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E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
Elane Nardotto Rios
Marine Souto Alves
(Organizadoras)
FORMAÇÃO DOCENTE
E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
Elane Nardotto Rios
Marine Souto Alves
(Organizadoras)
editoração
Elimarcos Santana
ISBN: 978-85-86676-51-8
CDD 370.71
CDU 377
As organizadoras
Jequié-BA, Abril/2022
sumário
PROFESSOR OU EDUCADOR?
Um olhar sobre concepções epistemológicas ....................................................................7
Suely Ávila Cunha Duarte
Núbia Moura Ribeiro
INTRODUÇÃO
7
seguindo programas impostos pela escola, sem levar em conta a realidade histórica e
o próprio contexto do aluno.
Por outro lado, existem aqueles docentes que, mesmo descontentes com o cenário
no qual estão inseridos, atuam de modo a não priorizar seus interesses pessoais. Acre-
ditam que sua função é privilegiada pelo seu poder de transformação. Por isso, o seu
interesse básico está voltado para a construção de um mundo novo, onde educador e
educando, na luta pela humanização, participam desse processo como sujeitos históri-
cos, dessa construção estando a serviço da libertação do ser humano.
Engajar-se nesse modelo exige do profissional um compromisso com a prática
educativa, o que implica numa reflexão constante sobre o processo pedagógico. Refle-
tindo sobre a práxis é possível desvelar o que está por trás de cada ação: que conteúdo
se espera que o aluno aprenda, que caminho se deve seguir para que a aprendizagem
aconteça e como se pode construir conhecimentos com esse aluno? Esses questiona-
mentos, sem dúvida, possibilitam ao docente modificar a sua práxis. Contudo, é ne-
cessário, também, perceber o encanto da sala de aula, onde o conhecimento se dá pelo
encontro entre professor e aluno, pois, é no espaço da sala de aula que se encontram
os saberes, as consciências, as dúvidas, os desejos, os sonhos, as experiências, enfim,
os pensamentos. Portanto, esse é o locus encantado e encantador. Esse encontro entre
professor e aluno inclui também a compreensão do silêncio, da comunicação e dos
gestos. Freire (1996, p. 109) diz que
Por meio dessas reflexões, pode-se constatar, enfim, a difícil tarefa de educar, pois
há aqui dois mundos diferentes: um que corrompe o profissional, colocando-o em um
patamar onde sua função parece ser elevada através do autoritarismo, tornando o edu-
cando um ser vazio; e o outro, que abre caminhos para transformação, possibilitando ao
educando conscientizar-se criticamente de seu papel, tornar-se um ser pleno e defender
a sua liberdade.
Resta ao profissional do magistério uma avaliação da própria práxis: como sua
concepção pedagógica fundamenta sua prática educativa? Percebe-se que de alguma for-
ma os docentes estão atuando, seja como professor ou como educador e que eles são fios
condutores de gerações, pois a partir de seus pensamentos sementes geradoras de novas
ideias brotarão.
Acreditando na ideia de que por trás da ação de qualquer docente há sempre uma
ou mais teorias que o orienta, inquietações brotaram e o desejo de investigar a prática do
profissional do magistério surgiu. Com isso, o objetivo deste trabalho é analisar, a partir
8
de pesquisa bibliométrica e bibliográfica, algumas concepções subjacentes nas práticas
dos docentes.
Esta pesquisa é de natureza aplicada, já que está voltada para a compreensão de
um problema que afeta a prática docente, e ela se caracteriza por uma abordagem quali-
-quantitativa, já que emprega tanto as inferências baseadas na análise de produções cien-
tíficas como avaliações de indicadores bibliométricos dessas produções.
A ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA
9
e palavras-chave: (conceptions AND about AND teaching) AND (educator OR teacher).
A busca recuperou 3588 documentos.
Para refinar os resultados, enfocando aqueles com maior aderência ao tema,
foram empregados alguns filtros. Um dos filtros foi a seleção somente de artigos das
áreas de conhecimentos sobre ciências sociais (3066 documentos), artes e huma-
nidades (450) e psicologia (279). Quanto às palavras-chave, foram selecionados os
documentos que continham as seguintes palavras-chave: Docência (teaching, 536
documentos), educação (education, 223), educação docente (174), aprendizado (le-
arning, 118) e concepções (conceptions, 90). Quanto ao tipo de documentos, foram
selecionados os seguintes: artigos (2867 documentos), trabalho completo apresen-
tado em congresso (293), capítulo de livro (194), revisões (161) e livro (50). E, para
delimitar o corpus de documentos àqueles em língua portuguesa, foram selecionados
apenas os documentos publicados nesse idioma (205 documentos). A aplicação des-
ses filtros resultou em 33 documentos, dos quais 32 foram artigos completos publica-
dos em periódicos científicos, e 1 foi um artigo de revisão. Os periódicos com maior
número de publicações foram Educação e Pesquisa (7 documentos) e Calidoscópio
(3 documentos). Dentre os 33 documentos, 29 foram publicados por brasileiros e 4
por portugueses. As principais instituições de afiliação dos autores desses documen-
tos são USP (5 documentos); UFRGS (3 documentos). A figura 1 mostra a evolução
temporal do número de artigos publicados.
Figura 1 - Número de artigos publicados conforme dados da base Scopus, por ano de publicação.
10
A análise dos 33 artigos recuperados nesta pesquisa na base de dados Scopus in-
dicou que 3 deles tinham uma maior aderência ao tema em estudo: Severino (2012); De-
-Souza e Zimbetti (2014) e Back (2019).
Severino (2012) descreve em seu artigo “Formação docente: Desafio para as li-
cenciaturas”, numa perspectiva filosófico-educacional, sobre as exigências epistêmi-
cas, técnicas, éticas e políticas da formação docente nas Licenciaturas. O objetivo do
texto é o de explicitar as condições de fundo para a formação e para a atuação do pro-
fessor no atual contexto histórico-social brasileiro, com foco particularmente centrado
nas Licenciaturas.
O autor inicia com uma breve descrição das insuficiências do modelo formativo
atualmente praticado para a preparação dos professores da área, colocando, em seguida,
as exigências que este considera como imprescindíveis para uma proposta de formação
integral dos mesmos. Na sequência, procura explicitar as condições para que a ação do-
cente possa ser fecunda e eficaz, defendendo a ideia de que, para isso, ela precisa ocorrer
no âmbito de um projeto educacional. Para fechar a discussão, Severino destaca as di-
mensões éticas e políticas que perpassam a ação educacional, dimensões que lhe confe-
rem coordenadas de autenticidade.
Falar da formação do educador, impõe-se esclarecer que não se trata apenas da
sua habilitação técnica, da aquisição e do domínio de um conjunto de informações e de
habilidades didáticas. Impõe-se ter em mente a formação no sentido de uma autêntica
Bildung, ou seja, da formação humana em sua integralidade. No caso da formação para
a atividade profissional do educador, ela não pode ser realizada desvinculadamente da
formação integral da personalidade humana do educador. Daí a maior complexidade
dessa função social, já que ela implica muito mais, em termos de condições pessoais, do
que outras profissões nas quais a atividade técnica do profissional tem certa autonomia
em relação à sua própria qualificação pessoal. Sem dúvida, espera-se de todo e qualquer
profissional que tenha todas as qualidades específicas exigidas pelo convívio social, teci-
do de respeito pela dignidade das outras pessoas.
Esse é teoricamente e em princípio o perfil que deveria ser realizado por todas as
pessoas que atuam profissionalmente. Mas, no caso do profissional educador, para que
sua atividade educativa seja fecunda, sua personalidade e sua condição pessoal exigem
esse perfil, pois caso contrário, os objetivos de sua intervenção técnica não se efetivarão.
O autor relaciona quatro grandes problemas que têm comprometido os resulta-
dos do processo formativo dos professores. O primeiro diz respeito à forma pela qual o
formando se apropria, por meio do currículo, dos conteúdos científicos que precisa, ob-
viamente, dominar, com vistas a sua qualificação profissional. A posse desses conteúdos
é absolutamente necessária, mas a forma como vêm sendo trabalhados, no processo de
ensino/aprendizagem, não têm sido diferenciada, como deveria ser, mesmo se compara-
da à preparação dos profissionais das áreas técnicas.
11
A segunda limitação é que, no atual modelo de curso de Licenciatura, o licencian-
do não incorpora a experiência prática na sua aprendizagem. Acaba recebendo apenas
alguns elementos teóricos e técnicos, cumprindo algumas poucas horas de estágio em
situações precárias e pouco significativas.
Uma terceira lacuna do currículo dos cursos de formação docente é a de não ser
mediação eficaz do desenvolvimento no aluno da necessária sensibilidade ao contexto
sociocultural em que se dará sua atividade de professor.
Cabe ainda assinalar a deficiência do atual processo pedagógico desses cursos no
sentido de não conseguirem um mínimo de efetiva integração e de interdisciplinaridade
que garantissem a inter-relação das disciplinas metodológicas entre si e com as demais
disciplinas de conteúdo.
A preparação do educador deve realizar-se, pois, de maneira a torná-lo um pro-
fissional qualificado, plenamente consciente do significado da educação, para que possa,
mediante o exercício de sua função, estender essa consciência aos educandos, contri-
buindo para que vivenciem a dimensão coletiva e solidária de sua existência.
O autor conclui seu texto afirmando que quando se tem em pauta a condição pro-
fissional do educador, pode-se afirmar que só será garantida qualidade a sua atuação se,
ao longo dos processos iniciais e continuados de sua formação, lhe forem asseguradas,
pelas mediações pedagógicas, um complexo articulado de elementos formativos, produ-
zidos pelo cultivo de sua subjetividade.
É pela subjetividade que o homem pode intervir significativamente na objetivi-
dade. Por isso mesmo, sua formação, ainda quando voltada para a preparação profissio-
nal, pressupõe o cultivo de sua subjetividade. Pois é só com os recursos da ciência e da
técnica que ele pode dar conta de seus desafios frente ao saber e ao fazer, no sentido de
decodificação do mundo natural e social e da sua intervenção nesse mundo, com vistas
a sua adaptação às necessidades da vida.
Em entrevista concedida pela pesquisadora mexicana Ruth Mercado acerca da “For-
mação de professores e saberes docentes”, as autoras Denise Trento Rebello de Souza e Marli
Lúcia Tonatto Zibetti (2014) trazem importantes contribuições para o campo educacional.
Para a compreensão desse processo de constituição dos saberes, a entrevistada
defende que é no trabalho cotidiano dos professores que ocorre o processo coletivo de
apropriação de saberes, tendo este processo várias dimensões: a história social da do-
cência, a história pessoal de cada professor, o diálogo entre os docentes, destes com seus
alunos e com outros sujeitos com os quais convivem. Em tal perspectiva, os saberes do-
centes são considerados pela autora como “pluriculturais, históricos e socialmente cons-
truídos” (MERCADO, 2002, p. 36).
Na entrevista, Ruth aborda de modo instigante diversas questões bastante atuais
e recorrentes relativas ao campo da formação inicial e continuada de professores: o pro-
cesso de “universitarização” e as implicações daí decorrentes, tais como as relações entre
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formação teórica e formação prática; o papel dos formadores; as relações entre cultura
universitária e cultura escolar.
Dentre os relatos sobre a trajetória profissional, Ruth conta que ficou morando na
casa de pessoas próximas às escolas e compartilhavam experiência entre a equipe, onde
faziam debates. Essa era uma boa forma de fazer etnografia. Ao encerrar esse projeto, ela
se envolveu com o ensino que, posteriormente, associou à formação de professores, pois,
nas descobertas sobre os saberes docentes, encontrou forçosamente essa relação com
a formação: à medida que se constroem saberes docentes no ensino, está se formando
profissionalmente também.
Ao ser questionada sobre as decorrências das dificuldades em se construir um
currículo de pós-graduação voltado à docência, ao aperfeiçoamento da docência, Ruth
crer que isso decorre de múltiplos fatores. As pós-graduações têm maior história nas
áreas das ciências duras, que formam os cientistas. Na área da educação, o que se fez foi
imitar esse paradigma de formação em pós-graduação, que deve sim, obviamente, for-
mar cientistas e estudiosos da educação, mas que, nesse caso, por ser uma profissão que
demanda atualização, como todas, e não termina com a formação inicial. Só que outros
profissionais têm espaços para continuar se formando academicamente, sem necessaria-
mente, se transformarem em cientistas.
Na área da profissão docente, há no mínimo dois pressupostos: um deles é de
que os cursos de pós-graduação são para formar cientistas, pesquisadores; o outro
é o de que aquele que realiza a docência não precisa saber tanto, pois já sabe o que
tinha que saber. Trata-se de uma construção social de uma visão sobre o ensino e
sobre a docência como algo não tão difícil: “Por que você entraria em um curso de
pós-graduação para saber mais da docência? Você já estudou pedagogia, você estu-
dou sociologia da educação!”.
A entrevistada acrescenta que se menospreza muito essa formação prática. Acre-
dita que tem mais a ver com uma ideia da docência como algo simples. Ou seja, um
médico precisa continuar se atualizando porque a medicina é associada a conhecimentos
muito complexos e em constante desenvolvimento; vão a congressos e não têm que ser
cientistas. São profissionais da medicina que não necessariamente fazem pesquisa. São
profissionais que têm desafios de resolução cotidiana.
Rute apresenta os seguintes questionamentos: Mas o que o profissional da edu-
cação, da docência, tem que saber mais? Será que se produzem novos conhecimentos
sobre a docência? E a mesma diz que essas concepções lhe parecem muito complicadas,
pois são construções históricas e quase não nos é possível imaginar um curso de pós-
-graduação em educação que tenha conteúdos, produtos de pesquisas, mas que permita
ao profissional da docência saber mais sobre a própria docência.
Para Ruth, não há um consenso acadêmico quanto ao que seria a formação
de um bom professor. Alguns argumentam que é necessário mais didática; outros,
13
maior densidade teórica. Para ela, há outras coisas importantes na formação do pro-
fessor, como a produção de conhecimento sobre a escola cotidiana, sobre o ensino
cotidiano, sobre a conformação histórica da profissão docente. Há várias coisas que
podem ajudar o professor a simplesmente saber mais, a ampliar seu conhecimento
sobre a docência, sobre a escola e os processos de escolarização.
Back (2019) traz em seu artigo “Por uma concepção filosófica da educação”, al-
guns questionamentos acerca da educação escolar. Inicialmente ele questiona: O que
é filosofia da educação? Segundo o autor, seu propósito específico consiste em se con-
trapor ao que pode ser considerado uma concepção escolar de educação. Segundo tal
concepção, a educação seria, basicamente, o exercício de uma profissão em que caberia
ao professor ensinar alguma coisa ao(s) estudante(s). Ao concebê-la assim, restaria à filo-
sofia da educação a tarefa de mediar um debate entre teorias pedagógicas cuja finalidade
seria orientar a prática docente.
Nesse artigo, Back cita diversos autores, servindo de base para seu pensamento.
Dentre eles, Back destaca Tarso Bonilha Mazzotti (GHIRALDELLI JR., 2002, p. 185ss)
informando que este se propõe a responder seu questionamento inicial: o que é filosofia
da educação? Embora haja alguns pontos obscuros para ele no artigo, a proposta geral
lhe parece evidente.
Segundo Mazzotti, a filosofia da educação deve ser considerada uma me-
tateoria, uma teoria sobre outras teorias acerca da educação. Todas elas visam a
um objetivo comum: indicar um caminho eficaz que oriente a prática educativa.
Porém, com frequência, tais teorias conflitam entre si e, por consequência, a ação
pedagógica acaba ficando sem uma orientação precisa. Então, torna-se necessária a
intervenção de um juiz, de alguém com competência para coordenar esse debate in-
terdisciplinar. É o que cabe à filosofia da educação, segundo Mazzotti. Para mediar
o conflito, ela deve assumir a tarefa de elucidar tais teorias por meio de uma análise
lógica, dialética e retórica.
Para Back, a finalidade última deste artigo consiste em estabelecer uma concepção
filosófica da educação. Para mostrar a particularidade de tal modo de concebê-la, convi-
ria distingui-la esquematicamente do que ele chama de concepção escolar da educação.
Desse modo, a educação seria uma atividade prática cuja incumbência se encarregam
certos profissionais e os professores que trabalham para instituições de ensino. Como
elas se propõem a disciplinar as atitudes e as crenças dos estudantes, caberia à filosofia
contribuir para a realização dessa finalidade prática.
Em resumo, é o que Mazzotti propõe ao defender um conceito de filosofia da
educação segundo o qual lhe restaria coordenar um debate entre teorias pedagógicas.
Por que a filosofia, ao olhar para a educação, deveria se esquecer do que, desde sempre,
a distingue das outras epistemologias? Por que ela deveria abrir mão daquele seu olhar
tão agudo, tão peculiar?
14
Back define provisoriamente a educação como a busca incessante do ser humano
por uma forma. Essa forma buscada deve satisfazer um anseio humano básico – lidar com
o fato inexorável de ser alguém absolutamente singular no mundo. E ela, a forma, enforma
aquilo que o define enquanto ser humano: seu próprio ser. Dada a negatividade essencial
da experiência, a formação se revela, em última instância, (trans)formação. Justamente
assim, por ser (trans) formadora, a educação é uma experiência em que singularidades se
afirmam – eis seu último aspecto. Enfim, ela jamais se repete; ela será sempre única!
Na base de dados SciELO, foi utilizada uma estratégia inicial semelhante à em-
pregada para a base de dados Scopus. Assim, a primeira busca foi realizada com a se-
guinte sintaxe, reunindo descritores em português e operadores booleanos, nos cam-
pos de título e resumo: (ti:(Concepções docência)) OR (ab:(Concepções docência)) OR
(ti:(Professor educador)) OR (ab:(Professor educador)). A busca recuperou 144 docu-
mentos, dos quais 131 foram artigos completos publicados em periódicos, sendo 111 em
português, 31 em espanhol e 2 em inglês.
Os principais países de origem das publicações foram: Brasil (106 documentos),
Colômbia (17) e Cuba (5). Os periódicos que mais divulgam artigos sobre o tema foram:
Educação e Pesquisa (8 documentos), Educação em Revista (8), Ciência & Educação (7)
e Revista História de la Educación Latinoamericana (7).
A figura 2 mostra a evolução temporal do número de artigos publicados.
Figura 2 - Número de artigos publicados conforme dados da base SciELO, por ano de publicação
15
Na análise dos 144 documentos recuperados na busca na base SciELO, verificou-
-se que 14 deles tinham maior aderência à temática desta pesquisa. O Quadro 1 mostra
os dados desses 14 artigos.
Quadro 1 – Dados bibliográficos dos artigos com maior aderência à temática desta pesquisa.
Dalbosco, Clau- Instructio, libertas e exercício Educação & Sociedade Dez https://doi.
dio Almir. docente na contemporanei- 2019, Volume 40 org/10.1590/es0101-
dade 73302019220333
Marroquín Yero- Las concepciones epistemoló- Folios Jun 2019, Nº 49 Páginas https://doi.
vi, Dr. Hna. Ma- gicas, pedagógicas y didácticas 19 - 40 org/10.17227/fo-
rianita; Valverde del mejor profesorado de las lios.49-9388
Riascos, Dr. universidades acreditadas en
Oscar Olmedo Colombia
16
Macera, Irene Un estudio de las concepciones Educación y Educadores Dez https://www.
Marina. docentes acerca de la formaci- 2012, Volume 15 Nº 3 Páginas redalyc.org/
ón permanente 513 – 531 pdf/834/83428627010.
pdf
No artigo que traz como tema “O olhar estereoscópico para a ontogênese: de-
safiando o professor”, Gorlova (2020) tenta examinar como é possível ao professor
- ou ao adulto-educador - estruturar um sistema de meios culturais conjugado com
a idade psicológica da criança que possa operar sobre a zona de desenvolvimento
iminente da criança. Argumenta-se que, para o diagnóstico do desenvolvimento e a
definição de estratégia do trabalho corretivo, é importante manter um olhar estere-
oscópico em que os eixos das coordenadas da visão ampla da criança sejam: o conte-
údo da relação de convivência com os adultos e coetâneos, as especificidades da ne-
oformação psicológica da idade como o conteúdo da vontade e do desenvolvimento
cultural e, finalmente, a função psíquica central e a atividade-guia. São descritos dois
exemplos que permitem indicar os aspectos corretivos centrais do adulto-educador
e delinear prognósticos.
No artigo “Modos de constituição da docência brasileira: tradicionalismo,
competência técnica e boas práticas”, a autora (SCHERER, 2020) apresenta a docên-
cia brasileira como objeto de pesquisa. A partir de uma perspectiva histórica, procu-
ra responder ao seguinte questionamento: quais práticas podem ser descritas acerca
da docência brasileira na literatura pedagógica da segunda metade do século XX?
Realiza-se uma análise documental de três obras de importante impacto na literatura
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educacional e propõe-se um breve exercício analítico, que, longe de esgotar tais fontes
documentais, busca mapear algumas pistas acerca das concepções de pesquisa sobre
a docência na educação básica que predominaram no Brasil.
Quanto ao artigo “O desenvolvimento de competências acadêmicas no ensino su-
perior: a prática docente em foco”, as autoras (POLONIA; SANTOS, 2020) entrevistam
12 professores de uma instituição do Distrito Federal, e as análises realizadas pelo sof-
tware IRaMuTeQ geraram três classes: (a) enfoque na realização da tarefa (tecnólogo);
(b) papel formativo do educador (licenciatura); e (c) práticas direcionadas ao desen-
volvimento do aluno (bacharelado). As representações sociais ressaltam a diversidade
de práticas alicerçadas nas áreas de atuação docente, revelando mundos próximos e em
conexão com a futura atividade profissional.
Nesse artigo “Instructio, libertas e exercício docente na contemporaneidade”, Dal-
bosco (2019) argumentou a favor do papel formativo do professor, o qual desempenha,
enquanto governante intelectual, papel indispensável na formação de novas gerações.
Investigou, na primeira parte, diferentes formas de reducionismo da educação contem-
porânea, provocadas pela invasão da governança empresarial neoliberal nas instituições
de ensino, focando no empobrecimento da experiência docente. Reconstruiu, na segun-
da parte, alguns traços do perfil do mestre que emerge da noção latina de educação como
instructio, concentrando-se no ideal da libertas como núcleo da relação formativa entre
mestre e discípulo, ou seja, entre educador e educando.
Quanto ao artigo “A construção da identidade profissional de professores de
língua portuguesa em formação inicial”, os autores Pietri, Rodrigues e Sanchez (2019)
apresentam resultados de pesquisa desenvolvida com o objetivo de compreender, em
suas bases identitárias e cognitivas, as concepções construídas por professores em for-
mação inicial do que é ser docente e do que é ensinar e aprender língua portuguesa em
condições de trabalho caracterizadas pela diversidade social e cultural e pela adversi-
dade econômica.
No artigo “As concepções epistemológicas, pedagógicas e didáticas do melhor
corpo docente das universidades credenciadas na Colômbia”, os autores (MARRO-
QUÍN YEROVI, H. M.; VALVERDE RIASCOS, 2019) apresentam os resultados
de uma investigação que envolveu a vinculação de universidades credenciadas e
cadastradas na Associação Colombiana de Universidades (ASCÚN), sobre o pen-
samento do melhor professor e seu trabalho em sala de aula. As informações fo-
ram avaliadas de cada universidade. Nesse cenário, as informações obtidas foram
classificadas em três categorias: concepções epistemológicas empiropositivas, con-
cepções epistemológicas construtivistas, concepções de ensino empiropositivistas,
concepções de ensino construtivistas, concepções de aprendizagem empiropositi-
vistas e concepções de aprendizagem construtivistas, em um contexto pedagógico
e didático.
18
Em seguida, no artigo “Professor, Profissional ou Educador: a Concepção de
Professor de Educação Especial nas Produções Acadêmicas do Campo Específico da
Educação Especial (2000-2016)”, a intenção da autora é a de expor o estudo acerca da
produção do conhecimento sobre o professor de Educação Especial (EE) no Brasil
durante os anos de 2000 a 2016. O objetivo é analisar como está sendo disseminada a
concepção sobre esse professor específico pelas pesquisas acadêmicas. Trata-se de uma
pesquisa bibliográfica e qualitativa, cuja base teórico-metodológica é o materialismo
histórico-dialético.
Mesquita (2018), em seu artigo “Referenciais do ‘bom professor’ de ensino médio:
exercício de articulação teórica”, articula um conjunto de referenciais teórico-metodo-
lógicos sobre desempenho docente. Parte-se de uma revisão de literatura sobre efeito-
-professor, eficácia escolar, desempenho docente, competências para ensinar, saberes
docentes e processo de profissionalização. Adotam-se como categorias de análises cinco
dimensões da docência no ensino médio: conhecimento, estratégica, relacional, motiva-
cional e profissional. Conclui-se que o alargamento das concepções do que constitui um
“bom professor” de ensino médio pode contribuir para a instituição de políticas para
fomentar o desenvolvimento da carreira docente e para as diretrizes dos cursos de for-
mação inicial e continuada dos professores especialistas.
No artigo “Ensino de didática: um estudo sobre concepções e práticas de pro-
fessores formadores”, as autoras Cruz e André (2014) fazem análise das concepções e
práticas de professores de Didática de três universidades, tendo por base a perspectiva
de Didática fundamental proposta por Candau (1983) e sua incorporação pelos progra-
mas de formação de professores. Buscou-se conhecer quem é esse professor que ensina
a disciplina de Didática, captar suas visões sobre Didática e identificar suas práticas em
sala de aula para compreender como as concepções e práticas defendidas fundamentam
o aprendizado da docência.
Macera (2012) apresenta, em seu artigo “Um estudo das concepções docentes so-
bre a formação permanente”, as concepções docentes sobre sua formação permanente.
Nele, identificaram-se diferentes pontos de análise relacionados com a antiguidade na
profissão, interesses metodológicos, interesses de atualização de conhecimentos, inte-
resses de incorporação de novos saberes e, por último, o lugar que a formação ocupa na
subjetividade docente.
Gariglio e Burnier (2012), no artigo “Saberes da docência na educação profissional
e tecnológica: um estudo sobre o olhar dos professores”, trazem como referência a histó-
rica desregulamentação da docência na Educação Profissional e Tecnológica. Discutem,
inicialmente, sobre os saberes mobilizados pelos docentes da EP, analisando, a partir
das representações dos sujeitos docentes de diversas instituições, os saberes acionados
e demandados nas suas atividades educativas e as concepções de formação profissional
subjacentes a tais saberes.
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No artigo “Escolha da carreira e processo de construção da identidade profis-
sional docente”, Sales e Chamon (2011) analisam os fatores intervenientes na escolha
da profissão, assim como a influência desses elementos na construção da identidade
profissional docente. O método foi descritivo, com abordagem quantitativa, baseado
em um questionário fechado. Nos resultados, observou-se forte influência de ideá-
rios sociais nas concepções elaboradas pelos sujeitos sobre a profissão docente e nos
fatores declarados para a escolha profissional. Destacam-se, também, os conflitos
e a complexidade vivenciada pelos graduandos diante da necessidade de sentirem-
-se prontos a responder às demandas e exigências da escola, do contexto social e do
mercado de trabalho.
Lopes (2010) afirma, em seu artigo “Da licenciatura à sala de aula: o processo
de aprender a ensinar em tempos e espaços variados”, que a formação de professores
é um desafio que ultrapassa fronteiras de espaço e tempo. Realizou-se, nesse estudo,
uma investigação cujos objetivos foram: investigar processos de aprendizagem da do-
cência e evidenciar concepções de futuros professores sobre a sua profissão. Os dados
foram analisados em seis eixos temáticos, resultando em significativas constatações,
das quais se destaca a falta de saberes relativos à especificidade da profissão docente
e ao contexto sócio-histórico no qual ela acontece, comprometendo a ação futura do
professor e, consequentemente, a aprendizagem do aluno da escola básica. Cabe, pois,
repensar a formação docente, numa época em que seu redimensionamento por meios
tecnológicos é possível.
Finalmente, no artigo “Pedagogia: concepções e práticas em transformação”, os
autores Paula e Machado (2009) apresentam uma análise das concepções educacionais
do curso de Pedagogia voltadas para a formação social do Educador ao longo da história.
Os documentos oficiais e algumas entidades representativas priorizam a docência como
base de formação, outras priorizam o Pedagogo como cientista da educação. Este artigo
faz parte de uma pesquisa que analisa os documentos e produções bibliográficas a respei-
to das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, instituída pela Re-
solução CNE/CP n. 1 de 15/05/2006. Os estudos revelaram que a Pedagogia Social tem
surgido como instrumento da Educação para atender às novas demandas da sociedade e
formar o Educador Social como o seu agente transformador.
ANÁLISE QUALITATIVA
Para apresentar uma análise qualitativa acerca do tema, este estudo toma,
inicialmente, como principais autores Rubem Alves, Freire e Becker quando dis-
cutem o tema desta pesquisa: “Docente: professor ou educador? Um olhar sobre
sua concepção epistemológica”. Professor, na visão de Rubem Alves (1985, p. 14),
20
“[...] é funcionário de um mundo dominado pelo Estado e pelas empresas. É uma
entidade gerenciada, administrada segundo sua excelência funcional, excelência
esta que é sempre julgada a partir dos interesses do sistema”.
Com base neste pensamento, é possível identificar a postura do professor
como aquela que é exercida de forma mecânica sem dá relevância à aprendizagem
do educando.
Acreditar na definição do ser professor, segundo Rubem Alves (1985), é com-
preendê-lo como sendo um funcionário da educação formal que, mesmo inconscien-
te, contribui com o modelo social vigente, compactuando com a ideologia subjacente
desse sistema que é imposto pela classe dominante, implicando em atuar de forma
autoritária. Portanto, sua lógica é deixar evidente que existe uma relação de poder
entre professor e aluno, em que um manda e outro obedece. Nessa relação, não há
interação colaborativa entre professor e aluno, pelo contrário, há um relacionamen-
to distante e com papel bem definido, destacando o professor como dono do saber
e classificando o aluno como alguém que não sabe quase nada. O educando é visto
como um ser vazio que está ali apenas para receber o que lhe é imposto e reproduzir
fielmente o que lhe é cobrado. Aquele que conseguir manter-se disciplinado através
do silêncio e tirar nota 10 como resultado da memorização dos conteúdos transmi-
tidos, é considerado o aluno ideal.
Nesse contexto, percebe-se claramente o retorno que a escola dá à sociedade, for-
mando indivíduos “medíocres” que servirão apenas para dar continuidade a um modelo
conservador, impedindo qualquer possibilidade de mudança.
Por outro lado, educador, como afirma Rubem Alves (1985, p. 26): “[...] é um
fundador de mundos, mediador de esperanças, pastor de projetos”. Refletir a definição
do ser educador sob essa ótica implica em desvendar a utopia que é transmitida pelo
autor. Essa utopia perpassa a ideia de que o educador vive num mundo diferente, um
mundo onde não há desigualdade entre educador e educando, um mundo onde há
espaço para diversas possibilidades, permitindo um crescimento coletivo por meio da
verdadeira comunicação entre os sujeitos. Com essa visão, acredita-se que os educado-
res amam o que fazem porque sentem-se chamados interiormente pela vocação, dife-
renciando-se de professores, pois estes se sentem chamados a realizarem um trabalho
de mera transmissão de conhecimentos. Ainda de acordo com Rubem Alves (1985, p.
11): “[...] professor é profissão, não é algo que se define por dentro por amor. Educador,
ao contrário, não é profissão, é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de
uma grande esperança”.
Analisando as definições citadas pelo autor (ALVES, 1985), percebe-se claramente
que há diferentes funções entre ser professor ou ser educador.
Relacionando esta última definição do ser educador com a de ser professor, am-
bas de Alves (1985), mencionada no início desta seção, subtende-se que ser educador
21
não é simplesmente transmitir conhecimentos nem tampouco servir aos interesses de
uma política educacional que esteja voltada para defender os interesses do sistema
capitalista, mas é, acima de tudo, criar expectativas de um novo mundo. Contudo,
essa prática requer criatividade, cuidado, amor... requer, ainda, mediar esperanças por
meio de um discurso transparente, aberto às críticas, provocando conflitos no pensa-
mento do educador e do educando, promovendo saberes pelas trocas de conhecimen-
tos entre aprendizes.
Dentro desse contexto, acreditando na criação de mundos novos, é necessário que
haja educadores dispostos a enfrentar esse desafio. Mas, segundo Rubem Alves (1985, p.
11), “Educadores onde estarão? Em que covas terão se escondido? [...]”.
Percebe-se na indagação do autor, que educadores existem, estão apenas es-
condidos. Nesse caso, é interessante questionar o porquê de estes estarem escondi-
dos. Será por medo de transformar suas práticas, evitando os incômodos? Ou será
que optaram pela função de professor por uma questão de conveniência? Ou ainda,
será que estão apenas dormitando historicamente? Se estiverem nesse estado, basea-
do em Rubem Alves (1985, p. 26): “Basta que os chamemos de seu sono, por um ato
de amor e coragem”.
Dessa forma, Alves (1985) convida à reflexão sobre o compromisso de que o do-
cente deve ter em sua postura, sobretudo quando se deixa influenciar pela formação
recebida no passado e que, conscientemente ou não, permanece atuando com autorita-
rismo, desempenhando posturas “tradicionais”.
Analisando alguns textos de Paulo Freire (1983, 1987, 1992), não é possível iden-
tificar diferenças entre ser educador e ser professor, no entanto, percebe-se uma prefe-
rência por parte do autor em utilizar quase sempre o termo educador. São apontados
educadores que atuam de formas diferentes, o que Freire (1983, 1987, 1992) classifica
como educadores conservadores e educadores progressistas, que se enquadram em dois
modelos de concepção de educação que o autor apresenta como: concepção “bancária” e
concepção problematizadora e libertadora, o que nos leva a compreender melhor a razão
de ser educador.
Para a concepção da educação bancária, segundo Freire (1987, p. 58): “[...] a edu-
cação se torna um ato de depositar, em que os educandos são depositários e o educador
depositante”. É nessa concepção que se enquadram os educadores conservadores e, de
acordo com essa citação, percebe-se que esse tipo de educador se coloca como detentor
do saber, e por meio da transmissão de conteúdos vai enchendo o educando, desconside-
rando todo e qualquer conhecimento que este traz consigo, inibindo-o e tornando-o um
mero receptor de conteúdo, isto é, um mero depositário, além de mero ouvinte, já que o
educador narra o tempo todo.
Ainda de acordo com Freire (1987, p. 58), “a narração de que o educador é o su-
jeito, conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado”. Percebe-se,
22
dessa forma, que o educador conservador exerce o poder que manipula o educando,
exigindo que este reproduza o que lhe é ensinado, negando-lhe a capacidade de produzir
seus próprios conhecimentos. Nesse sentido, o educando torna-se um ignorante diante
do conhecimento que lhe é transmitido, uma vez que o transmissor emite uma ideia de
que o saber pertence a ele.
Provavelmente há, ainda, um significativo número de docentes que exerce
sua função colocando-se como centro do processo educativo. Essa postura fica cla-
ra quando Freire (1983, p. 38) afirma que “o professor ainda é um ser superior que
ensina a ignorantes”. Essa afirmativa revela uma verdade assustadora, mas, aqueles
que estiveram um dia atrás de uma carteira na sala de aula, na posição de aluno,
compreendem bem esse texto.
Ainda assim, há docentes que demonstram e defendem outros discursos, admitin-
do serem democráticos, acreditando que o aluno exerce um papel importante no proces-
so de ensino e aprendizagem e que a proposta curricular deve estar voltada para a reali-
dade do educando. No entanto, na prática, esse discurso entra em contradição uma vez
que, muitos docentes não conseguem superar a ideologia subjacente de um sistema que
reprime, dificultando que os educadores progressistas assumam uma postura coerente
com tais discursos. Embora selecionando conteúdos, acabam assumindo posturas tradi-
cionais, distanciando-se dos alunos, perdendo de vista a essência daquilo que acreditam
e defendem, tornando-se antidemocráticos. Nesse sentido, pode-se compreender Freire
(1992, p. 111) quando diz que “não é possível democratizar a escolha dos conteúdos sem
democratizar o ensino”.
Dessa forma, o autor parece fazer um convite para que se possa refletir cada vez
mais a função que o docente exerce, a fim de que este possa conscientizar-se de que a
seleção de conteúdos por si só não fará a diferença se a postura de quem a conduz não
estiver voltada para o diálogo. Enfim, inovar “o que fazer”, sem inovar “o como fazer”, é
se submeter ao modismo sem atingir resultados satisfatórios.
O educador progressista enquadra-se na concepção problematizadora e liberta-
dora da educação que, segundo Freire (1987, p.70), “[...] de caráter autenticamente re-
flexivo, implica um constante ato de desvelamento da realidade”. Engajar-se nessa con-
cepção, significa denunciar todo e qualquer tipo de ação desumanizadora e superar a
contradição educador/educando. Por isso, compete ao educador progressista refletir sua
prática pedagógica no sentido de reconhecer-se e reconhecer o educando como um ser
político, que tem visão de homem-mundo, comprometido com a humanização, reme-
tendo a ideia atrelada ao ato de educar como humanizar, termo propício para quem
pensa em educar não como ato profissional apenas, mas pela força impulsionadora de
trabalhar com gente, de lutar, o que aproxima mais de educar.
Atuar dessa forma, requer do educador progressista um relacionamento “amo-
roso” com o educando, ou seja, faz-se necessário perceber nele um ser capaz não só de
23
aprender, mas também de ensinar. Nesse caso, faz-se necessário também que o educador
resgate o desejo de aprender para que possa crer de fato na capacidade de educando.
Nesse contexto, vale apena citar Freire (1993, p. 11), quando fala em seu livro
“PROFESSORA SIM, TIA NÃO”: “o processo de ensinar, que implica o de educar e vice-
-versa, envolve a ‘paixão de conhecer’ que nos insere numa busca prazerosa, ainda que
nada fácil”.
Sob esta ótica, compreende-se que exercer a função de educador progressista
realmente não é tarefa fácil, pois, além de conhecimento acadêmico e pedagógi-
co, exige características tais como, por exemplo, humildade, paciência, esperança,
amor, dentre outras. Atuar dessa forma requer suporte a fim de que o educador
possa motivar-se para desempenhar melhor sua função no sentido de lançar um
novo olhar para a educação, na certeza de que através dela consiga trilhar novos
horizontes na tentativa de participar da sociedade e lutar para torná-la mais justa.
Afinal, como afirma Freire (1983, p.12): “Dentro de uma visão macroeducacional,
em que a ação pedagógica não se limita à escola, a organização da sociedade é tam-
bém tarefa do educador”.
Referindo-se ainda ao educador progressista, vale o questionamento: será que re-
ceber suporte necessário para atuar com dignidade basta para que o educador cumpra
sua função com rigor? A profissão do magistério não pode ser exercida isoladamente.
O educador precisa trabalhar com e para o educando. Nesse caso, é bom lembrar que o
educando é um ser que necessita de cuidado, carinho, amor, enfim, necessita de atenção.
E todo esse processo só é possível através do diálogo. No entanto, enfrentar a realidade
da escola, principalmente a da escola pública, onde o número excessivo de alunos nas sa-
las dificulta um relacionamento entre professor e aluno, ou seja, dificulta o diálogo como
forma de comunicação propriamente dita, impossibilita o docente atender os discentes
considerando as suas diferenças.
Diante de tantos obstáculos, nota-se que há, ainda, uma saída para construir esse
diálogo: o amor. Partindo desse pressuposto, compreende-se que o amor é algo podero-
so. O amor é capaz de superar todas as barreiras que impedem os seres de serem mais.
Portanto, é um poder mágico porque tem uma força que impulsiona a luta pela dignida-
de mútua, pela democracia autêntica, pela conscientização, pela liberdade. Nesse senti-
do, o amor é revolucionário quando se faz da prática educativa um ato político. Portanto,
somente com e por amor, os seres tornarão possível o diálogo.
O amor do qual se fala não se refere ao amor consequente de empatias, mas um
amor que força a separar o que é de natureza pessoal daquilo que é realmente necessá-
rio para os aspectos didáticos, que favorece ao educando situações de aprendizagens.
Compreende-se que isso não é fácil.
Percebe-se, dessa forma, que para ser um educador progressista, não basta
apenas receber os suportes necessários para desenvolver seu trabalho com eficácia.
24
Mas, é necessário que ele dê suporte ao educando através do amor e da esperança, o
que implica humildade para que possa desafiar sua função com dialogicidade.
Dentro desse contexto, compreende-se melhor a importância do diálogo no pro-
cesso educativo. De acordo com Freire (1987, p. 81): “Ao fundar-se no amor, na humil-
dade, na fé nos homens, o diálogo se faz horizontal, em que a confiança de um polo no
outro é consequência ‘óbvia”.
Vale ressaltar que os pensamentos e reflexões a respeito das práticas pedagógicas
e de vida fundadas nesse amor estão alicerçadas como algo inerente aos seres, não como
visão ingênua, mas como busca de equilíbrio mesmo provisório entre a objetividade da
vida, dos fatos e dos sujeitos que interagem com base na subjetividade.
Finalmente, o discurso de Becker (1993) fechará esta fundamentação teórica, que
levará a reflexão não mais sobre a diferença entre ser professor ou ser educador, mas
sobre a relação que existe entre a concepção epistemológica e a prática pedagógica dos
docentes. Sobre este assunto, o autor diz:
A citação acima lembra o cotidiano da maioria dos docentes que assumem postu-
ras típicas desta pedagogia, por ser, talvez, a que se reproduz mais facilmente, em função
de vivência anterior. Analisando a pedagogia que tem como alvo somente o aluno, vale
refletir o que Becker (1993, p.10) diz a respeito:
25
Nessa perspectiva, compreende-se que não é possível conceber uma pedagogia
que tem como centro somente no aluno, enquanto sujeito do processo escolar. Dessa
maneira, ela nega a pessoa do professor, deixando-o à margem desse processo.
Esse tipo de pedagogia está fundamentada na epistemologia apriorista que
absolutiza o sujeito, neste caso, o aluno, considerando a bagagem hereditária que ele
traz consigo. Considera que o conhecimento é exclusivo desse sujeito. Daí a desva-
lorização do professor, já que, neste modelo, não se considera a experiência, no caso
a experiência do docente. Na epistemologia apriorista, o mundo do sujeito é deter-
minante do objeto.
Ao abordar uma terceira pedagogia, que, ao invés de centrar-se somente no pro-
fessor ou somente no aluno, se centra na relação entre eles, ou seja, tanto o professor
quanto o aluno são valorizados mutuamente. Becker (1993, p. 10) diz: “Uma pedagogia
centrada na relação tende a desabsolutizar os polos da relação pedagógica, dialetizando-
-os. Nenhum dos polos dispõe de hegemonia prévia. O professor traz sua bagagem, o
aluno também”.
Analisando essa última pedagogia, percebe-se que esta, talvez, seja a mais in-
dicada para se constituir na sala de aula, pois somente esta deve ser capaz de pouco
a pouco ir superando os modelos citados anteriormente, exercendo a interação entre
o sujeito e o objeto. Essa pedagogia é fundamentada na epistemologia interacionista
do tipo construtivista. Nela, o mundo do sujeito e o mundo do objeto são determi-
nantes entre si.
Sabe-se que o interacionismo, especialmente o construtivismo, propõe uma con-
cepção epistemológica contrária ao empirismo e ao apriorismo. Refletindo sobre as pe-
dagogias fundamentadas nas epistemologias empirista e apriorista, citadas por Becker
(1993), acredita-se na necessidade da superação dessas pedagogias. Mas, superar tais
pedagogias não significa desprezá-las totalmente. Nesse contexto, é preciso resgatar o
que há de importante em cada uma delas para o processo de construção de conhecimen-
to, bem como negar os fatores que impedem esse mesmo processo. O que se deve, então,
resgatar dessas pedagogias? Becker (1993, p. 10) indica que:
À luz dessas pedagogias, nota-se que o julgamento que se faz em relação a elas,
nem sempre deve ser considerado, pois o professor ainda é a autoridade do saber na sala
de aula. Cabe a ele, conduzir esse saber de forma segura e eficiente, o que não significa
exercer uma postura autoritária.
26
E o que se deve negar dessas pedagogias? De acordo com Becker (1993, p. 11):
Sob a ótica de Becker (1993), não é possível manter-se preso a teorias que susten-
tam práticas nas salas de aula e que implicam poderes exclusivos somente ao professor
ou somente ao aluno. Por outro lado, não se pode “adotar” uma postura interacionista
guiado pelo modismo ou mesmo por um ato inconsciente. É necessário um estudo mais
complexo sobre essa teoria, pois, pressupõe-se que seja a partir daí que se tem condições
de sustentar uma prática pedagógica mais equilibrada. Acredita-se que, talvez, este não
seja o único caminho a ser percorrido, mas que seja necessário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
27
Esses discursos trouxeram ainda reflexões sobre a relação existente entre a con-
cepção epistemológica e a prática pedagógica dos docentes que se constituem na prá-
tica de cada sala de aula. Nessa relação, há um movimento de polarização, destacando
o papel do professor e do aluno de diferentes formas, conforme a ênfase dada à peda-
gogia que, por sua vez, está fundamentada em diferentes epistemologias, descritas da
seguinte maneira: uma pedagogia centrada no professor, fundamentada na epistemo-
logia empirista que tende a valorizar relações hierárquicas; outra pedagogia centrada
no aluno, fundamentada na epistemologia apriorista que absolutiza o sujeito; por fim,
uma pedagogia centrada na relação, fundamentada na epistemologia interacionista do
tipo construtivista e na qual nenhum dos polos dispõe de hegemonia prévia.
Nesse sentido, ficou clara a postura política de que o professor/educador deve as-
sumir, a fim de possibilitar o desenvolvimento da consciência crítica do educando, para
que este compreenda melhor o seu papel e a sua visão de mundo presente na sociedade.
No entanto, as análises apontaram o lado técnico, estruturado e metódico já internali-
zado pela formação acadêmica recebida, revelando que os indivíduos têm habitus es-
truturados não só pelas matrizes familiares obtidas pela escola, deixando transparecer a
epistemologia empirista subjacente em suas práticas.
As análises apontaram, também, caminhos para mudanças de posturas e reconhe-
cimento da identidade profissional em que o professor, por meio de uma formação que
esteja voltada para atender às novas demandas da sociedade, possa constituir-se enquan-
to agente transformador e atuar como um professor/educador.
REFERÊNCIAS
ALVES, Rubem Azevedo. Conversa com quem gosta de ensinar. 13. ed. São Paulo:
Cortez/Autores Associados, 1985. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo, v.1)
______. Estórias de quem gosta de ensinar. 6. ed. São Paulo: Cortez/Autores Associa-
dos, 1986. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo, v.9)
BACK, R. Por uma concepção filosófica da educação. Educacao e Pesquisa, 45, 2019.
doi:10.1590/S1678-4634201945205293
28
CRUZ, G. B.; ANDRÉ, M. E. D. A. Ensino de didática: um estudo sobre concepções e práticas
de professores formadores . Educação em Revista, v. 30, Nº 4, p. 181 – 203, 2014. Disponível
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FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. (O
Mundo, hoje, v. 21)
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______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 20. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção leitura)
29
MESQUITA, S. S. A. Referenciais do “bom professor” de ensino médio: exercício de
articulação teórica. Cadernos de Pesquisa, v. 48 Nº 168, p. 506 – 531, 2018. Disponível
em: <https://doi.org/10.1590/198053144820>. Acesso em 13 fev. 2021.
30
A IMPORTÂNCIA DO RECONHECIMENTO
DA FISSURA LABIOPALATINA COMO DEFICIÊNCIA: De-
safios educacionais e sociais
INTRODUÇÃO
As fendas de lábio e palato são os defeitos congênitos mais comuns entre os nasci-
dos vivos da população humana. Um dos grandes desafios é a aceitação por parte da fa-
mília e da sociedade de uma criança com Fissura Labiopalatina, seu devido acolhimento
e assistência integral, assim como o reconhecimento dos seus direitos e necessidade de
inclusão plena (JURADO; MOREIRA, 2018).
Sendo assim, para uma melhor compreensão desta proposta temática faz-se ne-
cessário, primeiramente, discorrer sobre o conceito de Fissura Labiopalatina. De acordo
com o Ministério da Saúde, a Fissura Labiopalatina é uma má formação congênita que
acomete uma a cada 650 bebês, sendo esta uma realidade brasileira. Este mesmo concei-
to está descrito no projeto de lei de n° 11217/2018, que cita:
Logo, é perceptível que essa fissura ocorre no período de formação do bebê durante a
gestação e que esta pode ser acarretada por diversos fatores ainda não identificáveis com uma
precisão, o que gera socialmente uma invisibilidade desta como deficiência, já que, os estudos
científicos apenas mencionam alguns indícios, porém sem uma causa que o favoreça.
Importante ressaltar que para a pessoa com fissura implica um desconforto esté-
tico, uma vez que é uma deformidade visível na região da face, além de atingir algumas
funções fonológicas, como também psicoemocionais.
31
Ademais, a fissura varia de indivíduo para indivíduo, pois elas podem ser de modo
simples até complexas, as quais dependem também do tempo certo de tratamento po-
dendo evitar sequelas maiores ou sua total reabilitação. Cezar (2020), citando Garib
(2010), discorre que há diversas terminologias para a fissura labiopalatina, o que difi-
culta as pesquisas acadêmicas, bem como, a busca pela causa e tratamento pelo sujeito.
Assim se posiciona:
32
outros estudantes de graduação e pós-graduação a também desenvolverem pesquisas
que envolvam direitos sociais e educacionais das pessoas fissuradas.
Segundo, por me constituir enquanto sujeito fissurado e poder relatar minhas vi-
vências e experiências neste lugar de marginalização social pelo qual todos nós passa-
mos, uma vez que ser fissurado, nesta sociedade, demanda o enfrentamento de todos os
preconceitos existentes, demarcando o lugar de opressão e subvertendo-o. Como afirma
Berth (2019), é a partir da tomada de consciência do sistema de opressão que se constrói
os meios para mudá-los.
Assim, como aporte teórico para fundamentar esta pesquisa recorremos aos se-
guintes autores: Cezar (2020), que discute sobre a importância das políticas públicas
para pessoas com fissuras lábio palatinas; Campos (2011), que aborda sobre a efetivação
jurídica dos fissurados no mercado de trabalho; Machado e Pavão (2019), que discorre
sobre a invisibilidade dos fissurados e sua inclusão; além do Projeto de Lei (11217/2018)
e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB-9394/96), os quais utilizaremos para dis-
cutir o acesso, a permanência e o êxito escolar do fissurado no ensino.
REVISÃO TEÓRICA
A Fissura Labiopalatina: conceito e contextos
33
transforame incisivo, fissuras pós-forame incisivo e fissuras raras da face (CAMPOS, 2011).
Observe a imagem a seguir.
As fissuras raras da face são as que atingem somente a região da face, representadas
na imagem A e B. A fissura pré-forame incisivo é quando restringe ao lábio e a gengiva,
imagem C e D. Já a fissura transforame incisivo, consiste numa fissura que atinge o lábio
e o palato mole e duro, E e F. Essas últimas podem ser tanto unilaterais quanto bilaterais.
Por fim, a fissuras pós-forame incisivo, que atinge somente o palato mole ou a úvula.
É importante destacar que as sequelas atreladas aos sujeitos fissurados são muitas,
podendo ser um desvio na dicção, a qual interfere na comunicação do indivíduo, cau-
sando incompreensão pelo interlocutor, dificuldades na realização de atividades básicas
como alimentação, respiração, além de transtornos psicológicos (BORGES-OSÓRIO;
ROBINSON, 2013).
Contextualizado o conceito de fissura labiopalatina, enfatizamos que muitas des-
sas sequelas podem ser evitadas mediante a submissão ao processo cirúrgico, a qual deve
ocorrer no tempo adequado e ao tratamento interdisciplinar com profissionais de diver-
sas áreas, já que os
34
Mesmo com o indicativo do acompanhamento interdisciplinar, sabemos que esta
não é uma realidade acessível a todos, por conta da dificuldade financeira ao tratamento,
a falta de conhecimento das políticas públicas existentes, bem como, o reduzido número
de centros de tratamentos existentes no Brasil diante da demanda pelos serviços e grande
quantidade de pacientes, além do acesso tardio ao tratamento, influenciado por fatores
socioeconômicos e territoriais.
A Constituição Federal (CF) de 1988, no seu artigo 23, inciso V, cita que é dever
do Estado, Municípios e União promover o acesso à educação. A LDB (9394/96), no seu
artigo 2, menciona que é dever da família e do Estado o pleno desenvolvimento no aluno
preparando-o para o convívio em sociedade e para o mercado de trabalho:
É notório que essas leis que regem o bom funcionamento do sistema educacional
são bem enfáticas quanto ao acesso à educação, porém, no dia a dia, o que presenciamos
é o descumprimento da lesgislação, pois se as leis usam o verbo dever no imperativo,
indicando uma ordenança, deveria ser cumprida diariamente.
Outro ponto importante, mencionado na LDB, é a igualdade de acesso e perma-
nência a escola. Nos deteremos nesta questão, uma vez que, o sujeito com fissura labio-
palatina encontra diversos desafios para ter a efetivação da sua educação na completude,
visto que, além de lidar com as questões psicológicas, tem que enfrentar o preconceito
referente a sua deficiência.
Ademais, a falta de compreensão por parte dos docentes/ escola e sociedade civil
acarreta ainda mais a não permanência do fissurado no processo do ensino, ocasionando
a exclusão deste, pois ao se pensar nesta permanência é preciso subverter todos os siste-
mas opressores que impossibilitam a real inclusão dos fissurados no sistema de ensino,
já que,
35
Com isso, percebemos que ainda há uma luta a ser enfrentada e conquistada por
todos os fissurados para que possam ter seu direito de acesso e permanência na educação
com êxito, pois, como cita Gil e Silva (2019), ainda presenciamos uma exclusão desses
indivíduos; e consultando a LDB (1996), esta exclusão está em desacordo, pois em seu
artigo 58, diz que
36
Para tanto, ao se pensar a permanência desse fissurado no sistema de ensino, de-
ve-se levar em consideração todos os parâmetros estipulados pela LDB-9394/96 para
que realmente se efetive uma educação igualitária e que assegure o seu acesso. Porém
essa condição só será completa quando ingressarmos efetivamente nesta luta e exigirmos
nossa visibilidade dentro e fora desses espaços.
Outro ponto em discussão sobre o sujeito fissurado é o seu acesso e permanência
em todas as etapas educacionais, de modo que se possa garantir não apenas o direito de
acesso à educação formal, como também o direito de permanecer e avançar, ter acesso à
cultura, ao esporte e ao pleno exercício da cidadania e integração social.
METODOLOGIA
Com isso, a metodologia consiste em criar métodos investigados que visam au-
xiliar o pesquisador no seu ato investigativo. Vale ressaltar que a metodologia assumida
neste trabalho não é padronizada, uma vez que, cada pesquisa exige procedimentos e
métodos específicos, cabendo ao pesquisador encontrar a que melhor respalde a sua
investigação.
37
aumentam à medida que enfocarmos a pesquisa como um processo e
não como uma simples coleta de dados (PRODONOV, FREITAS, 2013,
p. 44).
Assim, como procedimento por nós adotado para construção e investigação desta
pesquisa, optamos pela pesquisa bibliográfica de cunho exploratório que, segundo Gil
(2002), consiste na utilização de materiais já elaborados, como livros, artigos científicos
entre outros. Nesse sentido, os procedimentos adotados são de cunho bibliográfica- ex-
ploratório e se deu da seguinte maneira:
A lei de n° 3.146, de 6 de julho de 2015, define em seu artigo 1º que esta deve as-
segurar e promover condições de igualdade para o exercício dos direitos e das liberdades
fundamentais da pessoa com deficiência visando a sua inclusão social e cidadania. Po-
rém, o que presenciamos é uma disparidade entre o proferido na lei o que realmente vem
sendo exercido diariamente.
O que está assegurado na lei n° 3.146 (2015) sobre o acesso e direito a inclusão,
faz-se necessário discorrer sobre o que é deficiência e pessoa com deficiência. Tal concei-
to corresponde a limitação do indivíduo em aspectos estruturais ao corpo, podendo ser
influenciada por fatores sociais e ambientais em que o sujeito está inserido.
Já a pessoa com deficiência, mediante a lei n° 3.146, corresponde ao impedimento
de natureza física, mental, intelectual e sensorial, que limita sua interação com outras
pessoas e sua participação ativa e efetiva na vida em sociedade.
38
Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento
de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual,
em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pes-
soas (LEI, n° 3.146, 2018, p. 08).
Com isso, deixamos esclarecido que não se deve igualar os termos deficiência e
pessoa com deficiência, pois, por mais que demonstrem ser semelhantes, socialmente
não o são, já que, a deficiência não é o sujeito, e sim uma característica que faz parte
desse sujeito.
Podemos afirmar que o fissurado se ampara nesta lei, uma vez que, a fissura la-
biopalatina é uma má formação que acarreta algumas limitações, as quais interferem
constantemente na vida em sociedade. E o que nos chama a atenção é que mesmo com
essa precedência existente na lei de que toda limitação pode ser considerada como defi-
ciência, não é isto que acontece com os fissurados.
Outro ponto em destaque na Lei Brasileira de Inclusão, é que todos têm di-
reito à igualdade e oportunidade como as pessoas ditas normais, e que estas não
devem sofrer nenhum tipo de discriminação, porém em se tratando do fissurado
não é o presenciamos. Todos os dias sofremos discriminações explicitas ou implí-
citas, sendo a nós negados os direitos presentes nesta lei, e isso precisa ser revisto,
pois segundo a lei.
Como previsto na lei, toda e qualquer forma de discriminação, seja ela estrutural
ou velada, deve ser combatida para que nossos direitos não nos sejam negados. Contudo,
é importante dizer que a omissão e a negativa de direitos são igualmente prejudiciais,
sendo formas menos discutidas de discriminação.
Na negativa de direitos, podem ser incluídas práticas como a dificuldade de
acesso, a falta de sensibilidade às dificuldades educacionais, a ausência de assis-
tência à saúde e ao trabalho de centros e equipes multiprofissionais nos territórios
e municípios do interior do país. Não obstante, a omissão do poder público e dos
agentes públicos na implementação de políticas e garantia de direitos é vista como
algo difuso e difícil de responsabilizar por parte do judiciário brasileiro.
39
Nesse cenário, é essencial que haja mobilização social e cobrança por parte da
sociedade civil organizada e dos sujeitos fissurados aos agentes públicos, para que os
artigos frios e técnicos presentes na lei possam se traduzir em práticas de acolhimento,
integração, assistência e inclusão das pessoas fissuradas.
Queremos deixar eviddenciado que não é só o reconhecimento da fissura labio-
palatina como deficiência, mas que também haja um respeito as nossas diferenças e que
como cidadãos possamos gozar dos nossos direitos para o pleno exercício da cidadania
e verdadeira inclusão social, educacional e no mundo do trabalho.
Diante do atual contexto, os fissurados têm tido seus direitos negados por falta de
políticas públicas. Com isso, se faz necessário que esta minoria se mobilize e se organize
para que possam ter sua voz na sociedade e que seus direitos sejam reparados dando a
eles acessibilidades em todas as esferas sociais.
Recorremos a PL n° 11217/2018 (que ainda se encontra em análise nas esferas
públicas) para respaldar a nossa pesquisa no que se refere ao reconhecimento da fissura
labiopalatina como deficiência. Assim, a referida lei, no seu artigo 1°, nos traz quem
pode se enquadrar como uma pessoa fissurada:
40
Figura 2. Edital Polícia Federal 2018
41
Se não dizemos que uma pessoa tem “orelha de burro”, ou “boca de pato”,
por que diríamos que ela tem o lábio de uma lebre?
Sim, leporino é uma palavra derivada de lebre. Soa desdenhoso e é ina-
propriado se referir a alguém fazendo uma comparação com um animal
(SMILETRAINBRASIL, 2021).
Vale destacar que esta explicação ao uso do termo “lábio leporino” ainda é muito
recente, sendo que das pesquisas por nós investigadas, nenhuma delas faz menção a
esta colocação. Por não haver uma propagação massiva cientificamente explicando o uso
incorreto deste termo, acaba sendo uma brecha para reprodução discriminatória pela
sociedade, como explicitamos aqui nos editais supracitados.
42
que não exime o edital de uso preconceituoso para com as pessoas fissuradas, os quais
não fazem mais uso do termo leporino.
Ainda com relação ao direito de participação e aprovação nos processos seletivos
públicos, salientamos que os fissurados não são equiparados pelas cotas de pessoas com
deficiência, levando-os a ter que concorrer em ampla concorrência. Porém, em alguns
editais, eles são vetados de concorrer por essas duas portabilidades, tendo seus direitos
civis negados, ferindo o seu direito constitucional de acesso a processos seletivos públi-
cos, uma vez que
Dessa forma, fica evidente que esses impedimentos das pessoas fissuradas estão
legitimamente atrelados ao não reconhecimento da fissura como deficiência, sendo que
esta é visivelmente notória, pois afeta sua dicção, seu psicológico, seu cognitivo e até
mesmo o estético.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
43
Para tanto, vale ressaltar que o reconhecimento do sujeito fissurado como defi-
ciente ainda é um campo arbitrário, pois este pode ou não se reconhecer como tal, ou
seja, por a fissura labiopalatina não ser padrão, esta representa uma via de mão dupla, já
que o indivíduo que não se identifica como deficiente tem a livre escolha de se incluir ou
não na lei, como afirma a Lei Brasileira de Inclusão, em seu art. 4, parágrafo 2°, ao citar
que “a pessoa com deficiência não está obrigada à fruição de benefícios decorrentes de
ação afirmativa” (BRASIL, 2015, p. 9). Sabemos que os desafios são muitos e que o pri-
meiro passo da conquista deste reconhecimento consiste em mudanças nas leis existen-
tes para que possamos ser incluídos e que os estigmas não nos padronizem como sujeitos
sem aptidões para o ingresso na educação e no mercado de trabalho, pois precisamos de
leis que nos favoreçam e não de leis que nos deixem a margem.
REFERÊNCIAS
CAMPOS, Cláudia Berbert. A efetividade jurídica das normas de inclusão das pessoas
com fissura labiopalatina no mercado de trabalho. Tese (Doutorado em Ciências da
Reabilitação - Área de concentração: Fissuras Orofaciais e Anomalias Relacionadas) –
Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Universidade de São Paulo. Cam-
pos. Bauru, 2011. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/61/61132/
tde-28112011-134753/publico/TeseClaudiaCamposC.pdf>. Acesso 14 abr 2021.
44
COSTA, Verônica Cristine Rodrigues. Gazzoni, Luciano. Aspectos etiológicos e clíni-
cos das fissuras labiopalatinas. Revista de Medicina e Saúde de Brasília. 2018. Dispo-
nível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5588447/mod_resource/content/1/
Costa%20et%20al. %2C%202018%20-%20Aspectos%20etiol%C3%B3gicos%20e%20
cl%C3%ADnicos%20das%20fissuras%20lab iopalatinas.pdf>. Acesso 20 abr 2021.
GIL, Maria Stella Coutinho Alcântara. SILVA, Glorismar Gomes da. Alunos com fissu-
ra lábio palatina: ‘abrindo a boca’ para este público. In: PAVÃO, Ana Cláudia Oliveira,
. Sílvia Maria de Oliveira (org.). Os casos excluídos da política nacional de educação
especial na perspectiva da educação inclusiva. Santa Maria, RS: FACOS-UFSM, 2019.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF: Senado, 1996.
NETO, Sr. Domingos. Projeto de lei nº 11217, de 2018. Disponível em: <https://www.
camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=056D4806B8CE
5D2B06D73F7AEF095433.proposicoesWebExterno2?codteor=1702042&filename=
PL+1121 7/2018>. Acesso 20 mar 2021
45
A PRÁTICA DOCENTE INTERDISCIPLINAR
NO ENSINO MÉDIO
Susan Alves de Souza Peixoto
Nubia Moura Ribeiro
INTRODUÇÃO
46
interdisciplinares – e talvez o aspecto mais delicado da interdisciplinaridade – funda-
mentado na necessidade do trabalho orquestrado entre as diversas áreas do saber.
Na condição de professora que atua há uma década diretamente na docência, esta
autora pode afirmar que a interdisciplinaridade está muito distanciada do chão da escola
e é, ainda, um grande desafio para quem está atuando na sala de aula. Essas dificuldades
tornaram-se um estímulo para reunir esforços em função de pesquisar a problemática
da prática docente interdisciplinar no ensino médio e como ela é tratada nos documen-
tos oficiais do Ministério da Educação e nos documentos de uma instituição de ensino,
tais como o Projeto Pedagógico da Instituição (PPI) da escola onde a autora atua. Tal
estímulo surge não só da vontade de aprender para si mesma, mas para contribuir no de-
senvolvimento de perspectiva interdisciplinar norteadora das práticas docentes refletida
nos documentos institucionais.
Considerando o exposto até aqui, surgem algumas questões para a investigação
que se delineia: quais são as bases teóricas e metodológicas relativas à interdisciplinari-
dade nos documentos nacionais e nos de uma dada instituição de ensino, aqui pesqui-
sada? Nos documentos institucionais é possível perceber qual é o apoio fornecido pela
escola, para sugestão, elaboração e execução de uma proposta interdisciplinar? Respon-
der essas questões é uma necessidade. Isso porque, atualmente, mais ainda do que nas
décadas anteriores, faz-se mister o desenvolvimento do trabalho didático-pedagógico
em perspectiva interdisciplinar. A interdisciplinaridade se desenvolve mais facilmente
se há um eixo integrador, que pode ser um conceito ou um objeto de conhecimento, um
projeto de investigação, um plano de intervenção. Nesse sentido, a ação interdisciplinar
deve partir da necessidade, seja das escolas, dos professores ou dos alunos de explicar,
compreender, intervir, mudar, prever algo que desafia uma disciplina isolada e atrai aten-
ção de mais um olhar, de vários deles (MEC, 2002).
Levando em consideração o que foi dito até aqui, apresenta-se como objetivo ge-
ral desta pesquisa identificar como a prática docente interdisciplinar é tratada nos docu-
mentos de uma escola de ensino médio, do interior da Bahia e seu alinhamento com as
normativas nacionais emanadas pelo Ministério da Educação (MEC).
Segundo o MEC (2020), os principais documentos que atualmente norteiam a
educação básica são a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, (LDB, Lei nº
9.394), (BRASIL, 1996), as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica
(DCN-EB) (MEC, 2013), e o Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei nº 13.005,
de 25 de junho de 2014 (BRASIL, 2014).
Assim, para realizar esta pesquisa serão buscados dados de investigação sobre como
a interdisciplinaridade é tratada nesses documentos oficiais emanados pelo Ministério
da Educação (MEC), ou seja, na Lei e Diretrizes e Bases da Educação (LDB-9394/96),
as DCN-EB (MEC, 2013), nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(PCNs-EM) (MEC, 2000), na Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Médio
47
(BNCC-EM) (MEC, 2017), e também nos documentos oficiais de uma instituição aqui
pesquisada, tais como o Projeto Pedagógico da Instituição (PPI) e os Planos de Cursos.
Os objetivos específicos da pesquisa são:
Abordagem Metodológica
Quanto aos locus de pesquisa, cabe dizer que a escola pesquisada neste trabalho é
uma unidade da rede estadual de ensino, com 701 alunos distribuídos nas 1ª, 2ª e 3ª sé-
ries do Ensino Médio, nos turnos matutino, vespertino e noturno. A escola abriga 24 do-
centes, 02 coordenadoras, 03 técnicos e 06 apoios, e está localizada no Sudoeste Baiano.
Como esta pesquisa se desenvolveu no período da Pandemia de Covid-19, no qual
houve suspensão de atividades presenciais, optou-se por procedimentos de investigação
que não envolvessem coleta de dados diretamente com participantes de pesquisa. Assim,
este estudo se caracteriza, quanto aos procedimentos de coleta de dados, como pesquisa
bibliográfica e documental.
Em aspectos gerais, pode-se pensar que seria fácil construir o conhecimento ou
achar todas as respostas para as inquietações sobre a temática valendo-se de uma pesqui-
sa documental. Porém, no decorrer do processo de produção textual, notou-se que não é
bem assim. A cada escrita e reescrita, a cada orientação, o texto inicial foi se modificando
e talvez nem exista mais, pois, o pensamento já se desconstruiu inúmeras vezes. Para
entender melhor o conceito sobre pesquisa documental, cita-se Consetti (2006), segun-
do o qual esse tipo de pesquisa é realizado a partir de documentos contemporâneos ou
retrospectivos, considerados cientificamente autênticos visando compreender os objeti-
vos propostos na pesquisa. Não é nosso objetivo discorrer sobre os principais tipos de
pesquisas utilizadas no campo das ciências sociais. Mas como muitos autores se dedicam
às categorizações e classificações de tipologias de pesquisa, destaca-se que a investigação
documental implica trazer para a discussão uma metodologia que é “pouco explorada
não só na área da educação como em outras áreas das ciências sociais” (LÜDKE; AN-
DRÉ, 1986, p. 38).
O uso de documentos em pesquisa pode agregar informações relevantes. A rique-
za de informações que deles se pode extrair e resgatar justifica o seu uso em várias áreas
48
das Ciências Humanas e Sociais porque possibilita ampliar o entendimento de objetos
cuja compreensão necessita de contextualização histórica e sociocultural.
São considerados documentos “quaisquer materiais escritos que possam ser usa-
dos como fonte de informação sobre o comportamento humano” (PHILLIPS, 1974, p.
187, apud LUDKE, ANDRÉ 1986, p. 38). Estes incluem desde leis e regulamentos, nor-
mas, pareceres, cartas, memorandos, diários pessoais, autobiografias, jornais, revistas,
discursos, roteiros de programas de rádio e televisão até relatórios, estatísticas e arquivos
escolares. A pesquisa documental constitui uma técnica importante na abordagem qua-
litativa, seja complementando informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando
aspectos novos de um tema ou problema.
Nesta pesquisa, os documentos foram analisados a partir das premissas da Aná-
lise de Conteúdo, seguindo Bardin (2010). Neles foram buscados os trechos nos quais
havia referência ao tema em foco: interdisciplinaridade. Identificados esses trechos,
estes foram destacados, e utilizados para construção dos argumentos que fazem parte
deste trabalho.
Este estudo conta com a experiência de vida da autora, já que esta atua na escola
pesquisada. Assim sendo, aos resultados da pesquisa documental somam-se relatos de
vida da referida, decorrentes de anos de exercício profissional como docente no locus de
pesquisa. Os relatos foram acrescentados ao texto como fruto de observações assistemá-
ticas, experiências vividas no transcurso da atividade docente.
Por meio da pesquisa documental, aliada à Análise de Conteúdo e aos relatos de
vida desta autora que atua na escola pesquisada, foi possível analisar os marcos norma-
tivos com o intuito de destacar a importância da prática interdisciplinar no contexto
educacional do ensino médio e da relação entre a teoria e a prática.
49
ou Covid-19, que se tornou um grande problema e uma emergência de saúde pública
de importância internacional. Na época não se tinha a dimensão do agravamento dessa
doença. Em 11 de março de 2020, a contaminação pelo vírus covid-19 foi caracterizada
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma pandemia.
Ainda nos meses iniciais de 2020, como o problema estava muito longe de nós,
achávamos que não chegaria ao Brasil, tão pouco no interior do Nordeste. Porém, no dia
06 de março de 2020, surgiu o primeiro caso na Bahia. O governador Ruy Costa, inicial-
mente, decretou o fechamento de escolas em algumas cidades baianas onde tinham sido
identificadas pessoas infectadas. No dia 19 de março de 2020, todas as escolas baianas
estavam fechadas com base em decretos expedidos pelo governador, decretos que en-
caminhavam várias medidas protetivas para toda a sociedade, a fim de conter o vírus
Covid-19.
Desde o início da pandemia, medidas de isolamento e distanciamento sociais fo-
ram tomadas para que o processo de infecção não deixasse o sistema de saúde em co-
lapso. Todos os segmentos da sociedade sofreram com a atual situação enfrentada pela
população mundial.
Com isso, desde o dia 19 de março de 2020 até 17 de junho de 2021, quando este
texto foi escrito, as aulas presenciais estavam suspensas. Muitas foram as discussões acer-
ca do retorno das mesmas, porém, até aquele momento, não se teve um devido posicio-
namento para esse impasse.
Diante do exposto, as instituições escolares precisaram se estruturar. O distancia-
mento social, o mote “#fiqueemcasa” tornou-se um grande apelo para que todos aqueles
que tivessem condições de ficar em casa para cuidar de si e dos outros, em tempos de
pandemia, assim permanecessem. No contexto educacional, novos termos linguísticos
foram empregados, a fim de que os alunos se ajustassem a esses tempos, como por exem-
plo: “ensino remoto”, “ensino híbrido” (aulas presenciais e virtuais), entre outros.
E como fica a interdisciplinaridade diante desse contexto? O diálogo entre os do-
centes acontecia de forma mais distanciada e cada área procurava trabalhar da maneira
mais sutil para que não houvesse um desinteresse por parte dos alunos.
A partir da necessidade de aproximar-se dos alunos, os gestores, coordenadores e
professores se reestruturaram para promover uma educação que não fosse tão excludente.
Um aliado para esse período foi o uso das tecnologias digitais, com a criação de grupos
no WhatsApp, com o uso da plataforma do Google Classroom e dos Ambientes Virtuais
de Aprendizagens (AVA) e com a realização de lives (encontros ao vivo) com os docentes
e discentes para aqueles que tinham acesso à internet. Para os alunos que não tinham essa
acessibilidade, as atividades eram impressas e enviadas diretamente para eles.
Após esta breve apresentação do momento atual, e prosseguindo com a apresen-
tação de dados da pesquisa documental sobre a interdisciplinaridade, nesta seção são
apresentados alguns subsídios para esta pesquisa. Não se pretendeu realizar uma revisão
50
exaustiva dos conceitos, mas, sim, apresentar os pilares nos quais a pesquisa se assentou:
a prática docente em sala de aula, aspectos relacionados ao ensino médio e à interdisci-
plinaridade.
Ao discorrer sobre a prática docente em sala de aula, inicia-se enfatizando a im-
portância de aprimorar os conhecimentos e renovar metodologias. Já não cabe mais a
utilização do “caderninho das páginas amareladas” e faz-se necessário a atualização dos
saberes do docente, da sua vivência também enquanto ser humano, valorizando aquilo
que ele traz consigo da arte da vida. Com a sua experiência vivenciada, o docente leva
para a escola toda sua história. E é lá, no contexto escolar, que ele coloca em prática o que
apreendeu. De acordo com Freire (1997, p. 38), “a práxis, porém, é a reflexão e a ação dos
homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contra-
dição: opressor/oprimido”. Sendo assim, a prática docente é uma prática social que deve
acontecer dentro e fora da sala de aula.
No que se refere ao Ensino Médio, a concepção deste nível de ensino surge a par-
tir da promulgação, em 1996, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (BRASIL,
1996), em substituição ao antigo “segundo grau”. O Ensino Médio refere-se à etapa final
da Educação Básica, da qual também fazem parte a Educação Infantil e o Ensino Funda-
mental. O Ensino Médio tem duração mínima de 03 anos e atende à formação geral do
educando.
Diante da demanda da sociedade contemporânea e do mundo do trabalho, a
educação vem passando por processos de reforma, sempre visando garantir um ensino
com a qualidade necessária aos estudantes brasileiros, explicitada na Lei nº 13.415/2017
(BRASIL, 2017), que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e estabe-
leceu uma mudança na estrutura do ensino médio.
Partindo das diretrizes legais que norteiam o Ensino Médio, sobre este nível de
ensino, a LDB indica as seguintes finalidades:
Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mí-
nima de três anos, terá como finalidades:
I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no
ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para
continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade
a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a for-
mação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamen-
to crítico;
IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada discipli-
na (BRASIL, 1996, Art. 35).
51
Também na LDB estão explicitadas normativas acerca da Base Nacional Comum
Curricular para o Ensino Médio:
As mudanças que a LDB sofreu com a Lei nº 13.415/2017 (BRASIL, 2017) estão
incorporadas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (MEC, 2017). A BNCC está
voltada para as competências e habilidades do educando, de modo que a educação pro-
mova a formação integral da pessoa humana e desenvolva os valores para o seu aprofun-
damento profissional.
Uma das mudanças foi a alteração da carga horária: o tempo mínimo do estudan-
te na escola foi ampliado de 800 horas para 1.000 horas por ano. Outra mudança foi a
flexibilidade do currículo e os chamados itinerários formativos, que permitem que os
alunos escolham em qual área do conhecimento desejam se aprofundar. Foram criados
itinerários formativos: 1) linguagens e suas tecnologias; 2) ciências da natureza e suas
tecnologias; 3) matemática e suas tecnologias; 4) ciências humanas e sociais aplicadas e
5) formação técnica e profissional. Essa reforma do ensino médio aplica-se tanto às esco-
las públicas quanto às privadas.
52
Uma proposta de trabalho com foco em práticas interdisciplinares dá-se a
partir da elaboração das ementas dos itinerários formativos apontados na Lei nº
13.415/2017 (BRASIL, 2017), denominados vulgarmente de “Novo Ensino Médio”,
sugeridos pela Base Nacional Comum Curricular (MEC, 2017). Para isso, faz-se ne-
cessário construir um conjunto de atividades e projetos interdisciplinares, porém,
percebe-se que os docentes não estão preparados para lidar com tal construção in-
terdisciplinar e muitas são as dúvidas existentes, tais como: quais as características
da prática docente no ensino médio? O que diferencia a prática docente no ensino
médio daquela no ensino fundamental? O que diferencia a prática docente no ensino
médio daquela no ensino superior?
Para responder ao primeiro questionamento acerca das características da prática
docente no ensino médio, faz-se necessário entender por quais caminhos o ensino se-
cundário percorreu para transbordar no Ensino Médio atual.
Enquanto profissional da educação, oriunda do antigo ensino de 2º grau, con-
cluinte do curso de Magistério, no final dos anos 1980 e atualmente, em meados do ano
de 2021, professora do Novo Ensino Médio, é possível perceber que, tanto em relação à
formação acadêmica, quanto na prática profissional, todos em âmbito estadual, muitas
foram as modificações sofridas pelo Ensino Médio, principalmente no que diz respeito
às nomenclaturas e à organização da sua composição curricular.
As práticas docentes costumam acompanhar os desenvolvimentos tecnológi-
cos e as tendências pedagógicas. Todavia, este acompanhamento não teve um re-
sultado tão significativo no contexto educacional. A cada nova proposta, é bastante
perceptível o distanciamento entre as propostas e a vontade de aprender por parte
dos estudantes. Mesmo assim, diante dos desafios encontrados, as Diretrizes Curri-
culares Nacionais revelam aspectos fundamentais da etapa de formação que o Ensi-
no Médio proporciona:
O Ensino Médio é um nível de ensino que faz parte da Educação Básica, como diz
o Artigo 4° da LDB:
53
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete)
anos de idade, organizada da seguinte forma:
a) pré-escola;
b) ensino fundamental;
c) ensino médio (BRASIL, 1996, art. 4°).
54
Não só com base no que aponta a lei, mas também a partir da vivência desta auto-
ra, pode-se dizer que a prática docente no Ensino Fundamental tem uma característica
bastante peculiar. Os discentes chegam a essa etapa de ensino, após a Educação Infantil,
com a perspectiva de encantamento pelo novo, a escola é um ambiente instigante para
eles, e isso faz com que a proximidade entre os docentes e os discentes ocorra de forma
intensa. Mesmo com as dificuldades próprias das séries iniciais do Ensino Fundamental,
há uma preocupação entre os envolvidos no processo educacional: discentes, docentes e
pais interagem num grau mais frequente do que no Ensino Médio. Mas, essa necessidade
existe também no Ensino Médio.
A diferença reside no desenvolvimento etário dos discentes, e no fato de que para
muitos adolescentes a escola não é um ambiente motivador. Vários deles ainda não ama-
dureceram para perceber a importância da construção do conhecimento, e assim têm
pouco interesse pelo estudo. Muitas são as críticas em relação às aulas pelos discentes,
que desejam aulas diferenciadas. Levando em consideração uma juventude que passa
por desafios referentes à sua condição social, cultural, econômica e política, faz-se neces-
sário um olhar mais aprimorado nas questões dos currículos e das práticas pedagógicas
a fim de resgatar o protagonismo juvenil, como é relacionado nos documentos norma-
tivos. Dessa forma, é importante que haja uma modificação da escola para se aproximar
dos anseios dessa juventude atual.
Ainda traçando alguns contrapontos entre o Ensino Médio e outros níveis de En-
sino, cabe dizer que, quanto à Educação Superior, a LDB preconiza que:
55
VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando
à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da
pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.
VIII - atuar em favor da universalização e do aprimoramento da educação
básica, mediante a formação e a capacitação de profissionais, a realização
de pesquisas pedagógicas e o desenvolvimento de atividades de extensão
que aproximem os dois níveis escolares (BRASIL, 1996, Art. 43).
A PRÁTICA INTERDISCIPLINAR
56
A Nesse contexto, é imprescindível abordar as contribuições feitas por alguns pes-
quisadores que debruçaram nos seus estudos, a fim de esclarecer ou instigar a todos
os envolvidos da educação sobre a importância da interdisciplinaridade nas práticas
pedagógicas.
Para Japiassu (1976), a interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das
trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de
um mesmo projeto. Destaca que
57
temáticos. A interdisciplinaridade é, assim, entendida como aborda-
gem teórico-metodológica com ênfase no trabalho de integração das
diferentes áreas do conhecimento (MEC, 2013, p. 84).
58
Embora o termo interdisciplinaridade não seja tratado de forma explícita no texto
da LDB (BRASIL, 1996), no seu Artigo 35, parágrafo 7º, a lei afirma a importância de
trabalhar os currículos do ensino médio:
59
As vigentes Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Reso-
lução CNE/CEB nº 3/98,fundamentada no Parecer CNE/CEB nº 15/98),
destacam em especial a interdisciplinaridade, assumindo o princípio de
que “todo conhecimento mantém um diálogo permanente com outros co-
nhecimentos”, e que “o ensino deve ir além da descrição e constituir nos
estudantes a capacidade de analisar, explicar, prever e intervir, objetivos
que são mais facilmente alcançáveis se as disciplinas, integradas em áreas
de conhecimento, puderem contribuir, cada uma com sua especificidade,
para o estudo comum de problemas concretos, ou para o desenvolvimento
de projetos de investigação e/ou de ação”. Enfatizam que o currículo deve
ter tratamento metodológico que evidencie a interdisciplinaridade e a con-
textualização (MEC, 2013, p. 28, nota de rodapé 13).
60
e que lhes permitam melhor lidar com o conhecimento e a experiência. §
1º Tais programas e projetos devem ser desenvolvidos de modo dinâmico,
criativo e flexível, em articulação com a comunidade em que a escola esteja
inserida. § 2º A interdisciplinaridade e a contextualização devem assegurar
a transversalidade do conhecimento de diferentes disciplinas e eixos temá-
ticos, perpassando todo o currículo e propiciando a interlocução entre os
saberes e os diferentes campos do conhecimento (MEC. 2013, p. 68).
61
interdisciplinaridade na prática docente numa maneira inter-relacionada. A partir desta
inter-relação, os PCNs procuram apresentar um novo perfil para o currículo que não
seja descontextualizado, mas que dê significado ao conhecimento escolar de forma con-
textualizada, sem fragmento, fundamentado na interdisciplinaridade; e procuram tam-
bém incentivar o raciocínio e a capacidade de aprender (BRASIL, 2000, p. 4). Diante
do exposto, surge a questão: será que o docente está preparado para atuar de maneira
integrada?
Nessa perspectiva de transformação, a reforma do Ensino Médio traz uma abor-
dagem conclamando a uma reorganização curricular em áreas do conhecimento com o
objetivo de facilitar o desenvolvimento dos conteúdos, numa perspectiva de interdisci-
plinaridade e contextualização (BRASIL, 2000, p. 7):
Os PCNs não têm como foco a dissolução das disciplinas, como é dito no
trecho citado:
62
das preocupações que as pessoas detêm. O distanciamento entre os conte-
údos programáticos e a experiência dos alunos certamente responde pelo
desinteresse e até mesmo pela deserção que constatamos em nossas escolas.
Conhecimentos selecionados a priori tendem a se perpetuar nos rituais es-
colares, sem passar pela crítica e reflexão dos docentes, tornando-se, desta
forma, um acervo de conhecimentos quase sempre esquecidos ou que não
se consegue aplicar, por se desconhecer suas relações com o real (MEC,
2000, Parte 1, p. 22).
A Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Médio (BNCC) foi homolo-
gada pela Portaria MEC n° 1.570, publicada no Diário Oficial da União de 21/12/2017,
Seção 1, Pág. 146 (MEC, 2017). Nela, o Ensino Médio está organizado em quatro áreas
do conhecimento, conforme determina a LDB (BRASIL, 1996). Destaca que na BNCC
não há a pretensão de criar novas disciplinas ou saberes, mas, sim, utilizar os conheci-
mentos de várias disciplinas para resolver uma determinada situação ou compreender as
dificuldades nos diferentes pontos de vista, a partir do fortalecimento das relações entre
elas e a sua contextualização para a compreensão e influência na realidade, solicitando
que as atividades sejam integradas em relação aos professores na aplicação dos seus pla-
nos de ensino.
Na BNCC, o termo interdisciplinaridade é tratado de forma similar ao que se
apresenta no cenário mundial, enfatizando que o desenvolvimento do ser humano deve
ser global, em suas dimensões: intelectual, física, afetiva, social, ética, moral e simbóli-
ca. Na BNCC, ressalta-se que os processos educativos devam promover aprendizagens
sintonizadas com as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes e, tam-
bém, com os desafios da sociedade contemporânea, sempre levando em consideração a
grande desigualdade educacional brasileira.
A BNCC também aponta que os sistemas de ensino ficam com a responsabilidade
de implementar aos currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas con-
temporâneos que atendam as demandas local, regional e global da vida humana prefe-
rencialmente de forma transversal e integradora.
Segundo o documento oficial do MEC:
63
[...] BNCC e currículos têm papéis complementares para assegurar as
aprendizagens essenciais definidas para cada etapa da Educação Básica,
uma vez que tais aprendizagens só se materializam mediante o conjunto de
decisões que caracterizam o currículo em ação. São essas decisões que vão
adequar as proposições da BNCC à realidade local, considerando a autono-
mia dos sistemas ou das redes de ensino e das instituições escolares, como
também o contexto e as características dos alunos. Essas decisões, que re-
sultam de um processo de envolvimento e participação das famílias e da
comunidade, referem-se, entre outras ações, a: [...] • decidir sobre formas
de organização interdisciplinar dos componentes curriculares e fortalecer a
competência pedagógica das equipes escolares para adotar estratégias mais
dinâmicas, interativas e colaborativas em relação à gestão do ensino e da
aprendizagem (MEC, 2017, p. 16).
Como dito na introdução deste texto, a escola pesquisada neste trabalho localiza-
-se no Sudoeste Baiano e faz parte da rede estadual de ensino, com 701 alunos distribuí-
dos nos 1º, 2º e 3º séries do Ensino Médio, nos turnos matutino, vespertino e noturno. A
escola abriga 24 docentes, 02 coordenadoras e 03 técnicos e 06 apoios.
64
pela comunidade escolar com o intuito de desenvolver uma educação de qualidade nos
níveis de ensino em que ela atua.
O PPP tem caráter assertivo, pois está embasado em concepções e princípios da
legislação vigente, tais como o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014), a Base Na-
cional Comum Curricular para o Ensino Médio (BNCC-EM) (MEC, 2017) e Reforma
do Ensino Médio, expressa na Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017),
que propõem um ensino pautado no desenvolvimento e na qualidade do educando.
Como fonte de pesquisa, o PPP da escola aqui estudada, dentro dessa perspectiva
transformadora da educação, aponta para a superação de práticas pedagógicas que assu-
mem apenas a transmissão mecânica de conhecimento, e para a construção dos saberes
a partir das vivências e realidades do sujeito da aprendizagem.
Esse Projeto Político Pedagógico (PPP) traz uma proposta de contextualização
histórica e local, através da organização e ação que norteia as atividades escolares. A
partir dos seus princípios e finalidades, a escola busca questionar a estrutura político-
-econômica e social vigente, acreditando no eixo básico que sustenta o trabalho pedagó-
gico que é o comprometimento com a construção do conhecimento pelo próprio sujeito.
Essa construção dá-se pela mediação de sujeitos com o objeto de conhecimento através
de cooperação mútua. Sob esse enfoque, cabe a todos os envolvidos neste processo edu-
cacional, que atuam na referida instituição escolar, a tarefa de garantir a circulação do
conhecimento, da multiplicidade de pensamentos, bem como a humanização nas rela-
ções decorrentes dos processos de ensino e de aprendizagem. O princípio que norteia
essas ações relaciona-se à formação de um sujeito-discente consciente, crítico e autôno-
mo que saiba respeitar os limites construídos, a partir da definição coletiva de princípios
de convivência; que se responsabilize por suas atitudes; que saiba analisar e interpretar a
realidade, transitando em toda a complexidade que a vem caracterizando, situando-se na
sociedade e posicionando-se na busca de alternativas para transformá-la. Sendo assim,
segundo o PPP, a organização da Escola deve balizar-se por alguns parâmetros básicos,
assim definidos:
65
- Articulação entre teoria e prática;
- Indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
- Favorecimento do Protagonismo Juvenil, ofertando condições para o desen-
volvimento pleno do educando.
66
organizarão conteúdos que, ao longo da unidade letiva, possam dialogar entre as diver-
sas áreas, sobretudo àquelas que compõem o núcleo comum de sua área de atuação, pro-
porcionando ao educando o inter-relacionamento entre as disciplinas, rompendo com a
ideia ilusória de fragmentação do conhecimento.
Outra forma de trabalhar a interdisciplinaridade sinalizada no PPP é por meio
dos projetos pedagógicos internos e os projetos estruturantes, ofertados pela Secretaria
de Educação da Bahia (SEC), com uma proposta interdisciplinar, porém com o objetivo
de adequá-los à realidade escolar. Todos os projetos da escola, tanto os internos quanto
os externos, podem ser desenvolvidos de forma a integrar o currículo das disciplinas, ob-
jetivando o fortalecimento da relação teoria-prática, bem como a dinamização do pro-
cesso de ensino aprendizagem em todas as áreas do conhecimento.
Logo, o Projeto Político Pedagógico da escola pesquisada traz, nos seus princípios
orientadores, os princípios básicos para construção de uma proposta pedagógica que
vise a articulação entre os saberes locais dos sujeitos e a estruturação de projetos inter-
disciplinares que possibilitem o acesso ao conhecimento sistematizado, em cada uma das
áreas, com vistas à aprendizagem significativa.
67
Um paralelo entre as normativas nacionais e a prática na escola
DNCEB
Conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais Nem sempre o que é regulamentado nas DNCEB
da Educação Básica, a escola que optar por abor- é praticado na escola pesquisada, pois o trabalho
dar a interdisciplinaridade deverá preocupar-se pedagógico, os equipamentos, o mobiliário e
com o cuidado e a educação, pensando na qua- as suas instalações não estão de acordo com as
lidade de ensino e na qualidade social em que o condições requeridas pela abordagem que adota,
sujeito está inserido. Todo ambiente escolar deve o qual não favorece a interdisciplinaridade.
estar de acordo com a proposta interdisciplinar.
PCNs
De acordo com os PCNs, a integração dos dife- Por não ter uma participação mais ativa da
rentes conhecimentos pode criar as condições família e da comunidade escolar na organização
necessárias para uma aprendizagem motivadora, interdisciplinar, os alunos não conseguem esta-
na medida em que ofereça maior liberdade aos belecer relações entre a teoria e a prática, entre o
professores e alunos para a seleção de conteúdos que se aprende na escola e o que vai servir para a
mais diretamente relacionados aos assuntos ou sua vida.
problemas que dizem respeito à vida da comuni-
dade.
BNCC
Conforme a BNCC, existem proposições que
devam-se adequar à realidade local, conside-
rando a autonomia dos sistemas ou das redes de
ensino e das instituições escolares, como tam- Nem sempre a escola consegue envolver as
bém o contexto e as características dos alunos, os famílias e a comunidade nas tomadas de decisões
quais resultam em um processo de envolvimento sobre a organização interdisciplinar dos com-
e participação das famílias e da comunidade nas ponentes curriculares, de acordo com o que é
tomadas de decisões sobre formas de organi- regulamentado pelo marco normativo.
zação interdisciplinar dos componentes curri-
culares e fortalecer a competência das equipes
escolares para adotar estratégias mais dinâmicas,
interativas e colaborativas em relação à gestão de
ensino e da aprendizagem.
68
Levando em consideração as propostas dos documentos normativos acerca da
interdisciplinaridade e os desafios encontrados pela escola em aplicar um planejamento
que não seja fragmentado, é possível que haja uma construção de pontes para amenizar o
distanciamento entre as organizações interdisciplinares, respeitando as realidades locais,
regionais e globais. Assim será possível envolver todos os participantes do processo educa-
cional, estabelecendo estratégias que possam fortalecer de forma mais dinâmica, interativa
e colaborativa em relação à gestão de ensino e da aprendizagem como pontua a BNCC.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pesquisadores renomados, com destaque para Ivani Fazenda (1991; 1998; 2003a;
2003b; 2008), apresentaram proposta interdisciplinar no contexto educacional como for-
ma do refazer pedagógico, a partir da contextualização e integração visando eliminar as
barreiras entre as disciplinas e entre as pessoas, num cenário de construção do conhe-
cimento hoje tão fragmentado. Porém, ao ponderar sobre a teoria e a prática é possível
verificar as dificuldades que os docentes têm de praticar a interdisciplinaridade, como,
por exemplo, as diferenças entre as linguagens das áreas do conhecimento; a rejeição do
próprio docente em trabalhar de forma integradora; o fato de os trabalhos interdiscipli-
nares demandarem tempo; a falta de capacitação do profissional e também a persistente
divisão entre as disciplinas.
Por outro lado, em que pese essa diferença entre teoria e prática, ao longo deste
trabalho, foi percebido que tanto os documentos oficiais brasileiros quanto o Projeto Po-
lítico Pedagógico da escola pesquisada trazem em seus enunciados os princípios básicos
da interdisciplinaridade. Assim sendo, há respaldo normativo e estímulo fundamentado
na legislação para que tais práticas venham a ocorrer nos espaços escolares. Isso significa
que, diante das demandas existentes no universo interdisciplinar, muitos esforços ainda
precisam ser feitos, não pretendendo, porém, superar o ensino organizado por discipli-
nas, mas a criação de condições de haver uma integração entre disciplinas, aliando-se
para superação dos problemas da sociedade contemporânea. Sobretudo em tempos de
pandemia, a escola precisará acompanhar o ritmo das mudanças que aconteceram em
todos os cenários da sociedade, mudanças que deixaram o mundo muito mais interco-
nectado, interdisciplinarizado e complexo.
Apesar do esforço da escola pesquisada, refletido em seus documentos normati-
vos aqui indicados, ainda é muito principiante o desenvolvimento de experiências ver-
dadeiramente interdisciplinares. Por isso, cabe aos gestores, coordenadores e professores
criarem condições para um planejamento integrador com a participação de todas as áre-
as do conhecimento. Em alguns casos, um bom começo é a proposição de projetos trans-
versais, com temas que aglutinem várias áreas de conhecimento, mobilizando docentes,
discente e equipe técnica para a realização das atividades desses projetos.
69
Outra proposta é a reformulação do planejamento escolar, o que pode acontecer com
a formação de grupos de estudos constituídos por professores de todas as áreas, com uma es-
trutura educacional incluindo o enfoque interdisciplinar na prática pedagógica, bem como in-
cluindo a participação da família e da comunidade escolar nesta organização interdisciplinar.
Os resultados desta pesquisa permitiram identificar como a prática docente é tra-
tada nos documentos normativos de uma escola de ensino médio, do interior da Bahia
através das propostas pedagógicas vinculadas à Secretaria de Educação. Principalmente,
em tempos de pandemia, novos rumos foram necessários seguir a fim de orientar a todos
os envolvidos na educação; e o termo interdisciplinaridade, neste momento do novo co-
ronavírus, nunca foi tão pronunciado e tratado na perspectiva de reorganizar e orientar
as escolas para o planejamento, execução e acompanhamento das ações para o retor-
no das aulas, alinhado às propostas normativas emanadas pelo Ministério da Educação
(MEC). Dessa forma, o tema da interdisciplinaridade em sala de aula e nos principais
documentos oficiais, como por exemplo, a BNCC, tem sido presente nas orientações
para nortear o Ensino Médio, neste contexto de ensino híbrido. A instituição escolar tem
se esforçado para contemplar a abordagem da interdisciplinaridade, além de apresentar
recomendações que contribuam para práticas interdisciplinares em sala de aula.
Logo, a pesquisa sobre a prática docente interdisciplinar no ensino médio não se
esgota nas discussões dos documentos normativos oficiais brasileiros. É necessário que
neste cenário de pandemia em que estamos vivendo, em que aumentaram os desafios
das escolas, um planejamento interdisciplinar poderá diminuir os impactos sofridos pela
educação neste distanciamento social.
REFERÊNCIAS
70
BRASIL. Lei nº13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis n º 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e
11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desen-
volvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação,
a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452,
de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga
a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Imple-
mentação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Disponível em. <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13415.htm>. Acesso em 23
mai. 2020.
KLEIN, J. Ensino interdisciplinar: didática e teoria. In: FAZENDA, Ivani (Org.). Di-
dática e interdisciplinaridade. Campinas: Papirus, 1998. p. 109-132.
71
MEC. Ministério da Educação Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Dis-
ponível em<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id
=12907:legislacoes&catid=70:legislacoes>. Acesso em 15 jun.2020.
72
MORIN, E. Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. São Paulo:
Cortez, 2002b.
73
EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA E DECOLONIAL
NA CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE NEGRA
EMPODERADA
Marcio Gonçalves dos Santos
Isis Emanoela do Amor Divino Borges
André Luis da Silva Santos
INTRODUÇÃO
O Brasil desde sua formação é marcado por diversos povos, etnias e culturas. Den-
tre esses povos, três se destacaram na sua constituição, os povos indígenas – povos origi-
nários que foram escravizados –; portugueses – os invasores colonizadores –; e os povos
africanos – sequestrados e escravizados. Os povos indígenas e africanos contribuíram
bastante para a formação sociocultural e econômica da sociedade brasileira. Entretanto,
no decorrer do tempo, esses povos foram tratados de forma desrespeitosa, sem digni-
dade, desumanizando sua inteireza de ser. A fundamentação dessa visão negativa em
relação a tudo que está ligado ao povo negro e indígena tem raízes nas teorias raciais, às
quais afirmavam que NÓS, negros e indígenas, éramos uma sub-raça, inferior intelectu-
almente e moralmente.
Apesar de a ciência provar cientificamente a não existência de raças, ou seja, só
existe uma única raça e, com isso, derrubar os argumentos utilizados pela ideologia ra-
cista, o racismo se encontra enraizado no imaginário da sociedade brasileira e repro-
duzido por um Estado que sempre foi omisso no combate efetivo do racismo. Toda au-
sência de representatividade da população negra e indígena nos espaços midiáticos, o
silenciamento de suas vozes e até mesmo a negação de suas riquezas culturas reverberam
drasticamente em toda sociedade brasileira.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD) 2015, 45,22% dos brasileiros se declaram como brancos, 45,06% como par-
dos, 8,86% como pretos, 0,47% como amarelos e 0,38% como indígenas. Negros são
a soma de pretos e pardos, o que faz de nós, negros, a maioria da composição étnico
racial da população brasileira. Mas a educação produzida e reproduzida no Brasil
está longe de ser afrocentrada; o que vemos é uma educação ainda pautada no mode-
lo eurocêntrico. A imagem representada e sempre potencializada é da branquitude;
74
livros, temáticas abordados, eventos históricos, filmes e momentos de diálogos ainda
nos remetem ao ideário do branco como o padrão universal aceitável por todos.
Essa grande falta de visibilidade permitiu e permite a criação de diversos estere-
ótipos e estigmas referente a esses indivíduos, determinando e fortalecendo atitudes e
condutas que perduram no decorrer da história até os dias de hoje. Não há como negar
ou ocultar à existência desses povos, a diversidade cultural, a riqueza da língua e mu-
sicalidade e, nesse contexto, mais do que nunca é importante e necessário falar sobre
antirracismo e decolonialidade.
Daí a grande importância das Leis: 10.639/2003 e 11.645/2008, cujo teor de-
termina a obrigatoriedade do ensino da História e Culturas afro-brasileiras e indí-
genas, no sentido de alcançar cada vez mais a dimensão de uma escola antirracista.
Uma educação que visa à disseminação de conhecimentos que contemple a todos
indistintamente e, consequentemente, a formação de valores de pertencimentos,
aceitação e dignidade.
Diante dessa problemática e para fins desta pesquisa, sem a intenção de di-
minuir a importância, luta e resistência dos povos indígenas, mas focando especi-
ficamente na população negra, cabe aqui questionar como a educação pode e deve
contribuir para o fortalecimento e empoderamento da identidade negra, através de
uma perspectiva educacional decolonial e antirracista. A questão norteadora deste
estudo é: de que maneira as práticas pedagógicas da escola quilombola Colégio
Estadual Doutor Milton Santos contribuem para a construção de uma educação
decolonial e antirracista?
Entre os motivos que me levou a pesquisar este tema está, principalmente, a
minha formação acadêmica em História, no curso de formação continuada em rela-
ções étnicas, em que pude me perceber, enquanto homem negro, o quanto ser negro
é positivo, valoroso, digno e gratificante. A minha atuação como professor junto a
adolescentes da Rede Pública de Ensino também influenciou o direcionamento dessa
pesquisa, pois este público é constituído em sua maioria por pessoas negras. A escolha
por essa escola também não foi por acaso, pois fiz parte do quadro de profissionais e
pude presenciar e vivenciar práticas pedagógicas direcionadas a luta antirracista e em-
poderamento da identidade negra.
A partir da questão norteadora, esta pesquisa tem como objetivo refletir de que
forma a prática pedagógica inserida no Projeto Político Pedagógico (PPP) do Colégio
Estadual Doutor Milton Santos contribui para a construção de uma educação na pers-
pectiva decolonial e antirracista.
A relevância deste trabalho está em oportunizar novos conhecimentos e reflexões
a respeito da importância de uma educação decolonial e antirracista na construção da
identidade negra empoderada, pois possibilita a desconstrução dos estereótipos e estigmas que
ainda imperam no imaginário social sobre a dimensão do ser negro/a.
75
Para o desenvolvimento deste estudo, foi utilizada como metodologia de pesquisa
a abordagem qualitativa com levantamento do material bibliográfico e análise documen-
tal. Entre os documentos que foram analisados estão: o PPP do Colégio Estadual Doutor
Milton Santos; a Lei 10.639/2003; Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das
Relações Étnico- Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana;
Parecer 03/2004 de 17 de junho de 2004; e Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educa-
ção Escolar Quilombola na Educação Básica. No que tange à revisão bibliográfica, partiu
de experiências e leituras dos autores que contribuíram para a perspectiva educacional
decolonial e antirracista.
Importante frisar que a educação defendida aqui não tem como propósito igno-
rar e/ou invalidar a contribuição europeia para a formação brasileira, mas, como afirma
Carvalho e Schram (2007), seja uma educação transformadora, uma educação para a
democracia pela participação de todos/as, calcada no ser humano livre, racional, capaz
de promover mudanças através do consenso entre grupos e classes sociais, por meio
de reformas histórico-culturais. A educação deve ser instrumento de empoderamento.
Empoderar segundo Bertth (2019, p.23), “não visa retirar poder de um para dar ao outro
a ponto de se inverter os polos de opressão, e sim para eliminação da situação injusta e
equalização de existências em sociedade.”
ASPECTOS METODOLÓGICOS
Pesquisa bibliográfica
Gil (2007) explica que a pesquisa bibliográfica é desenvolvida por meio de ma-
terial já elaborado, principalmente livros e artigos científicos. Apesar de, praticamente,
todos os outros tipos de estudo exigirem trabalho dessa natureza, há pesquisas exclusiva-
mente desenvolvidas por meio de fontes bibliográficas. Segundo Fonseca (2002),
76
livros, artigos científicos, páginas de web sites. Qualquer trabalho cientí-
fico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisa-
dor conhecer o que já se estudou sobre o assunto. Existem, porém, pes-
quisas científicas que se baseiam unicamente na pesquisa bibliográfica,
procurando referências teóricas publicadas com o objetivo de recolher
informações ou conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do
qual se procura a resposta (FONSECA, 2002, p. 32).
Ainda, segundo Gil (2007, p. 44), os exemplos mais característicos desse tipo de
pesquisa são investigações sobre ideologias ou aquelas que se propõem à análise das di-
versas posições acerca de um problema.
Com o propósito de alcançar os aspectos de uma pesquisa bibliográfica, durante
o desenvolvimento deste trabalho, foram selecionados artigos de periódicos científicos,
livros, dissertações e teses em língua portuguesa. As fontes foram pesquisadas nas pla-
taformas Scielo e Google acadêmico. Foram utilizadas como palavras chaves: Educação
antirracista, relações raciais, educação decolonial, educação quilombola e racismo estru-
tural. Entre os intelectuais que contribuíram para a construção bibliográfica estão: Nilma
Lino Gomes, Silvio Almeida, Kabengele Munanga, Aníbal Quijano, Catherine Walsh,
entre outros.
Pesquisa documental
77
REFERENCIAL TEÓRICO
Silenciamento da negritude nos currículos
[...] houve a luta pela inclusão da história dos negros nos currículos, pois
durante muitos anos os conteúdos escolares eram descritos de maneira es-
tereotipada, discriminando as imagens dos negros e enfatizando a cultura
eurocêntrica como predominante (SILVA e BEZERRA, 2015).
78
Aprendemos nas escolas a história que tem a Europa como lócus, mas pou-
co sabemos da história e da cultura da África, que é um continente que
fundamentalmente constituiu a nossa história e cultura, portanto, nossa
sociedade. Cabe-nos questionar o porquê desse silenciamento que apaga a
história e as culturas afro-brasileiras e africanas. A quem isso tem benefi-
ciado? (CARMO, 2020. p. 14).
[...] uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como funda-
mento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscien-
tes que culminam em desvantagens ou privilégios, a depender ao grupo
racial ao qual pertençam (ALMEIDA, 2018. 25).
Ao afirmar que essa ideologia é estrutural, Almeida (2008, p.38) quer dizer que
“o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo ‘normal’
com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares,
não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional”. O intelectual
afirma que comportamentos individuais e processos institucionais são oriundos de
uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção. Segundo ele, o racismo faz parte
de um processo social que "ocorre pelas costas dos indivíduos e lhes parece legado
pela tradição".
79
Romper com essa estrutura exige mudanças profundas na sociedade. Nesse cená-
rio, é necessária uma educação que se proponha a ser antirracista e decolonial. Segundo
o parecer nº. 003 da professora Petronilha, para
80
da modernidade, prioriza o comum, o uniforme, o homogêneo, conside-
rados como elementos constitutivos do universal. Nesta ótica, as diferen-
ças são ignoradas ou consideradas um “problema” a resolver (CANDAU,
2011, p. 241).
81
de negar a história oficial e de contribuir para a construção de uma nova in-
terpretação da trajetória dos negros no Brasil são aspectos que distinguem o
Movimento Negro dos demais movimentos sociais e populares da década de
1970 (2017, pág. 48).
Segundo Onofre (2008), uma educação antirracista prima pelo respeito à diferen-
ça, à diversidade. Ela não pode isentar-se do compromisso com os mais necessitados e
fragilizados por um sistema desumano e preconceituoso. Educar, respeitando as diferen-
ças, requer mais do que o cumprimento das obrigações curriculares, exige uma postura
ética e valorativa diante da cultura da população negra, que ainda sofre discriminação
nos espaços escolares.
Uma pedagogia antirracista não visa enaltecer um grupo em detrimentos de ou-
tros, não é direcionar tudo somente para um grupo. O intuito principal é possibilitar o
entrosamento de todas as abordagens educativas de forma respeitosa, prudente e pro-
gressiva. É reconhecer a importância de cada povo, etnia e culturas como elo da forma-
ção da sociedade brasileira, é combater de maneira articulada o racismo estrutural que
operacionaliza a sociedade brasileira.
Pensar sobre um modelo de educação ideal para todos/as é uma tarefa bem com-
plexa, árdua e necessária ao mesmo tempo, pois, exige um esforço e vontade por parte
daqueles que estão no controle do sistema. É nesse ponto que se faz importante entender
o que é a colonialidade e a quem ela serve.
A colonialidade, conforme discute o Grupo Modernidade/Colonialidade, é um
padrão de poder que age em várias dimensões do colonizado: as dimensões do ser, do
saber, do poder e da mãe-natureza. A colonialidade, através da ação nessas dimensões,
busca afirmar e celebrar, segundo Catherine Walsh (2007), a superioridade do conhe-
cimento dos europeus, ao mesmo tempo em que nega e silencia outras formas de ser e
saber. Walsh (2008) afirma, também, que as identidades raciais produzem uma hierar-
quia social, onde negros, índios e mestiços se mostram como identidades homogêneas e
negativas, impondo, dessa forma, um padrão único de referência, que seria o: masculino,
heterossexual, branco, cristão, europeu.
No que tange à educação brasileira, segundo Carmo (2020), cabe ressaltar que
temos um currículo não apenas colonizado, mas também colonizador, quando na esteira
da negação da história e culturas afro-brasileiras e africanas, produz o apagamento do
“Outro”, pois não apenas reforça a importância do branco, mas, sobretudo, ensina a infe-
rioridade do negro, dando sobrevida à colonização por meio da colonialidade. Somente
no decorrer do tempo, através de muita luta e reivindicações dos movimentos sociais,
começaram a surgir a representatividade de todos os segmentos nos mais diversos espa-
ços da sociedade brasileira.
Diante desses fatos, é primordial o entendimento que uma educação não somente
antirracista, como decolonial, para trilhar o caminho da justiça social e dignidade da
82
pessoa humana. É preciso romper com o sistema que ainda privilegia somente os saberes
oriundos da Europa em detrimento dos demais continentes.
Conforme pontua Oliveira (2016), a modernidade foi inventada a partir da colo-
nialidade e sua violência sistêmica. Em outros termos, conquistada a América, as classes
dominantes europeias inventaram que somente sua razão era universal, negando a razão
do outro não europeu. Ainda segundo Oliveira (2016):
Para Carmo (2020), a perspectiva pedagógica decolonial vai além dos sistemas
educativos, dos processos de ensinar e de aprender, é uma ação política cultural que
envolve, inclusive, os espaços não formais de educação e nos leva a construir outras
pedagogias além da hegemônica. Ultrapassa a denúncia aos grilhões coloniais e nos per-
mite a construção de outras formas de pensar, outras formas de construir conhecimento,
abrindo espaço para aqueles conhecimentos marginalizados e invisibilizados pela colo-
nialidade do saber e do poder. Para esta autora, uma pedagogia decolonial exige pen-
samentos que partam dos sujeitos subalternizados pela violência da colonialidade tais
como negros, mulheres, indígenas, homossexuais, entre outros.
83
Diante do exposto, cabe a nós perguntar: é possível desenvolver uma pedagogia
antirracista e decolonial na educação brasileira hoje? A resposta para essa pergunta é
sim, pois temos produção intelectual, luta, movimentos sociais e legislações que podem
endossar a produção de um modelo de educação que subverta a ordem vigente e con-
temple as diferenças sem que estas sejam associadas à inferioridade.
O centenário da Abolição foi uma data oportuna para o Movimento Negro ques-
tionar a visão do Estado brasileiro referente às relações raciais no Brasil. Conforme Silva
e Barbosa (1997), juntamente com as denúncias de desigualdades raciais na educação,
surgiram iniciativas do Movimento Negro e de outros segmentos da sociedade, no sen-
tido de desenvolverem projetos educativos que buscavam pôr em prática perspectivas
pluriculturais e antirracistas, no sistema educacional brasileiro.
Na Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia
e as Formas Conexas de Intolerância, também conhecida como Conferência de Durban,
(África do Sul, 31 de agosto a 07 de setembro de 2001) - uma das propostas defendidas
e aceitas pelo governo brasileiro foi a de se introduzir no currículo escolar a disciplina
“História Geral da África e do Negro no Brasil”.
Essa proposta dos Movimentos Negros, só veio a ser atendida e se tornar Política
Pública de Estado, em 09 de janeiro de 2003, a partir da assinatura da Lei 10.639/03, de-
rivada do Projeto de Lei nº 259, apresentado no ano de 1999 pela deputada Esther Grossi
e pelo deputado Benhur Ferreira.
A Lei nº 10.639/03, promulgada pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da
Silva, em 09 de janeiro de 2003, altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
LDB nº 9.394/96. A seguir, o artigo 26:
84
Após a aprovação da Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003), tímidas iniciativas foram
surgindo por parte de secretarias, educadores, gestores e sociedade civil. O desafio
ainda continua sendo o de colocar essa Lei em prática, de maneira eficaz e adequada,
na vida e no cotidiano das escolas brasileiras. Como afirma Munanga (2003), as leis
existem, mas há dificuldades para que funcionem. Primeiramente é preciso formar
os educadores, porque eles receberam uma educação eurocêntrica. A África e os
povos indígenas eram deixados de lado e a história do negro no Brasil não terminou
com a abolição dos escravizados. Não é apenas de sofrimento, mas de contribuição
para a sociedade.
A Lei nº 10.639/03 é regulamentada pelo Parecer n.º 03/04, homologado em 19 de
maio de 2004, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
(2004). As Diretrizes são orientações de como a Lei deve ser implementada que, segundo
Onofre (2008), faz parte de um conjunto de ações afirmativas que devem ser assumidas
pelo Governo Federal e por toda a sociedade, representadas nas diversas instâncias, as-
sumindo uma agenda de compromisso no combate ao racismo e no reconhecimento do
povo negro como constituinte da nação brasileira.
O Parecer n.º 03/04 do CNE prevê o ensino da História da África, de forma
positiva, buscando não enfatizar as questões relacionadas aos aspectos negativos. A
Lei determina que as disciplinas e seus conteúdos devam abordar o estudo da Histó-
ria da África e dos africanos, a cultura negra brasileira, a importância dos/as negros/
as na formação da sociedade brasileira, a luta do povo negro/a no Brasil e o papel
fundamental que os negros desempenharam e desempenham nas áreas econômica,
social e política. Essa indicação se deve principalmente ao fato de que o/a aluno/a
negro/a precisa, desde a infância, formar sua identidade. Sendo considerada como
um processo contínuo, construído pelos negros/as em diversos espaços institucio-
nais ou não, pelos quais circulam, essa identidade negra também é construída na
escola, durante a trajetória desses sujeitos. Para Gomes (2005), a escola tem a res-
ponsabilidade social e educacional de compreender sua complexidade, respeitando
as outras identidades construídas pelos sujeitos no âmbito escolar, lidando com ela
de maneira positiva.
Como desdobramento de uma aposta na educação para a diversidade e diferença,
a Lei nº10.639/2003 representa um dos mais significativos elementos no avanço das lutas
antirracistas e que tem, como particularidade, gerar maior problematização sobre as in-
justiças promovidas pelo sistema educacional. O Parecer n.º 03/04 afirma que:
85
sua origem africana; para os brancos, poderão permitir que identifiquem
as influências, a contribuição a participação e a importância da história e
da cultura dos negros no seu jeito de ser, viver, se relacionar com outras
pessoas, notadamente as negras (BRASIL, 2004).
Educação Quilombola
86
tudo em torno de uma educação escolar que se realize em nível nacional
e, de fato, contemple não só a diversidade regional na qual a população
quilombola se distribui em nosso país, mas, principalmente, a realidade
sócio-histórica, política, econômica e cultural desse povo. Uma realidade
que tem sido invisibilizada ao longo da história da política educacional
(BRASIL, 2011, p. 3).
Diante das muitas mobilizações dos movimentos sociais, reuniões, eventos e de-
bates realizados com as instituições governamentais, como as secretarias de educação,
Ministério da Educação, universidades, entre outros, efetivou-se a conquista da educação
escolar quilombola em 2012, com a promulgação da Resolução nº 8 de 20 de novembro,
que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola
na Educação Básica que teve como relatora Nilma Lino Gomes. As Diretrizes devem
fundamentar-se, informar-se e alimentar-se:
a) da memória coletiva;
b) das línguas reminiscentes;
c) dos marcos civilizatórios;
d) das práticas culturais;
e) das tecnologias e formas de produção do trabalho;
f) dos acervos e repertórios orais;
87
g) dos festejos, usos, tradições e demais elementos que conformam o patri-
mônio cultural das comunidades quilombolas do país;
h) da territorialidade (BRASIL, 2012, p. 3).
RESULTADOS E DISCUSSÕES
88
O Colégio está situado no Barro Preto na Cidade de Jequié – Bahia, tendo seu re-
conhecimento pela Fundação Palmares desde o ano de 2007, contribuindo no caminho
de uma educação antirracista e decolonial. Ao analisar PPP é possível verificar o enten-
dimento e, ao mesmo tempo, grande relevância referente às relações étnico-raciais que
são desenvolvidas. O Colégio está inserido numa comunidade remanescente quilombola,
consequentemente seu público são pessoas oriundas desse mesmo perfil, que apresentam
suas etnias, ancestralidade e legados acumulados ao longo dos tempos. Por isso, o currículo
contextualiza os aspectos sociopolítico do entorno do Colégio, os saberes da comunidade,
a tradição da oralidade, o respeito aos valores e costumes acumulados e preservados pelos
mais velhos. Isso tudo possibilita a garantia da responsabilidade social e compromisso do
Colégio Doutor Milton Santos para com a comunidade. Trabalha também na visão de prá-
tica pedagógica em cinco pontos na perspectiva interétnica, tais como:
• Aspecto histórico;
• Aspecto culturológico;
• Aspecto antropobiológico;
• Aspecto psicológico;
• Aspecto sociológico.
89
justamente contribuir positivamente na formação de ideias e consolidação de pensa-
mentos dos educandos sobre a História e Cultura afro–brasileira, pois, a proposta desses
componentes curriculares é desenvolver estratégias e criar novos valores sobre a negri-
tude através de todos os conteúdos trabalhados ao longo do ano letivo. Tendo em vista
também os estereótipos que ainda são presentes no convívio social sobre os estudantes,
essas disciplinas específicas auxiliam diretamente para o entendimento mais profundo
das dimensões do ser negro e negra, considerando também a luta e bravura do contexto
histórico e suas conquistas e legados. Consequentemente, a formação de consciência
política e emancipatória sobre a ancestralidade e etnia, reconhecimento de atributos e
potencialidades nas relações interpessoais como forma de empoderamento de sua iden-
tidade sem qualquer sentimento de inferioridade.
A formação de identidade do educando é construída ao longo de um tempo e de
várias experiências, interação, socialização e espaços compartilhados. Uns dos pilares
fundamentais é a autoestima, a capacidade e consciência que assume de si mesmo, seus
valores e importância na vida como todo. O colégio citado contribui bastante para a efe-
tivação de todo esse processo, através de uma pedagogia antirracista e decolonial em que
os conhecimentos referentes ao legado africano, história do povo negro, suas conquistas e
A diferença existente em cada ser humano não pode ser motivo de ações discri-
minatórias, desumanizando a pessoa e atribuindo estigmas que ferem até a alma. A le-
gislação que trate das relações étnico-raciais na educação foi um marco primordial, uma
necessidade e cobrança do movimento negro, pois, era preciso que todos de fato fossem
representados, mostrassem suas culturas sem quaisquer receios ou censura por parte de
ninguém.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
90
contribuições do povo europeu, como ideário de saber absoluto, válido e legitimado. Isso
tudo gerou ao longo dos anos, sérios prejuízos aos educandos enquanto seu processo
de formação, da construção de identidades, maturidade enquanto cidadãos politizados,
críticos e empoderados de marcas ancestrais.
A garantia da lei 10.639/2003 propiciou a quebra de paradigmas na Educação das re-
lações étnicas – raciais, abriu caminhos para o resgate e protagonismo de um dos principais
agentes da História do Brasil, da cultura brasileira e todas as suas manifestações. Nessa pers-
pectiva, o ensino de História e Culturas Afro – brasileira passa a ser obrigatório em todo siste-
ma educacional brasileiro. O valor e o legado da negritude tornam-se elementos primordiais
também dos assuntos ministrados em sala de aulas, e não somente algo secundário explana-
do eventualmente sem qualquer direcionamento na pedagogia antirracista e decolonial.
Sendo assim, é mais que necessário um entendimento da legislação educacional
brasileira antirracista e decolonial. É vital a sua implementação e, consequentemente,
sua prática por todos/as que vivem a educação brasileira. Em razão disso, o racismo es-
trutural, preconceitos e discriminações que porventura aconteçam, serão evitados e/ou
minimizadas na sociedade brasileira. É justamente na área da educação que deve iniciar
a propagação desses assuntos, desconstruindo ideias e pensamentos que foram interna-
lizados por gerações na mente das pessoas e no imaginário social brasileiro, Assim, ser
eliminando os estereótipos e estigmas que ainda imperam sobre o/a negro/a.
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textos, sentidos e práticas. 2018
94
MARY WOLLSTONECRAFT E NÍSIA FLORESTA:
Sobre o direito das mulheres à educação
Cristiane dos Santos Silva
Michel Menezes da Costa
INTRODUÇÃO
95
Para tanto, a abordagem foi qualitativa, exploratória e de cunho bibliográfico que,
por sua vez, tem sido constantemente recorrido em estudos dirigidos para a compre-
ensão da vida humana em grupos, em campos como antropologia, sociologia, filosofia,
psicologia, dentre outros das ciências sociais (DENZIN e LINCOLN, 2000).
O estudo teve como objeto principal de análise excertos da produção de duas filó-
sofas: a inglesa Mary Wollstonecraft (1759-1797), cuja obra “Reivindicação dos direitos
das mulheres” (Vindication of Women Rigths), escrita em 1792 e traduzida no Brasil ape-
nas em 2016, ao mesmo tempo que é uma obra precursora e referência para as lutas das
mulheres pelos seus direitos; e a brasileira Nísia Floresta (1810-1885), divulgadora no
Brasil das ideias da inglesa e importante representante da luta das mulheres por igualda-
de de condições sociais, educacionais e políticas. Com embasamento nesses textos e na
bibliografia de apoio, buscou-se compreender a suposta ausência da mulher na história
da filosofia, suas causas e consequências.
A revisão literária desta pesquisa parte das temáticas em questão na busca siste-
mática pelo que já foi produzido e publicado referente à inserção do conteúdo desen-
volvido. Nessa busca realizaram-se leituras, reflexões e críticas referentes ao tema e que
puderam mostrar que diversos fatores, como feitios culturais e sociológicos, interferiram
para o afastamento das mulheres da planície da racionalidade, negando-as o direito ao
acesso a uma educação que não fosse submetida aos afazeres do lar ou a agradar os mari-
dos. Os conteúdos e metodologias ponderadas como próprias do conhecimento racional
não constavam na educação que lhes era oferecida, consequência da misoginia que en-
fraquecia ainda mais suas participações sociais, como veremos adiante.
A presença feminina na história da filosofia é um fato, mesmo que ocultado pela
história. Seja abordando temas tradicionais e clássicos, seja trazendo novas temáticas e
novos conceitos, o espaço que as mulheres preenchem no panorama filosófico ao longo
da história da filosofia até a contemporaneidade tem, a nosso ver, um peso relevante e
merece um protagonismo como objeto de estudo.
Nesse sentido, entende-se uma necessidade de torná-las conhecidas não só por um
público especializado, mas também por um público leigo, pois seus clamores e reivindi-
cações ao longo das épocas foram ininteligivelmente silenciados. Isto explica de alguma
forma a importância do tema de estudo: ressaltar obras que mostram que existiram e
existem mulheres estudiosas na história da filosofia, cujas ricas contribuições e reflexões
apresentaremos adiante. Além disso, objetivamos também, através da restauração dessas
vozes femininas, criar, incentivar e desenvolver em outros discentes o interesse em co-
nhecer os estudos destas mulheres ao longo da história.
A escolha do tema deste estudo tem ligação direta com a vida escolar e acadêmica
dos autores deste trabalho, diante do estranhamento e posterior questionamento sobre a
ausência de trabalhos de filósofas nos componentes curriculares. Não foi vivenciado em al-
gum momento da trajetória escolar/acadêmica, anterior à pós-graduação no IFBA-Jequié,
96
o estudo de obras produzidas por mulheres na história da filosofia*. Essa suposta ausência,
ou ainda suas causas e consequências levaram a um estudo sobre educação, focado em
duas autoras feministas. O estudo busca esclarecer o papel e a importância das autoras
abordadas, tanto no contexto em que estão inseridas quanto a influência que exerceram na
luta das mulheres por direitos.
Sobre a metodologia, é uma análise qualitativa e bibliográfica sobre a presença
feminina na história da filosofia, a partir das reflexões das filósofas Mary Wollstonecraft
e Nísia Floresta sobre educação. Com essa metodologia, tem-se como questão de pes-
quisa: qual a concepção das autoras estudadas sobre a suposta ausência das mulheres na
história da filosofia, a principal causa e o caminho proposto por elas para solucionar o
problema?
Para tanto, tem-se como objetivo geral apresentar os principais argumentos das
autoras estudadas para se compreender a situação de opressão vivida pelas mulheres em
seus respectivos contextos e o caminho apontado por elas para a solução do problema.
Os objetivos específicos são:
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
* Durante as aulas de Filosofia da Educação, um dos módulos da pós-graduação para a qual o presente trabalho
representa o trabalho final, estudamos trechos de obras de duas importantes filósofas: “Reivindicação dos direitos
da mulher”, de Mary Wollstonecraft; além do capítulo “A crise da educação”, presente no livro “Entre o passado e
o futuro”, com autoria de Hannah Arendt.
** Ensaios Morais (também conhecidos como Epístolas a Várias Pessoas) é uma série de quatro poemas sobre as-
suntos éticos de Alexander Pope, publicados entre 1731 e 1735.
97
estende do passado até os dias atuais. Apesar do desprezo sofrido pela mulher ao longo
da história da filosofia, pela misoginia e pela ausência de inclusão educacional, o tema
“mulher” foi abordado por muitos pensadores, mas quase sempre com sentido pejora-
tivo. Um exemplo é o caso de Aristóteles para quem “[...] as mulheres devem se casar
quando têm cerca de 18 anos de idade, e os homens com 37; então eles estão no auge de
sua vida, e o declínio dos poderes de ambos coincidirão [...]”***.
Para Aggio (2017), as regras do ser ou do tornar-se mulher vem de longa data,
bem sabemos. Esta história de opressão da mulher não poderia ter manchado a pena dos
filósofos, pois mesmo que uma obra seja filosófica por ir para além de seu tempo, ela não
deixa de ser uma obra de seu tempo.
[...] Começo por Aristóteles. O filósofo Estagirita nos disse que a mulher
é um desvio necessário da natureza, ou seja, ela é imperfeita por ser capaz
de exercer a essência da humanidade, a deliberação, apenas no âmbito do-
méstico e sem voz de mando ou autoridade, enquanto o homem seria capaz
de exercê-la plenamente, nos âmbitos privado e público e com autoridade
(AGGIO, 2017, p.12).
Desse modo, há séculos, a população composta por mulheres ainda está ligada ao
espaço familiar, sem visibilidade e não existência no espaço coletivo. A imagem histórica
da mulher contida na "prisão", ou seja, em casa, também ajuda a produzir um sentido
de que não existem filósofas, cientistas e escritoras. Tais discursos são construídos de tal
forma que os homens, portadores da palavra (filósofos, cientistas, historiadores, cléri-
gos), baseados apenas na substância das palavras construídas na história, pensem que os
temas femininos são inferiores aos masculinos.
Segundo Araújo e Araújo Júnior (2020)****, o despotismo patriarcal, desde a so-
ciedade grega, impulsionava as mulheres para longe da filosofia e para perto do lar com
obrigações monótonas. A mulher, durante muito tempo, não era considerada cidadã,
sua função era a reprodução, a criação dos filhos e a produção de bens de subsistências
como: fiação, tecelagem e alimentação. As outras atividades consideradas mais nobres,
como filosofia, política e artes, eram destinadas aos homens, ou seja, funções eminente-
mente masculinas. Aquelas que revelassem discordâncias com o sistema patriarcal eram
consideradas meretrizes e mundanas.
Ainda é importante enfatizar que os estudiosos apontam que, apesar desse pres-
suposto, o fato é que as mulheres foram escondidas dessa construção ao terem sua
singularidade e pluralidade ocultadas pela dominação masculina, fruto do patriarcado
que diminuiu sua participação em dar forma ao mundo pelo discurso e pelo diálogo,
**** ARAÚJO, Iron Mendes; ARAÚJO JÚNIOR, Iron Mendes 2020, p.109.
98
inclusive na própria filosofia. Isso é evidenciado nos discursos dos filósofos sobre as
mulheres, eivado de gracejos e de linguajar que desqualificava a produção e a aptidão
das mulheres na filosofia.
Ao perpetuar a dominação masculina, as mulheres receberam como prê-
mio a invisibilidade. Contudo, estudos sobre as mulheres aparecem em obras me-
nos conhecidas, as quais tratam de temas relacionados à moral, o que certamente
contribuiu para que a questão da discriminação da mulher passasse despercebida
(ANDRIOLI, 2010).
Os exemplos são muitos e não vale a pena ficar aqui citando o que a maior
parte dos filósofos falaram das mulheres. São suficientes os exemplos dados
de filósofos de peso – Aristóteles, Rousseau, Kant, Schopenhauer e Nietzs-
che. A filosofia, feita majoritariamente por homens, fala das mulheres com
ressentimento, preconceito e agressividade (AGGIO, 2017, p. 16).
Aggio (2017) afirma que é preciso que recordemos da existência de mulheres fi-
lósofas por todo o período da história, inclusive na Grécia Antiga, mas que pouco ou
nada restou de seus escritos. O fato de as mulheres não estarem presentes na maior parte
das obras, não quer dizer que elas não contribuíram para o desenvolvimento das ideias
filosóficas e culturais em geral.
Desse modo, mesmo que a mulher tenha sido menosprezada na história da filoso-
fia, o tema “mulher” foi abordado por muitos intelectuais. Obras de importantes filóso-
fos como Platão, Aristóteles e Kant apontam a diferenciação entre os gêneros. Todavia,
estudos sobre as mulheres estão em obras menos populares, as quais conceituam temas
relacionados à moral, o que, indubitavelmente, colaborou para que a misoginia em rela-
ção à mulher fosse estática (ANDRIOLI, 2010).
Nesse contexto, levado em culminância, elas foram educadas para depender dos
juízos dos maridos, pais ou irmãos, e para executarem ocupações domésticas. Foram-
-lhes negados todos os privilégios políticos e educacionais, sendo assim, mantidas em
um “estado de minoridade”, ou seja, na “incapacidade de se servir de seu próprio enten-
dimento sem a tutela de outro”*****.
A obra “O Segundo Sexo” (1949), da filósofa francesa Simone de Beauvoir
(1908-1986), que segue fundamentando as narrativas feministas até hoje, tenta que-
brar com o laço apontado acima, mostrando que a feminilidade é um espectro amplo
e que esse conceito de "sexo frágil" não representa a mulher moderna e independen-
te, que não usa o homem como sua pilastra, mas que é dona de si mesma e de suas
decisões.
99
Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psí-
quico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da
sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermedi-
ário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino (BEAUVOIR,
1967, p.09).
Para Campoi (2011), existem estudos filosóficos femininos que resistiram à mi-
soginia e à exclusão educacional igualitária entre homens e mulheres. No decorrer da
história, essas militantes contribuíram e participaram da história filosófica. No entanto,
o domínio da razão era prerrogativa do homem, criando certo conceito de hegemonia
masculina na ciência, que foi fortalecida no século do Iluminismo.
100
É notória a percepção da existência da manipulação ideológica desses discursos e
seus efeitos na vida das mulheres ao longo da história. Desse modo, podemos entender
os motivos que levaram tantas mulheres a ver no elogio da maternidade a fórmula mági-
ca de fugir da circunstância desprezível em que algumas delas viviam, quando inférteis
sem parir herdeiros.
Conforme Silva (2014), as mulheres durante muito tempo estiveram ocultadas em
julgamentos equivocados e misóginos. No entanto, aos poucos, elas vão conquistando
espaço, devido as suas inquietações e lutas. Ao longo da história, suas contribuições de
diversas ordens mostram que elas sempre estiveram presentes na história da humanida-
de. Contudo, sua figura sempre foi mostrada de maneira sucinta e insignificante, subs-
tancialmente quando comparada ao homem. A autora ainda afirma que a
[...] figura das mulheres na mitologia grega é exposta na imagem das deusas Afro-
dite (símbolo do amor), Deméter (símbolo da agricultura), Hera (símbolo do
casamento), Atena (símbolo da inteligência), e outras. Apesar de haver presença
feminina na mitologia, é importante acentuar que, a deusa que representa a inte-
ligência surgiu da cabeça de Zeus. Isto demonstra a visão de que o pensamento e
a inteligência pertenciam à figura masculina (SILVA, 2014. p. 2 apud FERREIRA,
2009. p. 27).
101
da filosofia com ênfase em duas estudiosas do século XVIII e XIX, que lutaram contra
os obstáculos socioculturais de seu tempo que dificultavam (e por isso tornaram mais
marcantes e valiosas) sua participação na história filosófica.
Diante das assertivas apresentadas, é necessário explicitar a gigantesca invisibili-
dade das mulheres como protagonistas na história da filosofia. É indispensável também
verificar se a dominação patriarcal contribuiu para a invisibilidade das mulheres filóso-
fas. E como os discursos filosóficos dos filósofos e a ausência de direito ao acesso a uma
educação igualitária reforçaram ainda mais a invisibilidade histórica dessas mulheres.
METODOLOGIA
FEMINISMO FILOSÓFICO
Mary Wollstonecraft
Mary Wollstonecraft (1759-1797) foi uma filósofa e defensora dos direitos das
mulheres, sendo hoje reconhecida como uma importante abolicionista inglesa e uma das
precursoras do feminismo. A estudiosa, no final do século XVIII, levantou questões so-
bre os direitos das mulheres e percebeu que a educação (ou falta dela) é a causa principal
da situação indesejada que as mulheres são submetidas, pois afirma que “se a mulher não
for preparada pela educação para se tornar a companheira do homem, ela interromperá
o progresso do conhecimento e da virtude [...]”******.
102
A militante teve uma infância pobre, seu pai era um modesto tecelão de seda de
Londres, pai de seis filhos. Quase toda a formação intelectual foi adquirida de forma
autodidata. Araújo e Araújo Júnior (2020) afirmam que os próprios títulos de suas obras
alavancam uma preocupação com a concretude como critério dominante de suas refle-
xões filosóficas. Sua obra, “Reivindicação dos direitos da mulher” (1792), é considerada
pelos estudiosos como um dos textos pioneiros do feminismo e que teve uma grande
influência nas lutas pela emancipação das mulheres.
Tais autores apontam que o pensamento dela visa contestar o discurso dominante
que afirmava que a própria natureza determinou a subordinação da mulher ao homem.
Mary Wollstonecraft foi também uma grande defensora da igualdade de oportunidades
na educação para ambos os sexos e uma crítica severa da tese de que os homens e mulhe-
res são diferentes por natureza (ARAÚJO E ARAÚJO JÚNIOR, 2020, p. 47).
Garcia e Peinhopf (2020) refletindo sobre esses pleitos, primeiro salientam que,
durante séculos, não foi consentido às mulheres o acesso irrestrito e geral à educação.
Por seguimento, quem compunha e divulgava as convicções acerca do sexo feminino
eram homens. Desse modo, a presença e a ausência histórica das mulheres na sociedade
eram definidas e narradas pelos sujeitos do sexo masculino, isto é, filósofos, cientistas,
historiadores e clérigos.
Os pensamentos de Wollstonecraft se agregam aos valores iluministas expressos
por ideais como: liberdade, igualdade e fraternidade, já que, se desenvolvem num mo-
mento muito influenciado pelo Iluminismo. Em seus escritos, esses ideais se mostram
como uma intensa e dedicada luta pelo direito das mulheres ao acesso à educação for-
mal, à herança e ao voto.
Digo que se a Razão oferece sua sóbria luz, se as mulheres são realmente
capazes de agir como seres racionais, que não sejam tratadas como escravas
nem como animais que, submetidos ao homem, dependem da sua razão;
mas, ao contrário, cultivem sua mente, deixem que alcancem a dignidade
consciente, sentindo elas próprias que dependem apenas de Deus. Ensi-
nem‐nas, como aos homens, a se submeter à necessidade, em vez de torná‐
las apenas mais agradáveis (WOLLSTONECRAFT, 2016, p. 58).
103
Na luta pelos direitos da mulher, meu principal argumento baseia‐se neste
simples princípio: se a mulher não for preparada pela educação para se tor-
nar a companheira do homem, ela interromperá o progresso do conheci-
mento e da virtude; pois a verdade deve ser comum a todos ou será ineficaz
no que diz respeito a sua influência na conduta geral. Como se pode esperar
de uma mulher que ela colabore, se nem ao menos sabe por que deve ser
virtuosa? Somente a liberdade pode fortalecer sua razão, até que ela com-
preenda seu dever e veja de que maneira este está associado ao seu bem real
(WOLLSTONECRAFT, 2016, p. 18‐9).
104
A estudiosa ainda questiona autores como o filósofo iluminista Rousseau, que en-
fatiza os pensamentos de inferioridade feminina em algumas de suas obras, por exemplo,
em seu diálogo “Emílio”, ou “Da Educação”.******* Segundo a estudiosa, o respeito pela
opinião do mundo tem sido definido como o principal dever da mulher com as mais
explícitas palavras, já que Rousseau declara “que a reputação não é menos indispensável
do que a castidade”. Acrescenta ele:
Nessa obra, o filósofo propôs que as mulheres precisam ser preparadas desde cedo
a conter os seus anseios, por isso não devem receber uma educação muito desregrada.
Para Rousseau, as mulheres penderiam à exorbitância sempre que lhes fossem conce-
didos o que quer que fosse, pois a educação delas deveria ser conduzida por homens.
Entretanto a nossa filósofa foi:
Há, na história, outros exemplos nesse sentido. A famosa Aspásia, mulher de Pé-
ricles e professora de retórica contra a qual se insurge Platão no século IV. A Sra. Dacier,
conhecedora de grego, contra qual se insurge Kant, no Século das Luzes, são exemplos
de medo das mulheres na história. Indivíduos mais brandos, como o famoso Rousse-
au, relacionam as mulheres a Sofia, uma espécie de joia, que faz jus ao respeito e ao
apoio espiritual e emocional de seu marido representado por Emílio. Nessas condições,
acreditou-se que as mulheres fizeram trabalhos de criação intelectual ou artística e que
acumularam conhecimentos ao longo da história da filosofia, mas carregam a marca do
silêncio ou da negatividade (TIBURI, 2003).
Além disso, na perspectiva apresentada acima, recomenda-se às mulheres que não
se acostumem com a liberdade, já que, ao longo de suas vidas, terão que ser obedientes
******* ROUSSEAU, Jean J. Emílio, ou da educação. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Difel, 1979.
105
aos seus maridos. Além de uma falta de iniciativa que provém de sua educação, os costu-
mes tornam-lhe a independência difícil (BEAUVOIR, 1967, p.72).
Espero que meu próprio sexo me desculpe caso eu trate as mulheres como
criaturas racionais, em vez de adular suas graças fascinantes e considerá‐
las como se estivessem em um estado de perpétua infância, incapazes
de ficar sozinhas. Sinceramente, pretendo mostrar em que consistem as
verdadeiras dignidade e felicidade humanas. Desejo persuadir as mulhe-
res a se esforçarem para adquirir força tanto da mente quanto do corpo
e convencê‐las de que as frases suaves, a susceptibilidade do coração, a
delicadeza dos sentimentos e o gosto refinado são quase sinônimos de
epítetos de fraqueza, e de que os seres que são apenas objeto de pieda-
de e daquela espécie de amor sensual logo se tornarão alvo de desprezo
(WOLLSTONECRAFT, 2016, p. 27).
Diante das assertivas, Wollstonecraft explicita que a mulher cuja virtude se baseia
em preconceitos mutáveis, raramente alcança a grandeza da mente; tornando‐se escrava
de seus próprios sentimentos, é subjugada com facilidade pelos outros. Degradada dessa
maneira, emprega sua razão, sua confusa razão, para lustrar suas correntes em vez de
rompê‐las.
As mulheres têm sido isoladas e despojadas das virtudes que deveriam co-
brir a humanidade; sua única ambição é ser bela para provocar emoção,
em vez de inspirar respeito; e esse desejo ignóbil, tal como o servilismo nas
monarquias absolutistas, destrói toda a força de caráter. A liberdade é a mãe
da virtude, e se as mulheres são, por sua própria convicção, escravas, se não
lhes é permitido respirar o ar vivo e vivificante da liberdade, elas irão conti-
nuar a definhar como planta exótica e a ser consideradas belas imperfeições
da natureza (WOLLSTONECRAFT, 2016, p. 59).
106
esse argumento, mesmo frequente, não encontraria sustentação, nem é possível dizer,
entretanto, que não escrevessem ou participassem da fundação da tradição da filosofia.
Por isso, para essa estudiosa é necessário enfrentar a questão do silenciamento. Tal en-
frentamento, encontramos nos escritos da Wollstonecraft que afirmam:
Araújo e Araújo Júnior (2020) mostram em seu livro, “Mulheres filósofas”, a pre-
sença de filósofas desde a antiguidade greco-romana, período medieval na Europa e no
período do Renascimento até a Idade Contemporânea. Denunciam uma certa ideologia
androcêntrica, ou seja, o homem como centro, levando muitas vezes à contextualização
do trabalho de filósofas num meio em que predominam pensamentos misóginos, de
aversão à mulher.
Para Bonfim (2021), a abordagem sobre educação nos escritos de Wollstonecraft,
a partir da sua intelectualidade, torna a filósofa uma importante embaixadora dos direi-
tos das mulheres e a situa em um lugar privilegiado, cuja extensão da obra vai para além
da Europa. No entanto, Wollstonecraft não é a única estudiosa a escrever sobre educação
no século XVIII, ou antes disso. Então, o que faz sua escrita se destacar?
O sistema patriarcal revela e contextualiza discordâncias com o fato de que mu-
lheres militantes que filosofaram fosse necessário, criticando esse tipo de teoria educa-
cional voltada para as meninas, que reivindicavam por uma educação justa.
Finalmente, Ávila (2007) sinaliza que as mulheres passaram a ter direito à educa-
ção com anuência do Estado, a partir do século XIX, podendo não ter sido uma educa-
ção de qualidade, mas influenciada pela escassez de operários mais capacitados às ati-
vidades nas indústrias, diante da Revolução Industrial na Inglaterra e a transição para
novos processos de manufatura no período entre 1760 a certo período entre 1820 e 1840,
acarretando em novas características econômicas.
107
Nísia Floresta
Nada ou quase nada tem se visto fazer para remover os obstáculos que retardam
os progressos da educação das nossas mulheres, a fim de que elas possam vencer as tre-
vas que lhes obscurecem a inteligência e conhecer as doçuras infinitas da vida intelectual,
a que têm direito as mulheres de uma nação livre e civilizada (FLORESTA, 1989 p.113).
******** FLORESTA, Nísia Brasileira Augusta. Direitos das mulheres e injustiça dos homens. 4 ed. São Paulo:
Cortez Editora, 1989.
108
A educação moral, de que tenciono aqui falar, falta geralmente por toda
parte: por toda parte é esboçada, não sendo em parte alguma levada a cabo.
Daí a origem e a causa capital de todos os males morais que afligem, e afli-
girão ainda por muito tempo o gênero humano (FLORESTA, 1997, p. 111).
Desse modo, só pode ser por uma inveja baixa e indigna que os homens privam
as mulheres das vantagens a que elas têm um direito tão natural quanto eles. A figura de
Nísia como filósofa permaneceu obscura por muito tempo entre nós, mas sua trajetória
e suas obras possuem muita relevância na história da filosofia. A filósofa aborda ques-
tões em seu livro sobre educação, não só revelando sua visão ampla e consciente sobre as
questões educacionais, mas também seu compromisso em mudar essa situação para que
as mulheres daquela época tivessem acesso à educação e oportunidades iguais aos ho-
mens. Nísia Floresta, alinhada com a filosofia mais avançada e ideias utópicas da época,
defendeu o argumento de que o progresso da sociedade depende da educação da mulher.
Nesse pensamento, a autora desencadeia a seguinte indagação: Por que os homens
afastam a presença da mulher das ciências? Esse direito é de ambos, porém, esse afasta-
mento repercute, ou ainda pior, gera barreiras na contribuição ou partilha de conheci-
mento entre os dois gêneros. A falta de desempenho feminino na administração ou em
cargos públicos, ou até mesmo ao direito ao voto e acesso justo a educação, se dá pela
misoginia sofrida no sistema patriarcal (FLORESTA, 1989).
******** Interessante lembrarmos aqui do grande educador e filósofo brasileiro Paulo Freire (1921-1997) “quando
a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”, ou seja, a educação precisa ser libertadora
109
educador a busca por respostas sobre as coisas do mundo. Essa busca por interpretar o
mundo engloba o educando. Assim o educador inspira e propõe questões que movem os
alunados a apresentarem novos estudos sociais e científicos sobre a humanidade.
Diante do que foi exposto, é preciso relembrar o contato de Nísia Floresta com
a filosofia do positivismo de Auguste Comte, em Paris. Na luta por igualdade social, a
intelectual pregava pela garantia de que os talentos das mulheres e o renascimento dos
homens deveriam ser feitos por mulheres. Por isso, ela condenou tudo o que pudesse
afetar os valores da sociedade burguesa e estava impaciente com os responsáveis por
sua
luta mais importante: a educação das mulheres.
É importante ressaltar a insignificância do número de escolas com o público fe-
minino, além da bagunça dos métodos, das doutrinas seguidas pelos docentes, quase
sempre discordantes em seus sistemas e, como já visto, em grande parte sem as precisas
qualificações. A autora aborda que o número de mulheres na população do século XIX
que participaram do ensino público e que receberam o grau de instrução intelectual é
muito reduzido (FLORESTA, 1989).
A ausência racional que elas efetuavam do uso da sua intelectualidade sobre
os homens não podia ser, portanto, culpa delas, mas sim da educação que obtinham
e dos homens que a fomentavam. Uma educação severa, o medo do pecado, o sen-
timento de culpabilidade em relação à mãe cria barreiras poderosas (BEAUVOIR,
1967, p.118).
No século XIX a idealização da mulher postulava, primordialmente, dar-lhe o
fundamento dos “ofícios básicos” e assim fumigar sua essência dos fictícios oratórios
teóricos que azoavam as mentes femininas com seus plácidos e, ao fim, conservando-as
subordinadas as suas fantasias através de uma educação que pouco acrescentava.
Para Silva (2014), a famosa expressão “atrás de um grande homem há sempre uma
grande mulher”, reforça a ideia de que as mulheres sempre estiveram numa posição de
sombras. Assim, para que essa expressão não perdure sendo propagado mundo afora, é
necessário sair da zona de conforto, passando por questionamentos e anseios, para que
logo, consigamos construir a ideia de igualdade humana.
para cumprir totalmente o seu objetivo. Este nos parece ser um ponto de contato entre o pensamento de Paulo
Freire e o das autoras aqui estudadas.
110
Dessa maneira, reformulamos a expressão citada anteriormente da seguinte ma-
neira: “ao lado de um grande homem há sempre uma grande mulher” (SILVA, 2014).
Nesse contexto, as mulheres contribuíram para o desenvolvimento do pensamento filo-
sófico e científico ao longo da história.
Segundo Federici (2017), partindo de uma análise da “política do corpo, as fe-
ministas não somente revolucionaram o discurso filosófico e político, mas também
passaram a revalorizar o corpo”. Esse foi um passo necessário, tanto para confron-
tar a negatividade que acarreta a identificação de feminilidade com corporalidade
quanto para criar uma visão mais holística do que significa ser um ser humano
(FEDERICI, 2017).
Dessa perspectiva de observação e entendimento, os debates dispuseram acerca
de que o sistema patriarcal inibiu escolas brasileiras para mulheres e meninas. Na verda-
de, esse parece ser o motivo de todas as reflexões de Floresta: a defesa do direito feminino
a um acesso à educação que permita o pleno desenvolvimento de todas as suas capacida-
des intelectuais e motoras, não apenas aos afazeres domésticos.
Acreditamos que a reflexão e o estudo em volta do pensamento feminino podem
amplificar a visão da sociedade em torno deste enunciado, colaborando para a inclusão
dessa concepção de gênero, ponderando na serenidade do tema. Tal reflexão pode tam-
bém comensurar o olhar daqueles que engendram filosofia para uma História filosófica
que incorpore também o pensamento feminino. Nesse reconhecimento lícito das suas
capacidades intelectuais e num reconhecimento paradoxal, que muitos filósofos omiti-
ram ou desprezaram a produção filosófica das mulheres à medida que foram responsá-
veis pela criação de certos estereótipos sobre elas.
Ainda sobre os pensamentos explícitos, o homem tem dificuldades de mensu-
rar as discriminações de gênero que projetam nas mulheres, sem enxergar as marcas
psicológicas e morais profundas. Essas marcas justificam porque é inevitável, sendo
mulher, não falar da mulher. Contudo, é necessário cuidado para fazer um discurso
militante excedendo o tecnicismo próprio aos discursos herméticos. É essencial bus-
car as palavras certas para questionar e criar inquietações sobre o comportamento
no mundo.
A produção literária feminista do filme Enola Holmes, apesar de misteriosa, apre-
senta o cenário de uma Inglaterra do século XIX em um de seus picos políticos de luta
por direitos feministas, ao mesmo tempo em que há a ascensão do movimento sufragis-
ta, na história da jovem personagem, que retrata a figura da mulher no contexto apre-
sentado nesse estudo.
Assim, vale reforçar que “o tema da mulher incomoda”, inquieta, mas ao mesmo
tempo é inevitável, principalmente quando se é uma. Não se pode admitir, devido à co-
vardia dos homens, a submissão causada por uma suposta inferioridade do sexo femini-
no, na busca por igualdade de gênero.
111
Desagradável porque ressoa inicialmente como uma reivindicação legítima e que
logo é associada a mais uma lenga-lenga feminista. Mas, afinal de contas, há “desigualdade
entre homem e mulher” em nossa sociedade democrática abrangendo o espaço filosófico?
Essa pergunta abordaria outro tema que acarretaria uma outra busca acadêmica,
em que seria necessário buscar as relações entre a misoginia e a negação às mulheres do
direito de acesso a uma educação de qualidade. O que se pode perceber através deste es-
tudo é que tais fatores conturbaram, mas não impediram a presença da intelectualidade
feminina na filosofia no passado até o presente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para as considerações finais deste estudo, foram construídas reflexões acerca das
perspectivas das autoras que fundamentam a temática desta pesquisa, considerando as
peculiaridades e dificuldades. Dessa forma, percebemos que a presença feminina na his-
tória da filosofia é um fato, mesmo que ocultado da história. A existência de Mary Wolls-
tonecraft e Nísia Floresta em si é uma demonstrativa da presença feminina na história
da filosofia e da luta das mulheres por igualdade de direitos sociais, apesar da misoginia
e do patriarcado.
Notamos, também, que fatores como a dependência financeira e a ausência de
uma educação de qualidade dificultaram a visibilidade e o reconhecimento social das
mulheres ao longo do tempo. O estudo mostrou que o principal ponto de contato entre
as autoras estudadas é a proposta de um acesso amplo à educação de qualidade como
meio de combater as desigualdades sociais que oprimem e condenam as mulheres a uma
injusta posição de inferioridade social em relação aos homens. Tal situação é em si mes-
ma injusta e deve ser combatida, já que, mulheres e homens pertencem todos ao mesmo
gênero humano, conforme nos ensinam as autoras.
Desse modo, considera-se possível ver e mostrar, a título de entendimento, a inte-
lectualidade das mulheres na filosofia. Ao considerarmos a história da filosofia constata-
mos que a presença feminina é sim existente e importante, e que estudos como este pode
lançar uma luz sobre o local obscurecido em que elas se encontram.
Por fim, estudar sobre o tema abordado não foi nada fácil, entretanto foi muito
gratificante conhecermos um pouco sobre a existência feminina na história da filosofia
e a figura de filósofas tão interessantes e importantes na luta pelo direito das mulheres à
educação. Mulheres que lutaram por espaço e igualdade de direitos em suas épocas, mas
cuja luta extrapolou o seu tempo e chegou até os dias atuais, mulheres contemporâneas
herdeiras e continuadoras da reflexão e da luta por igualdade de direitos. Este estudo
abriu caminhos para explorar novos objetos de pesquisa com relação às mulheres na
produção científica e acadêmica em outras áreas de conhecimento, as quais foram ofus-
cadas pela misoginia e pelo patriarcado.
112
REFERÊNCIAS
AGGIO, Juliana Ortegosa. Por que falar do tema da mulher na filosofia? Psicanálise
e gênero (Organizadores Susana de Castro, Adriano Correia, Maria Cristina de Távora
Sparano). São Paulo: ANPOF, 2017, p.15-24.
AGUIAR Bezerra, G. B.(org.). Nísia Floresta Brasileira Augusta. Uma mulher à fren-
te de seu tempo. Direitos das mulheres e injustiça dos homens. Editora Fundação
Ulysses Guimarães, s/ local e s/d, p. 137-8.
ARAÚJO, Iron Mendes; ARAÚJO JÚNIOR, Iron Mendes. Mulheres Filósofas. Partici-
pação, história e visibilidade. Curitiba/PR, Appris editora, 1. edição. 2020.
ÁVILA, Rebeca Contrera. MINHA HISTÓRIA DAS MULHERES. Michelle Perrot. São Pau-
lo: Contexto, 2007. Disponível em: https://www.ifch.unicamp.br. Acessado em 26/02/2021.
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Fatos e Mitos, difusão europeia do livro,
4.edição, Tradução de Sergio Millet capa de Fernando Lemos, São Paulo, 1970 p.106.
CAMPOI, Isabela Candeloro. Direitos das mulheres e injustiça dos homens” de Nísia Flores-
ta: literatura, mulheres e o Brasil do século XIX. UNESPAR, CAPES, São Paulo, 2011, p.198.
ENOLA HOLMES. Direção: Harry Bradbeer. Produção de Mary Parent, Alex Garcia e
Millie Bobby Brown e Paige Brown. EUA & Reino Unido: Netflix, 2020.
113
FERREIRA, Maria Luísa Ribeiro. As mulheres entram na filosofia. Lisboa, 2001,
pp.61-77.
FLORESTA, Nísia Brasileira Augusta. Direitos das mulheres e injustiça dos homens. 4
ed. São Paulo: Cortez Editora, 1989.
SILVA, Juliana Pacheco. Mulher e filosofia: onde estão as filósofas?. PUCRS, CAPES,
Porto Alegre, 2014, p.02.
114
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
E A PRÁTICA DOCENTE NA EJA
Amanda Silva Cardoso
André Luis da Silva Santos
INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende refletir sobre a Educação de Jovens e Adultos (EJA) no que
tange à ideia de que o professor precisa ter uma formação específica para trabalhar com
os estudantes que estão matriculados na EJA. A maioria dos grandes teóricos sempre
foca na aprendizagem do estudante, que, de fato, é a essência do objetivo educacional. No
entanto, como estão acontecendo esses saberes em sala de aula? O teórico Paulo Freire
traz a seguinte ideia a respeito do docente e do discente:
Nesse sentido, o professor não pode ser simplesmente um narrador, ele precisa es-
tar aberto para aprender juntamente com seu estudante, para que possa haver uma troca
de saberes significativa e para que haja uma mudança positiva na vida deste educando. O
professor jamais pode assumir a posição de opressor, pois já existem muitos grupos que
oprimem há décadas as pessoas que estão à margem da sociedade.
É legítimo o pensamento de Paulo Freire, mas, aqui, pretendemos pensar de for-
ma mais ampla a respeito do professor e sua formação. Será que os professores que atuam
no ensino fundamental, médio e técnico estão, de fato, aptos a atuarem com o ensino da
EJA? Esse assunto é de extrema importância a ser refletido. De acordo com as minhas
115
experiências com o público supracitado e a partir de buscas a respeito da formação de
professores, são poucos os conteúdos e as teorias a respeito do tema.
Enquanto professora da área de linguagem, já atuei em todos os seguimentos
(anos) do ensino fundamental na EJA e nunca me foi cobrado sobre formação específica
e sei que sempre houve essa necessidade. Segundo dados do Instituto Nacional de Estu-
dos e Pesquisas Educacionais (INEP), de 2003, apenas 16 cursos de Pedagogia no Brasil
oferecem habilitação em EJA. A partir dessa informação, é possível perceber como a
formação específica para os professores da EJA segue em defasagem.
É sabido que a EJA no Brasil se iniciou com a chegada dos Jesuítas, seja na catequi-
zação, seja no ensino para crianças e adultos indígenas. Conforme Strelhow (2010), após
a saída dos jesuítas do solo brasileiro e a chegada da família real, a educação de jovens e
adultos acaba se extinguindo e só é retomada a partir da década de 1930. Foram apro-
ximadamente quinhentos anos de negação do direito dos jovens e adultos que, ao longo
da vida, não conseguiram realizar os estudos ou precisaram interromper por inúmeras
razões (trabalho, gravidez, problemas de saúde, acesso à escola etc.).
Nesse sentido, a Educação de Jovens e Adultos começa, efetivamente, a se destacar
em 1934, quando o governo cria o Plano Nacional de Educação (PNE) que estabeleceu
como dever do Estado o ensino primário integral, gratuito, de frequência obrigatória
para os adultos como direito previsto pela Constituição (FRIEDRICH et.al, 2010).
Podemos afirmar, com efeito, que a existência da EJA é uma realidade educacio-
nal há mais de 500 anos, porque os indígenas já assistiam aulas com os padres Jesuitas.
Durante a estadia dos padres Jesuitas no Brasil, eles formaram um plano de estudos cujo
nome era Ratio Studiorium1 e atendia da seguinte forma:
116
Nesse contexto, qual é o objetivo da formação específica para os professores que
atuam na Educação de Jovens e Adultos? Essa formação específica vai contribuir com
a formação do sujeito participante desse seguimento? O processo de alfabetização do
adulto é igual ao das crianças? Essas e tantas outras perguntas surgem quando se pensa
na formação do professor que atua na EJA. Pimenta (1995) nos traz a reflexão acerca da
atividade prática do professor:
A partir dessa reflexão, Pimenta (1995) nos mostra que o professor precisa ter o
conhecimento “técnica e prático” para garantir que haja aprendizagem em sala de aula.
Esse conhecimento adquirido pelo professor precisa ser específico e consistente, para
alcançar os objetivos curriculares e de aprendizagem do estudante. Portanto, a formação
é essencial na vida do profissional de educação.
Buscando mais informações a respeito da formação docente, esse conteúdo foi
encontrado em algumas obras, principalmente do professor e pesquisador Miguel Ar-
royo. Ele trata, em seus livros, desse olhar mais próximo do professor que atua na EJA; há
algumas entrevistas muito esclarecedoras a respeito da temática e há poucos professores
que pesquisam especificamente não apenas os estudantes, mas os docentes.
Hodiernamente, seria difícil calcular o número de trabalhos voltados para a
aprendizagem do estudante adulto; seria mais difícil fazer esta estatística que fala essen-
cialmente da formação do professor da EJA. Logo, esse trabalho tem como objetivo pen-
sar na formação de professores que atuam na Educação de Jovens e Adultos. A pesquisa
será realizada a partir da análise de artigos e textos teóricos que discutem a formação dos
professores que trabalham com a EJA.
REFERENCIAL TEÓRICO
Para a pesquisa, os fundamentos que tecem esse artigo contam com autores, tais
como: Pimenta (1995), Arroyo (2008), Silva (2010), Capucho (2012), Freire (1987), entre
outros.
Entendemos que para a Educação de Jovens e Adultos acontecer, há toda uma
logística especial pensada para a formação do sujeito que está inserido na escola. Sabe-
mos que a maioria dos estudantes que se encontram matriculados na modalidade EJA
117
são pessoas oprimidas e que não puderam continuar a estudar na modalidade do ensino
regular. Os educandos geralmente têm uma realidade de vida difícil e que muitas vezes
veem na EJA uma possibilidade de resgatar o tempo de estudos que não puderam usu-
fruir. Arroyo (2001) apresenta este perfil do estudante da EJA:
Com essa colocação do Arroyo, podemos perceber que essa Educação de Jovens
e Adultos é diferenciada, porquanto o público traz uma grande complexidade e necessi-
dade de se desenvolver intelectualmente e como cidadão, dentro da sociedade opressora
e desigual. Nesse sentido, mais uma vez, vejo que a formação específica do professor que
trabalha na EJA se faz necessária. Isso reflete diretamente na aprendizagem dos estudan-
tes e, frequentemente, gera desmotivação por parte dos educandos que, às vezes, são tra-
tados como crianças durante o percurso educacional. Na concepção de Capucho (2012):
118
sempre têm essa oportunidade. As aulas acontecem em espaços escolares, templos reli-
giosos, empresas, penitenciárias, assentamentos e muitos outros espaços. Segundo Ca-
pucho (2012, p. 65), “A educação de Jovens e Adultos, diferente da educação de crianças e
adolescentes, efetiva-se em diferentes espaços/tempos. Os cenários são muitos e a maio-
ria precários [...]”. Então, podemos perceber o quanto essa modalidade educacional é
precarizada. Se nessa realidade de espaço escolar não é fácil para o estudante, imagina-se
a dificuldade para os professores que precisam ministrar aulas em espaços improvisados.
Esse é mais um motivo para os cursos de licenciatura terem uma disciplina voltada ao
ensino de EJA. Assim, haveria a possibilidade de os docentes se prepararem e se reinven-
tarem para atuar com o público adulto nos mais diversos espaços.
Para Capucho (2012), a modalidade EJA destaca-se pela diversidade de contextos
para que haja desenvolvimento da prática pedagógica e deve atender a pluralidade dos
sujeitos em processo de formação educacional e humana. Ainda falando de Capucho
(2012):
119
O INEP publicou dados da EJA de 2019, os quais mostram que houve uma queda
de 7,7% no número de matrículas dos estudantes da Educação de Jovens e Adultos. “A
redução de matrículas ocorre de forma similar no nível fundamental (8,1%) e no ensino
médio (7,1%)”, conforme o Inep (2019). Esses dados eram preocupantes antes da pande-
mia, agora, após a longa pausa no contexto escolar, são mais preocupantes ainda, posto
que muitos educandos não voltaram à atividade escolar por diversos motivos. Um deles
foi o receio da contaminação e outros não se sentiram motivados a retomar às aulas,
porque a rotina de estudos foi quebrada por dois anos.
Para todos os seguimentos educacionais foi difícil ficar sem as aulas, mas para a
EJA, mais difícil ainda. De acordo com os dados do Inep, era significa a baixa nas matrí-
culas, e esses números de matrículas sofreram uma queda maior. No ano de 2021, muitos
estudantes da EJA optaram pelo Exame Nacional para Certificação de Competências de
Jovens e Adultos (ENCCEJA).
120
[...] o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é
educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa.
Ambos, assim, tornam-se sujeitos do processo em que crescem juntos e
em que os “argumentos de autoridade” já não valem. Em que, para ser-se,
funcionalmente, autoridade, necessita-se de estar sendo com as liberdades
e não contra elas (FREIRE, 1978. p.39).
Nessa conjuntura, para o professor ser “libertador”, ele precisa estar aberto para
aprender juntamente com o seu educando. É uma via de mão dupla, onde a troca de co-
nhecimento precisa estar presente na escola e no ambiente escolar como um todo, pois é
de bom tom lembrar que o professor não é apenas um narrador em sala de aula. E para
que haja esse diálogo aberto nos ambientes onde está o público da EJA, o professor preci-
sa estar devidamente capacitado e aberto para fazer um trabalho integrador e libertador.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Nessa perspectiva, este trabalho teve por objetivo discutir a formação para pro-
fessores que trabalham com EJA, a partir da análise dos artigos científicos: “O Educador
de Jovens e Adultos e sua Formação”, de Leôncio Soares; “Formação de Professores e
Educação de Jovens e Adultos: o formal e o real nas licenciaturas”, de Jaqueline Ventura
e Maria Ines Bomfim; “Formação de Professores e Prática Docente na EJA: saberes con-
ceituais, metodológicos e políticos”, de Ferdinando Santos de Melo; e “Formação de edu-
cadores de EJA: caminhos inovadores da prática docente”, dos autores Antonio Amorim
e Maria Luiza Ferreira Duques. Esses textos foram escolhidos porque trabalham com a
importância da formação de professores em perspectivas diferentes, e isso colaborou de
maneira muito positiva para a pesquisa. Eles abordam a respeito da formação de professo-
res desde a universidade até a educação básica e como deveria ser a trajetória do profissional
que trabalha em EJA. Dos poucos textos que discutem a formação do professor, em especial
121
aqueles que pretendem atuar no seguimento EJA, muito escassos, esses artigos pré-sele-
cionados foram os que mais se encaixaram no perfil da pesquisa desenvolvida.
São escassos os textos científicos que falam a respeito da formação de professores da
EJA e refletem sobre a aprendizagem do estudante e suas dificuldades para permanência
nessa modalidade. Para trabalhar com a perspectiva dos estudantes, existem maiores pos-
sibilidades literárias para pesquisar. Por esse motivo, foi escolhida como foco principal a
formação de professores, por ser uma literatura com lacunas na produção de conhecimen-
to em pesquisa e, por consequência, essencial para os professores em formação.
Ato contínuo, essa pesquisa teve um caráter exploratório e buscou explorar mais a
respeito da formação de professores nos textos pré-selecionados e responder às pergun-
tas: qual é o objetivo da formação específica para os professores que atuam na Educação
de Jovens e Adultos? Essa formação específica vai contribuir com a formação do sujeito,
participante desse segmento? Quais as dificuldades da EJA na atualidade?
Esses artigos selecionados trouxeram uma discussão interessante a respeito da prá-
tica pedagógica e das dificuldades encontradas para a formação de jovens e adultos, pois
sempre aconteceram nos diversos espaços escolares. Antes de pensarmos no letramento,
na alfabetização e na formação intelectual como um todo, devemos pensar nas pessoas hu-
manas. A EJA representa qual público, atualmente? São trabalhadores, negros em grande
maioria, pobres, favelados, que buscam respeito, valorização humana e uma vida justa.
Falamos sobre os estudantes. Adiante, versamos quem é o professor que atua na EJA
no período da noite. É o professor que levanta às seis da manhã e trabalha nos três turnos
para conseguir sustentar a sua família. Esse professor provavelmente chega esgotado para
ministrar as suas aulas à noite – não é fácil ter um bom rendimento depois de dar aula no
ensino regular para crianças e adolescentes e ainda ministrar aulas à noite para jovens e
adultos. Por isso, a realidade dos profissionais que trabalham na EJA é tão difícil quanto a
realidade de vida dos seus educandos. Conforme o professor Miguel Arroyo (2001), a
[...] EJA nomeia os jovens e adultos pela sua realidade social: oprimidos,
pobres, sem terra, sem teto, sem horizonte. Pode ser um retrocesso enco-
brir essa realidade brutal sob nomes mais nossos, de nosso discurso como
escolares, como pesquisadores ou formuladores de políticas: repetentes,
defasados, aceleráveis, analfabetos, candidatos a suplência, discriminados,
empregáveis... Esses nomes escolares deixam de fora dimensões de sua
condição humana que são fundamentais para as experiências de educação
(ARROYO, 2008. p.233).
Esse trecho que o professor Miguel Arroyo traz é muito duro, uma vez que reflete
uma realidade difícil acerca dos educandos da EJA. Os profissionais de educação devem
ser os incentivadores dos estudantes, pois os educandos precisam sair da condição de
oprimidos para a de protagonistas de sua própria história dentro da sociedade brasileira.
122
RETRATO SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
E A REALIDADE DA EJA
Melo (2015) traz em seu texto essa crítica à atuação do professor sem a devida
formação, não dando conta do conteúdo ou não tendo o domínio sobre o conteúdo mi-
nistrado em aulas. Independentemente de o professor lecionar para outros públicos, isso
não invalida o conhecimento adquirido durante a formação profissional. O que pode ser
questionado nesse caso é a metodologia aplicada nas aulas da EJA.
Nos cursos de licenciatura das academias, o que mais é debatido e pesquisado é
a formação crítica e reflexiva, que deve ser levada para a sala de aula, no ensino regular,
seja o público formado por crianças, adolescentes ou adultos. De acordo com Paula e
Oliveira (2011, p.60), “[...] especificidades da formação, as questões mais contundentes
que têm marcado o campo da EJA são aquelas que dizem respeito à organização do
trabalho pedagógico, tendo por referência as experiências e a realidade dos educandos”.
Juntamente com a formação do professor, o trabalho pedagógico deve acontecer com
toda a comunidade escolar, para que as aulas sejam sempre voltadas para atender a ne-
cessidade do educando.
