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Taiane Aparecida Ribeiro Nepomoceno

Organizadora

EDUCAÇÃO, SOCIEDADE
E MEIO AMBIENTE
Desafios, Saberes e Práticas
EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E
MEIO AMBIENTE
Desafios, Saberes e Práticas
AVALIAÇÃO, PARECER E REVISÃO POR PARES
Os textos que compõem esta obra foram avaliados por pares e indicados para publicação.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Bibliotecária responsável: Aline Graziele Benitez CRB-1/3129

E26 Educação, sociedade e meio ambiente: desafios,


1.ed. saberes e práticas [livro eletrônico] / organização
Taiane Aparecida Ribeiro Nepomoceno. – 1.ed. –
Curitiba-PR, Editora Bagai, 2022. 157 p.
E-Book

Bibliografia.
ISBN: 978-65-5368-094-4

1. Sociedade. 2. Sustentabilidade. 3. Processos educacionais


I. Nepomoceno, Taiane Aparecida Ribeiro.

09-2022/39 CDD 370.1

Índice para catálogo sistemático:


1. Educação: Sustentabilidade 370.1

https://doi.org/10.37008/978-65-5368-094-4.25.07.22
R

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Taiane Aparecida Ribeiro Nepomoceno
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EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E
MEIO AMBIENTE
Desafios, Saberes e Práticas
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SUMÁRIO

A CULTURA DO GUARANÁ NA PERSPECTIVA DA


ETNOMATEMÁTICA: NOVOS CAMINHOS PARA ENSINAR
MATEMÁTICA EM MAUÉS-AM.............................................................. 11
Aldian Gomes Menezes | Wagner Barros Texeira

ENSINO DE QUÍMICA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO 4.0........ 25


Carla Edlane da Silva de Aquino | Ednéa Euzébio da Silva

ENSINO INVESTIGATIVO COMO FERRAMENTA PARA A


ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL...... 35
Vinicyus Coelho Gualberto | Lidiane Moreira Chiattoni | Fábio Luiz Quandt |
João Carlos Ferreira de Melo Junior

RELATO DE EXPERIÊNCIA: A TRANSDISCIPLINARIDADE NO


ESTUDO DA BIOSFERA NO RIO DESEJADO DO DISTRITO DE
ENTRE RIOS DE NOVA UBIRATÃ-MT.................................................. 49
Gislaine Araujo Dantas Tanaka | Helena Teresinha Reinehr Stoffel |
Junea Graciele Rodrigues Dantas de Brito | Jussara Aparecida Teixeira Zimmermann |
Luciane Demiquei Gonzatti

EDUCAÇÃO FISCAL E A BASE NACIONAL COMUM


CURRICULAR............................................................................................... 61
Wagner Teixeira Barros | Ednéa Euzébio da Silva

POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL: O NOVO FUNDEB E AS


GARANTIAS CONSTITUCIONAIS........................................................ 75
Kelly Letícia da Silva Sakata | Susana Aparecida Alves Cius

ETHOS AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE NO BAIXO


AMAZONAS: A CIRCULARIDADE DA CULTURA NO MUNICÍPIO
DE PARINTINS............................................................................................. 87
Charlene Maria Muniz da Silva
A IMPORTÂNCIA DAS ONGS AMBIENTAIS NO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL BRASILEIRO.....................103
Lisandro Fin Nishi

A REGULARIZAÇÃO SANITÁRIA APLICADA À AGRICULTURA


FAMILIAR.....................................................................................................117
Deborah Santesso Bonnas | Roberta Torres de Melo | Micaela Guidotti Takeuchi |
Talita Costa e Silva Brito

CONDIÇÕES DE SANEAMENTO BÁSICO NO MUNICÍPIO


DEDIAMANTE DO SUL, PARANÁ, BRASIL........................................131
Taiane Aparecida Ribeiro Nepomoceno | Natalia do Vale Gnoatto

ARTESANATO E DECOLONIALIDADE: CONSTRUÇÃO DE UMA


IDENTIDADE CULTURAL E SIMBÓLICA NO RECÔNCAVO
BAIANO.........................................................................................................141
Vaneza Pereira Narciso | Viviane Pereira Narciso | Marcos Paulo Sales

SOBRE A ORGANIZADORA...................................................................155
ÍNDICE REMISSIVO..................................................................................156
APRESENTAÇÃO

A crise planetária vivenciada nos últimos anos, têm nos impul-


sionado a compreender que somos interdependentes e que a busca
por uma sociedade planetária exige a reconsideração e o entendi-
mento dos inúmeros setores como fundamentais para a mudança
que desejamos. Deste modo, Educação, Sociedade e Meio Ambiente
apresentam uma relação estreita para os debates que delineiam ações
para o presente e o futuro de todos nós. Por isso, foram selecionados
textos de pesquisadores de diferentes instituições, que contribuem e
fortalecem a noção de retomada das ações cotidianas para a mobi-
lização e a quebra de desafios.
O primeiro capítulo, intitulado A cultura do guaraná na perspectiva
da etnomatemática: novos caminhos para ensinar matemática em Maués-AM
apresenta as possibilidades de relação entre a cultura do guaraná, especi-
ficamente nas etapas de plantio e colheita e os conceitos da matemática.
No capítulo seguinte, intitulado Ensino de química no contexto
da educação 4.0 as autoras discorrem sobre os desafios e obstáculos
atuais no ensino de química e, sobretudo, apontam para a necessidade
de atrelar o planejamento pedagógico às orientações presentes na
Base Nacional Comum Curricular.
No terceiro capítulo, denominado como Ensino investigativo
como ferramenta para a alfabetização científica e educação ambiental
discorrem-se sobre práticas de ensino por investigação como ele-
mento para a alfabetização científica atrelada à educação ambiental
no ensino médio, além de refletirem sobre os aspectos dessa prática
com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
A obra prossegue com o Relato de experiência: a transdiscipli-
naridade no estudo da biosfera no Rio Desejado do Distrito de Entre
Rios de Nova Ubiratã-MT, em que as autoras apresentam uma rica
experiência participativa e instigadora, cuja tem enfoque na sus-
tentabilidade do meio ambiente.
Na sequência, o capítulo intitulado como Educação fiscal e a
Base Nacional Comum Curricular discute os aspectos históricos da
temática, seu papel na formação cidadã e como a nova Base Nacional
Comum Curricular aborda a educação fiscal. Além disso, apresenta
os Temas Contemporâneos Transversais presentes no documento e
como isso engloba a temática discutida.
No texto seguinte, intitulado Políticas públicas no Brasil: o novo
FUNDEB e as garantias constitucionais, as autoras abordam o papel
do novo Fundeb como instrumento de distribuição de recursos para
a educação, os quais denotam conflitos no financiamento do ensino
brasileiro. Em Ethos ambiental e sustentabilidade no baixo Amazonas:
a circularidade da cultura no município de Parintins a autora traz uma
reflexão amparada nas relações existentes entre o meio rural e urbano,
com enfoque no território Zé Açu em Parintins, no estado do Ama-
zonas, envolvendo inúmeros apontamentos para a sustentabilidade.
Por sua vez, o capítulo intitulado como A importância das ONGs
ambientais no desenvolvimento sustentável brasileiro traz em seu bojo
discussões projetadas ao terceiro setor, com enfoque no papel dessas
organizações ambientais para a construção de uma sociedade susten-
tável e da necessidade de melhorias nas condições de implementação
e manutenção das ONGs no Brasil.
No capítulo A regularização sanitária aplicada à agricultura fami-
liar, as autoras abordam os marcos legislativos existentes no âmbito da
produção familiar quando se consideram assuntos relacionados à segu-
rança sanitária e, também ratificam a necessidade de regularizações espe-
cíficas e eficientes, capazes de fortalecer a agricultura familiar no país.
No penúltimo capítulo desta coletânea, denominado Condições
de saneamento básico no município de Diamante do Sul, Paraná, Brasil
as autoras realizam uma caracterização do estado atual dos aspectos
de saneamento básico em um município de pequeno porte, com base
em micro dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
e, incluem, apontamentos sobre a necessidade de políticas públicas
específicas e maiores dispêndios para a temática. A obra é concluída
com o texto Artesanato e decolonialidade: construção de uma identidade
cultural e simbólica no Recôncavo baiano cujo discorre sobre o artesanato
como modo de reconhecimento do trabalho e valorização cultural, a
partir da noção de resistência e identidade local.
Espero que, ao longo desta obra, os capítulos consigam motivar
e instigar os leitores a reflexões, à transformação do seu cotidiano, das
formas de vivência e, sobretudo da outridade tão necessária atualmente.
Ótima leitura!
Taiane Aparecida Ribeiro Nepomoceno
A CULTURA DO GUARANÁ NA PERSPECTIVA
DA ETNOMATEMÁTICA: NOVOS CAMINHOS
PARA ENSINAR MATEMÁTICA EM
MAUÉS-AM

Aldian Gomes Menezes1


Wagner Barros Texeira2

INTRODUÇÃO

Neste capítulo apresentamos um recorte de uma dissertação


desenvolvida por Menezes (2021) na Universidad de la Integración
de las Américas, no Paraguai, voltada para a identificação de pos-
sibilidades de trabalho com conceitos matemáticos presentes em
diferentes etapas da cultura do guaraná em Maués, município do
Amazonas conhecido internacionalmente pela cultura desse fruto
amazônico. Entre essas etapas, a pesquisa de mestrado analisou as
de plantio, colheita, despolpamento e torrefação do guaraná a partir
das propostas da etnomatemática.
Neste capítulo, nosso foco recai sobre as possibilidades de con-
tribuição dessa cultura para o ensino da Matemática nas etapas de
plantio e de colheita. Assim, o questionamento que usamos para
nortear nosso trajeto aqui é o seguinte: como a cultura do guaraná
pode contribuir para o processo de ensino-aprendizagem da Mate-
mática na rede municipal de Maués/AM considerando as etapas de
plantio e de colheita do fruto?
Diante disso, temos como objetivo analisar como os saberes
mobilizados na cultura do guaraná constituem possibilidades peda-
gógicas para o ensino de Matemática. Os dados analisados também
1
Doutorando em Ciências da Educação (UNIDA – PY). CV: http://lattes.cnpq.br/6010154446566565
2
Doutor em Letras Neolatinas (UFRJ). Professor adjunto (UNILA). Professor e pesquisador (UFAM).
CV: http://lattes.cnpq.br/6227315631560289
11
são oriundos da pesquisa de Menezes (2021), obtidos por meio de
pesquisa etnográfica a partir da observação do trabalho diário de dez
guaranalistas que residem no município amazonense de Maués.
Para organizar este capítulo, além desta seção introdutória,
ele está formado por uma seção de desenvolvimento em que são
apresentados pressupostos sobre a cultura do guaraná e sobre a etno-
matemática, seguida de uma seção de análise dos dados. Na sequên-
cia, propomos uma seção com possibilidades de encaminhamen-
tos, seguida pelas referências.

CONHECENDO A CULTURA DO GUARANÁ

Segundo Lorenz (1992), a cultuara do guaraná é conhecida e


ganha destaque por se relacionar às tradições dos povos indígenas, em
especial o povo da etnia Sateré-Mawé, responsáveis pela transformação
de uma planta trepadeira silvestre em arbusto cultivado, introduzindo
seu plantio e beneficiamento. Além disso, destaca sua importância para
a organização social e econômica do Amazonas. Entre os produtos
comercializados, o guaraná é um dos que alcança o melhor preço
no mercado regional e nacional.
O nome guaraná tem origem no idioma nativo dos Sate-
ré-Mawé. Vem de waraná, associado a um fruto que lembra os
olhos de um ser humano. Para o Portal Waraná3, “[...] o termo
indígena ‘waraná’ significa ‘o princípio de todo o conhecimento’.
Trata-se, em especial, do fruto e da semente do ‘waraná’ (guaraná),
fruto que dá energia e vitalidade.”
Em 1669, ano que coincidiu com o primeiro contato da etnia
Sateré-Mawé com os não indígenas, por meio da instalação de
aldeamento jesuíticos, o guaraná é mencionado pela primeira vez
pelo Padre João Felipe Betendorf.

3
Cf. http://warana.com.br/por-que-warana/. Acesso em: 22 fev. 2021.
12
Têm os andirazes em seus matos uma frutinha que
chamam guaraná, a qual secam e depois pisam, fazendo
dela umas bolas, que estimam como os brancos a seu
ouro, e desfeitas com uma pedrinha, com que as vão
roçando, e em uma cuia de água bebida, dá tão grandes
forças, que indo os índios à caça, um dia até o outro não
têm fome, além do que faz urinar, tira febres e dores
de cabeça e câimbras”, relatou o Padre João Felipe
Betendorf. (ALMEIDA, 2007, p. 13).

Como bebida típica, o guaraná é chamado de çapó, consu-


mido tradicionalmente na forma de bastão, ralado em uma cuia,
geralmente com uma pedra ou na língua do pirarucu, misturado
com água. Almeida (2007, p. 12) também relata a tradição no
preparo e no consumo do guaraná.
A bebida à base de guaraná consumida pelos sateré-
-mawé, denominada çapó, é sempre preparada pela
mulher anfitrião. Ela enche a cuia até um quarto do
seu volume total e rala o bastão na língua do pirarucu
ou em uma pedra lisa de basalto. Oferece a bebida pri-
meiro ao marido e depois a passa a todos os presentes,
de acordo com a proximidade. Mesmo sem vontade,
os visitantes não devem recusar, bebendo ao menos
um pequeno gole.

Segundo os Sateré-Mawé, o guaraná tem significado simbólico,


por ser uma bebida energética que aumenta a disposição, a capacidade de
trabalho, e ajuda também na prevenção de doenças (PEREIRA, 2003).
Na obra A cadeia de valor do guaraná de Maués, Silva (2018)
descreve o guaranazeiro como uma planta que assume a forma de
arbusto com dois a três metros de altura. As folhas são compos-
tas por cinco folíolos na cor verde. As flores são brancas, agrupa-
das ao longo do caule, e os frutos crescem em cachos com uma
coloração amarela ou avermelhada.

13
O guaranazeiro (Paullinia cupana var. sorbilis), nativo da
Amazônia, é uma planta trepadora lenhosa da família
das Sapindáceas. Quando cultivado em espaços abertos,
assume o aspecto de um arbusto semi-ereto. O fruto, que
tem a forma de cápsula e é deiscente, ou seja, abre-se
espontaneamente depois de maduro, pode conter de
uma a três sementes, que se encontram cobertas por
espessa película (arilo) branca. (POLTRONIERI ET
AL., 1995, p. 9).

Segundo o Portal Brasil Escola4, o guaraná contém elevado teor de


cafeína, capaz de diminuir a fadiga física e mental e de produz maior
rapidez de raciocínio. Além disso, tem efeito antioxidante e antimicro-
biano, possuindo ação tônica cardiovascular, diurética, e auxiliando no
combate a cólicas e enxaquecas. Também é anti-inflamatório. Além de
ser usado pela indústria farmacêutica, o fruto é utilizado na fabricação
de refrigerantes. Por apresentar muitos benefícios, o guaraná passou a
ser valorizado, ganhando impulso a partir do século XX.
Considerando a realidade local, todas as regiões da zona rural do
município de Maués possuem plantação do guaraná, desenvolvendo
sua cultura. Para Monteiro (1965, p. 07-08),
Evidentemente toda estrutura econômica municipal
repousa sobre o guaraná e a vida social desenvolve-se
à custa dos plantados grandes e pequenos de guaraná.
Todo indivíduo que possui um palmo de terra dispo-
nível planta preferencialmente guaraná. O maueénse
vive em função do guaraná [...].

Na mesma esteira, corroborando com a citação, Silva (2018, p.


21) complementa, afirmando que
A cultura do guaraná possui enorme importância social
e econômica para a região de Maués, fazendo parte da
cultura e identidade do município, seja com os dias festi-
vos, como a anual festa do guaraná, ou nas manifestações

4
Cf. https://brasilescola.uol.com.br/frutas/guarana.htm. Acesso em: 22 fev. 2021.
14
culturais junto ao artesanato, no próprio consumo do
tradicional “Çapó”, ou no recente e difundido “turbi-
nado”, vitaminado comum no município com diversos
outros ingredientes. A verdade é que este fruto está
fortemente presente na cultura e imaginário do povo
que o cultiva, vive e respira o guaraná na região desde
os tempos ancestrais.

No âmbito regional, essa cultura se espalhou para outros


municípios, atingindo inclusive outros estados, e o gua-
raná passou a ser cultivado também por pessoas não indí-
genas em distintas propriedades.
O guaranazeiro se desenvolve em condição de clima quente
e úmido. O plantio ocorre nos meses de janeiro e fevereiro, período
chuvoso, estando o solo mais leve, o que facilita a fertilização da planta.
A colheita do guaraná acontece entre os meses de outubro e dezembro,
de forma artesanal, demandando mão de obra familiar ou contratada.
É importante enfatizar que a cultura do guaraná é considerada
promissora não só para o Amazonas ou para a região Norte, mas
também para todo o Brasil, haja vista que é um grande atrativo para
o mercado internacional, tornando-se o guaraná um produto de
exportação. De acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas – SEBRAE (2009, p. 19), “[...] o produto apresenta
grande potencial para os mercados internos e externo e vem sendo
comercializado sob as formas de refrigerantes, bastão, pó e xarope”.
A comercialização do guaraná é feita em ramas
(sementes torradas), seja para exportação, seja para a
sua agroindustrialização. Desta última pode-se obter:
a) xarope (concentrado) para consumo direto como
bebida energética (ao ser misturado à água), ou para
a produção industrial de bebidas refrigerantes gasei-
ficadas; b) o bastão (também denominado de rolo ou
barra) para ralar e obter o pó para misturar à água e
beber, ou c) o próprio pó já acondicionado em frascos,
cápsulas gelatinosas ou sachês, também utilizado na
15
preparação caseira de uma bebida energética ou ingerido
puro como tônico. Os produtos finais de maior difusão
e aceitação pelos mercados brasileiro e estrangeiro
ainda são os refrigerantes gaseificados à base de gua-
raná. Porém, a transformação industrial do guaraná em
xarope, bastão, artesanato e, principalmente, em pó, abre
amplas perspectivas mercadológicas para investidores
com foco no crescente mercado regional e brasileiro.
(BRASIL, 2003, p. 2).

O cultivo do guaraná passou a ser importante também por


seu valor no mercado. O preço ofertado por quilo do fruto em rama
tem ficado em torno de R$20,00 a R$23,00, enquanto o guaraná em
pó varia de R$70,00 a R$80,00.
Como reconhecimento e conquista, o guaraná de Maués ganhou
em 2018 e em 2020 o selo de Indicação Geográfica (IG), certificado
que comprova a originalidade e a qualidade do produto, destacando
o trabalho dos guaranalistas locais.
Antes de relacionar essa rica cultura com o ensino da
Matemática, a seguir, apresentamos breves considerações
sobre a perspectiva etnomatemática.

NOVOS CAMINHOS PARA O ENSINO DA


MATEMÁTICA

A Etnomatemática surge em meados da década de 1970,


tendo como percursor o professor Ubiratan D`Ambrósio. Ele
tinha interesse em analisar as práticas matemáticas em dife-
rentes contextos culturais. D`Ambrosio (2008, p. 02) define
assim a palavra etnomatemática:
[...] etno, e por etno entendo os diversos ambientes
(o social, o cultural, a natureza, e todo mais); matema
significando explicar, entender, ensinar, lidar com; e
tica, que lembra a palavra grega techne, que se refere
a artes, técnicas, maneiras, etc. Portanto, sintetizando
16
essas três raízes, temos Etnomatemática, que seria,
portanto, as ticas de matema em distintos etnos, isto
é, o conjunto de artes e técnicas [ticas] de explicar,
de entender, e de lidar [matema] com o ambiente
social, cultural e natural, desenvolvido por distintos
grupos culturais.

Ao analisar práticas matemáticas em diferentes contex-


tos, percebemos que a perspectiva etnomatemática pode ressig-
nificar o ensino da Matemática.
A Etnomatemática veicula um novo conceito de edu-
cação matemática, aquele que valoriza as diferenças
culturais e indica novos caminhos para o processo de
ensino aprendizagem da matemática escolar, cami-
nhos pautados na compreensão e construção e não
apenas na transmissão de conhecimentos. (COSTA,
2012, p. 23).

Nesse sentido, para Fantinato (2018), a Etnomatemática ganhou


visibilidade e reconhecimento na área da educação, passando a ser
considerada uma área da educação matemática.
De acordo com D`Ambrósio (1990) e Knijnik (1996), a Etno-
matemática busca entender e valorizar a Matemática como produção
cultural, relacionando os conhecimentos presentes nas atividades de
diferentes grupos sociais à solução de problemas do cotidiano.
Assim, ao ressaltar que cada cultura desenvolve conhecimentos
matemáticos, entendemos que a Matemática não está presente apenas
nos livros didáticos, na escola, ou na Academia, mas também, e de forma
pungente, fora da vivência escolar, em construções, no comércio, em
processos de compra e venda, na agricultura, em momentos lúdicos,
nas artes etc. Em diferentes âmbitos e em distintas situações, há uma
gama de conhecimentos matemáticos desenvolvidos e aplicados pela
sociedade, mesmo que de forma inconsciente.

17
A Etnomatemática procura aproximar conceitos e conteúdos
matemáticos às experiências vivenciadas por grupos sociais no dia a
dia, criando seu próprio processo de ensino-aprendizagem e dando
visibilidade aos conhecimentos matemáticos.
Quando se contextualiza a Matemática, o aluno sai de sua condi-
ção muitas vezes de expectador e tem a oportunidade de solucionar pro-
blemas percebidos e vividos em seu contexto social imediato, no dia a dia.
Nesse sentido, entendemos que os conhecimentos matemáticos
presentes no cultivo do guaraná também podem ser aproveitados para
o ensino da Matemática por meio da perspectiva etnomatemática.
Assim, a seguir, analisamos de forma sucinta essas possibilidades.

ENSINANDO MATEMÁTICA A PARTIR DA CULTURA


DO GUARANÁ

As situações-problema da vida real são ricas em noções mate-


máticas. Basta olharmos a realidade a nosso redor e, certamente,
perceberemos que em quase tudo há conhecimentos matemáticos
envolvidos. No processo de produção do guaraná não seria diferente.
Mas como esses conhecimentos matemáticos compõem esse processo?
Nesta seção pretendemos analisar essa temática de forma sucinta.
De acordo com Souza, Diniz e Silva (2015, p. 4),
[...] os grupos sociais produzem conhecimentos mate-
máticos próprios, e a Etnomatemática vem para valori-
zar estas diferenças e afirmar que toda a construção do
conhecimento matemático é válido e está intimamente
ligada à tradição, à sociedade e à cultura de cada povo.

A partir da observação do trabalho realizado por guaranalistas


em Maués, no Amazonas, destacamos a seguir alguns dos conheci-
mentos matemáticos que podem ser percebidos na cultura do guaraná.
O cultivo desse fruto amazônico começa com a preparação
do terreno. Nessa etapa do processo, cada guaranalista deve rea-
18
lizar a limpeza da área a ser plantada por hectare. Nesse primeiro
momento, percebemos conhecimentos matemáticos como identi-
ficação de figuras geométricas, conteúdos estudados no segundo
segmento do Ensino Fundamental e aprofundados no Ensino
Médio, quando o estudante é levado a calcular a área e o perímetro,
outro conhecimento matemático que pode ser explorado a partir da
primeira etapa do processo de cultivo do guaraná, haja vista que,
conforme Giovanni (2009, p. 114), “[...] explorar os conceitos de
área e perímetro significa trabalhar com conceitos de medidas e
medir é comparar”, tarefa que é feita pelos guaranalistas ao preparar
o terreno para o plantio do guaraná.
Com o terreno preparado, inicia-se o processo de plantio com
a ajuda de ferramentas como o ferro de cova e a enxada, usados para
abrir covas no solo. Essa etapa do processo é realizada no local onde
serão plantadas as mudas de guaraná.
Na etapa de abertura de covas, os guaranalistas mobilizam conhe-
cimentos matemáticos como conceitos de superfície, envolvendo noções
tridimensionais como largura, comprimento e profundidade. As covas
são feitas em fileiras, com espaçamento de 5m entre si. Além disso, os
guaranalistas calculam o volume, conhecimentos que se relacionam
com conteúdos previstos para o segundo segmento do Ensino Fun-
damental, e aprofundados durante o Ensino Médio.
É possível também identificar medidas de comprimento,
conteúdo presente nas propostas do 6° e do 7° anos do Ensino
Fundamental. Além disso, podemos identificar sucessão ou
sequência numérica e progressão aritmética numa área de plantio
do guaraná, haja vista o espaçamento das mudas dispostas em fileira,
e a quantidade máxima que pode ser plantada em um terreno em
formato retangular, conteúdos previstos para o 1° ano do Ensino
Médio. Depois do plantado, o guaranalista faz a limpeza e aduba o
terreno para não perder sua plantação.

19
A floração do guaraná acontece entre os meses de julho e setem-
bro. O guaranazeiro inicia sua produção dois anos após o plantio.
Nesse período, as árvores ficam quase todas carregadas de frutos;
porém, devido ao forte verão amazonense, muitos deles não se sus-
tentam e acabam caindo dos cachos.
Nesse contexto, é possível trabalhar conhecimentos relacionados
a porcentagem, razão e proporção, considerando a quantidade de fru-
tos que caem em relação aos que se mantêm na planta e em relação a
outras quantidades avaliadas em períodos diferentes. Outro conteúdo
que pode ser desenvolvido a partir dessa etapa da cultura do guaraná
é a utilização de medidas de tempo, assunto proposto para o 6° e para
o 7° anos do Ensino Fundamental.
De acordo com as observações do processo feitas por Menezes
(2021), a colheita do guaraná é feita manualmente ou com a ajuda de
tesoura de podar. O guaranalista realiza colheita seletiva constante,
pelo menos duas vezes na semana.
O período da colheita é definido quando os frutos esti-
verem 50% abertos. Enquanto os f rutos não apresentam essa
porcentagem de abertura, a colheita deve ser feita individual-
mente, ou seja, devem ser colhidos apenas os f rutos abertos.
Esses procedimentos também envolvem conhecimentos mate-
máticos relacionados a porcentagem.
Os frutos geralmente são coletados em paneiros, peque-
nos cestos de vime com duas asas. O processo de colheita é feito
árvore por árvore. Assim que o paneiro estiver cheio, é trans-
portado para uma saca de fibra que, posteriormente, é carregada
até o local de beneficiamento.
Sobre o manuseio do paneiro pelo guaranalista, é possível identi-
ficar polígonos, posições de retas, unidades de medida, peso e volume.
De acordo com Souza (2018, p. 17) “Essas ideias matemáticas se forem
discutidas no ambiente escolar, podem ser usadas como referência para

20
ensino de diversos conteúdos matemáticos”, um exemplo de ensino a
partir da perspectiva etnomatemática.
O professor que tem a possibilidade de levar seus estudantes a
uma plantação de guaraná ou a um local onde estejam acontecendo os
processos de produção desse fruto amazônico pode levá-los a observar,
identificar e compreender a Matemática, extrapolando os livros.
O uso de materiais manipuláveis pode proporcionar a interação
social, a criatividade, a motivação, a compreensão e a assimilação de
conteúdo matemático por parte dos estudantes. O paneiro é apenas
um dos muitos exemplos possíveis.
Pelo visto até aqui, podemos identificar também na etapa
de colheita do processo da cultura do guaraná conhecimentos
matemáticos relacionados a diferentes conteúdos desenvolvidos
durante diferentes etapas de ensino.
Antes de terminar nosso trajeto neste c apítulo,
à guisa de possíveis encaminhamentos, a seguir tece-
mos mais algumas considerações.

POSSÍVEIS ENCAMINHAMENTOS

Em consonância com o início deste capítulo, a pergunta que


norteou nosso percurso aqui visou analisar como a cultura do guaraná
pode contribuir para o processo de ensino-aprendizagem da Mate-
mática na rede municipal de Maués/AM, considerando as etapas de
plantio e de colheita do fruto.
Percebemos que há diversas situações que possibilitam ao
professor aproveitar os conhecimentos desenvolvidos e aplicados
nas etapas dessa cultura para trabalhar conteúdos de Matemática
com os estudantes, o que vai ao encontro do disposto por Costa
(2007, p. 15), ao ressaltar que
A contextualização é uma excelente ferramenta para o
professor de matemática apresentar essa disciplina de
21
forma mais utilitária e menos formal, oportunizando
ao aluno a participação no processo de construção do
ensino de matemática e vê-la como uma ciência acessível
e de fácil entendimento.

Existem conhecimentos da Matemática que podem ser desen-


volvidos nas escolas em Maués a partir de conhecimentos tradicionais
dos guaranalistas, abrindo espaço para uma proposta inovadora de
ensino de Matemática na perspectiva etnomatemática.
Nesse sentido, os saberes e fazeres matemáticos presentes na
cultura do guaraná, em especial nas etapas de cultivo e colheita –
foco deste capítulo, não devem ser negados; ao contrário, devem
ser aproveitados, articulados com o conteúdo presente nos livros
didáticos, nas propostas curriculares e na escola, de maneira que
o estudante perceba que no contexto de seu dia a dia, em sua
cidade, nas atividades desenvolvidas por sua comunidade, também
são desenvolvidos e aplicados conhecimentos matemáticos para
solucionar problemas rotineiros.
Assim, o aproveitamento de conhecimentos matemáticos presen-
tes na cultura do guaraná pode auxiliar na tarefa de ensinar Matemática
de maneira mais dinâmica, inovadora e mais significativa.
Ao incorporar as experiências do estudante e da comunidade aos
conhecimentos curricularizados, a escola desenvolve suas capacidades
cognitivas, tornando o processo de ensino-aprendizagem mais eficaz,
significativo e transformador.
Sabemos que essa temática não se esgota nas etapas de plantio e
de colheita do guaraná, podendo igualmente ser observada em outras
etapas da cultura desse rico fruto amazônico e, também, em outras
culturas tradicionais da diversa e plural sociedade brasileira. Mas isso
é tema para novas investigações.

