

As vertiginosas evoluções socioculturais e tecnológicas do mundo atual


geram incessantes mudanças nas organizações e no pensamento humano
e revelam um novo universo no cotidiano das pessoas. Isso exige indepen-
dência, criatividade e autocrítica na obtenção e na seleção de informações,
assim como na construção do conhecimento (ALMEIDA, 2000, p.12).

452
Nesse contexto, a autora reitera que o nosso mundo é um mundo novo, que
precisa ser ressignificado, principalmente, no âmbito escolar. Logo, é necessário utili-
zar as práticas e teorias relacionadas as tecnologias com a direção voltada ao principal
objetivo: educar.

METODOLOGIA

A pesquisa pautou-se na abordagem qualitativa (MINAYO, 2001), por meio de


análise documental (LÜDKE & ANDRÉ, 1986), cujos procedimentos metodológicos fo-
ram: permanente estudo e levantamento bibliográfico, além de análise do corpus de dois
livros didáticos do componente curricular de matemática para o quinto ano do ensino
fundamental - anos iniciais, sendo um adotado por uma escola da rede pública e outro
por uma escola da rede privada, ambas escolas do município de Jequié/Ba.

O livro didático se constitui como um documento de fonte primária, pois


se trata de material impresso (documento) a ser analisado tal como con-
cebido por seus autores (fonte primária). Os livros didáticos são tratados
como documentos inseridos em um contexto sócio-histórico e, assim
como qualquer outro documento, detêm um conteúdo passível de análise
(TILIO, 2006, p.129).

Sendo assim, a análise destes documentos - livros didáticos de matemática - foi


realizada de forma a identificar como as Mídias Digitais lhes são incorporadas. Em sen-
tido amplo, o objetivo da análise documental é identificar, em documentos primários,
informações que sirvam de subsídio para responder alguma questão de pesquisa. Por se
constituírem como uma fonte natural de informação, documentos “não são apenas uma
fonte de informação contextualizada, mas surgem num determinado contexto e forne-
cem informações sobre esse mesmo contexto” (LÜDKE & ANDRÉ, 1986, p.39).
Nesse sentido, adotamos como proposta teórica e metodológica a análise com-
parativa dos seguintes livros didáticos: “Novo Pitanguá Matemática”, dos autores Jacson
Ribeiro e Karina Pessoa, da editora Moderna (2019), adotado por uma escola da rede
privada de ensino; e “A Conquista da Matemática”, de José Ruy Giovanni Júnior, da edito-
ra FTD (2018), adotado por uma escola da rede pública de ensino, ambos no município
de Jequié/Ba.
Na tentativa de manter a organicidade do estudo, nas próximas seções iremos
contextualizar a pesquisa, apresentando brevemente a história do livro didático, a im-
portância de incluir as novas tecnologias nesses livros, bem como a análise comparati-
va dos livros aqui apontados, os resultados e as nossas considerações finais em relação
a esta pesquisa.

453
O LIVRO DIDÁTICO: Um breve resgate histórico

A trajetória do livro didático, desde o seu início até sua contemporaneidade, fez
com que este suporte conquistasse seu espaço, contribuindo na formação da sociedade,
sendo um recurso que tem um papel fundamental de auxiliar na construção do conhe-
cimento. Ele sempre se fez presente na vida das pessoas, mesmo na Antiguidade - claro
que não da forma como o conhecemos hoje e nem com este nome - onde as pessoas vi-
venciavam uma necessidade muito grande de expressar e registrar seus conhecimentos.
Mesmo sem os recursos adequados, esses povos buscavam meios de aprimorar cada vez
mais suas escritas e, conforme suas necessidades, foram se aperfeiçoando, até se chegar
ao formato do livro didático que encontramos hoje e com a importância que adquiriu ao
longo do tempo, conforme afirma Stray (1993):

O livro didático faz parte da cultura e da memória visual de muitas gera-


ções e, ao longo de tantas transformações na sociedade, ele ainda possui
uma função relevante para a criança, na missão de atuar como mediador na
construção do conhecimento (STRAY, 1993, pp. 77-78).

Como é possível perceber, o livro didático tem um papel muito importante na
vida de uma criança e na transformação da sociedade, sendo uma ponte de ampliação de
conhecimentos mediadores que, de certa forma, norteia tantos os educandos quanto os
educadores. Gatti Júnior (2004), por exemplo, nos revela que o livro didático sempre fez
parte da cultura escolar, muito antes da própria imprensa. Segundo o autor:

Sua origem está na cultura escolar, mesmo antes da invenção da im-


prensa no final do século XV. Na época em que os livros eram raros, os
próprios estudantes universitários europeus produziam seus cadernos
de textos. Com a imprensa, os livros tornaram-se os primeiros produ-
tos feitos em série e, ao longo do tempo a concepção do livro como
“fiel depositário das verdades científicas universais” foi se solidificando
(GATTI JÚNIOR, 2004, p.36).

No Brasil, com a criação do Instituto do Livro, surge a elaboração de ideias


para o livro impresso, bem como a criação do Instituto Nacional do Livro (INL) em
1929, ficando estabelecido a este órgão a função de tratar sobre as políticas do livro
didático, com o intuito de autenticar nacionalmente o referido material. Entretanto,
esta proposta ficou apenas no papel, já que, não existia uma legalização aprovada
para distribuir esse material. Só no ano de 1934, os trâmites dos processos começa-
ram a desenrolar, atribuindo ao INL a tarefa de elaborar a enciclopédia e um dicio-
nário nacionais, além da edição de livros literários e ampliar as bibliotecas públicas
(FREITAS E RODRIGUES, 2008).

454
Em suas pesquisas, Ferreira (2008) nos mostra que, nesse período, Gustavo Capa-
nema, ministro da educação e da saúde, propôs a elaboração de um decreto cuja função
principal era a fiscalização dos conteúdos que seriam inseridos na construção do livro
didático.

O ministro do Ministério Educação e Saúde, Gustavo Capanema, durante


o Estado Novo brasileiro, sugeriu a Getúlio Vargas a criação de decreto-lei
para fiscalizar a elaboração dos livros didáticos (sic). A comissão foi criada
em 1938 e estabelecia que, a partir de 1º de janeiro de 1940, nenhum livro
didático poderia ser adotado no ensino das escolas pré-primárias, primá-
rias, normais, profissionais, e secundárias no país sem a autorização prévia
do Ministério da Educação (FERREIRA, 2008, p.38).

Entre o período de 1929 a 1996, diferentes maneiras da construção do livro


didático foram testadas até ele chegar às salas de aula. É o que nos revelam Bezerra e
Luca (2006):

Em 1966, sob a égide da ditadura militar foi criada a Comissão do Livro


Técnico e Livro Didático (COLTED), cuja função era coordenar a produ-
ção, edição e distribuição do livro didático. Para assegurar recursos gover-
namentais, contou-se com o financiamento proveniente do acordo MEC
- USAID (United States Agency for Internacional Development). O aporte
de recursos públicos garantiu a continuidade do livro didático que, a partir
de então, ocupou lugar relevante nas preocupações do Estado brasileiro
que, mais uma vez, pretendia ter o controle sobre o que e como se ensinava
(BEZERRA, LUCA, 2006, p.30).

Mesmo com essa rígida fiscalização, ocorreram alguns problemas que atrapa-
lharam a distribuição dos livros por algumas críticas dos professores com relação ao
material. Este acordo abordado por Bezerra e Luca (2006) foi muito criticado na época
por profissionais da educação, pois os USAID detinham todo o controle da produ-
ção e o MEC apenas a executava. Com a extinção da COLTED e término do acordo
MEC/USAID, em 1971, o Instituto Nacional do Livro (INL) ficou responsável pelo
andamento do Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental (FREITAS,
RODRIGUES, 2008).
Em 1985, o PLIDEF foi substituído pelo Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD), por meio do decreto nº 91.542, de 19/8/85, o qual ainda funciona nos dias
atuais. A instituição deste programa foi muito importante porque com ele foram al-
teradas algumas questões a respeito do livro didático. A partir do referido decreto, o
professor ganhou autonomia para escolher o livro didático que iria usar. Além disso,
o livro didático passou a ser fabricado com materiais com mais qualidade e maior
durabilidade para ser reutilizado (deixando de ser descartável) pelos alunos das es-

455
colas públicas de todo o Brasil, além de ser distribuído gratuitamente (FREITAS;
RODRIGUES, 2008).
Apesar de todas as tentativas do governo de levar o livro didático às escolas, “só
com a extinção da FAE, em 1997, e com a transferência integral da política de execução
do PNLD para o FNDE é que se iniciou uma produção e distribuição contínua e massiva
de livros didáticos” (FREITAS; RODRIGUES, 2008, p.303). O PNLD garante que cada
criança tenha direito a um exemplar de cada disciplina gratuitamente.
Freitas e Rodrigues (2008) afirmam que desde 1996 até os dias atuais, o PNLD
conduz um processo de avaliação pedagógica dos livros que são inscritos para o mesmo.
Atualmente, em uma versão mais aprimorada, o programa apresenta por meio do Guia
do Livro Didático, disponível on-line e nas escolas, a avaliação pedagógica dos livros
adotados pelo Ministério da Educação.
Com isso, a partir do Guia do Livro Didático, o professor pode conhecer os livros
didáticos e escolher entre eles duas opções de cada disciplina para usá-lo por três anos
letivos consecutivos. Caso a primeira opção de livro didático não possa ser negociada,
a segunda opção é que valerá e será consumida pela escola. Importante registrar que o
livro didático ajuda os professores a planejarem boas propostas curriculares, oferecendo-
-os condições para que tais propostas sejam colocadas em prática na sala de aula. Ade-
mais, o livro sugere metodologias condizentes a cada ciclo de ensino.
Diante de vários acontecimentos, o acesso ao livro didático não foi algo fácil, pois
se caracterizou como um processo muito burocrático desde o início de sua implementa-
ção. Só na metade do século XX, o referido suporte passou a ser visto como uma ferra-
menta primordial para formação e construção do conhecimento dos alunos. Uma nova
exigência, portanto, seria a de modificação do material, com representações de imagens,
inseridas dentro do próprio contexto, haja vista que ficou perceptível que um livro como
este não deveria focar no professor, mas, principalmente, no aluno. Assim, Bitencourt
(2004) nos revela que:

Desde seu início o livro didático trouxe uma ambiguidade em relação


ao seu público. A figura central era a do professor, porém a partir da
segunda metade do século XIX passou a se tornar mais claro que o livro
didático não era um material de uso exclusivo deste, para transcrever ou
ditar. Observou-se que o livro precisava ir diretamente para as mãos dos
alunos. Esta mudança de perspectiva, passar a ver o aluno como con-
sumidor direto do livro, sinalizou tanto para autores quanto editores,
que era necessário modificar o produto para atender novas exigências,
transformando e aperfeiçoando sua linguagem. Neste sentido, as ilus-
trações começaram a se tornar uma necessidade, assim como surgiram
novos gêneros didáticos, como os livros de leitura e os livros de lições
(BITENCOURT, 2004, p.475).

456
A partir do século XX, ocorreu uma evolução muito grande na indústria do
livro, através da Revolução Industrial. As máquinas foram ficando cada vez mais
modernas, facilitando o aumento das produções. Para se alcançar novos públicos,
as imprensas tiveram que se enquadrar nos formatos mais hábeis para facilitar a
comercialização.
A cada ano que passava, surgia algo inovador, como surgiu a necessidade de facili-
tar e aprimorar mais ainda o trabalho da imprensa, o que estabeleceu o fim da tipografia
e o nascimento da informática no final século XX. Assim, à medida que se divulgava essa
nova descoberta, o mundo passava a aderir à filosofia da globalização, através de um
processo de integração econômica e social.
Com as mudanças que gradativamente ocorriam no Brasil, houve também uma
necessidade muito grande de se modernizar o livro didático, e é nesse contexto que sur-
gem os livros digitais. Sobre eles, Almeida e Nicolau (2013) destacam que:

O livro digital não é novidade do século XXI, seu início foi com o ame-
ricano Michael Hart, em 1971, quando com o Projeto Gutenberg, di-
gitalizou obras culturais, em sua maioria, livros de domínio público.
Os autores fazem distinção entre diferentes tipos de livros digitais: os
livros digitalizados são os que passaram por um processo de digitaliza-
ção, transformando todo seu conteúdo em imagem; os livros híbridos
possuem os recursos de busca e compartilhamento propiciados pelos
e-books; os livros de áudio, (áudio-books) no qual as falas são interpre-
tadas pelo narrador e que possuem diversos efeitos sonoros; os livros
digitais estáticos, geralmente em formato PDF, semelhante ao impresso
com o recurso de busca de palavras e a existência de links para outras
partes do livro ou para sites; os livros digitais dinâmicos que se adé-
quam de acordo com o tamanho da tela e podem ser lidos nos formatos
e Pub, Mobi, AZW e KF8; os livros multimídia que apresentam recursos
extras, como vídeos, infográficos, modelagens em três dimensões, en-
quetes, entre outros (ALMEIDA; NICOLAU, 2013, p.2).

Portanto, observa-se que, ao longo dos anos, houve uma grande necessidade de
aderir aos meios tecnológicos que, por sua vez, facilitavam e aprimoravam cada vez mais
o desempenho e as práticas dos professores, agregando ao uso do livro didático as novas
modalidades tecnológicas. Como sabemos, diante dessas evoluções, as escolas, mesmo
adotando o livro didático impresso, precisam dialogar com a sociedade atual, procuran-
do diversas maneiras de práticas didáticas que possam reorganizar uma nova maneira de
construir o conhecimento.
Nesse viés, é interessante perceber que a história da educação nos revela que a tec-
nologia sempre foi uma aliada. Houve um tempo em que o próprio livro didático ainda
em forma de cartilha ou livro-texto se constituiu como uma verdadeira “revolução tec-
nológica”. Almeida (2000) recupera este fato histórico e nos leva a refletir sobre o mesmo:

457
Anteriormente, outras tecnologias foram introduzidas na educação. A
primeira revolução tecnológica no aprendizado foi provocada por Come-
nius (1592-1670), quando transformou o livro impresso em ferramenta
de ensino e de aprendizagem, com a invenção da cartilha e do livro-texto.
Sua ideia era utilizar esses instrumentos para viabilizar um novo currí-
culo, voltado para a universalização do ensino. Hoje, apesar de se supor
que atingimos um ensino universalizado quanto ao acesso, o mesmo não
se pode afirmar quanto à democratização do conhecimento (ALMEIDA,
2000, p.13).

