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Daniel Ribeiro Preve

Ismael Francisco de Souza


Milla Lúcia Ferreira Guimarães
(Organizadores)

PRÁTICAS
E SABERES
DE
EXTENSÃO

Volume II

Realização: Apoio:

ISBN 978-85-8443-017-8
Multideia Editora Ltda.
Rua Desembargador Otávio do Amaral, 1.553
80710-620 - Curitiba – PR
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Conselho Editorial
Marli Marlene M. da Costa (Unisc) Orides Mezzaroba (UFSC)
André Viana Custódio (Unisc) Sandra Negro (UBA/Argentina)
Salete Oro Boff (Unisc/IESA/IMED) Nuria Bellosso Martín (Burgos/Espanha)
Carlos Lunelli (UCS) Denise Fincato (PUC/RS)
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Luiz Otávio Pimentel (UFSC)

Coordenação editorial e revisão: Fátima Beghetto


Projeto gráfico, diagramação e capa: Sônia Maria Borba

CPI-BRASIL. Catalogação na fonte

Práticas e saberes de extensão [recurso eletrônico] /


P912 organização de Daniel Ribeiro Preve, Ismael Francisco de Souza, Milla Lúcia
Ferreira Guimarães – Curitiba: Multideia, 2015.
v. 2; 236p.; 23cm
Vários colaboradores
ISBN 978-85-8443-017-8
1. Extensão universitária. 2. Ensino superior – Extensão. I. Preve, Daniel
Ribeiro (org.). II. Souza, Ismael Francisco de (org.). III. Guimarães, Milla Lúcia
Ferreira (org.).
CDD 378 (22. ed.)
CDU 378
Realização: Apoio:

É de inteira responsabilidade do autor a emissão de conceitos.


Autorizamos a reprodução dos conceitos aqui emitidos, desde que citada a fonte.
Respeite os direitos autorais – Lei 9.610/98.
Daniel Ribeiro Preve
Ismael Francisco de Souza
Milla Lúcia Ferreira Guimarães
(Organizadores)

PRÁTICAS
E SABERES
DE
EXTENSÃO
Volume II

Curitiba

2015
SUMÁRIO

A EXTENSÃO NA UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA: UM OLHAR A PARTIR DA POLÍTICA


NACIONAL DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA............................................................................ 9
Daniel Preve
Ismael Francisco de Souza
Milla Lúcia Ferreira Guimarães

AÇÕES DE INTEGRAÇÃO COMUNITÁRIA PARA A GERAÇÃO DE EMPREGO E RENDA COM


PERSPECTIVA DA MELHORIA DA QUALIDADE DO AMBIENTE DE VIDA............................... 25
Abel Corrêa de Souza
Gisele Silveira Coelho Lopes
Ricardo Pieri
Guilherme Spiazzi dos Santos
Isabel Aparecida Pizzoli Padilha
Silvio Freitas dos Santos Júnior

ENSINO DO EMPREENDEDORISMO EM UMA ESCOLA MUNICIPAL DE CRICIÚMA – SC...... 41


Andréia Cittadin
Beatriz da Silva Pereira
Edson Cichella
Elisiane da Rosa Moraes
Everton Perin
Milla Lúcia Ferreira Guimarães

CAPACITAÇÃO EMPREENDEDORA A JOVENS E ADOLESCENTES EM UMA INSTITUIÇÃO


DO TERCEIRO SETOR........................................................................................................... 67
Abel Corrêa de Souza
Gisele Silveira Coelho Lopes
Ricardo Pieri
João Batista da Silva
Ana Paula Silva dos Santos
Júlia Pavei De Luca

PROJETO DE EXTENSÃO NA PRÁTICA: ESTUDO DE CASO DA FEIRA DE ECONOMIA


SOLIDÁRIA DA UNESC (FES-UNESC).................................................................................... 93
Joelcy José de Sá Lanzarini
Dimas de Oliveira Estevam
Augusto Bom
Bruna Batista
Marina Constante Pereira

DESAFIOS DO COMPARTILHAMENTO DO CONHECIMENTO NA AGRICULTURA FAMILIAR:


ESTUDO DE CASO DOS RIZICULTORES DE FORQUILHINHA, SANTA CATARINA.................. 111
Cristina Keiko Yamaguchi
Luciana Mandelli
Melissa Watanabe
Zeli Felisberto
Daniel Ribeiro Preve; Ismael Francisco de Souza
6
& Milla Lúcia Ferreira Guimarães - organizadores

O DIÁRIO DE CAMPO DE EXTENSIONISTA UNIVERSITÁRIO: UMA EXPERIÊNCIA


EM UMA INSTITUIÇÃO DO TERCEIRO SETOR DA CIDADE DE CRICIÚMA – SC................... 125
Abel Corrêa de Souza
Gisele Silveira Coelho Lopes
João Batista da Silva
Ricardo Pieri
Ana Paula Silva dos Santos
Cléia Baltazar Anhaia da Silva

CONVIVÊNCIA FAMILIAR SADIA X SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL:


A EXTENSÃO NO PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO DAS FAMÍLIAS.................................. 143
Anderson Pereira Tomaz
Daiane Ribeiro Preve
Renise Terezinha Mellilo Zaniboni
Sheila Martignago Saleh

COMPARTILHANDO CONHECIMENTOS ENTRE MULHERES PARA CONSTRUÇÃO


DA CIDADANIA: PRÁTICAS EXTENSIONISTAS A PARTIR DA LEI MARIA DA PENHA
(LEI 11.340/06)................................................................................................................. 163
Mônica Ovinski de Camargo Cortina
Talita Just Mandelli
Ivan Luiz Antunes

ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA PARA OS REEDUCANDOS DO PRESÍDIO SANTA AUGUSTA


DE CRICIÚMA – SC............................................................................................................ 181
Larissa Alves Benitez
Tamires do Nascimento Teixeira
Alfredo Engelmann Filho
Karin Martins Gomes
Leandro Alfredo da Rosa

COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA PELAS ONDAS DO RÁDIO............................................... 201


Rafael Jose Bona

ECONOMIA SOLIDÁRIA: O RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA COM O PROJETO


ESPERANÇA/COOESPERANÇA - RS.................................................................................... 217
Élio Sérgio Denardin
Flaviani Souto Bolzan Medeiros
Lisandra Taschetto Murini
Lourdes Maria Staudt Dill
APRESENTAÇÃO

A Unidade Acadêmica de Ciências Sociais Aplicadas (UNA-


CSA) da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) cons-
titui a instância básica da universidade que congrega docentes,
discentes e técnicos-administrativo para a atuação integrada nas
dimensões do ensino, da pesquisa e da extensão, no âmbito das
áreas de conhecimentos e campos de formação acadêmico-profis-
sional das Ciências Sociais Aplicadas.

A Unacsa é composta por Colegiado, Diretoria e Coorde-


nações de Ensino de Graduação, Pesquisa e Pós-Graduação e
Extensão. Nela estão inseridos os cursos de graduação em Ad-
ministração de Empresas, Administração de Comércio Exterior,
Ciências Contábeis, Direito, Ciências Econômicas, Secretariado
Executivo e Tecnólogos em Gestão, todos estes na modalidade
presencial. Na modalidade a distância, a Unidade oferta o curso
de graduação em Tecnologia em Gestão Comercial. Possui tam-
bém um programa de Pós-Graduação Stricto Sensu (Mestrado) em
Desenvolvimento Socioeconômico, aprovado pela Capes.

A Unesc, enquanto universidade comunitária, tem por di-


ferencial a implantação nas comunidades onde está inserida por
meio da extensão, partilhando conhecimento e se retroalimen-
tando nesse diálogo. O desenvolvimento da extensão da Unesc
tem por objetivo promover a integração do conhecimento entre
Universidade e Sociedade, envolvendo a comunidade acadêmi-
ca em ações articuladas, interprofissionais e interinstitucionais,
contribuindo para a consolidação da missão institucional.

Com esses pressupostos, a Unacsa tem grande satisfação


de apresentar o segundo volume da série Práticas e Saberes de Ex-
tensão. Esta obra é fruto de trabalho coletivo cujo resultado apre-
senta relatos de experiências extensionistas visando não somente
ao reconhecimento acadêmico, mas principalmente à socialização
dos saberes.
Daniel Ribeiro Preve; Ismael Francisco de Souza
8
& Milla Lúcia Ferreira Guimarães - organizadores

Ao mesmo tempo que se reconhecem as dificuldades de


trabalhar com extensão universitária, tem-se a consciência do
potencial integrador entre o ensino e a pesquisa, na medida em
que os projetos e ações são pensados a partir da observação da
realidade; do debruçar de acadêmicos e professores sobre esta
realidade, ouvindo, refletindo, dialogando, problematizando,
buscando embasamentos técnicos e científicos, construindo e
reconstruindo conhecimentos e, por fim, retornando à realidade
com proposições e desenvolvimento de competências, vivencian-
do a missão da Unesc de “educar, por meio do ensino, pesquisa
e extensão, para promover a qualidade e a sustentabilidade do
ambiente de vida”.

Criciúma (SC), primavera de 2014.

Daniel Ribeiro Preve


Ismael Francisco de Souza
Milla Lúcia Ferreira Guimarães
Organizadores
A EXTENSÃO NA UNIVERSIDADE
COMUNITÁRIA: UM OLHAR A
PARTIR DA POLÍTICA NACIONAL
DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

Daniel Preve
Mestre. Unesc – drp@unesc.net

Ismael Francisco de Souza


Mestre. Unesc – ismael@unesc.net

Milla Lúcia Ferreira Guimarães


Mestre. Unesc – mlg@unesc.net

RESUMO: O presente capítulo tem por objetivo apontar as possibilidades da extensão uni-
versitária no contexto das universidades comunitárias, a partir de postulados conceituais
e normativos, pautado nas ciências sociais aplicadas. A extensão universitária é um dos
componentes, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e demais legislações corre-
latas, indissociáveis do ensino e da pesquisa com o papel de construir, produzir e socializar o
conhecimento vivenciado no ambiente universitário. Deste modo, para o desenvolvimento
deste estudo, utilizou-se a revisão bibliográfica, por meio de uma pesquisa descritivo-a-
nalítica. Assim, no transcorrer do estudo, verificou-se que a Política Nacional de Extensão
Universitária implantada, a partir de 2012, ampliou a concepção de extensão nas universi-
dades brasileiras. A extensão deixou de ser apenas um instrumento de ações isoladas de
cunho meramente assistencialista ou de prestação de serviço para ser considerada como
um processo interdisciplinar, educativo, cultural, científico e político. Neste novo contexto,
a extensão passa a promover a interação transformadora entre as universidades e diversos
segmentos da sociedade civil. Nas universidades comunitárias, constituídas como institui-
ções de ensino superior públicas não estatais, a extensão universitária as compromete, prin-
cipalmente com a transformação social da comunidade em que estão inseridas. Tal com-
prometimento possibilita a democratização e o acesso das comunidades ao conhecimento
acadêmico, e também o contato do meio acadêmico com um novo conhecimento que pode
resultar da interação social. Portanto, verifica-se que para as Instituições de Ensino Superior
Comunitárias, a extensão revela-se como um componente diferencial e indispensável para
sedimentar seu compromisso social com a comunidade.

Palavras-chave: Extensão universitária. Universidade comunitária. Plano nacional. Diretri-


zes.
Daniel Ribeiro Preve; Ismael Francisco de Souza
10
& Milla Lúcia Ferreira Guimarães

1 INTRODUÇÃO
A concepção de extensão nas universidades brasileiras agregou
(e ainda agrega) diversas nuances, como, por exemplo, oferta de cur-
sos com curta duração, prestação de serviços, voluntariado, consulto-
rias, assistencialismo, redenção da função social da universidade, entre
outras. Passadas pela Constituição Federal de 1988, Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional – LDB e a regulamentação do Fórum de
Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras – FOR-
PROEX, essas concepções vêm sendo superadas. Após amplo debate so-
bre a questão, o Forproex (2012, p. 16) apresenta a Extensão Universi-
tária como “um processo interdisciplinar, educativo, cultural, científico
e político que promove a interação transformadora entre Universidade
e outros setores da sociedade”. Assim, a extensão universitária centrali-
za-se “como prática acadêmica, como metodologia inter e transdiscipli-
nar e como sistemática de interação dialógica entre a Universidade e a
sociedade”, legitimando a universidade como “parte ativa e positiva de
um processo maior de mudança” (FORPROEX, 2012, p. 11).
Independentemente do conceito atribuído ou da abrangência dos
objetivos pretendidos, a Extensão Universitária caracteriza-se, indis-
cutivelmente, como espaço propício para aprendizagem e desenvolvi-
mento de competências de discentes e docentes. Neste século, no qual a
realidade das universidades gira em torno da multiplicidade de funções
assumidas, especialmente no que tange ao seu compromisso social,
torna-se recorrente na agenda de discussões, envolvendo a excelência
universitária, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão no
sentido de construir, produzir e socializar o conhecimento vivenciado
no ambiente universitário e concretizá-lo por meio da prática extensio-
nista. Outro imperioso desafio é submeter o aprendizado desta concre-
tude à reflexão e transformá-lo em publicações científicas divulgando
as experiências vivenciadas com um número maior de interessados.
Assim, a troca de saberes entre universidade e sociedade, além apro-
ximá-las, também oportuniza a criação e realização de projetos exten-
sionistas em outras instâncias, democratizando não só o conhecimento
acadêmico acumulado, mas também um novo conhecimento advindo da
interação social.
Este artigo pretende apontar as possibilidades da extensão uni-
versitária no contexto das universidades comunitárias, a partir de pos-
tulados conceituais e normativos pautado nas ciências sociais.
Práticas e Saberes de Extensão
11
Volume II

2 SURGIMENTO DA UNIVERSIDADE BRASILEIRA:


A ATUAÇÃO JUNTO A POPULAÇÃO

Torna-se indispensável como etapa primária para a conceituação


de extensão universitária a análise do marco histórico do surgimento
das universidades brasileiras. A conceituação de universidade, lato sen-
su, pautada nos estudos históricos, remete ao ano de 1158 e à Universi-
dade de Bolonha. Apontava com universidade a espécie de corporação
que congregava monges, clérigos, leigos e alunos de variadas nações.
Ressalta-se, no entanto, que esse entendimento somente adquire cará-
ter de extensão universitária com a Revolução Industrial, ocasião em
que as Universidades Populares (Land Grant Colleges) passaram a ofer-
tar serviços à população de áreas rurais dos Estados Unidos da América.
No Brasil, a gênese das universidades é vinculada às elites brasi-
leiras e portuguesas que resistiam à ideia de criação de cursos superio-
res em terras da colônia, o que acarretava no envio dos filhos das elites
para completar a formação na Europa. Verifica-se, inclusive, a vincula-
ção dos estudos preparatórios realizados nos colégios e estabelecimen-
tos de ensino médio a partir do século XVI, às necessidades da elite que
enviariam seus filhos para estudar na Universidade de Coimbra, contro-
lada pelos jesuítas.
Creditam-se aos padres da Companhia de Jesus as primeiras ten-
tativas de estabelecimento de cursos superiores no país, tentativas es-
tas frustradas devido ao medo dos superiores jesuítas em se possibili-
tar ambiente de autonomia ao ensino que seria aqui ministrado. Essa
impossibilidade de criação de cursos aptos a formar as elites brasileiras
foi obstada até o século XVII diretamente pelos portugueses, sendo re-
presentativo de uma política de controle para impedir a autonomia e in-
dependência, seja política ou cultural, da colônia. O estabelecimento de
cursos superiores profissionalizantes no período em que a família real
portuguesa transformou o Brasil em sede da monarquia reforça essa
negativa de independência da formação das elites em relação a Portugal
(FÁVERO, 2000).
Com a expulsão dos padres jesuítas do país no século XVIII, uma
das consequentes medidas da Reforma Pombalina, estabelece-se certa
autonomia da educação clerical, mas sem perder a dependência inte-
lectual e política no tocante à formação superior, pois esta significaria
risco à manutenção da colônia por parte de Portugal. Mendonça (2000,
Daniel Ribeiro Preve; Ismael Francisco de Souza
12
& Milla Lúcia Ferreira Guimarães

p. 133) aponta esse fato, referindo-se à resposta dada à Câmara de Sa-


bará diante de pedido para criação de aula de cirurgia feito ao Conselho
Ultramarino português:

Que poderia ser questão política, se convinham estas aulas de ar-


tes e ciências em colônias, […] que poderia relaxar a dependên-
cia que as colônias deviam ter do reino; que um dos mais fortes
vínculos que sustentava a dependência das nossas colônias era
a necessidade de vir estudar a Portugal; que este vínculo não se
devia relaxar; […] que (o precedente) poderia talvez, com alguma
conjuntura para o futuro, facilitar o estabelecimento de alguma
aula de jurisprudência. Até chegar ao ponto de cortar este vínculo
de dependência. (MENDONÇA, 2000, p.133)

A partir de 1823, tramita nas propostas da Assembleia Geral


Constituinte e Legislativa do Brasil projeto com objetivo de criar duas
universidades (São Paulo e Olinda), tendo sido aprovado sem imple-
mentação posterior. Apenas em 1827, são criados no País os dois pri-
meiros cursos de Direito, mantendo-se os demais cursos superiores
com características de cursos profissionalizantes e, também, o controle
das atividades acadêmicas por parte do Império. Salienta-se que o en-
sino superior estabelecido entre os anos de 1810 e 1880 era público,
privativo e centralizado pelo Poder Central, com vistas a formar certa
unidade nacional, apto a dar continuidade ao status quo social, político
e econômico do império (RANIERI, 1994).
No período imperial brasileiro, destacam-se atuações de Rui Bar-
bosa na sedimentação do ideário pedagógico e estrutural do ensino e,
ainda, de José Bonifácio nas tentativas de estabelecimento de univer-
sidades. Segundo Penteado (1984), Rui Barbosa é significativo dentro
daquele contexto histórico brasileiro, por suas concepções pedagógicas
voltadas à formação do brasileiro de forma não abstrata, mas compro-
metida com uma participação ativa e vinculada à realidade.
As diversas tentativas ensejaram o Decreto nº 11.530, de 1915,
responsável por reorganizar o ensino superior e o secundário no país,
determinando como competência do Governo Federal o estabelecimen-
to de uma universidade no Estado do Rio de Janeiro, oriunda da reunião
das Escolas Politécnica e de Medicina do Rio de Janeiro e de uma das
Faculdades Livres de Direito, na ocasião em que o Governo achar neces-
sário. Efetivamente, o estabelecimento da universidade saiu do papel
Práticas e Saberes de Extensão
13
Volume II

por meio do Decreto nº 14.343 de 1920, instituindo-se a Universidade


do Rio de Janeiro como resultado da união de institutos de ensino supe-
rior com demais instituições de caráter técnico/científico, ficando esta
sob controle do Governo Federal por meio do presidente do Conselho
Superior do Ensino que ocupava o cargo de reitor.
O surgimento da universidade brasileira é fortemente marcado
pela centralização e controle por parte do Governo Central, com vistas
a impedir a popularização desse espaço, o que, necessariamente, difi-
cultou a integração da universidade com a comunidade. No entanto, os
educadores brasileiros receberam influências das universidades popu-
lares norte-americanas e, aos poucos, implantaram experiências de ca-
ráter extensionista. Nesse contexto republicano, ressalta-se a “Semana
do Fazendeiro”, promovida pelas Faculdades de Agronomia da cidade
de Viçosa em Minas Gerais, que já era reflexo de iniciativa de 1922 do
governo daquele estado federado na tentativa de relacioná-la às neces-
sidades locais e ao ambiente marcadamente agrícola da região, caracte-
rizando-se como proposta de educação popular, ao molde da proposta
norte-americana.
Logo após, ocorre a relevante Reforma Rocha Vaz, que encerra o
período da primeira República no que se refere à reforma de ensino
superior. O ato que a implementa é o Decreto nº 16.782/25, sob o qual
Ranieri (1994, p. 75) salienta:

A Reforma Rocha Vaz visou essencialmente reforçar o controle


do governo federal sobre o aparelho escolar, numa tentativa de
estabelecer o controle ideológico das crises políticas e sociais que
provocaram a Revolução de 1930. Procurava-se, dessa forma, im-
pedir a entrada da política e da ideologia não oficiais no ensino
superior.

Por esses apontamentos – que demonstram a forte resistência


por parte de quem detinha o poder do Estado em, primeiramente, esta-
belecer as universidades e, posteriormente, em manter rígido controle
sobre elas –, nota-se que restou prejudicada a possibilidade de se reco-
nhecer ações de caráter de extensão, devido à influência que a atuação
conjunta às comunidades pudesse ocasionar à formação ideológica da
população. Dessa forma, negou-se o reconhecimento da extensão uni-
versitária para que o ambiente acadêmico não acarretasse impactos
Daniel Ribeiro Preve; Ismael Francisco de Souza
14
& Milla Lúcia Ferreira Guimarães

transformadores na sociedade. No entanto, tal resistência não foi su-


ficiente, tanto que a extensão universitária atualmente é um dos três
pilares das universidades, como se mostrará.

3 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: MATRIZ


CONCEITUAL

Decorrem do ano de 1931 as iniciativas legislativas que enseja-


ram a construção de um conceito de extensão universitária, adquirindo
relevância para o ensino superior os decretos que criaram o Conselho
Nacional de Educação e o Estatuto das Universidades1. Especialmente
o Estatuto das Universidades inova ao dispor que a educação em ní-
vel superior brasileira possui como finalidade não apenas a elevação
da cultura geral, o preparo técnico superior e o estímulo à investigação
científica, mas também promover a educação da coletividade por meio
de atuação harmônica de professores e alunos de tal forma que todas as
atividades da academia sejam aptas à promoção do desenvolvimento da
nação e da humanidade.
A partir do Estatuto das Universidades, é possível se falar em ex-
tensão universitária como função institucional que, de acordo com seu
artigo 35, é ofertada por meio de cursos com vistas ao bem da coleti-
vidade. Destaca-se ainda, enquanto marco normativo deste documento:

Art. 42. A extensão universitária será efetivada por meio de cur-


sos e conferências de caráter educacional ou utilitário, uns e ou-
tras organizados pelos diversos institutos da Universidade, com
prévia autorização do Conselho Universitário.
§ 1º Os cursos e conferências, de que trata este artigo, destinam-
-se principalmente à difusão de conhecimentos úteis à vida indi-
vidual ou coletiva, à solução de problemas sociais ou à propaga-
ção de idéias e princípios que salvaguardem os altos interesses
nacionais.
§ 2º Estes cursos e conferências poderão ser realizados por qual-
quer instituto universitário em outros institutos de ensino técni-
co ou superior, de ensino secundário ou primário ou em condi-
ções que os façam acessíveis ao grande público. (BRASIL, 1931)

1
Respectivamente, Decreto 19.850 e 19.851 (iniciativa de Francisco Campos).
Práticas e Saberes de Extensão
15
Volume II

Salienta-se o caráter inovador desse diploma, revogado em 1991,


pois, mesmo considerando a extensão como prolongamento da ativi-
dade acadêmica de forma a difundir o conhecimento ali produzido, re-
conhece que a universidade deve atuar junto à sociedade de maneira
a contribuir significativamente para seu aperfeiçoamento. Tais ideias
coadunam com movimento de relevância nacional que lançou as ba-
ses para a criação do Ministério da Educação, o Movimento da Escola
Nova. Nesse movimento, surge o manifesto de intelectuais de 1932 (A
Reconstrução Educacional no Brasil: ao povo e ao governo), ressaltando
a função social da escola, e que estabeleceu um conceito abrangente de
universidade, destacando que esta possui função tríplice, qual seja: (a)
elaboradora e criadora de ciência, responsável por investigação cientí-
fica; (b) docência e transmissora de conhecimento (ciência feita) e; (c)
popularização por meio da extensão universitária, das ciências e artes
(GHIRALDELLI JUNIOR, 2001).
O conceito de extensão universitária aparece novamente como
atividade universitária no ano de 1961, pela ocasião da Lei de Diretri-
zes e Bases da Educação Nacional. Tendo como base atividades direcio-
nadas à população e executadas pelas instituições de ensino superior
na forma de conferências, serviços e cursos, sedimenta-se nessa época
certo caráter assistencialista da extensão, desvinculando-se de ações
governamentais no sentido de desenvolvimento social.
Em temos gerais, pode-se afirmar que a década de 1960 foi res-
ponsável por uma concepção pautada no reconhecimento do tripé en-
sino/pesquisa/extensão como sustentáculos da universidade, sem que
essa tríplice relação fosse considerada indissociável, restando de ma-
neira clara a relação entre ensino e pesquisa (FARIA, 1996).
É, pois, justamente nessa época que o educador Paulo Freire,
então diretor do Departamento de Extensão Cultural da Universidade
do Recife, iniciou a primeira experiência de alfabetização popular, em
apenas 45 dias, com um grupo de catadores de grama. Essa ação teria
sido replicada, se não houvesse o golpe militar, em 20 mil novos grupos
distribuídos pelo Brasil. Cabe salientar que a intenção não era somente
alfabetizar, mas também conscientizar. Em suas palavras, conquistar a
condição de ser mais, “desvelando o mundo da opressão e comprome-
tendo-se, na práxis, com a sua transformação” na medida em que toma
consciência de seu inacabamento e rompe com a sua condição de coisi-
ficado (FREIRE, 2011, p. 57).
Daniel Ribeiro Preve; Ismael Francisco de Souza
16
& Milla Lúcia Ferreira Guimarães

Com a instauração do Regime Militar, as iniciativas de educação


popular passaram a ser perseguidas e fechadas não só por serem consi-
deradas perigosas ao país, mas principalmente na tentativa de silenciar
ideias opositoras ao novo projeto nacional, relegando a participação de
professores e acadêmicos a ações de cunho meramente assistencialis-
tas. Modalidade de extensão por vezes criticada por Freire (2013) jus-
tamente pela ausência de dialogicidade. Tal como explica Silva (2007), é
preciso ouvir os envolvidos e entender como eles compreendem a reali-
dade em que estão inseridos.

“Organizar a escuta” das populações inseridas na realidade a ser


transformada. A escuta, nos trará as “falas significativas” da popu-
lação, explicando suas contradições e, portanto, os “temas gerado-
res” de diálogo. Assim, se não houver escuta, não haverá diálogo e
nossa ação se dará sobre ou para e não com ela. Consequentemente
não haverá transformação da realidade. (SILVA, 2007, p. 11)

Nos anos 1970, os textos legais não inovaram, caracterizando a


associação entre pesquisa e ensino e considerando a extensão o reflexo
destes dois elementos à comunidade. No entanto, é nesse contexto que
a extensão universitária passa a objeto de estudo, o que acarreta a gêne-
se de criação de órgãos institucionais universitários responsáveis por tal
elemento. Nesse sentido, Toaldo (1977) aponta o pioneirismo no sul do
país da Universidade Federal de Santa Maria ao estabelecer a Pró-Reitoria
de Extensão Universitária como órgão central de coordenação de todas as
atividades de extensão. Afirma ainda o autor que se objetivou elevar a
extensão universitária a patamar indispensável para o processo de ensi-
no-aprendizagem, pautada na dimensão prática relacionada à construção
de conhecimento e habilidades reflexas a experiências significativas. É o
reconhecimento do elo entre ambiente acadêmico e comunidade.
Os anos de 1980 inovam apenas no reconhecimento oficial da
pesquisa, ensino e extensão como atribuição específica do magistério
superior, ocorrido por meio do Decreto nº 85.487 de 1980, o qual, ao
regulamentar a carreira docente do ensino superior nas instituições fe-
derais, determinou:

Art. 1º Nas Universidades e nos estabelecimentos isolados man-


tidos pela União, entendem-se por atividades de magistério su-
perior: […]
Práticas e Saberes de Extensão
17
Volume II

II – as que estendam à comunidade, sob a forma de cursos e servi-


ços especiais, as atividades de ensino e os resultados da pesquisa;
[…].
Art. 4º São atribuições do corpo docente as atividades de ensino
superior, pesquisa e extensão constante dos planos de trabalho
da instituição, bem como as de administração universitária ou
escolar. (BRASIL, 1980)

Em 1987, avança a discussão institucional pedagógica a respeito


do conceito de extensão universitária, avanço consequente do Fórum
de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. A
extensão torna-se elemento direto do processo acadêmico que envolve
pesquisa e ensino, relações marcadas pela interdisciplinaridade e pelo
comprometimento com a realidade social pautada na competência téc-
nico-científica. Esse caráter de integração acaba por refletir no artigo
207 da Constituição Federal de 1988, o qual determina a autonomia
universitária com base no tripé indissociável Ensino, Pesquisa e Exten-
são como base de nova conceituação.
Em que pese o princípio da indissociabilidade estar presente na
Constituição de 1988, apenas na década de 1990 a extensão torna-se
relevante em termos do Ministério da Educação, que fixou como critério
avaliativo dos cursos universitários a integração social, a inserção insti-
tucional na comunidade, seja por políticas públicas ou ações vinculadas
a programas e serviços. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-
nal de 1996, mesmo omitindo a indissociabilidade, garante a extensão
universitária, definindo como finalidade do ensino superior a recipro-
cidade entre universidade e comunidade, e estabelecendo a ideia desta
instituição pluridisciplinar, que relaciona pesquisa, ensino e extensão.
Essa indissociabilidade tornou-se a marca das universidades durante
os anos 2000.
Há de se ressaltar que, na atualidade, merece destaque o Plano
Nacional de Extensão, documento oriundo do Fórum de Pró-Reitores
de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, o qual apresentou
o conceito recente de extensão universitária, apresentada como o pro-
cesso educativo, cultural e científico responsável por articular o ensino
e a pesquisa de maneira indissociável, e ainda apto a viabilizar a relação
entre universidade e sociedade que transforme a realidade social. No
próximo item, analisar-se-á o Plano mais recente.
Daniel Ribeiro Preve; Ismael Francisco de Souza
18
& Milla Lúcia Ferreira Guimarães

4 DIRETRIZES DA POLÍTICA NACIONAL DE


EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: HORIZONTE PARA
AS UNIVERSIDADES COMUNITÁRIAS?

O Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públi-


cas Brasileiras2 (FORPROEX) é responsável pelas discussões mais re-
levantes ocorridas nas últimas décadas sobre a atividade de extensão.
Como resultado, foi aprovada no ano de 2012, durante o XXXI Encontro
Nacional – ocorrido em Natal (RN) –, sendo resultante das discussões
previamente apresentadas em 2009 e 2010 sobre os desafios do Plano
Nacional de Extensão de 1999, a Política Nacional de Extensão Univer-
sitária, enquanto compromisso assumido pelas Universidades Públicas
perante a sociedade, trazendo ainda as diretrizes de atuação para que
a extensão universitária materialize-se como instrumental de transfor-
mação social e promoção da solidariedade, da democracia e da justiça.
Deliberada pelos Pró-Reitores de Extensão das Universidades
Públicas de forma participativa tanto nos âmbitos de cada instituição
quanto no próprio fórum, a Política Nacional de Extensão Universitária
traz como pontos relevantes os princípios, conceito, objetivos e diretri-
zes aptos a se tornarem referência para atuação da extensão universitá-
ria na busca da sua indissociabilidade com as atividades acadêmicas e
com as dinâmicas sociais.
Com a função de orientar a formulação e a implementação de to-
das as ações de extensão universitária, as diretrizes estabelecidas de
forma aberta e ampla no Forproex pautam-se na expectativa de que,
conjuntamente, possam superar as crises enfrentadas pelas universida-
des públicas, que, de acordo com Santos (2004), são representadas pela
crise de hegemonia, a crise de legitimidade e a crise institucional. Nesse
sentido, foram traçadas as seguintes diretrizes: (a) interação dialógica;
(b) interdisciplinaridade e interprofissionalidade; (c) indissociabilida-
de entre ensino, pesquisa e extensão; (d) impacto na formação do estu-
dante e, finalmente, (e) impacto e transformação social.
Antes da análise pontual dessas diretrizes, faz-se necessária
uma abordagem das crises apontadas por Boaventura de Sousa Santos

2
O Forproex entende como instituições públicas de educação superior as universidades,
os centros de ensino e as faculdades federais, estaduais e municipais e institutos fede-
rais de educação, ciência e tecnologia (FORPROEX, 2012).
Práticas e Saberes de Extensão
19
Volume II

(2004). A crise de hegemonia vivenciada pelas instituições públicas é


resultante das contradições oriundas entre sua função tradicional de
formação de conhecimento científico e humanístico e a função oriunda
das exigências do capitalismo do século XX, representada pela necessi-
dade de produção de conhecimentos instrumentais necessários ao mer-
cado imediato. No tocante à crise de legitimidade, aponta que esta se
pauta na descaracterização da universidade enquanto instituição con-
sensual diante da contradição fática entre hierarquização dos saberes
e exigências sociopolíticas de democratização, além da necessidade de
igualar oportunidades para filhos de famílias de origem popular, ambos
no âmbito da universidade. Já a crise institucional origina-se também
de contradições com origem na lógica capitalista, aquela entre a reivin-
dicação tão necessária da autonomia universitária relativa à definição
de seus valores e objetivos e “a pressão crescente para submeter esta
última a critérios de eficácia e de produtividade de natureza empresa-
rial ou de responsabilidade social” (SANTOS, 2004, p. 5-6).
Pontuadas as crises pelas quais passam as instituições de ensino
superior, que também podem ser estendidas às universidades públicas
não estatais, interessa verificar a relevância das diretrizes para a exten-
são como caminhos para sua superação. A diretriz “Interação dialógica”
remete à superação do entendimento de que a universidade deve ape-
nas estender o conhecimento produzido e acumulado para a sociedade.
A universidade deve partir para uma interação efetiva com a sociedade,
de forma a incluí-la no processo de produção de novos conhecimentos,
aptos a superar os problemas fáticos da própria sociedade, como as
desigualdades e exclusões sociais, bem como que contribua para o de-
senvolvimento desta sociedade de forma a torná-la mais democrática,
justa e ética. Demonstra a necessidade de reconhecer o espaço comuni-
tário como instância de contribuição à construção do conhecimento por
meio de trocas entre os saberes científicos e os seus saberes originados
da prática cotidiana, na atuação profissional e nas vivências no interior
da própria comunidade (FORPROEX, 2012).
A diretriz “Interdisciplinaridade e Interprofissionalidade” aplica-
da às ações de extensão universitária visam orientar essas atividades
no sentido de considerar as complexidades da realidade, sob pena de,
desconsiderando-as, as ações da extensão universitária se mostrarem
ineficientes. Nesse sentido:
Daniel Ribeiro Preve; Ismael Francisco de Souza
20
& Milla Lúcia Ferreira Guimarães

A diretriz de Interdisciplinaridade e Interprofissionalidade para


as ações extensionistas busca superar essa dicotomia, combinan-
do especialização e consideração da complexidade inerente às
comunidades, setores e grupos sociais, com os quais se desen-
volvem as ações de Extensão, ou aos próprios objetivos e objetos
dessas ações.O suposto dessa diretriz é que a combinação de es-
pecialização e visão holista pode ser materializada pela interação
de modelos, conceitos e metodologias oriundos de várias disci-
plinas e áreas do conhecimento, assim como pela construção de
alianças intersetoriais, interorganizacionais e interprofissionais.
Dessa maneira, espera-se imprimir às ações de Extensão Univer-
sitária a consistência teórica e operacional de que sua efetividade
depende.(FORPROEX, 2012, p. 17)

A “Indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão” confirma a


extensão universitária como indispensável à vivência acadêmica. Nes-
se sentido, supõe-se que a efetividade da extensão universitária está
diretamente vinculada ao ensino, enquanto processo de formação de
pessoas, e à pesquisa, enquanto geração de conhecimento. A relação
“extensão e ensino” aponta para a indissociabilidade da dupla formação
que se espera do estudante, enquanto protagonista de processos para
obter competências à sua atuação profissional e de processos que lhe
possibilitem se reconhecer como agente garantidor de transformação
social, de direitos e deveres, respectivamente, protagonista de sua for-
mação técnica e cidadã (FORPROEX, 2012).
Sobre a relação entre “extensão e pesquisa”, as possibilidades de
atuação conjunta entre universidade e sociedade tornam-se múltiplas:

Visando à produção de conhecimento, a Extensão Universitária


sustenta-se principalmente em metodologias participativas, no
formato investigação-ação (ou pesquisa-ação), que priorizam
métodos de análise inovadores, a participação dos atores sociais
e o diálogo. Apenas ações extensionistas com esses formatos
permitem aos atores nelas envolvidos a apreensão de saberes e
práticas ainda não sistematizados e a aproximação aos valores e
princípios que orientam as comunidades. Para que esses atores
possam contribuir para a transformação social em direção à jus-
tiça, solidariedade e democracia, é preciso que eles tenham cla-
reza dos problemas sociais sobre os quais pretendem atuar, do
sentido e dos fins dessa atuação, do ‘arsenal’ analítico, teórico e
conceitual a ser utilizado, das atividades a serem desenvolvidos
Práticas e Saberes de Extensão
21
Volume II

e, por fim, da metodologia de avaliação dos resultados (ou pro-


dutos) da ação e, sempre que possível, de seus impactos sociais.
(FORPROEX, 2012, p. 18)

A diretriz “Impacto na formação do estudante” aponta as ativi-


dades extensionistas como dimensão decisiva para a formação dos es-
tudantes, na medida em que amplia seu universo de referência ao pos-
sibilitar o contato com as situações representativas da complexidade
sociais e a experiência discente enriquecedora em termos de conheci-
mento teórico e metodológico (FORPROEX, 2012).
Finalmente, a diretriz “Impacto e transformação social” demons-
tra que a extensão universitária é instrumento de inter-relação entre
sociedade e universidade, instrumento transformador a serviço das
necessidades e interesses da população, apto a promover o desenvolvi-
mento social da região na qual está inserida, seja diretamente ou pela
contribuição às políticas públicas. É por meio dessas diretrizes que a
universidade adquire caráter político, ao possibilitar uma contribuição
da universidade mediante a extensão na reconstrução da comunidade
política (FORPROEX, 2012).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

À observação do percurso histórico do instituto da extensão, no-


ta-se que seu conceito não surge paralelamente à educação superior
brasileira, que se ocupou durante demasiado tempo com a sedimenta-
ção da função do ensino e da pesquisa como tipicamente acadêmicas.
Em que pese, aos poucos, a legislação apontar a incorporação da exten-
são ao tripé sustentáculo da universidade, esta ainda passa por crises
referenciais que comprometem sua atuação nessa instância.
Nesse sentido, as discussões oriundas do Fórum de Pró-Reitores
de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras apresentam signifi-
cativa contribuição por completarem espaços nos quais a legislação foi
omissa, pautadas em discussões comprometidas com os valores éticos
aos quais os compromissos da universidade devem aliar-se. Com base
no reconhecimento dessa contribuição, entende-se que as diretrizes
apresentadas pelo Fórum na Política Nacional de Extensão Universi-
tária de 2012 devem pautar as ações de extensão de instituições além
Daniel Ribeiro Preve; Ismael Francisco de Souza
22
& Milla Lúcia Ferreira Guimarães

daquelas com natureza jurídica pública, tendo a possibilidade de imple-


mentação por parte das universidades comunitárias, enquanto públicas
não estatais comprometidas com a transformação social da comunida-
de em que estão inseridas.
Nesse sentido, observa-se que a gradação dos documentos, le-
gais e bibliográficos, acabou por possibilitar ao Fórum a consolidação
do entendimento da extensão universitária, a título de conceito, como a
relação entre universidade e comunidade, pautada na cultura interdis-
ciplinar que a não dissocie da pesquisa e do ensino. O caráter inovador é
o reconhecimento da extensão universitária como elemento integrante
da formação universitária, e não mais subalterno. É o reconhecimento
da relação com a comunidade como dimensão institucional da univer-
sidade comunitária.
A percepção da extensão universitária como instrumento eficaz de
mudança social, tanto na universidade quanto na comunidade, instrumen-
to apto à promoção da justiça social que se relaciona à consolidação da
democracia, torna-se via relevante para enfrentar os desafios apresenta-
dos pela complexidade social brasileira, os quais devem ser enfrentados,
primeiramente, pela via estatal na garantia dos direitos fundamentais por
meio de políticas públicas que podem ser qualificadas pela interação com
a universidade, especialmente pela ação extensionista.

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Volume II

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versidade. Santa Maria: UFSM, 1977.
AÇÕES DE INTEGRAÇÃO
COMUNITÁRIA PARA
A GERAÇÃO DE EMPREGO E
RENDA COM PERSPECTIVA DA
MELHORIA DA QUALIDADE
DO AMBIENTE DE VIDA

Abel Corrêa de Souza


Mestre – acs@unesc.net

Gisele Silveira Coelho Lopes


Mestre – giselelopes@unesc.net

Ricardo Pieri
Especialista – rpi@unesc.net

Guilherme Spiazzi dos Santos


Acadêmico de Administração

Isabel Aparecida Pizzoli Padilha


Acadêmica de Administração

Silvio Freitas dos Santos Júnior


Acadêmico de Administração

RESUMO: O presente trabalho relata a experiência de um projeto de extensão universitária


aprovado pelo Edital Nº 26/2012 da Unidade de Ciência Sociais Aplicadas da Universidade
do Extremo Sul Catarinense – Unesc, cujo objetivo foi desenvolver atividades de extensão
universitária estimulando os moradores de duas comunidades na geração de trabalho e
renda. Quanto aos fins de investigação, este estudo se enquadra na pesquisa descritiva e
o meio de investigação foi a observação dos participantes. A população-alvo são os mora-
dores do condomínio Amanda Costa e as mulheres do clube de mães do bairro Cristo Rei
e bairros vizinhos pertencentes ao município de Içara – SC. A metodologia aplicada inicial-
mente previa aulas ministradas no formato professor-aluno. Com o decorrer das aulas, ob-
servou-se que o rendimento dos alunos estava aquém do esperado pela equipe do projeto,
pois se tratava de um público com experiência de vida e trabalho diferentes. Diante dessa
situação, houve a necessidade de mudanças na metodologia até então utilizada. Na nova
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes, Ricardo Pieri,
26
Guilherme Spiazzi dos Santos; Isabel Ap. Pizzoli Padilha & Silvio Freitas dos Santos. Jr.

metodologia, cada aluno passou a receber um atendimento focado exclusivamente na sua


realidade e necessidade relativa ao seu plano de negócio.