No artigo “O Educador de Jovens e Adultos e sua Formação”, de Leôncio Soares,
afirma-se que os números de formação inicial para a Educação de Jovens e Adultos são
pequenos, porém crescentes. Os cursos de Pedagogia que ofertam essa formação em EJA
são menores. Os cursos que os professores recebem são formações rápidas para atender
às demandas dessa modalidade. Além disso, o autor defende que a formação de EJA deve
ser continuada e mostra que apenas 1,59% dos cursos de Pedagogia oferece uma habili-
tação em EJA, conforme dados de 2005 do INEP.
123
De acordo com Leônicio (2006, p. 85), “a falta de profissionalização do educador
de EJA é evidenciada, assim, pelos egressos, como o principal problema para uma inser-
ção profissional específica”. Trabalhar com a EJA é trabalhar com as classes populares da
sociedade. Ainda segundo Leônicio (2006, p.86), “Há lugares que se baseiam na ideia
de que ‘qualquer pessoa pode ensinar para jovens e adultos’, há outros que enxergam a
habilitação como um requisito essencial e outros, ainda, que concebem que a formação
inicial, apesar de seu valor, não é o preponderante para o trabalho.” O texto vai defender
a formação para o professor da EJA, mostrando que é para além da formação inicial, já
que, a EJA tem concepções e demandas específicas. De acordo com Silva (2010, p 128),
[...] a modalidade de ensino da EJA constitui-se em um espaço educativo, formativo e
socializador em que os conteúdos de aprendizagens escolares poderiam ser apenas os
fios condutores.”
Agora, vamos fazer um breve resumo do texto “Formação de Professores e Edu-
cação de Jovens e Adultos: o formal e o real nas licenciaturas”, de Jaqueline Ventura e
Maria Ines Bomfim. Este artigo defende, assim como o anterior, a formação inicial de
professores, promovida pelos cursos de licenciatura, e os direitos à identidade da EJA,
garantidos pela Constituição Federal. O texto tem como objetivo trabalhar a Educação
de Jovens e Adultos desde a alfabetização até a profissionalização dos estudantes. As
autoras Ventura e Bomfim (2013 p. 222) apontam “a vinculação da EJA aos subalter-
nizados da sociedade, às frações mais empobrecidas da classe trabalhadora, excluídas
até mesmo da estrutura dual do sistema escolar”. As autoras vão comparar o sistema
regular de ensino com a EJA e perceber que esse ensino é fragmentado. Outro ponto
que chama a atenção é o publico heterogêneo e os lugares de onde vêm os educandos –
muitos são da zona rural; outros da zona urbana; outros vivenciam o sistema prisional;
e outros estão nas periferias das cidades brasileiras. Cada educando aqui tem um obje-
tivo a ser conquistado com a Formação de Jovens e Adultos, e as autoras afirmam ainda
que os educandos mostram a desigualdade social existente na sociedade. O objetivo do
texto é, por fim, debater o lugar ocupado pela EJA na formação inicial, oferecida por
cursos de licenciatura.
124
Ademais, as autoras expõem a “fragilidade” que a educação de Jovens e Adultos
tem apresentado e apresentam a ideia de que a Educação de Jovens e Adultos não ocupa
lugar de destaque; não apenas nas propostas curriculares, mas também na produção
científica e acadêmica. Existem poucas pesquisas que discutem a formação de profes-
sores para atuarem na EJA. Para tanto, as autoras afirmam que uma formação inicial de
professores gera ação autônoma e criativa, com o intuito de atender às condições sociais
em que a EJA se inscreve.
O texto “Formação de Professores e Prática Docente na EJA: saberes conceitu-
ais, metodológicos e políticos”, de Ferdinando de Melo, fala sucintamente a respeito da
formação inicial para os profissionais que fazem cursos de formação docente. O autor
apresenta a necessidade da formação continuada para os professores que trabalham
com o PROEJA no Campus do Instituto Federal Bahiano do campus de Catu. O texto
nos chama a atenção para uma formação sólida, na qual a teoria e a prática cumpram
seus papeis nas salas de aula – hoje, salas virtuais. Na perspectiva de Melo (2015, P.
18325), “neste caso, são fundamentais: os saberes conceituais e metodológicos da área
em que irá ensinar; os saberes integradores, que são relativos ao ensino dessa área; e os
saberes pedagógicos.” Todos esses saberes devem estar articulados para que o processo
de aprendizagem seja significativo, principalmente quando o público é da EJA. Melo
(2015, P. 18325) traz em seu texto um ponto muito sério a respeito da importância
sobre a formação dos professores para atuar no momento em que estavam vivencian-
do: “no plano legislacional, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica, regulamentadas pelo Parecer CNE/CP 009/2001, enu-
meram dificuldades para a melhoria da Educação Básica, algumas delas ligadas especi-
ficamente à prática dos professores.” Essas práticas estão descritas no CNE (Concelho
Nacional de Educação):
Essas orientações trazidas pelo CNE são bastante relevantes e são apresentadas
geralmente na academia, quando um professor está em formação. Não é possível que o
fazer pedagógico e o labor do professor não sigam essas orientações e dos demais do-
cumentos oficiais que evidenciam e ampliam a dimensão educacional. Melo também
recorre à Lei e Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para falar das aparências
legais para a formação do educando da EJA.
125
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não ti-
veram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio
na idade própria. § 1o Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos
jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular,
oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características
do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cur-
sos e exames.
§ 2o O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do
trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre
si. § 3o A educação de jovens e adultos deverá articular-se, preferencial-
mente, com a educação profissional, na forma do regulamento.
Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que
compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao pros-
seguimento de estudos em caráter regular. § 1o Os exames a que se refere
este artigo realizar-se-ão: I – no nível de conclusão do ensino fundamental,
para os maiores de quinze anos; II – no nível de conclusão do ensino mé-
dio, para os maiores de dezoito anos. § 2o Os conhecimentos e habilidades
adquiridos pelos educandos por meios informais serão aferidos e reconhe-
cidos mediante exames. (BRASIL, 1996, P.30-31).
A LDB apresenta o que é assegurado ao estudante da EJA e como deve ser o pro-
cedimento das aulas na escola, de uma maneira sucinta, em dois artigos, que são o 37 e
o 38, já apresentados na citação acima, os quais asseguram os exames supletivos. Todos
esses documentos oficiais são norteadores e trazem as garantias educacionais para os
estudantes da EJA. Nesse sentido, a formação de professores não deve se afastar dessas
leituras e aplicações no fazer pedagógico diário. Segundo Melo (2015, P. 18334), “a for-
mação de educadores que atuam na Educação de Jovens e Adultos tem como principal
objetivo a melhora da qualidade de sua intervenção educativa e pedagógica”. É preciso
haver espaços de formação para que haja discussões a respeito da execução das aulas em
EJA, com mais significação para a realidade social em que a modalidade está inserida.
No documento “Políticas de EJA na Rede Estadual”, da Secretaria de Educação
do Estado da Bahia, há um belo texto (“romântico” inclusive) a versar sobre os direitos
assegurados aos estudantes da EJA na Bahia:
126
3.Assegurar a EJA como oferta de educação pública de direitos para jovens
e adultos, com características e modalidades adequadas às suas experiên-
cias de vida e de trabalho, garantindo as condições de acesso e permanência
na EJA, como direito humano pleno que se efetiva ao longo da vida. 10
4.Fazer a opção político-pedagógica pela Educação Popular, pela Teoria
Psicogenética que explica a construção do conhecimento, e pela Teoria
Progressista / Freireana (à luz da visão do ser humano integral e inacabado)
(BAHIA, 2009, p. 9 e 10).
A partir desses dispositivos, os professores que atuavam na área, mas ainda não ti-
nham um curso de nível superior (geralmente com formação no magistério), precisaram
fazer um curso de nível superior para continuar com a prática docente. Na atualidade,
raramente são encontrados docentes que não tenham pelo menos o nível superior. Para
o cumprimento da LDB e os artigos 62 e 63, foi estabelecido um prazo de 10 anos, a fim
de que as universidades organizem os cursos de formação de professores.
Nesse contexto, a formação na EJA, segundos os autores, tem buscado o apro-
fundamento de conhecimentos que atendam às demandas educacionais da atualidade,
e procurado inserir as novas tecnologias para otimizar o campo de conhecimento, ade-
quando-as às necessidades da sociedade atual. No contexto de pandemia, estamos tendo
o auxílio das novas tecnologias para atender às demandas das aulas. Ao público da EJA,
127
acompanhar essa nova estrutura educacional é muito importante, mas sabemos que é
bastante difícil, se observarmos que os estudantes fazem parte de um grupo da sociedade
no qual a condição financeira é precária. Muitos estudantes podem não ter computador,
um celular que comporte os aplicativos usados para realizar as aulas e talvez não tenham
acesso à internet que surporte o tempo das aulas diárias. São demandas que precisam
ser pensadas e revistas, com o intuito de que os estudantes não sejam prejudicados. De
acordo com Arroio (2008. p. 227), “não é a EJA que ficou à margem ou paralela ao ensino
nos cursos regulares, é a condição existencial do jovem e adultos que os condena a essa
marginalidade e exclusão.”
Na perspectiva de Amorim e Duques, existem práticas docentes “desconexas” à
necessidade do educando da EJA e isso se justifica pelo fato dos professores também
atuarem no ensino regular. Eles defendem que os professores precisam ter um “conhe-
cimento diferenciado”, pois o estudante da EJA tem necessidades específicas e vivem em
uma realidade de vida desigual. Ainda segundo os autores, o professor precisa ter uma
educação específica e continuada para atender de forma real e precisa à lacuna educa-
cional do estudante da EJA. O aperfeiçoamento dos professores está previsto na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394/96.
128
A essência da atividade (prática) do professor é o ensino-aprendizagem. Ou
seja, é o conhecimento técnico prático de como garantir que a aprendiza-
gem se realize em sequência da atividade de ensinar. Envolve, portanto, o
conhecimento do objetivo, o estabelecimento de finalidades e a intervenção
no objeto para que a realidade seja transformada enquanto realidade social.
Isto é, a aprendizagem precisa ser compreendida enquanto determinada
por uma realidade histórico social (PIMENTA, 1995, p.61).
129
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
130
ARROYO, M. A educação de jovens e adultos em tempos de exclusão. Alfabetização
e Cidadania: Revista de educação de jovens e adultos, v.11, p. 9-20, 2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
131
PIMENTA, Selma Garrido. O estágio na formação de professores: unidade entre teo-
ria e prática? Cad. Pesq., São Paulo, n. 94, P 58-73, ago. 1995.
SILVA, Natalino Neves da. Juventude Negra na EJA: o direito à diferença. Belo Hori-
zonte: Mazza Edições, 2010.
132
EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
Um breve olhar acerca do Decreto 10.502
Edilene Inocêncio da Silva Argolo
André Luis da Silva Santos
Isis Emanoela do Amor Divino Borges
INTRODUÇÃO
133
e a Politica Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva; apoio fornecido
quando necessário. Desse modo, sinto-me no dever de me debruçar sobre esse tema no
intuito de ampliar meus conhecimentos acerca do foco desta pesquisa que vem a ser
educação especial na perspectiva inclusiva.
Sabemos que a obrigatoriedade da inclusão de pessoas com deficiência nas escolas
é garantida por meio de Leis e decretos que visam superar os processos de segregação e
exclusão existente. A legislação é explícita, quanto à obrigatoriedade em acolher e matri-
cular todos/as/es os/as/es alunos/as/es, independente de suas necessidades ou diferenças
sejam elas de identidade de gênero, condição física e ou mental, cor/raça, etnia e ou
orientação sexual. De acordo com a Constituição Federal (CF) de 1988, no “Art. 205, ― A
educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade” (BRASIL, 1988).
Um dos pressupostos da Declaração de Salamanca (1994) refere-se à inclusão na
educação ao afirmar que o princípio fundamental das escolas inclusivas consiste em todos
os alunos aprenderem juntos, não importam quais sejam as dificuldades ou diferenças que
tenham. Portanto, em escolas inclusivas, as crianças com necessidades educacionais espe-
ciais devem receber todo apoio de que possam necessitar e garantir uma educação eficaz.
Para atender esse público cada vez mais crescente, com direitos e necessidades, a
Lei Brasileira de inclusão (LBI), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Defi-
ciência, fornece um conjunto de normas para garantir direitos e respeito às pessoas com
deficiência para que possam lutar contra a exclusão, discriminação, preconceito e falta de
oportunidades reais na sociedade.
Na busca por educação e, consequentemente, escolas mais inclusivas, muitos fo-
ram os documentos e declarações internacionais criados com este propósito. O Brasil é
um dos países que buscou orientar suas políticas educacionais tendo como referência
esses documentos e declarações internacionais, como é o caso dos já citados. Por isso
podemos dizer que o Brasil está bem servido e amparado por políticas públicas educa-
cionais que ressaltam a importância de assegurar os direitos à educação de pessoas com
ou sem deficiência, inclusive o direito à convivência. Cabe-nos a tarefa de melhor im-
plementar, avaliar e reformular, sempre com o propósito de melhor amparar e assegurar
direitos aos contemplados por essas políticas.
Recentemente, foi assinado pelo atual presidente da republica o Decreto nº 10.502,
de 30 de setembro de 2020, que "Institui a Política Nacional de Educação Especial: Equi-
tativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida", mas não está sendo vista com
bons olhos por muitos setores da sociedade e especialistas, pois há a possibilidade de
abrir brechas para o retrocesso da educação inclusiva.
Diante disso, surge a questão norteadora desta pesquisa: Como o Decreto 10.502
pode contribuir para o retrocesso das políticas educacionais na perspectiva de Educação
Inclusiva conquistada até os dias atuais? Com tal questão, esta pesquisa objetiva analisar
134
de que forma o decreto 10.502 contribui para uma educação capacitista, segregacionista,
excludente e discriminatória tendo como referência as diretrizes estabelecidas nas legis-
lações anteriores.
Embora educação inclusiva seja assunto bastante discutido ultimamente, a impor-
tância deste trabalho se dá por trazer ao centro do debate social e acadêmico o decreto
10.502 que tange o processo de inclusão escolar, uma vez que, a política desse documento
está sendo muito questionada e há possibilidade de sua anulação – no atual momento se
encontra suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ter sido considerado um de-
creto desfavorável a educação inclusiva. A relevância desta pesquisa está também no fato
de que, apesar de termos um grande número de produções sobre o tema, constantemente
se faz necessário apresentar novos olhares acerca das diretrizes de inclusão educacional
para buscar um sistema de ensino que favoreça a formação plena do cidadão sem distinção.
De acordo com o problema definido e por meio do objetivo a que me propus a
alcançar, este trabalho assume um caráter de pesquisa bibliográfica, uma vez que, se-
gundo Fonseca (2002, p. 32), a pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento de
referências teóricas analisadas e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros,
artigos científicos, páginas de web sites.
Para que se atinja, portanto, o objetivo, em principio será apresentado por meio
da análise de documentos um referencial teórico acerca da história das pessoas com de-
ficiência, cujo propósito está em conhecer fatos que explicam a sua trajetória de vida em
uma sociedade culturalmente capacitista. Em seguida, apresenta-se outro tópico intitu-
lado “Legislação brasileira da educação inclusiva”, apresentando alguns documentos im-
portantes no processo da educação numa perspectiva da Educação Inclusiva para PCD.
Seguido da apresentação do Decreto 10.502, que institui a Política Nacional de Educação
Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida.
Por fim, apresento como resultado uma análise e discussões sobre os aspectos do
decreto 10.502 expondo seu olhar capacitista e pontos que possivelmente culminará no
retrocesso das conquistas estabelecidas por leis inclusivas durante muitos anos na busca
de uma escola para tod/os/as/es.
REFERENCIAL TEÓRICO
Pessoas com deficiência: história, conceitos e o olhar capacitista
A vida do ser humano nunca foi fácil, principalmente a vida das pessoas com defi-
ciência (PCD) que durante muito tempo foram excluídas, marginalizadas e exterminadas
nas sociedades mundo a fora. Nesse contexto, ao realizar uma breve análise da história
sobre as pessoas com deficiência, desde os primórdios até os dias atuais, verifica-se que
essas trajetórias têm sido de muita luta. Antes de tudo, para serem considerados seres
humanos, como todos/as/es os/as/es demais devem ser vistos como sujeitos de direitos
135
indiscriminadamente, o direito à convivência social sempre esteve entre as prioridades
na luta contra a segregação.
Não se tem muitos relatos sobre pessoas com deficiência nos primórdios da civi-
lização, o que se sabe é que as condições de existência humana eram muito difíceis e o
ambiente desfavorável a essas pessoas de acordo com a história. Segundo Pereira (2017),
provavelmente, as pessoas com deficiência e enfermidades, eram mortas ou abandona-
das, por serem consideradas “fardos”. Pereira (2017) afirma ainda que não se tem regis-
tros de como eram tratadas essas pessoas nessa época, uma vez que, ainda não existia a
tradição da escrita, mas o que tudo indica é que de alguma forma elas eram eliminadas
do convívio social.
Desde a antiguidade, uma das preocupações das pessoas e das sociedades é a apa-
rência, a busca da perfeição humana. Para eles, a beleza física e a habilidade atlética eram
fundamentais. Portanto, as pessoas com deficiência física ou mental eram vistas como
outra raça inferior que não a humana, sem direito a participação na sociedade. Pereira
(2017) cita Gugel (2007) para afirmar que, na Grécia Antiga, o extermínio de PCD era
tão comum, que filósofos como Platão em sua obra “A República” e Aristóteles no seu
livro “A Política”, defendiam a eliminação dessas pessoas na formação das cidades-estado
gregas. Pereira afirma que o tratamento não era diferente na Roma Antiga do início da
era cristã, onde as PCD eram renegadas, abandonadas e extintas os pais tinham direito
de matá-las ou abandoná-las em cestos no Rio Tibre (PEREIRA, 2017).
Com o fim do Império Romano, início da Idade Média, as pessoas tidas como
loucas ou alucinadas já começavam a escapar do abandono, sendo acolhidos pela igreja
ou até mesmo em conventos. Nesse período, acreditava-se em bem e mal, céu e infer-
no, Deus e diabo. A população mergulhada no desconhecimento científico em prol de
suas convicções religiosas, acreditava que pessoas nascidas com deficiência era castigo
de Deus ou possuídos de coisas ruins; esse pensamento alimentou maus tratos e perver-
sidades com PCD.
Nesse sentido, a literatura mostra que a pessoa com deficiência na antiguidade
era desconsidera como ser humano, vista como outro tipo de raça. Na Idade Média,
elas eram tidas como seres possuídos pelo demônio, até esse período a PCD não tinha
direito a vida. Com a chegada da Idade Moderna e o surgimento de métodos científicos,
passa-se a criar políticas públicas para a vida humana, entre elas, políticas voltadas para
a saúde, onde se começa a estudar várias áreas, dentre elas a concepção sobre deficiência.
A ciência então passa a considerar a deficiência como sendo de caráter hereditário ou de
males físicos e mentais (TOMPOROSKI, LACHMAN, BORTOLINI, 2019, p. 24).
Mas a mudança do olhar místico para o científico não trouxe mais humanidade às
PCD. O filósofo Michel Foucault, em suas análises sobre a deficiência durante o período
da Idade Média até o início do século XX, coloca em evidência os significados de segre-
gação (ou exclusão) das pessoas com deficiência ao longo desse período.
136
Em suas aulas de 1974-75 cujo tema era “Os Anormais”, Foucault (2010) nos leva
a refletir sobre o discurso da anormalidade defendido pelas instâncias de poder político,
médico e judicial. O filósofo caracteriza esse discurso como grotesco, isto é, tais instân-
cias de poder fundavam suas narrativas com base no pressuposto da desqualificação do
sujeito sobre o qual se fala. Para Foucault (2010), esse posicionamento do poder não é
um incidente, falha ou mera coincidência histórica, mas sim, intencionalmente, produ-
zido pelas instâncias de controle de poder político, médico e judicial. Foucault (2010)
afirma que o sujeito considerado desqualificado e, portanto, anormal, era para as insti-
tuições detentoras de poder um transgressor da Lei. Seu desejo de violá-la é correlativo
de uma falha, de uma ruptura, de uma fraqueza, de uma incapacidade do sujeito.
O pensamento foucaultiano só reforça a afirmação de que mesmo com o sur-
gimento de um olhar científico sobre a deficiência, não resultou em respeito e fim de
políticas segregacionistas e preconceituosas. Uns dos importantes acontecimentos que
marcou o século XX demonstra o quanto a humanidade pode ser e foi cruel com PCD.
Estamos nos referindo à Segunda Guerra Mundial, 1939 a 1945. Nesse período
muitas pessoas foram exterminadas, inclusive as PCD. O holocausto foi o genocídio em
massa de judeus, ciganos e também PCD. Segundo Adriana Dias (2013), na Alemanha
Nazista, em 14 Julho 1933, foi criada uma Lei que permitiria a dita higiene racia, a Lei de
prevenção contra a prole geneticamente doente (Das Gesetz zur Verhütung erbkranken
Nachwuchses, doravante GezVeN). Ela determinava que as pessoas que possuíam deter-
minadas condições tidas como congênitas (retardo, esquizofrenia, bipolaridade, trans-
torno maníaco-depressivo, epilepsia, doença de Huntington, cegueira, surdez ou de-
formidade física grave) fossem conduzidas para um processo de esterilização, do qual
faziam parte um parecer médico e uma autorização judicial. Mais de 400 mil pessoas fo-
ram esterilizadas na Alemanha. Dias (2013) fala também sobre outro programa nazista,
o Aktion T4 que assassinou mais de 260 mil pessoas com deficiência na Alemanha, em
nome da morte misericordiosa. O programa se valia do slogan: uma vida que não valia
a pena ser vivida. Milhares de pessoas foram assassinadas em nome da busca de uma
suposta pureza da raça ariana.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a Europa e os países que enviaram suas
tropas para a guerra estavam devastados e as cidades exigiram reconstrução: crianças
órfãs precisavam de abrigo, roupa, comida, saúde e educação, enquanto os adultos sobre-
viventes da guerra que ficaram com sequelas, precisavam de tratamento médico para sua
reabilitação. A partir desse cenário que afetou a vida humana de forma drástica e com o
sentimento de que era necessário manter a paz e a segurança do mundo, em 1945 é cria-
da a Organização das Nações Unidas ()ONU, para junto com os países aliados, buscarem
solucionar os problemas que assolavam o mundo pós-guerra.
Em 1948, na cidade de Nova York, os países membros da ONU se reuniram em as-
sembleia e criam a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Essa declaração
137
em seu art. 1° afirma que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em
direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito
de fraternidade.(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948). Afirmam também em
seu artigo 3° o direito a vida e a liberdade (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).
A DUDH traz, em suas linhas, uma fresta para o reconhecimento e do direito à
dignidade humana das PCD, pois todos devem ser vistos com sujeitos de direitos e tra-
tados com seres humanos, independentemente de nacionalidade, gênero, idade, origem
social, cor da pele, etnia, faculdades físicas ou mentais, antecedentes criminais, doenças
ou qualquer outra característica.
A DUDH inspirou e ainda inspira a criação de diversos documentos no âmbito
nacional e internacional (decretos, leis, portarias, dentre outros) com intuito de forta-
lecer e cultivar a dignidade humana de PCD, possibilitando que, mesmo lentamente, o
direito de ocuparem seu espaço na vida em sociedade; direito este que historicamente
lhes foram negados enquanto seres humanos.
Também é perceptível a influência dos Direitos Humanos na terminologia que
utilizamos para se referir a PCD. Por muito tempo termos pejorativos foram utilizados
para nomear essas pessoas, termos como incapacitados, inválidos e defeituosos.
Segundo Sassaki (2005) ainda que, em sua maioria, a sociedade agisse de forma
preconceituosa, havia uma preocupação em torno de qual terminologia seria adequa-
da para se dirigir a essas pessoas sem diminuí-las perante as outras. A busca por essa
terminologia evoluiu ao longo do tempo, diversas expressões foram usadas de maneira
errônea, entre elas:
138
possíveis de ser identificados, ou não; enfermidade que precisa de cura. Necessidades espe-
ciais qualquer um pode ter, o que nos remetem a pessoas que necessitam de tratamentos
diferenciados por apresentarem alguma dificuldade em desenvolver uma ou mais habili-
dades, daí a importância de se reconhecer que o uso das terminologias PPD, PNE dentre
outras, são equivocadas (SASSAKI, 2005).
A partir das problemáticas apresentadas pelas expressões anteriores, somente a
partir do século XXI, os movimentos mundiais de pessoas com deficiência intensifi-
caram o debate o em torno da nomenclatura que gostariam de ser chamados. O termo
escolhido por esses indivíduos é Pessoa com Deficiência para substituir as terminologias
anteriores. Esse termo foi regulamentado pela ONU em 2006 e no Brasil em 2008 a par-
tir de emenda constitucional. Segundo Pereira (2017), a utilização do termo deficiente
de forma isolado, ressalta apenas uma das características que compõem o indivíduo,
ao contrário da expressão "pessoa com deficiência", que vem a ser mais humanizada ao
ressaltar a pessoa acima de sua deficiência, valorizando-a independentemente das con-
dições físicas ou intelectuais, sem colocá-la em condições de inferioridade.
Esta terminologia, atualmente, é considerada como oficial e mais adequada para
o momento em que vivemos. Mas é importante frisar que a busca por uma terminologia
adequada acompanha a evolução do tempo histórico e social, o que significa dizer que
essa busca não se finda aqui. As sociedades, organizações nacionais e internacionais e,
acima de tudo, pessoas com deficiência estão em constante movimento para melhor in-
cluir e socializar pessoas com ou sem deficiência.
Seguindo as mudanças conceituais e tomando como base a Convenção Interna-
cional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência realizada pela ONU, a Lei No 13.146,
de 06 de julho de 2015, Lei Brasileira de Inclusão (LBI), oficializa e considera pessoa com
deficiência como sendo aquela que tem
A definição acima citada deixa bem evidente que a pessoa não é deficiente e sim,
que por conta do algum impedimento que venha a ter, ao se deparar com as barreiras é
que se torna uma PCD. A LBI define barreiras como qualquer entrave, obstáculo, atitude
ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o
gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento
e de expressão (BRASIL. 2015, p.19).
Diante desses fatos, cabe refletir sobre a natureza dessas barreiras, se seriam essas
naturais ou induzidas pela sociedade? Sobre a trajetória histórica dessas pessoas e a luta
pelo reconhecimento de sua dignidade humana, não há como negar que muitas dessas
139
barreiras são frutos de uma sociedade capacitista. Sociedade essa que produz e reproduz
uma educação e cultura excludentes e discriminatórias, que pela força das Leis se vê obri-
gada a oferecer às pessoas com deficiência condições mínimas de vida que deveriam ser
garantidas a qualquer ser humano indiscriminadamente.
Capacitismo é a forma de discriminação, preconceito e opressão contra a pessoa
com deficiência, pois são vistas e tratadas como incapazes. Para Dias (2013), capacitismo
é a concepção presente no social que lê as pessoas com deficiência como não iguais, me-
nos aptas ou não capazes para gerir as próprias vidas. Segundo Fiona Campbell (2001),
capacitismo (ableism) é definido como uma rede de crenças, processos e práticas que
produz um tipo particular de compreensão de si e do corpo (padrão corporal), projetan-
do um padrão típico da espécie humana.
Na sociedade capacitista, aquelas ditas pessoas normais são as que não tem defi-
ciência, e as anormais as que possuem deficiência, aquelas que se desvia um pouco do
padrão de normalidade definido pela sociedade. A visão que se tinha em relação a essas
pessoas anormais era baseada na medicina. De acordo com essa visão, essas pessoas
precisariam ser tratadas para alcançar uma normalidade. Hoje em dia a visão que se tem
a partir dos avanços do entendimento do que vem a ser uma PcD, conclui-se que essas
pessoas não devem ser tratadas para atingir a suposta normalidade. A normalidade não
está em não ter deficiência e ou superà-la, e sim, em apesar da deficiência e possíveis
limitações, poderem interagir com o meio.
Para Fiona Campbell (2001), o capacitismo está para o segmento da pessoa com
deficiência assim como racismo está pra as pessoas negras e/ou o machismo para as
mulheres. Como o racismo e o machismo, o capacitismo vincula-se às relações de poder
fabricadas na sociedade.
Nessa perspectiva, os países e sociedades precisam construir uma educação para
inclusão. Mantoan (2003) nos traz que a inclusão de fato acontecerá quando houver
uma mudança de paradigma acerca do que se entende como educação escolar e qual seu
papel em nossa sociedade. Ainda segundo essa autora, se o que queremos é que a escola
seja inclusiva, é urgente que seus planos se redefinam para uma educação voltada para
a cidadania global, plena, livre de preconceitos, que reconheça e valorize as diferenças
(MANTOAN, 2003, p. 16). Só assim será possível combater a cultura do capacitismo,
que tanto impossibilita o convívio de todos/as/es de forma plena em sociedade.
140
Dos anos 90 para cá, a luta por uma educação de qualidade que possibilite o direto dos/
as/es alunos/as/es, com e sem deficiência, de conviverem e aprenderem juntos tem sido
grande. Segundo Sassaki (1998):
Vale destacar que esse documento assegurava a escola especial como destino certo
para alunes com deficiência, visto que não garantia a inclusão deles em uma escola co-
mum. Desde a Constituição Federal (CF), de 1988, também conhecida como Constitui-
ção Cidadã, as políticas educacionais têm como um dos grandes objetivos a inclusão de
pessoas com deficiência no ensino regular, visto que, durante muitos anos essas pessoas
foram postos a margem da sociedade.
Os art. 205 e 206 da CF preveem a Educação como um direito detodos/as/es e de-
ver do Estado e da família promover o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da
141
cidadania e a igualdade de condições de acesso e permanência na escola (BRASIL, 1988).
Nesse mesmo documento, o art.208 garante que é dever do estado oferecer educação bá-
sica obrigatória e gratuita, atendimento educacional especializado (AEE) às pessoas com
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
Os avanços nos documentos internacionais e legislação nacional são inegáveis e
apontam para a necessidade de mudança na perspectiva da escola; para além dos mode-
los de exclusão promovida pela educação especial segregacionista. As diretrizes da De-
claração de Salamanca (1994) apontam que "as escolas regulares com orientação inclusi-
va constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias e que alunos
com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular”. Mantoan
(2003) defende que “todos os alunos, sem exceção, devem frequentar as salas de aula do
ensino regular” (MANTOAN, 2003, p. 15).
No Brasil, diversos alunos/as/es com deficiência estão matriculados em escolas
comum e, dependendo da sua necessidade, pode precisar frequentar outro ambiente de
ensino de Educação Especial para ter atendimento de apoio em seu desenvolvimento.
Esse atendimento acontece no Atendimento Educacional Especializado (AEE), que pode
ser realizado na e/ou fora da escola comum, mas ele é considerado um serviço de apoio
pedagógico especializado complementar e/ou suplementar e que não deve substituir o
ensino oferecido nas escolas comuns.
A regulamentação do AEE é contemplada na Política Nacional de Educação Espe-
cial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) implementada em 2008. Esse do-
cumento assegura o processo de inclusão escolar no Brasil, traz diretrizes para embasar
políticas públicas voltadas ao processo escolar inclusivo.
De acordo com a PNEEPEI, o serviço especializado de AEE constitui parte obri-
gatória do sistema de ensino, sendo oferecido no contraturno a classe comum e preferen-
cialmente na própria escola, mas não descarta que esse atendimento seja feito em outros
centros especializados (BRASIL, 2008). Segundo essa política:
142
específicos da área (BRASIL, 2008). A PNEEPEI (2008) afirma caber aos sistemas de en-
sino, ao organizar a educação especial na perspectiva da educação inclusiva, disponibili-
zar pessoas para realizar diversas funções de auxilio e apoio a alunos/as com deficiência
no ambiente escolar.
A mais recente política pública brasileira direcionada a proteção de direitos
de pessoas com deficiência é a Lei 13.146/15 ou Lei Brasileira de Inclusão (LBI), de
2015, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. Esta política
tem como objetivos assegurar o direito a igualdade, promover o exercício da cida-
dania para garantir a inclusão social das pessoas com deficiência (BRASIL, 2015).
A base desta Lei é a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência pro-
movida pela ONU em 2006. Sua criação representa um grande avanço no processo
de inclusão de PcD na sociedade, sendo reconhecido como um importante marco
ao abordar questões relacionadas à acessibilidade, educação, trabalho e ao combate
ao preconceito e à discriminação. Questões de grande relevância devem ser discu-
tidas mediante a participação dessas pessoas, pois elas são as maiores interessada
no assunto.
Por entender a importância de todo o processo de luta por inclusão e legitimidade
das conquistas alcançadas até aqui, por pessoas com deficiência, não devemos admitir
nenhum tipo de retrocesso em termos de políticas públicas. Diante disso, a publicação
do decreto 10.502, que regulamenta a nova Política de Educação Especial, exige de nós
olhos atentos para mensurar o impacto que ele tem na luta por cidadania e inclusão de
pessoas com deficiência.
Decreto 10.502
143
• Educação como direito para todos em um sistema educacional equitativo e
inclusivo;
• Ambiente escolar acolhedor e inclusivo;
• Acessibilidade ao currículo e aos espaços escolares;
• Participação de equipe multidisciplinar no processo de decisão da família ou
do educando quanto à alternativa educacional mais adequada;
• Garantia de implementação de escolas bilíngues de surdos e surdocegos (BRA-
SIL, 2020).
• O capítulo III, art. 5° do decreto aponta o público-alvo da nova política:
144
Muitas foram às manifestações contrárias ao decreto, algumas afirmam a necessi-
dade da revogação desta política. A análise e reflexão para tal afirmação e demais críticas
feitas ao Decreto, faz parte dos resultados e discussões desta pesquisa.
METODOLOGIA
Pesquisa bibliográfica
• Fazer Leitura;
• Fichar;
• Organizar;
145
• Arquivar;
• Resumir os textos;
Pesquisa documental
RESULTADOS E DISCUSSÕES
146
e das pessoas com deficiência. O decreto 10.502, ao invés de contribuir com a consolida-
ção dos marcos legais da educação inclusiva vigente, possibilita a desconstrução do que
já esta sendo posto em prática nessa perspectiva.
O documento em questão, já começa ferindo os direitos a inclusão de todos/as/
es alunos/as/es, desde a apresentação do seu título, se referindo a – Educação Especial –
termo usando de forma errônea e ultrapassado ao se tratar de educação inclusiva – se ela
é especial, está sendo excludente e não inclusiva dando a entender que esta educação está
voltada para um determinado público específico, que nada mais é que os/as/es alunos/
as/es com deficiência, incentivando a formação de guetos, afastando as PCD do direito
de conviver com a diversidade, pluralidade de pessoas que permeia o ambientes escolar
comum.
No decreto 10.502, art. 2°, inciso II, propõe educação bilíngue de surdos com ser-
viços especializados disponíveis em escolas bilíngues de surdos e em classes bilíngues de
surdos nas escolas regulares inclusivas. O que seria inclusão, de acordo com o disposto?
Não existe inclusão onde há separação, se a intenção é fazer com que as pessoas se comu-
niquem, entendam umas as outras, aprendam umas com as outras. Por que não possibi-
litar no ambiente escolar inclusivo o aprendizado dessa língua a todos/as/es, assim como
qualquer outro idioma que os/as/es alunos/as/es tem como disciplina? Uma vez que o
país tem muitas pessoas surdas é fundamental o processo de comunicação entre todos/
as/es. Essa proposta nos leva a mais um ato de segregação, pois se o objetivo é incluir
todos/as/es em sociedade, não se justifica espaços de aprendizado exclusiva para surdos/
as/es.
Ainda no art. 2°, (VI e VII), dois pontos merecem a nossa atenção por sugerir
descredibilidade da capacidade da PCD, ao propor o fortalecimento das antigas e criação
de novas escolas especializadas, utilizadas até o momento por auxiliar a aprendizagem
dos/as/es alunos/as/es com deficiência, matriculados na rede regular de ensino. Sobre as
escolas especializadas o inciso VI afirma que :
Será que esses alunos realmente não se beneficiam quando incluídos em esco-
las regulares, espaço comum de convivência? Quando somos chamados a refletir sobre
questionamento, sem dúvida percebemos que não é levado em consideração o fato de
que o educando necessita desenvolver algo muito além de apenas seu cognitivo, mas suas
relações interpessoal, afetivas, comportamental que só será possível mediante convívio
com seus diferentes. Observa-se então que essas instituições de ensino planejadas como
147
ambiente educacional para alunos/as/es com deficiência, não oferecem o mesmo ensino
que as escolas inclusiva. A convivência com as diferenças é comprometida, logo, suas
atividades diferem do ensino regular. Nesse sentido, a proposta de educação trazida por
este decreto contraria a convenção da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiên-
cia, que assegura o direito dos/as/es alunos/as/es com deficiência de estarem em classes
comum e apoio educacional especializado ofertados em vários ambientes da sociedade
quando não for possível nas escolas comum.
O decreto não proíbe o ingresso das pessoas com deficiência na escola comum,
mas também não é enfático em demonstrar a importância que é a inclusão dessas pesso-
as em escolas comuns. A nova legislação pode fornecer argumentos que desestimulem
pais a matricularem seus filhos em escolas comuns do ensino regular, justificando que
existem escolas especializadas e preparadas para receber seus filhos com deficiência. O
que endossa este pensamento é o Art. 3º, Inciso VI, que tem como princípio fornecer
uma equipe multidisciplinar para orientar os pais de PCD no momento da matrícula.
Por que uma equipe multiprofissional na hora da matrícula, quando o ideal seria uma
equipe para acompanhar a criança e ou adolescente com deficiência já matriculado/a?
Este princípio pode ser uma brecha para desestimular a inclusão escolar.
Outro ponto a ser discutido e analisado é o Art. 6º acerca das diretrizes para a
implementação da nova Política Nacional de Educação Especial. O inciso I afirma que:
148
deficiência. Esse movimento tende a demarcar a escola como um lugar de todos/as/es.
Mantoan (2006) afirma que a inclusão de fato acontecerá quando houver uma mudança
de paradigma sobre o que se entende como educação escolar e qual seu papel em nossa
sociedade. A autora afirma que se queremos uma escola que seja inclusiva, é urgente que
seus planos se redefinam para uma educação voltada para a cidadania global, plena, livre
de preconceitos, que reconheça e valorize as diferenças (MANTOAN, 2006).
Já o decreto 10.502/2020 que traz Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com
Aprendizado ao Longo da Vida remete-nos a um movimento contrário, não sendo equi-
tativo, uma vez que, não busca promover condições de igualdade, não inclusivo, visto
que incentiva a separação dos alunos com deficiência dos sem deficiência.
O decreto 10.205 diz que possibilitara a participação da família ou do/a/e aluno/
a/e com deficiência na escolha do melhor ambiente onde esse aluno/a/e será matriculado,
porém, no momento em que essa política foi pensada, planejada, elaborada e implemen-
tada, os maiores interessados – pessoas com deficiência – não foram amplamente convi-
dados a participar e nem tiveram direito de opinar a respeito de decisões relacionada à
suas vidas. Com isso o que nos faz pensar que no momento da matrícula seus interesses
e de seus pais serão respeitados?
Esse não é um entendimento isolado, foi acompanhado por muitas instituições e
organizações da sociedade que emitiram notas de repúdio à nova política. Algumas delas
foram:
• Projeto Inclusive: Criado para promover a inclusão das pessoas com deficiên-
cia através da difusão da informação;
• Associação Brasileira de Saúde Coletiva- ABRASCO: Criada para apoiar in-
divíduos e instituições ocupados com o ensino de graduação e pós-graduação,
a pesquisa, a cooperação e a prestação de serviços em saúde pública;
• Associação Nacional do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Ido-
sos e Pessoas com Deficiência – AMPID: Criada para contribuir com o diá-
logo social e apromoção dos interesses dos idosos e pessoas com deficiência
(BENTO, 2020).
149
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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do em:05 de outubro de 2020.
153
VIOLÊNCIA ESCOLAR:
No contexto da Escola Municipal
Dr Joaquim Marques Monteiro
no Município de Jequié-BA
Márcia Lima Xavier
Isis Emanoela do Amor Divino Borges
Michel Menezes da Costa
O PRIMEIRO OLHAR
As crianças mais difíceis são aquelas com o maior amor. Muitas vezes,
porém, não sabemos para onde estão olhando.
Bert Hellinger
154
cultura de violência que se manifesta não apenas em agressões físicas, mas em xinga-
mentos e bullying” (SENADO NOTÍCIAS, 2019, n.p.).
Na Bahia, em março de 2019, o sindicato dos professores temendo pela seguran-
ça da comunidade escolar em unidades educacionais, cobrou do governo do Estado a
criação de um ambiente em defesa da escola pública, no sentido de garantir e preservar
a integridade das pessoas que a compõe. E, objetivando dialogar com a Secretaria de
Educação do Estado Bahia (SEC/BA), além de problematizar as questões de segurança e
o medo vivenciado por alunos e professores nas escolas estaduais, o Sindicato dos Traba-
lhadores em Educação do Estado da Bahia (APLB) planejou um seminário, a nível esta-
dual, sobre violência nas escolas para dialogar com a Secretaria de Educação do Estado
da Bahia (SEC), a fim de fomentar questionamentos sobre a segurança da comunidade
escolar, mas este evento aconteceu apenas em uma edição.
Ainda assim, é evidente que não só na escola Municipal Dr. Joaquim Marques
Monteiro, como muitas outras escolas espalhadas pelo país continuam vivenciando si-
tuações críticas em relação à violência e, em consequência disso, profissionais da educa-
ção sentem-se de mãos atadas mediante tal problemática.
Carvalho (2014) situa bem esse problema ao argumentar que a violência tem se
tornado um ato corriqueiro na escola, pois faz parte do cotidiano, sendo comuns os atos
violentos entre os alunos, ou com professores e/ou com os bens materiais da escola.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cul-
tura (UNESCO) (2006) diversas partes do mundo noticiam homicídios e uso de armas
nos espaços escolares, dando a impressão de que esses lugares deixaram de ser cuidados
pelos órgãos competentes. A violência vivida no dia a dia da escola deixa o ambiente
inseguro, põe em cheque a qualidade da educação, pois tanto compromete o trabalho de
profissionais que tentam dia após dia fortalecer a importância da educação para a socie-
dade, quanto a disposição e interesse dos discentes.
Diante dessa problemática, surgiu a questão que norteou esta pesquisa: como
a escola e a família podem constituir parcerias conjuntas para combater a violência
que é materializada na prática pedagógica, no espaço escolar? Esse questionamento
objetivou identificar como a escola e a família têm lidado com a questão violência es-
colar e quais estratégias conjuntas podem contribuir para minimizar tal problemática.
Além de analisar as ocorrências de violência praticada por alunos no ambiente escolar
a partir dos relatos registrados nos documentos da escola (fichas individuais, livros de
registros de ocorrências).
A relevância de pesquisar este tema se justifica pelo fato de a família e a escola
terem passado por transformações, ao longo do tempo, no processo social e históri-
co, que interferem nas relações do sujeito na sociedade e, dessa forma, influenciam
no processo educacional da criança. A família é a representação dos espaços sociais
ao passo que é o lócus para exercer a cidadania, a qual torna o “homem verdadeiro e
155
autêntico” (MARX, 1975, p.59), promovendo, dessa forma, o desenvolvimento tanto
individual quanto em grupo.
Uma pesquisa que se propõe a analisar como família e escola juntas podem com-
bater a violência no ambiente escolar é pertinente; pois, segundo Oliveira e Souza (2014),
na escola são exteriorizadas as informações que são internalizadas em casa. A vida num
ambiente agressivo poderá resultar em atitudes de agressivas.
Sendo assim, foram analisados: o Projeto Político Pedagógico da Escola (PPP); o
Regimento Escolar; os livros de ocorrências; os registros nas fichas de acompanhamento
dos alunes, datados entre os anos de 2017 a 2019, do 1°ao 9° ano do Ensino Fundamen-
tal. A pesquisa foi dividida em três fases: pré-análise, tratamento dos dados e exploração
do material.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A família e a escola
Família e escola são instituições sociais que têm sofrido mudanças ao longo do
tempo e espaço. Convém lembrar que ambas, família e escola, estão entrelaçadas no pro-
cesso de educar numa relação de interdependência. Mas, é preciso deixar evidente quais
conceitos de família e escola sustentam essa pesquisa. O que não mudou, aliás, tem sido
fortalecida, é o entendimento da importância de ambas para o bom desenvolvimento
educacional de crianças e adolescentes.
De acordo com o Art. 226, inciso 4º da Constituição Federal (CF) de 1988, en-
tende-se por entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus des-
cendentes. Para Oliveira e Araújo (2010), a família é uma instituição que tem a respon-
sabilidade de educar as crianças e, por isso, influenciam no comportamento delas na
sociedade, sendo fundamental para o desenvolvimento desses indivíduos. É por meio
da instituição social família que são incorporadas, por seus membros, valores morais e
sociais, costumes e tradições padronizadas socialmente, através do processo de sociali-
zação. E nesta perspectiva,
156
Por outro lado, a escola é uma instituição onde se deve instruir e garantir a apren-
dizagem visando à “socialização do saber sistematizado” contribuindo para que a criança
se desenvolva especificamente adquirindo “o saber culturalmente organizado e às áreas
distintas de conhecimento” (OLIVEIRA E ARAÚJO, 2010, p.101).
Dessa forma, a educação está impreterivelmente intrínseca à família e à es-
cola sendo uma responsabilidade que deve ser compartilhada por ambas em um diálogo
que seja constante. Nesse contexto, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei federal
nº 8.069, de 13 de julho de 1990, no capítulo IV, no Art. 53 afirma que:
Oliveira e Araújo (2010) concordam com o Plano Nacional Educação dos Direitos
Humanos (2018) e o Estatuto da Criança e do Adolescente em relação à relevância da
participação da família e da escola. As autoras reconhecem que escola e família são ins-
tituições que têm especificidades, mas também, que se complementam, apesar de terem
objetivos diferentes, pois se cruzam e dividem a função de direcionar as crianças para in-
cluí-las criticamente de forma participativa na sociedade (REALI & TANCREDI 2005).
Mas as divergências se acentuam quando se trata da tarefa de ensinar, já que, a
escola cabe facilitar “[...] a aprendizagem dos conhecimentos construídos socialmente
em determinado momento histórico, de ampliar as possibilidades de convivência social
e, ainda, de legitimar uma ordem social” (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2010, p.101), enquanto
que a família cabe socializar as crianças ensinando padrões de comportamentos que são
aceitos na sociedade como valores e atitudes.
157
O que se destaca na fala das autoras é que a divergência que existe entre a escola e
família está na função de ensinar de cada instituição. Elas citam padrões comportamen-
tais que são de responsabilidade da família ensinar. Esses padrões comportamentais são
as atitudes e valores e podem ser comparados às situações que acontecem no ambiente
familiar.
Segundo La Taille (2005), na escola é reproduzido os conflitos e as situações que
constituem o psicológico do sujeito desde a infância. Ele afirma que as “[...] funções
parentais primitivas estarão ali fielmente reproduzidas, suscitando a evocação de senti-
mentos, afetos e conflitos remanescentes” (LA TAILLE, 2005, p.50).
Em consonância com esse pressuposto, compreendemos que para La Taille (2005),
na escola as crianças experimentam “[...] vivências afetivas primitivas e fundamentais da
estrutura psicológica”; estando suscetíveis a reviverem [...] vivências afetivas antigas e
estruturantes da personalidade (LA TAILLE, 2005, p.49-50), que fazem despertar an-
tigos fantasmas. As relações do dia a dia na comunidade escolar contribuem para que
os alunos exponham suas fragilidades, mas também os melhores e piores sentimentos.
E, na medida, que essas vivências acontecem, a escola junto às famílias deve permitir
um aprendizado que busque sua qualificação como sujeito crítico de direito, capaz de
inserir-se na sociedade, reduzindo as desigualdades.
Desse modo, a escola precisa encontrar um meio para estreitar os laços entre ela
e as famílias. Lançar mão de atividades que aproximem a comunidade do ambiente que
permitam as famílias sentirem confiança no trabalho dos profissionais que estão no dia
a dia com seus filhos, pois para as famílias a relação com a escola está pautada nos en-
contros na porta da escola nos horários de entrada e saída, nas reuniões e comemorações
de datas festivas, ou seja, “um relacionamento superficial e limitado a situações ‘formais’,
como as reuniões bimestrais e as comemorações, ambas organizadas pela escola” (OLI-
VEIRA; ARAÚJO. 2010 p.105).
Ainda, sob a perspectiva de Oliveira e Araújo (2010), é possível compreender a
relevância de aproximar a família e a escola nas discussões que tratam sobre os com-
portamentos violentos no espaço escolar. Para as autoras, ao emergirem ao mundo, as
crianças têm o primeiro contato com a família e as informações que internalizam ou ex-
teriorizam, nesse convívio, podem levá-las a internalizarem agressividade, se o ambiente
158
assim proporcioná-las, de forma que, talvez venham também, a exteriorizarem atitudes
de agressividade.
Rego (1996), sob o mesmo ponto de vista de Oliveira e Souza (2014) diz que a
família é, coletivamente, a primeira experiência social das crianças e por isso, transmite
informações que exteriorizam em outros ambientes. A autora afirma que a família in-
fluencia muito, pois a maneira como os responsáveis praticam a criação e a educação
dessas crianças e adolescentes exerce interferência no desenvolvimento e comportamen-
to da criança na escola.
Em vista disso, Oliveira e Araújo (2010) nos chamam atenção para um fato muito
importante que acontece na relação família e escola:
As autoras fazem reflexões que revelam as ocorrências diárias da escola. Elas vão
direto ao ponto, as insatisfações, os aborrecimentos que enfraquecem as relações famí-
lia/escola no dia a dia. Não há diálogo, discussões que os levem para um ponto de con-
vergência de interesses comuns e a certeza de que juntos podem ser mais eficazes no
propósito de educar. Assim, argumentam que “[...] um importante desafio surge para os
pesquisadores, estudiosos e profissionais da educação” (OLIVEIRA e ARAÚJO, 2010,
p.107), que é fazer com que a relação família-escola aconteça de forma mais agradável e
positiva, contribuindo efetivamente para o desenvolvimento, a socialização e a aprendi-
zagem das crianças.
Diante do exposto até aqui, mais do que nunca se faz necessário pensar em alterna-
tivas que modifiquem “a relação família-escola” e a transforme numa relação de parceria
e não de ameaça. Por isso, é fundamental que sejam pensadas ações nas quais envolvam
essas duas instituições – família e escola – de forma que todos sintam prazer em participar
e contribuam para a socialização, a aprendizagem e o desenvolvimento, principalmente das
crianças e dos adolescentes que formam essa comunidade (OLIVEIRA E ARAÚJO 2010).
Por conseguinte, assegura-se a formação de uma sociedade mais justa.
Violência na Escola
159
O fenômeno da violência tem sido motivo de perplexidade e objeto de estudo
para muitos pesquisadores em várias áreas do saber. Mas para adentrarmos nessa “seara”
é de grande relevância para pesquisa, mesmo que de forma breve, citar o que dizem os
especialistas em relação à percepção de como a violência é vista pelo corpo discente e o
corpo docente no espaço escolar.
De acordo com Silva (2002), os alunos veem a violência na falta de respeito entre
as pessoas, quando há agressão física, como estupro e brigas em família. Contudo, para o
corpo docente há violência quando as leis são infringidas e geralmente está associada às
pessoas que pertencem às classes mais vulneráveis da sociedade.
Sendo assim, embasados nos autores que tratam desse tema, entendemos que
a violência deve ser analisada num contexto mais amplo, “[...]diante de todas as suas
implicações negativas, dentro desta sociedade desigual de exclusão [...]” (CARVALHO,
2014, P.22).
Souza (2008) também discorre de maneira competente sobre o tema, mostrando
toda a complexidade desse fenômeno, presente em nossa sociedade, nas mais diversas
formas e situações:
160
Ele frequenta a mídia, está nas ruas e na internet. O senso comum refere-se a ele de
modo simplificado e parcial [...]” (PAVIANI, 2016, p.9).
Desse modo, essa transgressão de ações valorizadas pela sociedade se constitui
na violência que é praticada frequentemente. Para Koehler (2008), a violência expressa
vários tipos de relações entre adultos, crianças, profissionais de diferentes setores. As
relações interpessoais, entre classes sociais e as intersubjetivas que acontecem entre as
pessoas que constituem uma sociedade, como também profissionais de várias categorias.
Sendo assim, segundo os estudos de Koelher (2008), o que se vê é a coisificação
dos indivíduos, e a presença da violência justificada na negação de valores como liber-
dade, igualdade e a própria vida. Os exemplos de relações citados por Koelher (2008)
remetem também aos aspectos psicológicos e sociais que, segundo Senna (2013), estão
ligados ao contexto sociocultural. Desse modo, a violência é “um fenômeno psicossocial
complexo que se expressa, de múltiplas formas, e se encontra sempre vinculada ao con-
texto social e histórico” (SENNA, 2013, p.13).
A escola e a família, enquanto instituições bases da sociedade, são espaços de pro-
dução e reprodução de muitas dessas violências. Em se tratando de violências praticadas
nas escolas, Abramovay (2005; apud Charlot 1997), relaciona algumas especificidades:
Nesse contexto, coadunamos com Ruotti (2010, p.342 apud SOARES, 2006) quan-
do afirma que a violência tem um padrão, uma linguagem, por isso, não é uma “manifes-
tação de irracionalidade”. A autora enfatiza a necessidade de investigar as manifestações
de violências presenciadas na sociedade. Assim, é preciso estudar esse tipo de violência
para que sejam elaboradas ações no intuito de solucionar o problema no espaço escolar.
Nessa perspectiva, convém aqui, segundo Charlot (2002) fazer uma distinção:
161
institucional, simbólica, que os próprios jovens suportam através da manei-
ra como a instituição e seus agentes os tratam (CHARLOT, 2002. P. 432).
Segundo Prioto e Boneti (2009), a violência escolar tem características que a di-
ferencia porque age numa mão dupla: de vítima e agressora, sendo assim, tanto recebe a
agressão, quanto a produz.
Por isso, para Charlot (2002), o fenômeno da violência à escola está relacionado à
instituição escolar e, talvez, por isso, seja o foco de estudo de profissionais da educação.
Vítimas e/ou agressores da violência escolar, os alunos sofrem e podem ter seu de-
senvolvimento saudável afetado. Logo, no ambiente escolar, os relacionamentos se inten-
sificam. Essa intensidade de relações sociais proporciona a formação de grupos que são
pequenos universos dentro da instituição escolar. Esses grupos interagem, mas também,
divergem. E ao divergirem devolvem à escola, em forma de ações, o sentimento por ela
internalizado; seja ele bom ou ruim.
162
La Taille (2005) diz que no ambiente escolar as crianças estarão mais suscetíveis
a sentimentos de perseguição, competitividade, se achando injustiçadas e frustradas nas
suas primeiras experiências; e, assim, ressuscitando outros eventos.
Assim, observamos que a violência escolar pode ser o reflexo de experiências mal-
sucedidas e se apresenta em muitas facetas; por isso, enfrentá-la é tão desafiador. Os
fantasmas os quais La Taille (2005) nos chama a atenção, podem estar relacionados a
diversas situações, que crianças, adolescentes e jovens estão suscetíveis a todo o momen-
to no percurso da vida. Segundo Souza (2008), as agressividades que se configuram no
comportamento das crianças, talvez estejam relacionadas ao ambiente familiar e social
delas e, por isso, elas consideram normal essas atitudes, porque presenciam situações de
violência e muitas vezes sofrem com a violência.
Sendo assim, o importante é perceber que a violência, seja no âmbito familiar ou
da comunidade, interfere no cotidiano escolar, pois, apesar de acontecer no ambiente es-
colar, a violência é concebida em ambientes externos a exemplo de: famílias em situação
de vulnerabilidade, com muitos conflitos socioemocionais.
Souza (2008) também chama a atenção para os exemplos de sociedade, pois in-
fluenciam a personalidade das crianças: “[...] uma criança que não é educada para respei-
tar os outros, a partir das noções de valores e cidadania, busca satisfazer suas vontades
e, quando isso não acontece, ela se torna violenta” (SOUZA, 2008, p.127-128). A autora
ainda argumenta que crianças e adolescentes têm como modelo a sociedade atual que
lhes é apresentada através do jornalismo seja de forma escrita, falada ou televisada, além
da internet, em que mostram cenas reais de todo tipo de violência. De acordo com o Pla-
no Nacional de Educação (PNE), os direitos humanos na cultura da escola podem estar
presentes à violência simbólicas
163
ou padrões culturais. Dessa forma, permitir às crianças e aos adolescentes alcançarem “a
inserção crítica, participativa e produtiva na sociedade” (OLIVEIRA e ARAÚJO, 2010,
p.101 apud REALI & TANCREDI, 2005), para que possam interagir e transformá-la.
Logo, entender os conceitos e diferenciar as formas de violência leva a comuni-
dade escolar a pensar ações que mirem diretamente no motivo que desencadeia os atos
de violência no seu ambiente mas, acima de tudo, compreender que a escola e os pro-
fissionais que nela transitam, não podem eximir-se da responsabilidade de produzir tal
violência (PRIOTTO E BONETI 2009).
METODOLOGIA
Pesquisa Documental
De acordo com Gil (2008), a pesquisa documental é muito semelhante com a pes-
quisa bibliográfica, mas se diferem devido à objetividade da pesquisa documental se
constituindo num momento relacional e prático de fundamental importância, com a
exploração de documentos arquivados e guardados em órgãos públicos ou privado.
Segundo Bogdan e Biklen (1994, p.6), “[...] a investigação em educação qualita-
tiva, assume muitas formas e é conduzida em múltiplos contextos”. Sendo assim, esta
pesquisa terá uma abordagem qualitativa com levantamento do material que será ad-
quirido por meio da pesquisa documental. De acordo com Gil (2008. p. 51), a pesquisa
documental é muito semelhante com a pesquisa bibliográfica, mas se diferem devido à
objetividade da pesquisa documental se constituindo num momento relacional e prático
de fundamental importância exploratória de documentos arquivados e guardados em
órgãos públicos ou privados.
164
ele permanece como o único testemunho de atividades particulares ocorri-
das num passado recente (CELLARD, 2008: 295).
165
dados nos mostram e o que está implícito nas ações descritas e palavras escritas. Segun-
do a autora a análise de conteúdo é um
Lócus da pesquisa
A escola municipal Dr. Joaquim Marques Monteiro está localizada na Rua Ci-
dade de Brasília s/n, no Bairro do Brasil Novo, na cidade de Jequié-Ba. Ela foi fundada
em 1994. Inicialmente oferecia o ensino apenas nas modalidades de Educação Infantil e
Anos Iniciais (1° ao 5°ano) do Ensino Fundamental. Ao longo dos anos foi se adaptando
à necessidade da comunidade, recebeu algumas reformas para ampliação e estendeu o
atendimento do ensino para os Anos Finais (6° ao 9º ano) e a EJA.
Atualmente não atende à Educação Infantil e gradualmente está deixando de aten-
der aos Anos Iniciais para se adaptar a demanda da comunidade local e adjacências com
dedicação exclusiva para os Anos Finais (6° ao 9°ano) e EJA Juvenil e Educação de Jovens
e Adultos (EPJAI).
Com 11 salas de aula é considerada uma escola de médio porte. Possui laboratório
de informática, sala de atendimento às crianças especiais, sala de leitura e de vídeo. Sua
clientela é oriunda da periferia, ou seja, atende às classes mais vulneráveis (filhos de tra-
balhadores/as rurais, das indústrias, do comércio; desempregados, e etc).
Documentos
166
letivo de 2019 e o Projeto Político Pedagógico da Escola. A utilização desses documentos
está em consonância com o que afirma Ferreira (2020) sobre a qualidade da investigação
que o/a pesquisador/a vai desenvolver.
Nessa perspectiva, para Tuzzo e Braga (2016), a pesquisa permite ver os objetos
por outros ângulos, desde que o pesquisador aprofunde suas observações. Dessa forma,
há a ampliação de perspectiva, havendo mudança de ideia nas variáveis: forma, tamanho,
cor. Dessa forma, “pesquisar é escrever um soneto de luz. A luz que parte do objeto, mas
que se concretiza na clareza de novas ideias de um universo multifacetado de pesquisas,
de arte e de vida” (TUZZO e BRAGA, 2016, p. 130).
Para iniciar nossa análise, o primeiro documento analisado foi Projeto Político
Pedagógico (PPP) da escola. É um documento que teve sua primeira versão em 2009 e
uma reformulação iniciada em 2011, mas que não foi concluída, devido a rotatividade
da gestão escolar durante as gestões municipais entre os anos de 2013 e 2018. Apesar de
a revisão do PPP ainda não ter sido feita, o texto que foi elaborado em 2009, continua
vigorando nos dias atuais e tem relevantes informações para o esclarecimento de alguns
pontos da pesquisa.
Sendo assim, é importante, inicialmente, entendermos quais as concepções de
homem, sociedade e educação são defendidas no PPP. Esse documento aborda a con-
cepção de homem como ser que pode ser modificado pelo meio em detrimento de uma
vida mais tranquila. Também, traz a concepção de sociedade como convívio em grupo
que exige a obediência de regras que servem ao coletivo. Concebe a educação como
instrumento que media o conhecimento do senso comum e o conhecimento científico.
Também traz alguns projetos pedagógicos em que foram propostos para fomentar a dis-
cussão sobre a violência na comunidade escolar e local.
Essa busca por informações nos permitiu identificar explicitamente uma aborda-
gem referente à violência contra o patrimônio escolar, aqui representada neste fragmento:
[...]a violência com o espaço físico da escola no que tange o seu patrimônio;
pichações depredações aparecem todos os dias como se todos os ranco-
res oriundos de políticas públicas sem sucesso, o patrimônio público fosse
responsável (Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Dr Joaquim
Marques Monteiro, 2011, p.110).
167
solucionar ou minimizar esse problema. Objetivos que buscavam integrar a comunidade
escolar de forma que a convivência fosse harmoniosa. Por outro lado, não encontramos
neste documento ações direcionadas para a violência da escola. Destacamos aqui dois
objetivos gerais do PPP :
E um específico:
168
Quadro 2: Ações para envolver a família e documentar as ocorrências
Os livros de ocorrências
Esses documentos são parte fundamental para memória imaterial de uma insti-
tuição escolar e como documentação comprobatória dos fatos que ocorrem dentro e fora
do ambiente. Nesse caso, os livros trazem relatos das ocorrências com relação as ativida-
des diárias dos membros da comunidade escolar.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
169
deve ocorrer na comunidade escolar em interação com a comunidade local
(BRASIL, 2018, p.18).
Dessa forma, o ponto chave de nossa análise encontra-se nos dados observados
no livro de ocorrência e nas fichas de acompanhamento dos alunos, pois registraram os
acontecimentos mais conflituosos entre os anos de 2009 a 2019 de alunos X alunos, alu-
nos X professores e direção; dentro e fora de sala de aula. Ameaças, agressões verbais e
físicas, destruição do patrimônio, indisciplina, etc.
Categorias e enfoques
O aluno ameaçou o colega, fez Convocou a família para uma peque- Questionou o aluno quanto à
tumultuo no corredor, xinga- na reunião e informou as atitudes concordância em permanecer na
mentos não cumpriu as regras de do aluno na presença do mesmo que escola.
convivência na sala de aula. reagiu com agressividade.
Desobedeceu e empurrou o por- Informou à mãe que o aluno seria Acatou a ação da escola.
teiro, causando um arranhão no suspenso e o enviou para casa.
braço do mesmo.
Insultou os colegas, professores
e funcionários, não cumpriu as
regras de convivência na sala de
aula.
170
Insultou a vice-diretora com pa- Suspendeu o aluno por 5 dias. Acatou a decisão.
lavrões, não cumpriu as regras de
convivência na sala de aula.
Agrediu com tapa na face uma Chamou o SAMU e a Ronda Escolar Os responsáveis compareceram
colega resultando em luta corporal para ajudar à escola e concordaram em con-
e soco na testa da mesma criando Conseguiu contornar a situação e ter os ânimos.
grande hematona. mandou os alunos envolvidos na
Lesão corporal em volta do briga para casa para retornarem com
pescoço da diretora ao tentar os responsáveis.
separar.
As agressões desencadearam out-
ras brigas. O aluno não cumpriu as
regras de convivência no ambiente
escolar.
Desacatou a professora, agrediu Chamou a ronda escolar e encamin- A mãe compareceu à escola
fisicamente colegas, desacatou um hou o aluno ao complexo policial e solicitou que uma cunhada
policial, nunca cumpriu as regras acompanhado de um responsável. acompanhasse o filho, mas no
de convivência na sala de aula. dia seguinte foi a uma FM da
cidade fazer denúncias contra a
diretora, alegando que ela teria
chamado a polícia para seu filho.
Depois solicitou uma reunião
com o conselho escolar. Decidiu
que o aluno ficaria até o fim
do ano letivo, dando mais uma
chance, contudo se praticasse
mais algum ato indesejável na
escola seria transferido.
Aluno agrediu com uma pedrada Recebeu a mãe da menina e relatou A mãe da aluna: Levou a filha à
uma aluna fora da escola, além os fatos. emergência e disse que buscaria
de ameaçá-la anteriormente por o conselho tutelar e a família do
várias vezes. Não cumpriu as agressor.
regras de convivência na sala de
aula.
171
que mais nos chamaram a atenção durante esse período, principalmente, os datados do
ano de 2019.
A maior incidência nos últimos anos de casos de violência associados a instituição
escolar, não é algo aleatório. Os outros fatos são relatados no PNEDH (BRASIL, 2018).
Segundo este documento também podemos observar que
Oliveira e Araújo (2010) conceituam a escola como instituição, a qual cabe socia-
lizar o saber adquirido através da cultura e à família repassar os costumes e valores, pre-
parando moralmente as crianças; e isso deve acontecer na “educação primária”. Contudo,
sabemos que a família e a escola têm sofrido transformações, em um processo social e
histórico, que interferem nas relações do sujeito na sociedade e, dessa forma, modificam
o processo educacional dos alunos.
Os relatos revelam que a gestão escolar buscou resolver os atos violentos no espa-
ço escolar, na maioria das vezes, comunicando aos responsáveis as ações praticadas pelos
alunos/as/es no ambiente escolar e até mesmo fora dele, e como forma de punição usou
a suspensão das aulas, mas que também em situações com maior gravidade buscou o
auxílio do conselho tutelar, da polícia militar e da guarda municipal.
Porém, a comunicação aos responsáveis muitas vezes não surtiu efeito esperado
pela escola, já que, ocorreram casos que resultou em reincidência. Alguns relatos cha-
mam a atenção. Por exemplo:
1. “A mãe culpou o pai e disse que o filho não respeita nenhum dos dois. Fez re-
clamações de funcionários, não garantiu melhora no comportamento do alu-
no, também não quis assinar a suspensão do aluno.”
É necessário justificar aqui, que se trata do mesmo aluno que, por vezes, tanto o
pai quanto a mãe estiveram na escola, com maior frequência da mãe. Apesar de a presen-
ça paterna ser relatada em alguns casos, na maioria das vezes na figura materna que era
172
depositada as expectativas de contornar as situações geradas por seus filhos, como se a
responsabilidade de educar fosse principalmente dela. Podemos afirmar que o
É importante frisar que ainda não é comum na sociedade e nas escolas desse país a
prática da cultura de valorização e promoção dos direitos humanos. Outro agravante é a
escassez de recursos que poderiam ser convertidos em políticas públicas desta natureza.
Muitas escolas públicas têm comportamentos agressivos.
173
Dessa forma, muitas vezes a gestão escolar encontra dificuldades para estabelecer
parcerias com as famílias, em prol do combate à violência na escola e cultura de promo-
ção dos direitos humanos, pois essas famílias também necessitam de apoio. E ao invés de
se unirem, acabam entrando em conflito, pois algumas vezes, diante da recusa de alguns
responsáveis em participar da vida escolar do filho. Além do mais, a violência ou trans-
gressão pode refletir o desejo das crianças e dos adolescentes em expor a falta de atenção
dos pais (FIAMENGLI; XIMENEZ, 2001).
Por outro lado, sabemos que as escolas públicas desse país, na grande maioria,
não têm assistência de políticas públicas que contribuam para a socialização do sujeito
de direitos. É uma escola desprovida do mínimo e muitas vezes não oferece aos gestores
condições para programar ações que acolham as crianças e os adolescentes que apresen-
tam desvios de comportamentos e não aceitam regras de convivência.
Ao questionarmos como a escola e a família podem constituir parcerias conjun-
tas para combater a violência, que é materializada na prática pedagógica, no espaço
escolar; uma hipótese é: reformular e concluir o Projeto Político Pedagógico (PPP)
e reforçar a sua importância e aplicação na comunidade escolar. Já dizia Paulo Freire
(200, p.61): “é preciso diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, até que
num dado momento, a tua fala seja a tua prática”. Assim deve ser pensado na elabora-
ção do PPP da escola, para que ações previstas nele promovam um espaço democrático
e sadio no cotidiano escolar.
Cabe também à escola buscar com outros profissionais a ajuda para que essas
atividades aconteçam dentro das expectativas esperadas. Esses profissionais podem
ser: psicólogos, professores pesquisadores do ensino e da educação, técnicos da Se-
cretaria de Educação, esportistas, assistentes sociais e etc. Uma opção, por exemplo,
é garantir a aplicação da Lei 13.935/2019 que assegura a Psicologia e o Serviço Social
nas Redes Públicas de Educação Básica, cujo objetivo é atender as necessidades e
prioridades definidas pelas políticas de Educação através das equipes multifuncio-
nais a partir de ações que visem melhorar o processo do ensino-aprendizagem, mas
que envolva a comunidade e aja como mediadores nas relações entre escola, família
e sociedade.
Consequentemente, é importante ressaltarmos que na atual conjuntura da socie-
dade brasileira, em que os conflitos das mais variadas formas se acentuam, educar com
base nos direitos humanos, exige urgência e precisa ser anexada nos documentos que
regem ações no espaço escolar, a exemplos dos Projetos Políticos Pedagógicos e regi-
mentos, de forma que promovam a valorização do respeito ao próximo (BRASIL 2018).
A educação em direitos humanos é compreendida como um processo sistemático
e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos, articulando as seguin-
tes dimensões:
174
• apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos
humanos e a sua relação com os contextos internacional, nacional e
local;
• afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultu-
ra dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade;
• formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente em ní-
veis cognitivo, social, ético e político;
• desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de cons-
trução coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextua-
lizados;
• fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e ins-
trumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos
humanos, bem como da reparação das violações (BRASIL, 2018, p. 11).
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Com o objetivo de entender de que forma a escola e a família podem juntas dimi-
nuir a violência na escola municipal Dr. Joaquim Marques Monteiro em Jequié na Bahia,
analisamos os documentos produzidos no ambiente escolar (PPP, fichas de acompanha-
mento dos alunos e livro de registro de ocorrência)
Sendo assim, verificamos que na escola, durante os anos de 2009 a 2019, acon-
teceram muitas ocorrências com relação à violência escolar, principalmente, no ano de
2019. Também observamos que a forma como a escola lidou com as ações consideradas
violentas, nesse ambiente, não deram bons resultados . Não houve estratégias elabora-
das conjuntamente entre escola e família; e utilizadas para minimizar tal problemática.
Durante o período analisado foram propostos projetos pedagógico que, na verdade, não
tiveram os resultados esperados pela gestão escolar, não só na escola, como também na
comunidade em geral.
A escola precisa reformular o Projeto Político Pedagógico, o quanto antes e rever
no plano de ação, as metas e estratégias, de forma que articule a participação efetiva da
família nas suas ações, com base nos preceitos do PNEDH (2018). Dessa forma, minimi-
ze a violência não só no espaço escolar, mas em toda comunidade.
Salientamos que é necessário revisitar e aprofundar essa pesquisa de forma que se
aprofunde mais nessas questões, sob a ótica não apenas dos documentos, mas de toda
comunidade escolar (pais, professores, gestores, funcionários, alunos), já que, a Pande-
mia de Covid-19 impossibilitou que adentrássemos ao espaço físico da escola.
175
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179
RELATO DE EXPERIÊNCIA
SOBRE ESTRATÉGIAS E METODOLOGIAS NO PROCESSO
DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE DESENHO TÉCNICO
NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TECNOLÓGICA
NA PANDEMIA DA COVID-19
INTRODUÇÃO
No Brasil, o perfil dos estudantes e a escola modificaram-se nos últimos anos, com
extremos contextos educacionais diversificados, onde se encontra escolas, professores e
estudantes, que estão ou são dos séculos XIX, XX e XXI, respectivamente (BELLA et al.,
2019). Há aqueles que ressalta a importância de reinventar a escola tradicional para “dar
conta das demandas e necessidades de uma sociedade democrática, inclusiva, permeada
pelas diferenças e pautada no conhecimento inter, multi e transdisciplinar, com a que
vivemos neste início de século XXI”.
Segundo Custódio, Brod e Lopes (2016), a educação contribui, colabora e desen-
volve nos estudantes suas diversas habilidades, a partir da mediação dos docentes e le-
vando em consideração suas possibilidades e limitações, no processo de ensino-apren-
dizagem, na construção e busca de suas identidades e no encontro do seu espaço social
e laboral produtivo.
Enquanto a sociedade evolui, muitas escolas e professores ainda se baseiam em
metodologias de ensino arcaicas, previsíveis, repetitivas e pouco estimulantes, nas quais
os estudantes aprendem pouco, sentem-se desmotivados e perpetuem um modelo des-
gastado e com resultados mínimos (CARNEIRO et al., 2018; CUSTÓDIO; BROD; LO-
PES, 2016).
É importante, desse modo, pensar e implementar práticas pedagógicas e estraté-
gias didáticas alternativas que garantam acessar e atingir os objetivos e conteúdos curri-
culares determinados e específicos da disciplina, reconhecendo as limitações de cada su-
jeito, valorizando os seus diferentes estilos de aprendizagem. Contudo, estabelecer uma
proposta de ensino que ofereça condições para que todos aprendam juntos, no mesmo
processo pedagógico, é um dos grandes percalços da prática docente, pois exige modificações
180
do ato de ensinar, necessitando de recursos diferentes, organização do tempo, apoio peda-
gógico, conhecimentos, entre outros (LIRA et al., 2019).
Nesse contexto, nos casos específicos de Desenho Técnico, a metodologia de en-
sino amplamente praticada nas escolas, institutos e universidades, é por meio de aulas
expositivas em quadro e/ou aulas práticas executadas manualmente em pranchetas. Essa
metodologia tradicional de ensino, embora seja largamente utilizada, nem sempre con-
segue atender aos alunos com baixo nível de aptidão espacial, ou seja, a capacidade de
imaginação de objetos tridimensionais; fazendo o docente transformar sua aula, apri-
morando o processo de ensino-aprendizagem e proporcionando dinamismo e interati-
vidade nas práticas pedagógicas (CARNEIRO et al., 2018; CUSTÓDIO; BROD; LOPES,
2016, PALÚ; SCHÜTZ; MAYER, 2020).
Com o início da pandemia provocada pelo novo coronavírus SARS CoV-2 em
2020, a união, estados e municípios estabeleceram medidas de proteção e de diminuição
dos riscos de contágio. Durante esse acontecimento global que exigia o distanciamento
em massa, remodelou planos em curso e cobrou imediatas e eficientes respostas dos ór-
gãos/entidades reguladoras da educação em todo o país.
O processo, que parecia lento e gradual, foi sistemático, e os professores e demais
profissionais da educação não tiveram tempo para adaptações e coube a cada um se
reinventar no modelo novo e desafiador do processo de ensino nas aulas remotas – não
presenciais.
Sendo assim, diante do desafio de tornar tais aulas mais dinâmicas, interativas e esti-
mulantes, durante o ensino remoto emergencial provocado pela pandemia da COVID-19,
enquanto docente da disciplina de Desenho Técnico, originou-se uma inquietação, a qual
suscitou a seguinte questão de investigação: quais estratégias metodológicas podem ser re-
comendadas para melhorar e potencializar o processo de ensino-aprendizagem em Desenho
Técnico de modo a propiciar uma aprendizagem mais significativa para o(a)s estudantes?
A partir dessa problematização, o presente artigo tem por objetivo analisar e pro-
por estratégias metodológicas que possibilitem uma prática pedagógica que priorize o
protagonismo do estudante e uma aprendizagem mais significativa, especificamente nos
conteúdos fundamentais de Desenho Técnico, durante a pandemia da COVID-19.
CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO
181
Desse modo, o IFBA favorece indiretamente em todas as regiões da Bahia, uma
vez que todos os campi atuam na educação com ações, capacitações, empreendedoris-
mo, pesquisa, inovação e desenvolvimento de tecnologias, contribuindo para o desen-
volvimento social, ambiental, tecnológico e econômico do estado; e oferece à sociedade,
Educação Profissional e Tecnológica pública, gratuita e de excelência nos seguintes seg-
mentos: educação básica, técnica e tecnológica; e nas seguintes modalidades: integrado,
concomitante e subsequente (Lei nº 11.741, de 16 de julho de 2008).
Com base na Plataforma Nilo Peçanha, em 2020 (ano base 2019), o IFBA possui
mais de 31 mil estudantes matriculados nas modalidades presenciais e à distância, sendo
262 cursos presenciais (08 cursos de pós-graduação, 24 bacharelados, 17 licenciaturas,
149 cursos técnicos, 48 cursos de qualificação profissional (FIC) e 16 cursos técnicos
EJA) e 14 cursos à distância (09 licenciaturas, 04 cursos de qualificação profissional (FIC)
e 01 cursos técnicos), cerca de 1.747 professores (sendo 1.520 efetivos e 227 substitutos)
e mais 1.109 técnicos administrativos.
O IFBA campus Jequié, possuí em funcionamento 02 Cursos Técnicos de nível
Médio na modalidade Integrada e Subsequente em Eletromecânica e Informática, 01
Curso Superior em Engenharia Mecânica implementado e 01 Curso Superior em Enge-
nharia da Computação em fase de implementação, além de 03 Cursos de Pós-graduação
Lato Sensu em Ensino de Ciências, Formação Docente e Práticas Pedagógicas e Gestão e
Educação Ambiental; e 01 Curso de Pós-graduação Stricto Sensu em Propriedade Inte-
lectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação. Esta unidade do Instituto atende
em média 881 alunos por ano (IFBA, 2020).
O Curso Técnico de Eletromecânica das duas modalidades de ensino do IFBA
campus Jequié, possui aproximadamente 309 alunos (IFBA, 2020), e tem por objetivo
formar profissionais aptos a atuarem nas áreas de manutenção e de projetos eletro-
mecânicos com conhecimento para ações em coordenação de grupos de trabalho
bem como planejamento e execução de manutenção elétrica e mecânica de equipa-
mentos industriais.
O Curso Técnico de Informática das duas modalidades de ensino do IFBA campus
Jequié, possui aproximadamente 336 alunos (IFBA, 2020), e tem por objetivo formar
profissionais aptos a atuarem no desenvolvimento de rotinas de cálculo e tomadas de de-
cisão; manipulação da base de dados mono ou multiusuário; utilização das ferramentas
de programação visual e elaboração de programas em linguagens de alto nível; além de
efetuarem e avaliarem testes nos programas desenvolvidos.
O Curso Superior em Engenharia Mecânica do IFBA campus Jequié, possui
aproximadamente 107 alunos (IFBA, 2020), e tem por objetivo formar profissionais
para atuar na área de pesquisa, planejamento e desenvolvimento tecnológico, abran-
gendo aspectos de fabricação e gerenciamento de sistemas mecânicos e eletrônicos,
entre outros.
182
No primeiro ano do ensino médio integrado e no primeiro semestre do ensino
subsequente, os estudantes cursam a disciplina de Desenho Técnico para capacitar-se
e tornarem-se aptos a interpretar e executar a mão livre, com auxílio de instrumentos e
ferramentas, desenhos industriais eletromecânicos de acordo com a Associação Brasilei-
ra de Normas Técnicas (ABNT).
Os estudantes de Engenharia Mecânica cursam no primeiro semestre a disciplina
Desenho Assistido por Computador, que proporciona aos estudantes executar desenhos
com auxílio do computador por meio de um programa CAD (Computer Aided Design),
e no segundo semestre Desenho Técnico, a mão e com o auxílio de instrumentos e fer-
ramentas. Isto é, em ambas as disciplinas os estudantes serão capacitados a executar, ler
e interpretar desenhos técnicos industriais eletromecânicos de conjuntos, detalhados e
de montagem, sendo ele tridimensional ou bidimensional, no papel ou assistido por um
computador.
REFERENCIAL TEÓRICO
Ensino Tradicional de Desenho Técnico
183
Com a Revolução Industrial, houve a necessidade de elaborar normas técnicas que
estabelecessem parâmetros e padrões universais, ou seja, a estandardização (padroniza-
ção) da fabricação de produtos e de serviços para beneficiar a cooperação e o intercâm-
bio de todos os interessados a fim de atender as novas necessidades e escalas produtivas
(MARQUES; CHISTÉ, 2016; KEMPTER et al, 2012).
Sendo assim, ocorreu a normatização da geometria descritiva a fim de unificar
a interpretação de projetos e atender essas demandas, a partir da criação da ABNT em
1940 e da comissão técnica da International Organization for Standardization (ISO) em
1947. Esse processo de normatização ocorreu por meio do Desenho Técnico, que ga-
nhou caráter de documento por utilizar linhas, números, símbolos e indicações escritas
normalizadas internacionalmente e por ser definido como linguagem gráfica universal
da Arquitetura e das Engenharias (SILVA, 2006)
A partir de então, tradicionalmente, o Desenho Técnico passou a ser ensinado e
executado utilizando os equipamentos e instrumentos como prancheta, esquadros, ré-
gua paralela, escalímetro, etc. (KEMPTER et al, 2012).
De acordo com Ching (2011), mesmo com o avanço da tecnologia, o desenho
manual tem o potencial de superar o achatamento de uma superfície bidimensional e re-
presentar desenhos tridimensionais da Arquitetura de forma clara, legível e convincente.
Para tanto, é preciso aprender a executar e ler a linguagem gráfica do Desenho. O ato de
desenhar não é só uma questão técnica, é também uma ação cognitiva que envolve per-
cepção visual; avaliação e raciocínio de dimensões; e relacionamentos espaciais.
Os pesquisadores destacam a importância que o Desenho Técnico tem nos cursos
da área tecnológica, visto que, enquanto linguagem da expressão gráfica, ele é a princi-
pal ferramenta de comunicação nas Engenharias, foco das Universidades e Institutos de
Educação, Ciência e Tecnologia.
Sendo assim, faz-se necessário analisar estudos relacionados ao Ensino de Dese-
nho Técnico, a fim de atender as necessidades e inquietações dos estudantes, identificar
estratégias e metodologias inovadoras, assim como facilitar a aprendizagem e o desen-
volvimento de funções cognitivas relevantes, tais como a capacidade de compreensão de
uma forma tridimensional através de sua representação planificada, em duas dimensões,
que é conhecimento obrigatório para a atuação profissional.
184
últimos anos, o ensino de desenho não foi priorizado no ensino fundamental e médio
do Brasil. Por isso, Santos e Correia (1998) ressaltavam as vantagens de utilizar a com-
putação gráfica no ensino e aprendizagem da geometria. Desde então, os avanços tecno-
lógicos tornam-se cada vez mais acessíveis aos educadores (HARRIS, 2006; SANTOS;
CORREIA, 1998).
Os conteúdos didáticos dos cursos que dificultavam o aprendizado e exigiam dos
estudantes uma maior dedicação na captura, assimilação, abstração e compreensão dos
conceitos, hoje em dia, são idealizados, planejados e preparados de modo a auxiliar, fa-
cilitar a compreensão e acelerar o processo de ensino-aprendizagem, aumentando a sua
velocidade e o interesse dos alunos, a partir do uso de animações ou visualizações ma-
nipuláveis 3D e outros conteúdos disponibilizados na internet, que possibilitam a (re)
visualização quantas vezes, quando e onde quiser (HARRIS, 2006).
Quando usada e aplicada adequadamente, o ensino-aprendizagem e o desenvol-
vimento de projetos de profissionais de Engenharias e Arquitetura tem sido favorecido
pela computação gráfica cada vez mais amigáveis e potentes e tem permitido a explora-
ção de novas formas e sua efetiva realização (HARRIS, 2006).
Em contrapartida, no Ensino Profissional e Tecnológico, onde os cursos prepa-
ram os estudantes para desenvolver e aperfeiçoar a habilidade de compreensão espacial
e dominem adequadamente a linguagem do Desenho Técnico que será sua principal
ferramenta para a transmissão de informações gráficas, com a computação gráfica, as
tradicionais ferramentas e instrumentos de Desenho Técnico foram substituídos por fer-
ramentas computacionais de modelagem em 2D e 3D e os “desenhistas”, transformaram-
-se em “cadistas” (MARQUES, 2016).