Vê-se que, o acesso ao conhecimento nem sempre acontece, pois é necessário que
o mesmo esteja sempre conectado com o conhecimento prático dos indivíduos. Percebe-
-se, com isso, que o estudo do livro didático, desde o seu surgimento, veio sempre tra-
zendo bons objetivos com relação a sua finalidade, para que as ferramentas tecnológicas,
que fossem sendo introduzidas nesse mesmo contexto, tivessem a função de aprimorar
cada vez mais o aprendizado dos estudantes, com uma nova modalidade de ensino, e
não substituindo o livro pelas novas tecnologias, mas sim, unindo os dois com a função
de contribuir para o crescimento de um novo modelo de ensino. Mesmo assim, para
Almeida (2000):

[...] as propostas de modernização da educação na maioria das vezes não


têm alcançado o sucesso esperado ao enfrentar essas questões. É preciso
encarar a dinâmica do conhecimento num sentido mais abrangente e tentar
compreender os conhecimentos emergentes da sociedade nos espaços de-
nominados espaços do conhecimento -, tais como os citados por Dowbor
(as empresas, as mídias, os cursos técnicos especializados, o espaço cientí-
fico domiciliar, as organizações não governamentais, etc.), que precisam ser
integrados ao conhecimento educativo. Isso significa uma proposta de par-
ceria entre o setor educacional e a comunidade, para explorar e construir
conhecimentos segundo as necessidades de seu desenvolvimento, numa
dinâmica de articulação em que a instituição educacional assume o papel
de mobilizadora de transformações, e o professor, o papel de promotor da
aprendizagem (ALMEIDA, 2000, pp.13-14).

Mesmo com as transformações que vem ocorrendo em nossa sociedade, o autor


deixa claro que para se obter êxito no desenvolvimento dos alunos, tem que existir uma
parceria entre a instituição e a comunidade. Ambas devem caminhar juntas para que
se estabeleça o verdadeiro papel de contribuir para formação de cada cidadão. Quando
esses papeis são desempenhados de maneira coerente e responsável, fica mais acessível
trabalhar e aplicar os conhecimentos acadêmicos que são estabelecidos pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs).

458
No que diz respeito às novas tecnologias digitais, mesmo elas tendo conquistado
o seu espaço em nossa atualidade, algo nos chama a atenção: o livro didático não foi
deixado de lado. De acordo com a Associação Brasileira de Editores de Livros Esco-
lares (Abrelivros), não há estatísticas sobre o mercado de livro didático digital, mas
praticamente todas as editoras do país têm iniciativa nesse sentido - o ingresso e per-
manência nas escolas brasileiras que tem sido gradativo (ABRELIVROS, 2021**). Na
realidade, têm-se investido em um mundo interativo, onde os alunos possam utilizar
de vários recursos que incluam tanto o livro quanto a tecnologia, de maneira que o
livro didático impresso ainda seja uma peça fundamental para o aprendizado. De todo
modo, é primordial que não dispensemos os ensinamentos de Jesús Martin Barbero
(1983), quando este nos alerta:

Contrariamente aos que veem nos meios de comunicação e na tecnologia


da informação uma das causas do desastre moral e cultural do país, ou
seu oposto, uma espécie panaceia, de solução mágica para o problema da
educação, sou dos que pensam que nada pode prejudicar mais a educação
do que nela introduzir modernizações tecnológicas sem antes mudar o mo-
delo de comunicação que está por debaixo do sistema escolar (BARBERO,
1983, p.123).

Modelo esse que trata de forma vertical e autoritária - a relação professor e


aluno, e como linear e sequenciado, o aprendizado. Agregar a esse modelo, tecnolo-
gias modernizantes, iria ocasionar muitos obstáculos, mas isso não quer dizer que
seria impossível trabalhar com esses recursos, levando em consideração que a pró-
pria tecnologia poderia modificar esse modelo de educação. E claro, possibilitar a
convivência harmônica com os diversos recursos: livro didático (impresso ou digi-
tal) e as tecnologias digitais.
Dessa maneira, salientamos que o livro e as tecnologias precisam estar em cons-
tante diálogo no âmbito escolar para assim promover o ensino-aprendizagem de qua-
lidade, de modo que não desconsidere a importância do conhecimento sistematizado
pelo livro e nem o conhecimento dinâmico trazido pelos recursos tecnológicos. Isso é
um processo que exige a tomada de consciência da importância disso pela comunidade
escolar, editoras, autores e pelo PNLD.

**Disponível em: https://memoria.ebc.com.br/educacao/2015/10/livro-didatico-digital-ainda-nao-chegou-aos-


-estudantes.

459
A IMPORTÂNCIA DA INCLUSÃO DAS NOVAS TECNOLOGIAS
NO LIVRO DIDÁTICO: A LDB, a BNCC e os PCNS

Falamos tanto em tecnologia ao longo desta pesquisa, mas o que é tecnologia de


fato? De acordo com Kenski (2012, p.22 apud Araújo et al., 2017, p.921), a definição
desse termo vai além de máquinas e instrumentos. “O conceito tecnologia engloba a to-
talidade de coisas que a engenhosidade do cérebro humano conseguiu criar em todas as
épocas, suas formas de uso, suas aplicações”. Dessa maneira, tudo o que o homem criou
para facilitar a sua sobrevivência consiste em tecnologia, como os números, a escrita, a
eletricidade, e todas as tecnologias da informação e comunicação (TICs), e o próprio
livro didático.
Nessa pesquisa, nos atemos a tratar sobre as tecnologias que englobam as mídias
digitais presentes no livro didático. Mas por que é importante abordar sobre as tecnolo-
gias no âmbito educacional, em especial no livro didático?
Sabemos que a sociedade em que vivemos se encontra imersa e influenciada a
todo momento pelas novas tecnologias. Elas fazem parte da vida cotidiana e, por isso
mesmo, podem estar presentes também em sala de aula.
A partir da análise de alguns documentos oficiais, notamos que o ensino a res-
peito das tecnologias está previsto em documentos como a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB 9.394/96), que em seu artigo 32, parágrafo II, estabelece que a
formação básica e cidadã do estudante do ensino fundamental de 9 anos deverá ocorrer
por meio da “compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnolo-
gia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade”.
Em consonância com a LDB 9.394/96, a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) traz como “competências específicas de linguagens para o ensino fundamental”,
no item seis:

Compreender e utilizar as tecnologias digitais de informação e comuni-


cação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas
sociais (incluindo as escolares), para se comunicar por meio das diferentes
linguagens e mídias, produzir conhecimentos, resolver problemas e desen-
volver projetos autorais e coletivos (BRASIL, 2017, p.65).

Fica nítido, portanto, que o uso das tecnologias é algo indispensável em sala de
aula, como preconiza a BNCC, e esta ação deve ser mediada de forma que o aluno possa
compreender e utilizar as tecnologias de forma responsável, consciente e crítica, sobretu-
do, em tempos de fake news e pseudociências disputando espaços e narrativas.
Em relação ao uso das tecnologias no ensino de matemática, a BNCC (2017) traz no
tópico “competências específicas de matemática para o Ensino fundamental”, no item cinco, a
necessidade de “utilizar processos e ferramentas matemáticas, inclusive tecnologias digitais

460
disponíveis, para modelar e resolver problemas cotidianos, sociais e de outras áreas de conhe-
cimento, validando estratégias e resultados” (BRASIL, 2017, p.267). A partir disso, notamos
que o uso das tecnologias como computadores, aplicativos, softwares, vídeos e jogos auxiliam
na construção do conhecimento lógico-matemático, visto que, o educando consegue intera-
gir com o conhecimento de forma mais dinâmica e prática. A BNCC ainda afirma que:

É imprescindível que a escola compreenda e incorpore mais as novas linguagens


e seus modos de funcionamento, desvendando possibilidades de comunicação (e
também de manipulação), e que eduque para usos mais democráticos das tecno-
logias e para uma participação mais consciente na cultura digital. Ao aproveitar o
potencial de comunicação do universo digital, a escola pode instituir novos modos
de promover a aprendizagem, a interação e o compartilhamento de significados
entre professores e estudantes (BRASIL, 2017, p.61).

Nota-se a importância de a escola aderir às novas tecnologias da informação e


comunicação como um recurso eficaz para potencializar a aprendizagem dos alunos. A
esse respeito Araújo, et al., (2017, p.926), afirmam que é preciso “tornar a tecnologia um
recurso eficaz, dentro do ambiente escolar. Para isso uma mudança na postura docente
se torna essencial, pois a escolha de recursos passa pelo professor e a possibilidade de
torná-lo significativo também”.
Entretanto, muitas instituições de ensino ainda não conseguiram incluir mi-
nimamente as novas tecnologias no seu currículo. Fora a falta de recursos ofereci-
dos pelo Estado para tal, muitas instituições não estão conseguindo compreender
que a cada tempo que passa as escolas necessitam cada vez mais da tecnologia. Um
exemplo concreto da necessidade das TICs nas escolas está no contexto pandêmico
que o mundo atravessou, independentemente se a escola é da rede pública ou pri-
vada, pois o uso das TICs foi de extrema relevância para a continuidade do ensino,
uma vez que as aulas no modo presencial foram paralisadas. Um Projeto de Lei
(PL) foi impetrado dispondo a garantia de acesso à internet, com fins educacionais,
aos alunos e professores da educação básica pública. Contudo, o Governo Federal
entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando veto a esse
PL nº 3477/2020, utilizando como alegação uma questão técnica: “faltou ao projeto
esclarecer a estimativa de impacto da medida no Orçamento da União. A regra está
prevista na Constituição e na Lei de Responsabilidade Fiscal. E assim, o veto foi
publicado no Diário Oficial em março de 2021 (AGÊNCIA CÂMARA NOTÍCIAS,
2021***).

*** Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/737836-bolsonaro-veta-ajuda-financeira-para-inter-


net-de-alunos-e-professores-das-escolas-publicas.

461
Acerca das novas tecnologias no ensino de matemática, os Parâmetros Curri-
culares Nacionais (PCNs) trazem a calculadora e o computador como recursos in-
dispensáveis à prática pedagógica e à aprendizagem do estudante. Com isso, os PCNs
salientam que:

O computador pode ser usado como elemento de apoio para o ensino (banco de
dados, elementos visuais), mas também como fonte de aprendizagem e como fer-
ramenta para o desenvolvimento de habilidades. O trabalho com o computador
pode ensinar o aluno a aprender com seus erros e a aprender junto com seus cole-
gas, trocando suas produções e comparando-as (BRASIL, 1997, p.35).

Os PCNs (1997) também afirmam que a expansão do uso das mídias digitais no
espaço escolar é preciso para que o professor passe tanto por uma formação inicial quan-
to por uma formação continuada, para assim saber como lidar e adotar essas tecnologias
em sua metodologia de trabalho.
Em concordância com o que se pede nos documentos oficiais do país, o Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD) vem apresentando compatibilidade aos usos das
tecnologias nos livros didáticos, exibindo de que maneira o professor pode estar inserin-
do esses recursos, como, por exemplo, uma calculadora dentro da sala de aula, análise de
gráficos estatísticos atuais e, mostrando também, que com o passar dos anos, as calcula-
doras foram se modernizando até chegarem aos dias atuais.
Percebe-se, portanto, que o livro didático não perdeu sua função dentro da sala de
aula, apenas foi ou deveria ter sido reformulado de maneira pedagógica, com diversos
recursos tecnológicos para estarem em consonância com a realidade dos nativos digitais,
ajudando-os a serem críticos e ativos dentro de uma sociedade que avança a cada dia.
Nesse contexto, a presente pesquisa analisa, na seção seguinte, em que medida didática
e pedagógica o livro didático do ensino público e privado tem trazido referências tecno-
lógicas nos dias atuais.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para compreender de que forma as Mídias Digitais são abordadas em livros


didáticos de matemática, foram analisados dois exemplares do 5º ano do Ensino
Fundamental, versão professor, sendo um utilizado em uma escola da rede pú-
blica e o outro em uma escola da rede privada do município de Jequié/Ba. Outra
finalidade perpassou em verificar se eles orientam os professores a realizarem o
trabalho pedagógico utilizando tais mídias como recursos no processo de ensino-
-aprendizagem.

462
Análise do livro utilizado pela escola pública

Ficha técnica do livro I


Título: A Conquista da Matemática.
Autor: José Ruy Giovanni Júnior.
Edição: 1ª.
Editora: FTD.
Ano de Publicação: 2018.
Público Escolar: 5º Ano - Ensino Fundamental - Anos Iniciais.

Por se tratar de um livro utilizado exclusivamente por escolas públicas, “A Con-


quista da Matemática” obrigatoriamente integra o Programa Nacional do Livro e do Ma-
terial Didático (PNLD). Portanto, passou por uma criteriosa avaliação do Ministério da
Educação (MEC) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) visan-
do disponibilizar às escolas públicas brasileiras um material de qualidade e adaptado às
diretrizes da BNCC****.
Iniciamos a análise pela capa, e verificamos que ela não apresenta os tradicionais
elementos matemáticos tais como, números, formas geométricas ou sinais das quatro

**** Trata-se de uma exigência instituída através das legislações educacionais brasileiras - que os livros didáticos
estejam fundamentados na Base Nacional Comum Curricular (o documento mais recente da educação) bem
como nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e nos Temas Transversais (temas contemporâneos sobre
as questões sociais brasileiras).

