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Carla Cristine Tramontina
Elisabeth Maria Foschiera
Luciane Spanhol Bordignon
Maria Isabel Bristott
(Org.)

O TRABALHO
PEDAGÓGICO NA
EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS
repensando e qualificando
as práticas educativas

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2018

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T758 O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos :


repensando e qualificando as práticas educativas /
organização de Carla Cristine Tramontina ... [et. al.] . –
Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2018.
4,850 kb ; PDF.

Inclui bibliografia.
Modo de acesso gratuito: <www.upf.br/editora>.
ISBN 978-85-523-0051-9 (E-book)

1. Educação de jovens e adultos. 2. Prática de ensino.


3. Aprendizagem. I. Tramontina, Carla Cristine, org.
II. Foschiera, Elisabeth Maria, org. III. Bordignon, Luciane
Spanhol, org. IV. Bristott, Maria Isabel, org.

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das Editoras Universitárias
Sumário
Apresentação................................................................................ 7

Prefácio..................................................................................... 12
Carla Cristine Tramontina
Elisabeth Maria Foschiera
Luciane Spanhol Bordignon
Maria Isabel Bristott

RESGATANDO A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS / 15

Educação de jovens e adultos: quem são seus sujeitos?................... 16


Maria Isabel Bristott
Lisiane Lígia Mella

Educação de jovens e adultos: políticas e formação continuada


dos docentes.............................................................................. 23
Luciane Spanhol Bordignon
Eliara Zavieruka Levinski

Linguagens, códigos e suas tecnologias em EJA.............................. 33


Maria Isabel Bristott

Educação matemática e EJA: debate sobre o ensino e a


aprendizagem............................................................................. 41
Sandra Mara Marasini

Ciências da natureza e suas tecnologias: algumas contribuições


para o trabalho na educação de jovens e adultos ........................... 50
Elisabeth Maria Foschiera
EXPERIÊNCIAS VIVENCIADAS / 64

Alfabetização na educação de jovens e adultos .............................. 65


Anarete Bolis

Aprender a aprender na educação de jovens e adultos e sua


interação com a vida................................................................... 73
Carla Cristine Tramontina

A matemática e a diversidade cultural do Seja: contribuições


e desafios................................................................................... 86
Eleni Dossa

Ressignificando práticas de arte-educação para jovens e adultos...... 95


Fabiane Pizato Girardi

A interação dos alunos da educação de jovens e adultos com


o ensino das ciências naturais.................................................... 107
Odalea Carla Andreis

A prática pedagógica na educação de jovens e adultos no


Núcleo de Palmeira das Missões, RS........................................... 121
Flávio da Silva Figueiró
Maria Georgina Freire
Neusa Marisa Leal Klein
Rosaneti Saurin Machado

Serviço de Educação de Jovens e Adultos: o recomeço de um


novo caminho........................................................................... 135
Andréia Fasolin Fioravanço Bassani
Maris Dias Tonial

Posfácio................................................................................... 148
Carlos Rodrigues Brandão

Sobre os autores....................................................................... 183


Carla Tramontina et al. (Org.)

Apresentação

Depois de tantos anos, como se fosse de


novo a primavera

P
oucos dias antes de começar a escrever algumas anota-
ções para este livro, eu participava do 3º Congresso Bra-
sileiro de Alfabetização em Vitória, no Espírito Santo.
Penso que, de todas as muitas pessoas presentes e vindas de
vários recantos do Brasil, eu fui o único a me espantar com
um detalhe. Quando as pessoas, entre palestras e falas de me-
sas redondas, recordavam fatos entre o presente e o passado, o
“passado” delas ia aos “anos 1980”, quando muito. Claro, eram
todas elas muito mais jovens do que eu e haviam ingressado em
trabalhos pedagógicos de alfabetização há não mais do que uns
dez ou vinte anos.
Eu venho de mais longe. Venho do começo dos anos 1960, e
lembrei em minha fala no Congresso que, desde o final de 1963,
estive ano a ano envolvido sem tréguas com isto a quem demos
o nome de “educação popular”.
Comecei, então, o que eu tinha a dizer com distantes lem-
branças. E não por um saudosismo compreensível em uma pes-
soa que “passou dos setenta”. O motivo era outro. Pensei que
seria importante trazer para aquele cenário de uma entusias-
mada juventude a memória de tempos em que “uma boa parte
de tudo começou”.
E iniciei narrando acontecimentos de anos e de eras em
que alfabetizar e trabalhar com o que veio a ser mais tarde
MOVA e EJA, “naqueles tempos”, poderia resultar em punições
severas, entre penalidades que iam da apreensão do material

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O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

docente até a prisão, a tortura ou o exílio de quem se atrevesse


a ensinar educando e a educar... conscientizando.
Sou de um tempo em que, desde 1º de abril de 1964, alfa-
betizar ou trabalhar com a educação de adultos era, para “eles”,
tanto mais uma “atividade subversiva” quanto era, para nós,
uma “ação libertadora”, para lembrar palavras desde sempre
caras a Paulo Freire.
As pessoas que trabalham, hoje em dia, com alfabetiza-
ção e com EJA não deveriam deixar que se perdesse, na poeira
dos tempos, aqueles momentos, de uma extrema e persistente
criatividade e também de uma coragem memorável em seguir
“trabalhando nas catacumbas”, em anos em que os governos
militares buscavam desmontar todas as iniciativas pedagógi-
cas de vocação emancipadora e popular, para impor, em seus
lugares, algumas experiências reguladoras e meramente po-
pulistas. Algo que a memória da educação brasileira preferiu
depressa esquecer.
E, para que as origens não se apaguem, quero recordar
acontecimentos que vivi e que foram iniciativas de uma aurora
do que vieram a ser mais tarde os atuais e mais coerentes e
conscientes projetos de educação de jovens e adultos.
Desde o ano 1960, alguns esboços de novas ideias e pro-
postas de ação social por meio da cultura e da educação com as
classes populares emergiram no Brasil e se difundiram, depois,
na América Latina.
Nos seus primeiros documentos, a ideia de uma nova cul-
tura popular irrompeu como uma alternativa pedagógica de
trabalho político que parte da cultura e se realiza pela cultu-
ra. Ora, como uma decorrência dessa nova proposta, bastante
associada a projetos do que veio a ser mais tarde a educação
popular, foram criados os primeiros movimentos de cultura po-
pular em algumas regiões do Brasil. Situados no intervalo en-
tre o mundo das artes e o das universidades, sobretudo entre os

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Carla Tramontina et al. (Org.)

“movimentos estudantis”, diferentes projetos dos movimentos


de cultura popular pretendiam ir além de uma simples demo-
cratização da cultura ou de uma ilustração cultural das cama-
das populares por meio de programas tradicionais de educação
de adultos.
Tendo a categoria “cultura” como eixo central, toda a pro-
posta pedagógica de então se centrava na ideia fundadora de
que o trabalho de transformar e de significar o mundo é o mes-
mo que transforma e significa o próprio ser humano. Como uma
prática sempre coletiva e socialmente significativa, o trabalho
que é humano e desejaria ser francamente humanizador deve-
ria realizar-se por meio de ações culturalmente tidas como poli-
ticamente necessárias e motivadas. Assim, a própria sociedade,
na qual o homem se converte em um ser humano, deveria ser
pensada como uma expressão coletiva da/s cultura/s, no sentido
mais amplo que se possa atribuir a essa palavra.
A consciência do homem é também uma construção social
que constitui e realiza a história do trabalho humano de agir
sobre o mundo, enquanto age significativamente sobre si mes-
mo. Consciência considerada então como aquilo que permite
a ele não apenas conhecer, como os animais, mas conhecer-se
conhecendo, e que lhe faculta transcender simbolicamente o
mundo da natureza de que é parte e sobre o qual age. Quem
reler com atenção Pedagogia do oprimido verá como a cultura
está presente em todo o livro.
De então para cá, muita coisa mudou. Tantas outras per-
manecem. Uma delas é o que Formação continuada em EJA no
município de Marau narra, a partir de experiências das auto-
ras de cada capítulo, descreve e comenta.
Há um valor neste livro que não deve ser esquecido. Ele
não é tanto um livro a mais de teorias “sobre”, mas um livro de
depoimentos “a respeito de”. Eis uma coleção de experiências
vividas por muitas mentes e, depois, escritas a várias mãos.

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O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

Nele, a atualidade do que seja a educação de jovens e adul-


tos reaparece em sua forma viva. Reaparece em sua atualidade
do “chão da escola” por meio de descrições a respeito de como
algo tão importante em nossa educação está sendo feito dia a
dia (ou noite a noite) em algum lugar do Brasil.
E, para que a lembrança do passado possa reaparecer e
possa, como uma nova e inesperada primavera, rebrotar entre
nós nos dias de hoje, quero lembrar algo tão importante quan-
to esquecido. Quando, em 1960, Paulo Freire e sua primeira
equipe começaram a fazer germinar o que veio a ser a educação
popular, o que eles criaram não foi apenas um “método de al-
fabetização”; aquele que tomou o nome de Paulo Freire. Eles
“bolaram” e começaram a praticar o início do que viria a ser o
“Sistema Paulo Freire de Educação”, e já o que seria EJA era
então um dos patamares do que foi proposto e praticado no Nor-
deste dos anos 1960.
Entre os integrantes da primeira equipe de Paulo Freire,
foi o educador Jarbas Maciel quem anunciou – pela primeira
vez, imagino – a extensão do Método Paulo Freire a todo um
Sistema Paulo Freire de Educação.
Mais de meio século depois, o que no presente livro se apre-
senta é a feliz resenha da presença de trabalhos com jovens e
adultos das classes populares. Assim, estamos diante da ideia
de que tem todo o sentido pedagógico, humano e social seguir
trabalhando com uma educação devotada com prioridade aos
que foram sendo deixados à margem da economia, num mundo
em que o “mercado” se erige como o lugar central da vida social,
à margem também de uma vida humana livre, digna e feliz e,
ainda, à margem de saberes que deveriam ser de todas e to-
dos, e que tão desigualmente ainda são distribuídos, ensinados,
aprendidos e partilhados.
É como o reabrir de uma outra primavera o simples fato
de que, em um dentre tantos municípios do Rio Grande do Sul

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Carla Tramontina et al. (Org.)

e do Brasil, um “alguém plural” esteja vivendo o que se des-


creve e esteja escrevendo o que viveu, para que outras pessoas
devotadas à educação não apenas saibam o que se fez, mas se
realimentem de esperanças ao conhecer o que se fez e se segue
fazendo em Marau.
Este livro é mais um testemunho de que tudo o que foi
pensado e vivido até então, em “tempos de Paulo Freire”, não
apenas valeu a pena um dia, mas segue valendo a pena, e com
mais motivos, em todos os dias de agora, e de agora em diante.

Rosa dos Ventos, inverno de 2017


Carlos Rodrigues Brandão

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O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

Prefácio
Carla Cristine Tramontina
Elisabeth Maria Foschiera
Luciane Spanhol Bordignon
Maria Isabel Bristott

E
sta obra é resultado da sistematização do curso de for-
mação continuada em serviço realizado com professores
e funcionários de educação de jovens e adultos (EJA) da
rede municipal de ensino de Marau, coordenado pela Faculdade
de Educação (Faed) da Universidade de Passo Fundo (UPF),
por meio do Centro Regional de Educação (CRE), com apoio da
Administração da Prefeitura Municipal de Marau, por inter-
médio da Secretaria Municipal de Educação, gestão 2013-2016.
O processo de formação teve como tema orientador “O tra-
balho pedagógico na EJA: repensando e qualificando as práti-
cas educativas”, e como objetivo geral qualificar a EJA do muni-
cípio de Marau, tendo a socialização dos saberes e dos sentidos
como mobilizadora para as aprendizagens.
A metodologia utilizada no trabalho desenvolvido baseou-
-se nos princípios dos documentos nacionais que tratam da
EJA, dando ênfase à formação e à autoformação dos sujeitos
envolvidos na ação educativa. Durante o processo, ocorreram
momentos de sistematização do que foi construído, possibilitan-
do o registro das práticas e reflexões vivenciadas.
O trabalho realizado teve como princípio de ação “o diálo-
go participativo, reflexivo, construtivo e democrático”, visando
à sensibilização do grupo para o repensar pedagógico na EJA.
Portanto, foram realizados encontros e oficinas para escuta
das expectativas da comunidade escolar e leitura da realida-

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Carla Tramontina et al. (Org.)

de, bem como organização, planejamento e estudo integrados


sobre as temáticas que envolvem a EJA. Nesse sentido, ocorre-
ram encontros que trataram das quatro áreas do conhecimen-
to (Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências
Sociais), das políticas da EJA, dos regimentos escolares e dos
projetos políticos-pedagógicos. Também ocorreram momentos
de sistematização e avaliação e um seminário para socialização
das práticas vivenciadas nas escolas.
O parecer 11/2000 do Conselho Nacional de Educação pres-
creve que a EJA seja um momento significativo de construção
de experiências da vida ativa, ressignificando conhecimentos
e etapas anteriores da escolarização e articulando-se com os
saberes escolares. O trabalho deve ser orientado por campos
conceituais, envolvendo as diferentes áreas do conhecimento
a serviço da construção de novos conceitos, que possibilitem
compreender os princípios básicos da educação popular e, por
meio da relação dialógica e crítica da realidade, viabilizem a
sua transformação. Também deverão perpassar o princípio da
totalidade os vínculos que buscam na realidade socio-histórica
dos educandos os elementos que permitam o levantamento de
temas significativos para serem geradores de novas relações
entre os diferentes campos do saber. Esse tema, denominado
“tema gerador”,1 impulsiona a análise da realidade. Dessa for-
ma, os conteúdos deixam de se apresentar isolados, fragmenta-
dos, tornando-se instrumentos de compreensão crítica do coti-
diano e permitindo a solução de problemas existentes.
Nesse sentido, a proposta de assessoria pedagógica consi-
derou as políticas educacionais da EJA; a extensão universitária
compreendida como caminho para a articulação e a integração

1
A expressão “tema gerador” está ligada à ideia de interdisciplinaridade e está
presente na metodologia freireana, pois tem como princípio metodológico a
promoção de uma aprendizagem global, não fragmentada. Traz a ideia de promover
a integração do conhecimento e a transformação social. Do tema gerador geral,
sairá o recorte para cada uma das áreas do conhecimento.

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O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

institucional com as comunidades; a política da UPF, da Faed,


por meio do CRE, no que se refere à extensão universitária, em
especial o trabalho de assessoria nas instituições escolares e
não escolares, as solicitações das instituições escolares públi-
cas para refletir e analisar acerca das questões educacionais,
visando à formação continuada, tendo em vista as necessidades
e as demandas trazidas pelo município de Marau.
A obra é composta pelo registro dos encontros e da ressig-
nificação do trabalho realizado na Escola Municipal de Ensino
Fundamental Honorino Pereira Borges, com o Serviço de Edu-
cação de Jovens e Adultos (Seja), da rede de ensino de Marau,
RS, e do Núcleo de Educação de Jovens e Adultos (Neeja), de
Palmeira das Missões – que foi inicialmente convidado para um
momento de assessoria e para socialização das práticas desen-
volvidas e, depois, inserido no processo de formação.

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RESGATANDO
A EDUCAÇÃO
DE JOVENS
E ADULTOS
Educação de jovens e adultos: quem são seus sujeitos?

Educação de jovens e
adultos: quem são seus
sujeitos?
Maria Isabel Bristott
Lisiane Lígia Mella

Introdução

A
educação de jovens e adultos (EJA) possui peculiarida-
des únicas, principalmente por abranger uma gama de
pessoas que, por inúmeros motivos, ficaram à margem
do processo educacional dito regular, conforme rege a legislação
acerca da EJA. Porém, para se pensar “os sujeitos da EJA”, é
fundamental compreender que são sujeitos históricos, resulta-
do de um contexto cultural que envolve questões sociais, políti-
cas e econômicas que os estruturam enquanto seres humanos
presentes no mundo.
Falar e escrever sobre os sujeitos da EJA envolvem uma
responsabilidade desafiadora por se tratar de pessoas que, na
maioria, interromperam ou foram impedidos/impossibilitados
de seguir o curso da vida escolar e buscam reparar essa falta.
Com isso, ao retornarem à escola, pressupõe-se que resgatam
projetos de vida, sonhos e desejos que, aparentemente, pare-
ciam “perdidos” ou não acreditavam que ainda poderiam reali-
zá-los. Também, encontra-se nos programas de EJA um gran-
de número de adolescentes evadidos das escolas regulares que
esperam completar a idade mínima de 15 anos para ingressar

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Maria Isabel Bristott | Lisiane Lígia Mella

no ensino fundamental ou, 18 anos, para o ensino médio, nessa


modalidade.
Logo, pode-se inferir que os sujeitos da EJA representam
uma realidade complexa e diversificada. Nisso residem um de-
safio e um encantamento para aqueles que se envolvem com a
EJA, uma vez que, como afirma Paulo Freire (2000, p. 89), “A
educação é sempre uma certa teoria do conhecimento posta em
prática, é naturalmente política, tem que ver com a pureza, ja-
mais com o puritanismo e é em si uma experiência de boniteza”.
É com esse olhar que o relato partilhado está estruturado
para que, com os leitores implicados com essa questão, amplie-
-se a concepção do trabalho pedagógico na EJA, repensando e
qualificando nossas práticas educativas, configurando-as como
“experiências de boniteza”.
Assim, com base na legislação e sem dar a ela o caráter de
verdade acerca de quem são os sujeitos da EJA, partiu-se das
percepções dos educadores de EJA envolvidos com o curso de
formação continuada “O trabalho pedagógico na educação de
jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educa-
tivas”, com a temática Sujeitos da EJA, do Serviço de Educa-
ção de Jovens e Adultos (Seja), da rede municipal de ensino de
Marau, e do Núcleo de Educação de Jovens e Adultos (Neeja),
da rede estadual de ensino de Palmeira das Missões, com uma
escuta atenta, com metodologia participativa, mediada por di-
nâmicas de grupo, propostas pelo Programa de Alternativas à
Violência,1 permitindo o entrelaçamento entre as percepções
agregadas às práticas educacionais em EJA e o conhecimento
constituído, de cada um(a), assim como, com a proposta do cur-
so, chegando a uma consensualidade sobre quem são os sujeitos
da EJA com os quais estamos implicados.

1
Estas práticas fazem parte do Projeto Alternativas à Violência – PAV, ao qual as
autoras fazem parte.

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Educação de jovens e adultos: quem são seus sujeitos?

Desenvolvimento
Para iniciar o encontro, apresentou-se a agenda com a se-
quência do trabalho e as combinações necessárias, como: flexi-
bilização da agenda; horário e tempo para o intervalo; horário
para o encerramento do trabalho; etc. Na sequência, retoma-
ram-se as “Guias de Convivência” e os “Sinais”,2 construídos
coletivamente e apresentados no primeiro encontro, para orien-
tar, repensar e qualificar as práticas pedagógicas. Em seguida,
como acolhimento e como forma de o grupo se conhecer, com os
participantes dispostos em círculo, cada um compartilhou a se-
guinte fala: “Eu sou... O que me qualifica a trabalhar com EJA
é...”. Com essa atividade, por meio de uma narrativa concisa,
os sujeitos apresentaram sua história enquanto profissionais e
suas potencialidades para trabalhar com EJA.
Dentre as narrativas, destacam-se os seguintes aspectos:
aprendizagem; conseguir dominar o público com que trabalha-
mos; acreditar neste processo de ensino/aprendizagem; crença
de que mudar é difícil, mas possível; compromisso com a escola
e com o processo; disposição de interagir com turmas; compar-
tilhamento de conhecimentos; possibilidade de mudança; sen-
sibilidade; fazer o meu melhor; olhar diferente para o outro;
amar a profissão; possibilidade de uma sociedade mais justa;
acreditar na inclusão das pessoas; consciência de que o que vai
fazer a diferença é a educação; transformar temas cotidianos
em possibilidades criativas; responsabilidade com o conjunto
escolar; aprender com os alunos e acreditar na diversidade cul-
tural.
Na continuidade do trabalho, com o objetivo de aproximar
e ampliar as concepções dos educadores acerca dos sujeitos da
EJA, foi realizada a dinâmica de grupo denominada “Linhas

2
Estas práticas consistem em estabelecer com o grupo algumas combinações que
servirão de guias para a convivência e o apoio na comunicação durante o encontro.

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Maria Isabel Bristott | Lisiane Lígia Mella

da Fofoca”, na qual, mediante concordância, discordância ou


dependência em relação a algumas afirmativas apresentadas,
cada um se desloca até o lugar escolhido e identificado com:
concordo, discordo ou depende. As três possibilidades foram fi-
xadas nas paredes da sala, e os participantes deslocavam-se
até elas, posicionando-se e justificando sua escolha.
A primeira afirmativa era: “A maioria dos educandos da
EJA que não estudaram no tempo regular da escola foi porque
não tiveram vontade”. Nessa afirmativa, um participante foi
até a opção “concordo”, justificando-se pelo seu exemplo pes-
soal, pois destacou: “[...] voltei a estudar aos 31 anos, não quis
estudar, preferi fazer outras coisas, casar, ter filhos, a maioria
dos alunos têm essa idade, julgo por mim”. A maioria dos par-
ticipantes encaminhou-se até a opção “discordo”, com justifi-
cativas como: “[...] na verdade, o que a gente percebe é que a
maioria teve dificuldades sociais, alguns por falta de vontade,
mas a maioria foi excluída”. Dentre os participantes que foram
para a opção “depende”, destaca-se a seguinte justificativa: “[...]
depende do contexto, pois a pessoa é muitas vezes pressionada,
e alguns não têm vontade”.
A segunda afirmativa era: “Os jovens que vêm para a EJA
não querem ‘nada com nada’”. A maioria dos participantes diri-
giu-se à opção “discordo”, mas alguns permaneceram na opção
“depende”. A terceira afirmativa era: “A metodologia da EJA
pode ser igual à metodologia utilizada com crianças e adoles-
centes”. Os participantes que concordaram com a afirmação
salientaram a importância do método de Paulo Freire, que tem
como base a amorosidade e a problematização, o que seria pos-
sível de trabalhar, dentre suas peculiaridades, com todos os ní-
veis de ensino. Aqueles que se dirigiram até a opção “depende”
salientaram que, em alguns casos, a metodologia deve ser di-
ferente, dependendo da maneira como o professor irá conduzir
e do momento, pois é preciso uma adaptação para os adultos,

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Educação de jovens e adultos: quem são seus sujeitos?

usando o lúdico de forma adulta. Aqueles que discordaram refe-


riram-se à importância do método de Paulo Freire, mas salien-
taram que alguns conceitos necessitam ser trabalhados.
A última afirmativa era: “A EJA é uma possibilidade que
o sujeito tem para ressignificar sua história de vida e sentir-se
cidadão”. Nenhum participante discordou da afirmativa, sendo
que a maioria dirigiu-se à opção “concordo”, e um participante
destacou: “nossa vida é feita de histórias”. Dentre aqueles que
foram até a opção “depende”, destaca-se a justificativa: “[...] há
histórias que destroem, pode-se destruir todo o trabalho”.
Após a dinâmica, foi desenvolvido um debrifing, que con-
siste em fazer uma reflexão sobre como os participantes se
sentiram ao participar da atividade e quais as percepções ob-
tidas. Em seus relatos, os participantes referiram que: “é uma
dinâmica importante, principalmente para ouvir o outro, mas
quando me posiciono, me questiono”; “é importante para res-
peitar a opinião de cada um”; “percebi múltiplas visões e inter-
pretações”; “percebo que temos que nos posicionar, sim, como
refere Paulo Freire, pois a transformação pode vir a partir do
meu posicionamento, como vimos no filme Lição de Vida, onde
a professora teve que posicionar-se para aceitar o adulto em
sua turma de crianças”; “percebi que a gente se encontra no
outro”; “podemos mudar a partir da opinião do outro”; “temos
que repensar muitas coisas em nossa ação educativa, mexeu
com nossa crítica”.
Também, para fins de sensibilização e reflexão da temáti-
ca, foram trabalhados o filme Uma lição de vida, com direção
de Justin Chadwick, e o texto Desafios da educação de adultos
ante a nova reestruturação tecnológica, de Paulo Freire. Ambos
os materiais serviram de suporte e fundamento para a reali-
zação de um trabalho em grupo com a seguinte proposta: “É
possível relacionar o conteúdo do filme Uma lição de vida com a
leitura do texto de Paulo Freire, Desafios da educação de adul-

| 20 |
Maria Isabel Bristott | Lisiane Lígia Mella

tos ante a nova reestruturação tecnológica, e com os sujeitos da


EJA? Justifique. Comentar aspectos que chamaram atenção e
que possam se relacionar com a sua experiência”.
Dentre os registros dos participantes da atividade, desta-
cam-se os seguintes:
a) a desacomodação e a superação do protagonista (Maru-
ge) e da professora, do filme Uma lição de vida; ele, aos
84 anos, busca um lugar na escola para aprender a ler, e
ela o acolhe e o inclui no contexto da vida escolar;
b) com a narrativa do filme, é possível relacionar as histó-
rias de vida das personagens ao desejo de aprender e ao
esforço de muitas pessoas que buscam as escolas de EJA;
c) é importante salientar que a diversidade, a exemplo do
filme, na realidade dos alunos da EJA contribui para a
interação de experiências e de aprendizagens;
d) o texto de Paulo Freire corrobora as reflexões desenca-
deadas, uma vez que é a partir da socialização das his-
tórias de vida que se dá a partida para a construção do
conhecimento;
e) a fala da camponesa, de Pernambuco, expressa no texto
de Paulo Freire (2000, p. 88): “Quero aprender a ler e a
escrever [...] para deixar de ser sombra dos outros”; e a
ação do aluno (personagem) Maruge, que, aos 84 anos,
busca um lugar na escola para aprender a ler e escrever,
representa a realidade que vivemos.

Considerações finais
Os registros dos educadores remetem, novamente, ao texto
de Paulo Freire (2000, p. 88) ao destacar que: “Aprender a ler e
a escrever [...] não basta para que deixemos de ser sombra dos
outros; que é preciso muito mais. Ler e escrever a palavra só

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Educação de jovens e adultos: quem são seus sujeitos?

nos fazem deixar de ser sombra dos outros quando, em relação


dialética com a ‘leitura do mundo’, tem que ver com o que chamo
de ‘re-escrita’ do mundo, quer dizer com sua transformação”.
Também, no mesmo texto, Freire salienta a importância
do “ato de constatar” e do “ato de conhecer” na tarefa de inter-
vir, ao colocar-se como educador consciente do seu desejo, do
seu papel e do seu caminho de luta para existir. Segundo Freire
(2000, p. 91): “É preciso porém que me ache tão criticamente
consciente de meu papel no mundo quanto possível. Papel de
quem, se proibido de intervir no mundo, se acha privado de
estar sendo”.
O pensamento de Paulo Freire representado no texto De-
safios da educação de adultos ante a nova estruturação tecnoló-
gica e a narrativa representada no filme Uma lição de vida fa-
zem uma boa e consistente costura neste trabalho. Em ambos,
encontram-se amparo e luz para iluminar o caminho e para
saber como caminhar, com consciência de que a posição que se
ocupa, em face do papel do educador, quando implicado com o
educando, resulta numa relação dialética (objetiva/subjetiva)
inter-relacionada entre todos os sujeitos, que têm sonhos e de-
sejos implicados. Dessa forma, somos os sujeitos da EJA em
constante formação.

Referência
FREIRE, Paulo. Desafios da educação de adultos ante a nova estrutura-
ção tecnológica. In: ______. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas
e outros escrotos. São Paulo: Unesp, 2000. p. 87-102.

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Luciane Spanhol Bordignon | Eliara Zavieruka Levinski

Educação de jovens
e adultos: políticas e
formação continuada
dos docentes
Luciane Spanhol Bordignon
Eliara Zavieruka Levinski

Introdução

E
ste texto objetiva contribuir para reflexões que envol-
vam a educação de jovens e adultos (EJA) na dimensão
das políticas educacionais e da formação continuada dos
docentes. A modalidade de ensino EJA está posta em diversos
documentos, legislações e políticas públicas educacionais. Além
disso, a preocupação com jovens e adultos que, por inúmeras si-
tuações, não tiveram acesso à educação básica é sentida na pri-
vação dos bens simbólicos que a escolarização deveria garantir.
Nesse sentido, a prática cotidiana dos educadores de EJA
requer permanente reflexão, investigação, teorização e ressig-
nificação de desafios, exigências, atravessamentos das políticas
e processos educacionais. Os momentos de formação continua-
da possibilitam tematizar questões sobre o ofício da docência
na EJA.

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Educação de jovens e adultos: políticas e formação continuada dos docentes

EJA: contextualização, legislação e


políticas públicas
O campo da EJA é complexo e envolve vários atores. Com-
preender o contexto, as legislações e as políticas públicas per-
mite compreender o legado da educação popular, sinalizada por
Freire (2000) como a capacidade de organização e estruturação
de uma comunidade no compromisso e na assunção do processo
educacional, sem que o Estado seja excluído de suas obrigações.
O movimento em prol da EJA, conforme Capucho (2012),
originou-se nos anos 1940 e foi fortalecido em 1950, por meio do
forte engajamento de estudantes, sindicatos e diversos outros
grupos, resultando na aprovação do Plano Nacional de Alfabe-
tização em 1964, que trouxe como marca a compreensão de que
um processo de alfabetização e educação de jovens deveria ser
estruturado a partir de um exame crítico da realidade do estu-
dante, da identificação das origens dos seus problemas e das
possibilidades de superá-los. Ainda conforme Capucho (2012),
os avanços materializados em políticas no início dos anos 1960
foram tolhidos e sufocados pela ditadura militar (de 1964 a
1985), sendo a década de 1980 expressivamente relevante, por
marcar a ruptura com o modelo educacional imposto e dar visi-
bilidade às iniciativas que se efetivaram nas esferas da resis-
tência popular, das instituições da sociedade civil e de algumas
instituições governamentais.
A luta pelo direito à educação e a ampliação da escolari-
zação da população jovem adulta vinculam-se às conquistas le-
gais referendadas pela Constituição federal de 1988 (BRASIL,
1988), que garantiu a educação como direito de todos, indepen-
dentemente da idade, e definiu metas e recursos orçamentários
para a estruturação de políticas públicas, e pela Lei de Diretri-
zes e Bases da Educação Nacional (LDB) (BRASIL, 1996), na
qual a EJA passou à condição de modalidade da educação bási-

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Luciane Spanhol Bordignon | Eliara Zavieruka Levinski

ca nas etapas dos ensinos fundamental e médio. O artigo 37 da


LDB aponta que a EJA será destinada àqueles que não tiveram
acesso ou continuidade de estudos nos ensinos fundamental e
médio na idade própria (BRASIL, 1996).
O Parecer CNE/CEB nº 11/2000, fundamentado pela LDB,
traz três funções básicas do ensino de caráter regular para a
EJA:

Função reparadora da EJA, no limite, significa não só a entrada no


circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado: o
direito a uma escola de qualidade, mas também o reconhecimento
daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano. [...]
Função equalizadora da EJA vai dar cobertura a trabalhadores e
a tantos outros segmentos sociais como donas de casa, migrantes
aposentados e encarcerados. [...] Função permanente da EJA que
pode ser chamada de qualificadora, mais do que uma função, ela é o
próprio sentido da EJA (BRASIL, 2000, não paginado).

Nesse sentido, destaca-se a criação, em 2004, da Secreta-


ria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e In-
clusão, que tem como proposta promover políticas e programas
voltados à potencialização do papel da educação nas mudanças
culturais e sociais, assim como contribuir para a redução das
desigualdades educacionais por meio da participação de todos
os cidadãos em políticas públicas que assegurem a ampliação
do acesso à educação.
Quando se trata da EJA, nas diversas formas como é ofer-
tada à população, é premente a relação com a educação em
direitos humanos. Freire (2001, p. 101) observa que “[...] essa
educação para a liberdade, essa educação ligada aos direitos
humanos nesta perspectiva, tem que ser abrangente e totali-
zante; ela tem que ver com o conhecimento crítico do real e com
a alegria de viver”.
Na perspectiva dos direitos humanos, o Plano Nacional
de Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2006) se articula
em cinco eixos: educação básica, educação superior, educação

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Educação de jovens e adultos: políticas e formação continuada dos docentes

não formal, educação dos profissionais dos sistemas de justiça


e segurança e educação e mídia. Apesar de não dialogar direta-
mente com os marcos legais da EJA, afirma-se que é dever dos
governos democráticos garantir a educação e a profissionaliza-
ção de jovens e adultos e erradicar o analfabetismo (BRASIL,
2006). No bojo do plano, o Marco de Ação de Belém (BRASIL,
2010)1 sinaliza a promoção de uma educação que se oponha a
todo e qualquer tipo de exclusão decorrente de idade, gênero,
etnia, condição de imigrante, língua, religião, deficiência, rura-
lidade, identidade ou diversidade sexual, pobreza, deslocamen-
to ou encarceramento.
Outro marco legal são as Diretrizes Nacionais para a Edu-
cação em Direitos Humanos (BRASIL, 2012), que serve também
para a EJA, como possibilidade de educar para as igualdades
de direitos, a justiça social, a transparência no poder, o respeito
à diversidade, a tolerância, a sabedoria popular, portanto para
a democracia.
Mais recentemente, o Plano Nacional de Educação (PNE)
2014-2014 (BRASIL, 2014), na meta 9, aponta para a alfabe-
tização e o analfabetismo funcional de jovens e adultos com os
objetivos de elevar a taxa de alfabetização da população com
15 anos ou mais para 93,5%, até 2015; erradicar, até o final
da vigência deste PNE, o analfabetismo absoluto; e reduzir em
50% a taxa de analfabetismo funcional. Já a meta 10 do PNE
sinaliza a EJA integrada à educação profissional e prevê a ofer-
ta de, no mínimo, 25% das matrículas de EJA, nos ensinos fun-
damental e médio, na forma integrada à educação profissional.

1
O Marco de Ação de Belém é um documento construído coletivamente ao longo
do processo preparatório para a VI Conferência Internacional de Educação de
Adultos, ocorrida em Belém, em dezembro de 2009. Após aprovação, caracterizou-
se como um conjunto de recomendações para o direcionamento das Políticas de
Alfabetização e EJA.

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Luciane Spanhol Bordignon | Eliara Zavieruka Levinski

Diante do contexto e das legislações que envolvem a EJA,


percebe-se a necessidade de compreender os sujeitos envolvidos
e a relevância da formação continuada dos docentes.

Os sujeitos na EJA: jovens e adultos


Pensar na EJA pressupõe a compreensão dos tempos de
vida da juventude e da vida adulta. Santos (2014), ao estudar
a alfabetização e o analfabetismo nas Colônias Novas Italia-
nas do Rio Grande do Sul, mais especificamente nos municípios
de Marau e Casca, sinaliza que a questão educacional sofreu a
influência decisiva do processo de religiosidade, sobretudo dos
católicos. Conforme o autor, com base nos dados do censo do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2000, há uma
taxa de 5,4% de analfabetismo entre a população de 10 anos ou
mais. De um total de 1.274 analfabetos, na cidade de Marau,
549 (43%) situam-se na faixa etária de 25 a 59 anos. O estudo
de Santos (2014) buscou informações com gestores municipais
de Marau sobre as políticas públicas de alfabetização e apontou
a implementação do Serviço de Educação de Jovens e Adultos
(Seja). Segundo a autora, não se pode negar o impacto da discri-
minação de gênero sofrida pelas mulheres ao longo da história.
Um relato apontado nesse estudo reforça essa questão: “Gosta-
va muito, amava o estudo, só que por necessidade de ficar em
casa, meu pai não me deixou estudar [...] tinha muita vonta-
de [...] se eu tivesse estudado hoje seria uma pessoa diferente
(fem., 51 anos)” (SANTOS, 2014, p. 131).
Ressalta-se o compromisso dos gestores públicos na oferta
de políticas voltadas a jovens e adultos. Arroyo (2011) afirma
que a EJA tem de partir, para sua configuração como um campo
específico, da especificidade desses tempos de vida – juventude
e fase adulta – e das especificidades dos sujeitos concretos his-
tóricos que vivem nesses tempos. O autor sinaliza que:

| 27 |
Educação de jovens e adultos: políticas e formação continuada dos docentes

[...] sem dúvida um dos olhares sobre esses jovens e adultos é vê-los
como alunos(as), tomarmos consciência de que são privados dos bens
simbólicos que a escolarização deveria garantir [...] que o analfa-
betismo e os baixos índices da escolarização da população jovem e
adulta popular são um gravíssimo indicador de estarmos longe da
garantia universal do direito à educação para todos (2011, p. 23).

Diante desse contexto, considera-se fundamental a efeti-


vação de condições básicas para a formação de cidadãos críticos
e atuantes a partir da EJA bem como da formação continuada
dos docentes.

A formação continuada dos docentes


O professor tem papel fundamental na formação dos alu-
nos e, especialmente, dos sujeitos que fazem parte da EJA, vis-
to que o acesso e a permanência, com êxito, do jovem e do adulto
que, por várias razões, estiveram à margem da escola significa
a garantia do direito à educação, a possibilidade de ler e com-
preender o mundo a partir de diferentes saberes da ciência e
promover a cidadania.
O trabalho pedagógico do professor assume relevância,
primeiramente, no ato de decidir sobre o sentido do processo
educativo escolar na vida dos alunos que estão chegando na
escola e, na sequência, no desenho metodológico do processo de
ensinar, considerando o percurso socio-histórico e cultural dos
alunos e a função social da escola.
Ao organizar a prática pedagógica, é fundamental consi-
derar o cotidiano dos alunos, suas inquietações, percepções de
mundo, curiosidades, interesses e conhecimentos prévios, visto
que estão carregados de sentidos e permitem melhor compreen-
são dos saberes da ciência. A relação estabelecida no proces-
so de ensinar e de aprender produz múltiplas interrogações e
circunstâncias que, muitas vezes, não são compreendidas e re-

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Luciane Spanhol Bordignon | Eliara Zavieruka Levinski

solvidas. Tal nebulosidade pedagógica, parte do processo, pode


tornar-se objeto de reflexão, pois

[...] não há o que possa explicar melhor o sentido de nossas práticas


pedagógicas educativas do que os limites e as possibilidades de es-
tabelecer-se em nós um processo sistemático de reflexão sobre elas
(PIMENTA, 2012, p. 162).