Palavras-chave: Empreendedorismo socioeconômico; empoderamento socioeconômico;


extensão universitária.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo relata a experiência de um projeto de extensão


universitária aprovado pelo Edital nº 26/2012 da Unidade de Ciência
Sociais Aplicadas da Universidade do Extremo Sul Catarinense – Unesc,
cujo objetivo foi desenvolver atividades de extensão universitária, esti-
mulando os moradores de duas comunidades na geração de trabalho e
renda, com capacitações sobre oportunidades e gestão de novos negó-
cios, relações humanas e administração financeira.
A área temática que enquadrou este projeto é o trabalho, cujas
linhas de extensão são: o empreendedorismo, a educação profissional
e o emprego e renda. A relevância deste trabalho se justifica pelo fato
de este atenderà determinação da LOAS, Lei 8.742/93, artigo 25, cujo
texto contempla “investimento econômico-social nos grupos popula-
res, buscando subsidiar, financeira e tecnicamente, iniciativas que lhes
garantam meios, capacidade produtiva e de gestão para melhoria das
condições gerais de subsistência, elevação do padrão da qualidade de
vida […]”.
O trabalho foi desenvolvido no residencial Amanda Costa, cujo
público envolvido são os moradores do condomínio e as mulheres do
clube de mães do bairro Cristo Rei e bairros vizinhos pertencentes ao
município de Içara – SC (Brasil).
O residencial Amanda Costa é uma obra financiada pela Caixa
Econômica Federal,por intermédiodo Programa Minha Casa Minha
Vida, desenvolvido pelo Governo Federal brasileiro, com o objetivo de
fomentar a demandapela casa própria para muitas famílias. Em geral, o
programa é desenvolvido em parceria com estados, municípios, empre-
sas e entidades sem fins lucrativos.
Essas famílias viviam praticamente às margens da pobreza, des-
providas de moradia e algumas até de emprego, residindo em espaços
diversos. Alguns eram dependentes de aluguel, outros de favor a ou-
Práticas e Saberes de Extensão
27
Volume II

tras famílias ou de moradias irregulares. Cerca de 800 pessoas foram


beneficiadas e passaram a morar nesse espaço, um condomínio ver-
tical com 172 apartamentos, inaugurado no dia 25 de novembro de
2011.
Com o assentamento das famílias, a Prefeitura Municipal de Iça-
raassumiu a responsabilidade de prestar assistência social às pessoas
desse condomínio. A partir do momento em que o município assumiu
esse papel, já se identificaram diversas demandas no contingente para
se resolverem os problemas humanos e sociais encontrados nele. Par-
tindo dessa realidade, professores do Curso de Administração da Unesc,
conscientes da missão da Universidade que é “Educar por meio do En-
sino, Pesquisa e Extensão, para promover a qualidade e a sustentabili-
dade do Ambiente de Vida”, identificaram a oportunidade de propor à
Prefeitura de Içara um Projeto de Extensão Universitária, que visasse à
capacitação para a geração de emprego e renda na perspectiva de me-
lhorar a qualidade do ambiente de vida das famílias. No ato do aceite
da proposta, foi evidenciada a importância de atender os moradores
do condomínio Amanda Costa e as mulheres pertencentes ao Clube de
Mães do Bairro Cristo Rei, bairro onde também está instalado o condo-
mínio.
Dessa forma, este estudo intencionou “apresentar as experiências
de extensão universitária em duas comunidades na geração de trabalho
e renda, com capacitações sobre as oportunidades e gestão de novos
negócios, relações humanas e administração financeira”.
Este trabalho está estruturado em capítulos. Na introdução (capí-
tulo 1), foi apresentado o projeto e os públicos envolvidos. No capítulo
2, é apresentada a fundamentação teórica sobre o empreendedorismo e
o empoderamento socioeconômico e a extensão universitária. No capí-
tulo 3, apresenta-se a metodologia utilizada; no capítulo 4,são descritos
os resultados; e, por fim, no capítulo 5, as considerações finais sobre o
trabalho realizado.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Nesta sessão, será apresentada a base teórica do projeto, que se


divide em dois subtemas: empreendedorismo social e extensão univer-
sitária.
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes, Ricardo Pieri,
28
Guilherme Spiazzi dos Santos; Isabel Ap. Pizzoli Padilha & Silvio Freitas dos Santos. Jr.

2.1 Empreendedorismo e empoderamento


socioeconômico

Projetos relacionados ao empreendedorismo social contribuem


significativamente para o desenvolvimento de uma nação. Isto é espe-
cialmente visível quando pessoas que são atendidas por esses proje-
tos conquistam novos conhecimentos gerenciais para suas pequenas
– e até informais – empresas. A existência de empresas atuando na in-
formalidade, muitas vezes, é gerida por pessoas que desconhecem os
auxílios que a legalidade oferta e o real processo de formalização, seja
uma empresa prestadora de serviços, varejo, atacado ou até mesmo in-
dústrias de micro e pequeno porte. Quando projetos que visam ao em-
preendedorismo na sociedade são criados, a elaboração de um plano de
negócios e acompanhamentos de gestores de negócios próprios a fim
de fomentar a sustentabilidade da organização em questão se mostra
necessária. Alguns programas do Sesi no Paraná reforçam essa teoria,
quando observado em seus participantes novas habilidades técnicas e
humanas após executado o projeto (LEZANA, 2008).
Alguns órgãos incentivados pelo governo, como Sesi, Sebrae, Se-
nai, em parceria com faculdades e universidades, procuram desenvol-
ver trabalhos voltados para o aquecimento da competitividade entre
organizações. Essa competição, realizada de forma sadia, possibilita
gestão inovadora por parte das organizações desafiadas, gerando em-
presas mais eficazes, minimizando custos e maximizando resultados.
Porém, alguns auxílios fornecidos por grandes empresas privadas como
forma de fomentar o empreendedorismo de microempresas não devem
possuir conotação de empreendedorismo social, mas de marketing so-
cial (MATTIELLO; VIEIRA; PREVIDELLI, 2008).
Frente aos tipos de ações de projetos para auxiliar comunida-
des a desenvolverem-se profissionalmente e ampliarem seus recursos
organizacionais, constata-se que a instalação de uma incubadora é de
grande valia para que essa ação aconteça. Em Campo Limpo, SP, foi de-
senvolvido um projeto para fomentar o desenvolvimento de empresas
nessa região. O foco na área do turismo contribuiu para que empresas
prestadoras de serviços turísticos, como pousadas e hotéis regionais,
ampliassem o número de atividades voltadas ao turismo e consequen-
temente maximizassem os seus resultados. Essa questão social, além de
possibilitar gestão sustentável às empresas, torna-se fonte de emprego
Práticas e Saberes de Extensão
29
Volume II

e renda para ummaior número de pessoas residentes do local e de suas


proximidades (SANTOS; CONCHETO, 2009).
No mesmo município (Campo Limpo, SP), tem-se trabalhado com
ONGs responsáveis para aflorar o empreendedorismo social. Alguns
projetos já estão em andamento, como a produção do biodiesel por
meio da reciclagem de óleos vegetais usados, tratando-se também de
questão ambiental. Sob essa perspectiva, a ONG procura pelo empreen-
dedorismo social trabalhar com reciclagem de materiais orgânicos, tra-
zendo assim preservação ambiental, social, além de produzir emprego e
renda para vários moradores da região de Campo Limpo, SP (VICENTE;
BRENDALIS; ALVES, 2009).
Ao se tratar de empreendedorismo social, seja por intermédio de
ONGs, incubadoras, projetos de extensão ou afins, deve-se compreen-
der algumas especificidades descritas no Quadro 1.

Quadro 1: As especificidades de empreendedorismo social sustentável


a) O público-alvo são pessoas que vivem em situações de risco social;

b) Atua na formação profissional, educacional e cultural das pessoas e grupos fami-


liares;

c) Tem caráter preventivo na solução dos problemas sociais;

d) Os bens adquiridos pelos beneficiados são, normalmente, intangíveis;

e) Inova em termos de geração de empregos e rendas;

f) Trabalha na conscientização dos beneficiados levando-os ao não comodismo;

g) Atua de forma dinâmica na solução dos problemas locais;

h) Critério de participação definido e respectivo controle são relativamente suficientes


para evitar a participação de pessoas e grupos não contemplados;

i) Trabalha de forma local e suas ações são pouco abrangentes e conhecidas fora de
sua área de atuação.
Fonte: Adaptado de Nassif; Prando e Cosentino (2010 p. 332).

Ao analisar o Quadro 1, tem-se a visão de alguns princípios bási-


cos que podem orientar um projeto de cunho empreendedor, social e
sustentável. No entanto, os projetos dessa natureza precisam desenvol-
ver responsabilidade, direitos e deveres para os participantes, a fim de
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes, Ricardo Pieri,
30
Guilherme Spiazzi dos Santos; Isabel Ap. Pizzoli Padilha & Silvio Freitas dos Santos. Jr.

que os mesmos possam dar continuidade às ações propostas, além de


inovarem constantemente (NASSIF; PRANDO; COSENTINO, 2010).
As responsabilidades, os direitos e os deveres devem ser repassa-
dos aos stakeholders, tornando um projeto sustentável. Essa ação deno-
mina-se social empowerment (empoderamento social), pois tem o pa-
pel de possibilitar a autonomia socioeconômica, permitindo emprego e
renda para as partes interessadas (CKAGNAZAROFF; MACHADO, 2008).
Ao analisar o projeto de uma organização não governamental
em funcionamento, percebe-se que a execução do empoderamento nas
pessoas socialmente vulneráveis torna-se bastante frágil, pois ela geral-
mente possui alguns tipos de preconceitos, traumas, ameaças e, além
disso, muitas vezes não possui recursos suficientes para deslocar-se de
sua residência para o local a qualquer momento, sob quaisquer circuns-
tâncias, para resolver problemas. Sob esse ponto de vista, o empode-
ramento deve ser reajustado e reavaliado para que o indivíduo possa
honrar seus compromissos. Esse processo deve ser acompanhado por
profissionais da área da Administração e da Psicologia, os quais mini-
mizarão as falhas do processo de reposição do profissional em questão
(CKAGNAZAROFF; REIS; PEREIRA, 2006).

2.2 Extensão universitária

O exercício da extensão universitária envolve muitos stakehol-


ders, por exemplo, a sociedade externa, a universidade, os acadêmicos
e os professores. A sociedade tem interesse na extensão universitária,
pois, por meio dela, poderá se desenvolver socioeconomicamente. A
universidade também possui interesse na extensão, pois esta fortale-
ce seu nome, sua marca, sua identidade. Para os alunos,tais atividades
agregam valores práticos justapostos com valores teóricos infindáveis.
Para os docentes, a extensão traz consigo informações que, de certa for-
ma,colocam em prática seus conhecimentos e os aperfeiçoam nas diver-
sas modalidades existentes. Analisando alguns benefícios alcançados
pela extensão, pode-se dizer que esta modalidade agrega informação a
todas as partes aqui citadas (HENNINGTON, 2005).
Um estudo focado em acadêmicos evidencia o quão importante
torna-se a extensão universitária para a aquisição do conhecimento
pela prática, tornando-os cérebros pensantes a partir de pesquisa–ação.
Práticas e Saberes de Extensão
31
Volume II

Esse pensar traz questionamentos, inovações e resultados efetivos que


visam ao aperfeiçoamento das técnicas teóricas e do próprio acadêmico
como ser social (PONTE et al., 2009).
A extensão universitária é dirigida a questões mais amplas, de
forma a que seus projetos possuam duplo compromisso. No primeiro
momento, a extensão deve se preocupar em fazer a interlocução com
o ensino e a pesquisa, além de atingir o maior número possível de tro-
cas de informações, por meio da interdisciplinaridade, formando uma
corrente de raciocínio baseada em pensamentos concisos. No segundo
momento, ela deve alcançar sociedades de grande vulnerabilidade so-
cioeconômica, a fim de dar oportunidades a ela gerando mais empregos
e melhores rendas (ARROYO; ROCHA, 2010).
O projeto de extensão universitária, reforça-se,deve ser sempre
de viés social. Trabalhos desenvolvidos por mestres e doutores em so-
ciedades locais do Rio de Janeiro fomentaram a mudança e melhoria de
vida de mais de 850 pessoas, proporcionando a estas maior autoestima
e melhor retorno financeiro. Projetos dessa legitimação trazem consigo
um ensino-aprendizagem entre educandos e educadores. Dessa forma,
o projeto fica tão difundido na sociedade que fica difícil o desligamento
entre ambos (CRUZ et al., 2011).
É possível dizer que os projetos de extensão universitária vêm
contribuindo muito pelo bem-estar da sociedade brasileira. Universi-
dades que investem em projetos dessa modalidade contribuem não
somente para o aprendizado dos alunos e professores participantes,
como também para melhorar a vida do público envolvido. Quando a
universidade consegue, mediante um projeto de extensão, envolver
acadêmicos na ajuda à comunidade de vulnerabilidade socioeconômi-
ca, conquista-se um grande passo no mundo universitário. A iniciativa
de desenvolver projetos que ajudam no crescimento pessoal e profis-
sional de pessoas sob vulnerabilidade socioeconômica, desprovidas,
muitas vezes, de moradia e emprego, coloca as universidades brasi-
leiras mais próximas de alcançar os seus principais objetivos, quais
sejam o apoio ao desenvolvimento da comunidade local. Vale desta-
car que não somente o desenvolvimento do público envolvido, mas
também do aluno extensionista. Trabalhar com extensão universitá-
ria permite ao acadêmico, entre tantas outras coisas, ser conhecedor
da atual situação de extrema pobreza de muitas famílias brasileiras
(FERNANDES et al, 2012).
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes, Ricardo Pieri,
32
Guilherme Spiazzi dos Santos; Isabel Ap. Pizzoli Padilha & Silvio Freitas dos Santos. Jr.

3 METODOLOGIA
O presente estudo possui como fim de investigação a pesquisa
descritiva, pois visa descrever a experiência de acadêmicos extensio-
nistas e professores da extensão universitária sobre o campo do em-
preendedorismo e empoderamento socioeconômico. Já em relação ao
meio de investigação, foi utilizada a observação participante, pois os
pesquisadores se envolveram com os pesquisados (VERGARA, 2009).
Em relação às técnicas de coleta de dados, foram utilizados diá-
rios de campo (MINAYO, 1993) como forma de registros de percepções
dos acadêmicos extensionistas em todos os encontros. De acordo com
os encontros, os extensionistas compunham os diários individualmen-
te, a fim de obter várias percepções, e depois refletiam com os professo-
res orientadores do projeto extensionista.
A pesquisa deu-se por métodos qualitativos (SAMPIERI; COLLA-
DO; LÚCIO, 2006), tendo os resultados apresentados pelos relatórios
dos acadêmicos extensionistas, mediante a observação do desempenho
dos participantes, bem como a percepção destes sobre o conteúdo mi-
nistrado em cada encontro.
A população-alvo deste estudo são homens e mulheres, sob risco
social e/ou pessoal, moradores do condomínio Amanda Costa, situado
no bairro Cristo Rei em Içara, SC.
Inicialmente, o projeto teve 50 inscritos, com encontros (horas-
-aula) realizados semanalmente, nas terças-feiras, das 13h30 às 16h30.
Após a considerável evasão, pois hoje há apenas nove participantes/be-
neficiados, o projeto encaminhou-se para outro modelo de ensino, o de
consultoria pessoal, fazendo com que extensionistas e professores acom-
panhassem os participantes individualmente, proporcionando a solução
de dúvidas e o auxílio nos processos de gestão empresarial.

4 RESULTADOS
A Unesc, enquanto universidade comunitária, possui a missão
de “Educar, por meio do ensino, pesquisa e extensão, para promover a
qualidade e a sustentabilidade do ambiente de vida”. Frente a tal pers-
pectiva, este trabalho buscou promover ações de extensão universitária
direcionadas ao Empreendedorismo e Plano de Negócios em comunida-
des desprovidas de emprego e renda, a fim de promover a autonomia e
o empoderamento econômico e social.
Práticas e Saberes de Extensão
33
Volume II

Esta ação conta com o trabalho de professores do Curso de Admi-


nistração e acadêmicos extensionistas que estimulam as comunidades
atendidas na criação de novas ideias para transformá-las em oportuni-
dades de negócios. É importante evidenciar que o esforço desprendido
pelo grupo de acadêmicos extensionistas em trabalhar junto à comuni-
dade tem propiciado a associação da teoria aprendida em sala de aula
com a prática por meio da extensão.
A iniciativa originou-se de um projeto de extensão aprovado via
Edital com fomento da própria Universidade, o qual objetivou desenvol-
ver atividades de extensão universitária, estimulando os moradores de
duas comunidades do município de Içarana geração de trabalho e ren-
da, com capacitações sobre oportunidades e gestão de novos negócios,
relações humanas e administração financeira.
Para assegurar a qualidade e a eficácia do projeto, quatro pro-
fessores acompanham o processo, enquanto o grupo de acadêmicos
extensionistas atende semanalmente cada cidadão frequentador das
atividades onde é realizado o trabalho. É importante destacar o fato de
que a metodologia adotada demandou melhorias contínuas para servir
ao público. Este trabalho é acompanhado de forma conjunta pelos pro-
fessores da Unesc e pela prefeitura do município de Içara.

4.1 A demanda
A partir de experiências anteriores de quatro professores do Cur-
so de Administração da Unesc em atividades de extensão em comuni-
dades desprovidas de autonomia e empoderamento socioeconômico,
surgiu a ideia de expandir a prática do Empreendedorismo e Plano de
Negócios em outras comunidades. Nesse sentido, a equipe de professo-
res visitou a Prefeitura de Içarapara apresentar a proposta, a qual foi
bem recebida pelo atual prefeito e pela secretária de assistência social,
que apresentou o desafio de implantar o projeto numa comunidade
contemplada pelo Programa do Governo Federal “Minha Casa Minha
Vida” e com as mulheres do Clube de Mães do mesmo bairro onde o
condomínio foi construído. É importante frisar que o programa “Minha
Casa, Minha Vida” é destinado a famílias de baixa renda na obtenção da
sua casa própria, mas não aborda questões como geração de renda, ou o
seu melhoramento e a administração dos recursos pessoais.
A justificativa para a escolha dessas duas comunidades apresen-
tadas pelo prefeito e pela secretária de assistência social foi de que os
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes, Ricardo Pieri,
34
Guilherme Spiazzi dos Santos; Isabel Ap. Pizzoli Padilha & Silvio Freitas dos Santos. Jr.

moradores do condomínio contemplado pelo Programa Minha Casa Mi-


nha Vida, denominado Amanda Costa, tem apresentado muitos confli-
tos sociais pela divisão dos espaços. Outrora,esses moradores viviam
num espaço geográfico onde eles mesmos definiam as próprias regras e
limites; porém, a partir do momento em que começaram a morar num
local dividido entre várias famílias, começaram a surgir os desconfortos
e conflitos por desrespeito às regras definidas pelo condomínio. Além
dos conflitos interpessoais, alguns moradores são desprovidos de em-
prego e renda e dependem de auxílio do governo local para garantir o
sustento da família. Há outro grupo de moradores em que um dos côn-
juges não possui ocupação e tem interesse de encontrar uma alternativa
para auxiliar na renda da família.
A outra comunidade sugerida foi o Clube de Mães, localizado no
mesmo bairro em que foi construído o condomínio Amanda Costa. Essas
mães se reúnem semanalmente para aprender a desenvolver atividades
de bordados, pinturas e artesanato, que as permitem produzir para o con-
sumo próprio e/ou comercializar com vista a ampliar a renda familiar.
Diante dessa realidade, tais demandas requerem ações imediatas
para que não cresçam e se tornem mais graves com o passar do tempo.
Foi com base nesse cenário que professores do Curso de Administra-
ção da Unesc, junto com a prefeitura de Içara, buscaram a oportunidade
de promover a capacitação e integração comunitária dos residentes do
bairro Cristo Rei do município citado.

4.2 Início das atividades

Em março de 2013, o projeto já era uma realidade, e uma reunião


entre a prefeitura de Içara e os acadêmicos extensionistas e professores
responsáveis pelo projeto foi realizada. Com o planejamento elaborado,
os acadêmicos extensionistas entraram em contato com a população
residente do bairro Cristo Rei, mais especificamente com os residentes
do condomínio Amanda Costa e as mulheres do Clube de Mães, em abril
de 2013. Durante as visitas, foi explanada a importância da iniciativa e
o seu objetivo. Os interessados em ingressar no projeto foram devida-
mente inscritos e notificados sobre o cronograma de atividades. Em maio
de 2013 aconteceu a aula inaugural nas dependências do condomínio
Amanda Costa. A solenidade foi marcada pela presença de 50 inscritos,
os acadêmicos, professores e autoridades da prefeitura de Içara e Unesc.
Práticas e Saberes de Extensão
35
Volume II

4.3 Metodologia de extensão prevista

A metodologia aplicada inicialmente previa aulas divididas em


seis oficinas que seriam ministradas no formato professor-aluno com o
auxílio de vídeos e imagens.

Quadro 2: Cronograma das Oficinas e Conteúdos


Carga
Oficinas Conteúdos Realização
Horária

Nivelamento dos conceitos sobre


perspectivas de novos negócios
Oficina I 15 horas abr.2013
de acordo com as competências e
habilidades do público assistido;

Reflexões sobre relações humanas:


Oficina II a) momentos de reflexão; 15 horas maio2013
b) dinâmicas de grupo;

Formas de organização de
Oficina III empreendimentos (empresa 10 horas jun.2013
individual, associativismo etc.);

Interdisciplinaridade no processo
de gestão de um empreendimento
Oficina IV 25 horas jul./set.2013
(mercadológica, estratégica,
operacional e gestão financeira);

Oficina V Estruturação dos planos de negócios; 25 horas set./nov.2013

Exposição dos planos de negócios


Oficina VI junto à comunidade local, centro do 20 horas nov./dez.2013
município e campus da universidade.
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores.

As primeiras aulas abordaram os temas: empreendedorismo, im-


portância de trabalhar em equipe, empresa individual, associativismo,
cooperativismo, sociedade, conceito de negócio e visão. Com o decorrer
das aulas, observou-se que o rendimento dos alunos estava aquém do
esperado pela equipe de professores e acadêmicos extensionistas. Ape-
sar de a metodologia aplicada já ser bastante conhecida e utilizada em
outra comunidade, observou-se um déficit de aproveitamento por parte
dos participantes.
A equipe, juntamente da prefeitura, entendeu que o público, por
possuir uma faixa etária entre 30 e 70 anos,já não dispunha de paciên-
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes, Ricardo Pieri,
36
Guilherme Spiazzi dos Santos; Isabel Ap. Pizzoli Padilha & Silvio Freitas dos Santos. Jr.

cia e nível cultural para acompanhar o raciocínio das oficinas. Foi per-
ceptível que as pessoas queriam ser compreendidas individualmente e
as oficinas tratavam de esclarecer os problemas coletivamente.
As evidências de que alguma coisa tinha que melhorar foi manifes-
tada pela evasão de alguns participantes. À medida que os acadêmicos
entravam em contato com os faltantes, eles manifestavam tais descon-
tentamentos, além de outras justificativas como não ter mais idade para
estudar, é mais importante procurar um emprego do que estudar, etc.
Diante dessa realidade, melhorias se fizeram necessárias na meto-
dologia até então utilizada, as quais serão apresentadas na seção seguinte.

4.4 Nova metodologia de extensão Utilizada


Durante os seis primeiros encontros,pôde-se traçar melhor o per-
fil dos alunos atendidos pelo projeto, sendo possível compreender que
se tratava de um público adulto com experiência de vida e profissional.
Esse perfil exigia um trabalho mais prático e objetivo, uma visão desa-
fiadora e diferente da inicial proposta. Num primeiro momento, pouca
informação estava sendo retida e, além da dificuldade na compreensão,
o grupo parecia desmotivar-se com facilidade. Após uma análise feita
pelos acadêmicos extensionistas e os professores responsáveis, con-
cluiu-se que o público atendido absorvia melhor o conteúdo e conse-
guia encontrar uma correlação com a realidade quando lhes eramapre-
sentadas questões práticas e diretamente ligadas à realidade de cada
indivíduo. Com isto, a necessidade de mudança se fez obrigatória e op-
tou-se por um modelo novo e desafiador, uma vez que cada aluno pas-
sou a receber um atendimento focado exclusivamente na sua realidade
e necessidade relativa ao seu plano de negócio.
Neste novo modelo, cada participante é orientado por um aca-
dêmico extensionista, sob a supervisão dos professores responsáveis
pelo projeto. A vantagem é que o participante é orientado para se au-
todesenvolver, pois,por meio do diálogo, é possível identificar suas po-
tencialidades e fragilidades profissionais. Nessa orientação, um perfil
do futuro empreendedor é traçado para então direcioná-lo da melhor
forma possível. Questões como planejamento, direcionamento, valo-
res, organização e visão são discutidos buscando consolidar as ideias
de forma clara e científica. Neste estudo, o participante elabora um
plano de negócios que servirá como base para o seu negócio e even-
Práticas e Saberes de Extensão
37
Volume II

tual sucesso profissional. No momento da construção do plano de ne-


gócios, o participante é orientado a trazer informações sobre o seu
novo negócio, além de propiciar que o mesmo enxergue a viabilidade
ou não dessa ideia.
Nesta nova metodologia, permaneceram nove participantes que
realmente têm clareza do que querem para si. O restante desistiu, pois
o ócio ainda é uma alternativa confortável, tendo em vista as muitas
possibilidades assistenciais que podem aproveitar. Na medida em
que é necessário um esforço maior para identificar oportunidades de
ampliar a renda, é requerido desse indivíduo uma entrega e dedica-
ção para colocar a ideia em prática. Foi possível perceber que ainda
muitas pessoas dessas comunidades não conseguem enxergar que são
capazes de sair da zona de conforto e se acomodam aguardando que
alguém lhes ajude.

Quadro 3: Projetos em andamento


Projetos Objetivo

I Reforma, expansão, gestão e aumento do Market Share de um minimercado.

Levantamento de custo, estratégia de venda, mix de produtos, prospecção


II
das necessidades do mercado e oportunidade de venda de pães caseiros.

Levantamento de custo, estratégia de venda, mix de produtos, prospecção


III das necessidades do mercado e oportunidade de venda de artesanato e cro-
chês.

Levantamento de custo, aumento no número de clientes, gestão e inserção


IV
no mercado na área de instalação elétrica residencial e predial.

Trabalho artesanal, levantamento de custo, aumento da produção, gestão,


V
vendas e inserção no mercado.

Planejamento de uma empresa de turismo voltado para a América do Sul,


VI com a assistência de um guia formado em arqueologia e profundo conhece-
dor de lugares não comumente visitados.

Análise e estruturamento de uma empresa da construção civil focando novas


VII
obras, restaurações e reformas.

Viabilização da rentabilidade, controle de fluxo, planejamento estratégico e


VIII
previsão de demanda de um estabelecimento do ramo alimentício.

Estudo sobre a viabilidade e planejamento no oferecimento de catering para


IX
festas e eventos.
Fonte:Elaborado pelos pesquisadores.
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes, Ricardo Pieri,
38
Guilherme Spiazzi dos Santos; Isabel Ap. Pizzoli Padilha & Silvio Freitas dos Santos. Jr.

Considerando o objetivo dos participantes, ficou evidente a ne-


cessidade individual em questões básicas como a compreensão dos cus-
tos, estratégia de venda, produção, rentabilidade e análise de mercado,
entre outros. Conhecer a necessidade de cada indivíduo foi de suma im-
portância para o direcionamento das ações individuais e para o direcio-
namento no desenvolvimento do plano de negócios de cada um.

4.5 Expectativa de resultados

O objetivo, além de uma estruturação profissional sólida, é a in-


dependência financeira e a emancipação individual daqueles que per-
maneceram. Busca-se que aqueles que finalizarem o plano de negócios
sejam capazes de gerir o seu próprio negócio com propriedade, com
capacidade para enfrentar as adversidades da economia e do mercado.
Que possam planejar o seu crescimento e, principalmente, contribuir
para melhorar a situação socioeconômica da sua região. O projeto tem a
intenção de continuar com o trabalho nos anos seguintes, visando pro-
piciar a oportunidade para que adultos possam agregar conhecimento
administrativo e tornarem-se capazes de comandar suas empresas.

5 CONCLUSÃO

A experiência proporcionada pelo trabalho desenvolvido junto ao


condomínio Amanda Costa e clube de mães do bairro Cristo Rei e bairros
vizinhos serviu como grande ponte entre professores e alunos extensio-
nistas do curso de administração da Unesc para a geração de novos tra-
balhos com pessoas e/ou comunidades desprovidas de recursos sociais
básicos, tais como moradia e renda financeira para viver com dignidade.
O contato com o público-alvo das atividades, objeto do projeto de
extensão, fez com que fossem desenvolvidas atividades focadas no de-
senvolvimento pessoal e financeiro dessas pessoas. Para que o objetivo
fosse alcançado, foram programadas aulas semanais com duas horas de
duração e os assuntos apresentados seriam conceitos sobre perspecti-
vas de novos negócios, de acordo com as competências e habilidades do
público assistido, reflexões sobre relações humanas, formas de organi-
zação de empreendimentos seja individual ou em forma de associati-
vismo, conteúdos na área mercadológica, gestão financeira, estratégica
operacional e estruturação de planos de negócio.
Práticas e Saberes de Extensão
39
Volume II

A execução do conteúdo das aulas seria no formato tradicional,


no modelo aluno-professor, sendo que o conteúdo programado seria
lecionado pelos alunos extensionistas e professores do projeto. Porém,
houve a necessidade de mudança na metodologia programada, pois se
tratava de um público-alvo diferente daqueles que o grupo do proje-
to estava acostumado a trabalhar. Percebeu-se que o público era mais
adulto, com experiências e profissões diferentes, e também com expec-
tativas distintas em relação à proposta do projeto. Na nova metodologia
adotada os alunos participantes do projeto começaram a ser atendidos
de forma individual na construção de um plano de negócio referente à
empresa que gostariam de abrir no futuro.
Pode-se concluir que as experiências obtidas neste projeto pelos
alunos extensionistas servirá como base para colocar em prática novos
projetos que surgirão no futuro. Trabalhar com pessoas que não têm
conhecimento algum do assunto proposto exige maior esforço do que
trabalhar com pessoas que já têm um conhecimento do que está sendo
apresentado. Nesse sentido, os alunos e professores extensionistas tra-
balham com mais entusiasmo, no sentido de ensinar questões impor-
tantes a alguém que tem o desejo de aprender algo valioso para a sua
vida pessoal e profissional.

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php/RMPE/article/view/47/37>. Acesso em: 15 ago. 2013.
ENSINO DO EMPREENDEDORISMO
EM UMA ESCOLA MUNICIPAL DE
CRICIÚMA – SC

Andréia Cittadin
Unesc – aci@unesc.net

Beatriz da Silva Pereira


Unesc – beatriz.silva.p@gmail.com

Edson Cichella
Unesc – cichella@cssd.com.br

Elisiane da Rosa Moraes


Unesc – lhi_sy@hotmail.com

Everton Perin
Unesc – everton@unesc.net

Milla Lúcia Ferreira Guimarães


Unesc – mlg@unesc.net

RESUMO: O projeto de extensão universitária Educar para Empreender, com o objetivo


de disseminar conceitos sobre empreendedorismo, desenvolveu uma metodologia para ser
aplicada no ensino fundamental de uma escola da rede municipal de Criciúma – SC. A partir
de reuniões entre os extensionistas, Secretaria da Educação e equipe diretiva da escola, ela-
borou-se a proposta pedagógica de inserção dessa temática, que contemplou capacitação
dos professores, material didático, palestras, atividades lúdicas e visitas técnicas em empre-
sas. Oobjetivo deste artigo consiste em verificar a percepção dos alunos da Escola Municipal
Hercílio Amante sobre empreendedorismo após o término do projeto. Este estudo é descri-
tivo e de levantamento, realizado por meio de questionários. A análise dos dados ocorreu
de forma qualitativa e quantitativa. Os resultados apontam que: a) o empreendedorismo
pode ser inserido no ensino fundamental como complemento aos tradicionais conteúdos
programáticos; b) o projeto contribuiu para o aumento das horas de estudo e para a reflexão
das expectativas profissionais; e c) as atividades fomentaram a melhoria na atitude pessoal
em relação às ações empreendedoras, mudança de comportamento e questões de cidada-
nia. Conclui-se que a educação empreendedora é fundamental para formação dos jovens,
os quais serão responsáveis pelo futuro desenvolvimento econômico e social do país.

Palavras-chave: Empreendedorismo. Educação empreendedora. Ensino fundamental.


Andréia Cittadin; Beatriz da Silva Pereira, Edson Cichella;
42
Eliane da Rosa Moraes, Everton Perin & Milla Lúcia Ferreira Guimarães

1 INTRODUÇÃO

O empreendedorismo é um assunto que vem se destacando ao


longo dos anos, pois envolve a geração de renda e o desenvolvimen-
to econômico e social. Desse modo, acredita-se que inserir conteúdos
sobre empreendedorismo no ensino fundamental pode contribuir para
a formação de jovens empreendedores e, consequentemente, cidadãos
comprometidos com as transformações sociais.
O ensino fundamental tem por objetivo a formação básica do ci-
dadão e se inicia a partir dos seis anos de idade, estendendo-se até os
quatorze (BRASIL, 2006). É nessa etapa da educação que ocorre o de-
senvolvimento da capacidade de aprendizado do aluno, principalmente
em relação à leitura, redação e cálculo. Além disso, o estudante precisa
compreender as questões políticas, econômicas, sociais, ambientais e
de cidadania.
Apesar do progresso econômico alcançado pelo Brasil, a realida-
de social é outra, pois o país apresenta a maior desigualdade de renda
do cenário mundial (DEGEN, 2009). Nesse contexto, marcado por desi-
gualdades sociais e pela fragilidade e fragmentação da educação,perce-
be-se a necessidade de inserir ações de prevenção à evasão escolar e à
falta de perspectiva profissional dos alunos dos anos finais do ensino
fundamental.
Uma das funções das universidades, fundamentada na indissocia-
bilidade do ensino–pesquisa–extensão, com intuito de promover e inte-
grar saberes e sociedade, vem ao encontro da necessidade atual do país,
carente de cidadãos que, por meio de sua formação, transformem posi-
tivamente a realidade na qual atuarão. Fato que justifica a realização do
projeto de extensão universitária: Educar para Empreender – EPE, rea-
lizado no ano de 2011, cujo objetivo foi desenvolver uma metodologia
para disseminar conceitos sobre empreendedorismo em uma escola da
rede municipal de ensino de Criciúma – SC.
Assim, ao final do projeto, surgiu a seguinte indagação: qual a
contribuição do projeto Educar para Empreender para a formação
pessoal e profissional dos alunos da Escola Municipal Hercílio Amante
embasada nos conceitos de empreendedorismo? Logo, traçaram-se os
seguintes objetivos específicos: i) descrever a experiência de extensão
universitária; ii) apresentar a proposta pedagógica de inserção do em-
Práticas e Saberes de Extensão
43
Volume II

preendedorismo no ensino fundamental desenvolvida; iii) identificar o


perfil dos alunos envolvidos no projeto; iv) investigar as perspectivas
profissionais e características empreendedoras dos alunos antes e de-
pois do projeto.
Este artigo está estruturado em cinco seções, incluindo esta in-
trodução. A segunda trata da fundamentação teórica que abrange as-
pectos sobre empreendedorismo, educação empreendedora e extensão
universitária. A terceira seção descreve a metodologia da pesquisa e, na
quarta, apresentam-se a descrição e análise dos dados. Por fim, a quinta
é dedicada às conclusões.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Nesta seção, apresenta-se a fundamentação teórica do projeto


envolvendo aspectos pertinentes ao conceito de empreendedor e em-
preendedorismo, educação empreendedora e extensão universitária.

2.1 Empreendedor e empreendedorismo

A palavra empreendedor (entrepreneur) tem origem francesa e


significa aquele que assume riscos e começa algo novo (DORNELAS,
2005; CHIAVENATO, 2005). Para Dolabela (1999, p. 68), “o empreende-
dor é alguém que define por si mesmo o que vai fazer em que contexto
será feito. Ao definir o que vai fazer, leva em conta seus sonhos, desejos,
preferências, o estilo de vida que quer ter”.
Segundo Chiavenato (2005, p. 4),

[...] os empreendedores são heróis populares do mundo dos ne-


gócios. Fornecem empregos, introduzem inovações e incentivam
o crescimento econômico. Não são simplesmente provedores de
mercadorias ou de serviços, mas fontes de energia que assume
riscos inerentes em uma economia em mudança, transformação
e crescimento.

Nota-se que o empreendedor é um agente de transformação na


sociedade, pois por meio de ideias e atitudes realiza algo novo que con-
tribui para o crescimento econômico, geração de emprego e renda. Por-
Andréia Cittadin; Beatriz da Silva Pereira, Edson Cichella;
44
Eliane da Rosa Moraes, Everton Perin & Milla Lúcia Ferreira Guimarães

tanto, empreender é a arte de fazer acontecer, de transformar sonhos


em realidade. É enfrentar desafios e participar desse cenário estimu-
lante e provocante, uma vez que as oportunidades existem. É também
perceber essas oportunidades e associá-las ao sonho e desejo de trans-
formá-las em realidade (DORNELAS, 2005).
Nesse contexto, Degen (2009) descreve o empreendedor bem-su-
cedido como alguém inconformado com os produtos e serviços dispo-
níveis e que procura melhorá-los, ou que cria novos produtos e serviços
para superar os existentes. Ademais, como alguém que impõe sua ma-
neira de fazer a despeito das empresas já estabelecidas.
O empreendedorismo, por sua vez, está relacionado às pessoas
que são capazes de desenvolver o processo empreendedor, o qual con-
siste em transformar ideias e sonhos em oportunidades e fazer esses
ideais darem certo (DORNELAS, 2005).
Os empreendedores apresentam algumas características, tais
como: iniciativa, autonomia, autoconfiança, otimismo, necessidade
de realização; perseverança e tenacidade para vencer obstáculos; sa-
bem fixar metas e alcançá-las; lutam contra padrões impostos; sabem
buscar, utilizar e controlar recursos; traduzem seus pensamentos em
ações; têm comprometimento e creem no que faz (DOLABELA, 2003).
Em estudo recente, Zampier e Takahashi (2011) resumem que os
empreendedores são comumente identificados em relação às caracte-
rísticas de inovação e reconhecimento de oportunidades.
De acordo com Dornelas (2005), o talento empreendedor resul-
ta da percepção, direção, dedicação e muito trabalho associado a boas
ideias. No entanto, ser empreendedor não é questão apenas de acúmulo
de conhecimento e boas ideias, mas atitudes, comportamentos, percep-
ção do mundo e de si mesmo, estar voltado para atitudes em que o risco,
a capacidade de inovar e perseverar são elementos indispensáveis.
De modo geral, considerava-se que ser empreendedor era algo
nato, ou seja, a pessoa nascia com um diferencial sendo predestinado
ao sucesso na área de negócios. Atualmente, esse entendimento mudou.
Acredita-se que o processo pode ser ensinado e aprendido por qualquer
pessoa, sendo o sucesso decorrente de vários fatores internos e exter-
nos (DORNELAS, 2005).
Para Dolabela (2003, p. 24), “o espírito empreendedor é um po-
tencial existente em qualquer ser humano que precisa ser desenvolvido
Práticas e Saberes de Extensão
45
Volume II

e estimulado para que possa produzir efeitos”. Os empreendedores na-


tos continuam existindo, porém muitos outros podem ser capacitados
para criação de novos negócios.
Acreditando ser uma das atribuições da escola construir compe-
tências e preparar os jovens para a vida, Perrenoud (2013) sugere a in-
serção no currículo de disciplinas com essa finalidade e relaciona uma
série de saberes que julga pertinente serem oportunizados aos jovens
no ambiente escolar. Como, por exemplo, saber orientar-se no mundo
do trabalho, defender seus direitos, posicionar-se, ser ouvido, negociar,
assumir responsabilidades, ter espírito de liderança, impor e manter
autonomia, planejar, criar cenários e estratégias de futuro. Para o au-
tor, as competências a serem desenvolvidas ou ampliadas necessitam
fundamentar-se em situações concretas da realidade da região onde os
jovens estão inseridos.
O conceito de competência assumido no projeto de extensão e
nesta pesquisa é o apresentado por Perrenoud (1999, p. 10) como “uma
capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação,
apoiado em conhecimento, mas sem limitar-se a eles”, envolvendo co-
nhecimento (saber), habilidade (saber–fazer) e atitude (saber–ser).
Verifica-se que as características empreendedoras são possíveis
de serem ensinadas e aprendidas desde que o ambiente seja favorável.
Faz parte das responsabilidades da escola preparar os jovens para vida
e a inserção da temática do empreendimento, extrapolando os tradi-
cionais conteúdos programáticos, oportunizando o desenvolvimento de
competências para tanto.