463
operações básicas, mas apresenta dois robôs que são personagens que se relacionam di-
retamente com a tecnologia, com a inteligência artificial e com as Mídias Digitais. Com
essa referência tecnológica logo na capa, podemos perceber que o livro tem a intenciona-
lidade de estabelecer uma relação significativa entre o estudante e o conhecimento mate-
mático através da curiosidade, do lúdico e sobretudo, por meio das tecnologias digitais.
Como é um exemplar do professor, o livro disponibiliza um material adicional
com orientações, considerações específicas sobre o ensino fundamental, explanação
acerca da importância do ensino de matemática, um adendo sobre a perspectiva inter-
disciplinar e os temas transversais, reflexões sobre a prática pedagógica, sugestões de
planos de aula, considerações sobre a avaliação, além de informações inerentes a BNCC
para o 5º ano. Essa parte adicional que totaliza 44 páginas não apresenta recorte específi-
co sobre as Mídias Digitais, entretanto, consta anexo ao livro, um DVD contendo mate-
rial digital composto por planos de trabalho bimestrais, trimestrais, sequências didáticas
e propostas de acompanhamento da aprendizagem - tudo em formato audiovisual para
uso do professor.
Nos capítulos que são comuns aos professores e alunos, todas as atividades estão
respondidas e apresentam ainda em suas bordas/extremidades orientações específicas
ao professor. Como são nove blocos, e cada bloco tem seu próprio número de capítulos.
Foi necessário analisar cada orientação de uso de Mídias Digitais, bem como observar
se a orientação é para o professor e/ou aluno e notou-se que são para ambos agentes do
processo educativo.
Uma observação relevante é que ao final de cada bloco, o livro, com a intencio-
nalidade de contemplar os temas transversais e as diretrizes da BNCC, traz temas con-
temporâneos relacionados a matemática e a cidadania, com o intuito de formar cidadãos
conhecedores dos princípios e valores democráticos, capazes de tomar atitudes parti-
cipativas em casa, na escola ou em espaço público, contribuindo com uma sociedade
melhor, exercendo o respeito mútuo e a reflexão crítica, afinal, esse também é papel da
matemática, que aliás cabe registrar que é uma área do conhecimento que está presente
em todos os espaços sociais. Majoritariamente, as orientações para uso das Mídias Digi-
tais estão nestes finais de blocos que associam matemática e cidadania.
No primeiro bloco intitulado “Sistema de Numeração Decimal” constam 6 ca-
pítulos, sendo que no último destes, o tema de cidadania é “Casa da Moeda” e traz ao
professor a orientação de complementar o conteúdo da aula realizando uma busca em
sites acerca da educação financeira e do dinheiro ao redor do mundo, para que assim ele
seja capaz de informar aos alunos os diferentes tipos de dinheiro que o Brasil teve antes
de chegar ao vigente, o real.
No segundo bloco, “Adição e Subtração com Números Naturais”, o quarto capítulo
apresenta como tema de cidadania “A População Indígena do Brasil”, no qual sugere que
o professor solicite à turma uma pesquisa na internet sobre a quantidade de comunidades

464
indígenas existentes no Brasil. Após a pesquisa, os alunos deverão construir e apresentar
uma tabela informando essa quantidade por região; o livro orienta ainda que o professor
durante a solicitação da pesquisa desconstrua junto aos alunos, discursos de estereótipos
e preconceitos à cultura indígena.
Ainda no quarto capítulo do segundo bloco, a orientação é que o professor solicite
a turma outra pesquisa na internet, desta vez sobre o desmatamento no Brasil a partir do
ano de 2017. Para tanto, através dessa atividade, os alunos deverão responder quais são
os locais brasileiros com mais focos de desmatamento, quais são as dimensões das áreas
desmatadas ano após ano apresentadas por gráfico, e que com o gráfico pronto, escrevam
um texto avaliando se houve aumento ou diminuição das áreas desmatadas.
No terceiro bloco, “Geometria”, não constam orientações para uso de Mídias Di-
gitais. Já no quarto bloco intitulado “Multiplicação e Divisão de Números Naturais”, o
terceiro capítulo, tem como tema de cidadania “O Uso Consciente do Dinheiro” e sugere
que o professor leve a turma para a sala de informática (se houver) e acesse a Cartilha
“Essa Turma Ninguém Segura” da Turma da Mônica que tem por objetivo orientar os
alunos sobre as relações de consumo, proporcionando reflexões sobre o tema e desen-
volvendo a competência geral nº 5 da BNCC - cultura digital. O capítulo reforça que o
professor também deva realizar pesquisas sobre o tema e indica leituras em sites.
No quarto capítulo do quarto bloco, o tema “Consumo Consciente: Atitudes que
fazem a Diferença”, o professor deve trabalhar com os alunos os impactos ambientais
causados pelo consumo exagerado, devendo-lhes perguntar, por exemplo, se sabem para
onde irão os produtos eletrônicos que são trocados por modelos mais novos ou de onde
são retiradas as matérias-primas para a produção desses objetos; o livro lista uma relação
de sites que o professor deve acessar para fundamentar esse debate.
No quinto bloco, “Números e Medidas” não constam orientações para o uso de
Mídias Digitais. O final do sexto bloco denominado de “Números Expressos na Forma
de Fração” traz o tema “Projeto Tamar” para que o professor debata com os alunos a
quantidade de ninhos protegidos pelo projeto e como é importante que tal projeto con-
tinue atuando para a preservação de inúmeras espécies de tartarugas marinhas. Nesse
sentido, indica ao professor que busque mais informações sobre o projeto acessando suas
redes sociais. No segundo tema que relaciona matemática às questões sociais, o livro traz
a orientação didática de que o professor solicite a turma que pesquise na internet sobre a
quantidade de lixo produzido diariamente no Brasil.
No sétimo, bloco denominado “Números Expressos na Forma Decimal”, a indi-
cação de Mídia Digital aparece no segundo capítulo com o tema “Comparando Preços”,
onde o professor deve acessar as plataformas digitais do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) para aprofundar suas informações acerca da expectativa de vida dos
brasileiros bem como dos tópicos correlatados. Na sequência debater com os alunos a
seguinte questão: antes de comprar um produto ou contratar um serviço, é importante

465
fazer pesquisa de preços, por quê? Tem também a indicação de acesso à um site, onde o
professor encontrará o plano de aula “Brincando de Compra e Venda no Supermercado”.
Caso opte por colocá-lo em prática, simulando junto aos alunos sobre situações de com-
pra e venda, uso do dinheiro e como calcular o troco, poderá proporcionar a turma, um
aprendizado lúdico, significativo onde vivenciarão a matemática no cotidiano.
Finalizando o sétimo bloco, há uma nova indicação para os alunos acessarem a
internet e realizarem uma pesquisa, desta vez, sobre o tema “Doação de Medula Óssea”,
em que os alunos deverão listar o perfil do doador e da pessoa que irá receber a doação,
esclarecimentos sobre a importância deste ato e a quantidade de doações de medula ós-
sea no ano corrente.
O oitavo bloco intitula-se “Mais sobre Geometria” e o tema de cidadania é
“Coleta Seletiva de Resíduos Sólidos” que orienta ao professor acessar o site da “Re-
cicloteca” e estudar conteúdos sobre como cuidar do lixo, selecionar, reaproveitar e
reciclar. Em seguida, trabalhar o tema com os alunos provocando-os a realizarem
uma reflexão sobre o aumento populacional, principalmente, nos grandes centros
urbanos e qual a relação deste crescimento com a produção de lixo. No nono e últi-
mo bloco, “Operações com Números na Forma Decimal”, não constam orientações
sobre o uso de Mídias Digitais.
Ao realizar a análise completa deste livro, constata-se que as orientações para
o uso das Mídias Digitais apresentam-se no decorrer dos blocos e capítulos, e está
em consonância com o que preconizam os estudiosos das mídias e das tecnologias
na educação, bem como os PCNs e a BNCC. Importante pontuar que este é um
livro de uso exclusivo dos estudantes de escolas públicas, no entanto, muitos não
têm em suas residências e até mesmo em muitas escolas, o acesso à internet - por
mais que pareça improvável, a internet ainda não é um recurso de aprendizagem
democratizado porque possui um custo a quem a consome. Sendo assim, o que se
observa no livro didático também é que as orientações de acesso às Mídias Digitais
são realizadas sempre nos temas de cidadania que são temas complementares à ma-
temática, mas que não fazem parte do conteúdo acadêmico prioritário e curricular,
o que pode vir a desmotivar o próprio professor na hora de colocar em prática esse
diálogo entre a tecnologia e a matemática, fazendo com que muitos destes estudan-
tes de escolas públicas permaneçam aquém no que se refere à educação por meio
dos recursos digitais.
Por outro lado, nota-se que essa escolha possa vir a ser proposital por parte da
editora, ao considerar esse contexto dos estudantes de escolas públicas no Brasil, na ten-
tativa de fazer com que a desigualdade de acesso à internet não prejudique tanto o pro-
cesso de aprendizagem destes alunos, o que também é válido. Portanto, ao trabalhar
esporadicamente os temas complementares, esses alunos, ainda que de modo limitado,
teriam acesso à internet.

466
Ainda assim, a abordagem das Mídias Digitais contempla a BNCC que orienta:
“utilizar processos e ferramentas matemáticas, inclusive tecnologias digitais disponí-
veis, para modelar e resolver problemas cotidianos, sociais e de outras áreas de conhe-
cimento, validando estratégias e resultados” (BRASIL, 2017, p.267).
Consultamos o último edital federal de licitação para a aquisição dos livros didá-
ticos das escolas públicas e registramos que os critérios de avaliação para o componente
curricular de matemática advertiam que “a disponibilidade de tecnologias que facilitam
a realização de cálculos e operações não fez diminuir a necessidade da matemática” e que
essas tecnologias devem permitir que se enfatize o raciocínio lógico-matemático (BRA-
SIL, 2015). Desse modo, o edital recomenda que o processo de ensino e aprendizagem da
matemática proporcione aos alunos:

• Interpretar matematicamente situações do dia-a-dia, e também do


mundo tecnológico e científico;
• Utilizar as tecnologias da informação e da comunicação;
• Utilizar com pertinência ferramentas matemáticas em situações do co-
tidiano, de práticas sociais ou das esferas de trabalho, da ciência, da
cultura e da tecnologia de maneira a poder exercer plenamente sua ci-
dadania (BRASIL, 2015, p.60).

Tais critérios foram observados no livro didático em questão, entretanto, de for-


ma superficial e tímida, acreditamos que apenas para cumprir mesmo a exigência do
edital. Ainda assim, acreditamos que as Mídias Digitais poderiam ter sido estimuladas
no livro “A Conquista da Matemática” (2018) para tornar a aprendizagem dos conteúdos
prioritários mais dinâmica, rompendo o paradigma de que este componente curricular
é extremamente técnico, rígido, de difícil compreensão e possível de ser apreendido so-
mente por métodos de decorar fórmulas ou por exercícios maçantes de fixação. Portanto,
seria interessante que este livro apresentasse propostas do uso das Mídias Digitais tais
como plataformas de vídeos, softwares interativos, jogos matemáticos online, aplicativos,
dentre outras possibilidades que auxiliassem na apropriação do conhecimento lógico-
-matemático bem como das questões de cunho social.

Nesse sentido, sobressaímos à importância de buscar novas metodologias


para o ensino da matemática, nas quais, uma das tendências apresentadas
nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (BRASIL, 1998) é justamen-
te a de utilizar os computadores como ferramenta para a utilização de sof-
twares matemáticos no processo didático. Ademais, existem disponíveis na
internet diversos jogos online que podem desenvolver habilidades mate-
máticas, raciocínio lógico, tabuada, e contribuir na elaboração de conceitos
matemáticos, tais como: frações e geometria, que normalmente são vistos
como desinteressantes pelos alunos (MOREIRA et al., 2020, p.59).

467
Para além da indicação e suporte aos docentes nos livros didáticos, a precariza-
ção da estrutura física de determinadas escolas públicas brasileiras pode inviabilizar o
trabalho pedagógico com as Mídias Digitais: falta de laboratórios de informática, aces-
so inadequado à internet, quebra de equipamentos e a falta de manutenção são alguns
exemplos. Todavia, nos casos em que ainda que minimamente exista a possibilidade de
usar as Mídias Digitais como auxílio para o processo de ensino da matemática, ressalta-
mos que elas são potencializadoras da aprendizagem, pois oportunizam a motivação e
apropriação dos conteúdos estudados em sala de aula, tornando este componente curri-
cular mais atraente, real, funcional e menos mecânico para os alunos.

Análise do livro utilizado pela escola privada

Ficha técnica do livro II


Título: Novo Pitanguá Matemática.
Autores: Jackson Ribeiro, Karina Pessôa.
Edição: 1ª.
Editora: Moderna.
Ano de Publicação: 2019.
Público Escolar: 5º Ano - Ensino Fundamental - Anos Iniciais.