Diante de alguns desafios encontrados no trabalho peda-


gógico do professor na EJA2 e pelo prisma que o desenvolvimen-
to profissional ocorre durante a vida do professor, na interação
com a sua prática, com o coletivo escolar e com os contextos que
fazem parte, reitera-se a necessidade de processos de formação
continuada que colaborem para práticas pedagógicas qualifica-
das, inclusivas e constantemente ressignificadas.
Nesse sentido, a formação continuada é compreendida, no
contexto educacional contemporâneo, como uma das possibili-
dades para qualificar e ressignificar os processos educativos,
promovendo a cidadania e, ainda, carregando na sua essência a
formação e a transformação dos sujeitos.
O conceito de formação continuada, segundo Benincá e
Caimi (2002), decorre da compreensão do ser humano como fi-
nito e inconcluso, o que indica que o ser humano está em per-
manente formação ou construção, ou seja, a formação se efetiva
ao longo da vida. Essa concepção é defendida por Freire (2001)
ao salientar que não existe formação momentânea, formação do
começo, formação do fim de carreira. Formação é uma experiên-
cia permanente, que não para nunca.
Entende-se que é preciso assumir uma postura de constan-
te investigação, pesquisa, interlocução teórica, planejamento
de ações criativas, inovadoras, comprometidas com as neces-

2
No encontro de formação docente realizado no dia 05 de outubro de 2016, os
docentes sinalizaram alguns desafios, como: amplificação do olhar; compreensão
da vida cotidiana dos alunos; desafio de manter o aluno que em algum momento
já abandonou a escola; necessidade de maior aproximação com a universidade;
entre outros.

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Educação de jovens e adultos: políticas e formação continuada dos docentes

sidades da EJA, respeitando sempre os princípios do diálogo,


da participação e da ética. Nóvoa (1992, p. 27) observa que o
desafio está

[...] na valorização de paradigmas de formação que promovam a pre-


paração de professores reflexivos, que assumam a responsabilidade
do seu próprio desenvolvimento profissional e que participem como
protagonistas na implementação das políticas educativas.

Nos processos de formação continuada, observa-se a pre-


mência de momentos coletivos para ultrapassar as práticas so-
litárias dos professores e para constituir redes de saberes que
possam apontar caminhos acerca dos dilemas e das potenciali-
dades presentes nas práticas docentes.
Nessa perspectiva, as ações da formação continuada for-
mam e transformam, segundo Levinski (2008), e, nesse ato,
exigem reinvenção para continuar com significação no conjunto
do processo. A prática tecida pelos protagonistas é objeto de
investigação, reflexão e teorização, e as assessorias técnico-pe-
dagógicas externas ao processo possibilitam múltiplas inter-
pretações e colaboram para o descortinamento e a projeção de
situações, de modo que o “olhar” transcende a dimensão local
para oxigenar o próprio cotidiano; assim, a escuta e a fala são
fatores determinantes para os sujeitos estabelecerem interlo-
cução e sentirem-se parte do processo.
O cotidiano das práticas pedagógicas, os tensionamentos
das sociedades complexas, as exigências legais e as novas pes-
quisas e políticas públicas desafiam e exigem permanente es-
tudo, diante do compromisso, do sentido e dos fins da educação.
Mobilizada por tais desafios, a formação continuada necessária
implica o desenvolvimento de um trabalho em rede, envolvendo
os profissionais que atuam nas diferentes instituições educa-
cionais. A formação e a atuação em rede permitem uma partici-
pação engajada da universidade com a EJA, contribuindo para
a promoção de intercâmbios científicos e culturais bem como
para a investigação social.

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Luciane Spanhol Bordignon | Eliara Zavieruka Levinski

Considerações finais
A escolarização de jovens e adultos demonstra tentativas
de se avançar na luta pelo direito à educação. Manter reflexões
sobre as políticas educacionais, a formação docente e o pensar
pedagógico no contexto da EJA possibilita, segundo Arroyo
(2011), uma reconfiguração de um campo educativo que tem
uma história tão tensa quanto densa, mas que exige ser reco-
nhecida como um campo específico de responsabilidade pública.
Ao finalizar este texto, tendo presente os estudos prévios
que o subsidiam, destacam-se: os indicativos da importância
dos processos de formação continuada dos docentes na EJA na
perspectiva do professor reflexivo e de trabalhos coletivos; o
aprofundamento de debates sobre questões fundantes sobre a
desigualdade social; a possibilidade de contribuição para o pro-
cesso de mudança social; e o fomento à EJA, enquanto modali-
dade de ensino e direito à educação, que possibilita a garantia
de uma educação de qualidade na formação cidadã.

Referências
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reitos e de responsabilidade pública. In: SOARES, Leôncio; GIOVANET-
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| 31 |
Educação de jovens e adultos: políticas e formação continuada dos docentes

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silenciosa do analfabetismo no sul do Brasil. Passo Fundo: Ifibe, 2014.
p. 123-142.

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Maria Isabel Bristott

Linguagens, códigos
e suas tecnologias
em EJA
Maria Isabel Bristott

Introdução

O
presente texto tem o objetivo de (com)partilhar o traba-
lho realizado na oficina voltada às “Linguagens, códi-
gos e suas tecnologias”, no contexto do curso de forma-
ção continuada “O trabalho pedagógico na educação de jovens
e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas”,
coordenado pelo Centro Regional de Educação, da Faculdade de
Educação (Faed) da Universidade de Passo Fundo (UPF), com
educadores do Serviço de Educação de Jovens e Adultos (Seja),
de Marau, RS, e com educadores do Núcleo Estadual de Edu-
cação de Jovens e Adultos (Neeja), de Palmeira das Missões,
RS. Ao compartilhar o trabalho, almeja-se trazer contribuições
metodológicas para a educação de jovens e adultos (EJA), de
forma que, além disso, faça-se parte significativa ao repensar e
ao qualificar as práticas educativas.
A proposta apresentada está ancorada no meu exercício
profissional de educadora na área das linguagens, em especial
em EJA, na rede pública estadual de ensino do Rio Grande do
Sul, e de psicóloga, comprometida com a educação libertado-
ra e constituinte de sujeitos. Também, a proposta traz os prin-
cípios metodológicos participativos, em que o entrelaçamento
das partes, mediados pelas múltiplas formas de linguagem que

| 33 |
Linguagens, códigos e suas tecnologias em EJA

constituem o trabalho, dão sustentação ativa às singularidades


de cada um(a), constituindo uma representação de identidade
coletiva.
Para a realização da oficina, contou-se com a participação
da colega psicóloga Liseane Lígia Mella, com a qual integrou-se
ao trabalho algumas dinâmicas de grupo do Projeto Alternati-
vas à Violência (PAV), no qual somos facilitadoras. Essa par-
ceria, além de tornar o trabalho mais dinâmico, qualificou o
registro e a escuta no seu todo.

Início do trabalho
O trabalho iniciou-se com saudação aos participantes, com
uma breve “conversa de abertura”, e apresentação da agenda
do encontro, com a sequência do trabalho a ser desenvolvido.
A apresentação da agenda tem uma função organizadora dos
sujeitos do processo tanto no tempo quanto no espaço, além de
permitir a observação de como cada um se posiciona diante do
que é proposto. Este é um bom momento para verificar se a
proposta vem ao encontro da demanda do grupo ou, então, se é
necessário alterá-la. Em seguida, foram retomadas as guias de
convivência e os sinais. As guias de convivência consistem em
pontuar, com o grupo, palavras que orientem o(s) encontro(s),
de forma que favoreça o convívio e o crescimento. Os sinais, to-
dos não verbais, são previamente combinados, como: levantar o
braço e estender o dedo para pedir a palavra; levantar o braço
e estender a mão para pedir silêncio; elevar as mãos, com as
palmas para cima, quando alguém estiver falando muito baixo,
ou elevar as mãos, com as palmas para baixo, quando alguém
estiver falando muito alto, no momento das partilhas das falas.
Salienta-se que esses códigos podem ser solidários. Qualquer
participante pode fazer uso deles, uma vez que, além de serem
facilitadores da organização do trabalho, qualificam a comu-

| 34 |
Maria Isabel Bristott

nicação entre os participantes, em prol da cultura de paz. No


PAV, há outros sinais, os apresentados nesta proposta servem
de referência para a compreensão do trabalho.

Na roda: inicia o movimento


Com as combinações feitas e a ambiência pronta para o
acolhimento, lança-se o seguinte disparador na roda: “Eu sou...
para esse encontro me sinto... porque...”.
Cada participante se apresenta e, ao completar os espaços
reticentes, traz para a roda suas expectativas em relação ao
encontro, além de escutar as expectativas dos outros. Dentre as
diversas expressões, destacam-se: curiosidade, vontade, expec-
tativa, inquietação, oportunidade, novos desafios, novas apren-
dizagens, vontade de aprender e de compartilhar. Após, fez-se
uma memória com imagens do grupo colhidas nos encontros
anteriores, roteirizada com a letra da canção Nossas histórias,
de Oswaldo Montenegro.1 Então, sensibilizados pelas lingua-
gens da canção e das imagens (fotografias), fez-se um resga-
te dos outros encontros, em que os participantes expressaram
seus sentimentos e percepções acerca do registro, com o qual se
ligou a atividade seguinte.

Nos círculos concêntricos: rodas,


histórias e movimento
Círculos concêntricos é um exercício de dinâmica de grupo,
com o qual se tem o propósito de compartilhar, aprender um
com o outro e começar a construir o sentimento de comunidade
dentro do grupo, em que a fala e a escuta mútuas, de afirma-

1
Disponível em: <https:/www.letras.mus.br>nossas- histórias>. Acesso em: 30 jun.
2016.

| 35 |
Linguagens, códigos e suas tecnologias em EJA

ções breves, concisas, relativas a um tema ou a um conjunto de


temas, estreitam os laços de confiança entre os participantes. O
grupo é dividido em duplas, denominadas de “casca e semente”,
cada parte forma um círculo, porém, um dentro do outro, tendo-
-se as seguintes orientações para “fala” e “escuta”:
a) das lembranças das histórias ouvidas na infância:
tipo de história; quem contava e onde contava; senti-
mentos que despertava;
b) das primeiras leituras feitas: lembrança e nome da
história;
c) das lembranças de escrita: como foi o seu processo.
Em seguida, os participantes, oralmente, comentaram
seus sentimentos e percepções em relação à dinâmica. Dentre
os relatos, destacam-se: “as primeiras palavras escritas e as
primeiras histórias, nunca tinha pensado”; “memórias”; “fica
na memória o que chama a atenção”; “marcas que são das pri-
meiras experiências”; “processos marcantes relacionados à afe-
tividade e amorosidade”; “relação de carinho e o aluno pode se
tornar mais aberto”; “o conhecimento acontece quando o alu-
no estabelece ponte com o educador e são produzidas marcas”;
“elementos de memória que servem como fonte de ligação, que
atualizam o tempo, trazem para o momento atual a possibilida-
de de olhar o passado e, com isso, ressignificá-lo”.
Salienta-se a importância de práticas como essa, em que
os educadores, mediados pela fala e pela escuta das histórias
apresentadas ou escritas referentes à própria vida, permitem
uma interlocução objetiva e intersubjetiva entre colegas e, com
isso, uma ampliação do seu lugar e do seu papel no mundo,
assim como a transposição da referida prática aos educandos.
Nessa relação dialética e dialógica, amplia-se a concepção de
leitura dos seus mundos e do mundo dos outros, consequente-
mente, a “leitura do mundo”, lembrando e evocando Paulo Frei-
re, que, ao se referir às próprias lembranças ao escrever sobre
o ato de ler, afirma:

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Maria Isabel Bristott

Ao ensaiar escrever sobre a importância do ato de ler, eu me senti


levado – até gostosamente – a “reler” momentos fundamentais de
minha prática, guardados na memória, desde as experiências mais
remotas de minha infância, de minha adolescência, de minha moci-
dade, em que a compreensão crítica da importância do ato de ler se
veio em mim constituindo (FREIRE, 2006, p. 11).

Como sugestão de leitura, foram indicadas três crônicas de


Pablo Morenno (2006), do livro Por que os homens não voam?:
“Quem tem medo de lobo mau?”; “Onde está Peter Pan?”; e “A
raposa e os sonhos verdes”. Essas crônicas remetem a textos –
contos de fadas e mitos – comumente apresentados nas leituras
do “pequeno mundo”, que o escritor, com recurso intertextual,
traz para um contexto de leitores com certo percurso de vida,
o que permite outras leituras e outra compreensão do caminho
percorrido. Assim, ao retornar às lembranças de histórias e lei-
turas do seu “pequeno mundo” e acioná-las por “outro” gênero
literário, além do conhecimento acerca das estruturas textuais,
há a possibilidade de ampliar a capacidade de compreensão crí-
tica do ato de ler, tanto do seu mundo de fora, o objetivo, quanto
do mundo de dentro, o subjetivo, e, consequentemente, da “lei-
tura do mundo”, como refere Paulo Freire:

A retomada da infância distante, buscando a compreensão do meu


ato de ‘ler’ o mundo particular em que me movia – e até onde não sou
traído pela memória –, me é absolutamente significativa. Neste es-
forço a que vou me entregando, recrio, e revivo, no texto que escrevo,
a experiência vivida no momento em que não lia a palavra (FREIRE,
2006, p. 12).

No movimento da roda: um forte


vento sopra
A fim de integrar a temática do encontro, movimentar e
descontrair o grupo, foi realizado o jogo animado “Um forte
vento sopra”, que integra a metodologia usada no PAV. O jogo

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Linguagens, códigos e suas tecnologias em EJA

consiste na reunião dos participantes em um círculo, sentados


em cadeiras preferencialmente sem braço, em que o facilitador
tira uma cadeira, ficando de pé no meio do círculo e explican-
do que ele não tem cadeira porque: “é o forte vento”. Assim,
orienta os movimentos do grupo ao dizer: “Um forte vento sopra
para quem...”, terminando a frase com uma característica que
compartilha com os demais. Por exemplo: “O forte vento sopra
para quem está usando jeans”. Todos que compartilham essa
característica trocam de cadeira, porém, não podem sentar-se
na cadeira ao lado. Quem ficar sem cadeira será o próximo “for-
te vento”. Além disso, se o “forte vento” disser: “Furacão!”, todos
devem trocar de lugar. É importante destacar que se pode rela-
cionar os tópicos a temas variados, como: “O forte vento sopra
para quem acredita que ler faz bem às pessoas”.
Ao comentar acerca da experiência, os participantes afir-
maram ter gostado do jogo e ponderaram sobre a importância
do movimento, em que, sem provocar desconforto, alterou-se a
organização (Gestalt) do grupo de forma divertida. Eles referi-
ram, ainda, que a transposição do jogo para o contexto da sala
de aula, especialmente com os adolescentes, auxiliará para co-
nhecerem e se integrarem ao grupo, já que alguns são inibidos e
resistentes a aproximações. O jogo animado também preparou
o grupo para a atividade seguinte.

Atividade em grupo: jogando com


a poesia
Após o intervalo, foi realizada a atividade em grupo “Jo-
gando com a poesia”, retirada do livro O jogo das palavras-se-
mente: e outros jogos para jogar com palavras, de Carlos Rodri-
gues Brandão (2015), com a qual foram feitos outros entrela-
çamentos à temática, como o de possibilitar aos participantes

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Maria Isabel Bristott

uma relação mais metafórica, isto é, mais simbólica, criativa e


poética com as palavras.
No primeiro momento, os integrantes dos grupos escolhe-
ram um livro de poesia dentre os disponibilizados no centro da
sala, de autores como Mario Quintana, Cora Coralina, Carlos
Brandão, Carlos Drummond de Andrade e Vinicius de Moraes.
Após explorarem o livro, os participantes escolheram um poema
para partilhar com o grupo. A partilha deu-se livremente, cons-
tituindo um expressivo Sarau, seguido por uma breve fala-es-
cuta sobre a experiência, na qual se obteve o seguinte registro:

[...] lemos pouca poesia, nunca fui desafiado a ler poesia; as poesias
dizem muitas coisas; falamos da resistência do adolescente, mas nós
também resistimos, no início; recitar é se expor, pra nós foi desa-
fiador; para leitura de poesia, requer mais preparo e interpretação,
partilhar foi um desafio.

No segundo momento, o grupo se reuniu e para a transcri-


ção dos poemas ou de algumas estrofes, em folhas de ofício. De-
pois, as estrofes foram recortadas em versos e todos os versos
misturados, no centro da sala. Para o terceiro e o quarto mo-
mentos, um representante de cada grupo reconstruiria, verso
a verso, com ajuda dos demais integrantes do grupo, o seu poe-
ma, colando-o em uma folha maior. Por fim, na quinta etapa, o
desafio era de escrever o próprio poema (uma paródia), tendo o
poema escolhido anteriormente como fonte de inspiração. Para
finalizar, foi realizado outro Sarau, mas com a partilha criativa
dos poemas dos próprios participantes e com a criação de um
Varal Literário, com a exposição de todos os textos.

Avaliação
Para avaliar a oficina, foi utilizada a dinâmica de grupo “A
mala”, também do PAV, que consiste na utilização de um papel
pardo ou cartolina para desenhar uma mala e registrar: dentro

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Linguagens, códigos e suas tecnologias em EJA

dela, “o que levamos”; fora dela, “o que deixamos”; nas alças, as


sugestões.
Em “o que levamos”, registrou-se: “A professora pra casa;
mais imaginação; coragem; motivação; desafio; criatividade;
aula com início, meio e fim; relembrar e reavivar as memórias;
planejamento prático; troca de saberes; encantamento; intera-
ção; alegria da partilha; leveza”. Em “o que deixamos”, regis-
trou-se: “queixas, reclamações, inseguranças”. Já em “suges-
tões”: “bis; mais oficinas; receber descrição das dinâmicas na
memória”.
Ao encerrar este texto, ficam os sentimentos de satisfação
e de esperança renovados, porque (com)partilhar o registro e
ser parte do curso de formação continuada “O trabalho peda-
gógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualifi-
cando as práticas educativas” renova o compromisso com uma
educação criativa, libertadora e transformadora. Compromisso
que sustentou todo o processo vivenciado pelas partes envolvi-
das, desde as primeiras escutas acerca das intenções com o cur-
so, feitas oralmente, até o registro escrito. Esses sentimentos
também são renovados pela possibilidade de contribuir com as
referências aos estudos e ao trabalho pedagógico em EJA, re-
pensando e qualificando, responsavelmente, as nossas práticas
educativas.

Referências
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O jogo das palavras-semente: e outros jo-
gos para jogar com palavras. São Paulo: Cortez, 2015.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se com-
pletam. São Paulo: Cortez, 2006.
MORENNO, Pablo. Por que os homens não voam? Porto Alegre: WS Edi-
tor, 2006.

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Sandra Mara Marasini

Educação matemática
e EJA: debate sobre o
ensino e a aprendizagem
Sandra Mara Marasini

Introdução

P
roporcionar um ensino que tenha como finalidade a
aprendizagem matemática, na perspectiva do desen-
volvimento intelectual além do desenvolvimento de um
conteúdo, tem gerado pesquisas por um grupo de educadoras
matemáticas, pertencentes à equipe de professores do Labora-
tório de Matemática da Universidade de Passo Fundo (UPF).
Apesar de as pesquisas serem voltadas para o ensino e a apren-
dizagem da matemática na educação básica, seus resultados
subsidiam ações relacionadas à educação de jovens e adultos
(EJA), porque os resultados dessas pesquisas subsidiam toda
ação relacionada ao ensino e à aprendizagem da matemática
para qualquer sujeito. Uma dessas ações foi o Curso de For-
mação do EJA – Marau, cujo minicurso relacionado à área da
educação matemática foi desenvolvido na noite de 10 de agosto
de 2016, na Secretaria Municipal de Marau, RS.
O minicurso “Educação matemática e EJA: debate sobre o
ensino e a aprendizagem” objetivou oportunizar o debate sobre
processos de ensinar e de aprender de jovens e adultos, entre
docentes da EJA e da UPF, com a finalidade de refletir sobre
princípios pedagógicos que qualifiquem a elaboração de propos-
tas pedagógicas para grupos de EJA.

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Educação matemática e EJA: debate sobre o ensino e a aprendizagem

Durante o minicurso, a defesa de ideias fundamentadas


teoricamente ocorreu pela exposição de pressupostos presentes
nas sequências elaboradas e aplicadas para professoras partici-
pantes do minicurso, contribuindo, dessa forma, para a forma-
ção continuada de professores da EJA.

O minicurso
O encontro iniciou com a acolhida das coordenadoras do
encontro de formação da EJA do município de Marau e da UPF.
Durante a acolhida, foram retomados os guias de convivência
definidos pelo grupo desde o primeiro encontro, equivalentes a
regras do contrato didático, conceito desenvolvido por autores
franceses, especialmente por Brousseau na didática da mate-
mática.
Para Henry, o contrato didático é o “conjunto de comporta-
mentos do professor que são esperados pelo aluno, e o conjun-
to dos comportamentos do aluno que são esperados pelo pro-
fessor” (1971, p. 47 apud SILVA; MOREIRA; GRANDO, 1996,
p. 10). Assim, o contrato didático compreende negociações de
compromissos estabelecidos entre professor e aluno, sujeitos
que compõem efetivamente o sistema didático. Esses compro-
missos dependem do nível de acolhimento durante os encontros.
Para isso, foram feitas breves apresentações, especialmente em
relação à atuação na EJA.
Com a mensagem “O cego e o publicitário” (autor desco-
nhecido), foi possível perceber que, quando nada nos acontece
é preciso mudar de estratégia. Dessa forma, durante o mini-
curso, não foram explorados conceitos matemáticos diferentes
do que os professores já tivessem estudado, mas com ênfase
na conscientização dos seus porquês. Assim, os participantes
foram questionados sobre suas concepções de matemática e a fi-
nalidade do estudo da matemática na EJA. Após manifestações

| 42 |
Sandra Mara Marasini

de um expressivo número de participantes, estes foram provo-


cados a perceber que, apesar de a matemática fazer parte do
cotidiano das pessoas, na escola, ela tem de ser melhor explora-
da, para que possibilite o desenvolvimento das estruturas ma-
temáticas do pensamento. Então, houve um impasse, porque a
maioria dos presentes não conseguia distinguir a diferença en-
tre o componente curricular e as estruturas do pensamento, o
que exigiu que algumas ideias teóricas fossem veiculadas. Isso
porque, segundo Machado, as disciplinas escolares, neste caso
a matemática,

[...] nunca tiveram conceitualmente o estatuto de fim em si mesmas,


desempenham um duplo papel: o de mediação entre o conhecimento
em sentido pleno daquilo que é necessário à formação da pessoa e o
de meio para o desenvolvimento pessoal para a formação do caráter
e construção da cidadania (2002, p. 138).

Então, a área da educação matemática foi definida como:


“[...] o estudo de todos os fatores que influem direta ou indire-
tamente sobre todos os processos de ensino-aprendizagem em
matemática e a atuação sobre desses fatores” (CARVALHO,
1991, p. 18). Essa definição foi seguida de algumas exemplifica-
ções que proporcionaram ao grupo perceber que as estruturas
matemáticas do pensamento são de responsabilidade da pro-
posta pedagógica da disciplina matemática, pois devem auxi-
liar no desenvolvimento das funções superiores do pensamento.
Isso porque a finalidade da Matemática enquanto área do co-
nhecimento é auxiliar o indivíduo a apropriar-se do sistema de
comunicação. Nesse sentido, a disciplina de matemática deve
“[...] proporcionar ao indivíduo uma forma especial de leitura
do mundo, garantindo a formação da cidadania por meio de
uma educação significativa e igualitária para todos” (MARASI-
NI, 2000, p. 126). Para isso, é preciso promover uma matemáti-
ca escolar significativa, cuja função:

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Educação matemática e EJA: debate sobre o ensino e a aprendizagem

[...] não é promover apenas a habilidade de desenvolver cálculos,


treinar a memória ou memorizar fórmulas e conceitos. Significa de-
senvolver uma matemática que seja capaz de levar o aluno a pensar,
analisar, estabelecer relações, justificar e produzir seu próprio signi-
ficado, isto é, criar (MARASINI, 2000, p. 126).

Dessa forma, o professor estará contribuindo com a função


social da matemática, por meio do componente curricular Ma-
temática:

A aprendizagem em Matemática está ligada à compreensão, isto é,


à apreensão do significado; apreender o significado de um objeto ou
acontecimento pressupõe vê-lo em suas relações com outros objetos e
acontecimentos. E o significado da Matemática para o aluno resulta
das conexões que ele estabelece entre ela e as demais disciplinas,
entre ela e seu cotidiano e das conexões que ele estabelece entre os
diferentes temas matemáticos (BRASIL, 1998, p. 56-57).

É preciso que o professor “[...] aprenda a ensinar de um


jeito diferente do modo como aprendeu; que seja capaz de de-
senvolver e aplicar estratégias de sala de aula cognitivamen-
te profundas, emocionalmente envolvidas e socialmente ricas”
(FIORENTINI, 2006, p. 1). E isso assume maior compromisso
quando se fala de ensino para estudantes da EJA.
Com base nas ideias expostas, foram realizadas algumas
exemplificações, com posterior abertura para o grupo manifes-
tar-se, contribuindo com pareceres pessoais e com exemplos de
suas vivências escolares. As professoras de outros componentes
curriculares puderam perceber que suas disciplinas dependem
das estruturas matemáticas do pensamento e que muitos dos
conceitos matemáticos têm relação direta com a compreensão
dos conceitos de suas áreas do conhecimento.
Cabe salientar que a proposta apresentada no minicurso
defendeu a necessidade de definir princípios pedagógicos para
o ensino da matemática e exemplificou algumas situações didá-
ticas visualizando os princípios definidos e validados em proje-
tos de pesquisa. Os princípios utilizados foram: interação social

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Sandra Mara Marasini

que proporciona aprendizagem; aprendizagem que proporciona


desenvolvimento mental; contextualização do conhecimento
matemático; domínio das ideias fundamentais da matemática;
definição de objetivos; conceitos como um sistema de conheci-
mentos (GRANDO; MARASINI, 2008, p. 81-117). Ainda, foram
utilizados como recursos materiais manipuláveis tendências
matemáticas, em especial o uso da história e a resolução de
problemas.
Foram realizadas diferentes atividades, um exemplo é o
uso do material manipulável “Blocos Lógicos”, mostrando a ne-
cessidade de fazer o aluno pensar sobre a ação realizada e sua
socialização, uma vez que, ao comunicar, é preciso ter consciên-
cia do que foi feito.
Na sequência, ampliando a defesa de que a aprendizagem
matemática depende do ensino da matemática, o grupo foi con-
vidado a fazer a leitura do texto “O ato de ensinar”, de Cláu-
dia Leal (2011). A reflexão sobre o conteúdo do texto permitiu
debater sobre a importância do “acolhimento do aluno para a
aprendizagem matemática”; da “qualidade pedagógica da pro-
posta didática e não da quantidade de conceitos estudados”; da
“necessidade de valorizar as experiências pessoais” dos alunos,
que trazem suas vivências e conhecimentos experienciais; da
criação de “redes de significações”, uma vez que a apropriação
dos conceitos e o desenvolvimento das estruturas do pensamen-
to lógico matemático dependem de relações estabelecidas a par-
tir do estudo do “novo relacionado ao conhecimento prévio” dos
sujeitos.
Essas ideias sugerem a necessidade de organizar o ensi-
no da matemática especialmente para estudantes da EJA, ba­
seando-se em situações que tenham sentido para os estudan-
tes e que partam das suas vivências, visto que todos têm suas
próprias experiências pessoais. Isso porque, segundo Panizza
et al.:

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Educação matemática e EJA: debate sobre o ensino e a aprendizagem

Pensar o ensino da matemática pelo gostar e aprender, passa pela


reflexão da compreensão do que está sendo estudado. Para que haja
o gosto pela matemática, é necessário que haja aprendizagem ma-
temática. E, aprender matemática, é compreender o que está sendo
estudado, o aluno vendo sentido a cada ação assumida durante o
estudo (2006, p. 50).

Da mesma forma, documentos do Ministério da Educação


e Cultura afirmam que o ensino da matemática é importante
porque, como ciência, a Matemática envolve amplo campo de
relações e regularidades que possibilitam a capacidade de abs-
trair e generalizar, contribuindo para o desenvolvimento das
funções superiores e, consequentemente, do pensamento. Po-
rém, como expõem os Parâmetros Curriculares Nacionais,

[...] o ensino de Matemática prestará sua contribuição à medida


que forem exploradas metodologias que priorizem a criação de es-
tratégias, a comprovação, a justificativa, a argumentação, o espírito
crítico, e favoreçam a criatividade, o trabalho coletivo, a iniciativa
pessoal e a autonomia do desenvolvimento da confiança na própria
capacidade de conhecer e enfrentar desafios (BRASIL, 1998, p. 31).

Para uma melhor compreensão, foram propostas algumas


questões matemáticas com uma das tendências em educação
matemática, a resolução de problemas, para que fossem ana-
lisadas e resolvidas pelo grupo presente no minicurso. Como
as questões tinham relação direta com o cotidiano das pessoas,
houve manifestações com relação à importância de, na escola,
trabalhar-se de maneira integrada com as situações do cotidia-
no e os diferentes componentes curriculares, porque:

A educação escolar deve se iniciar pela vivência do aluno, mas isso


não significa que ela deva ser reduzida ao saber cotidiano. No caso
da matemática, consiste em partir do conhecimento contextualiza-
do em situações próximas do aluno. Uma forma de dar sentido ao
plano existencial do aluno é através do compromisso com o contexto
por ele vivenciado, fazendo com que aquilo que ele estuda tenha um
significado autêntico e por isso deve estar próximo de sua realidade
(PAIS, 2008, p. 28).

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Sandra Mara Marasini

É possível afirmar que foi o ponto alto do encontro, porque


o grupo percebeu a necessidade da interdisciplinaridade como
elemento motivador para a atividade de estudo, mas, principal-
mente, para que a aprendizagem matemática promova o desen-
volvimento intelectual do aluno. Isso porque, conforme Micotti,

[...] a aplicação dos aprendizados em contextos diferentes daqueles


em que foram adquiridos exige muito mais que a simples decoração
ou a solução mecânica de exercícios: domínio de conceitos, flexibili-
dade de raciocínio, capacidade de análise e abstração (1999, p. 154).

Nessa perspectiva, foi proposta uma atividade com os ma-


teriais manipuláveis “mecanos e geoplanos” para a exploração
dos conceitos de “perímetro e superfície”, com ênfase nas ideias
teóricas que permearam o encontro. A atividade permitiu, en-
tre outras coisas, perceber a importância do material para a
identificação de regularidades à apropriação dos significados
sociais dos conceitos matemáticos; a importância da comunica-
ção na socialização de relações de semelhanças e diferenças en-
tre os diferentes objetos matemáticos para o desenvolvimento
do pensamento consciente; a importância do trabalho mediado
para mudança de sentidos pessoais; a importância da coletivi-
dade para a troca de experiências e de soluções criativas para
problemáticas do cotidiano dos alunos como meio de motivar a
pensar e estudar.
O encontro foi finalizado com uma avaliação oral por meio
da qual foi possível perceber que o grupo entendeu que a disci-
plina matemática tem a responsabilidade de promover a apren-
dizagem matemática por meio de propostas pedagógicas que
levem ao desenvolvimento intelectual do estudante.

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Educação matemática e EJA: debate sobre o ensino e a aprendizagem

Considerações
Apesar da pouca bibliografia sobre educação matemática
e EJA, o momento vivenciado permitiu perceber que não há
como promover mudanças qualitativas na educação sem uma
base teórica consistente, que subsidie o fazer pedagógico, neste
caso, em especial, os pressupostos da teoria histórico-cultural,
na matemática e na didática da matemática.
Um aspecto importante a ser considerado é que todo estu-
dante de EJA tem suas vivências pessoais e traz consigo con-
ceitos prévios sobre os conceitos matemáticos. Dessa forma, a
utilização dos conceitos matemáticos, nos diferentes contextos
dos estudantes, aparece de forma integrada, envolvendo vários
ao mesmo tempo e diversas áreas do conhecimento. Assim sen-
do, os conceitos da cultura do trabalho dos estudantes podem
caracterizar-se como elementos mediadores para a apropriação
dos conceitos matemáticos, possibilitando novas zonas de de-
senvolvimento proximal (VYGOTSKY, 1998).
Além disso, todo componente curricular deve ser desen-
volvido com a única finalidade de levar o aluno ao desenvol-
vimento intelectual para a tomada consciente de decisões e a
resolução de problemas pessoais, como cidadão de direito na
sociedade em que vive. Disso tudo, é possível afirmar que o mi-
nicurso contribuiu para a formação dos docentes, na medida em
que proporcionou trocas de saberes fundamentados nas expe­
riências pessoais dos docentes.

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Sandra Mara Marasini

Referências
BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Parâmetros Curriculares Na-
cionais de Matemática – Ensino Fundamental. Brasília, DF: MEC, 1998.
CARVALHO, João Bosco Pitombeira. O que é educação matemática? Te-
mas & Debates, Rio Claro, SBEM, ano IV, n. 3, p. 17- 26, 1991.
FIORENTINI, Dario. Desafios da profissionalidade docente em mate-
mática no contexto atual: a complexidade de estar em sala de aula. In:
JORNADA NACIONAL, 1; JORNADA REGIONAL DE EDUCAÇÃO MA-
TEMÁTICA, 14. Passo Fundo. Anais... Passo Fundo: UPF Editora, 2006.
1 CD-ROM.
GRANDO, Neiva Ignês; MARASINI, Sandra Maria. Educação matemá-
tica: a sala de aula como espaço de pesquisa. Passo Fundo: UPF Editora,
2008.
LEAL, Cláudia. O ato de ensinar. Revista Mentecérebro, Edição Especial,
n. 26, p. 82, abr. 2011.
MACHADO, Nilson José. Sobre a idéia de competência. In: PERRE-
NOUD, Philippe et al. As competências para ensinar no século XXI: a for-
mação dos professores e o desafio da avaliação. Trad. Cláudia Schilling e
Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2002. p. 137-155.
MICOTTI, Maria Cecília de Oliveira. O ensino e as propostas pedagógi-
cas. In: BICUDO, Maria Aparecida Viggiani (Org.). Pesquisa em educação
matemática: concepções & perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 1999.
p. 153-168.
MARASINI, Sandra Maria. Contribuições da didática da matemática
para a educação matemática. In: RAYS, Oswaldo Alonso. Educação e ensi-
no: constatações, inquietações e proposições. Santa Maria: Pallotti, 2000.
p. 126-130.
PAIS, Luiz Carlos. Didática da matemática: uma análise da influência
francesa. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
PANIZZA, Mabel et al. Ensinar matemática na educação infantil e nas
séries iniciais: análise e propostas. Trad. Antônio Feltrin. Porto Alegre:
Artmed, 2006.
SILVA, Elcio Oliveira da; MOREIRA, Mariano; GRANDO, Neiva Ignês. O
contrato didático e o currículo oculto: um duplo olhar sobre o fazer peda-
gógico. Zetetiké, Campinas, a. 5, n. 6, 1996.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.

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Ciências da natureza e suas tecnologias: algumas contribuições...

Ciências da natureza
e suas tecnologias:
algumas contribuições
para o trabalho
na educação de
jovens e adultos
Elisabeth Maria Foschiera

Introdução

O
presente texto tem o objetivo de apresentar a siste-
matização do trabalho realizado na oficina sobre pro-
cessos de ensino-aprendizagem, na área das ciências
da natureza e suas tecnologias, desenvolvida no município de
Marau, RS, com os gestores da Secretaria Municipal de Educa-
ção (SME), professores e funcionários do Serviço de Educação
de Jovens e Adultos (Seja). Também participaram da formação
gestores e professores do Núcleo Estadual de Educação de Jo-
vens e Adultos (Neeja), do município de Palmeira das Missões.
A oficina ocorreu no curso de formação continuada denomina-
do: “O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos:
repensando e qualificando as práticas educativas” e foi desen-
volvida a partir de socialização de práticas vivenciadas pelos
educadores e gestores, nos seus respectivos locais de trabalho,

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Elisabeth Maria Foschiera

bem como discussão e reflexão sobre os conteúdos dessa área do


conhecimento, utilizando-se metodologias participativas.
Os documentos oficiais que tratam da educação de jovens
e adultos (EJA) sugerem que se deve flexibilizar a organização
dos currículos, respeitando os saberes trazidos pelos educandos
e procurando integrar o conteúdo sistematizado por eles ao lon-
go da trajetória de vida. Sugerem, ainda, que, para trabalhar
com a EJA, devem ser considerados alguns pressupostos meto-
dológicos da educação popular. Segundo Hurtado (1992, p. 44):

Educação popular é um processo de formação e capacitação que se dá


dentro de uma perspectiva política de classe e que toma parte ou se
vincula à ação organizada do povo, das massas, para alcançar o obje-
tivo de construir uma sociedade nova, de acordo com seus interesses.

No trabalho com a EJA, entende-se, ainda, como pressu-


posto, a realização do diagnóstico da realidade, que implica co-
nhecer os alunos, como eles vivem, onde vivem, entre outros
aspectos, e que a cultura regional seja o ponto de partida para a
apropriação da cultura elaborada e universal. Portanto, devem
ser realizadas atividades que promovam o conhecimento do
ambiente no qual os educandos estão inseridos, contribuindo,
assim, para a compreensão do conhecimento universal. Tais do-
cumentos orientam, também, que devem ser oferecidas oportu-
nidades de aprendizagens, tanto em termos de assimilação de
conceitos e dados (conhecimento) como de capacidade de atua­
ção autônoma (competências).
Alguns educadores, infelizmente, interpretam que o cur-
rículo da EJA, por ser diferenciado, pode ser desenvolvido sem
planejamento e com o uso de qualquer conteúdo ou atividade.
Para esses, uma vez que os educandos estão ávidos pela des-
coberta do conhecimento, qualquer atividade realizada será
bem aceita. Entretanto, é importante ressaltar que a legislação
orienta que a oferta do currículo na EJA, apesar de diferencia-
do, deve ser trabalhado de forma responsável, envolvendo assi-

| 51 |
Ciências da natureza e suas tecnologias: algumas contribuições...

milação de conceitos e desenvolvimento de atuação autônoma.


Os alunos não deverão ser tratados como inferiores, bem como
a educação não deverá ter um caráter de suplência. O proce-
dimento é diferente do ensino formal, porém, deve atingir os
mesmos objetivos de aprendizagem. Arroyo (1996) ressalta que
trabalhar com jovens e adultos é uma prática desafiadora para
o profissional da educação, visto que são sujeitos históricos con-
cretos, ativos na sociedade em que estão inseridos e que voltam
para a escola, muitas vezes, depois de muitos anos sem estudar.
Não é pertinente, portanto, que sejam tratados da mesma for-
ma que os alunos do ensino regular. A própria organização do
trabalho escolar tem de ser diferenciada.