2.2 Educação empreendedora


Segundo Dolabela (1999, p. 30), “o desenvolvimento econômico e
de uma comunidade está ligado ao grau de empreendedorismo que esta
possui, pois, os valores e fatores de inovação tecnológica que este traz
para a sociedade, fazem com que ocorra o desenvolvimento econômico”.
A educação empreendedora é uma forma de garantir o cresci-
mento da economia e o desenvolvimento da sociedade. A introdução da
cultura empreendedora no ensino é o primeiro passo para formar uma
cultura que tenha como prioridade valores como geração e distribuição
de riquezas, independência, inovação, criatividade, autossustentação,
liberdade e desenvolvimento econômico (DOLABELA, 1999).
Andréia Cittadin; Beatriz da Silva Pereira, Edson Cichella;
46
Eliane da Rosa Moraes, Everton Perin & Milla Lúcia Ferreira Guimarães

Para Dornelas (2005), o ensino do empreendedorismo deve fo-


car na identificação e no entendimento das habilidades do empreen-
dedor; na identificação e análise de oportunidades; na importância
do empreendedorismo para o desenvolvimento econômico; em como
preparar e utilizar um plano de negócios; em como identificar fontes e
obter financiamento para o novo negócio; e em como gerenciar e fazer
a empresa crescer.
Além disso, para Dolabela (1999, p. 37), “o empreendedor deve
apresentar alto comprometimento com o meio ambiente e com a co-
munidade; ser alguém com forte consciência social. A sala de aula é um
excelente lugar para o debate desses temas”.
Ademais, os métodos sugeridos para ensinar empreendedorismo
são os que têm orientação à ação, embasados em vivências e experiên-
cias passadas e presentes (VIEIRA; MELATTI; RIBEIRO, 2011).
Bulgacov et al. (2011, p. 701), ao pesquisarem sobre a trajetória
do jovem brasileiro no empreendedorismo, no período compreendido
entre os anos de 2001 a 2008, mencionam que “empreender é visto
como um processo de aprendizagem que, através da prática, transfor-
ma as identidades e as habilidades dos indivíduos para participar do
mundo, para mudar tudo ou alguma coisa, para mudar a si próprios”.
Além disso, a ação empreendedora “constitui histórias pessoais na re-
lação com a história das comunidades, conectando o passado ao futuro,
num processo tanto individual como coletivo” (BULGACOV et al., 2011,
p. 701).
Embora o ensino do empreendedorismo não seja tema novo, ele
tem sido predominantemente ligado ao ensino superior. Mocellin et al.
(2008) apresentam como proposta a educação empreendedora aliada à
educação tradicional no ensino fundamental, visando não somente ao
alcance da autonomia do sujeito, mas também ao desenvolvimento do
raciocínio e da criatividade.
Portanto, a educação empreendedora possibilita, em todos os ní-
veis educacionais, a formação de profissionais criativos e inovadores,
o que beneficia o desenvolvimento econômico, favorecendo, especial-
mente, a futura geração,a distribuição de empregos e renda e a forma-
ção de uma sociedade mais justa.
Práticas e Saberes de Extensão
47
Volume II

2.3 Extensão Universitária

A extensão constitui o meio de inserção da universitária na socie-


dade, permitindo a integração entre o ensino e a pesquisa. Nesse con-
texto, o caminho apresentado não é unilateral da universidade para a
sociedade. Conforme ressalta Jezine (2004, p. 1),

[...] há a preocupação em auscultar as expectativas produzidas


pela sociedade, bem como em valorizar o contexto em que as ati-
vidades se inserem, na busca de uma relação de reciprocidade,
mutuamente transformadora, em que o saber científico possa se
associar ao saber popular, a teoria à prática em um constante mo-
vimento dialético permeado pela realidade social e a experiência
do pensar e fazer.

O Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas


Brasileiras (FORPROEX) apresenta o conceito de Extensão Universitá-
ria como sendo “um processo interdisciplinar, educativo, cultural, cien-
tífico e político que promove a interação transformadora entre Univer-
sidade e outros setores da sociedade” (FORPROEX, 2012, p. 15).
Desde a Constituição da República Federativa do Brasil, promul-
gada no ano de 1988, a extensão universitária passou a contemplar a
agenda de discussões, especialmente nas universidades. Logo, “as uni-
versidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de
gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indisso-
ciabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (BRASIL, 1988).
Posteriormente, a Lei nº 9.394, de 1996, que estabelece as Di-
retrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), reafirma a finalidade da
educação superior quando prevê a divulgação de conhecimentos, o es-
tímulo ao conhecimento dos problemas mundiais, a prestação de servi-
ços especializados à comunidade e, por fim, a promoção da “extensão,
aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e
benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tec-
nológica geradas na instituição” (BRASIL, 1996).
O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2010, reforça
a responsabilidade das universidades no ensino, pesquisa e extensão e
institui que, no mínimo, 10% dos créditos exigidos para a graduação no
Andréia Cittadin; Beatriz da Silva Pereira, Edson Cichella;
48
Eliane da Rosa Moraes, Everton Perin & Milla Lúcia Ferreira Guimarães

ensino superior seja reservado para atuação dos estudantes extensio-


nistas (BRASIL, 2010).
O tripé ensino–pesquisa–extensão coloca o acadêmico extensio-
nista como o principal responsável por sua formação, buscando desen-
volver competências profissionais e pessoais, mediante a aplicação de
conhecimentos, habilidades e atitudes no intuito de envolver os demais
sujeitos partícipes no projeto: professores, técnico-administra-tivos,
comunidade, outras instituições de ensino, na realização de um projeto.

3 METODOLOGIA DA PESQUISA

Nesta sessão, apresenta-se o enquadramento metodológico da


pesquisa, bem como os procedimentos de coleta e análise de dados.

3.1 Enquadramento metodológico

Quanto à metodologia, adotou-se a pesquisa descritiva, que, se-


gundo Gil (2002), tem a finalidade de descrever as características de
determinada população ou fenômeno ou estabelecer relações entre va-
riáveis. Este estudo busca descrever a contribuição do projeto de exten-
são universitária Educar para Empreender para a formação pessoal e
profissional dos alunos de uma escola da rede municipal de ensino de
Criciúma – SC embasada nos conceitos de empreendedorismo.
Quanto à análise dos dados, utilizou-se abordagem qualitativa e
quantitativa. De acordo com Richardson (1999, p. 80), os estudos “que
empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexi-
dade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis,
compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos so-
ciais”. A análise quantitativa “caracteriza-se pelo emprego da quantifi-
cação, tanto nas modalidades de coleta de informações quanto no tra-
tamento delas, por meio de técnicas estatísticas, desde as mais simples,
como percentual, média, desvio-padrão, às mais complexas, como coe-
ficiente de correlação, análise de regressão etc.” (RICHARDSON, 1999,
p. 70).
Em relação aos procedimentos, trata-se de levantamento. A pes-
quisa de levantamento caracteriza-se pela interrogação das pessoas, às
quais o comportamento se deseja conhecer (GIL, 2002).
Práticas e Saberes de Extensão
49
Volume II

3.2 Procedimentos para coleta e análise dos dados

A pesquisa foi realizada em uma escola da rede municipal, deno-


minada Hercílio Amante, localizada na Rua João Pirola, s/n, bairro Vila
Florestal, no distrito de Rio Maina, município de Criciúma, no Estado de
Santa Catarina. A instituição, fundada em 1966, possui ensino funda-
mental e, no ano de 2011, havia 580 alunos matriculados.
O projeto de extensão envolveu alunos pertencentes aos últimos
anos do ensino fundamental (do 6º ao 9º ano). Na época, a escola pos-
suía duas turmas de cada ano. Porém, devido ao prazo de realização das
atividades pedagógicas do projeto (agosto a novembro), selecionou-se
apenas uma das turmas de cada ano, com exceção do 9ª ano, que contou
com a participação das duas turmas.
O Quadro 1 expõe a quantidade de alunos matriculados e o per-
centual dos que participaram no projeto.

Quadro 1: Número de alunos que participaram do projeto


Nº de alunos que % dos alunos que
Nº de alunos
Ano participaram do participaram do
matriculados
projeto projeto

6º 27 27 100%

7º 26 26 100%

8º 30 30 100%

9º 75 75 100%

Total 158 158 100%


Fonte: Dados da pesquisa.

Como instrumento de coleta de dados,utilizaram-se dois questio-


nários,aplicados somente com os alunos que participaram do projeto. O
questionário de entrada foi aplicado no mês de agosto de 2011, antes
do início do projeto, e está dividido em três partes, a saber: a) perfil dos
alunos; b) perspectivas profissionais; e c) perfil empreendedor. O ques-
tionário de saída foi aplicado após o encerramento das atividades do
projeto e contempla duaspartes, que são: a) perspectivas profissionais;
e b) perfil empreendedor.
Andréia Cittadin; Beatriz da Silva Pereira, Edson Cichella;
50
Eliane da Rosa Moraes, Everton Perin & Milla Lúcia Ferreira Guimarães

4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Nesta sessão, apresenta-se a experiência de extensão universitá-


ria, que contemplou uma proposta pedagógica de inserção do empreen-
dedorismo no ensino fundamental; e os resultados obtidos, mediante
a investigação do perfil dos alunos envolvidos no projeto de extensão,
as perspectivas profissionais e as características empreendedoras dos
alunos antes e depois do projeto.

4.1 Proposta de inserção do empreendedorismo no


ensino fundamental

O projeto Educar para Empreender iniciou no primeiro semes-


tre de 2011 com reuniões de trabalho entre os representantes da Se-
cretaria da Educação de Criciúma, equipe Diretiva da Escola Municipal
Hercílio Amante e integrantes do projeto de extensão da Universidade
do Extremo Sul Catarinense – Unesc. Nessas reuniões, discutiu-se a pro-
posta pedagógica para inserir conceitos sobre empreendedorismo aos
jovens da escola pública e foram definidas as turmas que participariam
do projeto.
Na sequência, foram realizadas reuniões de sensibilização com os
professores da escola sobre o ensino do empreendedorismo. Destaca-se
que isso ocorreu devido às dificuldades encontradas para a aceitação
da realização do projeto por partes de alguns professores, que, por co-
modismo ou por serem resistentes a mudanças, no primeiro momento
não aceitaram modificar seus conteúdos programáticos e as metodolo-
gias de ensino. Outros, por terem um entendimento equivocado sobre o
tema empreendedorismo, pois acreditavam que este estimula apenas o
desenvolvimento de ações de cunho capitalista, também apresentaram
resistências ao projeto.
Diante disso, houve a necessidade da intervenção da Secretaria
da Educação e da equipe de extensionistas, que buscaram desmistificar
o estereótipo da palavra empreendedor, que muitas vezes está relacio-
nada somente ao movimento de abertura de empresas. Essa ação possi-
bilitou o entendimento de que a educação empreendedora não somen-
te está voltada para a construção de competências que oportunizam o
crescimento pessoal e profissional, como também contribui para o de-
Práticas e Saberes de Extensão
51
Volume II

senvolvimento social e econômico da comunidade. Assim, obteve-se o


engajamento do corpo docente da escola, que se acredita ser fundamen-
tal para a realização do projeto.
Finalizada essa etapa, elaborou-se uma apostila para ser utilizada
pelos professores, com intuito de facilitar a prática pedagógica sobre
empreendedorismo, composta por conceitos, textos para discussão, su-
gestões de filmes, atividades lúdicas e outros métodos de ensino.
Essa apostila foi dividida em quatro capítulos. O Quadro 2 apre-
senta os eixos temáticos integrantes da apostila, os quais foram desen-
volvidos do 6º ao 9º ano.

Quadro 2: Eixos temáticos do projeto Educar para Empreender

Ano Capítulo Tema Objetivo Atividades

6º I Planejamento Neste capítulo, o -Aplicar questionário


Pessoal – o aluno será con- de entrada sobre o
que eu quero vidado a refletir conhecimento dos
ser quando sobre si mesmo, alunos em relação ao
crescer. reforçar suas empreendedorismo.
relações com as -Palestra sobre o
pessoas, ver o seu Projeto Educar para
papel relevante Empreender e noções de
na sociedade. empreendedorismo.
-Discussão de texto sobre
Planejamento Pessoal.
-Discussão de textos
e atividades sobre a
autoimagem.
-Elaborar uma redação
sobre as perspectivas para
o futuro.
-Aplicar atividade lúdica
sobre “Jogo da Vida”.
-Atividade: Quais são os
meus pontos fortes e fracos.
-Discussão sobre Direito do
Consumidor.
Andréia Cittadin; Beatriz da Silva Pereira, Edson Cichella;
52
Eliane da Rosa Moraes, Everton Perin & Milla Lúcia Ferreira Guimarães

7º II Finanças Este capítulo -Palestra sobre o eixo temá-


Pessoais ajudará os tico.
– como estudantes a -Noções sobre educação
administrar o entender como é financeira.
meu dinheiro. possível administrar -Minha poupança.
as finanças pessoais -Orçamento doméstico no
e elaborar um Excel.
orçamento familiar.
-Discussão sobre técnicas
comerciais.

8º III Plano de Ao final deste -Palestra sobre o eixo


Negócios – capítulo, o temático.
empreendedor estudante -Discussão de texto sobre
na prática. terá adquirido Plano de Negócios.
conhecimentos -Pesquisa sobre os
sobre os princípios empreendedores locais.
básicos do -Viagem a empresa modelo.
cooperativismo,
-Aplicar atividade lúdica
bem como a
sobre “Aprendiz de
elaboração do
Empreendedor”.
plano de negócios.
-Discussão do texto
Cooperativismo versus
Capitalismo.
-Discussão do texto Educação
Fiscal.

9º IV Planejamento Esse capítulo busca -Palestra sobre o eixo


Profissional – mostrar que as temático.
Cuidando da pessoas devem se -Dicas para entrevistas.
minha carreira conhecer de fato, -Oficina: Técnicas para
para definir planos elaboração de currículo.
do que pretendem -Aplicar atividade lúdica
fazer no futuro. sobre “Profissiogame”.
Escolher a carreira
-Encontrando suas metas
profissional é esco-
profissionais.
lher a vida que se
vai levar. -Diferenças entre curso
superior, profissionalizante,
de aperfeiçoamento.
-Teatro: Profissões.
-Mercado de Capital:
Entendendo a Bolsa de
Valores.
-Aplicar questionário de
saída sobre o conhecimento
dos alunos em relação ao
empreendedorismo.
Fonte: Dados da pesquisa.
Práticas e Saberes de Extensão
53
Volume II

Com a elaboração da apostila, encerrou-se a primeira fase do


projeto. Convém salientar que, inicialmente, o projeto Educar para
Empreender foi idealizado pelos extensionistas em conjunto com a Se-
cretaria da Educação para ser realizado em toda a rede municipal de
ensino fundamental de Criciúma – SC, sendo a escola Hercílio Amante
selecionada para a aplicação do projeto-piloto. Além disso, possuía ca-
ráter contínuo, ou seja, no primeiro ano os alunos do 6º ano realizariam
as atividades pertinentes ao Capítulo 1 da apostila; no ano seguinte,
quando cursariam o 7º ano, dariam sequência ao projeto executando as
atividades do Capítulo 2, e assim sucessivamente. Porém, como o proje-
to teve duração de apenas um ano e não foi aplicado às demais escolas,
na instituição selecionada como piloto, os alunos de cada ano vivencia-
ram somente as atividades do capítulo correspondente ao ano cursado
em 2011.
A segunda etapa do projeto iniciou-se no segundo semestre de
2011. Inicialmente, foram efetuadas palestras específicas sobre cada
eixo temático contemplado na apostila, tais como: i) Noções de Em-
preendedorismo, ministrada por um consultor do Sebrae, tendo como
público-alvo todos os estudantes participantes do projeto; ii) Planeja-
mento Pessoal – o que quero ser quando crescer,ministrada por um
professor do Curso de Ciências Contábeis da Unesc, cujo público-alvoe-
ram alunos do 6º ano; iii) Educação Financeira: como administrar o seu
dinheiro, ministrada por um acadêmico do Curso de Ciências Contábeis
da Unesc, voltada para os alunos do 7º ano; iv) Plano de Negócios – em-
preendedor na prática, ministrada por um professor do Curso de Admi-
nistração da Unesc, para os estudantes do 8º ano; v) Planejamento Pro-
fissional – cuidando da minha carreira, ministrada por umaPsicóloga,
sendo o público-alvo os alunos do 9º ano.
Em seguida, os professores da escola em conjunto com a psicólo-
ga do projeto colocaram em prática as atividades em sala de aula. Assim,
buscou-se motivar os jovens à realização das práticas empreendedoras
por meio da discussão dos textos propostos na apostila, vídeos motiva-
cionais, entre outras atividades.
Além disso, foram aplicadas atividades lúdicas (jogos) específicas
para cada ano. O Quadro 3 apresenta os jogos realizados:
Andréia Cittadin; Beatriz da Silva Pereira, Edson Cichella;
54
Eliane da Rosa Moraes, Everton Perin & Milla Lúcia Ferreira Guimarães

Quadro 3: Jogos realizados durante o projeto EPE


Ano Jogo Objetivo Metodologia

6º Caçada pelo Desenvolver a consciência Semelhante à caça ao


grupal e lealdade, competi- tesouro.
Conhecimento ção/cooperação, consenso e
integração.

7º Simulação Despertar o lado criativo dos Os alunos deveriam re-


alunos instigando-os a com- presentar por meio de
Empreende- preender as complexas relações uma maquete o funciona-
dora presentes no desenvolvimento mento de uma cidade e
de uma cidade, desenvolver contribuir para a constru-
noções de gastos e equilíbrio ção de uma consciência
orçamentário e enfatizar a cidadã.
importância do planejamento
nas relações sociais.

8º Aprendiz de Refletir sobre a estruturação Os estudantes deveriam


de um plano de negócios, no criar um produto, com
Empreendedor intuito dos alunos adquirirem materiais recicláveis e
conhecimentos sobre coope- promover uma feira para
ração e planejamento, refleti- a venda destes produtos.
rem sobre a importância das Despertar o lado criativo
decisões cotidianas que tem dos alunos instigando-os
impacto na vida profissional e por meiodas práticas
pessoal. comerciais.

9º Jogo das Identificar o grau de conheci- Quiz sobre os temas:


mento dos alunos sobre o em- empreendedorismo, pro-
Profissões preendedorismo, bem como as fissões e conhecimentos
profissões existentes no merca- gerais.Nesse descontraído
do de trabalho. jogo entender do assunto
e ser muito rápido não
era o bastante, o trabalho
em conjunto era de suma
importância para o alcan-
ce dos objetivos.
Fonte: Dados da pesquisa.

No final do semestre, foram efetuadas visitas técnicas em em-


presas da região, no intuito de familiarizar o estudante ao ambiente
empresarial nas mais diversas áreas, tais como: comercial, financeira,
marketing, contabilidade e produção. Essa ação buscou oportunizar o
primeiro contato desses jovens com o mundo do trabalho, bem como
com a comunidade ao seu entorno, no intuito de fomentar perspectivas
relacionadas às questões profissionais, pessoais e de cidadania.
Práticas e Saberes de Extensão
55
Volume II

4.2 Perfil dos alunos envolvidos no projeto

Dos 158 alunos que participaram do projeto, 130 responderam


ao questionário de entrada e 117, o questionário de saída. O Quadro 4
expõe a participação destes estudantes em cada ano.

Quadro 4: Número de alunos que responderam os questionários


Ano Responderam ao 1º questionário Responderam ao 2º questionário

6º 27 25

7º 26 24

8º 25 23

9º 52 45

Total 130 117


Fonte: Dados da pesquisa.

Ao término do projeto, foi possível obter a idade de 74% dos 158


jovens que participaram do projeto: dos 27 alunos do 6º ano, 78% pos-
suem onze anos de idade, 15% têm dozeanos, 4% possuem quinzea-
nos e 3%, quatorze anos. No 7º ano, 50% dos estudantes possuem doze
anos, 19% têm onze anos, 11% possuem treze anos, 8% com quatorze
anos, 8% têm dezesseis anos e 4% dos estudantes não responderam. No
8º ano, 25 alunos responderam ao questionário, dos quais 56% dizem
ter trezeanos, 20% possuem catorzeanos, 20% têm doze anos e 4%,
quinze anos de idade. Do 9º ano, 63% possuem catorze anos de idade,
19% têm treze anos, 8% possuem quinze anos, 6% têm dezesseis anos
e 4% não responderam.
Nota-se que alguns alunos possuem idade superior ao que é esta-
belecido para os estudantes do ensino fundamental, que normalmente
devem concluir essa etapa da educação com 14 anos. Infere-se com isso
que alguns desses estudantes apresentam poucas perspectivas profis-
sionais estimuladas pela educação.
A Tabela 1 mostra a representação do gênero dos estudantes.
Andréia Cittadin; Beatriz da Silva Pereira, Edson Cichella;
56
Eliane da Rosa Moraes, Everton Perin & Milla Lúcia Ferreira Guimarães

Tabela 1: Gênero dos alunos


Gênero 6º ano 7º ano 8º ano 9º ano Turma 1 9º ano Turma 2

Feminino 41% 58% 60% 45% 47%

Masculino 59% 42% 40% 55% 53%

Total 100% 100% 100% 100% 100%


Fonte: Dados da pesquisa.

Em relação ao gênero dos alunos, verifica-se que não existe pre-


dominância, ou seja, o projeto contemplou estudantes tanto do gênero
feminino como masculino.
Dentre os alunos que participaram do projeto, apenas uma aluna
do 7º ano é portadora de Síndrome de Down. Os demais estudantes não
possuem qualquer tipo de necessidade especial. Essa aluna também
participou das atividades do projeto, o qual promoveu sua inclusão.
Em relação ao fenótipo dos alunos, a Tabela 2 expõe os resultados.

Tabela 2: Fenótipo dos alunos


Fenótipo 6º ano 7º ano 8º ano 9º ano Turma 1 9º ano Turma 2

Branca 52% 54% 64% 65% 56%

Negra 15% 11% 24% 25% 16%

Parda 33% 35% 12% 10% 19%

Amarela 0% 0% 0% 0% 9%

Total 100% 100% 100% 100% 100%


Fonte: Dados da pesquisa.

Percebe-se que a maioria dos estudantes é de cor branca, mas os


negros e pardos representam uma parcela significativa dos alunos.
Práticas e Saberes de Extensão
57
Volume II

4.3 Perspectivas profissionais e características


empreendedoras dos alunos antes e depois do
projeto

Nos tópicos que seguem, apresentam-se as perspectivas profis-


sionais e características empreendedoras dos estudantes antes e depois
das atividades do projeto Educar para Empreender.

4.3.1 Perspectivas profissionais

Inicialmente, foi questionado aos alunos quantas horas semanais


eles costumam se dedicar aos estudos.Antes de iniciar o projeto, cons-
tatou-se que: a) no 6º ano, 30% estudavam uma hora por dia, e 33% so-
mente antes das provas; b) no 7º ano, 46% dos alunos apontaram uma
hora por dia e 15% somente antes das provas; c) no 8º ano, 16% res-
ponderam que estudavam somente no horário de aula, 16% uma hora
por dia e 56% antes das provas; d) no 9º ano/turma 1, 40% estudavam
uma hora por dia, 20% mais de duas horas por dia e 20% dos alunos so-
mente antes das provas; no 9º ano/turma 2, 31% assinalaram somente
no horário de aula e 56% uma hora por dia.
Após a realização do projeto, as horas dedicadas aos estudos dos
alunos do 6º ano aumentaram, sendo que 16% passaram a estudar nos
finais de semana, 44% uma hora por dia e 28%,duas horas por dia.
Além disso, o índice de 33% que estudavam somente antes das provas
foi reduzido para zero. A mesma situação aconteceu com o 8º ano, sen-
do que, dos 16% que estudavam somente uma hora por dia, aumentou
para 57%, e os 56% que estudavam somente antes das provas reduziu
para 9%. No 9º ano/turma 2, o cenário foi semelhante, uma vez que o
índice de alunos que estudavam duas horas por dia aumentou de 3%
para 37% e o percentual dos estudantes que estudavam somente antes
das provas diminuiu para zero. No 7º e 9º ano/turma 1, o percentual de
alunos que estudam somente antes das provas também reduziu para
zero.
A segunda questão buscou verificar qual o motivo que impulsiona
os alunos a estudar. Os resultados demonstram que: 52% dos estudan-
tes do 6º, 69% do 7º, 92% do 8º, 65% do 9º ano/turma 1 e 75% do 9º
ano/turma 2 indicaram que estudam para garantir uma boa profissão.
Andréia Cittadin; Beatriz da Silva Pereira, Edson Cichella;
58
Eliane da Rosa Moraes, Everton Perin & Milla Lúcia Ferreira Guimarães

Em relação ao interesse em continuar estudando, os resultados


evidenciam que o percentual de alunos do 6º (96%) e 8º ano (96%)
permaneceu igual antes e depois do projeto. Nas turmas do 9º ano ocor-
reu um aumento de 95% para 100%. Somente no 7º ano este percentual
reduziu de 96% para 88%. Como o eixo temático desenvolvido com os
alunos do 9º ano tinha ênfase no planejamento profissional, acredita-se
que esse fator influenciou na decisão de continuar os estudos.
Foi questionado aos alunos o motivo que os levam a continuar
estudando. Entre as alternativas apresentadas no questionário de en-
trada, as mais assinaladas foram: a) perspectivas de um futuro melhor
(6º ano – 26%, 7º ano – 41%, 8º ano – 12%, 9º ano/ turma 1 – 22% e
9º ano/turma 2 – 34%); e b) ter uma boa profissão futuramente (6º ano
– 50%, 7º ano – 30%, 8º ano – 77%, 9º ano/ turma 1 – 35% e 9º ano/
turma 2 – 21%).
No questionário de saída, as alternativas mais apontadas conti-
nuaram as mesmas. Diante desses resultados, infere-se que o projeto
contribuiu para motivar os alunos a estudarem além do horário de aula,
principalmente para alcançarem seus objetivos em relação a um futuro
melhor ou uma boa profissão.
Antes de iniciar o projeto, foi questionado aos alunos se eles pos-
suíam dificuldades para escolher a sua futura profissão. Os resultados
apontam que: 52% dos alunos do 6º ano; 31% do 7ª ano; 68% do 8º
ano; 35% do 9º ano/turma 1; e 50% 9º ano/turma 2 responderam que
sim.Após a realização das atividades do projeto, percebeu-se que essa
dificuldade reduziu, sendo que para os alunos do 6º ano este índice di-
minuiu para 40%; no 8º ano passou a ser de 52%; e no 9º ano/turma
2 reduziu para 48%. Para as turmas do 7º ano e do 9º ano/turma 1 o
percentual aumentou, respectivamente, para 42% e 56%.
Diante disso, foi questionado aos estudantes o motivo que difi-
culta a escolha da profissão. Entre as alternativas apresentadas, as mais
assinaladas foram: a) indecisão, correspondendo a 40% para o 6º ano,
42% para o 7º ano e 22% para o 9º ano/turma 1; e b) muitas oportuni-
dades, representando 26% para o 8º ano e 33% para o 9º ano/turma 2.
Também foi investigado, antes de iniciar o projeto, se os estudan-
tes já haviam escolhido a sua profissão. Os resultados demonstram que:
67% dos alunos do 6º ano, 69% do 7º ano, 28% do 8º ano, 25% do 9º
ano/turma 1 e 56% dos alunos do 9º ano turma/2 ainda não haviam
Práticas e Saberes de Extensão
59
Volume II

escolhido a sua futura profissão. Verifica-se um aumento no percentual


de todas as turmas em relação à escolha da profissão após as atividades
do projeto, sendo que 80% dos alunos do 6º ano já sabem quais profis-
sionais desejam ser. A mesma situação aconteceu com o 7º ano (71%),
8º ano (52%), no 9º ano/turma 1 (44%) e no 9º ano/turma 2 (63%).
Indagou-se sobre os motivos que despertam interesse pela pro-
fissão escolhida. As respostas mais mencionadas foram: retorno finan-
ceiro, profissão interessante, identificação com a profissão, influência
familiar e vontade de contribuir com a sociedade.
Questionou-se, ainda, sobre as expectativas dos estudantes em
relação à profissão desejada. Antes do início do projeto, constatou-se
que 43% dos alunos do 6º ano esperam retorno financeiro e 31% de-
sejam realização profissional e pessoal. Dos alunos do 7º ano, 29% al-
mejam realização profissional e pessoal e 21% desejam ser excelentes
profissionais. No 8º ano, 32% esperam retorno financeiro e 52% reali-
zação profissional e pessoal. No 9º ano/turma 1, 29% desejam realiza-
ção pessoal e profissional e 29% querem ser excelentes profissionais.
Na turma 2 do 9º ano, 18% esperam realização profissional e pessoal e
30% ser um ótimo profissional.
Após as atividades do projeto, os percentuais em relação à ex-
pectativa de retorno financeiro dos alunos do 6º e 8º ano diminuíram,
respectivamente, para 27% e 22%. Já os percentuais almejando a rea-
lização pessoal e profissional aumentaram para: 6º ano (40%), 7º ano
(44%), 9º ano turma/1 (32%) e 9º ano/turma 2 (49%).
Com base nesses resultados, infere-se que o projeto contribuiu
para o autoconhecimento dos estudantes, pois para uma pessoa es-
colher a sua profissão ela precisa mobilizar imagens que estão sendo
construídas de acordo com a sua vivencia, contatos pessoais, mídia e
leituras. As atividades do projeto tinham o objetivo de possibilitar o co-
nhecimento dos alunos em relação às suas habilidades, refletir sobre as
características pessoais, para assim escolher qual o melhor caminho a
seguir.
Sobre a influência da família no processo de escolha profissional,
as respostas que mais se destacaram foram: a) os pais permitem a es-
colha da profissão sem qualquer tipo de interferência, representando
76% para o 6º ano, 71% para o 7º ano e 78% para o 8º ano; e b) incenti-
vam e apoiam na decisão, correspondendo 72% para o 9º ano/turma 1
Andréia Cittadin; Beatriz da Silva Pereira, Edson Cichella;
60
Eliane da Rosa Moraes, Everton Perin & Milla Lúcia Ferreira Guimarães

e 70% 9º ano/turma 2. Nota-se que os pais estão mais presentes nesse


tipo de decisões quando os alunos estão prestes a concluir o ensino fun-
damental.

4.3.2 Características empreendedoras

No que se refere às características empreendedoras, buscou-se


investigar, primeiramente, o entendimento dos alunos sobre empreen-
dedorismo. Antes do projeto, os alunos do 6º ano não possuíam nenhum
conhecimento; no 7º e 8º anos, apenas 4% afirmaram saber o que é
empreendedorismo; no 9º ano/turma 1 e 9º ano/turma 2, respectiva-
mente, 20% e 22% responderam que têm conhecimento sobre o tema.
Após as atividades do projeto, percebeu-se um crescimento signi-
ficativo desse percentual em todas as turmas. A Tabela 3 mostra estes
resultados.

Tabela 3: Conhecimento do termo empreendedorismo (questionário de saída)


6º ano 7º ano 8º ano 9º ano/1 9º ano/2

Sim 20% 63% 39% 44% 89%

Não 80% 33% 61% 56% 11%

Não opinaram 0% 4% 0% 0% 0%

Total 100% 100% 100% 100% 100%


Fonte: Dados da pesquisa.

Foi solicitado aos alunos para definirem o que eles entendem por
empreendedorismo. Constatou-se que 25% dos alunos do 6º ano enten-
dem que empreendedorismo é saber administrar o dinheiro, 24% acre-
ditam que é fazer algo que gostam, 24%, ter uma profissão,para 18% é
saber planejar o futuro e 9% não responderam. Dos alunos do 7º ano,
34% entendem que empreendedorismo é a escolha de uma profissão,
34% acreditam que auxilia a ter ideias inovadoras, 7% responderam
que facilita a administração do dinheiro e 15% não responderam. Dos
alunos do 8º ano, 34% responderam que é essencial para montar um
negócio próprio, 54% acreditam que ajuda a ter ideias inovadoras e
12% não responderam à pergunta. Dos alunos do 9º ano/turma 1, 42%
entendem que o empreendedorismo auxilia para um comportamento
Práticas e Saberes de Extensão
61
Volume II

mais decidido, responsável e persistente, 16% responderam que facilita


a abertura de um negócio, 22% responderam que é ter ideias inovado-
ras e 20% não opinaram. No 9º ano/turma 2, 22% dos alunos entendem
que o empreendedorismo auxilia para um comportamento mais decidi-
do, responsável e persistente, 16% assinalaram que é fundamental para
montar o próprio negócio, 42% assinalaram que o empreendedorismo
é a capacidade de planejar o futuro e 20% não opinaram.
Questionou-se o entendimento dos estudantes sobre ação em-
preendedora. Antes do início do projeto, os alunos do 6º, 7º e 8º ano
não possuíam qualquer conhecimento sobre o assunto. Os alunos do 9º
ano/turma 1 (10%) e turma 2 (16%) responderam que sabem o que é
ação empreendedora. Após o término do projeto, percebeu-se um cres-
cimento desse percentual em todas as turmas. A Tabela 4 evidencia os
resultados.

Tabela 4: Conhecimento sobre ação empreendedora (questionário de saída)


6º ano 7º ano 8º ano 9º ano/1 9º ano/2

Sim 20% 33% 17% 28% 59%

Não 40% 58% 83% 67% 41%

Não opinaram 4% 8% 0% 6% 0%

Total 100% 100% 100% 100% 100%


Fonte: Dados da pesquisa.

Foi questionado aos alunos se eles se sentiam capazes de atuar


como agente de transformação na escola, casa e comunidade. Antes do
projeto, 48% dos alunos do 6º ano, 62% do 7º ano, 48% do 8º ano, 65%
dos alunos do 9º ano/turma 1 e 75% dos alunos do 9º ano/turma 2 afir-
maram que se sentiam capazes de atuar como agente de transformação
no ambiente onde estão inseridos. Após o encerramento do projeto,esse
percentual aumentou para: 6º ano (63%), 7º ano (63%), 8º ano (65%),
9º ano/turma 1 (70%) e 9º ano/turma 2 (80%).
Diante disso, foi indagado aos estudantes se eles sugerem so-
luções de melhorias na escola, casa e comunidade. Os resultados de-
monstram que, antes do projeto: 48% dos alunos do 6º ano, 31% do 7º
ano, 72% do 8º ano, 50% do 9º ano/turma 1 e 47% do 9º ano/turma 2
responderam que propõem sugestões de melhorias. Após o término do
Andréia Cittadin; Beatriz da Silva Pereira, Edson Cichella;
62
Eliane da Rosa Moraes, Everton Perin & Milla Lúcia Ferreira Guimarães

projeto, percebeu-se um crescimento desse percentual em todas as tur-


mas, sendo: 6º ano (60%), 7º ano (54%), 8º ano (78%), 9º ano/turma 1
(68%) e 9º ano/turma 2 (67%).
Além disso, foi solicitado aos alunos para indicarem quais solu-
ções eles sugerem para a melhoria da escola, casa e comunidade. Das
alternativas propostas, as mais citadas referem-se à reciclagem do lixo
e preservação do meio ambiente. Isso mostra que o ensino do empreen-
dedorismo também contribuiu para o desenvolvimento de consciência
ambiental e de sustentabilidade.
Questionou-se, ainda, se os alunos concordam que sua atitude
pessoal contribui para conquistar novas oportunidades na sociedade
(família, escola e comunidade).
Antes do projeto, 92% dos estudantes do 6º ano concordam posi-
tivamente, 78% dos alunos do 7º ano, 92% do 8º ano, 100% do 9º ano/
turma 1 e 88% dos alunos do 9º ano/turma 2 concordam que a atitu-
de pessoal contribui para novas conquistas. Da mesma forma que as
questões anteriores, percebe-se um crescimento desse percentual após
o encerramento do projeto, sendo: 6º ano (93%), 7º ano (81%), 8º ano
(92%), 9º ano/turma 1 (100%) e 9º ano/turma 2 (90%).
Em relação ao comportamento dos alunos sobre os erros cometi-
dos, verificou-se que: a) 22% dos estudantes do 6º ano reavaliam suas
atitudes e refazem o seu caminho, 74% aprendem com os erros come-
tidos, 4% continuam persistindo no mesmo erro; b) 19% dos alunos do
7º ano responderam que reavaliam suas atitudes e refazem o seu cami-
nho, 62% aprendem com os erros cometidos, 4% continuam persistin-
do no mesmo erro, 9% nem pensam no assunto e 6% não responderam
à pergunta; c) no 8º ano, 8% responderam que reavaliam suas atitudes
e refazem o seu caminho, 76% aprendem com os erros cometidos, 12%
continuam persistindo no mesmo erro e 4% nem pensam no assunto;
d) na turma 1 do 9º ano, 15% responderam que reavaliam suas atitu-
des e refazem o seu caminho, 75% aprendem com os erros cometidos
e 10% não opinaram; e) na turma 2 do 9º ano, 9% responderam que
reavaliam suas atitudes e refazem o seu caminho, 88% aprendem com
os erros cometidos e 3% continuam persistindo no mesmo erro.
Verifica-se aumento no percentual de todas as turmas a respeito
de reavaliar as atitudes diante dos erros para refazer um novo caminho
(6º ano – 52%, 7º ano – 25%, 8º ano – 13%, 9º ano/ turma 1 e 2 – 22%).
Práticas e Saberes de Extensão
63
Volume II

Houve também redução do percentual referente à opção de continuar


persistindo no erro (6º ano – 4%, 7º ano – 0%, 8º ano – 4º, 9º ano/
turma 1 e 2 – 0%) e sobre nem pensar no assunto (6º ano – 0%, 7º ano
– 8%, 8º ano – 4%, 9º ano/ turma 1 – 6% e 9º ano/turma 2 – 4%). Isto
indica que o projeto contribuiu para melhoria na atitude pessoal dos
alunos.
Indagou-se sobre o que cada aluno espera do futuro. Antes de ini-
ciar o projeto, 22% dos alunos do 6º ano responderam que esperam
realização profissional, 21%, realização pessoal, 7%, concluir os estu-
dos, 43%, realização de sonhos e 7%, constituir uma família. Para os
alunos do 7º ano, 37% esperam realização profissional, 25%, realização
pessoal, 3%, concluir os estudos, 25%, realização dos sonhos, 6%, cons-
tituir uma família e 4% não responderam à pergunta. Dos alunos do 8º
ano, 23% responderam que esperam realização profissional, 24%, rea-
lização pessoal, 7%, concluir os estudos, 43%, realização dos sonhos e
3%, ajudar as pessoas. Os alunos da turma 1 do 9º ano, 34% responde-
ram que esperam realização profissional, 28%, realização pessoal, 10%,
concluir os estudos, 21%, realização dos sonhos e 7% não opinaram. Na
turma dois, 24% esperam realização profissional, 9%, realização pes-
soal, 59%, realização dos sonhos, 3%, constituir uma família e 5% não
opinaram.
Após as atividades do projeto, houve um aumento no percentual
de todas as turmas na opção de realização dos sonhos (6º ano – 62%,
7º ano – 54%, 8º ano – 71%, 9º ano/ turma 1 – 35% e 9º ano/turma
2 – 20%). Além disso, 30% dos alunos do 9º ano/turma1 responderam
que almejam ter um futuro melhor e 10% dos alunos da turma 2 tam-
bém; 10% dos alunos do 6º ano, 24% do 7º ano, 20% do 8º ano, 15%
da turma 91 e 10% da turma 92 responderam que querem ser um bom
cidadão.

5 CONCLUSÕES

Com a realização deste estudo, constatou-se que o tema empreen-


dedorismo pode ser inserido no ensino fundamental como complemen-
to aos tradicionais conteúdos programáticos. Ademais, é possível de-
senvolver material pedagógico que contemplem palestras, discussão de
filmes e textos, atividades lúdicas, visitas técnicas, entre outras metodo-
logias de ensino.
Andréia Cittadin; Beatriz da Silva Pereira, Edson Cichella;
64
Eliane da Rosa Moraes, Everton Perin & Milla Lúcia Ferreira Guimarães

Dos alunos envolvidos no projeto, de modo geral, a faixa etária


está adequada aos anos escolares; exatamente 50% dos estudantes são
do sexo feminino e 50% masculino; a maioria possui cor branca; e ape-
nas um possui necessidades especiais.
Os resultados demonstram que o projeto contribuiu para moti-
var os alunos a estudarem além do horário de aula no intuito de alcan-
çarem seus objetivos, relacionados principalmente a obter um futuro
melhor ou uma boa profissão. Além disso, a implementação do Educar
para Empreender colaborou significativamente para a reflexão em rela-
ção às expectativas profissionais dos estudantes. Os resultados indicam,
também, que o projeto contribuiu para melhoria na atitude pessoal dos
estudantes em relação à realização de ações empreendedoras na socie-
dade, mudança de comportamento frente aos erros cometidos e ques-
tões de cidadania.
Conclui-se que a realização do projeto de extensão Educar para
Empreender, que visou inserir e disseminar conceitos sobre empreen-
dedorismo, contribuiu como incentivo ao desenvolvimento econômico
e social da região na qual está inserida a escola e seu entorno, por meio
da educação dos jovens e professores que participaram do projeto.
Acredita-se que foi possível oportunizar, também, a interlocução entre
o ensino, a pesquisa e a extensão.
Como sugestão para futuras pesquisas, propõe-se implementar o
projeto em outras escolas públicas de ensino fundamental. Para tanto,
faz-se necessário inserir os conceitos de empreendedorismo como con-
teúdo programático. Contudo, as atividades devem adequar-se à reali-
dade de cada escola e da comunidade em que está inserida. Além disso,
propõe-se investigar a percepção dos professores em relação ao projeto
e ao tema empreendedorismo, uma vez que são participantes ativo do
processo de ensino-aprendizagem.