Este é o livro adotado pela escola da rede privada. Assim como o livro anterior,
trata-se de um exemplar versão professor, também fundamentado pela BNCC. Ao anali-
sarmos a capa, constatamos que ela não apresenta elementos matemáticos, ao contrário,

468
trazem elementos ilustrativos que mais se aproximam da educação física do quê da ma-
temática, com uma variedade de jogos e um pódio.
No material adicional, isto é, de apoio ao professor, o livro é apresentado como
tendo o objetivo de fornecer conteúdos com uma abordagem atual, abrangente, integra-
da e que considera o aluno como agente do seu próprio processo de aprendizagem. As 46
páginas que compõem o material adicional subdividem-se em: eixos do livro (educação
mão na massa, envolvimento da família, formação cidadã e atitudes para a vida), práti-
cas recorrentes (atividades: em grupo, com cálculo mental, aproximações, estimativas,
arredondamentos ou com calculadora), explanação dos tipos de avaliação (diagnóstica,
formativa e somativa), apresentação da distribuição dos conteúdos, jogos, cartazes e um
adendo sobre o uso da tecnologia como ferramenta pedagógica. Chamou nossa atenção
este último tópico, pois responderia a nossa questão de investigação, sobre como as Mí-
dias Digitais lhes são incorporadas.
Por ser um livro de uso exclusivo de escolas particulares, “Novo Pitanguá Mate-
mática” (2019) não se assemelha ao livro didático adotado pela escola pública no que
corresponde as Mídias Digitais, isso porque as editoras que fornecem livros ao Governo
Federal, Estadual ou Municipal são selecionadas por editais de licitação, desse modo, de-
vem levar em consideração a realidade socioeconômica dos públicos a que se destinam.
Vimos na análise do primeiro livro - utilizado pela escola da rede pública - que as
orientações para o uso das Mídias Digitais são realizadas no decorrer dos blocos e capí-
tulos e ainda assim, somente em temas não prioritários da matemática e com a sugestão
de que esse acesso seja realizado na própria escola.
Já no livro da escola da rede privada, ocorre exatamente o inverso, o livro didático
impresso vem acompanhado do livro didático digital em tecnologia HTML5 que garante
mais fluidez e agilidade para explorar ao máximo os conteúdos. O livro didático digital
é acessível em computador, tablet, celular ou lousa digital. Portanto, podemos concluir
que as editoras subtendem que os alunos de escolas particulares têm acesso irrestrito à
internet e que possuem meios tecnológicos para acessarem o livro digital, uma vez que
suas famílias custeiam seus estudos em escolas particulares.
Para tanto, o livro impresso disponibiliza uma tutoria sobre como acessar o livro
digital, sob alegação de que seja imprescindível para a garantia de um acesso seguro e
responsável tanto para o próprio professor, quanto para os alunos, já que eles serão as-
sessorados pelo professor. A tutoria evidencia que pesquisar na internet não se resume a
inserir palavras-chaves, copiar e colar textos e imagens, mas é essencial desenvolver nos
alunos a criticidade com relação à seleção de conteúdos acessados e às fontes de infor-
mação. Ademais, a tutoria também orienta quanto ao uso de editores de texto, planilhas
eletrônicas, editores de apresentação, redes sociais e fóruns online.
Ao analisarmos os cinco blocos, capítulo por capítulo do livro didático “Novo
Pitanguá Matemática” (2019), não encontramos inferências ao uso das Mídias Digitais,

469
certamente, porque o livro impresso vem acompanhado do livro digital, sendo assim, o
próprio livro já se constitui como uma Mídia Digital. Achamos interessante essa intera-
ção entre os dois formatos de livros porque reconhece que as Mídias Digitais potenciali-
zam a educação escolar por fazer parte da sociedade contemporânea e, respectivamente,
do cotidiano dessa geração de alunos, ao tempo que livro impresso não entra em desuso,
são formatos complementares.

Os softwares atuais de produção de livros digitais permitem a utilização de


diversos recursos audiovisuais interativos como imagens, vídeos e objetos
tridimensionais que tornam mais interessante o conteúdo a facilitam seu
aprendizado (GONÇALVES, 2017, p.10356).

Com a utilização dos dois formatos de livro didático de matemática (impresso


e digital), percebe-se que apesar do surgimento de inúmeras tecnologias e Mídias
Digitais, o livro impresso ainda mantém sua posição de destaque, tendo vencido o
tempo, passado por diversas tendências pedagógicas, reformas de ensino, e se cons-
tituindo como essencial às escolas públicas e privadas. Portanto, “assim como o ma-
nuscrito não substituiu a palavra falada e o impresso não levou a destruição dos usos
da letra de mão, também o computador não destruirá o impresso” (VALDEMARIM;
SOUZA, 2005, p.76).
Enfim, concordamos com Piva Júnior (2013) ao situar que a tecnologia auxiliará
cada vez mais o sistema educacional, pois as Mídias Digitais disponibilizam aplicati-
vos encontrados nos dispositivos eletrônicos que são atrativos à aprendizagem, contudo,
desde que façam parte da cultura e realidade escolar; não se pode negar que alguns pa-
drões tradicionais continuarão, como é o caso do livro didático impresso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As Mídias Digitais que tanto impactam e influenciam a sociedade contemporâ-


nea, sobretudo, pela ludicidade, facilidade de acesso às informações e possibilidade de
interação social, têm sido cada vez mais empregadas no âmbito educacional, seja pelos
professores para pesquisar conteúdos, atualizar conhecimentos e dinamizar os planos
de aulas ou pelos alunos para complementar o processo de aprendizagem.
Entretanto, é importante ressaltar, que de modo geral, o livro didático ainda é o principal
recurso do processo de ensino e aprendizagem, principalmente, dos alunos das escolas públicas
de regiões onde a aproximação com outros meios de aprendizagem ainda não está democrati-
zada. Esse cenário de desigualdade de acesso a recursos digitais ficou bastante evidenciado no
período pandêmico, onde em muitos estados, inclusive na Bahia, no primeiro ano de pande-
mia por Covid-19, a educação da rede privada continuou acontecendo em formato remoto

470
e/ou à distância, enquanto a educação básica da rede pública - com exceção do ensino superior
- foi completamente paralisada. Contudo, foi propósito restrito desta investigação evidenciar
de que forma as Mídias Digitais aparecem em livros didáticos de matemática, e os resultados
encontrados foram satisfatórios no livro didático utilizado pela escola particular e regulares no
livro didático utilizado pela escola pública.
Consideram-se resultados regulares porque as orientações para o uso das Mídias
Digitais encontradas no livro da escola pública foram tímidas e/ou superficiais, ou seja, não
focalizaram especificamente os conteúdos matemáticos, e sim temas de questões sociais
que embora sejam extremamente relevantes, não contemplam o conteúdo curricular em
sua totalidade. Diante dessa constatação, fica evidente que este livro didático ainda tem um
percurso a ser seguido, para que passe a contemplar o uso das Mídias Digitais realmente
para experimentação, problematização e sistematização de conceitos matemáticos.
Por outro lado, sabe-se que o uso de laboratórios de informática, computadores, tablets
e celulares é uma alternativa que encontra seus limites na questão estrutural da escola pública,
financeira dos alunos e instrumental do professor. De nada adianta orientar o uso de Mídias
Digitais como alternativas aos tradicionais livros didáticos se a antiga estrutura se mantém.
Por fim, consideram-se resultados também regulares para o livro empregado pela
escola da rede privada porque o livro impresso não apresenta orientações diretas em
relação ao uso das mídias digitais, no entanto, ele vem acompanhado do livro digital, ou
seja, todos os conteúdos e exercícios podem ser revisados e respondidos de forma online,
tornando a aprendizagem matemática significativa aos alunos.
Reconhece-se aqui, todavia, a necessidade de análise do livro digital que acom-
panha o livro impresso utilizado pela escola privada de ensino para que se confirme ou
não as estratégias a serem utilizadas para o ensino-aprendizagem da matemática através
das mídias digitais, lacuna de pesquisa que se evidencia para ser desenvolvida em uma
pesquisa futura, como continuidade deste estudo aqui iniciado.

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473
DEPRESSÃO E SUICÍDIO EM JOVENS
ENTRE OS ANOS DE 2015 A 2020 NA CIDADE DE JEQUIÉ:
Reflexões sobre essa problemática
no ambiente educacional
Poliana dos Santos Silva
Solange Alves Perdigão

INTRODUÇÃO

Ao longo do tempo passamos por constantes mudanças econômicas, sociais, tec-


nológicas, entre outras. Os sujeitos humanos vivenciam e lidam com essas modificações
de diferentes maneiras, uma vez que, cada pessoa responde de modo único e particular
a essas transformações da sociedade. Entretanto, observa-se que pessoas jovens, afetadas
pela coletividade social em que vivem, têm apresentado cada vez mais sentimentos de
ansiedade, angústia, tristeza e solidão.
No ano de 2019, durante uma das aulas de pós-graduação no Instituto Federal da
Bahia - IFBA, ouvimos falar sobre uma jovem que tentou se jogar da pedra do Curral
Novo, local bastante conhecido na cidade. A partir dessa notícia, resolvi conhecer sobre
o tema Suicídio. Mas, para compreender esse fenômeno, é importante abordar também
sobre a depressão, pois é uma das causas que corrobora para uma ideação suicida.
A Depressão é um tema que tem sido frequentemente abordado nos ambientes de
veiculação de notícias tais como jornais, rádios, televisão, entre outros. É um transtorno
que apresenta diferentes nuances, acometendo indivíduos em distintas condições e fases
da vida. Além disso, se caracteriza como um distúrbio mental que provoca no ser huma-
no reações de profunda tristeza, sofrimento e angústia que podem influenciar na dispo-
sição do indivíduo em realizar tarefas simples do cotidiano (CRIVELATTI; DURMAN;
HOFSTATTER, 2006, p. 65).
Até o período da Segunda Guerra Mundial, a prevalência da depressão ocorria
em pessoas com idade mais avançada (BLAZZER 2000 apud JARDIM, 2011). Depois
desse período, pode-se observar que a faixa etária de pessoas que apresentaram depres-
são diminuiu progressivamente, ou seja, o índice de depressão tem aumentado entre a
população jovem. “As taxas de suicídio são maiores nos jovens hoje do que foram para os
jovens de há trinta anos” (JARDIM, 2011, p. 86).

474
Os estudos apontam que provavelmente quadros de depressão estejam na raiz de
uma parte considerável dos suicídios. É importante ressaltar que a tem um alto índice
de comorbidade, ou seja, normalmente a depressão está acoplada a outras doenças, que
apresentam episódios periódicos, levando a prejuízo físico e psíquico, além de poder
ocasionar a morbimortalidade por suicídio (AMARAL et al., 2007, p.162).
Muitos casos de depressão podem chegar ao suicídio, ação que tem por finalidade
tirar a própria vida. É bastante difícil falar de causas específicas, pois, geralmente o sui-
cídio não é um fenômeno redutível a um ou outro acontecimento em específico. Sendo
assim, é mais coerente falar em fatores de risco, ou seja, fatores que tornam maior o risco
de autoextermínio.
Nesse sentido, dentre os principais fatores que tornam maior o risco de suicídio
destacam-se o transtorno de estresse pós-traumático, os transtornos de personalidade, a
dependência química e a esquizofrenia. Além disso, certas doenças aumentam o risco de
suicídio como os distribuídos neurológicos, o câncer e a infecção por HIV (BERTOLO-
TE; SANTOS; BOTEGA, 2010, p.588).
Porém, o significativo aumento do número de casos de suicídio entre jovens é
preocupante, podendo estar relacionado a outros fatores, a saber: a crise econômica, as
exigências do sistema de trabalho, a estrutura familiar que tem se modificado ao longo
do tempo e diversos outros acontecimentos sociais que favorecem o fenômeno da de-
pressão (BLAZER, 2000 apud JARDIM, 2011, p. 87).
A depressão, bem como o suicídio, exerce impacto não só na vida de quem sofre
o dano, mas também na vida da família e dos amigos próximos. Ao mesmo tempo, cons-
titui prejuízos para a sociedade, visto que, investimentos indispensáveis à formação do
sujeito como cidadão de diretos foram perdidos devido à morte precoce ocasionada pelo
suicídio (SOUZA et al., 2011, p. 295).
Além disso, cabe observar que a valorização do indivíduo no mercado de trabalho
gera nele a busca incessante por uma formação contínua, na qual agregue ao seu currí-
culo, no intuito de enriquecer suas habilidades e competências, cursos e especializações.
Paralelo a isso, segundo Corbanezi (2018)

Os indivíduos, para se manterem socialmente valorizados e economica-


mente produtivos e rentáveis, segundo a lógica concorrencial determinada
pelo mercado, precisam perseguir incansavelmente o imperativo “investi-
mento-crescimento”. Não são apenas os investimentos em educação for-
mal – tais como escolarização, cursos profissionais e idiomáticos, especia-
lizações e programas de treinamento no trabalho – atendem tal demanda;
as relações de amizade, o tempo de lazer, o tempo de afeto dedicado aos
filhos, a possível constituição do equipamento genético deles mediante a
escolha do parceiro conjugal adequado, até, evidentemente, o cuidado com
a própria saúde constituem formas de investimento cujo efeito esperado é a
rentabilidade futura (CORBANEZI, 2018, p.345).

475
Nesse sentido, se estabelece uma nova razão para o indivíduo se sentir valorizado
socialmente, ou seja, além dos investimentos feitos para atender a lógica do mercado
capitalista, o ser humano ainda precisa investir nas suas relações interpessoais e no bem-
-estar da própria saúde, seja ela física ou mental. Tais demandas da sociedade podem
acarretar uma sobrecarga emocional.
Observa-se a transição de uma sociedade fordista, na qual predominava o tra-
balho braçal para uma sociedade neoliberal, cuja concorrência exige que o trabalhador
seja multitarefas, flexível e capacitado para o mercado. Além disso, para a doutrina so-
cioeconômica das sociedades capitalistas, a depressão é mero desinvestimento coletivo
e individual, ainda que outras áreas, tal como a farmacêutica, se beneficiem com isso
(CORBANEZI, 2018).
Assim, a relação entre sofrimento psíquico e sociedade é próxima, uma vez que
atribui ao indivíduo, unicamente, a responsabilidade pelo sucesso social (CORBANEZI,
2018), ou seja, a depressão, ainda que indiretamente, resulta da construção de um ideal
contemporâneo do capitalismo.
Dessa forma, cria-se um novo modelo de subjetividade, instaurando nas pessoas
um modo de refletir suas opiniões a partir do que é (im)posto pela sociedade. Isso reflete
na vida de muitos jovens que estão iniciando sua carreira profissional e se deparam com
a necessidade de inovar o tempo todo para alcançar uma lógica motivada pela concor-
rência comercial.
Diante do exposto, a observação feita sobre casos de depressão e suicídio entre
jovens, me levou a ter interesse pelo tema, o qual é de grande relevância para os estudos
científicos. A cada ano que passa os índices de pessoas depressivas e ansiosas, princi-
palmente grupos de adolescentes apresentam um aumento significativo. Dessa forma,
torna-se necessário investigar sobre esse distúrbio e as mudanças que ocorreram durante
os últimos tempos.
Diante da observação de que existe um crescimento do número de jovens que
sofrem com a depressão e cometem suicídio, optamos por conhecer melhor a temática
do suicídio na população juvenil e, para isso, questionamos em que medida houve au-
mento da incidência de suicídio juvenil na cidade de Jequié e que relações poderiam
ser estabelecidas entre esse fenômeno e a educação escolar.
Ao decidir por essa temática, visamos analisar a possível ocorrência de crescimen-
to da incidência de suicídio juvenil na cidade de Jequié nos últimos cinco anos. Com os
seguintes objetivos específicos: Identificar quantitativamente se houve crescimento do
suicídio na população jovem entre os anos de 2015 a 2020 na cidade de Jequié e analisar,
de forma geral, a relação entre a educação e o aumento do fenômeno da depressão e do
suicídio em jovens.
Levantar a importância do estudo desse fenômeno para a sociedade é compreender que
esse problema não é novo, mas que precisa ser revisto. Os estudos nos aproximam de respostas

476
para muitas das interrogações, as quais pairam acerca de algo incompreendido. À vista disso,
nesta pesquisa, buscamos conhecer mais sobre o assunto e seu significativo aumento entre
pessoas de faixa etária jovem.