Procedimentos metodológicos
Portanto, a metodologia para o trabalho com a EJA deve
se basear nos princípios presentes nos documentos nacionais,
dando ênfase à formação e à autoformação dos sujeitos envol-
vidos na ação educativa. O educando deverá sistematizar o que
assimilou ao longo do processo educativo, sendo agente da cons-
trução das hipóteses sobre a realidade que o cerca, por meio da
experimentação e da reelaboração do conhecimento. O desen-
volvimento do trabalho deverá ser orientado por campos concei-
tuais envolvendo as diferentes áreas do conhecimento, a serviço
da construção de novos conceitos (BRASIL, 1997).
A metodologia deverá contemplar a busca dos elementos
que permitem o levantamento de temas significativos, para
serem geradores de novas relações entre os diferentes campos
do saber. Esse tema, denominado “tema gerador”, impulsiona
a análise da realidade. A expressão “tema gerador” está ligada
à ideia de interdisciplinaridade e está presente na metodolo-
gia freireana, pois tem como princípio metodológico a promoção
de uma aprendizagem global, não fragmentada, e traz a ideia

| 52 |
Elisabeth Maria Foschiera

de promover a integração do conhecimento e a transformação


social. Do tema gerador geral sairá o recorte para cada uma
das áreas do conhecimento. Esses temas se chamam geradores
porque, qualquer que seja a natureza de sua compreensão como
da ação por eles provocada, eles contêm em si a possibilidade de
desdobrar-se em outros tantos temas que, por sua vez, provo-
cam novas tarefas que devem ser cumpridas (FREIRE, 2003).
Além disso:

Os temas geradores são temas que servem ao processo de codifica-


ção-decodificação e problematização da situação. Eles permitem con-
cretizar, metodologicamente, o esforço de compreensão da realidade
vivida para alcançar um nível mais crítico de conhecimento dessa
realidade, pela experiência da reflexão coletiva da prática social real.
Esse é o caminho metodológico: o trabalho educativo dispensa, pois,
um programa pronto e as atividades tradicionais de escrita e leitura,
mecanicamente executadas. A avaliação é um processo coletivo cujo
foco não é o “rendimento” individual, mas o próprio processo de cons-
cientização. O diálogo é, portanto, o método básico, realizado pelos
temas geradores de forma radicalmente democrática e participativa
(TOZONI-REIS, 2006, p. 104).

Dessa forma, os conteúdos deixam de se apresentar isola-


dos, fragmentados, tornando-se instrumentos de compreensão
crítica do cotidiano e permitindo a solução de problemas exis-
tentes.
Partindo desses pressupostos, sugere-se que o trabalho
inicial deva se referir ao conhecimento da história de vida dos
educandos, desenvolvida a partir de pequenos textos nos quais
eles expressam o que gostariam de compartilhar com a turma
sobre a sua trajetória de vida. Esse registro possibilita confir-
mar as semelhanças a respeito das causas que fizeram esses
sujeitos abandonarem a escola durante a infância ou adoles-
cência. Uma delas, bastante frequente, diz respeito à inicia-
ção no mundo do trabalho para contribuir com o aumento da
renda familiar. Outra razão, muito comum, refere-se ao local
da residência desses educandos, geralmente distante das esco-

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Ciências da natureza e suas tecnologias: algumas contribuições...

las, dificultando seu acesso. Além dessas citadas, nos últimos


anos, outro fenômeno vem sendo percebido nas turmas de EJA:
a presença de jovens trabalhadores que não conseguem termi-
nar seus estudos, apresentando dificuldade para se moldar aos
atuais sistemas de ensino.
Além do trabalho de conhecimento dos sujeitos, é impor-
tante realizar a pesquisa da realidade em que esses sujeitos
estão inseridos, o que pode ocorrer por meio de projetos, de en-
trevistas na comunidade e/ou de visitas no local. Busca-se, com
essa pesquisa, definir o tema gerador que orientará a rede te-
mática e, portanto, os conteúdos a serem trabalhados nas áreas
do conhecimento. A ideia é desenvolver temas do cotidiano, que
venham ao encontro dos interesses dos educandos, buscando,
assim, solucionar problemas enfrentados no seu dia a dia.
É importante registrar que muitos dos temas geradores
partem de questões e/ou problemas da área do meio ambiente
e da saúde, portanto, conteúdos que compõem a área do ensino
de ciências naturais e suas tecnologias.

Relato da experiência vivenciada no


curso de formação
De acordo com Gadotti (2005, p. 2), “práxis”, em grego, sig-
nifica ação, literalmente. Na nossa visão, a ação transformado-
ra considera o ser humano como um ser incompleto, inconcluso
e inacabado, por isso, criador e sujeito da história, que se modi-
fica na medida em que transforma o mundo. Para Freire (1999,
p. 25), “[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas sim,
criar possibilidades para a sua produção ou sua construção”.
Já, segundo Konder (1992), a práxis é a atividade concreta,
pela qual o sujeito se afirma no mundo, modificando a realidade
objetiva e sendo modificado por ela, não de modo espontâneo,

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Elisabeth Maria Foschiera

mecânico e repetitivo, mas reflexivo, pelo autoquestionamento,


remetendo à teoria e à prática.
Nesse sentido, foi organizada uma oficina com um grupo
de educadores da Seja, da rede municipal de ensino de Marau,
e do Neeja, de Palmeira das Missões, envolvendo um conjunto
de atividades teóricas e práticas, respeitando o procedimento
metodológico previsto na legislação para a EJA, mas adaptado
ao grupo participante.
Segundo Tardif (2002, p. 106):
Os saberes dos professores não somente são adquiridos no e com o
tempo, mas são também temporais, pois são abertos, porosos, per-
meáveis e incorporam, ao longo do processo de socialização e da car-
reira, experiências novas, conhecimentos adquiridos durante esse
processo e um saber-fazer remodelado em função das mudanças de
prática e de situações de trabalho. Compreender os saberes dos pro-
fessores é compreender, portanto, sua evolução e suas transforma-
ções e sedimentações sucessivas ao longo da história de vida e da
carreira, história e carreira essas que remetem a várias camadas de
socialização e de recomeços.

Sendo assim, inicialmente, foi sugerida uma dinâmica que


possibilitasse conhecer os sujeitos envolvidos, respeitado o pro-
cesso construído nos encontros anteriores. Foi, então, apresen-
tada ao grupo a seguinte estrutura: “Eu sou..., e a lembrança
que tenho do encontro anterior é...”. Dessa forma, todos se ma-
nifestaram e ressaltaram as suas lembranças. Foram citadas:
as guias de convivência; a dinâmica do aquário; as potenciali-
dades da EJA de Marau; os sinais; a canção Depende de nós;
entre outras memórias.
Na sequência, foi apresentada a bibliografia que funda-
menta a EJA. Os livros foram disponibilizados ao grupo em for-
ma de mandala, reafirmando que a forma como se organiza um
ambiente e a maneira como se coloca à disposição os materiais
produzem ensinamentos e remetem à compreensão das bases
metodológicas nas quais o trabalho está estruturado.

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Ciências da natureza e suas tecnologias: algumas contribuições...

Figura 1 – Socialização da bibliografia

Fonte: foto do encontro no Auditório da SME de Marau.

Em seguida, foi apresentado um vídeo, intitulado La con-


sormmattion, que serviu de ponto de partida para a reflexão dos
temas escolhidos para o diálogo no encontro. Após a exibição do
vídeo, cada participante registrou, numa folha, oito palavras,
as quais deveriam expressar os sentimentos e as percepções de-
correntes do conteúdo apresentado. Esse material foi retomado
no final das atividades. Dando continuidade, no chão da sala de
aula, foram expostos alguns objetos, formando seis agrupamen-
tos temáticos: saúde (um saquinho de chá e uma caixa de fluo-
xetina); sexualidade (um preservativo masculino); resíduos
(uma sacola plástica e uma sacola retornável); alimentação
(uma embalagem de salgadinho Doritos e uma garrafa plástica
pequena de Coca-Cola); agroecologia (um vidro com sementes
crioulas e um saquinho com sementes de soja); violência (uma
faca). Então, organizando os participantes em seis grupos, foi
solicitado que um representante de cada grupo escolhesse uma
das temáticas e os respectivos objetos. Assim, cada grupo con-
versou sobre a representação social e individual dos objetos,
ressaltando o conhecimento construído ao longo de suas traje-

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Elisabeth Maria Foschiera

tórias de vida. Após a socialização das informações, foi realiza-


da a sistematização da discussão, que foi registrada em papel
pardo, para socialização posterior na plenária.
Como resultados da plenária destacam-se os seguintes re-
latos:
a) Faca: lembra geralmente morte e violência. Porém,
“nós buscamos lembrar os aspectos bons, como: alimen-
to, família, churrasco, cozinha, carne, corte de repolho,
ajuste de parafusos. Preferimos não falar sobre a vio-
lência e o uso inadequado dela, ou seja, o lado feio”. Ao
ser questionado do porquê de usar a faca como objeto,
a mediadora explicou que a escolha se deu pelo desejo
de introduzir no debate o tema trabalho, um dos ei-
xos condutores da EJA, e porque, em Marau, há muitos
empregos na área de corte de frangos. Houve, ainda,
relatos de violência nas escolas e a dificuldade de supe-
rar essa realidade.
b) Preservativo: o grupo iniciou a apresentação dizendo
que foi o objeto que sobrou. “Para nós, o objeto lembra
prevenção, saúde, controle social, prazer, submissão
da mulher, cultura machista, homem que não se cui-
da e não cuida do outro, vida, amor, orientação sexual,
consciência que se tem sobre o tema”. A mediadora
retomou a questão da sexualidade como tabu nas es-
colas, reforçando que o tema deve ser trabalhado com
cuidado, bem como sobre a importância de abordar o
tema com os alunos de EJA ou de outras modalidades,
em especial nas famílias em que não há alguém que
possa esclarecer essas questões para crianças, jovens
e adolescentes. A mediadora também informou que a
camisinha masculina é o único método criado para os
homens, que é de fácil acesso, baixo custo e, portanto,
deveria ser incentivado.

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Ciências da natureza e suas tecnologias: algumas contribuições...

c) Sementes: o grupo registrou que as sementes lem-


bram “vida, plantação, Deus, diversidade de cores,
tamanhos”. O desenho realizado pelo grupo no papel
pardo representa a possibilidade de preservar, renovar,
ou então de danificar a natureza, por meio dos impac-
tos ambientais, da poluição e do uso de agrotóxicos. A
mediadora comentou sobre a biotecnologia e a depen-
dência dos agricultores em relação às empresas, bem
como sobre os problemas de saúde que essas sementes
produzem, em decorrência do seu uso na alimentação
ou na produção de rações.
d) Saquinho de chá e embalagem de fluoxetina:
o grupo apresentou que os objetos lembram: “ter co-
nhecimento sobre e verificar a necessidade do seu uso,
importância da prevenção, uso abusivo de medicação
para depressão, remédio para dormir, cuidados com a
automedicação, movimento financeiro com a indústria
farmacológica e estímulo ao aluno quanto à importân-
cia do acesso à informação”. A mediadora trouxe dados
sobre o número de pessoas com depressão, em especial
no magistério, e a importância de buscar alternativas
para solução do problema, evitando o uso de medica-
mentos. Reforçou, ainda, que todos os remédios são ori-
ginários das plantas ou dos animais, e que, portanto,
devemos preservar, conservar e recuperar a biodiversi-
dade local e regional.
e) Sacolas de plástico e algodão: “a sacola de plástico é
biodegradável, subproduto do petróleo, e descartável. A
segunda sacola é mais resistente, suporta 28 kg, pode
ter outras utilidades, consumo responsável, preserva-
ção ambiental, cuidado global, e redução de resíduos”.
A mediadora reforçou a importância de cada um mudar
seus hábitos em relação ao uso de sacolas, copos, entre

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Elisabeth Maria Foschiera

outros utensílios descartáveis, e retomar o uso de uten-


sílios reutilizáveis, que não promovam a superlotação
em aterros sanitários. Discutiu sobre o destino ade-
quado dos resíduos para grupos de catadores e sobre
a organização de composteiras nas escolas e nas casas
que tenham espaço para isso, além de comentar sobre a
política nacional de resíduos sólidos e logística reversa.
f) Embalagem de salgadinho e de Coca-Cola: o gru-
po comentou sobre “atenção às letras e ao aspecto vi-
sual das embalagens, às cores e ao aspecto nutricional,
ao sabor, tanto do salgadinho quanto da Coca-Cola;
incentivo à leitura observando os benefícios e os pre-
juízos; e chamada para a responsabilidade dos hábitos
alimentares”. A mediadora fez considerações sobre o
consumo responsável e sobre a segurança alimentar e
nutricional, lembrando que o uso de alimentos in natu-
ra, da época e da região, ao invés da escolha por produ-
tos alimentares processados e cheios de conservantes,
promove a saúde e o bem-estar do consumidor, gerando
distribuição de trabalho e renda para agricultores da
região e promovendo o desenvolvimento local e regio-
nal, ao invés do envio de recursos para empresas mul-
tinacionais.
Encerradas as apresentações, ocorreu o intervalo, com
alimentos produzidos pelas merendeiras do Seja, considerado
também um momento de aprendizagem, uma vez que trata-
-se da alimentação e do que escolhemos para compartilhar com
os colegas. Nesse sentido, foram feitos os seguintes questiona-
mentos: esse alimento vem ao encontro do que ensinamos nas
salas de aula? Gera trabalho e renda para a comunidade local?
Garante segurança alimentar e nutricional para todos nós?
Segundo a Secretaria de Educação do estado do Rio Gran-
de do Sul (2000, não paginado):

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Ciências da natureza e suas tecnologias: algumas contribuições...

A merenda escolar é um bem-estar proporcionado ao aluno, durante


sua permanência na escola, devendo ser utilizado, como instrumen-
to de educação alimentar, de socialização, de hábitos e atitudes sau-
dáveis, de complemento nutricional e de formação de um cidadão crí-
tico e saudável. É dever do Estado e da Escola viabilizar este direito.

Dando continuidade ao trabalho, foi realizada a sistemati-


zação da plenária, retomando a proposta metodológica na EJA
e ressaltando o uso de temas geradores numa perspectiva in-
terdisciplinar, respeitando o conhecimento do educando e a sua
trajetória de vida.

Figura 2 – Plenária 1

Fonte: foto do encontro no Auditório da SME de Marau.

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Elisabeth Maria Foschiera

Figura 3 – Plenária 2

Fonte: foto do encontro no Auditório da SME de Marau.

Esse conhecimento requer a mediação do professor e de


referenciais teóricos que contribuam para a superação das difi-
culdades vivenciadas. Para tanto, foi entregue aos participan-
tes um pacote com a bibliografia correspondente aos objetos/
temas trabalhados, de forma que o grupo, por intermédio da
leitura, pudesse encontrar embasamento teórico para funda-
mentar, qualificar e/ou rever as discussões feitas e apresen-
tadas na plenária. Após a revisão, a literatura foi socializada,
novamente, na plenária.
Finalizada essa atividade, foram retomadas as oito pala-
vras registradas no início dos trabalhos, após a visualização do
vídeo, que apresentam uma visão geral sobre o modelo de socie-
dade contemporânea, com caráter produtivo, consumista e sem
o respeito à saúde e ao meio ambiente. Surgiram comentários
sobre a crueldade com os animais na produção em cativeiro,
cujo objetivo é meramente o lucro. Foram citadas observações
sobre a relação entre alimentação, saúde e consumo, bem como
sobre o aumento da obesidade e de doenças em crianças, como
diabetes, colesterol, triglicerídeos, pressão alta, entre outras
enfermidades.

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Ciências da natureza e suas tecnologias: algumas contribuições...

Por fim, foi realizada uma dinâmica na qual uma mochila


passava de mão e em mão e cada um deveria compartilhar uma
das palavras registradas, para a avaliação e a sistematização
do encontro, bem como para internalizá-la. A grande maioria
dos presentes escolheu palavras positivas e otimistas, o que
ressalta a importância desses momentos de formação continua­
da em serviço.

Algumas considerações finais


O conhecimento tem significados que vão além daqueles
que as teorias tradicionais engessaram. É importante conside-
rar as experiências de vida, de trabalho, de existência dos su-
jeitos envolvidos na EJA. Admite-se que a fronteira do conhe-
cimento elaborado (escolar) e do conhecimento cotidiano (reali-
dade) tem diminuído. Nesse sentido, os currículos apresentam
nova significação e defendem metodologias próprias, o que
exige flexibilização na organização curricular (FOSCHIERA,
2007, p. 178).
Freire (1983) afirma que ensinar não é mera transmissão
de conhecimentos, mas, sim, conscientização e testemunho de
vida. Ensinar é como viver e, nesse sentido, é algo dinâmico
e profundo, que exige a consciência de que somos inacabados.
Nessa concepção, rompe-se com a reprodução do conhecimento
e se evidencia o processo de mudança e de transformação social.
O trabalho na EJA deve ser inclusivo, socialmente construído,
com um currículo interdisciplinar compartilhado e com base na
interação entre os seres humanos e o meio no qual estão in-
seridos. Por fim, entende-se que o conhecimento, na EJA, na
área das ciências da natureza, deve ter significado, promover
a transformação social e possibilitar vida de qualidade para as
populações envolvidas.

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Elisabeth Maria Foschiera

Referências
ARROYO, Miguel Gonzalez. Educação básica de jovens e adultos, escola
plural. Belo Horizonte: Secretaria Municipal de Educação de Belo Hori-
zonte, 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais.
Brasília, DF: MEC, 1997. v. 8.
FOSCHIERA, E. M. As contribuições da educação ambiental na educação
de jovens e adultos. In: SARTORI, Jerônimo; WESCHENFELDER, Lorita
Maria (Org.). Práticas pedagógicas: vivências e reflexões. Passo Fundo:
UPF Editora, 2007.
FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1983.
______. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
______. Pedagogia do oprimido. 36. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
GADOTTI, M. Pedagogia da práxis. In: FERRARO JR., L. A. (Org.). En-
contros e caminhos: formação de educadoras(es) ambientais e coletivos
educadores. Brasília: MMA; Diretoria de Educação ambiental, 2005. v. 1.
p. 236-245.
HURTADO, Carlos, Nunes. Educar para transformar, transformar para
educar: comunicação e educação popular. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992.
KONDER, Leandro. O futuro da filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1992.
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação. Merenda Escolar. Porto
Alegre: Secretaria de Educação, 2000.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis:
Vozes, 2002.
TOZONI-REIS, M. F. de C. Temas ambientais como “temas gerado-
res”: contribuições para uma metodologia educativa ambiental crítica,
transformadora e emancipatória. Educar em Revista, Curitiba, n. 27,
p. 93-110, 2006. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publica-
tion/250050825_Temas_ambientais_como_temas_geradores_contribui-
coes_para_uma_metodologia_educativa_ambiental_critica_transforma-
dora_e_emancipatoria>. Acesso em: 11 set. 2017.

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EXPERIÊNCIAS
VIVENCIADAS
Anarete Bolis

Alfabetização na
educação de
jovens e adultos
Anarete Bolis

Introdução

A
prática pedagógica oferece inúmeras experiências.
Uma das experiências mais significativas é o trabalho
na educação de jovens e adultos (EJA). Trabalhar com
os adultos, principalmente, na alfabetização é muito gratifican-
te, pois cada descoberta, cada palavra escrita ou lida tem um
sentido, um significado. É importante destacar que os sujeitos
da EJA, em especial, do Serviço de Educação de Jovens e Adul-
tos (Seja), apresentam vivências e experiências diferenciadas,
que se caracterizam como conhecimentos construídos ao longo
de suas vidas.
Os ambientes da escola e da sala de aula necessitam ter
como foco o respeito e a valorização de todas as formas de ex-
pressão dos alunos. Todas as atividades realizadas com os alu-
nos devem favorecer a aprendizagem e a reflexão, para que o
conhecimento seja construído e as relações sejam promotoras
do saber. Destaco, como primordial no meu trabalho, a valori-
zação dos sujeitos bem como de seus saberes adquiridos com as
experiências realizadas.

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Alfabetização na educação de jovens e adultos

Relação entre professor-aluno-conteúdo


na EJA
O trabalho com os alunos da EJA provoca para pensar e re-
fletir inúmeras situações do fazer pedagógico, por isso, torna-se
imprescindível repensar as relações dentro da sala de aula, que
influenciam diretamente o trabalho pedagógico. As realidades
presentes nesse contexto também são diversas, e, como afir-
mam Velho e Kuschnir (2003), a interação entre os indivíduos
é marcada pelas individualidades e especificidades, proporcio-
nando trocas, ou seja, o espaço da sala de aula é concebido pelas
interações entre os alunos, entre professor e aluno e entre esses
e os conteúdos a serem desenvolvidos.
Na alfabetização de adultos, o trabalho em conjunto e a
troca de saberes são importantes para tornar o processo de en-
sinar e de aprender mais fácil, atrativo e prazeroso. E, assim,
todos se tornam aprendizes, pois “ninguém educa ninguém,
ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si,
midiatizados pelo mundo” (FREIRE, 1997, p. 79). O processo
de ensinar e aprender na EJA tem como base os conhecimentos
prévios dos alunos, que são riquíssimos, por isso o professor
necessita ser alguém que saiba valorizar e trabalhar a partir
do que os estudantes já conhecem. O trabalho na EJA deve ser
desenvolvido por meio da interdisciplinaridade, facilitando a
aprendizagem.
Conforme Morin (2003, p. 57): “[...] o ser humano é um ser
ao mesmo tempo singular e múltiplo. Dissemos que todo ser
humano, tal como o ponto de um holograma, traz em si o cos-
mo”. Cada aluno tem suas peculiaridades, tem conhecimentos
diversos. Ser professor nesse contexto requer que o trabalho
seja realizado com amor e que se acredite no potencial dos alu-
nos. A tarefa do professor é contribuir para formar cidadãos
críticos, atuantes e participativos na sociedade. E isso somente

| 66 |
Anarete Bolis

será possível por intermédio de um trabalho reflexivo e coleti-


vo, no qual os sujeitos se sintam responsáveis pelo processo de
ensino e aprendizagem.
Como professora, eu acredito nos meus alunos, no poten-
cial deles, na capacidade de aprender, criar soluções, enfrentar
desafios, descobrir, propor, escolher e assumir responsabilida-
des. Mas esse processo vai além dos trabalhos pré-formulados
para colorir ou repetir palavras, com textos para serem copia-
dos, com histórias que alienam e, principalmente, com méto-
dos que não consideram o tempo nem o processo de quem está
aprendendo (FUCK, 1994, p. 14-15).
A prática da EJA necessita superar a reprodução, ir além
do que se ensina no ensino regular, ou seja, conceber o aluno
como protagonista de sua história e como sujeito capaz de esta-
belecer relações para modificar o seu contexto. O trabalho é de-
safiante, mas também recompensador, porque é possível com-
preender os alunos e auxiliá-los na construção da cidadania,
superando a contradição opressor/oprimido (FREIRE, 1987).

Relatos de experiência
Diante do exposto pela teoria, procurei realizar breves re-
latos de atividades realizadas com alunos do Seja, objetivando
a leitura da palavra e do mundo. A necessidade de ler e escre-
ver precisa ser ressignificada pela escola. Como afirma Freire
(2006, p. 11), a “leitura do mundo precede a leitura das pala-
vras”.
Os indivíduos que buscam a escolarização são sujeitos que
se conscientizaram dessa necessidade para fins de trabalho ou
para buscar habilitação (carteira de motorista), além do caso de
mães que, na sua maioria, têm a necessidade de auxiliar o filho
na vida escolar. A busca pela apropriação do código escrito traz
consigo conhecimentos construídos de algumas práticas sociais

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Alfabetização na educação de jovens e adultos

de uso da leitura e da escrita, pois, em seu cotidiano, os sujeitos


fazem compras, usam celulares, pegam ônibus, dirigem, mes-
mo sem habilitação, trabalham em construção civil, pintura,
estradas, plantação, entre outras ocupações; enfim, cada um
tem conhecimentos ligados à sua área específica de trabalho.
Conforme Freire (2003, p. 33): “Ensinar exige respeito
aos saberes dos educandos”, pois existem saberes diferentes e
aprende-se com as trocas com os demais sujeitos. Diante disso,
é necessário ter a consciência de que alfabetizar é uma tarefa
extremamente complexa, pois não é apenas centrar-se no pro-
cesso da aquisição do código escrito, implica, também, propiciar
uma prática educativa que contemple as diferentes áreas do
conhecimento.

Atividade 1

A primeira atividade com a turma de alfabetização em


EJA foi a realização de trabalhos relativos aos nomes de cada
um. Esse trabalho envolveu leitura e escrita dos próprios no-
mes e dos colegas, procurando identificar vogais e consoantes.
Também foram trabalhados o sentido e o significado dos nomes
e a reflexão em torno da sua importância para a identificação
das pessoas. Posteriormente, realizou-se um desenho, em que
cada aluno usava a sua criatividade para representar seu nome
por meio da expressão artística.
O trabalho interdisciplinar acontece para concretizar a
aprendizagem dos educandos, fazendo-os perceber as relações
entre o nome, neste caso, e as leituras que ocorrem em torno
dele. Os relatos diários dos educandos reforçam a necessidade
de saber ler e escrever no seu dia a dia. Os alunos envolvem-
-se nas atividades propostas em aula, mostrando seu ritmo de
aprendizagem, cada um dentro de sua realidade, e começam a
formar palavras, escrevem seu próprio nome, logo constroem
frases, dominando o processo de leitura e escrita.

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Anarete Bolis

Atividade 2

O trabalho por meio de projetos contribui significativa-


mente para que a leitura tanto da palavra quanto do mundo
aconteça. Por isso, tenho como base da minha prática pedagó-
gica fazer sempre o melhor, pois, como educadora, tenho o com-
promisso de auxiliar os alunos a tornarem-se cidadãos críticos e
conscientes, encorajando-os a arriscarem-se sem medo de errar.
Como destaca Freire (1982, p. 09), “estudar não é um ato de
consumir ideias, mas de criá-las e recriá-las”.
Em determinado momento de nossas aulas, abordamos o
tema gerador cidadão consciente. Por meio da pintura do Mapa
Mundi, localizamos o Brasil: falou-se sobre a questão política
econômica do nosso país e dos demais países do mundo, o trata-
mento que é dado a pessoas que entram e saem do país, idiomas
que as pessoas falam, costumes, entre outros assuntos. Cabe
destacar que o Seja recebe alunos oriundos do Haiti e do Sene-
gal que chegam em Marau em busca de melhores condições de
vida.
O registro do trabalho aconteceu por meio de acrósticos
realizados a partir da palavra “cidadania”, e os alunos criaram
pequenas frases a partir da reflexão sobre: ser cidadão hoje.
O caminho que se deseja percorrer é o resgate da cidadania
daqueles que, por diversas razões, não tiveram acesso à escola
na idade e no ano adequados. Além de informações e reflexões
sobre o tema, deseja-se incentivar todos os envolvidos a traba-
lhar pela melhoria e pela ressignificação de sua aprendizagem.
Por intermédio da interação e da troca de saberes, os alunos
tornam-se sujeitos com autonomia, ressignificando sua própria
história, sendo sujeitos ativos no processo de ensino e aprendi-
zagem. Portanto, a escola é um espaço para que todas as cultu-
ras e classes sociais se expressem e colaborem para a efetivação
da inclusão social.

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Alfabetização na educação de jovens e adultos

A formação continuada dos sujeitos da EJA é condição para


compreender a reflexão e a ação dos homens sobre o mundo
para transformá-lo. Essa ação se faz necessária nos processos
que realmente levarão à construção da cidadania em dimensão
plena, superando a contradição do opressor-oprimido (FREIRE,
1987).

Atividade 3

A alfabetização é a aquisição de habilidades estáveis e sus-


tentáveis que permitem que as pessoas participem ativamente,
no decorrer de toda a vida, de novas e variadas oportunidades
de aprendizagem. A alfabetização pode significar a aquisição de
poder pelos indivíduos e por suas comunidades, promovendo o
seu desenvolvimento pessoal e a melhoria da qualidade de vida
dessas populações.
O propósito dessas atividades é contribuir com a redução
do analfabetismo, garantindo a continuidade de estudos dos
participantes das turmas de alfabetização do Seja. É preciso
garantir os direitos de todos de ler e escrever, de questionar e
de analisar, de ter acesso a recursos, de desenvolver e praticar
habilidades e competências individuais e coletivas, propician-
do, assim, uma formação ampla, múltipla e integral.
Assim, de tempos em tempos, realizo com os educandos
uma autoavaliação com o intuito de fazer pensar sobre as aulas,
o processo de aprendizagem e o que cada um consegue avançar
no processo de leitura e escrita, ou seja, de alfabetização. No
início do semestre, a atividade é realizada de forma oral, con-
forme os alunos se apropriam da escrita, passa-se a fazer o re-
gistro por meio de frases e textos.
Nesse sentido, cabe ao educador ser um inventor de meios
e caminhos para facilitar e/ou problematizar o objeto a ser des-
velado ou aprendido pelos educandos. A tarefa do educar não é

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Anarete Bolis

servir-se desses meios para desnudar o objeto e depois entre-


gá-lo, paternalistamente, aos 10.596 educandos, negando-lhes
o esforço da busca, indispensável ao ato de conhecer (FREIRE,
1980).

Considerações
A educação para a vida tem que ser o grande objetivo da
escolarização, tendo o currículo como uma ponte para acessar
essa complexidade, para que esses indivíduos possam se colo-
car como sujeitos críticos, reflexivos, transformadores do tempo
em que vivem. E isso perpassa, naturalmente, por uma relação
de compromisso entre professor e alunos. É um compromisso
social.
A educação, por natureza, é pura responsabilidade social.
É uma responsabilidade socioeconômica, cultural, ambiental,
portanto, educar, hoje, significa educar para a vida no mundo.
Isso exige professores comprometidos com a educação. Então,
ensinar ganha um panorama mais amplo e está inscrito em um
cenário mais completo do que o de décadas atrás. E quem ensi-
na assume uma relação de alteridade como projeto de vida. É
ensinar para a vida.

Referências
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 23. ed. Rio de Ja-
neiro: Paz e Terra, 1997.
______. Conscientização: teoria e prática da libertação: São Paulo: Moraes,
1980.
______. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1982.
______. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

| 71 |
Alfabetização na educação de jovens e adultos

______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.


São Paulo: Paz e Terra, 2003.
______. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 48.
ed. São Paulo: Cortez, 2006.
FUCK, I. T. Alfabetização de adultos. Relato de uma experiência constru-
tivista. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1994.
MORIN, E. Os sete saberes necessários a educação do futuro. 8. ed. São
Paulo: Cortez, Brasília, DF: Unesco, 2003.
VELHO, Gilberto; KUSCHNIR, Karina (Org.). Pesquisas urbanas: desa-
fios do trabalho antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

| 72 |
Carla Cristine Tramontina

Aprender a aprender
na educação de jovens
e adultos e sua
interação com a vida
Carla Cristine Tramontina

“A aprendizagem é a nossa própria vida, desde a juven-


tude até a velhice, de fato quase até a morte; ninguém
passa dez horas sem nada aprender” (PARCELSO, 1951
apud MÉSZÁROS, 2008, p. 47).

Introdução

P
ensar a escola como instituição social é um grande desa-
fio, pois necessita construir a cidadania e preparar o su-
jeito para a vida, para que possa intervir nesse contexto.
A educação de jovens e adultos (EJA) tem muito a fazer para
auxiliar no processo de aprender a aprender, em que muitos
jovens e adultos se inserem com o intuito de buscar mais ou de
“ser alguém na vida”. Em relação a essa realidade, em Marau,
RS, tem-se a escola de Serviço de Educação de Jovens e Adultos
(Seja) para atender as necessidades da comunidade na forma-
ção de pessoas que precisam se inserir no mercado de trabalho
ou que têm que acelerar os estudos em função da distorção ano/
idade.
Diante do exposto, faz-se necessário pensar uma escola de
EJA diferenciada e com qualidade, possibilitando que os sujei-

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Aprender a aprender na educação de jovens e adultos e sua interação com a vida

tos tenham direito à educação e consigam exercer sua cidada-


nia. A formação oferecida pela Administração Municipal Josué
Francisco da Silva Longo e Odolir Bordin, Gestão 2013-2016,
foi de grande valia para redimensionar o papel do Seja e de
seus sujeitos. Dessa formação, surge a ideia de produção de ar-
tigos refletindo sobre a prática pedagógica dentro da escola.
Assim, pensando sobre a escola e suas relações, tem-se
o desafio de tornar a aprendizagem significativa, valorizando
os conhecimentos prévios dos educandos, tornando-os conhe-
cimentos científicos, ou seja, oferecendo sentido e significado
para o que está sendo aprendido. Para tal, torna-se imprescin-
dível oportunizar a participação dos sujeitos em todos os aspec-
tos da escola, a fim de que possam se comprometer com as suas
ações de forma reflexiva e crítica, para, quem sabe, modificar
o contexto em que se inserem. Aos educadores fica o desafio de
planejar de forma participativa.
Nesse sentido, a proposta do presente artigo é que os sujei-
tos do Seja necessitam rever e repensar algumas práticas para
tornar a aprendizagem significativa, planejar com a participa-
ção de todos e adotar como alternativa para esse processo a
pedagogia de projetos. Assumir a pedagogia por projetos é estar
atento à realidade dos educandos, pois o trabalho terá como
base os temas que emergem de necessidades e/ou desejos dos
alunos. Assim, todos serão corresponsáveis pela formação, des-
pertando nos sujeitos o sentimento de pertencimento da escola,
de cooperação e de participação.
A EJA necessita ser concebida como um espaço de constru-
ção de uma prática comprometida com a autonomia, com a par-
ticipação coletiva, com a singularidade. É o espaço de formação
e de vivência democrática.

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Carla Cristine Tramontina

Aprendizagem significativa no Seja


A experiência com o Seja revela, cada vez mais, que a
aprendizagem deve ser significativa, ou seja, que deve partir da
experiência do educando e da aprendizagem por descobrimen-
to. Nesse sentido, o elemento central do processo de ensinar
e de aprender será a construção de significados, pois o aluno
aprende qualquer conteúdo quando percebe nele sentido ou é
capaz de atribuir significado àquilo que está sendo estudado ou
refletido, segundo Coll (1994). Ainda conforme Coll, o processo
de ensino-aprendizagem necessita propor que as aprendiza-
gens sejam, conforme o nível de escolaridade, o mais significa-
tivas possível. “Construímos significados cada vez que somos
capazes de estabelecer relações significativas e não arbitrárias
entre o que aprendemos e o que já conhecemos” (COLL, 1994,
p. 149).
Assim, ser professor no Seja é um desafio, porque se de-
vem considerar a bagagem cultural e os conhecimentos prévios
dos educandos para tornar os conteúdos significativos e para
relacioná-los com a vida. Sabe-se que ninguém chega à escola
vazio, todos carregam consigo uma gama de saberes, conheci-
mentos e histórias de vida, cabe, então, ao professor confrontar
essa bagagem com os conhecimentos científicos. Além disso, o
professor necessita ter habilidade para despertar e incremen-
tar a motivação do aluno, a fim de que ele possa aprender, fazer
relações e tornar o saber significativo.
Para Souza (1997, p. 1), o ser humano “realiza aprendiza-
gens de naturezas diversas durante toda a sua vida. O que o ser
humano aprende está, previamente, ligado à sua sobrevivência
e à espécie”, o que inclui tanto o desenvolvimento psicológico
como as conquistas culturais. Assim, as significações que cons-
trói não dependem somente dos conhecimentos prévios, mas
também ao que o sujeito atribuiu a este e à própria atividade de

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Aprender a aprender na educação de jovens e adultos e sua interação com a vida

aprendizagem. Na verdade, os conteúdos escolares são formas


culturais que tanto o professor quanto o aluno já encontraram
elaboradas e definidas anteriormente ao processo de ensinar
e de aprender. É essa marca cultural que indica a direção que
o ensino deve seguir, de forma progressiva, a fim de construir
significados.
Ainda conforme Souza (1997, p. 3), a EJA possibilita com-
preender que o sujeito possui uma bagagem histórica e que o
processo de escolarização transforma as experiências concomi-
tantemente vividas na sociedade, no local de trabalho, na famí-
lia. Nesse sentido, se estabelece uma relação dialética entre a
vida na escola e fora dela, porém elas diferem entre si. E é esta
diferença que torna a aprendizagem significativa, colocando
algumas exigências para que a construção do saber se efetive.
A jovialização do público do Seja desafia os educadores des-
de as metodologias até as intervenções pedagógicas, obrigando-
-os a refletir sobre qual caminho seguir, como agir, como atuar
e, principalmente, como fazer acontecer o processo de ensinar
e de aprender sob o enfoque do jovem e do adulto na escola. A
construção de um processo reflexivo precisa se efetivar junto
com os sujeitos envolvidos, a fim de buscar a qualificação da
prática pedagógica no Seja. É um trabalho que procura atingir
os sujeitos ao longo de sua vida e não apenas no período em que
estão na escola.
Pensar o ensino do EJA remete ao relatório da Organiza-
ção das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO) (DELORS, 1999, p. 90-101), que afirma que a edu-
cação deve transmitir, de forma maciça e eficaz, mais conheci-
mentos e saber-fazer evolutivos, adaptados à civilização cogni-
tiva e que possibilitem às pessoas orientar-se para projetos de
desenvolvimento coletivos e individuais. A Unesco defende a
educação como um processo que perdure por toda a vida, basea­
do em quatro pilares:

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Carla Cristine Tramontina

a) aprender a conhecer: combinando uma cultura geral,


vasta, significando aprender para beneficiar-se das
oportunidades oferecidas pela educação ao longo de toda
a vida, compreender e analisar o mundo e tudo o que ele
nos oferece para nos aperfeiçoar;
b) aprender a fazer: a fim de adquirir não somente uma
qualificação profissional, mas, de uma maneira mais
ampla, competência, aspectos que tornam a pessoa apta
a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equi-
pe. O aprender a fazer deve estar associado ao aprender
a conhecer, unindo qualificação e competência;
c) aprender a viver juntos: compreender que não somos
ninguém sozinhos, devemos agir valorizando o que é co-
mum e ajudando a todos; respeitar as diferentes ideias,
desenvolver a compreensão de si e do outro, em um
clima de solidariedade, compreensão e diálogo; tomar
consciência das semelhanças e da interdependência en-
tre todos os seres do planeta;
d) aprender a ser: contribui para o desenvolvimento in-
tegral do indivíduo, possibilitando-lhe autonomia, res-
ponsabilidade, discernimento, sem negligenciar, na
educação, nenhuma das potencialidades de cada indiví-
duo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades
físicas, aptidão para comunicar, levando-o à maturação
contínua da personalidade.
e) a educação está em toda parte, em casa, na rua, na escola,
envolvendo várias partes da vida, para aprender ou para
ensinar. Ela existe na família e na comunidade, em todos
os meios sociais, envolvendo saberes, ideias, trabalho e
vida; inicialmente é assistemática, mas, depois, torna-se
sistemática. A função de educar é particularmente rele-
vante e exige um esforço constante de atenção e de re-
novação de si mesmo. Para que a aprendizagem ocorra
ao longo da vida, é preciso que ela seja significativa. A
educação é um ato. Educar é conscientizar.