Nesse contexto, percebe-se a necessidade de aprender a linguagem do Desenho
Técnico somando à necessidade de dominar softwares vigentes no mercado atual. Com
isso, os cursos de Arquitetura e Engenharia passaram a inserir a aprendizagem de pro-
gramas computacionais em sua grade curricular (HARRIS, 2006).
Porém, o ensino das ferramentas computacionais cada vez mais potentes e a re-
dução da importância dada ao ensino tradicional de Desenho Técnico geraram novos
problemas, como por exemplo, uma menor capacidade de compreensão espacial e co-
nhecimento de geometria, o que permeia o risco de serem reduzidos a “cadistas” ao
invés de “projetistas”, limitando-se a projetar apenas até onde os softwares permitirem
(HARRIS, 2006).
185
a educação do Brasil e tornaram-se as precursoras das Escolas Industriais e Técnicas (ET),
dos Centros Federais de Educação Profissional e Tecnológica (Cefet) e dos Institutos Fe-
derais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF), quando sancionada a Lei nº 11.892, de 29
de dezembro de 2008, responsável por transformar os Cefets em Institutos Federais (IFs),
vinculado ao Ministério da Educação (MEC), e membro do Conselho Nacional das Insti-
tuições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) (LO-
PES; ALMEIDA, 2021).
Hoje, em 2021, após 112 anos das Escolas de Aprendizes e Artífices e quase 13 anos da
criação dos Institutos Federais, este último contabiliza 599 campi que junto com outras Ins-
tituições Educacionais atuam para suprir à demanda nos Estados e Munícipios do Brasil. Os
IFs oferecem 10.888 cursos e contabilizam 1.023.303 matrículas, segundo a Plataforma Nilo
Peçanha (2020), que apresenta um panorama de toda a Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica vinculada ao Ministério da Educação (MEC) (ALVES et al, 2019).
Segundo Lemos (2020), ao abranger inúmeras frentes de trabalho,
[...] a Rede acaba por enfrentar desafios no que se refere à gestão de proces-
sos internos de registro e acompanhamento acadêmico de alunos que estu-
dam sob diferentes modalidades, diferentes formas de ingresso, programas
e, às vezes, até mesmo, de diferentes sistemas avaliativos... Enquanto “rede”,
os Institutos Federais enfrentam atualmente desafios e forças que atuam
tanto como elementos de coesão como, também, de dispersão. A grande
questão é descobrir, até que ponto, tal variedade de situações pode exercer
o papel de força centrífuga, de centralização, ou centrípeta, de pulverização,
no seio da própria rede (LEMOS, 2020, p.13, pg.16).
186
Portanto, reforçar a importância de estudos sobre estratégias e metodologias de
ensino na perspectiva do ensino remoto, tendo em vista que serão muito úteis durante a
transição para o retorno presencial e uma reflexão sobre as práticas que terá bons frutos
sobre o ensino pós-pandemia.
METODOLOGIA
187
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Uma parcela dos estudantes das diferentes modalidades e níveis de ensino que
cursam a disciplina de Desenho Técnico demonstra um desinteresse quanto ao ensino-
-aprendizagem tradicional, ou seja, utilizando os equipamentos e instrumentos como
prancheta articulada, esquadros, régua paralela, escalímetro, etc., pois a utilização de
ferramentas computacionais de modelagem em 2D e 3D tem sido cada vez mais fre-
quente nas instituições e tem provocado um grande interesse por parte dos estudantes
(CUSTÓDIO et al., 2016; PEREIRA et al., 2011).
Aliás, é incontestável a contribuição dessas ferramentas ao ensino de Desenho Téc-
nico, uma vez que, a inclusão de novas tecnologias ao ensino proporciona maior facilidade
de assimilação dos conceitos e a rapidez do processo de aprendizagem. Mas, apesar dessa
vantagem, surge um problema, o interesse dos estudantes ser voltado apenas à ferramenta
quando o ensino é auxiliado por computador, ou seja, os conteúdos didáticos de Desenho
Técnico são colocados em segundo plano em detrimento ao domínio de tais ferramentas.
Por isso, é necessário explicar que o Desenho Técnico é um importante instru-
mento de comunicação em diversas áreas do conhecimento para que ocorra um enten-
dimento dos conteúdos da disciplina como fundamental na formação dos profissionais
da Arquitetura e Engenharia, uma vez que, o Desenho Técnico é uma linguagem da ex-
pressão gráfica que aplicando símbolos, conjuntos de linhas, números e indicações inter-
nacionalmente normatizadas, tem por objetivo evidenciar formas, dimensões e posições
de objetos conforme demandas das áreas supracitadas.
Portanto, pesquisa-se, frequentemente, novas estratégias e metodologias que des-
pertem o interesse dos estudantes e que os conduzam na direção dos objetivos ao apren-
dizado dos conteúdos didáticos. Para isso, segundo Beltrão (2017), devem ser propostas
atividades diferentes e instigantes como jogos, desafios, quizzes, projetos, pesquisas, ex-
periências que mantenham sempre renovado o interesse nas aulas, desde que incluam a
busca por informações e ideias, observação ou experimentação e reflexão.
Com base no exposto, durante o distanciamento social, os docentes aprimoraram-se
no uso da sala de aula virtual do Google ou Google Classroom como sendo o principal canal
de comunicação com seus alunos nos momentos assíncronos, ambiente online de aces-
so gratuito, necessário para a centralização do processo de construção do conhecimento,
onde se concentra outras ferramentas do Google, inclusive o acesso ao Google Meet.
Por permitir aplicações de atividades online e atividades que podem ser realizadas
fora da sala de aula, o Classroom é considerada uma ferramenta hibrida e uma sala de
aula invertida, pois o docente usa o tempo da aula síncrona para explicar o conteúdo e
elucidar as dúvidas e posta o material da aula no momento assíncrono, podendo os es-
tudantes construir o conhecimento de qualquer lugar que desejar, seja pelo computador
ou por um dispositivo portátil (MOREIRA et al., 2020).
188
O Classroom possibilita que o docente organize turmas, direcione os trabalhos
e simplifique a elaboração, distribuição e compartilhamento de materiais digitais, tais
como, aulas, atividades, fóruns, seus materiais em links, imagens e vídeos, para dialogar
com seus estudantes.
Além disso, para tornar as aulas de Desenho Técnico possível durante a pandemia
da COVID 19, as quais ocorreram às Atividades Educacionais Não Presenciais Emergen-
ciais (AENPEs), entre os meses de Outubro e Dezembro de 2020, foi necessário adotar
o uso do Google Meeting como ferramenta de transmissões de aulas síncronas, uma vez
que, é uma ferramenta gratuita, integrada ao Gmail e permite interação com os estudan-
tes em tempo real (OLIVEIRA et al., 2020; RITTER et al., 2020).
Na aula teórica do Ensino Presencial, cujo tema foi “Materiais e Instrumentos
de Desenho”, normalmente, o professor ministra aulas explicativas para a turma, apre-
sentando em cada aula prática as características, objetivo e forma de uso dos materiais
e instrumentos de Desenho Técnico que serão usados para a realização das atividades.
Já na aula teórica síncrona do Ensino Remoto Emergencial, com o mesmo tema,
propôs-se aos estudantes uma apresentação no modelo de seminário em equipe com sor-
teio dos Materiais e Instrumentos de Desenho Técnico que cada grupo seria responsável
por apresentar a história, característica, objetivo e forma de uso ao restante da turma.
Essa técnica potencializa a aprendizagem significativa e desenvolve a autonomia
dos estudantes, pois o aluno pesquisa, discute e debate, ou seja, assume o protagonismo
na condução seu próprio processo de aprendizagem (OLIVEIRA et al., 2020; SUSZEK
et al., 2019). Segundo Lakatos e Marconi (2005), o seminário “desenvolve não só a capa-
cidade de pesquisa, de análise sistemática de fatos, mas também o hábito do raciocínio,
da reflexão, possibilitando ao estudante a elaboração clara e objetiva de trabalhos cien-
tíficos”.
Sendo assim, essa estratégia pode ser aplicada tanto no Ensino Presencial como
no Ensino Remoto Emergencial, por proporcionar mobilização, organização e domínio
do conteúdo pelo discente, além de ser possível, para o docente, uma avaliação com en-
foque qualitativo, que prioriza os acertos, o diálogo e a reflexão e não somente os erros e
o processo final (PEREIRA et al., 2011).
Para aumentar o nível de aptidão, compreensão e percepção espacial adequada
dos estudantes, após a aula teórica expositiva dialogada do Ensino Presencial com
o tema “Vistas Ortográficas”, propôs-se aos estudantes um jogo de “Autódromo”,
conforme mostra um exemplo de questão na Figura 1, onde formou-se grupos e
cada grupo recebe duas placas contendo as letras A, B, C e D em cada face, para que,
após finalização do tempo estimado para a tomada de decisão da resposta, cada re-
presentante do grupo levante a placa com a face contendo a letra correspondente à
alternativa correta.
189
Figura 1 - Exemplo de Questão do Autódromo sobre Vistas Ortográficas
Fonte: autores
190
Figura 2 - Exposição “Desenho Técnico, no Técnico!” na SECITEC
Fonte: autores
Fonte: autores
191
Figura 4 - Peças construídas pelos estudantes para mostra cultural da SECITEC
Fonte: autores
192
Fonte: autores
Nota: captura de tela da aula síncrona. Figuras 5a, 5b (cada quadrado corresponde a 5 cm), 5c e 5d.
Fonte: autores
Nota: captura de tela da aula síncrona
193
Figura 7 – Representação urbana com noções básicas de proporção
Fonte: autores
Nota: captura de tela da aula síncrona
Fonte: autores
Nota: captura de tela da aula síncrona
Buscou-se, a partir da confecção dos protótipos das peças e das maquetes, reduzir
o abstracionismo do ensino tradicional de Desenho Técnico com a introdução do lúdico
e da arte, instigando os estudantes a pensar, usar a criatividade, tomar decisões sobre os
materiais a serem utilizados, enfrentar os desafios de execução e resolução desses desa-
fios, assim como acontece no dia a dia de um profissional (PEREIRA et al., 2011).
Notou-se, com isso, que as referidas atividades potencializaram e enriqueceram a ap-
tidão, compreensão e percepção espacial dos estudantes por confeccionarem peças tridimen-
sionais dos objetos de estudo, fazendo com que os mesmos reconhecessem a importância das
inovações no processo de ensino-aprendizagem de Desenho Técnico, questionando a efici-
ência do ensino totalmente tradicional na atualidade diante dos avanços tecnológicos. Sendo
assim, obteve-se como resultado o prazer em aprender e em ensinar, dentro outros diversos
benefícios no processo de ensino-aprendizagem nesta área do conhecimento.
194
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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197
DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL
NOS LIVROS DIDÁTICOS:
Análise documental
CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA
O debate sobre as desigualdades raciais no cenário atual brasileiro tem sido bas-
tante recorrente. Apesar das discussões em torno dessa temática, observa-se que as teo-
rias não condizem com a prática e o que se tem ainda está distante da realidade.
Apesar da existência de documentos oficiais, como a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB) que, em seu artigo 26, traz uma proposta voltada à integração de
uma parte diversificada aos currículos do Ensino Fundamental e Médio; além da Lei de
Inclusão Social e Lei nº 11.645/2008 que tratam do currículo de ensino, em artigos es-
pecíficos, evidencia-se a necessidade de trazer, nos conteúdos curriculares, abordagens
que contemplem o ensino e a valorização da diversidade étnico racial, supracitada nas
leis mencionadas.
A população negra e as demais classes sociais que se inserem dentro das mi-
norias, como os indígenas e quilombolas, ganharam visibilidade a partir da Lei de
Educação Inclusiva, de n° 10.639/2003 alterada pela Lei n° 11.645/2008, instituída
no ano de 2003, com as medidas legais do então presidente em exercício, Luís Inácio
Lula da Silva, passando a integrar o currículo de ensino de educação básica. A Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) reconhece a importância de educar pensando
na formação integral do aluno e assumir uma visão plural, singular e integral, conce-
bendo-os como sujeitos de sua aprendizagem, destacando o respeito e a valorização
das diferenças.
Referente a isso, fica evidente que todas as disciplinas na escola teriam que
dialogar entre si mediante os conteúdos referentes à questão do negro como propos-
to nas diretrizes curriculares. Diante disso, apresento a seguinte questão de pesquisa:
como os livros didáticos têm apresentado, em seus conteúdos e atividades, a diver-
sidade étnico-racial?
198
Nessa perspectiva, o interesse em desenvolver uma pesquisa sobre essa temática
se deu pelo fato de eu ser professora, mulher, negra e sempre observar a omissão, nos
conteúdos e nas atividades, de abordagens sobre o papel do negro na sociedade e suas
contribuições na formação social, política, econômica e cultural do Brasil, já que, o ne-
gro foi o principal responsável pela construção do nosso país.
A reflexão sobre a diversidade racial é uma temática recorrente em meu processo
de escolarização, todavia, foi a graduação que reforçou minha inquietação sobre o ra-
cismo presente em nossa sociedade, seja ele de forma estrutural ou não. Os conteúdos
curriculares dos livros didáticos, geralmente, a partir do meu campo empírico, são dire-
cionados à classe “superior” (branca), não abrangendo as questões dos negros, indígenas,
entre outros grupos minoritários.
Quando há uma abordagem, costuma ser descontextualizada da realidade, defor-
mada do contexto real e, frequentemente, os negros/as aparecem na condição de pessoas
escravizadas. Segundo Oliveira (2009, pág.34), “os preconceitos, os estereótipos e a dis-
criminação presentes nesses livros acabam propagando ideologias como a do branquea-
mento, inferioridade e superioridade raciais”. Assim, ao ver o negro ocupando os lugares
inferiores em nossa sociedade, como também, a negação de sua cultura, fui motivada a
investigar como essas questões vêm sendo tratadas nos livros didáticos.
Dessa forma, o objetivo desta investigação é analisar o livro didático de história,
especificamente “Novo Pitanguá”, quinto ano, da Editora Moderna que, de acordo com
Le Goff (1924, pág.463),
[...] a leitura dos documentos não serviria, pois, para nada se fosse feita
com ideias preconcebidas... a sua única habilidade (do historiador) consiste
em tirar dos documentos tudo o que eles contêm e em não lhes acrescentar
nada do que eles não contêm.
199
negra são feitas num processo de avanços e recuos, de seguranças e incertezas, uma vez
que, dificultam a assunção da identidade negra.
Com o exposto, a relevância social deste estudo se manifesta no sentido de
que essa temática é de suma importância, tanto no cenário atual, como no campo
acadêmico, uma vez que, é constante o debate traçado no campo educacional sobre
a necessidade de inserir as diversidades étnico-culturais no processo de ensino e
aprendizagem. Parto do princípio de que devamos visibilizar, conhecer e estudar os
elementos culturais e sociais deixados como legado pelos grupos sociais, que envolve
não só a população negra, mas os índios, a educação do campo e outros grupos que
se adequam às minorias.
200
A partir da instauração do programa de avaliação do Governo Federal, iniciado
em 1996, os autores/as e editores/as desse material didático passaram a ter uma preocu-
pação maior com a maneira de abordagem de elementos étnico-culturais, pois seria eli-
minado de qualquer coleção caso apresentasse e/ou discutisse atitudes preconceituosas
e estereotipadas ou desrespeitasse os dispositivos legais, como a Constituição Federal de
1988 (CF) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
As mudanças implantadas no processo de elaboração de materiais didáticos, a
partir da implantação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), levaram à ex-
clusão de considerações racistas da linguagem e à proibição de toda referência textual
ou pictórica à pessoa negra por meio de piadinhas, apelidos e/ou imagens distorcidas
ou estereotipadas. O fato de os autores/as e editores/as preocuparem-se com a forma de
tratamento da etnia, devido ao estabelecido na Constituição Federal e na avaliação do
PNLD, não significa que exista uma abordagem da diversidade étnica e uma valorização
de sua importância no processo da construção histórica do Brasil.
Uma visão superficial dos livros didáticos disponíveis no mercado permite obser-
var a presença de uma invisibilidade, ou uma visibilidade subalterna de vários grupos so-
ciais, incluindo negros, indígenas e mulheres. Nesse ponto, um dos destaques é oferecido
à importância da formação docente, da metodologia de ensino utilizada pelas institui-
ções e dos materiais didáticos que serão empregados no ensino de História. Sendo o livro
didático um importante instrumento pedagógico usado na escola de modo sistemático,
ele pode criar referências para o/a aluno/a.
É possível verificar que este material ainda compreende a principal fonte de infor-
mação impressa utilizada por muitos professores/as e alunos/as/es brasileiros/as. Dessa
forma, ele parece ser, para grande parte da população, “o principal impresso em torno
do qual sua escolarização e letramento são organizados e constituídos” (BATISTA, 2002,
p. 535). Além disso, traz conteúdos sobre valores morais, éticos, sociais e patrióticos.
Um estudo acerca de um livro didático permite o desenvolvimento de uma análise das
representações e valores predominantes em determinado período de tempo, em uma so-
ciedade específica, oportunizando a discussão de projetos de construção e de formação
social. Para Fonseca, o
[...] livro didático e a educação formal não estão separados do contexto po-
lítico e cultural e das relações de dominação, atuando, muitas vezes, como
ferramentas utilizadas na consolidação de sistemas de poder, além de re-
presentativos de universos culturais específicos (FONSECA, 1999, p. 204).
Devido tal situação, este material exige análise e estudo e, por isso, se tem buscado
assegurar a qualidade desse, a fim de realmente atender às necessidades da classe estu-
dantil. O desenvolvimento de estudos sobre o livro didático também consiste em uma
maneira de avaliação sobre saberes e conceitos disseminados para a sociedade a fim de
201
verificar a adequação destes às necessidades dos/as alunos/as/es, considerando as abor-
dagens apresentadas pelos documentos oficiais.
A questão da diversidade cultural no Brasil evidencia uma situação específica,
pois se verifica um discurso politicamente correto de que o brasileiro é um povo único,
resultado de um intenso processo de miscigenação e mestiçagem. De outro, nas relações
sociais cotidianas, vivenciam-se muitas práticas preconceituosas, discriminatórias e ra-
cistas em relação a alguns segmentos da população, como os afrodescendentes (ABRA-
MOWICZ, 2006, pág.26).
Dessa forma, a produção didático-pedagógica referente ao ensino de história al-
cançará problematização por meio do desenvolvimento e da utilização do seu teor rela-
cionado ao povo afro-brasileiro no contexto histórico do Brasil.
Cabe ao Estado promover e incentivar políticas de reparações no que cumpre ao
disposto na Constituição Federal, Art. 205, que afirma o dever do Estado ao garantir,
indistintamente, por meio da educação, igualdade de direitos para o pleno desenvolvi-
mento coletivo e individual. Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)
Apesar disso, no Brasil, a pesquisa sobre livros didáticos é recente. É essencial des-
tacar que a difusão de programas oficiais aumentando a utilização dos manuais didáticos
nas salas de aula transformou essa publicação no recurso pedagógico mais utilizado nas
escolas brasileiras, se tornando objeto de discussões e reflexões acadêmicas.
DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL
SOB A LUZ DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
202
qualificando-o com a integração do direito à diferença. No entanto, a sua concre-
tização como política pública, no contexto educacional vem enfrentando situações
marcadas por tensão e complexidade. É possível observar o seu “cunho gerador e
construtor de programas e ações voltados ao suporte de políticas de direito e de
reforço aos temas vinculados à raça em um sentido de maior amplitude e inclusão”
(GOMES, 2011, p.116).
Tais iniciativas têm sido tomadas pelo Ministério da Educação (MEC) e, de forma
diferente, pelos sistemas de ensino. Porém, em virtude da responsabilidade do MEC,
dos sistemas de ensino, das unidades escolares, dos diretores/as e dos professores/as na
superação do racismo e na educação das relações étnico-raciais, as medidas voltadas à
consolidação de tal política ainda precisam de mais força para se fixarem. Para Gomes:
203
A situação apresentada pode revelar o contexto de conflitos que abrange as
ações, os programas e os projetos voltados a garantia do direito à diversida-
de étnico-racial realizados pela lei n. 10.639/03, o Parecer CNE/CP 03/2004
e a Resolução CNE/CP 01/2004 no Brasil (GOMES, 2011, p.117)
204
Algumas unidades educacionais da rede pública têm utilizado práticas peda-
gógicas relacionadas à diversidade étnico-racial. Existem experiências mais vincu-
ladas à inserção da Lei n. 10.639/03 nos Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs), tra-
balhos com a comunidade, Movimento Negro, comunidades de terreiro, projetos de
cunho interdisciplinar, celebração do Dia Nacional da Consciência Negra, estudos
sobre a África, entre outros. As escolas que apresentam uma gestão mais democráti-
ca e participativa encontram maior facilidade para o desenvolvimento de trabalhos
com mais dinamismo, coletividade, articulação e efetivação sobre a educação das
relações étnico-raciais.
ANÁLISE DOCUMENTAL
205
relações de sentido, produto dos processos de conflito e negociação, pois, na interação
com o outro, a identidade é construída e as características de tal contato estabelecem a
sua forma.
Ocorre o estabelecimento, a transformação e a reafirmação das identidades,
pois a aquisição de uma identidade consiste em sua definição em relação a outras
culturas. Tal articulação entre identidade e diversidade cultural se completa, consi-
derando que a diversidade cultural passa a ser pensada a partir da simultaneidade da
contestação de conflitos e de convivência entre as diferenças culturais apresentadas.
Barbalho (2007, p. 56) explica que “a relação entre identidade e diversidade atua
como referência identitária para diferentes grupos sociais, pois os sentidos admiti-
dos possuem caráter processual”.
Assim, “a identidade passa a ser uma produção”, sendo resultado de um “cam-
po identitário cedido à diversidade e se reproduz em identidades”. Nesse sentido,
a diversidade gera sujeitos caracterizados pela ordem múltipla que dividem várias
identidades sociais responsáveis por sua redefinição e se reafirmação. A diversidade
cultural pode ser afirmada como a convivência entre várias identidades situadas nas
comunidades, instituições e no acesso e nas trocas entre outras identidades com as
quais negociam sentido.
De acordo com Thomaz (1995, p. 427), "a cultura corresponde à capacidade
dos sujeitos de conferir sentido às suas atividades e ao contexto", ou seja, definir um
código simbólico, pois o estabelecimento da cultura exige a aceitação dos indivíduos
para com as práticas, considerando a ação antropocêntrica capaz de alterá-la e inse-
rir outros significados segundo o contexto vivido. A compreensão de cultura, como
conjunto de símbolos compartilhado pelos integrantes de um grupo social, favorece
a atribuição de sentido ao mundo e as ações humanas, pois Woodward (2000, p. 41)
afirma que “cada cultura apresenta suas formas específicas voltadas a classificação
do mundo”, promovendo maneiras capazes de conceder sentido a sociedade e a cons-
trução dos significados.
Assim, percebe-se a frágil ligação da cultura aos costumes, técnicas, artefatos e
a acentuada associação com o significado dos elementos nas relações sociais. É possí-
vel interpretá-la como capacidade humana de imaginação das situações, inspirando a
concretização de ações, consolidando o pensamento, a partir do emprego de símbolos
construídos, que adquirem valor real no contexto de elaboração dos códigos, ou seja,
na cultura. Tal conceito de cultura, como código simbólico, transpassa os momentos da
vida das sociedades, pois abrange as atitudes cotidianas naturais, a produção material da
vida e as mais profundas pesquisas e teorias referentes ao universo.
Por isso, cada momento da vida social não pode ser assimilado de forma isolada,
mas apenas em relação à universalidade cultural. Gomes (2008, p. 135) salienta que “a
diversidade cultural é efetuada no humano, durante a história”, pois o ser humano vive
206
e atua segundo um determinado código simbólico, construído e definido no contexto
social. O fundamento social da cultura é que, segundo Luciano (2008, p. 70), “as culturas
apresentam ordem dinâmica”, sofrendo alterações ao longo da história, considerando o
ato dos sujeitos sociais criarem e recriarem aspectos voltados ao atendimento de suas
necessidades de sobrevivência.
Dessa forma, é essencial efetuar reformulações das ideias e normas a partir
dos saberes prévios a fim de estabelecer o embate entre novas situações. Fleuri (2003,
p. 23) destaca que, no Brasil, devido à origem de sua sociedade ser caracterizada pela
presença de várias etnias, reconhecer a diversidade na cultura requer “aspectos vin-
culados às identidades sociais que não possuem estabilidade e firmeza específicas”,
pois “as identidades culturais, aspectos das identidades oriundos do pertencimento a
culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas, nacionais, sofrem frequentes desvios
ou interrupções”.
Nesse contexto, o sujeito, como construção social, resulta de valores sociais e a
identidade cultural é observada como identidade coletiva, fator de um grupo social que
partilha atitudes iguais e encontra suporte num contexto com um ideal coletivo pro-
jetado, estabelecendo-se na construção social. Marinho (2009, p. 88) aponta que, pela
“identidade, o sujeito é apresentado ao mundo social e se conforma”. A identidade efetua
o intermédio da relação entre indivíduo e sociedade.
Assim, a formação das identidades historicamente produzidas e transmitidas
pela estrutura social possui a regulação de um contexto de políticas de reconhe-
cimento, considerando as interações identitárias e relacionando-se à organização
social responsável pela definição da postura humana diante do contexto social. Para
Marinho (2009, p. 93), a identidade étnica compreende “a organização simbólica do
eu”, que “permite o alcance de soluções adequadas para os problemas de interação
social situados em várias culturas”, e sua permanência no tempo e no espaço, “sob a
perspectiva de sua história pessoal”.
A formação de tal identidade, em diversos níveis, pode ser fortalecida por proces-
sos de aprendizagem institucionalizados, nos quais deve ocorrer a consideração das in-
terações entre sujeito e meio. Nessa proposta de organização, as experiências vivenciadas
pelo indivíduo durante a vida em interação com a realidade sociocultural, representam
a dinâmica da vida social, que se moldam, mas modificam aspectos sociais. A identida-
de refere-se tanto ao mundo como ao modo de manipulação efetuado pelo ser humano
sobre o seu contexto histórico, reconstruindo de acordo com sua compreensão sobre si
e o mundo.
Nesse contexto, analisamos o livro didático considerando as contribuições da aná-
lise documental que, segundo Ludke (1986, pág. 38), constituem uma fonte poderosa
de onde podem ser retiradas evidências que fundamentem afirmações e declarações do
pesquisador, como uma técnica exploratória indica problemas que devem ser bem mais
207
explorados através de outros métodos. Logo, ao fazer a análise do documento utilizado
nesta pesquisa, material didático, verificaram-se as temáticas apresentadas, examinan-
do sinuosamente cada parte do documento utilizado, fazendo uma contextualização de
acordo o tema que foi investigado.
208
considerando aquelas que não têm acesso à internet, como também os endereços impres-
sos para uso online, a fim de facilitar o aprendizado e tornar as aulas mais interessantes,
tanto para o aluno/a/e quanto para o professor/a. Esses avanços tecnológicos permitiram
novas versões de livros digitais e materiais multimídias.
Além disso, a leitura proporciona ao leitor uma interlocução com o texto e o en-
volvimento com a leitura dá um sentido, mesmo que esse não tenha sido oferecido pelo
texto, mas criado através do seu entendimento a partir do seu contexto no contato com
o mesmo. Uma maneira única de cada um interpretar e se comunicar através dapalavras
criando uma expectativa do que foi acolhido, do que o texto quer mostrar ou não. Dian-
te disso, cabe à/ao docente interagir contribuindo com o enriquecimento do assunto
abordado. Mas, ressalto que o livro didático não cumpre a sua funcionalidade se seu
conteúdo não for trabalhado com questionamentos e abordagens de quem manuseia,
desafiando o que ele traz em sua composição.
No entanto, não deve ser o único instrumento usado por professoras/res, pois
as discussões em sala de aula por toda turma, experiências trocadas com todos, em
diferentes contextos e situações, desenvolvem o raciocínio de que o/a estudante
aprende determinado assunto de acordo suas interações em coletivo. O livro é um
facilitador no processo de ensino e aprendizagem da aluna/o/e, mas não é um instru-
mento exclusivo. Sendo assim, contribui na criação de estratégias para docente no
desenvolvimento das atividades em sala de aula. De acordo com Bittencourt (2004,
pág.319), os livros didáticos merecem ser considerados e utilizados mediante suas
reais possibilidades pedagógicas e cada vez mais aparece como um referencial, e não
como um texto exclusivo, depositário do único conhecimento escolar posto à dispo-
sição para os alunos/as/es.
Nesse sentido, a atenção na escolha e uso do livro didático em sala de aula
precisa ser curiosa e responsável, para que esse não se restrinja a um instrumento
exclusivo na metodologia usada e que seu conteúdo seja viés para ampliação de ou-
tras visões, pois é preciso organizar as ideias e intensões trazidas em seus escritos, e
de que maneira está sendo tratados os assuntos, por quem foram escritos para que
o trabalho de construção do conhecimento do aprendiz seja de desenvolvimento
intelectual do sujeito e não de uma alienação. Ao professor/a compete a missão de
desconstruir possíveis ideologias que, talvez, não condizem com a realidade mostra-
da. Ademais, a interação junto à/ao estudante, problematizando-a para que ocorra
suas análises com base na perspectiva de desenvolver um sujeito pensante, crítico e
formador de opiniões. Por isso, a importância de não negligenciar a escolha do livro
didático e, principalmente, fazer uma análise geral, cuidadosa e criteriosa por todo
conteúdo, imagens, temas, entre outros.
Diante do que foi discutido, trago, mais uma vez, a questão desta pesquisa: como os
livros didáticos têm apresentado em seus conteúdos e atividades a diversidade étnico-racial?
209
Cada dia está mais frequente vivenciar situações diversas de racismo, que causam a morte de
pessoas pretas e pobres em nosso país. E todos esses assuntos vêm sendo discutidos e viven-
ciados numa sociedade que determina o que devemos ser, usar e nos comportar. Nosso país
tem uma diversidade étnico-racial, cultural, que vem sendo discutida e debatida em vários
setores e mídias e, ainda assim, a questão do racismo estrutural continua viva, pois perce-
bemos o retrocesso em muitos seguimentos da sociedade e, durante os últimos dois anos,
infelizmente, se agravou ainda mais considerando a conjuntura política nacional.
A pessoa negra, muitas vezes, é vista por parte da sociedade elitista e racista, como
marginal ou aquele que não deveria fazer parte da sociedade a qual tem seu padrão úni-
co: branco. Ao longo dos tempos, aprendemos e fomos induzidos a acreditar que homem
preto, que usa seu cabelo estilo rastafari, black power ou qualquer outro que se encontra
fora do “estilo padrão”, é usuário de drogas, bandido ou ladrão. Ressaltando que a pessoa
branca, mesmo que adote um perfil parecido e tenha seu estilo despojado, use seu cabelo
do modelo ou cor que desejar, por conta da sua cor de sua pele, não será estigmatizada,
já que ela não presenta “perigo”.
Uma sociedade que deseja maximizar as vantagens da diversidade genética de
seus membros deve ser igualitária, isto é, oferecer aos diferentes indivíduos a possibi-
lidade de escolher entre caminhos, meios e modos de vida diversos, de acordo com as
disposições naturais de cada um (MUNANGA, 2003, p.07).
A construção negativa da imagem do negro numa sociedade racista e precon-
ceituosa reverbera no que se aprendia no livro didático de história, junto às aborda-
gens do professor, que passava do jeito que estava ali naquele impresso de interesses
de uma burguesia branca, com atitudes e ideais de colonizadores, que estipulava a
edição do modo que lhes eram convenientes e achava convincente. A história real
dos que foram escravizados e lutaram durante toda sua vida pela libertação não foi
contada nos detalhes da situação. Outro dado se refere à ideia de salvação, assim nos
contaram que foram libertos por uma princesa que assinou uma lei e “viveram felizes
para sempre...”.
A negação de ser negra ou negro reflete até hoje em algumas pessoas, principal-
mente nas que viveram o tempo em que a escola contribuía com a segregação e com
atitudes racistas e preconceituosas, talvez de forma ingênua ou por não ter tido orien-
tação de saber como tratar esse assunto em sala de aula. Entretanto, os estereótipos que
foram criados e aprendidos com essas vivências favoreceram essa negação de identida-
de, ou seja, poderia ser pele morena ou parda, menos preta, o que foi internalizado por
uma geração. Enfim, o fato de ser negra ou negro não estava estabelecido como algo
positivo. Qual criança, adolescente ou jovem negro/a que gostaria de levar o nome de
derrotado ao invés de herói? Quem iria ficar bem sendo chamado na escola ou qual-
quer outro local da sociedade com apelidos que discrimina pelo fato de ser preta ou
preto? Isso afirmo: “sentir na pele”, visto que, ao longo da minha infância, ouvia as mais
210
diversas “piadinhas de péssimo gosto” que escutava na escola ou na rua. Talvez, não
me lembre de detalhes da minha infância, mas recordo o suficiente para entender os
apelidos, os quais guardo na minha memória até hoje!
Aprendemos na escola a comemorar e agradecer o dia 13 de maio. Data sem-
pre tão lembrada nos livros de história como referência de um marco heroico da
Princesa “boazinha”, Isabel, que libertou os escravos, assinando a Lei Áurea, ofere-
cendo vida livre ao povo negro. O sofrimento que vivia o povo trazido dos países
africanos fazia com que eles, em atos de resistência e lutas contra os escravagistas,
se organizassem em quilombos e conseguissem fugir. Muitos que não conseguiam
acometiam suicídio, por não terem que viver em situações tão desumanas. Estudos
mostram que, quando essa lei foi assinada, poucos escravizados/as ainda viviam sob
poder dos seus senhores. A grande maioria já vivia em quilombos ou condições de
miséria em fugas constantes.
Nesse cenário, a escola, enquanto espaço de formação humana, tem seu papel
para uma ação efetiva na construção de conhecimento. Esse espaço precisa se rein-
ventar e, para isso, deveria usar como base a experiência de uma ampla avaliação
do seu passado, composto por diferentes povos e culturas, partindo das raízes como
ponto fundamental.
Acreditamos que trabalhar conteúdos de história de nosso país com valorização
da história “verdadeira” facilita a compreensão do desenvolvimento do/da aprendiz e
traz novas perspectivas para entender os fatos. A Lei 10.639/03 inclui no currículo o
ensino de história e cultura afro-brasileira, o estudo da História da África e dos Africa-
nos, a luta das negras/os no Brasil, a cultura negra brasileira e na formação da sociedade
nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política
pertinente à História do Brasil.
É preciso trabalhar todas essas questões da história de nosso país, abordar conteú-
dos de diversas pesquisas ao longo dos tempos e não se prender a um único instrumento
que é o livro didático. A escolha do livro a ser usado em sala de aula deveria acontecer de
forma sistemática pelos professores/as dada a importância que este material pedagógico
tem para o aprendizado e o desenvolvimento das/os estudantes. Devemos atentar para
a maneira como esses conteúdos são abordados, as características predominantes sobre
esses, de que forma está sendo posto e suas intenções. Talvez não tenhamos o preparo
e a oportunidade devidos para analisar o livro didático que vai ser usado por nossa/o
aluna/o/es e, muitas vezes, pecamos por não sabermos usá-lo de uma maneira que consi-
ga desmitificar situações que tragam ideias ultrapassadas. Para isso, é interessante entrar
no universo do livro didático a fim de conhecer e entender seu conteúdo e de que forma
está sendo passado para os nossos/as estudantes, além de conhecer um pouco sobre os
autores/as dos livros didáticos.
211
RESULTADOS E DISCUSSÕES:
COMO ANDA A DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL
NOS LIVROS DIDÁTICOS?
O Novo Pitanguá, das autoras Adriana Machado Dias e Maria Eugenia Bellusci. O
livro de história que analisamos tem um nome de uma pequena ave, mais precisamente
um bem-te-vi. De acordo com o dicionário informal, “Pitanguá” é uma palavra indígena
que define uma ave, o mesmo que neinei- Pitauá. Em tupi-guarani significa literalmente:
¨o comedor de pitanga¨ (pitanga+guá)”. O livro traz sequência de imagem do passarinho
informando e comentando um pouco do tema que será abordado.
Esse livro traz como objetivo fornecer ao professor conteúdos como abordagem
atual, abrangente e integrada considerando o melhor aprendizado ao aluno. E como já
abordamos anteriormente, o papel da escola é saber trabalhar e garantir a aprendizagem
e o desenvolvimento dos educandos. De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacio-
nais para o Ensino Fundamental:
212
processo onde ocorrem as mudanças físicas e psicológicas dando-lhes uma visão mais
ampla de mundo nesse contexto de transformações. Segundo Bock (2007, p.66), a ado-
lescência concebida como transformação, torna da sociedade e da cultura as formas
para se expressar.
Nesse sentido, a criança desperta as mais diversas ideias, sentimentos e constata-
ções de mundo com atitudes, responsabilidade, respeito e independência na sociedade
em que está inserido. Vale ressaltar o importante papel da escola nesse contexto de mu-
danças e transformações, pois é primordial junto à família, para que esse se reconheça
como parte de um todo, na construção de novos conhecimentos, vivências, e suas rela-
ções sociais e culturais que contribuem na formação de um sujeito com características
construídas através de seu meio na relação com a outra pessoa.
213
Esse conteúdo vem seguido de várias imagens sobre religiões, inclusive, uma cena
chama atenção: a passeata contra a intolerância às religiões de matriz africana. Notamos
a importância dessas abordagens sobre a diversidade religiosa em nosso país, princi-
palmente, quando se trata das religiões de matriz africana, pois ainda vemos, nos dias
de hoje, muitos associarem estas religiões a coisas negativas. Ouvimos, infelizmente, de
muitos cristãos fundamentalistas, a partir do seu preconceito e estereótipos, que essas
religiões são movidas por magia negra ou algo do tipo.
Na segunda unidade, o primeiro tópico, “Cidadania e Direitos Humanos”, come-
ça apresentando cinco crianças diante de uma urna simbólica representando a votação.
Entre essas crianças, têm-se dois meninos negros e três meninas brancas. Nas páginas se-
guintes, visualizamos a figura de uma família: uma senhora de pele clara e dois meninos
negros; e outra gravura de crianças brincando representada por três crianças brancas e
um menino negro. Percebemos que todos os tópicos desse tema trazem gravuras de pelo
menos uma pessoa negra.
A terceira unidade, intitulada “Os registros da história”, começa o primeiro tema
com questionamento: Qual é a importância do estudo do passado? Além disso, fala um
pouco sobre as invenções do homem, e dá um exemplo com a foto do brasileiro Alberto
Santos Dumont, inventor do avião. No tópico “A linha do tempo”, as autoras fazem três li-
nhas do tempo: uma sobre a história de um município brasileiro, de Recife/Pernambuco;
outra, sobre um objeto: o telefone; e a terceira sobre a história de uma pessoa, o jogador
de futebol Pelé.
No tópico “A tradição oral”, também são apresentadas gravuras. A primeira con-
siste em uma roda de crianças índias sentadas em círculo no chão com uma senhora
também índia ensinando sobre a origem do milho. A outra gravura mostra povos africa-
nos, e os contadores de histórias cantadas, também chamados de Griôs.
Por fim, a quarta unidade, “Patrimônios da humanidade”, apresenta duas imagens
que chamaram a atenção. Em uma imagem exibe atividades que retratam manifestações
do Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, o Samba de Roda do Recôncavo Baiano, mu-
nicípio de Santo Amaro/Bahia e a outra apresenta a imagem do Círio de Nazaré em Be-
lém/Pará. Para finalizar essa unidade, no tópico “Arte e História”, apresenta-se a foto da
escultura do profeta, obra Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, filho de uma escra-
vizada africana. No tópico “Sítio Arqueológico Cais do Valongo”, as autoras descrevem,
em poucas linhas, relatos entre outras da chegada de 500 mil e 1 milhão de africanos/
as escravizados/as, que foram trazidos de forma forçada ao Brasil para trabalhar. Vemos
ainda outra imagem dos escravizados/as expostos no mercado de escravos do Valongo.
No que se refere às atividades do livro, não houve alguma que pudesse envolver
mais os alunos/as/es numa pesquisa mais apurada, com o intuito de motivá-los a buscar
mais informações sobre suas origens, para futuros questionamentos em sala de aula com
seus/suas colegas e professores/as sobre as questões étnicos raciais.
214
Apesar de ter percebido uma quantidade de imagens e assuntos relacionados ao
nosso povo negro, notei que a abordagem referente a esse povo foi bastante sucinta e
superficial para uma construção efetiva de consciência coletiva, principalmente, por se
tratar de um livro de história, o qual o professor/a vai utilizar durante todo o ano letivo,
mesmo que este não se prenda totalmente nesse material.
É imprescindível que o professor/a não se limite a um único instrumento em sala
de aula, no caso do livro didático, pois deve dar possibilidades ao/a estudante de tam-
bém buscar pesquisas relacionadas ao tipo de assunto trabalhado. O livro deve funcionar
como um suporte para que o/a docente/a investigue os conteúdos e atividades, analisan-
do o que é preciso ampliar ou quem sabe melhorar para instigar o/a aprendiz a alcançar
o objetivo proposto. Além disso, o professor/a auxiliado pelo livro didático pode fazer
com que o/a educando/ perceba e busque a construção do seu próprio conhecimento e,
consequentemente, se desenvolver enquanto pessoa humana, pertencente a uma socie-
dade plural e diversa e que possui direitos e deveres.
A representação negativa do negro no livro didático causa ao aluno ou aluna ne-
gra a negação de seu passado, de sua identidade. As imagens negativas dos seus ante-
passados, apresentadas no material didático, em situações desumanas diante do homem
branco, como geralmente são apresentadas nos livros didáticos de história, corroboram
para essa negação. São constatadas imagens frequentes do negro amarrado num tronco,
corpo seminu, sendo chicoteado por outro também negro (capataz) que é de alguma ma-
neira forçado para aquela situação, normalmente, na condição de exemplo para aquele e
os demais escravizados/as não tentassem fugir ou se revoltar contra o seu opressor.
Há de se ressaltar que para a criança negra que estuda a retratação de seu povo, no
livro didático, sendo apresentado das mais desumanas formas de violência, entende seus
antepassados como se fossem animais, já que não percebe outra versão da história, pois
muito do que poderia ser trabalhado nas escolas acaba sendo omitido, talvez, por falta de
orientação dos/as profissionais ou por outros mais diversos motivos.
A seletividade dos conhecimentos nos currículos, o silêncio dos professores/as so-
bre as práticas discriminatórias identificadas em seu cotidiano escolar nos conduzem a
ficar atentos não apenas para o que é transmitido com conotação discriminatória, mas para
o que é impedido de ser transmitido e dito (GONÇALVES, 1988 apud SILVA, 2011, p. 77).
Nesse contexto, para as crianças brancas, esse aprendizado que coloca o homem
branco em posição superior ao negro, fazendo seu semelhante em condição de escravo,
por ter a cor da pele preta, demonstra a forma como ao longo dos tempos estamos pre-
parando as nossas crianças brancas para o convívio com os seus colegas negros.
Dessa forma, notamos, nos exemplos contidos no livro e estudos trazidos por nós,
que a história de vida dos nossos/das e de nossas estudantes pretas/os se repete, à medida
que se encontram sempre em posições de inferioridade diante dos brancos e esses, por
sua vez, se apresentam sempre como os detentores do poder. Poder esse representado em
215
seu fenótipo e hábitos, atitudes e experiências. Portanto, precisamos refletir sobre quais
ensinamentos as crianças brancas estão recebendo para viverem numa sociedade que
carrega raízes de racismo estrutural.
As imagens do negro que o livro analisado nos apresenta revela a violência sofrida
pelas pessoas em nossa sociedade ao longo dos tempos, pois tem relação com todo o
processo que se perdura até os dias atuais. Assim, a criança branca que recebe as infor-
mações de acordo com o que traz o livro didático que lhes é apresentado, vai ser influen-
ciada a também interpretar a história dos negros com inferioridade.
A criança negra, por seu turno, que desde sempre vivenciou a sua história como
um povo oprimido, segue aprendendo que vive do lado da opressão, e precisa se defen-
der. Essa ideologia tem a função de mostrar, através dos livros didáticos, brancos em
posições superiores ao negro, fazendo com que estudantes brancos/as e negros/as, repro-
duzam as posições de opressor e oprimido, respectivamente.
A partir da implementação da Lei 11.645/2008 (BRASIL, 2008), que complementa
a Lei 10.639/2003 (BRASIL, 2003), tornando obrigatório “o estudo da história e cultura
afro- brasileira e indígena”, nos diferentes níveis da educação brasileira, percebemos que
ainda existe certa resistência do sistema educacional, pois as disciplinas ainda parecem
não contemplar esse estudo com envolvimento de assuntos relacionados às temáticas
que traduzam as questões da diversidade nas escolas. Observa-se que já se passaram qua-
se 18 anos desde que foi implementada a referida lei e ainda não temos uma ação efetiva
no ensino brasileiro em relação às ações que objetivam a intenção proposta por essa lei.
Frisa-se que nosso país tem uma população heterogênea e nossa diversidade pre-
cisa ser cada vez mais reconhecida e aceita na igualdade de direitos e deveres entre todos
os brasileiros. Se assim acontecesse, não precisaríamos de implementação de leis para
que nossos direitos fossem garantidos. Carregamos uma riqueza cultural de nossos ante-
passados, saberes diversos de nossos ancestrais que fazem parte de todos nós brasileiros.
Isso dever ser trabalhado em nossas escolas como parte natural do que vivemos, e não
negado durante décadas por aqueles que defenderam e defendem uma cultura europei-
zante, criada por aqueles que se negaram e negam a aceitar os verdadeiros povos consti-
tuintes de nossa nação, pois trazem consigo os interesses de uma elite de colonizadores.
Dessa forma, ainda temos que lutar para que nossos direitos contidos na lei te-
nham a sua legitimidade, e que o sistema educacional atenda às necessidades que garan-
tam a obrigatoriedade de incluir os estudos de história da população afrodescendente de
maneira mais profunda e crítica. Infelizmente, na maioria das vezes, presenciamos um
trabalho a respeito da cultura afro-brasileira nas escolas apenas nos festejos do dia 20 de
novembro, dia da Consciência Negra.
Trazer para as aulas o conteúdo da História e da cultura Afro-Brasileira e Africana
é fazer cumprir o grande objetivo proposta pela nova lei, que é fazer com que possamos
refletir sobre a discriminação racial, valorizar a diversidade étnica, gerar debates, estimular
216
valores e comportamentos de respeito e solidariedade. Para que esses objetivos se cum-
pram é necessário que exista uma educação voltada para diversidade cultural e as relações
étnico- raciais nas escolas (LIMA, 2016, p. 15).
A escola tem seu papel crucial no tipo de educação que oferece. As influên-
cias que esta produz vão marcar a vida do sujeito, de forma positiva ou negativa,
dependendo de como a escola irá tratar as questões étnicos raciais – de forma crítica
e problematizadora ou simplesmente como reprodução da cultura da classe domi-
nante. Sabemos que, durante décadas e gerações, os povos negros viveram com as
imposições de uma elite dominante. O que se aprendia na escola era justamente a
história contada pelo olhar dos subordinadores. Assim, o que era ensinado nos livros
didáticos como verdade única e incontestável serviria para dominação de um povo.
Segundo Cargnin (2014),
As mudanças que queremos, em nossa sociedade, para garantia dos direitos ad-
quiridos precisam começar a partir da escola, a qual necessita de se reinventar. Enten-
dendo que ainda carregamos herança dos modelos duríssimos de escola tradicional, é
preciso buscarmos transformações para uma sociedade livre das heranças do coloniza-
dor que ainda carregamos.
Nessa perspectiva, volto ao papel do professor em suas ações na vida do/a estu-
dante bem como profissional engajado e consciente de suas responsabilidades no sistema
de ensino, na participação e na elaboração do currículo, na escolha do material pedagó-
gico, do livro didático, entre outros. Como mencionado anteriormente, a participação
do professor/a na escolha do livro que será utilizado por nossos estudantes é salutar e
demanda uma análise criteriosa.
Além do mais, não se pode esquecer que a produção do livro didático leva sempre
em conta a imagem que a escola tem de si mesma. E devolvendo à escola tal imagem,
conta - como contou, no caso em discussão - com a adesão apressada de quem come gato
por lebre, gosta e ainda elogia o guisado (LAJOLO,1987, pág.10).
A garantia de mudanças e melhorias na qualidade do livro didático, visto que, esse
ainda é um instrumento bastante utilizado em nossas escolas brasileiras, depende de um
alinhamento na escolha e sugestões de seus conteúdos. O estudo de nosso passado, mar-
cado por sua diversidade e culturas múltiplas, deveria estar sempre em evidência, pois
a real história de gerações jamais pode ser esquecida, e teria que ser sempre vivenciada
através de nossos estudos desde pequenos.
217
Ao contrário disso, deveriam ser considerados na história de nosso país como os
verdadeiros formadores da nossa nação. Mulheres e Homens que foram injustamente
tirados de suas vidas, e deles arrancado toda sua dignidade que até nos tempos atuais
lutam para terem o seu lugar na sociedade. Ao longo dos tempos vivenciamos o racismo
latente em nossa sociedade e, até os dias atuais, percebemos o quanto que mata!
A escola, sendo um lugar responsável por educar, tem o papel também de apresen-
tar a história do povo brasileiro (bem como assegura a Lei 10.639/03, que implementa o
ensino de história, cultura Afro-Brasileira e africana em todas as instituições de ensino
brasileiras), de forma que o/a educando/a a reconheça e a valorize como sua própria his-
tória, pois a cultura negra contribuiu e contribui muito para a cultura do povo brasileiro
em variados aspectos.
Ressalto que, se tivéssemos desde o início uma valorização de nossas raízes,
quem sabe não teríamos a nossa cultura negada. Fomos ensinados e apresentados, ao
logo de décadas, por uma elite europeizante, impondo como deveríamos ser e viver,
e assim copiar o modelo que a elite estabelecia, como um exemplo padrão/correto a
ser seguido.
Notamos que há a necessidade da existência de leis e lutas para que seja cum-
prida e ensinada a nós mesmos como nos comportar, respeitar, educar e até não matar
nossos irmãos por ter uma cor diferente da estabelecida “padrão”, ou quem sabe por
ter religião de matriz africana, entre outros. Se todos obedecessem aos princípios de
respeito ao próximo, não precisaríamos de leis ou algo que nos ensinasse ou “forçasse”
a sermos tolerantes conosco. Entretanto, nos foi ensinado que preto não é pessoa igual
ao branco, tem diferença e como tal precisa ser tratado diferente, servindo aos seus
senhores. Assim, ensinou-se, nos estudos de história, muitas vezes de forma sutil e in-
consciente, através da imagem que trouxe ao longo dos tempos, do negro. Se todos os
nossos antepassados tivessem sido respeitados, vividos como pessoas ditas “normais”,
quem sabe não estaríamos lutando a todo instante por igualdades de direitos, para
sermos reconhecidos como gente.
Nesse contexto, com a obrigatoriedade prevista na Lei nº 11.645/2008, a escola
recebe a tarefa de desconstruir toda e qualquer imagem deturpada que foi e ainda é pro-
pagada a respeito dos povos descendentes de africanos. A educação precisa ser a chave
de libertação de fato, da produção de conhecimento, das melhorias de convivência entre
todos os povos, independentemente de sua situação racial, social, cultural ou de gênero.
Também ampliando aos profissionais da educação, estudantes em sua formação, melho-
res condições, para que esses levem adiante as mudanças possíveis às quais requerem as
nossas instituições de ensino.
Portanto, precisamos mudar essa ideia de que o negro tenha que aparecer nos
livros didáticos, simplesmente como aponta o seguinte exemplo: “Olha, ele é um negro!
Mas foi um herói!”.
218
Considerações finais
219
Assim, deixo aqui abertura para novos desdobramentos de pesquisas futuras com
a continuidade de ideias e ações contínuas sobre a relevante questão de melhorias na
qualidade do livro didático para que esse contemple em seus conteúdos o estudo da cul-
tura afro- brasileira e indígena de acordo determina a Lei de Inclusão 11645/08, para que
possamos realmente alcançamos uma inclusão das diferenças.
REFERÊNCIAS
Didático e CEAO - Centro de Estudos Afro - Orientais, 1995, p 34; 47; 135. BATISTA,
A. A. G. Um objeto variável e instável: textos, impressos e livros didáticos. In: ABREU,
M. (Org.). Leitura, história e história da leitura. Campinas: Mercado de Letras, 2002.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Educação é a Base. Brasília,
MEC/CONSED/UNDIME, 2017.
BRASIL, Lei n° 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Art. 26. Brasília, 2003. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639. Acessado em: 21 de fev. de
2021.
. Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das relações
étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Brasí-
lia: Secad/Seppir, 2009.
FREITAG, Bárbara et al O livro didático em questão. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1997
220
GONZALEZ, Lélia. A democracia Racial: Uma Militância. Entrevista à Revista Socie-
dade de Estudos e Atividades.
221
O CINEMA NA SALA DE AULA:
Uma estratégia de leitura da literatura
INTRODUÇÃO
222
Nesse sentido, esse estudo justifica-se pela necessidade de implementação de
novas estratégias para o ensino da Língua Portuguesa e Literatura, uma vez que, sendo
uma das mais importantes ferramentas de convívio, comunicação e, consequentemente,
inserção social, o processo de leitura, sobretudo a leitura de obras literárias que trazem
consigo grande panorama social e histórico do país, precisa ser constantemente revisto,
a fim de garantir ao educando, múltiplas possibilidades de ver e se posicionar dentro e
fora do âmbito escolar, haja vista que, os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) já preveem que “A escola tem importante papel a cumprir na sociedade, ensi-
nando os alunos a se relacionarem de maneira seletiva e crítica com o universo de in-
formações a que têm acesso no seu cotidiano” (BRASIL, 1998, p. 139). Do mesmo modo,
mais atualmente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (2017) traz também uma
espécie de humanização do espaço escolar; ao menos é o que se teoriza e
[...] as mudanças fazem ver a escola de hoje como um universo onde con-
vivem letramentos múltiplos e muito diferenciados, cotidianos e institucio-
nais, valorizados e não valorizados, locais, globais e universais, vernacula-
res autônomos, sempre em contato e em conflito, sendo alguns rejeitados
ou ignorados e apagados e outros constantemente enfatizados (ROJO,
2001, p. 106).
Tendo em vista essa crescente ascensão das novas tecnologias em todo o mundo,
a necessidade de utilizar-se dela como suporte à uma melhora no sistema educacional
como um todo se faz cada vez mais imprescindível, uma vez que, como afirma Moran
(2007) em “Desafios na Comunicação Pessoal”
223
A televisão, o cinema e o vídeo, CD ou DVD - os meios de comunicação au-
diovisuais - desempenham, indiretamente, um papel educacional relevan-
te. Passam-nos continuamente informações, interpretadas; mostram-nos
modelos de comportamento, ensinam-nos linguagens coloquiais e mul-
timídia e privilegiam alguns valores em detrimento de outros (MORAN,
2007, p. 162).
224
escolares organizadas de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou
escrito” (DOLZ, NOVERAZ e SCHNEYWLY, 2004, p. 97).
Segundo Pedro Demo, a pesquisa qualitativa busca atuação em níveis de realida-
de, na qual os dados trazem à tona indicadores e tendências observáveis (DEMO, 1999).
Por isso, o caminho percorrido para desenvolver este trabalho baseou-se em dados bi-
bliográficos para estruturação da teoria; uma vez que geralmente eles armazenam grande
quantidade de informação.
Assim, este trabalho também se propõe a desenvolver uma Sequência Didática,
pois pretende lançar mão de uma organização de atividades com as quais seja possível
tornar as aulas de literatura nacional mais atrativas para o aluno, incentivando o hábito
da leitura e o desenvolvimento do senso crítico.
Tudo isso implicará na leitura e releitura críticas sobre o corpus da pesquisa, de
modo a analisá-lo, tendo em vista o método dedutivo, partindo do geral para o particu-
lar, (DEMO, 1999); escolha do tema, seleção do suporte teórico e leitura de autores, pes-
quisadores e críticos, assim como anotações e fichamentos, redação; digitação; revisão;
exposição oral e entrega do artigo, que visa construir uma Sequência Didática: Leitura e
interpretação em A TERCEIRA MARGEM DO RIO, conto de João Guimarães Rosa, es-
crito em 1962, com características coincidentes com a terceira fase do Modernismo e tra-
duzido intersemioticamente para o filme homônimo, 1994, dirigido por Nelson Pereira
dos Santos, em cores e com duração de 98 minutos, como possível prática metodológica
da teoria a ser analisada.
Sendo assim, o intuito dessa pesquisa em investigar sobre a eficiência da utilização
da mídia cinematográfica em sala de aula enquanto estratégia incentivadora no processo
de leitura de Literatura para alunos do 7º ano do ensino fundamental será fundamentada
nos teóricos, Eni Pulcinelli Orlandi, Marcos Napolitano, Jesús Martin Barbero, Irandé
Antunes, Magda Soares, Marisa Lajolo, René Wellek, Austin Warren e Izabel Solé, entre
outros que abordam a questão da leitura, da literatura, bem como a utilização do cinema
na sala de aula.
É sabido que a educação tem desempenhado cada vez mais importante papelna
vida das pessoas, uma vez que por ela perpassam questões dos mais variados aspectos
da vida humana. Diante disso, o espaço escolar tem sido cada vez mais responsável pela
formação de indivíduos que se pretendam capazes de apreender e depreender sobre os
diversos assuntos e sua relevância na realidade em que estão inseridos.
Desse modo, é necessário que se exerça uma educação pautada na atualização e
capacitação, tanto dos alunos quanto dos professores, a fim de garantir a eficiência e
eficácia do ensino ofertado, de modo a não apenas inserir, mas acompanhar todo o
225
processo de ensino-aprendizagem de acordo as necessidades e mutabilidades que sur-
gem. Os Parâmetros Curriculares Nacionais(PCN’s) alertam para isso:
226
E esse tem sido um dos maiores desafios em se tratando de leitura de literatura
impressa, é sabido que principalmente no 2º ciclo do ensino fundamenta l (5º ao 9º
ano) e até mesmo no ensino médio há muita heterogeneidade nas salas de aulas, e que
essas salas são compostas por alunos vindos de realidades muito distintas. Além disso,
pelos mais diversos motivos, esses alunos não têm conseguido fazer sequer a decodifi-
cação das palavras sem maiores limitações. Apesar de ser do conhecimento dos agentes
da prática pedagógica que a leitura perpassa a simples decodificação do signo linguístico,
é sempre bom lembrar que está para além disso, mas é preciso que haja análise e compre-
ensão para que as habilidades sejam plenamente desenvolvidas.
De acordo com Isabel Solé (1988), as estratégias de leitura são os instrumentos ne-
cessários ao desenvolvimento da leitura proficiente, já que ao utilizá-los é possível uma
melhor compreensão e interpretação com maior autonomia dos textos lidos, e ainda
pretende despertar o professor para a importância em desenvolver um trabalho efetivo
no sentido da formação do leitor autônomo, crítico e reflexivo.
Nesse sentido, como Freire (1989), entende-se que a leitura de mundo se antepõe
a leitura da palavra e, para isso, é importante que se aprenda a perceber a ler um texto
antes mesmo de seu contato textual, é o ver nas entrelinhas, além do que está posto, o
subtendido, é perceber os intertextos. Tudo isso são estratégias de leitura que constroem
os significados da leitura (FREIRE, 1989, p. 11).
Leitura, literatura e cinema são temas aparentemente comuns, mas quando anali-
sados sob a ótica de uma combinação educativa, cabe a reflexão e a análise de como, nos
dias atuais, cada vez mais audiovisuais, essa junção pode sair da zona comum a que tem
sido submetida e utilizada, para um potencializador no processode ensino-aprendiza-
gem, que esteja pautado na atualização constante e no dinamismo a que o ensino tem
exigido, principalmente nas questões da Língua. Segundo Ribeiro (2002):
227
apesar das causas, é dever da escola e de seus agentes, bem como da família, o compro-
misso com a formação integral e eficaz de cada aluno, embora se saiba que cada vez
mais esse papel formativo tem recaído apenas sobre a escola, o que por si só já é uma das
causas da má formação leitora dos alunos no contexto e realidades vividas.
Logo, conhecendo toda essa realidade, desde os problemas dos alunos com a
leitura literária até as consequências que isso trará em toda sua trajetória acadêmica e
social, o professor de Língua Portuguesa não pode olvidar ao uso de novas metodologias
que possam abranger o novo mundo desse alunado, dispondo- se das novas práticas de
conhecimento, principalmente considerando a base tecnológica em que é formada essa
nova geração. Segundo Quental e Dias (2005),
228
[...] reações individuais de um leitor ou de um espectador [que] se con-
tentem com descrever alguma semelhança emocional nas nossas reações
às duas artes nunca se poderão prestar a uma verificação e, portanto, a um
avanço construtivo dos nossos conhecimentos (WELLEK, WARREN. s/d).
229
Na atualidade, com conceito de obra literária sendo mais vasto, isto é, de variados
textos literários, o efeito causado ao leitor sobre a literatura é que suas funções estão
mais ampliadas, como Zilberman (2008) expõe: a literatura “acionasua fantasia, co-
locando frente a frente dois imaginários e dois tipos de vivência interior, mas suscita um
posicionamento intelectual” (ZILBERMAN, 2008, p.23).
Nesse sentido, a leitura de uma obra literária tem se constituído cada vezmais
em um processo de harmonia entre o adentrar o espaço individual e distinto desse leitor,
sem, contudo, deixar de lado a subjetividade histórica que esse texto traz.
Sabendo que o momento já traz uma nova possibilidade de leitura ou releitura,
de utilização das imagens em movimento e que hoje em dia qualquer pessoa pudesse
tornar um criador de conteúdo audiovisual, por que a educação não se apropria dis-
so enquanto ferramenta que possibilite ampliação da capacidade leitora? A partir desse
questionamento, há outro que se faz pertinente e complementar à primeira, seria o uso
da mídia cinematográfica em sala de aula mesmo capaz de proporcionar maior interesse
à leitura da literatura impressa? Morin (1997) identifica que o processo psicológico que
o ser humano projeta e identifica está também presente na relação que se tem com as
imagens cinematográficas, isto é, o processo de cognição está relacionado à abstração
da realidade e sua representação imagética em pensamento.
Portanto, neste estudo da educação e da literatura associada ao cinema, o aluno en-
quanto leitor da literatura impressa tem sobre o papel as possibilidades de apreensão naquele
momento, no entanto também é possível a esse aluno outra forma de leitura, aquela que se
pode fazer sob a ótica da arte das telinhas ou telonas, com a inserção de fatores que não estão
presentes na obra escrita, isto é, a imagem, os sons, as cores que se encorpam e ganham for-
ma, mas que podem se formar subjetivamente com o proceder da leitura do escrito.
Esse aluno leitor que passa a gostar da obra cinematográfica se torna também ex-
pectador e assim faz parte de um processo ressignificado de leitura. Não que deixe de lado
a leitura da literatura escrita, mas adiciona a ela as sensações vistas, ouvidas do que foi
apreendido pela obra cinematográfica. Desse modo, passa a estabelecer relação entre as
obras de arte literária e a obra cinematográfica e a deter maior percepção imagética e sono-
ra, dando mais significado a junção entre as percepções das duas modalidades de leituras.
Sobre isso, Plaza (2003) pontua a tradução intersemiótica como intercurso dos sentidos e
considera “relevantes às relações entre os sentidos, meios e códigos” (PLAZA, 2003, p.45).
Ainda sobre essa relação que há no processo de adaptação, Diniz (1998) pontua
230
Pode-se entender na leitura que se faz da história uma perspectiva que avança
para além do presente. E “é pela leitura que damos sentido e reanimamos o passado”
(PLAZA, 2003, p. 2). Assim tem-se na leitura uma forma de tradução do passado, uma
vez que na literatura não existe conceitos que se perdem, mas a possibilidade de uma
releitura, uma incorporação ao que agora se faz presente no cenário literário. De sorte
que, “é a visão da história como linguagem e a visão da linguagem como história que nos
ajudam a compreender melhor estas relações” (PLAZA, 2003, p. 2).
E apesar de se saber que a literatura tem a ver com a palavra escrita, eruditae a
arte de escrever, e como se vê em Todorov, “[...] é uma linguagem não instrumental e
o seu valor reside nela própria” (TODOROV, 2010), vale ressaltar que ela é também
uma linguagem verbal, e há de se pensar que o ensino da língua não pode se dar fora
desse lugar de comunicação. Como afirma Centeno (1986), “o texto literário resulta de
uma vontade de comunicação” (CENTENO, 1986, p.34). Assim sendo, o processo
de leitura por si mesma não pode ser despretensiosa e desatenta, é necessária uma
competência leitora que agregue além do que se vê escrito a capacidade de interpretar
e ativar os subsunsores (AUSUBEL, [1963], 2003)existentes sobre o conteúdo exposto.
E essa tem sido há tempos uma das maiores problemáticas à compreensão leitora dos
alunos, conforme mostram Colomer e Camps (2011).
231
A priori, é preciso que haja uma breve conceituação, a fim de verificar a origem e
semânticas empregadas para tal nomenclatura. Assim, ‘Mídia’ é o plural de medium, que
no singular quer dizer: meio, veículo, canal. De acordo com Melo e Tosta (2008), há uma
relação entre os brasileiros e a mídia que vai além do significado literal da palavra; isso
porque teria relação direta com a indústria de bens simbólicos.
A história das mídias começa por volta de 1808, com a invenção da imprensa, mas
só em 1896, surgem as primeiras imagens do cinema. Aqui no Brasil só em 1898, no
Rio de Janeiro. Depois disso, o desenvolvimento midiático no país se deu com mais cele-
ridade e, por volta de 1919 a 1922, com a introdução do rádio, cerca de 30 anos depois a
televisão e só em 1985 a cibercomunicação alcança a era dos computadores.
As mídias cinematográficas aparecem no contexto do avanço entre cinema e
tecnologia, e são posteriormente inseridas nas aulas a fim de auxiliarem as práticas
pedagógicas.
[...] reafirmamos que se faz necessário, nos tempos atuais, pensar a Educação
com uma perspectiva comunicativa. Mais do que isso, pensá-la como uma
instancia de produção de conhecimento que saiba lidar com os processos co-
municacionais, incluindo todo o aparato midiático disponível na sociedade.
A análise de diferentes formas e conteúdos midiáticos poderá fornecer ele-
mentos significativos para o gestor, para o professor e para o aluno em sala de
aula e nos múltiplos espaços de que a escola dispõe, na medida em que esse
professor mediador estiver inteirado dos processos de produção cultural que
se apresentam na mídia (MELO E TOSTA, 2008, p. 60 e 61).
232
[...] o sistema literário como tal teve que posicionar seu espaço e sua função
social em relação aos novos sistemas culturais e artísticos. Não é portanto
estranho que o ensino de literatura ficasse profundamente afetado pelo fato
de que as ideias sociais a respeito de sua função e aos hábitos de consumo
cultural – incluídas as dos próprios alunos – se tornassem diferentes da-
quelas assumidas pelas gerações anteriores (COLOMER, 2007, p.22).
Por isso também, a linguagem cinematográfica tem se mostrado uma boa maneira
de trabalhar esse processo de compartilhar sentimentos, afetos, emoções, uma vez que
pelo uso do cinema se pode acionar mais facilmente o cognitivo dos alunos/expectado-
res. Para além disso, o audiovisual tem a capacidade de representar o imaginário, fazen-
do essa transposição do que seria físico nas narrativas para a materialização imagética
da coisa. O que acaba por aproximar mais ainda dos alunos/telespectadores a então
realidade histórica abordada na Literatura Brasileira. E, por conseguinte, oportuniza
maior interesse e melhor apreensão do conteúdo proposto.
Em suma, tanto a obra literária quanto a produção cinematográfica estão em
constante atualização da garantia de ocupar seu lugar na prática do ensino docente e da
aprendizagem discente.
233
intensas do narrador, bem como pela maturidade expressa no decorrer de um longo pe-
ríodo que é toda a vida do narrador.
Quanto aos personagens, há o filho, que é narrador-personagem, e o pai, descrito
como um homem que “virara cabeludo, barbudo, de unhas grandes, magro, preto de
sol e coberto de pelos, com aspecto de bicho, quase nu, mesmo dispondo das peças de
roupa que a gente, de tempos em tempos, fornecia”, a mãe, o irmão, a irmã, o tio (irmão
da mãe), os dois soldados, o mestre, os jornalistas e o Padre. Percebe-se no pai, uma
forte disposição a um afastamento, a quietude, de modo que a mãe se faz responsável
por conduzir a família. Um dos paradoxos do filho (narrador), se dá ao fato de quando
criança, não ter sido aceito para acompanhar o pai em sua jornada. Quando mais velho,
o filho novamente teve a oportunidade de estar naquele lugar, mas agora a insegurança e
o estranhamento ao “desconhecido” o fazem recuar.
Em relação á estilística empregada por Guimarães Rosa, percebem-se marcas da ora-
lidade, não à toa, mas fundamentadas nos recursos empregados nas frases curtas, bastante
coordenadas, que dão o ritmo lento e proporcionam uma leitura pausada. Veja-se: “Ele me
escutou. Ficou em pé. Manejou remo n‘água, proava para cá concordando” (ROSA, 1999,
p.61). Note-se que há uma sintaxe refeita, de maneira um tanto quanto diferente, o que pode
causar certo estranhamento a priori, como se vê em: “nosso pai se desaparecia para a outra
banda, aproava a canoa no brejão, de léguas, que há, por entre juncos e mato, e só ele conhe-
cesse, a palmos, a escuridão, daquele” (ROSA, 1999, p.61). Outra marca do estilo rosiano no
conto é a repetição, “e o rio-rio-rio, o rio sempre fazendo perpétuo” (ROSA, 1999, p.61).
O regionalismo é marca presente nos dizeres das personagens que se expressam
também por meio dos neologismos “a la” Guimarães Rosa. E como que para corroborar
a vertente poética da prosa, as figuras de linguagem são bastante empregadas. A exemplo
da antítese, “perto e longe de sua família dele” (ROSA, 1999, p.72, da metaforização do
próprio rio e da gradação: “Cê vai, ocê fique, você nunca volte!” (ROSA, 1999, p.72).
Na supracitada fala da mãe em que aparece a gradação, cabe duas interpretações:
a primeira é a do distanciamento físico com o afastamento da figura paterna; e a segunda
se refere ao sentido adquirido de indignação da mãe.
O incomum da obra de Guimarães Rosa se apresenta ao leitor já no título,com a
inquietante questão do que poderia ser a terceira margem do rio. E assim, percebe-se a
abstração que a expressão traz, um inconsciente, intocável, invisível, mas atrativo.
É nítido que todos esses aspctos da obra de Guimarães Rosa pode trazer certo con-
flito, mas uma vez que superados as barreiras iniciais, abrem as percepções, bem como
o encantamento por esse mundo novo e diferente, expresso na terceira margem. Logo,
a abordagem presente no conto é uma maneira de enxergar o mundo fora das margens.
Em relação ao fato de o pai não ter voltado da sua atitude “louca”, o narrador afirma
que ele “não tinha ido a nenhuma parte” (ROSA, 1999, p.73). Ele poderia estar buscando
em seu âmago um autoconhecimento, sendo necessário, para isso, o isolamento, como for-
234
ma de tentar entender qual o enigma da vida e os segredos que a alma carrega. Toda essa
história, traz à tona essa temática de mistério e de um aparente medo do desconhecido. E o
rio, claramente sempre foi o elo metafórico utilizado como simbologia da sua mente.
[…] amo os grandes rios, pois são profundos como a alma do homem. Na
superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranquilos
e escuros como os sofrimentos dos homens. Amo ainda mais uma coisa
de nossos grandes rios: a eternidade. Sim, rio é uma palavra mágica para
conjugar a eternidade” (ROSA, 1999, p.74).
No que tange ao filme, “A Terceira Margem do Rio” (1994), com direção e produ-
ção de Nelson Pereira dos Santos, conta com grande quantidade de imagens nuviosas,
passando a ideia do vazio do “pai”. Essa narrativa conta a história de um homem que é
considerado louco, por optar pela solitude do rio em contraponto a convivência com sua
família e com sua comunidade.
A abertura do filme traz o rio e suas margens bem definidas e enquadradas pela
câmera, diferentemente do que diz o conto com “largo, de não se poder ver a forma da
outra beira”. Mostra-se, também, um jogo de cores entre o alaranjado e o avermelhado
de um entardecer refletidos no rio, mas logo amanhece.
235
(Cena do filme “A outra margem do rio”, 1994, de Nelson Pereira dos Santos)
A priori, a família fica inconformada com a atitude repentina do pai. No filme isso
é representado pela busca da religiosidade para trazer o pai de volta, com o padre rezan-
do uma missa a beira do rio.
(Cena do filme “A outra margem do rio”, 1994, de Nelson Pereira dos Santos)
236
O passar do tempo, e ele passa de repente, em uma cena que revela a transição da
idade do filho (narrador). Mostra também como todos, à sua maneira, se acostumaram
com tal atitude do pai.
(Cenas do filme “A outra margem do rio”, 1994, de Nelson Pereira dos Santos)
E a vida segue, de modo que todos se mudam da fazenda onde residiam; a mãe
vai embora com a filha que casou-se, e o irmão vai para outra cidade. Apenas Liojorge
permanece ali. Talvez, por não conseguir avançar, por se sentir preso aos misteriosos
motivos do pai, acaba por ter uma vida ancorada também na enigmática terceira mar-
gem do rio.
Como no conto, no filme, Liojorge (o filho-narrador do conto), que na narrativa
cinematográfica está de volta ao sertão, e à margem do rio, chama pelo pai para ocupar
o seu lugar na canoa. Então, a primeira sequência do filme, transcodificadado conto,
é retomada para sua conclusão, ou seja, a narrativa desse conto foi transformada nas
margens, ou na moldura, do texto fílmico. Porém, não há como pensar na sequência da
enigmática ação do pai sem relacioná-la com o que há entre suas margens, toda a expe-
riência da família (no sertão e na cidade), da qual Liojorge é o fio condutor.
Percebe-se que a atitude do filho é reflexo da ação do pai, de modo que
Liojorge também busca uma terceira margem, a concretização de um projeto utópico.
Mas, finalmente, como no conto, o filho desiste do projeto do pai. Liojorge foge da
canoa que, se por um lado aproximou o pai dos valores transcendentes que ele
talvez buscasse, por outro, alienou-o quase por completo da realidade da primeira
margem, da vida em sociedade.
O conto traz à tona o transcender, visto que, as margens são o reflexo disso, aliado
a imagem do rio em sua movimentação e fluidez, temática recorrente emRosa. Já
no filme, é o enigma do que seria a terceira margem que sustenta a estrutura narrativa.
A narrativa cinematográfica apresentada traz como ponto central a representação das
imagens da cidade de Brasília, isto é, a proposta de um projeto de desenvolvimento, que
seria modelo para o restante do país na época.
237
Nesse sentido, parece que o diretor de “A terceira margem do rio”, se propõe
a uma investigação das consequências do processo de urbanização decorrente daquele
projeto para um grupo social específico, o povo sertanejo que passa pelo êxodo rural e,
mesmo assim, continua sendo estigmatizado e deixados à margem. Tudo isso, leva ao en-
tendimento dos aspectos sociológicos da obra de NelsonPereira dos Santos em contraste
com a obra rosiana.
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
238
OBJETIVO GERAL: Utilizar o cinema como estratégia de leitura das linguagens literá-
ria e cinematográfica.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
• Incentivar a leitura de obras literárias por meio da relação entre literatura e
cinema na sala de aula.
• Analisar (leitura e interpretação) a adaptação literária do conto “A terceira
margem do rio” de João Guimarães Rosa, para o cinema, como filme homô-
nimo, dirigido por Nelson Pereira dos Santos.
CONTEÚDOS:
• Gênero textual: Conto - A outra margem do rio, de Guimaraes Rosa;
• Gênero textual: Cinema - A outra margem do rio de Nelson Pereira dos Santos;
• Leitura e interpretação das narrativas literária e cinematográfica.
METODOLOGIA:
• Exposição da proposta do plano de aula, indagando os alunos a respeito dos
seus conhecimentos prévios sobre a temática proposta;
• Leitura e discussão do conto: “A terceira margem do rio”, seus contextos e suas
especificidades;
• Exibição e do filme “A terceira margem do rio”;
• Análise crítica do filme “A terceira margem do rio”, sua conjuntura contextual
e cinematográfica;
• Análise das semelhanças e diferenças entre as duas narrativas;
• Debate por parte dos grupos acerca da compreensão de elementos estéticos
básicos de cada gênero textual, a saber, enredo, personagens, narrador, tempo,
espaço, cenário;
• Reconstituição de outro possível desfecho para ambas as narrativas por meio
da escrita e, posteriormente, da teatralização humana ou por meio de fanto-
ches;
• utilização de um questionário para os alunos avaliarem a atividade e a própria
aprendizagem.
RECURSOS UTILIZADOS:
• Papel A4
• Cópia do conto “A terceira margem do Rio”, de Guimaraes Rosa
• Data show
• Filme “A terceira margem do Rio” de Nelson Pereira dos Santos
239
AVALIAÇÃO:
A avaliação se dará de forma processual, de forma individual e coletiva.
Atenção, professor(a)!
IDENTIFICAÇÃO DO ALUNO
Nome __________________________________________________________
240
( ) no tablet ( ) no smartphone
( ) outro, especifique:
( ) romance ( ) ação/aventura
( ) animações ( ) comédia ( ) drama ( ) terror ( ) drama
( ) outro, especifique:
Atenção, professor(a)!
Aqui você irá introduzir o assunto, de modo a integrar as ideias já passadas pelos
alunos e embasá-los literariamente quanto ao gênero textual e posterior apreciação do
conto “A terceira margem do rio”. Lembrando que, nesse artigo, há mais explanação a
respeito do conto supracitado e sua contextualização.
O conto é um gênero textual literário que possui narrativa curta e tem sua origem
da necessidade humana de contar e ouvir histórias. Passa por narrativas orais de po-
vos antigos, trilhando pelos gregos e romanos, pelas lendas orientais, parábolas bíblicas,
novelas medievais, até chegar a nós como é conhecido hoje.
A estrutura do conto é formada por situação inicial, desenvolvimento e situação
final. Essa divisão é parte importante para composição do enredo. Dessa forma, na cons-
trução do conto, ocorrem os elementos da narrativa, que são: foco narrativo, verosimi-
241
lhança, tempo e espaço. Pela necessidade de contextualização, o conto sofre diversas
transformações ao longo da história, originando alguns tipos, como: conto infantil
juvenil, conto de ficção científica, conto de fadas e o conto fantástico.
“A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa é um conto com uma riqueza de vo-
zes, marcada pela imagem do próprio rio que ele descreve. Nesse enredo o leitor é levado
para essa terceira margem, já que, o discurso narrativo remete-se apenas a duas margens li-
terais. A busca pela resposta de onde estaria a terceira margem, pergunta implícita no con-
to, pode ser interpretada pelos leitores em tempos e espaços diferentes. E o ilho, narrador
também, permanece prisioneiro de suas próprias indagações, transportando-se para a ter-
ceira margem, incapaz de reconhecê-la. Esse conto surge em uma cultura pós-moderna e é
marcado por um movimento emergente das margens. Esse contexto torna a narrativa de “A
terceira margem do rio”, de Primeiras Estórias, publicado em 1962, ainda mais intrigante.
Atenção, professor(a)!
Nessa parte, haverá a apreciação do filme “A terceira margem do rio”, logo após,
assim como sobre o conto, você irá introduzir o assunto, sob a perspectiva audiovisual,
com base nas concepções dos alunos, de maneira a contextualizá-los quanto à adaptação
cinematográfica. Note que, nesse artigo, há mais explanação a respeito do filme supraci-
tado e sua contextualização histórica.
Sinopse:
O filme brasileiro “A Terceira Margem do Rio”, (1994), do gênero drama, foi dirigido
por Nelson Pereira dos Santos com roteiro baseado no conto homônimo do livro “Pri-
meiras Estórias” (1962) de João Guimarães Rosa. Usm homem deixa sua família e amigos
para viver isolado em uma canoa no meio de um rio, na região central do Brasil, e jamais
volta a pisar em terra firme. Seu único contato com as pessoas acontece por meio de seu
filho Liojorge, que lhe deixa comida na margem do rio. Os anos se passam e a filha Rosário
se casa com um rapaz da região e vai morar na cidade. O filho também casa, mas decide
permanecer com a mãe e continuar levando diariamente o alimento para o pai, sem que
ao menos pudesse vê-lo. Quando Nhinhinha nasce, a filha de Liojorge, que tem poderes
mágicos, resolve levá-la até a beira do rio para apresentá-la ao pai.
242
4. Guia para análise das semelhanças e diferenças entre as duas narrativas (Li-
teratura e cinema);
Peça para que o aluno escreva como cada personagem foi retratada no conto e
no filme. Observar as diferenças e semelhanças entre o conto e a adaptação em relação
ao enredo, espaço, tempo, bem como o formato de cada um, (não esquecer de chamar
a atenção do aluno para observar a fotografia, a iluminação, a trilha sonora, os enqua-
dramentos, as cores, os figurinos, a edição, isto é, os elementos que são próprios da
linguagem cinematográfica e que não são encontrados no conto).
5. Questionário de aprendizagem:
Relembre aos alunos que os contos vem da tradição oral e como a cultura interfere
no reconto dessas histórias populares. Dessa forma, cada povo e geração contam-nos,
à sua maneira, às vezes corrigindo ou acrescentando alguma coisa no enredo. Daí o pro-
vérbio: quem conta um conto aumenta um ponto...
243
Atividade:
Peça aos alunos que recriem um novo final para o conto e o filme, com base no
momento vivido pela sua geração e sua cultura.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
244
o entendimento de como é possível a utilização dessa estratégia, em que se baseia e
com qual finalidade ela se aplica.
Considerando todos os recursos de linguagem, a cultura da época, a diversi-
dade presente e as construções literárias em si, vê-se que essa aplicabilidade se dá em
movimento à interdisciplinaridade. Trabalhar as obras cinematográficas nas aulas de
literatura está em um lugar de encanto, de deslumbre, de emoção e, para além de tudo
isso, de ensino. Contudo, o uso da mídia cinema como auxílio, requer ainda mais or-
ganização do professor no planejamento, para que essa estratégia não recaia sobre um
lugar comum e simplório da transmissão de conhecimento, mas possibilite o aumento
da interlocução do aluno-sujeito que, a partir de sua própria realidade, faz sua leitura
de mundo, abre os canais de comunicação e ampliam as possibilidades de escrita, de
reflexão e criticidade.
Sobre o porquê, partimos de pressupostos da dificuldade da leitura da obra im-
pressa. Assim, se a forma tradicional de produção de leitura e escrita enfrenta dificul-
dades, deve-se sempre refocalizar e ressignificar, e se a cinematografia pode instigar a
busca pela leitura da obra impressa, a pergunta deveria ser, por que não? Soma-se a isso,
o fato de que essa inserção proporciona a análise de diferentes aspectos de obras de arte
distintas, a entender que o que ocorre é uma tradução intersemiótica e não apenas a ro-
teirização de um outro gênero textual.
Sem contar o fato de, nos dias atuais, não se poder mais negar a inclusão das mí-
dias tecnológicas no ensino, e de o cinema ser um dos muitos modos de expressão da
cultura. Logo, cinema e educação mantêm relações suficientemente enfáticas no contex-
to da escolarização e da educação.
Apesar de tudo que foi explanado, é necessário que se trace um paralelo a essa
situação, levando em consideração o fato de que há aspectos educacionais formais entre
cinema e conhecimento que podem e devem ser explorados, para que não caia no lugar
comum de uma simples utilização como estímulo audiovisual ou como artifício para
preenchimento do tempo vazio das aulas.
É necessário falar que sim, é possível agregar ao meio educacional por meio da
mídia cinematográfica, sobretudo, no que diz respeito à didática, às atividadesque ins-
tigam a reflexão e que podem atuar no imaginário. É preciso que tudo isso parta de uma
análise pautada nas culturas, e que ensejem discussões de pensamentos históricos,
literários, ideológicos, mercadológicos e políticos, entre outros, com vistas a proporcio-
nar visões completas dessa mídia na educação.
É importante ressaltar sempre que a utilização do cinema nas aulas de forma que
não se pretenda inovadora e eficaz no processo de ensino-aprendizagem, nãose confi-
gura uma estratégia de ensino de literatura brasileira nem de estímulo à leitura. Sob este
aspecto, o cinema, mais do que uma ferramenta educativa, constitui-se em alternativa
para principiar novas formas de ver o mundo e o situar-se nele.
245
Enfim, com qual finalidade? De acordo com tudo o que foi analisado e estudado
aqui, acredita-se que as mídias cinematográficas incentivam a leitura de obra literárias
impressas. Entende-se que incentivar não é substituir, mas quando bem planejadas e
organizadas dentro de uma proposta que envolva didáticas inovadoras, servem como
importantes estratégias de ensino-aprendizagem.