ABORDAGEM METODOLÓGICA

A metodologia é uma das molas propulsoras de uma pesquisa, a qual está radi-
cada na trajetória percorrida por quem a investiga, desde as alternativas tomadas para
conhecer o fenômeno a ser estudado até os meios que sucederão determinada análise.
Para isso fizemos uma pesquisa bibliográfica com análise documental.
Pensar a pesquisa documental é pensar em investigação, pois é através dela que o
pesquisador irá averiguar documentos com a finalidade de extrair informações que pos-
sam colaborar para a compreensão do fenômeno. Segundo Le Goff (1990), a habilidade
do historiador consiste em retirar do documento apenas aquilo que o mesmo oferece,
sendo fidedignas as informações que ali estão.
Por esse viés, para identificar quantitativamente o número de casos de suicí-
dio entre jovens no município de Jequié, analisamos as ocorrências policiais feitas
nos últimos cinco anos. O documento foi obtido através do Setor de Estatística da
9ª Coorpin (Coordenadoria Regional de Polícia do Interior) - Delegacia Territorial
de Jequié.
Fundado em 1897, o município de Jequié está localizado na região Sudoeste da
Bahia, cerca de 365 quilômetros de Salvador, capital do estado, e possui aproximadamen-
te 156.126 habitantes. Situa-se entre a zona da mata e a caatinga. Atualmente é composta
por cento e vinte e quatro escolas municipais, dezenove estaduais, setenta e nove priva-
das e uma federal.
Nesta pesquisa, para compreender o aumento do fenômeno da depressão e do
suicídio em jovens e a relação disso com a educação, fizemos uma revisão bibliográfica
sobre as incidências ocorridas com o público jovem ao longo do tempo. Na busca dos
textos utilizamos os seguintes descritores: depressão e suicídio na adolescência, suicídio
entre jovens e depressão. A revisão bibliográfica é um dos meios em que reunimos in-
formações importantes tiradas de material teórico confiável para investigar o problema
da pesquisa.
Para analisar a relação entre suicídio e educação, partimos de uma revisão biblio-
gráfica sobre o tema, buscando construir uma relação entre o que ocorre no ambiente
educacional que pode colaborar com a maior incidência da depressão ou, ao contrário,
prevenir tal fenômeno e promover maior bem-estar e saúde mental.

477
RESULTADOS

Cada tempo histórico deixa suas marcas nas gerações que o compõem. As experi-
ências vividas no evoluir histórico constroem caminhos que refletem no tempo presente.
Dessa forma, fazemos história a todo o momento, com as diferentes gerações que se rela-
cionam entre si. Contudo, percebemos que os impactos gerados pela sociedade têm coo-
perado para situações de jovens cada vez mais sobrecarregados, ansiosos e preocupados.
No Brasil, de 2011 a 2017, foram registrados cerca de 80.352 óbitos por suicí-
dio em pessoas cuja faixa etária estavam entre 15 a 29 anos. Entre esses anos, obser-
vou-se um aumento de 10% na letalidade por suicídio. Além disso, verificou-se que
79% dos casos ocorreram em pessoas do sexo masculino e 21% do sexo feminino
(BRASIL, 2019, p. 8).
Ademais, algumas características foram destacadas, uma delas refere-se ao nível
de escolaridade dos jovens que cometeram suicídio. Na análise feita do grupo masculino,
58% possuíam de 4 a 11 anos de estudo, ou seja, o perfil de escolaridade perpassava do
ensino fundamental ao ensino médio e cerca de 6,9% obtinham nível superior incomple-
to ou completo. No grupo feminino, 57,9% dispunham de 4 a 11 anos de estudos e 13,2%
possuíam nível superior incompleto ou completo (BRASIL, 2019, p.10).
Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2019), houve um aumento no número
de óbitos por suicídio nos anos de 2011 a 2017. Comparando esses anos, a Bahia apresen-
tou variação percentual de 11% na taxa de mortalidade por suicídio em jovens entre 15
e 29 anos. Outros estados que alcançaram acréscimo considerável no percentual da taxa
de mortalidade foram Mato Grosso do Sul e Roraima.
Assim, durante a pesquisa fez-se necessário realizar um levantamento sobre o
quantitativo de casos de suicídio em jovens na cidade de Jequié entre 2015 a 2020. Um
dos primeiros locais para busca de dados foi a Secretaria de Saúde do município. No en-
tanto, observou-se que não havia nenhum documento em que constassem esses dados.
Nesse sentido, para Brito et al. (2020), há um silenciamento em relação a essa proble-
mática por parte dos órgãos de saúde, embora eles sejam responsáveis pela prevenção e
assistência à saúde.
Por conseguinte, foi necessário o deslocamento até a delegacia de polícia da região
na busca pelos dados para a pesquisa. Apesar de ser um tema importante, poucos traba-
lhos foram encontrados para colaborar com este estudo, mas apesar das dificuldades, foi
possível obter êxito com a procura do documento.
Dessa forma, para analisar o quantitativo dos casos de suicídio na cidade, utilizou-
-se os dados das ocorrências policiais, concedida pelo Setor de Estatística da 9ª Coorpin
- Delegacia Territorial de Jequié no período de 2015 a 2020. A princípio realizou-se um
levantamento do total de casos para assim identificar os episódios ocorridos apenas com
jovens entre 15 a 35 anos.

478
É importante destacar que os dados obtidos no ano de 2015 só foram computados
a partir do mês de outubro, pois, de acordo com o responsável pelo setor de estatística
o programa de computação, só foi implementado no segundo semestre do referido ano.
A figura a seguir demonstra o total de casos ocorridos ao longo dos anos. Pode-
-se observar uma alternância no número de ocorrências, os quais foram oscilando em
decrescente e crescente, destacando-se o ano de 2019 com o que obteve maior índice.

Do total examinado, 44,8% correspondem ao perfil de jovens cuja faixa etária está
entre os 15 a 35 anos e 6,8% estavam sem a informação da idade. Foi possível constatar
uma predominância do suicídio no público masculino, com 86,2% das ocorrências, en-
quanto com o sexo feminino foram registradas 13,8%, confirmando a tendência brasilei-
ra de predomínio de casos do sexo masculino.
Segundo Bahls e Bahls (2002 apud BIAZUS; RAMIRES 2012, p.84), os quadros
depressivos ocorriam em maior escala em pessoas do sexo feminino, ou seja, no que se
refere aos casos de depressão, o público feminino representa montante mais significativo
do que os homens. No entanto, o diferencial nessa situação é que as mulheres chegam
menos facilmente ao extremo do suicídio, talvez porque estejam mais acostumadas a
falar sobre seus sentimentos, a buscar ajuda profissional, a não esconder sofrimento psí-
quico e isso pode não ser diferente no município de Jequié.
Ademais, a depressão e o suicídio em adolescentes é algo complexo que vem aos
poucos ganhando visibilidade devido aos crescentes índices de ocorrência na categoria
de pessoas jovens. No Brasil a média de estudantes com sintomas depressivos ocupa um
patamar significativo. Segundo Ribeiro e Moreira (2018, p. 283), esse predomínio justifi-
ca-se por uma vulnerabilidade estrutural, decorrente do crescente processo de urbaniza-
ção, acompanhado da exclusão social nas distribuições de recursos e de oportunidades.

479
Depressão e suicídio: temas que ainda são tabus na escola

Diante disso, a escola se torna parte fundamental no processo de análise da socie-


dade e do papel do estudante nessa sociedade, visto que, é um dos primeiros ambientes
de convivência e interação social. A escola, tradicionalmente, é vista como instituição
reprodutora de ideologia, assim como também de crítica a ela. Há pessoas que acreditam
que a escola deve "preparar para o mercado" e, nesse sentido, adequar o currículo aos
interesses deste mercado.
A escola tem como papel social, além da transmissão dos conhecimentos cientí-
ficos produzidos pela humanidade de uma geração à outra, a constituição do sujeito e a
formação do cidadão para convivência social. Além disso, é vista como local para cons-
trução das identidades, de inclusão social, entre outros. Segundo Barreto (1993 apud
Ribeiro, Oliveira e Coutinho 2007, p. 426), “[...] a depressão representa uma inadaptação
ou um apelo ao socorro, bem como uma possível consequência da violação de mecanis-
mos culturais, familiares e escolares”.
Nesse sentido, o professor está numa posição favorável para perceber mudanças
de humor, gestos e atitudes dos alunos. Contudo, segundo Brito et al., (2020, p.2), ainda
existe silenciamento, minimização do problema e despreparo por parte dos educadores
para lidar com essas mudanças.
A criança e o adolescente encontram-se num ambiente idealizado pela sociedade,
cujo objetivo seria enquadrar e ajustar pessoas a um padrão social. Devido a isso, muitas
vezes os sentimentos dos alunos ficam de lado, ora por achar que o ambiente não é re-
cinto para dialogar sobre seus problemas ora pelo fato de entender que o professor não
saberá lidar com a situação (COUTINHO; CARNEIRO; SALGUEIRO, 2018, p. 187).
Assim, é importante refletir sobre o papel do professor diante da questão da saú-
de mental no espaço escolar. É tarefa dos educadores lidar com essa questão ou não?
Segundo Totes et al. (2018), por muito tempo, o trabalho do professor foi reduzido a
uma única função, a de transmissão do conhecimento. E o estudante passa a ser per-
cebido por eles de forma fragmentada, considerando apenas o seu aspecto cognitivo e
desprezando a ideia de que a aprendizagem depende também de fatores emocionais,
biológicos e sociais.
Nesse sentido, observa-se que no campo educacional existe um universo de si-
tuações que colaboram para o afastamento entre o professor e aluno o que termina por
dificultar a detecção e a intervenção nos casos de ideação até o ato suicida. De acordo
com Brito et al. (2020, p.2), os estudantes apresentam sinais de alerta quando algo está
acontecendo e esses sinais poderiam ser melhor percebidos pelos professores caso rece-
bessem formação para isso.
É necessário falar sobre a depressão e ouvir os educandos nos momentos críti-
cos de suas vidas, compreender suas particularidades e ajudá-los com suas inquietações.

480
Conforme Coutinho, Carneiro e Salgueiro (2018, p.186) “escutar as crianças e os adoles-
centes pode ter uma potência transformadora”. Contudo, nota-se que ainda existe uma
imobilidade na abertura de falas entre professor e aluno e entre jovens e sociedade sobre
a depressão e suicídio. O tema ainda é socialmente significado como tabu.
Além disso, em contraponto às dificuldades de comunicação entre aluno e escola,
a mídia passou a ocupar papel significativo na construção da formação do jovem. A fa-
cilidade do acesso às mídias trouxe uma carga maior de informações para esse público,
que muitas vezes não sabe filtrar as notícias e definir como utilizá-las nas relações inter-
pessoais (ROCHA, 2017).
A escola por muito tempo foi compreendida como espaço de doutrinação, na qual
visavam moldar indivíduos a um padrão social. Assim, reproduzia valores liberais como
o individualismo, a competição e o afastamento entre as pessoas, o que colaborava para
o distanciamento físico e a socialização por meio do contato virtual (ROCHA, 2017).
Com os avanços tecnológicos e a globalização, as pessoas têm se aproximado cada
vez mais do mundo virtual. A facilidade do acesso às mídias proporcionou ao ser huma-
no compartilhar informações em tempo real e viver cada vez mais relacionando-se com
pessoas através das redes sociais (ROCHA, 2017, p. 20009).
Com isso, as relações pessoais, as vivências e a forma de refletir sobre determina-
das situações se modificaram, ou seja, além das mídias influenciarem opiniões, sejam
elas de forma positiva ou negativa, contribuíram para o distanciamento físico entre as
pessoas. Assim, ao analisar a relação de três instituições que são fundamentais no pro-
cesso de formação do jovem o autor Setton (2002) afirma que

A educação no mundo moderno não conta apenas com a participação da


escola e da família. Outras instituições, como a mídia, despontam como
parceiras de uma ação pedagógica. Para o bem ou para o mal, a cultura de
massa está presente em nossas vidas, transmitindo valores e padrões de
conduta, socializando muitas gerações (SETTON, 2002, p.109).

Portanto, o papel da escola é de extrema importância na formação do jovem cida-


dão, mas esse papel não se restringe apenas ao ambiente de ensino. A educação familiar
e os meios de comunicação compartilham da mesma relevância na construção social do
ser humano.
Dada essa importância, a escola atual não está lidando apenas com questões edu-
cacionais de aprendizado, as quais são pautadas no currículo, mas com um conjunto de
situações que interferem na vida do jovem e que podem acarretar uma sobrecarga de
sentimentos e sensações.