22
REFERÊNCIAS
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versidade do Estado do Amazonas, Parintins, 2018.

24
ENSINO DE QUÍMICA NO CONTEXTO DA
EDUCAÇÃO 4.0

Carla Edlane da Silva de Aquino5


Ednéa Euzébio da Silva6

INTRODUÇÃO

O presente capítulo é um recorte do trabalho de conclusão do curso


de pós-graduação, realizado na Faculdade Única de Ipatinga (FUNIP)
para obtenção de título de especialista em Ensino de Química, sob o
tema Perspectiva do ensino de química no contexto da educação 4.0.
Este estudo apresenta como objetivo principal discorrer a respeito das
demandas da Educação 4.0 e da Indústria 4.0, bem como apresentar os desa-
fios e obstáculos para o professor de Química, nesse viés, e sua necessidade
de adequação ao planejamento pedagógico concordante com as orientações
da Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2017) que visa
a formação de um cidadão proativo. Nessa conjuntura, destacam-se as dez
competências essenciais para a formação do aluno do Ensino Médio.
Metodologicamente, este trabalho foi realizado por meio de pes-
quisa bibliográfica, que consiste na consulta de conceitos formulados em
um momento anterior pela comunidade científica e estão disponibiliza-
dos em bibliotecas, na internet, em portais, bases de dados, entre outros,
por meio de revistas, livros, artigos e demais trabalhos científicos. A
análise dos dados se deu por intermédio de uma abordagem qualitativa.
Os termos adotados foram a Indústria 4.0, Educação 4.0 e
Educação 4.0 em Química, para os quais foram adotados crité-
rios de relevância com o tema deste capítulo, abrangendo o inter-
valo de tempo entre 2015 e 2020.
5
Especialista em Ensino de Química. Professora (Seduc/AM).
6
Mestra em Ciência da Educação (UNIDA – PRY). Professora (Seduc/AM).
CV: http://lattes.cnpq.br/9582467733597931
25
Referente a isso, sabe-se que a relação professor-aluno apresenta
característica dinâmica, na qual qualquer mudança do meio exterior tem
a capacidade de afetar diretamente a qualidade e a efetividade dessa rela-
ção. Desse modo, o avanço tecnológico e a Revolução Industrial 4.0 tor-
naram-se importantes vetores a serem discutidos no processo de ensino.
Nesse norte, o tema da pesquisa ressalta alguns questionamentos sobre:
O que caracteriza Educação 4.0 e quais suas demandas? Quais são os desafios
e obstáculos que o professor se depara no ensino de Química da Educação 4.0?
Embora algumas disciplinas apresentem um aspecto estático no que
se refere à natureza do seu conteúdo, com o passar do tempo cada nova
geração possui formas diferentes de se relacionar com o mundo ao seu
redor. Ademais, essa mudança requer adaptações na maneira com a qual
tais conteúdos são ministrados, surgindo então a necessidade da adoção de
novas perspectivas no processo de ensino, bem como de novas metodologias.
Sendo assim, embora disciplinas como Biologia, Física e Química,
que englobam as Ciências da Natureza e suas Tecnologias apresentem
conteúdos imutáveis, a forma como eles são ministrados demanda
constantes modificações. Além disso, é notório que as inovações não
estão presentes apenas no comportamento social dos educandos, pois
as relações comerciais também vêm apresentando grandes mudanças.
Atualmente, vive-se a Indústria 4.0 em que os aparelhos
digitais móveis são uma constante na rotina das pessoas, fato
característico da Quarta Revolução Industrial. As tecnologias
digitais permitem a busca por informações atualizadas em
tempo real, comunicação instantânea, e, até mesmo, a compra
de serviços básicos como alimentação e transporte por meio
de aplicativos. (MACIEL; D’ARIENZO, 2020, p. 4).

Dessa forma, este capítulo propõe o debate sobre a Educação


4.0 entre os educadores que promovem o ensino de Química e suas
implicações, estimular a autoanálise de suas práticas metodológicas
e contribuir para a reflexão a respeito da necessidade iminente de
implementação de inovações metodológicas.
26
METODOLOGIA

O presente estudo foi constituído por meio de pesquisa bibliográfica de


aspecto integrativo e abordagem qualitativa no site Google Acadêmico, os ter-
mos adotados foram, Indústria 4.0, Educação 4.0 e Educação 4.0 em Química.
A pesquisa ocorreu com cada termo separadamente e em seguida
com todos unidos (Indústria 4.0 AND Educação 4.0 AND Educação 4.0
Ensino de química). Foram adotados critérios de relevância em relação
ao tema deste capítulo, bem como um intervalo de tempo (2015 - 2021).

CARACTERÍSTICAS E DEMANDAS DA INDÚSTRIA 4.0

Ao longo dos séculos a sociedade obteve importantes avanços em vários


aspectos e à medida que novas dificuldades foram identificadas, estas se consti-
tuíram em novos obstáculos a serem superados. Dessa forma, tanto as relações
comerciais quanto as educacionais passaram por grandes transformações e
continuam em constante evolução. Segundo Sakurai e Zuchi (2018, p. 481):
O mundo assistiu ao surgimento da Indústria, um dos
marcos para a evolução histórica da humanidade. Com
o passar dos anos e frente as constantes inovações tecno-
lógicas a indústria passou por importantes e profundas
mudanças, todas serviram para mudar de forma consi-
derável o desenvolvimento de uma sociedade, que hoje
assiste a uma transformação tecnológica sem precedentes
e precisa a todo custo adaptar-se a essa realidade.

Conforme Canavarro (2019, p. 218 - 219):


Nas quatro revoluções industriais que a história conheceu,
a educação e a qualificação das pessoas nem sempre as
acompanhou de forma preparatória [...]. Em síntese, his-
toricamente, a educação e as competências dos cidadãos
em geral não acompanharam as primeiras revoluções. Nas
mais recentes, essa aproximação foi mais notória. E é uma
aproximação requerida e necessária ao sucesso das mudanças.

27
De acordo com o estudo intitulado “Indústria 4.0: desafios e opor-
tunidades”, publicado na revista República e Desenvolvimento, em 2018,
Santos et al (2018, p. 112) ressaltam que [a] Indústria 4.0 é um dos termos
utilizados para descrever a estratégia de alta tecnologia promovida pelo
governo alemão e que está sendo implementada pela indústria. Surgiu com
intuito de aprimorar os processos industriais, adotando os recursos tecno-
lógicos disponíveis e dando origem a novos recursos para suprir as novas
demandas. Abrange um conjunto de tecnologias de ponta ligadas à internet,
com objetivo de tornar os sistemas de produção mais flexíveis e colaborativos.
Em acréscimo, pode-se dizer que se trata de uma revolução dos pro-
cessos de manufatura, tendo por base, entre outras tecnologias, os Sistemas
Ciber-Físicos e a Internet das Coisas (PEREIRA; SIMONETTO, 2018, p.
8). De acordo com a página seis da última obra citada, ocorrem nove pilares
principais: Big data e análise de dados; Robôs autônomos; Simulação; Integra-
ção de sistemas horizontal e verticalmente; A Internet das Coisas Industrial;
Segurança cibernética; Nuvem; Fabricação de aditivos e Realidade aumentada.
Para Souza, (2021, p. 48):
Uma revolução tão impactante e significativa por certo
exigiria grande interação por parte dos diversos atores
que dela fazem parte: governos, empresas, universidades,
sociedade. Desta forma, seria possível gerar o equilíbrio
necessário no contexto da economia, notadamente no
que se refere ao futuro do trabalho, um dos maiores
desafios gerados por tanta ruptura e inovação.

Como nas Revoluções Industriais anteriores, surgirão novos pro-


cessos, produtos e modelos de negócios e que, consequentemente, terão
grandes impactos sociais, econômicos e tecnológicos (SANTOS et al.,
2018, p. 122). Embora o Brasil esteja caminhando rumo ao desenvolvi-
mento tecnológico e apresente aspectos positivos nesse sentido, ainda é
preciso investir muito e buscar adequação a essas novas transformações
que a Indústria 4.0 proporciona (SAKURAI; ZUCHI, 2018, p. 489).

28
Para uma visão mais competitiva, as empresas devem
reconhecer a importância estratégica dos trabalhadores. As
organizações podem fomentar a criatividade e habilidades
dos trabalhadores utilizando as máquinas para a realização
de tarefas monótonas e repetitivas ou de difícil ergonomia
e assim, aproveitar os pontos fortes de cada um. Também
serão necessários novas interfaces homem-máquina que
permitam novos modos de interação (baseados em voz,
reconhecimentos de gestos) adaptados às novas restrições
de trabalho. (SANTOS et al., 2018, p. 120).

Investir em inovação e em educação é uma das principais formas


de reverter o cenário brasileiro, até mesmo para aumentar a com-
preensão do que é digitalização (SANTOS; MANHÃES; LIMA,
2018, p. 325). Todavia, somente os conhecimentos técnicos não serão
suficientes para o êxito dessa quarta revolução no Brasil. Também
serão necessários, na educação profissional, conteúdos que visem o
desenvolvimento de competências que envolvam flexibilidade e cola-
boração (SOUZA; VIEIRA, 2020, p. 5010)
Conceitos introduzidos pela I4.0 nos processos de gestão
da produção desencadearam mudanças nas habilidades e
competências exigidas dos funcionários e também dos ges-
tores de pessoas nos processos de fabricação. Destacam-se
cinco competências como essenciais para atividades edu-
cacionais de empregadores e empregados: comunicação
e colaboração, criatividade, autogestão, pensamento
na resolução de problemas e aprendizado constante.
(SANTOS; MANHÃES; LIMA, p. 321, grifos nossos).

É preciso também que os profissionais adéquem sua capacidade de


trabalho a essa nova realidade de grandes avanços tecnológicos. Capacitar
esses empregados é uma das estratégias para atender as indústrias oriundas
dessa nova Revolução Industrial (SAKURAI; ZUCHI, 2018, p. 487).
O investimento em educação profissional – ao lado das
políticas públicas para o desenvolvimento da ciência e tec-
nologia – configura-se como importante fator estruturante
29
para o Brasil, pois considera-se que as demandas da Indústria
4.0 nos países que a aplicam passam pela oferta de profis-
sionais com competências técnicas e socioemocionais
para atuarem nos diversos níveis hierárquicos das empresas,
desempenhando funções num cenário de indústrias auto-
matizadas. (SOUZA; VIEIRA, 2020, p. 5009).

EDUCAÇÃO 4.0 E O ENSINO DE QUÍMICA

A Indústria 4.0 fomenta a necessidade da Educação 4.0, sendo esta


essencial se almejamos transformação social com elevação do nível de
vida e para se pensar nas necessidades educacionais das novas gerações
(SILVA, 2020, p. 10). É um cenário que impacta no processo educacional
e cada vez mais rápido, o que implica em grandes desafios para as metodo-
logias, além de mudanças nos currículos e conteúdos (SILVA, 2020, p. 8).
Desta feita, é de suma importância que os profissionais do ensino de
Química se adéquem às necessidades da Educação 4.0. O processo de digita-
lização deve abranger a classe docente para que isso ocorra de maneira integral
no ambiente de ensino, pois [não] “[...] basta que as escolas estejam equipadas
com tecnologias digitais como tabletes, lousa digital, materiais de robótica,
Ambiente Virtual de Aprendizagem, impressoras 3D [...] se os professores
não estiverem capacitados [...]” (MACIEL; D’ARIENZO, 2020, p. 13).
Por meio da Resolução CNE/CP Nº 2, de 20 de dezembro
de 2019, foi lançada a BNC-Formação que trata da formação inicial
e continuada dos professores da Educação Básica, mostrando-se a
importância da capacitação dos professores. Nesse sentido, o professor
de Química precisa estar qualificado para desenvolver em seus alunos
as habilidades e competências inerentes à Educação 4.0, recorrendo à
formação continuada, algo bastante debatido no meio docente.
Ademais, o educador deve também usar atributos de cunho ima-
ginativo durante a elaboração e desenvolvimento do seu planejamento.
Essa prática tem o papel de reduzir o aspecto maçante dos conteúdos
e contribuir para a manutenção da atenção e o interesse na disciplina.
30
Para tal, é de suma importância a produção de um Planejamento
4.0 voltado para práticas metodológicas recentes e inovadoras capazes
de estimular os discentes. A criatividade deve se fazer presente para
promover a união e a adaptação dos conteúdos de Química às novas
metodologias. Além das metodologias existentes, o profissional do
ensino de Química deve estar aberto para a produção de novas meto-
dologias, assumindo assim um papel proativo e dinâmico, dessa forma
incorporando as características desejadas nos discentes.
O docente na educação 4.0 tem um papel mais amplo no
processo de ensino aprendizagem pois deve variar suas
metodologias para conseguir atingir o máximo entendi-
mento por parte dos alunos sabendo de suas diferenças
sociais e culturais, desta forma o docente deve buscar novos
conhecimento e ferramentas que auxilie nesse processo,
pois em alguns momentos será o transmissor do conheci-
mento, em outro o mediador [...]. (ALBINO, 2019, p. 46).

O aluno formado deve possuir habilidades que promovam a sua


inserção no mercado de trabalho. Nesse contexto, as metodologias ativas
desempenham um papel importante no processo de aprendizagem.
De acordo com Rocha e Farias (2020, p. 74), são opções de meto-
dologias ativas a Problematização, Aprendizagem Baseada em Problema
(PBL), Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP), Aprendizagem Baseada
em Times (TBL), Instrução por Pares, Sala de Aula Invertida, STEAM,
Jigsaw, Divisão dos Alunos em Equipes para o Sucesso (STAD), Torneios
de Jogos em Equipes (TGT), Design Thinking, Gamificação, Edutainment,
Snack Learning, Visible Learning, Storytelling e Learning by Doing.
Cabe ao professor do ensino de Química diversificar seu planejamento
e adequar cada metodologia a um conteúdo, de acordo com seu contexto.
No decorrer da pesquisa foram encontrados trabalhos acadêmicos
que constituem as práticas ideais necessárias ao ensino de Química no
contexto da Educação 4.0. Nesse ínterim, Soares et al. (2020) destaca,
em seu artigo, a importância e a necessidade de se trabalhar as habilida-
31
des inerentes ao empreendedorismo, associadas ao ensino de química.
No decorrer do referido estudo, são evidenciadas competências como:
“comunicação, criatividade, capacidade de reconhecer oportunidades,
pensamento crítico, liderança e habilidade na tomada de decisões”
(SCHAEFER; MINELLO, 2017, apud SOARES et al., 2020, p. 3).
Delamuta, Assai e Sanchez Júnior (2020) discorrem sobre a rele-
vância do uso de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação
(TDIC) no ensino do conteúdo de Ligações Químicas e propõe a
elaboração de uma WebQuest para o ensino de Ligações Químicas, que
pode ser usado nas práticas pedagógicas de professores dessa disciplina.
Lima e Barroso (2020, p. 1) também ressaltam, em seu estudo, a
importância da formação de professores “para exercer sua profissão na
sociedade globalizada e tecnológica, fazendo uso das tecnologias atuais para
melhoria de sua prática docente, de forma didática e focada no aprendizado
e desenvolvimento intelectual social e cultural”, propondo um modelo de
minicurso sobre o ensino inclusivo com o uso das Tecnologias de Informa-
ção e Comunicação (TIC) para estudantes de Licenciatura em Química.
Em consonância, Teixeira, Silva e Brito (2021) defendem a
gamificação como ferramenta discente para o estímulo do aprendizado,
enfatizando a motivação, comportamento de confiança e pensamento
autônomo. O trabalho foi direcionado ao curso de engenharia, no
entanto se mostra promissor para aplicação no ensino de química.

CONCLUSÃO

A partir do pressuposto de que durante a pesquisa do termo Educa-


ção 4.0 em Química foram encontrados trabalhos acadêmicos com o tema
a Química em quantidade discreta, surge, então, o questionamento do real
motivo dessa constatação. Em parte, se deve provavelmente em decor-
rência deste ser um tema pouco discutido entre docentes de Química.
Sendo assim, evidencia-se a importância da disseminação do
debate desse assunto nessa comunidade. E outro motivo deve ser a
32
falta de formação continuada fornecida pelas Secretarias de Educação
de cada estado para promover a discussão acerca da Educação 4.0.
Por meio dos dados obtidos por meio desta pesquisa foi possível
compreender o que é Indústria 4.0, as tecnologias que fazem parte dos
seus pilares, bem como o perfil do trabalhador do futuro. Também foi
possível perceber como a Educação 4.0 se organizou para suprir as
necessidades da Indústria 4.0, com a finalidade de desenvolver cidadãos
dotados das habilidades e competências, tanto técnicas quanto socioe-
mocionais. Essas habilidades serão fator determinante na inserção e
permanência no mercado de trabalho nos próximos anos.
Constataram-se, também, bons exemplos de práticas pedagógicas que
foram exitosas, como as citadas por Soares et al. (2020); Lima e Barroso (2020);
Delamuta, Assai e Sanchez Júnior (2020) e Teixeira, Silva e Brito (2021). Che-
gou-se à conclusão de que essas práticas pedagógicas devem ser predominantes
na educação brasileira a fim de alcançarmos as demandas da Educação 4.0.
Finalmente, podemos ter uma perspectiva das adequações neces-
sárias aos profissionais do Ensino de Química na Educação 4.0, como
a necessidade de formação continuada para digitalização, compreensão
e domínio prático das tecnologias atuais. E, dessa maneira, favorecer a
produção de planejamentos que englobem tais tecnologias. Em suma,
para formar um profissional 4.0 nos parâmetros da Indústria 4.0 o
professor deve se apropriar de tais parâmetros.

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34
ENSINO INVESTIGATIVO COMO
FERRAMENTA PARA A ALFABETIZAÇÃO
CIENTÍFICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Vinicyus Coelho Gualberto7


Lidiane Moreira Chiattoni8
Fábio Luiz Quandt9
João Carlos Ferreira de Melo Junior10

INTRODUÇÃO

No Brasil, após uma fase de intenso crescimento urbano e


com a crise do petróleo no final dos anos sessenta e início da década
de setenta, a reflexão acerca do futuro começou a surgir levando ao
questionamento sobre a ação do homem no planeta, e, com ela a
necessidade de pensar em alternativas. O termo “desenvolvimento
sustentável” surgiu a partir de estudos da Organização das Nações
Unidas (ONU) sobre as mudanças climáticas, como uma resposta para
a humanidade perante a crise social e ambiental pela qual o mundo
passava a partir da segunda metade do século XX (BARBOSA, 2008).
Atualmente, é indiscutível que a sociedade possui desafios e necessita
de ações a fim de equilibrar produção, cultura e sociedade, visando o desenvol-
vimento sustentável. Neste complexo cenário polifônico estão estabelecidos
alguns importantes pilares preconizados pela ONU por meio dos objetivos
do desenvolvimento sustentável. Destacam-se os objetivos 2 – fome zero
e agricultura sustentável; 6 – água potável e saneamento; 7 – energia limpa
a acessível; 11 – cidades e comunidades sustentáveis; 12 – consumo e pro-

7
Mestrando (UFSC). Docente (SED-SC). CV: http://lattes.cnpq.br/1411601018895092
8
Doutorado em Engenharia e Ciência de Alimentos (F URG). Docente (UNIASSLEVI).
CV: http://lattes.cnpq.br/4448748119317117
9
Doutor em Saúde Coletiva (UFSC). Pós-doutorando Programa de Pós-Graduação em Saúde e Meio
Ambiente (UNIVILLE). CV: http://lattes.cnpq.br/7360141353267899
10
Pós-doutor em Botânica Tropical. Professor do Departamento de Ciencias Biológicas (UNIVILLE).
CV: http://lattes.cnpq.br/9349272647053308
35
dução responsáveis; 13 – ação contra a mudança global do clima; 14 – vida
na água; e 15 – vida terrestre (ONU, 2022). De acordo com Souza (2020),
a escola é um ambiente favorável às ações coletivas e, portanto, o ambiente
deve ser utilizado pelo professor para desenvolver ações se conscientização
dos alunos sobre temas coletivos; sobre a sociedade com quem convive e o
ambiente em que habita, como o desenvolvimento sustentável.
As discussões no campo do Ensino de Ciências têm abordado a
importância dos estudantes conhecerem a linguagem científica, com-
preendendo os componentes curriculares não apenas como produto, mas
seu desenvolvimento como processo. O Ensino de Ciências deve ir além
da descrição de objetos e fenômenos. Compreensão do experimento,
atitude protagonista do estudante em questões não apenas conceituais,
mas também procedimentais e atitudinais (BRITO; FIREMAN, 2018).
Não é a pretensão transformar os estudantes em cientistas, mas
sim de fazer com que os conteúdos relacionados às ciências sejam
ensinados às pessoas de maneira comum. Que todos possam ter uma
atitude científica perante o mundo, transformando o local onde vivem
em um ambiente melhor, com desenvolvimento e sustentabilidade.
No ambiente escolar, a metodologia de Ensino Investigativo pode
ser considerada uma estratégia pedagógica eficiente para construir esse
caminho. Trata-se de uma abordagem dos conteúdos em sala de aula
em forma de problemas e no desenvolvimento de atividades que sigam
os passos do método científico (observação, testagem, sistematização,
análise, conclusão e socialização). O chamado Ensino de Ciências por
investigação não trata os produtos resultantes do processo investigativo,
mas, torna o próprio processo o caminho para a aprendizagem do con-
teúdo, construindo uma cultura científica na escola (SASSERON, 2008).
Os alunos se posicionam de forma ativa nessa abordagem, o con-
teúdo se torna mais interessante e o impacto na relação das novas gerações
com o seu meio também se torna mais efetivo. Isso porque o conheci-
mento sobre o saber fazer ciência os coloca em contato com essas ques-
tões, os ensina a aprender Ciências fazendo a ciência. Por isso relaciona
36
aspectos conceituais e procedimentais com atitudinais: é preciso saber
sobre; saber fazer; ter capacidade de emitir juízos e opiniões; ter atitudes
a partir dos assuntos discutidos em sala (BRITO; FIREMAN, 2018).
Dessa forma, aliar uma metodologia que possa gerar uma aprendi-
zagem significativa ao Ensino de Ciências, com ênfase sobre o desenvolvi-
mento sustentável, justifica a relevância deste trabalho. Além disso, tornar o
aluno autor da sala de aula; crítico; reflexivo e consciente sobre as questões
ambientais do local onde vive também fundamentam a presente pesquisa.
O presente trabalho busca discutir a utilização do ensino por investigação
para a alfabetização científica e educação ambiental de alunos do ensino
médio através da construção de uma composteira no ambiente escolar.

METODOLOGIA

O trabalho foi desenvolvido com alunos de terceiro ano do Ensino


Médio de uma escola de educação básica do município de São José, Santa
Catarina. A escolha da turma se deu pelo fato de que o tema do projeto
foi ao encontro do conteúdo curricular proposto para estes estudantes em
conformidade com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017).
Inicialmente foi observada a quantidade de lixo produzido pela
escola e como poderia vir a ser utilizado, tendo em vista que a escola
também conta com amplo espaço para realização de compostagem. Além
da grande quantidade de detritos orgânicos oriundos da merenda escolar,
não existe até o momento a destinação correta deles. Após a proposição
das ideias, houve a aceitação do projeto pela comunidade escolar, direção,
corpo docente, corpo discente e demais colaboradores da escola.
Tratou-se de uma pesquisa exploratória qualitativa e as fases
do processo foram: apresentação da proposta; pesquisa e instrução
para construção da composteira; coleta de materiais e construção da
composteira; aplicação de questionário e análise dos dados.

37
RESULTADOS E DISCUSSÃO

Apresentação da proposta aos alunos

A primeira atividade foi a apresentação do vídeo “Composteira


doméstica: como fazer” (EPAGRI, 2020), o qual versa sobre o processo de
compostagem e a construção de composteiras, disponível na plataforma
YouTubeBR. O desenvolvimento da atividade iniciou com a apresentação
da proposta para os alunos e de como o método científico pode ser inse-
rido no cotidiano por meio do desenvolvimento de iniciativas, as quais
contribuem significativamente com o meio ambiente. O objetivo da etapa
era promover a reflexão dos discentes sobre o tema, o que através da
participação e motivação deles, foi possível verificar um resultado positivo.

Pesquisa e instrução para construção da composteira

Após contextualização sobre a temática, explicou-se sobre as


técnicas para a construção de uma composteira na escola. O resultado
foi satisfatório, pois os alunos se mostraram entusiasmados com a
atividade e perceberam as etapas do processo científico.
A pesquisa se deu devido à necessidade de a turma descobrir
mais sobre os processos de ciclagem da matéria orgânica e identificar
os organismos diretamente envolvidos no processo de reciclagem da
matéria orgânica. Desta forma, entendendo os mecanismos bioquímicos
envolvidos e correlacionando-os estes com os ciclos biogeoquímicos
do carbono, oxigênio e nitrogênio; como por exemplo o aumento da
temperatura e as reações que levaram a esta elevação.
Os estudantes realizaram esta etapa de forma muito ampla,
sendo os verdadeiros protagonistas do processo ensino aprendizagem.
Formaram grupos por afinidades e sem número pré-determinado
de integrantes, partindo deles, os estudantes utilizar de todo recurso
disponível, tais como: Biblioteca escolar, com todo seu acervo, e a sala
de informática, com acesso livre a internet.
38
Construção da composteira

Antes da construção os discentes coletaram detritos de suas resi-


dências, bem como da cozinha da escola. Para construção da composteira
foram utilizados potes de plástico, os quais foram empilhados e colados,
formando três andares, sendo o primeiro aberto e as partes inferiores dos
potes foram furadas. Após, os resíduos orgânicos, obtidos pelos alunos,
foram despejados na composteira e essa colocada nos fundos da escola.
A montagem da composteira foi realizada com a colaboração de
todos os estudantes presentes, atuando, assim, no aprimoramento das
habilidades motoras e de trabalho em equipe deles. Com o envolvimento
dos estudantes no desenvolvimento do material, intencionou-se tam-
bém tornar possível a reprodução do equipamento em suas residências.
Aprendendo como se faz a composteira, os estudantes podem cons-
truir as suas próprias composteiras com suas famílias. Repercutindo, assim,
a educação ambiental promovida no ambiente escolar e alcançando outras
instâncias da sociedade, potencializando o efeito dessa prática ecológica.
O desenvolvimento da compostagem na escola também tem um
efeito modificador na cultura escolar da mesma, trazendo diminuição
da produção de resíduos orgânicos e produção de adubo, o qual pode ser
utilizado no desenvolvimento da horta da escola. O desenvolvimento
de atividades desse tipo impacta positivamente não só a cultura escolar,
como ecoa sobre toda a comunidade escolar envolvida, uma vez que se
relacionam com a criação de uma mentalidade voltada para o desenvol-
vimento de práticas ecológicas e no desenvolvimento de um ambiente
mais sustentável, pautadas em conhecimento produzido cientificamente.
Os resíduos orgânicos são classificados como não perigosos e
não inertes, conforme a NBR 10.004 (ABNT, 2004). A separação
da matéria orgânica na fonte para o tratamento – como esse feito
na compostagem – evita os custos de transporte e descarte no aterro
(MASSUKADO, 2008). A prática da compostagem é segura e sua

39
disseminação encontra terreno fértil no desenvolvimento de atividades
voltadas para a alfabetização científica e conscientização ambiental.
O cuidado com o descarte dos resíduos produzidos pelos seres huma-
nos ganhou importância nas últimas décadas, tendo em vista a complexidade
das demandas do meio ambiente em relação ao desenvolvimento social e
urbano – o que faz com que a sociedade precise se organizar frente a isso
(BRASIL, 2010). O descarte inadequado gera prejuízo e desperdício, e
impacta diretamente na qualidade de vida das pessoas, relacionando-se com
aspectos da saúde pública, aumentando a degradação ambiental, contri-
buindo para o aumento da desigualdade social (SCHALCH et al., 2002).
A compostagem pode ser definida como:
(...) um processo de decomposição aeróbica, em que há
desprendimento de gás carbônico, água – na forma de
vapor – e energia por causa da ação dos microrganismos.
Parte da energia é usada pelos microrganismos para
crescimento e movimento, e a restante é liberada como
calor, que se procura conservar na pilha de compostagem
(LOUREIRO et al., 2007, p. 1044).

A compostagem é um processo de decomposição da matéria orgânica


feito por microrganismos, que a transforma em húmus e está em conso-
nância com a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS (BRASIL,
2010). Também podem ser adicionados minhocas e microrganismos no
processo, que o acelera (LOUREIRO et al., 2007). Com isso, se torna um
rico fertilizante por ser rica em nutrientes para ser usado em hortas e jardins.
De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Apli-
cada (IPEA, 2012), apenas 1,6% dos resíduos orgânicos são destinados
ao reaproveitamento em composteiras para transformação em adubo. A
compostagem doméstica utiliza restos alimentares para formar o húmus e
pode ser feita com o reaproveitamento de materiais, potencializando o efeito
sustentável da iniciativa e do impacto sobre os estudantes dessa atividade.
A composteira, portanto, é o dispositivo para que seja feito o
destino ecológico final dos resíduos orgânicos, contribuindo com a
40
sustentabilidade do meio ambiente. De baixo custo de implantação
e relevante para a redução do impacto no transporte de resíduos, o
desenvolvimento dessa atividade em sala de aula tem efeito multipli-
cador sobre a sustentabilidade, além de ser importante ferramenta de
alfabetização científica. A atuação do projeto se deu promovendo a
alfabetização científica, impactando na alteração da cultura escolar, tor-
nando-a mais sensível ecologicamente, como práticas mais sustentáveis.

Aplicação de questionário e análise de dados

Para análise dos resultados, tanto antes, como após a montagem


da composteira os alunos responderam um questionário elaborado pelo
docente. Quando realizadas as perguntas: “Na sua casa há a prática da
composteira?”; “Acontece a separação do lixo em sua residência?”, pode-se
verificar um aumento de mais de 50% sobre as práticas de separação de
lixo e compostagem em suas residências após a atividade investigativa
realizada no âmbito escolar. Tal fato evidencia a importância da prática
em sala de aula, entretanto, fica a cargo do recolhimento do município a
destinação desses resíduos, impactando nos dados acima mencionados.
Quando questionados sobre o destino para os detritos orgâni-
cos que não vão para a compostagem, os estudantes mencionaram o
aterro sanitário. Sobre o processo de construção da composteira, as
respostas indicam uma mescla entre o conhecimento adquirido e o
conhecimento prévio dos estudantes, como pode ser observado na
transcrição de trechos dos formulários preenchidos por oito estudantes:
E1 – “A gente pega três baldes do mesmo modelo para
ficar certinho, daí a gente pegou e furou e cortou eles
bonitinhos. Para depois colocar eles em cima um do
outro e colocar os lixos orgânicos para daí virar adubo.”

E2 – “O material orgânico se decompõe com ajuda de


micro-organismos restando apenas nutrientes, trans-
formando em um ótimo adubo.”

41
E3 – “Os compostos orgânicos depositados na com-
posteira, com o tempo irão se decompor virando adubo
para as futuras plantas.”

E4 – “Para o desenvolvimento é necessário; 3 potes de


gordura vegetal ou semelhante, furadeira (equipamentos
para furá-lo), uma tela ou meia calça e uma torneira. Enu-
mere os potes em,1,2 e 3 para que não se confunda. 1° faça
buracos na parte superior próximo da tampa dos potes 1 e
2 (cuidado para não estragar a parte que fecha a tampa em
alguns potes); 2º faça buracos na parte de baixo dos potes
1 e 2; 3º faça um grande buraco na tampa dos potes 2 e 3;
4º No pote 3 instale a torneira (Lembre-se de coloca não
muito alto para pegar o máximo de Chorume possível e
também não muito baixo para poder deixar a composteira
em pé); 5º Coloque a meia calça/ Tela na tampa do terceiro
pote para não deixar as minhocas caírem. Após isso é só
colocar os potes empilhados em ordem e terá a composteira.”