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Aprender a aprender na educação de jovens e adultos e sua interação com a vida

Para se efetivar um trabalho de melhoria e qualificação


do ensino para jovens e adultos no Seja, é imprescindível o en-
volvimento entre educador e educando, a partir de um diálogo
democrático, para traçar caminhos e alternativas, bem como
uma gestão democrática atuante e que tenha como princípio a
participação.

A participação no Seja
Entender o conceito de participação e as suas implicações
dentro da escola é de suma importância, pois é o que oferece
sentido ao trabalho pedagógico e possibilita a sua concretiza-
ção, porque exige comprometimento.
Conforme Benincá (1995, p. 14), segundo a etimologia da
palavra, participação significa “ter parte na ação”, o que torna
necessário ter acesso ao agir e também “às decisões que orien-
tam o agir. Para ter parte na ação é necessário ter acesso ao
agir e às decisões desse agir”. O autor reflete que “executar
uma ação não significa ter parte, ou seja, responsabilidade so-
bre a ação. E somente será sujeito da ação quem puder decidir
sobre ela”. Esse processo acontecerá se for conduzido de forma
consciente e refletida, envolvendo o grupo em todas as decisões
da escola.
A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
Lei nº 9.394/1996, em seu artigo 12, afirma e aponta a impor-
tância da participação quando provoca os estabelecimentos de
ensino para elaborarem sua proposta pedagógica. Além disso,
a mesma lei indica a articulação dessa tarefa sob uma visão
democrática, em seu artigo 14, que afirma que “[...] os sistemas
de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino
público na educação básica, de acordo com as suas peculiarida-
des” (BRASIL, 1996).

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Carla Cristine Tramontina

Percebe-se que, apesar de os artigos serem genéricos, eles


apontam para a efetivação de um planejamento participativo
para compreender o tempo dedicado ao estudo e à organização
do trabalho pedagógico como parte da tarefa dos profissionais
de educação. Conforme Libâneo (2001), a participação é fun-
damental, pois garante a gestão democrática dentro da escola,
possibilitando que todos os envolvidos no processo escolar este-
jam presentes em decisões, construções, implementação, acom-
panhamento e avaliação das propostas.
Quando a escola possibilita a participação de todos, os su-
jeitos se comprometem com as ações de forma reflexiva, segura,
pensada e crítica, porque têm consciência de que estão envol-
vidos no processo. De acordo com Lück et al. (1998), a partici-
pação apresenta como característica a força da atuação cons-
ciente, que possibilita o reconhecimento para assumir o poder e
exercê-lo de forma dinâmica, procurando compreender, decidir
e agir em conjunto.
Benincá (1995) destaca que o planejamento e as ações da
escola devem ser efetivamente participativos, com harmonia
entre pensamento e ação, somente assim as ações serão pla-
nejadas, refletidas e, principalmente, coerentes com as ações a
serem executadas. Para isso, é necessário estudo, porque teoria
e prática devem andar juntas para orientar o processo pedagó-
gico. A ideia é de que o sujeito do EJA possa “viver uma parti-
cipação responsável, que o faça crescer como pessoa, precisa
ter poder; dito de outra forma precisa ter autoridade sobre os
recursos”, como salienta Gandin (1994, p. 58).
Nesse sentido, não haverá dominação de uns sobre os ou-
tros, porque o que irá prevalecer é a democratização do poder.
Tomar decisões de forma participativa deve ser uma ação por ex-
celência, objetivando rever aspectos da cultura escolar presentes
em práticas autoritárias e centralizadoras. Esse é um processo
a ser construído dentro da escola e que necessita de tempo para

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Aprender a aprender na educação de jovens e adultos e sua interação com a vida

ser concretizado, pois as decisões tomadas serão democráticas,


articuladas, discutidas e educativas para os sujeitos.
Diante do exposto, percebe-se que a escola busca alterna-
tivas para dinamizar o processo de ensinar e de aprender, e
uma das opções é o planejamento participativo. Planejar parti-
cipativamente não é uma tarefa simples, porque o termo parti-
cipação compromete os sujeitos e o ato de planejar exige com-
prometimento dos envolvidos. Segundo Gandin (1994, p. 46),
o planejamento participativo contribui para traçar um plano
de referência e que faz a diferença, por isso ele é uma proposta
única, “que possibilita o diagnóstico enquanto um julgamento
de nossa prática e não apenas um diagnóstico para uma avalia-
ção de toda a prática da instituição”.
Pensar o planejamento participativo é algo amplo e que
não pode se reduzir a “integrar família-escola-comunidade, mas
também visar a realização das pessoas e a transformação da
comunidade, na qual a escola está inserida” (DALMÁS, 1994,
p. 28), sendo uma nova maneira de decidir e de agir.
O sucesso da participação é ter metas e objetivos claros,
envolver a todos, promover os sujeitos tanto no grupo quanto
de forma individual, para que se possa tornar os sujeitos ca-
pazes de decidir de forma consciente e crítica sobre o jeito de
atuar dentro e fora da escola. Tanto o professor quanto o edu-
cador necessitam sentir-se parte da escola e de todo o trabalho
que se realiza, estabelecendo a participação. Planejar de forma
participativa é importante, porque há um “grande número de
falhas, descontinuidade, não credibilidade e baixa qualidade do
produto do trabalho executado individualmente ou por grupos
não politizados” (VIANNA, 2000, p. 50).
Dessa forma, a escola torna-se formadora de sujeitos, uti-
lizando como estratégia a participação e o diálogo, permitin-
do um planejamento flexível, autônomo, ao oferecer condições
para que o sujeito possa decidir e ter vez e voz ativa na tomada

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Carla Cristine Tramontina

de decisão. Planejar de forma participativa é um dos desafios


para a escola atual.

Ensinar e aprender por meio de projetos


Pensar uma escola diferenciada, em especial para jovens
e adultos, é um desafio porque necessita atender a todos e, aci-
ma de tudo, tornar a aprendizagem significativa e com sentido
para os educandos. A busca por sentido deve ser uma constante
da escola que deseja envolver os sujeitos e fornecer possibilida-
des diferenciadas para a aprendizagem.
Uma alternativa para auxiliar nesse processo é a pedagogia
por projetos. A pedagogia por projetos busca trabalhar com temas
que emergem de necessidades, problemas, interesses ou desejos
dos alunos, procurando responder “a visões com importantes va-
riações de contexto e conteúdo” (HERNÁNDEZ, 1998, p. 67).
De acordo com Hernández (1998, p. 72), a pedagogia por
projetos é uma proposta para que o aluno seja ativo e os con-
teúdos sejam tratados de forma conceitual, procedimental e ati-
tudinal, pois aprender significa pensar criticamente e “dar sig-
nificado à informação, analisá-la, sintetizá-la, planejar ações,
resolver problemas, criar novos materiais ou ideias... e envol-
ver-se mais na tarefa de aprendizagem”.
Para Lúcia Leite (1996 apud ABREU, 2012, p. 7), ao esco-
lher essa metodologia três momentos devem ser considerados:
a) problematização: é o momento de detectar o que o alu-
no sabe ou não sobre o tema em estudo; é o ponto de
partida para a sua organização;
b) desenvolvimento: é o momento de buscar respostas
para as questões e as hipóteses levantadas na proble-
matização; é preciso instigar os estudantes para que
possam rever suas hipóteses, pesquisar e debater para
buscar respostas;

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Aprender a aprender na educação de jovens e adultos e sua interação com a vida

c) síntese: é o momento de sistematizar a experiência vi-


vida e a produção cultural, procurando dar significado
às aprendizagens construídas, podendo ser utilizadas
posteriormente.
Na pedagogia de projetos, o professor tem papel primor-
dial, pois se torna um facilitador que ajuda a problematizar a
relação do educando com o conhecimento. Assim, como destaca
Hernández (1998, p. 90), a “atitude de escuta do educador serve
de base para construir com os alunos experiências significati-
vas de aprendizagem”. Essa metodologia é baseada na teoria de
Vygotsky, que enfatizou, em seus estudos, que a aprendizagem
ocorre na interação dos sujeitos. O trabalho com projetos exige
do educador mudança de postura, pois é necessário repensar
tanto a prática pedagógica quanto as teorias. É uma alterna-
tiva para modificar o espaço escolar, tornando-o aberto para
aprendizagens significativas de todos os sujeitos envolvidos.
De acordo com Abreu (2012, p. 6), o trabalho com projetos
apresenta as seguintes características:
“Um projeto envolve complexidade e resolução de pro-
blemas”, possibilitando analisar, interpretar e criticar,
construindo, por meio da problematização, uma questão
para ser debatida de forma coletiva, refletindo e elabo-
rando novos conceitos e/ou construindo conhecimentos;
“O envolvimento, a responsabilidade e a autoria dos alu-
nos são fundamentais em um projeto”, não existe dono
do saber, e sim sujeitos que vão construindo o saber. As-
sim, o professor passa a ser mediador do processo e, jun-
to com os estudantes, passa a construir o conhecimento;
“A autenticidade é uma característica fundamental de
um projeto”, nada deve ser copiado, o projeto deve ser
único até para turmas de mesmo ano ou série, porque os
estudantes estão em níveis diferentes;

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Carla Cristine Tramontina

“Um projeto busca estabelecer conexões entre vários


pontos de vista, contemplando uma pluralidade de di-
mensões”, isto é, cada um aprende de modo diferencia-
do, e, por isso, existem diversas formas para se chegar a
determinado conhecimento.
O trabalho com projetos é desafiador porque busca uma
prática pedagógica dinâmica, prazerosa e contextualizada, em
que os sujeitos possam confrontar ideias, pesquisar, errar, acer-
tar, envolvendo aprendizagens reais e significativas em um tra-
balho interdisciplinar e contextualizado. Esse tipo de trabalho
desacomoda e desafia o educador e torna a aprendizagem sig-
nificativa para o educando, de modo que ela perdure por toda
a vida.

Considerações finais
A EJA traz em sua constituição a marca das exclusões e
do uso de metodologias que não atendem as necessidades dos
educandos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e
as novas leis educacionais abriram novas possibilidades e pro-
moveram um avanço para a EJA, ou seja, tornaram-na mais
democrática e dialógica, atenta às experiências dos alunos, a
fim de que estes venham a ser sujeitos que possam intervir na
realidade em que se inserem.
Todo trabalho realizado em prol da EJA e para pensar uma
escola do Seja diferenciada é um desafio, porque necessita força
de vontade, pesquisa, confronto entre teoria e prática e, prin-
cipalmente, fazer acontecer. O Seja foi criado para aqueles que
não tiveram o acesso à escola na idade apropriada, a possibili-
dade de desenvolvimento e aprendizagem, o que faz com que
essa modalidade de ensino tenha uma especificidade singular.
Realizar o processo de formação do Seja foi de grande re-
levância, pois obtive um grande acúmulo de conhecimentos,

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Aprender a aprender na educação de jovens e adultos e sua interação com a vida

ideias e transformações. Foi um período de muito trabalho e


com apenas uma certeza: o gosto por querer uma escola diferen-
te, em que os sujeitos fossem valorizados, percebidos e incenti-
vados a aprender a aprender.
Refletir sobre minha prática pedagógica à luz da teoria
pesquisada abriu horizontes e me fez realizar outras reflexões
sobre o processo de ensinar e de aprender, uma vez no campo
da EJA, todos somos docentes, gestores e formadores de opi-
niões. A arte de educar vai além dos muros da escola e, por-
tanto, deve ser participativa, democrática e autônoma. Porém,
existem muitos desafios a serem superados e/ou enfrentados,
como a busca da aprendizagem significativa, o saber ao longo
da vida, o aprender a aprender e a realização de projetos a fim
de atingir todos os sujeitos. A escola é um espaço de decisões,
compartilhamentos e autonomia.
Diante disso, percebe-se que a escola necessita de educa-
dores comprometidos, capazes de mudar suas ações e sua prá-
tica em prol de uma educação que contribua para a vida dos
sujeitos. Assim, o educador tem que ser alguém capaz de tornar
os educandos críticos e reflexivos, contribuindo para a sua au-
toestima e estimulando-os a estudar e a não desistir.

Referências
ABREU, I. A pedagogia de projetos: o novo olhar na aprendizagem. 2012.
Disponível em: <http://meuartigo.brasilescola.com/educacao/a-pedagogia-
projetos-novo-olhar-na-aprendizagem.htm>. Acesso em: 03 jan. 2017.
BENINCÁ, E. As origens do planejamento participativo no Brasil. Revista
Educação – AEC, Brasília, DF, n. 26, p. 7-21, jul./set. 1995.
BRASIL. Lei nº 9.394/1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-
nal. Brasília, DF, 1996.
COLL, C. S. Aprendizagem escolar e construção do conhecimento. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1994.

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Carla Cristine Tramontina

DALMÁS, A. Planejamento participativo na escola: elaboração, acompa-


nhamento e avaliação. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 1994.
DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 1999.
GANDIN, D. A prática do planejamento participativo: na educação e em
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lítico, religioso e governamental. Petrópolis: Vozes, 1994.
HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na escola: os projetos
de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998.
LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão escolar: teoria e prática. 4. ed. Goiâ-
nia: Alternativa, 2001.
LÜCK, H. et al. Planejamento em orientação educacional. 10. ed. Petró-
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MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boi-
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SOUZA, E. Desenvolvimento e aprendizagem na escola: aspectos cultu-
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VIANNA, I. O. de A. Planejamento participativo na escola: um desafio ao
educador. São Paulo: EPU, 2000.

| 85 |
A matemática e a diversidade cultural do Seja: contribuições e desafios

A matemática e a
diversidade cultural
do Seja: contribuições
e desafios
Eleni Dossa

Introdução

C
omo professora de escola educação de jovens e adultos
(EJA) e de escola regular, frequentemente ouço a se-
guinte frase: “Esse aluno já fez 15 anos, tem que ir para
o EJA”. Os educadores, de modo geral, têm dificuldades em tra-
balhar com alunos que não estão em conformidade entre série/
ano e idade, mesmo que estejam incluídos em grupos de apren-
dizagem de uma única geração.
Pensar a EJA é imaginar-se mediador acadêmico para um
grupo de aprendizagem do qual fazem parte mais de uma gera-
ção de sujeitos, com expectativas, necessidades e vivências úni-
cas e individualizadas. É mais que se imaginar, é ter consciên­
cia de que, mesmo na heterogeneidade, temos o dever de, se não
corrigir, ao menos, amenizar uma dívida social que perdura ao
longo da construção da sociedade brasileira.
Nesse sentido, o presente texto procura pensar e refletir
sobre o ensino da matemática diante da diversidade cultural
dos sujeitos que fazem parte da EJA. Além disso, procura-se
demonstrar o quanto essa disciplina é importante e utilizada
no cotidiano de todos, relatando práticas pedagógicas realiza-
das com os alunos.

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Eleni Dossa

A matemática e a EJA
As demandas que regem o fazer pedagógico de um educa-
dor de EJA requerem absoluta certeza da disponibilidade de re-
pensar, renovar e contextualizar os conteúdos e a própria ação,
para que, nessa diversidade, possa-se chegar a cada um e aten-
der todas as expectativas. Do contrário, tem-se um fator prepon-
derante de evasão escolar, além da frustração por não ter sensi-
bilizado aquele(a) aluno(a) sobre a importância do estudo como
ferramenta para intervenção na realidade e para mudá-la ao
seu favor, de comprometer sua inserção no contexto dos que rei-
vindicam seus direitos e a própria cidadania, além de excluí-lo
totalmente do conhecimento acadêmico. É sob esse panorama
que se posiciona a Matemática, como algoz de muitos insucessos
escolares, principalmente dos educandos mais jovens.
Grande parte dos alunos referem-se à Matemática como
uma disciplina à parte do contexto das aprendizagens, não gos-
tam, não veem sentido na sua abstração, no entanto, não dizem
que não é importante estudá-la, conhecê-la e tampouco enten-
der os seus conceitos. O que é bem claro é que a maioria não faz
a correlação entre as definições aprendidas na sala de aula e
suas práticas cotidianas. Segundo os Parâmetros Curriculares
Nacionais:

[...] a importância da resolução está no fato de: possibilitar aos alu-


nos mobilizarem conhecimentos e desenvolverem a capacidade para
gerenciar as informações que estão a seu alcance dentro e fora da
sala de aula. Assim, os alunos terão oportunidades de ampliar seus
conhecimentos acerca de conceitos e procedimentos matemáticos
bem como do mundo em geral e desenvolver sua autoconfiança (1998
apud SOUSA, 2005, p. 03).

É fundamental que o educador parta do princípio de que


o aluno tem contato e resolve suas demandas utilizando a ma-
temática do senso comum, portanto possui competências que o
permitem aprender a matemática, mas, para isso, é fundamen-

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A matemática e a diversidade cultural do Seja: contribuições e desafios

tal que o professor atribua dignidade cultural ao seu aluno e,


partindo desse diagnóstico, faça a transposição do conhecimento,
inicialmente, do senso comum para o conhecimento acadêmico.
Em determinado momento, perguntei a um aluno: “Qual é
o valor que você gasta ao participar de uma balada numa casa
noturna?”. Ele respondeu: “Vai depender de quantas ‘cevas’ eu
tomar, mas geralmente pago R$ 30,00 de entrada e R$ 4,00 por
cerveja”. Então, eu questionei: “Se você comprar duas cervejas?
Três, cinco?”. E ele foi respondendo o valor que gastaria. Com
essa situação hipotética, fiz a introdução de funções do primei-
ro grau, o valor pago em função da taxa fixa do ingresso e o
número variante de cervejas consumidas.
Sensibilizar o aluno de que ele pode partir de suas vivên-
cias para entender as definições matemáticas é valorizar sua
história e atribuir importância à sua condição de aprendente.
Esse diálogo faz com que as armas sejam depostas e o cami-
nho da aprendizagem se torne menos obstruído, permitindo
vias abertas para a ação do professor, que deverá fazer suas
intervenções com honestidade e competência, estabelecendo re-
lações múltiplas, em que o aprender aconteça de forma signifi-
cativa e prazerosa.

Cabe ao educador, assumindo-se a si mesmo como sujeito sociocul-


tural, da mesma forma que reconhece o caráter sociocultural que
identifica seu aluno, aluno da EJA postar-se pois investido de uma
honestidade intelectual que lhe permita relativizar os valores das
contribuições da(s) matemática(s) oficial(is) da Escola e da Matemá-
tica(s) produzida(s) em outros contextos e com outros níveis e aspec-
tos de formalidade e de generalidade: investida também da respon-
sabilidade profissional que lhe imputa disposição e argumentos na
negociação com as demandas dos alunos e com os compromissos da
Escola em relação à construção do conhecimento matemático; inves-
tido ainda de uma sensibilidade que é preciso cultivar e exercitar ao
acolher as reações e as perplexidades, as indagações e os constran-
gimento as reservas e as ousadias de seus alunos e alunas, pessoas
jovens e adultas e compartilhar com elas essas mesmas emoções com
as quais ele impregna seu projeto educativo (FONSECA, 2007, p. 39).

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Eleni Dossa

Ao longo da minha trajetória no Serviço de Educação de


Jovens e Adultos (Seja) como professora de Matemática, pude
observar que a idade não é fator decisivo para que o aluno se
aproprie do conhecimento científico, mas a condição social e,
por conseguinte, as suas vivências podem, sim, interferir no
seu desenvolvimento cognitivo, tendo em vista o conjunto de fa-
tores resultantes, desde os interesses até a solicitude por parte
do educando em sair do empirismo e fazer uma releitura do seu
próprio contexto.
Muito frequentemente, ao conversarmos com pais de alunos
(que foram chamados à escola pela indisciplina ou pelas dificul-
dades de aprendizagem dos filhos), detectamos o quanto o filho
é “bom”, tomando como referência os pais. Portanto, é a escola
que pode ou não fazer a diferença positiva na vida desse aluno,
e a matemática, na sua importância, relevância e no respeito
com que a sociedade trata quem é desenvolvido nesse campo
das ciências exatas, pode contribuir de modo significativo para
a postura desse aluno diante das demandas de sala de aula, que
permeiam a autoestima e o entendimento de sua própria condi-
ção de vulnerabilidade, proporcionando-lhe uma reflexão e até
uma possibilidade de reformatação da sua própria vida.
Para que a Matemática seja ferramenta de transformação
social, um constante pesquisador de possibilidades deve ser in-
cansável na busca da isonomia e acreditar na possibilidade de
reverter as frequentes situações de desinteresse, de dificulda-
des cognitivas e até de indisciplina que se apresentam a cada
dia na sala de aula, promovidas por aqueles que ainda não atin-
giram a maturidade suficiente na busca de algo que nem mes-
mo eles sabem. Referente aos alunos adultos de EJA, penso que
a maior dificuldade encontrada é a própria condição da idade
usada como justificativa para reforçar o tempo afastado da es-
cola e a condição de não aprendiz, que está ali para tentar ou
talvez ser favorecido pela brandura dos seus professores.

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A matemática e a diversidade cultural do Seja: contribuições e desafios

Os alunos procuram o Seja por necessidades variadas:


porque a empresa na qual trabalham exige uma maior quali-
ficação; porque querem melhorar seus rendimentos; para rea-
lização pessoal; porque reprovaram diversas vezes nas escolas
regulares; e até por ordem judicial. E, na escola de EJA, todos
devem ser acolhidos e inseridos no mesmo espaço físico, com
direito à equidade nas oportunidades de aprendizagem, o que
gera, sem dúvida, uma demanda importante tanto para a ação
do educador quanto para a organização da escola como um todo.
O regimento escolar e o projeto político-pedagógico são as fer-
ramentas que norteiam todas as ações e posições adotadas pelo
“corpo” escolar.
Não são raras situações que vêm na contramão de todo o
planejamento do trabalho escolar, como a apatia, as dificulda-
des cognitivas, a política pública deficitária, a indisciplina e até
o desestímulo do educador, que muitas vezes sente que ensina
no deserto.
Ter consciência dos gargalos que entravam o desenvolvi-
mento dos trabalhos e do insucesso nos objetivos é muito im-
portante, assim como atribuir responsabilidades pelos possí-
veis fracassos a todos os sujeitos envolvidos no processo, seja
a família, o aluno, o educador ou os gestores. Cada um deverá
assumir sua responsabilidade e, na medida do possível, buscar
soluções que equacionem os entraves, dos quais resultam geral-
mente a evasão e o mascaramento da aprendizagem.
Os educadores de EJA devem se comprometer com uma
educação inclusiva e com a garantia da equidade social, capaz
de remover as barreiras impostas por políticas pensadas de
modo individualista e econômico, deixando à margem inúmeros
brasileiros que veem na volta aos bancos escolares a possibili-
dade de ingresso num mundo mais justo, que ainda é privilé-
gio de poucos. E quanto aos que ali estão por imposição da lei,
mesmo que se sustentem nessa afirmação, também são vítimas

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Eleni Dossa

voluntárias ou não desse sistema e da sua própria ignorância


dos fatos. Portanto, cabe à educação a ação reflexiva, inquisi-
tória e inquietante, para que esses sujeitos alcancem seus ob-
jetivos, movimentem-se para promover as mudanças sociais de
que tanto precisamos.
Em solenidades de formatura de Seja, é comum ouvirmos
discursos inflamados da importância da conquista e das inú-
meras dificuldades vencidas, mas será que foi incutido nos for-
mandos a premissa de que o conhecimento é um caminho de
mão única? Que uma vez se pondo a caminhar, não é possível
retroceder? Que ou continuamos sempre buscando mais ou fi-
camos parados à beira do caminho mendigando complacência
dos que passam? Se o fazer pedagógico do professor foi con-
templado com essa convicção, então o discurso do aluno, que
num primeiro momento diz ter voltado para os bancos escolares
apenas para melhorar de salário e ter mais oportunidades, terá
um novo refrão, em que o conhecimento ocupa o lugar devido,
aquele de visão ampla e crítica como dizia Paulo Freire: “Nin-
guém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fa-
zer o caminho caminhando, refazendo e retocando o sonho pelo
qual se pôs a caminhar” (1992, p. 155). Caminhar sempre, até
que sessem as injustiças e as desigualdades.
Sabe-se que a diversidade cultural, temporal e social está
muito presente nas escolas de EJA, o que já foi mencionado
neste artigo, porém, cabe reforçar a ideia de que os conteúdos
devem ser desenvolvidos de forma a atingir todos os envolvidos
no processo. Para que isso realmente aconteça, é fundamental a
associação com situações da vida real, do dia a dia dos educan-
dos. Com o intuito de auxiliar a aplicação de possíveis pesquisas
de prática, destacam-se algumas propostas que foram testadas
e que despertaram o interesse dos alunos. Essas práticas foram
desenvolvidas na disciplina de Matemática, mas envolveram

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A matemática e a diversidade cultural do Seja: contribuições e desafios

outras disciplinas, contemplando a interdisciplinaridade, o co-


nhecimento como um todo, sem fragmentá-lo.

Prática 1

A atividade foi realizada com as turmas da totalidade 6


(correspondente ao 9º ano do ensino regular), com o objetivo de
observar as possíveis mudanças no perfil dos alunos que fre-
quentaram a escola do Seja. Para isso, foram pesquisados ar-
quivos e registros dos alunos dos anos 2004 a 2014, dos quais
foram retirados dados como: sexo, idade, ocupação, número de
alunos por ano. Esses dados foram reunidos por conjunto para
serem posteriormente dispostos em uma tabela, a partir da qual
foi possível elaborar gráficos. Como gráficos são comunicação
visual, pode-se fazer uma leitura geral do público que frequen-
tava o Seja, com o aumento de alunos adolescentes e também a
quantidade de pessoas do sexo feminino e masculino. Isso levou
a uma ampla discussão sobre a distorção série/idade dos alu-
nos nas escolas regulares. Nessa prática, foi possível trabalhar
vários conteúdos, como: pesquisa in loco; tabulação de dados
levantados; cálculos estatísticos (regra de três, porcentagem
médias, etc.); gráficos; ângulos; construção e interpretação de
tabelas e gráficos; análise crítica dos dados apurados.

Prática 2

A atividade foi desenvolvida com alunos da totalidade 5


(correspondente ao 8º ano regular) e contemplou as disciplinas
de Matemática, Artes, Ciências e Educação Física. Nessa ativi-
dade foram discutidas questões como a alimentação saudável,
o apelo visual das embalagens dos produtos e os benefícios e
malefícios dos produtos químicos que estão presentes nos ali-
mentos industrializados. Esse assunto foi abordado devido ao

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Eleni Dossa

interesse dos alunos nas questões referentes à obesidade e à


estética. Para desenvolver essa atividade, os alunos trouxeram
embalagens de alimentos normalmente consumidos em suas
famílias. Foi feita uma leitura dos dados referenciais dos pro-
dutos e, posteriormente, utilizando uma balança de precisão,
tentou-se mostrar as quantidades de açúcar, gordura e sódio
de cada um. Após a pesagem e a embalagem dessas quanti-
dades, os alunos ficaram surpresos, pois puderam realmente
dimensionar esses valores. Durante toda a atividade, foi possí-
vel envolver conteúdos de todas as disciplinas envolvidas. Na
matemática os conteúdos desenvolvidos foram: construção de
tabelas; operações com números decimais; construção e inter-
pretação de gráficos; porcentagem em regra de três.
Ao final das atividades pôde-se observar que os alunos ti-
veram mais interesse pela atividade e que assimilaram melhor
os conceitos propostos. Isso reafirma a ideia de que, quando se
faz a transposição do abstrato para o real, o aprendizado torna-
-se mais significativo e prazeroso tanto para quem ensina como
para quem aprende.

Considerações finais
É evidente que a diversidade cultural está presente no
Seja, e por isso a necessidade de trabalhar conteúdos que sejam
significativos para todos os sujeitos. A busca para contextua-
lizar os conteúdos e torná-los significativos para o aluno deve
ser constante, a fim de que haja realmente a aprendizagem.
Os conteúdos devem ser relacionados à realidade vivida pelos
sujeitos para se tornarem significativos.
Nesse sentido, o professor de matemática tem o desafio
constante de refletir sobre sua prática, analisar os conteúdos
significativos e proporcionar desafios para que os alunos pos-
sam pensar sobre o que estão refletindo e realizando. Deve-se

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A matemática e a diversidade cultural do Seja: contribuições e desafios

pensar a educação como formação da pessoa de maneira inte-


gral, a fim de que se possa transformar a realidade.

Referências
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança. Um reencontro com a Pedago-
gia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
FONSECA, Maria da Conceição F. R. Educação matemática de jovens e
adultos: especificidades, desafios e contribuições. São Paulo: Autêntica,
2007.
SOUSA, Ariana Bezerra. A resolução de problemas como estratégias di-
dáticas para o ensino da matemática. 2005. Disponível em: <http://www.
ucb.br/sites/100/103/TCC/2005/AdrianaBezerradeSousa.pdf>. Acesso em:
1º fev. 2017.

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Fabiane Pizato Girardi

Ressignificando práticas
de arte-educação para
jovens e adultos
Fabiane Pizato Girardi

Introdução

E
ste texto parte das reflexões, das discussões e dos traba-
lhos de dinâmica de grupo propostos no curso de forma-
ção pedagógica “Educação de jovens e adultos: repen-
sando e qualificando as práticas educativas”, promovido pela
Secretaria de Educação da cidade de Marau, RS, realizado no
decorrer do ano de 2016, em parceria com a Universidade de
Passo Fundo (UPF). O objetivo é apresentar uma ação peda-
gógica de Arte realizada no ano de 2016 no Serviço de Educa-
ção de Jovens e Adultos (Seja), na cidade de Marau, RS, que
aborda: temas relacionados com a história da arte-educação no
Brasil e as bases curriculares da disciplina; reflexões sobre a
educação visual e sua importância; contextualização do fazer
artístico, de forma que represente uma proposta de ressignifi-
cação da prática docente para melhor abordar temas relativos à
arte e que sejam relevantes aos sujeitos da educação de jovens
e adultos (EJA).
A metodologia orientadora está apoiada na abordagem
triangular, proposta por Ana Mae Barbosa, a qual está estrutu-
rada a partir dos enfoques no fazer artístico, da apreciação e da
contextualização das ações. Ainda, apresentam-se as propostas

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Ressignificando práticas de arte-educação para jovens e adultos

de Fernando Hernández, para uma nova narrativa educacional


voltada à educação do olhar.
Dessa forma, as inquietações, os desafios, o conhecimento
e a relação de compromisso fazem parte das reflexões acerca
da arte registradas neste artigo. Reflexões e proposições que
se relacionam tanto a práticas pedagógicas em geral quanto a
práticas de EJA, de forma que deem algum sentido, em espe-
cial, aos envolvidos com a EJA, seja como linguagem universal,
seja como meio de expressão de percepções e de sentimentos,
de promoção de habilidades e de redução do alfabetismo visual.

A arte-educação: bases curriculares e


breve história
Para compreender a dimensão do ensino da arte no Bra-
sil, é importante voltar ao século XVII, quando Dom João VI,
em 1816, trouxe para o Brasil a Missão Artística Francesa. Em
26 de março de 1816, chegou ao Rio de Janeiro um grupo de
artistas franceses, liderados por Joachim Lebreton, acompa-
nhado dos pintores Jean-Baptiste Debret, Nicolas Antoine Tau-
nay e seu irmão, o escultor Auguste-Marie Taunay, o arquiteto
Grandjean de Montigny e o gravador de medalhas Charles-Si-
mon Pradier.
O objetivo principal da vinda desses artistas ao Brasil era
fundar a primeira Academia de Arte no Reino Unido de Portu-
gal, Brasil e Algarves, implantando o ensino regular de artes
plásticas (pintura, escultura, arquitetura e decorativas) e ofí-
cios (para o incremento da manufatura), buscando superar a
tradição colonial barroca nas artes e o embelezamento urbano,
sobretudo, do Rio de Janeiro, sede do reinado. Pelo Decreto de
12 de agosto de 1816, foi fundada a Escola Real de Ciências,
Artes e Ofícios. Depois, pelo Decreto de 12 de outubro de 1820,
a denominação foi alterada para Academia Real de Desenho,

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Fabiane Pizato Girardi

Pintura, Escultura e Arquitetura Civil. Passado um mês, fi-


cou designada, pelo Decreto de 23 de novembro de 1820, como
Academia de Artes. Em 1826, passou então ao nome Academia
Imperial de Belas Artes, célula mater do nosso ensino de arte.
Segundo Barbosa (2007, p. 30):

A permanência dos velhos métodos e de uma linguagem sofisticada


continuou mantendo o povo afastado, tornando a inclusão da forma-
ção do artífice junto ao artista uma espécie de concessão da elite à
classe obreira, clima este que, por um processo inverso de excessiva
simplificação curricular, envolveu também os cursos noturnos cria-
dos posteriormente na Academia para formação do artesão (1860),
e que simplificando excessivamente e se reduziram a um mero trei-
namento profissional com a eliminação dos estudos preparatórios.

O desenho era a linguagem mais importante de todo o en-


sino da academia, na qual eram valorizadas a cópia fiel e a uti-
lização de padrões europeus, em que a arte greco-romana res-
surgia com maior ênfase. Na época, a arte era considerada um
artigo de luxo, apreciado pela elite, que desconsiderava qual-
quer manifestação artística que fugisse dos padrões europeus.
No entanto, nas décadas de 1950 e 1960, com influência
do movimento chamado Escola Nova, o ensino de arte na escola
direcionou-se com ênfase na livre expressão e na valorização do
processo de trabalho e da criatividade. Em suma, o fazer era
tão espontâneo que se valorizava o processo sem qualquer preo-
cupação com os resultados. Nesse sentido, conforme Martins
(1998, p. 12, grifo do autor): “[...] todo processo artístico deveria
‘brotar’ do aluno, o conteúdo dessas aulas era quase exclusiva-
mente ‘um deixa fazer’ que muito pouco acrescentava ao aluno
em termos de aprendizagem de arte”.
Com a Lei nº 5.692, de 1971, a educação artística foi criada
como componente curricular, determinando que conteúdos das
áreas de conhecimento como música, teatro, dança e artes plás-
ticas fossem abordados em aula, no 1º e 2º graus, instituindo
uma figura de docente única, que dominasse todas essas lin-

| 97 |
Ressignificando práticas de arte-educação para jovens e adultos

guagens. Para que o ensino da arte fosse viabilizado, o governo


federal, em 1973, criou os cursos de arte-educação nas univer-
sidades com currículo básico utilizado em todo o país.
Já a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-
nal, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece, no
artigo 26, § 2o, que: “O ensino da arte constituíra componente
curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica,
de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”
(BRASIL, 1996).
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais para Arte:
“[...] a educação em arte propicia o desenvolvimento do pensa-
mento artístico e da percepção estética, que caracterizam um
modo próprio de ordenar e dar sentido à experiência humana”
(BRASIL, 1997, p. 61). É por esse motivo que, por intermédio
da educação em arte, o aluno desenvolve sensibilidade, percep-
ção e imaginação, pela natureza e pelas diferentes culturas,
tanto ao realizar trabalhos práticos quanto na ação de apreciar
e conhecer as formas de expressão produzidas por ele e pelos
colegas.
Foi na década de 1990 que importantes inovações surgi-
ram para desenvolver o modelo atual de ensino da arte nas es-
colas. Na Espanha, Fernando Hernández defendeu o estudo da
chamada cultura visual, ideia expressa em seu livro Cultura
visual, mudança educativa e projeto de trabalho, no qual o au-
tor afirma:

[...] as imagens são mediadoras de valores culturais e contém metáfo-


ras nascidas da necessidade social de construir significados. Reconhe-
cer essas metáforas e seu valor em diferentes culturas, assim como
estabelecer as possibilidades de produzir outras, é uma das finalida-
des da educação para compreensão da cultura visual (2000, p. 133).

No Brasil, Ana Mae Barbosa, com seus estudos, trouxe im-


portantes contribuições ao ensino da arte. Ela formulou a “me-
todologia da proposta triangular”, segundo a qual o ensino da
arte deve abranger três aspectos: o fazer artístico, a leitura de

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Fabiane Pizato Girardi

obras e a contextualização. Esse método inovador é considerado


uma matriz dos eixos de aprendizagem que dominam o ensino
atualmente: a produção, a apreciação artística e a reflexão. Se-
gundo Iavelberg (2003, p. 48):

O fazer artístico, a apreciação e a contextualização são ações, mesmo


que elas sejam, em um primeiro momento, definidas por intermédio
das disciplinas que compunham o ensino da arte: produção, crítica,
história da arte e estética, conforme sua proposta triangular para o
ensino da arte [...].

O fazer artístico (produção prática) permite que o aluno


exercite e explore diversas formas de expressão. A leitura de
obras consiste na análise das produções (apreciação), é o cami-
nho para estabelecer ligações com a história da arte e o pensar
sobre a história daquele objeto de estudo (reflexão), compreen-
dendo o cenário socio-histórico do período, do artista e de sua
produção, trata-se da contextualização.
Nesse sentido, as orientações do Ministério da Educação,
no documento Proposta curricular da disciplina de Arte para
educação de jovens e adultos (2001), vêm ao encontro das propo-
sições dos autores apresentados neste artigo, ao determinarem
a necessidade de que:
[...] o aluno possa experimentar e explorar possibilidades das lin-
guagens artísticas, que ele entre em contato, experimente, explore
e se desenvolva no aprofundamento de cada linguagem, ampliando
assim seu repertório expressivo e sua capacidade de compreensão
do mundo [...]; [...] que a arte como linguagem possa colaborar para
o desenvolvimento da percepção, a imaginação, a emoção, a investi-
gação, a sensibilidade e a reflexão ao realizar e fruir produções ar-
tísticas. Que a arte seja um canal de expressão e comunicação para
ideias, sentimentos e vivências, desenvolvendo competências como
trabalho em grupo, desenvolvimento afetivo, cognitivo, estético e
artístico do aluno da EJA. Ampliando assim, sua própria expres-
são, sua capacidade de argumentar e defender ideias, de organizar o
pensamento, refletindo sobre a produção e a fruição de produtos ar-
tísticos, esse aluno terá na escola oportunidades de fazer leituras da
realidade e de conhecer possibilidades diferenciadas de significá-la
[...] (BRASIL, 2001, p. 138-139).