Sabendo que o ensino deixou de ser baseado em teorias de simples memorização
de conteúdo, tem sido cada vez mais necessária uma educação que oriente para a capa-
cidade de leitura e compreensão do que foi lido e visto. Nesse sentido, o uso de obras
cinematográficas só tem a agregar a maneira de ensinar a leitura, sobretudo, no âmbito
da literatura e do próprio cinema, linguagens tão presentes no cotidiano das pessoas.
Salienta-se, ainda, que os estudos aqui iniciados não pretendem fechar as variadas
hipóteses, antes evidenciam pontos importantes, no que concerne à temática, e espera
abrir espaço para pesquisas futuras.
REFERÊNCIAS
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https://www.youtube.com/watch?v=aye0VPN9B1Y. Acesso em 25 jun. 2020.
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XXI, 1982.
248
METODOLOGIAS ATIVAS
COMO INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO
DA INCLUSÃO ESCOLAR
DE CRIANÇAS E ADOLESCENTE COM TEA
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como foco refletir as metodologias ativas como instru-
mento que possibilite a inclusão de crianças e adolescentes com o Transtorno do
Espectro Autista (TEA). O TEA envolve um conjunto de transtornos neurodesen-
volvimentais de causas orgânicas, caracterizado por dificuldades de interação e
comunicação que podem vir associadas a alterações sensoriais, comportamentos
estereotipados e/ou interesses restritos. Sua manifestação é muito diversa e seus
sinais, embora comumente presentes na infância, podem surgir somente quando
as demandas sociais extrapolarem os limites de suas capacidades (AMERICAN
PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
Segundo dados do Center of Deseases ControlandPrevention (CDC) – órgão li-
gado ao governo dos Estados Unidos – , existem, hoje, um caso de autismo a cada 110
pessoas. Estima-se que o Brasil, com 200 milhões de habitantes, aproximadamente 2
milhões de autistas. Contudo, apesar de numerosos, muitas crianças e adolescentes com
TEA encontram dificuldades para receber diagnóstico e tratamento adequados a sua
realidade.
Esses dados se expressam em desafios para o processo de inclusão de indivíduos
com TEA nos diversos espaços sociais e institucionais. A escola é um desses espaços,
enquanto instituição social reproduz os mesmos conflitos vivenciados na vida em socie-
dade e, por essa mesma razão, se mostra o espaço ideal para minimizar esses conflitos.
Nesse sentido, é necessário compreender que a inclusão é muito mais que o
inserir, vai além do fato de matricular na escola; esse entendimento é respaldado
por Leis. De acordo com a Lei brasileira de inclusão de pessoas com deficiência
249
(Lei 13.146/2015), é papel da escola, e também da sociedade, contribuir para a su-
peração de barreiras de comunicações, ou seja, qualquer entrave, obstáculo, atitude
ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de
mensagens, bem como comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participa-
ção social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades
com as demais pessoas. Se tratando especificamente de autistas, a política nacio-
nal de proteção dos direitos de pessoas com transtorno do espectro autista (Lei nº
12.764/12) afirma que não é o indivíduo autista que deve adaptar-se ao ambiente,
porém o ambiente que deve ser adaptado à educação inclusiva.
O interesse por esta temática surgiu, a partir de minha experiência enquanto vice-
diretora e diretora em instituições públicas de ensino no município de Jequié. Nesse
período refleti sobre as inquietações dos professores em relação as suas práticas pedagó-
gicas para com o processo de inclusão dos/as/es alunos/as/es com TEA e o processo de
aprendizagem dos mesmos.
O uso de uma metodologia que seja eficaz para o desenvolvimento de uma criança
ou adolescente durante o processo educacional é, sem dúvida, uma das maiores preo-
cupações dos professores, principalmente quando se precisa adaptar certas práticas e
métodos para atender todos/as/es os/as/es alunos/as/es em sala de aula. A partir desse
entendimento, se faz viável pensar o uso de metodologias ativas como um caminho para
romper com as barreiras e as dificuldades que os/as professores/as encontram quando se
trata de adequar uma metodologia às necessidades de crianças com TEA.
Baseadas nessas reflexões é que surge a temática desta pesquisa; como o uso de
metodologias ativas pode contribuir para o processo de inclusão escolar de crianças e
adolescentes com TEA?
Metodologias ativas são formas de desenvolver o processo de aprender, utilizando
situações reais ou simuladas, visando solucionar os desafios advindos essencialmente da
prática social, em seus diferentes contextos (BERBEL, 2016). O objetivo desse método é
que os/as/es alunos/as/es aprendam de forma autônoma e participativa, a partir de pro-
blemas e situações reais. A proposta é que o estudante esteja no centro do processo de
aprendizagem, sendo protagonista da construção de conhecimento.
Diante do exposto acima, este estudo objetiva refletir sobre as possíveis contri-
buições das metodologias ativas para a educação de crianças e adolescentes com TEA
em salas de aula de escolas regulares. A relevância deste trabalho está em poder contri-
buir tanto para a comunidade escolar, o sistema de ensino, para os/as/es educadores/as
quanto para os/as/es alunos/as/es com necessidades educativas especiais, pois mostra
possibilidades de minimizar os conflitos que impedem e dificultam o processo de ensi-
no-aprendizagem e na participação desses alunos/as/es em atividades escolares e na vida
social. Assim como qualquer outra criança e ou adolescente, indivíduos com TEA devem
ser vistos e entendidos como seres humanos detentor de direitos.
250
Para a realização deste estudo, foi utilizado como método de pesquisa revisão bi-
bliográfica. Nessa perspectiva, partimos de experiências e leituras dos autores com o
intuito de refletir sobre possíveis contribuições de metodologias ativas para a educação
de indivíduos com TEA em salas de aula de escolas regulares.
O trabalho não tem a intenção de apresentar soluções ou fórmulas para as dificul-
dades enfrentadas por docentes na promoção da inclusão escolar, afinal, a escola inclusi-
va, pensada a partir da Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), deve ser aprimorada
cotidianamente e que as soluções de um contexto podem não servir para outros, mas
busca indicar caminhos alternativos que possam auxiliar professores/as no desenvolvi-
mento de uma educação que contemple todas as pessoas.
REFERENCIAL TEÓRICO
Educação Inclusiva
251
Outra importante legislação que veio para fortalecer as anteriores e ir além
é Lei nº 13.146 de 2015, intitulada Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Defici-
ência, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. Segundo Dias
(2019), esta Lei assim como as demais criadas, vem de encontro à necessidade de
legalizar um direito que por muitas vezes foi negado à pessoa com deficiência: a
igualdade de condições.
Em seu capítulo I, artigo 1º, tal Lei afirma assegurar e promover, em condições de
igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com defici-
ência, visando à sua inclusão social e cidadania (BRASIL, 2015). No Art. 2º
No capítulo II, art. 4º, observamos a afirmativa de que “toda pessoa com defici-
ência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá
nenhuma espécie de discriminação” (BRASIL, 2015).
O capítulo IV, art. 27º, trata especificamente do direito à educação inclusiva. É
afirmado que
252
crianças de minorias linguísticas étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos ou
zonas desfavorecidas ou marginalizadas.
Tomando como referência a Declaração de Salamanca educação inclusiva, seria a
prática da inclusão de todes (independentemente de seu talento, deficiência, origem so-
cioeconômica ou origem cultural) em escolas do ensino regular e salas de aula comuns,
onde todas as necessidades dos alunos/as/es deve ser atendidas. Maria Tereza Mantoan
(2003) em conformidade com o que diz a declaração acima citada. Afirma que se o que
queremos é que a escola seja inclusiva, é urgente que seus planos se redefinam para uma
educação voltada para a cidadania global, plena, livre de preconceitos, que reconheça e
valorize as diferenças (MANTOAN, 2003, p. 16).
Para Camargo e Bosa (2009), na prática inclusiva, a instituição e os professores
necessitam de atenção tanto quanto a criança com necessidades especiais. Na inclu-
são é o sistema educacional e social que deve adaptar-se para receber a criança. Uma
escola que almeja ser inclusiva deve ser pensada por profissionais que enxerguem
os seus alunes sem estereotipá-los. Segundo Victor e Vieira (2017), muitas vezes, os
discentes são taxados com uma pluralidade de “nãos”: não falam; não escutam; não
aprendem; não conseguem. Para esses autores, os “nãos” partem de uma “suposta”
análise da capacidade desses indivíduos. Entretanto os mesmos deveriam ser vistos
com sujeitos de potencialidades.
Ao falar sobre pessoas com deficiência, Flávia Leite (2012) enfatiza que a
253
crianças e adolescentes com TEA. Rangel e Guimarães (2020) sustentam que, na
formação inicial, por vezes, o licenciando aprende a planejar aulas pensando em
um modelo específico de indivíduo com uma posição socioeconômica, traços cul-
turais e características físicas homogêneas. Afirmam que muitos professores foram
formados para ensinar a uma “turma padrão”. Por isso, segundo esses estudiosos, é
compreensível que quando esses licenciados, ao se tornarem professores, se veeem
em escola reais com todas as suas multiplicidades e, por isso, se sintam desorien-
tados e resistentes; por vezes contrários à educação inclusiva.
A educação inclusiva deve ser pensada como uma construção diária, segundo Baú
(2014). Em consonância com o autor, devemos entender que a promoção de uma escola
inclusiva passa pelo entendimento de que todos/as/es os/as/es discentes podem apren-
der, mas de maneiras diferentes. Assim, os planejamentos didáticos devem estar em con-
formidade com as necessidades dos/as/es alunos/as/es, respeitando o contexto e o ritmo
de cada turma.
Rangel e Guimarães (2020) afirmam que a escola para todos/as/es deve ser um
espaço dinâmico e de construção coletiva. Um lugar de constante desenvolvimento de
práticas inclusivas que sejam capazes de criar e recriar caminhos e repensar ações sem-
pre que algum discente tenha o seu direito de aprender prejudicado.
O tratamento diferenciado aos que apresentam condições desiguais está de acordo
com o princípio de equidade, que tem como propósito a igualdade de condições para
que todes possam gozar de seus direitos. Portanto, é importante que, em sala de aula, os
discentes tenham as suas necessidades respeitadas.
O respeito às necessidades passa pelo planejamento. Por essa razão, concordamos
com Antonia Lopes (2012) quando afirma que a etapa do planejamento do ensino deve
ser “um processo integrador entre escola e contexto social”, momento no qual o professor
traça os objetivos para os/as/es alunos/as/es e escolhe seus recursos e percursos meto-
dológicos. Em relação às pessoas com deficiência e ou com TEA, além do atendimento
educacional especializado previsto por Lei, existem recursos pedagógicos e estratégias
metodológicas que podem ser utilizadas por professores/as. Entre essas estratégias temos
as metodologias ativas como possível alternativa de inclusão.
Em relação às metodologias ativas, Borges e Alencar (2014, p. 120) afirmam
que sua utilização “pode favorecer a autonomia do educando, despertando a curio-
sidade, estimulando a tomada de decisões individuais e coletivas”. Ainda segundo
Fonseca e Mattar Neto (2017), as metodologias ativas articulam-se com a fundamen-
tação teórica na pedagogia de Paulo Freire, que defende uma educação como prática
da liberdade.
É importante afirmar que o propósito desta pesquisa não é contestar métodos
mais tradicionais de ensino como as aulas expositivas, pois ela tem seu valor e a depen-
der da forma como for conduzida, ela pode ser mais ou menos democrática, dialogada
254
e inclusiva. A escolha das metodologias ativas não pretende desmerecer outras práticas,
mas apenas apresentar alternativas que podem contribuir para que a sala de aula seja um
espaço de desenvolvimento democrático e coletivo.
O dia 02 de abril foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU)
como o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, ou apenas Dia do Autismo. O
propósito dessa ação é alertar e ampliar o debate da causa autista. O Autismo é um
transtorno comportamental neurodesenvolvimental, caracterizado por limitações de
interação social, visualizado pela inabilidade na relação com o outro, usualmente com-
binado com limitações de linguagem e alterações de comportamento (VIEIRA; BAL-
DIN; FREIRE, 2013). Um transtorno de desenvolvimento infantil que, normalmente,
se manifesta antes dos 03 anos de idade e se prolonga por toda a vida (CAMARGO;
CAMARGO, 2020).
A palavra foi utilizada primeiramente por Bleuler, em 1911, significando a perda
de contato com a realidade. “O termo foi cunhado analisando as crianças pesquisadas,
que viviam num mundo próprio, “dentro de si mesmas” , e daí é proveniente a raiz auto”
(voltado para si próprio)” (CUNHA, 2012, p.12). Em 1943, Kanner utilizou a expressão
“autismo” para descrever 11 crianças que tinham em comum comportamento bastante
peculiar. Segundo ele, os sintomas já eram evidentes na primeira infância e sugeriu que
se tratava de uma inabilidade inata para estabelecer contato afetivo e interpessoal. Esse
autor descreveu os casos de crianças que apresentavam como características em comum,
a inabilidade para desenvolver relações interpessoais, extremo isolamento, atraso no de-
senvolvimento da linguagem e uso não comunicativo da mesma, repetições de simples
padrões de atividade de brinquedo e presença de habilidades isoladas. Kanner reconhe-
ceu também que existiam diferenças individuais nos casos descritos, porém dois traços
foram sistematicamente encontrados: isolamento e insistência obsessiva na repetição
(VIEIRA; BALDIN; FREIRE, 2013).
O autismo também é conhecido pelo termo Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Passou a ser usado, a partir de 2013, na nova versão (5ª edição) do Manual de Diagnós-
tico e Estatística dos Transtornos Mentais, publicação oficial da Associação Americana
de Psiquiatria, o DSM-V, quando foram fundidos quatro diagnósticos para TEA: Au-
tismo, Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno Global do Desenvolvimento
Sem Outra Especificação e Síndrome de Asperger (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSO-
CIATION, 2014). O TEA é classificado como um transtorno global do desenvolvimento,
tendo como característica principal o desenvolvimento acentuadamente atípico na inte-
ração social e na comunicação e pela presença de um repertório marcadamente restrito
de atividades e interesses (CAMARGO; BOSA, 2009).
255
A origem do TEA ainda é desconhecido. Não se conseguiu, até hoje, provar
nenhuma causa psicológica e/ou no meio externo dessas pessoas que possa cau-
sar o transtorno. As pesquisas científicas sempre concentram esforços no estudo
da predisposição genética, analisando mutações espontâneas que podem ocorrer
no desenvolvimento do feto e a herança genética passada de pais para filhos. No
entanto, já há evidências de que as causas hereditárias explicariam apenas metade
do risco de desenvolver TEA. Fatores externos que podem impactar o feto, como
estresse, infecções, exposição a substâncias tóxicas, complicações durante a gravi-
dez e desequilíbrios metabólicos teriam o mesmo peso na possibilidade de apareci-
mento do distúrbio. Camargo e Bosa (2009) afirmam que o TEA pode ocorrer em
qualquer classe social, raça/etnia ou cultura, e 65 a 90% dos casos são associados
à deficiência mental.
As dificuldades na interação social podem manifestar-se como isolamento ou
comportamento social impróprio; pobre contato visual; dificuldade em participar de ati-
vidades em grupo; indiferença afetiva ou demonstrações inapropriadas de afeto; falta
de empatia social ou emocional. Especialistas afirmam que a TEA não se manifesta de
acordo com um padrão único, e sim, de diversas formas, se manifesta de maneira muito
particular em cada pessoa; por isso, um dos principais problemas é o diagnóstico do
transtorno. Como ainda não há marcadores biológicos e exames específicos para o au-
tismo, o diagnóstico clínico é feito por meio de observação direta de comportamentos
e uma entrevista com pais ou responsáveis (KNIBEL, 2017). É de extrema importância
estar atento aos sinais de alerta para a realização de um diagnóstico precoce e encami-
nhamento para acompanhamento especializado e adequado. Feito isto, crianças e ou
adolescentes com TEA podem, a partir de suas limitações, desempenharem seu papel
social de maneira satisfatória.
Talvez, uma das dificuldades da sociedade, hoje e sempre, seja o acolhimento
do outro, do que se mostra “diferente”. Possivelmente esta seja a maior das dificulda-
des que um indivíduo com TEA irá enfrentar em sua jornada, ser acolhido por socie-
dades que, muitas vezes, sequer lhes concedem o reconhecimento de sua dignidade
humana. Nesse cenário, reside uma grande contradição, pois, segundo Camargo e
Camargo (2020), ao citar o conceito de alteridade do filósofo Emmanuel Levinas
(1993), mostra que sem a relação que o humano é capaz de estabelecer com o outro
(aquele diferente de si) não existiria humanidade. Para Camargo e Camargo (2020),
a relação do outro com o eu possibilita que este se conheça, se complete, se descubra
enquanto sujeito e amplie suas possibilidades de existência. Quando nos colocamos
no lugar daquele que é diferente e estamos dispostos a respeitá-lo, descobrimos o
que há de mais essencial no ser humano. Conviver com pessoas com TEA nos permi-
te abrir caminhos de possibilidades para descobrir quem somos e ampliarmos nossa
condição existencial.
256
No Brasil, a vida e condição de sujeitos de direitos de pessoas com TEA é tão
difícil quanto em qualquer outro lugar desse mundo. Uma longa jornada foi trilhada
para que, em dezembro de 2012, fosse publicada a Lei 12.764 que institui a Política
Nacional de Proteção aos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, a
Lei Berenice Piana. Essa e muitas outras legislações asseguram o direito de indiví-
duos com TEA, mas as Leis em si não se convertem automaticamente em respeito e
acolhimento.
Para conhecer o outro, o eu (sujeito) precisa acolhê-lo, no sentido de acolher
aquilo que este outro revela ao sujeito, respeitando aquilo que é revelado. Para justi-
ficar essa afirmação, Camargo e Camargo (2020), mais uma vez, faz uso das reflexões
do filósofo Levinas (1993) para pensar a diferença. Segundo o filósofo, o eu só pode
acolher o outro quando respeita seu modo de ser, isto é, sua diferença. Quando o outro
é revelado, o eu deve acolher sua manifestação em si mesmo, respeitando sua diferença
e a novidade de seu modo de ser. O acolhimento implica responsabilidades e zelo pela
vida que se revela.
Quando pensamos em pessoas com TEA, nos vem à mente a imagem de uma
criança isolada, que vive no seu próprio mundo e brinca de uma forma diferente das
outras crianças; não gosta de barulhos altos, balança o corpo para lá e para cá, alheia a
tudo e a todes, alguém cuja vida não faz sentido. Mas, essa forma de pensar fala mais
sobre nossas limitações do que do autismo em si, afinal estamos falando de crianças
com habilidades que revelam a fragilidade de nossa existência (CAMARGO E CA-
MARGO, 2020).
Camargo e Bosa (2009) afirmam que existem poucas crianças com TEA incluídas,
se comparadas àquelas com outras deficiências. Uma das dificuldades de se pensar a
inclusão escolar de autistas pode estar associada à forma como tentamos inserir esses in-
divíduos dentro de um contexto que extrapola sua realidade. Isso porque, quando surge
uma criança que escape do modelo padrão de “encaixe”, ou seja, o surgimento daquele
que é diferente, pode colocar em xeque o Projeto Político-Pedagógico ()PPP da escola ao
não dar conta dessa demanda.
Conforme Belisário, Cunha e Mata (2010), é grande o impacto nos profissionais
da educação que recebem esses alunes na escola, quando se deparam com suas reações,
pois ainda estão diante de uma experiência nova. Nesse contexto, muitos professores re-
latam sentirem-se despreparados para atender essa demanda na inclusão, gerando uma
sobrecarga de estresse (CAMARGO; BOSA, 2009).
O insucesso da inclusão pode estar na insistência em adaptar esse indivíduo
a velhos modelos e padrões educacionais nitidamente não inclusivos. Segundo Dias
(2019), o sujeito é visto por professores e escola somente sob o ângulo de suas limi-
tações, consequentemente, comprometendo a prática pedagógica a ser desenvolvida
com esses alunes. Uma inversão no olhar dirigido a esses sujeitos pode ser a caminho
257
para a inclusão. Ao invés de focar nas limitações por que não direcionar as atenções
nas potenciais habilidades?
As metodologias ativas podem ser utilizadas como instrumento de inclusão na
medida em que podem revelar as potencialidades de crianças e adolescentes com TEA.
O uso dessas metodologias não seria benéfico somente para o processo de inclusão de
autistas, mas de todos/as/es aqueles/as que possuem dificuldades na aprendizagem. Ne-
cessidades especiais todos/as/es nós temos, uns mais, outros/as/es menos, mas todos/as/
es tem o direito de ser e se sentir incluído.
Metodologias Ativas
258
As metodologias ativas têm como propósito fazer com que os alunos aprendam de
forma autônoma e participativa, a partir de problemas e situações reais. A ideia é que o
estudante esteja no centro do processo de aprendizagem, sendo responsável direto pela
construção de conhecimento.
De acordo com Berbel (2011, p. 28), essas novas metodologias precisam incen-
tivar a autonomia do aluno; logo a função do professor também é alterada, isto é, ele
“deve levar em consideração a visão do discente, acolher seus pensamentos e ações,
sempre que manifestados, é importante também apoiar o seu desenvolvimento mo-
tivacional e capacidade para autorregular-se”. O pensamento Berbel conversa com a
perspectiva freiriana, pois Freire (2018) afirma que ensinar exige a convicção de que a
mudança é possível, exige compreender que a educação é uma forma de intervenção
no mundo e, desse modo, ensinar não deve ser entendido como transferência de co-
nhecimento. Paulo Freire (2018) defende um processo educacional para adultos que
privilegiasse o modelo baseado na superação de desafios e resolução de problemas do
cotidiano, além da construção de novos aprendizados baseados em experiências vivi-
das pelos seus alunos.
A concepção freiriana se assemelha ao pensamento de Dewey citado por Rangel e
Guimarães (2020). Segundo eles, Dewey criticava os métodos pautados na memorização
que, para ele, condicionavam o aluno a uma posição sempre passiva no processo educa-
tivo. Defende a ideia do “aprender fazendo”, ou seja, de uma aprendizagem pautada na
prática, na experiência.
A prática das metodologias ativas pede um professor que estimule em seus alu-
nos/as/es a autonomia para que este desenvolva suas habilidades e potencialidades e se
torne protagonista de seu processo de aprendizagem. Dessa maneira, a mera transmissão
de conhecimentos e informações torna-se insuficiente nesse processo educacional. Para
Camargo e Camargo (2020), o aluno/a/e deve ter à sua disposição todos os meios possí-
veis para acessar as informações que quiser e o/a/e professor/a também terá que acom-
panhar o ritmo dos seus alunos/as/es, lembrando sempre que cada indivíduo possui um
tempo de aprendizagem diferente. Por fim, precisa saber lidar com as frustrações de seus
discentes, caso não alcancem o objetivo desejado.
É importante frisar que as metodologias ativas não devem ser vistas por professo-
res/as como uma fórmula pronta. Essa é uma crítica trazida Lilian Bacich e José Moran.
Para esses autores, é importante que haja reflexão da prática docente para que:
259
A imagem abaixo expressa o que se espera do professor/a que escolhe adotar as
metodologias ativas como alternativa de método de ensino-aprendizagem:
Outro ponto muito importante que merece a nossa atenção, é a forma como as
metodologias ativas podem favorecer a interação entre indivíduos. A sala de aula ao ser
transformada em espaço de troca de experiências possibilita aos discentes interagir com
o/a professor/a e com os seus iguais. Rangel e Guimarães (2020), pautados no sociointe-
racionismo, em que o homem entendido como um ser social que se constrói e aprende
a partir da relação com o outro, percursos metodológicos que favoreçam a interação e
permitam que os/as/es alunos/as/es dialoguem construindo conhecimentos são bem-
-vindos porque têm o potencial de promoção de uma sala de aula mais inclusiva, na qual
todos/as/es podem ter a oportunidade de aprender, independente de ser ou não uma
pessoa com deficiência.
No que se refere à educação especial, na perspectiva inclusiva, ainda que esta esteja
amparada por diversos documentos internacionais e nacionais, alguns aqui já citados na
seção anterior desta pesquisa, a inclusão de educandos com deficiência, transtornos glo-
bais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação em escolas regulares, ainda
deixa muitos/as professores/as inseguros/as. Presenciar essa insegura foi justamente o
principal elemento motivador desta pesquisa.
Por isso, diante das reflexões feitas até aqui a respeito do TEA, da educação
inclusiva e das Metodologias ativas, podemos afirmar que ao colocar o/a/e aluno/a/e
como protagonista do processo de ensino-aprendizagem e o/a professor/a como faci-
litador e mediador desse processo, impulsiona as metodologias ativas no auxilio do
260
processo de ensino e inclusão de crianças e adolescentes com TEA. Não pela noto-
riedade amplamente discutida na última década, mas pelo potencial de promoção de
autonomia e interatividade.
261
Metodologia
Pesquisa bibliográfica
262
pesquisa bibliográfica, procurando referências teóricas publicadas
com o objetivo de recolher informações ou conhecimentos prévios so-
bre o problema a respeito do qual se procura a resposta (FONSECA,
2002, p. 32).
RESULTADOS E DISCUSSÕES
263
Segundo Camargo e Camargo (2020), a sala de aula invertida pode ser uma
boa alternativa para a promoção de meios que favoreçam a inclusão de pessoas com
deficiência, pois o professor pode apresentar os conteúdos atendendo a diferen-
tes necessidades dos/as/es alunos/as/es. Além disso, os materiais podem ser lidos,
ouvidos ou assistidos quantas vezes o/a/e aluno/a/e precisar, de acordo com a sua
necessidade.
Na concepção de Moran (2014), a sala de aula invertida é um dos modelos mais
interessantes da atualidade para mesclar tecnologia com metodologia de ensino, pois
concentra no virtual o que é informação básica e, na sala de aula, atividades criativas e
supervisionadas com uma combinação de aprendizagem por desafios, projetos, proble-
mas reais, jogos, simulações, entre outras possibilidades.
Schmitz (2016) apud Tarnopolsky, 2012) afirma que a sala de aula invertida é um
modelo com origem no ensino híbrido. Para Miranda (2005), ensino híbrido mistura re-
cursos e métodos usados face a face (presencialmente) e online, no qual é possível extrair
o melhor dos dois sistemas de aprendizagem, podendo favorecer o desenvolvimento de
autonomia e independência em crianças e adolescentes com TEA.
Quanto à abordagem baseada em problemas, Rangel e Guimarães (2020) afir-
mam que os/as/es alunos/as/es são organizados em torno de algum problema a fim
de buscarem, coletivamente, meios para resolvê-lo. Em uma perspectiva inclusiva,
cada aluno/a/e a exemplo do/a/e aluno/a/e com TEA, pode dar a sua contribuição
a fim de entender a complexidade da situação apresentada. Além disso, o fato de a
metodologia partir de problemas reais pode ser um convite a um maior envolvimen-
to da turma e favorecer a interação de crianças e adolescentes com TEA, com seus
colegas e professores/as.
É característica da gamificação trabalhar o engajamento, o trabalho em equipe e
as múltiplas linguagens (ROJO, 2012). Zichermann e Cunninghan (2011) afirmam que
as pessoas sentem maior atração pelas atividades que envolvem jogos, pois consideram
que aumentam o domínio de atenção e aprendizagem. Além do mais, a dinâmica do
jogo pode ajudar a entreter e pode funcionar como um mecanismo para a socialização
dos indivíduos. Trabalhar com jogos pode estimular o desenvolvimento de habilidades,
a atenção e criatividade de crianças e adolescentes com TEA, além de lhe permitir socia-
lizar com o meio.
Essa maneira de ensinar pode conduzir o/a/e aluno/a/e para a aula e para a troca
de conhecimentos. Dessa forma, o que primeiramente era uma explicação do docente, se
converte em interatividade. Isso pode amparar indivíduos com TEA a se aproximarem
mais do ambiente escolar e, conseqüentemente, à socialização de conteúdo de forma
mais leve e natural.
Os principais resultados que podem ser obtidos com a utilização de metodologias
ativas no processo de inclusão de alunos/as/es com TEA são a integração e a participação
264
junta aos professores/as e colegas. O ensinar e aprender acontece numa interligação, cria
um mundo participativo entre alunos/as/es e professores, que equilibra a interação com
todos/as/es e com cada um.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
265
BACICH, L. Por que Metodologias Ativas na Educação. In: BACICH, L.; MORAN, J.
(Orgs.). Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-
-prática. Porto Alegre: Penso, 2018.
BACICH, L.; MORAN, J. (Orgs.). Metodologias ativas para uma educação inovadora:
uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2018.
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nologia, 2013.
269
FERRAMENTAS DE AVALIAÇÃO NO ENSINO ONLINE:
os desafios da avaliação formativa
em ambientes virtuais de aprendizagem
Bruno Ricardo Santos Santana
Núbia Moura Ribeiro
INTRODUÇÃO
270
LDB, de 1996 (MATTOS et al., 2019). A partir desta lei, a EaD passou a ser possível em
praticamente todos os níveis, sobretudo na graduação e pós-graduação. A educação a
distância possui metodologia, gestão e avaliação peculiares, conforme Souza e Menezes
(2015), devendo, obrigatoriamente, prever momentos presenciais de avaliação.
Mesmo não tendo força de lei, o Ministério da Educação (MEC) possui um do-
cumento norteador intitulado “Referenciais de qualidade para educação superior à dis-
tância”, que deve ser observado pelas instituições que propõem cursos de educação a
distância. Em sua última versão, de 2007, avaliação é um dos oito referenciais constantes
nesse documento. No tópico que trata desse tema, está posto que “devem ser articulados
mecanismos que promovam o permanente acompanhamento dos estudantes, no intuito
de identificar eventuais dificuldades na aprendizagem e saná-las ainda durante o proces-
so de ensino-aprendizagem” (BRASIL, 2007, p. 16).
A motivação para este trabalho de pesquisa tem origem na vivência profissional
de um dos autores no ramo da engenharia. Ao longo dessa vivência, nos últimos anos,
tem sido observada a utilização em larga escala de metodologias à distância para ações
educativas, seja em educação coorporativa, seja em especializações. Nessas experiências,
o quesito avaliação da aprendizagem tem se mostrado uma temática sensível e importan-
te, mas com processos ainda carentes de melhoria.
Considerando o que foi exposto, o objetivo geral deste trabalho é apresentar for-
mas de avaliação da aprendizagem aplicadas no ensino online, com foco especialmente
na avaliação formativa. Gusso (2009) conceitua avaliação formativa como aquela que
observa cada momento vivido pelo aluno, buscando acompanhar o desempenho no de-
correr do processo de aprender.
Como objetivos específicos, este trabalho também buscou: (a) identificar métodos
e ferramentas de avaliação formativa; (b) apontar os instrumentos de avaliação formati-
va disponíveis nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs).
Para alcançar esses objetivos, realizou-se uma pesquisa com abordagem qualitati-
va e com procedimentos de pesquisa bibliográfica e documental, tendo como fontes ar-
tigos e documentos publicados sobre o tema. Assim sendo, este trabalho pauta-se numa
orientação exploratória de pesquisa bibliográfica e documental.
Esta seção tem como foco a avaliação, discutindo brevemente a avaliação no pro-
cesso de ensino-aprendizagem, bem como sobre avaliação formativa e sua relação com
o ensino online. Também serão conceituados os ambientes nos quais a educação online
se dá, os chamados ambientes virtuais de aprendizagem, e sua importância na avaliação
da aprendizagem.
271
A avaliação no processo de ensino e aprendizagem
[...] Aliás, faz parte do senso comum a ideia de que o conhecimento pode
ser simplesmente absorvido pelos indivíduos e que a avaliação serviria para
medir o grau de absorção desse saber. Em uma visão mais crítica, ao con-
trário, a avaliação é considerada como um meio de perceber as singulari-
dades do indivíduo e como elas interferem no processo de aprendizagem
(SOUZA; MENEZES, 2015, p. 165).
Definida por Luckesi (2000) como um recurso pedagógico útil e necessário para
auxílio dos educadores e educandos na busca da sua melhor forma de proceder, a ava-
liação surge como etapa de grande importância no processo de ensino-aprendizagem.
Demo (2002, apud BEHAR; PASSANI, 2009, p. 94) afirma que o debate em tor-
no da avaliação está repleto de pressupostos lineares, ao passo que o conhecimento e
a aprendizagem são atividades que expressam processos não-lineares. Dessa forma, a
avaliação da aprendizagem, seja qualitativa ou quantitativa, pode ser considerada apenas
uma aproximação possível da realidade, não sendo, portanto, um retrato perfeito.
Na concepção positivista, em que a avaliação é entendida como técnica de men-
suração da aprendizagem, não se leva em consideração os contextos e características dos
estudantes (PESCE, 2012). Embora seja uma concepção limitada, ela ainda está presente
no meio docente, onde para muitos a avaliação ainda é vista como um processo de clas-
sificação com ênfase na mensuração e que é aplicado apenas do final de um ciclo. Nessa
ótica, Hoffmann (1994) afirma:
272
A tarefa que o aluno deixa de fazer é ponto em branco a ser preenchido. É
silêncio que o professor também deve escutar e transformar em ação. Pre-
cisa descobrir a razão da não resposta, mudar a pergunta, ou, talvez, o tom
da pergunta (HOFFMANN, 2005, p. 5).
273
FIGURA 1 – MOMENTOS DA AVALIAÇÃO
Embora os três tipos de avaliação citados possam ser utilizados de maneira con-
junta, a literatura aponta para a necessidade de maior atenção à avaliação formativa para
o ensino online (SOUZA; MENEZES, 2015).
274
para testificar o desenvolvimento e alcance do avaliado aos níveis esperados. Nesse senti-
do, para o ensino online, quanto melhor for o suporte de software, mais acurada e precisa
será a avaliação. Ainda assim, o professor não deve terceirizar a avaliação ao computa-
dor. Como apontado por Campos et al. (2003, p.124, apud BEHAR; PASSANI, 2009, p.
100), a avaliação inclui aspectos afetivos e sociais envolvidos na aprendizagem, de forma
que ela é uma tarefa do professor, e não do sistema informatizado.
Para Zanelato (2009), o avanço das tecnologias da informação e comunicação
(TICs) revolucionou a EaD, pois essas tecnologias proporcionam diversas platafor-
mas com ferramentas ricas em interatividade, de modo que a opção por uma avalia-
ção meramente quantitativa não faz sentido, corroborando com os avanços pedagó-
gicos em termos de avaliação. Em contrapartida, o foco maior desta modernização
tem sido na perspectiva discente, com o desenvolvimento de melhores interfaces
com o usuário, facilitação no acesso e arquivamento de materiais, além de melhor
navegabilidade. Esta mesma importância não parece ter sido dada à perspectiva
docente, pois tais plataformas ainda têm lacunas quanto a desenvolvimentos que
contemplem necessidades do docente, principalmente em termos de suporte para
a avaliação.
Conforme Luckesi (2005, apud PESCE, 2012, p. 197), são três os elementos
que constituem o processo de avaliação: dados relevantes; instrumentos; e utilização
dos instrumentos. Nessa concepção, a coleta de dados sobre a trajetória do estudante
(o que ele sabia sobre o assunto a ser estudado e o que ele agora sabe) é sobremaneira
importante, e esta coleta está inteiramente ligada aos instrumentos disponíveis para
o professor.
Nesse sentido que as ferramentas disponíveis em cada ambiente virtual de apren-
dizagem (AVA) podem facilitar o correto diagnóstico pelo professor, haja vista que
Luckesi (2005, apud PESCE, 2012, p. 197) ainda alertar para o adequado uso de tais
instrumentos, sob pena de uma avaliação imprecisa e consequente tomada de decisão
equivocada. Por isso, a próxima seção deste texto se debruça sobre os ambientes virtuais
de aprendizagem e sobre os recursos disponibilizados por eles, em especial as ferramen-
tas de avaliação.
Como o enfoque deste trabalho volta-se para a avaliação formativa, ressalte-se que
Pesce (2012) aponta alguns princípios desta avaliação, dentre os quais se destacam:
275
Portanto, a avaliação formativa vai muito além do ranqueamento dos alunos, e
visa a formação plena tanto científica e tecnicamente, como uma formação participativa,
crítica e cidadã.
Na perspectiva defendida por Hoffmann (1994), a avaliação mediadora surge
como oposição ao método classificatório tradicional promovendo, por meio do diálogo,
“um movimento de superação do saber transmitido a uma produção de saber enrique-
cido, construído a partir da compreensão dos fenômenos estudados” (HOFFMANN,
1994, p. 51). A realização da avaliação formativa implica em sucessivas aproximações,
interação e intenso diálogo (aluno-professor e aluno-aluno), incluindo, dessa maneira, a
ação mediadora do professor enquanto interlocutor desse processo.
276
Para que um AVA proporcione produção de conhecimento, num processo de
autoria e co-criação, Santos (2010) sugere a necessidade de algumas características,
a saber:
a) O ambiente deve permitir conexão com outros sites, ter boa navegabilidade,
integrar diversas mídias (texto, som, imagens, vídeos, gráficos);
b) O ambiente deve permitir e potencializar comunicação interativa síncrona e
assíncrona;
c) O ambiente deve estimular a criação do conhecimento contextualizando situ-
ações do universo do aluno;
d) O ambiente deve permitir avaliação formativa, com constante negociação para
tomada de decisões e que permita autoria e co-autoria nos processos.
Santos (2010, p. 5664) afirma que a convergência de mídias (texto, sons, imagens e
gráficos), característica típica da internet, atualmente é observada nos AVAs, reafirman-
do sua posição de ciberespaço. A autora sugere a seguinte relação entre as potencialida-
des das TICs e suas contribuições para a Educação Online:
277
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para que uma avaliação formativa seja materializada, Borba e Penteado (2001,
apud LITTO; FORMIGA, 2009) afirmam que, com a evolução das ferramentas de TIC,
há uma ampliação de possibilidades de acompanhamento do discente com registro das
interações e participação nos ambientes colaborativos de aprendizagem, ou seja, maior
oferta de ferramentas para avaliação formativa.
278
c) O trabalho final – aponta a capacidade de organizar os conteúdos trabalhados;
d) A discussão colegiada – compartilhamento de percepções entre professores e
coordenação;
e) O correio eletrônico – promove maior visibilidade e permite acompanhamen-
to do processo de ensino-aprendizagem.
Silva (2006, apud PESCE, 2012, p. 200) destaca a importância dos instru-
mentos informais de avaliação, como a participação de fóruns e debates e, de modo
mais detalhado, aponta alguns fatores para efetivar a interatividade dos processos
de avaliação e contribuir com a melhoria da aprendizagem em ambientes online,
são eles:
a) Favorecer tarefas em grupo e propor aos alunos tarefas ligadas a etapas ante-
riores;
b) Viabilizar a interatividade em tempo real;
c) Considerar o histórico qualitativo e quantitativo, e avaliar com base em crité-
rios expressamente e anteriormente definidos;
d) Incentivar a autoavaliação e a avaliação coletiva.
Nos dias atuais, observa-se também a utilização das atividades de criação de ma-
pas mentais e podcasts como atividades assíncronas que podem proporcionar avaliação
formativa; assim como, a exemplo de atividades síncronas, pode-se citar a realização de
web conferências ou seminários. Se por um lado tais ferramentas expandem as possibili-
dades pedagógicas, por outro exigem mais do professor para que a avaliação seja asserti-
va (SOUZA; MENEZES, 2015).
Otsuka e Rocha (2002), com base nos autores Nelson (1998), Fuks, Gerosa e Lu-
cena (2001) e Thorpe (1998), também apontam alguns tipos de atividades que permitem
uma avaliação formativa. Com base nesses autores e em Souza e Menezes (2015), o Qua-
dro 2 sintetiza as ferramentas e ações avaliativas disponíveis em AVAs, cujo uso propor-
ciona uma avaliação formativa.
279
QUADRO 2 – SÍNTESE DE FERRAMENTAS PARA AVALIAÇÃO FORMATIVA EM AVAS
Relação de inte-
Ferramenta no AVA Ações Características / Vantagens
ração
As participações favorecem
proposições mais elaboradas em
Discussão de Aluno – Aluno
comparação com as discussões
questões e temas
face a face.
propostos pelo (mediada pelo
professor. professor)
• Fóruns de dis- Interação e aprendizagem colabo-
cussão rativa.
• Chats
É proposto ao aluno apontar quais
Aluno – Professor
Críticas às assuntos ele considera importante,
– Aluno
discussões nos entretanto não foram abordados
fóruns. Críticas ao nas discussões dos fóruns. (de maneira
conteúdo.
pública)
Compartilhamento de percepções.
Professor – Aluno
Resolução de É proposto ao aluno expressar
• E-mail.
questões disserta- suas ideias acerca de um assunto
• Chats privados (de maneira
tivas proposto pelo professor
privada)
FONTE: elaborado pelos autores, com base em Otsuka e Rocha (2002) e em Souza e Menezes (2015)
Nessa perspectiva, e com base no Quadro 2, pode-se concluir que para que um
AVA seja considerado apto ao desenvolvimento da avaliação formativa, deve, minima-
mente, disponibilizar ao professor e alunos ferramentas computacionais:
280
CONSIDERAÇÕES FINAIS
281
REFERÊNCIAS
ARAÚJO JR., Carlos Fernando de; MARQUESI, Sueli Cristina. Atividades em ambien-
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SANTOS, Edméa. Educação online para além da EAD: um fenômeno da cibercultu-
ra. Educação Online: cenário, formação e questões didático-metodológicas. Rio de
Janeiro: Wak Editora, 2010.
283
A IMPORTÂNCIA DE UMA FORMAÇÃO CONTINUADA
PARA A PRÁTICA INCLUSIVA
INTRODUÇÃO
284
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvol-
vimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualifi-
cação para o trabalho (BRASIL, 1988, art. 205).
285
Esta pesquisa utilizou procedimentos de revisão bibliográfica e pesquisa docu-
mental, com objetivos descritivos, optando por uma abordagem qualititiva, baseando-se
em inferências fundamentadas nos dados bibliográficos e documentais. Alguns dados
foram produzidos a partir da observação assistemática da pesquisadora, estes resultantes
da própria atuação como docente cuidadora.
Inicialmente foi pesquisado o quantitativo de matrículas entre os anos de 2015 a
2020 nos Censos do INEP (INEP, 2015-2020). Foram também pesquisadas contribuições
de teóricos sobre o tema, e as fontes encontradas foram triadas de forma minuciosas
especificamente em relação com o tema, e os textos selecionados passaram a compor a
revisão bibliográfica do estudo. Foram também pesquisadas normativas, leis, diretrizes
e planos de educação vigentes relacionados a Educação Especial inclusiva e a formação
continuada.
Tendo como motivação o aumento da demanda de matrículas de alunos com de-
ficiência e o despreparo da maioria dos profissionais docentes que são regentes da sala
de aula do ensino básico que, de acordo com a Lei das Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), no seu artigo XXI, “I – educação básica é formada pela ducação infan-
til, ensino fundamental e ensino médio”, das escolas municipais de Jequié, foi realizada
a seleção dos dados bibliográficos e documentais que, analisados, fundamentaram as
considerações apresentadas neste estudo.
FORMAÇÃO CONTINUADA
286
Tanto pode ter origem na iniciativa dos interessados como pode inserir-se em
programas institucionais. Nesse último, os sistemas de ensino, universidades e
escolas, são as principais agências de tais tipos de formação (CUNHA; ISAIAS,
2003, p. 368).
287
constituída por “[...] consciência, concepções, definição de objetivos, reflexão sobre as
ações desenvolvidas, estudo e análise da realidade para a qual se pensam as atividades”
(OLIVEIRA, 2010, p. 68). Desse modo, a formação continuada deve provocar reflexões
críticas e oferecer ideias que geram mudanças significativas na prática pedagógica do
profissional docente. Como ressaltam Jesus e Vieira (2011):
Ao buscar condições para que a escola possa atender de forma efetiva os alunos
com deficiência, a formação continuada dos profissionais da educação é uma ferramenta
estratégica para a efetivação das políticas e programas da educação.
288
sua formação inicial como na continuada; e isso deve ocorrer de maneira participativa e
interdisciplinar *.
A importância da formação continuada é, portanto, alcançar a articulaçao entre a
teoria e prática educativa, a práxis, para que a escola se torne um ambiente comprome-
tido com a inclusão de alunos com NEE, por meio da utilização de diferentes metodolo-
gias e estratégias. Inclusive, o Plano Municipal de Educação de Jequié, na lei 2.078, de 14
de Dezembro 2018 (JEQUIÉ, 2018), tem como meta no número 4, a universialização do
acesso a educação básica, na rede regular de ensino e, preferencialmente, garantindo um
sistema educacional inclusivo para alunos de quatro a 17 anos com deficiência, transtor-
no global do desenvolvimento e altas habilidades; e tem como estratégia
Quando essa formação está prevista nas políticas municipais, estaduais e federais
de educação, este fato se torna um elemento facilitador para oferecer a qualificação ne-
cessária aos professores que atuam de forma debilitada, de modo que eles possam rever
suas práticas, usando metodologias específicas, estratégias que corroborem com a con-
dição do aluno com as mais distintas deficiências. Por outro lado, a obrigatoriedade de
matrícula e uma prática pedagógica inclusiva vazia fazem com que a política de inclusão
se torne cada vez mais utópica nas escolas de rede pública.
Apresentando reflexões e conceitos acerca da formação continuada, Mantoan
(2003) enfatiza que essa formação deve ser voltada para atender a todos os alunos, sem
distinção, reconhecendo as habilidades dos alunos. É de suma importancia compreen-
der que essa formação deve se dar em toda caminhada, em toda a trajetória profissio-
nal do docente, pois é um processo. Os professores devem atualizar-se periodicamente
a fim de atender às mudanças que vem acontencendo na educação: “todos os níveis dos
cursos de formação de professores devem sofrer modificações nos seus currículos, de
modo que os futuros professores aprendam práticas de ensino adequadas às diferen-
ças” (MANTOAN, 2003, p.24).
É essa formação continuada que vai despertar um olhar sensibilizado do professor
frente ao aluno com dificuldades, observando suas imprecisões para poder encontrar as
possibilidades criativas e meios necessários a fim de efetivar sua práxis. Afinal, a inclusão
* É importante dizer que o Brasil dispõe atualmente da Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, In-
clusiva e com Aprendizado ao longo da Vida, que foi instituída pelo Decreto n° 10.502, de 30 de Setembro de
2020 (BRASIL, 2020).
289
é uma atuação interdisciplinar que se constrói a passos lentos e tem como personagens
os alunos, os professores, a família, o poder público e a sociedade.
Acerca de formação continuada, o Quadro 01 apresenta as principais referencias
analisadas sobre o tema.
Referência Citação
[...] tudo que possa oferecer ocasião de informação, reflexão, discussão e trocas
que favoreçam o aprimoramento profissional, em qualquer de seus ângulos, em
GATTI, 2008, p. 12
qualquer situação. Uma vastidão de possibilidades dentro do rótulo de educação
continuada.
Artigo 59 da Lei de
As instituições dos sistemas de ensino devem garantir aos alunos “currículo, méto-
Diretrizes e Bases, Lei nº
dos, recursos e organização específica para atender às suas necessidades”.
9.394/96
290
Política Nacional de
Educação Especial O docente deve ter conhecimentos gerais e específicos para atuar na Educação
(PNEE) na Perspectiva Especial, com base, tanto na sua formação inicial como na continuada; e isso deve
da Educação Inclusiva ocorrer de maneira participativa e interdisciplinar.
(BRASIL, 2008)
Meta n° 4 do o Plano
Municipal de Educação A universialização do acesso a educação básica, na rede regular de ensino, e prefer-
de Jequié, na lei 2.078, encialmente garantindo um sistema educacional inclusivo para alunos de quatro a
de 14 de Dezembro 2018 17 anos com deficiência, transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades.
(JEQUIÉ, 2018)
291
Sob esse enfoque sistêmico, a educação especial integra o sistema edu-
cacional vigente, identificando-se com sua finalidade, que é a de formar
cidadãos conscientes e participativos (BRASIL, MEC/SEESP, 1994, p.17).
Instrução especializada, intensiva e direcionada por A instrução especializada, quando existe, não é inten-
objetivos. siva.
292
Algumas classes ou escolas especializadas devem ser Todas as escolas devem passar por adaptações para
criadas ou adaptadas para atender a demandas especí- receber todas as crianças com suas diferentes deman-
ficas do público-alvo da educação especial. das.
Prioriza a inclusão social, cultural, acadêmica e visa Prioriza a inclusão educacional, não colocando foco
aos projetos de vida e à capacitação profissional sem- nos impedimentos de longa duração de qualquer
pre que possível. natureza, mas, nas barreiras sociais.
293
O professor, como mediador e facilitador do processo ensino-aprendizagem, deve entender
que a articulação entre o ensinar e o aprender é um fator que requer grande compreensão
para que a inclusão aconteça. Assim, o professor deve conduzir o processo, objetivando a
construção do conhecimento. Portanto, é essencial que os profissionais, na prática pedagó-
gica, saibam lidar com as limitacões de cada aluno.
É preciso, ainda, que as escolas e os profissionais de educação considerem a di-
versidade cultural, garantindo uma ação de inclusão social, direcionada ao educando,
levando em conta a especificidade de cada um.
Grande é o paradoxo encontrado no contexto da educação inclusiva, que exi-
ge uma atenção para as possíveis fronteiras entre a formação inicial do professor,
e o estudo contínuo do profissional docente em exercício. Apesar de nem todos os
profissionais possuírem a formação específica para desenvolver a atividade inclusi-
va, os mesmos precisam aplicar metodologias e estratégias concernentes ao público
específico. Por outro lado, a escola, enquanto espaço físico, requer adaptações a
fim de assegurar o direito à inclusão. Nessa perspectiva, ao pensar inclusão, deve-
-se saber que existem mudanças que acontecem na estrutura do espaço escolar,
que são as adaptações no ambiente, na estrutura do espaço físico; ou seja, deve ha-
ver uma organização, envolvendo todos os alunos. Como ressalta Carvalho (2006,
p.61): “[...] pensar em todos os alunos, enquanto seres em processo de crescimento
e desenvolvimento, que vivenciam o ensino-aprendizagem segundo suas diferenças
individuais”.
Algumas diretrizes são definidas pela Política Nacional da Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008). A educação de todos os educandos
com transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação deve ser
assegurada por currículos, métodos, recursos, e organizações específicas, assim como a
capacitação de professores, com a especialização adequada.
As práticas e intervenções pedagógicas devem, portanto, considerar todo o pro-
cesso de ensino-aprendizagem e atender às demandas dos diferentes alunos, com o obje-
tivo de tornar mais efetiva à educação inclusiva.
No que concerne ao entendimento sobre a prática inclusiva, algumas ações
pedagógicas centrais contribuem notadamente para a Educação Especial. Citam-se,
como exemplo dessas ações: planejamento dinâmico e flexível, apoio e materiais
diversificado, organização do espaço físico da sala de aula, estratégias pedagógicas,
avaliações e acompanhamento da aprendizagem, entre outras. Para isso, o processo
de escolarização desses alunos deve estar descrito no projeto político pedagógico
da escola. Nesse sentido, prática e teoria têm que andar juntas, a fim de reunir o
conjunto de competências adquiridas pela formação, como ressalta Gatti, Barreto e
André (2011):
294
Teoria e prática precisam andar juntas. Durante as aulas, já era possível
contextualizar questões que se apresentavam no cotidiano escolar sobre a
inclusão, bem como, levar para meus pares [no curso] e dialogar com eles
teorias e possibilidades que se abriam a partir do que vivenciávamos em
sala de aula [na escola] (GATTI, BARRETO; ANDRÉ 2011, p. 43).
Esses aspectos sobre Educação Especial não podem se restringir apenas a mu-
danças na legislação vigente, mas é preciso reflexão e compreensão dessas práticas, as
quais podem evidenciar causa e efeito na reestruturação do ensino regular, atendendo
a todos os alunos com igualdade. A inclusão não é só inserir um aluno com deficiência
no ensino regular, é muito mais vasto, não é simples, é importante que a escola ofereça,
o acolhimento e a permanência desse aluno durante todo o período letivo. Solidificando
a ideia de que o professor é fundamental para uma educação de qualidade, a formação
continuada e as condições de trabalho ainda são grande desafios para as ações educacio-
nais no Brasil. O Quadro 03 apresenta síntese com as principais referencias analisadas
sobre a prática inclusiva nas escolas.
Referência Citação
Meta 22 do Plano
Deve ser assegurado que as escolas se tornem espaços sustentáveis, inclusivos e que
Municipal de Educação
valorizem a “[...] diversidade étnico-racial e de sexualidade pela inserção dessas
(PME) da cidade de
temáticas na gestão, na organização curricular, na formação de professores, nos
Jequié (JEQUIÉ, 2018,
materiais didáticos e no fomento da cidadania”
p. 34)
295
22.1) garantir o acesso, o fortalecimento e a implantação de programas de forma-
ção continuada aos professores(as) que atuem em todas as modalidades de ensino,
Plano Municipal de em regime de colaboração com o estado, a união e instituições conveniadas, inclu-
Educação (PME) da ci- indo temas específicos como história da áfrica, do afrosdescendente, quilombola
dade de Jequié (JEQUIÉ, e indígena, a Educação Especial, a educação ambiental, a diversidade sexual e de
2018, p. 35) gênero, entre outros, prevendo em sua carga horária tempo suficiente para estudo,
planejamento e avaliação da proposta pedagógica em execução, a partir da aprova-
ção do plano (JEQUIÉ, 2018, p. 35.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
296
Com o exposto, para se construir uma escola comprometida com a inclusão de
alunos com NEE, a formação em exercício do professor deve estar direcionada totalmen-
te para a prática no ambiente da sala de aula, para o ensino-aprendizagem. A formação
continuada favorece a construção de saberes sobre as metodologias eficazes para ação e
a compreensão do professor, frente a essas demandas e exigências trazidas pelos alunos
com deficiências.
É possível concluir que a formação continuada dos profissionais da educação
deve ser indissosiável da teoria-prática referente à educação inclusiva. Para isso é ne-
cessário enfrentar os desafios de mudar conceitos e percepções enrraizadas na socie-
dade e no contexto escolar, e aceitar que os alunos com NEE são capazes e que podem
se desenvolver cognitivamente, mesmo com as suas limitações biológicas, intelectuais,
afetivas e sociais. O contato sensibilizado do professor-aluno torna o ensino-aprendi-
zagem efetivo e relevante. Para tanto, os órgãos e as entidades educacionais devem as-
sumir a responsabilidade na construção de um ensino inclusivo, investir na formação
dos educadores, por meio de cursos, especializações, promovendo debates, palestras,
congressos sobre as diferenças metodológicas, pedagógicas para desenvolvimentos de
práticas que visam a inclusão.
Este estudo permitiu demonstrar a relevância de uma formação continuada volta-
da para prática inclusiva, que é fundamental para que a escola se torne de fato um espaço
de inclusão, a fim de extinguir preconceitos e compondo um novo olhar sobre a pessoa
com NEE. Para isso é necessário atualizações constantes e aperfeiçoamento das práticas
pedagógicas, que acontecem na vivência escolar, e isso depende muito de um olhar sen-
sibilizado, subjetivo, do professor para o aluno que está apresentando dificuldades no
processo ensino-aprendizagem. Acredita-se, por fim, que a formação continuada voltada
para a inclusão de alunos com NEE é uma forma de solucionar a questão de pesquisa
apresentada.
REFERÊNCIAS
297
BRASIL. Decreto n. 6.571. Dispõe sobre o atendimento educacional especializado, re-
gulamenta o parágrafo único do art.
______. Lei nº 9394. LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 20 de de-
zembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996.
CUNHA, M.I. ISAIA, S.M.A. Formação docente de Instituições de Ensino Superior. In:
MOROSINI, M. et al. Enciclopédia de Pedagogia Universitária. Porto Alegre: FAPER-
GS/RIES, 2003.
GATTI, Bernardete A. Análise das políticas públicas para formação continuada no Bra-
sil, na última década. Rev. Bras. Educ. v.13 n.37 Rio de Janeiro jan./abr. 2008.
298
INEP. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo
Escolar. 2020. Brasília: MEC, 2020.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer? São
Paulo: Moderna, 2003.
299
UM CANÁRIO NA CAVERNA:
Platão, Machado de Assis e o mundo
Como já dizia Machado de Assis: “Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e
assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução, alguns dizem que assim é que a na-
tureza compôs as suas espécies” (ASSIS, 1997, pág.44). As palavras supracitadas aguça-
ram nosso interesse pelo estudo de uma de suas obras, o conto Ideias de Canário visando
relacioná-las com a Imagem da caverna, de Platão.
A fim de esclarecer melhor o interesse pelo estudo, apresento como ocorreu o pri-
meiro contato com os escritos de Machado. Durante a disciplina Literatura Brasileira II,
na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), tive a oportunidade de estudar
os contos clássicos do autor e me encantar com sua inteligência e a beleza de suas pala-
vras. Quando iniciei a Pós Graduação em Formação Docente e Práticas Pedagógicas, no
Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), tive a oportunidade
de estudar Platão com um novo olhar, voltado para educação.
No entanto, durante um seminário integrador no campus do IFBA, no qual os
professores apresentavam propostas para serem trabalhadas no artigo, o professor
Michel Menezes lançou as propostas que ele gostaria de trabalhar e apresentou o
tema “Literatura e Filosofia”. Fui contemplada para ser sua orientanda e a proposta
foi trabalhar a Literatura de Machado de Assis no conto Ideias de canário e as pos-
síveis relações com a filosofia de Platão conforme expressa no trecho da República
que ficou conhecido como Imagem da caverna.* Considerei a ideia maravilhosa e
iniciamos os estudos.
* Embora o trecho seja consagrado com o nome de “mito da caverna”, preferimos valorizar o texto original de
Platão que se refere à cena em que Sócrates irá descrever para seus interlocutores como seria a vida dos seres
humanos sem terem acesso ao conhecimento/educação. O termo usado por Sócrates logo na abertura do trecho,
em 514a1 é “apeikazo”, verbo que significa “representar”, “fazer uma imagem”. Logo em seguida, após a primeira
parte da descrição, seu interlocutor, Glauco, usa o termo “eikón” para expressar seu estranhamento em relação
à cena descrita. O substantivo “eikón”, significa “imagem” e não “mito”, como boa parte dos estudiosos insiste,
erroneamente em utilizar.
300
Platão foi um filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga, autor de
diversos diálogos filosóficos e fundador da Academia em Atenas, que é a primeira ins-
tituição de educação superior do mundo ocidental. Ele narra a Imagem da Caverna, em
sua obra A República, entre os anos 514a-517a, num diálogo entre Sócrates, personagem
principal, e Glauco, seu interlocutor. O trecho apresenta ao leitor a teoria platônica sobre
o processo de conhecimento da verdade e a necessidade de que o governante da cidade
tenha acesso a esse conhecimento.
Platão propõe através de seu personagem Sócrates, um exercício mental. Ele pede
que seus interlocutores (e leitores) imaginem uma cena em que há pessoas aprisionadas
dentro de uma caverna de costas para a entrada. Elas têm braços e pescoços amarrados e
a única visão que têm são as sombras que se projetam na parede ao fundo. Entre a saída
e os prisioneiros, há um muro e uma subida íngreme. Após essa subida, queima uma
fogueira que projeta as sombras dos objetos transportados por outras pessoas na parede
do fundo da caverna. Assim, quem passasse entre a fogueira e o muro, no interior da
caverna, tinha a sombra dos objetos que carregava refletida na parede e era apenas por
essas imagens que os homens acorrentados construíam suas realidades de mundo.
Machado de Assis, por sua vez, é o maior representante do realismo brasileiro. Es-
creveu o conto Ideias de Canário, presente em Páginas Recolhidas, publicado em 1899. O
conto traz como personagem um cientista, o ornitólogo Macedo, que ao entrar em uma
loja de objetos antigos se depara com um canário falante e fica impressionado com a sua
linguagem. Ademais, apresenta críticas ao passionalismo do ornitólogo e à construção
de conceitos, por meio das falas do canário, sobre o que poderia ser o mundo.
Em nosso estudo, a leitura dos escritos de Miguel Reale, A filosofia na obra de
Machado de Assis e Antologia filosófica de Machado de Assis. E o livro Machado de Assis,
Leitor Uma viagem à roda de livros, dos autores Ruth Silvano Brandão e José Marcos Re-
sende Oliveira, foram de suma importância para o embasamento teórico desta pesquisa.
Mediante ao exposto, esta pesquisa objetivou analisar a importância para a educa-
ção escolar do pensamento filosófico da Imagem da Caverna de Platão e sua relação com
o conto machadiano Ideias de canário, de modo a sugerir uma proposta de sequência
didática para estudantes do Ensino Médio, considerando o contexto da sala de aula no
processo de ensino e aprendizagem. A sequência didática “é um conjunto de atividades
com etapas ligadas entre si para tornar mais eficiente o processo de aprendizado, são
atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual
oral ou escrito” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, Pág.97).
Ao fazer uma comparação entre os dois textos, analisamos como esse material poderia
ser trabalhado com os alunos do ensino médio. Para isso, elaboramos uma sequência didática
com o gênero oral debate, mediado pelo(a) professor(a) e com o gênero textual dissertativo-
-argumentativo, através dos quais os alunos expressariam suas opiniões e reconheceriam,
em seu próprio mundo, as questões abordadas nos textos, tendo como ponto de partida
301
a pergunta filosófica: “O que é o mundo?”. Buscamos refletir em que medida somos iguais
ao canário ou aos prisioneiros na caverna, uma vez que, também temos dificuldades de
abandonar pontos de vista anteriores e compreendermos novas realidades. E cabe ainda
um questionamento: Por que preferimos manter ideias preconceituosas a buscar novos
modos de pensar? Esse questionamento foi a base das reflexões propostas ao longo do
nosso trabalho.
O trabalho está dividido da seguinte forma: na primeira parte apresentamos Pla-
tão e a Imagem da caverna, abordando o contexto e leitura da obra. Na segunda parte
foi apresentado Machado de Assis e o conto Ideias de canário com a contextualização
do autor e resumo da obra. Na terceira parte, a relação entre os dois textos e o contexto
da sala de aula abordando quais situações na sala de aula, durante o processo ensino-
-aprendizagem, podem ser relacionadas com as situações descritas nos textos. Por fim,
nas conclusões finais apresentamos nossa contribuição, a nível de inspiração, de uma
proposta de atividade retomando os principais conceitos abordados nesta pesquisa.
302
esse conhecimento. O objetivo principal do famoso trecho da República é imaginar
como seria a natureza humana com ou sem educação, isto é, com ou sem conheci-
mento sobre o mundo e sobre si mesmo.
A imagem da caverna
Compreendendo essa imagem dos prisioneiros, Sócrates pede para imaginar ho-
mens carregando todo tipo de objetos fabricados, ultrapassando a altura do muro, obje-
tos como estátuas de homens, de pedra, madeira ou outros objetos quaisquer. E se além
das imagens projetadas na parede também pudesse ouvir um eco vindo da parede diante
deles? Assim, questiona a Glauco o que os prisioneiros conversariam? Nomeariam as
sombras com nomes de seres reais? E conclui que [...] assim sendo, os homens que estão
nessas condições não poderiam considerar nada como verdadeiro, a não ser as sombras
dos objetos fabricados (Rep. 515a).
Platão aborda um mundo dividido em dois aspectos ou níveis: um sensível e outro
inteligível. O aspecto sensível da realidade são as coisas que vemos, ouvimos, tocamos.
Elas não podem gerar conhecimento porque mudam o tempo todo. Platão defende que o
conhecimento é possível e precisa propor um outro nível de realidade, um nível das ideias
alcançáveis não pelos sentidos, mas pelo pensamento. Neste nível as ideias não mudam,
são sempre iguais e por isso podem fornecer as bases para o conhecimento. Ou seja, o
mundo é um só, mas dividido em dois níveis ou aspectos: um sensível e outro inteligível.
303
Na Imagem da caverna, o interior da caverna representa o aspecto sensível, já o
exterior representa esse outro aspecto, o inteligível. Pois, para ele, a maioria da humani-
dade vive presa na ignorância devido ao aspecto ilusório das coisas sensíveis tal como os
prisioneiros da caverna. Já o nível das ideias é percebido com a razão e está acima do sen-
sível. Mas o que aconteceria se um deles fosse libertado? Como seria a saída da caverna?
A saída da caverna
Sócrates: Veja agora o que aconteceria se eles fossem libertados de suas cor-
rentes e curados de sua desrazão. Tudo não aconteceria naturalmente como
vou dizer? Se um desses homens fosse solto, forçado subitamente a levantar-se,
a virar a cabeça, a andar, a olhar para o lado da luz, todos esses movimentos
o fariam sofrer; ele ficaria ofuscado e não poderia distinguir os objetos, dos
quais via apenas as sombras anteriormente. Na sua opinião, o que ele poderia
responder se lhe dissessem que, antes, ele só via coisas sem consistência, que
agora ele está mais perto da realidade, voltado para objetos mais reais, e que
está vendo melhor? O que ele responderia se lhe designassem cada um dos
objetos que desfilam, obrigando-o com perguntas, a dizer o que são? Não acha
que ele ficaria embaraçado e que as sombras que ele via antes lhe pareceriam
mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora? (Rep. 515c-d).
Sócrates: E se o forçassem a olhar para a própria luz, não achas que os olhos
lhe doeriam, que ele viraria as costas e voltaria para as coisas que pode
olhar e que as consideraria verdadeiramente mais nítidas do que as coisas
que lhe mostram?
304
Glauco: Sem dúvida alguma.
Sócrates: E se o tirarem de lá à força, se o fizessem subir o íngreme caminho
montanhoso, se não o largassem até arrastá-lo para a luz do sol, ele não
sofreria e se irritaria ao ser assim empurrado para fora? E, chegando à luz,
com os olhos ofuscados pelo brilho, não seria capaz de ver nenhum desses
objetos, que nós afirmamos agora serem verdadeiros (Rep.515d-e).
Platão mostra que o primeiro impulso diante das dificuldades é retornar à ca-
verna e livrar-se da dor que é tão grande, pois se sente atraído pela escuridão e lhe pa-
rece mais acolhedora. Mas o que significa a dor da subida? O ofuscamento dos olhos?
A dificuldade de se aceitar a nova realidade? O que liberta o prisioneiro? Com esses
questionamentos, percebemos que o processo de saída da ignorância coincide com o
conhecimento, podendo contemplar o que há no céu. A lua, e as estrelas simbolizando as
ideias imutáveis e o sol que ao iluminar o mundo representa a possibilidade de conhecer.
Esse processo de aprendizagem é doloroso, fazendo-o desejar a caverna, onde tudo lhe é
familiar e conhecido.
No entanto, aos poucos, o prisioneiro começa a se habituar à luz e começa a ver
o mundo e se encanta com tamanha beleza da natureza. Agora ele percebe os objetos
e descobre que durante toda sua vida tudo que conhecia eram as sombras, chegando a
desejar não voltar à caverna. Porém, ao lembrar dos outros prisioneiros, ele decide voltar
para contar tudo que descobriu e convencê-los a se libertarem também.
A volta à caverna
Sócrates: E se ele tivesse que emitir de novo um juízo sobre as sombras e en-
trar em competição com os prisioneiros que continuaram acorrentados, en-
quanto sua vista ainda está confusa, seus olhos ainda não se recompuseram,
305
enquanto lhe deram um tempo curto demais para acostumar-se com a escu-
ridão, ele não ficaria ridículo? Os prisioneiros não diriam que, depois de ter
ido até o alto, voltou com a vista perdida, que não vale mesmo a pena subir
até lá? E se alguém tentasse retirar os seus laços, fazê-los subir, você acredita
que, se pudessem agarrá-lo e executá-lo, não o matariam? (Rep. 517a).
306
MACHADO DE ASSIS O CONTO IDEIAS DE CANÁRIO
307
Assim iniciam um diálogo e o pássaro responde às perguntas de Macedo, e ele
continua fazendo mais e mais perguntas. Sobre ter um dono, o pássaro diz que não tem
dono e sim um criado que lhe dá água e comida todos os dias e com tamanha regulari-
dade que se fosse pagar o serviço sairia caro. Para o pássaro, o homem era apenas um
criado e que estava ali apenas para lhe servir. O canário começou então a expor sua visão
de mundo:
Que dono? Esse homem que aí está é meu criado, dá-me água e comida
todos os dias, com tal regularidade que eu, se devesse pagar-lhe os serviços,
não seria com pouco; mas os canários não pagam criados. Em verdade, se
o mundo é propriedade dos canários, seria extravagante que eles pagassem
o que está no mundo (ASSIS, 2019, pág. 320).
O conto Ideias do Canário, de Joaquim Maria Machado de Assis, nos mostra como
o ser humano é limitado pelo mundo em que vive e como pode ser influenciado em sua
conduta e modo de pensar pelos limites e possibilidades do contexto no qual está inserido.
— Mas, caro homem, trilou o canário, que quer dizer espaço azul e infinito?
— Mas, perdão, que pensas deste mundo? Que cousa é o mundo?
— O mundo, redargüiu o canário com certo ar de professor, o mundo é
uma loja de belchior, com uma pequena gaiola de taquara, quadrilonga,
pendente de um prego; o canário é senhor da gaiola que habita e da loja que
o cerca. Fora daí, tudo é ilusão e mentira (ASSIS, 2019, pág. 320).
308
alcança e todo resto é ilusão. Encantado com as respostas do pássaro e indignado com
o seu modo de vida, Macedo, ornitólogo que era, resolve comprá-lo para pesquisar tais
comportamentos e atitudes.
A fala do pássaro sofreu algumas alterações. Agora o mundo para ele é o seu
novo lar, a varanda da casa de Macedo. Notamos que seu conceito de mundo evoluiu e
o modo pelo qual a sua leitura do mundo é norteada pela compreensão do contexto no
qual ele está inserido. Podemos perceber que as palavras do canário apresentam uma
definição de mundo diferente da primeira, sua visão de mundo agora é representada
por um jardim, ar claro, alguma grama. Entretanto, o canário ainda está em uma gaio-
la e, por isso, vê apenas alguma grama e um pouco de céu azul. No sentido inverso, o
ornitólogo vai se afastando cada vez mais da sociedade, ficando mais aprisionado em
suas descobertas.
Todo conteúdo anotado do pássaro ainda não era suficiente para mandar ao Mu-
seu Nacional, ao Instituto Histórico e às universidades alemãs, pois era necessário ratifi-
car algumas observações. Macedo dedicava todo seu tempo aos estudos, não saia de casa
309
e não respondia às cartas. Um dos seus empregados tinha a função de limpar a gaiola e
pôr lhe água e comida, mas o pássaro não lhe falava nada, dando a impressão que faltava
um preparo cientifico.
O ornitólogo dedicou muito do seu tempo aos estudos, chegando a adoecer por
uma obsessão. O médico lhe ordenou absoluto repouso, o excesso de estudo lhe deixou
assim. Ao se sentir melhor, foi a procura do pássaro e recebeu a notícia que o canário
fugiu quando o funcionário estava limpando a gaiola. Macedo se entristece, mostrando
todas suas emoções em relação ao pássaro.
310
A RELAÇÃO ENTRE OS DOIS TEXTOS
No livro Machado de Assis Leitor, Uma viagem à roda de livros, Ruth Silviano
Brandão e José Marcos Resende Oliveira afirmam que “Machado de Assis nunca foi um
leitor ingênuo, um leitor submisso às verdades eurocêntricas, um repetidor deslumbrado
de estilos e escolas, mas antes um pensador da cultura, um escritor-crítico” (BRANDÃO
e OLIVEIRA, 2011, pág.16).
Ainda de acordo com os mesmos autores lembrados acima, “escritores são antes
de tudo, leitores e como tais buscam-se uns nos outros, no espaço constelar da literatura
e se leem e se escrevem” (BRANDÃO e OLIVEIRA, 2011, pág. 17).
É notória a influência da filosofia nas obras de Machado. Segundo o autor Miguel
Reale, em seu livro A Filosofia na Obra de Machado de Assis e Antologia Filosófica de Ma-
chado de Assis, há uma inquietação filosófica representada nas obras de Machado. Para
Reale:
O conto Ideias de Canário é um dos escritos de Machado que traz grandes seme-
lhanças com a imagem da caverna desenvolvida por Platão no início do livro sétimo da
República. A principal semelhança se refere à teoria do conhecimento de mundo. Marca-
do pela passagem de um homem que habitava em uma caverna, representando o mundo
das sombras e a saída da caverna, representando a construção do conhecimento rumo a
superfície, isto é, rumo ao mundo da Luz, o mundo real, a imagem platônica da caverna
mostra, assim, diferentes visões de mundo. Essas diferenças se mostram tanto no estado
de conhecimento dos prisioneiros em relação àquele que se liberta como no estado de
conhecimento do próprio libertado antes e depois de sair da caverna.
A primeira semelhança entre as obras pode ser vista na descrição da loja de Bel-
chior, onde o ornitólogo compra o canário, um lugar sombrio marcado por várias ima-
gens e objetos perdidos na escuridão. O cenário da loja é marcado com a presença de
objetos incompletos:
A loja era escura, atulhada das cousas velhas, tortas, rotas, enxovalhadas,
enferrujadas que de ordinário se acham em tais casas, tudo naquela meia
desordem própria do negócio. Essa mistura, posto que banal, era interes-
sante. Panelas sem tampa, tampas sem panela, botões, sapatos, fechaduras,
uma saia preta, chapéus de palha e de pêlo, caixilhos, binóculos, meias casacas,
um florete, um cão empalhado, um par de chinelas, luvas, vasos sem nome,
dragonas, uma bolsa de veludo, dous cabides, um bodoque, um termômetro,
311
cadeiras, um retrato litografado pelo finado Sisson, um gamão, duas máscaras
de arame para o carnaval que há de vir. (...) Lá para dentro, havia outras
cousas mais e muitas, e do mesmo aspecto, dominando os objetos grandes,
cômodas, cadeiras, camas, uns por cima dos outros, perdidos na escuridão
(ASSIS, 2019, pág. 319).
Observamos que os objetos contidos na loja são descritos como se estivessem per-
didos na escuridão. Escuridão versus luz, com presença de inúmeros termos que suge-
rem imperfeição ou incompletude. Temos, então, o primeiro indicador da representação
da caverna de Platão no conto machadiano.
Após o canário sair da loja e ir morar na casa de Macedo, o pássaro define o mun-
do como um espaço azul e infinito. Nas palavras do canário: “é um jardim assaz largo
com repuxo no meio, flores e arbustos, alguma grama, ar claro e um pouco de azul por
cima; o canário, dono do mundo, habita uma gaiola vasta, branca e circular, donde mira
o resto. Tudo o mais é ilusão e mentira” (ASSIS, 2019, pág. 321). Retomando a alegoria
da caverna, o pássaro representaria o homem que consegue sair do mundo das sombras
que é loja de Belchior, e encontra o mundo real, comprovando a teoria do conhecimen-
to de Platão, segundo a qual o conhecimento é construído em etapas. Trata-se, seja no
conto machadiano ou no trecho platônico, de construção e desenvolvimento gradual da
própria noção de conhecimento.
Desse modo, Ideias de Canário pode ser visto como uma alegoria machadiana
da alegoria platônica. O mundo, para o pequeno pássaro, ou para o prisioneiro liberto,
adquire um novo sentido a partir do conhecimento por eles construído a partir das ex-
periências pelas quais passam. Nesse sentido que propomos que Ideias de Canário pode
ser analisado como uma alegoria da própria alegoria de Platão.
O mundo transforma-se quando há a possibilidade de conhecimento. O mundo,
como afirma João Francisco Duarte Junior, em seu livro O que é realidade, é um conceito
humano. O mundo é “a compreensão de tudo isto numa totalidade, é a ordenação deste
aglomerado de seres num esquema significativo, só possível ao homem através de sua
consciência simbólica, linguística” (DUARTE JR.,2000, pág. 22).
Como mostramos, o conto machadiano tem uma grande semelhança com o pen-
samento metafísico, mais precisamente com a imagem da caverna, de Platão. Dessa for-
ma, nosso estudo visa aproximar duas áreas de suma importância na construção do pen-
samento crítico do discente, a Literatura e a Filosofia.
A compreensão da profundidade das construções literárias está diretamente liga-
da à questão de como se poderia definir a expressão “visão de mundo”. Expressão que
evidencia a importância na construção de um pensamento crítico, vital para uma socia-
lização “consciente”. Paulo Freire destaca a função social da educação, afirmando ser esta
a via de acesso à cidadania:
312
[...] Somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capa-
zes de aprender. Por isso, somos os únicos em quem aprender é uma aven-
tura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente
repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar
para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito
(FREIRE, 2002, pág. 77).
PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
313
construção e permite que novas aquisições sejam possíveis, pois a organização dessas
atividades antecipa uma progressão modular, a partir do levantamento dos conhecimen-
tos que os alunos já possuem sobre um determinado assunto.
Segundo Antoni Zabala (1998), a utilização das sequências didáticas é essencial
para o desenvolvimento do pensamento crítico científico. A fase de aplicação da sequ-
ência didática é reconhecida pelo levantamento de conhecimentos prévios dos alunos
sobre um problema a apresentação, contextualização, análise e discussão deste problema,
permitindo que um novo conhecimento seja construído.
O fechamento da sequência consiste em sintetizar e reiterar o conteúdo. Tudo isso
acompanhado por uma avaliação sobre os conhecimentos adquiridos. Uma sequência
didática em algumas situações se assemelha com um plano de aula, porém se diferencia
na sequência que o conteúdo deverá ser organizado, de forma que leve o estudante a uma
evolução no conhecimento através do aprofundamento dos estudos sobre o tema.
Por fim, a nível de inspiração e para pôr em prática nossa teoria, desenvolvemos
uma sequência didática como sugestão, assim retomando os principais conceitos abor-
dados nesta pesquisa. Com o objetivo de induzir os alunos a refletirem sobre a temática
abordada e como, na prática, podemos unir as duas áreas: Filosofia e Literatura. Dividi-
remos em 5 horas aula.
Na primeira aula, o(a) professor(a) iniciará perguntando aos alunos se eles têm
conhecimento do texto a Imagem da caverna ou se já ouviram falar sobre o mesmo.
Mediante as respostas dos educandos o(a) professor(a) apresentará o autor do texto e,
consequentemente, o contexto em que foi criado. Por meio de slides, o(a) professor(a)
mostrará algumas imagens apresentando a Imagem da Caverna para que os alunos te-
nham mais conhecimento.
No segundo momento, o(a) professor(a) apresentará o texto Ideias do canário,
explicando que esse foi escrito por Machado de Assis, maior representante do realis-
mo brasileiro. Se julgar necessário, o(a) professor(a) ainda falará um pouco sobre as
características desse movimento e o contexto histórico do período em que o conto
foi escrito. Em seguida, o(a) professor(a) pedirá que dois alunos façam a leitura do
texto. Após a leitura, o(a) professor(a) fará questionamentos sobre o texto discu-
tindo as diferentes visões de mundo do canário e dará oportunidade para os alunos
responderem.
Na terceira aula, o(a) professor(a) lançará uma proposta para um debate expli-
cando as características desse gênero e como ele deve ser organizado. O(a) professor(a)
explicará ainda que a escolha do gênero debate se deve ao fato desse se tratar de um texto
argumentativo oral, cujo propósito é convencer os interlocutores sobre a validade da
opinião defendida. Por conta disso, os debatedores precisarão planejar seus discursos,
acionando uma série de argumentos de acordo com o movimento argumentativo que
deseja seguir.
314
Segundo os autores Dolz; Schnewly; Pietro (2004), o debate nos permite expor
livremente nossas ideias, como também exige estarmos aptos a respeitar as opiniões
alheias. Independentemente do resultado essa experiência é extremamente enriquecedo-
ra, pois debater significa modificar as pessoas e a nós mesmos. É um exercício cognitivo
e de cidadania ao mesmo tempo.
No quarto momento, o(a) professor(a) dividirá a turma em dois grupos, um gru-
po ficará com o texto Ideias de Canário e defenderá as ideias de mundo do canário, o
contexto de fala do pássaro. Enquanto o outro grupo ficará com a Imagem da caverna
e defenderá as visões de mundo dentro e fora da caverna. O(a) professor(a) mediará a
discussão apontando partes do texto em que essas visões de mundo são relevantes.
Na quinta aula, o(a) professor(a) solicitará um texto dissertativo-argumentativo e
explicará o motivo da escolha do gênero, pois é um tipo textual que consiste na defesa de
uma ideia por meio de argumentos, opinião e explicações fundamentadas, tendo como
objetivo central a formação de opinião do leitor. Assim, ele é caracterizado por tentar
convencer ou persuadir o interlocutor da mensagem através da argumentação.
Dessa forma, o(a) professor(a) solicitará que os alunos deverão responder ao
questionamento “Tendo como ponto de partida a pergunta filosófica: “O que é o mun-
do?”. Refletiremos em que medida somos iguais ao canário ou aos prisioneiros na caver-
na, uma vez que, também temos dificuldades de abandonar pontos de vista anteriores
e compreender novas realidades. Por que preferimos manter ideias preconceituosas a
buscar novos modos de pensar?”.
Para auxiliar a execução dessa sequência didática, disponibilizamos no apêndice
do trabalho os planos de aula, elaborados com toda explicação e detalhes necessários
para o desenvolvimento das atividades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com isso, acreditamos que o nosso objetivo será alcançado, mas, será necessá-
rio que os professores tenham autonomia e condições suficientes para desenvolver um
trabalho significativo, de modo a impactar no desenvolvimento da aprendizagem dos
educandos. A educação é fundamental para o desenvolvimento do sujeito, por isso cabe
ao professor instigar aos alunos a irem além do conteúdo, a saírem da comodidade, esti-
mular o raciocínio e propor desafios com o objetivo de construir seres pensantes.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Machado de (1997). Histórias sem data. In: ASSIS, Machado de. Primas de Sa-
pucaia. São Paulo: Globo. p. 43-49.
315
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BRANDÃO, Ruth Silvano. Machado de Assis leitor: uma viagem à roda de livros/
Ruth Silvano Brandão, José Marcos Resende Oliveira. – Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2011.
DUARTE JÚNIOR, João Francisco. O que é realidade. São Paulo: Brasiliense, 2000.
REALE, Miguel, 1910-A filosofia na obra de Machado de Assis: com uma “Antologia
filosófica de Machado de Assis” / Miguel Reale. – São Paulo: Pioneira, 1982.
PLATÃO. A República. Tradução de Anna Lia A. A. Prado. São Paulo: Martins Fontes,
2006.
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Trad. Ernani F. da Rosa – Porto
Alegre: ArtMed, 1998.
316
APÊNDICE
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
TURMA DO 1° ANO DO ENSINO MÉDIO
Plano de Aula n° 1
Tema:
A Imagem da Caverna
Carga horaria:
50 min
Objetivos:
Averiguar se os alunos têm conhecimento do texto a “Imagem da caverna”.
Ler os principais momentos do texto a “Imagem da caverna”.
Discutir com os alunos a saída e o retorno a caverna.
Apresentar imagens que representam os prisioneiros na caverna.
Refletir sobre a atitude tomada do prisioneiro que consegue sair da caverna.
Conteúdo:
Texto a Imagem da Caverna.
Metodologia:
Inicie a aula perguntando aos alunos se eles têm conhecimento do texto
a Imagem da caverna ou se já ouviram falar sobre o mesmo. Mediante as res-
postas dos educandos, o(a) professor(a) apresentará o autor do texto e conse-
quentemente o contexto em que foi criado. Em seguida faça a leitura do texto
destacando os momentos principais como a saída e o retorno a caverna. Por
meio de slides o(a) professor(a) mostrará algumas imagens apresentando a
Imagem da Caverna para que os alunos tenham mais conhecimento. Feito isso
peça aos alunos para refletirem sobre a saída da caverna.
Recursos:
Notebook, Datashow, imagens que representa os prisioneiros na caverna.
318
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
TURMA DO 1° ANO DO ENSINO MÉDIO
Plano de Aula n° 2
Tema:
Ideias do canário
Carga horaria:
50 min
Objetivos:
Apresentar aos alunos o conto Ideias do canário, o autor e seu contexto
histórico.
Fazer uma leitura coletiva do texto.
Discutir com os alunos os pontos principais do texto.
Fazer questionamentos sobre as diferentes visões de mundo do canário.
Conteúdo:
Texto Ideias do canário.
Metodologia:
Inicie a aula apresentando o conto Ideias do canário, apresente o autor e o
contexto histórico do período que o conto foi escrito. Explique que foi escrito por
Machado de Assis, maior representante do realismo brasileiro. O(a) professor(a)
poderá falar um pouco sobre as características desse movimento. Em seguida
o(a) professor(a) irá junto com os alunos fazer a leitura do texto, após a leitura
o(a) professor(a) fará questionamentos sobre o texto, discutindo as diferentes
visões de mundo do canário e dará oportunidade para os alunos responderem.
Recursos:
Cópias do texto Ideias do canário.