E5 – “O lixo orgânico é colocado na composteira junto


com algumas folhas secas, serragem. Para ajudar o pro-
cesso de decomposição colocamos algumas minhocas.
Durante o processo sai o chorume e vai para o último
balde e no primeiro ficando o material.”

E6 – “Faça um buraco na terra, deposite o material orgâ-


nico, cubra com folhas secas, a cada 15 dias revire todo o
material para ajudar a aerar a terra. Em até três meses, as
sobras de alimento vão se transformar em um adubo fértil.”

E7 – “Três baldes de tamanhos e formas iguais. Dois


deles com furos na tampa e fundo e o último com uma
tela na tampa.”

E8 – “Primeiro comemos e em seguida separamos o


que sobrou nos pratos. Depois jogamos na horta e ali
se transforma em uma fonte de “vitaminas” para a terra
ou plantas ao redor.”
42
Para cada aluno o processo ocorre de maneira muito singular, tendo
em vista seus conhecimentos prévios, sua relação com a produção do conhe-
cimento e o nível de envolvimento com o projeto. De maneira geral, a turma
se envolveu profundamente com o projeto, sendo possível alcançar um efeito
multiplicador e ocorrendo, de fato, alfabetização científica a partir dele.
O aprender a fazer Ciência se relaciona com eixos da Alfabetização
Científica proposta por Sasseron (2008, 2015), uma vez que ao desenvol-
ver conteúdos de ensino de maneira concreta, se promove a compreensão
da natureza das ciências e dos aspectos políticos e sociais relacionados ao
seu fazer. Abandonando práticas tradicionais de ensino e lançando mão de
atividades em que os estudantes também vão realizar atividade intelectual
em direção ao seu próprio desenvolvimento – ancorado na autoridade
epistemológica da sala de aula, que é o professor (SASSERON, 2008).
Segundo Dewey (1978) as ideias só têm importância desde que
sirvam de instrumento para a resolução de problemas reais. Carac-
terizando a educação progressista. Uma criança deve ser educada
como um todo. Sendo importante o crescimento físico, emocional e
intelectual (DEWEY, 1978). O princípio é que os alunos aprendem
melhor realizando tarefas associadas aos conteúdos ensinados. Ativi-
dades manuais e criativas ganharam destaque no currículo e as crianças
passaram a ser estimuladas a experimentar e pensar por si mesmas.
Nesse contexto, a democracia ganha peso por ser a ordem política
que permite o maior desenvolvimento dos indivíduos, no papel de deci-
dir em conjunto o destino do grupo a que pertencem. Dewey (1978)
defendia a democracia não só no campo institucional, mas também no
interior das escolas. Seguindo esta linha os estudantes têm liberdade,
disponibilidade e iniciativa própria de buscar o conhecimento, tendo
o professor um papel de articulador do processo.
O Ensino de Ciências por investigação tem raízes americanas na
segunda metade do século XIX a partir da Ciência indutiva. Os autores
utilizados para embasar esse aspecto nessa pesquisa foram inicialmente
Brito e Fireman (2018), os quais apontam bases conceituais e pedagógicas
43
dessa abordagem, ancorados em Dewey (1978) e sua recomendação do
Ensino de Ciências por investigação nos Estados Unidos em 1938 o
início da mesma a partir da aplicação do método científico. Refazendo
o percurso histórico e pedagógico do Ensino de Ciências, os autores
destacam como a unidade curricular se tornou responsável por desen-
volver uma cultura científica na escola (BRITO; FIREMAN, 2018).
Os autores também discutem o Ensino de Ciências relacio-
nado à produção sobre procedimentos, conceitos e atitudes frente
ao conhecimento científico. Assim, o estudante passa a perceber seu
mundo, fazer leitura dele e a agir sobre ele. Trata-se da tríade aprender
Ciências, aprender a fazer Ciências e aprender sobre Ciências. Dessa
forma, o Ensino de Ciências pode ser visto como uma proposta didática
relacionada às habilidades que devem ser desenvolvidas relacionadas
no eixo de Alfabetização Científica (BRITO; FIREMAN, 2018).
A proposta conceitual de Alfabetização Científica é abordada a partir
de Sasseron (2008; 2015), que concebe o Ensino de Ciências e sua prática
a partir de uma perspectiva científica como constitutiva de uma cultura
científica escolar, que estabelece novas relações entre os sujeitos escolares,
trazendo novos desdobramentos para sala de aula e para o desenvolvimento
do conhecimento por parte dos estudantes. Parte-se de um problema,
assim como no fazer científico, impulsionando o envolvimento e o desen-
volvimento dos estudantes. Para Sasseron (2008, p. 12) o problema deve:
Oferecer condições para o estabelecimento de inves-
tigações, em que informações são coletadas ou obser-
vadas, hipóteses são levantadas e colocadas em teste,
explicações e previsões são construídas considerando
o contexto em que se atua (SASSERON, 2008, p. 12).

Nesse sentido, a autora discorre a respeito das ações didáticas


para o ensino por investigação, que possui respaldo epistemológico
na ciência para ensinar ciências. Promovendo maior participação dos
estudantes não apenas no seu próprio processo de ensino- aprendi-
zagem, como no meio em que estão inseridos.
44
O que se ensina em ciências, como se ensina, o impacto das
dimensões sociais e históricas da escola na forma como o Ensino de
Ciências ocorre, são questões que Sasseron (2015) aponta e que pos-
sibilitam respaldar o desenvolvimento do projeto de ensino a partir
da abordagem do ensino por investigação e da alfabetização científica.
A autora define Alfabetização Científica como “a capacidade cons-
truída para a análise e a avaliação de situações que permitam ou culminem com
a tomada de decisões e o posicionamento” (SASSERON, 2015, p. 56). Um
processo, guiado pelo método científico, que engloba novos conhecimentos
por meio da análise e culminam no desenvolvimento de novos aprendizados.
Para Sasseron (2015), são três os eixos da Alfabetização Cien-
tífica: a) termos e conceitos científicos; b) a natureza da ciência e os
fatores que influenciam a sua prática; c) relação entre ciência, tecnologia,
sociedade e meio ambiente. Esse último eixo permite uma compreensão
maior da relação entre o impacto dos indivíduos sobre o meio a partir
da visão científica, compreendendo as relações entre o ser humano e a
natureza. É nesse eixo que se encaixa a temática do presente projeto
de ensino, ao discutir a compostagem de matéria orgânica.
Munford; Castro e Lima (2007) discutem o ensino por investiga-
ção, dando destaque para a importância de que o processo de formação de
professores seja voltado para a investigação também. O desenvolvimento
de práticas de ensino voltadas para a investigação perpassa a formação
de professores que tenham essas práticas em seu processo formativo.
As autoras destacam uma ampliação dessa abordagem didática em suas
observações e apontam que nos países da América do Norte e da Europa
essa prática é natural, enquanto no Brasil é “menos consagrada e é rela-
tivamente pouco discutida” (MUNFORD; CASTRO; LIMA, 2007,
p. 91). As autoras também apresentam uma reflexão sobre a trajetória
histórica dessa abordagem didática e sua prática, bem como a concepção
norte-americana, modos de avaliação e papéis dos sujeitos escolares.
A aplicação da alfabetização por meio da compostagem relaciona-se
com a possibilidade de influenciar em uma drástica redução da quantidade
45
de lixo orgânico e das possibilidades de destinos aos resíduos orgânicos
produzidos pela escola. Os estudantes conseguiram descobrir os processos
envolvidos, os organismos e correlacionaram com os biociclos da matéria.
Todo esse conhecimento foi adquirido por iniciativa dos próprios estudan-
tes, utilizando de pesquisas, práticas, conhecimento empírico e discussão
sobre os resultados. A compostagem é um processo natural de decompo-
sição da matéria orgânica de origem animal ou vegetal. Apropriando-se,
assim, do conhecimento técnico e teórico para a boa separação do lixo e
posterior destinação correta dos resíduos. Detectando o aumento da tem-
peratura e sabendo as reações que levaram a este aumento no composto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo discutiu a utilização do ensino por investigação para


a alfabetização científica e educação ambiental de alunos do ensino
médio por meio da produção de uma composteira. Contribuindo,
assim com a redução de lixo orgânico na região escolar, atuando
sobre a conscientização dos estudantes sobre a geração-destino dos
resíduos orgânicos e preservação do meio ambiente. O maior desafio
do Brasil é implantar uma agenda num local ou região sem deparar-se
com desigualdades que precisam ser resolvidas. Por isso, a exemplo de
outros países em desenvolvimento, a orientação é investir em processos
e programas educativos, e na formação docente com o ODS 4 (Edu-
cação de Qualidade). Inserindo, os ODS dentro dos planos de aula,
planos pedagógicos, investir em parceiras com o terceiro setor para que
possamos ampliar o conhecimento destes documentos (PNUD, 2020).
Após a realização do projeto foi possível visualizar a influência
do mesmo no dia a dia dos estudantes, os quais começaram a praticar
a compostagem e a separação de resíduos em suas casas e com seus
familiares; pequenas mudanças do âmbito da educação ambiental. Con-
clui-se então que ao mostrar uma simples ferramenta aos alunos pro-
move-se ações que contribuem com o ambiente escolar e comunitário.

46
O ensino por investigação é facilitado e estimulante, além de
conscientizar e incentivar a utilização de resíduos orgânicos, produção
de adubo e a prática da compostagem. Essa ferramenta demonstra
na prática o que é visto teoricamente, fazendo com que o conteúdo
seja absorvido de modo mais claro e eficaz, ao entrar em contato com
o objeto pesquisado de forma prática, o “olhar” para o objeto muda,
tornando-se mais real mostrando a veracidade do estudo teórico, isso
faz com que a absorção do estudo específico ocorra mais facilmente.
Através dos resultados apresentados é possível verificar o envol-
vimento e entusiasmo dos alunos, o que sugere o efeito do ensino
aprendizagem pelo método investigativo. Acredita-se que os métodos
e análises desenvolvidas no presente projeto suscitaram a promoção
do conhecimento científico e ambiental, bem como possibilitaram a
alfabetização científica dos adolescentes envolvidos.
Salienta-se ainda, que a pandemia de Covid-19 estabeleceu
limitações físicas e de abrangência do projeto, aplicado no ano de 2021,
diminuindo o número de estudantes envolvidos. Entretanto, acredita-se
que os métodos empregados possam ser replicados nessa e em outras
escolas de modo que potencializem esse potencial das atividades de
compostagem e de alfabetização científica no ambiente escolar.

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47
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48
RELATO DE EXPERIÊNCIA: A
TRANSDISCIPLINARIDADE NO ESTUDO DA
BIOSFERA NO RIO DESEJADO DO DISTRITO
DE ENTRE RIOS DE NOVA UBIRATÃ-MT

Gislaine Araujo Dantas Tanaka11


Helena Teresinha Reinehr Stoffel12
Junea Graciele Rodrigues Dantas de Brito13
Jussara Aparecida Teixeira Zimmermann14
Luciane Demiquei Gonzatti15

INTRODUÇÃO

O presente capítulo apresenta o resultado das atividades teóricas


e práticas do projeto “A Biosfera no rio Desejado’’ que foi executado
nas aulas Geografia e pode ser ampliado para um projeto interdisci-
plinar. Esse estudo relata uma sequência didática de seis aulas que foi
desenvolvida com alunos do 6º ano do Ensino Fundamental da Escola
Municipal Rural Entre Rios (Figura 1), do distrito de Entre Rios, de
Nova Ubiratã, Mato Grosso, na disciplina de Geografia.

Figura 1 - Escola Municipal Rural Entre Rios

Fonte: As autoras

11
Mestranda em Educação (UNINI - PRI). CV: http://lattes.cnpq.br/2766475219861248
12
Mestranda em Educação (UNEA - ESP). CV: http://lattes.cnpq.br/6370312180582350
13
Mestranda em Educação (UNINI - PRI). CV: http://lattes.cnpq.br/5867397194886933
14
Mestranda em Educação (UNINI - PRI). CV: http://lattes.cnpq.br/6125506428835496
15
Mestranda em Educação (UNINI - MEX). CV: http://lattes.cnpq.br/9979776584737680
49
O objeto de conhecimento desenvolvido, trata sobre o estudo da
Biosfera, – a esfera da vida, ou seja, agrupamento de todos os elementos
naturais que favorecem e dão condições para a manutenção da vida no pla-
neta. A esfera da vida ou biosfera é constituída por três elementos naturais
de extrema importância para a vida na Terra, nesse caso estão a hidrosfera,
atmosfera e litosfera - que contemplará os três elementos básicos do meio
ambiente: A Litosfera, a Hidrosfera e a Atmosfera. A partir do entendimento
desses três temas dependem todos os demais que estão inseridos nestas áreas
de conhecimento. Esses objetos de conhecimento têm como habilidades:
Descrever o ciclo da água, comparando o escoamento
superficial no ambiente urbano e rural, reconhecendo
os principais componentes da morfologia das bacias e
das redes hidrográficas e a sua localização no modelado
da superfície terrestre e da cobertura vegetal;
Explicar as diferentes formas de uso do solo (rotação
de terras, terraceamento, aterros etc.) e de apropriação
dos recursos hídricos (sistema de irrigação, tratamento
e redes de distribuição), bem como suas vantagens e
desvantagens em diferentes épocas e lugares;
Analisar distintas interações das sociedades com a
natureza, com base na distribuição dos componentes
físico-naturais, incluindo as transformações da biodi-
versidade local e do mundo;
Identificar o consumo dos recursos hídricos e o uso das
principais bacias hidrográficas no Brasil e no mundo,
enfatizando as transformações nos ambientes urbanos
(BNCC, 2017, p. 387).

Considerando que nos componentes curriculares faz-se neces-


sário que sejam desenvolvidas as competências gerais e específicas
previstas na BNCC (2017), apresenta-se a seguir, quais fazem parte
dessa sequência didática. As competências gerais são as de números
2, 4, 9, já as específicas são as de números 1, 2 e 6.

50
2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem
própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a
análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investi-
gar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver
problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com
base nos conhecimentos das diferentes áreas. 4. Utilizar
diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como
Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem
como conhecimentos das linguagens artística, matemá-
tica e científica, para se expressar e partilhar informações,
experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos
e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo. 9.
Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a
cooperação, fazendo se respeitar e promovendo o respeito
ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valo-
rização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais,
seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem
preconceitos de qualquer natureza. 1. Compreender as
Ciências da Natureza como empreendimento humano, e o
conhecimento científico como provisório, cultural e histó-
rico. 2. Compreender conceitos fundamentais e estruturas
explicativas das Ciências da Natureza, bem como dominar
processos, práticas e procedimentos da investigação cien-
tífica, de modo a sentir segurança no debate de questões
científicas, tecnológicas, socioambientais e do mundo do
trabalho, continuar aprendendo e colaborar para a cons-
trução de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.
6. Utilizar diferentes linguagens e tecnologias digitais de
informação e comunicação para se comunicar, acessar e
disseminar informações, produzir conhecimentos e resol-
ver problemas das Ciências da Natureza de forma crítica,
significativa, reflexiva e ética (BNCC, 2017, p. 9-11; 324)

O objetivo geral da sequência didática foi ampliar o conhecimento


adquirido nas aulas teóricas com a prática, buscando proporcionar ao educando
aprendizagem participativa, lúdica, responsabilidade de ser um colaborador
para com o meio ambiente e ter uma participação coletiva na defesa do meio
51
em que vive. Já os objetivos específicos foram: a) Levar os alunos a solidifi-
carem a aprendizagem de conteúdos já trabalhados na teoria observando no
meio o conteúdo trabalhado; b) Facilitar e incentivar o raciocínio de proteção
ambiental, buscando trazer o aluno para situações rotineiras em seu cotidiano;
c) Favorecer que os alunos se tornem protagonistas de sua aprendizagem ao
participarem da visita ao rio Desejado, valorizando o conhecimento adquirido;
d) Exercitar a contemplação de um meio ambiente valorizando a proteção e
a mínima interferência no mesmo; e) Desenvolver a capacidade de respeitar
leis que protegem o meio ambiente como um todo, favorecendo a sua inte-
gração na sociedade; f) Ampliar a cooperação, o respeito, a solidariedade,
o companheirismo e a colaboração entre os alunos na luta por ambientes
naturais e protegidos; g) Tornar possível o conhecimento e a proximidade dos
alunos a nossa inteira dependência de uma biosfera segura para sobrevivência
na Terra; h) Criar um espírito solidário de proteção aos ambientes naturais.
A metodologia utilizada ilustra como o papel do professor facilita-
dor e mediador faz a diferença para que a aprendizagem de fato possa ser
concretizada. O professor apresentou o projeto aos alunos e elaborou um
cronograma de execução, que iniciou com aulas teóricas, atividades avalia-
tivas, elaboração de questionários sobre o conhecimento adquirido acerca
da biosfera e ambientes naturais, listagem do que os alunos conheciam
sobre os cuidados e descuidados ambientais, levantamento de propostas de
manutenção e recuperação de áreas ambientais protegidas, elencaram o que
observar em uma área ambiental durante a atividade prática que foi visita
ao rio Desejado, espaço onde se encontra a ponte, que está no caminho da
escola. Nesta visita solicitou-se aos alunos que observassem e contemplassem
a interdependência entre os três elementos, a Atmosfera, a Litosfera e a
Hidrosfera e a interferência humana no local. Coletou-se dejetos humanos
no local – plásticos, latas, vidros, ferros, borracha...). Esse material foi entregue
na escola para análise e estudo e propôs-se um estudo interdisciplinar onde
cada professor elencou o que poderia trabalhar em seu componente curricular.
Durante a execução desse projeto constatou-se o quanto é importante
que o professor utilize metodologias diversificadas e que envolva os alunos
52
no processo da construção da aprendizagem, o que foi ressaltado nas palavras
de Benjamin Franklin: “ Diga-me eu esquecerei, ensina-me e eu poderei
lembrar, envolva-me e eu aprenderei.” Observou-se ao longo da execução do
projeto que os alunos estiveram motivados e envolvidos em todas as etapas.

DESENVOLVIMENTO

Os estudantes do sexto ano realizaram o estudo teórico sobre a


biosfera do rio que fica próximo ao ambiente em que vivem. À margem
do belo rio Desejado proporcionou um ambiente propício e especial para
professor e estudantes observarem com deleite a Litosfera, a Hidrosfera
e a Atmosfera, não obstante a proporção e tamanho do rio. A escolha
do rio Desejado como objeto de estudo foi por proximidade, por ser um
ambiente propício para o estudo da geografia daquele local, por ser um
lugar atrativo para turistas e por oferecer uma natureza exuberante e
aconchegante para quem gosta de acampar e se banhar nas doces águas
do Desejado. O rio nasce no assentamento Entre Rios e percorre muitos
quilômetros até desaguar no rio Von Den Steinen, que se encontra com
o rio Ronuro para poder desaguar no rio Xingu, este, deságua no rio
Amazonas e finaliza seu trajeto deixando suas águas no Oceano Atlân-
tico. Essa viagem do pequeno Desejado despertou muito o interesse dos
estudantes pelos estudos e pelas leituras de fabulosas histórias e lendas
contadas pelos nativos daqueles lugares por onde os rios passam e pelo
desejo de escrever novas histórias. Esse fazer pedagógico é de suma
importância à aprendizagem significativa e colaborativa dos estudantes.
Um ambiente especial onde pode ser realizada uma atividade genérica
com a qual podemos tranquilamente observar a Litosfera, a Hidrosfera e a
Atmosfera é à beira de um belo rio, seja ele grande ou pequeno, a importância
dependerá do nosso prisma de visão. A escolha de realizar o estudo sobre o
rio Desejado justifica-se pela rota descrita anteriormente, pois rende muitas
discussões e ideias fantasiosas, porque há muitas lendas no Mato Grosso
envolvendo esses rios. Por essa razão, é de extrema importância que esse
tema seja abordado nas escolas, afinal, faz parte do processo educacional.
53
Esse “fazer educacional” contextualizado torna imprescindível
tratar os cotidianos escolares a partir de necessidades coletivas, sociais,
ampliando o desenvolvimento cognitivo dos alunos, sua autoestima e
capacidade de relacionamentos, interações e afetividade, por meio de ativi-
dades de aprendizagens propostas através de múltiplas problematizações,
em diferentes contextos ( JACOBI; TRISTÃO; FRANCO, 2009, p. 74).
A escolha deste objeto de estudo foi relevante devido à grande
parte dos alunos morarem na redondeza do rio Desejado e passarem pelo
mesmo para chegarem à escola onde estudam. “A educação não pode
ser vista como uma atividade redentora e nem tampouco uma forma
de ascensão social. Como defende Gimeno Sacristán (2002, p. 18), a
educação é um “projeto reflexivamente dirigido, como um instrumento
para construir [...] pilares da humanização” (GOUVÊA, 2006, p. 169).
O estudo da biosfera foi de extrema importância para os estu-
dantes perceberem as consequências do descuido e falta de consciência
das pessoas quanto ao uso do local para o lazer. Apesar disso, o local
ainda se encontra em bom estado de conservação, atraindo os usuários à
contemplação, pois as águas do Desejado são muito límpidas, o frescor
advém do rio e da mata ciliar que é abundante nas margens. Tudo isso foi
observado pelos estudantes que, com esse projeto, conheceram os efeitos
da composição e formação dos três elementos que funcionam como base
para manter o meio ambiente propício para a saúde de todos os seres vivos.
Hidrosfera: É a menina dos olhos dos alunos, nada chama mais
atenção que o correr das águas limpas dos seus 7 a 8 metros de largura
e aproximadamente 1,5 metros de profundidade. Essa imagem encanta
qualquer um e deixa despercebido os demais elementos que sempre
precisam ser lembrados da sua existência.
Litosfera: Devido a vegetação próxima estar dentro do pequeno
rio Desejado, às vezes confundem se está na litosfera ou na hidrosfera,
aí começa a aula de observação e discussão até chegarem num consenso
que rios percorrem sobre a litosfera também e que os dois ambientes se
interdependem, ou seja, a Litosfera e a Hidrosfera andam juntas. Por
54
isso é tão importante a preocupação e preservação da mata ciliar, que
é um Ambiente de Proteção Permanente (APP), neste caso, composta
aproximadamente por 200 metros de cada lado (margem).
Atmosfera: É sempre a última a ser percebida, mas ao notar o balan-
çar das folhas, a brisa fresca, um grau de umidade superior que em outros
lugares, o aroma agradável das plantas (cascas úmidas), o aroma do rio, tudo
completa a aula em um ambiente aberto. No final de toda a contemplação
do belo que a natureza oferece, os alunos foram induzidos a observar os
‘rastros’ dos humanos que passaram por lá. Além de abordar os três elemen-
tos básicos da biosfera, trabalhou-se a questão da preservação ambiental.
Jacobi et al. (2009, p. 65) destacam que alguns objetos de conhe-
cimento ou eixos temáticos que ponderam os conhecimentos locais
“podem ser significativos para unir a coletividade e ampliar, por meio
das ações existentes ou criadas, a mobilização e a participação, sendo
a escola a mediadora e catalisadora no processo”.
Esses espaços de convivência, como recursos teóricos e
metodológicos para a educação ambiental, validam as mani-
festações dos sujeitos, as imagens a partir dos encontros,
das experiências, das trocas, das vivências e dos seus desdo-
bramentos como contextos de aprendizagem, para além do
que se poderia defini-los por sua possibilidade instrumental
ou pragmática (TRISTÃO; FASSARELA, 2006, p. 72).

A educação ambiental nas escolas deveria ser uma prática educativa


porque é extremamente importante, e deveria fazer parte do currículo
obrigatório, assim, poder-se-ia encadear uma série de projetos que con-
duziriam os estudantes ao conhecimento e à produção de conteúdo digital
para divulgar nas redes sociais envolvendo a comunidade escolar e demais
cidadãos do nosso país. Jacobi (2005, p. 241) destaca que “as práticas edu-
cativas devem apontar para propostas pedagógicas centradas na mudança de
hábitos, atitudes e práticas sociais, desenvolvimento de competências, capacidade
de avaliação e participação dos educandos”, dessa forma os educandos e a

55
sociedade estariam sendo estimulados e desafiados para uma “uma reforma
do pensamento” (MORIN, 2003, apud FLORIANI, 2003, p. 116).
Dessa forma, os professores, mediadores do conhecimento, estariam
conduzindo os estudantes a desenvolver o pensamento crítico e reflexivo
capaz de promover debates que abordem as condutas mecanizadas orga-
nizadas por um grupo de pessoas que visam apenas o benefício próprio.
Nesse sentido, concorda-se com Jacobi (2005, p. 245), que afirma que “a
inserção da educação ambiental numa perspectiva crítica ocorre na medida em que
o professor assume uma postura reflexiva. Isto potencializa entender a educação
ambiental como uma prática político-pedagógica”. Para cumprir esse papel,
A educação ambiental deve envolver como objeto próprio,
o confronto com as estratégias de desenvolvimento e do
processo de globalização, bem como comportar, nesta
missão, a dimensão da cidadania, da ética e da justiça.
Nesse sentido, trabalhar com educação ambiental signi-
fica reunir não apenas a capacidade de superar desafios
que nos são cotidianamente apresentados no mundo
moderno, como também esperar que seus militantes/
defensores se reconheçam e ajam como cidadãos, para
também inspirar a construção/garantia desse processo em
seus educandos/aprendizes (GOUVÊA, 2006, p. 165).

Da mesma forma como acontece em várias partes do Brasil, em


Entre Rios não é diferente, o riacho conhecido como Desejado sofre
com descaso dos que fazem uso do espaço em momentos de lazer dei-
xando acúmulos de resíduos de lixo nas margens e até no leito do rio.
Por se tratar de um rio raso de águas cristalinas e calmas, a população
local se dirige ao rio Desejado nos fins de semana para recreação com
suas famílias. Infelizmente, nem todas as pessoas têm a consciência
de preservação do meio ambiente, pois deixam espalhados pelo chão
objetos de metais, plásticos, papéis, isopores, vidros, entre outros
materiais que poluem o rio causando sérios danos ao meio ambiente.
Muitos alunos da escola fazem parte de grupos de visitantes do rio e
que desfrutam daquele ambiente da biosfera, por isso, reforçou-se a questão
56
do meio ambiente e a poluição. Coletou-se lixos que estavam nas margens
e foram levados para a escola para serem descartados de forma correta.
As crianças são a esperança do mundo, como disse o poeta. Crianças
e adolescentes serão os cidadãos do futuro, que decidirão juntos os destinos
do mundo. A prioridade para a formação dos valores ambientais nesta
etapa da vida tem a ver com vários conceitos pedagógicos, dentre os quais
destacamos que a aprendizagem nesta fase inicial da vida é sedimentada em
maior profundidade, as crianças “aprendem mais”, se motivadas (FUNIBER,
2021, p. 112). Essa motivação foi proporcionada ao levar os alunos até o rio
para que pudessem ver e sentir o que estava sendo estudado em sala de aula,
dessa forma, tornou a aula mais lúdica e aproximou o estudante da realidade.
Para descrever a abordagem metodológica que foi utilizada no
desenvolvimento deste projeto, apresenta-se a seguir um fluxograma
com o passo a passo da prática realizada, dessa forma facilitar-se-á a
compreensão do que foi realizado durante todo o projeto.

Fluxograma com o passo a passo das práticas realizadas16

Fonte: As autoras

16
Fluxograma realizado no Canva. Disponível em: https://bit.ly/3O5SeRj
57
O projeto “A Biosfera no rio Desejado’’ do Distrito de Entre
Rios de Nova Ubiratã/ MT, foi executado, como já citado na intro-
dução, nas aulas Geografia, numa turma do sexto ano. Na figura 02
apresenta-se alguns momentos marcantes desse projeto.

Figura 2 - Recolhimento de dejetos, estudo sobre o tempo de decomposição

Fonte: As autoras

Foram necessárias 10 aulas: 08 a 11/02: Planejamento da


aula; 21/02 a 28/02: Aulas teóricas; 07/03: Visita ao ambiente de
estudo; 07/03: Coleta de dados e recolhimento de dejetos; 14/03:
Análise dos trabalhos realizados; 21/03: Entrega de relatório e con-
tato com a Secretaria do Meio Ambiente; 28/03: Retroalimentação:
Autoavaliação do projeto realizado.
Sabe-se o quanto é importante inserir a educação ambiental no
processo educativo, afinal, para formar cidadãos conscientes faz-se neces-
sário que mais projetos como esse sejam desenvolvidos em todo o país.
Isso é importante para melhorar a qualidade da educação, bem como,
melhorar a atuação dos docentes, porque no momento não há abor-
dagem disciplinar que abrange a complexidade do processo educativo.
Entretanto, sugere-se que esse projeto seja desenvolvido de
forma transdisciplinar para que a aprendizagem dos alunos torne-se
mais significativa. A seguir apresenta-se uma sugestão do que pode
ser trabalhado por cada componente curricular:
O professor de matemática poderá trabalhar cálculos sobre as
quantidades de desejos recolhidos e construção de gráficos. O profes-
sor de Português aborda a produção textual no qual cada estudante
descreve o seu ponto de vista sobre o que observou com a atividade
58
prática e a aprendizagem adquirida na parte teórica, desenvolvendo
a argumentação e pode solicitar uma história em quadrinhos. O pro-
fessor de Artes pode propor um desenho sobre a visita ao rio e o
que observaram no trajeto e a ilustração da história em quadrinhos
realizada também em Língua portuguesa.
O professor de ciências trabalha as questões ambientais do des-
carte inadequado dos dejetos. O professor de História pode pesquisar
com os alunos a história do rio e também do povoado. alunos podem
elaborar google forms ou perguntas escritas a mão e aplicar a pesquisa
com as pessoas da comunidade. O professor de Inglês e Espanhol poderá
trabalhar a tradução de vocabulários bem como a tradução do texto ou
da história em quadrinhos. O professor de educação física abordará
a importância das atividades físicas ao ar livre. Sugere-se ainda que o
professor de Informática ou de cultura digital crie com os estudantes um
quiz no Kahoot, e flash cards na plataforma de aprendizagem Goconqr,
com perguntas e respostas sobre o conteúdo e conhecimentos adquiridos
durante o desenvolvimento do projeto. Além disso, pode-se utilizar o
google ou Canva apresentações para elaborar slides com as fotos e des-
crição das práticas realizadas pelos alunos, uma forma criativa e interativa
de divulgar o resultado da pesquisa nas redes sociais da escola, no site
da prefeitura e na secretaria de educação do estado do Mato Grosso.