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65
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nos EBAPE.BR,Rio de Janeiro,v. 9, Ed. Especial, artigo 6, p. 564-585, jul. 2011.
CAPACITAÇÃO EMPREENDEDORA A
JOVENS E ADOLESCENTES EM UMA
INSTITUIÇÃO DO TERCEIRO SETOR

Abel Corrêa de Souza


Mestre – acs@unesc.net

Gisele Silveira Coelho Lopes


Mestre – giselelopes@unesc.net

Ricardo Pieri
Especialista – rpi@unesc.net

João Batista da Silva


Mestre – jbs@unesc.net

Ana Paula Silva dos Santos


Mestranda – ana.paulasilvadossantos@hotmail.com

Júlia Pavei De Luca


Acadêmica – julinha_deluca@hotmail.com

RESUMO: Este trabalho relata a experiência de um projeto de extensão universitária apro-


vado pelo Edital Nº 07/2011 da Unidade de Ciência Sociais Aplicadas da Universidade do
Extremo Sul Catarinense – Unesc. O objetivo deste trabalho é apresentar a experiência da
capacitação empreendedora de jovens e adolescentes, em risco pessoal e/ou social, para
a geração de trabalho e renda em uma instituição do terceiro setor. Quanto aos fins de
investigação, este estudo se enquadra na pesquisa descritiva e o meio de investigação foi a
observação participante. Sobre a técnica de coleta de dados, foi utilizado o diário de cam-
po e a abordagem de análise foi a qualitativa. A população-alvo consistiu em 57 jovens e
adolescentes, em risco social e/ou pessoal. A atividade de extensão foi organizada em cinco
oficinas, sendo ministrada num tempo ininterrupto de duashoras semanais. O projeto teve
duração de sete meses e os resultados foram considerados satisfatórios, tendo em vista a
apropriação dos conhecimentos pelos participantes no campo do empreendedorismo, na
análise e aproveitamento de oportunidades vivenciadas por meio da elaboração de protóti-
pos de produtos inovadores, desenvolvidos pelos próprios participantes, com a construção
do respectivo plano de negócios.

Palavras-chave: empreendedorismo; capacitação empreendedora; plano de negócios; ex-


tensão universitária.
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes; Ricardo Pieri;
68
João Batista da Silva; Ana Paula Silva dos Santos & Júlia Pavei De Luca

1 INTRODUÇÃO
Este trabalho relata a experiência de um projeto de extensão uni-
versitária aprovado pelo Edital nº 07/2011 da Unidade de Ciência So-
ciais Aplicadas da Universidade do Extremo Sul Catarinense – Unesc,
cujo objetivo foi desenvolver atividades para estimular jovens e ado-
lescentes do Bairro da Juventude na geração de trabalho e renda, com
inclusão social, por meio de capacitação empreendedora. A área temá-
tica que enquadrou este projeto é o trabalho, cujas linhas de extensão,
são: o empreendedorismo, a educação profissional e o emprego e renda.
A relevância deste trabalho se justifica por ele atenderà determinação
da LOAS, Lei 8.742/93, artigo 25, cujo texto contempla “investimento
econômico-social nos grupos populares, buscando subsidiar, financeira
e tecnicamente, iniciativas que lhes garantam meios, capacidade pro-
dutiva e de gestão para melhoria das condições gerais de subsistência,
elevação do padrão da qualidade de vida […]”.
O trabalho foi desenvolvido em uma instituição do terceiro setor,
o Bairro da Juventude, que atua há 62 anos em Criciúma – SC como ins-
tituição beneficente. Seu propósito é: “Promover e oportunizar a forma-
ção integral da criança e do adolescente em situação de risco pessoal
e/ou social, com qualidade, através da educação escolar solidária e as-
sistência social, junto à família, assegurando a todos o pleno exercício
da cidadania” (BAIRRO DA JUVENTUDE, 2011, p.1). Atualmente, atende
mais de 1.400 jovens e adolescentes, em tempo integral, em programas
de educação infantil, ensino fundamental, laboratórios educativos e
educação profissional. Em função da idoneidade do trabalho desenvol-
vido e da abrangência social da instituição na comunidade e do público
que atende, foi identificada uma oportunidade de realizar um trabalho
educativo, com foco na capacitação em empreendedorismo, plano de
negócios e responsabilidade social, com os jovens e adolescentes matri-
culados no curso profissionalizante de eletroeletrônica da instituição. O
intuito deste trabalho foi contribuir para a formação e geração de novas
oportunidades para o futuro dos participantes, ao vislumbrar a geração
de trabalho e renda com inclusão social.
A realização das atividades na instituição ocorreu com a parti-
cipação de dois acadêmicos extensionistas e quatro professores orien-
tadores. Desse modo, foi elaborado um cronograma estabelecido entre
a Universidade e a Instituição Beneficiada, além de um plano de ativi-
dades para um período de sete meses. Duas turmas do curso de ele-
Práticas e Saberes de Extensão
69
Volume II

troeletrônica foram atendidas pelo projeto, uma no período matutino


e outra no vespertino. As atividades definidas contemplaram: aulas
expositivas, atividades práticas, desenvolvimento de um protótipo de
produto com vistas à comercialização, pesquisa de mercado e o desen-
volvimento dos demais elementos de um plano de negócio. As ativi-
dades com os alunos ocorreram na própria instituição, no horário de
aula, uma vez por semana em dois períodos distintos: período matu-
tino, das 7h30 às 9h30 (28 alunos), e período vespertino, das 15h30
às 17h30 (29 alunos). Em cada período, atuava um acadêmico exten-
sionista e um professor orientador. O acompanhamento do professor
orientador foi necessário por se tratar de um processo de ensino e
aprendizagem de jovens adolescentes, e pela inexperiência dos exten-
sionistas em manter a disciplina e trabalhar os conteúdos. Essa opção
permitiu o desenvolvimento e a capacitação dos acadêmicos em técni-
cas de ensino e aprendizagem, além de possibilitar que o objetivo do
projeto fosse alcançado.
A estratégia contou ainda com reuniões semanais dos acadêmicos
extensionistas com todos os professores integrantes do projeto para o
planejamento das atividades a serem desenvolvidas na semana e para
superação das dificuldades que surgiam na semana anterior. Todo o tra-
balho foi amplamente documentado por meio de relatórios semanais
dos acadêmicos com suas experiências em sala de aula.
Como forma de prender a atenção do público-alvo (jovens e ado-
lescentes), optou-se por programar o processo de ensino e aprendiza-
gem a respeito do empreendedorismo e plano de negócios por meio de
oficinas. Estas foram planejadas em módulos, cada qual com seus con-
teúdos específicos. Foram cinco oficinas que contemplaram os seguin-
tes conteúdos: i) nivelamento dos conceitos de empreendedorismo; ii)
interdisciplinaridade no processo de gestão de um empreendimento;
iii) estruturação do plano de negócios, descrevendo as diversas partes
que o compõe; iv) apresentação do produto; elaboração do plano de ne-
gócios usando o software Negócio Certo do Sebrae; v) pesquisa das fon-
tes de fomento para financiamento de novos empreendimentos.
O objetivo deste trabalho é apresentar a experiência da capaci-
tação empreendedora de jovens e adolescentes, em risco pessoal e/ou
social, para a geração de trabalho e renda em uma instituição do tercei-
ro setor. Assim, a segunda seção deste trabalho sustenta teoricamente
os temas referentes ao terceiro setor, empreendedorismo e extensão
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes; Ricardo Pieri;
70
João Batista da Silva; Ana Paula Silva dos Santos & Júlia Pavei De Luca

universitária; a terceira contempla a metodologia adotada para a rea-


lização do estudo; a quarta seção apresenta os resultados do trabalho
e a quinta transcorre as conclusões a respeito da experiência realizada.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Nesta seção, objetiva-se sustentar teoricamente os assuntos re-


ferentes ao terceiro setor, empreendedorismo e extensão universitária.

2.1 Terceiro Setor

As crescentes demandas sociais e a ineficiência do Estado leva-


ram a sociedade em geral a não mais esperar pela máquina estatal e
buscar alternativas para a resolução de seus próprios problemas. As
exigências e carência da sociedade moderna mostram que o Estado não
tem condições e estrutura para atender a tudo e a todos com qualidade
e eficiência necessária (PRADO et al., 2006; KANITZ, 2011).
Com a falência do Estado, o setor privado começou a ajudar nas
questões sociais, por meio das inúmeras instituições que compõem o
chamado terceiro setor (KANITZ, 2011), o qual é constituído por orga-
nizações sem fins lucrativos e não governamentais, com o objetivo de
gerar serviços de caráter público. A expressão terceiro setor designa as
organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, criadas e mantidas
pelo esforço de voluntários dispostos a contribuir com a minimização
do impacto dos problemas sociais (ASHOKA; MCKINSEY, 2001).
O Primeiro Setor é composto por organizações governamentais
e o Segundo Setor por organizações privadas não governamentais, com
fins de lucro. As organizações do Terceiro Setor diferem-se das do Pri-
meiro Setor por não serem governamentais e das do Segundo Setor por
não terem fins lucrativos (PRADO et al., 2006). Pode-se, ainda, concei-
tuar o Terceiro Setor como um grupo de organizações “dotados de auto-
nomia e administração própria que apresentam como função e objetivo
principal atuar voluntariamente junto à sociedade civil visando ao seu
aperfeiçoamento” (PAES, 1999, p.46).
Portanto, o conceito de terceiro setor é relativamente novo no
Brasil, assim como em outros países. Surge como proposta alternativa
de contribuir com a sociedade nos temas em que o primeiro setor, ca-
Práticas e Saberes de Extensão
71
Volume II

racterizado pelo fato de que a origem e o destino dos recursos são do


poder público, e o segundo setor, a iniciativa privada, não conseguem
atender adequadamente a diversas demandas (GESET, 2001).

2.2 Empreendedorismo

Quando se fala em empreendedorismo, deve-se incluir no concei-


to pelo menos três aspectos, a saber: i) a capacidade que alguns indiví-
duos têm para fazer com que uma ideia alcance uma oportunidade para
tornar-se num negócio; ii) o processo de fazer com que esta ideia identi-
ficada como oportunidade produza resultados satisfatórios por meio de
gestão adequada; e iii) o movimento social que procura contribuir com
o desenvolvimento do espírito empreendedor.
O conceito de empreendedorismo não é novo.Desde a Idade Mé-
dia o empreendedorismo começava a tomar forma, cuja denominação
foi o indivíduo encarregado de elaborar projetos que permitissem a
produção em larga escala. A partir do primeiro quarto do século XVIII,
começa a tomar forma a ideia de associar o risco aos empreendimentos,
desvinculando, entretanto, o financiador daquele que efetivamente as-
sume os riscos. Este conceito é o cerne do empreendedorismo dissemi-
nado por Richard Cantillon (HISRICH; PETERS, 2004).
Pode-se dizer que, historicamente, os empreendedores eram co-
nhecidos como aqueles que acessavam capital avantajado somente em
mercados desenvolvidos. Na presente década, a realidade está muito di-
ferente, pois um empreendedor, independentemente do lugar onde está,
cria valor com pouco capital. Essa realidade é muito presente em mer-
cados emergentes nos quais já é possível visualizar a evidência de eco-
nomias empreendedoras. Aquela ideia de que não há empreendedores
em mercados em desenvolvimento, ou quando há, são considerados mi-
croempreendedores, é equivocada. O que se vê é o surgimento de proje-
tos de alto potencial entre pessoas que, no decorrer da história, estiveram
às margens da exclusão econômica e social (HABIBY; COYLE JR., 2010).
Várias outras fases importantes foram contribuindo para que o
conceito do empreendedorismo chegasse até os dias atuais com uma
concepção mais ampla e mais comprometida com a sociedade. É em
meio a mudanças tão radicais que o conceito de empreendimento social
começa a consolidar-se. Segundo Hartigan e Elkington (2009), o mundo
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes; Ricardo Pieri;
72
João Batista da Silva; Ana Paula Silva dos Santos & Júlia Pavei De Luca

está passando por transformações jamais imaginadas em épocas não


muito distantes, e ainda está dando os primeiros passos rumo às mu-
danças bem mais vigorosas, profundas e penetrantes. De uma forma ou
de outra, essas mudanças contribuirão para que as economias e as cul-
turas, bem como a percepção das pessoas em relação a si próprias e de
seus princípios, sofram transformações em proporções jamais vistas.
Nesse emaranhado de transformações tão drásticas, o empreendedor
social começa a despontar como alternativa de ajudar a sociedade, ata-
cando problemas intratáveis, assumindo riscos que outros indivíduos
não se proporiam a assumir e instigando os demais membros da socie-
dade a enxergar o mundo além daquilo que parece possível.
Desse modo, no Brasil, um dos movimentos pioneiros nesse sen-
tido surgiu da parceria formada pela McKinsey & Company e a Ashoka
Empreendedores Sociais, dando origem ao Centro de Competência para
Empreendedores Sociais – CCES. Esse movimento vem tendo repercus-
são crescente em diversas partes do país e nas mais variadas formas de
manifestação (ASHOKA; MCKINSEY & COMPANY, 2001).

2.3 Extensão Universitária


O início das atividades de extensão remonta ao ano de 1269 no
Mosteiro de Alcabaça, em Portugal. O costume foi transmitido por ge-
rações, chegando à América Latina com os jesuítas. Naquele período,
a Igreja Católica fazia a demonstração do conhecimento adquirido por
meio de apresentações públicas nas Catedrais na Semana Santa (RO-
CHA, 2001). Séculos depois, entre os anos de 1912 e 1930, já no Brasil,
segundo Gurgel (1986), houve o surgimento da ideia de extensão com
criação da Universidade Livre, da Universidade de São Paulo e da Escola
Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa. Em termos legislativos,
Nogueira (2001) diz que, em 1931, o foco das atividades de extensão
era elevar o nível cultural do povo. Vale evidenciar que naquela época
ocorreu uma das contribuições mais importantes na atividade exten-
sionista, o movimento estudantil, cujos esforços foram para realizar a
reforma estudantil, com vista a ampliar a relação entre a universidade e
a sociedade. No período de 1960, a visão de extensão começa a mudar e
inicia nova concepção, não como algo assistencial, mas como direito das
classes populares. A extensão pode ser vista como forma de avaliar a so-
ciedade, por ser ela o objeto de aplicação do conhecimento adquirido na
universidade, em ensino e pesquisa, sendo também uma função social.
Práticas e Saberes de Extensão
73
Volume II

Tanto Faria (2001) quanto Cerqueira (2003) acreditam que o con-


ceito de extensão universitária trabalha em três áreas. A primeira seria
a funcional, que abrange a cultura e as artes, exemplificadas com cursos.
Asegunda é a área acadêmica, na qual estão as atividades de ensino e
pesquisa, caracterizada com assistência jurídica gratuita, atendimento
fisioterapêutico, psicológico, entre outras. Por fim, a área social, que é a
consequência do trabalho na sociedade, a solução dos problemas.
Pode-se dizer que a extensão não é mais vista como atividade aca-
dêmica, mas uma forma de caracterizar a universidade como cidadã,
que visa solucionar os problemas da sociedade, transmitindo conhe-
cimento, conforme afirma Tavares (2001). Nogueira (2001) completa
dizendo que essa solução é encontrada na utilização de recursos como
cursos, conferências e demonstrações práticas. A importância dessa ati-
vidade é demonstrada por Tavares (2001) como não sendo a avaliação
das pesquisas, mas sim dos cursos ofertados pelas universidades. Tam-
bém é objeto justificador da intervenção do MEC nas universidades, por
objetivar as atividades com a sociedade, dentro da proposta da super-
visão ministerial.

3 METODOLOGIA

Este estudo, para fins de investigação, se enquadra na pesquisa


descritiva, pois visa descrever a experiência de acadêmicos extensionis-
tas e professores na extensão universitária sobre o campo do empreen-
dedorismo e plano de negócios. O meio de investigação foi a observa-
ção participante, pois houve um envolvimento do pesquisador com o
pesquisado, neste caso, os acadêmicos extensionistas e os professores
orientadores com os jovens e adolescentes participantes do projeto
(VERGARA, 2009).
Sobre a técnica de coleta de dados, foi utilizado o diário de cam-
po (MINAYO, 1993), em que foram registradas as percepções dos aca-
dêmicos extensionistas em todas as oficinas. Ao longo das oficinas, os
extensionistas registravam suas percepções sobre o desempenho de
cada aula, e no final de cada encontro cada um elaborava um relatório e
enviava para os professores orientadores. O conteúdo aqui apresentado
foi retirado desses relatórios e dos pareceres dos jovens/adolescentes
sobre o conteúdo de alguns encontros.
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes; Ricardo Pieri;
74
João Batista da Silva; Ana Paula Silva dos Santos & Júlia Pavei De Luca

A abordagem da pesquisa utilizada foi a qualitativa (SAMPIERI;


COLLADO; LÚCIO, 2006), pois os resultados apresentados foram com ba-
seados nos relatórios dos acadêmicos extensionistas, mediante observa-
ção do desempenho dos jovens/adolescentes no ato da oficina, bem como
a percepção destes sobre o conteúdo ministrado em cada encontro.
A população-alvo deste estudo, como já dito anteriormente, são
jovens e adolescentes, em risco social a/ou pessoal, matriculados no
Curso de Eletroeletrônica no Bairro da Juventude.
Dos 57 alunos, treze (22,81%) tinham até quinze anos, 37
(64,91%) tinham entre dezesseis e dezessete anos, e sete (12,28%) en-
tre dezoito e dezenove anos. A renda média familiar per capita é de R$
399,12 e a família de 35 (61,40%) alunos tem entre quatro e cinco inte-
grantes; a de outros quatorze (24,56%) tem até três integrantes; e a de
oito deles (14,04%) tem de seis a oito integrantes.
Quanto ao grau de escolaridade, 44 (77,19%) dos alunos estão
cursando o ensino médio e treze (22,8%) estão cursando o ensino fun-
damental, concomitantemente com o Curso Técnico de Eletromecânica
do Bairro da Juventude.
Desse modo, objetiva-se apresentar a experiência obtida na capa-
citação empreendedora desses jovens e adolescentes. A discussão dos
resultados é apresentada pela ordem das oficinas realizadas, descre-
vendo o encadeamento da experiência vivenciada.

4 RESULTADOS

Registra-se, inicialmente, com base em Gurgel (1986), que a fina-


lidade da extensão universitária é promover a troca de conhecimentos.
Nesses termos, de um lado,a universidade compreendendo o saber po-
pular e,de outro, a sociedade buscando sua emancipação crítica.
Nessa perspectiva, este trabalho não se limitou simplesmente a
ensinar o empreendedorismo meramente no âmbito conceitual (saber).
O que se propôs de fato foi elaborar estratégias de ensino e aprendiza-
gem que proporcionassem aos jovens e adolescentes do Bairro da Ju-
ventude o saber atrelado ao saber fazer. Esse argumento se justifica,
pois o exercício desta extensão universitária foi organizado por cinco
oficinas, cada uma com carga horária pré-definida e um cronograma de
Práticas e Saberes de Extensão
75
Volume II

conteúdos programáticos e estratégias de ensino previamente organi-


zada pelos acadêmicos extensionistas. Torna-se relevante acrescentar
que, semanalmente, todos os professores envolvidos no projeto de ex-
tensão se reuniam com os acadêmicos extensionistas para orientá-los
sobre a condução dos trabalhos a serem realizados em campo. O Qua-
dro 1 destaca a organização do cronograma das oficinas.

Quadro 1: Cronograma das Oficinas e Conteúdos versus Carga Horária


Oficinas Conteúdos Carga Horária Realização

Nivelamento dos conceitos de abr./maio


Oficina I 15 horas
empreendedorismo; 2011

Interdisciplinaridade no pro-
maio/jun.
Oficina II cesso de gestão de um em- 13 horas
2011
preendimento;

Estruturação do plano de
Oficina III 25 horas jul./set. 2011
negócios;

Apresentação do produto;
Elaboração do plano de negó-
Oficina IV 20 horas set./out. 2011
cios usando o software Negó-
cio Certo do SEBRAE.

Pesquisa das fontes de fo-


Oficina V mento para financiamento de 10 horas out. 2011
novos empreendimentos.
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores.

Fixado o cronograma do conteúdo trabalhado, a seguir, apresen-


ta-se a organização didático-pedagógica adotada na prática da extensão
universitária para a capacitação empreendedora dos jovens e adoles-
centes do Bairro da Juventude em cada uma das oficinas.

4.1 Oficina I: Nivelamento dos conceitos de


empreendedorismo

Esta oficina foi realizada em seis encontros. O objetivo desta foi


promover o nivelamento entre os participantes sobre os conceitos de
empreendedorismo. Os conteúdos trabalhados foram organizados com
base na metodologia apresentada no livro O Segredo de Luisa, de Dola-
bela (2006), conforme demonstrado no Quadro 2.
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes; Ricardo Pieri;
76
João Batista da Silva; Ana Paula Silva dos Santos & Júlia Pavei De Luca

Quadro 2:Conteúdo programático da Oficina I


Encontros Conteúdo Programático

I O que é empreendedorismo;

II Tempestade de ideias sobre possíveis negócios para uma cidade


em desenvolvimento;

III Tipos de empreendedores, contexto histórico do empreendedo-


rismo; importância do empreendedorismo para a sociedade e
indivíduos; o intraempreendedorismo e o perfil empreendedor;

IV Ideia e oportunidade; acaso e criatividade; sonho individual e


coletivo; importância das relações, visão, sigilo, falácia da ratoei-
ra, peculiaridades da empresa nascente;

V Análise do resultado do teste do perfil do empreendedor e a sín-


drome do empregado;

VI Mitos e realidades do empreendedorismo.


Fonte: Adaptado deDolabela (2006).

Figura 1: Foto Oficina I, 2º Encontro.


No primeiro en-
contro, a fim de situar
os jovens e adolescentes
sobre o conceito de em-
preendedorismo, foi rea-
lizado um exercício que
consistiu numa tempes-
tade de ideias, em que
cada aluno respondia
com uma só palavra
num post it o seguinte
questionamento: o que
é empreendedorismo
para você? Cada aluno
apresentava a sua pa-
lavra e justificava o porquê. Várias foram as contribuições em ambas
as turmas (período matutino e vespertino), e se pôde observar que cada
aluno tinha uma concepção prévia, mesmo que isolada, do que significa
empreendedorismo; porém, com a discussão coletiva, notou-se que a
compreensão sobre o tema ampliou-se em cada participante.
Práticas e Saberes de Extensão
77
Volume II

Para fixar o conteúdo, foi Figura 2: Foto Oficina II, 2º Encontro


planejada uma dinâmica deno-
minada o jogo do risco. O jogo
consistia em acertar uma bola
de papel em uma lixeira, a par-
tir de dez pontos pré-definidos
no chão, em distâncias que va-
riavam de muito perto, perto e
longe, a livre escolha de cada
participante, e que, por conse-
quência, representavam o risco
que cada aluno estava disposto
a assumir. O intuito dessa ati-
vidade era mostrar aos alu-
nos, de forma lúdica, alguns
comportamentos das pessoas
no papel de empreendedores,
como o de arremessar a bola
de muito perto e não correr
risco algum, arremessar a
bola de muito longe, corren-
do um risco maior, ou procurar uma posição intermediária e minimi-
zar os riscos. Com a discussão em grupo, após o término da atividade,
procurou-se ajudar os alunos no autoconhecimento de seu comporta-
mento empreendedor, bem como demonstrar que se lançar ao risco
sem a preparação adequada é contar apenas com a sorte, e que com a
capacitação ou treinamento é possível tanto melhorar o desempenho
ou performance a partir de determinado ponto como também é possí-
vel aumentar o nível de dificuldade, com um risco calculado, desde que
haja uma preparação para aquela atividade específica. Finalizando, a
atividade foi correlacionada à necessidade de capacitação, de prepara-
ção e de conhecimento, para aumentar a probabilidade de sucesso, quer
seja na vida pessoal, quer seja na vida profissional ou empreendedora.
No segundo encontro, para tornar a aula mais dinâmica,utiliza-
ram-se peças de montar do tipo “Lego” para trabalhar o conteúdo do
dia. O intuito era envolver os alunos no conteúdo e fixar que os em-
preendedores desenvolvem o meio econômico e social em que vivem e
que criam uma imagem viva, futura do que querem realizar ou do seu
sonho. Assim, iniciou-se o encontro solicitando aos presentes que se
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes; Ricardo Pieri;
78
João Batista da Silva; Ana Paula Silva dos Santos & Júlia Pavei De Luca

imaginassem residentes numa cidade pequena, com uma igreja, uma


escola, um posto de saúde e algumas residências. Partindo da informa-
ção de que está prevista a instalação de uma usina termoelétrica nessa
cidade e cuja única certeza é que, com a instalação desse empreendi-
mento, a cidade passaria dos atuais 4.000 habitantes para aproximada-
mente 14.000 em cinco anos, necessitando se desenvolver para aten-
der à demanda do futuro empreendimento e da nova população que se
instalaria ali. Após o relato, cada aluno deveria encontrar um sócio e
propor a montagem de um novo negócio. A agitação foi total, todos dis-
cutiam o que queriam fazer e logo começou a montagem das estruturas
para os novos negócios. Pôde-se perceber que eles se dedicavam ao má-
ximo criando formas semelhantes às encontradas nas cidades. Ao final
da atividade, cada dupla apresentou o novo negócio, além de justificar
a sua localização. Pôde-se concluir,nesse encontro, que os alunos tive-
ram experiências únicas, como relata um aluno: “com esta aula aprendi
que devemos pensar bem antes de abrir qualquer negócio, inclusive nas
consequências […]”; e outro aluno relata a seguinte reflexão: “vou levar
para a casa uma experiência muito divertida, pois pude construir meu
próprio negócio e investimento. Isso eu não vou esquecer nunca”.
No terceiro encontro, foi realizada uma recuperação do conteúdo
da aula anterior, e, em seguida, trabalhou-se com aula expositiva e dialo-
gada, refletindo sobre os tipos de empreendedores, um breve histórico
em âmbito mundial e como foi o início do empreendedorismo no Brasil.
Questionou-se a importância do empreendedorismo para a sociedade
e para o indivíduo, além de que se buscou exemplificar os conteúdos
com situações do cotidiano, situações vividas por eles, história de pes-
soas famosas e acontecimentos de fácil compreensão, sempre extrain-
do o máximo de conhecimento dos participantes. Quando discutido o
assunto intraempreendedorismo, foi adotado um quadro que separava
as características dos interesses de um gerente, um empreendedor e
um intraempreendedor. Lendo os relatos dos alunos da aula anterior, foi
possível perceber que essa demonstração auxiliou na compreensão do
assunto. Para reforçar o conteúdo, foi apresentado um vídeo explicativo
de Empreendedorismo Corporativo por Mário Donadio.
No quarto encontro, foi dialogado com os alunos sobre a diferença
entre oportunidade e ideia, criatividade, sonho individual e coletivo, im-
portância das relações, visão, sigilo, falácia da ratoeira e peculiaridades
da empresa nascente. Paralelamente ao assunto discutido, foi lançado
Práticas e Saberes de Extensão
79
Volume II

um desafio aos presentes, os quais primeiramente precisavam agrupar-


-se em equipes de três, quatro ou cinco componentes, e cada equipe ti-
nha que criar um produto, porém não era algo muito comum, tratava-se
de uma máquina para lavar elefantes. Para realizar a atividade, os aca-
dêmicos extensionistas levaram materiais alternativos, como: caixas de
papelão, sacos plásticos, barbantes, entre outros. Esses materiais foram
colocados no centro da sala e cada equipe poderia utilizar somente os
materiais que tinham à disposição. Além de montar a máquina de lavar
elefantes, cada equipe precisava responder a um questionário com as
seguintes questões: descrição do produto, público-alvo, a oportunidade
e a estratégia de marketing para divulgar o produto. Ao resgatar um
relato do diário de campo de um acadêmico extensionista, “[…] na hora
eles ficaram surpresos com a ideia e […] confusos, mas depois todos co-
meçaram a criar os protótipos. Como a atividade era em grupo, novas
ideias iam surgindo e máquinas bem elaboradas foram criadas […]”. Após
a finalização da atividade, grupo por grupo apresentou a sua ideia. E
outro acadêmico extensionista complementou no seu diário de campo
dizendo que “[…] umas ideias eram bem criativas, como usar a energia
da luz solar, reaproveitamento da água, uma máquina tirava a média e
o peso, analisava a quantidade que precisaria de água e, por fim, dava o
preço. Os próprios alunos questionavam o trabalho do outro colega. Senti
uma interação diferente […]”.
No quinto encontro, foram relembradas as atividades da aula an-
terior. Em seguida, lançou-se novo desafio para desenvolver paralela-
mente ao curso, isto é, os alunos teriam que se organizar em sociedades
de, no máximo, três componentes e criar um produto inovador. Para
esse produto, deveria ser desenvolvido um protótipo que seria apre-
sentado pelas equipes no II Seminário Integrado de Ensino, Pesquisa e
Extensão da Unesc, que aconteceria em novembro de 2011. Esse produ-
to foi utilizado como fio condutor do processo de construção do plano
de negócio, da Oficina III. Para criar um produto inovador, os alunos
foram orientados a deixarem a imaginação fluir e começarem a pres-
tar mais atenção ao meio onde vivem. Todos tinham que pensar numa
solução que unisse o empreendedorismo com o conhecimento técnico
de eletroeletrônica, além de utilizarem como matéria-prima produtos
reciclados, isto é, materiais que foram descartados ao meio ambiente.
Essa provocação foi justamente para permitir a todos a valorização do
curso técnico que estavam cursando, bem como oportunizá-los a enxer-
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes; Ricardo Pieri;
80
João Batista da Silva; Ana Paula Silva dos Santos & Júlia Pavei De Luca

gar as possibilidades profissionais com a capacitação técnica que esta-


vam realizando, que vai além de um emprego formal. Na oportunidade,
foi entregue para cada equipe um cronograma com a data limite para
a entrega do produto pronto aos professores da disciplina. Para que a
ação fosse realizada com sucesso, foi solicitado o auxílio da coordena-
ção do curso de eletroeletrônica da instituição, bem como do professor
titular da turma. Essa parceria foi fundamental, tendo em vista que era
necessário unir o conhecimento técnico do curso de eletroeletrônica
com o conhecimento de empreendedorismo que os alunos estavam se
apropriando com a extensão.
Nesse mesmo encontro, foi entregue para cada aluno um questio-
nário para compreender o perfil empreendedor de cada um. Essa dinâ-
mica foi importante, pois cada participante pôde se conhecer melhor a
respeito do seu perfil frente ao perfil do empreendedor. Na sequência,
ao dialogar sobre os riscos da síndrome do empregado, aquele indiví-
duo que tem um comportamento passivo numa organização, é depen-
dente, resistente, entre outros aspectos, realizou-se uma dinâmica para
reforçar o conteúdo. Esta consistiu em entregar para cada aluno um pe-
daço de cordão, sendo estabelecidoo prazo de um minuto para que cada
aluno, com um barbante e apenas uma das mãos, conseguisse amarrar
o maior número de nós. Após esse tempo, viu-se o potencial dos alunos
em fazer os nós utilizando apenas uma das mãos, primeiro a direita e de-
pois a esquerda. Após a atividade, foi solicitado para cada um escolher a
mão que achou mais fácil e a atividade foi repetida. Assim, concluiu-se o
quão fácil é fazer uma atividade da qual já se tem conhecimento ou para
a qual houve uma preparação ou capacitação.
O sexto encontro da oficina consistiu em trabalhar com os jovens
e adolescentes os mitos e realidades sobre o empreendedorismo. Nes-
se exercício, os acadêmicos extensionistas realizaram as divisões dos
grupos por sorteio, para que os alunos se conscientizassem de que nem
sempre iriam trabalhar com pessoas de que gostam ou com quem te-
nham afinidades. Para cada grupo, foi entregue um envelope com duas
frases; eles deveriam lê-las e avaliarem se era mito ou realidade. Ao con-
cluírem, deveriam escrever o parecer para cada resposta. Cada equipe
refletiu por um longo período e percebia-se que as discussões eram in-
tensas. Após o término, foi solicitado para que eles voltassem aos seus
lugares e, com isso,iniciaram-se as apresentações. As opiniões das equi-
pes foram lidas, abrindo-se para a turma (grande grupo) responder se a
Práticas e Saberes de Extensão
81
Volume II

questão era mito ou realidade; após as discussões, revelava-se a respos-


ta a todos. Foi surpreendente, no ato da discussão de cada mito ou rea-
lidade, o conhecimento de cada aluno sobre o assunto, alguns recorda-
vam os conteúdos das aulas anteriores e usavam em sua argumentação.

4.2 Oficina II: Interdisciplinaridade no Processo de


Gestão de um Empreendimento

Esta oficina ocorreu em cincoencontros, cujo objetivo foiapre-


sentar a interdisciplinaridade que há no processo de gestão de um em-
preendimento, em que o conteúdo trabalhado destacou as principais
áreas de um negócio, a saber: mercadológica, recursos humanos, pro-
dução e financeira, conforme demonstrado no Quadro 3.

Quadro 3:Conteúdo programático da Oficina II.


Encontros Conteúdo Programático

I Apresentação das quatro grandes áreas de uma empresa:


mercadológica, recursos humanos, produção e financeira;

II Área de marketing, mix de marketing (produto, preço, praça e


promoção);

III Área de produção, distinção entre produção e operações;

IV Área financeira: conceitos de administração financeira e


termos técnicos;

V Área de Recursos Humanos: motivação, as pessoas e as


organizações, etc.
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores.

Vale frisar que a segunda oficina teve caráter mais técnico, sendo
possível envolver os jovens e adolescentes nas especificidades estrutu-
rais de um empreendimento.
No primeiro encontro,trouxeram-se à tona as quatro grandes
áreas de uma empresa – mercadológica, recursos humanos, produção
e financeira –, cujo discurso do acadêmico extensionista foi alertá-los
para a importância da interdependência de todas as áreas no cotidiano
de uma organização. Em seguida, apresentou-se um organograma de
uma empresa qualquer para exemplificar essa interdependência. Como
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes; Ricardo Pieri;
82
João Batista da Silva; Ana Paula Silva dos Santos & Júlia Pavei De Luca

forma de reforçar a importância dessa prática no contexto organizacio-


nal, realizou-se a dinâmica dos cadarços. Dividiu-se a turma em duplas,
cada dupla amarrou uma das mãos à mão do colega. Em seguida, foi so-
licitado que amarrassem os cadarços usando somente a mão livre com
o auxílio do amigo. Com essa dinâmica, os alunos puderam perceber a
dificuldade que se tem em atingir um objetivo quando se depende de
outras pessoas.
O segundo encontro iniciou-se com a apresentação de um vídeo
que explicava o marketing de forma lúdica, no tempo da idade da pedra.
Realizou-se ainda um diálogo sobre os pontos principais do vídeo, os
aspectos que mais chamaram a atenção. Com a discussão foi possível
trabalhar o mix de marketing (4 Ps – produto, preço, praça e promo-
ção), por meio da contextualização, inclusive com ilustrações, fazendo
abordagem individual de cada elemento (P). Essas ilustrações permi-
tiam que cada aluno relembrasse situações do seu cotidiano e dividisse
com os colegas. Sobre esse momento, apresenta-se o relato de um aca-
dêmico extensionista: “[…] senti bastante integração dos alunos nesse
debate, assim como contribuições. Vejo cada vez mais que eles se sentem
mais desinibidos, devido a maior proximidade conosco, o que favorece a
discussão […]”.
O objeto de trabalho do terceiro encontro foi a área de produção
de uma empresa. Inicialmente, foi apresentada a diferença entre pro-
dução e operações. O conceito aqui defendido foi o de Moreira (1993,
p.1): “[…] a palavra ‘produção’ liga-se mais de perto as atividades indus-
triais, enquanto que a palavra “operações” refere-se às atividades de-
senvolvidas em empresas de serviços […]”. Nesse sentido, destacou-se a
importância de uma empresa elaborar estratégias produtivas que vise
oferecer produtos e serviços de qualidade. Essas estratégias vão desde
a concepção do novo produto até as condições estruturais adequadas
para produzir um produto no tempo e no preço que o cliente esteja dis-
posto a pagar. Para corroborar a discussão, foi apresentado um vídeo
da dança de sapateado que exemplificou a importância de preparar os
colaboradores para atender às expectativas do cliente.
O foco do quarto encontro foi a área financeira. O conteúdo con-
templado foi a necessidade do planejamento e controle financeiro numa
empresa, além de esclarecer conceitos como: gastos, investimento, cus-
tos, despesas, receitas, perdas, desembolsos, ativo e passivo. Para este
Práticas e Saberes de Extensão
83
Volume II

encontro, foi preparado um exercício sobre finanças domésticas. O exer-


cício consistia na previsão de um orçamento evidenciando os ingressos
e os desembolsos de uma família durante um ano. Pôde-se perceber
nesta atividade que, quando se contextualiza o conteúdo com situações
do dia a dia dos alunos, há intensa participação e interesse de todos na
atividade.

Figura 3: Demonstração do exercício sobre orçamento das finanças domésticas

Fonte: Elaborado pelos pesquisadores.

No quinto encontro, recuperou-se o conteúdo da aula anterior e


introduziu-se o conteúdo sobre a área de recursos humanos. Os assun-
tos tratados foram a respeito do papel da área de recursos humanos
em uma empresa, sua importância no desenvolvimento das pessoas,
o processo de recrutamento e seleção, e estratégias que uma empresa
poderá utilizar para manter um colaborador motivado. Para reforçar o
conteúdo ministrado, foi realizada uma dinâmica reflexiva para traba-
lhar com os aspectos motivacionais do grupo e a capacidade de cada um
em enfrentar as mudanças. A aula finalizou com um vídeo que refletia a
importância do trabalho em equipe.

4.3 Oficina III: Estruturação do Plano de Negócios

Esta oficina foi estruturada com metodologias mais práticas do


que as anteriores, composta por dez encontros. Objetivou-se apresen-
tar o Plano de Negócios, descrevendo as diversas partes que o compõe,
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes; Ricardo Pieri;
84
João Batista da Silva; Ana Paula Silva dos Santos & Júlia Pavei De Luca

cumprindo cada uma das etapas individualmente, conforme demons-


trado no Quadro 4.

Quadro 4:Conteúdo programático da Oficina III


Encontros Conteúdo Programático
I Aspectos conceituais e a estrutura do plano de negócios;

II Atividades em laboratório de informática: estruturação do instrumen-


III to de coleta de dados para a pesquisa de mercado;

IV Atividades em laboratório de informática: tabulação dos resultados da


V pesquisa de mercado;

Atividades em laboratório de informática: análise dos resultados da


VI
pesquisa de mercado;

Atividades em laboratório de informática: apresentação dos resultados


VII
da pesquisa de mercado;

Atividades em laboratório de informática: pesquisa sobre a cotação de


VIII
preços das matérias primas do produto desenvolvido;

IX Atividades em laboratório de informática: elaboração do plano finan-


X ceiro;

Fonte: Elaborado pelos pesquisadores.