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Ressignificando práticas de arte-educação para jovens e adultos

Meu olhar de arte-educação voltado ao


ensino de EJA
Em 2016, iniciei o exercício profissional no Serviço de Edu-
cação de Jovens Adultos (Seja), com a disciplina de Arte, na
Escola Municipal de Ensino Fundamental Honorino Pereira
Borges, no município de Marau, RS. Nas primeiras semanas,
percebi que teria muitos desafios, entre eles, a disparidade da
faixa etária e dos aspectos sociais e culturais dentro de uma
mesma totalidade (ano ou série), por isso, marcar a necessida-
de de adaptar os conteúdos, diante dessa dicotomia, passou a
ser indispensável. Acredito que estes quatro aspectos são rele-
vantes no primeiro momento de observação das turmas, por-
que muitos questionamentos surgem: como trazer a história da
arte para educandos que nunca tiveram contato com qualquer
tipo de obra de arte ou artista? Como articular conteúdos para
sujeitos com histórias pessoais e socioculturais tão distintas?
Como tornar os conhecimentos acerca da disciplina relevantes
para a vida desses sujeitos? Como colaborar para que os edu-
candos construam um conhecimento crítico de contextos e de
significados a partir da educação visual?
Fernando Hernández (2000, p. 105) afirma que “[...] o sig-
nificado se constrói de acordo com uma necessidade de inter-
pretar a realidade”. Ao refletir acerca desses questionamentos,
passei a buscar formas, meios e atividades para ressignificar e
transformar as práticas pedagógicas e metodológicas do ensino
de Arte na EJA, de um jeito que pudessem colaborar com o en-
riquecimento cultural e a alfabetização do olhar desses sujeitos.
Diante disso, revi o objetivo principal da metodologia de-
senvolvida e parti da proposta triangular, defendida por Ana
Mae Barbosa, para trazer a arte na EJA e para que ela tivesse
significado real e condizente com as necessidades dos alunos.
O caminho escolhido foi entrelaçar a arte com a cultura dos

| 100 |
Fabiane Pizato Girardi

educandos, utilizando a proposta triangular, na qual os temas


que fazem parte do cotidiano dos educandos são respeitados, a
fim de facilitar a socialização, a integração e a potencialização
das habilidades e competências de cada um, num ambiente de
pertencimento, reciprocidade e formação de conhecimento.

Ressignificando...
A presença da disciplina de Artes Visuais no currículo es-
colar provoca no educando abertura para a reflexão, a observa-
ção, a capacidade crítica, a experimentação, o desenvolvimento
de habilidades, a sensibilidade e a imaginação, pelo fato de que
possui especificidades pedagógicas essenciais ao processo edu-
cativo em cada pessoa.
O ponto de partida para o trabalho de ressignificação rela-
tado a seguir se deu em função do hábito, da maioria dos edu-
candos, de observar o mundo das imagens por meio da televi-
são, de propagandas e outdoors. Por isso, foram utilizadas pro-
pagandas de cerveja, refrigerante e fastfood, em um primeiro
momento de leitura de imagem, com ênfase na psicologia das
cores usadas para transmitir sensações e estimular o desejo.
Sabe-se que a televisão é o meio de comunicação de maior
acesso, e, atualmente, saber ler as imagens é indispensável
para a reflexão crítica da realidade. Também, com a intensa in-
dustrialização e o desenvolvimento do sistema capitalista que
incentiva e seduz para o consumo, é fundamental que o teles-
pectador seja educado para um olhar crítico, uma vez que, para
vender grandes quantias de produtos, a publicidade televisiva
é muito bem articulada.
A educação do olhar é um processo em que o educador as-
sume uma postura na mediação de leituras de imagens, bus-
cando sempre partir de uma abordagem problematizadora, ins-
tigando o olhar e a reflexão, respeitando as interpretações e os
julgamentos dos educandos e estimulando a autonomia.

| 101 |
Ressignificando práticas de arte-educação para jovens e adultos

Na sequência, foram apresentadas aos alunos imagens de


obras de arte, com a intenção de exercitar a “metodologia da
proposta triangular”. Essa proposta foi dividida em três etapas.
A primeira envolveu a leitura de imagem (análise e contextua­
lização da obra e do artista); a segunda, o fazer artístico; e a
terceira, a apreciação dos resultados. Para isso, diversas obras
e artistas estiveram em destaque. A obra mais significativa foi
“Futebol”, de Candido Portinari. Os educandos foram estimula-
dos a apreciar a obra, sentir as cores, as formas, as texturas, e,
por fim, a pesquisar sobre Portinari, que é considerado um dos
artistas brasileiros mais importantes.

Figura 1 – Obra escolhida para análise

Fonte: Futebol, 1935. Pintura a óleo, tela 97 cm x 130 cm.1

O fazer artístico proporciona vivência e experiência com


materiais e suportes que participam no processo de ensino-
-aprendizagem completo e significativo para os educandos,
aplicando na prática os conceitos estéticos e poéticos abordados
durante a leitura. Na obra A árvore do conhecimento, Maturana
e Varela (2001, p. 32 apud BUENO, 2005, p. 32) afirmam que:
1
Disponível em: <http://museucasadeportinari.org.br/exposicaovirtual/>. Acesso
em: 05 jan. 2017.

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Fabiane Pizato Girardi

Todo fazer é um conhecer e todo o conhecer é um fazer [...]. A inte-


ração com o mundo que se vive o conhecimento do mesmo. Quan-
do falamos aqui em ação e experiência, não nos referimos somente
àquilo que acontece em relação ao mundo que nos rodeia no plano
puramente “físico”. Essa característica do fazer humano se aplica a
todas as dimensões do nosso viver. Aplica-se, em particular, ao que
estamos fazendo aqui e agora, os leitores e nós.

Dentro das etapas mencionadas, para o fazer artístico,


isto é, a ação de fazer arte, a proposta foi transformar a obra
apresentada de forma subjetiva, recriando a obra de maneira
coletiva, em que o fundo foi previamente desenhado e pintado e,
então, cada educando desenhou o seu eu criança, colando, pos-
teriormente, na produção coletiva. O interessante nessa etapa
da proposta foi observar que muitos alunos, mesmo adultos, de-
senharam-se infantilizados, talvez absorvendo as imagens das
crianças na obra apresentada e recriando-se, espelhados nas
crianças de Portinari. O lugar de cada representação no espaço
físico do suporte foi de livre escolha dos estudantes.

Figura 2 – Trabalho realizado pela totalidade 5 (correspondente ao 7º


ano) – turno da manhã – 2016

Fonte: acervo particular.

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Ressignificando práticas de arte-educação para jovens e adultos

É importante mencionar que a tríade proposta por Bar-


bosa não pode e não deve ser usada de maneira estática, pois
esses elementos são complementares, não precisam necessaria-
mente acontecer em momentos separados, a própria obra carre-
ga uma contextualização, assim, durante a leitura feita com os
educandos, é possível contextualizar como preparo para o fazer.
O terceiro momento compreende a contextualização. Se-
gundo Hernández (2009, p. 69), contextualizar é: “desenvolver
uma perspectiva de uma compressão crítica e performativa da
cultura visual”. Conforme o autor, para auxiliar o educando a
compreender criticamente a obra apresentada ou qualquer ou-
tro material utilizado como meio de observação, é importante
considerar diversos aspectos, como: as experiências de vida que
os estudantes trazem para o ambiente escolar; a satisfação que
eles demonstram no contato com a cultura visual, aspecto fun-
damental para a construção da subjetividade; as múltiplas in-
terpretações relacionadas à cultura visual mediada por regras
para que, conforme Hernández, o “vale tudo” não seja eviden-
ciado, pois pode tornar-se um motivo para aplausos. Além dis-
so, deve-se instigar o aluno a fundamentar suas observações
interpretativas, auxiliando-o a analisar criticamente a cultura
visual, promovendo atitudes de concordância e contestação das
opiniões apresentadas. A contextualização foi importante para
que os educandos pudessem observar a estética do trabalho co-
letivo, comparando-o com a obra original, além de possibilitar
uma leitura visual em que as diferenças e as semelhanças foram
sendo mencionadas com base na sintaxe da linguagem visual.

| 104 |
Fabiane Pizato Girardi

Considerações finais
Mais do que refletir sobre a abordagem triangular e as
propostas para uma nova narrativa visual, todo educador, inde-
pendente da disciplina que ministra, deve considerar a escola
e o seu contexto, assim como a atividade que pretende propor e
a realidade dos educandos aos quais as atividades são ofereci-
das. Nesse sentido, a adaptação dos conteúdos e das propostas
pedagógicas para o ensino de EJA deve estar, necessariamente,
em constante adaptação.
Para qualificar a prática pedagógica, a etapa de adapta-
ção foi importante, como também a observação das turmas, as
singularidades dos educandos e todos os aspectos que os dife-
renciam entre si. Percebe-se que, por meio das reflexões acerca
de todo o processo de ensino-aprendizagem, a escolha de trazer
para o ambiente escolar o cotidiano dos alunos e, a partir dele,
ressignificar as propostas e as práticas pedagógicas adotadas
em sala de aula na disciplina de Arte provocou uma mudança
de postura na escola.
O ato de trazer o cotidiano para a sala de aula serviu para
a abertura do caminho de acesso a diversas ações em torno de
ler, fazer e contextualizar obras, imagens, propagandas, temas
e outros materiais da cultura visual com os alunos da EJA.
Também, acompanhar a evolução estética e crítica da cul-
tura visual dos educandos no decorrer do ano foi uma imensa
satisfação. Outro aspecto que merece registro refere-se às refle-
xões e aprendizagens conquistas com o trabalho realizado em
conjunto pela escola, pela Secretaria de Educação de Marau e
pela UPF nessa formação em EJA. O referido trabalho, por seu
processo contínuo, envolveu diversas ações, discussões e articu-
lações entre arte-educação e cotidiano, favorecendo a formação
de identidades dos sujeitos da EJA e da escola.

| 105 |
Ressignificando práticas de arte-educação para jovens e adultos

Referências
BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e mudanças no ensino da arte. São
Paulo: Cortez, 2007.
BRASIL. Ministério da Educação. Proposta curricular da disciplina de
Arte para educação de jovens e adultos. 2001. Disponível em: <http://por-
tal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/eja/propostacurricular/segundosegmen-
to/vol3_arte.pdf>. Acesso em: 05 jan. 2017.
______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília, DF, 1996. Dis-
ponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf>. Acesso em: 05
jan. 2017.
______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais: Arte. Brasília: MEC/SEF, 1997. Disponível em: <http://portal.
mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro06.pdf>. Acesso em: 05 jan. 2017.
BUENO, Maria Lucina Busato. Vivências no fazer pictórico com tintas
naturais. Passo Fundo: UPF Editora, 2005.
HERNÁNDEZ, Fernando. Catadores da cultura visual. Porto Alegre: Me-
diação, 2009.
______. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto
Alegre: Artes Médicas, 2000.
IAVELBERG, Rosa. Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação
de professores. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.
MARTINS, Miriam C. Didática do ensino da arte: poetizar, fruir e conhe-
cer arte. São Paulo: FTD, 1998.

| 106 |
Odalea Carla Andreis

A interação dos alunos


da educação de jovens
e adultos com o ensino
das ciências naturais
Odalea Carla Andreis

Aprendizagem é um processo que ocorre no interior do


ser humano e é demonstrada na mudança do seu com-
portamento. Devemos ter em mente que nem todos
aprendem da mesma maneira, que cada um aprende a
seu ritmo e em seu nível. Precisamos criar novos con-
textos que se adaptem às individualidades dos alunos,
partindo do que cada um sabe e de suas potencialidades
e não de suas dificuldades (PIAGET, 1970, p. 32).

Introdução

C
onhecer e interpretar o mundo é fundamental para po-
dermos usufruir os melhores momentos da vida e, con-
sequentemente, tornarmo-nos abertos para novas expe-
riências, desenvolvendo nossas capacidades intelectuais.
A educação de jovens e adultos (EJA), ao longo dos anos,
desde sua implantação no Brasil, tem motivado um grande nú-
mero de alunos com diferentes faixas etárias, previstas em lei,
para o ingresso nessa modalidade de ensino, a fim de buscar
cotidianamente mudanças em sua história e em sua trajetória
de vida, por meio de novas aprendizagens, valorizando e respei-
tando o conhecimento.

| 107 |
A interação dos alunos da educação de jovens e adultos com o ensino das ciências naturais

O processo de aprendizagem desenvolvido nos seres hu-


manos, através dos complexos neurais, proporciona a tendência
de aprender diariamente, independente de faixa etária, classe
social, opção sexual ou cor da pele, com o propósito de buscar
conhecimentos cotidianos e esclarecimentos de forma mais es-
pecífica, ampliando a compreensão de mundo e de si mesmo.
Para ocorrer uma aprendizagem satisfatória, a neurologia, nos
últimos anos, traz revelações importantes, garantindo que o
cérebro tem capacidade ilimitada de aprendizagem e possibili-
dades de renovação de si mesmo, sendo capaz de responder ao
estímulo mental e à atividade física, mantendo-se ágil durante
toda a vida.
Todo tipo de aprendizagem necessita de um canal atraente
e significativo para o educando. Dessa forma, a aprendizagem
deve cativar e afetar o aluno, fazendo com que este novo co-
nhecimento tenha sentido para sua vida. Para que aconteça,
são necessárias a inquietação e a inspiração do educador no
momento de planejar a didática de sua aula.
O planejamento didático deve ser refletido afim de atingir
todos os educandos da turma. Por isso, é necessário, por parte
do educador, saber articular os níveis de entendimento e conhe-
cimento do grande grupo com satisfação e alegria no momento
de compartilhar o saber. As atividades didáticas ou pedagógi-
cas precisam ter sentido e devem instigar os sujeitos a buscar
novos caminhos e a investigar novos conhecimentos.
Desenvolver uma prática pedagógica que valorize as ne-
cessidades dos educandos da EJA é uma tarefa árdua e corajo-
sa, principalmente na perspectiva construtivista do ensinar e
aprender. Para o educador compromissado com a prática peda-
gógica, existe a preocupação de planejar uma aula que desperte
o aluno para a aprendizagem, levando em consideração as his-
tórias e os trajetos de vida de cada educando.

| 108 |
Odalea Carla Andreis

O ensino na EJA é um pouco diferente do que nas demais


modalidades da educação básica, pois busca um resgate histó-
rico do cotidiano, do que é vivenciado pelos educandos no de-
correr de suas vidas, para a compreensão e a assimilação dos
conteúdos propostos em sala de aula. Busca-se estabelecer um
perfil mais aprofundado do aluno, adequando as ações pedagó-
gicas à realidade, estabelecendo currículos, metodologias e ma-
teriais didáticos próprios, bem como oferecendo uma formação
adequada aos professores, de forma a atender às necessidades
dessa modalidade de ensino.
Desenvolver uma didática ou metodologia eficiente para
atingir grande parte dos alunos da EJA é muito significativo,
pois a aula se torna atraente e os participantes conseguem con-
textualizar melhor os temas abordados. Além desse grande es-
forço por parte do professor, na busca por alternativas possíveis
para melhorar a aprendizagem dos alunos, um ponto muito re-
levante e que se observa como uma lacuna aberta nesta moda-
lidade é a forma de avaliar os alunos.
Muitas escolas ou instituições de ensino que possuem essa
modalidade de ensino realizam provas ou outros métodos tra-
dicionais de avaliação. Alguns autores defendem uma forma de
avaliação que contemple o todo do aluno, mas os questionamen-
tos dos educadores, que estão realmente preocupados com o de-
sempenho intelectual dos alunos, são enormes e sem respostas.
O ensino de ciências naturais possui algumas peculiari-
dades próprias para avaliar os alunos desta modalidade. Ao
longo do período letivo, tenta-se avaliar os alunos de forma sis-
temática (por meio de observações, perguntas e respostas feitas
durante as aulas, registros realizados, etc.) ou de forma espe-
cífica (provas, pesquisas, comunicações orais, relatórios, etc.).
É necessário diversificar as formas de verificação do avanço na
aprendizagem para que aqueles alunos com dificuldades em
expressão escrita, tímidos ou de difícil socialização não sejam
prejudicados pelo tipo de avaliação empregado. Por isso, con-

| 109 |
A interação dos alunos da educação de jovens e adultos com o ensino das ciências naturais

vém utilizar avaliações tanto individuais como coletivas, tanto


orais como escritas.
Em trabalhos de grupo, o professor pode verificar, por
exemplo, se todos os participantes demonstram respeito pela
opinião dos colegas; em um estudo do meio, se os alunos se preo­
cupam em manter limpo o local da visita; em uma experimen-
tação, se eles mantêm atitudes éticas no manuseio de material
biológico; nos debates, se manifestam posturas de organização
e respeito mútuo, etc. No caso da aprendizagem de procedimen-
tos e valores, mais importante do que registrar os progressos
dos alunos é oferecer a eles parâmetros e elementos que lhes
permitam fazer uma autoavaliação.
O ensino das ciências naturais na EJA interliga-se à ideia
de cidadania e a sujeitos comprometidos com a crítica e a inda-
gação, com a reflexão sobre problemas complexos, como os que
envolvem meio ambiente, saúde e tecnologia, trazendo para a
sala de aula temas atuais e ricos em implicações sociais, que es-
tejam ao alcance dos alunos, para discutir o papel da ciência no
mundo contemporâneo. O ensino das ciências naturais busca
uma educação baseada em atividades estimulantes, partindo
do cotidiano de jovens e adultos, já que estes possuem expe-
riências de vida que deveriam ser aproveitadas no ensino das
ciências naturais na EJA.

A educação de jovens e adultos na minha


prática educativa

O ambiente escolar e os educandos

No ano de 2014, quando designada a trabalhar com a dis-


ciplina de Ciências no Serviço de Educação de Jovens e Adultos
(Seja) da cidade de Marau, ao mesmo tempo em que estava feliz
com o novo desafio, uma pontinha de medo e frio na barriga to-

| 110 |
Odalea Carla Andreis

mava conta do meu “eu” educador. Na trajetória de educadora,


já possuía experiência em trabalhar com jovens e adultos nos
anos de 2005 a 2007, no Núcleo de Educação de Jovens e Adul-
tos em Passo Fundo, mas o público era mais jovem, quase todos
adolescentes e surdos, e as aulas transcorriam por intermédio
da comunicação na Língua Brasileira de Sinais (Libras), com
planejamento por meio de projetos e com duração de três me-
ses, em um trabalho de forma interdisciplinar.
Ao conhecer o bairro de localização e suas áreas verdes,
a estrutura da escola, as salas de aula, a direção, a biblioteca,
a sala multimídia, os materiais específicos da área de ciências
(mapas anatômicos, microscópio, boneco anatômico, coleção de
vídeos) e o espaço livre, consegui, num primeiro momento, ana-
lisar o que seria possível planejar e consequentemente o que eu
não conseguiria fazer em relação às aulas de ciências naturais.
Nesta primeira análise, a disponibilidade da direção da
escola em dar autonomia e confiança para o desenvolvimen-
to das aulas tornou-se fundamental para a realização de um
trabalho ousado, criativo e humanizador, sempre relacionado à
experiência que o aluno carrega consigo, desafiando-o, em vá-
rios momentos, sobre o que seria certo ou errado nas concep-
ções existentes e na desmistificação de conceitos das ciências
naturais.
Em um primeiro contato, ao mesmo tempo em que os
alunos me analisavam, eu os analisava. Quem eram aqueles
sujeitos? O que os movia para o universo da escola novamen-
te? Quais eram seus sonhos ou inspirações? Quais eram suas
experiências de vida e educacionais? Para quebrar o “gelo” da
primeira aula, ouvi a pergunta: “Tu é professora do quê?”. E
assim o ambiente ficou descontraído, com risos e apresentações
de ambas as partes.
De 2014 a 2016, estive a frente da disciplina de Ciências
do Seja. Nesse período, a ambientação continuou semestre a

| 111 |
A interação dos alunos da educação de jovens e adultos com o ensino das ciências naturais

semestre, pois alunos entravam, desistiam e se formavam. A


conclusão do ensino fundamental trazia alegria, por ver que
aquele aluno que chegou desatualizado, decepcionado com ex-
periências educacionais anteriores e com receio em enfrentar
novos desafios escolares, agora, estava pronto para entrar no
ensino médio.
De relato em relato, consegui perceber que não se trata-
vam de simples alunos de escola regular. Alguns tinham mi-
nha idade, outros eram mais novos, pré-adolescentes, alguns
até com a idade dos meus pais, e os mais corajosos, idade dos
meus avós. Que ambiente maravilhoso de troca, partilha e de
sonhos, muitos sonhos, mas, infelizmente, grande parte desis-
tia na primeira dificuldade, fosse surgida em casa, no trabalho
ou na própria escola. Mas aqueles que sonhavam em finalizar o
ensino fundamental para prosseguir no ensino médio e, poste-
riormente, no ensino superior continuavam.
As histórias de vida relatavam mais sofrimento do que
alegrias. Relatos de vida, de culturas diferentes, como as das
irmãs argentinas, do boliviano, dos senegaleses, que se admira-
vam com as oportunidades existentes na região ou no país em
relação aos estudos, como é fácil encontrar escolas abertas, que
não negam educação para as culturas diferentes. Havia tam-
bém histórias de vida de alunos com faixa etária entre 35 e
50 anos, que desistiram de estudar no antigo primário, pois os
pais necessitavam de seus filhos para auxiliá-los na lavoura,
por meio da qual conseguiam ter seu sustento, seu alimento.
Além das histórias de vida de muitos adolescentes, que que ti-
nham vergonha de comentar que tinham sido convidados a re-
tirar-se de suas escolas regulares por mau comportamento ou
que eram usuários de drogas – lícitas e ilícitas –, traficantes,
que já haviam sido detidos pela polícia, ou meninas que tinham
engravidado com 12, 13 ou 14 anos, que viviam geralmente
com os avós, ou só com a mãe, ou só com o pai, ou também que

| 112 |
Odalea Carla Andreis

tinham sofrido abuso sexual de algum sujeito ligado à famí-


lia. Eram situações que representavam uma parcela de nosso
público que, inicialmente, nascia de uma conjuntura familiar
totalmente desestruturada, com sujeitos que não tinham obje-
tivos ou sonhos a serem alcançados na vida. Alguns deles nem
se conheciam, não se cuidavam, apenas “tocavam o barco”, sem
perspectiva de melhoras na vida.
As aulas de ciências naturais foram criadas, recriadas, pla-
nejadas ou replanejadas, a fim de abranger toda a diversidade
existente no público do Seja. Algumas aulas eram específicas
para a totalidade, com desenvolvimento de aulas práticas sim-
ples, sempre fazendo relação com as experiências e o cotidiano
dos alunos, em outras aulas eram trabalhados temas gerais e
atuais, que geravam dúvidas e questionamentos que tinham
abrangência para todas as totalidades, como: conhecendo o cor-
po humano, sua higiene e as principais doenças sexuais; escla-
recimento de problemas atuais, como vírus Ebola, vírus H1N1;
quem são e onde vivem os insetos do gênero Aedes e quais as
doenças que transmitem; qual a importância da ciência para a
nossa vida; entre tantos outros.
Muitas vezes, a aula era planejada de uma forma, mas,
no decorrer do tempo, eram tomados caminhos diferentes, por-
que havia muitas dúvidas e colocações dos alunos que eram
mais interessantes de sanar ou desmistificar do que seguir em
frente, apenas porque a aula já estava planejada. Um professor
de ciências naturais precisa ter ampla visão de seu campo de
estudo e estar sempre atualizado, pois os alunos questionam
muito e não adianta apenas embromá-los, pois eles percebem
e comentam, nessas situações, é melhor dizer a verdade: “Não
sei, mas, para a próxima aula, você terá sua resposta”.
À medida que as aulas eram desenvolvidas, percebeu-se
que o principal objetivo do ensino de ciências naturais na mo-
dalidade EJA estava sendo o de proporcionar ao aluno a opor-

| 113 |
A interação dos alunos da educação de jovens e adultos com o ensino das ciências naturais

tunidade de contextualizar conceitos ou processos construídos


no espaço escolar por meio de diferentes formas de trabalhar
temas ou conteúdos, pois o que realmente importa na educa-
ção desta etapa é o desenvolvimento do crescimento intelectual,
moral e ético desses educandos, por intermédio de ensinamen-
tos, exemplos e experiências compartilhados na escola, a fim de
construir uma posição mais concreta em seus diálogos, no que
se refere a temas relacionados a ciências, mudando pontos de
vista em relação à sociedade, ou seja, ao senso comum.

Trabalhando com mapas conceituais

No decorrer das aulas, percebeu-se que os alunos não in-


teragiam de forma satisfatória quando se trabalhavam textos
impressos ou tradicionalmente passados no quadro. Partindo
desta situação, iniciou-se a utilização dos mapas conceituais
para substituir os textos.
Teoricamente, sabe-se que os mapas conceituais podem
ser usados para mostrar relações significativas entre conceitos
ensinados em uma única aula ou em uma unidade de estudo.
São representações concisas das estruturas conceituais que
estão sendo ensinadas e, como tal, provavelmente facilitam a
aprendizagem dessas estruturas. Entretanto, diferentemente
de outros materiais didáticos, mapas conceituais não são au-
toinstrutivos: devem ser explicados pelo professor. Portanto,
no decorrer da explicação, o professor cativa o aluno a prestar
atenção em uma sequência lógica do conteúdo.
Além disso, embora possam ser usados para dar uma vi-
são geral do tema em estudo, é preferível usá-los quando os
alunos já têm certa familiaridade com o assunto, ou seja, é re-
levante realizar a sondagem do que o aluno sabe sobre aquele
assunto, referindo-se ao resgate do cotidiano do aluno, de modo
que sejam potencialmente significativos e permitam a integra-

| 114 |
Odalea Carla Andreis

ção, reconciliação e diferenciação de significados de conceitos


(MOREIRA, 2010).
Na medida em que os alunos utilizaram mapas conceituais
para integrar, reconciliar e diferenciar conceitos, na medida em
que usaram essa técnica para analisar artigos, textos, capítu-
los de livros, experimentos de laboratório e outros materiais
educativos do currículo, educando e educador estavam usando
o mapeamento conceitual como um recurso de aprendizagem.
Ao longo do desenvolvimento das aulas utilizando esta me-
todologia, percebeu-se uma interação muito satisfatória e sig-
nificativa no andamento das aulas, com abordagens diferentes
para relacionar conteúdos e fatos corriqueiros e para posterior
relato, ocorrendo aprendizagem, formas de pensar diferentes
e desmistificação de muitos conceitos. Portanto, o método de
aprendizagem por meio de mapas conceituais é uma alterna-
tiva que pode levar a profundas modificações nas maneiras de
ensinar, avaliar e aprender, em que os alunos tornam-se ativos
do desenvolvimento dos conteúdos.

Projeto Tribos – na trilha da cidadania (2015)

No ano de 2015, o Seja inscreveu-se no Projeto Tribos –


na trilha da cidadania, da Associação Comercial Industrial
de Marau e dos Parceiros Voluntários, cujo principal objetivo
é desenvolver uma ação de mobilização social feita por jovens
que querem transformar a realidade. Eles se reúnem, escolhem
uma trilha (meio ambiente, cultura ou educação para a paz) e
fazem ações voluntárias na comunidade, contribuindo para um
Rio Grande do Sul com atitude voluntária.
Ao selecionar a turma que iria participar do projeto, foram
analisados a faixa etária, a disponibilidade de tempo para de-
senvolver as tarefas algumas vezes fora do período de aula e os
alunos que possuíam um comportamento mais agitado, a fim de

| 115 |
A interação dos alunos da educação de jovens e adultos com o ensino das ciências naturais

envolvê-los em algo que os tornassem mais calmos, desenvol-


vendo o respeito pelo outro e a paciência.
O projeto foi desenvolvido na trilha do meio ambiente e
teve várias ações. É relevante ressaltar duas etapas que tive-
ram caráter significativo na construção da relação com o outro.
A primeira ação estava relacionada a construção e criação de
brinquedos reciclados para doar a uma entidade carente do mu-
nicípio. O planejamento e a pesquisa para iniciar o trabalho de
construção partiram da iniciativa dos alunos, enquanto alguns
pesquisavam na internet quais brinquedos iriam construir, ou-
tros coletavam o material e outros realizavam os testes para a
montagem adequada. Nesse momento, foi possível observar que
aquele grupo, apesar das diferenças, estava unido e protagoni-
zava uma ação humanizadora, pois os objetos que construíam
eram para o outro, o que os manteve juntos por um objetivo.
Com os brinquedos reciclados construídos, iniciou-se a en-
trega para os alunos da instituição, mas não se tratou de uma
simples entrega. Além de entregar os brinquedos, os jovens
adolescentes interagiram com os alunos e seus brinquedos de
forma respeitosa, ensinando-os a manusear os novos objetos.
Assim, observou-se que o protagonismo juvenil é um instru-
mento de educação para a cidadania, que possibilita aos jovens
uma aprendizagem e uma vivência em sociedade de forma soli-
dária, identificando valores e ações, reconhecendo-se como ato-
res sociais.
A segunda ação desenvolvida relacionava-se ao plantio de
sementes de flores com alunos do pré-A de uma creche localiza-
da no mesmo bairro da escola. A atividade envolveu duas faixas
etárias: crianças de até 5 anos de idade e adolescentes e adultos
de 15 a 21 anos. A integração proporcionada pela atividade tor-
nou-se algo encantador e afetuoso. O cuidado dos maiores com
as crianças ao ensinar como plantar não era somente a ação
de um projeto bem-sucedido, mas uma troca de saberes, com

| 116 |
Odalea Carla Andreis

respeito e diálogo, com a compreensão do valor dos sentimentos


demonstrados a cada gesto, a cada olhar.
No relato dessas duas ações, pode-se perceber que aqueles
alunos, mesmo com os diversos problemas familiares, sociais
e educacionais, estavam vivenciando um momento prazeroso
e satisfatório na relação com o outro, percebendo-se um lado
mais carinhoso e cuidadoso em sujeitos que, inicialmente, eram
vistos como agressivos em suas colocações e palavras.

Aulas práticas (2015 – 2016)

O ensino das ciências naturais, historicamente, tem sido


caracterizado pela mera repetição de conteúdo, guiando-se
pelo livro didático e pela memorização. Algumas vezes, a uti-
lização do livro didático enfoca situações que contradizem a
realidade dos alunos, fazendo com que não se sintam motiva-
dos e tampouco incluídos como sujeitos ativos no processo de
ensino-aprendizagem. As atividades práticas na educação das
ciências naturais devem proporcionar ao aluno a oportunidade
de desenvolver habilidades e capacidades que despertem a in-
quietação diante do desconhecido, estimulem a interpretação e
o aprofundamento teórico, envolvendo os domínios cognitivos,
psicomotores e afetivos.
As atividades práticas desenvolvidas com as turmas de
EJA, no decorrer dos semestres, foram muito simples, mas com
grande relevância para explorar o conhecimento prévio dos alu-
nos e desmistificar alguns conceitos passados de geração em
geração.
Dentre as atividades desenvolvidas, destaca-se a experiên-
cia do fermento biológico para fazer pão envolvendo fungos, que
as alunas adoraram e até fizeram testes em casa para ver se
dava certo ou errado; no fim, tiveram que colocar no lixo o ma-
terial, porque confirmaram que, sem açúcar e sem água morna,

| 117 |
A interação dos alunos da educação de jovens e adultos com o ensino das ciências naturais

a reação química entre o fermento e a glicose liberam o gás car-


bônico, por isso ocorre as bolinhas no meio do pão. Também foi
realizada a simples tarefa de separar o feijão na água, em que o
feijão ruim fica em cima e o bom embaixo, envolvendo o proces-
so da densidade. Com esses experimentos, os alunos verifica-
ram que os exemplos de propriedades da matéria ou mudança
de estados físicos da matéria ocorrem diariamente em nossas
vidas. As atividades experimentais ou práticas são capazes de
consolidar uma aprendizagem significativa, pois exigem mani-
pulação de materiais já conhecidos, com elaboração de hipóte-
ses e ideias, confrontando concepções e fatos observados.
Nem sempre as atividades deram certo, por inúmeros mo-
tivos, mas sem descartar os resultados obtidos e todo o trabalho
realizado, tentou-se aproveitar os “erros” experimentais para
confrontar com dados observados em diferentes grupos, suge-
rindo aos alunos que investigassem o porquê de o experimento
não ter o resultado esperado.
Esses momentos de revisão são muito importantes no pro-
cesso de construção de conhecimento científico. Neles, é comum
surgirem ideias para mudar a situação inicial, indicando que
os alunos efetivamente vivenciaram a experimentação e não se
restringiram a apenas seguir regras preestabelecidas.
As discussões acerca dessas práticas simples, que não le-
varam mais de quinze minutos para se obter os resultados, fo-
ram muito gratificantes, pois os alunos que não participavam
em aulas teóricas, nesses momentos, estavam ativos e questio-
nadores. Portanto, mesmo com espaço e tempo poucos para rea-
lizar as atividades práticas, esses momentos ajudaram a tornar
o conteúdo interessante e atraente, possibilitando aos alunos
o desenvolvimento das capacidades de observação, reflexão e
compreensão do meio em que vivem.

| 118 |
Odalea Carla Andreis

O corpo humano e a alimentação saudável (2016)

O reconhecimento do corpo humano é uma constante ao


longo das etapas da vida humana. Reconhecer, cuidar e explo-
rar o corpo humano de forma correta facilita muito o autoco-
nhecimento e a autoaceitação, partindo da estrutura anatômica
corporal. Nesse sentido, foram desenvolvidas duas atividades,
com alunos em idades entre 15 e 55 anos.
Na primeira atividade, relacionada a identificar funções
e formatos dos órgãos constituintes, solicitou-se a formação de
duplas para desenhar o corpo de um dos componentes, em que
cada dupla responsabilizou-se por desenhar detalhadamente
um órgão e explicá-lo de forma simples, ou seja, quais eram
seus saberes em relação àquele sistema; em seguida, foram dis-
ponibilizados materiais impressos, como livros e revistas, além
da utilização da internet por meio dos netbooks disponibiliza-
dos pela escola.
Na segunda atividade, relacionada à alimentação, a pro-
fessora desenhou a pirâmide alimentar em uma folha de papel
pardo, e cada grupo de alunos ficou responsável por um item
dos nutrientes (carboidratos, lipídios, proteínas, vitaminas).
Para cada item da pirâmide, os grupos recortaram alimentos
para completar a lacuna, enquanto a professora acompanhava
e auxiliava cada grupo. Quando a pirâmide estava pronta, a
professora explicou sobre as funções de cada nutriente, os ali-
mentos que são fontes de cada um e as consequências da sua
carência ou do seu excesso no organismo. Para finalizar, a pro-
fessora proporcionou aos alunos um momento de degustação
de alguns alimentos, como amaranto, gergelim, chia, castanha,
avelã, sementes de abóbora e de girassol, entre outros, expli-
cando sobre a riqueza nutricional, os benefícios para a saúde e
a importância desses alimentos para o bom funcionamento do
corpo humano. Ao mesmo tempo, os alunos tiveram acesso a

| 119 |
A interação dos alunos da educação de jovens e adultos com o ensino das ciências naturais

informações como: nome, forma de cultivo, principais nutrien-


tes e relação com os povos antigos, que consumiam com mais
frequência esses alimentos.
Desmistificar alguns saberes tornou-se um grande desafio,
pois temas relacionados com o corpo humano e a saúde desta-
cam-se com atenção especial, uma vez que as turmas de EJA
costumam ser formadas por indivíduos em diferentes fases do
ciclo vital: jovens, adultos e idosos. É essencial trabalhar com
essa modalidade de ensino tanto a caracterização biológica das
várias etapas da vida humana, com suas demandas caracterís-
ticas e diferenciadas em relação a saúde e sexualidade, quanto
as representações que se fazem dessas fases, esclarecendo que
são representações subjetivas e estão relacionadas à identidade
cultural desses sujeitos.

Considerações finais
O caminho para a mudança deste país está em nossas
mãos, mãos de educadores que sonham, criam e partilham
esperanças na área educacional. Para isso acontecer, são ne-
cessários empenho, dedicação e coragem para fazer a diferen-
ça no modo de planejar e compartilhar os saberes necessários,
tornando jovens e adultos capazes de fazer e refazer, formar e
transformar, criar e recriar seus trajetos de vida e a própria
sociedade, pois a mudança é essencial para todo ser humano.

Referências
PIAGET, J. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1970.
MOREIRA, M. A. Mapas conceituais e aprendizagem significativa. São
Paulo: Centauro, 2010.

| 120 |
Flávio da Silva Figueiró et al.

A prática pedagógica
na educação de
jovens e adultos
no Núcleo de Palmeira
das Missões, RS
Flávio da Silva Figueiró
Maria Georgina Freire
Neusa Marisa Leal Klein
Rosaneti Saurin Machado

Introdução

O
presente texto apresenta algumas práticas pedagógi-
cas utilizadas na educação de jovens e adultos (EJA)
nos diferentes processos de formação do Núcleo Es-
tadual de Educação de Jovens e Adultos e Cultura Popular
(NeejaCP), de Palmeira das Missões, RS. Essa abordagem torna-
-se uma exigência, dado o percurso realizado por esse núcleo des-
de 1999, como memória necessária dessa temporalidade, quando
transitou entre os ensinos fundamental e médio de forma pre-
sencial (totalidades1) e não presencial (exames supletivos).
Essas transições sempre foram marcadas por iniciativas
individuais de determinados grupos na perspectiva de garan-

1
Totalidade – uma perspectiva de trabalho interdisciplinar, valorizando todas as
áreas de conhecimento.

| 121 |
A prática pedagógica na educação de jovens e adultos no Núcleo de Palmeira das Missões, RS

tir um processo de ensino e aprendizagem de jovens e adultos


voltado para uma educação integral, considerando aspectos so-
ciais, afetivos e cognitivos dos alunos. Nesse processo de mu-
dança, eram recorrentes os questionamentos sobre a prática,
diante das diferentes exigências do contexto educacional do nú-
cleo, cujo maior interesse era que as práticas pudessem refletir
sobre sua presença na sociedade. Segundo Freire (1996, p. 44):

Não se permite a dúvida em torno do direito, de um lado, que os


meninos e as meninas do povo têm de saber a mesma matemática,
a mesma física, a mesma biologia que os meninos e as meninas das
“zonas felizes” da cidade aprendem, mas de outro, jamais aceita que
o ensino de não importa qual conteúdo possa dar-se alheado da aná-
lise crítica de como funciona a sociedade.