319
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
TURMA DO 1° ANO DO ENSINO MÉDIO
Plano de Aula n° 3
Tema:
Entendendo o Gênero debate
Carga horaria:
50 min
Objetivos:
Conhecer o gênero debate.
Entender a importância desse gênero, para planejar um discurso.
Compreender as regras do gênero.
Conteúdo:
Texto Relato da elaboração de uma Sequência: o debate público.
Metodologia:
O(a) professor(a) lançará a proposta para o debate, explicará as caracte-
rísticas desse gênero e como ele deve ser organizado. O(a) professor(a) explanará
que a escolha do gênero debate se deve ao fato desse se tratar de um texto argu-
mentativo oral, cujo propósito é convencer os interlocutores sobre a validade
da opinião defendida. Por conta disso, os debatedores precisam planejar seus
discursos, acionando uma série de argumentos de acordo com o movimento ar-
gumentativo que deseja seguir.
Feito isso, o(a) professor(a) irá apresentar as regras do debate e dividir a
turma em duas equipes, e dará um tempo para os alunos se organizarem.
Recursos:
Caderno e caneta para anotar as explicações.
320
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
TURMA DO 1° ANO DO ENSINO MÉDIO
Plano de Aula n° 4
Tema:
Imagem da caverna x Ideias de Canário
Carga horaria:
50 min
Objetivos:
Debater sobre as diferentes visões de mundo apresentas nas obras.
Entender o contexto de fala do pássaro.
Compreender as atitudes do homem liberto da caverna.
Conteúdo:
A imagem da caverna e o texto Ideias de Canário.
Metodologia:
Após ter preparado o turma para o debate, o(a) professor(a) irá sortear
qual equipe iniciará o debate. A equipe sorteada iniciará defendendo a visão de
mundo de acordo com o seu texto.
Em seguida a próxima equipe fará da mesma forma. O(a) professor(a)
mediará a discussão apontando partes do texto onde essas visões de mundo são
relevantes. E cada equipe terá a oportunidade de defender o seu texto, dentro do
tempo estabelecido pelo(a) professor(a).
Recursos:
Cronômetro, papel, caneta.
321
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
TURMA DO 1° ANO DO ENSINO MÉDIO
Plano de Aula n° 5
Tema:
O que é mundo?
Carga horaria:
50 min
Objetivos:
Explicar o que é um texto dissertativo-argumentativo e o motivo da esco-
lha do gênero.
Solicitar dos alunos que façam um texto dissertativo-argumentativo.
Conteúdo:
A imagem da caverna e o texto Ideias de Canário.
Metodologia:
O(a) professor(a) explicará o que é texto dissertativo-argumentativo, o
motivo da escolha do gênero. Em seguida, o(a) professor(a) solicitará que os alu-
nos respondam ao questionamento “Tendo como ponto de partida a pergunta
filosófica: “o que é o mundo?” reflitam em que medida somos iguais ao caná-
rio ou aos prisioneiros na caverna, uma vez que também temos dificuldades de
abandonar pontos de vista anteriores e compreender novas realidades. E por que
preferimos manter ideias preconceituosas a buscar novos modos de pensar?”.
Os alunos deveram escrever suas opiniões de acordo com as regras do
gênero textual e entrega-las para o(a) professor(a).
Recursos:
Papel e caneta.
322
ATIVIDADE EDUCATIVA
DO TÉCNICO EM SEGURANÇA DO TRABALHO:
Um olhar na formação e no exercício profissional
INTRODUÇÃO
323
Aqui no Brasil, a legislação relacionada à segurança no trabalho teve início com a lei que
tratava sobre a prestação de serviço, fato ocorrido em 1830. Somente em 1967 foi insti-
tuído o Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho
(SESMT) e a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) por meio do Decreto
229/67 (BRASIL, 1967). Ressaltando que o “SESMT era facultativo e só passou a ser
obrigatório em 1972, quando foi dado o início da profissionalização do segmento”. Nesse
mesmo período foram criados os cursos de formação em saúde e segurança do trabalho
(ANJOS et al. 2004).
A profissão de TST foi regulamentada em 1985, surgindo, desse modo, o primeiro
profissional integrante do SESMT exigido na empresa, atendendo ao disposto na Norma
Regulamentadora (NR) 4 que classifica as empresas de acordo com a gradação de risco
e o número de funcionários. O SESMT é composto por: TST, Engenheiro de Segurança
do Trabalho, Médico do Trabalho, Auxiliar de Enfermagem do Trabalho e Enfermeiro
do Trabalho (BRASIL, 1985).
Ademais, os TSTs são facilitadores de conhecimento tanto para o empregado
como para o empregador. A responsabilidade é tanta que o TST pode responder civil
e/ou criminalmente caso seja constatada negligência em caso de acidente ou doen-
ça relacionada ao trabalho. Observando tantas responsabilidades que são atribuídas
sinaliza-se a seguinte questão de pesquisa: de que forma os cursos de formação para
TSTs ofertados em Jequié apresentam os componentes curriculares específicos para
desenvolver as funções educativas conforme a legislação? A pesquisa terá como prin-
cipal objetivo: demonstrar como os TSTs relatam o desenvolvimento das atividades
educativas no ambiente laboral, considerando as técnicas empregadas para facilitar a
aprendizagem teórica e prática dos colaboradores. Para complementar o objetivo prin-
cipal, tem-se estabelecidos os seguintes objetivos específicos: conhecer as atividades
educativas realizadas pelos TSTs; associar os dados encontrados com a bibliografia
das atividades educativas dos TSTs; e examinar de que maneira os TSTs relatam seu
dia a dia no processo educacional de colaboradores visando à prevenção de acidentes
e doenças ocupacionais. Para tanto, foram analisados os componentes curriculares da
rede pública estadual e privada da cidade de Jequié; foi aplicado um questionário e
posteriormente realizou-se entrevista semiestruturada com 30 profissionais TST. O
estudo teve como metodologia as abordagens bibliográfica, documental e participação
de pessoas por meio de questionários e entrevistas. Na parte bibliográfica foram ana-
lisados estudos desenvolvidos abordando o tema através de livros, teses, artigos e pe-
riódicos; na abordagem documental examinou-se legislação vigente como as Normas,
Leis, Decretos e Instruções Técnicas de Saúde e Segurança do Trabalho, SST e ementas
do respectivo curso ofertado em Jequié; e a participação de pessoas, por meio de ques-
tionários e entrevistas, que possibilitaram observar como é a rotina do profissional,
suas percepções e suas dificuldades.
324
Observamos que nos diversos bancos de dados como Biblioteca Digital Brasileira
de Teses e Dissertações (BDTD), Google Acadêmico e no Portal de Periódicos da Co-
ordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), há uma carência
de produções sobre o tema, fato que contribuiu para a escolha do objeto de pesquisa. As
produções localizadas foram consideradas, conforme o escopo do estudo, nas seguintes
classes: andragogia em ambiente laboral; educação e SST; e o profissional TST e suas
funções educativas.
METODOLOGIA
A partir dos respectivos conceitos, dividiu-se em três fases, a saber: revisão bi-
bliográfica; análise documental; e a participação de pessoas através de questionário e
entrevista semiestruturada. Inicialmente foram pesquisadas as contribuições sobre o
tema, no campo de SST, assim como no escopo pedagógico. Porém, em relação à fun-
ção educativa do TST, há uma lacuna. Foram localizadas publicações que, após triadas
a favor da temática, foram lidas, fichadas e passaram a compor a revisão bibliográfica
do estudo. Foram observadas as NRs, Leis, Decretos e Instruções Técnicas vigentes
relacionadas à área de SST.
Em seguida, a pesquisa ocorreu da seguinte forma: aplicação de questionários e
entrevistas semiestruturadas com TSTs formados na cidade de Jequié e com Registro
Profissional no Ministério da Economia através da Secretaria do Trabalho. Devido
à situação atual de pandemia da Doença por Coronavírus (COVID19) que assolou
o mundo e com o objetivo de preservar à integridade dos participantes da pesquisa,
a entrevista foi realizada em 5 fases sequenciais por meio eletrônico. A pesquisa foi
325
realizada com 30 profissionais a partir do banco de dados (acesso público) do Centro
de Referência em Saúde do Trabalhador de Jequié (CEREST – Jequié) considerando as
seguintes fases:
Fase 1: Após acessar a lista com os e-mails dos profissionais, foi encaminhado
um e-mail (individual) convidando para participação na pesquisa (contendo o
prazo de 15 dias para resposta do e-mail).
Fase 2: Os (a) participantes que manifestaram interesse em participar da pes-
quisa receberam esclarecimentos de forma individualizada (via WhatsApp e e-
-mail) e puderam solicitar informações diretamente com a pesquisadora (para
que a identidade do participante fosse preservada).
Fase 3: Após ser contatada diretamente pela pesquisadora e feitos todos os
esclarecimentos, a pessoa que permaneceu interessada em continuar na lista
de participantes recebeu em seu e-mail o link de um formulário eletrônico
contendo o Termo de Livre Consentimento Esclarecido (TCLE). A pessoa par-
ticipante que leu e preencheu o formulário demonstrando interesse foi identi-
ficada pela pesquisadora através de sigla precedida das consoantes “TST” mais
um número entre 1 e 30. Exemplo: TST1, TST2, TST3.
Fase 4: Após identificação da pessoa participante (conforme exemplo na fase
3), a mesma recebeu o link de um formulário eletrônico contendo 23 questões
objetivas e 1 subjetiva, totalizando 24 questões.
Fase 5: Após o envio das respostas do questionário, a pessoa participante foi
contatada pela pesquisadora para agendar a data e o horário para realização
da entrevista composta por 23 questões, ressaltando que todos os dados dos
(a) participantes foram/serão mantidos em total sigilo conforme Resolução
nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). A entrevista semiestru-
turada, composta por 23 questões foi realizada via aplicativo (WhatsApp) e/
ou por contato telefônico (de acordo com a disponibilidade e viabilidade de
acesso do partícipe). No caso das respostas das entrevistas realizadas via liga-
ção telefônica, todas foram transcritas. As entrevistas realizadas via aplicativo
WhatsApp foram salvas (no próprio aplicativo) e tanto as entrevistas por meio
de ligação como via aplicativo, em 2 dias úteis, foram enviadas ao participante
(via e-mail) para que o mesmo conferisse as respectivas respostas (nesse mo-
mento também foi facultado a cada participante alterar ou acrescentar alguma
informação) e autorizasse a inclusão das mesmas no banco de dados elaborado
via planilha eletrônica composta por todas as respostas dos questionários e das
entrevistas. Após a fase de coleta de dados foi realizada uma análise quantita-
tiva e, posteriormente, discussão dos resultados.
326
CONHECENDO A HISTÓRIA DA SEGURANÇA
E SAÚDE NO TRABALHO
A história da segurança do trabalho começou cerca de 350 anos a.C., pois, nesse
período, Aristóteles (384–322 a.C.) estudou as enfermidades dos trabalhadores nas mi-
nas e, principalmente, a forma de evitá-las. Este foi o primeiro registro de um esforço a
favor da saúde dos trabalhadores. O próximo registro foi quando Platão (428-348 a.C.)
ratificou as enfermidades do esqueleto de alguns trabalhadores no exercício laboral. Em
seguida, Hipócrates (460-375 a.C.) fez o primeiro reconhecimento e descrição de enve-
nenamento por chumbo. Após um período de silêncio sobre o assunto, foi encontrado
em Roma, o registro de Galeno (129-201 a.C.) que se referia ao envenenamento decor-
rente do trabalho com enxofre, zinco e vapores ácidos. O romano Plinio (23-79 d.C.)
estudou agentes como chumbo, enxofre e zinco e poeiras, fazendo a recomendação do
uso de proteção para as vias aéreas. Anos depois, Avicena (908-1037) identificou que
as cólicas dos pintores eram causadas pelas tintas à base de chumbo. Posteriormente,
Ulrich Ellenbog (1435-1499), editou publicações de medidas sobre higiene do trabalho
(ANVISA, 2009, p. 8).
Em 1473 foi encontrado um novo registro publicado na Alemanha. Era um estudo
sobre as doenças com dois ourives provocadas pelos gases usados nas atividades laborais.
No ano de 1556, Giorgius Agrícola, na Alemanha, publicou o livro De Re Metallica que
fazia relação das doenças dos trabalhadores das minas e fundições de ouro e prata. No
ano seguinte, Paracelso (1493-1541) publicou a primeira monografia onde destacou a
relação da intoxicação pelo mercúrio com a atividade laboral. No ano 1606, o Rei Carlos
II (1630-1714) proclamou que as casas novas fossem construídas com tijolos e pedras e
que as ruas fossem alargadas a fim de evitar a propagação de um possível incêndio assim
como ocorreu em Londres. Já em 1700, na Itália, Bernardino Ramazzini (1633-1714) pu-
blicou a obra de referência da medicina ocupacional o livro De Morbis Artificium Diatri-
ba. Em 1775, na Inglaterra, Percivall Pott (1714-1788) descreveu o câncer dos limpado-
res de chaminés. Em 1801, o médico Thomas Beddoes (1760-1808) relatou as condições
de higiene do trabalho (ANJOS et al 2004 p. 18; ANVISA, 2009, p. 8).
Em 1802, na Inglaterra, surgiu a primeira lei de proteção ao trabalhador: A Lei da
Saúde Moral dos Aprendizes, que estabeleceu uma jornada de trabalho de no máximo
12 horas. Em 1831, Charles T. Thackrah (1795-1833), também na Inglaterra, descreveu
as doenças relacionadas ao trabalho em geral. Em 1833, foi instituída a Lei das Fábricas,
que obrigava as empresas a instalarem sistemas de ventilação exaustora nos ambientes.
Nesse mesmo ano foi promulgado o Ato das Fábricas que passou a considerar algumas
doenças como evitáveis nos profissionais pintores, chapeleiros e mineiros. Em 1840,
o médico Louis René Villerme (1782-1863) realizou um estudo sobre as condições de
saúde dos trabalhadores têxteis, se preocupando com a relação entre o ambiente social,
327
a mortalidade e a morbidade. Já em 1842 Edwin Chadwick (1800-1890) e John Simon
(1816-1904) fizeram um estudo sobre as condições sanitárias da classe trabalhadora.
Em 1862, na França, ocorreu a regulamentação da Segurança e Higiene do Trabalho
(OLIVER, 2019).
Em 1865, na Alemanha, instituiu-se a Lei que responsabilizava o empregador pe-
los acidentes de trabalho e determinava o pagamento de indenizações aos trabalhado-
res. No ano de 1867, Karl Marx (1867-1883), em “O Capital”, denunciou o trabalho de
crianças e o número excessivo de horas trabalhadas. Na França em 1883, Emilio Muller
foi fundador da Associação de Indústrias Contra Acidentes de Trabalho. Em 1886, nos
Estados Unidos, ocorreu a Revolução Trabalhista de Chicago. Nesse período houve o
fortalecimento das organizações trabalhistas e, posteriormente, dos movimentos sindi-
cais (ANVISA, 2009, p. 8).
No ano de 1891, em janeiro, surgiu a primeira Lei de Saúde e Segurança Ocupa-
cional no Brasil, que tratava da proteção ao trabalho dos menores de idade. Entre 1907
e 1920, no Brasil, ocorreram greves objetivando a proteção do trabalho. Na Inglaterra
em 1897, falou-se, pela primeira vez, em indenização por incapacidade decorrente de
acidente de trabalho. Em 1898, Thomas Legge foi nomeado o primeiro inspetor médico
de fábrica. Em 1911 começou a implementar com maior amplitude o tratamento médico
industrial. Voltando ao Brasil, em 1919, surge a Lei 3.724 sobre acidente de trabalho,
ainda no mesmo ano surge a Organização Internacional do Trabalho (OIT) por meio do
Tratado de Versales (OLIVER, 2019).
Em 1930 foi criado o MTE e em 1934 a Inspetoria de Higiene e Segurança do Tra-
balho. Em 1 de maio de 1943, sancionou-se a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
que no seu Capítulo V trata de Segurança do Trabalho. Em 1944, foi feita uma reforma
na Lei de Acidente de Trabalho. Em 1953, ocorreu a regulamentação da Comissão In-
terna de Prevenção a Acidentes (CIPA). Em 1948, foi criada a Organização Mundial da
Saúde (OMS) e em 1960 a regulamentação dos Equipamentos de Proteção Individual
Nacional de Segurança Higiene e Medicina do Trabalho – atual Fundação Jorge Duprat
Figueiredo, de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro). Em 1972 a Portaria
3.237 do MTE criou o SESMT (ANJOS et al 2004 p. 18).
Em 1974, foram criados os primeiros cursos de formação dos profissionais de se-
gurança higiene e medicina ocupacional. Em 1978, foram criadas as primeiras 28 NRs.
Em 1983, a Portaria 33 alterou a NR5 introduzindo os riscos ambientais. Em 1985, foi
oficializada a especialização em engenharia de segurança do trabalho e criou a categoria
de TST. Em 1986, foram regulamentadas as profissões de enfermeiro do trabalho, técnico
de enfermagem do trabalho e auxiliar de enfermagem do trabalho. Em 1990, a NR4 foi
alterada e o SESMT passou a ser formado por engenheiro de segurança do trabalho, mé-
dico do trabalho, enfermeiro do trabalho, auxiliar de enfermagem do trabalho e TST. A Lei
8.213/91 constituiu legalmente os Acidentes de Trabalho e de Trajeto e a obrigatoriedade
328
de efetuar a Comunicação dos Acidentes de Trabalho aos órgãos competentes. Em 1994,
foi alterado o título da NR9 de “Riscos Ambientais” para “Programa de Prevenção de Ris-
cos Ambientais”. No ano de 2001, entrou em vigor a Portaria 458 que proibiu o trabalho
infantil em todo território nacional. Anos depois, já em 2009, a terminologia “ato inse-
guro” foi retirada do texto da NR1. A partir de 2012, o dia 10 de outubro ficou definido
com o “Dia Nacional de Segurança e Saúde nas Escolas”. Em 2019, o governo extinguiu
o Ministério do Trabalho e Emprego que a partir de então, se tornou uma secretaria vin-
culada ao Ministério da Economia (OLIVER, 2019).
A FORMAÇÃO DO TST
Até 27 de julho de 1972 não havia obrigatoriedade de curso para o então Inspetor
de Segurança do Trabalho. Posteriormente o curso foi implantado e a Fundacentro pas-
sou ser responsável pelo mesmo que se tornou obrigatório contendo carga horária míni-
ma de 120 horas. Em 1982, o curso foi reformulado e a carga horária foi dobrada. No ano
seguinte, passou para 264 horas e seguiu assim até 1984. Em 1985, com a regulamentação
da profissão, houve a interrupção do curso, quando o mesmo foi reimplantado já foi com
a carga horária de 1200 horas (ANATEST, 2021).
Na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e suas respectivas alterações são estabelecidos
critérios para criação dos cursos técnicos, no entanto a pesquisa limitou-se a analisar os
componentes curriculares e o perfil proposto aos egressos. Os cursos técnicos são regidos
pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) que define condições mínimas para realiza-
ção dos mesmos. No Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNCT) atualizado em 2020,
o curso de TST está registrado dentro do Eixo de Segurança juntamente com os cursos de
Técnico em Defesa Civil, e Técnico em Prevenção e Combate a Incêndios. Os requisitos
mínimos podem variar conforme a modalidade de ensino, entretanto o perfil do profissio-
nal permanece o mesmo.
Seguindo o que está descrito no CNCT (2020) o egresso estará habilitado a:
329
Higiene, Saúde e Segurança do Trabalho; Metodologia do Trabalho Científico; Empreen-
dedorismo e Intervenção Social; Ética, Cidadania e Meio Ambiente; Estatística Aplicada;
Administração Aplicada à Segurança; Legislação e Normas de Segurança; Segurança do
Trabalho; Prevenção e Combate a Acidentes; Psicologia e Relações Humanas; Saúde do
Trabalhador; Aspectos e Impactos Ambientais; Organização e Sistemas Integrados de
Segurança; Primeiros Socorros; Técnicas de Segurança Industriais e Ocupacionais. O
perfil dos egressos conforme Projeto Politico Pedagógico (PPP) é:
330
integrados de segurança. Já na rede privada encontrou-se os seguintes componentes: redação
técnica, toxicologia e doenças ocupacionais, desenho técnico e ergonomia. Apesar de oferta-
rem diversos componentes inerentes ao perfil profissional estabelecido pelo MEC conforme
CNCT (2020), é obrigatório ter uma carga horária de estágio ou realização de trabalho de
conclusão de curso. É perceptível a carência de componentes específicos para embasamento
da função educativa desempenhada pelo profissional, conforme afirmação de Bley (2004)
“o TST é um professor”. Mesmo havendo muitos componentes de ordem técnica, as funções
educativas estão para além somente de dominar teoricamente a legislação específica da área.
Para complementar o que já fora identificado do processo de formação, aplicou-se questio-
nário para 30 TSTs formados em Jequié e realizou-se entrevistas individuais para identificar
as percepções dos profissionais participantes da pesquisa.
331
Quando se tratou do fator idade foram identificados que 26,7% possuem menos
de 30 anos, 70% entre 31 e 50 anos e 3,3% têm idade superior a 50 anos. Percebeu-se que
todos os participantes ainda têm muitos anos de trabalho pela frente e quando falou-se
de tempo de experiência, os resultados foram equilibrados, pois 46,7% têm até 5 anos e
53,3% possuem entre 6 e 10 anos.
Sobre a participação em eventos correlatos à profissão, um total de 60% afirmou
participar de eventos mais de uma vez por ano, já 33,3% participam uma vez ao ano e
6,7% nunca participam. Questionou-se então, se na ordem de serviço referente às ativi-
dades desenvolvidas definidas pelo TST na empresa, há menção a atividade educativa e
73,34% responderam que sim. Com o avanço do questionário fomos nos aproximando
de questões mais específicas e identificou-se que 73,34% entende que receberam pouco
ou nenhum preparo para desempenho da função educativa, somente 33,33% acredita
possuir habilidades para educar adultos no ambiente laboral.
Perguntou-se quais as atividades educativas desenvolvidas pelos TSTs e as mais
citadas foram: palestras, Diálogo Diário de Segurança (DDS), Diálogo Semanal de Se-
gurança (DSS), campanhas, cursos e treinamentos. Como são desenvolvidas diversas
ações, procurou-se saber se após a realização das mesmas são efetuadas avaliações e
somente 13,32% afirma que sim. Desses profissionais, 66,6% acreditam que possuem
habilidades para educar trabalhadores e julgam as ações como eficazes. A maioria dos
TSTs reconhece a importância das ações educativas e o quanto os colaboradores podem
contribuir dando sugestões de melhoramento no uso de equipamentos, bem como nos
procedimentos operacionais.
Os participantes relataram que observam o comportamento dos trabalhadores
para no desenvolvimento das ações educativas chamar à atenção para os pontos que de-
mandam correção. Para que não haja desentendimento entre as partes, os TSTs buscam
se aproximar, interagir e observar as atitudes dos trabalhadores. Saber o que pensa o
trabalhador é crucial para o desenvolvimento das ações educativas, assim como saber o
nível de instrução de cada um e dar início a partir do grau mais inferior para que todos
compreendam. Fazer citações nos momentos educativos de fatos ocorridos, bem como
o uso de estatísticas de acidentes como estratégias mencionadas a fim de conscientizar o
trabalhador sobre a importância da segurança no trabalho. Hahn (1999) compartilha a
ideia de que a maior exigência é a motivação heutagógica, ou seja, entrega contínua para
aquisição do conhecimento reflete diretamente no desempenho da atividade laboral.
Descobriu-se também que 80% costuma executar várias ações com periodicidade
máxima de 30 dias. Quando questionados sobre a participação em eventos voltados à area
de SST, somente 6,7% afirmam não participar de eventos durante o periodo de um ano.
O desejo apontado pelos participantes é de aperfeiçoar as técnicas para me-
lhor desenvolvimento das atividades educativas, inclusive, Bley (2004) disse que pro-
fissionais TSTs não demonstram que foram preparados para a função de “professor”
332
na area de SST e, ao longo do estudo, fomos observando a confirmação dessa afir-
mativa. Uma das questões que teve o percentual bem elevado foi sobre a necessidade
de formação para aperfeiçoamento das ações educativas realizadas onde 90% confir-
mou a carência de preparo especializado para executar a ação.
Sobre as ações educativas mais executadas para previnir acidentes e doenças la-
borais, o DDS foi dominante, sendo citado por 93,3% dos participantes, provavelmente
por ser a ação mais cômoda para ser desenvolvida, pois além de ser dinâmica não ocupa
tanto tempo e algumas empresas optam por fazê-lo com frequência diária, semanal ou
mensal. O treinamento alcançou o percentual de 69,9% e as palestras 53,3%, caracteri-
zando as atividades educativas mais realizadas pelos TSTs.
No final do questionário disponibilizou-se um espaço para que o participante
expressasse sua visão e perspectivas sobre a formação e o exercicio profissional. O que
mais foi citado pelos participantes foi a carência de: pedagogia laboral; didática; aulas
práticas e simulados; inteligência emocional; relacionamento interpessoal; professores
capacitados; educação para adultos; poucos eventos de SST; prática sobre documentos
específicos; aprender a ensinar; metodologia de ensino para o TST; oratória; e liderança.
Somente o questionário não foi suficiente para compreender a percepção dos
TSTs perante ao tema. Desse modo, realizou-se a entrevista semiestruturada. Duran-
te a realização das entrevistas, foram identificados profissionais atuantes nos mais
diversos ramos de atividade e de porte variado assim como o grau de risco. Como
disse Bley (2004), independente do porte e ramo de atuação, a responsabilidade edu-
cativa sempre é atribuida a um profissional de nível médio/técnico, mais especifica-
mente o TST.
Foram estabelecidos como critérios para definição da amostra: exercício da fun-
ção educativa; tempo de experiência igual ou superior a cinco anos; e grau de risco das
condições de trabalho, conforme estabelecido na NR4. Após a triagem dos perfis, foram
selecionados oito perfis profissionais sendo cinco do gênero masculino e três do femi-
nino. Os perfis, conforme descrito na metodologia, foram identificados pela sigla TST
seguida de um número, os homens foram identificados como: TST1, TST3, TST5, TST6
e TST8 e as mulheres como: TST2, TST4 e TST7.
A transcrição das entrevistas foi realizada de forma integral e respeitando a par-
ticularidade de cada perfil. A primeira questão foi sobre as experiências profissionais e
obteve-se os seguintes resultados:
333
TST5: Construção civil pesada (Ferrovia), Construção civil, Fiscalização e
supervisão, Mineração, Transporte Rodoviário e logística.
TST6: Construção civil, clínica de saúde ocupacional, mineração e escola
técnica.
TST7: Ferrovia e Mineração.
TST8: Educação, treinamento profissional e consultoria.
TST1: Sintesp/SP.
TST2: Não, só o registro no Ministério do Trabalho
TST3: Não.
TST4: Não.
TST5: Não.
TST6: CREA.
TST7: Não.
TST8: Não.
334
empresas que investem sim em segurança, em contra partida, outras ao
contrário, não estão nem aí. Sem contar o profissional que trabalha nessa
empresa que não investe, está ali somente para cumprir uma legislação, ou
seja, somente para cumprir tabela.
TST6: Momento de evolução. Edição das normas tornando-as mais sim-
plificadas e sem perder a capacidade de busca da melhoria da saúde do
trabalhador.
TST7: Apesar de ter avançado muito ainda precisa melhorar, digo por conta
de muitos documentos e pouca prática, entendo que quem tem mais cons-
ciencia é por temer pela propria vida. E como profissional de segurança
cabe a mim observar se os procedimentos estão sendo seguidos e procurar
corrigir evitando acidentes.
TST8: O cenário da Segurança do Trabalho, devido sua importância, está
sempre em evidência. A Segurança do Trabalho é uma área que precisa de
constante treinamento e fiscalização para preservar vidas e danos materiais.
335
TST8: Sim. Levando informação da Legislação e Conscientização da pre-
venção de acidentes de trabalho.
336
são as campanhas educativas que realizamos e reduzem os índices de
acidentes no ambiente laboral.
TST2: Sim, claro. Com o desenrolar das coisas o trabalhador vai entenden-
do a forma correta de executar a atividade dentro do padrão de segurança,
basta saber como falar.
TST3: Sim, ainda é tímida, mais isso depende muito da forma com que o
profissional em questão faz a gestão das suas atribuições.
TST4: Acho que só somos capazes de fazer um pouco deste trabalho através
de campanhas, treinamentos periódicos etc.
TST5: Sim... Pois existe um planejamento anual de Treinamentos, Ações
que devemos atender aos requisitos do "futuro extinto" PPRA...
TST6: Existe! É real! Todos os dias ocorrem os DDS’s. Até empresas que
não possui uma gestão de segurança com um bom nível; todos os dias no
início das atividades haverá ali o diálogo diário de segurança. Daí há perio-
dicamente os treinamentos, semanas de prevenção, disseminação de infor-
mações e afins.
TST7: Sim. Temos uma equipe especializada em treinamentos que inclui
uma psicologa e uma pedagoga, além de todos os outros profissionais que
compoem a gestão de SST.
TST8: Não enxergo que essa educação deva ser informal. Ela deve ser for-
mal e com embasamento na Legislação (CLT, NR's etc).
337
e chegar e não saber fazer um diálogo de segurança. Mais com o passar do
tempo fui pegando o jeito, afinal a troca com os trabalhadores ajuda muito
no dia a dia.
TST5: De uma certa forma o profissional da área de saúde e segurança do
trabalho, tem que buscar diariamente aprimorar seus conhecimentos, bus-
cando qualificação, especializações, atualizações, para de uma certa forma
está preparado para educar... Até mesmo buscar dentro da área da psicolo-
gia, estudar mais o ser humano.
TST6: Como disse anteriormente, para instruir/orientar sim. Como tenho
outras formações e cursos específicos de didáticas e técnicas de ensino, no
meu caso em particular, sim também.
TST7: Não. Não tive esta formação, fui aprendendo ao longo dos anos a
ministrar treinamentos e ha praticamente dez anos eu já fazia isso.
TST8: A formação de Técnico de Segurança do Trabalho dá conhecimen-
to e estratégias de intervenção nessa área educacional, com vistas prevenir
acidentes e doenças. Ninguém sai do curso de formação pronto. Esse pre-
paro acontece de forma progressiva e com estudos de qualificação.
Conforme dito, pela maioria dos entrevistados, eles aprenderam a educar os tra-
balhadores na prática laboral ou com formação continuada, pois não receberam o de-
vido preparo durante a formação na escola técnica. Acreditam desempenhar um bom
trabalho pautado nas experiências profissionais.
As principais ações educativas de acordo com os relatos dos participantes são trei-
namentos, campanhas e os diálogos de segurança:
338
Voltaro olhar para o trabalhador é imprescindível para que se desenvolva uma
ação educativa eficaz. Perguntou-se, dessa forma, se os colaboradores demonstram ca-
rência de capacitação e se os relatos das experiências colabora para a elaboração dos
conteúdos a serem aplicados.
Nas explanações dos participantes, notou-se que eles ouvem e analisam as su-
gestões e experiências dos colaboradores a fim de desenvolver melhoria nos processos e
compartilhamento de conhecimento na área de SST; ressaltaram, também, a manuten-
ção do diálogo. Foi perguntado como eles interpretam as falas e relatos de experiências
dos trabalhadores.
TST1: De forma positiva, uma vez que nos ajuda na sensibilização dos trabalha-
dores.
TST2: É necessário ouvir o outro e procurar entender, pois muitos técnicos pen-
sam que não é importante este momento, acho muito válido e positivo.
TST3: Uso, na composição do trabalho que publicar entre eles
339
TST4: Penso que é interessante para o desenvolvimento de todas as ações, pois
tudo os envolve, como não ouvi-los? Se eles fazem parte do processo. Sempre ouço,
registro e analiso antes de dar um retorno.
TST5: Relativo...Vai depender de quem passa o conhecimento. Quando percebo
que o colaborador está disperso ou não absorveu, veja a necessidade de uma reci-
clagem...
TST6: Os resultados na aplicação dos procedimentos e se existente o cumprimento
das determinações.
TST7: Procuro entender ao maximo o que o trabalhador de fato quer me dizer e
aproveito tudo para o momento de planejamento das ações.
TST8: Muito relevante. Por meio delas o técnico planeja suas estratégias de inter-
venção, orientando, tirando dúvidas e esclarecendo o que a legislação fala sobre o
assunto em questão.
Para fazer a interpretação das falas, o TST precisa. antes de mais nada, estar disposto
a ouvir e entender o sentimento, prosseguir no diálogo e deixar que o trabalhador perceba
sua importância no processo. Na sequência perguntou-se como analisam cumprimento
das normas, estatísticas e a necessidade das ações educativas no ambiente de trabalho.
340
TST1: Positivo, Todas as vezes que realizamos campanhas educativas obte-
mos indicadores de segurança melhores, nos levando a acreditar na efici-
ência da ferramenta.
TST2: Apesar de haver muitas falhas eu vejo como positiva. Já ouvi relatos
até do trabalhador prestar primeiros socorros a um familiar atraves do co-
nhecimento adquirido no local de trabalho.
TST3: Positivos, pois salvamos vidas, melhoramos comportamentos.
TST4: Meio a meio, pois como ainda há muitas falhas não posso caracteri-
zar como positiva nem como negativa.
TST5: Positivo. A tendência é diminuir os acidentes de trabalho.
TST6: Positivos. Porque é o profissional que está no dia a dia com os tra-
balhadores e possuindo as ferramentas corretas poderá ter um efeito bem
positivo.
TST7: Positivo, nós ensinamos lições que vão alem do chão de fábrica, eles
levam para casa e para a vida.
TST8: Positivos. Porque ela tem seu papel importante no processo de cons-
cientização e prevenção.
341
Apesar de não ser a favor somente da determinação de procedimentos, os partici-
pantes entendem que ainda é o caminho executável, pois acreditar unicamente na educa-
ção ainda é uma realidade bem distante. Para atender a normatização, os procedimentos
precisam ser registrados e este é o caminho seguido pelos profissionais. Indagou-se se já
pensaram sobre a relevância do papel do TST como educador.
342
TST1: Disciplina específica para melhora da comunicação dos profissionais
e técnicas de ensino
TST2: Eu vejo a formação com muitas falhas, as vezes recebemos estagiários
ou recem formados sem a minima condição para desempenhar a função,
infelizmente é o que é oferecido pelas escolas técnicas, foi assim comigo
tambem. Precisa reformular todo o curso, inserindo disciplinas que de fato
ofereçam conhecimento prático para os alunos. Já para a formação poste-
rior ao curso técnico, é um desejo de muitos de nós, mas há uma carência
destes cursos específicos, só existe curso de NR ou algunas ferramentas de
gestão. Precisamos de técnicas de ensino.
TST3: Evoluir no estágio de formação, mais contato com as atribuições que
vão executar.
TST4: Na formação continuada precisamos desenvolver melhor o que faltou
na formação e reciclar alguns conceitos como relações entre pessoas, lideran-
ça, oratória principalmente e para quem ainda está se formando isso pode ser
ensinado na escola e colocado em prática no estágio (no meu caso não houve
um estágio como deveria ser, fizemos somente visitas e a carga horaria foi
contabilizada como estágio, na época foi bom adiantou muito, mas ao chegar
no mercado de trabalho senti o peso e não ter aprendido na prática.
TST5: Até mencionei anteriormente, importante o técnico está aprimoran-
do, se atualizando diante das normas vigentes. Tem que procurar está com
o diferencial sempre.
TST6: Eu acredito que inserindo na formação uma disciplina específica,
por exemplo: Didática seria uma disciplina especifica; Pedagogia aplicada.
Nós temos várias disciplinas especificas, né. Temos uma Redação Técni-
ca Aplicada, Estatística Aplicada, Psicologia Aplicada. Por que não inserir
uma Pedagogia Aplicada ou coisa do tipo? Talvez poderia enriquecer e qua-
lificar melhor esse contexto. Existe uma linha da pedagogia chamada An-
dragogia que já é educação para adultos ao invés de pedagogia. Andragogia
específica, eu acredito que seria a solução para melhorar a qualificação do
profissional de segurança do trabalho.
TST7: O curso é muito voltado para normas de segurança e o técnico não é
só cumpridor das normas, nós somos psicólogos, professores, gestores, advo-
gados etc. A parte crucial dessa nossa função é saber lidar com gente de todo
tipo, rico, pobre, patrão e empregado e fazer eles entenderem o que estamos
tentando expor. Os técnicos poderiam sair mais bem formados das escolas se
no cotidiano como alunos estas habilidades fossem trabalhadas. Hoje em dia
vejo muito colegas buscando cursos para complementar a falha deixada pela
formação, alguns fazem até nível superior buscando melhoria na execução da
tarefa e continuam como técnicos no registro. A categoria precisa de orienta-
ção especifica para nossa função, esta é a minha bandeira.
TST8: A formação é um processo contínuo e inacabado, o que considero
como proposta de evolução na formação profissional é a participação de
cursos, seminários e palestra, buscando sempre novos aprendizados e atu-
alizações na área incentivada pela empresa.
343
O posicionamento dos técnicos é bem parecido, pois reconhecem a importância
da educação em SST. As mudanças necessárias nos currículos foram relatadas por expe-
riência da própria formação, assim como, ao receber estagiários ou profissionais forma-
dos, recentemente.
As informações coletadas nas entrevistas enriquecem questionamentos sobre a
qualidade de vida da população brasileira. Os TSTs colaboram através da atividade edu-
cativa para a conservação da vida, exercício da cidadania e autoestima dos trabalhadores.
As ações refletem na formação da identidade e como as pessoas interagem com o meio
em que vivem. Os TSTs externam em suas falas que não são filiados ao sindicato da cate-
goria, nem a associações, fato que os limita na buscar de melhorias para a classe.
A atuação do TST vai além do ambiente laboral, pois os conhecimentos compar-
tilhados com o trabalhador formam uma teia de informações envolvendo os familiares,
amigos ou mesmo desconhecidos. Essas conexões possibilitam o conhecimento coletivo
para preservação da vida, tornando-se uma ação social. O trabalho e a educação são
ações mútuas que contribuem para o avanço local oferecendo dignidade ao trabalhador
e a seus pares.
344
A boa relação do SESMT que, na maioria das vezes, é constituído somente pelo
TST, é de suma importância, pois proporciona conhecimento, melhoria no desempenho,
motivação e, consequentemente, melhoria no ambiente laboral, uma relação análoga a
do professor com seus educandos. Ainda existem os eventos conhecidos como campa-
nha, pois reúnem esforços em períodos determinados durante o ano que também são de
responsabilidade do TST – desde o planejamento até os resultados. A Semana Interna
de Prevenção a Acidentes de Trabalho (SIPAT) é estabelecida na NR5 Comissão Interna
de Prevenção a Acidentes (CIPA). As informações, por meio de palestras de temas rela-
cionados a SST, são organizadas e ministradas pelo TST que precisa ter a comunicação
facilitada e dominar técnicas de oratória para o melhor entendimento dos participantes.
Todas as atividades educativas desempenhadas no ambiente de trabalho depen-
dem de metodologias de ensino para que haja um sentido nas informações compartilha-
das. O TST, geralmente, utiliza alguns recursos: livros, revistas, jornais, cartazes, vídeos,
filmes, slides etc.
É indispensável o envolvimento do colaborador para que a melhoria ocorra, pois
ele é o principal fornecedor de informações para que o TST desempenhe sua função an-
dragógica. Para que a ação educativa do TST seja efetiva é crucial que a mesma seja pau-
tada na interdisciplinaridade, pois demanda conhecimentos diversos ligados às vivências
dos trabalhadores e suas relações laborais. O sucesso das atividades educativas depende
da aceitação do trabalhador, pois, a cada instante, surge novos conceitos e métodos de
aplicabilidade da SST. Entretanto, se o colaborador não estiver disposto a mudanças, as
relações podem ser conflituosas.
Planejar as ações baseando-se nos saberes e na capacidade de compreensão do tra-
balhador é relevante, inclusive permitir que o mesmo opine, discuta e reflita, conforme
suas experiências. Trata-se de uma relação de confiança entre as partes a fim de promo-
ver um ambiente saudável e seguro para todos. Quando o trabalhador pode contribui, se
sente valorizado, autoconfiante e tem a autoestima elevada.
345
Em SST os ensinamentos devem partir das estratégias andragógicas, já que, toda e
qualquer atitude requer excelência na execução. Para tanto, nas empresas, por mais im-
perceptível que pareça, os instrutores precisam de técnicas efetivas. Tardif (2000) eviden-
cia que o aperfeiçoamento no meio laboral deve se dá por formação continuada, sendo
crucial o emprego da prática andragógica.
Barros (2018) diz que o ponto de início motivacional do adulto é intrínseco e re-
quer automotivação. O trabalhador precisa ser sujeito do seu conhecimento associando
suas vivências a aquisição de saberes.
O ensino de adultos é diferenciado por depender de fatores como: conhecimento;
vivências e conflitos pessoais; autoestima; forma de ensinar; e estímulo cultural. Chan
(2010) diz que a andragogia é composta por seis elementos: autoconceito do aprendiz; o
papel da experiência do aprendiz; prontidão para apender; orientação da aprendizagem;
necessidade de conhecimento; e motivação para aprender.
A área de SST está passando por mudanças, principalmente nas Normas Regu-
lamentadoras. Uma das principais discussões foi sobre a NR1 que sofreu mudanças em
2019. Dentre as alterações, cabe comentar sobre os treinamentos à distância: iniciais
ou de integração; periódicos; e eventuais. Com essa permissão regulamentada, surge
um novo desafio para a equipe do SESMT, em especial, a classe dos técnicos de segu-
rança do trabalho.
A partir da “liberdade” na realização de treinamentos, pode-se afirmar que
o desafio do TST em manter a equipe ativa e motivada aumentou, pois exercer esta
tarefa à distância exige mais engajamento e aplicabilidade de metodologias para
compartilhamento de saberes. Diante do exposto, entende-se que é pertinente falar
sobre heutagogia. Almeida (2003) define heutagogia como autodireção no proces-
so de aprendizagem; trata-se do interesse da própria pessoa adquirir e desenvolver
o conhecimento.
346
As organizações precisam de processos diversificados práticos e rápidos, então a
motivação heutagógica do colaborador e do TST são uma via expressa para o desenvol-
vimento da gestão em SST. Baptista (2011) definiu heutagogia como metodologia onde o
sujeito escolhe: de que forma, quando, onde e o que aprender, pois este é autor da própria
aprendizagem a fim de alcançar seus objetivos.
A heutagogia é característica dos melhores profissionais, pois não buscam saberes
por mera obrigação. Teoricamente, tanto a andragogia como a heutagogia não são con-
ceitos criados recentemente. No entanto, como já foi dito, após as modificações nas nor-
mas regulamentadoras, a aplicabilidade passou a ser mais utilizada, sem contar que com
a pandemia de COVID-19 e todos os protocolos estabelecidos pelos órgãos competentes,
o ensino a distância permitiu que a periodicidade dos treinamentos fosse mantida. Por
outro lado passou a exigir mais dedicação dos instrutores/TSTs que, assim como os edu-
cadores formais, precisaram ressignificar sua prática docente.
347
Souza (2001) afirma que o espaço para treinamento dos trabalhadores no am-
biente laboral deve permitir a liberdade para descobertas, troca de experiências, diálo-
gos, compreensão e respeito para com a linguagem e conhecimento dos trabalhadores.
Entretanto, o hábito de preparo do trabalhador dentro da organização não é visto da
melhor maneira, pois a estratégia utilizada é o treinamento. Do lado oposto, à estratégia
citada está o cultivo da inteligência do colaborador, não mecanicamente submetendo-o
a treinamentos.
A educação em SST não é recente, mas é tradicionalmente embasada em caracte-
rísticas pedagógicas autoritárias, fato que remete ao que o pensamento de Paulo Freire
(1998) tanto repudia. As organizações necessitam de abordagens renovadas, que não
sejam somente direcionadas ao ambiente físico de labor, mas que objetivem a formação
do trabalhador.
348
nização da legislação trabalhista, sanitária, previdenciária e outras que se
relacionem com SST; 3) Integração das ações governamentais de SST; 4)
Adoção de medidas especiais para atividades laborais submetidas a alto ris-
co de doenças e acidentes do trabalho; 5) Estruturação de uma rede inte-
grada de informações em SST; 6) Implementação de sistemas de gestão de
SST nos setores público e privado; 7) Capacitação e educação continuada
em SST; 8) Criação de uma agenda integrada de estudos e pesquisas em
SST (BRASIL, 2011).
No ano de 1978, foram aprovadas pelo então TEM, através da Portaria 3.214,
as NRs. No entanto, a profissão de TST só foi instituída em 27 de novembro de
1985. A obrigatoriedade de contratação do referido profissional está descrita na
NR4, onde é instituído o SESMT que, por sua vez, é definido pelo grau de risco e
quantidade de funcionários.
349
O TST tem suas atribuições definidas pelo MTE por meio da Portaria 3.275 de 21
de setembro de 1989. As atividades delegadas aos técnicos abrangem reconhecimento
e identificação de agentes nocivos à segurança e saúde dos trabalhadores, sendo eles:
físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e mecânicos. Compete-lhes também, forne-
cer orientação para o empregador e seus colaboradores a fim de eliminar, monitorar e
controlar tais agentes.
Nesse contexto o profissional deve realizar funções educativas conforme descrito
no Art. 1o §VI:
350
O TST é um profissional operacional independente do ramo da atividade da em-
presa, buscando propor melhorias nos locais de produção. Sua busca por um ambiente
seguro depende de terceiros, fato que pode fazer com que seu esforço seja imperceptível
a curto prazo.
No Art. 7o §XXVIII da Constituição Federal e no Art. 132 do Código Penal Brasi-
leiro, está discriminada a responsabilidade civil e criminal que implicar para o profissio-
nal TST em caso de negligência.
A experiência seja do TST ou de outro colaborador é de extrema relevância no
processo de transformação dos trabalhadores, pois os mesmos participam ativamente do
processo, sendo assim, o técnico é uma ligação direta entre a parte individual e coletiva
no labor para promoção à qualidade de vida.
Os TSTs, além de responsáveis pelo gerenciamento dos riscos laborais, exercem
a função educativa que, na maioria das vezes, não é oficialmente admitida, como relata
Bley (2004):
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A segurança do trabalho está presente na vida da maioria das pessoas, seja direta
ou indiretamente, pois abrange várias áreas e, por esse motivo, demanda atualização
constante por parte dos profissionais a fim de atender sua finalidade. Os TSTs desem-
penham o papel de educador e deixam evidentes as dificuldades devido a ausência de
preparo, ainda na formação técnica.
Alguns dos participantes demonstram total desconhecimento da determinação
legal do exercício da atividade educativa, assim como, relatos de insegurança no de-
senvolvimento das mesmas e formar sujeitos ativos para a rotina laboral não é uma
missão simples.
Percebe-se que apesar de ofertar os cursos técnicos há alguns anos, ainda exis-
tem lacunas de uma esfera superior identificadas através dos relatos dos profissionais
egressos das respectivas escolas situadas em Jequié. Identifica-se que mesmo os cursos
351
contendo diversos componentes curriculares que contribuem para a formação dos TSTs,
esses profissionais, ainda quando alunos, não recebem o amparo andragógico voltado
à respectiva atividade educativa desenvolvida no ambiente laboral e estabelecida na le-
gislação que define as atribuições profissionais, apesar das escolas atenderem a todos os
requisitos estabelecidos pelo MEC.
A função exige um olhar sensível para o comportamento humano, para embasar
todas as atividades de análise, liderança e desenvolvimento de conteúdos específicos.
Viu-se que as principais ações educativas praticadas são os diálogos de segurança, treina-
mentos e campanhas e os TSTs carecem de formação específica para o desenvolvimento
das mesmas, conforme relatado na pesquisa.
Os TSTs vêm atuando de forma intuitiva nas ações educativas, no entanto,
suas responsabilidades são concretas perante a legislação, pois o que eles têm como
base são uma estabilidade nos indicadores, mas não na implemetação da cultura de
segurança.
Identifica-se o anseio dos profissionais por uma formação continuada específica
e acessível. A temática abre um leque de possibilidades de pesquisas futuras, tanto en-
volvendo gênero; métodos; criação de conteúdos; desenvolvimento; perfil do docente;
estrutura escolar; componentes curriculares de ordem técnica e modalidades de oferta
de curso; entre outras.
Muito se faz para cumprir as determinações da normatização de SST e manter os
indicadores em níveis baixos, mas os problemas permanecem, por alguns pontos citados
na pesquisa.
O Brasil ainda continua ocupando um dos primeiros lugares no ranking de aci-
dentes laborais, logo, entende-se que existem lacunas que precisam ser preenchidas para
que todo o contexto de SST faça sentido.
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356
Leitura, escrita, educação infantil e BNCC:
aspectos teóricos-metodológicos
CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO
* Avaliação Nacional de Alfabetização – instrumento do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) que mede
os níveis de alfabetização e letramento em língua portuguesa e matemática do ciclo de alfabetização das redes
públicas.
357
Tais dados me levam a cogitar o lugar da Educação Infantil como a representação
das primeiras possibilidades de construção de conhecimento no âmbito escolar, capaz de
contribuir, desde cedo, para a formação de um sujeito autônomo que será inserido como
cidadão na sociedade.
Diante do exposto, trago algumas inquietações: é possível o processo de leitura e
escrita acontecer ainda na Educação Infantil? É viável que isso ocorra sem atropelar o
tempo cognitivo da criança? Como conciliar competências leitora e escrita com o brin-
car e a ludicidade? Como isso está materializado nas orientações nacionais para a Edu-
cação Infantil?
Com tais questões, apresento o problema desta investigação: como a Base Na-
cional Comum Curricular da Educação Infantil presentifica as diretrizes de leitura e de
escrita considerando as peculiaridades desse nível de ensino?
Tal problemática me orientou ao objetivo geral deste trabalho: analisar como
a BNCC da Educação Infantil presentifica as diretrizes de leitura e de escrita, con-
siderando as peculiaridades desse nível de ensino. Diante disso, busquei investigar
a possibilidade de a leitura e a escrita ocorrer ainda na Educação Infantil e averi-
guar a probabilidade desse processo acontecer com a conciliação entre a compe-
tência leitora/escritora e a ludicidade/brincadeiras, respeitando o tempo cognitivo
da criança.
Mediante a problemática e os objetivos explicitados no parágrafo anterior, decidi
pela investigação de abordagem qualitativa, especificamente análise documental, tendo
como documento analisado a Base Nacional Comum curricular da Educação Infantil,
que traz dois eixos estruturantes: interações e brincadeiras. Os referidos eixos proporcio-
nam à criança uma construção de conhecimentos através de suas ações e interatividade,
com possibilidade de aprendizagem e desenvolvimento.
Embora a BNCC da Educação Infantil não mencione as palavras alfabetização e
letramento em seus escritos, a mesma apresenta em suas entrelinhas, como aspecto me-
todológico, que o processo de leitura e escrita pode ocorrer ainda na Educação infantil,
de forma espontânea, respeitando o tempo cognitivo de cada criança em sua faixa etária,
sem perder de vista a ludicidade e a brincadeira, considerando sua infância e vivências
do cotidiano.
Os resultados estão apresentados em duas seções: a primeira - BNCC: um
olhar preliminar, onde apresento a Base Nacional Comum Curricular, conceito, ob-
jetivo e estrutura do documento. Já na segunda seção, Ensino/aprendizagem da
leitura e escrita na Educação Infantil: o que a BNCC nos diz sobre isso?, estão
pontuadas as diretrizes que a BNCC apresentou para o processo de desenvolvimento
e aprendizagem no que tange à leitura e escrita, como também o ponto de vista dos
teóricos citados na fundamentação.
358
DOS FUNDAMENTOS TEÓRICOS
359
a escola passou a ocupar um espaço importante no percurso de vida dos pequenos,
pois a criança passou a ser reconhecida em sua individualidade, tendo a infância como
um direito enquanto vivencia a aprendizagem.
É possível que nesse processo de desenvolvimento infantil, a criança seja capaz
de dar os seus primeiros passos na aquisição da leitura e da escrita. Pesquisadoras como
Ferreiro e Teberosky (1999) partem do pressuposto de que todo o conhecimento tem
uma gênese e as autoras colocam as seguintes questões: quais as formas iniciais do co-
nhecimento da língua? Quais os processos de conceitualização do sujeito (ideias do su-
jeito + realidade do objeto de conhecimento)? Como a criança chega a ser um leitor, no
sentido das formas terminais de domínio da base alfabética da língua escrita?
De acordo com os resultados das pesquisas, as crianças, antes mesmo de vir à es-
cola, reconhecem que a escrita é um sistema de representação e fazem hipóteses de como
se dá tal interpretação. Existem 4 níveis que podem ser representados pelas crianças, des-
critos por Ferreiro e Teberosky (1999), a saber: pré-silábico, silábico, silábico-alfabético,
alfabético.
Segundo as autoras, no nível pré-silábico, o aprendiz pensa que pode escrever com
desenhos, rabiscos, letras ou outros sinais gráficos; no nível silábico, ele descobre que a
palavra escrita representa a palavra falada, acredita que basta grafar uma letra para po-
der pronunciar uma sílaba oral. No nível alfabético, o aprendiz analisa, na palavra, suas
vogais e consoantes.
Partindo desse pressuposto, Ferreiro e Teberosky (1999) expõem a pertinente
teoria de Jean Piaget que, por sua vez, apresenta a criança como sujeito que procura
ativamente compreender o mundo que o rodeia e busca resolver as interrogações que
este universo provoca. Diante disso, levantam-se hipóteses de que uma criança de 4 ou
5 anos, por exemplo, que cresce num ambiente no qual reencontra textos escritos em
qualquer lugar (em seus brinquedos, cartazes, publicitários, roupas, tv, etc.), consegue
construir alguma ideia a respeito da natureza desse objeto cultural.
Na teoria piagetiana, apresentada por Ferreiro e Teberosky (1999), o sujeito da
aprendizagem está no centro do processo e a concepção de aprendizagem (entendida
como um processo de obtenção de conhecimento) inerente à psicologia genética supõe,
necessariamente, que existem processos de aprendizagem do sujeito que não dependem
dos métodos, mas que a obtenção do conhecimento resulta da sua própria atividade.
Segundo as escritoras, Piaget compreende que o desenvolvimento cognitivo da crian-
ça passa por várias fases e cada etapa dependerá das características biológicas do indivíduo
e de fatores sociais e educacionais. Para ele, o aparecimento da linguagem oral permite à
criança interagir com o meio, todavia, a criança deve ser estimulada e desafiada com ativida-
des criativas através de ações pedagógicas significativas. Sendo a criança aceita como sujeito
histórico, detentor de direitos, deve ter sua identidade pessoal desenvolvida assim como sua
autonomia, sendo capaz de crescer como cidadão com direito à infância reconhecida.
360
Enquanto Piaget salienta o desenvolvimento biológico, por meio de estágios a se-
rem atingidos, Vygotsky, em sua obra conjunta com Luria e Leontiev, defende que o
contexto cultural é responsável por moldar os comportamentos, as transformações e as
evoluções ao longo do desenvolvimento, pois desde
[...] através do brinquedo, a criança aprende a atuar numa esfera cognitiva que
depende de motivações internas. Nessa fase (idade pré-escolar) ocorre uma dife-
renciação entre os campos de significado e da visão. O pensamento que antes era
determinado pelos objetos do exterior passa a ser regido pelas ideias. A criança
poderá utilizar materiais que servirão para representar uma realidade ausente, por
exemplo, uma vareta de madeira como uma espada, um boneco como filho no
jogo de casinha, papéis cortados como dinheiro para ser usado na brincadeira de
lojinha etc. Nesses casos ela será capaz de imaginar, abstrair as características dos
objetos reais (o boneco, a vareta e os pedaços de papel) e se deter no significado
definido pela brincadeira (REGO, 1995, p. 81,82).
O pensamento de Lev Vygotsky, descrito no texto acima por Rego (1995), traz a
compreensão de que as experiências vivenciadas pelo indivíduo, através de jogos e brin-
cadeiras, é um incentivo para a criança conhecer diferentes situações de aprendizagem,
no seu cotidiano por meio de suas próprias vivências, favorecendo o seu desenvolvimen-
to cognitivo.
361
É importante também salientar a afirmação de Lev Semenovitch Vygotsky de que,
através da interação, a criança é capaz de desenvolver processos da aprendizagem os
quais, sem ajuda externa, jamais conseguiriam, denominando, assim, de Zona de Desen-
volvimento Proximal (ZDP), conforme explicado por Rego,
[...] a distância entre aquilo que ela é capaz de fazer de forma autônoma (ní-
vel de desenvolvimento real) e aquilo que ela realiza em colaboração com
os outros elementos de seu grupo social (nível de desenvolvimento poten-
cial) caracteriza aquilo que Vygotsky chamou de "zona de desenvolvimento
potencial ou proximal" (REGO, 1995, p. 73).
Dessa forma, o pesquisador nos traz o entendimento de que, com a Zona de De-
senvolvimento Proximal, a criança pode desenvolver funções que ainda não foram ama-
durecidas. Através da ajuda de outra pessoa, aquilo que ela não consegue fazer sozinha,
pode em um tempo breve se tornar em zona de desenvolvimento real.
Diante disso, pesquisas como a de Magda Soares também são importantes e tra-
zem grandes contribuições para o processo de alfabetização, em especial, por serem de-
senvolvidas em classes populares de escolas públicas de um município no Brasil. Para
ela, a leitura e a escrita estão relacionadas com o processo de alfabetização e letramento,
o que ela chama de Alfaletrar. Para Magda, Alfaletrar é
** PNA - Política Nacional de Alfabetização, documento criado com objetivo de melhorar a qualidade da al-
362
o conjunto de fatores como conhecimentos, hábitos e exercícios desenvolvidos an-
teriormente à fase da alfabetização. Para a PNA, a Literacia se faz presente ainda na
primeira infância, quando a criança inicia seu primeiro contato com variados exercícios
de linguagem oral e escrita, entretanto, seu diferencial é o foco em uma experiência de
aprendizagem voltada à ludicidade (BRASIL, 2019). Dessa forma, a criança deve ouvir
histórias lidas e contadas, parlendas, cantigas de rodas, familiarizar-se com literatura
infantil e outros afins.
Outra prática importante citada pela PNA (BRASIL, 2019) é a Literacia familiar, ou seja,
as vivências relacionadas à família no tocante à linguagem, leitura e escrita. Práticas como: con-
versas com a criança, desenvolvimento do vocabulário, manuseio de lápis, brincadeiras, entre
outras, são experiências que podem ser consideradas ganhos para a aprendizagem.
Face ao exposto, vale ressaltar a importância do favorecimento do ambiente esco-
lar para o processo de ensino e aprendizagem, devendo ser esse um espaço de interação
e de socialização com a família e a comunidade. Sendo assim, o fato de todas as crianças
terem acesso à escola não garante que as mesmas terão um ensino de qualidade favorável
ao seu desenvolvimento.
Ao longo do tempo, foram criados documentos institucionais que objetivavam
melhorar a qualidade do ensino e erradicar o analfabetismo no Brasil; dentre eles, o Pla-
no Nacional de Educação (PNE), aprovado por decênios desde 2001 e, recentemente, a
BNCC – Base Nacional Comum Curricular – uma normativa para o currículo das esco-
las públicas e privadas, homologada em 2017 (BRASIL, 2019).
Em conformidade com o PNE, a BNCC propõe que a criança seja alfabetizada até
o fim do 3º ano do Ensino Fundamental. Cabe ressaltar que o documento dispõe, em seu
conteúdo, de uma parte específica para a Educação Infantil.
Com o objetivo de pesquisar sobre as possibilidades de a leitura e a escrita co-
meçarem a ocorrer ainda na Educação Infantil, sem perder de vista suas especificidades,
busquei analisar o documento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educa-
ção Infantil, a fim de compreender se ocorre um embasamento favorável a tais práticas.
ABORDAGEM METODOLÓGICA:
Sobre a pesquisa documental
Este estudo está pautado numa abordagem qualitativa, utilizando-se da pesquisa
documental, como um importante mecanismo que nos permite ter uma visão ampliada
e uma melhor compreensão do objeto a ser estudado. A análise de documentos possi-
bilita acessos à historicidade de fatos e sua autenticidade registrada em determinados
momentos da história. Para Silva, Almeida e Guindani (2009, p.2),
363
[...] O uso de documentos em pesquisa deve ser apreciado e valorizado.
A riqueza de informações que deles podemos extrair e resgatar justifica o
seu uso em várias áreas das Ciências Humanas e Sociais porque possibilita
ampliar o entendimento de objetos cuja compreensão necessita de contex-
tualização histórica e sociocultural [...].
364
para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do
mundo do trabalho.
Com a finalidade de ajudar a superar a fragmentação das políticas educacionais,
ensejar o fortalecimento do regime de colaboração entre as três esferas de governo e ser
balizadora da qualidade da educação, esse documento pretende garantir o acesso e a
permanência do aluno na escola, reconhecendo a necessidade de que sistemas, redes e
escolas garantam um patamar comum de aprendizagens a todos os estudantes.
Sua estrutura contempla as três etapas da Educação Básica (Educação Infantil, En-
sino Fundamental e Ensino Médio). Foi organizada de modo a explicitar as competên-
cias que devem ser desenvolvidas ao longo de toda a Educação Básica e em cada etapa da
escolaridade, como expressão dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento de todos
os estudantes. Abaixo, o modo como essas competências estão distribuídas.
Na Educação Infantil, os direitos à aprendizagem, ao desenvolvimento e aos cam-
pos de experiências; sendo, como eixos principais, as interações e as brincadeiras. No
Ensino fundamental, as áreas do conhecimento, competências específicas da área, com-
ponentes curriculares e competências específicas de componente. Por último, no Ensino
médio, as áreas do conhecimento e competências específicas de área.
Com a intenção de viabilizar uma educação de qualidade para os pequenos da
Educação Infantil, foi observado que a Base demonstra certa preocupação em educar
sem restringir os direitos que lhe são próprios: conviver, brincar, participar, explorar,
expressar, conhecer-se, de forma que esses direitos sejam garantidos através dos campos
de experiências: o eu, o outro e o nós; corpo, gestos e movimentos; traços, sons, cores e
formas; escuta, fala, pensamento e imaginação; espaços, tempos, quantidades, relações e
transformações.
No Ensino Fundamental, as competências específicas de componente dos anos
iniciais e dos anos finais estão distribuídas por unidades temáticas, objetos de conhe-
cimento e habilidades. Cada componente curricular apresenta um conjunto de habili-
dades, que estão relacionadas a diferentes objetos de conhecimento – aqui entendidos
como conteúdos, conceitos e processos que, por sua vez, são organizados em unidades
temáticas.
Já no Ensino Médio, as competências específicas de áreas estão distribuídas por
habilidades que representam as aprendizagens essenciais a serem garantidas no âmbito
da BNCC a todos os estudantes do Ensino Médio. Elas são descritas de acordo com a
mesma estrutura adotada no Ensino Fundamental.
Frente à estrutura geral da BNCC apresentada nesta seção, vou me deter apenas
na parte da Educação Infantil, com foco na questão de pesquisa: como a Base Nacional
Comum Curricular da Educação Infantil presentifica as diretrizes de leitura e de escrita,
considerando as peculiaridades desse nível de ensino?
365
Ensino/aprendizagem da leitura e escrita na educação infantil:
o que a BNCC nos diz sobre isso?
No contexto da Educação Básica, até a década de 80, a Educação Infantil (EI) era
vista como uma etapa à parte, antecedente à Educação Básica. Com a promulgação da
LDB, em 1996, a EI ficou no mesmo patamar do Ensino Fundamental, sendo parte inte-
grante da Educação Básica. Com a inclusão da EI na Educação Básica, a BNCC passou
a contemplar os direitos de aprendizagem e desenvolvimento da criança como parte de
suas diretrizes.
Os referidos eixos estruturantes da prática pedagógica da Educação Infantil, apre-
sentados pela BNCC, interações e brincadeiras, proporcionam à criança uma construção
de conhecimentos através de suas ações e interatividade, com possibilidade de aprendi-
zagem e desenvolvimento.
Tendo em vista propiciar condições para que as crianças aprendam em situações
nas quais possam desempenhar um papel ativo em ambientes que convidem a vivenciar
desafios e sentirem-se provocadas a resolvê-los, a Base estabeleceu seis direitos, confor-
me supracitado, os quais examinamos abaixo:
366
sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais, corporais, sen-
soriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais" (BNCC, p. 38).
A ludicidade presente no educar é um direito adquirido pela criança, que lhe per-
mite aprender por meio de jogos e brincadeiras. Para isso, a meu ver, as brincadeiras pre-
cisam ser planejadas com o intuito de gerar aprendizagem durante as aulas, sem perder
de vista o direito à infância ao passo que promove interação, criatividade, produtividade
como parte do processo de aprendizagem. Nesse sentido, o documento analisado faz
questão de conciliar a ludicidade com a aprendizagem, como possibilidade de uma edu-
cação com qualidade.
Vygotsky, nas palavras de Rego (1995), vem fortalecer a ideia de que a brincadeira
potencializa o desenvolvimento da criança favorecendo o acontecimento do processo
de aprendizagem. Para ele, o lúdico estimula o desempenho dos processos cognitivos,
conforme descrito abaixo:
[...] a criança poderá utilizar materiais que servirão para representar uma
realidade ausente, por exemplo, uma vareta de madeira como uma espa-
da, um boneco como filho no jogo de casinha, papéis cortados como di-
nheiro para ser usado na brincadeira de lojinha etc. Nesses casos ela será
capaz de imaginar, abstrair as características dos objetos reais (o boneco,
a vareta e os pedaços de papel) e se deter no significado definido pela
brincadeira (REGO, 1995, p. 81,82).
367
4. Explorar - para a BNCC “Explorar movimentos, gestos, sons, formas, tex-
turas, cores, palavras, emoções, transformações, relacionamentos, histórias,
objetos, elementos da natureza, na escola e fora dela, ampliando seus saberes
sobre a cultura, em suas diversas modalidades: as artes, a escrita, a ciência e a
tecnologia” (BNCC, p. 38).
5. Expressar - a BNCC diz que "Expressar, como sujeito dialógico, criativo e sen-
sível, suas necessidades, emoções, sentimentos, dúvidas, hipóteses, descobertas,
opiniões, questionamentos, por meio de diferentes linguagens" (BNCC, p. 38).
368
e bem resolvido. Nesse aspecto, é notório que a BNCC apresenta certo cuidado com a
construção da identidade dos pequenos. Conforme a LDB nº 9.394/96, o desenvolvimento
integral da criança de até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual
e social dentro da escola, complementa a ação da família e da comunidade.
No que tange à organização curricular da Educação Infantil na BNCC, o docu-
mento apresenta a estrutura em cinco campos de experiências, nos quais são definidos
os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento por faixa etária, considerando a vida
cotidiana e os saberes das crianças. Nesses campos, as crianças se apropriam dos direitos
disponibilizados pelo mesmo, de forma materializada, como podemos ver a seguir:
Primeiro campo de experiência – o eu, o outro e o nós, é na interação com os
pares e com adultos que as crianças vão constituindo um modo próprio de agir, sentir
e pensar e vão descobrindo que existem outros modos de vida, pessoas diferentes, com
outros pontos de vista (BNCC, p. 40).
Nesse campo de experiência, as crianças desfrutam do direito de conviver. Através
da coletividade, vão se descobrindo como seres individuais e sociais, de forma que des-
cobrem, na interação, possibilidades para o conhecimento. Conforme Vygotsky, Luria e
Leontiev (2010), os adultos são agentes externos servindo de mediadores do contato da
criança com o mundo.
Segundo campo de experiência - corpo, gestos e movimentos, com o corpo (por
meio dos sentidos, gestos, movimentos impulsivos ou intencionais, coordenados ou es-
pontâneos), as crianças, desde cedo, exploram o mundo, o espaço e os objetos do seu
entorno, estabelecem relações, expressam-se, brincam e produzem conhecimentos sobre
si, sobre o outro, sobre o universo social e cultural, tornando-se, progressivamente, cons-
cientes dessa corporeidade (BNCC, p.40,41).
Nesse campo, o direito de brincar é assegurado à criança, conciliando aprendiza-
do com ludicidade. Por meio de diferentes linguagens e interações, sejam elas musical,
teatral ou outras, as crianças conseguem conhecer a si mesmo, suas emoções, seu próprio
corpo, como também ao outro com o qual está se relacionando, fazendo descobertas e
construindo sua própria autonomia para o conhecimento.
De acordo o Plano Nacional de Alfabetização (BRASIL, 2019), na literacia emergen-
te, incluem-se experiências e conhecimentos sobre a leitura e a escrita, adquiridos de ma-
neira lúdica e adequada à idade da criança, de modo formal ou informal, antes de aprender
a ler e a escrever, desenvolvendo habilidades que promovam a evolução da cognição.
Terceiro campo de experiência - traços, sons, cores e formas, conviver com di-
ferentes manifestações artísticas, culturais e científicas, locais e universais, no cotidiano
da instituição escolar, possibilita às crianças, por meio de experiências diversificadas, vi-
venciar diversas formas de expressão e linguagens, como as artes visuais (pintura, mode-
lagem, colagem, fotografia etc.), a música, o teatro, a dança e o audiovisual, entre outras
(BNCC, p.41).
369
A criança experimenta o direito de explorar o universo ao seu redor através da arte,
cultura e diferentes linguagens, no contato com uma diversidade de materiais e recursos tecno-
lógicos, produzindo senso crítico, conhecimento de si mesmo e afirmação da sua identidade.
Ferreiro (1998) afirma que, muito antes das crianças lerem, tentam interpretar
livros, embalagens comerciais, cartazes de rua, anúncios de televisão, estórias em quadri-
nhos, entre outros, explorando o mundo ao seu redor.
Quarto campo, escuta, fala, pensamento e imaginação – Desde o nascimento, as
crianças participam de situações comunicativas cotidianas com as pessoas com as quais
interagem (...). Progressivamente, as crianças vão ampliando e enriquecendo seu voca-
bulário e demais recursos de expressão e de compreensão, apropriando-se da língua ma-
terna – que se torna, pouco a pouco, seu veículo privilegiado de interação (BNCC, p.42).
Esse campo chama a atenção para a imersão da criança no mundo da leitura e da
escrita. As crianças, ao se relacionarem com os textos circulados no ambiente familiar,
escolar e pela própria comunidade, mantendo contato com outras pessoas e com di-
ferentes gêneros literários, como contação de histórias e ilustrações, são estimuladas a
desenvolverem o gosto pela leitura e escrita.
Vygotsky, apresentado por Rego (1995), compreende a existência de uma Zona de
Desenvolvimento Proximal, que é a distância entre o que a criança já sabe daquilo que
ela ainda pode desenvolver, ou seja, processos de aprendizagem que se desenvolvem com
ajuda externa, possibilitando novos conhecimentos através da mediação de outros.
Quinto campo - espaços, tempos, quantidades, relações e transformações, as
crianças vivem inseridas em espaços e tempos de diferentes dimensões, em um mundo
constituído de fenômenos naturais e socioculturais (BNCC, p.42).
Permite ao aprendiz buscar respostas às suas indagações e curiosidades; para isso,
a escola deve criar oportunidades para que as crianças ampliem seus conhecimentos.
Rego (1995) apresenta o ponto de vista de Vygotsky quanto ao favorecimento da escola
enquanto espaço de aprendizagem, apontando para a necessidade de criação de melho-
res condições na escola, a fim de que todos tenham acesso às informações e experiências
e possam efetivamente aprender.
Quanto aos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para a Educação In-
fantil, o documento curricular compreende tanto comportamento, habilidades, conheci-
mentos, quanto vivências que promovem aprendizagem e desenvolvimento nos diversos
campos de experiências, sempre tomando as interações e a brincadeira como eixos es-
truturantes. Estão distribuídos por faixa etária, respeitando o ritmo de aprendizagem e
desenvolvimento de cada criança.
Com base nos resultados, a BNCC da Educação Infantil aponta que o processo
de leitura e escrita pode ocorrer ainda na Educação infantil, de forma espontânea, res-
peitando o tempo cognitivo de cada criança em sua faixa etária, sem perder de vista a
ludicidade e a brincadeira, considerando sua infância e vivências do cotidiano.
370
Considera-se que toda estrutura organizada pela BNCC para o processo de apren-
dizagem na EI requer o papel do professor como principal mediador para que isso acon-
teça. Sendo esse um documento que visa a um patamar comum de aprendizagens a todos
os estudantes, é relevante considerar que nem todas as escolas possuem infraestruturas
adequadas para a apropriação desse documento, assim como a formação continuada dos
professores para que estejam aptos a mediar as diretrizes materializadas na Base.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
371
REFERÊNCIAS
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372
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373
INVESTIGAÇÃO MATEMÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE:
Uma análise de teses e dissertações
publicadas na BDTD entre os anos de 2015 a 2020
INTRODUÇÃO
374
Na Educação Matemática existem propostas metodológicas de ensino e apren-
dizagem consideradas fundamentais para aprender matemática, dentre elas a Inves-
tigação Matemática (IM), que se trata de uma abordagem que vai de encontro as
propostas tradicionais de ensino, por proporcionar autonomia para os alunos, que
se tornam mais ativos e participativos no processo de aprendizagem, e que assumem
o papel de autores do seu próprio conhecimento. Por esse motivo, se faz tão necessá-
ria à utilização da IM. Desse modo, seguir as propostas curriculares, que defendem
maneiras autônomas de aprendizagem, que se referem às ações protagonizadas pelos
próprios alunos.
Ao pensar em metodologias como a IM no ensino de matemática, nos deparamos
com questionamentos a respeito da formação do professor, de quais maneiras esta me-
todologia tem contribuído na formação do educador matemático, em suas aulas, em seu
modo de lecionar, e sobre sua formação profissional reflexiva. Nessa perspectiva, esta
pesquisa vem apresentar uma análise bibliográfica de teses e dissertações sobre Inves-
tigação matemática e a formação docente na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações
(BDTD), dentre os anos de 2015 a 2020.
Diante do exposto, apresentamos este estudo para encontrar maneiras de
amenizar as dificuldades existentes no ensino de matemática, como também apre-
sentar a importância da IM na formação de professores de matemática em práticas
escolares. Propomos responder o seguinte questionamento: O que dizem as teses
e dissertações publicadas na BDTD acerca da contribuição da IM para a formação
de professores de matemática? Tendo por objetivo geral: Conhecer o estado da arte
acerca de como a IM tem contribuído na formação de professores de matemática.
Objetiva-se fazer um levantamento das publicações acerca das contribuições da In-
vestigação Matemática na formação docente na BDTD no período de 2015 a 2020;
analisar o que dizem publicações acerca das contribuições da Investigação Mate-
mática na formação docente; e refletir como a IM impacta nas práticas pedagógicas
dos professores de matemática.
Para realizar os objetivos propostos, trabalhou-se com a análise de publicações na
BDTD relacionados a investigação matemática e formação de professores, sendo eles: “a
formação continuada de professores em investigação matemática na região oeste de pa-
raná” JUNKERFEURBOM (2019) e “resolução de problemas e investigação matemática:
um processo de intervenção formativa para licenciatura em matemática” CAVALHEIRO
(2017). Para tal ação levamos como meta predominante o processo de análise bibliográ-
fica do conteúdo dos textos abordados e a significação da pesquisa no que diz respeito a
formação de professores por meio da IM.
375
INVESTIGAÇÃO MATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DOCENTE:
Um breve estado da arte
376
por meio de explorações, manipulações e construção de hipóteses. Ponte, Brocardo e Oliveira
(2005, p. 10) ressalta ainda que “o interesse por este tema decorre do fato de diversos estudos
em educação terem mostrado que investigar constitui uma poderosa forma de construir
conhecimento”. Mas como isto ocorre em sala de aula?
Para Ponte, Brocardo e Oliveira (2016), as investigações matemáticas em sala de
aula, podem ser desenvolvidas em três etapas sendo elas: (1) o professor propõe a tare-
fa; (2) realização da tarefa (em grupos ou individual); (3) discussão dos resultados; O
professor na aula investigativa assume o papel de mediador, para melhor viabilizar o
entendimento da tarefa aos estudantes, para a aprendizagem do conteúdo matemático
proposto.
O professor precisa criar um ambiente tranquilo, em que os alunos se sintam à
vontade para expor seus pensamentos, ideias e raciocínios, motivados pelo caráter au-
tônomo que a atividade propicia, diante das discussões e valorizações de falas durante
a investigação. Na aula investigativa os alunos realizam processos para resolução das
tarefas, que são: a exploração e a formulação de questões, formulação de conjecturas,
teste e reformulação de conjecturas, justificação de conjecturas e avaliação do trabalho
(PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2016).
Nesse sentido, o aluno que deve formular as suas questões e hipóteses de reso-
lução. Essa atitude será conquistada através dos direcionamentos feitos pelo professor
que, por sua vez, mediará o processo de aprendizagem. Ponte; Brocardo; Oliveira (2016)
sustentam que:
377
Com isso, podemos considerar que o professor tem grande papel no decorrer das
atividades investigativas, e como gratificação profissional possui a chance de se deparar
com novos desafios que singularizam sua prática docente, assim, Ponte, Oliveira e Bro-
cardo (2017) consideram:
Contudo a interação que ele tem de estabelecer com os alunos é bem di-
ferente da que ocorre em outros tipos de aula, levando-o a confrontar-se
com algumas dificuldades e dilemas. Tais aulas representam um desafio
adicional à sua prática, mas, certamente, traduzem-se também em momentos
de realização profissional (PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2005, p. 47).
A IM está inserida nos currículos de diversos países, como Estados Unidos, Por-
tugal, Inglaterra, França e Brasil. Ponte (2003) afirma que a IM vem como uma aborda-
gem particular da Resolução de Problemas (RP) que vem sendo utilizada em Portugal
desde o início dos anos 1990. No entanto, além de Portugal, a IM também aparece em
estudos de outros países como Estados Unidos da América, Inglaterra e França.
378
No campo da formação contínua de professores, Santos e Ponte (2003) do-
cumentam a realização de um círculo de estudos, no formato de educação
à distância. Nesta ação de formação, os professores – dos mais diversos
pontos do país e até alguns do Brasil – trabalhavam em grupos de dois
elementos, lendo e discutindo textos sobre assuntos relacionados com as
atividades de investigação e a sua realização na sala de aula e realizavam
tarefas que pressupunham reflexão crítica, pesquisa e experimentação na
sala de aula (PONTE, 2003, p. 66).
Os autores indicam que a grande maioria dos participantes consideram que este
círculo de estudos foi uma experiência positiva de desenvolvimento profissional, tendo-
-os ajudado a refletir sobre diversas questões e ajudado a compreender melhor o papel
das investigações nos currículos, valorizando muito a possibilidade de trabalhar de ma-
neira autônoma e colaborativa.
No nosso país, de modo particular, podemos encontrar a IM nas legislações edu-
cacionais. Segundo a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), no que se refere às
competências gerais da educação básica, podemos destacar o que se destina a investiga-
ção, no tópico dois, onde se considera fundamental:
OBJETIVOS GERAIS
379
· Interagir com seus pares de forma cooperativa, trabalhando coletivamente na busca de
soluções para problemas propostos, identificando aspectos consensuais ou não na discussão de um
assunto, respeitando o modo de pensar dos colegas e aprendendo com eles.
380
e medidas; cálculo; espaço e forma e tratamento de informação. Sendo esses apresenta-
dos, respectivamente, como um processo de viabilização de: manuseio de instrumentos
de medidas, análise de figuras por observação e construção. Em relação aos cálculos,
indica-se o uso de dispositivo eletrônico (calculadora) no intuito de facilitar e estimular
a investigação, a elaboração e teste de conjecturas.
As Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) ainda
mostram direcionamento, competências e habilidades a serem desenvolvidas em ma-
temática. No tópico “Investigação e compreensão”, podemos encontrar as indicadas
a seguir: identificar o problema (compreender enunciados, formular questões etc.);
procurar, selecionar e interpretar informações relativas ao problema; formular hipóte-
ses e prever resultados; selecionar estratégias de resolução de problema; interpretar e
criticar resultados numa situação concreta; distinguir e utilizar raciocínios dedutivos
e indutivos; fazer e validar conjecturas, experimentando, recorrendo a modelos, esbo-
ços, fatos conhecidos, relações e propriedades; discutir ideias e produzir argumentos
convincentes.
Sendo assim, observamos que tanto nos objetivos gerais, quanto nos especí-
ficos, para o primeiro, segundo, terceiro e quarto ciclos, bem como nas abordagens
indicativas de habilidades e competências complementadas pelos PCNEM, existem
propostas de ensino da matemática que revelam suma importância da IM no proces-
so de aprendizagem.
Os interesses maiores das propostas, acima citadas, estão enraizados na busca da
construção de capacidades para que o aluno investigue, resolva problemas, argumente,
descubra e crie seus próprios caminhos para aprendizagem.
381
Podemos observar que a constituição de uma boa formação docente do professor
de matemática está pautada na aderência de competências e habilidades fundamentais
na prática do saber ensinar. Esta, por sua vez está inteiramente relacionada a formação
específica, inicial e continuada, de modo que não existiria possibilidade alguma de es-
tabilidade no saber profissional, sem a formação, e seus processos de construção. Para
Albuquerque e Gontijo (2013):
382
Com isso, ainda são muitos os desafios encontrados pelos professores que ensi-
nam matemática, e que de todo modo a busca de superações para esses desafios ainda se
encontram em metodologias de ensino defendidas pela EM. De modo particular como
temos discutido neste trabalho, no que se refere a IM, em aulas investigativas, percebe-
mos que os professores tendem a se tornar mais próximos de seus alunos, nos momen-
tos de discussão, mediação, promoção da autonomia, interações e diálogos.
Podemos considerar que se trata de uma atitude desafiadora trabalhar com IM,
tanto para o professor quanto para o aluno. Entretanto, apesar de apresentar estranheza e
possíveis dificuldades nos momentos iniciais de sua aplicação, posteriormente é notório
e relevante os benefícios de seu uso para o ensino de matemática, bem como as possibi-
lidades de favoráveis resultados que podem impulsionar um bom desenvolvimento de
trabalhos posteriores.
Para Ponte (1998, p. 8), “defende-se cada vez mais que o trabalho investigativo em
Matemática é importante para a aprendizagem dos alunos”. O autor ainda salienta que:
383
Logo, mesmo que árduo o processo seja, faz-se necessária a disposição do docente
para a prática de novas aplicações metodológicas. Para isso, a IM de modo distinto e sin-
gular, aborda aspectos de abordagem colaborativas, discursivas e reflexivas, bem como
deve-se acontecer a formação inicial e continuada de professores desta disciplina.
384
Quadro 2. Informações gerais sobre a dissertação.
385
Ensinar matemática de fato não é tarefa fácil, mas saber que existem metodologias
que corroboram com a melhoria do ensino desta ciência, modifica as possibilidades das
práticas docentes. Junkerfeurbom (2019) ainda nos aponta que
[...] ter acesso a esse material não é suficiente para o professor aderir a este
modelo de práticas, pois o professor precisa participar do processo, ou seja,
os professores precisam ser formados na prática, desenvolvendo tarefas de
Investigação Matemática, conversando, refletindo e debatendo sobre estas,
para no momento que se sentirem confiantes levarem para sua sala de aula
e promover o trabalho com os alunos (JUNKERFEURBOM, 2019, p. 56).
Em meio às angústias que o professor vive, ele precisa encontrar uma for-
mação que o acolha, o escute e lhe mostre direções para melhorar a quali-
dade do ensino. Acreditamos em formações que aconteçam no ambiente es-
colar, que se fortaleçam como grupos colaborativos, que sejam contínuas,
pois, para nós, a adoção da Investigação Matemática está entre outras coisas
associadas a constituição de espaços coletivos de discussão (JUNKER-
FEURBOM, 2019, p. 57).
Baseados nas contribuições do trabalho que foi citado, notamos que a IM na for-
mação de professores parte inicialmente da própria investigação do “ser professor”, sua
prática e desenvolvimento profissional, pois, trabalhar com aulas investigativas não é
tarefa fácil e, por sua vez, só é possível de realizar por meio da sua prática e, para além
disso, conceber a sua essência e compreender seus procedimentos.
Dess,e modo mais do que conhecer a tendência, é necessário saber trabalhar com
ela, e esta é uma característica fundamental a ser conquistada por docentes que buscam
melhorar sua prática. Apoiar-se no trabalho investigativo em sala de aula nada mais é do
386
que permitir a existência de uma prática de ensino colaborativa, participativa, acolhedo-
ra, e emancipadora, que proporcione ao professor a promoção do ensino com qualidade
e reflexão de sua prática.