481
Contribuições da escola para o enfrentamento a depressão
e ao pensamento suicida em jovens

Na maioria dos ambientes educacionais observa-se que existem barreiras entre


aluno e professor como, por exemplo, as dificuldades no diálogo sobre determinados
assuntos, a falta de projetos que possibilitem trabalhar questões relacionadas à depressão
e ao suicídio, entre outros. Nesse sentido, algumas medidas podem ser adotadas.
No Brasil, existe, ainda que pouco conhecido, uma articulação entre profissionais
de saúde e educação para tratarem de problemas complexos no ambiente educacional.
Este trabalho tem como objetivo promover ações de prevenção e levantamento das cir-
cunstâncias de saúde dos educandos. De acordo com Brito et al. (2020)

Devido ao contato mais próximo às famílias, a Estratégia Saúde da Família


(ESF) juntamente com as escolas, por meio do Programa Saúde na Escola
(PSE), podem se constituírem espaços de prevenção do comportamento
suicida entre adolescentes, tendo como apoio a atuação dos professores
(BRITO et al., 2020, p. 2).

Nesse sentido, a realização de trabalhos interdisciplinares e o apoio dos profis-


sionais de saúde no combate à depressão e à ideação suicida contribuem para o geren-
ciamento dessa temática pelos educadores no espaço escolar. Apesar de observar que
ainda há muitos desafios pela frente, o enfretamento dessa problemática é essencial para
a manutenção da saúde mental dos jovens.
Conforme Brito et al. (2020), é indicado que os trabalhos sejam realizados em
equipe, ou seja, os profissionais de saúde devem estar envolvidos na construção do Proje-
to Político Pedagógico da instituição que adotar o Programa Saúde na Escola. Esse envol-
vimento faz com que os profissionais compartilhem das ações e resultados encontrados
dentro de determinado ambiente de ensino.
Em contrapartida, ainda existem dificuldades na realização do Programa Saúde
na Escola, pois alguns setores acabam desenvolvendo um trabalho de forma isolada, por
isso, Brito et al. (2020) afirma que

[...] é preciso superar essa fragmentação e buscar a intersetorialidade, en-


tender a necessidade de uma gestão compartilhada e do trabalho em rede,
com a inclusão de novas abordagens e de uma perspectiva transversal.
Além, é claro, de um novo olhar sobre o processo saúde-doença no con-
texto escolar, baseado em estratégias de promoção e prevenção da saúde
(BRITO et al., 2020, p. 6).

Desse modo, é fundamental inserir o programa nas instituições de ensino com o


intuito de ampliar o conhecimento dos educadores, bem como solucionar o desmembra-
mento entre os setores da saúde e da educação.

482
Em Portugal, um projeto de intervenção chamado + Contigo objetiva promover
saúde e bem-estar para crianças e adolescentes no ambiente escolar, bem como au-
mentar os conhecimentos dos profissionais da educação a respeito da depressão e do
suicídio. Desse modo, a implantação de projetos que possibilitem investigar e colabo-
rar para a manutenção da saúde mental dos jovens é de extrema importância (ERSE et
al., 2016, p.40).
O Documento Curricular Referencial da Bahia para Educação Infantil e Ensino
Fundamental (DCRB) apresenta o projeto de vida que auxilia adolescentes que estão na
transição do 9° ano do ensino fundamental para o 1° ano do ensino médio a se conhece-
rem e encontrarem propósitos para conquistarem seus sonhos. É um processo estrutural
e gradual que envolve tempo e muita reflexão.
Paralelo a isso, a escola deve ter o cuidado na condução do projeto de vida, visto
que, deve ser levado em consideração as diferentes singularidades, histórias e vivências
existentes na vida de cada adolescente. Nesse sentido, o projeto de vida aproxima a es-
cola das particularidades de cada aluno e com isso os ajuda no processo de construção e
desenvolvimento de suas potencialidades. Além disso, interliga os seus sonhos e desejos
individuais com as demandas solidificadas da sociedade.
É importante destacar que o objetivo do projeto de vida consiste em desenvolver
no jovem um protagonismo sobre sua vida e sobre o seu futuro, criando uma conexão
para além do ambiente educacional, ou seja, preparando esse adolescente para as duali-
dades do mundo do trabalho. Dessa forma, a escola como espaço de sociabilidade social
está colaborando com os aspectos emocionais desses jovens que são fundamentais ao
longo da vida.
Assim, além dos programas institucionais, cuja finalidade pauta-se na saúde men-
tal dos jovens, faz-se necessário a inclusão de projetos que favoreçam o conhecimento e
os cuidados com esse público.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A princípio, pensamos em fazer uma pesquisa de campo em que pudéssemos co-


letar dados diretamente com as pessoas que convivem no espaço escolar. Assim preten-
díamos conhecer suas perspectivas sobre a depressão, a ideação suicida, o suicídio e o
aumento do número dessas ocorrências no ambiente escolar no município de Jequié. Po-
rém devido à pandemia da Covid-19 tivemos que seguir com uma pesquisa documental
e bibliográfica no intuito de colaborar com pesquisas posteriores.
O debate sobre o tema ainda está em um patamar muito incipiente e necessita de
reflexões sobre o constante aumento de casos de depressão e suicídio na cidade de Jequié
e em todo o país. Abrir espaços de diálogo sobre assuntos que afetam a saúde mental do
jovem colaboram para o enfrentamento a essa doença.

483
Com a proximidade da fase adulta, há um aumento de demandas sociais que exi-
gem mais responsabilidade do indivíduo. No entanto, nem todos sabem lidar com as
modificações da vida. Nesse sentido, a colaboração dos pais é fundamental, pois viver
num ambiente que promove a expressão da afetividade colabora com o enfrentamento
às demandas externas que podem fragilizar o jovem.
Outrossim, a educação é parte fundamental no processo de estreitamento dos la-
ços entre professor e aluno, o que contribui para o enfretamento da depressão nos am-
bientes educacionais. Porém, nota-se que a escola atua prioritariamente na dimensão
intelectual, em detrimento de outros fatores, tais como o emocional, o biológico e o
social; dos quais depende o desempenho intelectual. Além disso, podemos observar que
as novas exigências do mercado de trabalho desenvolvem no jovem uma necessidade de
alcançar uma vida social de sucesso, motivada principalmente pelo modelo contempo-
râneo do mercado capitalista.
Ademais, foi percebido que há uma tendência de crescimento nas ocorrências de
suicídio em jovens na cidade de Jequié, o que segue a mesma tônica de grande parte do
país. Isso decorre, dentre outros fatores, devido ao silenciamento que existe por parte
dos órgãos municipais, como a secretaria de saúde e de educação, bem como da carência
de apoio aos jovens por meio das famílias e equipes de profissionais das escolas. Dessa
forma, é necessário um engajamento com os diferentes setores para um trabalho efetivo
e aplicável nos ambientes de ensino, visando uma maior sociabilização do assunto e,
consequentemente, o enfrentamento a essa problemática.
Com o crescimento da globalização, o uso das novas tecnologias já emerge na maio-
ria dos ambientes educacionais e passaram a desempenhar um papel fundamental na vida
de muitos adolescentes. Nesse sentido, as mídias sociais têm ganhado destaque, visto que
são ferramentas formadoras de opiniões, o que implica diretamente na vida social dessas
pessoas. Diante disso, as influências negativas, a cultura de massa e o distanciamento físico
estabelecido pelas mídias sociais são fatores que podem contribuir para a emergência ou
intensificação da depressão em muitos jovens. Sendo assim, é necessário que a escola atue
de forma interdisciplinar para ensinar a maneira saudável do uso das mídias dentro e fora
da escola, bem como a filtrar informações e utilizá-las de maneira correta.
São tempos difíceis, de muita instabilidade social, em que os jovens precisam de
uma rede de apoio que não seja inerente a apenas um espaço. É necessário realizar tra-
balhos conjuntos, escola, rede de atenção à saúde, família e todo o coletivo, pois todos
somos responsáveis pela construção da sociedade presente e futura.
É importante ressaltar, no que concerne à temática, que muitas lacunas ainda per-
manecem abertas. Por isso, salienta-se que o início deste estudo visava a compreender o fe-
nômeno do crescimento da depressão e do suicídio em jovens, de forma específica na cida-
de de Jequié. Haja vista a amplitude do tema, cabe ainda em pesquisas futuras uma análise
mais abrangente acerca da saúde mental dos jovens dentro e fora do ambiente educacional.

484
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486
O USO DE TEXTOS DA REVISTA COTOXÓ
EM SALA DE AULA:
Uma proposta pedagógica
Domingos Ailton Ribeiro de Carvalho
Elane Nardotto Rios
Lafayete Rios

INTRODUÇÃO

Mesmo com ascensão da mídia eletrônica nos dias atuais, o uso de jornais e revis-
tas impressos como suporte pedagógico em sala de aula tem grande importância para o
ensino e a aprendizagem.
A utilização de notícias, reportagens, artigos de opinião, crônicas, charges, tiri-
nhas e editorias em sala de aula é um relevante apoio pedagógico, uma vez que jornais
e revistas impressos estão mais atualizados do que o livro didático, que leva no mínimo
dois anos de sua produção até a seu uso em sala de aula. Além disso, contém temáticas
regionais que geralmente não estão no livro escolar. Desse modo,

A ferramenta pedagógica, que se utiliza com o uso do jornal em sala de


aula, prioriza o desenvolvimento acadêmico pela informação e tem como
objetivo originar uma leitura mais crítica, assim como, esclarecer ao aluno
a realidade dos problemas sociais, propiciar o desenvolvimento do racio-
cínio, aumentar a capacidade de questionamentos e abranger o conteúdo
cultural ( HAMZE, 2019, pág. 1).

Nessa perspectiva, este estudo objetiva discutir a utilização da mídia impressa


(jornal e revista) em sala de aula como ferramenta didática e apresentar uma proposta
pedagógica interdisciplinar para professores do ensino fundamental II e do ensino mé-
dio tendo como suporte textos da Revista Cotoxó, publicação de periodicidade mensal,
sediada em Jequié, interior baiano.
O interesse por essa temática é em decorrência da minha experiência profissional
tanto no jornalismo quanto na docência. Muito antes da minha formação em Letras pela
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) – campus de Jequié, já atuava como
repórter profissional. O jornalismo passou a fazer parte da minha vida ainda na adolescência

487
com a criação do informativo “Coração de Estudante” em 1985, do Centro de Estudan-
tes Universitários e Secundaristas de Jequié (CEUSJE), entidade que presidia na época,
e “Jornada Estudantil” do Grêmio Estudantil Dinaelza Coqueiro, entidade que também
fui presidente um ano depois. Em 1986, também passei a cobrir as sessões da Câmara
de Vereadores de Jequié, na condição de foca (termo usado no jargão jornalístico para o
jornalista no início de carreira) para a Sucursal do Jornal “Tribuna da Bahia”, gerenciada
por Maneca Sampaio.
Em 1987, em decorrência de um artigo que fiz intitulado “Os destinos da juven-
tude brasileira”, à pedido de Pedro Nogueira para o Jornal “O Rascunho”, fui convidado
pelo proprietário desse veículo, Fransciney Vieira, para escrever reportagens nessa mídia
de periocidade mensal. Por conta da repercussão dos meus textos, fui convidado em
1989 pelo editor Álvaro Araújo, do semanário “Jornal Sudoeste”, para trabalhar como
repórter desse periódico; criei em 1994 o informativo “O Ecológico” do Grupo Ecológico
Rio das Contas -GERC, que passou a ser utilizado por muitos professores como suporte
pedagógico para o trabalho de educação ambiental.
Em 2000, ao ingressar por concurso público na Rede Estadual de Ensino da Bahia,
na condição de docente, fui designado pela coordenação pedagógica do Colégio Esta-
dual Luiz Viana para ministrar, dentre outras, a disciplina Jornal na Escola cuja experi-
ência foi muita rica. Criei um jornal impresso na escola, que publicava as três melhores
redações dos alunos e levava textos de jornais e revistas para leitura e discussão em sala
de aula.
No ano seguinte, 2001, participei de um congresso sobre o uso pedagógico do jor-
nal e da revista em sala de aula na Unicamp, em Campinas, interior de São Paulo, onde
tive oportunidade de assistir palestras de relevantes estudiosos da utilização na mídia
impressa em sala de aula e de adquirir publicações sobre o tema.
No ano de 2008, criei a Revista “Cotoxó”, que passou a reunir desde profissionais
que escrevem há mais de 70 anos para jornais e revistas de Jequié e Salvador - a exemplo
do veterano historiador e professor Émerson Pinto de Araújo, de 95 anos, do jornalista
e cartunista Carlos Éden, do professor e jornalista Raimundo Matos e do cantor Charles
Meira - a profissionais de diversas áreas e do sexo feminino como: Kelly Costa, Adriana
Abreu, Ieda Sampaio, Dalva Rebouças e Elane Nardotto.
Percebi que muitos professores, tanto na UESB quanto no ensino fundamental e
médio, passaram a utilizar os textos da Revista “Cotoxó” em suas aulas; daí, então, surgiu
a ideia de elaborar uma proposta metodológica, tendo a revista como suporte pedagó-
gico, contribuindo assim para prática docente no ensino fundamental II e ensino médio
no incentivo à leitura e à produção textual.
Com isso, o corpus de pesquisa envolve um conjunto de métodos utilizados ante-
riormente, em outros estudos, os autores lidos e a vivência de mundo que tenho expe-
rimentado na utilização do texto jornalístico em sala de aula. Esta proposta pedagógica

488
tem um perfil interdisciplinar, uma vez que é destinada a professores de todas as áreas do
conhecimento do ensino fundamental II e ensino médio (ANEXO 1).

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Nesta seção, compartilho os fundamentos teóricos que alicerçam esta pesquisa de


modo a dialogar com as abordagens dos pesquisadores e, assim, garantir uma análise e
uma defesa, a partir desses estudos, para a proposta pedagógica, objeto de investigação.