Um pouco do histórico do núcleo


O NeejaCP foi criado por ordem de serviço da 20ª Coorde-
nadoria Regional de Educação, quando se iniciou o processo de
transformação de Núcleo de Orientação dos Exames Supletivos
(Noes) em Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos
(Neeja). Os trabalhos iniciaram em abril de 1999. Simulta-
neamente à elaboração da documentação para o novo formato
(Neeja), iniciou-se a preparação dos educandos para as provas
do supletivo e, para os apenados do presídio estadual desta ci-
dade, passou-se a ofertar aulas diárias. No mesmo ano, ainda
como Noes, ocorreu o processo do Constituinte Escolar. Mu-
danças significativas foram aprovadas durante esse processo,
deflagrado nas escolas estaduais, dando origem ao documento
Princípios e Diretrizes da Educação Pública, RS.
A metodologia sublinhada para iniciar a proposta de EJA
no núcleo foi o construtivismo interacionista do educador Paulo
Freire, que envolve a construção do conhecimento a partir da
relação dialética entre o saber popular e o saber científico, com
uma proposta de currículo que transcenda o espaço físico da

| 122 |
Flávio da Silva Figueiró et al.

escola em interação com a comunidade. Foi então que se esco-


lheu o nome do núcleo, entre outros, ficando assim denomina-
do: “Ensinando e Aprendendo”. Até o ano de 2015, as práticas
educativas transitavam entre as totalidades e os exames suple-
tivos. Em 2016, com o novo regimento (padrão para os núcleos
do RS), a oferta se reduziu somente a exames supletivos. A de-
nominação NeejaCP surgiu com esta nova formatação.
Um dos grandes desafios lançados nessa trajetória foi ga-
rantir o espaço de formação dos educadores, espaço este con-
quistado porque a trajetória formativa adotou uma postura
dialógica, fundada na vida de cada ator do processo educativo.
Assim, na tentativa de romper com uma metodologia tradicio-
nal, há dezoito anos, trabalha-se com uma proposta de constru-
ção coletiva. Muitas mudanças se tornaram realidade durante
esta caminhada, porém, ainda se almejam avanços. Acreditar
em modelos e receitas que venham ao encontro dessa realidade
seria conceber uma proposta centralizada e elitista, reservando
aos educadores o papel de executores. Na contramão de uma
prática centralizadora, essa instituição centra seu trabalho na
construção coletiva, característica da formação continuada do
núcleo, com a participação de professores e funcionários.
Pacheco (2009, p. 22) refere-se à formação como: “[...] pro-
pósito confessado de intervenção, que ultrapassa a busca da
compreensão, para aspiração ao encontro com algumas pistas
de ação”. Dessa forma, ratificando nossa característica, aspira-
mos encontrar ferramentas para nossa prática pedagógica, pois
de nada serve a formação se não vier ao encontro da construção
de conhecimento com nossos educandos. Com a nova organi-
zação, ou seja, com um currículo voltado especificamente para
exames supletivos, a formação dos professores se propõe a ofe-
recer uma avaliação estruturada em competências e habilida-
des- competências relativas às áreas do conhecimento em nível
de conclusão dos ensinos fundamental e médio. Nessa perspec-

| 123 |
A prática pedagógica na educação de jovens e adultos no Núcleo de Palmeira das Missões, RS

tiva, destaca-se a formação pedagógica do professor, abrindo


espaço para a reflexão crítica sobre a prática na construção de
sua autoformação, da sua identidade docente e da identidade
da prática pedagógica da escola.
Não há como tratar de prática pedagógica sem mencionar
formação. Partindo dessa dialética, entende-se que as práticas
identificadas a seguir estão imbricadas no estudo, na reflexão,
nas estratégias e no planejamento no espaço semanal de for-
mação que o núcleo conquistou, nas sextas-feiras à tarde. E por
que não acrescentar um pouquinho de utopia? A utopia:

Ela está lá no horizonte – disse Fernando Birri –. Me aproximo dois


passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte
corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para
que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de cami-
nhar (GALEANO; BORGES, 1994, p. 310, tradução nossa).2

O texto supracitado retrata muito bem a caminhada que


o Neeja vem desenvolvendo ao longo de 18 anos de história. Ao
longo dessa trajetória, muitos educadores chegaram e alguns
partiram, mas cada um ajudou a construir a EJA, pensada
para aquelas pessoas que foram excluídas do processo de edu-
cação. E, por toda essa dedicação, compromisso e responsabili-
dade, hoje, o NeejaCP é referência no município e na região no
que diz respeito à EJA. A identidade foi construída por meio do
trabalho realizado, entendendo-se que a EJA não pode ser vista
apenas como uma educação compensatória ou uma forma de
tornar mais rápido o processo de certificação. O grupo de traba-
lho faz do núcleo um espaço de construção do conhecimento, em
que cada educando seja sujeito e protagonista de sua história,
resgatando sua autoestima e oportunizando que ele reescreva
sua história de vida.

2
Do original: “Ella está en el horizonte – dice Fernando Birri –. Me acerco dos pasos,
ella se aleja dos pasos. Camino diez pasos y el horizonte se corre diez pasos más
allá. Por mucho que yo camine, nunca la alcanzaré. ¿Para qué sirve la utopía?
Para eso sirve: para caminar”.

| 124 |
Flávio da Silva Figueiró et al.

Atualmente, o núcleo desenvolve atividades não presen-


ciais para educandos dos ensinos fundamental e médio e faz
atendimentos no Presídio Estadual de Palmeira das Missões.
A formatação das atividades está direcionada à oferta de aulas
preparatórias e aplicação de provas. Como as aulas ocorrem
por áreas do conhecimento, quem orienta a aprendizagem são
os professores de cada área. Na área de Linguagens: Edivana
Maria Stival Buligon, Eliana Signori Prado, Gilma Iara Fortes
de Oliveira Germano, Ione Isabel Thomazi e Leidiane Pinhei-
ro Bueno; na área de Ciências Humanas: Mara Inês Scherer
Gonçalves e Ricardo Aguirre de Moraes; na área de Ciências
da Natureza: Claudir da Silva e Daiana Demarco; na área de
Matemática: Eduardo Hauch Prestes. Complementam o qua-
dro as funcionárias: Lurdes Previatti Rano Signori, Lucineida
Fernandes Hempel e Vanda Maria Morais da Silva. Esse qua-
dro corresponde aos professores e funcionários que participa-
ram do curso de formação continuada “O trabalho pedagógico
na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as
práticas educativas”, na cidade de Marau, experiência que deu
origem a este material.

Retomando algumas práticas vivenciadas


até 2016
Ao longo dos anos de experiências vivenciadas na EJA pelo
núcleo, muitas foram as práticas que marcaram os processos
de ensino-aprendizagem. A Figura 1 mostra um momento de
formação dos professores para o trabalho com projetos.

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A prática pedagógica na educação de jovens e adultos no Núcleo de Palmeira das Missões, RS

Figura 1 – Formação para educadores: trabalhando com projetos

Fonte: NeejaCP, Palmeira das Missões, RS.

Para ilustrar a abordagem deste texto, destacamos uma


prática pedagógica, dentre tantas outras, que foi desenvolvida
no ano de 2014. Iniciamos o ano letivo com uma pesquisa so-
cioantropológica, cuja finalidade foi conhecer nossos alunos e
o modo de vida do bairro em que moravam. Durante a realiza-
ção da pesquisa, foram realizadas dinâmicas de grupo. Em um
primeiro momento, foram reunidos os alunos dos ensinos fun-
damental e médio para apresentar a proposta da pesquisa. Na
sequência, os grupos foram divididos por bairro, para realizar
várias atividades: localização no mapa; discussão e sistemati-
zação coletiva; reflexão e sistematização individual; relato de
história de vida no bairro. Já, no segundo momento, os profes-
sores reuniram-se para discutir e analisar as atividades reali-
zadas pelos alunos, apontando eixos temáticos e um tema gera-
dor. No terceiro momento, foi proposta (direção e coordenação)
ao grupo de professores a discussão de planejamento em áreas
de conhecimento, conhecimento macro e micro, considerando o
levantamento preliminar da realidade dos bairros. No quarto

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Flávio da Silva Figueiró et al.

momento, foi realizado o planejamento por disciplina, levan-


do em consideração todo trabalho realizado até então e, para
a organização das aulas, a metodologia da problematização, os
conceitos, as habilidades e a avaliação.
Partindo do pressuposto de que a realidade do aluno é
componente necessário para o planejamento da prática peda-
gógica, o planejamento deve considerar que a pesquisa socioan-
tropológica tem como objetivo a investigação social, por meio da
qual se busca plena participação da comunidade na análise de
sua própria realidade, a fim de promover a participação social
dos investigados, sendo que a problematização pretende aguçar
as diferentes situações-limite do lugar e apresentar propostas a
elas. As fichas preenchidas pelos educandos e os planejamentos
realizados pelos professores ilustram, a seguir, o processo de
desenvolvimento da prática pedagógica.

Figura 2 – Organograma da pesquisa

Fonte: NeejaCP, Palmeira das Missões, RS.

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A prática pedagógica na educação de jovens e adultos no Núcleo de Palmeira das Missões, RS

Figura 3 – Pesquisa socioantropológica individual

Fonte: NeejaCP, Palmeira das Missões, RS.

Figura 4 – Pesquisa coletiva

Fonte: NeejaCP, Palmeira das Missões, RS.

Figura 5 – Ficha para escrever a história de vida

Fonte: NeejaCP, Palmeira das Missões, RS.

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Flávio da Silva Figueiró et al.

Figura 6 – Sistematização da fala dos educandos

Fonte: NeejaCP, Palmeira das Missões, RS.

Figura 7 – Planejamento das áreas de matemática e ciências da natureza

Fonte: NeejaCP, Palmeira das Missões, RS.

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A prática pedagógica na educação de jovens e adultos no Núcleo de Palmeira das Missões, RS

Figura 8 – Plano de trabalho

Fonte: NeejaCP, Palmeira das Missões, RS.

Nas fichas, no organograma, nas pesquisas socioantropo-


lógicas, individual e coletiva, na história de vida, na fala dos
alunos, no planejamento de área, no plano de trabalho e na ati-
vidade prática, observa-se que o ponto de partida é a realidade
levantada por meio de pesquisas realizadas nas comunidades
onde vivem os envolvidos no processo. Os conteúdos foram tra-
balhados por meio do tema gerador. Por intermédio da pesqui-
sa, pode-se perceber a rede de relações sociais, os problemas,
os conflitos, as necessidades e os interesses que desafiam a co-
munidade na qual o educando é construtor de hipóteses sobre
a realidade, reelaborando, assim, o conhecimento. Isso se dá a
partir do trabalho realizado pela elaboração de redes temáticas
que partem de um tema gerador. A proposta metodológica que
se utiliza do tema gerador exige o conhecimento do universo
que envolve o educando, a comunidade, suas relações, vivên-
cias, dificuldades, em um movimento de ida e volta necessário
para o desvelamento da realidade social, política e econômica.

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Flávio da Silva Figueiró et al.

Dentre as atividades práticas que resultaram da prática


pedagógica supracitada, podemos citar: o Caldeirão do Neeja; o
Telejornal do Neeja; Ação Ambiental (produção de sabão casei-
ro); Sarau da Língua Portuguesa e Ação Social (visita ao asilo
municipal); entre outras.

Figura 9 – Folder do Caldeirão do Neeja

Fonte: NeejaCP, Palmeira das Missões, RS.

A nova configuração do núcleo


Com a nova organização, desde 2016, o NeejaCP passa a
trabalhar exclusivamente com exames supletivos. Segundo Oli-
veira (2011, p. 15): “Cada contexto está marcado pela condição
da mudança, da transformação. [...] Todas se configuram em
permanente mudança: [...] pelo avanço conquistado no campo
da legislação e da cidadania [...]”. Essa busca pode vir por meio
de legislação ou imbricada nas políticas educacionais, nas prá-
ticas educacionais e ou pedagógicas, nas manifestações sociais.
O importante é que as mudanças e os avanços venham contri-

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A prática pedagógica na educação de jovens e adultos no Núcleo de Palmeira das Missões, RS

buir com o processo de ensino e aprendizagem e, consequente-


mente, com a formação do cidadão.
O NeejaCP, em suas diferentes transições, no trabalho com
totalidades e com exames supletivos, busca as contribuições que
as mudanças podem trazer, sejam elas naturais ou impostas. Na
nova formatação, é importante tornar pública a real proposta da
escola, já que precisou reformular sua ação e definir prioridades
diante de diferentes exigências do contexto social. Nesse sen-
tido, a oferta de exames supletivos deve ser tratada como uma
política social, com o compromisso fundamental de garantir os
direitos do cidadão, dentro dessa nova formatação.
Mais uma vez, a formação é de grande importância, pois é
nesse espaço que se debatem as diversas estratégias possíveis
para se preparar uma boa prova de acordo com o nível ofereci-
do (ensinos fundamental e médio). É importante que as provas
oferecidas possibilitem meios para certificar saberes adquiridos
tanto nas aulas preparatórias quanto nas atividades extraesco-
lares, pois nem todo aluno que faz a prova frequenta as aulas,
já que essa modalidade não tem obrigatoriedade de presença.
Se considerarmos que todo professor desenvolve uma prá-
tica pedagógica no seu espaço escolar, é importante que a escola
defina qual fundamentação é prioridade para a prática pedagó-
gica, e, mais uma vez, a formação é o espaço para essa discussão.
A equipe do NeejaCP entende que, ao ofertar aulas e exa-
mes supletivos, sua prática deve estar voltada para tal. Nessa
diretriz pedagógica, aulas e provas devem considerar a escolha
de questões problematizadoras, que reflitam os conflitos micro
e macro vivenciados pelos educandos, abrangendo os âmbitos
municipal, estadual, nacional e internacional.
Conclui-se que a idealização e a construção das práticas
pedagógicas, nesse contexto, devem considerar a caminhada do
núcleo, com suas mudanças e suas transformações. Portanto,
nossas práticas precisam nos ensinar a conviver com a incerte-

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Flávio da Silva Figueiró et al.

za do conhecimento e do cotidiano, com o imprevisto, e, por isso,


tais práticas dependem do espaço de formação para uma per-
manente avaliação individual e coletiva, atentando para o que
os pares têm a dizer. Na caracterização pedagógica, segundo
Freire (1996, p. 132): “[...] quem tem o que dizer deve assumir
o dever de motivar, de desafiar quem escuta, no sentido de que,
quem escuta diga, fale, responda”.
Encerra-se o texto com os relatos de três alunas que pas-
saram pelo NeejaCP:

Minha filha que me fez ir para o Neeja. Fui as primeiras vezes, achei
tão difícil, parece que tava atada, voltei, quase tava desistindo. E
comecei a gostar, a aprender, tava numa alegria, eu não esperava,
foi uma transformação. Eu dei exemplo pra muita gente, muitos vol-
taram a estudar. Quando a gente é nova, não dá valor pros estudos,
casava cedo e só cuidava do marido, dos filhos e da casa (Valda Rosa
Vila Fortes, formanda, 2003).

Descobri o Neeja quando fui estudar para o Supletivo. Tinha parado


na 6ª série. Morando na Esquina Scherer, posava em uma tia para
assistir as aulas. Fiz vestibular com 89 concorrentes, e fiquei em 6º
lugar. Passei nos concursos do município e do estado, para profes-
sora de geografia. Agradeço ao Neeja a oportunidade de estudar e
melhorar minha vida e da minha família (Aliana do Amaral Pias,
formanda, 2004).

Está certo que sonhar é um propósito importante na vida, mas isso só


faz sentido se não ficar prostrada esperando que tudo aconteça como
um milagre. Acordei em tempo de não deixar minha vida passar sem
que eu percebesse. Procurei o Neeja e encontrei pessoas maravilho-
sas que me ajudaram muito. Esperei 40 e poucos anos para realizar
meu sonho de fazer uma faculdade. O Neeja me proporcionou o que
eu precisava para isso. Quando veio o CESNORS fiz Administração.
Me formei com 67 anos e cursei pós-graduação em Administração e
Marketing. Estudar é a maneira de estar sempre ativa e centraliza-
da, ampliando seus conhecimentos e sua visão do mundo (Marilene
Hostyn Branchier, formanda, 2003).

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A prática pedagógica na educação de jovens e adultos no Núcleo de Palmeira das Missões, RS

Referências
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. 36. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
OLIVEIRA, Marcia Cristina. Caminhos para a gestão compartilhada da
educação escolar. Curitiba: IBPEX, 2011.
PACHECO, José. Escola Da Ponte – formação e transformação da educa-
ção. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. (Coleção Transições).
GALEANO, Eduardo; BORGES, José. Las palabras andantes. Buenos Ai-
res: Siglo XXI, 1994.

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Andréia Fasolin Fioravanço Bassani | Maris Dias Tonial

Serviço de Educação
de Jovens e Adultos:
o recomeço de
um novo caminho
Andréia Fasolin Fioravanço Bassani
Maris Dias Tonial

Introdução

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para


que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do ou-
tro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim
alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o
mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar,
e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando
finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: ‘Me
ajuda a olhar!’ (GALEANO, 2002, p. 12).

A
ssim como um filho pede aos pais que lhe mostrem o
caminho, que lhe ensinem a olhar a vida, a conhecer
a imensidão, a grandeza do mundo, oferecendo-lhe um
norte para que tenha condições de seguir e construir sua pró-
pria caminhada, os professores de turmas de educação de jo-
vens e adultos (EJA) precisam servir de mediadores para que
esses sujeitos redescubram ou retomem seu próprio caminho
de estudos, com um novo olhar de mundo, ressignificando seus
conceitos de cidadãos inseridos na sociedade.

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Serviço de Educação de Jovens e Adultos: o recomeço de um novo caminho

O trabalho na EJA é desafiante, motivador e provocador,


possibilitando o crescimento tanto para o professor quanto para
o aluno. Assim, ambos podem aprender juntos e ressignificar o
conhecimento.

Educação de jovens e adultos


Quando se pensa em turmas de EJA, é necessário um olhar
distinto, sem fazer diferença, que veja primeiro o humano, o
ser, para depois pensar na construção do conhecimento, razão
maior de uma escola. A educação de EJA deve ter consistência
e flexibilidade. O programa precisa contemplar todos os campos
da aprendizagem e da emoção.
Muitas vezes, é preciso diminuir o ritmo, deixar a ansie-
dade de querer somente passar conteúdos, para olhar nos olhos
e escutar. Torna-se necessário perceber a essência, a origem,
a história, as vivências e, então, a bagagem de conhecimento
de cada um. É preciso saber de onde vem cada um de nossos
alunos. É preciso conhecer e entender sem julgamento quem
são eles, procurando harmonizar e suavizar seus medos, para
depois iniciar o objetivo a que veio. E ele próprio, ao conhecer a
história de cada um e ao perceber que muitas dessas histórias
se parecem com a sua, irá gostar de voltar para o convívio es-
colar, vai querer estar de volta e permanecer na escola, querer
fazer parte dela de forma atuante, fazendo a diferença para si e
para o outro, e nisso está o início do processo de aprendizagem.
Todo aluno traz vivências, experiências de vida e informa-
ções que, de alguma forma, chegaram até ele, e é preciso trans-
formar essas experiências e informações em conhecimento. De-
pendendo da forma como essas vivências lhes foram apresenta-
das, podem ter sido boas ou ruins, levando a bons conhecimen-
tos ou trazendo consequências desastrosas, cicatrizes difíceis

| 136 |
Andréia Fasolin Fioravanço Bassani | Maris Dias Tonial

de serem curadas. Essas vivências não podem ser ignoradas no


processo de aprendizagem dos alunos.
Um educando, quando busca a escola de modalidade EJA,
traz consigo a essência do ser humano, por vezes, carregado de
frustrações que a vida lhe impôs e lhe ocasionou a falta de opor-
tunidade de estudos em seu tempo hábil. Muitas são as razões
e os relatos para justificar essa disparidade de estudo. Perce-
be-se que, quando a família não se envolve suficientemente na
corresponsabilidade de estudo, o aluno não se sente estimulado
a frequentar as aulas e acaba desistindo. Podem ser citados
como exemplos de apoio pais e até mesmo filhos que demons-
tram que participar faz a diferença.
As histórias que ouvimos dos educandos quando retornam
à escola são, na grande maioria, as mesmas que ouvimos em
nossas próprias casas.1 Muitos adultos não puderam dar con-
tinuidade aos estudos na infância, e, hoje, vivenciamos a volta
de muitos que dizem ter parado de estudar justamente devido à
necessidade de trabalhar, ou na roça, ou no cuidado dos irmãos
menores. Ouvimos histórias de filhos adultos, formados, que
trazem seus pais para a escola de EJA. Ouvimos frases do tipo:
“Vim fazer a matrícula escolar de minha mãe, que não pôde
terminar os seus estudos porque tinha de cuidar de mim e de
meus irmãos”.

1
Eu mesma, Andréia, enquanto diretora do Serviço de Educação de Jovens e
Adultos (2013-2016), no ato da matrícula de muitos alunos adultos que voltavam
para a escola, muitos eufóricos, outros com vergonha da idade, deparava-me com
lembranças de minha infância e adolescência ao relembrar das palavras de meu
pai (Enilo Marcante Fioravanço – in memoriam) sobre a importância dos estudos.
Cresci ouvindo que seu maior sonho era proporcionar estudo aos seus quatro filhos,
uma vez que em sua infância não teve essa oportunidade. Frequentou somente até
a 4ª série, mas contava com muito orgulho e como se fosse um dos seus grandes
feitos ter conseguido repetir esta mesma série para não ficar sem ir à escola, pois,
após esta etapa, teria que parar de estudar para ir trabalhar na roça. Sempre nos
disse que o estudo era a única herança que nunca iríamos perder, que ninguém
nunca nos tiraria este bem, e que era através do estudo que poderíamos nos
sustentar e cuidar de nossa família. Seu desejo se realizou no dia da formatura de
sua última filha, minha irmã caçula, quando foram visíveis sua alegria e satisfação
de ver o dever cumprido, ao dizer: “Pronto, todos formados”.

| 137 |
Serviço de Educação de Jovens e Adultos: o recomeço de um novo caminho

Muitos adolescentes que não davam certo nas outras esco-


las por apresentarem atitudes e comportamentos não condizen-
tes com a aprendizagem da escola dita “regular”, ao frequenta-
rem a EJA, sentem-se acolhidos e se identificam com a realida-
de da escola, mostrando mudanças de postura, interesse, e, ao
final das totalidades, concluem os estudos com êxito. Como pro-
va disso, temos a lembrança do aluno Francisco, que não queria
de forma alguma ser promovido, pois não queria voltar para
a escola regular e ainda não tinha idade para continuar seus
estudos de ensino médio na modalidade EJA. Também lembra-
mos do aluno Yago, que, por ser portador de necessidades espe-
ciais, também não queria deixar a escola e passar novamente
pelos problemas que já havia enfrentado em outras escolas.
A escola de Serviço de Educação de Jovens e Adultos (Seja)
serve também de referência aos alunos portadores de neces-
sidades especiais, pois se oportuniza a realização de muitos
sonhos que uma escola regular muitas vezes não consegue al-
cançar. Esses sujeitos são acolhidos e lhes são proporcionadas
atividades especiais, como leitura e escrita em braile, digitação
ao invés do caderno e adaptações físicas da escola, com visível
crescimento nos aspectos cognitivo, intelectual e social, incluin-
do a certificação de ensino fundamental, desejo de todos eles.
A educação está tendo uma visão diferenciada inclusive
pelo Poder Público e pelo Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), já que vários alunos estão retornando à escola depois
de atos infracionais ou acidentes de trabalho como forma de
reabilitação e reinserção na sociedade. Mas, como seres huma-
nos complexos e falhos, cada um tem uma reação em relação
ao estudo. Alguns, por serem amparados pela lei da obrigato-
riedade do estudo até os 18 anos de idade, ficam na escola até
completar a maioridade e, quando isso acontece, abandonam
por completo os estudos, aumentando os índices de evasão esco-
lar. Outros, por necessidade de melhoria na qualidade de vida,
retomas os estudos em busca de qualificação.

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Andréia Fasolin Fioravanço Bassani | Maris Dias Tonial

Com o propósito de sanar, oportunizar e facilitar a per-


manência e o sucesso dos alunos, a escola precisa ter um olhar
especial para a organização do currículo e das áreas do conhe-
cimento. Por isso, a organização das turmas de EJA de Marau
acontece da seguinte forma: a alfabetização se dá nas totalida-
des 1, 2 e 3, correspondentes aos anos iniciais do ensino fun-
damental, do 1º ao 5º ano; e a pós-alfabetização compreende as
totalidades 4, 5 e 6, correspondentes aos anos finais do ensino
fundamental, do 6º ao 9º ano. Essa organização também se dá
por semestre, logo, temos um fluxo de alunos inconstante, de-
vido ao sistema diferenciado de avaliação/promoção, em que os
alunos ingressam e são promovidos conforme sua evolução du-
rante todo o semestre.
O contexto social de nossos alunos é bem diversificado em
relação a ideais, costumes, habilidades e valores. É uma rea-
lidade permeada de sentidos e que necessita ser trabalhada e
contextualizada por todos os sujeitos da escola. O público-al-
vo para essa prática são estudantes com idades a partir dos
15 anos, pertencentes a diversas classes sociais e econômicas,
oriundos de todos os bairros da cidade. Os estudantes geral-
mente são trabalhadores dos mais diversos setores empresa-
riais de Marau ou estão desempregados, uma das razões que
os levam a voltar a estudar. Esses alunos trazem para a escola
uma diversidade social, ética, religiosa e cultural muito signi-
ficativa.
Os alunos na faixa etária de 15 a 18 anos são oriundos
de diferentes escolas de Marau e de municípios circunvizinhos.
São adolescentes que, por reprovação, infrequência ou cumpri-
mento da legislação que os obriga a estudar até os 18 anos (Lei
de Diretrizes e Bases da Educação e Estatuto da Criança e do
Adolescente), precisam acelerar seu processo e tempo de apren-
dizagem. Outra situação que se apresenta é a de alunos não
alfabetizados em tempo hábil, que buscam no Seja uma opor-

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Serviço de Educação de Jovens e Adultos: o recomeço de um novo caminho

tunidade de resgatar uma vida cultural por meio da leitura, da


escrita e de uma ressignificação do saber.
Os alunos adolescentes vêm para a escola desmotivados,
com poucos ou quase nenhum sonho, demonstrando pouca von-
tade de aprender, progredir e evoluir na escolaridade. A maio-
ria ainda não tem emprego fixo, realiza atividades em meio pe-
ríodo ou ajuda os pais.
Já os adultos apresentam mais vontade e interesse em
estudar, uma vez que seus objetivos são diferenciados, porque
querem melhorar a escolaridade e a situação financeira, abrir
novas oportunidades e alcançar bem-estar pessoal e social.

O processo de ensinar e de aprender exige dos professores novas


metodologias aliadas a outros instrumentos existentes para atender
as necessidades de um novo tempo, de uma nova etapa ou de uma
necessidade, conferindo sentido para a aprendizagem do aluno, de
modo que ele possa construir relações significativas e dinamizá-las
no contexto da escola, bem como fora dela (FÉO, 2014, p. 1).

O ensino específico para jovens e adultos é uma exigência


dessa nova era, em que cada vez mais os indivíduos têm que
estar preparados e adaptados ao meio, independentemente da
idade. Em 1996, com a consolidação Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, a EJA passou a ser uma garantia legal para todos
aqueles que não conseguirem concluir seus estudos na adoles-
cência. Um dos propósitos da EJA é preparar os alunos para
sua inserção ou reinserção social e profissional.
O projeto político-pedagógico (PPP) é uma obrigação legal
expressa na LDB, ele apresenta a identidade da instituição, bem
como suas concepções e anseios, definindo suas funções socioe-
ducativa, política, cultural e ambiental, além de apresentar seus
aspectos organizacionais, administrativos e de gestão curricular.
A importância do PPP para o Seja considera a trajetória da
comunidade escolar da qual faz parte, preparando os alunos para

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Andréia Fasolin Fioravanço Bassani | Maris Dias Tonial

a inserção ou reinserção social e profissional, em que a educação


é pensada como coautora de uma sociedade democrática, que pri-
ma pelo crescimento e desenvolvimento psicossocial e cultural
dos indivíduos, que permeia e fortalece a vivência da cidadania,
com solidariedade e consciência dos problemas que se apresen-
tam, para que sejam capazes de resolvê-los com sabedoria.
Para tanto, é necessário proporcionar uma educação dife-
renciada, na qual se apresente a multidisciplinaridade tanto
nos conteúdos como na diferenciação da forma de estudá-los e
abordá-los, conforme os apontamentos de Lück (1995, p. 71-83):

No campo do ensino a interdisciplinaridade constitui condição para


a melhoria da qualidade do ensino mediante a superação contínua
da sua já clássica fragmentação, uma vez que, orienta a formação
global do homem. [...] A educação tem por finalidade contribuir para
a formação do homem pleno, inteiro, uno, que alcance níveis cada
vez mais competentes de integração das dimensões básicas – eu e o
mundo – a fim de que seja capaz de resolver-se, resolvendo os proble-
mas globais e complexos que a vida lhe apresenta, e que seja capaz
também de, produzindo conhecimentos, contribuir para a renovação
da sociedade e a resolução dos problemas com que os diversos grupos
sociais se defrontam.

A clientela estudantil do modelo de aprendizagem do Seja


espera que a educação formal e informal, apresentada pela es-
cola, promova uma ressignificação de valores, como justiça e
igualdade, que todos sejam respeitados e que os deveres sejam
cumpridos, promovendo uma vida digna. Como defende Gian-
santi (1998, p. 10):

O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades


do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras
atenderem às suas próprias necessidades. Ele contém dois concei-
tos-chave: (1) o conceito de ‘necessidades’, sobretudo as necessidades
essenciais dos pobres do mundo, que devem receber a máxima prio-
ridade; (2) a noção das limitações que o estágio da tecnologia e da
organização social impõe ao meio ambiente, impedindo-o de atender
às necessidades presentes e futuras.

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Serviço de Educação de Jovens e Adultos: o recomeço de um novo caminho

Faz-se necessário pensar uma escola que possibilite ao


educando uma visão de conhecimento, comprometimento e
desenvolvimento sustentável. Planejamento este construído,
vivenciado e experimentado como forma de garantia de sobre-
vivência em um ambiente bom para todos. É preciso ter em
mente que essa prática só será efetiva se o aluno se sentir parte
integrante desse ambiente.
O Seja é uma instituição com legislação específica e dife-
rente da educação formal, pois sua organização curricular deve
ser organizada de forma a atender as necessidades de comple-
mentação de estudos e respeitar o ritmo e as capacidades dos
educandos, procurando proporcionar o maior desenvolvimento
possível das habilidades em tempo próprio.
Em vista da necessidade de regulamentar as correntes de
pensamento defendidas por Paulo Freire, o Movimento Brasi-
leiro de Alfabetização (Mobral) veio contradizer esta concepção
de educação formal. A Lei nº 5.692/1971 apresenta um capítulo
(Capítulo V do ensino supletivo, artigos 24 ao 28) para o ensino
supletivo e recomenda aos estados atender jovens e adultos. Já
na Lei nº 9.394/1996, há um artigo direcionado a melhorar o
sistema de ensino EJA:

Título V, Capítulo II, seção V, diz:


Art. 37 – A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que
não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamen-
tal e médio na idade própria.
§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens
e adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular,
oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as caracte-
rísticas do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho,
mediante cursos e exames.
§ 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanên-
cia do trabalhador na escola, mediante ações integradas e comple-
mentares entre si (BRASIL, 1996).

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Andréia Fasolin Fioravanço Bassani | Maris Dias Tonial

O Seja está estruturado em etapas com sequências evo-


lutivas de aprendizagem e dificuldades de modo a favorecer a
evolução dos estudos e propiciar a progressão até a conclusão
do ensino fundamental, como mostram os estudos de Wallon
apontados na obra de Galvão (1994, p. 39):

No desenvolvimento humano podemos identificar a existência de


etapas claramente diferenciadas, caracterizadas por um conjunto de
necessidades e de interesses que lhe garantem coerência e unidade.
Sucedem-se numa ordem necessária cada uma sendo a preparação
indispensável para o aparecimento das seguintes.

A modalidade de EJA justifica-se em vista de que muitos


jovens e adultos não conseguem concluir seus estudos no tempo
hábil previsto pela LDB, a EJA acelera e regulariza a escolari-
dade dos educandos, permitindo a equidade idade/série.
Muitos adultos não foram alfabetizados na época adequa-
da, e o EJA oferece a oportunidade de aprender a ler e escrever
com certa fluência, devolvendo a dignidade dos alunos garanti-
da pela educação pública.

Objetivos
Os objetivos do Seja são: desenvolver um caminho de tole-
rância ao ritmo e ao modo individual de ser e crescer de cada
um, contribuindo para o aperfeiçoamento e a melhoria da qua-
lidade de vida dos educandos; buscar restabelecer a trajetória
escolar dos alunos, oportunizando a equalização série/idade;
observar a relação saudável entre as gerações; contribuir para
melhorar o aperfeiçoamento e a qualidade de vida; elevar o
nível de escolaridade da população; reduzir as desigualdades
sociais e regionais no tocante ao acesso e à permanência na
educação pública; conferir sentido para o saber/aprender do
educando; e diminuir o analfabetismo.

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Serviço de Educação de Jovens e Adultos: o recomeço de um novo caminho

Função social
A função social do Seja é desenvolver as potencialidades
sociais e cognitivas dos alunos, por meio do ensino contextua-
lizado e interdisciplinar, a fim de formar cidadãos ativos, críti-
cos, participativos, conscientes de seus direitos e deveres, que
percebam a valorização da vida como meio de evolução pessoal,
política e social.
Numa visão de futuro, o Seja gostaria de ser uma escola
reconhecida por propiciar aos alunos, além do aprendizado pe-
dagógico, o aprendizado social e político, comprometido e trans-
formador, focado no desenvolvimento da cidadania.

Missão
A missão mais relevante do Seja é erradicar o analfabetis-
mo e aumentar o nível de escolaridade dos alunos, proporcio-
nando a vivência de sua evolução de forma digna e os direitos
garantidos pela Constituição da República Federativa do Bra-
sil. Trata-se de uma escola que procura estimular a vivência de
valores como respeito, comprometimento, criatividade, ética,
cidadania, superação, censo crítico, entre muitos outros valores
que agregam para a vida dos educandos.

Currículo
Na dimensão pedagógica, o currículo do Seja necessita ser
construído a cada etapa de estudo junto com os alunos, vindo
ao encontro dos anseios dos educandos. O saber formal obedece
aos conteúdos mínimos de cada série, porém o saber não formal
é preestabelecido conforme os interesses e as necessidades de
cada totalidade.

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Andréia Fasolin Fioravanço Bassani | Maris Dias Tonial

Os conteúdos são apresentados geralmente em forma de


projetos, em que se agregam novos saberes ao conhecimento
nato, por meio de pesquisas, seminários, estudos dirigidos,
produção textual, teatros, aulas práticas, audiovisuais e expo-
sitivas. Os conteúdos são trabalhados de forma inter e trans-
disciplinar, contemplando todas as áreas do conhecimento e
favorecendo a formação integral do aluno, respeitando a indivi-
dualidade e o crescimento de cada um.
A cada semestre, são elaborados projetos a serem desen-
volvidos no decorrer das atividades escolares envolvendo pro-
fessores, alunos e funcionários. Em conformidade com o projeto,
a comunidade também poderá ser convidada a participar. Esses
projetos devem contemplar o intercâmbio do conhecimento em-
pírico com o conhecimento científico e reconhecer a capacidade
de sua aplicação na prática no cotidiano dos estudantes.
Sendo o Seja uma instituição que recebe grande número
de miscigenações, faz-se necessário o cumprimento das leis de
educação inclusiva: Resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009, De-
creto nº 6.571/2008 – Cultura Afro-Brasileira e Indígena, Reso-
lução nº 1, de 17 de julho de 2004 – institui Diretrizes Curricu-
lares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Contudo, não apenas em cumprimento às leis, mas por razões
éticas e morais, o Seja acolhe todos os alunos, independente de
raça, credo ou gênero, no ensino da modalidade EJA.

Avaliação
A avaliação dos alunos é contínua, exigindo-se frequência
superior a 75% em sala de aula, e os trabalhos de aprofunda-
mento de estudos a distância são proporcionados uma vez por
semana, com um total de quatro horas. O respeito e o cum-
primento às normas de convivência são combinados a cada se-

| 145 |
Serviço de Educação de Jovens e Adultos: o recomeço de um novo caminho

mestre por professores e alunos, devido à disparidade de série,


idade, diversidade cultural e social, para manter a disciplina e
o bom desempenho das atividades escolares. No final das tota-
lidades, é elaborado um parecer descritivo por cada professor
em sua disciplina, que será socializado com os demais para a
posterior elaboração de um único parecer, que permite a pro-
moção do estudante para a totalidade seguinte ou determina a
permanência na mesma totalidade, para sanar dificuldades de
aprendizagem e crescimento pessoal.

Considerações
O PPP é o que norteia o trabalho de uma escola, envolven-
do todos os seus sujeitos. Assim, o projeto desenvolvido pelo
grupo de trabalho do Seja apresenta grandes benefícios, como o
trabalho em cooperação de diferentes setores da escola, a busca
continuada por uma educação de qualidade, o caráter dinâmi-
co entre a prática e a teoria, a orientação quanto a decisões
a serem tomadas, tanto no âmbito administrativo quanto no
pedagógico.
Enfim, em seu desenvolvimento, o PPP do Seja apoia pro-
postas educativas eficazes, a implementação de novas metas, a
formação continuada e outras ações exigidas pelo contexto. Ele
proporciona o envolvimento de todos, para que juntos possamos
construir uma escola mais humana. “Educação não transforma
o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas mudam o mun-
do” (FREIRE, 1979, p. 86).