O primeiro encontro teve caráter mais conceitual, tendo em vista


a necessidade de apresentar a estrutura do plano de negócios e as par-
tes que a compõe. Como forma de estimular os participantes para esta
terceira etapa do projeto, realizou-se um exercício simulado de plano
financeiro. Nessa dinâmica, foi solicitado que coletivamente decidissem
investir em determinado empreendimento; após decidirem sobre qual
negócio investir, teriam que apresentar os gastos iniciais e os investi-
mentos fixos. Houve grande interação entre os participantes. Os encon-
tros subsequentes ocorreram em um laboratório de informática da pró-
pria instituição.
No segundo e terceiro encontros, os alunos desenvolveram o ins-
trumento de coleta de dados para a realização da pesquisa mercadoló-
gica. Nesses encontros, cada equipe descreveu no cabeçalho do questio-
nário as características do produto que estavam desenvolvendo e suas
funcionalidades. Na sequência, elaboraram questões que permitissem
Práticas e Saberes de Extensão
85
Volume II

um conhecimento da percepção do público-alvo sobre o produto que


seria oferecido. Houve grande envolvimento por parte dos participan-
tes, a mediação entre acadêmicos extensionistas e os professores orien-
tadores neste processo foi fundamental, porque nem todos os alunos
dominavam a ferramenta do Office Word e tinham dificuldades para
elaborar uma questão. Em função das dificuldades apresentadas por al-
guns, houve a necessidade de utilizar dois encontros para finalizar esta
etapa. Concluído o questionário, partiu-se para a aplicação prática da
pesquisa, que foi realizada ao longo da semana com a aplicação mínima
de 25 questionários por projeto, com o respectivo público-alvo, trazen-
do os resultados na semana seguinte. O número de questionário por
componente da equipe foi distribuído igualitariamente.
No quarto e quinto encontros, as equipes trouxeram os questio-
nários respondidos e iniciaram a tabulação dos resultados da pesqui-
sa. Novamente, a mediação dos professores orientadores e acadêmicos
extensionistas foi fundamental, já que o manuseio do Office Excel foi
um desafio para os alunos. Neste caso, foi necessário exemplificar no
quadro branco sobre os passos para preencher uma planilha, bem como
elaborar um gráfico, havendo necessidade de atendimentos individua-
lizados nas equipes. Ao final de dois encontros, foi possível finalizar a
tabulação dos resultados.
No sexto encontro, foi solicitado que cada equipe deveria anali-
sar os resultados obtidos com a aplicação da pesquisa. Neste caso, era
necessário observar cada gráfico e apresentar uma análise sobre cada
resultado. Percebeu-se que esta etapa foi mais tranquila, tendo em vista
que os alunos já estavam familiarizados com o editor de texto e pude-
ram coletivamente compreender a percepção do público-alvo sobre o
produto que eles estavam pretendendo oferecer.
No sétimo encontro, cada equipe apresentou os resultados da
pesquisa mercadológica para a classe. Foi bem interativo este encontro,
pois os alunos que assistiam questionavam a equipe que apresentava
sobre determinados resultados e qual era o posicionamento deles fren-
te a estes.
No oitavo encontro, os alunos,mediante pesquisas na internet, ini-
ciaram a cotação dos preços para as matérias-primas que compõem o
produto que estavam desenvolvendo. Houve participação ativa detodos,
pois. como estavam tratando de valores reais sobre as matérias-primas
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes; Ricardo Pieri;
86
João Batista da Silva; Ana Paula Silva dos Santos & Júlia Pavei De Luca

do produto que eles mesmos desenvolveram, houve muita curiosidade


no ato da identificação do preço de cada componente.
No nono e décimo encontros, os alunos elaboraram o planejamen-
to financeiro a partir das informações obtidas nos encontros anteriores.
Pode-se dizer que esta etapa foi bem produtiva, pois os alunos começa-
ram a planejar de fato os investimentos necessários para montarem seu
próprio negócio.

4.4 Oficina IV: Apresentação do Produto e Elaboração


do Plano de Negócios Usando oSoftware Negócio
Certo do Sebrae

Esta oficina foi estruturada também com metodologias mais prá-


ticas e foi composta por oito encontros. Teve-se o intuito de formatar o
plano de negócios de cada equipe no software Negócio Certo do Sebrae,
além de realizar a demonstração dos produtos desenvolvidos por cada
equipe para todos os alunos que estudam no Bairro da Juventude, con-
forme cronograma apresentado no Quadro 5.

Quadro 5:Conteúdo programático da Oficina IV


Encontros Conteúdo Programático

I Apresentação do produto;

Atividades em laboratório de informática: elaboração do


II a VIII plano de negócios usando o software Negócio Certo do Se-
brae
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores.

No primeiro encontro desta oficina, ocorreu a demonstração pú-


blica dos produtos desenvolvidos por cada equipe ao longo da capacita-
ção. A demonstração consistiu na apresentação e demonstração pública
dos protótipos dos produtos desenvolvidos, para todos os alunos dos
demais cursos técnicos do Bairro da Juventude. Foram apresentados 21
produtos nas duas turmas (matutino, 10, e vespertino, 11), conforme o
Quadro 6.
Práticas e Saberes de Extensão
87
Volume II

Quadro 6:Produtos desenvolvidos pelos alunos com matéria prima reciclável


Trabalhos período Matutino Trabalhos período Vespertino

Equipe 1: Espanador elétrico para Equipe 1: Lâmpada Fotoelétrica;


limpeza de computador;

Equipe 2:Descansa pés com aque- Equipe 2:Abajur Inteligente;


cedor no inverno e refrigeração no
verão;

Equipe 3: Alimentador automático Equipe 3: Produto Reciclado – Entretenimento;


para animais e caixa de correio au-
tomatizada com sensor de identifi-
cação;

Equipe 4: Lixeira elétrica; Equipe 4: Secador de Guarda-Chuvas;

Equipe 5: Limpador de tela de com- Equipe 5: Manequim Giratório;


putador;

Equipe 6: Varal elétrico; Equipe 6: Chave de Fenda de dois lados;

Equipe 7: Afiador de lâminas; Equipe 7: O Energizado (acende uma lâmpada);

Equipe 8: Aquecedor de mamadeira Equipe 8: Vidro Iluminado;


elétrica;

Equipe 9: Secador de tênis. Equipe 9: Desentupidor de Ouvido;

Equipe 10: Motor Antiexplosivo;

Equipe 11: Varal Giratório.

Fonte: Elaborado pelos pesquisadores.

O dia da demonstração foi um sucesso, pois ambas as turmas pu-


deram compartilhar com outros alunos que estudam na instituição e
não participaram do projeto de extensão. O evento foi divulgado na im-
prensa e houve a participação de outros professores da universidade
para prestigiá-lo, além de autoridades pertencentes ao próprio Bairro
da Juventude. Esses produtos também foram expostos no II Seminário
Integrado de Ensino, Pesquisa e Extensão da Unesc, em novembro de
2011.
Das oficinas II a VIII ocorreu o preenchimento do plano de ne-
gócios no software Negócio Certo do Sebrae, constituído das seguintes
etapas: Etapa 1 – Definição do ramo de atividade, incluindo o conceito
do negócio; Etapa 2 – Identificação do mercado consumidor, que incluiu
uma pesquisa de campo; Etapa 3 – Identificação do mercado concorren-
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes; Ricardo Pieri;
88
João Batista da Silva; Ana Paula Silva dos Santos & Júlia Pavei De Luca

te; Etapa 4 – Pesquisa de fornecedores; Etapa 5 – Produtos e serviços


oferecidos; Etapa 6 – Localização do empreendimento; Etapa 7 – Des-
crição do processo operacional; Etapa 8 – Projeção de vendas; Etapa
9 – Projeção de pessoal; Etapa 10 – Projeções financeiras, incluindo in-
vestimentos fixos, projeção de receitas, de custos e de tributos, além da
avaliação financeira do negócio.
A metodologia do Sebrae por meio do software Negócio Certo é
disponibilizado online e via CD-ROM. A escolha do software aconteceu
em função de sua facilidade de interface e pelo fato de ter disponibili-
dade online. Esta ferramenta pode ser alimentada a qualquer momen-
to de qualquer lugar. Esta versão é disponibilizada sem custos para os
usuários.

4.5 Oficina V: Pesquisa das Fontes de Fomento para


Financiamento de Novos Empreendimentos

Para realizar esta oficina, os participantes tiveram acesso aos


sites do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BN-
DES) e do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE). As aulas foram
realizadas em laboratório de informática, pois os alunos tinham que,
paralelamente, acompanhar as orientações dos acadêmicos extensio-
nistas no acesso aos sites indicados.
Vale evidenciar que as fontes para alavancar recursos financeiros
para novos negócios são bastante limitadas e impõem aos pretenden-
tes uma série de restrições e limitações. Contudo, existem recursos que
podem ser utilizados para que novos negócios contribuam para a gera-
ção de emprego e renda. Dentre estes, podem-se destacar as seguintes
fontes:
a) Recursos oriundos das operações de fomento do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. Estas opera-
ções se dividem em direta, mista e indireta. A operação dire-
ta é efetivada por meio do mandatário e no próprio BNDES;
a operação indireta precisa ser realizada por meio do cartão
do BNDES ou através de uma instituição financeira credencia-
da; a operação mista não é automática e é uma combinação da
operação direta e indireta. Os tipos de financiamento, os limi-
tes, as taxas e as garantias exigidas variam de acordo com cada
Práticas e Saberes de Extensão
89
Volume II

operação e estão disponíveis no site do BNDES (www.bndes.


gov.br);
b) Recursos dos agentes de microcrédito, cujos valores iniciam
com R$ 200,00 e podem estender-se até R$ 20.000,00, com
prazos de pagamento que vão de um ano (12 meses) variando
de seis em seis meses, até 3 (três) anos (36 meses). As garan-
tias exigidas são pessoais (aval) e reais (alienação fiduciária);
c) Recursos oriundos do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT,
obtidos junto aos agentes financeiros credenciados, cujos pra-
zos atingem até quatro anos (48 meses), com limites que atin-
gem 90% do orçamento do projeto.

Sobre os financiamentos e empréstimos acima citados incidem


encargos financeiros que incluem a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP)
acrescida de spread negociável com o agente financeiro, além do Impos-
to sobre Operações Financeiras (IOF).
Desse modo, esta oficina teve o objetivo de apresentar aos par-
ticipantes as possiblidades existentes para as fontes de fomento para
financiamento de novos empreendimentos.

5 CONCLUSÃO

A experiência proporcionada pelo trabalho desenvolvido junto a


uma entidade do terceiro setor, que atende crianças, jovens e adolescen-
tes, acolhendo-os em suas mais amplas necessidades, chegando inclusive
ao fornecimento de alimentação durante o período em que se encontram
no estabelecimento, foi algo diferente de tudo aquilo que os professores
do curso de Administração da Unesc vivenciaram até então.
O contato com o público-alvo das atividades, objeto do projeto
de extensão, fez com que fossem desenvolvidas técnicas que pudessem
prender a atenção dos participantes. Assim, logo de início, os professores
e os acadêmicos extensionistas trataram de identificar as demandas que
eram buscadas pelos jovens e adolescentes do Bairro da Juventude, no
sentido de tornar os encontros semanais atraentes, que pudessem des-
pertar neles o interesse pela absorção desse novo tipo de conhecimento,
diferente daquilo que faz parte da formação profissional.
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes; Ricardo Pieri;
90
João Batista da Silva; Ana Paula Silva dos Santos & Júlia Pavei De Luca

Nesse sentido, os professores e acadêmicos extensionistas plane-


jaram os encontros sob a forma de oficinas. Técnica que consiste em
proporcionar um ambiente adequado, cujo propósito é o desenvolvi-
mento de habilidades e aptidões por meio da utilização de atividades
orientadas por profissionais capacitados, dispondo de tipos distintos
de materiais e equipamentos para o ensino e aprendizagem nas mais
variadas áreas do desempenho profissional.
Pode-se concluir que o uso desse recurso contribuiu de forma de-
cisiva para que a equipe de trabalho envolvida com o projeto de exten-
são alcançasse seus objetivos. Isto porque, desde o princípio, os jovens e
adolescentes do Bairro da Juventude sentiram-se estimulados pelo fato
de estarem participando efetivamente da construção de seu conheci-
mento no Centro de Educação Profissional dentro de sua especificidade,
tendo como acréscimo a incorporação dos conceitos e práticas de em-
preendedorismo e de negócios.

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Volume II

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PROJETO DE EXTENSÃO NA
PRÁTICA: ESTUDO DE CASO DA
FEIRA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA
DA UNESC (FES-UNESC)

Joelcy José de Sá Lanzarini


Unesc – joelcy@unesc.net

Dimas de Oliveira Estevam


Unesc – doe@unesc.net

Augusto Bom
Acadêmico. Unesc – katatalm@hotmail.com

Bruna Batista
Acadêmica. Unesc – psicologia.bruna@hotmail.com

Marina Constante Pereira


marinaconstante@hotmail.com

RESUMO: Este artigo trata da aplicação prática de um projeto de extensão universitária


desenvolvido por professores da Unesc – Universidade do Extremo Sul Catarinense de Cri-
ciúma, no qual se descreve a experiência da Feira de Economia Solidária (FES) da mesma
universidade. O projeto de extensão foi aprovado inicialmente no ano de 2011, sendo repe-
tido nos anos de 2012 e 2013. Mostra o desafio enfrentado para organizar os agricultores
familiares e os artesãos para conduzirem em grupo as atividades da feira. Conta também
o histórico das feiras anuais de economia solidária realizadas, as quais foram a base para
o surgimento da feira permanente com periodicidade semanal. A partir dessa iniciativa,
foi criado também o Fórum de Economia Solidária (FES) da Região, cujos participantes se
reúnem mensalmente. O objetivo da realização da FES-Unesc foi de promover o encurta-
mento da cadeia produtiva, colocando em contato direto produtores e consumidores, de
forma a permitir ganhos para todas as partes envolvidas. O artigo discute os espaços de
produção e comercialização baseado numa perspectiva da economia solidária. Como pro-
cedimentos metodológicos, caracteriza-se como estudo de caso, em que foram utilizadas
fontes bibliográficas e documentais obtidas em arquivos das cooperativas, associações e na
Unesc, sendo complementado por uma pesquisa de campo, quando foram entrevistados
consumidores da FES-Unesc. Como resultado, apresenta-se a feira como consolidada com
edição semanal, e atualmente participam da FES quatro cooperativas da agricultura familiar
e cinco associações de artesões da Região.

Palavras-chave: Economia Solidária, Feira, Cooperativas, Associações.


Joelcy José de Sá Lanzarini; Dimas de Oliveira Estevam; Augusto Bom;
94
Bruna Batista & Marina Constante Pereira

1 INTRODUÇÃO

A produção de alimentos e artesanato sempre esteve presente


nas rotinas diárias das propriedades rurais. Com a intensificação do uso
da tecnologia, houve o aumento da produção e os excedentes comer-
cializáveis necessitavam de alternativas para comercialização, pois os
canais tradicionais já não são suficientes e viáveis para tal fim. Segundo
Fernandes (2009), em hipótese alguma pode-se dizer que os campone-
ses são avessos ao mercado, pois estão constantemente em busca de
novas formas para dar vazão às suas produções.
Para que os produtores rurais e artesãos obtenham resultados
que lhes permitam auferir resultado positivo em suas atividades, é ne-
cessário que atinjam o mercado consumidor diretamente, encurtando
assim a cadeia produtiva e proporcionando ainda um ganho aos con-
sumidores, devido ao menor preço, principalmente, pela qualidade dos
produtos ofertados. Para que isso seja possível, é necessário que a bus-
ca desses espaços de comercialização seja feita de forma coletiva, pois
individualmente nenhum deles terá condições financeiras e de estrutu-
ra para atingir tais objetivos.
Na região da AMREC vem ocorrendo um fenômeno interessante
que resulta das ações dos agricultores, por meio de suas formas organi-
zativas, do serviço de extensão rural oficial do Estado de Santa Catari-
na, mediante a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de
Santa Catarina (EPAGRI), que busca fortalecer estas formas organizati-
vas, e da Unesc, pelo Programa de Ações em Economia Solidária (PAES)
e de seus projetos de extensão, e do GIDAFEC/UNESC/CNPq (Grupo In-
terdisciplinar de Pesquisa e Extensão em Desenvolvimento Socioeconô-
mico, Agricultura Familiar e Educação do Campo).
Sobre a coordenação geral do PAES e auxiliado pelas entidades e
grupos acima citados, ocorreu a criação de um espaço alternativo den-
tro do campus universitário da Unesc, por meio da Feira de Economia
Solidária da Unesc (FES/Unesc), a fim de abrir novas possibilidades de
inserção para comercialização de produtos oriundos da agricultura fa-
miliar, em mercados alternativos, pelos associados de cooperativas des-
centralizadas e pelas associações de artesões, entre outros.
Como resultado dessa ação conjunta, buscou-se permitir aos agri-
cultores e artesãos alcançarem o consumidor com seus produtos sem
Práticas e Saberes de Extensão
95
Volume II

a interferência de atravessadores, possibilitando assim um “encurta-


mento da cadeia produtiva”, propiciando a política do “ganha-ganha”.
Ganham os produtores, pois recebem maior valor pelos seus produtos,
ganham os consumidores, pois compram produtos de maior qualidade,
com garantia de procedência e com menores preços.
A criação deste espaço é o resultado direto da aplicação de um
projeto de extensão universitária iniciado em 2011 e que teve pros-
seguimento até o ano de 2013, visando justamente à organização dos
agricultores e artesãos em entidades associativas (associações e coo-
perativas), para dar sustentação à implantação da Feira de Economia
Solidária na Unesc, sempre obedecendo aos preceitos da economia so-
lidária.
Mediante essas formas alternativas de mercado, é possível aten-
der nichos especializados. Os produtos alimentícios comercializados
na feira têm um apelo especial, por se tratarem de produtos coloniais,
produzidos de forma artesanal, sem uso de aditivos químicos e con-
servantes, mantendo a originalidade das receitas e a tradição dos sa-
beres e sabores da cultura local. Os produtos de artesanato agregam
valor aos subprodutos obtidos na propriedade rural, tais como palhas,
fibras, cipós, escamas de peixe, retalhos de tecidos, transformando-os
em artesanatos temáticos, que preservam os costumes e a cultura da
região.
Nesse sentido, a criação da Feira de Economia Solidária da Unesc
fez surgir a necessidade da construção de um fórum de debate, no qual
fosse possível discutir os problemas, as necessidades e as ações que de-
vem ser tomadas para resolver os problemas inerentes à feira, as for-
mas alternativas de mercado e as dificuldades que surgem no diaadia.
Dessa forma, foi criado o Fórum de Economia Solidária da Região Sul do
Estado de Santa Catarina, em que são discutidos os assuntos inerentes
à feira e à Economia Solidária.
O presente artigo tem por objetivo discutir os espaços de produ-
ção e comercialização mediante empreendimentos de economia solidá-
ria e discorrer sobre a criação e funcionamento da Feira e do Fórum de
Economia Solidária da Unesc. Sua finalidade é apresentar um resultado
prático de projeto de extensão desenvolvido por professores da Univer-
sidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), localizada na cidade de
Criciúma – Santa Catarina.
Joelcy José de Sá Lanzarini; Dimas de Oliveira Estevam; Augusto Bom;
96
Bruna Batista & Marina Constante Pereira

O projeto de extensão trata da feira de economia solidária como


forma de contribuir para a construção de formas alternativas de mer-
cado, que visem fazer o “encurtamento da cadeia produtiva” da agricul-
tura familiar, proporcionando aos agricultores familiares e artesãos a
agregação de valor aos seus produtos.
Em relação aos seus aspectos metodológicos, trata-se de uma
pesquisa qualitativa, na qual se realizou uma descrição sobre a natureza
do fenômeno social caracterizado pela implantação da Feira de Econo-
mia Solidária e do Fórum de Economia Solidária da Região de Criciúma.
Trata-se de um estudo de caso, que é o tipo de pesquisa mais adequa-
da para estudos microssociais, por permitir o entendimento minucioso
das relações sociais (YIN, 2005).
Além da introdução, o artigo discorre ainda sobre economia so-
lidária e associativismo; as formas e mecanismos de comercialização
para produtos da agricultura familiar; descreve a história e o funciona-
mento da Feira de Economia Solidária e do Fórum de Economia Solidá-
ria da Região da Amrec.

2 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA – A LIGAÇÃO DA


UNIVERSIDADE COM A SOCIEDADE

O processo de ensino é composto por três pilares, os quais indivi-


dualmente não conseguem por si só atingir seus objetivos. Estes pilares
são a pesquisa, o ensino e a extensão. Para que uma instituição consiga
manter o status de universidade perante o Ministério da Educação, é
necessário que desenvolva atividades indissociáveis em cada um desses
pilares.
Segundo Leite (2009), a palavra extensão, em seu sentido literal,
significa o ato de estender. Num sentido amplo, podemos dizer que sig-
nifica levar a alguém, trocar os conhecimentos e a aprendizagem entre
a instituição de ensino e a comunidade.
Para Souza Neto e Attiki (2005, p. 11), a Extensão pode ser defi-
nida como:

[…] um processo educativo, que envolve ações de caráter cienti-


fico, cultural e artístico, voltadas para a integração da instituição
universitária, possibilitando, assim, uma efetiva participação da
Práticas e Saberes de Extensão
97
Volume II

universidade na sociedade, reconhecendo em ambas possibili-


dades de aprendizagem e desenvolvimento do saber popular e
científico.

Ainda, segundo Leite (2009, p. 3):

A Extensão tem como um ponto de partida inicial a necessida-


de do indivíduo em aprender a ler, interpretar e ressignificar sua
vida, da sua comunidade e da própria humanidade. Assim, a Ex-
tensão tem como pressuposto a relação dialética entre o sujeito e
a história, não sendo a Extensão apenas um instrumento a mais
de transmissão ou transferência de técnicas ou conhecimentos,
mas, além disso, de transformação e de construção social.

Segundo Freire (1979), a extensão ou comunicação deve ser ana-


lisada não a mando de quem a está realizando, mas sim das transfor-
mações que provoca no meio social onde está sendo desenvolvida. É
importante se questionar: qual o papel efetivo da extensão e como se
dará este processo de produção, reprodução e transformação da socie-
dade no tecido social a que se destina?
“A Extensão deve primar pelo caráter emancipatório, que se reali-
za pela parceria entre a Universidade e a sociedade” (LEITE, 2009, p. 4).
Ainda este autor diz que a extensão deve ser o elemento de articulação
entre os diversos ramos do conhecimento, seja técnico, humanístico ou
ético, como forma de auxiliar na formação do profissional, e muito além
disso, na formação do cidadão, utilizando como fonte de inspiração para
as suas pesquisas as demandas apontadas pela sociedade e ao mesmo
tempo transformando a sociedade com os resultados de suas pesqui-
sas. É um caminho de mão dupla, na construção e disseminação do co-
nhecimento.“Assim, a Extensão deve articular o conhecimento científico
com o conhecimento popular, numa troca em que ambos são favoreci-
dos”(LEITE, 2009, p. 4).
Joelcy José de Sá Lanzarini; Dimas de Oliveira Estevam; Augusto Bom;
98
Bruna Batista & Marina Constante Pereira

Figura 1: Relações entre universidade e sociedade

Fonte: Elaborado pelos autores

2.1 Os Projetos de Extensão e sua Aplicabilidade na


Sociedade

Os projetos de extensão são propostas de trabalho elaboradas


por professores e acadêmicos, que após aprovados pela instituição de
ensino devem ser colocados em prática em resposta às demandas so-
ciais existentes, em busca de uma solução para alguma dificuldade ou
problema.
Ao conceituar o que é um projeto de extensão, Leite (2009, p.19)
diz que

[...] são propostas de atuação na realidade social de natureza aca-


dêmica, que contemplem a relação ensino – pesquisa – extensão.
Compreende ações pontuais e contínuas de caráter educativo, so-
cial, cultural, científico ou tecnológico, com um objetivo específi-
co e prazo determinado.

Para que seja justificável a sua realização, deve apresentar relevân-


cia acadêmica, promovendo a integração entre ensino, pesquisa e exten-
são, e relevância social, atendendo aos anseios da sociedade, prezando
pela participação e controle social, produzindo resultados que venham
em seu benefício e sejam passíveis de avaliação pelos beneficiários.
Práticas e Saberes de Extensão
99
Volume II

Leite (2009, p. 20) diz que “a avaliação da extensão constituir-se-


-á na aplicação de instrumentos específicos através de relatórios com o
objetivo de melhorar a organização institucional e traduzir o perfil da
relação de reciprocidade da universidade com a sociedade”.
Assim, os projetos de extensão para criação da Feira de Economia
Solidária na Unesc, sob a coordenação do PAES, buscaram a articula-
ção com associações e cooperativas de agricultores familiares da região
para, em conjunto, atingir os seus objetivos.

2 ECONOMIA SOLIDÁRIA E COOPERATIVISMO:


FORMAS ALTERNATIVAS DE PRODUÇÃO E
COMERCIALIZAÇÃO DOS PRODUTOS DA
AGRICULTURA FAMILIAR MEDIANTE FEIRAS DE
ECONOMIA SOLIDÁRIA
Depois do surgimento do capitalismo, todas as atividades econô-
micas passaram a ser controladas pelo poder do dinheiro, tornando-se
assim subjugadas aos interesses deste. Porém, em contraponto a este
pensamento, surge uma nova ideia de organização produtiva, na qual
há a socialização da produção baseada na cooperação e na autogestão,
modo este que ficou conhecido como economia solidária.
Segundo Ploeg (2008), essas formas alternativas de mercado vêm
na contramão das commodities controladas pelos impérios alimentícios
que consolidaram-se no mundo nos últimos anos e vêm ainda em res-
posta à impossibilidade de se atingir o mercado de forma individual pe-
los produtores.
Por meio desses mercados, segundo Maluf (2004), os agriculto-
res familiares conseguem reinserir-se e reconectar-se ao mercado com
atividades econômicas de maior densidade, diminuindo assim a vulne-
rabilidade social com produtos de apelo sociocultural, dinamizando a
economia local.
Singer (2002) define economia solidária como sendo uma alter-
nativa ao capitalismo, em que é possível produzir baseado na coope-
ração e não na competição, cujos membros se associam para produzir,
comercializar, consumir ou trocar.
O movimento de economia solidária compreende experiências di-
versificadas de produção, consumo, crédito e comercialização, as quais
Joelcy José de Sá Lanzarini; Dimas de Oliveira Estevam; Augusto Bom;
100
Bruna Batista & Marina Constante Pereira

se norteiam pelos princípios de cooperação, desenvolvimento susten-


tável, igualitarismo, democracia participativa e autogestão (LISBOA,
2007).
Dentro desse contexto, observa-se ainda que, mesmo num mundo
capitalista, há formas de produção inclusivas, sendo possível reunir um
pouco de cada um para o benefício de todos. É um mundo dito por mui-
tos como utópico, mas que vem mostrando a cada dia que realmente
pode ser o diferencial e esteja baseado no coletivo, sem, contudo, pri-
var seus participantes das faculdades da decisão pessoal. Para Singer
(2002, p. 10), “A economia solidária é o outro modo de produção, cujos
princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e
o direito à liberdade individual”.
Segundo Lisboa (2004), mesmo considerando os princípios da
economia solidária, não é possível abstrair-se do mercado. O que muda
é a percepção de valores, tais como preços justos em vez de lucro maxi-
mizado. Ganho social em vez de ganho individual. As empresas que ade-
rem a esses conceitos assumem e denominam-se empresas solidárias.
Para Arroyo e Schuch (2006), a organização da produção no sistema
solidário emerge da base para o topo e com isso permite a melhoria da
qualidade de vida de todos os entes envolvidos, baseado nos princípios
da cooperação e da solidariedade.
A produção solidária desenvolve-se por meio de empreendimen-
tos que desenvolvam atividades associativas, seja de trabalho ou de
recursos materiais. Dentro do associativismo encontra-se o cooperati-
vismo, que é a associação de pessoas com objetivos comuns, as quais
buscam resolver seus problemas conjuntamente.
A cooperação como forma de organização por meio de coopera-
tivas surgiu na Europa, na metade do século XVII. Seu grande objetivo
era organizar as pessoas coletivamente a partir de interesses comuns,
intervir em processos produtivos como forma de organização econômi-
ca, para melhorar os ganhos e consequentemente a vida das pessoas. O
grande diferencial dessa forma de organização, desde o seu princípio,
foi aliar a união das pessoas, criando uma consciência coletiva, com a
organização produtiva, visando construir novas relações de trabalho e
uma sociedade embasada nos princípios da solidariedade, em busca do
bem-estar econômico e social (RISSON, 2010).
O interesse pela constituição de formas organizativas de traba-
lho baseadas no associativismo, no cooperativismo e no mutualismo
Práticas e Saberes de Extensão
101
Volume II

sempre esteve presente nos projetos e realizações referentes às mais


diversas sociedades. Desde os grupos primitivos, que se dedicavam a
atividades coletivas de caça, pesca, criação de animais e agricultura ru-
dimentar, tendo como motivação primordial a luta pela sobrevivência,
os homens vêm se desenvolvendo mediante diversificadas iniciativas
de trabalho relacionadas às mais diversas formas de integração: ban-
dos nômades, tribos segmentadas, organizações comunais, entre outros
(LISBOA, 2007).
Dessa maneira, para Gaiger (2013), para vencer o modelo de pro-
dução capitalista, é necessário aos produtores que se unam em coope-
rativas, onde é possível alcançar ganhos de escala na produção de bens,
ena organização e otimização do trabalho, em que os resultados são dis-
tribuídos entre os associados.

2.1 Cooperativismo Tradicional x Cooperativismo


Descentralizado ou Virtual

Deve-se aqui ser feita uma distinção importante entre cooperati-


vismo tradicional e cooperativismo rural descentralizado ou virtual. O
cooperativismo tradicional encontra-se presente nas mais diversas ati-
vidades rurais, principalmente naquelas ligadas à produção de commo-
dities agropecuárias, caracterizadas por grande escala de produção e a
padronização dos produtos, com preços pré-determinados no mercado
internacional e com vocação exportadora (EID;CHIARIELLO, 2007). É o
sistema orientado pelos indicadores de produtividade, eficiência técni-
ca e econômica pautado nos resultados.
Já as cooperativas rurais descentralizadas ou virtuais, segundo
Bialokorski Neto (2002, p. 13), caracterizam-se por:

[…] não apresentam ativos imobilizados e estruturas de benefi-


ciamento e comercialização próprias. Estas organizações não têm
nas economias de tamanho e escala a sua vantagem de custos,
mas objetivam a vantagem de custos na ausência de manutenção
e investimentos em ativos próprios imobilizados, funcionários e
corpo administrativo próprios. Estas cooperativas ditas virtuais
são organizações cooperativadas caracterizadas por pequeno
número de sócios, entre 20 e 30 na maioria dos casos, que não
possuem prédios ou administração, que movimentam pequena
quantidade de commodities, mas altos e diferenciados padrões
Joelcy José de Sá Lanzarini; Dimas de Oliveira Estevam; Augusto Bom;
102
Bruna Batista & Marina Constante Pereira

de qualidade, ainda orientados conscientemente, de forma segu-


ra para nichos internos de mercados.

No Brasil, mais especificamente na Região Sul, de acordo com Es-


tevam et al. (2011, p. 495), “as cooperativas virtuais surgiram por volta
do ano 2000, por meio do incentivo da Emater do Estado do Paraná”.
Ainda segundo os autores, por meio deste modelo foi possível a criação
de um modelo de cooperativa sem a necessidade de grande patrimônio,
pois cada associado já tem estrutura de produção em sua propriedade,
uma pequena Unidade Familiar de Produção (UFP). A cooperativa pos-
sui somente a estrutura administrativa, a qual garante aos produtos das
UFPs a legalidade jurídica, tributárias e sanitárias necessárias para que
possam atingir o mercado em conformidade com a legislação vigente,
ou seja, sair da informalidade.
Nesse modelo de cooperativa descentralizado ou virtual, a busca
não é pela escala de produção de produtos comoditizados, e sim pela
proposta de diferenciação dos produtos. Esses produtos buscam aten-
der a nichos de mercado, com a intenção de manter os saberes e os sa-
bores dos produtos artesanais e a própria cultura da região onde são
produzidos.
No cooperativismo tradicional, a cooperativa enriquece, cons-
tituem grandes patrimônios, os quais nem sempre são revertidos em
benefícios dos associados, uma vez que estes não têm qualquer tipo de
gerenciamento sobre a sua produção após o momento da entrega des-
ta à cooperativa. Ao passo que no cooperativismo descentralizado ou
virtual, todo o resultado obtido pelos associados em suas UFPs é re-
vertido para estes, descontando-se apenas o suficiente para cobrir os
custos operacionais da cooperativa. Segundo Estevam et al.(2012), na
cooperativa tradicional, a cooperativa cresce e o associado permanece.
Na cooperativa descentralizada, o associado enriquece e a cooperativa
apenas permanece, com a valorização da marca.
Com a cooperativa rural descentraliza ou virtual, a produção dos
agricultores pode ser comercializada de diversas formas, desde a venda
para o mercado tradicional, para programas governamentais, para lo-
jas de conveniência, entre outras. Uma forma que vem ganhando força
atualmente é a venda em feiras populares. No item a seguir, será discu-
tido sobre a criação e o funcionamento da Feira de Economia Solidária
da Unesc.
Práticas e Saberes de Extensão
103
Volume II

3 FEIRA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA DA UNESC:


ENCURTANDO O CAMINHO ENTRE O
PRODUTOR E O CONSUMIDOR

Os caminhos para se alcançar o mercado têm sofrido algumas


mudanças nos últimos anos. Algum tempo atrás, o produtor realizava
a produção de produtos alimentares e artesanais em sua propriedade
rural utilizando-se dos recursos naturais, insumos, máquinas e equi-
pamentos disponíveis. Não era necessário preocupar-se com o destino
do que foi produzido, pois havia um acordo tácito entre o produtor e
os intermediários, que vinham até a propriedade buscar os produtos
e se encarregavam de efetuar a distribuição junto ao mercado consu-
midor.
Essas transformações da agricultura familiar, nos últimos anos,
são significativas tanto em termos de crescimento e diversificação quan-
to na produção e no consumo. Socialmente organizados sob diferentes
formas, constituem mecanismos diversos para atuarem em novos mer-
cados, o que os torna menos dependentes dos impérios alimentícios na
construção de uma trajetória de desenvolvimento econômico próprio
(PLOEG, 2008).
Essa forma de comercializar começou a dar sinais de exaustão à
medida que os produtores perceberam que, apesar de estarem produ-
zindo mais e mais, sobram margens cada vez menores sobre os valores
efetivamente vendidos. Isso decorre em função de que os atravessado-
res acabam ficando com uma boa fatia do valor da produção como forma
de remunerar os seus serviços, e os produtores com uma fatia menor.
Para manterem-se competitivas em inovações e que ofertem pro-
dutos diferenciados, as UFPs devem dotar-se dos meios necessários
que possibilitem sua inserção em mercados dinâmicos (ABRAMOVAY,
1992).
Outro problema sentido é que, ao desfazerem-se de seus produ-
tos na porteira de suas propriedades, os produtores acabam perdendo a
identidade junto ao público consumidor e todo aquele apelo que pode-
ria ser feito em relação aos produtos em função de seus atributos ficam
nas mãos dos atravessadores. O produtor, ao vender dessa forma, estava
na verdade perdendo a oportunidade de divulgar os saberes e sabores
da cultura local com os seus produtos, ou seja, estava perdendo a sua
Joelcy José de Sá Lanzarini; Dimas de Oliveira Estevam; Augusto Bom;
104
Bruna Batista & Marina Constante Pereira

identidade cultural. Segundo Maluf (2000), para se manterem competi-


tivas no mercado, as UFPs devem perseguir os seguintes objetivos:
 novos padrões de consumo que valorizam produtos dife-
renciados;
 adoção de estratégias de beneficiamento destes produtos;
e
 relações mais duradouras de fornecimento dos produtos.
Outro ponto considerado importante nessa relação comercial é
que os consumidores vêm buscando avidamente produtos que lhes ofe-
reçam diferenciais em relação aos produtos tradicionais comercializa-
dos no mercado. Buscam produtos coloniais, produzidos sem conser-
vantes e aditivos químicos, feitos artesanalmente e cuja maior garantia
geralmente é aquela passada pela recomendação de amigos e conheci-
dos que adquirem esses produtos.
Nesse sentido, alguns professores e acadêmicos da Unesc, atentos
a essa demanda, em 2011, reuniram-se a representantes das coopera-
tivas de agricultores familiares e membros das associações de artesãos
durante várias vezes para discutir o que poderia ser feito. Assim, surgiu
a ideia de realizar uma feira de economia solidária.
As feiras, segundo Marsden et al. (2000), sejam elas municipais
ou regionais,possibilitam o encontro entre produtores e consumido-
res e,desse modo, surgem oportunidades de negócios, em que o quesi-
to mais importante deixa de ser o preço e passa a ser a qualidade dos
produtos, principalmente pela segurança transmitida pelos vendedores
aos consumidores.
Como resultado dessas reuniões, ocorreram duas Feiras de Eco-
nomia Solidária no campus da Unesc, as quais tiveram duração de três
dias cada uma, realizadas respectivamente em outubro de 2011 e 2012.
Essas Feiras foram organizadas pelo Programa de Apoio à Economia So-
lidária da Unesc (PAES) em parceria com a Epagri, em que participaram
as cooperativas rurais descentralizadas e associações de artesões de
toda Região do Sul Catarinense.
Como resultado dessas edições realizadas em 2011 e 2012, che-
gou-se ao formato da feira de economia solidária atual, a qual foi ins-
talada no campus da Unesc. No dia 3 de outubro de 2012, foi assinado
Práticas e Saberes de Extensão
105
Volume II

um convênio entre os representantes dos empreendimentos de econo-


mia solidária e da Reitoria da universidade. A finalidade do convênio foi
implantar uma feira de economia solidária com periodicidade semanal
no campus da Unesc. Depois da assinatura do convênio, ainda no mes-
mo ano, foram realizadas quatro edições da feira, enquanto ainda havia
aula na universidade. Em 2013, a FES/Unesc passou a ser realizada se-
manalmente, todas as quartas-feiras, das 16h às 22 horas.
Diversos objetivos foram determinados para a feira, mas convém
ressaltar principalmente que a abertura dessa possibilidade de comer-
cialização foi importante, pois permitiu aos produtores a retomada do
contato direto com os seus consumidores, encurtando a cadeia produti-
va, diminuindo o número de agentes que participam do processo e, com
isso, agregando maior valor aos produtos. Outro objetivo considerado é
que levou os empreendimentos a aprofundar as noções de cooperação
e solidariedade, pois acabaram percebendo que individualmente é mais
difícil de sobreviver no mercado. Passaram a ver os outros feirantes
como cooperantes, e não mais como concorrentes. A criação de outras
feiras de economia solidária em outros municípios já é realidade. Por
exemplo, tem-se a feira instalada no município de Balneário Rincão –
SC, que foi criada seguindo o exemplo da FES/Unesc.
Um dos pontos que levou à instalação da FES/Unesc foi dissemi-
nar os princípios da Economia Solidária na comunidade acadêmica, pois
o número de pessoas que transitam diariamente no campus da Unesc é
de aproximadamente dez mil pessoas, entre alunos, professores, funcio-
nários e visitantes.
Se, por um lado, a troca de experiência entre os cooperados e
consumidores é um dos pontos fortes detectados,já que possibilita a
descoberta de respostas para muitos dos seus problemas, por outro, os
consumidores têm a possibilidade de adquirir ou trocar produtos dos
empreendimentos participantes da feira, os quais são produzidos na re-
gião, além de conhecer e valorizar a cultura local, contribuir na preser-
vação do meio ambiente por meio do consumo consciente.
Por fim, a FES/Unesc tem a finalidade de promover a conscien-
tização dos consumidores para o comércio justo, o qual se baseia em
critérios de produção sem uso de trabalho escravo ou infantil, no uso
de insumos renováveis, na questão do preço justo, da valorização do
trabalho, na preservação da cultura local, na preservação do meio am-
Joelcy José de Sá Lanzarini; Dimas de Oliveira Estevam; Augusto Bom;
106
Bruna Batista & Marina Constante Pereira

biente como prerrogativa principal de produção, na questão da melho-


ria da qualidade de vida das pessoas em função de consumir produtos
de melhor qualidade, no desenvolvimento social, uma vez que, ao obte-
rem maior renda familiar, os produtores conseguem socializar com seus
pares os ganhos obtidos e assim todos vivem melhor.