Para o segundo documento de análises, temos:
387
no sentido de que se faz necessário que o professor saiba para além de um conhecimen-
to específico matemático, um conhecimento em Educação Matemática, assim como o
desenvolvimento de uma aprendizagem pratica para aplicações de novas abordagens e
tendências metodológicas por ela defendidas, como a IM. O que se confirma quando a
autora relata que:
388
Diante do exposto, é possível perceber que a formação, a preparação e o conheci-
mento a respeito do uso da IM, é fator essencial para sua aplicação, e o docente, por sua
vez, precisa planejar, conhecer e se preparar para as aulas investigativas. Sendo assim, a
não realização desses passos e procedimentos podem desencadear em algumas limita-
ções e dificuldades na prática pedagógica, e mais uma vez mencionamos que o processo
de formação docente para utilização da IM ,em sala de aula, requer o conhecimento prá-
tico e intelectual da metodologia em toda sua estrutura prática e teórica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
389
Por fim, com a finalização desta pesquisa entendemos que ainda há muito para des-
cobrir. Há, a frente de nós, grandes inquietações quanto as possibilidades da construção
de um ensino de matemática com qualidade, e movimentar-se diante disso significa nada
menos que conhecer, refletir e pesquisar sobre a nossa própria prática, bem como sobre
a adoção de novas ações pedagógicas. De modo pontual nos referimos a uma formação
que motive o docente no desejo de ensinar, utilizando a IM, e também todas as tendências
disponíveis na EM.
REFERÊNCIAS
390
CHIZZOTI, A. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais: extrato sobre
pesquisas ativas. Petrópolis, Editora: Vozes, 2006.p. 77.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
391
PONTE, J. P.; BROCADO, J.; OLIVEIRA, H. Investigações Matemáticas na Sala de
Aula. 1. ed. 2.rev. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
392
MÍDIAS NA EDUCAÇÃO:
Análise da disponibilidade e uso na Escola Municipal
Dr. Joaquim Marques Monteiro, na cidade de Jequié/BA
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa é fruto de uma inquietação que teve origem desde o momento em
que comecei a ministrar aulas para os alunos do 4° ano do ensino fundamental I, em uma
escola da rede municipal de ensino, na cidade de Jequié, Bahia. Tal inquietação deveu-se
ao fato da relevância das mídias ser reconhecida em todos os setores e âmbitos sociais,
culturais, econômicos e políticos. No âmbito educacional do fundamental I, partindo
do exemplo da referida escola, um dos grandes desafios está na desigualdade que esses
setores emergem e que afetam a realidade das crianças brasileiras, em especial as oriundas
de escolas públicas, mais precisamente de bairros periféricos. Percebe-se que a disponi-
bilidade e/ou importância dada a esses recursos tecnológicos não são os mesmos dados
por outros setores como os da saúde e economia e dentro do próprio sistema educacional
brasileiro, é tratado de forma diferente, se o parâmetro for a educação privada.
Hoje, nos espaços escolares do ensino fundamental I público, continuamos viven-
ciando a escassez dos recursos, principalmente os mais contemporâneos, a exemplo das
mídias digitais (Internet, computadores, notebooks, notebooks educacionais, recursos
audiovisuais, lousa digital, projetores multimídia etc.) mesmo sabendo que, esses, se bem
utilizados, são propulsores de uma educação que caminha junto, paralela a evolução do
seu tempo, pois segundo Moran (2007),
[...] as tecnologias são pontes que abrem a sala de aula para o mundo, que
representam, medeiam o nosso conhecimento do mundo. São diferentes
formas de representação da realidade, de forma mais abstrata ou concreta,
maisestática ou dinâmica, mais linear ou paralela, mas todas elas, combina-
das, integradas, possibilitam uma melhor apreensão da realidade e o desen-
volvimento de todas as potencialidades do educando, dos diferentes tiposde
inteligência, habilidades e atitudes (MORAN, 2007, p.164).
393
Diante da problemática da pouca disponibilidade e do uso das mídias na educação
dos alunos do fundamental I, na referida escola, surgiu a questão que norteará esta pes-
quisa: quais são as mídias digitais disponíveis na Escola Municipal Dr. Joaquim Marques
Monteiro e como funciona a utilização desses recursos com os alunos?
Nesse sentido, esta pesquisa tem como objetivo geral estudar a importância, a
disponibilidade e o uso das mídias na educação dos alunos do fundamental I da Escola
Municipal Dr. Joaquim Marques Monteiro, localizada na cidade de Jequié, Bahia, partin-
do do princípio de que a mídia-educação (Belloni, 2001) é hoje responsável por grande
parte da socialização dos indivíduos. Acredito que tal investigação seja relevante, devido
a acanhada disponibilidade e do uso das Novas Tecnologias. Por isso, atrela-se,também,
ao pouco contato com as mídias na educação por parte dos professores e alunosda Escola
Municipal Dr. Joaquim Marques Monteiro.
Para tanto, este estudo traz como objetivos específicos: investigar quais são os
recursos midiáticos disponíveis na escola (eles existem? quais? se não existem, qual o
motivo?); e analisar como os recursos disponíveis são utilizados no processo de ensino e
aprendizagem pelos professores, a partir da perspectiva de Moran (2007).
Sobre a apropriação pedagógica das tecnologias digitais disponíveis nas escolas,
Moran (2007) apresenta a existência de três etapas: Tecnologias para fazer melhor, o que
corresponde a utilização das tecnologias a fim de ajudar na organização e apresentação
dos conteúdos trabalhados em sala de aula; Tecnologias para mudanças parciais, que diz
respeito a utilização mais constante das tecnologias em sala de aula e laboratórios de in-
formática, embora o foco continue na transmissão de saberes centralizado no professor;e
Tecnologias para mudanças inovadoras que buscam provocar mudanças na escola e que
dizem respeito à flexibilização da organização curricular e a forma de gestão do processo
de ensino e aprendizagem.
É importante também nos atentarmos para o que aponta Barbero (apud CITELLI;
COSTA, 2011, p. 123), pois, segundo ele, os recursos tecnológicos não são uma solução
mágica que vem melhorar a educação, é preciso mudar o modelo de comunicação vigen-
te no sistema escolar. Para ele, o modelo predominante é vertical, autoritário na rela-
ção professor/aluno e linearmente sequencial no aprendizado. Introduzir nesse modelo
meiose tecnologias modernizantes é reforçar ainda mais os obstáculos de nossa socieda-
de (BARBERO, 2011, p. 123).
Esta pesquisa teve, portanto, uma abordagem qualitativa, de cunho bibliográfico e
com levantamento do material adquirido e análise da disponibilidade e uso, através de
análise documental. Segundo Bogdan e Biklen (1994), “[...] a investigação em educação
qualitativa, assume muitas formas e é conduzida em múltiplos contextos” (BOGDAN;
BIKLEN, 1994, p. 6). Nesse sentido, serão analisados: o Projeto Político Pedagógico da
Escola (PPP); os registros do balanço patrimonial dos últimos cinco anos e os planos de
cursos também dos últimos cinco anos.
394
Com isso, acredito que esta pesquisa poderá ampliar as discussões em torno do
processo de ensino e aprendizagem através das mídias digitais, tendo em vista a neces-
sidade de utilização desses recursos como uma das demandas importantes naatualidade
para o ensino no fundamental I. Certamente, contribuirá para o avanço da compre-
ensão de como esses conhecimentos estão sendo articulados e concebidos dentro do
âmbito escolar, uma vez que, na teoria, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
já trata da tecnologia como possuidora de um papel fundamental, de forma que a sua
compreensão e uso são tão importantes, sendo inclusive um dos seus pilares. Na Base
há duas competências gerais que estão relacionadas ao uso da tecnologia: Competência
quatro: Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e
escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens
artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências,
ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendi-
mento mútuo; e Competência cinco: Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais
de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nasdiversas
práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminarinforma-
ções, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na
vida pessoal e coletiva, ou seja, a BNCC já traz a cultura digital e como ela deve ser inse-
rida no processo de ensino e aprendizagem. No entanto, na prática do âmbitoeducacional
do fundamental I, partindo do exemplo da escola já citada, qual é a relevânciadada a essas
inovações tecnológicas contemporâneas, qual é a disponibilidade e/ou importância dada
a esses recursos tecnológicos?
395
Sendo a área educacional parte dessas variadas áreas do saber que dialogam com
as novas tecnologias, não pode fugir à regra, uma vez que, uma das funções principais
daescola é produzir saberes e, em função dessas mudanças que vêm ocorrendo, o site Por-
vir, uma importante plataforma de conteúdos e mobilização sobre inovações educacio-
nais do Brasil, desde 2012, mapeia, produz e difunde referências para inspirar e apoiar
transformações que garantam equidade e qualidade de educação a todos os estudantes
brasileiros. O site corrobora com a ideia de que a tecnologia está mudando a forma como
produzimos, consumimos, nos relacionamos e, até mesmo, como exercemos a nossa ci-
dadania, e que agora é a vez de transformar também a maneira como aprendemos e en-
sinamos. Para Castells (2005), em sua obra “A Era da Informação: Economia, Sociedade
e Cultura”,
Nessa perspectiva, trazer as mídias para a educação é uma forma de tornar a escola
contemporânea e mais próxima do contexto sociocultural dos alunos e professores, uma
vez que, as novidades tecnológicas já são utilizadas em praticamente todos os segmentos
do conhecimento e essas invenções são extremamente rápidas; uma invenção sobrepõem
a outra, numa velocidade nunca antes imaginada, basta “um estalo de dedos” para o novo
ficar velho. Os canais de televisão a cabo e abertos, os recursos de multimídia e, em espe-
cial, a rede mundial de computadores faz com que nossos alunos estejam cada vez mais
“antenados” com o que ocorre pelo mundo afora, e participantes deste mundo globalizado.
396
Percebe-se, portanto, que o público que está dentro da sala de aula mudou e, esse
novo público, já chega com outro repertório que os alunos das décadas passadas não
tinham. E esse é o grande desafio: como é que a escola faz a conexão com o repertório
das crianças que chegam com aquilo que se pretende cumprir do papel dessa instituição?
Nesse novo contexto, apresenta-se a necessidade de a escola estar preparada para
trabalhar com as tecnologias que esses alunos já trazem. Nesse sentido, Dorigoni e Silva
(2007) apontam que:
O ambiente escolar, nesse sentido, precisa se adequar aquilo que de fato vai con-
tribuir com a experiência de aprendizagem do aluno, de preferência fazendo uma anco-
ragem com as vivências praticadas por eles fora da sala de aula. Como diz Jesús Martín-
-Barbero e Mier Vega (1993), é necessário estudar “os processos de comunicação que
acontecem na praça, no mercado, no cemitério, nas festas, nos ritos religiosos” (Barbero;
Mier Vega, 1993, p.70).
Em outras palavras, os autores mostram que precisa haver um deslocamento para
o cotidiano, a fim de se perceber como as pessoas se comunicam, logo, a escola não pode
ser estabelecida como uma instituição a parte do cotidiano de seus alunos, ou seja, eles
atestam a necessidade de os professores trazerem a comunicação da comunidade local
de seus alunos para dentro da sala de aula. A escola, desse modo, não deve separar a
comunicação cotidiana da comunicação escolar; pelo contrário, ela deve recepcionar a
linguagem local do dia a dia de seus estudantes e, a partir dessa ancoragem, fazer as in-
tervenções necessárias para a construção do saber escolarizado.
Nesse processo de vêm e vai, vêm tudo que permeia a comunicação diária dos es-
tudantes e vão os resultados do processamento contínuo dessa comunicação cotidiana,
logo, as chances de a escola firmar-se como parceira, aliada das necessidades deaprendi-
zado de seus públicos, pode ser muito mais eficaz do que uma prática que imagina existir
a comunicação escolar e a não escolar.
No contexto atual desses novos alunos que chegam às escolas, a mídia na educação
é importante, pois funciona como mecanismo de socialização e interação e pode ser mais
interessante e atrativa que o mecanismo escolar tradicional, uma vez que, os estudantes
não apenas aprendem coisas novas, mas também e, talvez, principalmente, desenvolvem
novas habilidades cognitivas, ou seja, novos modos de aprender, mais autônomos e cola-
borativos, como interagir no tablet ou como elaborar experimentos para feira de ciências
397
no computador e depois transferir a ideia para um projeto real/ físico. Para tanto, como
evidencia José Moran (2007),
Dito de outro modo, Moran nos mostra que a escola não pode ser atemporal, con-
tinuar de modo que se torne obsoleta, pois precisa contemporaneizar-se. As máquinas
chegaram, e agora a escola precisa saber o que fazer com elas. E não se trata de fazer o
velho com o novo, o ideal é buscar fazer um novo com o novo. Sobre isso, Belloni (2005)
afirma que,
Focar nas experiências midiáticas dos jovens fora da escola para, a partir delas,
possibilitar a construção do conhecimento para um aluno ativo, autor, sem, contudo,
deixar de perceber que, ao incorporar essas novas linguagens, a pessoalidade do profes-
sornão pode desaparecer. O metodológico precisa andar junto com o tecnológico, ambos
commuito potencial para ser utilizado, afinal, entre a máquina e o aluno está a importan-
te figura do professor, o mediador, uma vez que, conforme apontam Friedmann e Pocher
(1977), as tecnologias são mais do que meras ferramentas a serviço do ser humano, elas
modificam o próprio ser, interferindo no modo de perceber o mundo, de se expressar
sobre ele e de transformá-lo, podendo também levá-lo em direções não exploradas, en-
caminhando a humanidade para rumos perigosos.
No entanto, se bem conduzido, segundo publicou a professora Heloisa Teixeira Ar-
gento, Mestre em Educação, Coordenadora de Tecnologias Digitais na Educação e Gestora
da empresa virtual Professor do Futuro Assessoria Educacional Ltda. no site “Professor do
futuro”, os novos recursos tecnológicos podem permitir avançar na superação de três grandes
desafios da educação. O primeiro deles é a equidade: ampliação do acesso ao conhecimento
e a recursos educacionais diversificados; é a personalização (inteligência artificial para acom-
panhar o que cada um aprendeu e como aprende melhor, tudo isso em tempo real, além da
oferta do que cada um precisa, a partir dos seus interesses e ritmos). O segundo desafio é o da
qualidade: um conjunto de recursos mais ricos, interativos, dinâmicos, que ajudam o aluno
a compreender e a utilizar o que aprende; apoio ao professor na construção de estratégias
398
pedagógicas mais eficazes; disponível a toda hora, em qualquer lugar, inclusive dando mais
autonomia para o aluno (coconstrutor). Já o terceiro, o da contemporaneidade, José Moran
(2007) sinaliza que seria “no nível comunicacional: conhecer e incorporar todas as lingua-
gens e técnicas utilizadas pelo homem contemporâneo. Valorizar as linguagens audiovisuais,
junto com as convencionais” (MORAN, 2007, p.163), ou seja, a aprendizagem que dialoga
com o universo dos alunos do século 21, intensamente mediado pelas tecnologias; prepara-
ção para a vida presente e futura, que também demanda competências relacionadas ao uso de
recursos tecnológicos, o uso da tecnologia racional.
Vale ressaltar, entretanto, que, nesse processo, alguns cuidados precisam ser ado-
tados, pois preocupado com a forma de uso das Tics (Tecnologias) na Educação, José
Moran (2007), afirma que,
399
A escola precisa exercitar as novas linguagens que sensibilizam e motivam
osalunos, e também combinar pesquisas escritas com trabalhos de dramati-
zação,de entrevista gravada, propondo formatos atuais como um programa
de rádio, uma reportagem para um jornal, um vídeo, onde for possível. A
motivação dosalunos aumenta significativamente quando realizam pesquisas,
onde se possam expressar em formato e códigos mais próximos da sua sen-
sibilidade. Mesmo uma pesquisa escrita, se o aluno puder utilizar o computa-
dor, adquire uma nova dimensão e, fundamentalmente, não muda a propos-
ta inicial (MORAN, 2007,pp. 162-166).
400
para fins pedagógicos, enquanto que as classes D e E apresentam um acesso muito menor
para esses fins.
Além disso, a pesquisa mostra que as crianças nato digitais, sejam elas estudantes
das redes privadas ou públicas, tem, fora da escola, oportunidades não muito distantes
umas das outras no que diz respeito ao acesso às tecnologias contemporâneas, ainda que
por diferentes tipos, meios, locais ou atividades de acesso. Sobre as habilidades para o
uso da internet entre crianças de 11 a 12 anos, alunos do ensino fundamental I, público
alvo de nossa pesquisa, o percentual ficou entre 47% e 91% para as habilidades de como:
salvar uma foto que encontrou na Internet, mudar as configurações de privacidade em
redes sociais, baixar ou instalar aplicativos, desativar a função de geolocalização, escolher
que palavras usar para encontrar algo na Internet, verificar se uma informação encontra-
da na Internet está correta.
Diante do exposto, é notório que os resultados expostos no referido site/pesquisa
só reforçam o que os estudiosos em mídias na educação apontam. Sendo assim, cabe a
escola usar todos esses conhecimentos prévios do seu alunado para fazer a ancoragem,
tão necessária, e que pode ser a ponte que falta para tornar a escola do passado, a escola
atualizada no seu tempo e espaço. Esta, inclusive, já é uma preocupação da própria Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), tópico que será abordado em seguida.
401
1. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como
Libras,e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhe-
cimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se ex-
pressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em
diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento
mútuo (BNCC, 2018).
2. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunica-
ção de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais
(incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações,
produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria
na vida pessoal e coletiva (BNCC, 2018).
Percebe-se que, enquanto uma diz respeito ao uso das linguagens tecnológicas e
digitais, a outra versa sobre utilizar a tecnologia de maneira significativa, reflexiva, cria-
tiva e ética. É importante destacar também que, além de constar nas competências gerais,
a tecnologia também é citada entre os Direitos de aprendizagem e desenvolvimento da
Educação Infantil e nas Competências específicas da área nos Ensinos Fundamental e
Médio, bem como nos respectivos objetivos de aprendizagem, desenvolvimento e habi-
lidades.
O objetivo de a tecnologia ser trabalhada no Ensino Fundamental é que os alunos
devem ser orientados pelos professores para que consigam usufruir da tecnologia de
forma consciente, crítica e responsável, tanto no contexto da sala de aula quanto para a
resolução de situações cotidianas. Para isso, os professores podem e devem explorar o
auxílio de metodologias que aliam a tecnologia ao ensino, promovendo o desenvolvi-
mento integral das competências e habilidades previstas na BNCC.
Atualmente, a BNCC sofreu alterações e, a partir de 2018, estados e municípios
deram início à elaboração de seus próprios currículos para que seja dado andamento à
implementação da BNCC nas escolas (MEC, 2017). Para apoiar a construção de currícu-
los escolares e de propostas pedagógicas que contemplem tal uso “ativo” das Tecnologias
Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) nas escolas, o Centro de Inovação para
a Educação Brasileira (Cieb) elaborou e disponibilizou de forma aberta e gratuita o Cur-
rículo de Referência em Tecnologia e Computação (2018), que prevê eixos, conceitos e
habilidades alinhadas à BNCC e voltadas exclusivamente para odesenvolvimento de
competências de exploração e de uso das tecnologias nas escolas, além de propor uma
reflexão sobre os usos das TDICs.
A grande conquista, na visão do Centro de Inovação para a Educação Brasileira
(CIEB), na competência número cinco, foi a inclusão do verbo criar, pois a primeira ver-
são da base só tratava de compreender e utilizar tecnologias digitais. Dessa inclusão, o
CIEB participou ativamente das audiências públicas com outras organizações e outros
especialistas, dizendo que compreender e utilizar não era suficiente. Hoje, para ser um
cidadão do Século 21, é preciso ter a capacidade de criar soluções, criar tecnologias para
402
resolução de problemas reais, ou seja, as crianças e jovens não podem ser só consumido-
res de novas tecnologias, na realidade, eles precisam entender a lógica dessastecnologias
e serem capazes de criar soluções para os problemas pessoais e coletivos a partir das suas
curiosidades pelo uso da tecnologia. Em outras palavras, a competência geral de número
cinco diz claramente que aprender a utilizar e criar tecnologias faz partedas competên-
cias gerais previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
É importante ressaltar, que nas competências de número um e dois também apa-
recem a questão da tecnologia digital. Na um, quando fala sobre
Nessa competência, fica muito claro o poder da tecnologia de ser uma plataforma
de colaboração e para que pessoas que estejam perto ou longe fisicamente consigam
trabalhar e criar, a partir de um espaço colaborativo. De igual maneira, na competência
número dois, é perceptível essa preocupação, quando diz que se deve
403
em outros lugares, os nomes variam. Na Finlândia, por exemplo, usa-se o nomede “pen-
samento algoritmo”, já na Austrália, têm dois termos: “designer de tecnologia” ou “tec-
nologias digitais”.
A partir do estudo encomendado pelo CIEB aos seus consultores, para a constru-
ção do Currículo de Referência em Tecnologia e Computação, chegou-se àconclusão de
que, apesar de não existir um consenso de nomenclatura, o que existe é a presença da
tecnologia nos currículos analisados de diversas partes do mundo. A Austrália é um óti-
mo exemplo, pois ela começou com um tema transversal e depois evoluiu para uma área
específica do conhecimento. Essa parece ser a tendência Mundial,haja vista que o Reino
Unido fez o mesmo e os Estados Unidos estão caminhando nessa mesma direção. Outros
países estão revendo seus currículos e colocando a tecnologia como um tema transversal
ou como área do conhecimento.
No Brasil, na versão aprovada da BNCC, a tecnologia aparece como um tema
transversal e o CIEB, observando algumas referências, algumas práticas de como traba-
lhar esses temas que não estavam previstos nos currículos anteriores das redes, sinaliza
que a tecnologia tanto pode ser trabalhada como tema transversal, alinhada aos demais
temas da BNCC, como pode ser trabalhado nas redes que decidirem criar uma áreade co-
nhecimento ou como componente curricular específico, um vez que a lei também trata
de seus elementos necessários.
A BNCC é organizada para contemplar a educação infantil e o ensino fundamental
um e dois, com três eixos que cobrem todos esses temas da tecnologia: cultura digital,
tecnologia digital e pensamento computacional. Em cada um desses três eixos estrutu-
rantes, existem dez conceitos que são trabalhados com habilidades diferentes, de acordo
com cada ano de ensino. Na cultura digital, o currículo contempla o letramento digital,
a cidadania digital e Tecnologia e sociedade. No eixo estruturante, as tecnologias digitais
são trabalhadas com habilidades de representação de dados, hardware, softwaree comu-
nicação e redes. Já no eixo do pensamento computacional, são trabalhados os conceitos
de abstração algoritmo, decomposição e reconhecimento de padrões.
No nível de habilidades, um dos diferenciais no currículo de referência é que, além
de descrever habilidade, existem exemplos de como os professores podem desenvolver
essas habilidades. São exemplos de práticas que promovem o seu desenvolvimento, traz
referências sobre como trabalhar cada tema em sala de aula, uma vez que, muitos dos
temas podem ser novidade para a grande maioria dos professores.
Traz também atividades e rubricas para o professor avaliar as atividades produ-
zidas pelos alunos, bem como referências de materiais didáticos e dados que podem ser
utilizados no desenvolvimento de cada habilidade. Os especialistas buscaram referências
em inglês, já que, ainda não existe muito material em português.
O documento orienta ainda sobre o “grau de maturidade” que a escola, o docente e o
aluno precisam estar, para que seja colocada em prática cada uma das habilidades propostas,
404
apesar de não ser algo determinante. Entretanto, a importância da sinalização informa
que a escola, o docente e o aluno precisam estar no mínimo a nível x ou y para prosse-
guir neste ou naquele trabalho, o que é relevante para que um trabalho de qualidade seja
realizado nas instituições de ensino. Esse “grau de maturidade” diz respeito a como cada
um desses agentes do processo de ensino-aprendizagem (escola, professor e aluno) está
preparado, ancorado, para evoluir nas habilidades propostas.
METODOLOGIA
Para esta pesquisa utilizou-se a metodologia da pesquisa qualitativa, uma vez que
a mesma pode fornecer dados que incluem detalhes e pode também proporcionar uma
perspectiva mais humana aos resultados da análise, ajudando a coletar informações de-
talhadas sobre o assunto pesquisado. A opção pela referida metodologia também se dá
porque ela pode trazer uma perspectiva humana às tendências e ajuda a descobrir quais
são os seus pontos cegos, no sentido de que ela é o ponto de partida quando se busca
descobrir novos problemas e oportunidades para fazer um trabalho mais aprofundado.
Posteriormente, já que abre possibilidades para o que poderia ter passado despercebido,
em uma pesquisa de cunho quantitativo.
É preciso esclarecer, antes de tudo, que as chamadas metodologias qualitativas pri-
vilegiam, de modo geral, a análise de micro processos, através do estudo das ações sociais
individuais e grupais, realizando um exame intensivo dos dados, tanto em amplitude
quanto em profundidade. Os métodos qualitativos tratam as unidades sociais investiga-
das como totalidades que desafiam o pesquisador.
Antes de tudo, é preciso entender que a metodologia é compreendida aqui como o co-
nhecimento crítico dos caminhos do processo científico, indagando e questionando acerca de
seus limites e possibilidades (Demo, 1989). Sendo assim, se há uma característica que constitui
a marca dos métodos qualitativos, é a flexibilidade, principalmente quanto às técnicas de coleta
de dados, que incorpora aquelas mais adequadas à observação que está sendo feita e o ponto
principal a enfatizar. No que se refere especificamente à metodologia qualitativa, a pesquisa
depende, fundamentalmente, da competência teórica e metodológica do cientista social.
Dentre as variadas formas de como obter dados qualitativos, optamos pela pes-
quisa bibliográfica, através da coleta de dados em variadas fontes, por meio de diversos
instrumentos, tais como consultas a livros, periódicos e documentos científicos em geral,
afinal, como demonstra Demo (2014), a leitura, análise e interpretação de livros, peri-
ódicos, documentos científicos em geral, bem como todo material selecionado, deveser
submetido a uma triagem, separando o conteúdo que servirá de fundamentação teórica
para o estudo. Optamos também pela pesquisa documental, que nada mais é do que aque-
la realizada a partir de documentos, afinal, “nada supre os documentos: onde não há
documentos não há história” (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 2017, p. 54).
405
Este tipo pesquisa permite a investigação de determinada problemática, não em sua
interação imediata, mas de forma indireta, por meio do estudo dos documentos que são pro-
duzidos pelo homem e, por isso, revela o modo de ser, viver e compreender um fato social.
Estudar documentos, portanto, implica fazê-lo a partir do ponto de vista de quem os produ-
ziu. Por este motivo, requer cuidado e perícia por parte do pesquisador para não comprome-
ter a validade do seu estudo. Flores, ao citar Calado e Ferreira (2004), considera que:
406
Depois de realizada a coleta de dados, parte-se para a análise preliminar,
ondese faz o exame e crítica do documento, o contexto de produção do do-
cumento; uma espécie de biografia do autor ou dos autores de um docu-
mento; a autenticidade e a confiabilidade do texto; a natureza do texto; os
conceitos- chave e a lógica interna do texto (CELLARD, 2008, p.295).
407
No que se refere ao conteúdo, foi possível constatar que o PPP teve a sua última
atualização no ano de 2013. Segundo Muriele Massucato (2017), parte-se do princípio de
que este documento precisa ser construído e revisitado sempre, para que todos se sin-
tam parte dele e, considerando a concepção de “entrega”, entende-se que o PPP é uma
obrigação a ser cumprida pela equipe de gestão, devendo ser revisitado por toda comu-
nidade escolar para validação, orientação, reorientação e reflexão das práticas cotidianas
da escola. Além disso, o ideal é que o PPP seja consultado ao longo de todo o ano em
várias situações, atrelado às práticas formativas, pois sempre há algo a ser atualizado
com as “inovações” educacionais. A não atualização do documento, entre os anos de
2014 a 2020, deixa uma lacuna considerável, principalmente em relação ao nosso tema
de pesquisa - Mídias na educação: análise da disponibilidade e uso na Escola -, uma vez
que, muitas atualizações educacionais ocorreram nesse intervalo, a exemplo da última
alteração da BNCC no ano de 2018, que contempla novas competências atreladas às
tecnologias digitais.
Nessa perspectiva, é notório que a escola deixa a desejar quanto ao cumprimento
de um dos seus objetivos gerais presentes no PPP, que é o de:
Ainda nesse contexto, também não contempla pelo menos um dos seus objetivos
específicos que é o de “construir possibilidades de melhoria contínua das condições pe-
dagógicas da escola” (Projeto Político Pedagógico da Escola Joaquim Marques Monteiro,
2013, p. 19).
No que se refere ao marco filosófico, consta no documento que “cabe à escola, [...]
a introdução e estudos de temas extraídos do contexto atual, tais como: [...], a inclusão
digital, [...] e o desenvolvimento de novas competências para lidar com novas tecnologias
e linguagens” (Projeto Político Pedagógico da Escola Joaquim Marques Monteiro, 2013,
p.20, grifo nosso). Já em relação aos princípios norteadores da educação, traz que
Nesse aspecto, é notório que o PPP mostra-se sintonizado com as ideias de Moran
(2007), quando diz que
408
A educação escolar precisa compreender e incorporar mais as novas lin-
guagens, [...], dominar as possibilidades de expressão e as possíveis mani-
pulações. [...] educar para usos democráticos, mais progressistas e partici-
pativos das tecnologias, que facilitem a evolução dos indivíduos (MORAN,
2007, p. 165).
409
Para corroborar este pensamento, o referido documento cita ainda a Lei deDire-
trizes e Bases da Educação (LDB- 9394/96), que propõe
Sendo assim, percebe-se que a LDB, além de corroborar com a concepção de tec-
nologia da escola, é norteadora também, uma vez que, apresenta a formação tecnológica
como uma inovação no processo de ensino. As formas de pesquisar, construir e partilhar
conhecimentos mudaram de configuração com o advento das tecnologias digitais e, a
depender da sua utilização, promotora de maior ou menor para desigualdade social. O
resultado desta inovação dependerá do desprendimento adotado pelas políticas públi-
cas, investindo em maior ou menor proporção na implementação dessa formação.
Quanto à dinâmica do currículo da escola, segundo o PPP, deve conciliar os co-
nhecimentos científicos que presidem a produção moderna, o humanismo e a tecnolo-
gia, explorando criativamente essas novas formas de aprendizagens que vêm com as tec-
nologias, para que possa possibilitar aos alunos, condições para entrar na comunidade
educativa global com novas oportunidades de ingresso no mercado de trabalho. Para
tanto, a escola deverá buscar recursos junto aos órgãos públicos para à implantação de
um laboratório de informática, que possa favorecer o desenvolvimento dos alunos acerca
do uso das novas tecnologias.
Ao analisar o tópico “Projetos desenvolvidos pela escola”, o intuito foi identificar se a
escola utiliza-se das mídias digitais no percurso das atividades e como são utilizadas. Foi pos-
sível identificar cinco projetos, a saber: Todos contra a dengue; Projeto 31 de março: o golpe, a
410
família e a escola assumindo responsabilidades, uma conscientização mútua; Semeando cul-
tura de paz na escola; Incentivo à leitura por meio das manifestações folclóricas; A rede social
da Escola Municipal Dr. Joaquim Marques Monteiro unida na prevenção do uso de drogas.
Foi possível constatar também, que esses projetos, de forma indireta, contemplam o uso das
mídias digitais à medida que apresentam expressões como: para ser cantada, pesquisas com
dados, painéis ilustrativos com fotos, fatos de filmes que apresentem palestras, debates, ofi-
cinas, atividades lúdicas, apresentação de vídeo, entrega de folder, assistir ao filme, leitura e
interpretação de músicas, pesquisa da biografia, sendo que as expressões mais recorrentes
são: “assistir ao” e “pesquisar as”, atividades estas, que demandam o uso das mídias digitais a
exemplo de microfones, caixas de som, televisores, impressoras, computadores com acesso a
internet. Isso denota que a escola, no aspecto do uso das tecnologias digitais, está mais con-
centrada na etapa um das três citadas por Moran (2007), que é a de fazer uso das Tecnologias
para fazer melhor, o que corresponde a utilização das tecnologias a fim de ajudar na organi-
zação e apresentação dos conteúdos trabalhados em sala de aula.
É perceptível também, ainda que de forma “tímida”, a presença de expressões
como: Produção de vídeos, construção de gráfico, slides, produção de textos, o que evi-
dencia ser o caminhar da escola para atingir a segunda etapa que Moran (2007) classifica
ser a de fazer com que a escola venha a fazer uso das Tecnologias para mudanças parciais,
que diz respeito a utilização mais constante das tecnologias em sala de aula e laborató-
rios de informática, embora o foco continue na transmissão de saberes centralizados no
professor.
Além de tudo isso, encontra-se no PPP informações sobre a identificação dos recur-
sos audiovisuais já existentes na instituição de ensino como TV, rádio, vídeo, retroprojetor,
máquina fotográfica, filmadora, Data show e computador na sala dos professores.
Para finalizar, ainda que este mesmo documento já tenha citado a existência de
alguns recursos tecnológicos na escola, analisamos, a partir dos inventários dos últimos
cinco anos, a real disponibilidade desses recursos.
411
apenas ao período compreendido entre os anos de 2016 a 2020. Sendo assim, das caracte-
rísticas do documento encontrado na escola, descrevemos aqui, que o mesmo é registrado
à mão, em um livro ata, documento escrito com base em uma redação técnica, cujo objeti-
vo é registrar os acontecimentos que necessitam de anotações formais para registro.
O referido livro consta de 200 laudas, numeradas de 1 a 200 e, conforme descrito
na sua contracapa, assinado pela diretora à época de 25 de novembro do ano de 2008,
destina-se às anotações do inventário de todos os bens que existem na Escola Municipal
Joaquim Marques Monteiro, que foram doados pela Secretaria Municipal de Educação,
outros órgãos e os que foram adquiridos com os recursos do Programa de Dinheiro Di-
reto na Escola (PDDE).
Após registros datados do ano de 2008, fica a lacuna desse tipo de registro até o ano
de 2012 e novamente uma lacuna até o ano de 2019, ano que compreende o nosso objeto de
estudo. Portanto, a partir da lauda de número 5, consta que o setor de informática dispõe,
entre outros objetos, de 10 computadores e um roteador. Na sala da coordenação, constam
06 itens, sendo que nenhum deles é objeto relacionado ao nosso estudo, e na sala de vídeo
há 16 itens, destes: uma caixa amplificada, um caixa de som e um projetor com tela.
Nas páginas seguintes, lista-se os setores: sala dos professores e sala do Atendi-
mento Educacional Especializado (AEE), sendo que na primeira constam cinco itens,
destes, 1 televisor e no segundo, 18 itens, entre eles, 1 computador e 2 impressoras.
A página 8, por sua vez, é dedicada a listar os itens da secretaria/diretoria. Esse se-
torpossui 17 itens, entre eles, 1 impressora, 2 microfones, 2 notebooks, 1 câmera fotográ-
fica digital e 1 filmadora. Já a sala de alfabetização, dispõe de 4 itens e a página 9 traz a
lista do Almoxarifado e do pátio, sendo o primeiro com 17 itens, dos quais destacamos 1
estabilizador e o segundo com 7 itens; nenhum deles objeto da nossa pesquisa.
É importante registrar, que do ponto de vista da qualidade das anotações, em sua
grande maioria, os objetos listados não possuem número de tombamento, data de aqui-
sição, valor adquirido, nem estado de conservação dos mesmos, o que dificulta uma aná-
lise mais profunda para sabermos, por exemplo, quantos desses objetos estão em perfeito
estado de conservação e quantos estão obsoletos.
Para fins de verificar um dos nossos objetivos específicos de pesquisa que é a dispo-
nibilidade, aqui abrimos um parêntese (disponibilidade real). Assim sendo, esta verificação
fica resumida apenas à quantificação e variedade desses objetos listados nesse documento.
Desse ponto de vista, podemos encontrar registros de boa parte de mídias digitais atuais,
contemplando duas competências gerais que estão relacionadas ao uso da tecnologia na
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o que demonstra as mídias digitais como re-
levantes no processo de ensino-aprendizagem desta escola, no que se refere a tais recursos.
Dessa forma, uma vez verificada a presença das mídias digitais no PPP da escola e
no inventário, partimos para o próximo tópico em que analisamos como se dá a sua pre-
sençanos planos de curso de diferentes disciplinas dos últimos cinco anos.
412
Os planos de cursos dos últimos cinco anos
413
e Geografia do 2º ao 5º ano das séries inicias dos últimos cinco anos, os quais estavam
disponíveis para análise.
Quanto à estrutura, não foi possível perceber uma sistematização comum ao cor-
po geral desses documentos, o que denota que foram construídos de forma particularpor
cada professor, uma vez que, cada plano analisado tinha um formato quase que exclusi-
vo, demonstrando não seguir uma diretriz única, se existente na escola.
De todo modo, constatou-se que os planos possuem algumas partes em comum,
afinal, todos eles apresentam os objetivos gerais e específicos e os conteúdos a serem
abordados. No entanto, há algumas diferenças, poucos apresentam os recursos, as com-
petências e habilidades a serem desenvolvidas, e nenhum apresentou as metodologias.
Dito isto, o objetivo da análise dos planos de curso de diferentes disciplinas dos últimos
cinco anos da escola foi verificar a presença das mídias digitais nos referidos documen-
tos e de que maneira elas estão sendo utilizadas, levando em consideração a perspectiva
de Moran, já evidenciada neste estudo.
Da análise dos planos de curso do 2º ano/2018 das disciplinas de História, Ci-
ências, Português, Matemática e Geografia, encontramos apenas na disciplina de
português, objetivos propostos em relação às mídias digitais como o de conhecer o gênero
textual e-mail e suas características. O estudo dos conteúdos denominados como “ponto
com”, remetendo a pesquisas em sites que disponibilizam livros, estudo do internetês,
para fazer um estudo do universo da internet e como criar um blog. Quanto aos recur-
sos, esse plano apresenta o uso do data show e da sala de informática, no entanto, não
especifica como esses recursos serão utilizados, fato que provoca uma lacuna no processo
de entendimento de como esses recursos serão empregados, se possibilitando o protago-
nismo do aluno ou transformando-o em mero espectador.
Nos planos de curso do 3º ano, também do ano de 2018, das disciplinas de História,
Ciências, Português, Matemática e Geografia, a presença das mídias digitais aparece ape-
nas na disciplina de ciências, na qual um dos objetivos era “identificar as relações entre o
conhecimento científico, produção de tecnologia e condições de vida no mundo de hoje
e sua evolução histórica”. Para tanto, apontou como recursos, a utilização de TV, vídeo,
DVD, retroprojetor, aparelho de som, cd e internet, mas também não especificou como
esses recursos seriam utilizados, deixando em aberto o fazer pedagógico.
Já nos planos de curso do 4º ano/2019, das disciplinas de História, Ciências, Por-
tuguês, Matemática e Geografia, percebeu-se a presença das mídias digitais nas seguintes
disciplinas: Português, Matemática, Geografia e Ciências.
Na área de Português, as competências específicas tratam de “analisar argumentos
e opiniões nos meios de comunicação”, através de resenha de filmes, entrevistas e produ-
ção de reportagem, a fim de adquirir habilidades presentes no eixo da escrita, a exemplo
do que trata da argumentação sobre “conhecimentos de interesse social com base em co-
nhecimentos sobre fatos divulgados em TV, rádio, mídia impressa e digital com cordialidade
414
e respeito e a pontos de vista diferentes”. No eixo da leitura, a partir da seleção de informações
que circulam em meios digitais ou impressos e no eixo da edição de texto com “utilização de
softwares, inclusive programas de edição de texto” para editar e publicar os textos pro-
duzidos, constatou-se uma exploração dos recursos multimídias disponíveis. Apesar
de explicitar a utilização da mídia e de alguns recursos como softwares, com o objetivo
de editar e publicar os textos produzidos pelos alunos, de igual modo, esse plano não
explicita quais serão esses softwares nem qual será a metodologia a ser utilizada.
Já nas competências específicas da disciplina de Matemática, verificou-se que elas
apresentam a necessidade de utilizar processos e ferramentas, inclusive tecnologias di-
gitais, e como habilidades, a possibilidade de “uso da calculadora, quando necessário”.
No eixo ângulos retos e não retos, apresenta-se “a importância do uso de softwares de
geometria”.
Na disciplina de Geografia, por sua vez, apresenta como competências específicas,
fazer uso das linguagens iconográficas e geotecnológicas. No entanto, é importante regis-
trar que esse plano também não informa quais recursos seriam utilizados para tal prática
nem como seriam utilizados.
Por fim, na disciplina de Ciências, os objetivos são “analisar, compreender e expli-
car características, fenômenos e processos relativos ao universo tecnológico (incluindo
o digital)”, buscar respostas e criar soluções (inclusive tecnológicas), “além de utilizar as
diferentes linguagens proporcionadas pelas tecnologias digitais”. Mas, em relação aos
recursos e como eles serão utilizados, nada aparece registrado.
No que se refere à análise dos planos de curso do 5º ano/2016, das disciplinas de
História, Ciências, Português, Matemática e Geografia, constatou-se que as competências
relacionadas ao nosso estudo são: “reconhecer relações entre o conhecimento científico,
produção de tecnologia e condições de vida e suas mudanças, saber usar a tecnologia de
forma correta, na busca pelo equilíbrio entre a natureza e homem”.
Como habilidades, este plano apresenta: “analisar o uso da tecnologia, conscien-
tizar-se de seus benefícios e malefícios, conhecer as causas e consequências do campo
tecnológico”, e como conteúdos, aparece a produção do e-mail. Este plano, entre todos
os analisados, é o que mais se aproxima das duas competências gerais da BNCC, que
estão relacionadas ao uso da tecnologia, no entanto, de igual modo, como na analise do
planos anteriores, é importante registrar que esse plano também não informa quais re-
cursos seriam utilizados para tal prática nem como seriam utilizados, o que mais uma
vez deixa uma lacuna entre as pretensões para o fazer e o fazer concreto.
Diante do exposto até aqui, percebe-se que alguns objetivos, competências ou mes-
mo recursos presentes nos planos, de um modo geral, comprovam a existência da prática
educativa voltada para o uso das mídias digitais, afinal, observou-se que as palavras que
mais aparecem nos corpos dos planos de curso da escola são: TV, rádio, mídia impres-
sa e digital, DVD, retroprojetor, aparelho de som, cd, internet, sala de vídeo, data show.
415
Contudo, percebe-se que são apresentadas, na maioria dos planos de cursos analisados,
apenas para reproduzir um conteúdo já pronto, cabendo aos estudantes apenas a função
de participar como meros expectadores, uma vez que os verbos conhecer, identificar, en-
tender, aprender foram muito mais empregados do que os verbos criar, produzir e fazer,
por exemplo.
Sendo assim, diante da análise dos planos de curso dos últimos cinco anos da Escola
Joaquim Marques Monteiro, a fim de possibilitar a transposição das teorias presente no
Projeto Político Pedagógico da referida escola, no que se refere à presença das mídias
digitais, foi possível concluir que as mídias digitais não aparecem na mesma intensidade
e organização que aparecem no PPP, o que deixa de contemplar, em sua maior parte,
as Competências 4 e 5 da BNCC, em especial, em utilizar e criar tecnologias digitais
de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nasdiversas
práticas sociais (incluindo as escolares). Na perspectiva de Moran (2007), quando apre-
senta a existência de três etapas sobre a apropriação pedagógica das tecnologias digitais
disponíveis nas escolas, que a Escola Municipal Joaquim Marques Monteiro está fazendo
uso das Tecnologias para fazer melhor, significa que a utilização das tecnologias objetiva
na organização e apresentação dos conteúdos trabalhados em sala de aula.
Percebe-se, desse modo, que cabe à escola avançar ainda mais para alcançar as duas
etapas seguintes que são: usar as tecnologias para mudanças parciais, no que diz respeito
a utilização mais constante das tecnologias em sala de aula e laboratórios de informática.
Ou seja, ressignificar o foco na transmissão de saberes centralizados no professore no
uso dastecnologias para mudanças inovadoras que buscam provocar mudanças na escola
voltadas para a flexibilização da organização curricular e a forma de gestão do processode
ensino e aprendizagem já proposto no PPP desta escola.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
416
aparelho de som, internet, sala de vídeo e data show de modo que faz contemplar as
duas competências gerais que estão relacionadas ao uso da tecnologia na Base Nacio-
nal Comum Curricular (BNCC), demonstrando que as mídias digitais têm relevância
no processo de ensino-aprendizagem desta escola. Também, no que se refere à dispo-
nibilidade desses recursos, não foi possível identificar se estão em bom estado, se são
utilizados e como.
Já da análise dos planos de cursos dos últimos cinco anos, foram observados al-
guns poucos registros quanto ao uso das mídias digitais no processo de ensino-aprendi-
zagem além de, também, não informar quais recursos seriam utilizados para tal prática
nem como seriam utilizados, o que deixa uma lacuna entre as pretensões para o fazer e o
fazer concreto, e que nos leva a inferir que ainda falta um sintonia entre esses registros e
o que está registrado no PPP da escola.
Desse modo, ao estudar a importância das mídias digitais para a Escola Municipal Dr.
Joaquim Marques Monteiro, foi possível concluir que do ponto vista do PPP, ela contempla de
forma satisfatória as demandas preceituadas na BNCC. Do ponto de vista da disponibilidade,
verifica-se a presença desses recursos materiais. Quanto ao uso dessas mídias na educação,
foram observadas poucas anotações relacionadas a sua utilização no processo de ensino-
-aprendizagem dos alunos do fundamental I, o que leva a escola a ser classificada na primeira
das três etapas, a partir da perspectiva de Moran (2007), sendo esta, quando se utiliza as Tec-
nologias apenas para fazer melhor, corresponde a utilização das tecnologias a fim de ajudar
na organização e apresentação dos conteúdos trabalhados em sala de aula, o que evidencia,
que de fato, as etapas apresentadas por Moram (2017), existem e a escola precisa avançar nes-
te quesito para conquistá-las. Avançar na Educação pela mídia, com a mídia e para a mídia.
REFERÊNCIAS
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(Org.). A formação na sociedade do espetáculo. São Paulo: Loyola, 2002.
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CASTELLS, M. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura, Vol. I, A So-
ciedade em Rede. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.
DEMO, P. Metodologia científica em ciências sociais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1989.
LANGLOIS,Ch. V.; SEIGNOBOS, Ch. Introdução aos Estudos Históricos. São Paulo:
Editora Nova Renascença S.A, 1944.
LE GOFF, J. História e memória. Tradução Bernardo Leitão [et. all.]. 4ª ed. Campinas,
São Paulo: Editora da UNICAMP, 1996 (Coleção Repertórios).
418
MORAN, J. M. Desafios na Comunicação Pessoal. Gerenciamento integrado da co-
municação pessoal, social e tecnológica. 3ª Ed. São Paulo: Paulinas, 2008.
. A Educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá. Campinas, SP:
Papirus, 2007.
419
EXPERIÊNCIAS DE APRENDIZAGEM
NA PRÁTICA DA MONITORIA
PARA ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA
NA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Amanda Nery da Silva
André Luis da Silva Santos
Valdirene Santos Rocha Sousa
INTRODUÇÃO
420
Para além disso, é uma atividade desenvolvida que pode constituir uma experi-
ência significativa para a formação humana ao discente monitor, em que o sujeito pode
mobilizar saberes anteriores e, por conseguinte, influenciar na construção de uma prá-
tica profissional respeitosa à diversidade e às diferenças. Então, podemos considerá-la
como uma prática potencializadora que pode oportunizar experiências problematizado-
ras das questões humanas.
No Núcleo de Ações Inclusivas para Pessoas com Deficiência, um setor que atende
aos estudantes com deficiência da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB),
alguns estudantes de graduação desenvolvem a atividade de monitoria, como maneira
de acompanhamento e orientação próximos aos discentes com deficiência nas suas es-
pecificidades, no tocante aos assuntos específicos de uma determinada disciplina. Essa
monitoria pode ser voluntária ou da disciplina, quando um professor disponibiliza um
tempo do monitor acadêmico para atender ao estudante.
Diante desse cenário, a partir da concepção de educação como formação humana,
que Paulo Freire (1986) afirma ser uma educação emancipadora, e do conceito de ex-
periência afirmado por Jorge Larrosa Bondía (2002, 2011) como tudo aquilo que passa
e deixa marcas, pretende-se explorar a temática sobre a atividade de monitoria para os
estudantes com deficiência como oportunidade de experienciar, a partir do contato com
o outro, uma formação humana para além do conteúdo em sala de aula.
Nesse sentido, a questão de investigação é: como as experiências na atividade de
monitoria para estudantes com deficiência reverberam na formação de discentes na uni-
versidade? Partindo do seguinte objetivo: analisar como as experiências desenvolvidas
através da monitoria de disciplina, junto aos estudantes com deficiência, reverberam na
formação profissional dos monitores.
Para a realização desta investigação, foi feito um estudo de caso a partir das nar-
rativas de quatro estudantes, que exercem ou já exerceram a atividade de monitoria no
Núcleos de Acessibilidade e Inclusão para Pessoas com Deficiência (NAIPD). Para isso,
foi utilizada a entrevista semiestruturada como instrumento para aproximação aos par-
ticipantes da pesquisa.
Iniciamos com uma discussão teórica sobre a política inclusiva, a concepção de
deficiência e a forma como reverbera na prática educativa. O tópico seguinte é sobre a
concepção de educação enquanto formação humana e o conceito de experiência, fa-
zendo referência à atividade de monitoria realizada com os estudantes com deficiência.
Depois, relata-se sobre o percurso metodológico da pesquisa para, em seguida, apresen-
tar os resultados a partir da interpretação das informações. Por fim, são apresentadas as
considerações finais.
421
EDUCAÇÃO ENQUANTO DIREITO DE TODOS
422
com deficiência, deve ser garantido sem discriminação e em igualdade de condição (BRA-
SIL, 2009). Diante de toda essa política, já podemos perceber que o acesso e a permanência
das pessoas com deficiência nas instituições de ensino são direitos, não podendo ter a sua
condição como justificativa para serem excluídas.
Consoante com esse direito, existe a transversalidade do atendimento ao discente
com deficiência. No ensino superior ocorre através de atitudes que possibilitem o acesso,
a permanência e a participação desses estudantes (BRASIL, 2008). Para tal, precisam ser
ações que promovam “[...] acessibilidade arquitetônica, nas comunicações, nos sistemas
de informação, nos materiais didáticos e pedagógicos” (BRASIL, 2008, p. 17). Assim,
pelo Decreto n° 7611/11, as Instituições de Educação Superior precisam ter núcleos de
acessibilidade organizados para viabilizar essas ações inclusivas, impedindo que as bar-
reiras não impeçam a formação dos estudantes com deficiência (BRASIL, 2011).
Reforçando todo esse direito, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) determina que
deve ser assegurado um sistema educacional inclusivo em todos os níveis de ensino e
avança, no seu artigo 28, em
423
As pessoas com deficiência e seus atravessamentos na educação
[...] pessoa com deficiência é aquela que tem impedimento de longo prazo
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação
com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva
na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
As barreiras citadas na LBI são referentes a tudo aquilo que, porventura, venha a
impedir a participação efetiva da pessoa com deficiência no meio social, bem como o seu
proveito e uso dos direitos. Estão classificadas em urbanísticas, arquitetônicas, nos trans-
portes, nas comunicações e na informação, atitudinais e tecnológicas (BRASIL, 2015).
Na formulação do discurso da inclusão, as ações são provenientes de mudanças na socie-
dade para que esta se torne acessível a todas às pessoas (FREITAS, 2007).
Referente ao que ocorre nos espaços de educação, mais especificamente em sala
de aula, Kastrup e Pozzana (2020) afirmam que há “[....] todo um campo micropolítico
de tensões que emergem nas relações com professores”, ou seja, nessas relações ocorrem
tensionamentos, como por exemplo, o encontro com os discentes com deficiência. Ainda
de acordo com as autoras, “[...] a política cognitiva da invenção configura outro modo
de estar no mundo [...] conhecer envolve a abertura da atenção ao presente e inclui a
perturbação do saber anterior” (KASTRUP; POZZANA, 2020, p. 36). Nessa política in-
ventiva que os docentes podem mobilizar o saber de antes para justamente a partir daí
transformar esse pensar.
No sentido de que “para educar – e para ser educado – é necessário que haja ao
menos duas singularidades em contato. Educação é o encontro de singularidades [...]
pode promover encontros alegres e encontros tristes, mas sempre encontros” (GALLO,
s/a, p. 15). Nesse encontro ambos são aprendizes. Essa educação está a todo o momen-
to sendo atravessada pelas diferenças, as relações cotidianas, na sua maioria, também
como alternativa para essa política inventiva a educação enquanto formação humana,
424
para além do conteúdo. Assim ser uma possibilidade para refletir sobre o trato com as
diferenças e a diversidade humana.
425
Como consequência dessa relação socializadora, em que o conhecimento é com-
partilhado, pode-se afirmar então que:
PERCURSO METODOLÓGICO
426
como forma de evitar aglomerações. A Universidade do Sudoeste da Bahia (UESB) ado-
tou como retorno para as atividades do semestre a Educação Online, também o trabalho
remoto para os docentes, técnicos e administrativos. Portanto, as entrevistas também
foram realizadas de forma remota, utilizando dos aparatos tecnológicos, como forma
de manter a segurança dos participantes sem a necessidade de haver qualquer contato
físico. A aplicação do roteiro de entrevista ocorreu da seguinte forma: foram gravados
Podcasts via bate-papo no aplicativo WhatsApp, que consiste na gravação de áudios que
poderão ser ouvidos em qualquer momento; assim, os participantes foram contatados
enviando a pergunta por áudio e recebendo a resposta da mesma forma.
Vale ressaltar que, como se trata de uma pesquisa que envolve seres humanos,
é fundamental atentar-se aos fundamentos éticos e científicos. Logo, a pesquisa pre-
cisou passar pela análise do Sistema CEP/CONEP, composto pelo Comitê de Ética
em Pesquisa (CEP), presente no estabelecimento do qual a pesquisa será desenvolvi-
da; e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), uma instância ligada
ao Conselho Nacional de Saúde/MP (BRASIL, 2012), e obteve aprovação através do
parecer 4.524.910.
A fim de preservação da imagem dos participantes da pesquisa, serão identifica-
dos por nomes fictícios, sendo que a escolha dos nomes se deu de forma aleatória. Foram
duas mulheres, uma estudante do curso de Licenciatura em Matemática, com o nome
Violeta dos Santos, e outra já formada do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas
com o nome Rosa Souza. Os outros dois participantes, um do curso de Licenciatura em
Matemática que será chamado pelo nome Vitor Ferreira, e o outro, do curso de Sistemas
de Informação pelo nome de Ravi Carlos.
427
federais de ensino superior, visando “[...] eliminar barreiras físicas, de comunicação e de
informação que restringem a participação e o desenvolvimento acadêmico e social de estu-
dantes com deficiência” (BRASIL, 2011).
Os discentes da UESB atendidos no Núcleo podem contar com o apoio de
monitores de disciplina. Esse monitor é um estudante de graduação que já tenha
cursado a disciplina, que precisa passar por um processo seletivo que ocorre no res-
pectivo Departamento, conforme edital de inscrição lançado semestralmente no site
da UESB; pode ser também uma monitoria voluntária, com estudantes que já cur-
saram e tenham afinidade com a respectiva disciplina curricular. Entende-se que a
monitoria não deve substituir o papel do docente em sala de aula, sendo o discente
monitor um mediador no processo de ensino e aprendizagem do estudante que esti-
ver cursando a respectiva disciplina, podendo ele rever o que foi trabalhado em sala
de aula (DE LIMA; SIMÕES, 2018). É uma prática que se consolida objetivando a
melhoria nesse processo (DANTAS, 2014).
A monitoria aos estudantes com deficiência é uma condição oferecida como for-
ma de garantir o sucesso e permanência dos estudantes com deficiência no meio acadê-
mico, que precisam ter as suas especificidades reconhecidas no sentido de que possam
ter acesso ao conhecimento em comum a todos, consolidando-se enquanto uma ação
inclusiva. No entanto,
428
tivesse apenas a experiência de monitoria isolada no Naipd, para que ela também tives-
se experiência em conjuntos com os alunos”. Ele destacou, também, a importância das
orientações dos profissionais do Núcleo: “[...] me deixaram bastante tranquilo”. Violeta
dos Santos e Vitor Ferreira ressaltaram a presença dos intérpretes de Libras para mediar
a comunicação com os estudantes surdos.
Inseridos nessa realidade, dialogando com os discentes, contando com o apoio
dos profissionais que atuam no AEE, os monitores puderam deslocar sua visão acerca da
pessoa com deficiência. Por exemplo, Vitor Ferreira relatou sobre como era marcada a
imagem da pessoa com deficiência para ele e de que forma foi mobilizado após a experi-
ência da monitoria, do encontro com o outro:
Parece que os monitores tinham uma ideia dessa pessoa enquanto incapaz, sem tan-
tas possibilidades de estar no meio social, nos diferentes espaços e em interação com todos.
Após o contato e a escuta a essas vozes dos estudantes com deficiência, essa perspectiva se
torna conflituosa, e é mobilizada para passar a perceber as possibilidades que essas pessoas
tem de alcançar os seus objetivos, de estarem na universidade e demais espaços. Leva-se
em consideração as experiências da deficiência que, de acordo com Martins (2005), reforça
uma perspectiva anunciada pelas pessoas com deficiência que, através das suas experiên-
cias, podem confrontar e reivindicar os seus espaço. Ou seja, as ideias dos monitores foram
mobilizadas não por se colocarem no lugar da pessoa com deficiência, mas por vê-las em
ação, estarem próximas a ele e ouvir sobre as suas experiências.
Esses momentos de problematização deram lugar a uma “[...] abertura da atenção
ao outro e também de uma atenção a si [...] pequenos gestos de abertura da atenção e
possibilitando novas percepções” (KASTRUP; POZZANA, 2020, p. 40-41). Nesse lugar
apresentado, rompe-se com a ideia de hierarquização do quem seria considerado capaz
ou incapaz, todos são seres potentes.
Abaixo são apresentadas algumas falas dos participantes acerca das experiências
de aprendizagem, que como já vimos mobilizam o sujeito da experiência:
429
[...] depois que eu tive contato com a pessoa com deficiência eu consigo en-
tender bem melhor a forma com que eu posso tentar ensinar a ele, mostrar
a ele o caminho diferente do que era antes (Fragmento da Entrevista com
Vitor Ferreira - 2021).
Me ajudou a ter um olhar mais aberto, mais amplo sobre a educação inclu-
siva de como saber trabalhar com esses discentes (Fragmento da Entrevista
com Rosa Souza – 2021).
[...] as monitorias no núcleo realmente me deram muita base para isso, por-
que o meu curso, apesar de ter apenas uma matéria de educação especial
que é a libras, ele não dá todo suporte para essa questão da adaptação, para
essa visão que o núcleo dá. Então, independente da área que eu for seguir
eu sei que a minha visão na prática vai ser para atender esse aluno e que ele
consiga esse êxito de cem por cento (Fragmento da Entrevista com Violeta
dos Santos - 2021).
430
Com o crescente quantitativo das pessoas com deficiência nos diferentes níveis de
ensino, penso o quanto é emergente pensar no processo de ensino e aprendizagem desse
público, de que forma tem se efetivado sua participação. O encontro com as diferenças
nos tira de um lugar de conforto, a proposta da educação inclusiva é da imprevisibilidade
e da multiplicidade (MANTOAN, 2006). Nos diferentes espaços de educação são mani-
festadas essas imprevisibilidades, nada é estático, além do mais todos podem aprender.
Estar nesses espaços é um direito, pois tem têm anseios e desejos que devem ser levados
em consideração e respeitados.
CONSIDERAÇÕES
Com este trabalho foi possível apontar uma possibilidade de experiência de apren-
dizagem para além da sala de aula e que se configura como uma condição de permanên-
cia do estudante com deficiência na educação superior. É emergente que a educação,
para além da perspectiva conteudista, dialogue com a formação humana, e quando nos
referimos ao processo de ensino e aprendizagem no nível superior, esse diálogo deve
ocorrer principalmente no sentido da formação de profissionais que deverão garantir
um atendimento apropriado para que haja inclusão social e respeito às diferenças.
Os participantes da pesquisa vivenciaram momentos durante o processo de mo-
nitoria que não conseguiriam ter somente em sala de aula, o que reforça o alcance da
educação como formação humana somada ao potencial dessas experiências. Foram
aprendizagens necessárias, ressignificação do olhar para com as pessoas com deficiência,
principalmente porque as barreiras atitudinais impedem que as pessoas com deficiência
realizem os seus desejos e estejam presentes nos diferentes espaços.
O contato com os estudantes com deficiência na trajetória de formação dos mo-
nitores, fez e vai fazer diferença no trajeto profissional de cada um, nas atitudes e cum-
primento das suas funções, visando o respeito para com as diferenças que cada pessoa
carrega em si. Foi possível que os monitores ampliassem o seu olhar acerca do processo
de inclusão dos discentes com deficiência nos espaços educacionais, compreendendo
que, ao exercer a docência, haja uma aproximação para atender as especificidades de
cada discente na metodologia adotada em sala de aula.
Para a construção dessa pesquisa, o diálogo aconteceu com os monitores(as) para al-
cançar o objetivo de perceber como a experiência da monitoria afeta a formação deles(as),
todavia, entendendo que nada é inconcluso e acreditando nas aberturas possíveis de uma
pesquisa, ouvir os discentes atendidos pela atividade de monitoria e os próprios docentes
das respectivas disciplinas monitoradas seria outra aproximação para problematizar questões
que essa atividade exercida pode afetar. Por exemplo, a construção dos currículos dos cursos
de licenciatura, no sentido de haver discussões em sala de aula que possibilitem a constru-
ção de um olhar sensível no trato à diversidade de futuros professores, podendo até mesmo
431
abranger para os cursos também de bacharelado e na área de saúde; outra questão é como
essa monitoria, vista dentro de um contexto curricular, impacta na aprendizagem dos estu-
dantes atendidos, ou até mesmo perceber de que forma as experiências com os estudantes em
sala de aula tencionam a prática docente.
Tudo isso entrelaçado ao movimento de perceber que o desafio da acessibilidade
para todos os estudantes, principalmente para os que possuem alguma deficiência, na
educação superior, perpassa pelo envolvimento da universidade em suas diversas ins-
tâncias. Refletir com e sobre as pessoas com deficiência na educação básica é pontuar
também sobre a formação dos profissionais que lá estão e que passam pela universidade.
REFERÊNCIAS
ALUNOS com deficiência ainda são 0,5% no ensino superior. Educageral, 2019. Dis-
ponível em: <https://www.educageral.com.br/geral/alunos-com-deficiencia-ainda-
-sao-05-no-ensino-superior/>. Acesso em: 02 fev. 2020.
BRASIL. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Brasília: Senado, 2015.
432
BONDÍA, J. L. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira
de Educação, 2002.
GALLO, S. Eu, o outro e tantos outros: educação, alteridade e filosofia da diferença. s/d.
433
TRAJETÓRIAS E VIDA-MULHER ATRAVESSADAS PELA
VIOLÊNCIA: Análise documental
das medidas protetivas de urgência/
Lei Maria da Penha e diálogo com a educação básica
Ustana Rangel Rodrigues
Elane Nardotto Rios
Lafayete Menezes de Alencar Lima Rios
INTRODUÇÃO
* Para fins deste trabalho, foram adotados o conceito e as formas de violência doméstica e familiar contra a mu-
lher trazidos pelos artigos 5º, 6º e7º da Lei Nº 11.340 de 07 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), conforme
transcrição:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou
omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial: (Vide Lei complementar nº 150, de 2015)
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou
sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram
aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, inde-
pendentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Art. 6º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.
CAPÍTULO II
DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição
da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar
suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipu-
lação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, explora-
434
Nesse sentido, esta pesquisa demarca a sua relevância, pois a Educação Básica,
em especial, as esferas de ensino-aprendizagem – a escola, necessitam trazer temas da
dimensão social para si, considerando que os espaços educacionais se constituem como
um microcosmo do que ocorre de fato na sociedade, inclusive a reprodução da exclusão,
da violência, do machismo, do racismo. Por que não trazer temas que descontruam essa
reprodução? Por que não concebermos o espaço de ensino como lugar de debates de
temas, formação humana para a inclusão e a construção de criticidade? Já dizia o maior
filósofo da Educação deste país, Paulo Freire, a educação escolar deve ser libertadora!
Para isso, espaço de aprender a opinar, argumentar, respeitar as pessoas.
Nas Diretrizes Curriculares da Educação Profissional, por exemplo, há um impul-
sionamento para que a formação técnica esteja em articulação com a formação básica
curricular, o que significa trazer as humanidades como espinha dorsal para o mundo do
trabalho. Uma formação técnica e profissional perpassada por conceitos implicados e
aterrados em um mundo de pessoas de “carne e osso”. Entre os conceitos, destacamos gê-
nero como modo de compreender o lugar da mulher neste mundo, sempre atravessado
por histórias de violência perpetradas pelo machismo e a misoginia, conforme veremos
na análise documental que fizemos e por que não dizer, denunciamos? Em seguida, levar
esses dados para um diálogo efetivo na prática pedagógica a fim de não só socializá-lo
como também concebê-los como mediador de debates sobre a temática.
Nessa perspectiva, sentimos o desejo de efetivar esta investigação que foi motiva-
da diante de dados estatísticos que nos mostram, todos os dias, estampados nos jornais,
que mulheres ainda não são donas de suas vidas nem dos seus corpos. E transformar as
pesquisas em movimentos de diálogo com a realidade prática é o que chamamos, neste
momento, de pesquisa-militante.
Para chegarmos a essas conclusões, visitamos outras investigações que evidenciam a
violência doméstica e familiar contra a Mulher como um grave problema no Brasil e no mun-
do. Muitas mulheres se sentem (e os dados confirmam que elas de fato estão e são) desprote-
gidas e violadas, diariamente, apesar das lutas e movimentos para conscientização e combate
à essa violência. Além disso, a importância da consolidação de uma rede de proteção para
que as mulheres se sintam seguras para denunciar e assim coibir a disseminação desses atos
ção e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar
de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comer-
cializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo
ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou
manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição
parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recur-
sos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
435
de violação contra a sua integridade e dignidade como pessoa, de forma que consigam viver
uma vida digna e sem medo desse agressor (comumente homem), tendo a justiça, nesse con-
texto, como efetiva no sentido de “Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher”
(Lei Nº 11.340 de 07 de agosto de 2006), para que não venhamos a perder mais mulheres no
mundo por violência, como ainda acontece, e muitas vezes, de forma tão brutal.
Apesar de a pauta sobre a violência contra a mulher ser uma constante nos mais
variados meios de comunicação, o avanço em relação ao objetivo da discussão, qual seja
a erradicação desse tipo de violência, ainda é inexpressivo. Desde o ano de 1990, a Or-
ganização Mundial de Saúde (OMS) reconhece a violência contra mulher como um pro-
blema de saúde pública, o que requer, naturalmente, políticas públicas mais eficientes e
efetivas para o seu combate. Atentando-nos para o fato de que apesar dos esforços para
dar visibilidade ao tema e ao cumprimento à Lei Maria da Penha, ainda é comum mu-
lheres se sentirem acuadas quando violadas e paralisadas em relação ao ato de denun-
ciar seus agressores, pois, mesmo com uma lei sancionada para a sua proteção, muitas
vítimas, quando decidem denunciar, são desacreditadas e desrespeitadas, sentindo-se,
muitas vezes, culpadas pela forma como são acolhidas nas delegacias. Infelizmente ainda
existe um ranço histórico e cultural de superioridade masculina em relação à mulher, le-
gitimando em alguns homens o seu poder sobre a mulher, tendo-a como sua posse, com
o direito de fazer com ela o que quiser; inclusive violentá-las das mais variadas formas,
como uma prática natural do cotidiano.
Embora a Constituição Brasileira de 1988 disponha sobre a igualdade de direitos
e deveres entre homens e mulheres, é perceptível a existência, ainda hoje, de distinções
relacionadas ao gênero que inferiorizam a mulher, seja qual for o lugar que ela esteja
a ocupar. Diante disso, se faz necessário a união e o fortalecimento dos movimentos
feministas para o avanço da conquista e consolidação do espaço de valor da mulher na
sociedade, de forma que essa Igualdade saia da Lei para se atualizar no lugar ora ocupado
por um “fingimento de igualdade” de direitos.
Para tanto, é preciso ter uma visão crítica e responsiva quanto à violência contra
a mulher, a qual deve ser vista em sua complexidade, exigindo intervenções interseto-
riais. Faz-se necessário um forte movimento para a quebra deste ciclo de violência, que
vai desde a Educação para o fortalecimento e valorização da mulher e de seu papel so-
cial, até a criação de mecanismos de prevenção e proteção efetivos, ressaltando a cria-
ção de uma rede de serviço de atenção multidisciplinar estruturada com a capacidade
de compreender e atuar com o objetivo de garantir o direito à liberdade e à autonomia
como um todo.
Diante do exposto, trazemos como questão de pesquisa o modo como a violência se
materializa nas Medidas Protetivas de Urgência/Lei Maria da Penha na Comarca de Jequié,
cidade do Sudoeste da Bahia, Brasil, considerando a inter-relação entre dados qualitativos e
dados quantitativos. Objetivamos, dessa forma, analisar como a violência contra a mulher
436
se apresenta a partir de documentos jurídicos e, em seguida, propor ações didatizadas dos
dados analisados para, posterior, debates na esfera da Educação Básica.
Para isso, pautamo-nos na metodologia de pesquisa documental que, em seus
princípios, afirmam que o documento é resultado de um determinado momento histó-
rico, inserido numa sociedade que o produziu. Desse modo, a pesquisa documental se
constitui como uma técnica poderosa em que podemos retirar evidências sobre determi-
nado objeto de estudo. Para Le Goff (1996, p. 547-548, apud BECALLI), os documentos
são definidos como
REFERENCIAL TEÓRICO
437
ideológica e segregadora de que a ciência é o lugar, apenas, para os homens. Violências
materializadas nas esferas acadêmicas que, na maioria das vezes, estão sedimentadas e
naturalizadas sem um devido olhar crítico. Chamamos a atenção de que, no contexto
do Instituto Federal da Bahia, Campus Jequié, a professora Vanessa Mutti sinalizou, em
sua pesquisa, o lugar das mulheres no Curso de Eletromecânica, sendo constatado que
em 4 anos consecutivos de ingresso nesse curso, em todas as turmas, todas as mulheres
desistiram. Diante desse quadro, um projeto de pesquisa-ação voltou-se para verificar os
motivos bem como implantar intervenções para a permanência das mulheres no curso
que, entre as ações, materializou uma escuta sensível para as questões anunciadas no
diagnóstico dos dados (MUTTI, 2018).
Nessa perspectiva, analisar documentos sobre como anda a violência contra a
mulher e, ao mesmo tempo, propor ações didatizadas mediante essa análise para, pos-
terior execução, implica ampliar o olhar sobre essa violência que está em todo lugar
e se presentifica de diferentes formas. Nos escritos do Filósofo Michel Foucault cons-
tata-se que onde há pessoas, há relações de poder e, em se tratando de gênero, há um
poder-violento intrínseco que tira vidas de mulheres, além de mostrar “suas garras”
nas sutilezas, também.
Uma violência permeada pelas questões de gênero e acompanhada fortemente
pela desigualdade de poder da relação homem e mulher. De acordo com Bittencourth,
Silva e Abreu (2017, p.6),
438
revelando, assim, a complexidade do tema, embora tanto se fale e se especule nos diálo-
gos dos diversos espaços da sociedade.
Com a naturalização desses atos, ora discretos e sutis, ora escancaradamente per-
versos e, considerando a incredulidade acerca da hipótese de seu agravamento extremo,
estudos mostram que:
Ainda discorrendo sobre o feminicídio nas relações adoecidas das quais muitas
mulheres não conseguem sair, Fonseca et al, (2018, p.61, apud BRASIL) trazem que o
No âmbito legal, foi promulgada, em março de 2015, a Lei n.º 13.104/2015 (Lei
do Feminicídio) cujo objetivo é apresentar o assassinato de mulheres como forma de
homicídio, fazendo parte do rol de crimes hediondos. Essa Lei surge com a finalidade de
reconhecer, dar visibilidade e coibir a discriminação, a opressão, a desigualdade e a vio-
lência sistemática contra as mulheres que, em sua forma mais aguda, culmina na morte.
Chamamos a atenção que o feminicídio é
439
Também vale ressaltar que um dos mecanismos mais importantes trazidos pela
Lei Maria da Penha foi a previsão de medidas protetivas de urgência (prevista na Seção
II da lei dos artigos 22 a 24), que podem ser aplicadas diante do risco de violência contra
a mulher. Segundo Almeida (2020, p.101), “as medidas protetivas possibilitam que o juiz
aumente a proteção à mulher para prevenir novas situações de violência”.
Embora a Lei Maria da Penha esteja em vigor desde o ano de 2006 para amparar e
acolher as mulheres vítimas das mais variadas formas de violências, o índice ainda é alto,
conforme traz o Atlas da Violência 2019 (2019, p. 35), que fez um levantamento relatan-
do que houve um crescimento expressivo de 30,7% no número de homicídios de mulhe-
res no país durante a década compreendida entre os anos de 2007 a 2017, assim como no
último ano da série, que registrou aumento de 6,3% em relação ao anterior.
A violência, na contemporaneidade, ocupa lugar prioritário na pauta dos proble-
mas sociais, principalmente no período pandêmico vivenciado pelo mundo, no qual se
constatou um aumento (para além dos índices já anteriormente crescentes) de violência
contra às mulheres, pois, neste período, também aumentou a permanência dos homens
em casa devido ao isolamento social. Alguns pelo fato de realizarem suas atividades de
forma remota, tantos outros pela perda dos empregos e conjuntamente todos os desdo-
bramentos desta condição.
A violência contra a mulher é uma violação dos direitos humanos e das liberdades
fundamentais que limita total, ou parcialmente, o reconhecimento, o gozo e o exercício
de tais direitos e liberdades que, por muitas vezes, vimos ser feridas, violadas e lesadas;
principalmente no que diz respeito ao Artigo 3° das Disposições Preliminares da Lei Ma-
ria Da Penha, que assegura às mulheres condições para o exercício efetivo dos direitos à
vida, à segurança, à saúde, ao acesso à justiça, à educação, dentre outros.
Diante de tantas leis assegurando, no papel, direitos à mulher, ainda é perceptível
uma carência do Estado de forma a coibir e suprimir as questões relacionadas a esse tipo
de violência, bem como garantir a igualdade de direitos e segurança conforme prescreve
a própria Lei Maria da Penha.
Além disso, percebemos que não há uma efetividade do debate sobre tal tema nas
instituições de Educação Básica, considerando que essa esfera se constitui como espaço de
formação humana e apropriações de conceitos e conhecimentos. Trazer o conceito de gê-
nero como forma de discutir a construção e a desconstrução dos papéis sociais, culturais,
históricos e ideológicos da mulher e do homem, é uma forma de trazer questões relaciona-
das com a violência, tão caro para os corpos femininos na nossa sociedade. Implicar me-
ninas e meninos nas suas próprias narrativas é um passo para a tomada de consciência de
como repetimos papéis, formas de subjugação a práticas de violência numa circularidade
viciosa que, de acordo com os dados estatísticos, tem aumentado.
Refletindo sobre tamanha complexidade e abrangência do tema, é necessário e
urgente colocar em prática o que se lê de tão bonito no destrinchar das leis, a exemplo
440
a Lei Maria da Penha, de modo que não se perca mais tantas vidas mulheres de formas
tão brutais e repugnantes. E, ao mesmo tempo, potencializar essa discussão nas esferas
institucionais de ensino, pois a reflexão pode e deve fazer parte de uma esfera social im-
portante, a escola; objetivando combater ações machistas e possessivas tão enraizadas
ainda em nossa cultura.
O papel da Educação, nesse contexto, é primordial para conseguirmos uma mu-
dança significativa, consistente e duradoura. Assim, é de extrema urgência investir em
debates educativos que sejam capazes de, para além dos muros das escolas, fortalecer
meninas e meninos, desde suas primeiras interações sociais, para que cresçam e se de-
senvolvam pautando seus comportamentos nos valores da igualdade entre as pessoas,
da dignidade humana, do respeito e da empatia para com todo e qualquer ser humano:
Um trabalho que deve ser iniciado desde a mais tenra idade da criança, dentro das
famílias, nas primeiras relações dos pares de cada ser; que dever ser continuado, desenvol-
vido, debatido e consolidado nos espaços formais e informais de educação; extrapolando
muros, como um pacto coletivo da população como um todo, uma vez que se trata de um
assunto de abrangência global, que deve envolver as diversas áreas do poder público, na
consolidação das políticas para erradicar a violência contra mulher e o feminicídio.
Nesse sentido, fortalecer os envolvidos de forma que sejam respeitados, deixan-
do para traz um modelo machista e patriarcal falido que ainda insiste em se perpetuar
tendo a figura do homem como o centro de todas as coisas. E, caso sejam violentadas
de alguma maneira, tenham consciência e força para denunciar, na certeza de que serão
protegidas e de que suas vidas não serão ceifadas de maneira tão brutal.
Então, cabe a nós remover as pedras do caminho que atrapalham a nossa com-
preensão tão limitada dos temas que envolve e afeta toda uma população, ampliando
a perspectiva de gênero e outras categorias de análises liberadoras às nossas reflexões e
seguir plantando as flores por meio da abertura aos novos sentidos, ampliando as nossas
compreensões sobre essas e outras demandas urgentes que necessitam ser debatidas e
são relativas às diversas realidades co-existentes na sociedade.
Com isso, reiteramos a questão desta investigação: o modo como a violência se
materializa nas Medidas Protetivas de Urgência/Lei Maria da Penha na Comarca de Je-
quié, cidade do Sudoeste da Bahia, Brasil, considerando a inter-relação entre dados qua-
litativos e dados quantitativos. Objetivamos, desse modo:
441
- Analisar como a violência contra a mulher tem se materializado nas Medidas
Protetivas de Urgência/Lei Maria da Penha.
- Identificar dados qualitativos nas Medidas e sua relação com o índice de vio-
lência.
- Discutir, sob abordagem qualitativa, os dados quantitativos.
- Didatizar a análise para posterior utilização em ações nos espaços escolares de
Educação Básica.
METODOLOGIA
442
Tal escolha, além de responder de forma direta ao corpus, foi também providen-
cial para a continuidade deste trabalho durante o período da Pandemia pela COVID-19,
que se instalou logo no início do ano de 2020, requerendo de toda a sociedade a adoção
de distanciamento social como principal medida de proteção em saúde.
Desse modo, como fontes documentais, valemos-nos de uma certidão e relatórios
emitidos pela Vara Criminal da Comarca de Jequié, constando o quantitativo e os núme-
ros dos processos protocolados perante aquele Juízo no período de 2016 a 2020, dados
esses que foram utilizados para viabilizar a presente pesquisa.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados coletados para a pesquisa foram obtidos por meio de documentos ju-
rídicos referentes às Medidas Protetivas de Urgência/ Lei Maria da Penha, protocoladas
no Juízo de Direito da Primeira Vara Criminal da Comarca de Jequié, que é um muni-
cípio brasileiro do Estado da Bahia, localizado a 365 km da capital Salvador, na Região
Sudoeste do Estado, na zona limítrofe entre a Caatinga e a Zona da Mata, cuja população
estimada em 2020 é de 156.126 habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Ge-
ografia e Estatística (IBGE).
Com relação ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que é
calculado com base no aprendizado dos alunos em português e matemática (Prova Bra-
sil) e no fluxo escolar (taxa de aprovação) e pode variar de 0 a 10, no ano de 2019, o IDEB
no Município de Jequié foi igual a 4,4 nos anos iniciais do Ensino Fundamental e 3,3
nos anos finais desse Ensino, ficando abaixo da meta projetada para o Município – 4,6
e 4,1, respectivamente – em ambas as etapas, e também abaixo do IDEB do Estado da
Bahia, considerada toda a Rede Pública de Ensino, que foi igual a 4,9 nos anos iniciais
do Ensino Fundamental e 3,8 nos anos finais desse Ensino, de acordo ao site do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
Os dados sobre o quantitativo de Medidas Protetivas de Urgência/Lei Maria da Pe-
nha foram solicitados via e-mail, no dia 25/11/2020, ao Juízo de Direito da Primeira Vara
Criminal, Fórum Bertino Passos - Comarca de Jequié, situado à Praça Duque de Caxias,
s/n, Jequiezinho. Tal solicitação foi reiterada, também, via e-mail, em 02/12/2020, para então
ser atendida por aquele Órgão em 03/12/2020, através de uma Certidão com a informação
de que, do início do ano de 2020 até o dia 03/12 daquele ano, havia sido protocolados perante
aquele Juízo 105 (cento e cinco) pedidos de Medidas Protetivas de Urgência (Lei Maria da Pe-
nha), sendo que 2 (dois) deles haviam sido arquivados, continuando em trâmite os 103 (cento
e três) restantes; e de um Relatório extraído do Sistema de Automação do Juízo (E-SAJ) com
a lista dos 105 processos citados na Certidão.
Com o decorrer da pesquisa, verificou-se a necessidade de acesso também ao
quantitativo de pedidos de Medidas Protetivas de Urgência referentes aos anos de 2016
443
a 2019, ensejando nova solicitação àquela Vara Criminal, novamente encaminhada via
e-mail, em 05/02/2021, sendo essa prontamente respondida em 08/02/2021, por meio do
envio de 04 (quatro) relatórios, um para cada ano solicitado, evidenciando os seguintes
quantitativos de pedidos de Medidas: 49 (quarenta e nove) no ano de 2016, 60 (sessenta)
no ano de 2017, 97 (noventa e sete) no ano de 2018 e 100 (cem) no ano de 2019.
Dessa forma, apresentamos a Tabela 1 com o quantitativo de pedidos de Medidas
para nortear a discussão da temática de pesquisa proposta:
444
e ideologicamente – foi território para ser dominado e invadido por um patriarcado,
conforme anunciamos no referencial teórico.
Dessa forma, esse crescimento contínuo e linear configura algo que está enraizado
e ainda engessado na nossa sociedade, embora consideramos ter avançado com a legis-
lação voltada para a proteção da mulher que sofre violência doméstica. Avanços decor-
rentes das lutas feministas que estão presentes em toda a constituição da humanidade,
ou seja, em vários contextos históricos e sociedades diversificadas, as mulheres sempre
sentiram no corpo as marcas da opressão, o que impulsionou e impulsiona a configura-
ção de leis, espaços de debate e Medidas Protetivas de Urgência, corpus de análise desta
investigação.
Sobre a questão 2, acreditamos que as duas perspectivas ocorreram: as mulheres
passaram a denunciar de forma efetiva e também ocorreu um acréscimo da violência
contra as mulheres. Com uma legislação mais específica, delegacias especializadas e, no
caso da Comarca de Jequié que tem o trabalho da Ronda Maria da Penha, as mulheres
se encorajaram mais na denúncia e isso decorre de um trabalho de base efetivado por
feministas que, pela e na coletividade, vão imprimindo um debate para uma tomada de
consciência do quão estamos subjugadas e reféns de uma história marcada por violências
contra os nossos corpos. Ademais, não podemos perder de vista que as mídias – televi-
sivas, redes sociais, entre outras – têm denunciado e, também, dialogado com a socieda-
de sobre como a violência e o machismo matam. Estamos num momento de registros,
através de filmagens, de todas as formas de opressão contra a vida humana, seja racismo,
machismo, preconceitos de ordens diversas; e isso tem favorecido a denúncia.
Com a denúncia, há o crescimento dos casos; no entanto, o contexto atual tem
favorecido o aumento, já que, a nosso ver, as mulheres têm mostrado uma autonomia
não só financeira, como também uma autonomia afetiva. Isso tem favorecido o embru-
tecimento de formas cada vez mais violentas contra as mulheres levando em conta que o
Brasil teve 1890 homicídios de mulheres no primeiro semestre de 2020, número maior
que o registrado no mesmo período, no ano anterior.
A questão 3, anunciada através dos dados da Tabela 1, traz que no ano de 2020,
com a Pandemia provocada pela Covid-19, ocorreu um acréscimo dos pedidos de Me-
didas Protetivas de Urgência com relação ao ano de 2019; entretanto, pelo percentual de
acréscimo observado não podemos afirmar que este se deu devido à Pandemia, já que na
mesma tabela pode-se perceber que os dados foram sempre crescentes desde o ano de
2016. Entre os anos 2017 e 2018, por exemplo, houve um aumento de 37 Medidas Pro-
tetivas protocoladas na comarca de Jequié, sem que nenhum evento substancialmente
atípico tenha ocorrido de modo a justificar tamanho aumento, evidenciando que inde-
pendente dos acontecimentos e eventos históricos locais, regionais, estaduais, nacionais
e/ou mundiais – como é o caso –, a violência contra a mulher ainda é uma constante na
vida cotidiana.