CONSIDERAÇÕES

Foram realizados debates para discutir como a comunidade


escolar poderia ajudar a minimizar ou mitigar o problema encontrado
nas margens do pequeno rio Desejado. Houve proposta de se buscar
junto a Secretaria de Meio Ambiente do município um formato de
lixeira mais apropriada para aquele local. Sugeriu-se também a colo-
cação de placas informativas acerca da necessidade de preservação do
local e a importância de mantê-lo limpo.
Para que esse projeto abranja mais pessoas do município, está
previsto o contato com a Secretaria do Meio Ambiente do município.
59
O projeto será finalizado com os coletores de lixo e afixação de pequenas
placas informativas pelo entorno do rio. Acredita-se que muitos estu-
dantes sentiram o impacto da não preservação de ambientes agradáveis,
e por esse motivo serão cidadãos zelosos no futuro. Dessa forma estar-
-se-á formando verdadeiros colaboradores do meio ambiente agradável.
Com a realização desse trabalho pedagógico voltado para o
meio ambiente no qual vivem os estudantes, espera-se envolver toda
comunidade no desafio de conscientizarem-se sobre o cuidado com
a natureza, bem como preservar essas áreas de muito valor para todos
os seres vivos. Ressalta-se, por fim, que esse projeto ambiental terá
continuidade para envolver um maior número de pessoas.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Educação é a Base. Brasília, MEC/CONSED/
UNDIME, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ Acesso em: mar. 2022, 20:49
FLORIANI, D. Conhecimento, meio ambiente e globalização. Curitiba: Juruá, 2003.
FRANCO, M.I. Agenda 21 na educação: construindo ferramentas pedagógicas para
trilhar o caminho da sustentabilidade. In: Agenda 21 Educação ambiental em áreas de
proteção aos mananciais. São Paulo/Embu: Fundo Estadual de Recursos Hídricos, 2006. p.
8-18. Disponível em: https://bit.ly/38UiZcI. Acesso em: mar. 2022, 18:25.
FUNIBER. Recursos para educação ambiental. Propostas de recursos de procedimentos didáticos
para a educação ambiental (p. 112). Barcelona. Espanha, 2020.
Gouvêa, G. R.l R. Rumos da formação de professores para a educação ambiental. Educar,
Curitiba, n. 27, p. 163-179, 2006. Editora UFPR. Disponível em: https://doi.org/10.1590/
S0104-40602006000100011. Acesso em: abr. 2022, 14:38.
Jacobi, P. R.. Educação Ambiental: o desafio da construção de um pensamento crítico,
complexo e reflexivo. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 233-250, maio/ago. 2005.
Disponível em: https://bit.ly/3NLsmtZ. Acesso em: abr. 2022, 15:50.
Jacobi, P. R., Tristão, M. e Franco, M. I. A função social da educação ambiental nas práticas
colaborativas: participação e engajamento. Cadernos CEDES [online]. 2009, v. 29, n. 77
pp. 63-79. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-32622009000100005 Epub 07
Ago 2009. ISSN 1678-7110. Acesso em: mai. 2022, 17:40.
SHENA, F. Geografia: 6º ano/Fernando Shena; Apostila Sistema de Ensino Aprende Brasil;
Curitiba: Aprende Brasil, 2019.

60
EDUCAÇÃO FISCAL E A BASE NACIONAL
COMUM CURRICULAR

Wagner Teixeira Barros17


Ednéa Euzébio da Silva18

INTRODUÇÃO

Este capítulo é um recorte de uma dissertação de mestrado


sobre o tema da Educação Fiscal na prática docente em Manaus,
Amazonas, desenvolvida por Silva (2021) no âmbito da Universidad
de la Integración de las Américas, no Paraguai.
O interesse pela temática se deve à experiência dos autores no
ensino e na formação de professores no Amazonas. Percebemos que na
escola amazonense e, de maneira ampliada, na escola brasileira, diver-
sos temas são abordados e trabalhados para a formação do estudante,
com vistas a que se torne um cidadão pleno, conhecedor seus direitos
e deveres. No entanto, notamos que a temática da Educação Fiscal,
embora importante na formação do cidadão, não possui abordagem
significativa no contexto escolar.
Apesar de os alunos já conviverem em sociedade, fazendo parte
de sua comunidade, consumindo bens e serviços, socializando em
diversos ambientes como a escola, postos de saúde, praças, delegacias
etc., não se tornam conscientes de que muitos desses serviços, em
especial os públicos, são oriundos do dinheiro arrecadado por meio
de impostos, transformados em políticas públicas.
Diante desse cenário, entendemos ser importante valorizar e
fomentar a Educação Fiscal no processo de formação escolar do cidadão
e, para tanto, nosso olhar recai sobre documentos que norteiam esse
17
Doutor em Letras Neolatinas (UFRJ). Professor adjunto (UNILA) e professor e pesquisador no
Programa de Pós-Graduação em Letras (UFAM). CV: http://lattes.cnpq.br/6227315631560289
18
Mestra em Ciências da Educação (UNIDA – PRY). CV: http://lattes.cnpq.br/9582467733597931
61
processo. Assim, neste capítulo, propomos o seguinte questionamento:
de que maneiras a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017)
contempla a temática da Educação Fiscal?
Com vistas a responder a essa pergunta, nosso objetivo é analisar
de forma sucinta o que considera esse documento sobre a Educação
Fiscal, utilizando para tanto as pesquisas bibliográfica e documental.
Para organizar este capítulo, além desta seção introdutória, ele
está formado por uma seção de desenvolvimento em que são apresen-
tados um panorama histórico sobre os tributos e pressupostos sobre
a Educação Fiscal, seguida por uma seção de análise do documento
supramencionado. Na sequência, propomos uma seção com possibi-
lidades de encaminhamentos, seguida pelas referências.

BREVES PANORAMA HISTÓRICO SOBRE OS


TRIBUTOS

Em seu livro Educação Fiscal para a Cidadania, Lima (2019,


p. 7) apresenta citação pertinente retirada de carta datada de
1.789, escrita por Benjamin Franklin e endereçada a Jean-Baptiste
Leroy, que dizia: “[...] nada neste mundo pode ser tido como certo,
exceto a morte e os impostos.”
Lima (2019) afirma ainda ser inevitável pagar tributos, temática
que pode ser diretamente relacionada à Educação Fiscal.
Os primeiros registros sobre tributos datam da Idade Antiga.
“O tributo tem origem remota e, certamente, acompanhou a evo-
lução do homem, a criação das primeiras sociedades, o surgimento
de líderes tribais ou chefes guerreiros e políticos.” (BRASIL, 2009,
p. 11). Pelos registros, era “[...] voluntária a primeira manifestação
tributária, em forma de presentes ou ofertas destinadas aos líde-
res ou chefes, por seus serviços ou sua atuação em favor da comu-
nidade.” (BRASIL, 2009, p. 11).

62
Pelo exposto, existiu um tempo em que, para homenagear seus
líderes e deuses, a população lhes oferecia, espontaneamente, presentes,
os quais, mais tarde, foram denominados tributos. Porém, o que era
presente e espontâneo, com o passar do tempo, tornou-se obrigatório.
Assim, por exemplo, “[...] as contribuições passaram a ser compul-
sórias, quando os vencidos de guerra eram forçados a entregar parte
ou a totalidade de seus bens aos vencedores.” (BRASIL, 2009, p. 11).
Foi nesse contexto que surgiram grandes civilizações, entre as
quais a egípcia, a grega e a romana. A esse período chamamos de
Antiguidade, indo da invenção da escrita, ocorrida aproximadamente
em 5.000 a.C., até o fim do Império Romano, em 476 d.C.
Um fato sobre a origem da cobrança de tributos foi registrado
nesse período, em texto encontrado na antiga Suméria, entre os rios
Tigre e Eufrates, uma placa de 2.350 a.C. Os escritos revelaram leis que
oprimiam os súditos por causa de confisco de bens para os reis (BRASIL,
2009). Esse documento comprova que os impostos foram usados como
forma de oprimir a população, que acabava vendo seus bens confiscados.
Com o passar dos anos, as nações se desenvolveram.
Em meio a tantas guerras a Grécia se destacou como
uma civilização superior, resistindo fortemente à domi-
nação por outros povos, graças à força de sua cultura.
Foi na Grécia que muito antes de Cristo nascer, sur-
giram grandes pensadores que procuravam explicar o
sentido da vida e a busca de um novo caminho para a
humanidade. (AFISCAMP, s/d).

Apesar de a Grécia ser considerada uma civilização forte, foi


conquistada pelos romanos, sem, no entanto, perder sua força cultural,
já que a cultura romana não foi imposta sobre a cultura grega.
Bernardo (2020, p. 16) afirma que “[...] no período do Império
Romano, veremos referência a cobradores de impostos – chamados
publicanos – homens ricos, mas considerados de baixo valor ético e
moral na perspectiva do povo judeu”. Esse fato perdurou por muito
63
tempo e a má reputação dos publicanos se dava pela fama de que
os mesmos eram corruptos por supostamente cobrarem impostos
altos para se beneficiar deles.
Considerando os registros históricos, percebemos que a ima-
gem dos impostos está intimamente relacionada ao sofrimento
da população, o que deixou marcas até os dias atuais, ainda mais
quando não há transparência na destinação dos recursos arrecada-
dos, fazendo com que o contribuinte não saiba ao certo o destino
do dinheiro pago como imposto.
Com a queda do Império Romano, já na Idade Média, surgiram
os senhores feudais e os vassalos, dando origem a uma nova estrutura
econômica, o sistema feudal, ou feudalismo que, segundo Pinto (2010),
designa a nova forma de organização político-econômica na Europa
Centro-Oriental durante os séculos V e XV.
Os senhores feudais eram proprietários de terras e os vassalos
eram camponeses responsáveis por cultivar e cuidar da terra. Na época
da colheita, os vassalos pagavam tributos aos senhores feudais, entre-
gando a maior parte do cultivo e ficando com uma pequena quantia
para sua sobrevivência. Vale ressaltar que, muitas vezes, não ficavam
com nada, pois tinham que pagar pelos recursos de que precisavam
para o cultivo da terra; então, quando faziam a prestação de contas aos
senhores feudais, acabavam na miséria, sem recursos e, assim, faziam
novas dívidas. Dessa forma, não conseguiam quitar totalmente os
débitos, ficando sempre em dívida com seus senhores.
Essa breve retrospectiva deixa claro que, durante a história
da humanidade, seja por iniciativa própria como agradecimento ou
oferenda aos deuses e líderes tribais, seja como obrigação diante de
sistemas político-econômicos desiguais, a prática de pagamento de
tributos é algo comum nas sociedades. Além disso, fica evidente que as
atitudes da população com relação aos impostos mudaram conforme
os impactos que a prática de cobrança de tributos exercia sobre suas
vidas. Assim, de uma prática voluntária e de agradecimento, passou a
64
ser considerada uma prática obrigatória e, muitas vezes, sem sentido,
haja vista que não há retorno imediato para quem paga impostos, ou,
pelo menos, o retorno não fica evidente.
Nesse sentido, é relevante considerar o papel transformador da
educação. Por meio dela, a população pode se tornar consciente de
seus deveres e, mais ainda, de seus direitos e, assim, buscar conhecer
de que maneira são aplicados os recursos destinados aos impostos.
Daí, a importância do trabalho com a Educação Fiscal.
A s e g u i r, d e f o r m a b re v e, a b o rd a m o s a l g u n s
pressupostos sobre essa temática.

EDUCAÇÃO FISCAL E A FORMAÇÃO DE CIDADÃOS

Existe uma herança histórica entre o fisco e o contribuinte,


reverberando uma imagem carregada de maus tratos aos pagadores de
impostos, principalmente pela forma como eram cobrados os tributos,
muitas vezes de forma desigual para custear regalias da nobreza e guer-
ras, por exemplo. Logo, muitos pagadores de tributos eram contra a
arrecadação e sofriam com a brutalidade da cobrança feita pelos fiscais.
Em consequência disso, a temática da Educação Fiscal pode
entrar em cena para mudar a concepção formada acerca dos impos-
tos e do processo de cobrança de tributos, trazendo esclarecimen-
tos aos cidadãos com a intenção de amenizar a distância entre o
governo e os contribuintes, favorecendo o exercício da cidadania
por meio do processo educativo.
Nessa esteira, Campanha e Tenório (2017, p. 3) sustentam que
Uma análise inicial das propostas conceituais a respeito
de educação fiscal revela que o discurso de seus ideali-
zadores tem uma intensa preocupação em disseminar
a ideia de que o tributo e o controle social são fatores
primordiais para a promoção e, principalmente, para o
exercício da cidadania. Revela ainda que, sem a com-
preensão desses fatores, o cidadão verá prejudicada a
65
possibilidade de melhoria dos níveis de qualidade de
vida, dos serviços públicos e da efetivação dos seus
direitos. Para os idealizadores da educação fiscal, quanto
maior o acesso do cidadão a informações sobre tributos,
controle social e o funcionamento do Estado, melhor
será a qualidade de sua participação e do acompanha-
mento dos gastos públicos. Nesse caso, a instrução
implica uma melhoria qualitativa da vida em sociedade
e uma barreira defensiva contra a corrupção e o mau
uso dos recursos públicos.

Considerando o que foi mencionado, surge o desafio em dis-


seminar a Educação Fiscal, a fim de sensibilizar e conscientizar os
cidadãos para que sejam participativos criticamente e contribuam
ativamente, passando a fiscalizar o dinheiro público.
De acordo com Lima (2019), a Educação Fiscal promove impor-
tante conexão entre os cidadãos e administração fiscal. Assim,
Países de todo o mundo buscam, gradativamente,
engajar sua população contribuinte em uma cultura
de cumprimento das regras fiscais baseadas em uma
relação entre direitos e responsabilidades. Para tanto, a
educação fiscal torna-se uma ligação importante entre
os cidadãos e a administração fiscal, construindo uma
ponte pela qual os cidadãos enxergam o pagamento
de tributos como parte integral do relacionamento
entre eles e o governo, cuja responsabilidade envolve,
notadamente em países em desenvolvimento, alcançar
um desenvolvimento sustentável, lutar pela erradicação
da pobreza, reduzir as desigualdades, entregar servi-
ços públicos de qualidade e construir a infraestrutura
necessária para um desenvolvimento inclusivo. (LIMA,
2019, p. 9).

Outros pesquisadores também consideram a Educação Fiscal


importante para criar e desenvolver no cidadão uma cultura fiscal a fim
de que adquira o hábito de participar da vida pública. Nesse sentido,
66
Pereira e Cruz (2016, p. 01) concebem a Educação Fiscal como um
método de ensino-aprendizagem com o objetivo de “[...] fomentar a
consciência cívica-fiscal do cidadão, apelando à justiça, transparência,
honestidade e eficiência. Esta também permite que o cidadão com-
preenda o papel do sistema fiscal na arrecadação e aplicação da receita.”
Os pesquisadores destacam que os Estados Unidos são o país
que possui o mais antigo programa de Educação Fiscal no mundo, o
Understanding Taxes, criado em 1954 com o objetivo de atender a
estudantes do ensino secundário, com idades entre os 14 e os 18 anos.
O Canadá, por sua vez, há cerca de 30 anos, mantém
um programa de educação fiscal para jovens com idades
entre os 16 e os 18 anos que se encontram a frequentar
o ensino secundário, sendo o grande responsável por
este a Administração Tributária do Canadá (Canada
Revenue Agency – CRA). Os professores lecionam
esta temática de forma voluntária, cabendo à CRA
fornecer a formação necessária, a qual consiste num
curso online composto por 4 módulos, 18 temas e
informação adicional sobre os impostos, desde a história
dos mesmos a instruções de como cumprir as obrigações
fiscais. (PEREIRA; CRUZ, 2016, p. 6).

No contexto europeu, ganham destaque os programas de Edu-


cação Fiscal dos países nórdicos. Na Suécia, as iniciativas tem como
objetivo principal atingir jovens com idades compreendidas entre os 16
e os 20 anos. No caso da Dinamarca, a Administração Educativa, em
parceria com a Administração Tributária, promove a Educação Fiscal no
país a jovens com idades entre os 14 e os 16 anos. Na Noruega, os jovens
atendidos pela Educação Fiscal possuem idades entre 14 e 18 anos e os
programas são desenvolvidos e colocados em prática, em sua maioria,
pela Administração Tributária. Na Finlândia, a Educação Fiscal se dá
por meio de parceria entre a Administração Tributária e a Academia
da Juventude, através de campanhas informativas, oficinas, palestras e
cursos a estudantes do ensino secundário. (LOBO et al., 2005).
67
O trabalho de conscientização nas escolas é conside-
rado importante em inúmeros países, pois consegue
alcançar uma fatia da população que está num processo
de compreensão da sociedade. Assim, alcançando esse
público, as administrações fiscais objetivam uma positiva
mudança cultural a longo prazo. [...] Exemplos de países
que possuem esse tipo de programa são: Jamaica, Quê-
nia, Marrocos, Ilhas Maurício, Malásia, Peru e outros.
Já o ensino desse tema nas Universidades é essencial,
pois são alcançados os contribuintes atuais. Exemplos
de países com esse tipo de iniciativa são: México, El
Salvador, Moçambique, Ruanda, Butão, entre outros.
(LIMA, 2019, p. 9).

Em Portugal, o Plano para a Cidadania e Educação Fiscal em


Portugal e o Projeto de Investigação sobre Lusofonia e Educação
Fiscal foram elaborados com o objetivo de criar protocolos com os
Ministérios das Finanças e da Educação. Esses trabalhos envolveram
instituições superiores situadas em Lisboa, Coimbra e Cabo Verde, além
de contarem com o patrocínio do Governo de Angola e da Ordem dos
Técnicos Oficiais de Contas. Dessas ações surgiu o livro A Joaninha e os
impostos: uma história de educação fiscal para crianças (PALMA, 2016)
que, devido à sua relevância para a comunidade, ganhou um prêmio
do Instituto Politécnico de Lisboa, em maio 2017 (PALMA, 2019).
No contexto latino-americano, o pioneirismo na Educa-
ção Fiscal é brasileiro. Rivillas e Baltazar (2014) resumem os
dados da região na tabela seguinte.

68
Tabela: Programas de Educación Fiscal en América Latina y la República Dominicana

Fonte: Rivillas e Baltazar (2014, p. 341).

Observa-se que vários países da região possuem programas que


abordam a Educação Fiscal, sendo o Brasil o pioneiro por meio de
um programa em parceria com a Escola de Administração Fazen-
dária. De acordo com os pesquisadores, no Brasil e em El Salva-
dor, as instituições educativas abordam a temática em sala de aula,
porém em outros lugares da América Latina a execução fica a cargo
das administrações tributárias.
Percebemos que a Educação Fiscal na América Latina vem
superando desafios e ganhando cada vez mais espaço. Para os pes-
quisadores supramencionados, o Brasil possui ações mais eficien-
tes, contudo ainda há muito trabalho a ser feito para se massificar a
Educação Fiscal, pois percebe-se que os contribuintes que possuem
mais acesso às informações, muitas vezes, não demonstram interesse
em fiscalizar o dinheiro público, preferindo permanecer passivos no
processo das políticas públicas do Estado.

69
Considerando a importância da temática da Educação Fiscal para
a formação cidadã no Brasil, a seguir, passamos à análise documental,
focando em proposta curricular nacional.

O QUE DIZ O ATUAL DOCUMENTO ORIENTADOR


SOBRE A EDUCAÇÃO FISCAL

Considerando o atual cenário educacional brasileiro, sem des-


merecer outros documentos de enorme importância histórica para
a Educação nacional, nosso fodo de análise documental neste capí-
tulo recai sobre a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRA-
SIL, 2017), documento em vigência.
Considerando a extensão do Brasil e as peculiaridades regionais,
o documento entende que o currículo brasileiro deve possuir uma
parte comum e, na medida do possível, ser complementado por uma
parte diversificada. Nesse sentido,
Os currículos da educação infantil, do ensino funda-
mental e do ensino médio devem ter base nacional
comum, a ser complementada, em cada sistema de
ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma
parte diversificada, exigida pelas características regionais
e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos
educandos. (BRASIL, 1996).

A despeito de discussões e polêmicas em torno dos processos


de elaboração, aprovação e implementação da BNCC, os quais a
nosso ver merecem atenção e, quiçá, possam ser objeto de futuras
investigações, entendemos que esse documento apresenta um recorte
curricular comum, por se tratar de
documento de caráter normativo que define o conjunto
orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que
todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e
modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham
assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvi-
70
mento, em conformidade com o que preceitua o Plano
Nacional de Educação (PNE). (BRASIL, 2017, p. 7).

Ao analisar a BNCC, percebemos que as Competências Gerais


de Aprendizagem de número 6 e 7 contemplam indiretamente a
temática da Educação Fiscal, haja vista que preparam o estudante para
o exercício da cidadania, focando em relações próprias do mundo do
trabalho, estimulando a liberdade, a autonomia, a consciência crítica e
a responsabilidade no respeito e na promoção dos direitos humanos, da
consciência socioambiental e do consumo responsável em âmbito local,
regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado
de si mesmo, dos outros e do planeta. (BRASIL, 2017).
Além disso, os Temas Contemporâneos Transversais propos-
tos pelo documento contemplam a temática da Educação Fiscal de
maneira direta, em especial no que concerne ao tema de Economia,
conforme apresentado a seguir.

FIGURA 1 - Temas Contemporâneos Transversais

Fonte: Brasil (2019, p. 13).

71
Sobre a questão, a BNCC apresenta orientações e
determina que sejam incorporados
[...] aos currículos e às propostas pedagógicas a
abordagem de temas contemporâneos que afetam a
vida humana em escala local, regional e global, pre-
ferencialmente de forma transversal e integradora.
Entre esses temas, destacam-se: direitos da criança
e do adolescente (Lei nº 8.069/1990), [...], educação
para o consumo, educação financeira e fiscal, trabalho,
ciência e tecnologia e diversidade cultural (Parecer
CNE/CEB nº 11/2010 e Resolução CNE/CEB nº
7/2010). Na BNCC, essas temáticas são contempladas
em habilidades dos componentes curriculares, cabendo
aos sistemas de ensino e escolas, de acordo com suas
especificidades, tratá-las de forma contextualizada.
(BRASIL, 2017, p. 19).

Nesse sentido, pelo exposto, percebemos que a BNCC trata a


temática da Educação Fiscal de distintas maneiras, abordando-a direta
e indiretamente e fornecendo orientações sobre a importância de sua
incorporação no processo de ensino-aprendizagem das escolas no país.
Dessa forma, a temática da Educação Fiscal integra o currículo brasi-
leiro, estando presente em competências e, consequentemente, em habi-
lidades que o estudante deve desenvolver durante sua formação escolar.
A s e g u i r, a p r e s e n t a m o s m a i s a l g u m a s c o n s i -
derações, à guisa de conclusão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em consonância com o início deste capítulo, a pergunta que


norteou nosso percurso aqui visou analisar como a Base Nacional Comum
Curricular (BRASIL, 2017) contempla a temática da Educação Fiscal.
Percebemos que o documento contempla a temática por
meio dos Temas Contemporâneos Transversais, em especial a

72
partir do tema Economia, e, de forma indireta, pelas Competên-
cias Gerais e seus desdobramentos.
Dessa forma, entendemos que a tendência é que a temática da
Educação Fiscal se fortaleça cada vez mais, haja vista que, como parte
da proposta curricular, deverá ser adotada e desenvolvida nas escolas,
durante a formação dos estudantes brasileiros.
Além disso, merecem atenção os possíveis desdobramentos da
presença da temática da Educação Fiscal na Base Nacional Comum
Curricular (op. Cit.), entre os quais os regionais, o que nos leva a propor
novos questionamentos: em que medida os referenciais curriculares
estaduais e distrital incorporam a temática da Educação Fiscal? Como
é proposto o desenvolvimento dessa temática nesses documentos cur-
ricularizantes regionais? Que consequência prática essa inclusão curri-
cular da temática da Educação Fiscal trará para a sociedade brasileira?
Considerando o escopo e a concisão deste capítulo, deixamos
essas perguntas como provocações para possíveis novas pesquisas.

REFERÊNCIAS
AFISCAMP – Associação dos Auditores-Fiscais da Prefeitura Municipal de Campinas.
Tributo é antigo? Disponível em: http://www.afiscamp.org.br/site/cidadania/tributo.php.
Acesso em: 15 jun. 2022.
BERNARDO, Augusto. Outros olhares: sobre a educação fiscal. Manaus: Selo Editorial
Temporal, 2020.
BRASIL. Base nacional comum curricular. Secretaria de Educação Básica e Conselho
Nacional de Educação. Brasília: CNE, 2017.
BRASIL. Lei N° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Brasília, 23 de dezembro de 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Temas Contemporâneos Transversais na BNCC:
propostas de práticas de implementação. Brasília: MEC/SEB, 2019.
BRASIL. Receita Federal. Educação Fiscal: Conscientização da sociedade sobre os direitos
e deveres fiscais. 2009.

73
CAMPANHA, A.; Tenório, R. M. A educação fiscal e suas implicações para o exercício da
cidadania e para a melhoria qualitativa da vida em sociedade. Cadernos De Ciências Sociais
Aplicadas, 14 (23) 2017, 1-14.
Lima, Ivan Cordeiro. Educação Fiscal para a Cidadania. São Paulo: Egesp, 2019.
LOBO, M. L. D. et al. La educación fiscal en España (DOC Nº 29/05). Documento del
Instituto de Estudios Fiscales. 2005.
PALMA, Clotilde Celorico. A joaninha e os impostos: uma história de educação fiscal para
crianças. Lisboa: Ordem dos Contabilistas Certificados, 2016.
PALMA, Clotilde Celorico. Políticas de Cidadania e Educação Fiscal na Lusofonia.
Coimbra: Edições Almedina S.A., 2019.
PEREIRA, Daisy; CRUZ, Sérgio Ravara. Educação Fiscal: Revisão da literatura. Revista
estudos do ISCA – série IV – n°14 - ISCA (2016, p. 01), Universidade de Aveiro Ravara
Cruz, 2016.
PINTO, Tales dos Santos. O que é feudalismo? (2010). Brasil Escola. Disponível em: https://
brasilescola.uol.com.br/o-que-e/historia/o-que-e-feudalismo.htm. Acesso em: 09 jan. 2021.
RIVILLAS Borja Diaz; BALTAZAR, Antonio Henrique Lindemberg. Educación fiscal y
construcción de ciudadanía en América Latina. Revista de Estudos Tributários e Aduaneiros.
Brasília-DF, ano I, n.01, p. 326-354, ago./dez. 2014.
SILVA, Ednéa Euzébio da. Educação fiscal: estudo sobre políticas públicas educacionais,
formação e prática docente em Manaus/AM – Brasil. Dissertação de mestrado defendida
no âmbito do Programa de Mestrado em Ciencias de la Educación da Universidad de la
Integración de las Américas. Asunción, Paraguay: UNIDA, 2021. 101f.

74
POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL:
O NOVO FUNDEB E AS GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS

Kelly Letícia da Silva Sakata19


Susana Aparecida Alves Cius20

Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes


desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse
às classes dominadas perceber as injustiças sociais de
maneira crítica.

Paulo Freire

INTRODUÇÃO

Este capítulo discorre sobre o desenvolvimento do novo Fundo de


Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação (Fundeb), trazendo reflexões sobre o
contexto atual nos tempos de pandemia e as garantias constitucionais
O Fundeb foi implantado após o período de vigência do Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valo-
rização do Magistério (Fundef ) quando se considerou a necessidade
de ampliar o financiamento universal para toda a educação básica,
inclusive o ensino fundamental, garantindo uma maior participação
da União, principalmente com o objetivo de diminuir as desigualdades
sociais (ROSSIGNOLI; OLIVEIRA; ANDRADE, 2021).

19
Doutoranda em Educação (UFPR). Pedagoga (SME/Araucária – PR).
CV: http://lattes.cnpq.br/3297671225940249
20
Especialização em Gestão da Educação e Políticas Públicas Educacionais (FACEAR).
CV: http://lattes.cnpq.br/7240030484030663
75
Deste cenário, o trabalho parte da seguinte problemática: como
são utilizados os recursos na educação e qual é a participação do novo
Fundeb para a vinculação da redistribuição desses recursos?
Para responder à questão norteadora, foi realizada pesquisa através de
análise qualitativa, por meio de busca bibliográfica e de dados do Fundeb,
do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), do Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), do O
Portal de Notícias da Globo (G1) e do Ministério da Educação (MEC)
e Câmara dos Deputados Nacional. Nestes dados levantados analisou-se
a execução do orçamento da função educação; a participação da União;
a estimativa de progressão da vinculação de recursos nos últimos anos; e,
a proposta de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadoria
e Produtos (ICMS), segundo as regras do novo Fundeb.
Desta feita, a partir da problemática da pesquisa, busca-se
caracterizar o novo papel do Fundeb e a distribuição de recursos
para a educação e; apresentar as disputas e desafios do financia-
mento da educação para a gestão.

DESENVOLVIMENTO

O Fundeb é constituído por 27 fundos estaduais independentes


entre si, sendo que cada estado e os municípios repassam 20% da arreca-
dação de uma cesta de impostos definida. O fundo é composto por um
percentual fixo de arrecadação de alguns impostos e por transferências
dos entes federados. Os recursos são repartidos de acordo com o número
de matrículas de cada rede educacional pública, com um valor mínimo
por estudante, diminuindo as desigualdades regionais (DIEESE, 2020).
Alterada pela Emenda Constitucional n° 108 de 2020, o novo
Fundeb foi instituído em caráter permanente regulamentado pela Lei n°
14.113/2020. Este movimento proporcionou maior segurança jurídica
ao seu financiamento e às regras aprovadas. A EC 108 também amplia o
investimento federal na educação básica do país e introduz novos critérios
de distribuição dos recursos arrecadados e prevê sua revisão periódica.
76
Desta feita o novo Fundeb se destina aos recursos às redes estaduais e
municipais de educação, atendendo a creche, pré-escola, ensino fundamen-
tal e médio, educação de jovens e adultos, educação profissional, indígenas,
quilombolas e educação especial.Também tem um aumento progressivo do
percentual da União nos recursos do fundo, dos atuais 10% para 23% até
2026. O Imposto sobre a ICMS, passa a ser modificado com base nos indi-
cadores locais de aprendizagem (LOPES; SOUZA; OLIVEIRA, 2018).
Neste fundo foi incluso o Custo Aluno Qualidade (CAQ)21, o qual
é um parâmetro elevado que consiste num mecanismo que une qualidade,
controle social e financiamento considerados adequados à educação. Ele
considera os insumos necessários na garantia de um padrão de qualidade, pro-
pondo a aproximação dos custos do Brasil em relação aos países mais desen-
volvidos. Além do CAQ, se destaca neste contexto o debate sobre o Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica (SINAEB), considerados, por
parte da União, o investimento de 23% e a preservação do Salário Educação22.
Importante pontuar que o direito à educação foi ampliado em 2009
pela Emenda Constitucional nº 59, com alteração do artigo 208, que garantia
a oferta obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos e, no artigo 214, apresenta
a universalização do atendimento escolar e ampliação do percentual do
PIB para a educação (BRASIL, 2009). Assim, com a regulamentação do
novo Fundeb, se torna fundamental para garantir o direito à educação e não
estabelecer uma insegurança no que se refere aos novos critérios.
Na regra vigente, dos 100% do ICMS recebidos pelo município,
75% provinham de operações econômicas relativas à sua área territorial
e 25% de acordo com o que dispunham a lei estadual. Com a nova
regra, a primeira parte foi reduzida a, no mínimo, 65%, e a segunda
ampliada para até 35% (DIEESE, 2020). No quadro a seguir é mos-
trado a proposta de arrecadação do ICMS.