3.1 Fórum de Economia Solidária da Região: da


Discussão à Prática

Paralelo à criação da FES/Unesc, foi criado o Fórum de Economia


Solidária da Região, o qual serve como espaço de discussão sobre as
questões ligadas à feira, aos feirantes e aos empreendimentos de Eco-
nomia Solidária e assuntos da economia solidária regional. Diversas
entidades e instituições têm assento na plenária do fórum, tais como o
PAES, os projetos de extensão universitária ligados a ele, a Empresa de
Pesquisa Agropecuária e Difusão de Tecnologia de Santa Catarina (EPA-
GRI), o Conselho Municipal de Segurança Alimentar de Criciúma, a Cári-
tas Diocesana, a Associação Feminina de Assistência Social de Criciúma
(AFASC), a Colônia de Pesca Z33 do município de Balneário Rincão e a
Associação de Mulheres do Mirassol de Balneário Rincão, a Associação
de Mulheres Artesãs da Comunidade de Coqueiros, a Cooperativa de
Pesca e Agricultura Familiar do município de Içara – SC (COOPAFI), a
Cooperativa Nosso Fruto e as associações de artesãs Criarte e Mãos que
Criam, de Criciúma – SC, a Cooperativa de Produção Agroindustrial dos
Agricultores Familiares de Forquilhinha – SC (COONAFOR), a Coopera-
tiva de Agricultores Familiares de Nova Veneza – SC (COOFANOVE), a
Cooperativa Familiar Agroindustrial do Sul Catarinense de Urussanga –
SC (COOFASUL) e a Cooperativa de Agricultura Familiar Fumacense, de
Morro da Fumaça – SC (COOAFF).
As reuniões ordinárias do Fórum ocorrem mensalmente na pri-
meira quarta-feira de cada mês, das 14h às 16h. A coordenação do
fórum é feita pelo PAES, que consulta os presentes e elabora a pauta dos
temas que serão discutidos durante a reunião. Como forma de fortale-
cer e divulgar a economia solidária, no início de cada reunião, sempre
acontece um momento de formação, em que, por alguns minutos, se dis-
cute um tema relacionado ao assunto. Em seguida, discutem-se as ques-
tões estruturais e de gestão da feira, buscando dar encaminhamentos e
orientações para a resolução dos problemas e dificuldades pertinentes
Práticas e Saberes de Extensão
107
Volume II

à feira. Discutem-se, ainda, assuntos diversos ligados de alguma forma


à economia solidária, como apoio a novos grupos em formação, partici-
pação de empreendimentos em feiras e outros eventos para comercia-
lização de produtos.
O fórum tem como objetivo instituir discussões sobre economia
solidária durante cerca de trinta minutos em cada uma de suas reu-
niões, pois é uma forma de ir sedimentando os conceitos acerca do tema
junto aos empreendedores solidários.
O fórum é ainda ponto de referência para a realização da Confe-
rência Regional de Economia Solidária, seguindo metodologia própria
da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), para escolha
dos delegados regionais que representarão a região na Conferência Es-
tadual de Economia Solidária e de onde serão escolhidos os delegados
estaduais para participar da Conferência Nacional de Economia Solidá-
ria que se realiza periodicamente em Brasília – DF.
No ano de 2014, no mês de maio, foram indicados dez delegados
regionais de Economia Solidária, os quais representaram a região no
Fórum Estadual de Economia Solidária realizado em Florianópolis no
mês de junho e de onde foram tirados os nomes dos delegados para re-
presentar o estado de Santa Catarina na Conferência Nacional em Bra-
sília, no mês de outubro deste ano, sendo que dois delegados nacionais
são representantes de nossa região.
Outro fato importante ocorrido é que, durante a realização da
Conferência Regional de Economia Solidária, foram tiradas dez propos-
tas de ações para subsidiar o Fórum Estadual na elaboração do Plano
Estadual de Economia Solidária. Para a seleção das propostas, houve
levantamento prévio das necessidades mais urgentes e de maior alcan-
ce social e, em seguida, foram discutidas e priorizadas por ordem de ur-
gência, necessidade e abrangência, de tal forma que retratam fielmente
as reais necessidades dos empreendedores e empreendimentos solidá-
rios regionais.
Uma discussão recorrente no Fórum é a busca de novas oportuni-
dades de mercado para os produtos da economia solidária para que seja
possível dar sustentabilidade aos empreendimentos, garantindo assim
renda suficiente que garanta dignidade e cidadania aos empreendedo-
res e seus familiares.
Joelcy José de Sá Lanzarini; Dimas de Oliveira Estevam; Augusto Bom;
108
Bruna Batista & Marina Constante Pereira

Alguns resultados já foram alcançados, como a participação dos


empreendimentos por três anos consecutivos na Feira Agroponte, fei-
ra do agronegócio e da agricultura familiar realizada anualmente no
mês de agosto em Criciúma e que reuniu na edição de 2014 mais de 80
mil visitantes. Muitos empreendimentos viram nas festas e feiras uma
oportunidade de mostrar e de vender seus produtos e, após a experiên-
cia adquirida com a participação na Agroponte, começaram a participar
de outros eventos regionais, mesmo que de menor porte.
Todos os assuntos ligados à feira de economia solidária da Unesc,
bem como assuntos pertinentes à participação dos feirantes em feiras
e outros eventos, são aqui discutidos e encaminhados. É uma constru-
ção viva, que se faz a cada momento, contando sempre com a participa-
ção ativa de representantes do poder público municipal, das entidades
de apoio e dos empreendedores solidários. Os quais, em conjunto, vão
construindo os destinos da Economia Solidária na região Sul Catarinen-
se da microrregião da Amrec e Amesc.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por este artigo, buscou-se elucidar como os projetos de extensão


podem ser colocados em prática junto à sociedade, como forma de au-
xiliar na resolução das dificuldades e problemas por eles enfrentados.
A extensão universitária deve ser desenvolvida como forma de atender
aos requisitos determinados pelo Ministério da Educação para que a
instituição de ensino superior mantenha o status de universidade.
Busca-se discutir ainda os temas sobre os empreendimentos de
economia solidária em suas diversas formas organizativa, seja por in-
termédio de associações, de cooperativas – tradicionais ou descentra-
lizadas – e de como vêm se buscando alcançar novas oportunidades
de mercado. Os consumidores vêm mudando suas preferências muito
rapidamente e o atributo do preço do produto passa a ser secundário,
colocando outros atributos como mais importantes na hora da tomada
de decisão de compra.
Entre essas características, podemos citar a qualidade, a diversi-
dade de produtos, o sabor colonial, o uso de menor quantidade de in-
sumos industrializados, os atributos culturais e as receitas tradicionais,
com forte apelo ao local (origem do produto).
Práticas e Saberes de Extensão
109
Volume II

Entretanto, para que taisprodutos alcancem os consumidores, é


necessário que estejam disponíveis em locais ondeessas pessoassejam
adeptas do comércio justo e que estejam dispostas a pagar um valor
adicional pelos atributos acima citados. Os locais mais indicados e que
têm maior adesão desse tipo de consumidor são as feiras. Na cidade
de Criciúma, a feira de economia solidária acontece semanalmente no
campus da Unesc, onde agricultores familiares e artesãos ofertam es-
ses produtos diferenciados. A feira ocorre semanalmente das 14 às 22
horas na Praça do Estudante. Paralelo à feira, é realizado mensalmente
o fórum de economia solidária, no horário das 14h às 16h, em que são
discutidos assuntos relativos ao tema e questões relacionadasà econo-
mia solidária.
Dessa maneira, a feira e o fórum de economia solidária mostram-
-se como instrumentos válidos e úteis para auxiliar no processo de con-
solidação desta nova forma de mercado.

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2005.
DESAFIOS DO
COMPARTILHAMENTO DO
CONHECIMENTO NA AGRICULTURA
FAMILIAR: ESTUDO DE CASO DOS
RIZICULTORES DE FORQUILHINHA,
SANTA CATARINA

Cristina Keiko Yamaguchi


Unesc. criskyamaguchi@gmail.com

Luciana Mandelli
Unesc. lucianamandelli79@yahoo.com.br

Melissa Watanabe
Unesc. melissawatanabe@unesc.net

Zeli Felisberto
Unesc. zeli.eu@gmail.com

RESUMO: A agricultura familiar apresenta grande relevância para o desenvolvimento social


e econômico do Brasil. No sul de Santa Catarina, predomina a agricultura familiar, porém
faltam estudos interdisciplinares que busquem compreender como ocorre o compartilha-
mento de conhecimento entre os seus sucessores. Diante dessas lacunas, esta pesquisa
objetiva verificar se as Comunidades de Práticas (CoP) contribuem na transferência e com-
partilhamento de conhecimento na propriedade do cultivo do arroz. Para isso, foi realiza-
da uma pesquisa qualitativa de fins exploratória descritiva. Foi aplicado um questionário
semiestruturado a 25 agricultores da região de Forquilhinha (Santa Catarina), no período
entre dezembro/2013 a Fevereiro/2014. Constatou-se que os agricultores receberam todo o
conhecimento sobre o cultivo de arroz de seu pai e que foi repassado na prática, no diaadia,
diretamente no campo. E as comunidades de práticas ocorrem quando promovem o “dia
de campo”, em que os produtores, as cooperativas e outros órgãos governamentais trocam
informações sobre novos métodos de plantio e repassam novas tecnologias para o cultivo
do arroz. Observou-se, ainda, que o cultivo de arroz encontra-se em poder dos pais que não
incentivam seus futuros sucessores a permanecer e empreender no campo, em virtude das
dificuldades e falta de apoio na agricultura familiar.

Palavras-chave: Compartilhamento de conhecimento. Agricultura familiar do arroz. Comu-


nidades de prática.
Cristina Keiko Yamaguchi; Luciana Mandelli;
112
Melissa Watanabe & Zeli Felisberto

1 INTRODUÇÃO

O atual cenário econômico é cada vez mais caracterizado pelo co-


nhecimento como um elementochave para melhorar e promover a ino-
vação e a competitividade das organizações (DANGELICO; GARAVELLI;
PETRUZZELLI, 2010). Encontrar alternativas que ajudem a criar infor-
mações e conhecimentos na agricultura familiar, além de poder levar
a uma nova oportunidade para o compartilhamento de conhecimentos
entre o produtor de arroz e o futuro sucessor da propriedade e outras
áreas com interesses semelhantes, tais como a tomada de decisão orga-
nizacional, a construção de sistemas de informações a fim de garantir
a competitividade do produtor de arroz. Nesse sentido, Saraceni et al.
(2012) afirmam que a informação e o conhecimento compõem recursos
fundamentais na gestão do conhecimento e no desenvolvimento econô-
mico e produtivo.
O processo de compartilhamento de conhecimento é visto como
contínuo por meio do qual transcende o limite entre os indivíduos. Tal
processo envolve a interação entre indivíduos, grupos e organização
(NONAKA; TAKEUCHI, 1997; POPADIUK; CHOO, 2006).
Estudos de Schommer (2005) afirmam que as interações propi-
ciam oportunidades de aprendizagem individual, sobretudo no âmbito
de comunidades de prática. A aprendizagem e a articulação de diferen-
tes saberes potencializam-se mutuamente e ambas são propiciadas em
situações que envolvem o engajamento de pessoas de diferentes forma-
ções e trajetórias em torno de práticas e empreendimentos comparti-
lhados.
O estado de Santa Catarina é o segundo maior produtor de arroz
irrigado do Brasil, estando atrás apenas do Rio Grande do Sul. Em 2010,
o estado catarinense produziu 1.041.587 toneladas de arroz (9,2% da
produção nacional), em uma área de 150.473 km2 (5,4% da área de cul-
tivo de arroz no Brasil) (CEPA, 2011; EMBRAPA, 2012). Além disso, cabe
ressaltar que, de acordo com a Cepa e a Epagri (2012), ao contrário do
Rio Grande do Sul, onde há maior concentração de grandes produtores,
64% da produção de arroz de Santa Catarina é oriunda da agricultura
familiar (EMBRAPA, 2012).
Observa-se que a agricultura familiar encontra sérias dificulda-
des de sucessão familiar para dar continuidade nas propriedades como
Práticas e Saberes de Extensão
113
Volume II

a falta de apoio no negócio rural. Além de todas as barreiras enfrentadas


pela agricultura familiar, a falta de incentivo para que o sucessor torne-
-se um empreendedor rural é visível. Conforme Bonini e Sbragia (2011),
um dos maiores desafios enfrentado pelas organizações está relaciona-
do à inovação e à sustentabilidade organizacional. Porém, uma mente
empreendedora necessita de pessoas com boas ideias para transmitir
e torná-la realidade no empreendimento para desenvolver algo novo
e que agregue valor à propriedade rural (KAHNEY, 2009; DORNELAS,
2012). Nessa mesma linha, Pesce (2012) afirma que o empreendedor
encontra caminhos desconhecidos no qual precisa dar o primeiro pas-
so, o que demanda muita dedicação e iniciativa, para abertura de novas
oportunidades. Para que o empreendedorismo ocorra em propriedades
rurais, será necessário manter pessoas com conhecimentos técnicos es-
tratégicos para inovar o seu negócio.
Nas pesquisas efetuadas na literatura acadêmico-científica, não
foram encontrados estudos que demonstrem como as teorias de gestão
do conhecimento e das comunidades de práticas podem contribuir para
tornar o processo de sucessão da agricultura familiar mais eficaz e útil
para a propriedade de arroz. Entretanto, pouco se sabe como o compar-
tilhamento de conhecimento entre o produtor e o sucessor da proprie-
dade é utilizado para compartilhar conhecimento e se possibilita criar
novos conhecimentos na propriedade rural.
Com esse enfoque, o presente artigo busca conhecer se as Comu-
nidades de Práticas (CoP) contribuem na transferência e compartilha-
mento de conhecimento na propriedade do cultivo do arroz no municí-
pio de Forquilhinha, Santa Catarina

2 GESTÃO DO CONHECIMENTO

A Gestão do Conhecimento trouxe novo ferramental conceitual,


gerencial e de informática, permitindo às pequenas e médias empre-
sas (PMEs) dar melhor tratamento ao “conhecimento”, que é a principal
matéria-prima a garantir a diferenciação e a competitividade.
A compreensão do que vem a ser Gestão do Conhecimento im-
plica, necessariamente, a coordenação sistêmica de esforços em vários
planos: organizacional e individual, estratégico e operacional, normas
formais e informais. Em particular, quando se fala em Gestão do Conhe-
Cristina Keiko Yamaguchi; Luciana Mandelli;
114
Melissa Watanabe & Zeli Felisberto

cimento, é necessário discutir várias dimensões: (1) papel da alta admi-


nistração; (2) novas práticas de organização do trabalho; (3) desenvol-
vimento de processos específicos para facilitar a geração, a organização,
a disseminação e a reutilização de conhecimentos organizacionais; (4)
práticas e políticas de administração de recursos humanos; (5) novas
tecnologias de informação e comunicação; (6) novas formas de medir
resultados organizacionais; e (7) novas formas de aprendizado com o
ambiente (TERRA, 2001).
Consideram-se quatro elementos totalmente interligados para
o aprendizado organizacional: (1) a aquisição de conhecimento, (2) a
distribuição da informação, (3) a interpretação da informação e (4) a
memória organizacional (TERRA, 2001).
A Gestão do Conhecimento, de acordo com os autores Nonaka e
Takeuchi (1997), é o processo de conversão do conhecimento indivi-
dual, constituído de ações relacionadas à criação do conhecimento a
fim de assegurar a sustentabilidade da organização. Para Davenport e
Prusak (1998), é uma mistura fluida de experiência; uma coleção de
processos que objetivam a criação e o uso do conhecimento para atingir
os objetivos organizacionais. Choo (2003) completa que é a organização
que possui informações e conhecimentos que a tornam bem informa-
da e que lhe conferem vantagem. Para Mitri (2003), o conhecimento é
composto de fatos, ideias, modelos e informações. Já para Melo (2003),
a GC tem o propósito de perpetuar experiências preciosas, pois se trata
da implantação de modelos específicos projetados para cada situação
ou finalidade. Por sua vez, Song, Bid e Weggeman (2006) afirmam que
a Gestão do Conhecimento é entendida como a informação que foi vali-
dada por experiência que entrou na organização e que tem provado ser
benéfica para o desempenho desta.
Portanto, a Gestão do conhecimento é um processo que trata da
conversão do conhecimento por meio de ações relacionadas à criação e
à disseminação desse conhecimento, que lhe conferem vantagem bené-
fica para organização a fim de assegurar a sustentabilidade dela (CHOO,
2003; NONAKA; TAKEUCHI, 1997; SONG; BID; WEGGEMAN, 2006).
A partir de um levantamento realizado na literatura, foi obser-
vado que Nonaka e Takeuchi (1997) identificam e compreendem que a
criação do conhecimento nas organizações pode acontecer da seguinte
forma: (1) aumento da base de conhecimentos tácitos de um indivíduo;
Práticas e Saberes de Extensão
115
Volume II

(2) uso da socialização para transferir esse conhecimento a toda a or-


ganização, liberando o conhecimento tácito do indivíduo; (3) difusão
interativa do conhecimento entre os diferentes níveis da organização;
(4) aumento da variedade de requisitos, reestruturação da organização
e introdução do caos criativo na organização; e (5) criação de nova tec-
nologia e de novos processos que exigem inovação contínua.
O conhecimento atinge igual importância e equipara-se a um re-
curso de poder de competitividade nas organizações que possuem a
capacidade de criar novo conhecimento e difundi-lo em sua totalidade.
Há um reconhecimento crescente de que a chave para a criação de
conhecimento reside na interligação entre o conhecimento tácito e o ex-
plícito. Nesse contexto, a Gestão do Conhecimento é vista como agente
facilitador, permitindo às organizações se desenvolverem e serem mais
competitivas. O conhecimento é um misto de experiências, valores e in-
formação contextual que fornece uma estrutura para avaliar e incorpo-
rar novas experiências e informação. É aplicado na mente das pessoas,
da qual se origina.

2.1 Comunidades de Prática (CoP)

O conceito de comunidade de prática (CoP) foi cunhado como um


grupo de indivíduos que se reúnem periodicamente, por possuírem um
interesse comum no aprendizado e na aplicação do que foi aprendido
(WENGER, 1998).
Para Wenger (1998), as comunidades de prática são formadas
por pessoas que se envolvem em um processo de aprendizado coletivo
em um domínio compartilhado do esforço humano, sejam eles conhe-
cimentos de novas técnicas ou conhecimentos semelhantes. A definição
de CoP permite, mas não assume, a intencionalidade, pois a aprendiza-
gem pode ser a razão pela qual a comunidade se reúne ou um resultado
incidental de interações membro.Nem tudo chamado de comunidade
é uma comunidade de prática.Um bairro, por exemplo, é muitas vezes
chamado de comunidade, mas geralmente não é uma comunidade de
prática.
Wenger (1998) explica que as características fundamentais para
evidenciar as Comunidades de Práticas são:
Cristina Keiko Yamaguchi; Luciana Mandelli;
116
Melissa Watanabe & Zeli Felisberto

Domínio: tem uma identidade definida por um domínio compar-


tilhado de interesse e uma competência partilhada entre as pes-
soas
Comunidade: os membros envolvem-se em atividades e discus-
sões conjuntas, ajudam uns aos outros, e compartilham informa-
ções.Eles constroem relações que lhes permitam aprender com
uns aos outros, não necessariamente trabalham juntos numa
base diária;
Prática: desenvolvem um repertório compartilhado de recursos:
experiências, histórias, ferramentas, formas de abordar proble-
mas recorrentes, em suma uma prática compartilhada.

Nessa mesma linha, Schommer (2005) afirma que reconhecer a


aprendizagem gerada em comunidades de prática pode influenciar de-
senhos de programas de formação e de intervenção. A estrutura edu-
cacional atual, que privilegia ensino e desempenho individual, está
baseada, na concepção de que a aprendizagem acontece na mente dos
indivíduos. Diz também que,à medida que se amplia o reconhecimento
de que a aprendizagem é propiciada por interações sociais, de acordo
com a abordagem social da aprendizagem, há tendência de crescer a
valorização de diferentes tipos de atividades nas universidades. E po-
dem provocar mudanças significativas, tanto na identidade dos seus
integrantes quanto na universidade como um todo e em suas relações
com a sociedade.
Os estudos nessas áreas se intensificaram e passou-se a exigir da
organização a geração, a aquisição e o compartilhamento do conheci-
mento, para melhorar as habilidades de seus integrantes e sua capa-
cidade de tomar decisões mais eficientes. As pesquisas realizadas por
Vieira (2006) mostram que as comunidades de prática são ferramentas
importantes no processo de aprendizagem. Sobretudo no que diz res-
peito à geração de benefícios organizacionais, grupais e individuais. No
entanto, deve-se considerar, diante das suas características informais,
que elas não podem surgir “do nada”; não obstante, podem ser estimu-
ladas e mantidas por meio de recursos organizacionais.
Vieira (2006) destaca ainda que as CoP têm como característica
principal a informalidade. Apesar de tantos benefícios proporcionados
por elas, só podem ser criadas a partir de grupos informais já existen-
tes, e mesmo assim sua criação e desenvolvimento podem apenas ser
Práticas e Saberes de Extensão
117
Volume II

estimulados e não impostos pela organização. Caso isto aconteça, os en-


volvidos podem perder a motivação de colaborarem com suas atividades.
Tais comunidades precisam ter um sentido para seus integrantes.

3 MATERIAIS E MÉTODOS

A presente pesquisa tem como base metodológica a taxionomia


apresentada por Vergara (2009), que a qualifica em relação a dois as-
pectos: quanto aos fins e quanto aos meios de investigação.
O resultado desta pesquisa foi oriundo do projeto do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – Pibic, que buscam fo-
mentar a política de iniciação científica por meio da concessão de bol-
sas aos estudantes de graduação integrados na pesquisa científica.
A pesquisa é caracterizada como um estudo exploratório com
abordagem qualitativa, e quanto aos meios de investigação, classifi-
ca-se como bibliográfica. Como meio de investigação para a pesquisa
bibliográfica, serão utilizadas fontes secundárias: artigos científicos
(nacionais e estrangeiros), teses, dissertações, livros e sites. Quanto aos
fins, a pesquisa é caracterizada como descritiva. Também possui caráter
qualitativo, uma vez que será utilizado o método de estudo de caso na
condução de sua investigação. A essência do estudo de caso é “a tentati-
va de iluminar uma decisão ou conjunto de decisões: por que elas foram
tomadas, como foram implementadas e com que resultado” (YIN, 2005).
Ainda segundo o autor, a preferência pelo uso do estudo de caso deve
ser dada quando do estudo de eventos contemporâneos, em situações
nas quais os comportamentos relevantes não podem ser manipulados,
mas em que é possível se fazerem observações diretas e entrevistas sis-
temáticas. A revisão teórica ocorre por meio de abordagens da gestão
do conhecimento, além das principais abordagens de comunidades de
prática (CoP) e produção de arroz.
A pesquisa teve por objetivo conhecer se as Comunidades de Prá-
ticas (CoP) contribuem na transferência e compartilhamento de conhe-
cimento na propriedade do cultivo do arroz no município de Forquilhi-
nha, Santa Catarina. Os procedimentos metodológicos realizados foram:
revisão de literatura e aplicação de um questionário semiestruturado
a 25 agricultores situados na região de Forquilhinha, no período com-
preendido entre dezembro/2013 a fevereiro/2014.
Cristina Keiko Yamaguchi; Luciana Mandelli;
118
Melissa Watanabe & Zeli Felisberto

A análise da pesquisa será abordada pelas três características


apontadas por Wenger (1998).

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Serão descritos os resultados das entrevistas para avaliar se as


três características das Comunidades de Prática (CoP) aparecem como
meio de compartilhamento de conhecimento na propriedade de arroz
do município de Forquilhinha – SC. De forma a manter o anonimato dos
participantes da pesquisa, a autoria das falas é referenciada pela faixa
etária dos donos da propriedade. A Figura 1 mostra a faixa etária dos
produtores entrevistados.

Figura 1: Faixa etária dos rizicultores entrevistados

Fonte: dados da pesquisa.

A primeira questão levantada foi identificar a faixa etária dos en-


trevistados, tendo a predominância da faixa de 36 a 40 anos, com 24%
dos entrevistados, seguindo-se 20% na faixa dos 46 a 50 anos. A Figura
2 mostra o tempo de experiência dos entrevistados.
Práticas e Saberes de Extensão
119
Volume II

Figura 2: Tempo de experiência dos entrevistados na rizicultura

Fonte: dados da pesquisa.

Sobre o tempo de experiência dos rizicultores, 36% encontram-


-se na faixa de 15 a 20 anos de experiência na rizicultura, seguido dos
períodos subsequentes na média de 12%. Quanto ao nível de escolari-
dade dos entrevistados, os resultados são apontados na Figura 3.

Figura 3: Escolaridade dos entrevistados

Fonte: dados da pesquisa.


Cristina Keiko Yamaguchi; Luciana Mandelli;
120
Melissa Watanabe & Zeli Felisberto

No que se refere à escolaridade dos entrevistados, 48% possue-


mo ensino fundamental incompleto, seguido de 20% dos que possuem
o ensino fundamental completo; 28% com o ensino médio completo e
apenas 4% com curso superior completo.
Após a aplicação da entrevista, por meio da qual se buscou veri-
ficar como acontece e como foi observado o papel das CoP na transfe-
rência e compartilhamento de conhecimento dos sucessos na proprie-
dade do cultivo de arroz, a transcrição das entrevistas foi dividida em
categorias para facilitar a compreensão dos resultados. A avaliação des-
sas categorias foi fundamentada em conceitos sustentados por Wenger
(1998). A pesquisa consegue avaliar as perguntas e respostas das entre-
vistas efetuadas junto aos agricultores de arroz e reconhecer por meio
das respostas obtidas a existência ou não de Comunidades de Práticas
na agricultura familiar, por meio das técnicas levantadas na literatura.
A seguir, são detalhadas e discutidos esses resultados, distribuí-
dos em 3 categorias:

a) Categoria 1 – Domínio

De acordo com os conceitos da revisão de literatura, o domínio


ocorre quando há uma identidade definida por um domínio compar-
tilhado de interesse e uma competência partilhada entre as pessoas
(WENGER, 1998). Nesse sentido, pôde-se constatar o domínio quando o
entrevistado afirmou que recebeu o conhecimento das técnicas de cul-
tivo de arroz na prática com o pai e falando sobre o assunto no diaadia.

b) Categoria 2 – Comunidade

Segundo a revisão de literatura, a comunidade ocorre quando os


membros envolvem-se em atividades e discussões conjuntas, ajudam
uns aos outros e compartilham informações. Eles constroem relações
que lhes permitam aprender uns com os outros, e não necessariamente
trabalham juntos numa base diária (WENGER, 1998). De acordo com
as entrevistas, percebe-se que a comunidade fica evidente quando os
entrevistados afirmaram que os conhecimentos são discutidos entre os
vizinhos, quando trocam experiências conjuntas dos problemas e solu-
ções que surgiram nas propriedades. Foram destacados também os en-
Práticas e Saberes de Extensão
121
Volume II

contros com os engenheiros agrônomos, em palestras técnicas, falando


sobre o assunto no “dia de campo”, que trata do encontro para repasse
de novas tecnologias e debates para troca de informações das proprie-
dades.

3) Categoria 3 – A prática

O autor pesquisado afirma que a prática desenvolve um reper-


tório compartilhado de recursos: experiências, histórias, ferramentas,
formas de abordar problemas recorrentes, em suma, uma prática com-
partilhada (WENGER, 1998). Os entrevistados afirmam que o “dia de
campo” é o evento no qual os produtores encontram-se e trocam expe-
riências com os participantes e adquirem novos conhecimentos e novas
tecnologias; há a interação entre os produtores, que afirmam que as de-
monstrações práticas e trocas de experiências ocorrem quando o grupo
“fala sobre os negócios” ou “fala sobre o assunto”.
As Comunidades de Práticas (CoP) de Wenger (1998) interagem
com as teorias de Nonaka e Takeuchi (1997), quando estes afirmam que
a criação de conhecimento acontece quando ocorrem: (1) aumento da
base de conhecimentos tácitos de um indivíduo; (2) uso da socialização
para transferir esse conhecimento a toda a organização, liberando o co-
nhecimento tácito do indivíduo; (3) difusão interativa do conhecimento
entre os diferentes níveis da organização; (4) aumento da variedade de
requisitos, reestruturação da organização e introdução do caos criativo
na organização e (5) criação de nova tecnologia e de novos processos
que exigem inovação contínua.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de os entrevistados não conhecerem metodologicamente


os conceitos difundidos por Wenger (1998) na fundamentação teórica
aqui apresentada, pôde-se observar que eles reconhecem as Comuni-
dades de Prática quando afirmam que os conhecimentos sobre o cul-
tivo de arroz foram recebidos do seu pai, os quais foram repassados
na prática, no diaadia, diretamente no campo. E que as comunidades
de práticas ficam evidenciadas quando promovem o “dia de campo”, no
qual os produtores trocam informações quando “falam sobre o assunto”.
Os grupos de rizicultores buscam trocar experiências com produtores
Cristina Keiko Yamaguchi; Luciana Mandelli;
122
Melissa Watanabe & Zeli Felisberto

vizinhos, repassando seus erros e acertos praticados na sua proprie-


dade. Os entrevistados relataram que acontecem os encontros com a
participação das cooperativas e outros órgãos governamentais para ad-
quirirem novos conhecimentos e novas tecnologias.
Pode-se afirmar que a teoria da criação de conhecimento de No-
naka e Takeuchi (1997) interage com o levantamento realizado na lite-
ratura sobre Comunidades de Práticas (CoP) de Wenger (1998), quando
o propósito dos estudiosos volta-se para o aumento de conhecimentos
dos indivíduos com o propósito de incorporar novas experiências e in-
formações para melhorar a competitividade e a inovação contínua nas
propriedades da agricultura familiar.
Conclui-se que o cultivo de arroz encontra-se em poder dos pais
que não incentivam seus futuros sucessores a permanecer e empreen-
der no campo, em virtude das dificuldades e falta de apoio na agricul-
tura familiar. Há uma necessidade de incentivar o empreendedorismo
junto às propriedades rurais para incrementar as integrações produti-
vas para melhorar a competitividade do negócio.
Assim, sugere-se que sejam realizados mais estudos no sentido de
aprofundar a compreensão das Comunidades de Práticas em diferentes
áreas. Outra oportunidade para melhor compreensão desse processo
de conhecimento seria identificar e analisar as diversas culturas que
fomentam, facilitam ou dificultam as CoP por meio de alguns questiona-
mentos, tais como: (1) Quais tipos de culturas organizacionais que são
mais favoráveis para implementar uma Comunidade de Prática? (2) A
cultura de organizações familiares facilita ou dificulta as Comunidades
de Prática?

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O DIÁRIO DE CAMPO DE
EXTENSIONISTA UNIVERSITÁRIO:
UMA EXPERIÊNCIA
EM UMA INSTITUIÇÃO
DO TERCEIRO SETOR DA
CIDADE DE CRICIÚMA – SC

Abel Corrêa de Souza


Mestre – acs@unesc.net

Gisele Silveira Coelho Lopes


Mestre – giselelopes@unesc.net

João Batista da Silva


Mestre – jbs@unesc.net

Ricardo Pieri
Especialista – rpi@unesc.net

Ana Paula Silva dos Santos


Mestranda – ana.paulasilvadossantos@hotmail.com

Cléia Baltazar Anhaia da Silva


Acadêmica – cleiaanhaia@unesc.net

RESUMO: Este artigo tem como objetivo evidenciar a experiência do extensionista univer-
sitário por meio do diário de campo na caminhada dos três anos de existência do projeto
de extensão “Ações direcionadas à capacitação em empreendedorismo, plano de negócios
e responsabilidade social”. No projeto, os acadêmicos, auxiliados pelos professores da Uni-
versidade do Extremo Sul Catarinense, lecionam o curso de empreendedorismo e plano
de negócios na instituição de terceiro setor denominada Bairro da Juventude dos Padres
Rogacionistas. A metodologia, quanto aos fins de investigação, se caracteriza como uma
pesquisa descritiva e de abordagem qualitativa, considerando o relato dos 124 diários de
campo produzidos durante o período do projeto em estudo. Os resultados expõem os gan-
hos relacionados ao desenvolvimento das pessoas e profissionais adquiridos ao longo da
execução do projeto estão relacionados na busca do conhecimento e postura dos acadê-
micos extensionistas perante as turmas dos diversos cursos profissionalizantes envolvidos.
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes; João Batista da Silva;
126
Ricardo Pieri; Ana Paula Silva dos Santos & Cléia Baltazar Anhaia da Silva

Como conclusão, é possível dizer que este projeto desenvolve os alunos e os acadêmicos,
nas mais diversas áreas.

Palavras-chave: extensão;diário de campo; empreendedorismo.

1 INTRODUÇÃO

O ensino do empreendedorismo é um processo que está ganhan-


do força no decorrer dos anos. No Brasil, ele se iniciou no ano de 1981,
na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas,
em São Paulo. O formato das aulas dessa disciplina é reflexo de seu con-
teúdo, pois é apresentado com metodologia inovadora e participativa,
contrária a de uma aula expositiva (HENRIQUE; CUNHA, 2008).
A transmissão desse conhecimento se reflete num profissional
preparado diante de problemas socioeconômicos, sendo ele proprietá-
rio de um negócio ou um colaborador agindo como intraempreendedor.
A busca por uma cultura empreendedora dentro das empresas demons-
tra a necessidade da inovação constante (FIGUEIREDO-NERY; FIGUEI-
REDO, 2009).
Outra iniciativa que auxilia no desenvolvimento social é a extensão
universitária. Nessa perspectiva, a universidade prepara o acadêmico
para ir a campo, auxiliando a sociedade na solução dos seus problemas
socioeconômicos (SILVA; BARROS; COSTA, 2013). A inovação empreen-
dedora é encontrada no projeto de extensão “Ações direcionadas à ca-
pacitação de empreendedorismo, plano de negócio e responsabilidade
social”, do qual fazem parte acadêmicos do curso de Administração de
Empresas e Administração em Comércio Exterior, da Universidade do
Extremo Sul Catarinense,e queforam preparados para lecionar o curso
de empreendedorismo e plano de negócios nos cursos profissionalizan-
tes de uma instituição de terceiro setor denominada Bairro da Juventu-
de dos Padres Rogacionistas. Esta é uma entidade localizada na Cida-
de de Criciúma, Santa Catarina, que abriga mais de 1.500 crianças de
quatro meses a dezesseis anos. Sua ação é oportunizar uma formação
integral e assistência social a alunos e familiares.
Esse projeto tem como atividade fim utilizar uma metodologia de
ensino diferenciada, baseada em práticas empresariais. O público-alvo
deste projeto são os alunos do Bairro da Juventude, que antes eram for-
mados apenas com conhecimento técnico de suas áreas específicas, e
Práticas e Saberes de Extensão
127
Volume II

com o curso de extensão aprendem a lidar com os problemas adminis-


trativos, a partir de uma visão holística e empreendedora do meio social
e econômico onde vivem.
As aulas foram oferecidas durante os anos de 2011 (curso pro-
fissionalizante em eletroeletrônica), 2012 (curso profissionalizante em
mecânica de automóvel) e 2013 (curso profissionalizante em panifica-
ção). Após a realização das aulas, os acadêmicos extensionistas registra-
vam suas experiências, dificuldades, erros, acertos e o comportamento
dos jovens e adolescentes ao longo das aulas – público-alvo deste pro-
jeto – em diários de campo. O Diário de Campo é um simples caderno
com os relatos diários das experiências vivenciadas, do ponto de vista
do aluno extensionista.
O presente artigo objetiva evidenciar a experiência do extensio-
nista universitário por meio do diário de campo. Visa apresentar como
foi a busca pelo conhecimento, assim como as experiências em campo
e os reflexos na vida dos acadêmicos e, muitas vezes, dos jovens e ado-
lescentes envolvidos. O trabalho está estruturado da seguinte forma: na
primeira seção, encontra-se a introdução; na segunda, a revisão teórica;
na terceira, a metodologia; na quarta, a análise e resultados; e na quinta
seção, a conclusão.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Nesta seção, busca-se sustentar teoricamente os temas de exten-


são universitária e as práticas pedagógicas em empreendedorismo.

2.1 Extensão Universitária

Almejando a integração entre o ensino e a pesquisa da universi-


dade, surgiu a extensão. A formalização prática dos resultados obtidos
dentro da universidade é direcionada ao público menos privilegiado, po-
rém não caracterizando solidariedade individual. Este fato se explica pela
extensão trabalhar nas sociedades de vulnerabilidade socioeconômica a
possibilidade de organização política e a autonomia (JEZINE, 2004).
A Extensão Universitária está classificada como ações sociais da
universidade dirigidas à comunidade que está ao seu entorno. Essas
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes; João Batista da Silva;
128
Ricardo Pieri; Ana Paula Silva dos Santos & Cléia Baltazar Anhaia da Silva

ações permitem o aprendizado para o ensino e a pesquisa. A perspec-


tiva da extensão é a promoção e o desenvolvimento social, emocional
e bem-estar físico para garantir valores, direitos e deveres às pessoas
(SILVA; BARROS; COSTA, 2013).
Ela constitui um processo educativo, cultural e científico que pro-
porciona o ensino e a pesquisa de forma sistemática que viabiliza a relação
transformadora entre a universidade e a comunidade. Cada conhecimen-
to adquirido na universidade é repassado para a sociedade, com sentido
de suprir as necessidades locais, distribuir conhecimentos, atender a de-
mandas de recursos. Outro ponto importante é a questão do trabalho de
criatividade, coletivismo e comprometimento, que todos os participan-
tes do projeto têm em mente. O grande desafio para as universidades é
desenvolver estratégias de alinhamentos entre as preocupações sociais
e as políticas acadêmicas. Fica evidente a necessidade de estabelecer um
diálogo entre a Universidade e a sociedade na busca de encontrar uma
forma adequada de comunicação que garanta o diálogo entre os saberes
científico, técnico e popular (PORTES; ANANIAS; TEIXEIRA, 2011).
A formação adquirida pelo acadêmico no momento da prática em
extensão proporciona à atividade outra função, a preparação do alu-
no universitário para o mercado de trabalho. A efetivação da atividade
transcorre com as três etapas – o ensino, a pesquisa e a extensão. O
ensino apresenta a função de socialização do conhecimento, a pesquisa
representa a busca pela solução dos desafios encontrados na sociedade
de aplicação do trabalho e, por fim, a extensão compõe a ligação entre a
universidade e a sociedade (JAZINE, 2004).
No Brasil, em 1930, as universidades tinham a Extensão Universi-
tária apenas como lugar para realização de cursos e conferências, já que
o objetivo era difundir conhecimentos úteis à vida individual e coletiva.
A partir de 1980, a extensão universitária passou a ser vista como par-
ceira da sociedade, trabalhando no desenvolvimento de extensionistas
e comunidade, agregando valores culturais e sociais (SILVA; BARROS;
COSTA, 2013).

2.2 Práticas Pedagógicas em Empreendedorismo

O ensino de empreendedorismo concomitante às práticas di-


dático-pedagógicas recomendadas para o contexto socioeconômico
Práticas e Saberes de Extensão
129
Volume II

atual propicia o preparo não mais de simples administradores pron-


tos a gerenciar grandes corporações, mas sim de pessoas arquitetadas
de conhecimentos para serem capazes de abrir seu próprio negócio e
buscarem inovações dentro das empresas em que trabalham, atuando
como intraempreendedores. Esses profissionais poderão contribuir
para a sobrevivência das organizações dentro de ambientes cada dia
mais complexos. Nesse sentido, a universidade precisa viabilizar novos
meios de ensino que agucem maior criatividade e a busca pelo novo
(HENRIQUE; CUNHA, 2008).
Pode-se dizer que o empreendedor é alguém que imagina, cria e
põe em prática suas visões. A visão é um conjunto de ideias e objetivos
que se quer atingir no futuro e está dividida em três etapas: i) visões
emergentes, que resultam das ideias sobre produtos/serviços pensados
pelo empreendedor; ii) visão central, que surge das visões emergentes
e se torna alvo de atuação do empreendedor; e iii) a última visão é com-
posta de três elementos: 1º) externo, espaço onde o produto atuará no
mercado; 2º) interno, a empresa que será capaz de viabilizar o produto/
serviço; e 3º) visões complementares,as quais são informações geren-
ciais adquiridas pelo empreendedor que darão suporte à visão central
(PORTES; ANANIAS; TEIXEIRA, 2011).
De forma suprimida, as características mais marcantes encontra-
das em um empreendedor é o autoconhecimento, a criatividade, a proa-
tividade, a autonomia na tomada de decisão, análise e aceitação do risco
e a busca pela mudança pela inovação (FERREIRA; MATTOS, 2003).
Portanto, para Figueiredo-Nery e Figueiredo (2009), nos primei-
ros anos da formação educacional por meio de práticas pedagógicas
abrangentes, destacaram-se mentes empreendedoras e criativas. Foi a
partir dessa inserção de novas práticas pedagógicas que houve o estí-
mulo do pensamento crítico, espírito criativo, inventivo e arrojado, ati-
vidades em grupo e o questionamento hipotético. Nesse contexto, Fer-
reira e Mattos (2003) reafirmam que o perfil empreendedor aflora com
a necessidade e a cultura, considerando o ensino dentro da cultura. Os
autores ainda diferenciam o ensino de empreendedorismo das demais
matérias, em que há a adaptação da metodologia com a matéria. Assim
como o empreendedorismo prega em seu perfil a inovação, os métodos
de ensino seguem a mesma linha de raciocínio.
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes; João Batista da Silva;
130
Ricardo Pieri; Ana Paula Silva dos Santos & Cléia Baltazar Anhaia da Silva

3 METODOLOGIA

Almejando evidenciar a experiência do extensionista universitá-


rio por meio do diário de campo, o estudo, quanto aos fins de investiga-
ção, se enquadra como pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa.
Os resultados deste trabalho foram obtidos pelos registros feitos logo
após a ocorrência das atividades em campo, transcritos e analisados,
resultando na percepção do acadêmico a respeito das experiências que
adquiria ao longo dos trabalhos. Para o registro das informações, foi
utilizado o diário de campo, instrumento caracterizado por ser forma-
tado da melhor maneira para expressar os indicadores adquiridos na
pesquisa, porém necessita de uma análise posterior (VERGARA, 2009).
A obtenção dos dados é consequência da prática dos acadêmicos
extensionistas do projeto em questão. Em 2011, atuavam em campo
dois extensionistas; em 2012, quatro extensionistas; e em 2013, cinco
extensionistas. A atividade fim do projeto de extensão é o ensino do Em-
preendedorismo e Plano de Negócios em uma instituição do terceiro
setor, denominada Bairro da Juventude. Logo após a aula, cada exten-
sionista, individualmente, preenchia o seu diário de campo com a per-
cepção sobre os comportamentos e atitudes dos jovens e adolescentes
sobre as atividades desenvolvidas, bem como sua opinião das situações
ocorridas ao longo das aulas. O resultado dessa percepção não é mensu-
rável, portanto, seu tratamento é predominantemente qualitativo.
Assim, a técnica de coleta de dados é documental, cujo universo
das informações se consistiu em 124 (cento e vinte e quatro) diários de
campo produzidos pelos acadêmicos extensionistas no período de 2011
a 2013, baseados nas aulas aplicadas com jovens e adolescentes, em
risco social a/ou pessoal, matriculados nos Cursos de Eletroeletrônica
(2011), Automação (2012) e Panificação (2013) no Bairro da Juventu-
de, envolvendo 171 jovens.