445
Já sobre a questão 4, que traz o questionamento sobre a relação dos dados com a
Educação Básica e a constituição emancipatória de meninas e meninos e de adolescentes
que estão no espaço escolar; e diante dos dados acessados junto à Justiça na cidade de Je-
quié, defendemos a ideia da premente necessidade de que o Espaço Escolar, desde as sé-
ries iniciais, se constitua em um espaço que proporcione as condições para que meninos
e meninas sejam estimulados a participar de reflexões, vivências, discussões, atividades
que os ajudem a crescer e a se desenvolver pautando subjetividades e construções nos
valores da igualdade entre as pessoas, da dignidade humana, do respeito e empatia para
com todo e qualquer ser humano.
Um espaço escolar criativo, reflexivo, conectado com as questões da vida cotidia-
na, que trate de forma leve e responsável as grandes problemáticas da sociedade, como
a Violência contra a Mulher, de modo transversal à Educação Formal, fazendo-a fazer
sentido às diversas realidades que ocupam a mesma sala – seja por meio de discussões,
linguagens artísticas, brincadeiras, rodas de conversas, entre outras; proporcionando-
-lhes experiências que lhes estimulem ao exercício de se colocarem no mundo, de se
posicionarem, de falarem o que pensam, de escutarem e dialogarem com as opiniões
divergentes, sempre na perspectiva da autonomia, do respeito à vida e da liberdade.
Nessa perspectiva, a busca da criação de espaços que propiciem a emancipação das
crianças e adolescentes no desenrolar dos anos na escola, por exemplo, é uma das medidas
capazes de contribuir para o desenvolvimento de indivíduos tornando-os mais preparados
e confiantes, aptos a colaborar com uma sociedade mais inclusiva como um todo.
Assim, apresentamos a Tabela 2, com sugestões de intervenção na esfera escolar,
acerca do tema da pesquisa em questão e como forma de levar a contento um dos ob-
jetivos propostos por nós: didatizar a análise para, posterior, utilização em ações nos
espaços escolares de Educação Básica.
AÇÕES OBJETIVOS
446
- Ler o mundo através das esferas jornalística e ju-
rídica.
3. Reflexão, nas aulas, sobre dados estatísticos acerca - Desenvolver o raciocínio crítico, através dos dados
da violência contra as mulheres e quais são as estatísticos que, à sua vez, materializam a realidade.
variáveis em torno dessa problemática. - Identificar questões relacionadas ao racismo, nos da-
dos estatísticos, levando em conta que a mulher negra
é alvo do feminicídio.
4. Leitura de textos literários escritos por mulheres. - Discutir o que a escrita feminina denuncia nas suas
linhas e entrelinhas acerca do machismo e do patri-
arcado.
A quebra dos paradigmas que vêm sendo reproduzidos ao longo do tempo é es-
sencial para que mudanças de comportamentos ocorram de modo significativo nas dife-
rentes esferas sociais, desnaturalizando toda e qualquer tipo de violência, inferiorização
e discriminação, em especial contra as mulheres.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabemos que não vamos esgotar com este trabalho as discussões e contribuições
para a erradicação da violência, mas temos a esperança de, ao trazer desde cedo esse
447
debate para o contexto escolar, contribuiremos para a formação de cidadãos mais re-
flexivos e com propósito de fazer diferente e melhor do que vem sendo feito, no que
diz respeito à essa cultura patriarcal e machista que tem sido passada de geração para
geração, para homens e mulheres, naturalizando atos violentos, violentando e violan-
do pessoas a todo o tempo, reforçando a desigualdade de gênero, que comumente
reduzem o valor e o lugar da mulher.
Então, como contribuição para o tratamento dessa mazela social, pensamos e
propomos inserir no contexto escolar ações que proporcionem as condições para uma
quebra desse paradigma de violência, estimulando crianças e adolescentes, desde os anos
iniciais, a refletirem e debaterem, dentro da educação formal, sobre temas voltados para
questões do cotidiano como um todo, com didática e linguagem adequados a cada etapa
do desenvolvimento escolar, visando à internalização e defesa intransigente do respeito e
da proteção da vida de toda e qualquer pessoa, independente de gênero, como princípios
inalienáveis de convivência em sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O Feminicídio Como Uma Manifestação das relações de Poder entre os Gêneros <ht-
tps://periodicos.furg.br/juris/article/view/7680>, acessado em 20/01/2021
448
Lei do Feminicídio - LEI Nº 13.104, DE 9 DE MARÇO DE 2015.: <http://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm#:~:text=121%20do%20
Decreto%2DLei%20n%C2%BA,no%20rol%20dos%20crimes%20hediondos>, acessado
em 25/01/2021
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
<http://www.jequie.ba.gov.br/, acessado em 19/04/2021>, <http://ideb.inep.gov.br/>,
acessado em 19/04/2021
449
EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA:
Uma análise de livros didáticos de matemática
e sua relação com as mídias digitais
Daiane Costa Assunção Quinto
Marine Souto Alves
INTRODUÇÃO
450
Partindo do pressuposto do tempo de minha experiência docente, tenho obser-
vado o quanto esse tema nos chama atenção e inquieta os profissionais. Esses, muitas
vezes, por não compreenderem que a adoção de recursos tecnológicos consiste em algo
necessário à sua prática pedagógica, acabam ignorando e deixando de interagir com es-
sas realidades e descobertas que cada vez mais vêm facilitando a vida das pessoas sob
diversos aspectos. No profissional por exemplo, é possível trabalhar em home office (isto
é, trabalhar em casa, mesmo tendo um emprego formal. No caso dos professores por
exemplo, já é possível ministrar aulas sem que estes estejam dentro de uma escola, em
uma sala de aula convencional com os alunos sentados à sua frente). No social, cita-se o
acesso ao banco digital (não sendo mais necessário, salvo em casos extraordinários, ir a
bancos fazer transferências, pagamentos, consultar saldos e extratos e etc.). Nas questões
afetivas, a comunicação a distância não se constitui mais como uma fronteira, pois é pos-
sível enviar e receber mensagens de forma imediata, reduzindo saudades e aproximando
as pessoas. Nesse sentido, nós:
[...] educadores, temos de nos preparar e preparar nossos alunos para en-
frentar exigências desta nova tecnologia, e de todas que estão a sua volta
- A TV, o vídeo, a telefonia celular. A informática aplicada à educação tem
dimensões mais profundas que não aparecem à primeira vista (ALMEIDA,
2000, p.78).
Vivemos em uma sociedade onde os alunos estão um passo à frente dos profes-
sores em relação aos conhecimentos tecnológicos. Uma pesquisa realizada pela Confe-
deração Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e pelo Grupo de Estudos
sobre Política Educacional e Trabalho Docente da Universidade Federal de Minas Gerais
(Gestrado/UFMG) com 15.654 professores da educação básica da rede pública de todo
o Brasil, no período de 8 à 30 de junho de 2020 (primeiro ano de pandemia), revelou
que 89% não tinha experiência, anterior à pandemia, para ministrar aulas remotas (sen-
do que dentro deste grupo, 42% sequer recebeu algum tipo de treinamento), enquanto
para 21% dos professores pesquisados ainda é muito difícil lidar com as TICs*. Por isso,
o professor necessita caminhar junto aos alunos e aprender com aqueles que têm mais
afinidade com as TICs, objetivando um ensino-aprendizagem mais significativo.
Pierre Lévy (2010, p.21), no livro “Cibercultura”, aponta que, em eventos e publi-
cações, “fala-se muitas vezes do “impacto” das novas tecnologias da informação sobre a
sociedade ou a cultura”. O filósofo, no entanto, considera inadequado o uso da palavra
impacto, por se tratar de uma “metáfora bélica”. Assim, a tecnologia 2.0 incorre no risco
de ser vista como algo externo que ataca a sociedade e causa prejuízos e danos, “com-
451
parável a um projétil (pedra, obus, míssil?) e a cultura e a sociedade a algo vivo”. Mas
sabemos que a tecnologia traz muitos benefícios e um deles é justamente no campo edu-
cacional, o que justifica a nossa pesquisa.
Fazendo uma análise de como as pessoas realizavam suas pesquisas antigamente e
nos dias atuais. Nota-se que antes eram em livros didáticos, encontrados, quase sempre,
em bibliotecas. Diferentemente, na nossa atualidade, existem diversas fontes de pesqui-
sas e o aluno não fica preso aos livros, mas dispõe de um leque de opções que as tecno-
logias trazem. Com isso, o professor também deve seguir esses avanços para que possa
saber utilizar esses recursos de maneira eficaz.
Segundo Jesús Martín Barbero (apud MOTTA, 1983), as pessoas têm vivenciado
um momento de limitações e medo, impossibilitando-as de adquirirem novos saberes
por meio das novas tecnologias, sendo elas hoje uma peça fundamental, principalmente
no que diz respeito ao contexto escolar. O que se observa é que uma nova sociedade de
midiatização está se formando, sendo que os educadores não poderão ficar para trás e
sim caminhar com os alunos, ou seja, aprender com eles. Mas é importante lembrar que
essa midiatização precisa ser observada de perto pela escola, para não se tornar uma
ferramenta sem sentido em sala de aula.
Ao afirmar o conceito de midiatização, portanto, nos seus diversos níveis (indi-
vidual, situacional, social e vídeo-tecnológica), Barbero (apud MOTTA, 1983) ajuda a
assentar as bases para que a reflexão evolua para, desde o fim dos anos de 1990, se cen-
trar nos processos midiáticos e desembocar no conceito de midiatização. Dessa forma,
é preciso saber conduzir os nativos digitais, pois trata-se de um recurso amplo, que por
estar presente de forma massiva na sociedade, consequentemente, estará nos espaços
educativos - que é um recorte da sociedade.
A Respeito desse conceito, Gomes (2016) afirma que a midiatização é um conceito
utilizado para definir as interrelações entre as mudanças nos meios de comunicação e
as mudanças socioculturais. Ou seja, a midiatização é consequência das relações comu-
nicacionais usadas pela sociedade e manifestadas através de vários instrumentos, que
expandem cada vez mais a partir do avanço da tecnologia digital.
Como sabemos, a sociedade contemporânea vivencia constantes transformações
que estão ocorrendo a partir da expansão das tecnologias. Essas têm, ao longo do tempo,
conquistado o seu espaço de maneira muito eficaz. Mesmo existindo algumas resistências
quanto ao seu uso, elas vêm se legitimando na sociedade moderna. Segundo Almeida:
452
Nesse contexto, a autora reitera que o nosso mundo é um mundo novo, que
precisa ser ressignificado, principalmente, no âmbito escolar. Logo, é necessário utili-
zar as práticas e teorias relacionadas as tecnologias com a direção voltada ao principal
objetivo: educar.
METODOLOGIA
453
O LIVRO DIDÁTICO: Um breve resgate histórico
A trajetória do livro didático, desde o seu início até sua contemporaneidade, fez
com que este suporte conquistasse seu espaço, contribuindo na formação da sociedade,
sendo um recurso que tem um papel fundamental de auxiliar na construção do conhe-
cimento. Ele sempre se fez presente na vida das pessoas, mesmo na Antiguidade - claro
que não da forma como o conhecemos hoje e nem com este nome - onde as pessoas vi-
venciavam uma necessidade muito grande de expressar e registrar seus conhecimentos.
Mesmo sem os recursos adequados, esses povos buscavam meios de aprimorar cada vez
mais suas escritas e, conforme suas necessidades, foram se aperfeiçoando, até se chegar
ao formato do livro didático que encontramos hoje e com a importância que adquiriu ao
longo do tempo, conforme afirma Stray (1993):
454
Em suas pesquisas, Ferreira (2008) nos mostra que, nesse período, Gustavo Capa-
nema, ministro da educação e da saúde, propôs a elaboração de um decreto cuja função
principal era a fiscalização dos conteúdos que seriam inseridos na construção do livro
didático.
Mesmo com essa rígida fiscalização, ocorreram alguns problemas que atrapa-
lharam a distribuição dos livros por algumas críticas dos professores com relação ao
material. Este acordo abordado por Bezerra e Luca (2006) foi muito criticado na época
por profissionais da educação, pois os USAID detinham todo o controle da produ-
ção e o MEC apenas a executava. Com a extinção da COLTED e término do acordo
MEC/USAID, em 1971, o Instituto Nacional do Livro (INL) ficou responsável pelo
andamento do Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental (FREITAS,
RODRIGUES, 2008).
Em 1985, o PLIDEF foi substituído pelo Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD), por meio do decreto nº 91.542, de 19/8/85, o qual ainda funciona nos dias
atuais. A instituição deste programa foi muito importante porque com ele foram al-
teradas algumas questões a respeito do livro didático. A partir do referido decreto, o
professor ganhou autonomia para escolher o livro didático que iria usar. Além disso,
o livro didático passou a ser fabricado com materiais com mais qualidade e maior
durabilidade para ser reutilizado (deixando de ser descartável) pelos alunos das es-
455
colas públicas de todo o Brasil, além de ser distribuído gratuitamente (FREITAS;
RODRIGUES, 2008).
Apesar de todas as tentativas do governo de levar o livro didático às escolas, “só
com a extinção da FAE, em 1997, e com a transferência integral da política de execução
do PNLD para o FNDE é que se iniciou uma produção e distribuição contínua e massiva
de livros didáticos” (FREITAS; RODRIGUES, 2008, p.303). O PNLD garante que cada
criança tenha direito a um exemplar de cada disciplina gratuitamente.
Freitas e Rodrigues (2008) afirmam que desde 1996 até os dias atuais, o PNLD
conduz um processo de avaliação pedagógica dos livros que são inscritos para o mesmo.
Atualmente, em uma versão mais aprimorada, o programa apresenta por meio do Guia
do Livro Didático, disponível on-line e nas escolas, a avaliação pedagógica dos livros
adotados pelo Ministério da Educação.
Com isso, a partir do Guia do Livro Didático, o professor pode conhecer os livros
didáticos e escolher entre eles duas opções de cada disciplina para usá-lo por três anos
letivos consecutivos. Caso a primeira opção de livro didático não possa ser negociada,
a segunda opção é que valerá e será consumida pela escola. Importante registrar que o
livro didático ajuda os professores a planejarem boas propostas curriculares, oferecendo-
-os condições para que tais propostas sejam colocadas em prática na sala de aula. Ade-
mais, o livro sugere metodologias condizentes a cada ciclo de ensino.
Diante de vários acontecimentos, o acesso ao livro didático não foi algo fácil, pois
se caracterizou como um processo muito burocrático desde o início de sua implementa-
ção. Só na metade do século XX, o referido suporte passou a ser visto como uma ferra-
menta primordial para formação e construção do conhecimento dos alunos. Uma nova
exigência, portanto, seria a de modificação do material, com representações de imagens,
inseridas dentro do próprio contexto, haja vista que ficou perceptível que um livro como
este não deveria focar no professor, mas, principalmente, no aluno. Assim, Bitencourt
(2004) nos revela que:
456
A partir do século XX, ocorreu uma evolução muito grande na indústria do
livro, através da Revolução Industrial. As máquinas foram ficando cada vez mais
modernas, facilitando o aumento das produções. Para se alcançar novos públicos,
as imprensas tiveram que se enquadrar nos formatos mais hábeis para facilitar a
comercialização.
A cada ano que passava, surgia algo inovador, como surgiu a necessidade de facili-
tar e aprimorar mais ainda o trabalho da imprensa, o que estabeleceu o fim da tipografia
e o nascimento da informática no final século XX. Assim, à medida que se divulgava essa
nova descoberta, o mundo passava a aderir à filosofia da globalização, através de um
processo de integração econômica e social.
Com as mudanças que gradativamente ocorriam no Brasil, houve também uma
necessidade muito grande de se modernizar o livro didático, e é nesse contexto que sur-
gem os livros digitais. Sobre eles, Almeida e Nicolau (2013) destacam que:
O livro digital não é novidade do século XXI, seu início foi com o ame-
ricano Michael Hart, em 1971, quando com o Projeto Gutenberg, di-
gitalizou obras culturais, em sua maioria, livros de domínio público.
Os autores fazem distinção entre diferentes tipos de livros digitais: os
livros digitalizados são os que passaram por um processo de digitaliza-
ção, transformando todo seu conteúdo em imagem; os livros híbridos
possuem os recursos de busca e compartilhamento propiciados pelos
e-books; os livros de áudio, (áudio-books) no qual as falas são interpre-
tadas pelo narrador e que possuem diversos efeitos sonoros; os livros
digitais estáticos, geralmente em formato PDF, semelhante ao impresso
com o recurso de busca de palavras e a existência de links para outras
partes do livro ou para sites; os livros digitais dinâmicos que se adé-
quam de acordo com o tamanho da tela e podem ser lidos nos formatos
e Pub, Mobi, AZW e KF8; os livros multimídia que apresentam recursos
extras, como vídeos, infográficos, modelagens em três dimensões, en-
quetes, entre outros (ALMEIDA; NICOLAU, 2013, p.2).
Portanto, observa-se que, ao longo dos anos, houve uma grande necessidade de
aderir aos meios tecnológicos que, por sua vez, facilitavam e aprimoravam cada vez mais
o desempenho e as práticas dos professores, agregando ao uso do livro didático as novas
modalidades tecnológicas. Como sabemos, diante dessas evoluções, as escolas, mesmo
adotando o livro didático impresso, precisam dialogar com a sociedade atual, procuran-
do diversas maneiras de práticas didáticas que possam reorganizar uma nova maneira de
construir o conhecimento.
Nesse viés, é interessante perceber que a história da educação nos revela que a tec-
nologia sempre foi uma aliada. Houve um tempo em que o próprio livro didático ainda
em forma de cartilha ou livro-texto se constituiu como uma verdadeira “revolução tec-
nológica”. Almeida (2000) recupera este fato histórico e nos leva a refletir sobre o mesmo:
457
Anteriormente, outras tecnologias foram introduzidas na educação. A
primeira revolução tecnológica no aprendizado foi provocada por Come-
nius (1592-1670), quando transformou o livro impresso em ferramenta
de ensino e de aprendizagem, com a invenção da cartilha e do livro-texto.
Sua ideia era utilizar esses instrumentos para viabilizar um novo currí-
culo, voltado para a universalização do ensino. Hoje, apesar de se supor
que atingimos um ensino universalizado quanto ao acesso, o mesmo não
se pode afirmar quanto à democratização do conhecimento (ALMEIDA,
2000, p.13).
Vê-se que, o acesso ao conhecimento nem sempre acontece, pois é necessário que
o mesmo esteja sempre conectado com o conhecimento prático dos indivíduos. Percebe-
-se, com isso, que o estudo do livro didático, desde o seu surgimento, veio sempre tra-
zendo bons objetivos com relação a sua finalidade, para que as ferramentas tecnológicas,
que fossem sendo introduzidas nesse mesmo contexto, tivessem a função de aprimorar
cada vez mais o aprendizado dos estudantes, com uma nova modalidade de ensino, e
não substituindo o livro pelas novas tecnologias, mas sim, unindo os dois com a função
de contribuir para o crescimento de um novo modelo de ensino. Mesmo assim, para
Almeida (2000):
458
No que diz respeito às novas tecnologias digitais, mesmo elas tendo conquistado
o seu espaço em nossa atualidade, algo nos chama a atenção: o livro didático não foi
deixado de lado. De acordo com a Associação Brasileira de Editores de Livros Esco-
lares (Abrelivros), não há estatísticas sobre o mercado de livro didático digital, mas
praticamente todas as editoras do país têm iniciativa nesse sentido - o ingresso e per-
manência nas escolas brasileiras que tem sido gradativo (ABRELIVROS, 2021**). Na
realidade, têm-se investido em um mundo interativo, onde os alunos possam utilizar
de vários recursos que incluam tanto o livro quanto a tecnologia, de maneira que o
livro didático impresso ainda seja uma peça fundamental para o aprendizado. De todo
modo, é primordial que não dispensemos os ensinamentos de Jesús Martin Barbero
(1983), quando este nos alerta:
459
A IMPORTÂNCIA DA INCLUSÃO DAS NOVAS TECNOLOGIAS
NO LIVRO DIDÁTICO: A LDB, a BNCC e os PCNS
Fica nítido, portanto, que o uso das tecnologias é algo indispensável em sala de
aula, como preconiza a BNCC, e esta ação deve ser mediada de forma que o aluno possa
compreender e utilizar as tecnologias de forma responsável, consciente e crítica, sobretu-
do, em tempos de fake news e pseudociências disputando espaços e narrativas.
Em relação ao uso das tecnologias no ensino de matemática, a BNCC (2017) traz no
tópico “competências específicas de matemática para o Ensino fundamental”, no item cinco, a
necessidade de “utilizar processos e ferramentas matemáticas, inclusive tecnologias digitais
460
disponíveis, para modelar e resolver problemas cotidianos, sociais e de outras áreas de conhe-
cimento, validando estratégias e resultados” (BRASIL, 2017, p.267). A partir disso, notamos
que o uso das tecnologias como computadores, aplicativos, softwares, vídeos e jogos auxiliam
na construção do conhecimento lógico-matemático, visto que, o educando consegue intera-
gir com o conhecimento de forma mais dinâmica e prática. A BNCC ainda afirma que:
461
Acerca das novas tecnologias no ensino de matemática, os Parâmetros Curri-
culares Nacionais (PCNs) trazem a calculadora e o computador como recursos in-
dispensáveis à prática pedagógica e à aprendizagem do estudante. Com isso, os PCNs
salientam que:
O computador pode ser usado como elemento de apoio para o ensino (banco de
dados, elementos visuais), mas também como fonte de aprendizagem e como fer-
ramenta para o desenvolvimento de habilidades. O trabalho com o computador
pode ensinar o aluno a aprender com seus erros e a aprender junto com seus cole-
gas, trocando suas produções e comparando-as (BRASIL, 1997, p.35).
Os PCNs (1997) também afirmam que a expansão do uso das mídias digitais no
espaço escolar é preciso para que o professor passe tanto por uma formação inicial quan-
to por uma formação continuada, para assim saber como lidar e adotar essas tecnologias
em sua metodologia de trabalho.
Em concordância com o que se pede nos documentos oficiais do país, o Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD) vem apresentando compatibilidade aos usos das
tecnologias nos livros didáticos, exibindo de que maneira o professor pode estar inserin-
do esses recursos, como, por exemplo, uma calculadora dentro da sala de aula, análise de
gráficos estatísticos atuais e, mostrando também, que com o passar dos anos, as calcula-
doras foram se modernizando até chegarem aos dias atuais.
Percebe-se, portanto, que o livro didático não perdeu sua função dentro da sala de
aula, apenas foi ou deveria ter sido reformulado de maneira pedagógica, com diversos
recursos tecnológicos para estarem em consonância com a realidade dos nativos digitais,
ajudando-os a serem críticos e ativos dentro de uma sociedade que avança a cada dia.
Nesse contexto, a presente pesquisa analisa, na seção seguinte, em que medida didática
e pedagógica o livro didático do ensino público e privado tem trazido referências tecno-
lógicas nos dias atuais.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
462
Análise do livro utilizado pela escola pública
**** Trata-se de uma exigência instituída através das legislações educacionais brasileiras - que os livros didáticos
estejam fundamentados na Base Nacional Comum Curricular (o documento mais recente da educação) bem
como nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e nos Temas Transversais (temas contemporâneos sobre
as questões sociais brasileiras).
463
operações básicas, mas apresenta dois robôs que são personagens que se relacionam di-
retamente com a tecnologia, com a inteligência artificial e com as Mídias Digitais. Com
essa referência tecnológica logo na capa, podemos perceber que o livro tem a intenciona-
lidade de estabelecer uma relação significativa entre o estudante e o conhecimento mate-
mático através da curiosidade, do lúdico e sobretudo, por meio das tecnologias digitais.
Como é um exemplar do professor, o livro disponibiliza um material adicional
com orientações, considerações específicas sobre o ensino fundamental, explanação
acerca da importância do ensino de matemática, um adendo sobre a perspectiva inter-
disciplinar e os temas transversais, reflexões sobre a prática pedagógica, sugestões de
planos de aula, considerações sobre a avaliação, além de informações inerentes a BNCC
para o 5º ano. Essa parte adicional que totaliza 44 páginas não apresenta recorte específi-
co sobre as Mídias Digitais, entretanto, consta anexo ao livro, um DVD contendo mate-
rial digital composto por planos de trabalho bimestrais, trimestrais, sequências didáticas
e propostas de acompanhamento da aprendizagem - tudo em formato audiovisual para
uso do professor.
Nos capítulos que são comuns aos professores e alunos, todas as atividades estão
respondidas e apresentam ainda em suas bordas/extremidades orientações específicas
ao professor. Como são nove blocos, e cada bloco tem seu próprio número de capítulos.
Foi necessário analisar cada orientação de uso de Mídias Digitais, bem como observar
se a orientação é para o professor e/ou aluno e notou-se que são para ambos agentes do
processo educativo.
Uma observação relevante é que ao final de cada bloco, o livro, com a intencio-
nalidade de contemplar os temas transversais e as diretrizes da BNCC, traz temas con-
temporâneos relacionados a matemática e a cidadania, com o intuito de formar cidadãos
conhecedores dos princípios e valores democráticos, capazes de tomar atitudes parti-
cipativas em casa, na escola ou em espaço público, contribuindo com uma sociedade
melhor, exercendo o respeito mútuo e a reflexão crítica, afinal, esse também é papel da
matemática, que aliás cabe registrar que é uma área do conhecimento que está presente
em todos os espaços sociais. Majoritariamente, as orientações para uso das Mídias Digi-
tais estão nestes finais de blocos que associam matemática e cidadania.
No primeiro bloco intitulado “Sistema de Numeração Decimal” constam 6 ca-
pítulos, sendo que no último destes, o tema de cidadania é “Casa da Moeda” e traz ao
professor a orientação de complementar o conteúdo da aula realizando uma busca em
sites acerca da educação financeira e do dinheiro ao redor do mundo, para que assim ele
seja capaz de informar aos alunos os diferentes tipos de dinheiro que o Brasil teve antes
de chegar ao vigente, o real.
No segundo bloco, “Adição e Subtração com Números Naturais”, o quarto capítulo
apresenta como tema de cidadania “A População Indígena do Brasil”, no qual sugere que
o professor solicite à turma uma pesquisa na internet sobre a quantidade de comunidades
464
indígenas existentes no Brasil. Após a pesquisa, os alunos deverão construir e apresentar
uma tabela informando essa quantidade por região; o livro orienta ainda que o professor
durante a solicitação da pesquisa desconstrua junto aos alunos, discursos de estereótipos
e preconceitos à cultura indígena.
Ainda no quarto capítulo do segundo bloco, a orientação é que o professor solicite
a turma outra pesquisa na internet, desta vez sobre o desmatamento no Brasil a partir do
ano de 2017. Para tanto, através dessa atividade, os alunos deverão responder quais são
os locais brasileiros com mais focos de desmatamento, quais são as dimensões das áreas
desmatadas ano após ano apresentadas por gráfico, e que com o gráfico pronto, escrevam
um texto avaliando se houve aumento ou diminuição das áreas desmatadas.
No terceiro bloco, “Geometria”, não constam orientações para uso de Mídias Di-
gitais. Já no quarto bloco intitulado “Multiplicação e Divisão de Números Naturais”, o
terceiro capítulo, tem como tema de cidadania “O Uso Consciente do Dinheiro” e sugere
que o professor leve a turma para a sala de informática (se houver) e acesse a Cartilha
“Essa Turma Ninguém Segura” da Turma da Mônica que tem por objetivo orientar os
alunos sobre as relações de consumo, proporcionando reflexões sobre o tema e desen-
volvendo a competência geral nº 5 da BNCC - cultura digital. O capítulo reforça que o
professor também deva realizar pesquisas sobre o tema e indica leituras em sites.
No quarto capítulo do quarto bloco, o tema “Consumo Consciente: Atitudes que
fazem a Diferença”, o professor deve trabalhar com os alunos os impactos ambientais
causados pelo consumo exagerado, devendo-lhes perguntar, por exemplo, se sabem para
onde irão os produtos eletrônicos que são trocados por modelos mais novos ou de onde
são retiradas as matérias-primas para a produção desses objetos; o livro lista uma relação
de sites que o professor deve acessar para fundamentar esse debate.
No quinto bloco, “Números e Medidas” não constam orientações para o uso de
Mídias Digitais. O final do sexto bloco denominado de “Números Expressos na Forma
de Fração” traz o tema “Projeto Tamar” para que o professor debata com os alunos a
quantidade de ninhos protegidos pelo projeto e como é importante que tal projeto con-
tinue atuando para a preservação de inúmeras espécies de tartarugas marinhas. Nesse
sentido, indica ao professor que busque mais informações sobre o projeto acessando suas
redes sociais. No segundo tema que relaciona matemática às questões sociais, o livro traz
a orientação didática de que o professor solicite a turma que pesquise na internet sobre a
quantidade de lixo produzido diariamente no Brasil.
No sétimo, bloco denominado “Números Expressos na Forma Decimal”, a indi-
cação de Mídia Digital aparece no segundo capítulo com o tema “Comparando Preços”,
onde o professor deve acessar as plataformas digitais do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) para aprofundar suas informações acerca da expectativa de vida dos
brasileiros bem como dos tópicos correlatados. Na sequência debater com os alunos a
seguinte questão: antes de comprar um produto ou contratar um serviço, é importante
465
fazer pesquisa de preços, por quê? Tem também a indicação de acesso à um site, onde o
professor encontrará o plano de aula “Brincando de Compra e Venda no Supermercado”.
Caso opte por colocá-lo em prática, simulando junto aos alunos sobre situações de com-
pra e venda, uso do dinheiro e como calcular o troco, poderá proporcionar a turma, um
aprendizado lúdico, significativo onde vivenciarão a matemática no cotidiano.
Finalizando o sétimo bloco, há uma nova indicação para os alunos acessarem a
internet e realizarem uma pesquisa, desta vez, sobre o tema “Doação de Medula Óssea”,
em que os alunos deverão listar o perfil do doador e da pessoa que irá receber a doação,
esclarecimentos sobre a importância deste ato e a quantidade de doações de medula ós-
sea no ano corrente.
O oitavo bloco intitula-se “Mais sobre Geometria” e o tema de cidadania é
“Coleta Seletiva de Resíduos Sólidos” que orienta ao professor acessar o site da “Re-
cicloteca” e estudar conteúdos sobre como cuidar do lixo, selecionar, reaproveitar e
reciclar. Em seguida, trabalhar o tema com os alunos provocando-os a realizarem
uma reflexão sobre o aumento populacional, principalmente, nos grandes centros
urbanos e qual a relação deste crescimento com a produção de lixo. No nono e últi-
mo bloco, “Operações com Números na Forma Decimal”, não constam orientações
sobre o uso de Mídias Digitais.
Ao realizar a análise completa deste livro, constata-se que as orientações para
o uso das Mídias Digitais apresentam-se no decorrer dos blocos e capítulos, e está
em consonância com o que preconizam os estudiosos das mídias e das tecnologias
na educação, bem como os PCNs e a BNCC. Importante pontuar que este é um
livro de uso exclusivo dos estudantes de escolas públicas, no entanto, muitos não
têm em suas residências e até mesmo em muitas escolas, o acesso à internet - por
mais que pareça improvável, a internet ainda não é um recurso de aprendizagem
democratizado porque possui um custo a quem a consome. Sendo assim, o que se
observa no livro didático também é que as orientações de acesso às Mídias Digitais
são realizadas sempre nos temas de cidadania que são temas complementares à ma-
temática, mas que não fazem parte do conteúdo acadêmico prioritário e curricular,
o que pode vir a desmotivar o próprio professor na hora de colocar em prática esse
diálogo entre a tecnologia e a matemática, fazendo com que muitos destes estudan-
tes de escolas públicas permaneçam aquém no que se refere à educação por meio
dos recursos digitais.
Por outro lado, nota-se que essa escolha possa vir a ser proposital por parte da
editora, ao considerar esse contexto dos estudantes de escolas públicas no Brasil, na ten-
tativa de fazer com que a desigualdade de acesso à internet não prejudique tanto o pro-
cesso de aprendizagem destes alunos, o que também é válido. Portanto, ao trabalhar
esporadicamente os temas complementares, esses alunos, ainda que de modo limitado,
teriam acesso à internet.
466
Ainda assim, a abordagem das Mídias Digitais contempla a BNCC que orienta:
“utilizar processos e ferramentas matemáticas, inclusive tecnologias digitais disponí-
veis, para modelar e resolver problemas cotidianos, sociais e de outras áreas de conhe-
cimento, validando estratégias e resultados” (BRASIL, 2017, p.267).
Consultamos o último edital federal de licitação para a aquisição dos livros didá-
ticos das escolas públicas e registramos que os critérios de avaliação para o componente
curricular de matemática advertiam que “a disponibilidade de tecnologias que facilitam
a realização de cálculos e operações não fez diminuir a necessidade da matemática” e que
essas tecnologias devem permitir que se enfatize o raciocínio lógico-matemático (BRA-
SIL, 2015). Desse modo, o edital recomenda que o processo de ensino e aprendizagem da
matemática proporcione aos alunos:
467
Para além da indicação e suporte aos docentes nos livros didáticos, a precariza-
ção da estrutura física de determinadas escolas públicas brasileiras pode inviabilizar o
trabalho pedagógico com as Mídias Digitais: falta de laboratórios de informática, aces-
so inadequado à internet, quebra de equipamentos e a falta de manutenção são alguns
exemplos. Todavia, nos casos em que ainda que minimamente exista a possibilidade de
usar as Mídias Digitais como auxílio para o processo de ensino da matemática, ressalta-
mos que elas são potencializadoras da aprendizagem, pois oportunizam a motivação e
apropriação dos conteúdos estudados em sala de aula, tornando este componente curri-
cular mais atraente, real, funcional e menos mecânico para os alunos.
Este é o livro adotado pela escola da rede privada. Assim como o livro anterior,
trata-se de um exemplar versão professor, também fundamentado pela BNCC. Ao anali-
sarmos a capa, constatamos que ela não apresenta elementos matemáticos, ao contrário,
468
trazem elementos ilustrativos que mais se aproximam da educação física do quê da ma-
temática, com uma variedade de jogos e um pódio.
No material adicional, isto é, de apoio ao professor, o livro é apresentado como
tendo o objetivo de fornecer conteúdos com uma abordagem atual, abrangente, integra-
da e que considera o aluno como agente do seu próprio processo de aprendizagem. As 46
páginas que compõem o material adicional subdividem-se em: eixos do livro (educação
mão na massa, envolvimento da família, formação cidadã e atitudes para a vida), práti-
cas recorrentes (atividades: em grupo, com cálculo mental, aproximações, estimativas,
arredondamentos ou com calculadora), explanação dos tipos de avaliação (diagnóstica,
formativa e somativa), apresentação da distribuição dos conteúdos, jogos, cartazes e um
adendo sobre o uso da tecnologia como ferramenta pedagógica. Chamou nossa atenção
este último tópico, pois responderia a nossa questão de investigação, sobre como as Mí-
dias Digitais lhes são incorporadas.
Por ser um livro de uso exclusivo de escolas particulares, “Novo Pitanguá Mate-
mática” (2019) não se assemelha ao livro didático adotado pela escola pública no que
corresponde as Mídias Digitais, isso porque as editoras que fornecem livros ao Governo
Federal, Estadual ou Municipal são selecionadas por editais de licitação, desse modo, de-
vem levar em consideração a realidade socioeconômica dos públicos a que se destinam.
Vimos na análise do primeiro livro - utilizado pela escola da rede pública - que as
orientações para o uso das Mídias Digitais são realizadas no decorrer dos blocos e capí-
tulos e ainda assim, somente em temas não prioritários da matemática e com a sugestão
de que esse acesso seja realizado na própria escola.
Já no livro da escola da rede privada, ocorre exatamente o inverso, o livro didático
impresso vem acompanhado do livro didático digital em tecnologia HTML5 que garante
mais fluidez e agilidade para explorar ao máximo os conteúdos. O livro didático digital
é acessível em computador, tablet, celular ou lousa digital. Portanto, podemos concluir
que as editoras subtendem que os alunos de escolas particulares têm acesso irrestrito à
internet e que possuem meios tecnológicos para acessarem o livro digital, uma vez que
suas famílias custeiam seus estudos em escolas particulares.
Para tanto, o livro impresso disponibiliza uma tutoria sobre como acessar o livro
digital, sob alegação de que seja imprescindível para a garantia de um acesso seguro e
responsável tanto para o próprio professor, quanto para os alunos, já que eles serão as-
sessorados pelo professor. A tutoria evidencia que pesquisar na internet não se resume a
inserir palavras-chaves, copiar e colar textos e imagens, mas é essencial desenvolver nos
alunos a criticidade com relação à seleção de conteúdos acessados e às fontes de infor-
mação. Ademais, a tutoria também orienta quanto ao uso de editores de texto, planilhas
eletrônicas, editores de apresentação, redes sociais e fóruns online.
Ao analisarmos os cinco blocos, capítulo por capítulo do livro didático “Novo
Pitanguá Matemática” (2019), não encontramos inferências ao uso das Mídias Digitais,
469
certamente, porque o livro impresso vem acompanhado do livro digital, sendo assim, o
próprio livro já se constitui como uma Mídia Digital. Achamos interessante essa intera-
ção entre os dois formatos de livros porque reconhece que as Mídias Digitais potenciali-
zam a educação escolar por fazer parte da sociedade contemporânea e, respectivamente,
do cotidiano dessa geração de alunos, ao tempo que livro impresso não entra em desuso,
são formatos complementares.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
470
e/ou à distância, enquanto a educação básica da rede pública - com exceção do ensino superior
- foi completamente paralisada. Contudo, foi propósito restrito desta investigação evidenciar
de que forma as Mídias Digitais aparecem em livros didáticos de matemática, e os resultados
encontrados foram satisfatórios no livro didático utilizado pela escola particular e regulares no
livro didático utilizado pela escola pública.
Consideram-se resultados regulares porque as orientações para o uso das Mídias
Digitais encontradas no livro da escola pública foram tímidas e/ou superficiais, ou seja, não
focalizaram especificamente os conteúdos matemáticos, e sim temas de questões sociais
que embora sejam extremamente relevantes, não contemplam o conteúdo curricular em
sua totalidade. Diante dessa constatação, fica evidente que este livro didático ainda tem um
percurso a ser seguido, para que passe a contemplar o uso das Mídias Digitais realmente
para experimentação, problematização e sistematização de conceitos matemáticos.
Por outro lado, sabe-se que o uso de laboratórios de informática, computadores, tablets
e celulares é uma alternativa que encontra seus limites na questão estrutural da escola pública,
financeira dos alunos e instrumental do professor. De nada adianta orientar o uso de Mídias
Digitais como alternativas aos tradicionais livros didáticos se a antiga estrutura se mantém.
Por fim, consideram-se resultados também regulares para o livro empregado pela
escola da rede privada porque o livro impresso não apresenta orientações diretas em
relação ao uso das mídias digitais, no entanto, ele vem acompanhado do livro digital, ou
seja, todos os conteúdos e exercícios podem ser revisados e respondidos de forma online,
tornando a aprendizagem matemática significativa aos alunos.
Reconhece-se aqui, todavia, a necessidade de análise do livro digital que acom-
panha o livro impresso utilizado pela escola privada de ensino para que se confirme ou
não as estratégias a serem utilizadas para o ensino-aprendizagem da matemática através
das mídias digitais, lacuna de pesquisa que se evidencia para ser desenvolvida em uma
pesquisa futura, como continuidade deste estudo aqui iniciado.
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473
DEPRESSÃO E SUICÍDIO EM JOVENS
ENTRE OS ANOS DE 2015 A 2020 NA CIDADE DE JEQUIÉ:
Reflexões sobre essa problemática
no ambiente educacional
Poliana dos Santos Silva
Solange Alves Perdigão
INTRODUÇÃO
474
Os estudos apontam que provavelmente quadros de depressão estejam na raiz de
uma parte considerável dos suicídios. É importante ressaltar que a tem um alto índice
de comorbidade, ou seja, normalmente a depressão está acoplada a outras doenças, que
apresentam episódios periódicos, levando a prejuízo físico e psíquico, além de poder
ocasionar a morbimortalidade por suicídio (AMARAL et al., 2007, p.162).
Muitos casos de depressão podem chegar ao suicídio, ação que tem por finalidade
tirar a própria vida. É bastante difícil falar de causas específicas, pois, geralmente o sui-
cídio não é um fenômeno redutível a um ou outro acontecimento em específico. Sendo
assim, é mais coerente falar em fatores de risco, ou seja, fatores que tornam maior o risco
de autoextermínio.
Nesse sentido, dentre os principais fatores que tornam maior o risco de suicídio
destacam-se o transtorno de estresse pós-traumático, os transtornos de personalidade, a
dependência química e a esquizofrenia. Além disso, certas doenças aumentam o risco de
suicídio como os distribuídos neurológicos, o câncer e a infecção por HIV (BERTOLO-
TE; SANTOS; BOTEGA, 2010, p.588).
Porém, o significativo aumento do número de casos de suicídio entre jovens é
preocupante, podendo estar relacionado a outros fatores, a saber: a crise econômica, as
exigências do sistema de trabalho, a estrutura familiar que tem se modificado ao longo
do tempo e diversos outros acontecimentos sociais que favorecem o fenômeno da de-
pressão (BLAZER, 2000 apud JARDIM, 2011, p. 87).
A depressão, bem como o suicídio, exerce impacto não só na vida de quem sofre
o dano, mas também na vida da família e dos amigos próximos. Ao mesmo tempo, cons-
titui prejuízos para a sociedade, visto que, investimentos indispensáveis à formação do
sujeito como cidadão de diretos foram perdidos devido à morte precoce ocasionada pelo
suicídio (SOUZA et al., 2011, p. 295).
Além disso, cabe observar que a valorização do indivíduo no mercado de trabalho
gera nele a busca incessante por uma formação contínua, na qual agregue ao seu currí-
culo, no intuito de enriquecer suas habilidades e competências, cursos e especializações.
Paralelo a isso, segundo Corbanezi (2018)
475
Nesse sentido, se estabelece uma nova razão para o indivíduo se sentir valorizado
socialmente, ou seja, além dos investimentos feitos para atender a lógica do mercado
capitalista, o ser humano ainda precisa investir nas suas relações interpessoais e no bem-
-estar da própria saúde, seja ela física ou mental. Tais demandas da sociedade podem
acarretar uma sobrecarga emocional.
Observa-se a transição de uma sociedade fordista, na qual predominava o tra-
balho braçal para uma sociedade neoliberal, cuja concorrência exige que o trabalhador
seja multitarefas, flexível e capacitado para o mercado. Além disso, para a doutrina so-
cioeconômica das sociedades capitalistas, a depressão é mero desinvestimento coletivo
e individual, ainda que outras áreas, tal como a farmacêutica, se beneficiem com isso
(CORBANEZI, 2018).
Assim, a relação entre sofrimento psíquico e sociedade é próxima, uma vez que
atribui ao indivíduo, unicamente, a responsabilidade pelo sucesso social (CORBANEZI,
2018), ou seja, a depressão, ainda que indiretamente, resulta da construção de um ideal
contemporâneo do capitalismo.
Dessa forma, cria-se um novo modelo de subjetividade, instaurando nas pessoas
um modo de refletir suas opiniões a partir do que é (im)posto pela sociedade. Isso reflete
na vida de muitos jovens que estão iniciando sua carreira profissional e se deparam com
a necessidade de inovar o tempo todo para alcançar uma lógica motivada pela concor-
rência comercial.
Diante do exposto, a observação feita sobre casos de depressão e suicídio entre
jovens, me levou a ter interesse pelo tema, o qual é de grande relevância para os estudos
científicos. A cada ano que passa os índices de pessoas depressivas e ansiosas, princi-
palmente grupos de adolescentes apresentam um aumento significativo. Dessa forma,
torna-se necessário investigar sobre esse distúrbio e as mudanças que ocorreram durante
os últimos tempos.
Diante da observação de que existe um crescimento do número de jovens que
sofrem com a depressão e cometem suicídio, optamos por conhecer melhor a temática
do suicídio na população juvenil e, para isso, questionamos em que medida houve au-
mento da incidência de suicídio juvenil na cidade de Jequié e que relações poderiam
ser estabelecidas entre esse fenômeno e a educação escolar.
Ao decidir por essa temática, visamos analisar a possível ocorrência de crescimen-
to da incidência de suicídio juvenil na cidade de Jequié nos últimos cinco anos. Com os
seguintes objetivos específicos: Identificar quantitativamente se houve crescimento do
suicídio na população jovem entre os anos de 2015 a 2020 na cidade de Jequié e analisar,
de forma geral, a relação entre a educação e o aumento do fenômeno da depressão e do
suicídio em jovens.
Levantar a importância do estudo desse fenômeno para a sociedade é compreender que
esse problema não é novo, mas que precisa ser revisto. Os estudos nos aproximam de respostas
476
para muitas das interrogações, as quais pairam acerca de algo incompreendido. À vista disso,
nesta pesquisa, buscamos conhecer mais sobre o assunto e seu significativo aumento entre
pessoas de faixa etária jovem.
ABORDAGEM METODOLÓGICA
A metodologia é uma das molas propulsoras de uma pesquisa, a qual está radi-
cada na trajetória percorrida por quem a investiga, desde as alternativas tomadas para
conhecer o fenômeno a ser estudado até os meios que sucederão determinada análise.
Para isso fizemos uma pesquisa bibliográfica com análise documental.
Pensar a pesquisa documental é pensar em investigação, pois é através dela que o
pesquisador irá averiguar documentos com a finalidade de extrair informações que pos-
sam colaborar para a compreensão do fenômeno. Segundo Le Goff (1990), a habilidade
do historiador consiste em retirar do documento apenas aquilo que o mesmo oferece,
sendo fidedignas as informações que ali estão.
Por esse viés, para identificar quantitativamente o número de casos de suicí-
dio entre jovens no município de Jequié, analisamos as ocorrências policiais feitas
nos últimos cinco anos. O documento foi obtido através do Setor de Estatística da
9ª Coorpin (Coordenadoria Regional de Polícia do Interior) - Delegacia Territorial
de Jequié.
Fundado em 1897, o município de Jequié está localizado na região Sudoeste da
Bahia, cerca de 365 quilômetros de Salvador, capital do estado, e possui aproximadamen-
te 156.126 habitantes. Situa-se entre a zona da mata e a caatinga. Atualmente é composta
por cento e vinte e quatro escolas municipais, dezenove estaduais, setenta e nove priva-
das e uma federal.
Nesta pesquisa, para compreender o aumento do fenômeno da depressão e do
suicídio em jovens e a relação disso com a educação, fizemos uma revisão bibliográfica
sobre as incidências ocorridas com o público jovem ao longo do tempo. Na busca dos
textos utilizamos os seguintes descritores: depressão e suicídio na adolescência, suicídio
entre jovens e depressão. A revisão bibliográfica é um dos meios em que reunimos in-
formações importantes tiradas de material teórico confiável para investigar o problema
da pesquisa.
Para analisar a relação entre suicídio e educação, partimos de uma revisão biblio-
gráfica sobre o tema, buscando construir uma relação entre o que ocorre no ambiente
educacional que pode colaborar com a maior incidência da depressão ou, ao contrário,
prevenir tal fenômeno e promover maior bem-estar e saúde mental.
477
RESULTADOS
Cada tempo histórico deixa suas marcas nas gerações que o compõem. As experi-
ências vividas no evoluir histórico constroem caminhos que refletem no tempo presente.
Dessa forma, fazemos história a todo o momento, com as diferentes gerações que se rela-
cionam entre si. Contudo, percebemos que os impactos gerados pela sociedade têm coo-
perado para situações de jovens cada vez mais sobrecarregados, ansiosos e preocupados.
No Brasil, de 2011 a 2017, foram registrados cerca de 80.352 óbitos por suicí-
dio em pessoas cuja faixa etária estavam entre 15 a 29 anos. Entre esses anos, obser-
vou-se um aumento de 10% na letalidade por suicídio. Além disso, verificou-se que
79% dos casos ocorreram em pessoas do sexo masculino e 21% do sexo feminino
(BRASIL, 2019, p. 8).
Ademais, algumas características foram destacadas, uma delas refere-se ao nível
de escolaridade dos jovens que cometeram suicídio. Na análise feita do grupo masculino,
58% possuíam de 4 a 11 anos de estudo, ou seja, o perfil de escolaridade perpassava do
ensino fundamental ao ensino médio e cerca de 6,9% obtinham nível superior incomple-
to ou completo. No grupo feminino, 57,9% dispunham de 4 a 11 anos de estudos e 13,2%
possuíam nível superior incompleto ou completo (BRASIL, 2019, p.10).
Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2019), houve um aumento no número
de óbitos por suicídio nos anos de 2011 a 2017. Comparando esses anos, a Bahia apresen-
tou variação percentual de 11% na taxa de mortalidade por suicídio em jovens entre 15
e 29 anos. Outros estados que alcançaram acréscimo considerável no percentual da taxa
de mortalidade foram Mato Grosso do Sul e Roraima.
Assim, durante a pesquisa fez-se necessário realizar um levantamento sobre o
quantitativo de casos de suicídio em jovens na cidade de Jequié entre 2015 a 2020. Um
dos primeiros locais para busca de dados foi a Secretaria de Saúde do município. No en-
tanto, observou-se que não havia nenhum documento em que constassem esses dados.
Nesse sentido, para Brito et al. (2020), há um silenciamento em relação a essa proble-
mática por parte dos órgãos de saúde, embora eles sejam responsáveis pela prevenção e
assistência à saúde.
Por conseguinte, foi necessário o deslocamento até a delegacia de polícia da região
na busca pelos dados para a pesquisa. Apesar de ser um tema importante, poucos traba-
lhos foram encontrados para colaborar com este estudo, mas apesar das dificuldades, foi
possível obter êxito com a procura do documento.
Dessa forma, para analisar o quantitativo dos casos de suicídio na cidade, utilizou-
-se os dados das ocorrências policiais, concedida pelo Setor de Estatística da 9ª Coorpin
- Delegacia Territorial de Jequié no período de 2015 a 2020. A princípio realizou-se um
levantamento do total de casos para assim identificar os episódios ocorridos apenas com
jovens entre 15 a 35 anos.
478
É importante destacar que os dados obtidos no ano de 2015 só foram computados
a partir do mês de outubro, pois, de acordo com o responsável pelo setor de estatística
o programa de computação, só foi implementado no segundo semestre do referido ano.
A figura a seguir demonstra o total de casos ocorridos ao longo dos anos. Pode-
-se observar uma alternância no número de ocorrências, os quais foram oscilando em
decrescente e crescente, destacando-se o ano de 2019 com o que obteve maior índice.
Do total examinado, 44,8% correspondem ao perfil de jovens cuja faixa etária está
entre os 15 a 35 anos e 6,8% estavam sem a informação da idade. Foi possível constatar
uma predominância do suicídio no público masculino, com 86,2% das ocorrências, en-
quanto com o sexo feminino foram registradas 13,8%, confirmando a tendência brasilei-
ra de predomínio de casos do sexo masculino.
Segundo Bahls e Bahls (2002 apud BIAZUS; RAMIRES 2012, p.84), os quadros
depressivos ocorriam em maior escala em pessoas do sexo feminino, ou seja, no que se
refere aos casos de depressão, o público feminino representa montante mais significativo
do que os homens. No entanto, o diferencial nessa situação é que as mulheres chegam
menos facilmente ao extremo do suicídio, talvez porque estejam mais acostumadas a
falar sobre seus sentimentos, a buscar ajuda profissional, a não esconder sofrimento psí-
quico e isso pode não ser diferente no município de Jequié.
Ademais, a depressão e o suicídio em adolescentes é algo complexo que vem aos
poucos ganhando visibilidade devido aos crescentes índices de ocorrência na categoria
de pessoas jovens. No Brasil a média de estudantes com sintomas depressivos ocupa um
patamar significativo. Segundo Ribeiro e Moreira (2018, p. 283), esse predomínio justifi-
ca-se por uma vulnerabilidade estrutural, decorrente do crescente processo de urbaniza-
ção, acompanhado da exclusão social nas distribuições de recursos e de oportunidades.
479
Depressão e suicídio: temas que ainda são tabus na escola
480
Conforme Coutinho, Carneiro e Salgueiro (2018, p.186) “escutar as crianças e os adoles-
centes pode ter uma potência transformadora”. Contudo, nota-se que ainda existe uma
imobilidade na abertura de falas entre professor e aluno e entre jovens e sociedade sobre
a depressão e suicídio. O tema ainda é socialmente significado como tabu.
Além disso, em contraponto às dificuldades de comunicação entre aluno e escola,
a mídia passou a ocupar papel significativo na construção da formação do jovem. A fa-
cilidade do acesso às mídias trouxe uma carga maior de informações para esse público,
que muitas vezes não sabe filtrar as notícias e definir como utilizá-las nas relações inter-
pessoais (ROCHA, 2017).
A escola por muito tempo foi compreendida como espaço de doutrinação, na qual
visavam moldar indivíduos a um padrão social. Assim, reproduzia valores liberais como
o individualismo, a competição e o afastamento entre as pessoas, o que colaborava para
o distanciamento físico e a socialização por meio do contato virtual (ROCHA, 2017).
Com os avanços tecnológicos e a globalização, as pessoas têm se aproximado cada
vez mais do mundo virtual. A facilidade do acesso às mídias proporcionou ao ser huma-
no compartilhar informações em tempo real e viver cada vez mais relacionando-se com
pessoas através das redes sociais (ROCHA, 2017, p. 20009).
Com isso, as relações pessoais, as vivências e a forma de refletir sobre determina-
das situações se modificaram, ou seja, além das mídias influenciarem opiniões, sejam
elas de forma positiva ou negativa, contribuíram para o distanciamento físico entre as
pessoas. Assim, ao analisar a relação de três instituições que são fundamentais no pro-
cesso de formação do jovem o autor Setton (2002) afirma que
481
Contribuições da escola para o enfrentamento a depressão
e ao pensamento suicida em jovens
482
Em Portugal, um projeto de intervenção chamado + Contigo objetiva promover
saúde e bem-estar para crianças e adolescentes no ambiente escolar, bem como au-
mentar os conhecimentos dos profissionais da educação a respeito da depressão e do
suicídio. Desse modo, a implantação de projetos que possibilitem investigar e colabo-
rar para a manutenção da saúde mental dos jovens é de extrema importância (ERSE et
al., 2016, p.40).
O Documento Curricular Referencial da Bahia para Educação Infantil e Ensino
Fundamental (DCRB) apresenta o projeto de vida que auxilia adolescentes que estão na
transição do 9° ano do ensino fundamental para o 1° ano do ensino médio a se conhece-
rem e encontrarem propósitos para conquistarem seus sonhos. É um processo estrutural
e gradual que envolve tempo e muita reflexão.
Paralelo a isso, a escola deve ter o cuidado na condução do projeto de vida, visto
que, deve ser levado em consideração as diferentes singularidades, histórias e vivências
existentes na vida de cada adolescente. Nesse sentido, o projeto de vida aproxima a es-
cola das particularidades de cada aluno e com isso os ajuda no processo de construção e
desenvolvimento de suas potencialidades. Além disso, interliga os seus sonhos e desejos
individuais com as demandas solidificadas da sociedade.
É importante destacar que o objetivo do projeto de vida consiste em desenvolver
no jovem um protagonismo sobre sua vida e sobre o seu futuro, criando uma conexão
para além do ambiente educacional, ou seja, preparando esse adolescente para as duali-
dades do mundo do trabalho. Dessa forma, a escola como espaço de sociabilidade social
está colaborando com os aspectos emocionais desses jovens que são fundamentais ao
longo da vida.
Assim, além dos programas institucionais, cuja finalidade pauta-se na saúde men-
tal dos jovens, faz-se necessário a inclusão de projetos que favoreçam o conhecimento e
os cuidados com esse público.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
483
Com a proximidade da fase adulta, há um aumento de demandas sociais que exi-
gem mais responsabilidade do indivíduo. No entanto, nem todos sabem lidar com as
modificações da vida. Nesse sentido, a colaboração dos pais é fundamental, pois viver
num ambiente que promove a expressão da afetividade colabora com o enfrentamento
às demandas externas que podem fragilizar o jovem.
Outrossim, a educação é parte fundamental no processo de estreitamento dos la-
ços entre professor e aluno, o que contribui para o enfretamento da depressão nos am-
bientes educacionais. Porém, nota-se que a escola atua prioritariamente na dimensão
intelectual, em detrimento de outros fatores, tais como o emocional, o biológico e o
social; dos quais depende o desempenho intelectual. Além disso, podemos observar que
as novas exigências do mercado de trabalho desenvolvem no jovem uma necessidade de
alcançar uma vida social de sucesso, motivada principalmente pelo modelo contempo-
râneo do mercado capitalista.
Ademais, foi percebido que há uma tendência de crescimento nas ocorrências de
suicídio em jovens na cidade de Jequié, o que segue a mesma tônica de grande parte do
país. Isso decorre, dentre outros fatores, devido ao silenciamento que existe por parte
dos órgãos municipais, como a secretaria de saúde e de educação, bem como da carência
de apoio aos jovens por meio das famílias e equipes de profissionais das escolas. Dessa
forma, é necessário um engajamento com os diferentes setores para um trabalho efetivo
e aplicável nos ambientes de ensino, visando uma maior sociabilização do assunto e,
consequentemente, o enfrentamento a essa problemática.
Com o crescimento da globalização, o uso das novas tecnologias já emerge na maio-
ria dos ambientes educacionais e passaram a desempenhar um papel fundamental na vida
de muitos adolescentes. Nesse sentido, as mídias sociais têm ganhado destaque, visto que
são ferramentas formadoras de opiniões, o que implica diretamente na vida social dessas
pessoas. Diante disso, as influências negativas, a cultura de massa e o distanciamento físico
estabelecido pelas mídias sociais são fatores que podem contribuir para a emergência ou
intensificação da depressão em muitos jovens. Sendo assim, é necessário que a escola atue
de forma interdisciplinar para ensinar a maneira saudável do uso das mídias dentro e fora
da escola, bem como a filtrar informações e utilizá-las de maneira correta.
São tempos difíceis, de muita instabilidade social, em que os jovens precisam de
uma rede de apoio que não seja inerente a apenas um espaço. É necessário realizar tra-
balhos conjuntos, escola, rede de atenção à saúde, família e todo o coletivo, pois todos
somos responsáveis pela construção da sociedade presente e futura.
É importante ressaltar, no que concerne à temática, que muitas lacunas ainda per-
manecem abertas. Por isso, salienta-se que o início deste estudo visava a compreender o fe-
nômeno do crescimento da depressão e do suicídio em jovens, de forma específica na cida-
de de Jequié. Haja vista a amplitude do tema, cabe ainda em pesquisas futuras uma análise
mais abrangente acerca da saúde mental dos jovens dentro e fora do ambiente educacional.
484
REFERÊNCIAS
BERTOLOTE, José Manoel; SANTOS, Carolina de Mello; BOTEGA, Neury José. De-
tecção do risco de suicídio nos serviços de emergência psiquiátrica. Revista Brasileira
de Psiquiatria. Vol. 32. Out 2010.
485
ERSE, Maria Pedro Queiroz de Azevedo et al. Depressão em adolescentes em meio es-
colar: Projeto + Contigo. Revista de Enfermagem. Série IV - n.° 9, p. 37-45, abr./mai./
jun. 2016. Disponível em: <file:///C:/Users/cleiton/Documents/Projeto%20Contigo%20
depress%C3%A3o%20no%20ambiente%20escolar.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2021.
JARDIM, Sílvia. Depressão e trabalho: ruptura de laço social. Rev. Bras. Saúde ocup.
São Paulo, 36 (123): 84-92, 2011.
RIBEIRO, José Mendes; MOREIRA, Marcelo Rasga. Uma abordagem sobre o suicídio
de adolescentes e jovens no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva. 2821-2834, 2018.
SETTON, Maria da Graça Jacintho. Família, escola e mídia: um campo com novas
configurações. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/ep/v28n1/11659.pdf>. Aces-
so em: 10/04/2021.
TOTES et al. Sofrimento mental de professores do ensino público. Saúde debate, Rio
de Janeiro, v. 42, n. 116, p. 87-99, Jan/mar 2018.
486
O USO DE TEXTOS DA REVISTA COTOXÓ
EM SALA DE AULA:
Uma proposta pedagógica
Domingos Ailton Ribeiro de Carvalho
Elane Nardotto Rios
Lafayete Rios
INTRODUÇÃO
Mesmo com ascensão da mídia eletrônica nos dias atuais, o uso de jornais e revis-
tas impressos como suporte pedagógico em sala de aula tem grande importância para o
ensino e a aprendizagem.
A utilização de notícias, reportagens, artigos de opinião, crônicas, charges, tiri-
nhas e editorias em sala de aula é um relevante apoio pedagógico, uma vez que jornais
e revistas impressos estão mais atualizados do que o livro didático, que leva no mínimo
dois anos de sua produção até a seu uso em sala de aula. Além disso, contém temáticas
regionais que geralmente não estão no livro escolar. Desse modo,
487
com a criação do informativo “Coração de Estudante” em 1985, do Centro de Estudan-
tes Universitários e Secundaristas de Jequié (CEUSJE), entidade que presidia na época,
e “Jornada Estudantil” do Grêmio Estudantil Dinaelza Coqueiro, entidade que também
fui presidente um ano depois. Em 1986, também passei a cobrir as sessões da Câmara
de Vereadores de Jequié, na condição de foca (termo usado no jargão jornalístico para o
jornalista no início de carreira) para a Sucursal do Jornal “Tribuna da Bahia”, gerenciada
por Maneca Sampaio.
Em 1987, em decorrência de um artigo que fiz intitulado “Os destinos da juven-
tude brasileira”, à pedido de Pedro Nogueira para o Jornal “O Rascunho”, fui convidado
pelo proprietário desse veículo, Fransciney Vieira, para escrever reportagens nessa mídia
de periocidade mensal. Por conta da repercussão dos meus textos, fui convidado em
1989 pelo editor Álvaro Araújo, do semanário “Jornal Sudoeste”, para trabalhar como
repórter desse periódico; criei em 1994 o informativo “O Ecológico” do Grupo Ecológico
Rio das Contas -GERC, que passou a ser utilizado por muitos professores como suporte
pedagógico para o trabalho de educação ambiental.
Em 2000, ao ingressar por concurso público na Rede Estadual de Ensino da Bahia,
na condição de docente, fui designado pela coordenação pedagógica do Colégio Esta-
dual Luiz Viana para ministrar, dentre outras, a disciplina Jornal na Escola cuja experi-
ência foi muita rica. Criei um jornal impresso na escola, que publicava as três melhores
redações dos alunos e levava textos de jornais e revistas para leitura e discussão em sala
de aula.
No ano seguinte, 2001, participei de um congresso sobre o uso pedagógico do jor-
nal e da revista em sala de aula na Unicamp, em Campinas, interior de São Paulo, onde
tive oportunidade de assistir palestras de relevantes estudiosos da utilização na mídia
impressa em sala de aula e de adquirir publicações sobre o tema.
No ano de 2008, criei a Revista “Cotoxó”, que passou a reunir desde profissionais
que escrevem há mais de 70 anos para jornais e revistas de Jequié e Salvador - a exemplo
do veterano historiador e professor Émerson Pinto de Araújo, de 95 anos, do jornalista
e cartunista Carlos Éden, do professor e jornalista Raimundo Matos e do cantor Charles
Meira - a profissionais de diversas áreas e do sexo feminino como: Kelly Costa, Adriana
Abreu, Ieda Sampaio, Dalva Rebouças e Elane Nardotto.
Percebi que muitos professores, tanto na UESB quanto no ensino fundamental e
médio, passaram a utilizar os textos da Revista “Cotoxó” em suas aulas; daí, então, surgiu
a ideia de elaborar uma proposta metodológica, tendo a revista como suporte pedagó-
gico, contribuindo assim para prática docente no ensino fundamental II e ensino médio
no incentivo à leitura e à produção textual.
Com isso, o corpus de pesquisa envolve um conjunto de métodos utilizados ante-
riormente, em outros estudos, os autores lidos e a vivência de mundo que tenho expe-
rimentado na utilização do texto jornalístico em sala de aula. Esta proposta pedagógica
488
tem um perfil interdisciplinar, uma vez que é destinada a professores de todas as áreas do
conhecimento do ensino fundamental II e ensino médio (ANEXO 1).
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
No livro “Como usar o jornal na sala de aula”, de Maria Alice Faria, há uma pas-
sagem da jornalista argentina Roxana Murdochowicz que, à sua vez, define a mídia
impressa como “janelas de papel”, uma vez que, de acordo com a autora, por meio des-
sas janelas, o estudante “pode atravessar as paredes da escola e entrar em contato com
o mundo e atualidade. Jornais e revistas são, portanto, “mediadores entre a escola e o
mundo” (FARIA, 2002, p.11).
Já T. Silva (2008) destaca a importância do discurso jornalístico e enaltece três
vertentes para o ensino. A primeira é a vertente linguística, já que a mídia impressa é
constituída de ricas e diferenciadas tipologias textuais (argumentativa, dissertativa, nar-
rativa e descritiva) e apresenta um tipo de gramática exclusiva. A segunda refere-se às
relações entre as partes ou cadernos, as palavras e as imagens. A terceira vertente é cog-
nitiva e traz a possibilidade de atualização do conhecimento, análise e crítica.
Pavani (2002), por sua vez, aponta os benefícios que um programa de leitura de
jornais e revistas em sala de aula pode proporcionar para os alunos, tais como:
Nesse sentido, com o exercício de leitura, reflexão e análise do conteúdo dos tex-
tos jornalísticos, os alunos poderão debater e ter uma visão crítica das notícias que são
publicadas pelos veículos de comunicação, para que possam entender que a produção
jornalística não é neutra, considerando que o
489
[...] acontecimento passa por uma série de filtragem, de mediadores de
diversos tipos até chegar ao leitor/ouvinte/espectador. Os jornalistas sele-
cionam os dados, recortam os fatos de um contexto e os reconstroem em
outro contexto: o das páginas do jornal ou das transmissões de rádio e TV
(FARIA,2002, p. 15).
Do fato até sua publicação, na maioria das vezes, o texto passa por uma série de
modificações: da fonte que apresenta sua versão, da apuração e da produção jornalística
do repórter, do editor que indica qual espaço que terá a matéria no veículo de comuni-
cação e do copidesque ou redator. Muitas pessoas, entretanto, acreditam que tudo que é
veiculado na imprensa é verdade ou a verdade sobre o fato. O mito da objetividade das
notícias impressas ou eletrônicas faz com que o leitor, ouvinte ou telespectador confie
inteiramente no que é divulgado na mídia.
Com essa informação, o docente, em sua prática pedagógica, tem a oportunidade
de debater com os estudantes o caráter ideológico, político e social de cada jornal ou
revista, enquanto empresa, que veicula as notícias. Uma ótima oportunidade para colo-
car “em prática” as indicações de Bakhtin (2003) de que todo discurso atravessado pelas
condições de produção preeminentes dos gêneros do discurso:
[...] entre o fato e a versão que dele publica qualquer veículo de comunica-
ção de massa há a mediação de um jornalista (não raro, de vários eventu-
almente opiniões muito firmes a respeito do próprio fato que está testemu-
nhando, o que leva a ver o fato de maneira distinta de outro companheiro
de formação, background e opiniões diversas. É realmente in viável exigir
dos jornalistas que deixem em casa todos esses condicionamentos e se
comportem diante da notícia, como profissionais assépticos, ou como a ob-
jetiva de uma máquina fotográfica, registrando o que acontece sem impri-
mir, ao fazer o seu relato, as emoções ou as impressões puramente pessoais
que o fato neles provocou (ROSSI, 2007 p. 10).
490
Nessa perspectiva, a sala de aula deve ser o espaço para a reflexão crítica da leitura
das notícias e dos artigos de opinião dos jornais e revistas, contribuindo para que o aluno
tenha consciência do processo de produção de um texto jornalístico. Os livros didáticos,
nesse contexto, quando trazem notícias de jornais e revistas em suas páginas, geralmente
apresentam textos cortados, o que não contribui para formar leitores da mídia impressa.
A minha sugestão é que “o professor deve levar jornais inteiros para a sala de aula, mes-
mo que antigos, pois nem todos os alunos têm acesso a ele ou intimidade com esse meio
de comunicação” (FARIA, 2007, p.27).
Defendo que os jornais e as revistas proporcionam o debate de temas que estão em
discussão na sociedade, de questões que os livros didáticos não abordam posto que, de sua
produção até chegar às escolas, o livro didático leva, no mínimo, dois anos. Se o professor
quiser, por exemplo, debater sobre a pandemia do coronavírus e o isolamento social não
vai encontrar em nenhum livro didático informação sobre esses assuntos, mas, nos jornais
e revistas, o docente vai poder buscar dados relevantes para abordar em sala, o que tornará
a prática pedagógica mais interessante e participativa, como destaca Gonçalves:
Há diferença entre a forma como um jornal e uma revista abordam uma notícia. O jornal
é geralmente factual, ou seja, está mais voltado para publicar a notícia do dia ou do dia anterior.
491
Já a revista, na maioria das vezes, é atemporal, isto é, não está presa ao tempo, principalmente
por conta de sua periodicidade de circulação. A Revista “Cotoxó”, por exemplo, é mensal. Essa
revista além de abordar um assunto diferente em cada edição, publica notas, matérias, textos
literários e artigos de opinião sobre os mais diversos temas. As reportagens são escritas pelo
editor, jornalista responsável pela revista. Os articulistas ou colunistas que escrevem os artigos
de opinião, crônicas, contos, poesias são profissionais das variadas áreas de conhecimento, o que
leva a publicação a ter um perfil multidisciplinar, facilitando, assim, que os textos da Cotoxó
sejam trabalhados nas escolas por diversas disciplinas do currículo pedagógico.
Por isso, da interdisciplinaridade, tema desta seção. Não podemos perder de vista
que os Documentos oficiais voltados para a educação, como as Diretrizes Curriculares
(DCEs) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), orientam a adoção de estraté-
gias de ensino voltadas à integração dos saberes, que objetivam formular práticas peda-
gógicas desenvolvidas na perspectiva interdisciplinar.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) mantém muitos dos princípios ado-
tados nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Um deles é a centralidade do texto
e dos gêneros textuais. Isso significa que o ensino de português precisa continuar contex-
tualizado, articulado ao uso social da língua.
No período dessas duas décadas que separam os dois documentos, os estudos de
linguagens evoluíram muito. A sociedade brasileira também passou por diversas mu-
danças, decorrentes, sobretudo, da ampliação do uso da tecnologia. A BNCC discute esse
avanço, que se apresenta, principalmente, em dois aspectos: a presença de textos multi-
modais – popularizados pela democratização das tecnologias digitais – e as questões de
multiculturalismo – uma demanda política da contemporaneidade.
Nos PCNs, a disciplina relacionada ao estudo da língua materna se organizava em
três grandes blocos de conteúdo: Língua Oral, Língua Escrita e Análise e Reflexão sobre
a língua. A estrutura proposta pela BNCC segue essa organização com acréscimo. No
novo documento oficial, as habilidades estão agrupadas em quatro diferentes práticas de
linguagem: Leitura, Produção de Textos, Oralidade e Análise Linguística/Semiótica. A
diferença central refere-se à inserção da análise semiótica. Essa área se reporta ao estu-
do de textos em múltiplas linguagens, incluindo as digitais: como os memes, os gifs, as
produções de youtubers, entre outras. Outra mudança é que, para cada um dos eixos, a
BNCC propõe um quadro que explicita como se relacionam as práticas de uso e de refle-
xão, isto é, o documento avança na descrição de como podemos refletir sobre a língua, a
fim de nos empoderarmos em seu próprio uso.
Uma das maiores mudanças da BNCC para o componente, os Campos de Atua-
ção, têm, praticamente, a mesma importância dos eixos temáticos na organização dos
objetivos e habilidades que devem ser desenvolvidos durante todo o Ensino Funda-
mental. De forma geral, sua principal contribuição ao documento é demandar prota-
gonismo dos alunos, mesmo os de anos iniciais, deixando bem evidente a necessidade
492
de contextualizar as práticas de linguagem. Para isso, a base leva em conta os campos: da
vida cotidiana; da vida pública; das práticas de estudo e pesquisa e do artístico/literário.
Os campos de atuação são as áreas de uso da linguagem, na vida cotidiana. Por
exemplo: no campo de atuação artístico-literário, temos o uso da língua voltado à pro-
dução e à leitura de contos, romances, peças de teatro, poemas. Nesse caso, trata-se de
gêneros textuais e usos da linguagem com predominância da atuação artístico-literária.
No campo de atuação jornalístico/midiático, encontramos os textos com outra tônica: a
da transmissão de informações, da comunicação, da intenção de “vender” um produto/
ideia etc. Nesta área de estudo, a utilização de jornais e revistas da localidade onde estuda
o aluno em muito pode contribuir para que ele se interesse pelas informações e a “venda”
de uma ideia, projeto ou produto.
Outro avanço do novo documento é a articulação entre as práticas, a partir do
entendimento de que a língua mobiliza os diferentes saberes. Assim, as habilidades de es-
crita constantemente aparecem integradas com práticas linguísticas como as de leitura e
as de análise linguística/semiótica. Uma atividade desse campo pode ser o planejamento
e a produção com os colegas, com assessoria do professor, de uma relação de textos como
agendas, calendários, convites, instruções e legendas para álbuns, fotos ou ilustrações
nos formatos impresso e digital. Tais atividades podem levar o aluno a contextualizar o
conhecimento a partir de situações sociais significativas para suas vidas.
A legislação educacional brasileira conceitua e mostra como o diálogo entre as
disciplinas pode contribuir para que a interação entre os vários ramos do conhecimento
se articula, podendo, assim, evitar a fragmentação do ensino e aprendizagem. Os Pa-
râmetros Curriculares Nacionais (PCNs) definem marcas da transversalidade, interdis-
ciplinaridade e dos temas transversais. Tanto transversalidade quanto a interdisciplina-
ridade apontam uma teia de relações entre os seus diferentes e contraditórios aspectos.
Entretanto, apresentam também aspectos singulares e diferenciado, uma vez que a in-
terdisciplinaridade se reporta a uma abordagem epistemológica dos objetos de conheci-
mento, enquanto a transversalidade diz respeito principalmente à dimensão da didática.
O pensamento interdisciplinar questiona a segmentação entre os diferentes campos de
conhecimento produzida por uma abordagem que não leva em conta a inter-relação e
a influência entre eles e com uma visão compartimentada (disciplinar) que não dá vem
dando conta das demandas contemporâneas da educação.
Na prática pedagógica, interdisciplinaridade e transversalidade ganham mutua-
mente, pois o tratamento dado às questões trazidas pelos Temas Transversais mostra as
inter-relações entre os objetos de conhecimento. Tal perspectiva revela que não é possí-
vel desenvolver ações pautadas na transversalidade levando em conta a visão disciplinar
rígida. É preciso destacar ainda que a transversalidade abre espaço para a inclusão de
saberes extra-escolares, permitindo dessa maneira a referência a sistemas de significado
construídos na realidade dos alunos.
493
Os temas transversais apontados pelos PCNS são ética, pluralidade cultural, meio
ambiente, saúde, orientação sexual e temas locais. Todos esses temas têm sido abordados
nas páginas da Revista “Cotoxó” ao longo desses 12 anos da publicação. Ademais, a re-
vista ocupa uma lacuna dos livros didáticos, que não abordam temas locais e regionais,
a exemplo da história de Jequié, do dialeto local e da dimensão do Rio das Contas e do
encontro de dois biomas Mata Atlântica e Caatinga e um ecossistema de transição: Mata
de Cipó, que compõem o potencial biológico do município.
A proposta metodológica com o suporte da Revista “Cotoxó” pretende também
contribuir na formação de leitores, que é hoje um dos grandes desafios do sistema educa-
cional no Brasil. Geraldi (2006) aponta 4 tipos de leitura: A leitura busca de informações,
a leitura -estudo do texto, a leitura do texto-pretexto e a leitura-fruição do texto. Esse
autor afirma que o objetivo básico do leitor é extrair do texto uma informação, o que
desencadeia outros objetivos como para que extrair as informações. Duas formas em
sua concepção podem orientar, em formas metodológicas, esse tipo de leitura: a busca
de informações com roteiro previamente elaborado (pelo próprio leitor ou por outro) e
a busca de informações sem roteiro previamente elaborado.
Na leitura como estudo do texto, Geraldi (2006) define o seguinte roteiro: a tese
defendida; os argumentos apresentados em favor da tese defendida; os contra-argumen-
tos levantados em teses contrárias; a coerência entre tese e argumento. Tais tópicos po-
dem desdobrar em outros, pondo em questão, por exemplo, a tese e a veracidade e a
validade dos argumentos apresentados.
Já a leitura como pretexto refere-se a uma série de questões que podem ser desen-
volvidas a partir do texto lido e discutido. Por exemplo: um artigo de opinião do articu-
lista e professor Raimundo Matos sobre cidade (tema de uma série de artigos do colu-
nista) pode desencadear na produção de uma história em quadrinhos; o (a) professor(a)
pode propor, a partir de uma reportagem sobre a mudanças climáticas, publicada na
revista, a escrita de uma crônica sobre do aumento da temperatura em Jequié, a Cidade
Sol; um texto da psicanalista Ieda Sampaio sobre namoro pode servir de mote para um
debate sobre os comportamentos ficar x namorar, entre outras possibilidades.
Geraldi (2006) ressalta a leitura como fruição do texto ou expressão do prazer
cujo objetivo é
494
Exemplares de diversas edições da Revista “Cotoxó” podem ser distribuídas entre
os alunos para que esses leiam por prazer, escolhendo os textos que entenderem que de-
vem ser lidos e, voluntariamente, possam falar de quais publicações lhes despertaram a
curiosidade, atenção e satisfação.
Esta proposta pedagógica propõe, também, rodas de leitura e oficinas com par-
ticipação dos autores dos textos da Revista “Cotoxó” nas escolas. Tais atividades vão
proporcionar o incentivo à leitura e à produção textual com criatividade e pensamento
crítico.
Joaquim Dolz, Michele Noverraz e Bernard Schneuwly (2004, p.97) definem uma sequ-
ência didática como “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática,
em torno do gênero textual oral ou escrito”. De acordo com esses autores, o processo de comu-
nicação decorre do contexto em que é efetivado. Um ofício de solicitação, por exemplo, não é
redigido da mesma forma como é produzida uma crônica.
Os estudiosos afirmam que, em situações semelhantes, produzidos textos com
características semelhantes podem ser chamados de gêneros de textos, que são classi-
ficados de acordo com as características comuns que os textos apresentam em relação
à linguagem e ao conteúdo. Tais textos são conhecidos e reconhecidos por todos, o que
facilita a comunicação em ambientes familiares, de negócios ou nas relações amorosas.
Eles ressaltam que determinados gêneros textuais, a exemplo das narrativas de aventu-
ras, das reportagens esportivas, mesas-redondas, seminários, notícias do dia e receitas de
cozinha, interessam mais à escola que outros.
495
com textos da Revista “Cotoxó”, escolhemos dois gêneros textuais: o artigo de opinião e a
reportagem. O artigo de opinião pode ser definido como um gênero textual pertencente
ao tipo argumentativo e tem como intencionalidade apresentar o ponto de vista do articu-
lista. Já a reportagem é um tipo de texto que objetiva informar ao mesmo tempo em que
prevê criar uma opinião nos leitores. A reportagem pode ser um texto expositivo, informa-
tivo, descritivo, narrativo ou opinativo. Em decorrência disso, ela pode tanto se aproximar
da notícia quanto dos artigos opinativos, porém não deve ser confundida com eles. Tais
gêneros são os que ocupam maior espaço nas páginas da “Cotoxó”.
A primeira produção dos alunos permite ao professor, segundo os estudiosos, avaliar
as capacidades já adquiridas e ajustar as atividades e os exercícios previstos na sequência às
possibilidades e dificuldades reais de uma determinada turma. Possibilita, ainda, uma defi-
nição do significado de uma sequência para o aluno, ou seja, mostra as capacidades que deve
desenvolver para melhor dominar o gênero de texto em questão. Em seguida, os alunos vão
trabalhar com os módulos, que são constituídos por várias atividades ou exercícios objeti-
vando que o educando domine o conteúdo, uma vez que os problemas postos pelo gênero
são trabalhados de maneira sistemática e aprofundada. Já no momento da produção final,
o estudante pode pôr em prática os conhecimentos adquiridos e, com o professor, medir os
progressos alcançados. A produção final serve, também, para uma avaliação de tipo somati-
vo, que incidirá sobre os aspectos trabalhados durante a sequência didática.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ouvimos constantemente frases como estas: “Brasileiro não gosta de ler”, “a gran-
de maioria dos alunos não tem interesse pela leitura de jornais e revistas”. E o que essas
pessoas que expressam esse pensamento estão fazendo para mudar essa realidade?
Mário Quintana afirmava que os piores analfabetos são os que aprenderam a ler,
mas não o fazem. Entretanto, quando as pessoas são motivadas a ler o cenário muda. No
Brasil e em vários países do mundo há experiências exitosas no uso de jornais e revistas
como suporte didático no processo educacional.
A manchete da Revista “Cotoxó” pode ser o ponto de partida para a conversa
com os alunos. Ao mostrar e comentar a manchete da revista, que é veiculada na capa,
acompanhada de uma foto ou gravura, o professor pode chamar atenção do alunado
para o significado da notícia principal, criando situações de debate entre eles, escutando
as opiniões e mediando as discussões, especialmente no caso de ocorrência de fatos im-
portantes para a comunidade local onde estão inseridos os estudantes.
Para trabalhar as notícias jornalísticas e os artigos de opinião, o professor poderá
dividir a turma em grupos, distribuindo temas para que cada grupo e orientando na
elaboração de um trabalho e apresente comentários orais ou escritos, incentivando que
participem de debates e que façam recortes, produzam murais, franzines ou cartazes.
496
O professor pode orientar para que, individualmente ou em grupos, os alunos sele-
cionem notícias, reportagens ou artigos em vários jornais e revistas sobre um determina-
do assunto, buscando, inclusive, identificar as diferentes visões apresentadas, as diferenças
de abordagens e de informações. Cada aluno ou grupo deverá apresentar sua análise sobre
o tema e sobre as diferentes visões identificadas.
Outra maneira interessante de desenvolver a capacidade de leitura dos alunos é
mostrar a eles uma foto impressa sem legenda da Revista “Cotoxó” e solicitar que eles
escrevam um texto, que pode ser artigo de opinião ou reportagem, com base no que está
sendo visto na fotografia.
Como já ressaltamos, o debate sobre os temas transversais vinculado à escolha dos
assuntos das reportagens e artigos podem contribuir para uma reflexão sobre questões do
cotidiano que estão nas conversas presenciais e nas redes sociais dos alunos. Meio ambien-
te, ética, pluralidade cultural, orientação sexual, saúde e trabalho e consumo são assun-
tos de grande relevância e podem ser abordados transversalmente com suporte didático
dos textos da Revista “Cotoxó”, enquanto se ensinam conteúdos regulares do currículo.
Enfim, a proposta de sequência didática com textos da Revista “Cotoxó” pode con-
tribuir em muito para formação de leitores críticos, criativos e com uma visão ampla do
mundo, que possam produzir textos significados no processo de ensino aprendizagem.
REFERÊNCIAS
ANHUSSI, Elaine Cristina. O uso do jornal em sala de aula: sua importância e concep-
ções de professores / Elaine Cristina Anhussi. - Dissertação (mestrado) - Universidade Es-
tadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia. Presidente Prudente: São Paulo, 2009.
BAKHTIN, M. [1979] Estética da criação verbal. 4. ed. Trad. P. Bezerra. São Paulo:
Martins Fontes, 2003
BRASIL, Revista Cotoxó, maio de 2018.
497
FARIA, Maria Alice de Oliveira. Como usar o jornal em sala de aula. 7 ed. – São Pau-
lo: Contexto, 2002
FARIA, Maria Alice e ZANCHETTA, Juvenal. Para ler e fazer o jornal na sala de aula.
São Paulo: Contexto, 2007.
GERALDI, João Wanderley (et al). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006.
PAVANI, C.; JUNQUER, A.; CORTEZ, E. Jornal: uma abertura para a educação.
Campinas: Papirus, 2007.
498
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
1ª FASE
Professor
Alunos
2ª FASE
Professor
499
Orienta aos alunos para que organizem a simulação de uma live ou debate sobre o
tema do artigo de opinião lido.
Alunos
3ª FASE
Professor
Alunos
4ª FASE
Professor
Alunos
500
5ª FASE
Professor
Alunos
- Confeccionam a capa (dando nome ao franzine, pondo ano, número e local da publi-
cação com recorte de letras e números) e as páginas internas do franzine, também colocando
o nome e o número da página com letras e números recortados, colando as notícias e os textos
produzidos por eles.
- Cada grupo escolhe um aluno para fazer apresentação do franzine.
501
ANEXO 2
Questionário para o aluno
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