21
Em 2007 a Campanha Nacional pelo Direito a educação (CNDE), uma rede que articula centenas de
grupos e entidades que atuam em defesa da escola pública define o conceito de CAQ e o Custo Aluno
Qualidade-Inicial (CAQi).
22
O Salário Educação consiste em uma contribuição social criada em 1964, sobre a folha de pagamento
das empresas para financiar o então ensino primário.
77
QUADRO 1: Proposta de arrecadação do ICMS, segundo as regras do novo FUNDEB
Princípio arrecadatório Atual vigência Regra do novo FUNDEB
Atividade econômica no 75% 65%
território
Legislação específica 25% até 25%
estadual
Indicadores de melhoria - no mínimo 10%
educacional
Total 100% 90 a 100%
Fonte: DIEESE (2020).

No entanto, mesmo que o Fundeb tenha se proposto a reduzir as


desigualdades regionais, alguns estados não conseguem chegar a um valor
mínimo por aluno nacional, recebendo complementação do Governo
Federal. Com a aprovação do novo modelo aprovado pelo Congresso,
o fundo será destinado a municípios pobres em estados ricos que antes
não recebiam ajuda federal, melhorando a equidade entre as regiões.
De acordo com Calanca (2013) o Fundeb foi um avanço, caracteri-
zado pela ampliação de novos impostos em sua composição, atendendo a
um maior número de modalidades de ensino, aumentando a participação
da União em sua constituição, além do fundo passar a contar com 20%
dos recursos arrecadados. Segundo Couto, Tavares e Costa (2021), os
recursos do Fundeb deveriam ser investidos ao pagamento dos professores
que estão na ativa, isto é, não poderiam ser investidos com aposentadorias
de professores, contra a defesa dos congressistas nesta questão.
O ponto crítico é que o Fundeb além de permitir a destinação
de recursos públicos a entidades públicas que atendem a educação
básica, também permite a destinação de recursos a instituições filan-
trópicas e confessionais de educação especial “sem fins lucrativos” e as
instituições conveniadas com o Poder Público, que se destina apenas
à educação básica pública (DAVIES, 2014).
Sendo assim, há uma disputa do fundo público pelo setor privado,
o Fundeb prevê a inclusão de instituições privadas, sem fins lucrati-
78
vos e conveniadas em seus mecanismos de distribuição dos recursos
(CASAGRANDE, 2021). A parceria entre o público e o privado pode
ser promovida neste contexto. Um exemplo são as escolas conveniadas
no âmbito da Educação Infantil, em que “ocorre como uma forma de
barateamento e, em muitos casos, de precarização do atendimento. A
grande questão é a remuneração dos professores que não são concur-
sados, não tem plano de carreira e exigência de formação adequada
ao cargo” (MONTANO; FERNANDES; PERONI, 2021, p. 03).
Nesta linha, o Fundeb segue a direção das normativas que permitem
a vinculação de fundos públicos para o setor privado. Um dos desafios do
financiamento da educação básica brasileira é pelo fato de a Constituição
Federal de 1988, em seu art. 212, parágrafo 2° oferecer um percentual mínimo
dos impostos vinculados à educação e desenvolvimento de ensino, aplicar o
montante, além das escolas estaduais, também para as escolas privadas.
Já no art. 213 é destacado que os recursos públicos podem ser
dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins
lucrativos, porém, esses lucros não são registrados na contabilidade,
mas sim como transferências em suas entidades mantenedoras, que
na verdade são mantidas e não mantenedoras. No parágrafo 2° do
art. 213 prevê que as atividades universitárias de pesquisa e extensão
poderão receber apoio financeiro do Poder Público, independente do
seu caráter público ou privado (BRASIL, 1988). Neste ponto, Davies
(2014) ressalta que a Lei n° 9.394 procurou impedir esta brecha ao
estipular que o percentual mínimo se destine ao ensino público, con-
tudo, considera importantes as bolsas de estudo em escolas privadas.
Nos casos mais recentes, surgiu as isenções fiscais ou contribui-
ções das instituições privadas de ensino superior (IES) que aderiram ao
Programa Universidade para Todos (PROUNI), iniciativa do governo
federal que exige o oferecimento de bolsas integrais ou parciais. Por-
tanto, cabe lembrar que os recursos embutidos dos produtos e serviços
pagos pela população, e que são arrecadados por exemplo, por empresas
e repassados a entidades empresariais como o sistema “S” (SENAI,
79
SESI, SENAC, SESC, etc.), são considerados recursos públicos, pois
são advindos da população, embora privatizados por algumas entidades.
Importante pontuar que, as verbas legalmente devidas em educação
são de dois tipos. O primeiro é vinculado à manutenção e desenvolvimento
do ensino (MDE), que segundo o art. 212 da Constituição Federal de
1988, são no mínimo 18% dos impostos da União e 25% em Estados,
Distrito Federal (DF) e Municípios. O outro tipo de verba destinada à
educação são as adicionais ao percentual mínimo, nem todas com ori-
gem em impostos. Elas possuem vinculação específica, e são destinadas
por exemplo ao salário-educação e merenda escolar (DAVIES, 2014).
Para Velloso (1987), o Salário Educação foi um ponto controverso,
que até 1996 podia legalmente custear alunos reais ou até mesmo fictícios
no ensino fundamental em escolas particulares, sendo conduzido para pagar
legal ou ilegalmente boa parte das matrículas no ensino fundamental privado.
Um outro desafio em relação ao financiamento educacional é
questão de desigualdade no país, pois, segundo Jeduca (2019), um aluno
da rede pública paulista tem, em média, quase o dobro (91%) de recursos
disponíveis do que um aluno do Maranhão. Por isso o financiamento
da educação está sob constante revisão. Há uma discussão sobre o
crescer ou não a despesa pública no setor, redefinir as etapas da edu-
cação, distribuir recursos e aumentar a eficiência de cada investimento.
A teoria da transição demográfica indica que com a redução
do número de crianças e adolescentes, diminui a demanda de gastos
dos municípios. Sendo assim, para os que defendem que a vinculação
orçamentária garante a reserva de recursos para setores fundamentais,
apresentando bons resultados na história recente do país, indicam que
o modelo protege essas áreas da vontade política do governante no
momento do poder de barganha em defesa dessas pautas no Legislativo.
Contudo, recentemente o Ministério da Economia levou entidades a
desvincularem o orçamento, como a Associação de Pós-graduação e Pes-
quisa em Educação (ANPED) e a Associação Nacional de Pesquisa em
Financiamento da Educação (FINEDUCA), devido a essas entidades
80
se manifestarem contra as propostas governamentais de teor reacionário
( JEDUCA, 2019). Ou seja, além de a vinculação não ser suficiente
verifica-se que o modelo vigente não é protegido da vontade política.
Através da União, o Fundeb também faz o repasse adicional dos
fundos estaduais com menores valores por estudante e não diretamente
para as prefeituras. Com isso, cidades ricas em estados pobres recebem
o reforço do governo federal e os municípios vulneráveis em estados
ricos deixam de ganhar auxílio ( JEDUCA, 2019). Segundo estudo
técnico da Câmara de 2017, 31% da verba do governo federal não é
efetivamente usado para equalizar o valor gasto por estudante entre
as redes, ou seja, vai para as redes que não precisam ou demandam
quantias menores de complemento do que efetivamente recebem.
O ano de 2021 foi o primeiro ano de vigência do novo Fundo,
e devido a necessidade de regulamentação em algumas áreas, acabou
causando algumas dificuldades de planejamento financeiro para os sis-
temas de ensino. Importante sinalizar neste contexto que os recursos do
Fundeb são compostos por fundos e impostos, estaduais e municipais,
sendo que no ano de 2020, esse percentual do governo federal usados
para a educação subiu para 12% e com previsão de aumentar para 23%
até 2026, como visto no gráfico a seguir:

Fonte: G1 (2022).

81
Durante a tramitação da Câmara, o governo apresentou uma
proposta que previa um aumento do percentual de 12,5%, alcançando
20% em 2027. Outro ponto destacado foi destinar parte dos 20%
repassados pela União ao fundo à transferência direta de renda para
as famílias com crianças em idade escolar, com o objetivo de que os
recursos viessem compor o Renda Brasil.
De acordo com Aguiar (2020), durante o governo de Michel
Temer e Jair Bolsonaro, novas políticas educacionais foram traçadas,
principalmente pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Conselho
Nacional de Educação (CNE) que repercutiram no sistema educacional,
com a aprovação da Base Nacional Comum Curricular da Educação
Infantil e do Ensino Fundamental e da Base Nacional Comum Cur-
ricular do Ensino Médio. Todas as iniciativas de políticas de cunho
reacionário que esvaziaram a participação política das associações
participativas da sociedade civil organizada de base educacional de
cunho progressista. Além dessas iniciativas que atingiram a educação
básica, também surgiram medidas que impactaram a formação dos
profissionais da educação básica no ensino superior.
Concomitantemente, no início de 2020, as nações foram impac-
tadas pela pandemia do Covid-19, atingindo países de todo o planeta.
No entanto, o Governo Federal não deu muita importância ao grande
problema que a sociedade estava vivendo, refletindo, com isso, também
na educação, com a ausência de uma efetiva coordenação nacional para
medir esforços dos entes federativos, impactando a vida dos estudan-
tes, das instituições educacionais, dos profissionais da educação, das
famílias e da comunidade em geral. Em meio a grave crise sanitária no
país, que tem custado a vida de milhares de pessoas, há ainda ataques
às universidades, à ciência e a pesquisa científica e as várias trocas de
ministros da educação, 04 trocas até o momento.
As receitas de estados e municípios, que são os principais for-
necedores da educação básica, também foram afetadas pela pandemia,

82
visto que a arrecadação desses impostos23 afeta diretamente a receita
disponível para a educação básica dos estados e municípios, sendo que
o ICMS, por exemplo, responde por 58% da composição da receita
do Fundeb (SILVA; MARQUES; DOMINGOS, 2020).
De acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(2020) a pandemia não afetou somente o volume de recursos, mas
também a distribuição das receitas educacionais, visto que as contas
públicas variam entre os diferentes entes federados. O grande desafio
dos governos brasileiros era planejar seus orçamentos para uma reali-
dade fiscal preocupante, em que as receitas diminuíam e as demandas
por investimento educacional aumentavam.
O sistema brasileiro financeiro depende hoje da arrecadação de
impostos diretos, como o ICMS e o ISS. Devido ao período de crise
econômica, há menos arrecadação desses impostos e com isso, menos
recursos para a educação agravando-se no contexto da pandemia e
“pós-pandemia”. Portanto, deve-se haver uma discussão política que
resulte na garantia de mais recursos à educação, pois independente de
crise econômica, política e social, as crianças e estudantes necessitam
ter seu direito à uma educação de qualidade efetivado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabe-se que a história do financiamento da educação no Brasil


começou com a chegada dos jesuítas, que iniciaram seus trabalhos com
o dinheiro enviado pela Coroa de Portugal, sendo que incialmente,
o dinheiro arrecado vinha por meio de doações. Com a expulsão dos
jesuítas, são criadas as Aulas Régias, em que algumas câmaras foram
obrigadas a lançar mão sobre os produtos, sendo que a partir de 1972,
é criado o Subsídio Literário, que era um imposto cobrado sob a
comercialização de diversos produtos, sendo a primeira medida de
vinculação de recursos tributários para financiar o ensino no Brasil.

23
ICMS e – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN).
83
Com o surgimento da Constituição Federal de 1988, foi esta-
belecido o direito a educação, onde era dever do Estado e da família,
sendo promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. A
Constituição Federal de 1988 também estabeleceu a obrigatoriedade
e o acesso gratuito ao ensino fundamental, com prioridades para a
distribuição de recursos e a responsabilidade dos estados, Distrito
Federal e municípios para criar mecanismos de financiamento do ensino.
O Fundef foi instituído pela Emenda Constitucional de 1996,
sendo responsável pela receita arrecadada e pela redistribuição de
verbas para o ensino fundamental. Seus recursos estavam vincula-
dos em distribuir igualitariamente 15% dos recursos arrecadados ao
ensino fundamental, de acordo com o número de alunos atendidos
em cada rede de ensino e que pelo menos 60% dos recursos utilizados
deveriam ser destinados, pelos governos estaduais e municipais, para
a remuneração dos professores.
O Fundef destinou recursos somente para o ensino fundamental,
já o Fundeb, nosso objeto de pesquisa, prioriza todo o ensino básico.
Este emerge com a finalidade de aumentar os recursos aplicados a
União, estados e municípios, diminuir as desigualdades e melhorar o
salário dos profissionais da educação.
Entretanto, mesmo com o novo Fundeb alguns estados não
conseguem chegar a um valor mínimo por aluno, recebendo com-
plementação do Governo Federal. Além disso, os recursos públicos
também podem ser aplicados às escolas privadas, significando que os
gastos em escolas públicas seriam parte do percentual mínimo.
Através desta pesquisa, percebe-se que apesar de haver muitas
dificuldades enfrentadas pela educação brasileira e os recursos não serem
suficientes, houve uma evolução na educação básica, principalmente
com a universalização da educação infantil e do ensino fundamental.
Com a criação dos fundos, houve previsão de fundos destinados à
educação básica, tendo em vista que o financiamento é considerado
um dos principais instrumentos de democratização das escolas. Os
84
recursos, sobre este prisma, possibilitam a promoção de uma escola
de qualidade e com a participação de todos.
Dessa forma, questiona-se que, embora a aprovação do novo
Fundeb tenha sido efetivamente um grande avanço para a educação
básica, há uma disputa dos recursos pelos setores privados. Este fato é
uma questão que move a luta dos movimentos sociais, institucionais e
grupos de educadores progressistas por recursos que vise a garantia de uma
educação pública e de qualidade enquanto direito subjetivo para todos,
desde as crianças na Educação Infantil aos acadêmicos nas universidades.

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85
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86
ETHOS AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE
NO BAIXO AMAZONAS: A CIRCULARIDADE
DA CULTURA NO MUNICÍPIO DE PARINTINS

Charlene Maria Muniz da Silva24

INTRODUÇÃO

Este trabalho teve como objetivo, compreender as relações entre


rural e urbano e sua relação com o ethos e sustentabilidade, no território
do Zé Açu, no município de Parintins, Amazonas.
O intercâmbio entre os sujeitos e os espaços rurais e urbanos,
acabam por criar e/ou manter as territorialidades, que apresentam
especificidades próprias pautadas pela cultura, habitus e ethos dos grupos
societários. As áreas rurais, ao mesmo tempo que interagem e trocam
informações com a cidade, possuem especificidades próprias que são
mantidas e que, por sua vez, dependendo da situação podem ser também
transformadas. E hoje, com o advento da modernidade, esses processos
ficam cada vez mais dinâmicos e se estendem as mais diversas localida-
des no Amazonas e mais especificamente no município de Parintins.
Neste capítulo apresentamos como, apesar das transformações
pelas quais o Zé Açu vem passando, tanto nos aspectos socioculturais
como em sua paisagem natural, a presença dos aspectos rurais ainda
permeia a vida e o cotidiano de grande parte dos ribeirinhos do Zé Açu.
A importância de viver o e no lugar, também será aqui eviden-
ciada por meio das entrevistas dos moradores antigos. Onde perce-
be-se de forma mais clara as ambiguidades, contradições e intera-
ções da relação rural e urbano.

24
Doutora em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia (UFAM). Professora adjunta
(UEA). CV: http://lattes.cnpq.br/5664221021042412
87
Essa perspectiva vem a convergir com o pensamento de Saquet,
em que ele afirma “a territorialidade é compreendida como relações
sociais, econômicas, culturais e políticas realizadas nas famílias, na
vizinhança, na comunidade e entre a cidade e o campo” (SAQUET,
2011, p. 15-16), essas relações se efetivam por meio de redes de comu-
nicação e circulação. Ou seja, a territorialidade corresponde ao espaço
vivido e as relações sociais de alteridade e exterioridade cotidianas.

AS COMPLEMENTARIDADES ENTRE RURAL E


URBANO NO TERRITÓRIO DO ZÉ AÇÚ

A circularidade da cultura pode ocorrer de várias formas e pelos


mais diversos instrumentos. As sociedades rurais sempre mantiveram
ligações com o urbano. Seja nas idas para a cidade para a venda de seus
produtos, comprar as mercadorias de que necessitam, seja para visitar
parentes que moram na cidade, participar de festas ou se consultar com
o médico. Durante muito tempo essas relações se baseavam em apenas o
necessário, aquilo que eles não conseguiam obter em suas comunidades.
Agora com a chegada da energia elétrica em muitas comunidades
rurais, em grande parte pelo programa “Luz para todos” do Governo
Federal, essas pessoas também passaram a adquirir outros equipamen-
tos que não eram frequentes há alguns anos, como a TV, geladeira,
aparelho DVD, máquina de lavar roupas, entre outros.
Essa condição, de certa forma, intensifica cada vez mais a relação
com a cidade, pois o estilo de vida vai também se adaptando e passando
a criar necessidades que antes não existiam. Assistir um programa de
televisão, um filme no DVD, a novela, assistir ao jornal que apresenta
as notícias locais e do mundo; escutar o seu cantor favorito ou a sua
banda favorita no aparelho de som; não precisar mais se preocupar
com certas atividades que antes eram cotidianas como, por exemplo:
apanhar todos os dias água à margem do rio ou lago para beber ou
fazer refeições. Os banhos no lago agora ocorrem somente por diversão,
pois há banheiros dentro das casas.
88
Certa racionalidade que vai se moldando a partir da chegada
desse aparato de instrumentos que visam a facilitar a vida de seus
usuários. Evidenciamos assim que as comunidades pertencentes ao
território do Zé Açu, no município de Parintins/AM, assim como,
em muitas outras, estão conectadas de alguma forma com a moderni-
dade, onde muitas combinações do moderno e do tradicional podem
ser encontradas nesses cenários sociais concretos. Ou seja, algumas
tradições vão se perdendo por completo como afirma Giddens (1991),
porém ela não é imutável e acaba se adaptando a certas situações do
presente, como ele já havia explanado.
Nas culturas tradicionais, o passado é honrado e os
símbolos valorizados porque contêm e perpetuam a
experiência de gerações. A tradição é um modo de
integrar a monitoração da ação com a organização
tempo-espacial da comunidade. Ela é uma maneira
de lidar com o tempo e o espaço, que insere qualquer
atividade ou experiência particular dentro da conti-
nuidade do passado, presente e futuro, sendo estes por
sua vez estruturados por práticas sociais recorrentes.
A tradição não é inteiramente estática, porque ela tem
que ser reinventada a cada nova geração conforme esta
assume sua herança cultural dos precedentes. A tradição
não só resiste à mudança como pertence a um contexto
no qual há, separados, poucos marcadores temporais e
espaciais em cujos termos a mudança pode ter alguma
forma significativa. (GIDDENS, 1991, p. 38).

Os ribeirinhos do Zé Açu, estão em constante contato


com o urbano, seja de forma direta, com a ida e vinda constante,
entrando em contato com as representações da modernidade, seja
de forma indireta, por meio dos meios de comunicação, que também
trazem as informações para eles.
Como demonstração dessa permanente troca de informações
entre o rural e o urbano, na Figura 01 podemos observar um docu-
mento da década de 1970 pertencente ao um ribeirinho do Zé Açu,
89
o senhor João. Demostra uma operação financeira feita por ele com
uma loja da cidade de Parintins na compra de um brinquedo para sua
filha, naquela época com cinco anos.

Figura 01- Nota promissória da dec. 70 assinada por um ribeirinho do Zé Açu

A Figura 1 mostra que as comunidades rurais sempre manti-


veram esse contato com a cidade, seja por meio de trocas financeiras,
seja pelo fluxo de informações obtidas pelos meios de comunicação.
Na Figura 2 podemos ver os principais meios de como eles se
mantêm informados dos acontecimentos.

90
Figura 02- Como os ribeirinhos do Zé Açu se mantém informados.

Fonte: Trabalho de campo, 2013.

Constatamos então nos resultados expostos a importância da


televisão e do rádio na vida desses ribeirinhos, que tem nesses meios
a forma de se manter conectado ao mundo e receber dele as infor-
mações que, pela concepção de Giddens (1991), são reconfiguradas e
adquirem caracterização própria. Importante frisar que isso não acaba
com as tradições, mas que, de alguma forma, a influência pode suscitar
alterações na vida cotidiana dessas pessoas.
Nas comunidades do Zé Açu identificamos as principais
motivações de ida tanto para a cidade como para as outras comu-
nidades, ou seja, como ocorre o fluxo de pessoas e os motivos e
frequências de seu deslocamento.
Por meio da aplicação de formulários identificamos os principais
motivos de ida para a cidade, e entre eles estão: venda de produtos
agrícolas, comprar alimentos e vestuário, comprar remédios, comprar
insumos agrícolas, atendimento médico, receber benefícios sociais,
visitar parentes e amigos, passeio e entretenimento.
Observamos que no quesito Venda de produtos há uma diferença
grande entre aqueles que consideram pouco importante (26) e os
que consideram essencial (16). Isso demonstra a queda da impor-
tância dessa atividade econômica primária para esta área, sendo que a
maioria dos que ainda possuem roça utilizam a mesma somente para
91
abastecer a casa, principalmente com a farinha derivada da mandioca.
Porém, há aqueles que ainda consideram essencial ir à cidade ven-
der seus produtos agrícolas, esses são aqueles moradores que ainda
tiram da agricultura a sua renda principal e, portanto, precisam ir à
cidade fazer a comercialização.
As comunidades não têm lojas de roupas e calçados ainda,
pois a proximidade com a cidade de Parintins faz com que a maio-
ria dos moradores compre nesta cidade seu vestuário e alimentos.
Apesar de ter mercearias que vendem gêneros alimentícios, os mora-
dores explicam que muitas vezes o valor cobrado pelos produtos é
mais elevado que da cidade, assim como, a variedade é menor, por
isso a preferência por comprar lá.
Como ainda não há farmácias, eles compram remédios somente
na cidade. Apesar de haver um posto de saúde, muitas pessoas con-
sideram ir à cidade para atendimento médico muito importante e
essencial. Isso ocorre porque o posto tem algumas restrições quanto
a oferta de certos serviços, principalmente para casos de doenças mais
complexas e que necessitam de atendimento especializado.
Para esses moradores, a maior necessidade de ir à cidade recai
sobre receber seus benefícios sociais como Bolsa Família, aposentado-
ria e pensão. Uma das grandes reivindicações é para que o município
possa instalar na comunidade central do Zé Açu (Bom Socorro) um
posto dos correios que possua o serviço de banco postal, desta forma
os moradores poderiam retirar seus benefícios sem ter que se deslocar
à cidade, principalmente os mais idosos que afirmam não ter mais dis-
posição para fazer viagens de barco, mesmo sendo uma viagem de curta
duração. Muitas vezes esses idosos precisam passar uma procuração
para que seus filhos ou netos possam retirar seus benefícios na cidade.
Verificamos que visitar parentes e amigos, assim como, passeio
e entretenimento, obtiveram pontuação elevada no nível de pouco
importante, mas, apesar disso, há também pontuação significativa
no nível de importante e muito importante, o que apresenta certo
92
equilíbrio e demonstra um fluxo grande de pessoas vão à cidade não
necessariamente para realizar atividades vinculadas à sua reprodução
material de vida. Vão à cidade para manter e reforçar a sociabilidade
com seus parentes e amigos que moram lá, assim como, participar
das festas, evidenciando ainda mais o processo de circularidade da
cultura, por meio da troca de informações, ideias e costumes que,
posteriormente, acabam por trazer e reproduzir nas comunidades
rurais, principalmente os grupos dos mais jovens.
Refletindo mais sobre como esse processo atua de forma mais
incisiva sobre certos elementos culturais, procuramos inferir como
essa circularidade pode afetar os hábitos alimentares desses moradores
do Zé Açu, acompanhamos durante uma semana o cardápio de duas
famílias que moram na comunidade do Bom Socorro. Os resultados
deste acompanhamento podem ser vistos nos Quadros 1.0

Quadro 01: Tabela de Alimentação do morador A * Nesse dia não teve

MORADORA(A): Maria Judecy Lima de Souza


DIAS DA CAFÉ DA
ALMOÇO LANCHE JANTA
SEMANA MANHÃ
Frango gui-
Domingo Café, pão e sado com arroz Salsicha, ovo e
Café com cará
05/01/2014 manteiga. e macarrão/ arroz
farinha

Segunda Café, pão e Peixe cozido


Ovo frito com
m a n t e i g a + - no tucupi com Café com cará
06/01/2014 macarrão
cará. farinha

Terça Café, pão e Guisado de


m a n t e i g a + - carne somente ____________* Sopa de carne
07/01/2014 cará. com farinha
Guisado de
Quarta Café, pão e c a r n e c o m Guisado de
____________*
08/01/2014 manteiga. mac arr ão e carne
farinha

93
Quinta Frango f rito
Café, pão e Suco de
com macarrão, Sopa de frango
09/01/2014 manteiga. maracujá
arroz e farinha

Sexta Pe i xe f r i t o
Café com Café com
com arro z/ Peixe cozido
10/01/2014 pupunha pupunha
farinha
Sábado Pe i xe f r i t o
Café com Café c o m Ovo frito com
com arro z/
11/01/2014 pupunha pupunha calabresa
farinha
Fonte: Trabalho de campo, 2014.

O que observamos é a presença constante de alimentos que, em


outras épocas, não faziam parte da dieta das populações da área rural,
como o frango congelado, salsichas e calabresas, que são alimentos
industrializados que contêm vários tipos de conservantes e, no caso
do frango congelado, os hormônios que são prejudiciais à saúde. Mas,
apesar dessa presença dos industrializados, ainda consta na alimen-
tação dessas famílias os alimentos que são típicos da dieta cabocla
ribeirinha, como o peixe, a carne de caça, o cará, pupunha, o beijú de
tapioca, entre outros. Isso evidencia que, apesar de consumirem pro-
dutos já processados, os mesmos mantêm alguns habitus alimentares
de antes, porém de forma mais reduzida.
Essa preocupação referente à segurança alimentar e à depen-
dência cada vez maior de produtos artificiais foi alvo de estudos de
Santos (2012), em que a mesma fez investigação sobre a alimentação
no município de Parintins, identificando as diferenças entre o tipo de
alimentação das famílias da zona urbana e da zona rural (as famílias
que moram nas áreas de várzea), os resultados confirmam que na cidade
as pessoas vêm consumindo cada vez mais produtos industrializados,
principalmente frango congelado e refrigerantes, e a diminuição do pes-
cado na alimentação. Já as famílias de várzea ainda consomem bastante
o peixe e dão preferência aos produtos regionais em sua alimentação.

94
Porém, essa característica das famílias de várzea estudada pela
autora com as famílias de terra firme, que foram alvo desta pesquisa,
é distinta, com estas dando preferência aos produtos industrializados.
Na concepção da autora isso incorre em vários proble-
mas. Entre eles estabelece-se um quadro de insegurança alimen-
tar, como nas palavras da mesma:
O acesso a esses alimentos industrializados é facilitado,
sobretudo, pelos auxílios governamentais (bolsa família,
aposentadoria, pensões, etc.) como já demonstrado
acima. O consumo de produtos industrializados reforça
um padrão insustentável da alimentação com sérios
problemas à saúde como a obesidade. À primeira vista se
pensa ser uma escolha livre de cada cidadão, significando
apenas comer o que se bem entende, não importando a
opinião de outrem. É a própria liberdade da pessoa que
está sendo violentada. Uma escolha alimentar não é ape-
nas ausência de restrições. As escolhas são substantivas,
pois supõem a presença de condições objetivas, sociais
e materiais com base nas quais os indivíduos levariam
adiante seus projetos pessoais e ampliar seu leque de
escolhas para uma vida digna e valiosa. (SEN, 2010).
Isto significa que as pessoas, muitas vezes, não têm real
escolha dos seus alimentos consumidos. Um exemplo
disso, em Parintins, é a geração mais jovem, com acesso a
TV, recebendo mensagens de propagandas de alimentos
pouco saudáveis e influenciando nas preferências de suas
famílias. Isto explica, de certa maneira, a presença de
refrigerantes nas casas de muitos agricultores familiares
da várzea e terra-firme, principalmente aquelas que
tinham muitos jovens como membros. Essas famílias
não podem dizer que realmente tiveram a livre escolha
para decidir consumir aquele alimento. (SANTOS,
2012, p. 157).

Para a autora, a alimentação ecológica é a mais indicada, alimen-


tação esta que os ribeirinhos tinham e que, em alguns lugares, princi-
95
palmente nas áreas de várzea, ainda têm. No qual existe um equilíbrio,
onde os mesmos podem retirar da terra, das florestas e das águas quase
tudo o que consomem para sua alimentação, ou seja, não precisam
depender exclusivamente do mercado para conseguir sua alimentação
diária. Além disso, sua renda não fica quase toda comprometida com a
compra de alimentos, podendo desta forma adquirir outros produtos
que a unidade familiar não produz, mas que são necessários. A autora
traduz muito bem esses modos de vida ribeirinho.
Os grupos amazônicos rurais traduzem, em seu coti-
diano, um estilo de vida econômico e ambientalmente
sustentável pela cultura tradicional de suas roças, da
caça, e da pesca expressos, sobretudo por seus hábitos
alimentares sadios que acompanham o fluxo das águas,
dos frutos e dos animais. É uma alimentação sustentável
com segurança alimentar porque têm autonomia de
produção e consumo. (SANTOS, 2012, p. 185).