4 RESULTADO

A extensão universitária busca proporcionar ao acadêmico uma


experiência de campo, em que o aluno estuda a sociedade e a utiliza
como objeto de aplicação do conhecimento adquirido na universidade.
Ao mesmo tempo, auxilia a comunidade em suas dificuldades, atuando
como elo entre universidade e comunidade. Nesse contexto, a universi-
Práticas e Saberes de Extensão
131
Volume II

dade assume o papel de universidade cidadã, que visa dar suporte na


solução dos problemas da sociedade,por meio da transmissão de co-
nhecimento (SILVA; BARROS; COSTA, 2013).
A Unesc, Universidade do Extremo Sul Catarinense, atua nessa
perspectiva, visto que seu formato se enquadra como uma universidade
comunitária, com o propósito de auxiliar no desenvolvimento da socie-
dade onde atua.
Dentro da Unidade Acadêmica de Ciências Sociais e Aplicadas, os
cursos de Administração de Empresas e Administração em Comércio
Exterior desenvolvem um projeto de extensão na instituição Bairro da
Juventude, na cidade de Criciúma, em Santa Catarina. O projeto foi cria-
do no ano de 2011, sua prática apresentou resultados satisfatórios, le-
vando a sua replicação nos anos de 2012 e 2013.

4.1 Unesc

A Fucri (Fundação Educacional de Criciúma) foi fundada em 22


de junho de 1968, objetivando o crescimento do Sul de Santa Catarina,
por meio de cursos direcionados para o magistério. Inicialmente, atuou
no Colégio Madre Tereza Michel, no formato de curso pré-vestibular.
Logo em seguida, no ano de 1971, volta sua atuação para a Escola Técni-
ca General Oswaldo Pinto da Veiga, conhecida por SATC (UNESC, 2013).
Em 1991, a Fucri já era mantenedora de quatro unidades de en-
sino, sendo elas a Faciecri, a Esede, a Estec e a Escca. Essas instituições
foram unificadas, formando a Unifacri (União das Faculdades de Criciú-
ma). No ano seguinte, inicia-se o processo de transformação da Unifacri
para Unesc (Universidade do Extremo Sul Catarinense), mudança fina-
lizada no ano de 1997. Localizada na cidade de Criciúma, no estado de
Santa Catarina, a Unesc tem a missão de “Educar, por meio do ensino,
pesquisa e extensão, para promover a qualidade e a sustentabilidade do
ambiente de vida” (UNESC, 2013).

4.2 Bairro da Juventude

O Bairro da Juventude é uma instituição localizada na cidade de


Criciúma, em Santa Catarina. Foi criado no ano de 1949 por um Ro-
tary Club, com o objetivo da transmissão de conhecimento por meio de
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes; João Batista da Silva;
132
Ricardo Pieri; Ana Paula Silva dos Santos & Cléia Baltazar Anhaia da Silva

cursos profissionalizantes. Cinco anos se passaram e no ano de 1954


a responsabilidade pela instituição foi transferida para a Congregação
dos Padres Rogacionistas, responsáveis pelo nome do estabelecimento
“Bairro da Juventude dos Padres Rogacionistas” (BAIRRO DA JUVENTU-
DE, 2013).
Durante o período de controle dos padres, o formato da institui-
ção constituía um internato. No ano de 1975, foi formada uma assem-
bleia com 25 segmentos representativos da sociedade. Nessa cerimônia,
os padres rogacionistas entregaram a responsabilidade do Bairro para
um Conselho Deliberativo, elegido na mesma Assembleia. Este formato
de administração perdura até hoje (BAIRRO DA JUVENTUDE, 2013).
A instituição Bairro da Juventude atua com uma população mé-
dia de 1.500 crianças, adolescentes e adultos, trabalhando na educação
infantil, com crianças de quatro meses a seis anos; no ensino funda-
mental, com crianças de seis a quatorze anos em período integral, com
laboratórios educativos, como o operacional, consciência corporal, lúdi-
co, artes, musicalização, recreação e lazer, informática, ciências e comu-
nicação, oficinas de canto e coral, percussão, orquestra, violão cordas
em canto, tênis, artesanato, futebol e futsal e educação profissional em
mecânica geral, eletricista de manutenção eletroeletrônica, mecânica
de automóveis, padeiro e confeiteiro, programador de computador e
cozinheiro industrial. Além da área da educação, o Bairro da Juventude
proporciona atendimento psicossocial, saúde preventiva, alimentação e
orientação educacional (BAIRRO DA JUVENTUDE, 2013).
Nessa perspectiva, o Bairro da Juventude tem a missão de promo-
ver e oportunizar a transformação social, por meio da formação inte-
gral e assistência social, com processos educacionais humanizados para
crianças, adolescentes, jovens e suas famílias, em situação de vulnerabi-
lidade social (BAIRRO DA JUVENTUDE, 2013).

4.3 Projeto

O projeto “Ações direcionadas à capacitação em empreendedoris-


mo, plano de negócios e responsabilidade social” foi criado com o ob-
jetivo de desenvolver atividades de extensão universitária estimulando
jovens e adolescentes do Bairro da Juventude na geração de trabalho e
renda, com inclusão social, por meio de capacitação empreendedora.
Práticas e Saberes de Extensão
133
Volume II

O público-alvo que foi selecionado para o primeiro ano de apli-


cação do projeto foi o Curso de Educação Profissional na linha de ele-
troeletrônica, no ano de 2011. No ano seguinte (2012), foi acordado o
aproveitamento do curso de Empreendedorismo e Plano de Negócio
para o Curso de Educação Profissional na linha de mecânica de auto-
móvel. Para o ano de 2013, foi assumido um novo desafio, caracterizado
pela capacitação de jovens estudantes do Curso de Educação Profissio-
nal na linha de panificação.
O desafio visava inicialmente à troca de conhecimento entre os
professores e acadêmicos extensionistas da universidade, para que es-
tes retransmitissem aos alunos do curso profissionalizante. Para me-
lhor aproveitamento, foi desenvolvido um cronograma de aulas, confor-
me apresenta o Quadro 1:

Quadro 1: Cronograma das Oficinas e Conteúdos versus Carga Horária


Oficinas Conteúdos Carga Horária

Oficina I Nivelamento dos conceitos de empreendedorismo; 15 horas

Processo de identificação das oportunidades para a


Oficina II criação de um produto ou serviço inovador; 10 horas

Interdisciplinaridade no processo de gestão de um


Oficina III empreendimento; 13 horas

Oficina IV Estruturação do plano de negócios; 25 horas

Apresentação do produto; Elaboração do plano


de negócios usando o software Negócio Certo do
Oficina V SEBRAE. 20 horas

Pesquisa das fontes de fomento para financiamento


Oficina VI de novos empreendimentos. 10 horas
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores.

É possível visualizar no Quadro 1 que o conteúdo foi dividido em


oficinas, dando total liberdade ao acadêmico de criar as aulas. Essas
aulas eram discutidas, aprovadas e supervisionadas pelos professores,
para garantir o máximo de aproveitamento por parte dos acadêmicos
extensionista e dos alunos do Bairro da Juventude.
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes; João Batista da Silva;
134
Ricardo Pieri; Ana Paula Silva dos Santos & Cléia Baltazar Anhaia da Silva

4.4 Busca do Conhecimento


Para o primeiro ano de aplicação do projeto foram convidadas
duas acadêmicas da terceira fase, uma do curso de Administração de
Empresas e outra do curso de Administração em Comércio Exterior.
Com o acesso ao conteúdo programático, era visível o pouco con-
tato por parte das acadêmicas com o assunto, considerando que, na ma-
triz curricular do curso de administração da universidade, a disciplina
somente é estudada na sétima fase dos cursos. Como forma de apoio à
busca pelo conhecimento, os professores orientadores do projeto suge-
riram a leitura do livro O Segredo de Luísa, do autor Fernando Dolabela,
livro que se tornou obra-base para a criação e o desenvolvimento das
aulas. Fazem parte ainda da base de pesquisa dos acadêmicos livros,
revistas, artigos, vídeos e outros materiais didáticos disponíveis na bi-
blioteca (Física e Virtual) da instituição e de sites especializados nos
conteúdos relacionados ao empreendedorismo.
O crescimento intelectual dos acadêmicos ocorria nas 19 horas
semanais de estudo e uma hora de reunião com os professores. Nas reu-
niões de planejamento das atividades, os acadêmicos podiam, além de
participar ativamente da construção das metodologias a serem utiliza-
das, tirar todas as dúvidas relacionadas tanto às práticas quanto aos
conteúdos relacionados.
Quando foram iniciadas as aulas na instituição Bairro da Juventu-
de, os acadêmicos começaram a transmissão do conhecimento para os
jovens e adolescentes e, em conjunto, estudavam os conteúdos para as
próximas aulas, dividindo os horários em 18 horas de estudo, uma hora
de reunião entre professores e extensionistas e uma hora de atividades
em campo.
No meio do semestre houve a desistência de uma extensionista.
Nesse período ocorreu uma troca de conhecimento interessante, pois a
nova extensionista era acadêmica da sexta fase do curso de administra-
ção, tendo maior conhecimento do curso, enquanto a extensionista que
permanecia desde o princípio do projeto era detentora da experiência
de campo.
Para o segundo ano de aplicação, ocorreu um fato semelhante,
com trocas de conhecimento. Porém, a equipe foi ampliada, pois o tra-
balho deixou de ser direcionado exclusivamente ao Bairro da Juventu-
de, sendo acrescido novo projeto voltado para outro público-alvo.
Práticas e Saberes de Extensão
135
Volume II

No início de 2013, ocorreu a desistência de um dos acadêmicos


e a inserção de mais dois extensionistas, que mantinham as trocas de
conhecimento, totalizando um grupo de cinco acadêmicos.
A aquisição do conhecimento se caracterizou por um formato de
esforço particular na busca de materiais nas mais diversas fontes, como
livros, artigos e sites, além da inspiração constante das aulas dos pro-
fessores orientadores, os quais se mostraram à disposição para sanar
todas as dúvidas encontradas no percurso.

4.5 Experiência de Campo

Nenhum dos extensionistas tinha a experiência de lecionar. Além


disto, havia ainda o desafio de prender a atenção dos 30 alunos, com
faixa etária de 15 a 18 anos.
Para manter a ansiedade disfarçada, os professores auxiliaram
dando inúmeros conselhos práticos à medida que acompanhavam em
campo as ações dos extensionistas. Já para manter o respeito dos alu-
nos, considerando a pouca idade dos acadêmicos, quase igualitária a
dos jovens e adolescentes, os professores sugeriram o uso apenas do
primeiro nome dos professores, desprezando o título professor, de-
monstrando igualdade de poder perante os alunos da turma. Além do
relacionamento dos extensionistas com o professor, foi importante o re-
lacionamento do extensionista com o extensionista, no diário de campo
do dia 10 de maio de 2013, ficando claro como funcionou esse contato:
“É legal como minha colega e eu conseguimos trabalhar em harmonia,
dividindo as falas, alternando sem perder a sequência […]”.
O conteúdo inicial foi o empreendedorismo. Esse tema é atual, po-
rém apresenta muitas falsas interpretações, como demonstra um diário
de campo, da aula do dia 2 de maio de 2012: “Percebi que há a neces-
sidade de desmistificar a visão de empreendedorismo voltada apenas
para o emprego”.
As aulas sobre empreendedorismo transcorreram de maneira di-
vertida, considerando seu formato, que saía da forma de aula conven-
cional, caracterizada pelo professor falar e o aluno anotar, buscando a
aplicação de aulas práticas, com jogos empresariais, dinâmicas, debates
e vídeos. Dessa forma, os extensionistas se motivavam à medida que
os alunos demonstravam a sua empolgação. Um caso lembrado por um
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes; João Batista da Silva;
136
Ricardo Pieri; Ana Paula Silva dos Santos & Cléia Baltazar Anhaia da Silva

diário de campo é a aula do dia primeiro de junho de 2011, em que foi


relatado:

A professora e eu não dávamos a resposta, mas sim os indagávamos


para que eles próprios tivessem suas conclusões e só depois dizía-
mos o que estava certo. Surpreendiam-me na demonstração de seu
conhecimento no assunto, alguns se lembravam de coisas faladas
nas aulas iniciais.

No momento em que se entrou na oficina relacionada à estrutura


de uma empresa, houve uma interação muito importante, considerando
que os temas abordados faziam parte do dia a dia dos alunos. As aulas,
nesta etapa, em sua maioria expositivas e dialogadas, com grande deba-
te, rebatiam assuntos como a área mercadológica relacionada às marcas
conhecidas, à área financeira ligada ao orçamento doméstico, à gestão
de pessoas juntamente com os direitos dos alunos em seus trabalhos e
a importância da produção com suas estratégias. Ocorria forte valori-
zação e a interação dos alunos, por serem assunto de interesse, que os
extensionistas não sentiam a aula passar pelo bom grado dos alunos.
As oficinas finais apresentaram certas mudanças necessárias
de um ano para o outro, objetivando melhor aproveitamento. No pri-
meiro ano (2011), os alunos formularam seus planos de negócios nos
laboratórios da própria instituição Bairro da Juventude, porém estes
apresentaram grandes problemas, como vírus, lentidão e desatualiza-
ção tecnológica das máquinas.Desta forma, a turma de eletroeletrônica
necessitou de maior tempo para a finalização de seus planos. Intrínseco
às várias reuniões do projeto, viu-se a necessidade de nova formatação
para essa etapa, sendo inserida a modalidade de aulas sediadas nos la-
boratórios de informática da universidade. O uso dos laboratórios da
universidade não apenas acelerava o processo de formatação do plano,
como também motivava os alunos a quererem permanecer estudando
ali. A mudança de ambiente, no momento em que os alunos iam para
os laboratórios da universidade é retratada em um diário de campo da
aula do dia 12 de julho de 2013: “Os alunos ficaram bem motivados, pois
estariam fazendo algo diferente de sua rotina, saindo do ambiente de to-
das as aulas e indo para os laboratórios da universidade”.
A última etapa do projeto demonstrava o grau de aprendizagem
obtida pelos alunos, em que eles tinham a necessidade de apresentar ao
Práticas e Saberes de Extensão
137
Volume II

público um protótipo da proposta inovadora em suas respectivas áreas


de estudo. Esta fase foi diferenciada de acordo com cada ano, a mudança
era decorrente da perspectiva dos extensionista no processo de criação.
No primeiro ano, os alunos faziam duplas e juntos criavam um produto
inovador ou nova função para um produto já existente.A partir desse in-
vento, as duplas faziam um plano de negócios. Após a grande dificulda-
de na construção da ideia, no ano seguinte (2012), os alunos contaram
com a ajuda do professor da área para a criação. Para o ano de 2013, os
alunos continuaram com o apoio do professor, bem como utilizaram o
laboratório de informática da universidade. A partir de 2013, foi inseri-
da a utilização de um documento, em que cada produto faz um acompa-
nhamento de todas as tentativas de colocar em prática a sua ideia. O do-
cumento é composto por informações técnicas que auxiliam na melhor
formação do produto a ser desenvolvido ou melhorado.
Durante as aulas, foi solicitado aos alunos que dessem um fee-
dback a respeito das aulas para que os extensionistas pudessem fazer
melhorias e adaptá-las da melhor forma possível, a fim de maximizar
o conhecimento destes. Umaavaliação adquirida por escrito dos alunos
foi relembrada no diário de campo do dia 11 de maio de 2011: “Lendo as
folhinhas escritas por eles no fim da aula pude perceber que esse formato
auxiliou na melhor compreensão do assunto […]”.Outro feedback impor-
tante foi o recebido no último dia de aula do primeiro ano do projeto (1º
de dezembro de 2011) e transcrito em um diário de campo:

[…] depois foi a minha vez de falar um pouco, percebi que não con-
seguia transmitir em palavras tudo o que sentia, mas fiz o máxi-
mo possível, ao fim todos bateram palmas para mim. Naquele mo-
mento pedimos um feedback para os alunos, alguns falavam que
havia sido bom, outros disseram que não faziam ideia do que era
empreendedorismo até o início da aula, que não sabiam qual era
o processo para abrir uma empresa. Um aluno falou que o plano
inicial da equipe dele, referente ao projeto, era enrolar até o dia
da apresentação do projeto e depois simplesmente não apresentar,
mas, com o nosso empenho[extensionistas e professores da uni-
versidade]e do professor[das demais disciplinas]eles fizeram e
ganharam o terceiro lugar.

Os cursos finalizavam após o desenvolvimento e apresentação de


uma ou mais amostras do produto, sendo que uma delas era composta
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes; João Batista da Silva;
138
Ricardo Pieri; Ana Paula Silva dos Santos & Cléia Baltazar Anhaia da Silva

por avaliação e premiação. Nesse momento, a banca examinadora exter-


na considerava não apenas a criatividade, aparência e funcionalidade
do produto, mas também a capacidade do aluno em vender a sua ideia.
Essa metodologia refletia na motivação dos alunos e na aceitação de
seus produtos, como é relatado nas anotações do diário de campo do
dia 24 de outubro de 2012: “O reitor da universidade sugeriu de colocar
os produtos dos alunos na incubadora que há no parque tecnológico da
universidade”.
O formato das aulas permaneceu o mesmo durante os três anos,
porém todos estavam sempre atentos para as dinâmicas que melhor
funcionavam no processo de ensino-aprendizagem. Entretanto, as reu-
niões entre os extensionistas e professores resultavam em mudanças
necessárias para a melhor absorção do conhecimento por parte dos
alunos. Nessas reuniões também eram visíveis as diferenças entre as
turmas, tanto de um ano para o outro quanto de um turno para o outro,
considerando que eram atendidas duas turmas por ano, uma matutina e
outra vespertina. Em função das características particulares, nem todas
as atividades eram aplicadas para todas as turmas, objetivando o máxi-
mo de aproveitamento.

4.6 Discussão dos Resultados

A busca pelo conhecimento para a aplicação no Bairro da Juven-


tude começou com um processo lento e complexo. Esse trabalho exigiu
do acadêmico a visualização de um objetivo final e a busca por ele. O
processo para o alcance desse conhecimento é um exemplo da forma de
agir de um empreendedor descrito por Henrique e Cunha (2008).
Outra característica do indivíduo que empreende é ter uma figura
empreendedora em quem se espelhar (FIGUEIREDO-NERY; FIGUEIRE-
DO, 2009). Esse atributo é encontrado na prática, no diário de campo do
dia 8 de agosto de 2012: “Senti empolgação dos alunos ao saberem que o
coordenador do curso de Administração de Empresas e Comércio Exterior
havia sido aluno do Bairro da Juventude”.
O empreendedor é aquele que apresenta várias características,
tendo como uma das principais a inovação contínua. Nessa perspectiva,
os acadêmicos extensionistas inovaram buscando atrair os alunos com
idade de fácil distração (de 15 a 18 anos) e ensinar o conteúdo de forma
Práticas e Saberes de Extensão
139
Volume II

prática. Assim, o diário de campo do dia 3 de agosto de 2011 comprova


a necessidade dessa inovação: “Senti certo desânimo por parte deles na
discussão, por isso os estimulei questionando. A hora em que houve mais
empenho, foi quando falamos que íamos fazer uma atividade”.
A inovação constante é encontrada também quando os acadêmi-
cos viram a necessidade de melhorias. Como, por exemplo, no momento
em que houve a mudança dos laboratórios da instituição para a univer-
sidade.
Um dos fatores mais relevantes, possível de se notar do início ao
fim da ação extensionista em uma turma, é a forma de pensar dos alu-
nos, em que muitos apresentavam certo receio em sonhar e ao fim do
curso se mostraram empolgados com a busca por um futuro mais pro-
missor. Esse fato vem ao encontro com o objetivo da extensão univer-
sitária apresentado por Silva, Barros e Costa (2013), que comprova em
suas pesquisas que o objetivo da extensão universitária é o desenvolvi-
mento social por meio dos estudantes universitários.

5 CONCLUSÃO

“Certa hora um aluno questionou: o que o empreendedor busca,


lucro ou solução para seu problema?” (DIÁRIO DA EXTENSIONISTA,
5 MAIO 2012). A pergunta elaborada por um aluno é respondida por
Figueiredo-Nery e Figueiredo (2009), que definem o lucro como uma
consequência de toda a atividade e o problema como a oportunidade.
Nesse contexto, os acadêmicos visualizaram no curso profissionalizante
uma oportunidade e como consequências receberam um mix de conhe-
cimento que poderá fazer a diferença em suas vidas.
O conhecimento adquirido pelos acadêmicos ultrapassa o que
seria recebido em aulas convencionais, pois o extensionista sente a ne-
cessidade de um conhecimento holístico, devido à responsabilidade de
sanar possíveis dúvidas dos alunos.
Um ponto de grande crescimento é a oratória do acadêmico. A
mudança na forma de se posicionar e falar perante a turma apresentou
grande desenvolvimento no decorrer de pouco tempo. Outra capacida-
de explorada, quando o extensionista assume o papel de professor,é a
da leitura das expressões dos alunos, conseguindo sentir a necessidade
de melhorias das aulas, bem como o nível de entendimento por parte
Abel Corrêa de Souza; Gisele Silveira Coelho Lopes; João Batista da Silva;
140
Ricardo Pieri; Ana Paula Silva dos Santos & Cléia Baltazar Anhaia da Silva

dos alunos, como demonstra um diário de campo, no dia 12 abril de


2013:

É uma equipe que tem muitos argumentos, tem alguns que parecem
às vezes cansados, pois acordam muito cedo, mas a grande maioria
sempre está bem disposta a participar, porém quando alguém se
nega a participar das dinâmicas, eu vou até a pessoa com jeitinho a
impulsiono-a a se levantar.

A extensão proporciona ainda melhor conhecimento da univer-


sidade, suas possibilidades de novas experiências, esclarecimento dos
processos, facilidade de tirar dúvidas considerando o contato com mui-
tos professores. Porém, a mudança mais relevante é a do fator moti-
vacional; no momento em que o extensionista proporciona ao aluno
visualizar sua capacidade, o aluno se motiva e consequentemente o aca-
dêmico também.
Portanto, fica evidente a importância do registro dos extensionis-
tas em um diário de campo, relatando suas experiências, sucessos e di-
ficuldades. O Diário proporciona, além do registro histórico, uma fonte
para a melhoria contínua do processo de extensão universitária.

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CONVIVÊNCIA FAMILIAR SADIA
X SÍNDROME DA ALIENAÇÃO
PARENTAL: A EXTENSÃO NO
PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO
DAS FAMÍLIAS

Anderson Pereira Tomaz


Acadêmico – anderson_ptomaz@hotmail.com.

Daiane Ribeiro Preve


Acadêmica – daiane_rpreve@hotmail.com

Renise Terezinha Mellilo Zaniboni


Especialista em Processo Civil pela Unisul e em Língua Portuguesa pela
USS; advogada; professora do curso de Direito da Universidade do Extremo
Sul Catarinense – Unesc – renisemelillo@engeplus.com.br

Sheila Martignago Saleh


Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale do Itajaí (2003);
membro do Núcleo de Pesquisa em Direitos Humanos e Cidadania
da Unesc – Nupec; professora tempo integral no curso de Direito da
Universidade do Extremo Sul Catarinense – Unesc.Advogada.
sheilamsaleh@hotmail.com.

RESUMO: A Síndrome da Alienação Parental (SAP) é um mal que necessita ser erradicado
de nossa Sociedade. Em geral, é desencadeada no processo de separação conjugal e traz
consequências psicológicas danosas às crianças e adolescentes. O projeto de extensão que
ora se apresenta tem como objetivo geral contribuir para a prevenção e erradicação da
SAP aos assistidos pelas Casas da Cidadania da Criciúma. Até o momento de execução do
projeto (2013 e junho 2014), já participaram 225 pessoas diretamente e foram beneficiadas
indiretamente 490 crianças e adolescentes, filhos dos participantes. O conhecimento acerca
da SAP fará com que alienadores pensem duas vezes antes de causar danos irreparáveis a
seus filhos.

Palavras-chave: alienação parental; dano existencial; crianças, adolescentes.


Anderson Pereira Tomaz; Daiane Ribeiro Preve;
144
Renise Teresinha Mellilo Zaniboni & Sheila Martignago Saleh

1 INTRODUÇÃO

No final do ano de 2012, o IBGE divulgou pesquisa realizada em


2011, segundo a qual o Brasil registrou a maior taxa de divórcios desde
o ano de 1984, num crescimento de 45,6% comparado ao ano de 2010.
A pesquisa também aponta que a guarda dos filhos ainda é predomi-
nantemente materna: em 87,6% dos divórcios, a guarda dos filhos foi
delegada às mães (IBGE, 2014).
Considerada uma das consequências dos processos de separação
do vínculo amoroso com filhos, a Síndrome da Alienação Parental tor-
na-se cada vez mais frequente nas famílias de nosso país, haja vista o
grande número de divórcios e separações na atualidade.
O presente artigo científico surgiu a partir dos estudos realizados
para implementação do projeto de extensão denominado: “Prevenção e
erradicação da alienação parental: o direito da criança e do adolescente
à convivência familiar sadia”.
O referido projeto tem o objetivo de fornecer assistência psico-
lógica e jurídica aos genitores que procuram as Casas da Cidadania de
Criciúma – SC, no que tange à Síndrome da Alienação Parental e à Lei da
Alienação Parental nº 12.318/2010, por intermédio de ações educati-
vas e preventivas, visando à garantia do direito humano fundamental à
convivência familiar sadia da criança e do adolescente, numa iniciativa
extensionista de prevenção e erradicação da SAP.
A Síndrome em questão causa sérios problemas psicológicos às
crianças e adolescentes, inclusive dano existencial ao seu projeto de
vida. A conscientização dos pais pela apreensão do conhecimento trará
melhor qualidade de vida às crianças de nossa sociedade. É para isso e
por isso que tem razão de existir este projeto de extensão, o qual, enta-
bulado a partir das demandas sociais, provoca mudanças de comporta-
mento já enraizado, na busca de um mundo melhor.

2 REVISÃO TEÓRICA
As famílias não são mais como eram antes. Essa é uma frase co-
mum entre os que já passaram dos trinta, quarenta anos. É fácil perce-
ber a imensa mudança, basta qualquer um de nós olhar nossas próprias
experiências, observando a vivência junto aos avós e aos pais e percebe-
remos que a família de hoje não é como a de outrora.
Práticas e Saberes de Extensão
145
Volume II

Se voltarmos nosso olhar à família antiga, aquela relatada por


Coulanges e Fonseca em seu livro A Cidade Antiga, certamente não re-
conheceríamos nossa família. O instituto da família, para os autores, de-
signado sob a palavra de origem grega epístion, significava aquilo que
está junto do fogo sagrado, representava mais uma associação religiosa
que uma associação natural.

O que une os membros da família antiga é algo mais poderoso


que o nascimento, que o sentimento, que a força física: é a reli-
gião do fogo sagrado e dos antepassados […].A família era, desta
forma, um grupo de pessoas a quem a religião permitia invocar
os mesmos manes e oferecer uma banquete fúnebre aos mesmos
antepassados. (COULANGES; FONSECA, 2002, p. 34)

Porém, para os autores, a antiga constituição da família desapare-


ceu para sempre, e com ela os seus pilares:

O pai perdeu a autoridade absoluta que outrora lhe outorgara


o seu sacerdócio só conservando a autoridade pela própria na-
tureza conferida ao pai para as necessidades do filho. A mulher
que o antigo culto colocara em posição de inferioridade perante
o marido tornou-se moralmente sua igual. O direito de proprie-
dade transformou-se em sua essência; desapareceram os limites
sagrados dos campos; a propriedade deixou de derivar da reli-
gião, para provir do trabalho; a aquisição tornou-se mais fácil e as
formalidades do antigo direito foram definitivamente esquecidas.
(COULANGES; FONSECA, 2002, p. 308)

Apesar da importância da origem histórica da família, esse não é


o foco principal da presente pesquisa, a qual, neste momento, se limita
a analisar as mudanças facilmente observadas nas famílias de uma ge-
ração de filhos, pais e avós, mais precisamente, da atualidade. Porque,
ainda que o foco da pesquisa se restrinja ao período de uma geração, o
que se pode observar é que muitas mudanças ocorreram no conceito
“família” somente no último século. No dicionário da língua portuguesa,
o conceito de família está delineado da seguinte forma:

1. Conjunto de pessoas, em geral ligadas por laços de parentesco,


que vivem sob o mesmo teto, particularmente o pai, a mãe e os fi-
Anderson Pereira Tomaz; Daiane Ribeiro Preve;
146
Renise Teresinha Mellilo Zaniboni & Sheila Martignago Saleh

lhos. 2. Conjunto de ascendentes, descendentes, colaterais e afins


de uma linhagem ou provenientes de um mesmo tronco; estirpe.
3. Pessoas do mesmo sangue ou não, ligadas entre si por casa-
mento, filiação, ou mesmo adoção, que vivem ou não em comum;
parentes, parentela. 4. Grupo de pessoas unidas por convicções,
interesses ou origem comuns. 5. Conjunto de coisas que apre-
sentam características ou propriedades comuns. (MICHAELLIS,
2002)

Somos testemunhas de uma formação familiar composta por pai,


mãe e filhos consanguíneos. O pai, sempre o provedor, o financiador,
quem fazia o contato social, político e econômico, restando à esposa e fi-
lhos a obediência. Esse modelo, denominado patriarcal, possui a carac-
terística da união eterna entre marido e mulher. Podemos afirmar, ain-
da, que nessa família a mulher, sem direito a voto e voz, era responsável
pelos afazeres domésticos, cuidando dos filhos e do marido. Os filhos
homens saiam de casa na idade adulta, deixavam de dever obediência
ao pai e passavam a prover suas próprias famílias. As filhas também dei-
xavam de dever obediência ao pai, mas passavam a obedecer ao marido.
Essa formação familiar foi se modificando e a geração atual é tes-
temunha ocular das lutas femininas e seus reflexos. Testemunhamos a
mulher buscando seu espaço no meio social, econômico e político; con-
quistando o direito ao voto; entrando no mercado de trabalho por ne-
cessidade ou por opção e passando a dividir com o homem a obrigação
do provimento familiar.
Percebe-se ao longo do tempo que as funções vão sendo mescla-
das. O homem passou a dividir com a mulher a obrigação de cuidar dos
filhos, dos afazeres domésticos; já a mulher passou a assumir compro-
misso com o sustento da família. Desenvolveu-se a “família moderna”,
nela os filhos demoram mais para sair de casa, o homem dedica seu
tempo aos deveres domésticos e a mulher assume um significativo pa-
pel econômico e social.
E as mudanças não ficam por aí, nós testemunhamos o nascimen-
to do Instituto do Divórcio e, com ele, o fim de muitos casamentos. O
matrimônio, agora, não é mais obrigatoriamente eterno.
Para Morgan(apud ENGELS, 1995, p. 91), a família deve progredir
à medida que progride a sociedade, deve modificar-se à medida que a
sociedade se modifica; como sucedeu até agora.
Práticas e Saberes de Extensão
147
Volume II

A família é produto do sistema social e refletirá o estado de cultu-


ra desse sistema. Tendo a família monogâmica melhorado a partir
do começo da civilização e, de uma maneira muito notável, nos
tempos modernos, é lícito pelo menos supor que seja capaz de
continuar seu aperfeiçoamento até que chegue a igualdade entre
os dois sexos. Se, num futuro remoto, a família monogâmica não
mais atender às exigências sociais, é impossível predizer a natu-
reza da família que a sucederá.

Dias (2013, p. 29) concorda com essa necessidade de constante


evolução dos conceitos, e com ela, destaca, imperativo se faz a revisão
das normas que regem o instituto familiar:

O influxo da chamada globalização impõe constante alteração de


regras, leis e comportamentos.No entanto, a mais árdua tarefa é
mudar as regras dos direitos das famílias. Isto porque é o ramo do
direito que diz com a vida das pessoas, seus sentimentos, enfim,
com a alma do ser humano. O legislador não consegue acompa-
nhar a realidade social nem contemplar as inquietações da famí-
lia contemporânea.

Essa evolução e revisão de normas se mostra presente na atual


Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a qual, para Ve-
loso(apud DIAS, 2013, p. 30), num único dispositivo, espancou séculos
de hipocrisia e preconceito: instaurou a igualdade entre o homem e a
mulher; esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma
igualitária todos os seus membros; estendeu igual proteção à família
constituída pelo casamento, bem como à união estável entre o homem e
a mulher e à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descen-
dentes (família monoparental); consagrou a igualdade dos filhos havi-
dos ou não do casamento, e até por adoção, garantindo-lhes os mesmos
direitos e qualificações. O autor destaca ainda que a Carta Magna pos-
sibilitou o debate sobre a família homoafetiva, que vem recebendo da
jurisprudência reconhecimento no âmbito do direito das famílias.
Eis que surge a “família contemporânea”, na qual se permite a
chamada “produção independente” (decisão de ser mãe ou pai, sozinho,
sem a necessidade de convivência com o parceiro). Permite-se o reco-
nhecimento familiar da união de pessoas do mesmo sexo (homoafeti-
Anderson Pereira Tomaz; Daiane Ribeiro Preve;
148
Renise Teresinha Mellilo Zaniboni & Sheila Martignago Saleh

va), as famílias chefiadas por mulheres, famílias de pai divorciado e seus


filhos, ou de mãe divorciada e seus filhos (plurais), a chamada família
extensa e ainda a tradicional de pai, mãe e filhos (natural)1, porém com
padrões atuais.
Essa transformação no conceito de família está longe de repre-
sentar a decadência do instituto, pelo contrário, segundo Dias (2013,
p. 33-34), apenas molda o conceito à sociedade atual, permitindo que o
instituto se perpetue sob nova roupagem.

A família, apesar do que muitos dizem, não está em decadência.


Ao contrário, é o resultado das transformações sociais. Houve a
repersonalização das relações familiares na busca do atendimen-
to aos interesses mais valiosos das pessoas humanas: afeto, soli-
dariedade, lealdade, confiança, respeito e amor. Ao Estado, inclu-
sive nas suas funções legislativas e jurisprudenciais, foi imposto
o dever jurídico constitucional de implementar medidas necessá-
rias e indispensáveis para a constituição e desenvolvimento das
famílias.

Percebe-se, assim, que o conceito de família é um conceito aberto,


a ser modificado de acordo com as necessidades da época:

Ao introduzir a ideia de comunidade formada por qualquer dos


pais e seus filhos, o tratar de norma aberta que aceita a inserção
de outras células tal como fez a jurisprudência com os casais de
mesmo sexo; não há clausura para arranjos que desenhem uma
comunhão de vida e intenção de constituir família. (GIORGIS,
2010, p.124)

Outro aspecto a se levar em conta é que uma das faces da socieda-


de moderna é a da recomposição dos núcleos familiares, nos quais avul-
ta o surgimento das famílias reconstituídas, recompostas ou refeitas
também consideradas uma segunda família.

1
Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer
deles e seus descendentes. Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou amplia-
da aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal,
formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e man-
tém vínculos de afinidade e afetividade. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) (BRASIL,
2014b)
Práticas e Saberes de Extensão
149
Volume II

As pessoas separadas, divorciadas, viúvas ou que dissolveram


união estável, com filhos da relação anterior, costumam reagru-
par-se em teia de relações oriundas do espaço antigo que se as-
sociam a deveres frescos: são famílias reconstituídas ou mistas,
nas quais as entidades constitucionalizadas conjugam as obriga-
ções de cada ninho família […]Esta nova família “redesenhada”
está em constante transformação, com contornos indefinidos,
necessita de tempo para ter sua própria história, para ter uma
identidade, definindo as maneiras de conduzir-se no contexto,
pois traz relações complexas que envolvem aceitação, autoridade
e afetividade, conceitos antigos dentro de um novo formato. Esta
nova família precisa ser definida, ser formalizada, para que cum-
pra seus deveres e adquira direitos. (GIORGIS, 2010, p.129-131)

Contudo, mesmo com todas as mudanças, não podemos esque-


cer que o modelo de família tradicional também tem suas mazelas, que
o cuidado deve ser mantido e, quem sabe, até redobrado nessa nova
formação familiar, pois ela também é berço, base de formação de pes-
soas, sendo indispensável que seja um ambiente sadio, onde prevaleça
o amor e o comprometimento entre as pessoas.
Como decorrência das transformações sociais, famílias se decom-
põem para que outras sejam formadas. Nesse contexto, pais se separam
e os filhos passam a morar com um com o outro genitor. E os filhos,
como ficam em meio a tamanha mudança em suas vidas?
A partir de 1985, o professor e médico psiquiatra infantil Richard
Gardner definira a Síndrome da Alienação Parental como uma conse-
quência do processo de separação em famílias com crianças, segundo
a qual um dos genitores denominado “alienador” utiliza do filho como
meio para agredir de forma moral o ex-cônjuge (alienado). Segundo
Gardner (2014), as características da Síndrome “[…] se destacam atra-
vés da campanha de difamar o ódio contra o outro genitor na criança, a
fim de desqualificá-lo e desmoralizá-lo”.
A Síndrome da Alienação Parental (SAP) é desencadeada a partir
do momento em que o responsável pela guarda do(s) filho(s) menor(es)
(criança ou adolescente), após a desvinculação amorosa dos genitores
(seja uma separação, um divórcio, um afastamento do lar etc.), inicia um
processo cuja intenção é denegrir a imagem do outro genitor perante o
filho (na maioria dos casos, é alienado aquele que não possui a guarda
do filho).
Anderson Pereira Tomaz; Daiane Ribeiro Preve;
150
Renise Teresinha Mellilo Zaniboni & Sheila Martignago Saleh

Um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no


contexto de disputas de custódia de crianças. Sua manifestação
preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores,
uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhu-
ma justificação. Resulta da combinação das instruções de um ge-
nitor (o que faz a “lavagem cerebral, programação, doutrinação”)
e contribuições da própria criança para caluniar o genitor-alvo.
Quando o abuso e/ou a negligência parentais verdadeiros estão
presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e assim
a explicação de Síndrome de Alienação Parental para a hostilida-
de da criança não é aplicável. (GARDNER, 2014)

Tal processo não consiste apenas em simples intenção de difamar


a imagem do outro genitor, mas sim fazer com que, de maneira grada-
tiva, o filho passe a se afastar do outro, envolvido por sentimentos de
indiferença, falta de empatia e, principalmente, ódio (em seu nível mais
grave) pelo genitor alienado.
No processo de desvínculo da relação amorosa do casal é que se
verifica o início da prática da SAP, uma vez que a criança passa a servir
de arma (daquele que veio a possuir a guarda) contra o alienado (geni-
tor-alvo).
Porém, salienta-se que, apesar de a guarda permanecer com a
mãe em 87,6% dos casos, como ressalta pesquisa realizada pelo IBGE
em 2011, em algumas situações o alienador pode ser o avô, a avó, o pai,
ou qualquer familiar que conviva com a criança (como, por exemplo, os
tios) (apud BASÍLIO, 2014). No caso do pai que não contém a guarda, a
prática da SAP pode ocorrer nos períodos de visitações, em passeios,
nos quais suas condutas, atos e falas têm o objetivo de afastar o filho da
mãe.
A proteção aos direitos da criança e do adolescente combinada
ao direito à convivência familiar sadia vem expressa no caput do artigo
227 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Logo, é
evidente a violação aos direitos constitucionais da criança pela incidên-
cia da SAP:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao


adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
Práticas e Saberes de Extensão
151
Volume II

à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência fa-


miliar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão. (BRASIL, 2014A)

Observa-se que a SAP, na maioria dos casos, é desencadeada quan-


do o término do relacionamento amoroso se dá de forma conturbada,
a partir do ressentimento criado entre o cônjuge alienador e o cônjuge
alienado. Nesse processo, o genitor alienador, no intuito de castigar o
outro genitor, acaba por praticar atos de alienação aos filhos advindos
desse relacionamento, com o fim de prejudicar, dificultar e até mesmo
extirpar a convivência entre o outro cônjuge com os seus filhos. Todavia,
pode surgir uma série de consequências psicológicas aos filhos.
A prática da SAP, então, torna-se um meio para atingir o genitor
alienado, ignorando o bem-estar do próprio filho. Tal prática é de fácil
conhecimento popular, contudo relativamente nova no ordenamento
jurídico.
A SAP pode ser nivelada em leve, moderada e grave. Será conside-
rada leve quando a incidência das práticas da síndrome tem por objeti-
vo fazer com que a criança ou o adolescente não se sinta à vontade pe-
rante o genitor alienado, na presença do alienador. Moderada, quando a
criança ou o adolescente demonstra leves desconfortos perante o outro
genitor, indicando alguns sinais de indiferença. E será grave, quando “a
criança apresenta-se doente, perturbada […] passa a contribuir com
a desmoralização do mesmo, as visitas nesse estágio são impossíveis”
(VIEGAS; RABELO, 2011).
Apenas no ano de 2010, foi criada uma norma jurídica sobre o
tema, a “Lei da Alienação Parental”, Lei nº 12.318, de 2010, que tem por
finalidade conceituar, exemplificar e caracterizar a SAP, determinando
uma série de sanções ao alienador, desde advertências verbais até mul-
tas, culminando, inclusive, na consequência maior para o alienador que
se trata da perda da guarda da criança. Dispõe referida Lei em seu artigo
2º:

Art. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferência na


formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou
induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham
Anderson Pereira Tomaz; Daiane Ribeiro Preve;
152
Renise Teresinha Mellilo Zaniboni & Sheila Martignago Saleh

a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilân-


cia para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabeleci-
mento ou à manutenção de vínculos com este.
Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação pa-
rental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados
por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor
no exercício da paternidade ou maternidade;
II – dificultar o exercício da autoridade parental;
III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivên-
cia familiar;
V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais rele-
vantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médi-
cas e alterações de endereço;
VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares
deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles
com a criança ou adolescente;
VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, vi-
sando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o
outro genitor, com familiares deste ou com avós. (BRASIL, 2014c)

Assim, demonstra sinais da SAP o genitor que impede ou dificulta


a visita do outro genitor ao filho, omite seus recados, utiliza-se de pala-
vras de baixo calão para referir-se ao genitor alienado, apresenta falsas
denúncias etc. Perante tais atos, a criança alienada, num primeiro mo-
mento, fica confusa e acaba transferindo a mágoa do genitor alienador
ao genitor alienado. E a imagem daquele genitor em sua mente também
é substituída pela falsa imagem criada pelo genitor alienador.
O processo de manipulação se torna ainda mais intenso quando
há a demonstração de um comportamento descontrolado e desequili-
brado, fato que representa o estágio mais avançado da Síndrome. Tal
estágio corresponde muitas vezes às falsas memórias implantadas na
mente do filho. Como ressalta Dias (2014), a obsessão do alienador em
destruir completamente o vínculo entre a criança e o alienado é tama-
nha, que muitos alienadores incutem na mente da criança (em virtude
de seu baixo poder de discernimento) histórias sobre abusos sexuais
que nunca existiram. Isso se torna um dos golpes mais baixos e de maior
preocupação em torno da SAP.
Práticas e Saberes de Extensão
153
Volume II

Nesse estágio, a partir de mentiras implantadas pelo genitor alie-


nador, a criança começa a acreditar que tais abusos ocorreram. O juiz,
diante dessa situação e na maioria dos casos sem saber como agir, afasta
a criança do convívio com o alienado, a fim de apurar a veracidade de tais
situações. Nesse momento, o alienador já se sente vencedor, pois, além
de interromper o convívio entre o outro genitor e seu filho, conseguiu
também denegrir por completo a imagem do outro, não somente perante
a sociedade, como principalmente perante a criança.
Por mais que futuramente seja provada a inocência do pai/mãe
que fora vítima de tal mentira, é importante lembrar que a simples co-
moção social de uma acusação, por mais leviana e infundada que seja, é
muitas vezes suficiente para destruir para sempre a imagem e reputa-
ção de um indivíduo perante a sociedade, ocasionando consequências
pessoais e até mesmo profissionais em toda a sua vida.
Referida situação é de extrema preocupação, uma vez que o alie-
nador também passa a ignorar quaisquer que sejam as consequências
das falsas denúncias para a criança. Para ele, o que importa é que o rela-
cionamento com o alienado foi suspenso e que pode demorar muito (o
que geralmente acontece) para retornar:

O fato é levado ao Poder Judiciário com o objetivo de que as vi-


sitas entre filho e o genitor alienado sejam suspensas. Diante da
gravidade da situação, o juiz não encontra outra saída senão sus-
pender qualquer contato entre ambos e determinar a realização
de estudos psicossociais para aferir a veracidade do que lhe foi
noticiado. Como esses procedimentos são demorados, durante
todo este período, cessa a convivência do pai com o filho. Inú-
meras são as sequelas que a abrupta cessação das visitas pode
trazer, bem como os constrangimentos gerados pelos testes e en-
trevistas a que a vítima é submetida na busca da identificação da
verdade. (DIAS, 2014, p. 2)

Uma vez realizados os atos processuais necessários (como a perí-


cia, estudos psicossociais) e, de fato, diagnosticada a incidência da SAP,
o juiz poderá atribuir qualquer sanção prevista no artigo 6º da citada
lei ao alienador:

Art. 6º Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qual-


quer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescen-
Anderson Pereira Tomaz; Daiane Ribeiro Preve;
154
Renise Teresinha Mellilo Zaniboni & Sheila Martignago Saleh

te com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá,


cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsa-
bilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos
processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gra-
vidade do caso:
I – declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alie-
nador;
II – ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor
alienado;
III – estipular multa ao alienador;
IV – determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicosso-
cial;
V – determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada
ou sua inversão;
VI – determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou ado-
lescente;
VII – declarar a suspensão da autoridade parental. (BRASIL,
2014c)

É válido ressaltar que a partir do momento em que a criança ou


adolescente percebe que o ocorrido foi fruto de um comportamento
doentio, egoísta e manipulador de seu guardião, pondo em risco sua
saúde emocional, ela passa a odiá-lo, muitas vezes cortando o vínculo
afetivo com ele.