A importância do jornal e da revista como suporte pedagógico


em sala de aula

No livro “Como usar o jornal na sala de aula”, de Maria Alice Faria, há uma pas-
sagem da jornalista argentina Roxana Murdochowicz que, à sua vez, define a mídia
impressa como “janelas de papel”, uma vez que, de acordo com a autora, por meio des-
sas janelas, o estudante “pode atravessar as paredes da escola e entrar em contato com
o mundo e atualidade. Jornais e revistas são, portanto, “mediadores entre a escola e o
mundo” (FARIA, 2002, p.11).
Já T. Silva (2008) destaca a importância do discurso jornalístico e enaltece três
vertentes para o ensino. A primeira é a vertente linguística, já que a mídia impressa é
constituída de ricas e diferenciadas tipologias textuais (argumentativa, dissertativa, nar-
rativa e descritiva) e apresenta um tipo de gramática exclusiva. A segunda refere-se às
relações entre as partes ou cadernos, as palavras e as imagens. A terceira vertente é cog-
nitiva e traz a possibilidade de atualização do conhecimento, análise e crítica.
Pavani (2002), por sua vez, aponta os benefícios que um programa de leitura de
jornais e revistas em sala de aula pode proporcionar para os alunos, tais como:

-Desenvolver o gosto e o hábito de leitura de jornal;


-Estimular o aluno à discussão de sua realidade, desenvolvendo o espírito,
pensamento lógico e criativo, tendo em vista a formação de cidadão cons-
ciente e participante;
- Promover a integração entre currículo escolar e a realidade do dia-a-dia;
- Conscientizar e promover o exercício da cidadania, discutindo os proble-
mas da comunidade e buscando soluções;
-Atender à proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais que indicam a
utilização dos “Textos do Mundo” em sala de aula (PAVANI, 2002, p. 22).

Nesse sentido, com o exercício de leitura, reflexão e análise do conteúdo dos tex-
tos jornalísticos, os alunos poderão debater e ter uma visão crítica das notícias que são
publicadas pelos veículos de comunicação, para que possam entender que a produção
jornalística não é neutra, considerando que o

489
[...] acontecimento passa por uma série de filtragem, de mediadores de
diversos tipos até chegar ao leitor/ouvinte/espectador. Os jornalistas sele-
cionam os dados, recortam os fatos de um contexto e os reconstroem em
outro contexto: o das páginas do jornal ou das transmissões de rádio e TV
(FARIA,2002, p. 15).

Do fato até sua publicação, na maioria das vezes, o texto passa por uma série de
modificações: da fonte que apresenta sua versão, da apuração e da produção jornalística
do repórter, do editor que indica qual espaço que terá a matéria no veículo de comuni-
cação e do copidesque ou redator. Muitas pessoas, entretanto, acreditam que tudo que é
veiculado na imprensa é verdade ou a verdade sobre o fato. O mito da objetividade das
notícias impressas ou eletrônicas faz com que o leitor, ouvinte ou telespectador confie
inteiramente no que é divulgado na mídia.
Com essa informação, o docente, em sua prática pedagógica, tem a oportunidade
de debater com os estudantes o caráter ideológico, político e social de cada jornal ou
revista, enquanto empresa, que veicula as notícias. Uma ótima oportunidade para colo-
car “em prática” as indicações de Bakhtin (2003) de que todo discurso atravessado pelas
condições de produção preeminentes dos gêneros do discurso:

Alternância dos sujeitos do discurso” materializada na “ativa atitude res-


ponsiva”, em que os interlocutores são produtores de sentido; “conclusi-
bilidade”, cuja referência é dada pela “vontade discursiva” do falante, pelas
relações entre os interlocutores e pelo tema do enunciado; “endereçamento
do discurso”, em que o falante imprime nele um “tom valorativo emocio-
nal”, visto que vai levar em consideração as “visões de mundo, antipatias,
simpatias” do ouvinte de seu discurso (BAKHTIN, apud NARDOTTO,
2015).

As indicações acima vêm ao encontro do que o jornalista Clóvis Rossi, no livro


“O que é jornalismo” estabelece como diferença entre fato e versão. A versão sempre vai
considerar as condições de produção discursiva, afinal,

[...] entre o fato e a versão que dele publica qualquer veículo de comunica-
ção de massa há a mediação de um jornalista (não raro, de vários eventu-
almente opiniões muito firmes a respeito do próprio fato que está testemu-
nhando, o que leva a ver o fato de maneira distinta de outro companheiro
de formação, background e opiniões diversas. É realmente in viável exigir
dos jornalistas que deixem em casa todos esses condicionamentos e se
comportem diante da notícia, como profissionais assépticos, ou como a ob-
jetiva de uma máquina fotográfica, registrando o que acontece sem impri-
mir, ao fazer o seu relato, as emoções ou as impressões puramente pessoais
que o fato neles provocou (ROSSI, 2007 p. 10).

490
Nessa perspectiva, a sala de aula deve ser o espaço para a reflexão crítica da leitura
das notícias e dos artigos de opinião dos jornais e revistas, contribuindo para que o aluno
tenha consciência do processo de produção de um texto jornalístico. Os livros didáticos,
nesse contexto, quando trazem notícias de jornais e revistas em suas páginas, geralmente
apresentam textos cortados, o que não contribui para formar leitores da mídia impressa.
A minha sugestão é que “o professor deve levar jornais inteiros para a sala de aula, mes-
mo que antigos, pois nem todos os alunos têm acesso a ele ou intimidade com esse meio
de comunicação” (FARIA, 2007, p.27).
Defendo que os jornais e as revistas proporcionam o debate de temas que estão em
discussão na sociedade, de questões que os livros didáticos não abordam posto que, de sua
produção até chegar às escolas, o livro didático leva, no mínimo, dois anos. Se o professor
quiser, por exemplo, debater sobre a pandemia do coronavírus e o isolamento social não
vai encontrar em nenhum livro didático informação sobre esses assuntos, mas, nos jornais
e revistas, o docente vai poder buscar dados relevantes para abordar em sala, o que tornará
a prática pedagógica mais interessante e participativa, como destaca Gonçalves:

Quando ocorre algum trabalho a partir de questões sociais urgentes (por


ex., leitura no jornal de um tema de destaque nos meios de comunicação), a
aula é mais proveitosa e agradável porque a aprendizagem ocorre de forma
significativa. É claro que levar o jornal do dia para leitura em sala de aula
favorece a discussão de assuntos que não estavam no planejamento, o que
torna a aula mais “aberta”, o que, por um lado, estimula a participação do
aluno a compartilhar conhecimentos [...] (GONÇALVES, 2004, p.115-116).

As diversas informações que os meios de comunicação, em especial nos jornais e revistas,
veiculam não podem ser despercebidas pela escola. Uma formação educacional de qualidade
precisa estar “antenada” com os temas discutidos pela sociedade, pautados e veiculados pela
mídia, para que tenhamos leitores-cidadãos que sejam capazes de se posicionar com criticidade
diante de assuntos da atualidade, transformação educativa fundamental para o ensino-apren-
dizagem inovador e contemporâneo. Além disso, o desenvolvimento de atividades com jornais
e revistas possibilita que diversos gêneros sejam trabalhados em sala de aula. Uma notícia de
jornal pode servir de base para produção de uma crônica ou um conto; uma reportagem pode
ser transformada em um livreto de cordel e um artigo de opinião poderá ser adaptado para pro-
dução de um poema, o que incentiva a criatividade e a participação dos alunos.

A interdisciplinaridade na proposta pedagógica


com textos da “Revista Cotoxó”

Há diferença entre a forma como um jornal e uma revista abordam uma notícia. O jornal
é geralmente factual, ou seja, está mais voltado para publicar a notícia do dia ou do dia anterior.

491
Já a revista, na maioria das vezes, é atemporal, isto é, não está presa ao tempo, principalmente
por conta de sua periodicidade de circulação. A Revista “Cotoxó”, por exemplo, é mensal. Essa
revista além de abordar um assunto diferente em cada edição, publica notas, matérias, textos
literários e artigos de opinião sobre os mais diversos temas. As reportagens são escritas pelo
editor, jornalista responsável pela revista. Os articulistas ou colunistas que escrevem os artigos
de opinião, crônicas, contos, poesias são profissionais das variadas áreas de conhecimento, o que
leva a publicação a ter um perfil multidisciplinar, facilitando, assim, que os textos da Cotoxó
sejam trabalhados nas escolas por diversas disciplinas do currículo pedagógico.
Por isso, da interdisciplinaridade, tema desta seção. Não podemos perder de vista
que os Documentos oficiais voltados para a educação, como as Diretrizes Curriculares
(DCEs) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), orientam a adoção de estraté-
gias de ensino voltadas à integração dos saberes, que objetivam formular práticas peda-
gógicas desenvolvidas na perspectiva interdisciplinar.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) mantém muitos dos princípios ado-
tados nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Um deles é a centralidade do texto
e dos gêneros textuais. Isso significa que o ensino de português precisa continuar contex-
tualizado, articulado ao uso social da língua.
No período dessas duas décadas que separam os dois documentos, os estudos de
linguagens evoluíram muito. A sociedade brasileira também passou por diversas mu-
danças, decorrentes, sobretudo, da ampliação do uso da tecnologia. A BNCC discute esse
avanço, que se apresenta, principalmente, em dois aspectos: a presença de textos multi-
modais – popularizados pela democratização das tecnologias digitais – e as questões de
multiculturalismo – uma demanda política da contemporaneidade.  
Nos PCNs, a disciplina relacionada ao estudo da língua materna se organizava em
três grandes blocos de conteúdo: Língua Oral, Língua Escrita e Análise e Reflexão sobre
a língua. A estrutura proposta pela BNCC segue essa organização com acréscimo. No
novo documento oficial, as habilidades estão agrupadas em quatro diferentes práticas de
linguagem: Leitura, Produção de Textos, Oralidade e Análise Linguística/Semiótica. A
diferença central refere-se à inserção da análise semiótica. Essa área se reporta ao estu-
do de textos em múltiplas linguagens, incluindo as digitais: como os memes, os gifs, as
produções de youtubers, entre outras. Outra mudança é que, para cada um dos eixos, a
BNCC propõe um quadro que explicita como se relacionam as práticas de uso e de refle-
xão, isto é, o documento avança na descrição de como podemos refletir sobre a língua, a
fim de nos empoderarmos em seu próprio uso.
Uma das maiores mudanças da BNCC para o componente, os Campos de Atua-
ção, têm, praticamente, a mesma importância dos eixos temáticos na organização dos
objetivos e habilidades que devem ser desenvolvidos durante todo o Ensino Funda-
mental. De forma geral, sua principal contribuição ao documento é demandar prota-
gonismo dos alunos, mesmo os de anos iniciais, deixando bem evidente a necessidade

492
de contextualizar as práticas de linguagem. Para isso, a base leva em conta os campos: da
vida cotidiana; da vida pública; das práticas de estudo e pesquisa e do artístico/literário.
Os campos de atuação são as áreas de uso da linguagem, na vida cotidiana. Por
exemplo: no campo de atuação artístico-literário, temos o uso da língua voltado à pro-
dução e à leitura de contos, romances, peças de teatro, poemas. Nesse caso, trata-se de
gêneros textuais e usos da linguagem com predominância da atuação artístico-literária.
No campo de atuação jornalístico/midiático, encontramos os textos com outra tônica: a
da transmissão de informações, da comunicação, da intenção de “vender” um produto/
ideia etc. Nesta área de estudo, a utilização de jornais e revistas da localidade onde estuda
o aluno em muito pode contribuir para que ele se interesse pelas informações e a “venda”
de uma ideia, projeto ou produto.
Outro avanço do novo documento é a articulação entre as práticas, a partir do
entendimento de que a língua mobiliza os diferentes saberes. Assim, as habilidades de es-
crita constantemente aparecem integradas com práticas linguísticas como as de leitura e
as de análise linguística/semiótica. Uma atividade desse campo pode ser o planejamento
e a produção com os colegas, com assessoria do professor, de uma relação de textos como
agendas, calendários, convites, instruções e legendas para álbuns, fotos ou ilustrações
nos formatos impresso e digital. Tais atividades podem levar o aluno a contextualizar o
conhecimento a partir de situações sociais significativas para suas vidas.
A legislação educacional brasileira conceitua e mostra como o diálogo entre as
disciplinas pode contribuir para que a interação entre os vários ramos do conhecimento
se articula, podendo, assim, evitar a fragmentação do ensino e aprendizagem. Os Pa-
râmetros Curriculares Nacionais (PCNs) definem marcas da transversalidade, interdis-
ciplinaridade e dos temas transversais. Tanto transversalidade quanto a interdisciplina-
ridade apontam uma teia de relações entre os seus diferentes e contraditórios aspectos.
Entretanto, apresentam também aspectos singulares e diferenciado, uma vez que a in-
terdisciplinaridade se reporta a uma abordagem epistemológica dos objetos de conheci-
mento, enquanto a transversalidade diz respeito principalmente à dimensão da didática.
O pensamento interdisciplinar questiona a segmentação entre os diferentes campos de
conhecimento produzida por uma abordagem que não leva em conta a inter-relação e
a influência entre eles e com uma visão compartimentada (disciplinar) que não dá vem
dando conta das demandas contemporâneas da educação.
Na prática pedagógica, interdisciplinaridade e transversalidade ganham mutua-
mente, pois o tratamento dado às questões trazidas pelos Temas Transversais mostra as
inter-relações entre os objetos de conhecimento. Tal perspectiva revela que não é possí-
vel desenvolver ações pautadas na transversalidade levando em conta a visão disciplinar
rígida. É preciso destacar ainda que a transversalidade abre espaço para a inclusão de
saberes extra-escolares, permitindo dessa maneira a referência a sistemas de significado
construídos na realidade dos alunos.