Percebemos, então, que parte dessa cultura alimentar ribeirinha


está se perdendo, esta que é importante para o equilíbrio de uma ali-
mentação saudável. Essa troca, essa circularidade entre campo e cidade
também pode acarretar aspectos negativos a vida dos ribeirinhos do
Zé Açu, fazendo com que os mesmos, ao longo dos anos, percam
essa identidade cultural traduzida por meio dos hábitos alimentares.
Acreditamos que essa questão deve ser trabalhada com mais cuidado,
principalmente entre os mais jovens que são os principais agentes de
introdução das mudanças socioculturais.
As manifestações folclóricas também se caracterizam como
uma forma de circulação da cultura. No Zé Açu, existem festas
folclóricas realizadas todos os anos e que possuem muitas seme-
lhanças com as festas da cidade de Parintins, um exemplo é a festa
das quadrilhas rurais do Zé Açu.
Ela acontece na comunidade do Paraíso todos os anos, desde 2001.
Foi uma iniciativa dos moradores com o objetivo de unir as comunidades
96
pertencentes ao Zé Açu para manter a identidade cultural e suas tradi-
ções. Em 2014 ocorreu o XIII Festival de Quadrilhas Rurais do Zé Açu.
Nesse dia as quadrilhas das comunidades se reúnem e disputam
para ver quem é a melhor. A comunidade se enfeita toda com bandei-
rolas de todas as cores e tamanhos; a quadra onde ocorre a disputa é
reformada e pintada. Durante o dia, antes da festa, tem o torneio de
futebol, sendo a atração principal os times das comunidades do Zé
Açu e também da cidade de Parintins que se enfrentam em partidas
animadas e cheia de rivalidade.
À noite as atrações principais são as quadrilhas, sempre muito
animadas com suas coreografias bem ensaiadas, todos dançam com
muita dedicação. O animador vai narrando as coreografias que as
quadrilhas têm que executar, em uma delas é narrado a lenda da
cobra grande que vive no fundo do lago do Zé Açu. Nesse momento,
a quadrilha vai imitando os movimentos de uma cobra balançando
pra lá e pra cá; logo em seguida o animador fala sobre a roça, o
puxirum e sobre a pesca no lago, nesse momento a quadrilha imita
os movimentos de colocar a mandioca na peneira e remar a canoa.
Percebe-se que as coreografias transmitem as vivências e os habitus
locais, próprios da vida rural no Zé Açu.
Participando da festa tem muitos moradores das mais diversas
comunidades do Zé Açu (Bom Socorro, N. S. de Nazaré, N. S. das
Graças, Boa Esperança, Santa Fé, Santa Maria de Vila Amazônia),
estão todos reunidos ao redor da quadra, animados, torcendo por sua
comunidade sendo que a presença dos jovens é mais intensa.
Como nas palavras de dona E.P., 45 anos, uma das idealiza-
doras desta festa, “As quadrilhas representam a nossa cultura, pautadas
nas raízes rurais zé açuense”.
Podemos então observar uma manifestação cultural que, assim
como a religiosa, reforça a identificação territorial rural do Zé Açu. Rogé-
rio Haesbaert discorre sobre essa relação da identidade com o território.

97
A identidade social é também uma identidade territorial
quando o referente simbólico central para a construção
dessa identidade parte do ou transpassa o território.
Território que pode ser percebido e suas múltiplas
perspectivas, desde aquela de uma paisagem como coti-
diano, ‘vivido’, que ‘simboliza’ uma comunidade, até um
recorte geográfico mais amplo e, em tese, mais abstrato
como o Estado-nação. (HAESBAERT, 2013, p. 238).

Essa assertiva vem ao encontro dos depoimentos dos moradores


em relação à sua identidade como ribeirinho morador do Zé Açu,
coletados pelo Projeto da Nova Cartografia Social (2007).
“Nós, já vimos que ser ribeirinho, essa palavra, ribeirinho,
ela já vem de muito tempo, aí muitas vez eu vejo assim
que ela num é esclarecida. Muitas vezes nós mesmos como
ribeirinho não sabemos o que é um ribeirinho. Pra mim
hoje eu nem sei, é um paradigma, então esse paradigma
pra mim tá em torno de que, do meu relacionamento, da
minha cultura, do dia-dia, da minha bandeira de luta,
assim, por exemplo, a questão da minha vivência na minha
comunidade ou no cotidiano. Então eu vejo que, questão
cultural, então eu tenho que mostrar aqui que eu tenho
mesmo, por exemplo, na nossa comunidade, não adianta
querer copiar da cidade, nós temos o boi, temo o boizinho,
temo a pastorinha, temo quadrilha, isso é importante pra
nós, a nossa identidade como ribeirinho.[...] Então, hoje pra
nós eu já tenho uma noção de que ser ribeirinho é ser um
homem, ter identidade própria de ribeirinho, que mora na
área rural, que trabalha na área rural, tem sua identidade
como homem trabalhador rural, pra mim é tudo isso ser
ribeirinho [...] (Arthur José Coelho).

Essa fala traduz a compreensão desse ribeirinho sobre sua iden-


tidade coletiva, sobre o que vem a ser um ribeirinho que mora, vive e
convive em seu ambiente, seja ele natural ou cultural, são suas ativida-
des cotidianas que o fazem singular, seu trabalho na terra e nas águas,
seu conhecimento da natureza, suas crenças em seres encantados, sua
98
religiosidade. O modus vivendi do ribeirinho que convive tanto com
aspectos tradicionais como também com o moderno, pois o mesmo
estabelece relações com a cidade e o urbano por meio da circulari-
dade da cultura, mas ao mesmo tempo conserva suas características
rurais, seus habitus que foram herdados de seus avós e pais e que
também repassa a filhos e netos.
Finalizamos este relato sobre o Zé Açu apresentando uma poesia
feita por um morador antigo desta comunidade, conhecido como seu
Juk Camarão. Um senhor de idade avançada, magro, de cabelos bran-
cos e que caminha com o auxílio de uma bengala. Todas as vezes que
íamos à comunidade de Bom Socorro, no final da tarde, aquele senhor
de aparência frágil estava sempre sentado em um banco na frente de
sua casa a contemplar o lago25. Um dia, resolvemos ir lá puxar uma
“prosa” com este senhor, que nos recebeu com sorrisos e muita simpatia.
Ao falar que estávamos a realizar uma pesquisa acadêmica sobre
o Zé Açu, ele na mesma hora recitou uma poesia e então descobrimos
que ele fazia poesias sobre o Zé Açu, o que aguçou nossa curiosidade.
Dissemos que gostaríamos de ler algumas de suas poesias, e neste
mesmo instante, num caminhar lento e com a ajuda de sua bengala que
parece sustentá-lo mais até que as suas próprias pernas, estas já bem
frágeis, ele entra em sua casa e logo em seguida retorna com uma pasta
de capa preta na qual estão guardadas as suas poesias sobre o Zé Açu,
ele a coloca em minhas mãos dizendo: “Podes ler quantas você quiser”.
Ao revirar as páginas daquela pasta preta e ler as poesias que ali
estavam, descobrimos uma infinidade de manifestações de amor e de
gratidão ao Zé Açu, que até mesmo nas entrevistas com outros sujeitos
da pesquisa não tínhamos visto de forma tão intensa. Algo curioso é
que naquela mesma pasta também estavam guardadas as lembranças
que seu Juk tinha de sua mocidade, entre estas uma carta de amor
que ele recebeu de sua esposa, que naquela época era sua namorada.
Não lemos a carta, até porque não poderíamos ler algo tão íntimo que
25
Sua casa fica logo na frente da comunidade, tendo assim uma vista privilegiada da paisagem do lago do Zé Açu.
99
pertence a outra pessoa e que o mesmo não nos autorizou a ler. Mas
nos intrigou ele guardar por tantos anos aquele pedaço de papel, já
amarelado do tempo, junto com suas poesias.
Por fim, escolhemos duas poesias que, com certo receio e espe-
rando até mesmo uma resposta negativa, pedimos autorização para
apresentar neste trabalho. Para nossa surpresa, o mesmo, com seu
sorriso caraterístico, disse de forma tão natural “Podes levar!”.

Quadro 02: Poesia escrita por um ribeirinho do Zé Açu.

Fonte: Trabalho de campo, 2014.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ligação com o território, mediado pela dimensão do lugar,


está presente nessas palavras, que representa a topofilia do ribeirinho
com o território do Zé Açu. A territorialidade, manifestada pelo uso
o território, permeia toda a vida dessas pessoas que têm no equilíbrio
com o ambiente fator fundamental para sua (re)produção sociocultural.

100
Considerando os aspectos identificados e analisados sobre a
circularidade da cultura, habitus e ethos ambiental dos ribeirinhos do
Zé Açu, afirmamos que este território rural apresenta, por meio de suas
territorialidades, uma forte interligação entre os ribeirinhos-ambiente
e cultura, pautada principalmente por suas atividades na agricultura,
pesca, religiosidade e festas folclóricas.
Essas territorialidades estão seriamente ameaçadas pelas constan-
tes pressões sobre os recursos ambientais engendradas por agentes eco-
nômicos externos, que degradam os recursos hídricos e florestais, amea-
çando diretamente a sustentabilidade socioambiental deste território.
Portanto, este trabalho abordou a importância de pensar o ter-
ritório e as territorialidades do ponto de vista da sustentabilidade. A
relação direta existente entre o habitus e o ethos ambiental dos grupos
societários tradicionais e a forma como organizam os espaços. Tam-
bém fez a abordagem da circularidade da cultura como processo que
faz a mediação entre o urbano e o rural, que implica em mudanças
e permanências nesses lugares.
A compreensão das dimensões socioculturais dos sujeitos que
dão vida e dinamicidade ao território é uma questão chave nas reflexões
sobre a sustentabilidade dos sistemas sociais e ambientais. Somente por
meio do conhecimento profundo das concepções de vida e ambiente
dos grupos societário que vivem nesses territórios rurais (seus reais
interesses e necessidades) é possível compor um quadro analítico
capaz de auxiliar nas políticas de gestão dos territórios que venham a
contemplar a qualidade de vida paras essas pessoas.

REFERÊNCIAS
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora UNESP, 1991.
HAESBAERT, Rogério. Identidades Territoriais. In: CORREA, Roberto Lobato; ROSEN-
DAHL, Zeny. Geografia Cultural: uma antologia, v. II. Rio de Janeiro; EdUERJ, 2013.

101
PROJETO NOVA CARTOGRAFIA SOCIAL DA AMAZÔNIA. Movimentos sociais,
identidade coletiva e conflitos. Fascículo 16 – Ribeirinhos da região do Zé Açu em defesa
de sua história e da natureza. Manaus, junho 2007.
SANTOS, Alem Silvia Marinho dos. Segurança alimentar no ritmo das águas: mudanças
na produção e consumo de alimentos e seus impactos ecológicos em Parintins, AM. 2012.
240 f. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável-Pós-Graduação do Centro de
Desenvolvimento Sustentável. Universidade de Brasília, Brasília), 2012.
SAQUET, Marcos Aurélio. Por uma geografia das territorialidades e das temporalidades:
uma concepção multidimensional voltada para a concepção e para o desenvolvimento
territorial. 1. ed. São Paulo: Outras Expressões, 2011.

102
A IMPORTÂNCIA DAS ONGS AMBIENTAIS
NO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
BRASILEIRO

Lisandro Fin Nishi26

INTRODUÇÃO

A questão ambiental tem ganhado cada vez mais espaço nas


preocupações mundiais, em razão de fatos alarmantes como os tra-
zidos por Bradshaw et al (2021), em que nos últimos 500 anos, mais
de 20% da biodiversidade foi perdida. Mais preocupante é a afirma-
ção de Ceballos et al (2015), ao considerar que estamos em curso a
um evento de extinção em massa.
Não se pode negar a existência de problemas relativos à qualidade
de vida e ao meio ambiente. Daly e Farley (2004, p. 37) lembram que
“A Revolução Industrial provocou um impacto profundo na economia,
na sociedade e no ecossistema global”, em função da dependência do
uso de combustíveis fósseis e demais recursos não renováveis, como
água, metais, minerais e combustíveis fósseis. Mudanças climáti-
cas extremas também vêm ocorrendo como consequência da ação
humana, como diz Peixer (2019, p. 31): “As mudanças climáticas
são um problema global com graves implicações ambientais, sociais,
econômicas, distributivas e políticas, constituindo atualmente um dos
principais desafios para a humanidade”.
Pelo exposto, nota-se a urgência de educar os cidadãos para a
Sustentabilidade, ou seja, conscientizar os cidadãos quanto à necessidade
de construir-se um mundo melhor, não somente para o presente, mas

Doutor em Direito (UFSC). Docente do Departamento de Ciências Econômicas (UDESC).


26

CV: http://lattes.cnpq.br/8194138641688371
103
para o futuro, o que pode ser efetuado por intermédio das Organiza-
ções Não Governamentais (ONGs).
O trabalho tem como objetivo contextualizar a importância
do Terceiro Setor, mais precisamente, de ONGs ambientais, para o
Desenvolvimento Sustentável. A pesquisa é de caráter exploratório.

POLÍTICA AMBIENTAL E TERCEIRO SETOR

De forma expressa, a Constituição da República Federativa do


Brasil de 1988 (CRFB/88) trouxe a questão ambiental no art. 170:
A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios: [...] VI –
defesa do meio ambiente, inclusive mediante trata-
mento diferenciado conforme o impacto ambiental dos
produtos e serviços e de seus processos de elaboração
e prestação; (BRASIL, 1988)

Todavia, antes já se percebia preocupação Constitucional com


o meio ambiente, de acordo com Medeiros (2020, p. 137): “No Brasil,
as constituições que precedem a atual Carta da República sempre
se referiram ao meio ambiente de forma diluída e mesmo casual,
referindo-se a alguns elementos do meio ambiente como a água, a
pesca, a caça, os minérios etc”.
O art. 225, por sua vez, assim dispõe: “Todos têm direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder
público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações”.
Não resta dúvida, logo, acerca da preocupação Consti-
tucional com a defesa do meio ambiente, consoante pensa-
mento de Medeiros (2020, p. 135):

104
Atualmente o meio ambiente encontra proteção jurídica
na Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, nos chamados direitos de terceira geração, onde a
Carta da República estabelece que todos tem direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo este
um bem de uso comum e essencial à sadia qualidade
de vida, impondo, ainda, ao Poder Público, o dever de
protegê-lo e de preservá-lo.

Embora se percebam problemas na execução da proteção


ambiental no Brasil, talvez por falta de recursos, Medeiros (2020,
p. 139) entende que, em termos Constitucionais, o Brasil possui um
texto avançado: “Observa-se, portanto, que a Constituição de 1988
deu ao Brasil uma boa estrutura constitucional de proteção ao meio
ambiente, sendo certamente uma das mais avançadas do mundo em
termos de proteção ambiental.”
Na legislação infraconstitucional, entendem Massignam e Sil-
veira (2017, p. 123) que “Como consequência da orientação traçada
pelo Constituinte, a legislação infraconstitucional consagrou essa
proteção em diversas leis, tais como o Código Florestal, a Lei sobre a
Política Nacional de Meio Ambiente, entre outras”. Não se pode dizer,
infelizmente, que existe uma efetiva proteção ambiental, condizente
com o nível avançado de nossa legislação, a qual, inclusive, demonstra
afinidade para com o tema do Desenvolvimento Sustentável, o qual
difere de mero crescimento econômico.
Para Daly e Farley (2004, p. 33), “Crescimento é um aumento
quantitativo em dimensão, ou um aumento em produção”, enquanto
“Desenvolvimento é o aumento em qualidade de bens e serviços, tal
como definidos na sua capacidade de aumentar o bem-estar humano,
proporcionado por uma determinada produção”. Já o conceito de
desenvolvimento sustentável surgiu no chamado “Relatório Bruntland”
(WCED, 1987), nos seguintes termos: “o desenvolvimento que atende
às necessidades do presente sem comprometer a habilidade das futu-
ras gerações satisfazerem suas necessidades”, tratando-se de conceito
105
cuja ótica é de longo prazo, mas que tem demonstrado pouca eficácia
para coibir a destruição do meio ambiente. Em Peixer (2019, p. 273)
encontra-se a explicação que segue
A noção de desenvolvimento sustentável tem implícito
um compromisso de solidariedade com as gerações
do futuro, no sentido de assegurar a transmissão do
“patrimônio” capaz de satisfazer as suas necessidades,
já que os recursos naturais são esgotáveis.” Segundo a
lógica do Princípio da Eficiência Econômico Social,
constante em Gonçalves e Stelzer (2014), o uso dos
recursos naturais deve ser de forma economicamente
eficiente, sim, mas responsável e sustentável, garantin-
do-se a geração de riqueza e de emprego, sem que para
isso o caminho seja o da destruição.

Porém, percebe-se que se dá pouco valor, hoje, para o meio


ambiente futuro, o que explica a baixa adesão da sociedade em
geral nessa proteção. A lógica é que as pessoas, em geral, preferem
usufruir dos recursos naturais no presente, pois o futuro é incerto.
Domingues (2010, p. 134) pondera:
Optar pela preservação dos recursos ambientais para as
futuras gerações seria admitir um custo em benefício
da coletividade cujo retorno para aquele que se dispõe
a fazê-lo é quase nulo, sobretudo porque este benefício
alcançará apenas o limite das duas próximas gerações,
com sorte três. Fica evidente que a execução de medidas
com esta finalidade é impulsionada fundamentalmente
por uma carga ética voluntária, em contrapeso às van-
tagens puramente materiais.

Por essa razão, entende-se que há uma necessidade de conciliar


interesses diversos, de forma a não mais permitir-se a busca pelo cres-
cimento econômico sem a devida proteção ambiental. Acompanha-se
o pensamento de Gonçalves, Stelzer e Bonmann (2015, p. 194): “O
que se está ressaltando trata da estipulação de um ponto eficiente de
106
regulamentação que, protegendo o patrimônio ambiental, não obsta-
culize o desenvolvimento econômico”. Sabe-se que tal conciliação não
é tarefa fácil, não só em razão dos diversos interesses que se encontram
em jogo, mas, também, em razão de que a preocupação com o meio
ambiente ainda é bastante recente.
Em termos práticos, a proteção ambiental pode ser efetuada por
meio de Políticas Ambientais do tipo Comando e Controle ou por
instrumentos Econômicos, os quais, conforme se extrai em Pinto et
al (2015, p. 227), frequentemente não são, via de regra, “amigáveis”.
A questão é complexa, como explica Silva (2018, p. 228):
Diante da grande dificuldade em se obter a reparação
ambiental pretendida, especialmente após a ocorrência
do dano, tendo em vista as próprias características do
meio ambiente e dos níveis de degradação por ele sofri-
dos, considera-se que o incentivo de comportamentos
ecologicamente favoráveis, através de normas premiais
que antecipem ou possam evitar a ocorrência de danos
ambientais, seja o modo mais eficaz de intervenção
estatal quando o assunto é a manutenção do meio
ambiente equilibrado.

Evidencia-se que, embora exista a necessidade da presença do


Estado para garantir o bem-estar, a História mostra que o entendi-
mento entre governo e iniciativa privada, unindo-se em prol do bem
comum e do meio ambiente, é o caminho que deve ser considerado.
O que se quer dizer, é que o Estado e o mercado não têm sido,
isoladamente, suficientes para resolver problemas ambientais. Por
consequência, entende-se que não se pode contar apenas com instru-
mentos que se valem do poder coercitivo do Estado, tampouco somente
de instrumentos de mercado, sem contar com a imprescindível ação
precaucional, ao invés de agir sempre após o surgimento dos proble-
mas, o que torna imperativo o investimento em educação ambiental.

107
Com razão, “A necessidade de ir além das regras de mercado
tem sido muito discutida recentemente no contexto da proteção do
meio ambiente” (SEN, 2010, p. 342). Por outro lado, Tesserolli e Klein
(2016, p. 19), argumentam: “O avanço da ação regulatória do Estado
gerou críticas profundas nos economistas que desconfiavam da sua
eficiência ou inevitabilidade.”
Embora a regulação seja de grande valia, Nicolaisen, Dean e
Hoeller (1991, p. 21) entendem que não se pode afirmar que um ins-
trumento pode ser considerado melhor ou superior no que diz respeito
a políticas ambientais; porém, os regimes de regulação parecem sofrer
com complexidades e distorções que envolvem perdas de eficiência.
Justamente em razão da insuficiência reconhecida dos instrumentos
Econômicos e de Comando e Controle para proteção ambiental, é
que se verifica a relevância das ONGs ambientais.

PROTEÇÃO AMBIENTAL VIA ONGs NO BRASIL

Os conceitos de ONG e Terceiro Setor não estão completa-


mente definidos, podendo-se encontrar diversos entendimentos na
literatura. Segundo Paes (2001, p. 68):
Podemos, assim, conceituar o Terceiro Setor como o
conjunto de organismos, organizações ou instituições
dotados de autonomia e administração própria que
apresentam como função e objetivo principal atuar
voluntariamente junto à sociedade civil visando ao seu
aperfeiçoamento.

Também Paes (2001, p. 69) entende que ONG são


componentes do Terceiro Setor:
Em termos de Direito brasileiro, configuram-se como
organizações do Terceiro Setor, ou ONG – Organi-
zações Não-Governamentais, as entidades de inte-
resse social sem fins lucrativos, como as associações,
as sociedades e as fundações de direito privado, com
108
autonomia e administração própria, cujo objetivo é o
atendimento de alguma necessidade social ou a defesa
de direitos difusos e emergentes.

A expressão “Terceiro Setor” vem sendo utilizada com múltiplos


e diferentes significados, abrangendo projetos e programas sociais,
formas tradicionais de ajuda mútua como creches e asilos, empresas
que praticam e investem em filantropia, até todo o conjunto de ONGs.
É o entendimento de Paes (2001, p. 69):
É importante explicar que o Terceiro Setor tem uma
grande abrangência não só na sua forma de atuação,
como com relação às entidades ou organizações sociais
que o constituem, não havendo, ainda, no Âmbito do
ordenamento jurídico brasileiro, uma definição exata
em lei do que seja esse setor, de que se compõe e em
que áreas atua.

Diversos agentes privados que agem para fins públicos são


passíveis de serem enquadrados no conceito de Terceiro Setor, tais
como Associações Civis, Organizações da Sociedade Civil de Inte-
resse Público, Institutos, Entidades beneficentes, e as conhecidas
como ONGs, desde que suas atividades não possuam fins lucrativos.
São, pois, diversas as categorias de entidades que desempenham um
papel de suma importância social e ambiental, consoante pensamento
constante em Merege e Barbosa (2001, p. 179):
Neste contexto, é fundamental que os governantes e
todos os que se preocupam com os interesses de longo
prazo da sociedade brasileira compreendam a importân-
cia do fortalecimento do terceiro setor e da sociedade
civil como um todo - por motivos econômicos, sociais,
ambientais, políticos e culturais. Por motivos ainda
mais essenciais, o desenvolvimento do terceiro setor é
tanto necessário quanto imprescindível se quisermos
fortalecer e institucionalizar valores fundamentais como
ética, solidariedade, responsabilidade social, capacidade

109
de iniciativa, autogestão e exercício da cidadania na
sociedade brasileira. Pois um terceiro setor vigoroso,
constituído por uma vasta rede de cidadãos dedicados
ao bem-estar de sua comunidade – em todas as esferas
da vida – é indicador fundamental do grau de civilização
alcançado por um povo e de sua aptidão par a vencer os
desafios impostos pela existência ao longo da História

Não foi por acaso que tais instituições têm crescido em rele-
vância. Em Estigara, Pereira e Lewis (2009, p. 5-8) se lê um resumo
dos fatos que desembocaram no crescimento do Terceiro Setor. Para
eles, o Estado Liberal que perdurou no Século XVIII até meados de
1930 caracterizava-se pela ausência de intervenção na economia, bus-
cando resguardar o mínimo em educação, saúde, justiça, patrimônio,
segurança pública, direitos civis e políticos. Entretanto, em razão da
insatisfação social com sua realidade individualista, abstencionista e
neutra, cedeu espaço ao Estado Social.
Mais tarde, a crise do Estado Social culminou em ascensão das
ideias Neoliberais nas décadas de 70 e 80 do Século XX, propondo-se
a redução do tamanho do Estado e cortes nos gastos sociais, gerando
espaço para que se iniciasse o discurso da Responsabilidade Social, a
fim de atender áreas carentes de atenção pelo chamado Estado Mínimo.
Inicia-se o compartilhamento de responsabilidades, inclusive em função
da complexidade dos problemas sociais e ambientais da atualidade.
As Instituições do Terceiro Setor, então, mostram-se como parceiras
do Estado na melhoria das condições de vida, atuando em diversas
áreas como saúde, educação, cultura e meio ambiente.
Ressaltam-se diversas considerações favoráveis acerca da exis-
tência de instituições do Terceiro Setor:
Os serviços oferecidos pelas organizações não-lucrati-
vas estão sempre numa escala muito menor do que os
prestados pelas instituições públicas, o que facilitaria
sobremaneira seu gerenciamento; como a atuação das
organizações desse tipo está estreitamente vinculada a
110
uma comunidade e/ou grupo de indivíduos, sofre, por
parte desses, pelo menos em Tese, um certo controle.
Esse controle comunitário assegura, de certa forma,
a qualidade do serviço, pois o usuário do serviço tem
acesso facilitado à instituição, podendo reivindicar
melhorias com maior eficácia. Parte-se do pressuposto
de que os consumidores não são suficientemente equi-
pados de instrumentos e informações para julgar a
qualidade dos serviços oferecidos. Se esses são ofere-
cidos por organizações do terceiro setor, a comunidade
terá um serviço de qualidade igual ou melhor do que
o oferecido pelas empresas privadas e a preços mais
acessíveis ou até mesmo gratuitos; o serviço ou bem
público produzido por essas organizações geralmente
tem um custo mais baixo do que aquele produzido
pelo mercado ou pelo setor público, fazendo com que a
relação custo/benefício seja positiva. Um dos fatores do
barateamento de custos decorre exatamente das isenções
fiscais (MEREGE E BARBOSA, 2001, p. 130).

O fato é que tanto países com maior grau de liberdade econô-


mica, como nos em que há maior intervenção econômica, apresentam
em algum grau, problemas ambientais e sociais. Sem dúvida, a falta
de recursos é, de fato, uma variável que explica a incapacidade de
eliminar-se definitivamente todos os problemas socioambientais, prin-
cipalmente em um país como o Brasil, onde o orçamento do Estado
é limitado frente às necessidades. Logo, percebe-se que dificilmente,
será possível avançar em soluções, sem contar com o engajamento do
Terceiro Setor, posto que o compromisso com o bem-estar social, e
ambiental, deve ser de todos. De acordo com Paes (2001, p. 69):
Só recentemente começou-se reconhecer a importância
desse setor no âmbito da sociedade e da economia
contemporâneas pela sua capacidade de mobilização
de recursos humanos e materiais para o atendimento
de importantes demandas sociais que, frequentemente,
o Estado não tem condições de atender; pela sua capa-
111
cidade de geração de empregos (principalmente nas
sociedades mais desenvolvidas, onde os investimentos
sociais são bem maiores); e pelo aspecto qualitativo,
caracterizado pelo idealismo de suas atividades –
enquanto participação democrática, exercício e cida-
dania e responsabilidade social.

Para Tenório (2006), as ONG caracterizam-se por serem orga-


nizações sem fins lucrativos e autônomas, não possuem vínculo com o
Governo e voltam-se para o atendimento das necessidades da socie-
dade, complementando sua ação. Possibilitam mudanças estruturais
da sociedade, e sua sobrevivência independe dos mecanismos de
mercado ou existência de lucro.
Segundo o IBGE (2019, p. 26), no Brasil, o número de Insti-
tuições sem Fins Lucrativos (em 2016) era de 526.841, sendo que seu
subconjunto, o de Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucra-
tivos (Fasfil), compreendia cerca de 236.950 entidades, representando,
as Fasfil, 4,3% do total de unidades locais das organizações públicas
e privadas, lucrativas e não lucrativas, ativas no País (5,5 milhões).
Informação interessante, a respeito das Fasfil, é que o salário médio
supera em 15,7% aos salários pagos por entidades empresariais.
Em relação à localização, a maior parte encontra-se no Sudeste
(48,3%), seguido pela região Sul, com 22,2%. São relativamente novas,
pois 29,5% foram criadas no período de 2001 a 2010, e 19,4%, de 2011
a 2016, correspondendo a 48,9% do total. A taxa média de crescimento,
de 2011 a 2016 foi de 3,2%, representando 45,7 mil novas entidades.
No tocante ao porte, cada Fasfil possuía em média 9,8 pessoas
assalariadas por entidade, em 2016, embora haja grande variação por
região e por área de atuação. Ressalta-se, ainda, a predominância de
pequenas entidades entre as Fasfil, com 64,5% delas (152,9 mil) sem
nenhum empregado formalizado, o que pode ser explicado devido à forte
presença de trabalho voluntário e da prestação de serviços autônomos.

112
Vale a pena ressaltar que entre 2010 e 2016 o número de Fasfil
apresentou retração na ordem de 16,5%, embora o pessoal assalariado
ocupado tenha crescido 3,5%, com criação de 238,5 mil postos no período.
Ao dividir segundo a área a qual se dedicam, percebe-se grandes
diferenças, conforme a Tabela 1 a seguir:

Tabela 1 - Participação das Fasfil (por área)


ÁREA PARTICIPAÇÃO (%)
Religião 35,1
Cultura e recreação 13,6
Desenvolvimento e defesa de direitos 12,8
Associações patronais e profissionais 12,2
Assistência social 10,2
Educação e pesquisa 6,7
Saúde 2,0
Meio ambiente e proteção animal 0,7
Habitação 0,1
Outras não especificadas anteriormente 6,7
Fonte: adaptado de IBGE (2019, p. 31)

O grupo “Meio ambiente e proteção animal” inclui as associações


de defesa do meio ambiente, ecológicas, e de proteção da natureza;
as atividades dos hospitais veterinários para tratamento cirúrgico e
odontológico; a assistência veterinária em estabelecimentos agrope-
cuários, domicílios e consultórios; o diagnóstico clínico-patológico
em animais; os serviços de vacinação em animais; o serviços de este-
rilização em animais; e as atividades de jardins botânicos, zoológicos,
parques nacionais e reservas ecológicas; e atividades de ambulâncias
para animais (IBGE, 2019, p. 92).
Nota-se que a preocupação com o meio ambiente detém parti-
cipação destas instituições inferior a 1%, o que se conforma em uma
importante justificativa para ampliar a quantidade de ONGs ambientais
no Brasil. O IBGE (2019, p. 31) lembra que o tema ambiental, por sua
transversalidade, pode ser tratado pelas diversas entidades. Contudo,
113
os números a respeito de Entidades sem Fins Lucrativos, no Brasil,
são imprecisos (MEREGE E BARBOSA, 2001, p. 109).
Para atender a estas demandas socioambientais, a sociedade
entendeu que se faz necessária a articulação mais complexa dos agen-
tes sociais, e a intervenção da sociedade civil organizada, inclusive na
forma de ONG, começou a se estruturar. A regulação ambiental deve
conter uma efetiva participação de ONG, assim como da sociedade,
do setor público, do setor privado e demais instituições preocupadas e
afetadas pela implementação da legislação (MORAES, 2009, p. 195).
Importante questão diz respeito à necessidade de mudanças e
de atitudes dos cidadãos a respeito de seu envolvimento com o meio
ambiente. Deve-se primar pelo zelo e cuidado com o lugar em que
se vive. Isso significa não pensar apenas em soluções de curto prazo,
mas sim de forma a se garantir o Desenvolvimento Sustentável; nesse
sentido, as ONGs ambientais são peças-chave.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o crescimento dos problemas ambientais e o reconhe-


cimento de que nem Estados mais liberais, nem os mais interven-
cionistas tem obtido êxito para solucioná-los, o Terceiro Setor, mais
precisamente as ONGs passaram a obter mais espaço, aliando-se
aos instrumentos de Política Ambiental tradicionais, de Comando e
Controle, e os Instrumentos Econômicos.
Essas organizações possuem relevante papel não somente
para agir com Projetos Ambientais, atuando diretamente sobre os
locais pertinentes, mas também com vista a conscientizar a popu-
lação, em visão de longo prazo, formando cidadãos conscientes de
que a preservação do Planeta é dever de todos, não somente para
o momento presente, mas também para o futuro, pensando em um
Desenvolvimento Sustentável, que concilie crescimento econômico
com os devidos cuidados ambientais.