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Andréia Fasolin Fioravanço Bassani | Maris Dias Tonial

Referências
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes
e bases da educação nacional. Brasília, DF, 1996.
FÉO, Fábia A. C. Aspectos metodológicos do ensino-aprendizagem da lín-
gua espanhola: conceitos de transformação social no ensino de jovens e
adultos. Marau: [s. n.], 2014.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. São Paulo: Paz e Terra, 1979.
GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços. 9. ed. Porto Alegre: L&PM,
2002.
GALVÃO, Izabel. Uma reflexão sobre o pensamento pedagógico de Henri
Wallon. São Paulo: FDE, 1994. (Série Ideias, n. 20).
GIANSANTI, Roberto. O Desafio do Desenvolvimento Sustentável. São
Paulo: Atlas, 1998.
LÜCK, Heloísa. Pedagogia interdisciplinar: fundamentos teórico-metodo-
lógicos. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

| 147 |
O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

Posfácio

Algumas divagações esperançosas


dirigidas a quem trabalha com a
educação popular
Carlos Rodrigues Brandão

- Pensa de verdade em ensinar-me, Andrei?


- E porque não? Tentemos. Já quem uma vez aprendeu, ser-lhe-á
agora mais fácil. Se conseguirmos, tanto melhor, se não, paciência.
Diz o provérbio: Se não há milagre não faz mal, se há milagre, tanto
melhor.
- É como se diz: “sou árvore que já não dá frutos”.
[...]
- E esta letra?
- Um I respondeu a mãe.
- Bem. E esta?
E a lição continuou. Dedicando-se com toda a boa vontade; olhar
fixo, sobrancelha franzida, procurava recordar das letras esqueci-
das; tanto se mergulhar no estudo, que não se lembrava de nada
mais; os seus olhos fatigaram-se dentro em pouco, e neles se acumu-
laram as lágrimas que o cansaço provocava.
- Aprendo as primeiras letras! – e desatou a soluçar... (GORKI, 2017,
p. 43).

Algumas primeiras lembranças

E
ntre os primeiros anos da presente década, estivemos
comemorando alguns cinquentenários que não devem
ser esquecidos. Em 2011, rememoramos os cinquenta
anos da instauração da educação popular no Brasil e, depois,
em toda a América Latina, a partir dos trabalhos da primeira

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Carla Tramontina et al. (Org.)

equipe de Paulo Freire no Nordeste. Em 2012, lembramos a


criação, no Brasil, dos primeiros movimentos de cultura popu-
lar e dos centros populares de cultura. Recordamos a realiza-
ção, em Recife, do Primeiro Encontro Nacional de Movimen-
tos de Cultura Popular, uma iniciativa da primeira equipe de
educadores coordenada pelo professor Paulo Freire. Na ocasião,
pela primeira vez, nós nos reunimos para pensar juntos quem
éramos e o que imaginávamos poder fazer. Pela primeira vez,
de uma forma tão afoitamente interativa, a educação abria-se à
política, à pedagogia, à poesia, à ciência, ao teatro, à militância
e à revolução em busca de “um outro mundo possível”.
Em 2013, lembramos, com festejos locais e nacionais, a ex-
periência pioneira das “40 horas de Angicos”, quando uma nova
maneira de ensinar a ler palavras e a “ler o mundo” começava
a ser praticada. Em 2014, quisemos recordar não o golpe mili-
tar de 1964, mas a resistência que, de Norte a Sul deste país,
soubemos gerar e opor aos que, ao longo de 22 anos, em nome
de “ordem e progresso”, fizeram descer sobre o povo do Brasil
a noite escura da ditadura. Eles passaram. Nós estamos aqui.
Seguimos recordando os feitos do passado e recriando, tan-
tos anos depois, com os mesmos e novos nomes, as mesmas expe-
riências de vocação insurgente e emancipadora pensadas, vivi-
das e praticadas por mulheres e homens que se reconhecem pra-
ticantes, militantes e participantes de algo que, ao longo desses
anos, todos têm reunido em torno da educação popular. Quando
nos colocamos entre tempos e espaços em que praticamos alter-
nativas de uma educação humanista-e-humanizadora, crítica,
criativa e transformadora da educação e por meio da educação, o
que encontramos diante de nós é uma realidade social multifor-
me que, na mesma medida em que parte “do que houve e ficou”,
se recria e nos desafia a retomar raízes do passado, a trilhar os
passos do presente e a abrir as amplas asas em direção ao futuro.
Não devemos nos esquecer de que, na “aurora dos anos
1960”, tanto para a cultura popular quanto para uma de suas

| 149 |
O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

vocações, a educação popular, o que nos movia eram palavras


que continham ideias e acentuavam propostas regidas por:
participação, transformação, revolução; transformação de es-
truturas da mente, da consciência, da cultura, da sociedade, do
mundo; transformações radicais (desde as raízes), estruturais
(não de partes ou sistemas da sociedade, mas dela toda) e so-
cialmente populares (centradas em lutas e políticas de classe);
ou seja, transformações de toda uma sociedade, não adaptações
ao estilo “desenvolvimentista” apregoado pelo sistema capita-
lista hegemônico e colonizador.
Dito isso, o que escrevo nas linhas seguintes são fragmen-
tos. São memórias, ideias e divagações de um homem que, “vin-
do de outros” tempos, insiste ainda em “estar aqui”.

Educação pública, educação alternativa,


educação popular
Um dos mais estranhos e fecundos costumes dos antropó-
logos é o de deixar de procurar compreender “o que está acon-
tecendo”, com o olhar dirigido a macrodimensões da política,
da economia e de outros amplos campos da sociedade, para
simplesmente procurar “olhar ao redor”. É o que inicialmente
busco realizar neste trabalho.
Quando percebo como procedem “pessoas envolvidas com
a educação” ao meu redor e quando procuro compreender o que
pensam, em que fundamentos se baseiam, como agem e em
nome do quê, o que eu percebo? E quando leio o que leio, não
apenas em livros e artigos de ponta, mas também nas inúmeras
revistas sobre educação editadas por instituições da sociedade
civil e por secretarias municipais de educação, ou mesmo com-
pradas em bancas de jornaleiros, e quando acompanho tanto os
“grandes debates sobre a educação no Brasil e no mundo” quan-

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Carla Tramontina et al. (Org.)

to as conversas de corredores de escolas, ou mesmo de mesas de


bar, o que eu constato?
Constato que as pessoas com quem convivo, as que acom-
panho o trabalho e que me são próximas, e as que eu não conhe-
ço pessoalmente, mas leio e estudo a fundo seu trabalho, estão
divididas entre alternativas de vida e trabalho de uma maneira
que sumariamente poderia ser desenhada da seguinte forma.
1) Algumas pessoas estão empenhadas em trabalhar in-
tensamente em favor da educação e da escola pública,
seja porque são educadores e/ou gestores da educação
vinculados a alguma instituição oficial do poder públi-
co federal, estadual ou municipal, seja porque são edu-
cadores e docentes de universidades públicas, e defen-
dem a primazia de uma educação pública, democrática,
cidadã, de qualidade e ofertada a todos. Essas pessoas
que se empenham nesta defesa podem ser também
militantes de sindicatos ou de outras instituições clas-
sistas docentes. Vários, entre os mais conhecidos edu-
cadores e pensadores da educação no Brasil, estão em
algum destes casos.
2) Algumas pessoas identificam-se publicamente como
educadoras populares; reconhecem-se como seguido-
ras das ideias originárias de Paulo Freire e de outros
pioneiros da educação popular no Brasil e na América
Latina e, ao lado de uma filiação ao ideário de defe-
sa da escola pública, agregam a militância direta com
agremiações e movimentos populares.
Existem várias instituições da sociedade civil, como
o Instituto Paulo Freire, especificamente dedicadas a
uma educação popular. Movimentos sociais populares,
com frequência, afirmam-se como filiados à educação
popular. No contexto da América Latina, o Conselho
Latino-Americano de Educação de Adultos é, há vários

| 151 |
O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

anos, o mais importante porta-voz de uma educação po-


pular de vocação freireana.1
3) Algumas pessoas – e seu número é crescente nos últi-
mos anos – lançam-se em projetos e ações de criação
de escolas alternativas em busca de uma outra educa-
ção. Sob esta nomenclatura, estou considerando desde
experiências vindas da Europa ou dos EUA, de que a
Escola Antroposófica e sua Pedagogia Walldorf cons-
tituem a experiência mais conhecida e difundida no
Brasil, até iniciativas recentes de criação de coopera-
tivas de educação, de escolas comunitárias, de escolas
criadas em nome de uma moderada ou mesmo radical
transferência do foco da educação do “ensino de quem
educa” para a “aprendizagem de quem se educa”.2
Entre as pessoas que se filiam a um difuso “movimento
de educação alternativa”, reconheço duas vocações pola-
res. Uma é a das pessoas preocupadas com “a formação
de meus filhos” e adeptas de uma educação especial, alta-
mente qualificada e de ampla liberdade de ação e pensa-
mento, em geral filiada a escolas alternativas pagas e ca-
ras. Outra é a das pessoas que se lançam em busca de uma
alternativa de educação que, a partir de experiências pio-
neiras, possa ser ampliada e democraticamente difundi-
da, invadindo, se possível, o próprio território da educação

1
Em uma consulta recente sobre a educação popular realizada pelo Conselho de
Educação de Adultos da América Latina (Ceaal), responderam 118 instituições da
sociedade civil filiadas à educação popular, provenientes de praticamente todos os
países da América Latina (CARRILLO, 2012, p. 139-140).
2
No Brasil, ademais das escolas antroposóficas, existem, em alguns estados,
as escolas logosóficas. São escolas criadas a partir do pensamento de Carlos
Bernardo Gonzáles Pecotche, Raumsol, um pensador argentino cujas ideias
encontraram inúmeros seguidores no Brasil, onde todos os seus livros foram
traduzidos. Existe um sistema logosófico de Educação, e, no Paraná, há o Instituto
Gonzáles Pecotche. Raumsol criou a primeira escola logosófica em Córdoba, na
Argentina. Ignoro se existe em seu país, tal como no Brasil, uma rede de escolas
logosóficas.

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Carla Tramontina et al. (Org.)

pública.3 Pensadores que vão de Tolstoi, O’Neill, Rousseau,


Claparede, Freinet, Montessori a José Pacheco a outros
mais recentes são as fontes de origem do segundo caso.
4) Finalmente, há pessoas que, em linha direta, desde o co-
meço dos anos 1960 até hoje, se identificam como educa-
doras populares e se acreditam envolvidas com teorias,
propostas e práticas de alguma vertente da educação po-
pular. São elas as filiadas em linha direta ao pensamento
e à herança político-pedagógicos de Paulo Freire. É entre
elas que uma divisão sempre existente, mas que torna
mais clara e definida a linha de fronteira, se estabelece.
É a partir dessa variedade de vivências e de vocações
que estou pensando a educação popular. E a abertura
de horizontes com que inicio este escrito deve servir
como um atestado da equivalente abertura de alterna-
tivas com que procuro compreender não tanto “como as
coisas devem ser”, mas “como elas estão sendo diferen-
ciadamente pensadas e vividas”.
No entanto, quero retornar a uma questão que a meu
ver é essencial, sobretudo quando o “popular” e o “pú-
blico” compartem um mesmo cenário social, ou um
mesmo território de/entre fronteiras.

Não ao acaso, recebi hoje uma mensagem informando que a Finlândia tornou-se
3

o primeiro país a abolir a materialidade conteudista e programática da educação


pública (disponível em: <http://rescola.com.br/finlandia-sera-o-primeiro-pais-do-
mundo-a-abolir-a-divisao-do-conteudo-escolar-em-materias/>). Devo relembrar
também um longo documentário em espanhol a respeito de experiências alternativas
na América Latina, com uma crítica radical aos sistemas oficiais de educação. Seu
nome é La educación excluída e não constam nele nem experiências alternativas
no Brasil, nem a opinião de educadores brasileiros. Um dos educadores atualmente
mais presentes em encontros e seminários sobre a educação no Brasil é o professor
português José Pacheco. Em seu país, ele criou a Escola da Ponte, uma experiência
governamental franca e radicalmente alternativa, divulgada no Brasil por Rubem
Alves (talvez o único educador mais lido no Brasil do que Paulo Freire). Rubem Alves
é o defensor intransigente do ingresso de Paulo Freire na Faculdade de Educação
da Universidade Estadual de Campinas, onde o conselho universitário questionou
o fato de Freire não ser oficialmente um doutor. José Pacheco aposentou-se em
Portugal e hoje vive no Brasil. No presente momento, vive a experiência de uma
escola alternativa dentro da Instituição Âncora (não governamental) na cidade de
Cotia, na periferia de São Paulo. A escola está situada na confluência de quatro
grandes favelas e é dirigida a crianças e jovens da região.

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O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

Retomar o público como do povo e não


de um poder de estado
Estivemos sempre e estamos hoje empenhados na luta em
favor da educação para todos e da escola pública; sobretudo nos
dias atuais, quando, depois de a Organização Mundial do Co-
mércio decretar, na assembleia mundial no final dos anos 1990,
que saúde, educação e previdência são mercadorias tal como
remédios, computadores e calças jeans, enfrentamos por toda
a parte crescentes e devastadores processos de mercantilização
da educação e de privatização da escola, associados a uma bu-
rocratização funcional dos autores-atores do trabalho de ensi-
nar-e-aprender.
Esse enfrentamento, que se estenderá ao longo de muitos
anos, deve ser também o de enfrentar todas as forças do mundo
do mercado, quando elas tramam em tornar pública uma edu-
cação não da sociedade civil – nós, o povo em suas diferentes di-
mensões e vocações –, mas de um poder de estado. Um governo
que passo a passo deixar de ser um aparato político responsável
pelo bem comum – do povo – se torna um aparelho de estado a
serviço dos bens do mercado, do mundo do capital.
Recordemos que, desde a sua origem, exceto em situações
locais e em momentos de exceção, em sua forma moderna, a
educação pública surgiu com o nascimento e a conflituada con-
solidação de estados-nação na Europa. Ela apareceu e depres-
sa se difundiu entre países submetidos a conflitos internos ou
externos, em um tempo entre fins do século XVIII e o século
XIX, quando guerras entre velhas e novas nações europeias fo-
ram mais a regra do que a exceção. A educação pública surgiu,
portanto, no interior e a serviço de sistemas políticos nacionais
fortemente militarizados, entre os armamentos, os exércitos,
a propaganda francamente autocentrada em nacionalismos
agressivos e uma educação pensada mais como um direito do

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Carla Tramontina et al. (Org.)

estado e um dever das pessoas, do que o contrário. Aqui e ali,


desde então, educadoras e educadores lutaram em nome de
uma educação pública pensada como um direito cidadão das
pessoas e um dever político do estado. Nesse caso, político é
tomado em seu sentido original, como a gestão da cidade (da
pólis), em nome de suas pessoas reais, a começar pelas crianças
em idade escolar.
Assim, em momentos iniciais, o modelo mais visível de
uma educação de estado é o exército e não a sociedade. Mais
adiante será a empresa e não a comunidade. Assim, com exce-
ção de breves momentos em alguns esparsos cenários à direita
e à esquerda, uma educação pública de matriz europeia dirigiu-
-se, por meio de suas escolas abertas a todos, a instruir e a for-
mar crianças e jovens entregues à tutela de um poder de estado
empenhado em gerar cidadãos letrados, esclarecidos e discipli-
nados, ou seja, pessoas prontas para viver e morrer pela Pátria
ou no interior das fábricas. A memória desses primeiros tempos
está presente em escolas de vários países da América Latina,
em que crianças e jovens vestidos com os mesmos uniformes
iniciam, cada dia, aulas entre formaturas de estilo militar e
cultos aos eternos símbolos da Pátria. Um exercício de criati-
vidade pedagógica que recomendo com ênfase é a releitura dos
escritos dos educadores inovadores: Comenius, Rousseau, Frei-
net, Montessori, Paulo Freire, e tantos outros. Nessas leituras,
é fácil entrever como toda uma outra educação é proposta em
favor de pessoas reais, de destinos solidários, de mundos paci-
ficados, para além do patriotismo que se finge de cidadão para
ser, na verdade, uma versão a mais de um nacionalismo estrei-
to e desumanizante.
Ainda no século XIX, Leon Tolstoi, escritor russo muito
conhecido e aristocrata dissidente, sempre preocupado com a
educação de crianças e jovens, escreveu isto sobre as escolas em
geral, não apenas as de seu país:

| 155 |
O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

Nas mãos das classes dirigentes estão o exército, o dinheiro, as es-


colas, a religião, a imprensa. Nas escolas, elas atiçam o patriotis-
mo nas crianças com histórias que descrevem o próprio povo como
sempre correto e melhor do que todos os outros; nos adultos atiçam
este mesmo sentimento com espetáculos, cerimônias, monumentos e
uma imprensa patriótica mentirosa; e, o mais importante, atiçam o
patriotismo pelo fato de que, ao promover todo o tipo de injustiça e
crueldade contra outros povos, despertam neles a hostilidade contra
seu próprio povo e depois utilizam essa hostilidade para despertar
atitudes hostis em seu próprio povo (TOLSTOI, 2011, p. 166).4

Recordo um fato relevante e nem sempre lembrado: na In-


glaterra do século XIX e da Revolução Industrial, a educação
pública ganhou uma nuance que relativizou o patriotismo mili-
tarizado das outras nações europeias. Uma nação imperial, que
desde cedo aprendeu a separar a elite aristocrática – e depois a
burguesia florescente que deveria governar e administrar – da
massa das pessoas comuns destinadas a obedecer e a traba-
lhar, reduziu essencialmente o acento militarmente patriótico
de suas escolas e incorporou a elas aquilo que outros países da
Europa tardaram a acrescentar às deles.
Os Estados Unidos da América inovou e tornou rapida-
mente um aspecto o centro do espírito do ensino de suas escolas
públicas. Refiro-me a um foco pedagógico centrado na formação
de cidadãos competentes e competitivos, direcionados à empre-
sa e à indústria em tempos de paz e ao exército em tempos de
guerra. Logo isso foi descoberto como um outro bom negócio.
E essa tem sido, de forma acelerada nos últimos trinta anos, a

4
O livro Liev Tolstoi – os últimos dias, publicado no Brasil em 2011, pela Companhia
das Letras, teve sua primeira edição em 1900. Lembro que, depois de já ser um
escritor universalmente consagrado e de haver sido excomungado pelo sínodo
da Igreja Ortodoxa Russa devido a suas ideias sobre religião e, especialmente, a
suas ásperas críticas ao governo e à religião em seu país, Liev Tolstoi criou, em
sua propriedade, Iasnaia Poliana, uma escola para os filhos dos seus servos, os
mujiques. Ele mesmo se dedicou a lecionar nesta escola e escreveu, inclusive,
uma cartilha popular (existe tradução em português). Há versões que relatam que
a escola simplesmente não seguiu adiante. Mas há também versões segundo as
quais a escola de Tolstoi foi fechada por ordem do governo imperial.

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Carla Tramontina et al. (Org.)

outra face que, também depressa, as nossas políticas públicas


incorporam aos currículos de suas escolas.
À direita e à esquerda, entre as ideologias e os regimes
políticos de vocação totalitária, praticamente todos os educa-
dores, de Sócrates a Paulo Freire, foram em algum momentos
colocados à margem, foram oficialmente proscritos, ou foram
esquecidos, ou considerados como curiosos criadores de estra-
nhas pedagogias para escolas alternativas, quando não presos,
exilados ou mortos.
As ideias e as propostas pedagógicas, cultural e politica-
mente inovadoras, desde o passado da educação, floresceram
entre as diferentes escolas alternativas, de que as “escolas an-
troposóficas” seriam talvez o mais conhecido e universalmente
difundido exemplo. Em uma outra direção, quando iniciativas
de uma outra educação foram criadas, aqui e ali, pelas classes
populares ou por educadores a seu serviço, desde o século XIX
até as ditaduras latino-americanas do século passado, elas fo-
ram sistematicamente experiências ilegitimadas, condenadas,
perseguidas e, aqui e ali, fechadas, não raro entre tiros e prisões,
tal como ocorreu com as escolas anarquistas de vocação libertá-
ria, durante algum tempo implantadas no Brasil por operários
emigrantes europeus e dirigidas a filhos de trabalhadores.5

Educação popular... educações populares


Uma educação pública popular tem sido em toda a América
Latina quase sempre algo efêmero e vigiado, quando não toma o
caminho de uma educação pública submetida a um poder de esta-
do por meio da subserviência do povo, mesmo ou principalmente
quando se anuncia como uma educação a serviço da sociedade civil.

Norma Elizabeth Pereira Coelho defendeu, na Faculdade de Educação da Universidade


5

Federal do Rio Grande do Sul, sua tese de doutorado sobre este assunto, intitulada:
Os libertários e a educação no Rio Grande do Sul (1895-1926) (COELHO, 1987).

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O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

No Brasil, durante a vigência do Partido dos Trabalha-


dores no governo da federação, no de alguns estados e no de
inúmeros municípios, a educação popular foi decretada oficial-
mente como a política da escola pública. Foi o breve e fecundo
tempo da criação de escolas cidadãs, de escolas candangas e de
outras tantas unidades inovadoras, que floresceram em inúme-
ros recantos do Rio Grande do Sul e de outros estados do país,
com uma declarada vocação popular.
Aquele foi o tempo das assembleias populares sobre educa-
ção, dos coletivos pedagógicos, das gestões partilhadas, dos orça-
mentos participativos, das pesquisas prévias junto às comunida-
des, de acolhida das escolas para a elaboração de propostas curri-
culares questionadoras. Hoje, com exceção de alguns casos muito
raros, tudo o que se fez resta na memória saudosa de algumas
professoras e em algumas dissertações e teses de pós-graduação.
É em nome de seu retorno e, mais ainda, de seu sempre ilimitado
avanço em direção ao horizonte de uma educação tal como a que
fizemos surgir e divulgamos desde quando Paulo Freire (2014)
chamou de bancária a que vemos de novo se expandir entre nós
e de libertadora aquela em nome da qual escrevo.
A citação seguinte poderia ser tomada como mote de ape-
nas uma face das críticas que fazem educadores contrários ao
horizonte pedagógico da escola pública:

Numa breve perspectiva histórica, na América Latina, especialmen-


te no Brasil, a escola pública não tem sido uma instituição pensada
para o acolhimento das classes populares.
[...]
Na América Latina, nos países cujos modelos políticos e econômi-
cos se pautam pela ideologia desenvolvimentista, a escola, especial-
mente a escola pública, teve como um de seus principais objetivos,
junto às classes populares, prepará-las para o mundo do trabalho,
garantindo uma força de trabalho minimamente educada, além
de inculcar e difundir a ideologia liberal de aceso e democratiza-
ção do conhecimento socialmente produzido para todos (ESTEBAN;
TAVARES, 2013, p. 293).

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Carla Tramontina et al. (Org.)

Conhecemos com sobras algumas razões visíveis da dis-


tância ou mesmo de uma dissonância entre a educação pública
e a educação popular. Uma delas é difundida o bastante para
não ser mais do que apenas sumariamente relembrada. A edu-
cação popular não se apresenta como um serviço cultural pela
educação estendida ao povo, mas como uma ação pedagógica
colocada a serviço do povo. É colocada na contramão, a servi-
ço direto de sua endoformação e de seu empoderamento como
um agente insurgentemente ativo e solidário na realização das
transformações sociais quase sempre hostis a poderes de es-
tado liberais, neoliberais ou liberalmente populistas. Elas são
não apenas culturais, mas politicamente populares, porque são
fracas e abertamente hostis às políticas hegemônicas e, mais
ainda, aos interesses dos polos político-econômicos aos quais,
aqui e ali, serve o poder público colonizado.
Imagine a sociedade em que você vive projetando a figura
de um triângulo. Situe na sua base a sociedade civil. Ela é a sua
instância e a minha. É o fundamento de uma sociedade e o seu
único lado, um eixo ou um polo com um valor substantivo. Situe
em um outro lado o poder de estado, o governo, ou que nome
tenha. E situe no terceiro o mundo dos negócios, do mercado,
da gestão direta ou indireta do poder, quando ele se transforma
em economia.
Ora, uma sociedade não é apenas substantivamente demo-
crática porque direitos sociais são estendidos igualmente a todas
as pessoas. Ela se constitui e se recria a cada momento como uma
comunidade cidadã, quando somos nós, aqueles a quem Jean-Ja-
cques Rousseau chamava de “o povo soberano”, os atores-autores
de nossas próprias leis e de todos os termos essenciais sobre os
quais se edifica uma vida coletiva. Nela, o eixo do poder de esta-
do tem como vocação servir à sociedade civil e realizar o controle
necessário e cidadão da esfera do mundo dos negócios.

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O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

Uma sociedade desvirtua a sua vocação humanizadora e


democrática quando, em direção oposta, exerce em nome do
mundo dos negócios o controle da esfera da sociedade civil, uma
pluriação centrada na desigualdade social, na exclusão, na res-
trição da liberdade e, enfim, em uma diferenciada prática hege-
mônica e colonizadora. Bem sabemos que vivemos hoje em um
“estado direito” em que o poder de estado retira da sociedade
civil a essência de seus direitos e a vocação humanizadora de
seus deveres e serve ao polo do mundo do mercado. E, no limi-
te, abre mão do que deveriam ser as suas responsabilidades
para com a sociedade civil, retirando a oferta de bens e serviços
sociais, que se transformam, no momento atual da colonização
neoliberal em que vivemos, em práticas mercantis em que di-
reito se converte em mercadoria, e uma lógica de mercado pas-
sa a reger de fato cada vez mais e mais esferas da vida social.
A educação é, em todo esse processo de colonização hegemô-
mica, uma das áreas, ao mesmo tempo, mais essenciais e mais
vulneráveis. É neste campo que uma genuína educação popular
coloca-se como algo maior do que uma outra pedagogia. Vejamos
o exemplo do que, aqui e ali, ocorre em toda a América Latina.
Ao deslocar o seu lugar de inserção de um poder de estado para
instituições e frentes de lutas populares, a educação popular des-
qualifica a essência de teor nacionalista e patriótico de qualquer
educação pública. Um exemplo evidente disso é a maneira como,
a partir dos anos 1960, em muito breve tempo, uma proposta
original, pensada por Paulo Freire e sua equipe de Pernambuco,
passa de nordestina a brasileira, de brasileira a latino-america-
na e de latino-americana a altermundista. Altermundista tem
duplo sentido neste trabalho: 1) universalista a partir das clas-
ses e dos movimentos populares; e 2) integrada à vocação de que
cabe ao povo – e nos incluídos nele – a criação e a gestão, de
baixo para cima e da periferia para o centro, de um outro modelo
radical de vida social – horizonte de um outro mundo possível.

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Carla Tramontina et al. (Org.)

Da terra ao território, do território entre


terras aos territórios entre símbolos e
sentidos
Há uma breve passagem de Miguel Arroyo (2012) em um
dos verbetes do Dicionário da educação do campo que merece
ser mencionada. No horizonte das ações do Movimento dos Tra-
balhadores Rurais sem Terra, uma luta, iniciada há trinta anos
em favor de uma reforma agrária, estende-se a toda uma trans-
formação da sociedade brasileira por meio de conquistas popu-
lares sobre a terra. Assim, uma luta originalmente voltada à
conquista da terra de trabalho, por oposição à terra de negócio
do mundo do mercado, abre-se a uma ideia que se polissemiza,
amplia o seu próprio sentido e vale, então, como território.
São vários os territórios geográficos, sociais e culturais ex-
propriados em nome da luta e da conquista. Um deles envolve
justamente a educação, e o seu lugar social mais eloquente é a
escola. Assim, por meio de projetos de criação popular de um
outro saber, um lugar social a ocupar militantemente é justa-
mente o território-escola. Há expropriações que são simbólicas,
há latifúndios que são de saberes; há, portanto, lutas de con-
quista territoriais que operam também nesses domínios. Eis o
que Miguel Arroyo (2012, p. 559-560) anota no verbete Pedago-
gia do Oprimido:
A Pedagogia do Oprimido encontra sua afirmação nos processos edu-
cativos extraescolares, sobretudo, mas também inspira outra escola,
outras práticas educacionais escolares. O traço mais radical: ocupar
o território-escola. Os movimentos sociais, ao lutarem por terra, es-
paço e território, articulam as lutas pela educação, pela escola – as
lutas por direitos a territórios. Mostram a articulação entre todos
os processos históricos de opressão, segregação e desumanização, e
reagem lutando em todas as fronteiras articuladas de libertação. Es-
cola é mais do que escola na pedagogia dos movimentos. Ocupemos
o latifúndio do conhecimento como mais uma das terras, como mais
um dos territórios negados.

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O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

A escola, a universidade e os cursos de formação de professores do


campo, indígenas e quilombolas são mais outros territórios de luta
e de ocupação por direitos.6 A negação, a precarização da escola, é
equacionada como uma expressão da segregação-opressão histórica
da relação entre classes. Já a escola repolitizada é mais um terri-
tório de luta e ocupação, de libertação da opressão. A Pedagogia do
Oprimido é radicalizada na pedagogia escolar pelas lutas dos movi-
mentos por educação do campo, por escola do campo no campo.7

No mesmo dicionário, em seu longo verbete sobre Educa-


ção do Campo, Roseli Caldart, em nome da autonomia e do pro-
tagonismo das classes e dos movimentos populares, radicaliza
a ideia de que não cabe a um poder de estado tutelar políticas
públicas de educação. Um governo responde obrigatoriamente
pela economia da educação pública, mas de modo algum pelo
seu controle político-pedagógico.

6
Para quem não está afeito a processos de luta pela terra no Brasil, talvez vale a pena
saber que, dentro de um amplo e persistente processo de luta por conquista da terra,
existem pelo menos três dimensões. E elas valem tanto do ponto de vista de seus
atores sociais essenciais quanto do ponto de vista de setores do poder público e de
políticas públicas ligadas à questão de terra e territórios no Brasil. Uma dimensão é a
questão dos direitos dos povos e das nações indígenas aos seus territórios ancestrais.
Povos indígenas não lutam por terra para plantar, ainda que vários de seus membros
sejam agricultores, mas por territórios e por seus direitos a se reestabelecerem de
forma definitiva em territórios que lhes pertencem ou de que foram expropriados.
Outra dimensão é a dos quilombolas. Desde 1986, a constituição brasileira reconhece
que comunidades de negros estabelecidas em territórios próprios, genericamente
denominados quilombos, desde a colonização escravocrata, devem ser garantidas
comunitariamente a seus habitantes ou a comunidades de negros em luta pela
reconquista de territórios quilombolas expropriados. Existem, no Brasil, mais de mil
territórios quilombolas espalhados praticamente por todos os estados da federação.
Uma grande parte deles está identificada e reconhecida; uma parcela muito menor
está juridicamente homologada; e, finalmente, uma terceira dimensão é a de luta por
territórios e terras expropriados e reivindicados por camponeses em sua luta pela
reforma agrária no Brasil. Tanto no caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) quanto no da militância de educadores populares, uma luta por
conquista da terra envolve as três dimensões descritas.
7
Esta longa passagem faz parte do verbete Pedagogia do Oprimido (2012, p. 553-
560) do Dicionário da educação do campo, publicado em segunda edição em 2012.
A ideia de territórios simbólicos, logo, culturais e pedagógicos e de uma luta popular
por outras territorializações está presente em recentes trabalhos do educador
colombiano Marco Raul Mejía. Considero Mejía um dos mais fecundos educadores
populares em diálogo com o momento presente, sobretudo da América Latina, e
um dos mais lúcidos críticos dos processos atuais de colonização simbólica entre
a mídia e a escola.

| 162 |
Carla Tramontina et al. (Org.)

A Educação do Campo, principalmente como práticas dos movimen-


tos sociais camponeses, busca conjugar a luta pelo acesso à educação
pública com a luta contra a tutela política e pedagógica do Estado
(reafirma em nosso tempo que não deve ser o Estado o educador do
povo) (CALDART, 2012, p. 262).8

Um dilema inacabável: a educação


popular e o desafio do diálogo
Busco ampliar e atualizar o que acredito ser uma com-
preensão adequada do que seja a educação popular. Compreen-
do pelo menos duas variantes do que ela é hoje e entre nós.
A primeira: ela é uma modalidade de pensamento, de prá-
tica pedagógica e de ações políticas dela derivadas, dirigida às/
pelas classes populares e devotada a participar de processos em
que se torna protagonista de transformações sociais. A educa-
ção popular surge por volta dos anos 1960 na América Latina
e radicaliza teorica, pedagogica e politicamente o que também
na Europa foi em alguns momentos e lugares chamado de edu-
cação popular. Isto porque ela não se dirige como um serviço
suplementar de educação às classes populares, mas porque, em
uma outra direção e diante de outro horizonte, ela pretende se
colocar pedagogicamente a serviço das classes populares, para
que elas próprias estabeleçam o seu destino como classe e as
suas ações políticas transformadoras.
A segunda: aquilo a que damos agora o nome de educação
popular é algo que ao longo da trajetória humana acontece em
diferentes momentos e em diversos lugares sociais. Com dife-
8
Roseli Caldart tem sido a mais conhecida e persistente educadora corresponsável
pela condução dos debates sobre a linha pedagógica do MST tanto no que se
refere às escolas dos acampamentos e assentamentos da reforma agrária quanto
na elaboração de uma pedagogia de movimento mais ampla e politicamente
consequente com o ideário do MST, em que a própria ideia de educação vai muito
além da escola e da educação formal. Vimos e veremos que, entre educadores
provenientes do mundo da academia e muito conhecidos no Brasil, o MST conta
com a presença ativa de Miguel Arroyo e Gaudêncio Frigotto.

| 163 |
O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

rentes assinaturas e diversas ideologias políticas e propostas


pedagógicas de sua realização, há o acontecer de uma educação
popular sempre que uma crítica radical a uma política, a uma
hegemonia econômica, a uma cultura política e a uma educação
derivada delas associa-se a um projeto originado das classes po-
pulares. É um projeto que justamente repensa a educação como
cultura, a cultura como política e a política como transformação
social de vocação popular.
A educação popular encontra na prática do diálogo não
uma metodologia pragmática de ação pedagógica, de que o “cír-
culo de cultura” seria a sua mais difundida imagem. O diálogo
é, nela e por meio dela, o começo e o final de todo o acontecer
do ensinar-a-aprender. Em suas formas mais radicais, a sua
“palavra de ordem” é a de uma certa desordem pedagógica. É
a ideia de que, com um mínimo de propostas de base, tudo o
que se realiza como e por intermédio da educação popular par-
te de um encontro igualitário de/entre saberes e significados.
De uma “turma de alfabetizandos” a uma instituição ampla de
criação de uma “proposta de educação popular”, são coletivos
tão igualados e igualitários quanto possível de poder de pensar,
dizer e decidir aqueles que geram e gerenciam um trabalho de
educação popular.
A educação popular de vocação humanista tem, na radica-
lidade de uma pedagogia centrada num diálogo entre pessoas,
culturas e classes sociais na construção de cada momento e do
todo do acontecer da educação, ao mesmo tempo, a sua força e a
sua fraqueza. Força, porque parte do princípio fundador de que
toda a prática pedagógica dirigida à formação de pessoas autô-
nomas, críticas, criativas e insurgentes somente pode partir de
uma experiência de encontro entre pessoas culturalmente dife-
rentes quanto aos seus saberes e socialmente igualadas quanto
aos seus direitos e deveres. Fraqueza, porque, evitando educar
por metodologias prontas-e-acabadas, saberes empacotados e

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Carla Tramontina et al. (Org.)

palavras-de-ordem impositivas, o educador popular pode saber


o ponto de que está partindo, mas dificilmente pode prever a
que ponto vai chegar.
Um dos entraves da prática da educação popular em con-
textos como os de uma secretaria de educação está na não acei-
tação de que, em programas de educação derivados legitima-
mente de um partido político, ou mesmo da mais bem intencio-
nada organização não governamental de vocação popular, pos-
sa “levar pronta uma proposta”, a ser talvez mais sutilmente
imposta do que dialogada.