493
Os temas transversais apontados pelos PCNS são ética, pluralidade cultural, meio
ambiente, saúde, orientação sexual e temas locais. Todos esses temas têm sido abordados
nas páginas da Revista “Cotoxó” ao longo desses 12 anos da publicação. Ademais, a re-
vista ocupa uma lacuna dos livros didáticos, que não abordam temas locais e regionais,
a exemplo da história de Jequié, do dialeto local e da dimensão do Rio das Contas e do
encontro de dois biomas Mata Atlântica e Caatinga e um ecossistema de transição: Mata
de Cipó, que compõem o potencial biológico do município.
A proposta metodológica com o suporte da Revista “Cotoxó” pretende também
contribuir na formação de leitores, que é hoje um dos grandes desafios do sistema educa-
cional no Brasil. Geraldi (2006) aponta 4 tipos de leitura: A leitura busca de informações,
a leitura -estudo do texto, a leitura do texto-pretexto e a leitura-fruição do texto. Esse
autor afirma que o objetivo básico do leitor é extrair do texto uma informação, o que
desencadeia outros objetivos como para que extrair as informações. Duas formas em
sua concepção podem orientar, em formas metodológicas, esse tipo de leitura: a busca
de informações com roteiro previamente elaborado (pelo próprio leitor ou por outro) e
a busca de informações sem roteiro previamente elaborado.
Na leitura como estudo do texto, Geraldi (2006) define o seguinte roteiro: a tese
defendida; os argumentos apresentados em favor da tese defendida; os contra-argumen-
tos levantados em teses contrárias; a coerência entre tese e argumento. Tais tópicos po-
dem desdobrar em outros, pondo em questão, por exemplo, a tese e a veracidade e a
validade dos argumentos apresentados.
Já a leitura como pretexto refere-se a uma série de questões que podem ser desen-
volvidas a partir do texto lido e discutido. Por exemplo: um artigo de opinião do articu-
lista e professor Raimundo Matos sobre cidade (tema de uma série de artigos do colu-
nista) pode desencadear na produção de uma história em quadrinhos; o (a) professor(a)
pode propor, a partir de uma reportagem sobre a mudanças climáticas, publicada na
revista, a escrita de uma crônica sobre do aumento da temperatura em Jequié, a Cidade
Sol; um texto da psicanalista Ieda Sampaio sobre namoro pode servir de mote para um
debate sobre os comportamentos ficar x namorar, entre outras possibilidades.
Geraldi (2006) ressalta a leitura como fruição do texto ou expressão do prazer
cujo objetivo é

[...] recuperar de nossa experiência uma forma de interlocução pratica-


mente ausente das aulas de língua portuguesa: o ler por ler, gratuitamente.
E o gratuitamente aqui não quer dizer que tal leitura não tenha um resulta-
do. O que define esse tipo de interlocução é o “desinteresse” pelo controle
do resultado[...] Por que se lê jornal? Para se (manter) informar (do): a
informação pela informação. A gratuidade da informação disponível, de
que podemos ou não fazer uso (GERALDI, 2006, p. 97,98).

494
Exemplares de diversas edições da Revista “Cotoxó” podem ser distribuídas entre
os alunos para que esses leiam por prazer, escolhendo os textos que entenderem que de-
vem ser lidos e, voluntariamente, possam falar de quais publicações lhes despertaram a
curiosidade, atenção e satisfação.
Esta proposta pedagógica propõe, também, rodas de leitura e oficinas com par-
ticipação dos autores dos textos da Revista “Cotoxó” nas escolas. Tais atividades vão
proporcionar o incentivo à leitura e à produção textual com criatividade e pensamento
crítico.

UMA PROPOSTA DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA A UTILIZAÇÃO


DE TEXTOS DA REVISTA COTOXÓ EM SALA DE AULA

Joaquim Dolz, Michele Noverraz e Bernard Schneuwly (2004, p.97) definem uma sequ-
ência didática como “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática,
em torno do gênero textual oral ou escrito”. De acordo com esses autores, o processo de comu-
nicação decorre do contexto em que é efetivado. Um ofício de solicitação, por exemplo, não é
redigido da mesma forma como é produzida uma crônica.
Os estudiosos afirmam que, em situações semelhantes, produzidos textos com
características semelhantes podem ser chamados de gêneros de textos, que são classi-
ficados de acordo com as características comuns que os textos apresentam em relação
à linguagem e ao conteúdo. Tais textos são conhecidos e reconhecidos por todos, o que
facilita a comunicação em ambientes familiares, de negócios ou nas relações amorosas.
Eles ressaltam que determinados gêneros textuais, a exemplo das narrativas de aventu-
ras, das reportagens esportivas, mesas-redondas, seminários, notícias do dia e receitas de
cozinha, interessam mais à escola que outros.

[...] Uma sequência didática tem, precisamente, a finalidade de ajudar o aluno


a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar
de uma maneira mais adequada numa dada situação de comunicação. O trabalho
escolar será realizado, evidentemente, sobre gêneros que o aluno não domina ou
o faz de maneira insuficiente, sobre aqueles dificilmente acessíveis, espontanea-
mente, pela maioria dos alunos; e sobre gêneros públicos e não privados [...]. As
sequências didáticas servem, portanto, para dar acesso aos alunos a prática da lin-
guagem novas ou dificilmente domináveis (DOLZ et al, 2004, p. 97).

Os autores do artigo “Sequência didática para o oral e a escrita: apresentação de


um procedimento” revelam a estrutura de base de uma sequência didática. De acordo com
o texto, após uma apresentação de uma situação onde é descrita de maneira detalhada a
tarefa de expressão oral ou escrita, que os alunos irão desenvolver. Para isso, elaboram um
primeiro texto inicial, que corresponde ao gênero trabalhado. Para essa prática pedagógica

495
com textos da Revista “Cotoxó”, escolhemos dois gêneros textuais: o artigo de opinião e a
reportagem. O artigo de opinião pode ser definido como um gênero textual pertencente
ao tipo argumentativo e tem como intencionalidade apresentar o ponto de vista do articu-
lista. Já a reportagem é um tipo de texto que objetiva informar ao mesmo tempo em que
prevê criar uma opinião nos leitores. A reportagem pode ser um texto expositivo, informa-
tivo, descritivo, narrativo ou opinativo. Em decorrência disso, ela pode tanto se aproximar
da notícia quanto dos artigos opinativos, porém não deve ser confundida com eles. Tais
gêneros são os que ocupam maior espaço nas páginas da “Cotoxó”.
A primeira produção dos alunos permite ao professor, segundo os estudiosos, avaliar
as capacidades já adquiridas e ajustar as atividades e os exercícios previstos na sequência às
possibilidades e dificuldades reais de uma determinada turma. Possibilita, ainda, uma defi-
nição do significado de uma sequência para o aluno, ou seja, mostra as capacidades que deve
desenvolver para melhor dominar o gênero de texto em questão. Em seguida, os alunos vão
trabalhar com os módulos, que são constituídos por várias atividades ou exercícios objeti-
vando que o educando domine o conteúdo, uma vez que os problemas postos pelo gênero
são trabalhados de maneira sistemática e aprofundada. Já no momento da produção final,
o estudante pode pôr em prática os conhecimentos adquiridos e, com o professor, medir os
progressos alcançados. A produção final serve, também, para uma avaliação de tipo somati-
vo, que incidirá sobre os aspectos trabalhados durante a sequência didática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ouvimos constantemente frases como estas: “Brasileiro não gosta de ler”, “a gran-
de maioria dos alunos não tem interesse pela leitura de jornais e revistas”. E o que essas
pessoas que expressam esse pensamento estão fazendo para mudar essa realidade?
Mário Quintana afirmava que os piores analfabetos são os que aprenderam a ler,
mas não o fazem. Entretanto, quando as pessoas são motivadas a ler o cenário muda. No
Brasil e em vários países do mundo há experiências exitosas no uso de jornais e revistas
como suporte didático no processo educacional.
A manchete da Revista “Cotoxó” pode ser o ponto de partida para a conversa
com os alunos. Ao mostrar e comentar a manchete da revista, que é veiculada na capa,
acompanhada de uma foto ou gravura, o professor pode chamar atenção do alunado
para o significado da notícia principal, criando situações de debate entre eles, escutando
as opiniões e mediando as discussões, especialmente no caso de ocorrência de fatos im-
portantes para a comunidade local onde estão inseridos os estudantes.
Para trabalhar  as notícias jornalísticas e os artigos de opinião, o professor poderá
dividir a turma em grupos, distribuindo temas para que cada grupo e orientando na
elaboração de um trabalho e apresente comentários orais ou escritos, incentivando que
participem de debates e que façam recortes, produzam murais, franzines ou cartazes.

496
O professor pode orientar para que, individualmente ou em grupos, os alunos sele-
cionem notícias, reportagens ou artigos em vários jornais e revistas sobre um determina-
do assunto, buscando, inclusive, identificar as diferentes visões apresentadas, as diferenças
de abordagens e de informações. Cada aluno ou grupo deverá apresentar sua análise sobre
o tema e sobre as diferentes visões identificadas.
Outra maneira interessante de desenvolver a capacidade de leitura dos alunos é
mostrar a eles uma foto impressa sem legenda da Revista “Cotoxó”  e solicitar que eles
escrevam um texto, que pode ser artigo de opinião ou reportagem, com base no que está
sendo visto na fotografia.
Como já ressaltamos, o debate sobre os temas transversais vinculado à escolha dos
assuntos das reportagens e artigos podem contribuir para uma reflexão sobre questões do
cotidiano que estão nas conversas presenciais e nas redes sociais dos alunos. Meio ambien-
te, ética, pluralidade cultural, orientação sexual, saúde e trabalho e consumo são assun-
tos de grande relevância e podem ser abordados transversalmente com suporte didático
dos textos da Revista “Cotoxó”, enquanto se ensinam conteúdos regulares do currículo.
Enfim, a proposta de sequência didática com textos da Revista “Cotoxó” pode con-
tribuir em muito para formação de leitores críticos, criativos e com uma visão ampla do
mundo, que possam produzir textos significados no processo de ensino aprendizagem.

REFERÊNCIAS

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Jequié-BA, setembro de 1987.

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tadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia. Presidente Prudente: São Paulo, 2009.

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Martins Fontes, 2003
BRASIL, Revista Cotoxó, maio de 2018.

BRASIL, Revista Cotoxó, março de 2020.

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apresentação dos temas transversais, ética / Secretaria de Educação Fundamental. –
Brasília : MEC/SEF, 1997. 146p.

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FARIA, Maria Alice de Oliveira. Como usar o jornal em sala de aula. 7 ed. – São Pau-
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FARIA, Maria Alice e ZANCHETTA, Juvenal. Para ler e fazer o jornal na sala de aula.
São Paulo: Contexto, 2007.

GERALDI, João Wanderley (et al). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006.

GUIMARÃES. D. G. Pesquisa colaborativa: uma alternativa na formação do


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arttex&pid=S0100-1965200 44000100008>. Acessado em: 10/12/2019.

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tegração das Tecnologias na Educação. Ministério da Educação, Secretaria de Educação
a Distância Esplanada dos Ministérios, Bloco L - Brasília/DF. 2005. (p.32-37).

498
SEQUÊNCIA DIDÁTICA

1ª FASE

Professor

- Aplica o questionário investigativo sobre conhecimentos prévios dos alunos, que


segue em apêndice.
- Inicia a aula expositiva com observação participativa com base nos conhecimen-
tos prévios dos alunos em relação aos gêneros textuais artigo de opinião e reportagem.
- Distribui dois exemplares de edições diferentes da Revista “Cotoxó” para cada
aluno.
- Determina o tempo para a leitura silenciosa de dois textos: uma reportagem e um
artigo de opinião de livre escolha dos alunos.
- O professor orienta os alunos para que escrevam no caderno palavras que eles
não sabem o significado e distribui dicionários para que os estudantes pesquisem e es-
crevam o conceito das palavras.

Alunos

- Falam do porquê da escolha dos temas da reportagem e artigo de opinião e nar-


ram o que esses textos abordam.
- Apresentam o significado das palavras que eles não conheciam.

2ª FASE

Professor

- Recolhe os exemplares da Revista e troca as edições, entregando dois exemplares


a cada estudante, possibilitando assim que os alunos tenham acesso a outros textos.
- Determina o tempo para a leitura silenciosa de uma reportagem de livre escolha
do aluno.
- Sugere que o aluno escolha um desses gêneros para a produção textual com base
no tema da reportagem lida: crônica, conto ou poesia.
- Solicita que formem duplas e determine o tempo para a leitura de um artigo de
opinião de livre escolha dos alunos.

499
Orienta aos alunos para que organizem a simulação de uma live ou debate sobre o
tema do artigo de opinião lido.

Alunos

- Realizam a leitura do gênero literário produzido: crônica, conto ou poesia.


- Simulam a live ou debate sobre o tema do artigo de opinião lido.

3ª FASE

Professor

- Ministra aula expositiva com observação participativa sobre notícia. (slide no


apêndice)
- Solicita de cada aluno que produza uma lide e, em seguida, uma reportagem
sobre tema de livre escolha.
- Determina o tempo necessário para produção textual da lide e da reportagem.

Alunos

- Fazem a leitura do lide e da reportagem, que foram produzidos.

4ª FASE

Professor

- Organize a sala em forma de círculo.


- Estimula uma roda de conversa com os alunos sobre a realidade vivida por ado-
lescentes e jovens em Jequié.
- Orienta cada aluno a produzir um artigo de opinião sobre a realidade dos ado-
lescentes e jovens na cidade.

Alunos

- Falam na roda de conversa sobre a realidade dos adolescentes e jovens.


- Realizam a leitura do artigo de opinião sobre o contexto social vivido por adoles-
centes e jovens de Jequié.

500
5ª FASE

Professor

- Mostra modelos de franzine (jornal alternativo, confeccionado artesanalmente) para


que os alunos conheçam.
- Divide a sala em grupo de 4 alunos.
- Distribui papel ofício, tesoura, cola, jornais e revistas.
- Oriente os grupos a produzirem franzines com recortes de jornais e revistas e com os
textos deles produzidos em outras fases da sequência didática.

Alunos

- Confeccionam a capa (dando nome ao franzine, pondo ano, número e local da publi-
cação com recorte de letras e números) e as páginas internas do franzine, também colocando
o nome e o número da página com letras e números recortados, colando as notícias e os textos
produzidos por eles.
- Cada grupo escolhe um aluno para fazer apresentação do franzine.

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ANEXO 2
Questionário para o aluno

Há diferença entre um jornal e uma revista?


( ) sim ( ) não
Se sim, revele a diferença entre um artigo de opinião e uma reportagem

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Você sabe dizer o que difere um artigo de opinião de uma reportagem?


( ) sim ( ) não
Se sim, apresente a diferença entre o um artigo de opinião e uma reportagem
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Qual a reportagem que você já leu e lhe chamou muito atenção?

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