114
Entretanto, no Brasil, nota-se que as ONGs ambientais são
percentualmente pouco expressivas, sendo esse percentual inferior
a 1%, o que pode ser explicado pela dificuldade, por vezes, de se dar
publicidade aos resultados de ações ambientais; pela demora em se
atingir resultados, e pelo fato de que questões como o cuidado a ido-
sos e a crianças possuírem maior apelo emocional, o que demonstra a
urgência de se melhorar as condições para a implantação e manutenção
de ONGs ambientais no Brasil, bem como de ampliar seu quantitativo.

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116
A REGULARIZAÇÃO SANITÁRIA APLICADA
À AGRICULTURA FAMILIAR

Deborah Santesso Bonnas27


Roberta Torres de Melo28
Micaela Guidotti Takeuchi29
Talita Costa e Silva Brito30

INTRODUÇÃO

O aumento dos valores nutricionais dos produtos alimentícios


tem sido orientado conforme as tendências de consumo. De maneira
crescente e constante, o mercado consumidor tem estabelecido novos
paradigmas que geram uma forte demanda e novos conceitos relacio-
nados com menor quantidade de ingredientes, menor processamento,
proximidade de origem, além de alimentos mais ricos em nutrientes. A
agricultura familiar, agroindústria rural de pequeno porte e microem-
preendedores, assume um papel de destaque na produção de alimentos
e na prestação de serviços (MINAS GERAIS, 2014) e se consolida
pelo fortalecimento dos vínculos familiares, tradição e cultura regional
e uma exploração agrícola agroecológica (SANTOS et al., 2014).
Além disso, a agricultura familiar estende seu conceito para papéis
importantes no meio rural relacionadas a questões econômicas, sociais,
culturais e ambientais, como: elemento de promoção da segurança
alimentar e nutricional, de qualidade de vida, de redução da pobreza,
de inclusão socioprodutiva, de socialização e identidade de famílias e
comunidades. Dessa forma, configurando-se como um sistema produ-
tivo mais sustentável que promove a autonomia na propriedade rural e
27
Doutora em Ciências dos Alimentos (UFLA). Docente titular (IFTM).
CV: http://lattes.cnpq.br/4880832449286143
28
Doutora em Ciências Veterinárias (UFU). Docente adjunto (UFU).
CV: http://lattes.cnpq.br/0323436895336036
29
Doutoranda em Ciências Veterinárias (UFU). CV: http://lattes.cnpq.br/4324359443468669
30
Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos (IFTM). CV: http://lattes.cnpq.br/0096610745661922
117
de reprodução da unidade familiar, além de gerar o desenvolvimento
da sociedade local e territorial e promover melhorias na qualidade de
vida dos indivíduos (FIORESE; PLEIN, 2017).
A grande procura dessa classe de alimentos pelos consumidores
é notória (MÜLLER, 2016). Sendo assim, o grande desafio é criar
uma cultura organizacional que oriente para o mercado formal, pois
faltam empreendimentos habilitados pelos órgãos governamentais
de fiscalização sanitária (DELGADO & BERGAMASCO, 2017) e
que permitam um processo de aprendizagem constante, criando valor
superior para os clientes e vantagens competitivas sustentáveis para os
negócios (ANTONI; DAMACENA; LEZANA, 2004).
A publicação da Resolução da Secretaria de Estado da Saúde de
Minas Gerais n° 6.362/2018 abriu caminho que favoreceu e impulsio-
nou o desenvolvimento e a regularização deste segmento. A legislação
trata da regulamentação do licenciamento sanitário para a agricultura
familiar (AF) e microempreendedores individuais (MEI) para ativi-
dade de baixo risco na área de alimentos, no âmbito do Estado de
Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2018). Isso possibilitou a inserção
do produto artesanal no mercado formal com valor agregado, padrão
de qualidade e segurança sanitária, gerando resultados de competiti-
vidade comercial com fomento as tradições e cultura local, ganhos na
renda familiar e estímulo para o desenvolvimento econômico e social
da região (BRITO; SANTANA; ALMEIDA, 2019).
De maneira integrada, as empresas e clientes se unem ao lançar
novos produtos para satisfazer as necessidades do público-alvo. Em
paralelo, as companhias permitem melhorias em seus processos para
o desenvolvimento de seus projetos (ALLIPRANDINI et al., 2006).
Dessa forma, a valorização da agricultura familiar e o reconhecimento
de seu potencial dinamizador das economias locais é o ponto principal
de discussão e que representa no Brasil 77% dos estabelecimentos
agropecuários caracterizados como agricultura familiar (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2017). Este
118
total representa aproximadamente 10,1 milhões de pessoal ocupados
nessa atividade, sendo responsável por 23% do valor da produção agro-
pecuária brasileira. Em relação à produção das atividades agropecuárias,
o Censo mostra que foram de 465,5 bilhões em 2017, sendo 66,2%
relativos à produção vegetal e 33,8% à produção animal (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2017).
Baseado nessa expressividade, políticas públicas e ações governa-
mentais que norteiem as atuações do Estado e as atividades privadas
são primordiais para manutenção e desenvolvimento da agricultura
familiar e de seu potencial como modelos econômico, social e de
produção (SPAT; SUPTITZ, 2015).

INCLUSÃO PRODUTIVA COM SEGURANÇA


SANITÁRIA

O apoio à inserção social e produtiva de agricultores familiares


historicamente excluídos das políticas públicas em detrimento das
grandes unidades agrícolas, tem-se firmado em programas e mar-
cos legais (Quadro 1) que visam contribuir de forma direta para
o processo de regularização dos empreendimentos e inserção dos
produtos alimentícios da agricultura familiar no mercado formal
(SALES; WATANABE; GIANEZINI, 2015).
A formalização da atividade produtiva gera uma série de vanta-
gens aos trabalhadores que buscam o autoemprego como a possibilidade
de emitir nota fiscal de serviços ou venda de mercadorias, participar
de licitações, pregões e concorrências públicas. Isso favorece o cresci-
mento e a estabilidade do empreendimento, o aumento da credibili-
dade junto aos consumidores e fornecedores, a ampliação do acesso a
crédito junto à instituições financeiras e programas do Estado, o que
pode ser determinante para o empreendimento ter capital de giro ou
investir em infraestrutura, e a possibilidade de fazer os recolhimentos
de impostos e dispor de cobertura previdenciária, uma segurança que é
direito de todo trabalhador. Cabe ressaltar que agricultores familiares,
119
ao formalizarem seu empreendimento, não perdem a cobertura de
segurados especiais da previdência social (AGÊNCIA NACIONAL
DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA, 2013).

Quadro 1 - Marcos importantes para fortalecimento da agricultura familiar e


microempreendedores

Marco Objetivos
Decreto nº 1.946/1996 Fortalecer a capacidade produtiva da agricultura
Pro g r a m a Na c i o n a l d e familiar; contribuir para a geração de emprego e
Fortalecimento da Agricultura renda nas áreas rurais e melhorar a qualidade de
Familiar (PRONAF) vida dos agricultores familiares
Incentivar a agricultura familiar, promovendo a
sua inclusão econômica e social, com fomento à
produção com sustentabilidade, ao processamento
de alimentos e industrialização e à geração de
renda; incentivar o consumo e a valorização dos
alimentos produzidos pela agricultura familiar;
promover o acesso à alimentação, em quanti-
dade, qualidade e regularidade necessárias, das
Lei nº 10.696/2003 pessoas em situação de insegurança alimentar e
Programa de Aquisição de nutricional, sob a perspectiva do direito humano
Alimentos (PAA) à alimentação adequada e saudável; promover
o abastecimento alimentar, que compreende as
compras governamentais de alimentos, incluída
a alimentação escolar; constituir estoques públi-
cos de alimentos produzidos por agricultores
familiares; apoiar a formação de estoques pelas
cooperativas e demais organizações formais da
agricultura familiar; fortalecer circuitos locais e
regionais e redes de comercialização
Estabelece os conceitos, princípios e instru-
mentos destinados à formulação das políticas
Lei 11.326/2006
públicas direcionadas à Agricultura Familiar e
Empreendimentos Familiares Rurais
Programa Nacional de Alimentação Escolar
Lei Federal n° 11.947/2009 (PNAE). Estipula que, no mínimo, trinta por
e da Resolução nº 38/Fundo cento (30%) do total destes recursos sejam desti-
Nacional de Desenvolvimento nados à compra de alimentos, preferencialmente
da Educação (FNDE) orgânicos, produzidos pela Agricultura Familiar,
local, regional ou nacional
120
Três eixos de atuação: 1. Garantia de renda, para
alívio imediato da situação de extrema pobreza;
Decreto n° 7.492/ 2011 2. Acesso a serviços públicos, para melhorar as
condições de educação, saúde e cidadania das
Plano Brasil Sem Miséria famílias; 3. Inclusão produtiva, para aumentar
(PBSM) as capacidades e as oportunidades de trabalho e
geração de renda entre as famílias mais pobres
do campo e das cidades
Auxiliar na erradicação da pobreza extrema no
Brasil, por meio da geração de trabalho, emprego,
Resolução da Diretoria
renda e inclusão social, no que tange à atuação
Colegiada RDC nº 49/2013
do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária
(SNVS).
Decreto nº 9.064 de 31 de maio Formulação da Política Nacional da Agricultura
de 2017 Familiar e empreendimento familiares rurais
Ações de vigilância sanitária relacionadas a esta-
Resolução da Diretoria
belecimento, produtos e serviços de baixo risco
Colegiada RDC n° 207/2018
sanitário

O cumprimento das normas sanitárias está intrinsicamente


relacionado a avaliação de fatores sociais, culturais e históricos, de
modo que os encaminhamentos dados pela vigilância sanitária sejam
associados à avaliação de risco sanitário, aliados aos interesses da
coletividade, que inclui tanto a geração de renda aos MEI quanto o
consumo seguro à população. Resumidamente, o propósito é simplificar
os procedimentos de regularização sanitária, assim como estimular
uma mudança de paradigma na atuação da vigilância sanitária, de
maneira que o agente de fiscalização atue como facilitador do desen-
volvimento local (ANVISA, 2013).
Em contrapartida, a vigilância procura minimizar os riscos sani-
tários aos quais a população está exposta, por meio da divulgação de
informações e estabelecimento de métodos de vigilância, que possam
além de regulamentar, contribuir para a melhoria da qualidade dos
produtos e serviços relacionados à agricultura familiar (AGÊNCIA
NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA, 2013).

121
De maneira prática, podem ser conciliadas iniciativas entre as
superintendências regionais de saúde com ações voltadas para o núcleo
de vigilância sanitária e sua interação com os microempreendedores
individuais. O exemplo cabe ao determinado no Estado de Minas
Gerais, no município de Uberlândia, que criou a Lei Municipal nº
12.905/ 2018, a qual promoveu a habilitação sanitária de estabe-
lecimento agroindustrial rural de pequeno porte no Município de
Uberlândia (UBERLÂNDIA, 2019), possibilitando que a Vigilância
Sanitária municipal tivesse autonomia normativa nas práticas voltadas
à AF, que anteriormente eram realizadas em caráter complementar
pela Vigilância Sanitária Estadual da Regional de Uberlândia.
Essa colaboração pode ser estendida a outros órgãos e ins-
tituições como Universidades, órgãos responsáveis pela execução
das políticas públicas de defesa sanitária animal e vegetal, como o
Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), SEBRAE e cooperati-
vas (DELGADO & BERGAMASCO, 2017).
As ações visam dar suporte prático aos microempreendedo-
res de maneira que eventos como capacitações, reuniões técnicas e
treinamentos reúnam um planejamento de atuação e alinhamento
estratégico. Isso favorece a habilitação sanitária do Agricultor Fami-
liar assim como a formulação de documentos para subsidiar ações
padronizadas e alinhadas de cada instituição parceira, por meio de
treinamento dos fiscais para moldar um perfil de conduta adequado,
pautados nas Políticas Públicas de Inclusão Produtiva.
Dentre as documentações, a elaboração de modelos de Layout
de Infraestrutura física dos ambientes mínimos necessários para uma
agroindústria de interesse sanitário, conforme normas sanitárias vigentes
auxiliam os MEI nas adequações. Em paralelo, a elaboração de Proce-
dimentos Operacionais Padronizados de orientação para habilitação
sanitária de estabelecimentos de Baixo Risco de Alimentos fornece
informações mais detalhadas de todo o processo de habilitação sani-
tária, incluindo modelo de documentos para todas as ações, contato
122
dos parceiros, fluxo sistematizado de processos de trabalho, bem como
das referências normativas (BRITO; SANTANA; ALMEIDA, 2019).
Devido a dinâmica normativa, do cenário econômico e social e
das novas demandas de saúde pública, as ações de vigilância sanitária
voltadas para promoção da saúde constituem ações permanentes.
Neste âmbito, a publicação de resoluções, como a Resolução SES/
MG N° 7.800/2021 (MINAS GERAIS, 2021), aprovada pela Deli-
beração CIB-SUS/MG Nº 3.579/2021 (MINAS GERAIS, 2021),
que instituiu o Projeto de Integração das Ações de Vigilância em
Saúde para Agricultura Familiar (PRO AGRI SAÚDE), no âmbito
do estado de Minas Gerais (Figura 1), constituem-se como ferramenta
de harmonização entre os objetivos planejados e a execução objetiva.

Figura 1 - PRO AGRI SAÚDE - Municípios das Unidades regionais de Saúde


em Minas Gerais: Diamantina, Januária, Montes Claros, Pedra Azul, Pirapora e
Teófilo Otoni (MINAS GERAIS, 2021).

As ações voltadas para o desenvolvimento da AF e MEI em


regionais de saúde de Minas Gerais, aliada a iniciativas da Diretoria
de Vigilância de Alimentos da Superintendência de Vigilância Sani-
123
tária Estadual, são exemplos de integração que demonstraram grande
relevância neste contexto e colaboraram para o desenvolvimento de
estratégias de inclusão produtiva para todo o estado de Minas Gerais
(BRITO; SANTANA; ALMEIDA, 2019).
Como exemplificado, as ações referentes ao PRO AGRI
SAÚDE, permitem o estabelecimento de indicadores com objetivo
de fortalecer as ações estratégicas de vigilância em saúde e de desen-
volvimento regional integral e sustentável dos agricultores fami-
liares e municípios beneficiados.
Portanto, projetos desta natureza representam um avanço nos
sistemas organizados e estruturados para acompanhar as transfor-
mações sociais conforme tendência econômica e comportamental
do consumidor, passível de revisões e atualizações contínuas, além
de desenvolvimento de novas estratégias para intervir na prevenção
de riscos para a saúde da população, com princípios balizadores no
diagnóstico situacional para tomada de decisão baseadas em evidências
e proporcionais à realidade local.

SISTEMA DE GESTÃO DA QUALIDADE NAS


UNIDADES DO SISTEMA NACIONAL DE VIGILÂNCIA
SANITÁRIA

Como maneira de fortalecer a integração das ações no Sistema


Nacional de Vigilância Sanitária, no ano de 2020, a ANVISA publi-
cou o guia para Implantação da Gestão da Qualidade nas Unidades
do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, endossando o desen-
volvimento de sistemas operacionais padronizados e ferramentas
da qualidade nos processos de trabalho e nas ações de regularização
sanitária (TORRES et al., 2021).
De maneira sistematizada, a ANVISA oferece assessoramento
técnico para harmonização das ações executadas por estados e muni-
cípios, de maneira a obter a padronização da atuação sobre produtos
e serviços que estão sujeitos a vigilância sanitária. Também exige o
124
estabelecimento da RDC 207/2018 (BRASIL, 2018) que estabelece
a inserção do sistema de gestão da qualidade como requisito de estru-
turação e descentralização de ações críticas de vigilância entre estados
e municípios. Além disso, insere o Brasil na agenda de regulamentos
internacionais, que consiste em estabelecer acordos e convenções entre
países para reconhecimento mútuo das autoridades regulatórias afim de
estabelecer trocas comerciais e cooperação técnica (TORRES, 2021).
Como estratégia inovadora, o projeto colaborativo denomi-
nado “Qualificação da Gestão das Ações Estratégicas de Vigilância
Sanitária no SNVS – IntegraVisa II”, desenvolvido pela Anvisa em
parceria com o Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC), no âmbito
do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema
Único de Saúde (Proadi-SUS) (BRASIL, 2018), contribui para a
qualificação da ação regulatória, procura trabalhar o desenvolvimento
de capacidades e competências do corpo técnico e gerencial das Uni-
dades do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) no tema
“Gestão da Qualidade”, e, por conseguinte, fortalecer as instituições
para o cumprimento dos requisitos estruturantes preconizados pela
Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 207/2018, favorecendo
a organização das ações de vigilância sanitária exercidas por União,
estados, Distrito Federal e municípios (BRASIL, 2018).
O detalhamento das tarefas a serem executadas no processo de
orientação da habilitação sanitária do AF e MEI, de forma padroni-
zada e sistematizada, seguindo o passo a passo de regulamentações
e procedimentos operacionais padronizados, atende aos requisitos
mínimos do SGQ, além de demonstrar pioneirismo na construção
dos processos finalísticos das atividades de vigilância sanitária. Dessa
forma, o percurso da regularização sanitária do AF e MEI tende a ser
mais ágil com atuação mais precisa e segura por parte das equipes de
vigilância sanitária municipais.

125
CONSIDERAÇÕES

O reconhecimento da importância da agricultura familiar e do


produtor rural no cenário da alimentação no Brasil tem passado por
profundas mudanças, agregando ao seu valor cultural uma consideração
socioeconômica, materializada por parte do Estado, na implementação
de políticas específicas e de regularização que ampliam as oportunidades
e fortalecem o setor. Esforços que venham romper barreiras na trilha
da regularização dos pequenos produtores, com desburocratização da
legislação sanitária, voltada primordialmente para menores escalas de
produção e orientação para manutenção de um padrão de qualidade
podem ser firmadas em importantes parcerias e estratégias contínuas
para ampliar a divulgação das novas diretrizes normativas simplificadas
que amparam as ações de vigilância sanitária voltadas para o MEI e
AF no percurso do licenciamento e inserção no mercado formal.
Nesse entendimento, avaliações contínuas da evolução de ações
realizadas pela vigilância sanitária permitem manter o fortalecimento
deste setor de acordo com a realidade situacional de cada município.

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130
CONDIÇÕES DE SANEAMENTO BÁSICO
NO MUNICÍPIO DE DIAMANTE DO SUL,
PARANÁ, BRASIL

Taiane Aparecida Ribeiro Nepomoceno31


Natalia do Vale Gnoatto32

INTRODUÇÃO

O saneamento básico é um direito assegurado pela constituição


e definido pela Lei nº. 11.445/2007. O termo básico remete ao fato de
que qualquer país considerado desenvolvido deve oferecer esses serviços
para a população, considerando que saneamento básico envolve serviços
de acesso à água potável, à coleta e ao tratamento dos esgotos (GAR-
CIA; FERREIRA, 2017) independentemente de quaisquer condições.
Em dados registrados em 2018, os mais afetados pela falta de
saneamento básico são os habitantes da zona rural e grupos marginali-
zados pela sociedade, como indígenas, quilombolas e residentes das peri-
ferias urbanas (SANTOS et al., 2018). Essa população que reside em
localidades com déficit de recursos acaba por ficar expostos ao descaso
dos governantes e consequentemente a uma condição de vida precária.
O saneamento básico é um conjunto de serviços garantido por
lei, a falta que esses serviços fazem para a população vai além da qua-
lidade de vida e implica em questões reais de saúde pública
[...] independente da região em que more e da condição
social, as habitações e o entorno devem disponibilizar
de serviços básicos de saneamento que mantenham a
salubridade ambiental, a fim de prevenir o surgimento

31
Doutoranda em Desenvolvimento Rural Sustentável (UNIOESTE). Pesquisadora em Desenvolvimento
Rural Sustentável (UNIOESTE). CV: http://lattes.cnpq.br/6280862106042614
32
Acadêmica de Ciências Biológicas (UNIOESTE). CV: http://lattes.cnpq.br/0485961466086144
131
de doenças junto à população [...]. (SANTOS et al.,
2018, p. 241)

O foco principal deste capítulo é o município de Diamante do


Sul, no oeste do Paraná, com uma população estimada pelo IBGE
(2021) de 3.400 habitantes e uma área geográfica de 359,945 km², em
sua maioria considerada área rural. O perfil do município se encaixa
no padrão de municípios com saneamento básico, abastecimento
de água e coleta seletiva executados de forma precária ou que apre-
sentam déficit. Este capítulo visa a análise de dados em relação a
saneamento e abastecimento de água.
Existe no estado do Paraná a obrigatoriedade de todos os muni-
cípios apresentarem um Plano Municipal de Saneamento Básico
(PMSB), desde 2018. Essa normativa exige que as prefeituras muni-
cipais consigam verbas federais para investir em saneamento básico,
esse plano atua com a Lei n°. 11.445/2007 para garantir um sanea-
mento de qualidade para todos os municípios do Paraná. A ideia
é que mesmo os municípios menos favorecidos, consigam oferecer
aos seus habitantes o mínimo de qualidade de vida, a começar pelo
saneamento básico (PEDRO, 2016).
Outros projetos já foram realizados com o intuito de verificar
a eficácia do saneamento básico no Brasil, alguns com enfoque em
estados com maiores déficits de recursos, como o Norte e o Nordeste.
Por exemplo, o estudo de Santos et al. (2018) faz vários apontamen-
tos em relação aos valores de recursos investidos em infraestrutura e
ressalta haver um longo caminho a ser percorrido pelos municípios.
Além desta lacuna, a questão do saneamento básico é um dos
principais pontos a serem considerados em municípios pequenos, como
em Diamante do Sul, onde não há um sistema eficiente de saneamento,
o que pode causar impactos na área ambiental e, consequentemente
em outros setores, como saúde pública.
Nesse sentido, o objetivo deste capítulo foi descrever as dinâmi-
cas das condições de saneamento básico no município de Diamante
132
do Sul, estado do Paraná. Este capítulo está organizado em mais três
seções. Na seção de encaminhamento metodológico apresentamos
os caminhos trilhados para obter os dados da pesquisa. Na seção
de resultados e discussão apresentados os principais achados e sua
relação com outras pesquisas já publicadas na mesma área. Por fim,
apresentamos as considerações finais.

ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO

Esta pesquisa é de caráter exploratório, sobre os aspectos de


saneamento básico do município de Diamante do Sul, no Estado do
Paraná. Este município esta localizado na região Oeste do Estado, sob
as seguintes coordenadas geográficas: 25° 2’ 21’’ S e 52° 41’ 29’’ W. Possui
uma população de aproximadamente 3.510 habitantes, sendo que 2.105
residem na área rural e 1.405 na área urbana. Sua extensão é de 347,168
km² e o principal acesso ocorre pela BR 277, Km 504 (IPARDES, 2021).
O município de Diamante do Sul possui como base econômica
principal a agricultura familiar, sericicultura, fazendas de pecuária
e produção de hortaliças (DIAMANTE DO SUL, 2017). Nesse
contexto, a área urbana possui diversas atividades comerciais, como:
mercados, lojas de roupas, informática, agropecuárias, restaurantes,
lojas de móveis, madeireiras, livrarias e outras (ECONODATA, 2021).
Em vista de suas particularidades, o município foi selecionado
devido ao fato de apresentar apenas 2.5% de domicílios com esgo-
tamento sanitário adequado e ter baixo índice (0,608) de Índice de
Desenvolvimento Humano (IBGE, 2010; IPARDES, 2021).
Portanto, esta pesquisa foi desenvolvida a partir de pesquisa
bibliográfica e documental. Além disso, os dados foram coletados da
base de dados do Departamento de Informática do Sistema Único
de Saúde (DATASUS), utilizando-se as seguintes variáveis por ano
e domicílio: i) abastecimento de água; ii) instalações sanitárias; e, iii)
coleta de resíduos. Vale destacar que neste banco de dados as infor-

133
mações são advindas do Censo demográfico do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatistica (IBGE) de 1991, 2000 e 2010.
Os dados foram obtidos na totalidade, sem distinção entre
área rural ou urbana, no dia 22 de novembro de 2021 e, posterior-
mente, organizados por estatística simples no software excel, resul-
tando na construção de gráficos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Estudos anteriores já buscaram estudar os aspectos de saneamento


básico no Brasil, como por exemplo, o estudo de Santos et al. (2018)
visou analisar questões de saneamento básico que afetam a saúde pública.
Esse estudo em questão mostrou que apesar de haver uma grande uti-
lização de recursos na implementação ou na melhoria do saneamento
básico, ainda não é o suficiente para atender toda a população.
As políticas que visam atender a necessidade da população em
relação ao saneamento básico devem ser geridas pelos governos fede-
rais e estaduais, com o intuito de atingir a maior parte da população.
Quanto mais recursos forem investidos garantindo os direitos básicos,
menos serão gastos no tratamento de doenças causadas em razão de
esgotos á céu aberto ou água contaminada (SANTOS et al., 2018).
No entanto, neste estudo buscamos verificar os aspectos inerentes
no município de Diamante do Sul. Com base nisso, verificou-se para
as três variáveis analisadas a presença de dados apenas dos anos de
2000 e 2010, sendo que para o ano de 1991 não há registros.
Em relação ao abastecimento de água por domicílios em Dia-
mante do Sul, constatou-se que no ano de 2000 cerca de 344 domicílios
apresentavam canalização em pelo menos um cômodo, advinda de
poço ou nascente. Outro destaque foi que 221 domicílios possuíam
água canalizada em pelo menos um cômodo, mas advinda da rede geral
de abastecimento. E, além disso, verificou-se que 222 domicílios não

134
possuíam água canalizada, mas que o abastecimento era feito a partir
de poço artesiano ou nascente.
Por outro lado, em 2010 o cenário foi diferente. Nesse caso, 538
domicílios não apresentaram informação de canalização, mas a água de
abastecimento era advinda de poço ou nascente e outros 409 domicílios
também foram caracterizados como: sem informação de canalização
(rede geral). Neste censo, 108 domicílios afirmaram obter água de poço
ou nascente de fora da propriedade, conforme se verifica no Gráfico 1.

Gráfico 1. Abastecimento de água por domicílio segundo o ano do censo, no mu-


nicípio de Diamante do Sul, Paraná.

Fonte: elaborado com dados coletados no DATASUS, 2021.

A água é crucial para a existência de qualquer tipo de vida, em


especial para a vida humana, ela está presente em todas as atividades
que realizamos ao longo da nossa vida. Por isso, ela “[…] é essencial à
manutenção da vida, devendo estar disponível em quantidade e qualidade
suficiente para atender as comunidades [...]” (GARCIA; MORENO;
135
FERNANDES, 2015, p. 248), inclusive essa consideração de trata de
uma questão de justiça, amparada pelo âmbito da garantia de direitos.
A água também é um meio para produzir outros elementos
necessários para a existência humana, como para agricultura e pecuária,
geração de energia, produção industrial e manutenção do meio ambiente
e da fauna e flora (GARCIA; MORENO; FERNANDES, 2015).
Ou seja, ela e mais do que um recurso, mas fonte básica para vida e
manutenção na terra, ecossistemas e em diversas outras atividades.
Quando analisamos os dados sobre instalações sanitárias, veri-
ficamos a fossa rudimentar ocupa lugar de destaque no município,
para os dois períodos. Cabe ressaltar que de 200 para 2010, houve
um crescimento de aproximadamente 63% neste tipo de instalação.
Ademais, outro número que chama a atenção é sobre a quantidade de
domicílios sem instalação sanitária, conforme se verifica no Gráfico 2.

Gráfico 2. Instalações sanitárias por domicílio segundo o ano do censo, no município


de Diamante do Sul, Paraná.

Fonte: elaborado com dados coletados no DATASUS, 2021.

As fossas rudimentares são mais vistas em áreas rurais por serem


popularmente conhecidas e economicamente viáveis, porém, existem
normas para a construção dessas e que muitas vezes não são cumpridas
trazendo riscos tanto para a população como para o solo. De acordo
136
com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2013), o domicí-
lio que apresenta fossas rudimentares ou absorventes, encontra-se em
precariedade ou em déficit de recursos.
Existem chances reais desse tipo de sistema contaminar a área em
que foi construído, os principais impactos ambientais relacionados a esse
tipo de sistema incluem a contaminação do solo e do lençol freático por
patógenos e nitrato (DUARTE; MAGALHÃES; TONETTI; 2019).
Portanto, engloba mais do que uma questão meramente ambiental, mas
diz respeito à saúde dessas populações.
A partir desses apontamentos, entender o processo de destinação
de resíduos também é extremamente importante. Por isso, buscamos
trazer dados sobre a coleta de resíduos. Então, verificou-se que em
relação à coleta por serviços de limpeza houve melhoria, onde um
aumento de cerca de 84% ocorreu de 2000 para 2010. A quantidade
de resíduos enterrados na propriedade apresentou redução de aproxi-
madamente 11%, enquanto a redução de resíduos jogados em terrenos
baldios foi de acerca de 87%, conforme se pode observar no Gráfico 3.

Gráfico 3. Coleta de resíduos por domicílio segundo o ano do censo, no município


de Diamante do Sul, Paraná.

Fonte: elaborado com dados coletados no DATASUS, 2021.