Agora ainda é, e já não é mais como


foi antes
É relevante levarmos em conta que, mesmo preservando
ainda das ideias de Freire o seu fundamento, pessoas prati-
cantes de alguma modalidade de educação popular reconhecem
que os tempos são outros, cinquenta e alguns anos após a pu-
blicação dos primeiros escritos da equipe pioneira. Elas estão
certas ao reconhecerem também que, devido a alguns aconte-
cimentos de dimensões internacional, latino-americana e na-
cional, não apenas conjunturas de ação, mas até mesmo fun-
damentos e horizontes da gestão social do saber, da educação
e, especificamente, da educação popular foram e seguem sendo
inevitavelmente reconceitualizados.
Lembro que a expressão utilizada por alguns educado-
res populares da atualidade é “refundamentação da educação
popular”. Nesse sentido, retomo Alfonso Torres Carrillo. Re-
ferindo-se, em 2007, a um livro seu do ano 2000, ele afirma o
seguinte:

| 165 |
O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

A refundamentação está associada a múltiplos fatores, como o es-


gotamento dos referentes discursivos a respeito da pluralização de
práticas e atores da EP, a crise do socialismo histórico e a atração
exercida por novas colocações teóricas provenientes das ciências so-
ciais; desde meados dos oitenta começamos a sentir uma certa insa-
tisfação a respeito dos discursos que orientavam as nossas experiên-
cias, eles nos pareciam limitados para dar conta do que estávamos
fazendo; os referentes teóricos com que interpretávamos a realidade,
orientávamos os projetos e compreendíamos os sujeitos que os pro-
tagonizavam não expressavam tudo o que queríamos dizer ou não
correspondia à realidade sobre a qual estávamos atuando (CARRIL-
LO, 2012, p. 77-78).9

Acredito que os termos e os rumos de uma refundamenta-


ção da educação popular a partir dos anos 1980 sejam bastante
conhecidos entre nós. No entanto, em diálogo com Alfonso Tor-
res Carrillo, quero sintetizar alguns deles.
Lembremos que mesmo partir de Paulo Freire dos seus úl-
timos escritos, a educação popular abre-se a um diálogo com ou-
tras modalidades de ação social. E nisso reconhecemos que ela
recupera em boa medida a tradição original vinda da cultura
popular dos anos 1960 no Brasil; tempos passados revisitados,
quando pedagogia e educação eram pensadas como uma dimen-
são da cultura e em um diálogo de multi-interações e contribui-
ções provenientes de diversas teorias e propostas das ciências
sociais e de ramos humanistas da filosofia de outras ciências e
das artes. E, mais tarde, abriu-se às diversas neovocações da
própria educação, inexistentes ou incipientes nas duas déca-
das dos primórdios da educação popular. Falo da educação dos
movimentos populares (e não apenas “para os” movimentos so-
ciais), a educação ambiental, a educação para a paz, a educação
para os direitos humanos, entre outras. É preciso lembrar tam-
bém que uma redemocratização relativa de países da América
Latina e o empoderamento de alguns movimentos populares

9
É curioso que, na bibliografia apresentada na última parte do livro, o autor tenha
esquecido de mencionar o seu livro de 2000, lembrado na citação.

| 166 |
Carla Tramontina et al. (Org.)

forçaram a própria educação popular a se colocar como instân-


cia de apoio político-pedagógico a ações educativas presentes
e ativas nos/dos próprios movimentos populares. Isso ocorreu
sobretudo juntamente a algumas de suas vertentes mais próxi-
mas a tais movimentos e frentes de luta.
Algumas vocações mais recentes e unidirecionadas de edu-
cações posteriores não raro aproximavam-se da educação popu-
lar e identificavam suas práticas setoriais e populares. É nesse
sentido que aqui e ali se fala em educação ambiental popular.
Esta abertura inevitável em múltiplas direções e em diálogo
com diversos atores sociais levou a educação popular em boa
medida a migrar de uma exclusiva ou prioritária “leitura clas-
sista ortodoxa da sociedade à incorporação de outras perspec-
tivas e categorias analíticas como hegemonia, movimentos
sociais, sociedade civil e sujeitos sociais” (CARRILLO, 2012,
p. 78).
A própria categoria povo passou a receber diversos e, não
raro, divergentes sentidos entre educadores populares. Este
é o tempo histórico em que, sobretudo em países pluriétnicos
e culturais, outros atores étnicos, culturais e sociais se fazem
crescentemente presentes e obrigam a própria educação – in-
clusive as originadas de políticas públicas – a uma revisão de
conteúdos pedagógicos. É também o tempo da crescente e ina-
diável incorporação de novas escolas e outras educações: como
a educação indígena, a educação em comunidades quilombolas,
entre outras.
Haverão de ser os educadores populares das nações mais
multiétnicas e culturais os mais sensíveis a fazer interagir di-
ferentes sistemas de conhecimento, assim como os incorporar
ao círculo dos saberes, sentidos, significados, sensibilidades e
sociabilidades de outros povos e de outras culturas. Integrá-los
ao núcleo de sistemas simbólicos, não apenas em uma esfera

| 167 |
O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

teórico-ideológica, mas igualmente a de outras pedagogias, ou-


tras éticas, outras estéticas, outras eróticas e outras políticas.
Uma pedagogia conscientizadora e politizadora, destinada
em seu horizonte a transformações radicais da sociedade por
meio de uma conquista popular do poder, tende a ser relativi-
zada e repensada no interior de um campo de diferenças entre
os diversos contextos sociais. Ainda que, para a maior parte de
educadores populares, o povo – no sentido original de classe-
-para-si – seja “o” ou “um” sujeito protagônico nos processos de
luta e mudança social, presenciamos um alargamento do sen-
tido político das próprias transformações de seus horizontes.
Quero trazer, nesse sentido, um depoimento de Marilena
Chauí. No livro Civilização e barbárie (NOVAES, 2004), ao ana-
lisar a questão dos fundamentalismos religiosos de nosso tem-
po, a autora retoma ideias de David Harvey. Relembra, então,
que teorias e projetos de ação social que sugerem transforma-
ções radicalmente essenciais entre o pensar e o agir tendem a
parecer um ilusório conjunto, quase conservador, de imaginá-
rios e de propostas.

Acrescentemos à descrição de Harvey algo que não pode ser esque-


cido nem minimizado, ou seja, o fato de que a perda de sentido do
futuro é inseparável da crise do socialismo e do pensamento de es-
querda, isto é, do enfraquecimento da ideia de emancipação do gê-
nero humano [...]. Perdeu-se, hoje, a dimensão do futuro como pos-
sibilidade inscrita na ação humana como poder para determinar o
indeterminado e para ultrapassar situações dadas, compreendendo
e transformando o sentido delas (NOVAES, 2004, p. 290).

A persistente crise da busca de um modelo histórico de so-


ciedade para além da capitalista estaria exercendo em muitos
pensadores do presente e do futuro próximo uma lastimável – e
inevitável, ao ver de algumas pessoas – descrença não apenas
na viabilidade de transformação social em direção a um outro
modelo, como também no horizonte da possibilidade de um pro-

| 168 |
Carla Tramontina et al. (Org.)

jeto de futuro em nome de um mundo que desloque do mercado


e do capital, para o ser humano e o mundo da vida social, o eixo
de poder de transformação do presente e de gestação e gestão
de um outro futuro.
Sensíveis a um diálogo com vertentes de pensamento teó-
rico, de construção do conhecimento e de suas derivações para
a educação, fundados em autores que não raro provêm mais
da física quântica e da biologia do que da economia e da políti-
ca, de maneiras bastante diferenciadas, educadores populares
acolhem novas compreensões de fundo holístico, multicultural,
integrativo-interativo e dialogicamente transdisciplinar.
Essa derivação inevitável, ao ver de alguns, desloca a pri-
mazia da questão social de um plano socioeconômico em direção
a compreensões mais totalizadoras, não apenas do acontecer
humano, mas também da complexidade da sociedade. Outros,
como Boaventura de Souza Santos, lembram que transforma-
ções sociais e epistemológicas dificilmente acontecem se não
acontecerem juntas.
Entre educadores populares, algumas questões relaciona-
das à individualidade, à identidade, à afetividade, a uma nova
conectividade, centrada em dimensões que chegam a submeter
o racional ao afetivo, tendem a constituir a cada dia o próprio
centro das reflexões teóricas, das teorias de conhecimento-cons-
ciência e, por consequência, as linhas de direção de uma educa-
ção que somente pode ser popular se for popularmente sensível
e totalizantemente humanizadora.
Enfim, mesmo entre os herdeiros mais fiéis das tradições
originais freireanas, educadores populares latino-americanos
migram no todo ou em partes da unicidade de metodologias de
pedagogia e pesquisa, centradas de forma direta ou indireta em
abordagens dialéticas, em direção a alguma vertente dialógica
existente ou a ser criada como nova e inovadora plurivariante
corrente de pensamento e de ação.

| 169 |
O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

Saltemos dessas reflexões para outra. Ela é tão impositi-


vamente visível, histórica e presente quanto é também deixada
de lado, mais ainda quando alguém que escreve sobre a educa-
ção acredita que sua escrita será porventura mais bem aceita
e recomendada se evitar Marco Raul Mejia e Alfonso Torres
Carrillo e der preferência a Adorno, Foucault e Derrida, mesmo
escrevendo sobre educação e movimentos populares.

A educação popular e a descoberta de


nós mesmos
Neste tópico, quase quebro a sequência lógica (e cronológi-
ca) do que escrevi até aqui. Mas se insisto em relembrar alguns
fatos é porque eles me parecem tão originalmente essenciais
como reconhecimento e identidade quanto lastimavelmente es-
quecidos hoje em dia. Afinal, em tempos em que os anos 1980
já são “tempos de antigamente”, os anos de que mencionei e
retomo estão ameaçados de ser considerados por jovens extre-
mamente informatizados (e precariamente informados) como
“a pré-história”.
Nunca realizei investigação alguma a este respeito e espe-
ro nunca precisar realizar. De minhas memórias e de conversas
com pessoas do Brasil, da América Latina e de outros cantos do
mundo, tudo leva a crer que, pelo menos nos últimos sessenta
anos, em apenas três ou quatro momentos e por causa de três
ou quatro criações exclusiva ou parcialmente latino-americanas,
pessoas e centros de estudos e/ou de ação social daqui e do “norte
de mundo” nos leram e nos ouviram, tomando-nos como instau-
radores de algo que ressoou entre nós para fora do continente.
Entre esses nomes, destaco os seguintes: os movimentos
sociais populares, a educação popular, a pesquisa participante,
a teologia da libertação e as suas derivadas. Desde um ponto de

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Carla Tramontina et al. (Org.)

vista identitário e dialógico, esta evidência é muito relevante,


pois, mesmo que em boa medida “pela porta dos fundos”, com
a educação popular, pela primeira vez de fato, dialogamos com
educadores de todo o mundo não mais como quem ouve, copia,
aprende e adapta, mas como alguém que também tem o que
dizer e propor.
Gostaria de destacar o posicionamento do próprio Paulo
Freire. Quem lê com atenção Pedagogia do oprimido (2014),
assim como os livros em diálogo com a África, observa que suas
leituras vão de autores do primeiro mundo a terceiro-mundis-
tas, como Amilcar Cabral, Samora Machel, Franz Fannon e Al-
fredo Memni. Em reiterados depoimentos, Freire incentivou a
“sulear” nossas leituras e mentes e a buscar em autores entre
a África e a Nicarágua insurgente, se não toda, pelo menos boa
parte das fontes originais de nossos diálogos e aprendizados.
Essa é apenas a ponta da meada de algo que vivemos in-
tensamente na América Latina desde o alvorecer dos anos 1960,
pois, tanto no campo exclusivo da educação, quanto no de ações
sociais contestatórias a ela associadas de algum modo, pela pri-
meira vez, um modo de pensar, de propor e de praticar “a edu-
cação” como uma pedagogia do oprimido nos latinoamericaniza.
Em que outro momento de nossa história nacional e, plu-
ralmente, latino-americana, alguma modalidade de prática
emancipatória por meio da educação nos fez saltar fronteiras
e nos colocou face a face em diálogo, após as sucessivas inde-
pendências (sempre relativas) de nossas sociedades nacionais?
Lembremos algumas ocorrências, ora efêmeras, ora mais dura-
douras, entre ousados e antigos movimentos emancipatórios de
cunho(s) socialista e/ou anarquista.10
10
Lembro que, em alguns locais do Brasil, especialmente em São Paulo e no Rio
Grande do Sul, foram criadas e floresceram escolas anarquistas. Algumas delas,
dedicadas a operários e a filhos de operários, foram violentamente reprimidas por
ditaduras de plantão no começo e meados do século XX. Desconheço experiências
semelhantes em outros países, mas tenho motivos para desconfiar de sua
existência. Não sei se algum intercâmbio extrafronteira existiu em algum momento.

| 171 |
O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

No entanto, até onde meus estudos (poucos) e a minha me-


mória (frágil) alcançam, reconheço que apenas com o advento
da educação popular e de imaginários e com práticas sociais,
como teologia da libertação, a pesquisa participante e outras
ações insurgentes e emancipatório-populares, estilo Movimen-
to dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra e Exército Zapatista de
Libertação Nacional, é que dois acontecimentos, a meu ver de
extrema importância, ocorrem entre o começo dos anos 1960, a
maturidade dos 1970 e os dias atuais. O primeiro: a educação
popular relativiza, em seus termos, a leitura vinda do Norte e
depressa gera seus autores-atores e um crescente e vigoroso
repertório de teorias, de propostas e de programas de ação e de
práticas emancipatórias. O que mais deve ser ressaltado nesse
acontecer é o fato de que ele não se limita, por exemplo, a países
do Cone Sul, mas se estende dos desertos do Norte do México
aos da Patagônia argentina.
Trago meu próprio exemplo. Durante os anos que vão de
1963 a 1968, conheci e li educadores populares brasileiros que
associei a pensadores da Europa. A partir de 1968, inverti radi-
calmente o eixo de minhas leituras para autores que “fizeram a
minha cabeça” e para educadores com quem dialogo, reduzindo
a leitura de apenas brasileiros e bastante a de educadores do
primeiro mundo.11 Em poucos anos, dialoguei, em encontros,
cursos e outras vivências, com educadores populares latino-a-

11
Devo confessar que esta conversão a nós mesmos é parcial. Sendo ao mesmo
tempo um ativista social da cultura e da educação popular, a partir de 1972, inicio
a minha formação como antropólogo. Minhas leituras acadêmicas, sobretudo em
meu mestrado em Antropologia, na Universidade de Brasília, são francamente
inglesas, norte-americanas e, mais tarde, francesas, por meio de Lévi-Strauss.
Durante anos, fui obrigado a ler autores ingleses e norte-americanos e em inglês.
Apenas mais tarde e de forma mais autônoma, pude participar de todo um afã de
diálogo com cientistas sociais e, sobretudo, antropólogos da Espanha e da América
Latina. Os autores da Europa e dos EUA contribuiram com conhecimento e ciência.
Os da América Latina, com consciência e sabedoria. E, em termos de sabedoria,
aprendi mais com os camponeses e os negros com quem convivi e realizei
pesquisa (e, sem pesquisar mais, convivo até hoje) do que com os antropólogos
que me ensinaram a pesquisá-los.

| 172 |
Carla Tramontina et al. (Org.)

mericanos, com quem até hoje mantenho interlocuções e consi-


dero os mestres mais frequentes e mais essenciais.12
O segundo acontecer é derivado em linha direta do primei-
ro. Pela primeira vez fui obrigado a saltar fronteiras, a abrir
a porta estreita de nossos autores nacionais e estabelecer um
aberto diálogo transnacional com pessoas de outras línguas, de
nações, de outras formações e de outras escolas de pensamento.
A bibliografia de nossos estudos, a menos que trate de algum
tema estritamente nacional (como a luta pela escola pública
na Argentina durante a ditadura militar), não pode deixar de
buscar referentes entre educadores de vários países e de vários
momentos do acontecer da educação popular, de ações sociais
emancipatórias e de movimentos sociais populares.
Fomos, na aurora da educação popular, leitores de verten-
tes e tendências que anteciparam os apelos por uma transdis-
ciplinaridade. Líamos filósofos e poetas para escrever sobre a
educação. E fomos os cristãos de esquerda e os militantes da
Juventude Universitária Católica, leitores dos evangelhos du-
rante a noite, de Emannuel Mounier pela manhã e de Karl
Marx durante a tarde.
Imagino que, de forma tão ampla e dialógica, apenas a li-
teratura – e mesmo assim em termos e a longo prazo – terá

12
Um estranho e hoje conhecido acontecimento pessoal pode ilustrar bem tudo isso.
Entre 1969 e 1971, participei de uma pequena equipe que, por meio do Centro
Ecumênico de Documentação e Informação, viajou pela América Espanhola
durante anos de plena ditadura no Brasil, difundindo ideias de educação popular
e o método de Paulo Freire. Como resultado dessa experiência, escrevi pequenos
textos mimeografados e difundidos mais nos Andes do Equador do que no
Nordeste do Brasil. Resolvemos, em uma reunião em Montevidéu, reunir meus
escritos em um livro e publicá-lo. Uma editora argentina, a Siglo XXI, acolheu a
ideia e editou o livro. Devido ao temor de que o livro saísse em meu nome, ele foi
publicado em nome de Júlio Barreiro, um amigo teólogo uruguaio. Com o golpe
militar na Argentina, o livro Educación popular y processo de conscientización
passou a ser editado no México e, depois, na Espanha. Ele alcançou mais de 15
edições e, apenas dez anos depois da primeira edição em espanhol, foi publicado
no Brasil, pela Editora Vozes, aparecendo eu mesmo como tradutor de meu livro.
Uma breve leitura já torna evidente como se estabelece um diálogo com autores
latino-americanos no livro. No Brasil, o livro conheceu apenas duas edições.

| 173 |
O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

produzido entre nós uma tão desbragada abertura dialógica


latino-americana, entre latino-americanos tão ousadamente
extrafronteiras. Depois de Paulo Freire, que depressa se reco-
nhece um educador de vocação popularmente universalista, a
educação popular dialoga entre nós a partir de um não lugar.
A partir de um território de sentido tão descentralizado resul-
ta improcedente buscar na América Latina um qualquer lugar
onde ela possa ser hoje em dia mais central.
Para recordar apenas algumas pessoas de nossos tempos
pioneiros, lembro que, ao longo de vários anos, as pessoas mais
presentes em minhas leituras e diálogos eram Pablo Latapi,
Felix Cadena, Oscar Jara, Beatriz Bebiano Costa (enfim, uma
brasileira!), Moacir Gadotti, Osmar Fávero, Carlos Alberto
Torres, Sergio Martinic, Jorge Osório, João Bosco Pinto, Paulo
Rosas, Orlando Fals Borda, Maria Tereza Sirvent, Pancho Vio
Grossi, Sylvia Schmelkes, Adriana Puigrós, Ricardo Cetrullo,
Isabel Hernandez, Adriana Puigross, Rosa Maria Torres, Bal-
doino Andreolola, Marcela Gajardo, Marco Raúl Mejía, Alfonso
Torres Carrillo, Augusto Boal (e seu teatro do Oprimido) e, cla-
ro, Paulo Freire.
Era por meio de nós mesmos que íamos aos outros, os mais
distantes e do outro lado do oceano Atlântico e do Equador. Até
mesmo Antônio Gramsci nos era essencial, porque mais nos pa-
recia um militante cubano do que um italiano. Descolonizados
geopoliticamente, cedo aprendemos a nos descolonizar conti-
nentalmente. Mesmo em tempos de Paulo Freire retornado de
seu longo exílio e ativamente presente entre nós, inclusive como
professor de universidades paulistas, de modo algum o Brasil
se constituiu como uma “pequena Meca” da educação popular.
Entre nós, nenhum país se torna central. Nenhuma uni-
versidade latino-americana ou qualquer outro centro de estu-
dos é, em momento algum, cultural ou politicamente hegemôni-
co(a). Nenhuma e nenhum de nós, de Osmar Fávero (dos anti-

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Carla Tramontina et al. (Org.)

gos) a Norma Michi (aos jovens), foram ou são referência única.


A metáfora dos círculos de cultura dos anos 1960 torna-se a
realidade metonímica de todos os anos e eras seguintes. Cada
um de nós fala ou escreve desde uma individualidade fecunda-
mente coletiva.
Insisto que, em termos de história e de pedagogia militante,
este fato não é nem marginal, nem folclórico. Ele deve nos pare-
cer essencial, e custa crer que, em algumas acadêmicas míopes,
uma história oficial da educação na América Latina possa atra-
vessar os anos, dos 1960 aos dias de hoje, sem se dar conta da
importância cultural e transcultural deste acontecimento.

Entre o que muda e o que permanece


Desejo encerrar este escrito de memórias e atualidades
com uma reflexão sobre o que, em minha opinião, permanece,
o que muda e o que se transforma ao longo dos anos e das dé-
cadas. Assim, sonhamos unificar, em um repertório ao mesmo
tempo simples e aberto o bastante para recobrir nossas con-
vergências e diferenças como educadores, a partir do ideário
interativo da educação popular, o que entre os anos 1960 e os
dias de hoje permanece como uma sequência de fundamentos e
de crenças naquilo que nos move a seguir adiante.
Será com palavras como “crença”, “confiança” e “esperan-
ça”, que inicio meus fraseados seguintes. O que nos move?
A crença inabalável na vocação do destino da pessoa hu-
mana . A confiança de que, apesar de tudo o que vivemos agora,
há um presente a confrontar e um futuro a construir a partir de
pessoas como você e eu e em nosso nome.
Diante do avanço de imaginários hegemônicos que edifi-
cam e consolidam (até quando?) o primado do poder do merca-
do do capital como o território central das relações sociais na
mesma medida em que estabelecem como seu ator central o

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O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

indivíduo competente e competitivo, devemos persistir em pen-


sar e praticar uma educação centrada no valor e no primado da
pessoa consciente e cooperativa.
Quem quer que seja, qualquer ser humano é, em si mesmo
e sem mediações, o ponto de origem, o valor de sentido e o desti-
natário de uma educação vocacionada não apenas a capacitar o
indivíduo para o mercado, mas também a formar a pessoa para
a partilha solidária da vida social.
Qualquer que seja o estilo de um governo e a vocação de
uma sociedade, a pessoa humana é sempre o seu sujeito e a
sua razão de ser. A pessoa constitui um valor irredutível em si
mesma, e todos os projetos e políticas sociais devem ter cada
pessoa e todas as pessoas de um povo ou de uma nação como
seu destinatário essencial.
Mantenhamos viva a crença em nós mesmos. Confiemos
em quem somos e no que sempre podemos fazer para mudar
nossas cabeças e nossos destinos e transformar o mundo em
que vivemos. Sigamos acreditando em um dos fundamentos da
educação popular: a crença substantiva em nós, em nós mes-
mos e em entre nós que, solidaria e ativamente, criamos, quan-
do nos unimos.
Não somos destinados a nos educarmos para nos subordi-
narmos a uma ordem social pré-existente, imposta a nós e colo-
nizadora de nossos saberes, de significados, de nossas escolhas
e de nossas ações sociais. Mutuamente, ensinamos-e-aprende-
mos para sermos, em cada pessoa e em nossas autônomas e
solidárias coletividades, os agentes de transformação de nossas
vidas e de nossos mundos de vida.
Para além de uma educação humanista mais tradicional,
a educação popular não objetiva apenas formar pessoas em sua
eminente dignidade, apenas como senhores de direitos e sujei-
tos de deveres sociais. Ela vai além e se propõe, critica e criati-
vamente, a formar pessoas e coletividades mobilizadas por ato-

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Carla Tramontina et al. (Org.)

res inconformados e por agentes ativos de processos crescentes


e perenes de emancipação social.
Instâncias do poder de estado ou de outros poderes podem
supletivamente associar-se ao trabalho emancipador de atores
e autores pessoais e coletivos de emancipação. Mas cabe a nós,
e não a qualquer outra agência pretensamente superior a pes-
soas e a coletividades de pessoas livres, a tarefa de construir,
conduzir e consolidar práticas de emancipação descolonizadora
e contra-hegemômica. Não esqueçamos: uma coisa é o que fize-
ram de nós; e outra coisa é o que fazemos do que fizeram de nós.
Contra todos os falsos profetas que, em nome do primado
do mercado, anunciam a morte da pessoa como ser-de-socieda-
de e o fim da história, com a premissa de que o modelo capita-
lista é o único humana e socialmente viável, devemos preservar
e ascender a nossa crença na história como algo que vivemos,
construímos e escrevemos. Uma realista e esperançosa história
com um sentido convergente, emancipador, personalizante, so-
cializante e espiritualizante.
A despeito de todas as teorias que acreditam ou apostam
no fim das ideologias de transformação de pessoas e mundos,
devemos confiar que nós, você e eu, somos não somente seres
na história ou da história, mas também autores-atores copar-
ticipantes de cada momento de construção de nosso tempo na
história. Sejamos aqueles e aquelas a quem compete não ape-
nas seguir o curso da história ou, simplesmente, dedicar-se a
estudá-la e criar boas narrativas a seu real ou ilusório respei-
to, mas também as pessoas detinadas a vivê-la como a mais
difícil experiência coletiva a ser desfiada e construída: a nossa
história.
Devemos acreditar como educadores que ter um sentido
de origem nos desafia a um trabalho de solidária construção
da trajetória da aventura humana na Terra, que há milhões de
anos nos fez descer de árvores e, passo a passo, entre tropeços e

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O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

acertos, no fez chegar a este momento que historicamente com-


partimos.
A afirmação da vocação histórica a uma perene transfor-
mação sempre mais humanizadora da vida e da história perma-
necem como o sinal de nascença e a assinatura de identidade
da educação popular. Por meio de seus serviços a comunidades
sociais tradicionais, associações e movimentos populares, ela
deve seguir sendo uma alternativa a mais em processo inte-
grado, interativo e socialmente radical de transformação das
estruturas de poder, de gestão da economia e de vida social de
nossas sociedades ainda colonizadas pelo poder do capital e do
mundo do mercado.
Mais do que talvez em outros momentos da história huma-
na, vivemos um momento de transição em que nossas ideias,
ideais e práticas ou se dirigem a uma simples regulação do sis-
tema mundo e de sua hegemonia colonizadora, ou se dirigem a
ideias, ideais e ações de emancipação diante dele e frente a ele.
Uma tendência nega um sentido de realização humana ao
longo da história. A outra afirma as ações humanas de supera-
ção de si mesmo, como o próprio acontecer de uma história que,
ao construir, faz com que cada um de seus atores se construa a
si mesmo como uma pessoa.
O educador popular, sendo um crítico criativo da pós-mo-
dernidade, que pensa, aprende e atua, deve não apenas viver
criticamente, mas também sair de seu lugar acadêmico e partir
em busca do “lugar de raízes”. Esses são os territórios de vidas
e conquistas populares.
Saibamos acreditar que, em todo o mundo e em cada local,
cabe a cada um de nós, às nossas pequenas comunidades utópi-
cas às nossas redes espalhadas por todo o planeta terra e à mul-
tidão de pessoas provenientes, sobretudo, dos povos originários
e dos excluídos da terra, a vocação de tornar real a construção

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Carla Tramontina et al. (Org.)

de um outro mundo possível como um inédito viável, um dia


lembrado por Paulo Freire.
Acreditemos em nossa vocação destinada a uma permanen-
te e irreversível humanização. Paulo Freire gostava de iniciar
algumas de suas falas e de seus escritos com a lembrança de que
somos seres inacabados, inconclusos. E, sendo assim, a contra-
parte disso é que somos seres perenemente acabáveis, aperfei-
çoáveis, ilimitadamente capazes de nos recriarmos a partir de
nós mesmos e para além de nós mesmos. Isso vale tanto para o
ser individualmente quanto para toda a espécie humana.
Existe um critério absoluto para determinar a qualidade
de uma mudança ou de uma transformação social: ela deve ser
sempre mais humanizadora. Deve representar sempre e de ma-
neira irreversível um acréscimo de valor humano ao humano,
um aumento de condições por meio das quais as pessoas – e
todas as pessoas – possam viver cada dia mais uma vida ple-
na e feliz, isto é, uma vida de qualidade: criativa, livre, corres-
ponsável e solidariamente partilhada em uma sociedade justa,
democrática, igualitária, multicultural, não excludente, justa e
aberta à constante mudança.
Em uma sociedade em que a imensa maioria das mulhe-
res e dos homens pertence às camadas sociais populares, as
pessoas do povo são aquelas a quem devem ser destinados re-
cursos e projetos que revertem sua condição de pobreza, exclu-
são e marginalidade. Pessoas das camadas populares devem
se tornar os próprios agentes ativos e críticos de sua formação,
da transformação de suas culturas (modos se ser, de viver, de
sentir, de criar e de pensar), a partir de si mesmas e de seus
valores e tradições, em direção à transformação da vida social
que constroem com seus saberes e trabalhos.
Frente a um crescente número de programas empacota-
dos, de sutis colonizações de sentimentos e de mentes com pa-
drões pré-fabricados, devemos crer no valor e no do poder do sa-

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O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

ber original que habita o coração e a mente de toda e qualquer


pessoa. Devemos crer que cada pessoa, quem quer que seja, é
em si mesma uma fonte original, preciosa e irrepetível de saber.
Devemos: recriar a confiança na vocação humana para o
diálogo, a partilha, a troca de dons, a solidariedade; crer nesta
vocação como o fundamento do que nos faz sermos seres hu-
manos, seres conectivos, sujeitos recíprocos e, portanto, auto-
res de nosso aprender-a-saber; crer que somos humanos não
porque ou somos racionais, ou somos seres políticos, conforme
Aristóteles, mas porque somos seres aprendentes, seres sempre
aprendentes.
Quem quer que sejam as pessoas, sempre, a sua verda-
deira vocação é a abertura ao encontro com o outro no diálogo
entre seres iguais, livres e responsáveis por si mesmos, pelos
outros e por seus mundos de vida e de trabalho. Relembro: cada
ser humano é uma fonte de vida, de experiências pessoais e de
saberes próprios que o torna único, como uma fonte original
de valor e de conhecimento. Todo o saber, todo o aprendizado e
toda a ação social entre pessoas devem se realizar sempre como
vivências interpessoais e culturais de diálogos. E o fundamento
do diálogo entre as pessoas não é outro senão o amor.
Não somos apenas mentes que adquirem e acumulam in-
formações e conhecimentos, para permanecer da mesma forma.
Somos seres que transformam o que aprendem e conhecem em
formas pessoais e dialógicas de consciência. A formação de espí-
ritos autônomos entre mentes críticas, criativas e amorosamente
dialógicas é a razão de ser de todo o aprendizado. E essa forma
de aprender deve se constituir, de forma crescente, como a razão
de ser da educação. Pessoas não aprendem apenas para serem
capacitadas pela informação. Aprendem para conhecer. Pessoas
aprendem não apenas para acumularem conhecimentos, mas
também para continuamente processarem saberes ativamente
adquiridos como reconhecimento pessoal e interativo, dos outros

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e do mundo. Conheço, quando faço parte do que é conhecido. Co-


nheço conscientemente, quando penso por conta própria e res-
ponsavelmente qual o sentido humano do que estou conhecendo.
Acreditemos na educação que praticamos. Vivamos em
nome da esperança de que existe um poder emancipador, liber-
tador e, portanto, humanizador no saber e na construção e na
partilha do saber; logo, na educação.
Em interação com outras práticas e outros processos
emancipatórios, a educação popular pretende ser uma alter-
nativa efetiva de poder. Acreditamos que o poder emancipador
da educação e, em nosso caso, da educação popular será possi-
velmente o mais efetivo e persistente entre todas as práticas
sociais emancipatórias.
Fundamos essa crença no fato de que uma educação popu-
lar, derivada de uma pedagogia crítica e como uma, entre ou-
tras, prática de emancipação, atua sobre as mentes, os espíritos
e os corações das pessoas. Pensamos que a tarefa do educador
popular será não apenas a de aprimorar pessoas por meio do co-
nhecimento e da sensibilidade, mas, para além desse propósito,
transformar pessoas em suas consciências, seus afetos e suas
ações por meio da intertroca e da mútua construção de novos
saberes, sentidos, significados e vocações de sociabilidade.
Entre educadores de vocação popular, gostamos de repetir
estas três frases: “A educação não muda o mundo. A educação
muda pessoas. Pessoas mudam o mundo”.
Encerro este escrito, pensado entre a memória de ontem,
a confiança de hoje e a esperança do amanhã, com frases muito
simples, cada uma iniciada com um verbo, e todas traduzindo
em poucas palavras tudo o que a educação de que tratei aspira
ver realizado em cada pessoa: viver a sua vida; criar o seu des-
tino; pensar com a sua mente; aprender a sua verdade; dizer
a sua palavra; partilhar a sua luta; transformar o seu mundo;
escrever a sua história.

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O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

Referências
ARROYO, Miguel. Pedagogia do Oprimido. In: CALDART, Roseli Salete
et al. (Org.). Dicionário da educação do campo. 2. ed. Rio de Janeiro: Es-
cola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.
p. 553-560.
CALDART, Roseli Salete. Educação do Campo. In: CALDART, Roseli Sa-
lete et al. (Org.). Dicionário da educação do campo. 2. ed. Rio de Janeiro:
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.
p. 262.
CARRILLO, Alfonso Torres. La educación popular – trayctória y actuali-
dad. 2. ed. Bogotá: El Buho, 2012.
COELHO, Norma Elizabeth Pereira. Os libertários e a educação no Rio
Grande do Sul (1895-1926). Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade
de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
1987.
ESTEBAN, Maria Teresa; TAVARES, Maria Tereza Goulart. Educação po-
pular e a escola pública – algumas questões e novo horizontes. In: STRECK,
Danilo; ESTEBAN, Maria Teresa (Org.). Educação popular: lugar de
construção social coletiva. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 293-307.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Edição fac-símile. São Paulo:
Instituto Paulo Freire, 2014.
GORKI, Máximo. A mãe. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
NOVAES, Adauto (Org.). Civilização e barbárie. São Paulo: Companhia
das Letras, 2004.
STRECK, Danilo; ESTEBAN, MariaTereza. Educação popular e a escola
pública – algumas questões e novo horizontes. In: ______. (Org.). Educa-
ção popular – lugar de construção social. Petrópolis: Vozes, 2013.
TOLSTOI, Liev. Patriotismo e governo. In: ______. Liev Tolstoi – os últi-
mos dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 158-183.

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Carla Tramontina et al. (Org.)

Sobre os autores
Anarete Bolis – Pedagoga e professora das totalidades 1,
2 e 3 do Serviço de Educação de Jovens e Adultos. E-mail:
anaretebolis@hotmail.com

Andréia Fasolin Fioravanço Bassani – Graduada em Le-


tras – Licenciatura Plena pela Universidade de Passo Fundo.
Especialista em Docência em Educação de Jovens e Adultos
pela Faculdade de Tecnologia Senac de Passo Fundo. Vice-dire-
tora do Serviço de Educação de Jovens e Adultos (2013-2016).
E-mail: andreiaffb@gmail.com

Carla Cristine Tramontina – Graduada em Pedagogia e


especialista em Metodologia do Ensino de Filosofia pela Uni-
versidade de Passo Fundo e especialista em Informática Ins-
trumental para professores de Educação Básica pela Universi-
dade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenadora Pedagógica
do Serviço de Educação de Jovens e Adultos e do Núcleo Tec-
nológico Municipal da Secretaria Municipal de Educação de
Marau, RS. E-mail: cctramontina@hotmail.com

Carlos Rodrigues Brandão – Neto e filho de avó e mãe gaú-


chas de São José do Norte, Carlos nasceu na cidade do Rio de
Janeiro, onde se formou em Psicologia na PUC-Rio. Escreve
desde menino e muito cedo se envolveu ativamente na criação
de movimentos e centros de cultura popular. Em 1967, ingres-
sou como professor na vida universitária, primeiro em Brasília
(UnB), depois em Goiânia (UFG) e, finalmente, em Campinas
(Unicamp). Tornou-se antropólogo, primeiro por conta pró-
pria e, depois, por meio de cursos na UnB e na USP. Desde

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O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

1963, participa do debate extrauniversitário dos movimentos


e experiências de educação e cultura popular. Lecionou em
doze universidades do Brasil e da Europa. Trabalha em cur-
sos de doutorado na Unicamp e na Universidade Federal de
Goiás. Publicou ou coordenou a edição de 62 livros. E-mail:
carlosdecaldas@gmail.com

Eleni Dossa – Professora titular de Matemática da rede pública


de Marau e do estado do Rio Grande do Sul. E-mail: elenidossa@
hotmail.com

Eliara Zavieruka Levinski – Graduada em Pedagogia pela


Universidade de Passo Fundo (UPF). Doutora em Educação
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora da
Faculdade de Educação da UPF. E-mail: eliara@upf.br

Elisabeth Maria Foschiera – Graduada em Ciências Biológi-


cas pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Especialista em
Ecologia e mestra em Educação pela UPF. Professora do Cur-
so de Pedagogia da Faculdade de Educação da UPF. Professora
aposentada da rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul,
com atuação no Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adul-
tos de Passo Fundo (2003-2011). E-mail: bethfosch@gmail.com

Fabiane Pizato Girardi – Bacharel em Desenho e Plástica


pela Universidade Federal de Santa Maria. Licenciada em Ar-
tes Visuais pela Universidade de Passo Fundo. Pós-graduada
em Psicopedagogia pela Unicid. Professora de Arte no Servi-
ço de Educação de Jovens e Adultos em Marau (2016). E-mail:
fabi.pizato@bol.com.br

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Carla Tramontina et al. (Org.)

Flávio da Silva Figueiró – Graduado em Matemática pela


Universidade de Passo Fundo. Especialista em Educação de
Jovens e Adultos pela Faculdade de Educação de Joinville.
Vice-diretor e Coordenador pedagógico do NeejaCP. E-mail:
flavio.figueiro@hotmail.com

Lisiane Lígia Mella – Psicóloga graduada pela Universidade


de Passo Fundo (UPF). Mestra em Educação pela Faculdade
de Educação da UPF. Integrante da equipe da Divisão de Ex-
tensão da UPF, atua na assessoria a projetos e programas de
extensão e no Centro de Referência e Atenção ao Idoso (Creati-
-UPF), na Oficina Descortinando Emoções. É docente no Centro
de Ensino Médio Integrado UPF nas disciplinas de Orientação
Profissional I e II. Atuou como bolsista de extensão no projeto
Observatório da Juventude, Educação e Sociedade, por meio do
qual é facilitadora do Projeto Alternativas à Violência (PAV).
Atua como facilitadora de Círculos Restaurativos e de Cons-
trução de Paz pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
E-mail: lisiane.mella@upf.br

Luciane Spanhol Bordignon – Graduada em Matemática


pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões. Doutora em Educação pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul. Professora do Curso de Pedagogia da Fa-
culdade de Educação da Universidade de Passo Fundo. E-mail:
lucianebordignon@upf.br

Maria Georgina Freire – Graduada em Educação Física pela


Universidade de Cruz Alta. Especialista em Pedagogia Gestora
– Área de Conhecimento: Educação, pelo Centro Universitário
Diocesano do Sudoeste do Paraná. Coordenadora pedagógica do
NeejaCP. E-mail: geor.freire@oi.com.br

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O trabalho pedagógico na educação de jovens e adultos: repensando e qualificando as práticas educativas

Maria Isabel Bristott – Graduada em Letras e em Psicologia


pela Universidade de Passo Fundo. Especialista em Alfabetiza-
ção: Classes Populares. Mestre em Letras: Estudos Literários.
E-mail: mibristott@terra.com.br

Maris Dias Tonial – Graduada em Ciências Físicas e Biológi-


cas e especialista em Genética e Evolução pela Universidade de
Passo Fundo. Professora da rede municipal de ensino de Ma-
rau. E-mail: maristonialdias@yahoo.com.br

Neusa Marisa Leal Klein – Graduada em Letras pela Univer-


sidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI).
Especialista em Português pela URI. Diretora do NeejaCP.
E-mail: nklein@terra.com.br

Odalea Carla Andreis – Graduada em Ciências Biológicas


Licenciatura Plena pela Universidade de Passo Fundo (UPF)
(2007). Pós-graduada em Gestão Ambiental pela UPF (2009).
Pós-graduada em Mídias da Educação pelo Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (2015). Pro-
fessora da rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul. Profes-
sora da rede municipal de Marau, RS. E-mail: odaleaandreis@
yahoo.com.br

Rosaneti Saurin Machado – Graduada em Arte Educação


pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul. Especialista em Mídias na Educação pelo Ins-
tituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-gran-
dense. Vice-diretora do NeejaCP. E-mail: magalimachado63@
gmail.com

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Carla Tramontina et al. (Org.)

Sandra Mara Marasini – Graduada em Matemática Li-


cenciatura Plena pela Universidade de Passo Fundo (UPF)
(1982). Especialista em Educação Matemática pela UPF (1984-
1985). Especialista em Ensino de Ciências pela Universida-
de de Caxias do Sul (1985-1988). Mestra em Educação pela
UPF (1998-2001). Professora do Laboratório de Matemática
(Labmat) da UPF. Professora titular do Curso de Matemática
da UPF. Professora de Fundamentos Metodológicos de Mate-
mática no Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da
UPF. E-mail: marasini@upf.br

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