137
O processo de incineração dos resíduos sólidos urbanos vai
contra a Política Nacional de Resíduos sólidos, visto que muitos
resíduos com alto potencial de reciclagem acabam sendo incinerados
e não introduzidos na cadeia do produto novamente (CAMPOS;
COSTA; 2017). Além do fato de que a incineração de resíduos libera
uma grande quantidade de poluentes tanto no ar quanto no solo, que
causa um agravamento do aquecimento global e o aparecimento de
doenças respiratórias na população.
A queima de resíduos sólidos em área urbana está
associada com a falta de conscientização ambiental da
população, onde através dessa queima existe a geração
de gás carbônico, óxido de enxofre, óxidos de nitrogê-
nio, nitrogênio, material particulado, ácidos clorídricos,
fluorídrico, monóxido de carbono, hidrocarbonetos e
outros. (CAMPOS; COSTA; 2017, p. 189)

A coleta seletiva é de extrema importância, tanto para haver o


reaproveitamento de materiais, como plástico, como para diminuir os
impactos na população e no meio ambiente causados pelo descarte
incorreto de resíduos. A realização da coleta seletiva nos municípios é
de responsabilidade do prefeito com apoio do Estado, os municípios
podem contar também com cooperativas e/ou associações de catado-
res de materiais recicláveis, para atuar principalmente no processo de
triagem (BIESEK; WEBBER, 2018).
O município de Diamante do Sul tem potencial para atender
as necessidades da população, resolvendo questões como essas citadas
acima e oferecer para todos qualidade de vida e informação a respeito
dos benefícios e malefícios da infraestrutura utilizada por eles.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O saneamento básico, assim como outros serviços que devem


ser oferecidos pela prefeitura do município, são extremamente impor-
tantes para garantir uma vida de qualidade para os moradores de
138
Diamante do Sul, Paraná. São tão importantes como saúde, moradia,
alimentação e abastecimento de água, garantem qualidade de vida e,
envolve uma questão de saúde pública.
O número de moradores que relatam usarem fossas rudimenta-
res e fazerem a queima de lixo, mostra uma população com déficit de
recursos e de informações. A queima de lixo polui o ar afetando a saúde
dos habitantes, principalmente de crianças e idosos, também afeta o
solo, tendendo a prejudicar nascentes de água e a produção agrícola. As
fossas rudimentares devem ser construídas seguindo um rígido padrão,
caso isso não ocorra, elas também podem afetar a saúde da população.
As políticas públicas necessárias para melhorar esse cenário
precário são de responsabilidade da prefeitura com o apoio financeiro
do governo estadual. Apesar do valor atual investido em políticas de
saneamento, não é um direito garantido a toda a população, mesmo
em municípios pequenos ainda existem comunidades que não pos-
suem acesso aos serviços básicos.
Os esforços políticos são importantes, porém, é preciso que haja
a colaboração da comunidade. Algumas atitudes são entendidas como
hábitos em pequenas cidades. Isso acaba fortalecendo o ciclo que se
mantém ao longo dos anos, fazendo com que a colaboração dos habi-
tantes não seja imediata. Portanto, deve além dos valores investidos em
serviços essenciais o público entenda a importância do saneamento de
qualidade, eficiente e dos riscos que eles estão expostos atualmente.

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140
ARTESANATO E DECOLONIALIDADE:
CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE
CULTURAL E SIMBÓLICA NO
RECÔNCAVO BAIANO

Vaneza Pereira Narciso33


Viviane Pereira Narciso34
Marcos Paulo Sales35

INTRODUÇÃO

Os produtos artesanais buscam personalizar diferenças culturais,


imprimindo sensibilidade e elementos simbólicos como valores agrega-
dos à peça final e, deste modo, se contrapõe ao “produto globalizado”,
geralmente impessoal e feito em escala comercial. O artesanato faz
parte da identidade cultural de uma localidade, representando uma
forma de resistência diante da globalização. Na contemporaneidade,
os processos globalizantes são responsáveis por uma padronização de
costumes e retira a “cor local” das peças produzidas por comunidades
tradicionais (BARRETTO, 2015, p. 97).
Esta reflexão parte da compreensão de que a identidade cultural
é mutável, e assim abrem-se caminhos para o debate sobre como o
artesanato da renda de bilro, produzido no município de Saubara (BA),
no Recôncavo da Bahia, resiste, buscando diálogos produtivos com
as diversas áreas do conhecimento e o equilíbrio nas relações entre a
tradição artesanal e a sociedade contemporânea (HALL, 2006, p. 12).
Cabe destacar que neste diálogo com a contemporaneidade, a oralidade
das artesãs é preponderante a manualidade, pois deixa entrever que

33
Pós-graduanda em Comunicação e Marketing (UNIFACS). CV: http://lattes.cnpq.br/0866223137181475
34
Pós-graduada em Gestão da Qualidade (UNIJORGE).CV: http://lattes.cnpq.br/5796556745893742
35
Doutorando em Mudança Social e Participação Política (ProMuSPP - USP) e do Programa de Pós-
-graduação em Território, Ambiente e Sociedade (PPGTAS - UCSAL). Jornalista.
CV: http://lattes.cnpq.br/1919366602220434
141
suas histórias de vida estão impressas simbolicamente no trabalho
artesanal e que a hibridação cultural faz parte da decolonialidade.
Este texto analisa o saber-fazer artesanal da renda de bilro como
uma herança europeia, que hoje encontra-se em mãos de mulheres
negras do Recôncavo Baiano e que neste processo de hibridação cul-
tural verifica-se uma possível afirmação da identidade de resistência
do artesanato frente aos processos globalizantes.

ARTESANATO E IDENTIDADE CULTURAL

Ao tratar da representatividade do artesanato tradicional, Lemos


(2007, p. 45) aponta que este “remete ao conjunto de artefatos mais
expressivos da cultura de um determinado grupo, representativo de
suas tradições e incorporados à vida cotidiana, sendo parte integrante
e indissociável dos seus usos e costumes”. A produção artesanal se
incorpora às relações familiares e comunitárias, de tal maneira que este
saber é visto como de valor cultural a ser preservado e transmitido por
geração, para a manutenção da memória coletiva (LEMOS, 2007, p. 45).
Alguns autores contribuem para o entendimento conceitual de
identidade cultural e, nesta abordagem, destacamos os trabalhos de
Stuart Hall (2006), Zygmunt Baumann (2005) e Manuel Castells
(2018). Para Hall (2006), um indivíduo possui múltiplas identidades,
acessadas de acordo com as circunstâncias vividas. Em sua obra, ele
menciona, por exemplo, algumas identidades: de classe, étnica, política,
profissional e sexual. Já Baumann (2005) vai afirmar que existe um
processo de identificação destas identidades, que se caracterizam e
propõem ao indivíduo múltiplas experimentações. Hoje, a identidade é
entendida como uma característica relacionada com o papel social que
o sujeito desempenha em sua realidade (BARRETTO, 2015, p. 93-96).
Para o estudo da identidade coletiva, ao transpor o conceito para
estabelecer análises com o artesanato, destaca-se as ideias estabelecidas
por Castells (2018): “A construção de identidades vale-se da maté-
ria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, por instituições
142
produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais,
pelos aparatos de poder e [...] de cunho religioso”. Desta forma, um
ou mais desses elementos podem ser dominantes para a construção
de uma identidade coletiva. Cabe destacar ainda a importância de
significados percebidos pelos indivíduos (CASTELLS, 2018, p. 55).
E qual ameaça sof re o artesanato enquanto elemento
identitário na contemporaneidade?
O horizonte mencionado por Rios (1969), percebidos por alguns
estudiosos, era de que “nos albores da industrialização, que a fábrica
acabaria fatalmente por absorver a oficina e o artesanato, típico de
uma era superada pelo capitalismo e pela indústria, passaria a ativi-
dade fóssil e marginal”. No entanto, a partir da crítica feita por Rios
(1969), percebe-se, na atualidade, que o artesanato vem resistindo ao
tempo e aos processos globalizantes, além de reforçar a sua impor-
tância e identidade cultural nos cenários produtivos locais. Também
ganhou novas tipologias: artesanato brasileiro, artesanato indígena,
arte popular e artesanato tradicional.
Neste aspecto, observa-se que o artesanato brasileiro na contem-
poraneidade ganha novo fôlego e passa a valorizar as características de
onde ele é produzido, suas identidades culturais e aspectos simbólicos,
reafirmando, assim, uma resistência frente ao cenário industrial e
globalizante. Sobre este cenário, menciona-se que “[...] o artesanato
tradicional só pode ser produzido enquanto os modos de vida que o
sustentam continuarem a existir, ele é uma importante ferramenta
de resistência cultural e política” e acrescenta que o artesanato per-
mite que outros “grupos tradicionais como quilombolas, ribeirinhos
e indígenas afirmam as singularidades de suas culturas, reivindicando
a importância e o direito de preservar seus conhecimentos, modos de
fazer e de viver” (ARTESOL, 2022).
A identidade cultural da renda de bilro pode ser associada a uma
das definições propostas por Castells: “[...] Identidade de resistência:
criada por atores que se encontram em posições/condições desvalo-
143
rizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação” (CASTELLS,
2018, p. 57). A partir destas contribuições, é possível caracterizar o
artesanato produzido por comunidades tradicionais brasileiras como
um bem-dotado de uma identidade de resistência frente aos desa-
fios impostos pela globalização.
Para sobreviver às intensas mudanças no cenário do consumo cul-
tural, é necessário que as comunidades artesãs, como a de Saubara (BA),
mantenham uma visão estratégica sobre estes processos de construção
da identidade e estejam estruturadas e sólidas para enfrentar as ameaças
a incidir sobre a identidade cultural do saber-fazer da renda de bilro.

CULTURAS HÍBRIDAS E DECOLONIALIDADE

Na obra Culturas Híbridas, Canclini (2001) faz uma abordagem


conceitual sobre o processo de hibridação cultural, no qual o define
como “processos socioculturais nos quais estruturas e práticas discre-
tas, que existiam separadas, se combinam para gerar novas estruturas,
objetos e práticas”. Culturas diferentes passam a conviver juntas e a
formar uma multiculturalidade criativa, como resultados de processos
intencionais ou ocasionais, mas sempre como fruto da criatividade indi-
vidual ou coletiva. Este termo ganhou atenção no final do século XX,
sendo comumente usados para descrever alguns processos, dentre eles, os
interétnicos, decoloniais e globalizantes (CANCLINI, 2001, p. 15 e 16).
O pensamento de Aníbal Quijano reforça a linha argumentativa
deste texto quando este sociólogo expôs que, a Europa, como controla-
dora das diversas e heterogêneas culturas e produção do conhecimento,
manteve submissa a subjetividade dos colonizados que, por repressão,
a definiram como subcultura dos iletrados. Neste aspecto, chega-se ao
que o autor vai caracterizar como “colonização das perspectivas cog-
nitivas, dos modos de produzir ou outorgar sentido aos resultados da
experiência material ou intersubjetiva, do imaginário, do universo das
relações intersubjetivas do mundo, da cultura em si” (QUIJANO, 2005).

144
Cabe trazer o que foi mencionado por Hall (2006) quando
aborda a homogeneização cultural ao citar Kevins Robins, que se refere
ao capitalismo global como sendo um processo de ocidentalização,
ou seja, “a exportação das mercadorias, dos valores, das prioridades,
das formas de vida ocidentais”, onde o ocidente considera a cultura
do outro como sendo “alienígena” e “exótica” e, assim, “a globalização
torna o encontro entre o centro colonial e a periferia colonizada
imediato e intenso” (HALL, 2006).

O QUE É, ENTÃO, A DECOLONIALIDADE?

Walter Mignolo (2017) pontua que “a decolonialidade significa


primeiro desvincular-se dessa estrutura de conhecimento [criado pelos
colonizadores] para se engajar em uma reconstituição epistêmica”. Ou
seja, é preciso revisitar “os diversos modos de pensar, linguagens, modos
de viver e estar no mundo que a retórica da modernidade desmentiu
e a lógica da colonialidade implementada” (MIGNOLO, 2017).
O estudo sobre culturas híbridas interessa, sobretudo, aos setores
hegemônicos que dominam e determinam o mercado, mas também aos
setores populares que resistem e buscam beneficiar-se da modernidade.
A hibridação coloca em debate a existência de identidades puras e
autênticas, visto que num “mundo tão fluidamente interconectado, as
sedimentações identitárias organizadas em conjuntos históricos mais
ou menos estáveis (etnias, nações, classes) se reestruturam em meio
aos conjuntos interétnicos, transclassistas e transnacionais” (CAN-
CLINI, 2001, p. 18, tradução nossa).
Entende-se, portanto, que a hibridação é um conceito que vai
além da mestiçagem biológica, pois no campo das ciências sociais,
abarca uma dimensão cultural e envolve combinações identitárias.
Em Saubara, há um exemplo de convivência multicultural entre vários
elementos identitários: indígena (artesanato de palha), europeu (renda
de bilro) e afrodescendentes (trabalho manual das artesãs).

145
Para Quijano (2005), “a colonialidade, em outras palavras, é
o lado mais sombrio da modernidade ocidental” e acrescenta que “a
decolonialidade é tanto um fazer analítico quanto um fazer prospectivo:
construindo e reconstruindo os modos de vida que a modernidade
repudiou e destruiu” (MIGNOLO, 2017).
É preciso oportunizar e criar espaços de expressões orais dos
saberes tradicionais, promover a reconstituição epistêmica daqueles que
herdaram a tradição, mas que não puderam, por algum tempo, evocar
sua subjetividade durante o processo de produção. Hoje, representantes
destas comunidades tradicionais podem criar diálogos com as diversas
áreas do conhecimento sem perder a sua identidade cultural.

RENDA DE BILRO

Os registros mais antigos sobre a renda de bilro datam dos séculos


XV e XVI, porém, sem um marco temporal específico. Fortes indícios
apontam que a técnica pode ter surgido entre Portugal e Espanha, por
volta dos séculos XII e XIII (OLIVEIRA, 2014, p. 5). Vera Felippi
(2021) destaca que a técnica foi mencionada pela primeira vez nos
livros de Matio Pagano (1515-1588). Outros registros foram obser-
vados na obra de Mrs. Burry Palisser, em 1869. Já em 1913, Clifford
utiliza a renda de bilro como ilustração (FELIPPI, 2021, p. 28-30).
De acordo com Ramos (1948), existe uma negligência histórica
sobre o artesanato, sendo que quase não existem relatos sobre a ori-
gem deste saber-fazer, “a renda de bilros, entre nós, como, aliás toda
e qualquer forma de artesanato, jamais mereceram a menor proteção
ou orientação oficiais, sendo deixados aos azares da improvisação,
significando abandono quase completo” (RAMOS, 1948, p. 35-36).
Felippi (2021) também complementa sobre a falta de registros
relacionados a origem da técnica “[...] não há como apontar certezas
históricas, pois há muitas possibilidades a serem consideradas, prin-
cipalmente nos primeiros séculos de surgimento das rendas como as

146
conhecemos hoje”. Estes trabalhos evidenciam, assim, as imprecisões
históricas e temporais sobre o artesanato (FELIPPI, 2021).
Diante do exposto até aqui, a respeito do saber-fazer da renda
de bilro e da sua relação com a identidade cultural, converge-se para
o entendimento de que “as rendas, nesse caso, nos proporcionam um
repertório rico para estudo tanto histórico e social quanto técnico e
visual”, como um bem cultural material e imaterial, “carregam traços
de identidade individual [...] e coletiva que transmitem códigos cul-
turais através de características próprias na forma com determinados
indivíduos ou grupos confeccionam pontos de renda ou tipos de
renda” (FELIPPI, 2021, p. 59).
A renda de bilro é um objeto que pode ser analisado a partir de
várias categorias de análises e contextos regionais, resultando em uma
rica e vasta produção de conteúdo, visto que, no Brasil, observamos
a existência de vários polos produtores da renda de bilro. Entre eles,
está o município de Saubara (BA), localizado no Recôncavo Baiano,
a cerca de 120 km da capital (Salvador), que possui pouco mais de 12
mil habitantes e surgiu no ano de 1550 (IBGE, 2022).
Ao segmentarmos a população local por gênero, observa-se
que os homens vivem da pesca; já as mulheres, trabalham na coleta
de mariscos, complementando a renda familiar com a produção e
comercialização do artesanato. Neste município, encontra-se a Asso-
ciação dos Artesãos de Saubara (também conhecida como Casa das
Rendeiras) que possui atualmente 110 associadas, das quais 55 estão
em atividade. Destas, 43 artesãs atuam na produção da renda de bilro
e outras 12 estão dedicadas ao artesanato de palha

147
Ilustração 1 – Mosaico de fotos da Associação dos Artesãos de Saubara: local de
aprendizagem e comercialização da renda de bilro

Fonte: dados da pesquisa (2022)

MÃOS NEGRAS, RENDA BRANCA

É possível estabelecer uma reconstituição epistêmica do modo de


ser, saber e fazer da renda de bilro através da oralidade das artesãs, mas
também nos poucos trabalhos científicos sobre a renda de bilro saubarense.
Na pesquisa “As rendeiras de Saubara - da educação informal à
educação formal: estudo de caso na Associação dos Artesãos”, Tourinho
(2019) mencionou o resultado do trabalho feito pela Associação, con-
duzida pela mestra-artesã Maria do Carmo, ela diz o seguinte: “tendo
ganhado a confiança no mercado e o reconhecimento da comunidade
de outras cidades, e até estados e países”, observou-se a necessidade
de organizar a transmissão deste saber-fazer através de cursos e, deste
modo, “continuar o trabalho artesanal na região, assim não deixando se
perder no esquecimento dos antepassados” (TOURINHO, 2019, p. 17).

148
Na dissertação de Oliveira (2019), com o tema “Mãos que cosem a
memória: as Rendeiras de Saubara-BA e o protagonismo de mulheres negras
no patrimônio”, destaca-se o papel das artesãs na salvaguarda deste
trabalho artesanal. Evidencia-se a construção da identidade cultural do
saber-fazer a partir das expressões orais das rendeiras, o modo como
elas observam o mundo e se relacionam com ele. Representante da
Associação dos Artesãos, Maria do Carmo revela a sua relação mágica
com a renda de bilro ao dizer que “Por isso que chama magia do
Recôncavo, porque é uma magia mesmo a renda de bilro”. Ela também
aborda a questão da independência feminina (algo que não é exercido
pela maioria das rendeiras), conforme trecho em que diz: “eu não aceito
que ninguém mande em mim, nem diga o que eu tenho que fazer. Eu
não sou mulher de pedir, eu sou de avisar” (OLIVEIRA, 2019, p. 71).
Sobre o diálogo das artesãs com outras áreas do conhecimento,
tem-se a parceria das rendeiras com a designer Márcia Ganem, que
desenvolveu pesquisas na comunidade. Como resultado desta proposta,
alcançaram projeção internacional, com apresentação do artesanato da
renda de bilro de Saubara na Europa e nos Estados Unidos.
Cabe mencionar a realização de alguns programas de capacitação
e fomento ao artesanato, que proporcionaram às artesãs uma maior
autonomia sobre a produção, mesmo que outros objetivos não tenham
sido alcançado, conforme avalia Maria do Carmo, representante da
Associação dos Artesãos, quando relata que o maior dos objetivos é que
todas as rendeiras pudessem viver só da renda “porque é um trabalho
que fica em casa, e a mariscagem é um trabalho muito sacrificado [...].
O que eu gostaria que acontecesse aqui é que a gente encontrasse um
mercado que escoasse nossos produtos” (OLIVEIRA, 2019).
A relação das rendeiras com o saber-fazer revela a subjetividade
de cada artesã e cria momentos de distração ou mesmo de desenvolvi-
mento intelectual. Na fala de dona Doralina Cruz, a mais antiga das
rendeiras, ela menciona: “eu ainda coso porque eu gosto de coser a renda,
tanto é que não tem outra coisa que me distrai. O pensamento tá ali, aí
149
distrai”. Tal sentimento é compartilhado por Maria Antônia Passos:
“Não me vejo sem minha renda. Às vezes quando não tem encomenda eu
vou lá, ‘Maria me dê qualquer coisa aí’” (OLIVEIRA, 2019, p. 71).
Acerca da transmissão do saber, valorizam-se os ensinamentos
dos antepassados. Torna-se motivo de orgulho ter aprendido a rendar
com uma tia, mãe ou avó, conforme a fala de Ednalva Menezes: “eu
amo essa profissão, amo mesmo, já gosto [...]. É fazer.. que gente tá... às
vezes distrai a mente da gente ói, vai jogando os birros ói”. Estabelece-se
um vínculo familiar que ultrapassa a correlação sanguínea e torna-se
uma relação comunitária do saber-fazer, incluindo outras atividades
como a mariscagem, segundo Doralina Cruz: “Eu comecei menina, não
lembro a idade não. Todo mundo fazia, minhas tias, tudo era rendeira.
Naquela época não tinha outra coisa pra fazer. Aí fazia renda. Mariscava
e fazia renda” (OLIVEIRA, 2019).
Comumente, as rendeiras brasileiras utilizam o termo “birro” em
substituição a palavra de origem europeia, “bilro”. Segundo o autor do
livro Ômi Rendero (2009), o termo birro “não recebeu nenhum reco-
nhecimento da parte da camada intelectual” e justifica esta situação ao
fato de que “as rendeiras sendo na sua imensa maioria mulheres que
muito frequentemente não sabiam quase ler, e que por consequência
não tinham voz” (RENDERO, 2009).
Ainda que, historicamente, a origem da renda seja vista como uma
herança europeia, o que as artesãs destacam e se orgulham é o processo
de construção da identidade transmitida por seus familiares, como
vemos dito por Lidiane Silva: “Aí aos nove anos eu já sabia fazer a renda,
[...] E minhas primas todas elas fazem renda, aprendeu com minha vó tam-
bém”, e acrescenta: “é uma tradição milenar passada de geração em geração
desde os portugueses até aqui. É um fato histórico, uma tradição histórica.
Tanto a renda quanto a palha né, o trançar”. Nisto, observa-se que outros
elementos identitários são igualmente valorizados, como o artesanato
da palha, reforçando a multiculturalidade (OLIVEIRA, 2019).

150
O que preocupa a comunidade artesã nesta localidade é o desinte-
resse das novas gerações pela renda de bilro. Quando questionada sobre
este assunto, Maria do Carmo apontou que “elas [as jovens] começaram
com muita força de vontade, mas depois o zap tiraram elas da Casa das
Rendeiras, é tanto que hoje só tem duas aí, antes eram 10”. Seria este um
desafio para a Associação e para a sociedade diante da modernidade?
Cabe uma reflexão mais profunda sobre os contornos que a colonia-
lidade trouxe para as comunidades tradicionais (OLIVEIRA, 2019).
Observa-se nos trabalhos científicos aqui citados, que a tradicio-
nal renda de bilro dialoga com diversas outras áreas do conhecimento,
como a moda, o designer, novas tecnologias, educação, meio ambiente
e desenvolvimento local. Assim, o artesanato da renda de bilro é visto,
tanto pelas artesãs como pela sociedade, como um elemento identitário
de resistência, que pode ser observado e analisado sob diversas perspec-
tivas, valorizando o saber-fazer artesanal e salvaguardando a tradição.

PARA NÃO FINALIZAR: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Uma arte europeia trazida para o Brasil e aqui, desenvolvida por


mulheres negras que se apropriaram da técnica – desenvolvida a partir
de habilidades manuais – e se apropriaram dessas narrativas decolo-
niais em seu cotidiano. Estas mulheres buscam, por meio da arte, o
reconhecimento do trabalho e a valorização da cultura. Resistem aos
processos globalizantes que afetam não apenas o consumo, mas também
comprometem o interesse das novas gerações em perpetuar o tradicional
saber-fazer artesanal. Assim é a produção artesanal da renda de bilro
em Saubara, que passa por constantes desafios e se mantém resiliente.
Os resultados aqui obtidos permitiram compreender que o
conceito contemporâneo de identidade cultural não é algo imutável,
pois os signos e símbolos que a compõem sofrem o processo de hibri-
dação cultural através de transições e mutações ao longo das épocas.
Acrescenta-se a este ponto as diversas possibilidades de análise do
artesanato no universo acadêmico e científico, sob as mais diversas
151
perspectivas. Percebeu-se que a produção da renda de bilro em Saubara
se atualiza constantemente e resiste às mudanças do tempo, sobretudo
ao dialogar com outras áreas do conhecimento.
A representatividade do artesanato de Saubara torna-se um ele-
mento expressivo da cultura local. Além de trazer valores simbólicos,
representa, de forma marcante, as tradições dos grupos que o produz,
trazendo elementos da vida cotidiana e tornando-se parte indissociável
dos costumes locais. Por isso, a comunidade das artesãs cria, recria e
mantém uma identidade de resistência. Isto ganha notoriedade nos
diversos depoimentos encontrados nos trabalhos científicos e nos
eventos catalogados para este trabalho.
Destaca-se aqui que é urgente criar ações de fortalecimento da
identidade cultural da renda de bilro, salvaguardar esse saber ancestral e
fomentar ações que estimulem a preservação da memória. Dentre estas
possibilidades, citamos: oferta de oficinas e cursos, criação de acervo
bibliográfico e uso das tecnologias e da comunicação para aproximar
o público da produção artesanal. Estas ações podem fazer parte do
processo de preservação, conservação e recuperação do patrimônio e
da memória, pois é o que mantém a identidade local.
Por fim, compreende-se, com maior ênfase, que a produção
artesanal da renda de bilro constitui um elemento identitário de
resistência para a comunidade, principalmente quando se analisa os
relatos das artesãs nos diversos trabalhos científicos. Estas mulheres
são símbolos de resistência e expressam, com orgulho, a maneira em
que promovem a preservação do saber-fazer secular por transmiti-lo às
novas gerações e, em simultâneo, participarem de um intercâmbio de
conhecimentos com outros setores da sociedade. Espera-se que estas
reflexões contribuam e estimulem, em alguma medida, para a preserva-
ção da identidade cultural da renda de bilro na comunidade de Saubara.

152
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BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Tradução de Carlos
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CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estrategias para entrar e salir de la moder-
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CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz & Terra, 2018.
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Aquiraz-Ce. 2007. Mestrado (Pró-reitoria de pesquisa e Pós-Graduação Mestrado Profissional
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MIGNOLO, Walter. Entrevista – Walter Mignolo/Parte 2: Conceitos-chave. Disponí-
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OLIVEIRA, Márcia Pereira. Coleção Luíza Ramos: um Nordeste imaginado em rendas.
2014. Mestrado (Programa de Pós Graduação em Museologia e Patrimônio) - Universidade
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A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas.
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Sur-CLACSO, 2005.
RAMOS, Artur e Luiza. A Renda de Bilros e sua aculturação no Brasil. Rio de Janeiro:
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RENDERO, Ômi. A Renda de Birros - Renda de Bilros, Renda do Norte, Renda da Terra,
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Disponível em: http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/16704/1/2014_dis_dsgomes.
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153
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mal à Educação Formal: Estudo de Caso na Associação dos Artesãos. 2019. Bacharelado
(Instituto de Humanidades e Letras Bacharelado em Humanidades) - Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, São Francisco do Conde, BA, Brasil.

Nota: capítulo aceito para publicação no Boletim do Observatório da Diversidade Cultural,


2022. Disponível em: https://observatoriodadiversidade.org.br/boletins.

154
SOBRE A ORGANIZADORA

Taiane Aparecida Ribeiro Nepomoceno


Possui graduação em Ciências Biológicas
pelo Centro Universitário da Fundação
Assis Gurgacz (2014) e em Pedagogia pela
Universidade Paranaense (2019). Mestra
em Ciências Ambientais pela Universidade
Estadual do Oeste do Paraná (2019).
Atualmente é pesquisadora em nível de
doutorado no Programa de Pós-Graduação
em Desenvolvimento Rural Sustentável pela
Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
Têm experiência na área de Agricultura e
Educação, com enfoque em Sustentabilidade.

155
ÍNDICE Desenvolvimento Sustentável
35-37, 47, 48, 66, 102-106, 114-116
Povos indígenas 12

REMISSIVO Desigualdades sociais 75, 86


Produtos agrícolas 91, 92
Professor 11, 16, 21, 25, 26, 30, 31,
Docentes 32, 58 33, 35, 36, 43, 52, 53, 56, 58, 59,
61, 86
E
Q
A Educação Ambiental 35, 37, 39, 46,
48, 55, 56, 58, 60, 107 Qualidade de vida 40, 66, 101,
Agricultura familiar 117-121, 123, 103-105, 117, 118, 120, 131, 132,
126-129, 133 Educação básica 30, 33, 37, 70, 73, 138, 139
75-79, 82-86, 127
Agricultura 17, 35, 92, 101, 117-121, Questão ambiental 103, 104
123, 126-129, 133, 136 Educação de jovens e adultos 77
Química 25-27, 30-34
Agroindústria rural 117, 129 Educação fiscal 61, 62, 65-74
R
Água potável 35, 131 Educação informal 148, 154
Renda 82, 92, 96, 118, 120, 121,
Alfabetização científica 35, 37, 40, Educação 11, 17, 23, 25-27, 29-35, 141-153
41, 43-48 37, 39, 43, 46-49, 54-56, 58-62,
65-86, 107, 110, 113, 120, 121, 127, Rendeiras 147-151, 153, 154
Alimentação saudável 96 129, 148, 151, 154
Ribeirinhos 87, 89-91, 95, 96, 100,
Aprendizado 29, 32 Ensino 11, 16-27, 30-38, 43-49, 60, 101, 143
61, 67, 68, 70, 72, 75, 77-84, 86, 126
Artesanato 15, 16, 141-147, Rural 14, 49, 50, 87-89, 94, 97, 98,
149-154 Etnomatemática 11, 12, 16-18, 101, 117, 122, 126-129, 131-134,
21-23 140
Autonomia 71, 96, 108, 109, 117,
122, 149 F S
B Famílias 39, 56, 82, 88, 93-95, 117, Saneamento básico 131-134, 138,
121 140
Base Nacional Comum Curricular
25, 33, 37, 47, 60-62, 70, 72, 73, 82 Fiscalização sanitária 118 Saúde 35, 40, 54, 61, 92, 94, 95, 110,
113, 118, 121-125, 128, 129, 131-
Biosfera 49, 50, 52-56, 58 Formação escolar 61, 72 134, 137, 139, 140
C G Segurança alimentar 94, 96, 102, 117
Cidadãos 27, 33, 55-58, 60, 65, 66, Governo Federal 78, 79, 81, 82, Sequência didática 49-51
103, 110, 114 84, 88
Setor privado 78, 79, 114
Ciências da Natureza 26, 48, 51 Governos 28, 83, 84, 134
Sistemas sociais 101
Compostagem 37-41, 45-48 Guaraná 11-16, 18-23
Sustentabilidade 36, 41, 48, 60, 87,
Comunidade escolar 37, 39, 55, 59 H 101, 103, 115, 120, 128, 129, 139
Conhecimento 12, 18, 19, 31, 36, 39, Hibridação cultural 142, 144, 151 T
41, 43, 44, 46, 47, 50-52, 55, 56, 60,
98, 101, 141, 144-146, 149, 151, 152 M Tecnologias 26, 28, 30, 32-34, 51,
151, 152
Conhecimentos 17-22, 24, 29, 43, Meio ambiente 35, 38, 40, 41, 45,
45, 51, 55, 59, 143, 152 46, 50-52, 54, 56-60, 103-108, 110, Territorialidade 88, 100
Constituição Federal 79, 80, 84 113, 114, 116, 136, 138, 140, 151
Transdisciplinaridade 49
Conteúdos 18, 19, 21, 26, 29-31, Modernidade 87, 89, 101, 145, 146,
36, 43, 47, 52 151, 153 V
Covid-19 47, 82 Municípios 15, 76, 78, 80-85, 123- Vivências 55, 97
125, 127, 132, 138, 139
Cultura 11, 12, 14-18, 20-23, 35,
36, 39, 41, 44, 47, 59, 63, 66, 70, 87, Método investigativo 47
88, 93, 96-101, 110, 113, 117, 118,
129, 142, 144, 145, 151-153 P
Currículos 30, 70, 72 Papel social 142
Planeta 35, 50, 71, 82, 114
D
Políticas públicas 29, 61, 69, 74, 75,
Decolonialidade 141, 142, 144-146 86, 119, 120, 122, 126, 129, 139, 153
156
ISBN 978-65-5368-094-4

9 786553 680944 >

Este livro foi composto pela Editora Bagai.

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