Nem atenta ao mal que ocasionou ao filho, aos danos psíquicos


que lhe infringiu, tão perversos quanto se o abuso tivesse ocorri-
do. Aliás, é preciso se ter presente que esta também é uma forma
de abuso que põe em risco sua saúde emocional. O filho acaba
passando por uma crise de lealdade: a lealdade para com um dos
pais implica deslealdade para com o outro, o que gera doloroso
sentimento de culpa quando vier a constatar que foi cúmplice de
uma grande injustiça. (DIAS, p. 3)

Quanto maior a demora do Poder Judiciário em resolver a situa-


ção ou maior a falta de conscientização do alienador, maiores as chan-
ces de que tal vínculo se desfaça por completo. Assim, maiores serão as
consequências psicológicas para a criança/adolescente.
Práticas e Saberes de Extensão
155
Volume II

Nesta busca, traz a lei, a presença indispensável de psicólogos,


psiquiatras, assistentes sociais, bem como uma necessidade da
capacitação do magistrado que cuida do caso, para que perceba
a manipulação que está sendo perpetrada sobre aquela criança,
com o fito único e exclusivo de atender aos anseios de vingança
do alienante. (BRITTO, 2011, p. 6)

São inúmeras as consequências psicológicas geradas pela SAP nas


crianças. Dentre as já mencionadas, a criança pode desenvolver profun-
da depressão, comportamento hostil, uma vez que a perda do convívio
com o genitor alienado representa sentimentos de traição, abandono e
solidão, os quais podem levar a consequências graves, como consumo
de drogas e, em alguns casos, até ao suicídio. O dano restou configurado!
Por outro lado, a descoberta da verdade pode custar muitos anos
à criança, e somente ser desvendada com a chegada da maturidade. Para
muitas, pode ocorrer tarde demais, por várias razões: porque a relação
entre pai e filho perdeu a intimidade ou naturalidade, ou porque um dos
dois já faleceu, ou porque perdeu o contato e não sabe onde encontrá-lo
(mudança de cidade) etc.
Considerado nova categoria de dano extrapatrimonial à pessoa
humana, o dano existencial é conceituado como o “dano à saudável exis-
tência, à normal rotina, ao comum cotidiano da pessoa” (FERREIRA; BI-
ZELLI, 2013, p.33). Abrange várias situações da vida da pessoa, as quais
não estão ligadas necessariamente aos valores sentimentais dela:

O dano existencial pode atingir setores distintos: a) atividades


biológicas de subsistência; b) relações afetivo-familiares; c) re-
lações sociais; d) atividades culturais e religiosas; e) atividades
recreativas e outras atividades realizadoras, porque qualquer
pessoa tem o direito à serenidade familiar, à salubridade do am-
biente, à tranquilidade no desenvolvimento das tarefas profissio-
nais, ou de lazer etc. (SOARES, 2009, p. 47)

Caracteriza-se o dano existencial pela lesão a qualquer tipo de re-


lação vivenciada pela pessoa, seja ela social, familiar, intelectual, afetiva,
cultural, artística, esportiva etc. Tanto é que, na Itália, o dano existen-
cial é denominado “dano à vida de relação” (FERREIRA; BIZELLI, 2013,
p. 34).
Anderson Pereira Tomaz; Daiane Ribeiro Preve;
156
Renise Teresinha Mellilo Zaniboni & Sheila Martignago Saleh

O dano existencial é a lesão ao complexo de relações que auxi-


liam no desenvolvimento normal da personalidade do sujeito,
abrangendo a ordem pessoal ou a ordem social. É uma afetação
negativa, total ou parcial, permanente ou temporária, seja a uma
atividade, seja a um conjunto de atividades que a vítima do dano,
normalmente, tinha como incorporado ao seu cotidiano e que, em
razão do efeito lesivo, precisou modificar em sua forma de reali-
zação, ou mesmo suprimir de sua rotina. (SOARES, 2009, p.44)

Assim, diferencia-se o dano existencial do dano moral por meio


de sentimentos, já que o moral está relacionado à dor, vergonha, aflição,
desgosto, ou seja, qualquer sensação dolorosa experimentada pela pes-
soa, enquanto o dano existencial comporta “todas as alterações nocivas
na vida cotidiana da vítima, em todos os seus componentes relacionais”
(ALMEIDA NETO, 2012, p. 48). Soares (2009, p. 45) explica muito bem
essa diferenciação:

O dano existencial acarreta um sacrifício nas atividades realiza-


doras da pessoa, ocasionando uma mudança na relação da pessoa
com o que a circunda. É uma “renúncia forçada às ocasiões feli-
zes”, como dizem Cendon e Ziviz, ou, pelo menos, à situação de
normalidade tida em momento anterior ao dano.

Nessa situação, encontra-se a criança que sofre as consequências


da alienação parental. À medida que o genitor alienador pratica atos de
alienação, a criança se distancia do outro genitor. Essa quebra da con-
vivência familiar sacrifica sua rotina e todo o seu projeto de vida. Vê-se
diante de um monstro que não mais a quer, quando tudo o que ficou
foram mentiras deixadas pelo genitor alienador. E é óbvio que essa mu-
dança de vida é dolorosa, principalmente porque a criança foi levada a
crer que foi abandonada.
A doutrina esclarece que é possível cumular o dano existencial a
outro tipo de dano à pessoa, como o dano moral, por exemplo, porque a
alteração da rotina, do projeto de vida da pessoa (dano existencial) tam-
bém podem causar tristeza e desgosto, configurando também o dano
moral. Outrossim, o dano estético, que decorre de uma deformidade ou
transformação física, também pode levar à alteração da rotina, do pro-
jeto de vida. Nesses casos, os outros danos, embora distintos do dano
existencial, estarão cumulados com o dano estético. Portanto, reconhe-
Práticas e Saberes de Extensão
157
Volume II

ce-se que dificilmente o dano existencial aparece sozinho (FERREIRA;


BIZELLI, 2013, p.37).
Assim, além de sentir dor, desgosto, rejeição, traição etc. por con-
ta das atitudes alienadoras praticadas pelo genitor alienador, a criança
também experimenta um relacionar-se de outra forma, ou seja, um re-
lacionar-se sem a figura do pai ou da mãe, conforme o caso. A quebra
da convivência com um dos genitores significa não poder mais brincar
com aquela pessoa, não poder mais sentir o seu carinho, ou seja, um
“não mais poder fazer”, o que, numa criança, acarreta certamente uma
limitação ao desenvolvimento sadio. Nesse caso, tanto o dano moral
quanto o existencial devem ser reparados. Da lição de Soares (2009, p.
46) extrai-se que:

O dano existencial diferencia-se do dano moral propriamente


dito, porque esse é “essencialmente um sentir”, enquanto aquele
é um “não mais poder fazer, um dever de agir de outra forma, um
relacionar-se diversamente”, em que ocorre uma limitação do de-
senvolvimento da vida da pessoa.

A prevenção se dá pela conscientização, porque a síndrome nasce


em razão do amor ao filho. No entanto, nenhum pai ou mãe que ama seu
filho, ao ponto de aliená-lo, terá a coragem de cometer tais atos após
conhecer os seus malefícios. Por essa razão, há de se ressaltar a impor-
tância da convivência entre pais e filhos para a construção do caráter da
criança, priorizando sua formação (dos filhos) independentemente das
mágoas que possam resultar entre os casais.
Nesse sentido, não é demais lembrar o artigo 3º do Estatuto da
Criança e do Adolescente: “a criança e o adolescente gozam de todos
os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da
proteção integral” (BRASIL, 2014B).
É de fundamental importância que não somente os pais, como
quaisquer que sejam os adultos que participem do convívio diário da
criança e do adolescente, em decorrência das novas famílias que se
apresentam na atualidade, baseiem a convivência familiar em alguns
pilares como estrutura familiar, paternidade responsável, afeto, diálo-
go, educação e principalmente amor. Faz-se necessário que o papel de
cada um dentro desse contexto de família esteja claro, com direitos e
Anderson Pereira Tomaz; Daiane Ribeiro Preve;
158
Renise Teresinha Mellilo Zaniboni & Sheila Martignago Saleh

obrigações bem delineados, para não ferir os mais diversos princípios


que protegem o ser humano.
Uma lei sozinha não modifica atitudes culturalmente aceitas
numa sociedade. Assim, a partir de uma conduta de prevenção e erradi-
cação, a propagação da informação acerca do tema é fundamental para
a sociedade.

3 METODOLOGIA

Os acadêmicos extensionistas, num primeiro momento, sob a su-


pervisão e acompanhamento das professoras, fizeram um estudo teóri-
co do tema utilizando as obras disponíveis na biblioteca da Unesc e nos
portais de periódicos, no sentido de conhecer e aprimorar o material
já utilizado. Essa etapa incluiu levantamento bibliográfico, estudo das
obras e reuniões da equipe para debater o conteúdo estudado, com o
intuito de construir o conhecimento acerca da Síndrome da Alienação
Parental e da Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010.
A segunda fase do trabalho consistiu na escolha do material peda-
gógico das oficinas, entre vídeos, pôsteres, relatos de experiência, ela-
boração e atualização dos slides, com o fim de transmitir a mensagem
devida em tempo não superior a 45 (quarenta e cinco) minutos.
A fase de extensão propriamente dita teve início no momento em
que a equipe de acadêmicos se apresentou devidamente treinada para
interagir com o público-alvo e transmitir o conhecimento esperado. As
oficinas são realizadas na Casa da Cidadania do Rio Maina e algumas
tardes na Casa da Cidadania do Bairro Próspera, preferencialmente an-
tes da Audiência de Conciliação dos genitores cujo vínculo conjugal está
sendo dissolvido.

4 EXPERIÊNCIA DE EXTENSÃO

Trata-se de um projeto pioneiro perante o Poder Judiciário de


Santa Catarina, cuja relevância foi devidamente reconhecida na IV Se-
mana de Ciência e Tecnologia da Unesc, de 2013, como um dos desta-
ques da categoria apresentação oral.
O público-alvo são os casais que procuram o atendimento ju-
rídico gratuito oferecido pelas Casas da Cidadania de Criciúma –
Práticas e Saberes de Extensão
159
Volume II

SC2, para fins de dissolução do casamento (união estável, separação


de fato e outros) e que possuem filhos. Durante a vigência do edital
de aprovação do projeto (março de 2014 a fevereiro de 2016), as
atividades de extensão do projeto são realizadas na Casa da Cidadania
do Distrito de Rio Maina3. Nas tardes em que não há expediente na
Casa da Cidadania do Rio Maina, as atividades estão sendo realizadas
na Casa da Cidadania do Bairro Próspera4 (segundas, quartas e sextas-
-feiras).
Ao propor ações educativas sobre a temática da síndrome da alie-
nação parental para os pais e mães, que em regra são os responsáveis
por praticá-la contra os filhos, o projeto tende a contribuir para a efe-
tivação do desenvolvimento pleno e sadio dessas crianças e adolescen-
tes, que estarão sob a guarda de um de seus genitores após a separação
conjugal.
Portanto, mais do que os assistidos que participam do projeto,
seus filhos são os maiores beneficiados pelo projeto.

5 RESULTADOS

No ano de 2013, as atividades do projeto foram realizadas exclu-


sivamente na Casa da Cidadania do Bairro Próspera, pelas acadêmicas
do curso de Direito: Mariana Cardoso Cancelier e Paula Galatto de Fáve-
ri. Naquele ano, o referido projeto já colheu muitos frutos: 154 pessoas

2
As Casas da Cidadania, um projeto de parceria do curso de Direito da Unesc, do Tribunal
de Justiça de Santa Catarina e das Prefeituras Municipais de Criciúma e de Cocal do Sul,
são os Gabinetes Avançados de Cidadania do Centro de Prática Jurídica do curso de
Direito da Unesc. Prestam atendimento jurídico gratuito em nível de consultoria, asses-
soria, conciliação, mediação e escritório modelo à comunidade de Criciúma, Cocal do
Sul e região. Têm como objetivo principal possibilitar a conciliação e mediação, na tenta-
tiva de resolver conflitos pelo diálogo direto, buscando implementar o acesso à Justiça,
evitando o processo judicial. Além das Casas da Cidadania, o curso de Direito da Unesc
também atua no JIU (Juizado Informal Universitário) e no PAC (Posto de Atendimento e
Conciliação). Todavia, as Casas concentram o maior número de casos que envolvem Di-
reito de Família, como os pedidos de guarda. Assim, o projeto também tem adequação
aos critérios definidos pela LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social).
3
Localizada na Avenida dos Imigrantes, n. 1.340, no Centro Comercial Pierini, com atendi-
mento externo de segunda a sexta-feira, das 8:30 às 11:30 e terças e quintas-feiras, das
14:00 às 17:00 horas (fone: (48) 3442-1879).
4
A Casa da Cidadania do Bairro Próspera fica localizada na rua Sergipe, n. 90 (ao lado do
Correio), Criciúma – SC, com atendimento externo de segunda a sexta-feira, das 8:30 às
11:30 e das 14:00 às 17:00 horas.
Anderson Pereira Tomaz; Daiane Ribeiro Preve;
160
Renise Teresinha Mellilo Zaniboni & Sheila Martignago Saleh

beneficiadas diretamente e 323 beneficiadas indiretamente, no caso os


filhos, em razão do conhecimento adquirido pelos pais.
Neste ano de 2014, as atividades de extensão propriamente ditas
tiveram início no dia 15 de maio e, durante um mês de realização (de
15/05 a 15/06), participaram das oficinas 71 pessoas e foram benefi-
ciados indiretamente 165 (filhos).

6 CONCLUSÕES

A Síndrome da Alienação Parental necessita ser erradicada de


nossa Sociedade. Não podemos deixar que crianças e adolescentes so-
fram danos psicológicos por aqueles que possuem a responsabilidade
de protegê-los. Se hoje os divórcios acontecem em maior número, a SAP
também vem acontecendo. Pessoas doentes que não aceitam a separa-
ção conjugal e que alienam seus filhos, ao ponto de prejudicá-los pelo
resto de suas vidas, merecem ser punidas. Contudo, somente a edição
de uma lei não tem o condão de modificar a Sociedade. Conjuntamente à
lei, há a necessidade da promoção de políticas públicas com o intuito de
alertar as pessoas sobre os malefícios da SAP, como é o caso do presente
projeto de extensão.
Durante a execução do projeto, observou-se que muitos genito-
res ficaram surpresos ao conhecer os malefícios da SAP às crianças e
adolescentes. As atitudes de alienação possivelmente são praticadas
sem que o alienador almeje ferir seus filhos, apenas o outro genitor. As
pessoas participantes não reconhecem haver praticado alguma atitude
alienadora. Todavia, o conhecimento acerca da SAP fará com que alie-
nadores pensem duas vezes antes de causar danos irreparáveis a seus
filhos, porque o conhecimento é uma forte arma de transformação da
Sociedade.

REFERÊNCIAS

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pessoa humana. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, Revista dos Tri-
bunais, n.80, nov./dez. 2012.

AMATO, Gabriela Cruz. A alienação parental enquanto elemento violador dos


direitos fundamentais e dos princípios de proteção à criança e ao adolescente.
Práticas e Saberes de Extensão
161
Volume II

Revista Síntese Direito de Família,São Paulo, Síntese, n. 75, v. 14, p. 60-78, jan.
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BASÍLIO, Andressa. Em caso de divórcio, mãe é a maior responsável pela guar-


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revistacrescer.globo.com/Familia/Novas-familias/noticia/2013/12/em-caso-
-de-divorcio-mae-e-maior-responsavel-pela-guarda-dos-filhos-diz-ibge.html>.
Acesso em: 23 jun. 2014.

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em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.
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BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Crian-


ça e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 23 jun. 2014B.

BRASIL. Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação pa-


rental e altera o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990.Disponível
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12318.
htm>. Acesso em: 23 jun. 2014C.

BRITO, Barbara Heliodora de Avellar Eralta. Alienação parental: um abuso que


não pode ser tolerado pela sociedade.Revista Síntese Direito de Família, São
Paulo, Síntese, n. 64, v. 12, p. 114-128, mar. 2011.

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ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 13.


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FERREIRA, Keila Pacheco; BIZELLI, Rafael Ferreira. A cláusula geral da tutela


da pessoa humana: enfoque específico no dano existencial, sob a perspectiva
civil-constitucional.Revista de Direito Privado, São Paulo, Revista dos Tribunais,
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GIORGIS, José Carlos Teixeira. Arranjos Plurais e seus efeitos. Revista Síntese
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SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto


Alegre: Livraria do Advogado, 2009. 160 p.

VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida Rabelo; RABELO, César Leandro de Almeida.


Aspectos materiais e processuais da alienação parental.Revista Síntese Direito
de Família, São Paulo, Síntese, n. 75, v. 12, p. 9-32, jan. 2013.
COMPARTILHANDO
CONHECIMENTOS ENTRE
MULHERES PARA CONSTRUÇÃO
DA CIDADANIA: PRÁTICAS
EXTENSIONISTAS A PARTIR DA LEI
MARIA DA PENHA (LEI 11.340/06)

Monica Ovinski de Camargo Cortina


Mestre – monicamargo@unesc.net

Talita Just Mandelli


Acadêmica – talita_just@hotmail.com

Ivan Luiz Antunes


Acadêmico – ivanluiz_junior@hotmail.com

RESUMO: O projeto “Mulheres e Cidadania: costurando conhecimentos sobre a Lei Maria


da Penha” foi realizado em Criciúma – SC nos anos de 2011 e 2012, e ampliado ao município
de Içara – SC em 2013. Seu principal objetivo é difundir, por meio de visitas aos Clubes de
Mães, os instrumentos jurídicos da lei, além de promover o processo de desnaturalização da
violência doméstica e familiar. O projeto se justifica porque, segundo pesquisa do Instituto
Avon (2013, p. 21), apesar de 94% dos entrevistados saberem da existência da Lei Maria da
Penha, apenas 13% afirmaram conhecer completamente seu conteúdo. O conhecimento
da Lei, a desnaturalização das formas de violência e a conscientização da importância da
denúncia, são instrumentos de prevenção da violência. Com a ciência do amparo previsto
na Lei a essas mulheres, elas são encorajadas a denunciar e a divulgar tais informações,
evitando a violência silenciada, que alimenta o ciclo da violência e causa o agravamento das
lesões, podendo levar ao homicídio. Além do caráter educativo, o projeto visa à construção
de saberes para o ambiente acadêmico e a capacitação das mulheres que se tornam multi-
plicadoras dos conhecimentos adquiridos.

Palavras-chave: violência; mulheres; gênero; Lei Maria da Penha.


Monica Ovinski de Camargo Cortina; Talita Just Mandelli
164
& Ivan Luiz Antunes

1 INTRODUÇÃO

O projeto em tela cumula três anos de atividades de extensão


universitária junto à comunidade do extremo sul catarinense. As ati-
vidades tiveram início em março de 2011 e foram replicadas em 2012,
com o projeto intitulado: “Mulheres e cidadania: costurando conheci-
mentos sobre a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006)”, cujo objetivo
principal é difundir os instrumentos jurídicos da Lei Maria da Penha
(Lei 11.340/06) para as mulheres que participam dos Clubes de Mães
de Criciúma – SC e, posteriormente, de Içara – SC. O projeto foi declara-
do em 2012 pelo Conselho Municipal de Assistência Social de Criciúma/
SC como socioassistencial de assessoramento e defesa de garantias e
direitos, porque atendeu a todos os requisitos da legislação de assis-
tência social, o que mostra sua relevância social e institucional. Nos três
anos de atuação extensionista, os resultados alcançados pelo projeto
foram muito satisfatórios: a partir de parceria com a Afasc (Associação
Feminina de Assistência Social de Criciúma – SC), ao todo foram feitas
oficinas e realizadas palestras sobre a temática da violência contra as
mulheres1 em 64 Grupos de Inclusão Produtivas (chamados de Clubes
de Mães) de Criciúma – SC, em 38 Clubes de Mães de Içara – SC e em
seis Unidades do CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) de
Criciúma – SC, promovendo o conhecimento e a defesa dos direitos de
2.220 mulheres, as quais também se tornaram multiplicadoras do co-
nhecimento adquirido.
Em 2013, o projeto foi realizado junto aos Clubes de Mães de
Içara – SC, município de recente instalação (1961), que pertence à mi-
crorregião de Criciúma, no extremo sul catarinense. Conforme dados
do Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS, 2011), o município apre-
senta marcada discriminação de gênero, regra nos municípios da re-
gião: “A participação da mulher no mercado de trabalho formal era de
39,9% em 2011. O percentual do rendimento feminino em relação ao
masculino era de 70,5% em 2011, independentemente da escolaridade”
(PORTAL ODM, 2014). O município não conta com nenhuma estrutura
da rede especializada de atendimento às mulheres e seus dependentes
em situação de violência doméstica e familiar, prevista no artigo 35 da

1
De acordo com o artigo 5º da Lei 11.340/06, configura-se violência de gênero contra
as mulheres: “[...] qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte,
lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.” (BRASIL,
2011).
Práticas e Saberes de Extensão
165
Volume II

Lei Maria da Penha, como Centro de Atendimento Integral e Multidisci-


plinar, Delegacia Especializada da Mulher e Casa Abrigo. Tais caracterís-
ticas apontam para a necessidade de se divulgar a Lei Maria da Penha,
os tipos de violência de gênero e os instrumentos jurídicos para seu
enfrentamento, dada a invisibilidade da temática nas instituições locais.
As atividades extensionistas se orientaram pela necessidade de preve-
nir e enfrentar a violência contra as mulheres, entendida como:

A ligação entre violência e gênero é útil para indicar não apenas o


envolvimento de mulheres e de homens como vítimas e autores/
as, mas também o seu envolvimento como sujeitos que buscam
formar, mediante a violência, suas identidades masculinas ou
femininas. Essa violência, que poderíamos chamar com proprie-
dade ‘violência de gênero’, tanto pode ser afetiva e emocional –
como o exemplificam tão bem as agressões que ocorrem entre
mulheres e homens nos espaços de lazer – como calculada e uti-
litária, como é o caso do estupro. (SUÁREZ; BANDEIRA, 1999, p.
16-17)

Infelizmente, esse tipo de violência tem proporções alarmantes no


Brasil, e em Içara não poderia ser diferente. Conforme o ranking regis-
trado no Mapa da Violência de 2012, Içara é o 20º município do estado
de Santa Catarina, com maior taxa de homicídio de mulheres(WAISEL-
FISZ, 2014, p.14-15),ou femicídio2, que é o tipo mais grave de violência
contra o gênero feminino (RUSSEL; CAPUTI, 1992, p.2). Nesse sentido,
há o diagnóstico claro de que o problema da cultura da discriminação
de gênero, e até de misoginia, tem silenciado muitas mulheres, sendo
certa a necessidade de ações preventivas e que busquem desnaturalizar
a violência (BLAY, 2008, p. 222).
O projeto mantém estreita relação com a pesquisa, pois surgiu a
partir dos dados das pesquisas concluídas no Nupec (Núcleo de Pesqui-
sas em Direitos Humanos e Cidadania) da Unesc sobre a aplicação da
Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) na Comarca de Criciúma – SC. Ao
todo foram realizados três projetos de iniciação científica que tiveram

2
O termo femicídio é empregado para definir o assassinato de mulheres como violência
baseada em gênero, e foi inserido pelas autorasDiana Russell e Jill Radford, a partir da
edição do livro Femicide: The Politics of Woman Killing, publicado em 1992, para exami-
nar essa modalidade extrema de violência contra as mulheres (RUSSEL; CAPUTI, 1992,
p. 2).
Monica Ovinski de Camargo Cortina; Talita Just Mandelli
166
& Ivan Luiz Antunes

como objetivo coletar e examinar dados referentes à aplicação das me-


didas protetivas às mulheres vítimas de violência na Vara Criminal da
Comarca e na Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e
Idoso de Criciúma. As pesquisas abrangeram desde 2006, quando a lei
foi publicada, até o ano de 20103, e os resultados alcançados mostram
que o número de denúncias de violência feito por mulheres no municí-
pio é alto (mais de cem autos de processos no ano de 2007) e, ao mesmo
tempo, a análise dos processos demonstrou que há pouco conhecimen-
to sobre os mecanismos jurídicos de proteção às mulheres, previstos
pela Lei Maria da Penha. Apesar da pouca disponibilidade de dados
sobre esse tipo de violência no município de Içara, observa-se que ele
pertence à mesma microrregião e, por questões culturais e históricas,
é possível inferir que os números da violência e o desconhecimento da
Lei pelas mulheres sejam equivalentes, o que justificou a necessidade
da intervenção aqui prevista.
Dessa forma, o projeto visa difundir os instrumentos jurídicos da
Lei, desnaturalizar a violência doméstica e familiar, incentivar a denún-
cia e a disseminação dos conhecimentos adquiridos pelas participantes,
ações de suma importância, que se tornarão concreto meio de enfrenta-
mento a esse mal, infelizmente tão comum na comunidade.

2 REVISÃO TEÓRICA

Esta revisão teórica é composta de duas partes. Na primeira, pre-


tende-se expor a concepção de extensão universitária que orientou as
práticas do projeto que aqui se apresenta. Na segunda parte, o objetivo
é elucidar a compreensão teórica da violência contra as mulheres no
contexto das teorias de gênero, a adoção da visão das mulheres como
sujeitas de direitos e não tão somente como vítimas da violência. O co-
nhecimento compartilhado com as mulheres se sedimenta na percep-

3
Os projetos de pesquisa foram intitulados: “Violência de gênero e Lei Maria da Penha
(Lei 11.340/06): estudo do monitoramento processual das medidas protetivas para mu-
lher no município de Criciúma, entre os anos de 2006 e 2007, à luz da Criminologia
Feminista”; “Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) e violência de gênero: monitoramento
processual das medidas protetivas para as mulheres no município de Criciúma, entre os
anos de 2008 e 2009, na perspectiva da Criminologia Feminista”; e “A violência domés-
tica e a apreciação judicial das medidas protetivas de urgência de caráter civil, assegu-
radas pela Lei Maria da Penha, nas Comarcas do Extremo Sul Catarinense e da Região
Carbonífera que não possuem o Juizado de Violência Doméstica e Familiar”. Todos os
projetos foram orientandos pelas docentes que compõem este projeto de extensão.
Práticas e Saberes de Extensão
167
Volume II

ção da violência contra as mulheres como forma de violação dos direi-


tos humanos.
A universidade tem como uma de suas missões a de compartilhar
e construir saberes junto à comunidade, de forma a transpor os limites
de seus muros e salas, trazendo a comunidade para dentro de si e le-
vando seu saber técnico e científico para elaborar o desenvolvimento
social. Para identificar os princípios que orientam a extensão, mister se
faz partir de definições que lhe estão associadas, tais como retroalimen-
tação, integração, abertura, equilíbrio, mentalização e projeção. Segun-
do a explicação de Gurgel (1986, p.161), identifica-se nestas palavras:

A retroalimentação, representando o ‘movimento dialético de ida


e volta’, a relação em duas mãos, possibilitadora de mudanças nos
dois sentidos – na universidade e sociedade. A integração, como
as funções de ensino e pesquisa e com o ‘sistema geral que é a
sociedade articulando-se com seus subsistemas científico, tecno-
lógico e cultural.’ Abertura ao meio, no sentido de cumprimento
de uma missão social. Equilíbrio com as duas demais funções, de
ensino e pesquisa, formando novas posturas profissionais favo-
ráveis ao processo de desenvolvimento. Mentalização, no sentido
de uma atuação participativa da universidade. Projeção, da insti-
tuição de ensino como uma totalidade, participando de um pro-
cesso maior de transformação.

A extensão universitária tem o compromisso de contribuir para a


transformação social por meio das trocas de saberes, seja do meio aca-
dêmico, seja da comunidade em que atua. Ou seja, as práticas extensio-
nistas devem ser construídas a partir das demandas sociais levantadas,
do déficit de acesso de direitos e se reelaborar constantemente para
o enfrentamento das desigualdades sociais, conforme reflete Nádia Sil-
veira (1987, p. 47), comentando a obra de Darcy Ribeiro sobre as ativi-
dades extensionistas da Universidade:

Para ele a nação moderna somente terá um controle sobre si mes-


ma quando conseguir também dominar criticamente os instru-
mentos de estudo e interpretação da realidade social; quando se
capacitar a dispor esses instrumentos a serviço da população, por
meio da análise dos conceitos mistificadores, oriundos da adoção
de visões alheias sobre sua sociedade e cultura. A universidade
pode e deve atuar mais como agente de mudanças progressivas
do que como contrapeso de atraso […].
Monica Ovinski de Camargo Cortina; Talita Just Mandelli
168
& Ivan Luiz Antunes

A extensão é instrumento de difusão dos saberes comunitários,


que pretende não apenas a transferência vertical de conhecimentos pro-
duzidos no meio acadêmico, nem mesmo a superioridade acadêmica e
seu messianismo (SERRANO, 2014, p. 3), mas aprender da comunidade
onde atua, produzindo novos saberes ao compartilhar conhecimentos,
conforme reflete Gurgel (1987, p. 169) sobre a educação construída
para a liberdade:

A universidade precisa, portanto, ‘aprender a ler’, concretamente,


a realidade do povo e, em seu aprendizado, entender realmente
como se estender ou, quem sabe, mais pretensiosamente, se co-
municar, como assinala Paulo Freire. […] Precisa-se realmente as-
sumir uma postura de parceiro da construção de uma sociedade
nova, onde, quem sabe, o ‘saber popular’ tenha muito mais a dizer
do que tudo aquilo que é vivenciado hoje pelas universidades.

A prática extensionista compartilhada no projeto aqui exposto foi


construída sobre a definição da “ideia de uma extensão a serviço de um
processo transformador, emancipatório e democrático; e ainda, de uma
extensão desenvolvida no diálogo e no respeito a cultura local” (SERRA-
NO, 2014, p. 13). É este o conceito de extensão que orientou o projeto,
enquanto poderoso instrumento de construção de saberes, que contri-
bui de forma decisiva e criativa para a cidadania.
Feitas essas breves considerações, passa-se agora a examinar
mais acuradamente os fundamentos teóricos que a equipe de extensão
elegeu para tratar com os temas relativos à violência contra as mulhe-
res, no contexto da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), que foram de-
batidos com os grupos de mulheres reunidas nos Clubes de Mães. Os
Direitos Humanos das Mulheres representam o resultado de uma árdua
caminhada histórica de lutas dos movimentos feministas para alcançar
a identidade e o reconhecimento de direitos nas instâncias internacio-
nais e brasileiras. Para a compreensão do atual alcance e do significado
dos Direitos Humanos das Mulheres e sua instrumentalização nas prá-
ticas extensionistas, é necessário pontuar a atuação dos movimentos
feministas, a elaboração da categoria teórica de gênero e o processo de
positivação e efetivação desses direitos.
Inicialmente, cumpre esclarecer que não há um único “feminis-
mo”, porque são diversos os movimentos feministas, com característi-
Práticas e Saberes de Extensão
169
Volume II

cas e lutas por demandas distintas. Um dos marcos históricos dos movi-
mentos feministas é a Revolução Francesa, quando Olympe de Gouges,
na França, escreveu a Declaração de Direitos da Mulher e da Cidadã,
em 1791, como resposta à exclusão destas da Declaração sustentada
pelos revolucionários, e Mary Wollstonescraft, em Londres, em 1792,
defendeu a igualdade entre homens e mulheres em vários aspectos da
vida social, como a educação (ALIMENA, 2010, p. 12-13). No entanto,
a melhor compreensão dos movimentos feministas é dada por Nancy
Fraser (2007, p. 292-293), ao distinguir os feminismos em três distintas
ondas:

Em uma primeira fase o feminismo estava estritamente relacio-


nado a “novos movimentos sociais” que emergiram do fermento
dos anos 60. Na segunda fase foi atraído para a órbita da política
de identidades. E, finalmente, em uma terceira fase, o feminismo
é cada vez mais praticado como política transnacional, em espa-
ços transnacionais emergentes […].

sd45dsujeição imposta pelo espaço privado, como critérios de


definição de seus direitos (MOUFLE, 2001, p. 4-6).
Os movimentos feministas abrangem a pluralidade e a diver-
sidade expressas na filosofia política, que incluem os delineamentos
liberais, socialistas e até libertários (KYMLICKA, 2006, p. 303). Os fe-
minismos encontram profunda atualidade expressa nas desigualdades
vivenciadas por mulheres no mercado de trabalho (ascensão, nos tipos
de ocupações acessíveis e nos valores salariais), no perfil e nos índices
de violência doméstica, nos indicadores sociais de pobreza e vulnerabi-
lidade social, todas situações agravadas quando há interseccionalidade
de marcadores sociais além do gênero, como raça/etnia, classe e gera-
ção, entre outros campos indicados em pesquisas aplicadas.
Enquanto instrumento de teorização, elegeu-se para as ativi-
dades de extensão aqui apresentadas a leitura da violência contra as
mulheres com base em gênero, a partir do aporte teórico oriundo da
teoria pós-estruturalista. Nesse sentido, reconhece-se que a violência
praticada no contexto doméstico e familiar contra as mulheres emerge
de relações assimétricas de poder, exercida tanto pelo homem quanto
pela mulher. Portanto, o poder se exerce por meio de suas alterações,
das trocas, das imposições, das negociações, e não necessariamente flui
Monica Ovinski de Camargo Cortina; Talita Just Mandelli
170
& Ivan Luiz Antunes

apenas em uma única direção, impondo às mulheres sempre a posição


de submissão e aos homens o papel de dominador. Um dos estudiosos
que mais relacionou o poder nas modernas sociedades foi, sem dúvida,
Michel Foucault, que transpôs a concepção do poder sobre os corpos e
entre os corpos, o que se aplica a uma visão mais apropriada a inter-
pretação dos atos de violência contra as mulheres. Com efeito, reflete o
autor sobre o poder estabelecido entre os corpos:

Mas quando penso na mecânica do poder, penso em sua forma ca-


pilar de existir, no ponto em que o poder encontra o nível dos in-
divíduos, atinge seus corpos, vem se inserir em seus gestos, suas
atitudes, seus discursos, sua aprendizagem, sua vida quotidiana.
(FOUCAULT, 2002, p.131)

A compreensão teórica do tema, compartilhada pelas práticas


extensionistas entre as mulheres, rejeita a posição teórica que as con-
cebe sempre como vítimas da dominação masculina, tais como aquelas
oriundas do patriarcado4, porque ela é simplista para a interpretação
da dinâmica das relações de poder no ambiente doméstico e familiar.
Também foi rejeitada a abordagem que considera as mulheres cúmpli-
ces da violência5, compreendida como aquela em que as mulheres es-
tariam reforçando os papéis de gênero quando denunciam o agressor
perante as instituições do sistema penal. No que se refere à violência
contra as mulheres, adotou-se a relativização da dicotomia“dominação
dos homens x vitimização das mulheres”, para que, como ponderam San-
tos e Izumino (2014, p. 16),“possamos compreender como não apenas
as mulheres, senão também os homens praticam e conferem significado
a violência contra as mulheres em específicos contextos socioculturais”.
Para que essa visão sobre a violência contra as mulheres, adotada
nas atividades de extensão aqui apresentadas, seja mais bem compreen-
dida, é importante refletir sobre a conexão entre gênero e Direitos Hu-
manos das Mulheres. O referencial dos Direitos Humanos das Mulheres
constitui a etapa avançada da garantia de direitos especiais para grupos
de mulheres, que, por razões diversas de ordem política, social e econô-

4
Como a defendida por Heleieth Saffioti, na obra Gênero, Patriarcado, Violência (2004).
5
Ao relativizar as mulheres como vítimas da violência, emerge a concepção das mulheres
como “cúmplices”, conforme Maria Filomena Gregori, na obra “Cenas e Queixas: um
estudo sobre mulheres, relações violentas e a prática feminista” (GREGORI, 1993).
Práticas e Saberes de Extensão
171
Volume II

mica, sofrem os efeitos das ações discriminatórias, gerando profunda


desigualdade (PIOVESAN, 2003, p. 206). A categoria teórica de gênero
é fundamental para a formação dos Direitos Humanos das Mulheres e
para compreender a discriminação da qual as mulheres são vítimas. De
acordo com Joan Scott (1995, p. 75):

O termo “gênero” também é utilizado para designar as relações


sociais entre os sexos. Seu uso rejeita explicitamente explicações
biológicas, como aquelas que encontram um denominador co-
mum, para diversas formas de subordinação feminina, nos fatos
de que as mulheres têm a capacidade de dar à luz e de que os ho-
mens têm uma força muscular superior. O termo “gênero” torna-
-se uma forma de indicar a criação inteiramente de idéias sobre
os papéis adequados aos homens e as mulheres.

Com efeito, gênero “significa a dimensão dos atributos culturais


alocados a cada um dos sexos em contraste com a dimensão anatomofi-
siológica dos seres humanos” (HEILBORN, 2004, p. 19). Esta categoria
teórica é empregada para compreender os processos sociais, culturais,
econômicos que produzem as situações de discriminação contra as mu-
lheres. Mireya Suárez e Lourdes Bandeira (1999, p. 5) explicam como a
violência de gênero se estrutura:

A ligação entre violência e gênero é útil para indicar não apenas o


envolvimento de mulheres e de homens como vítimas e autores/
as, mas também o seu envolvimento como sujeitos que buscam
formar, mediante a violência, suas identidades masculinas ou
femininas. Essa violência, que poderíamos chamar com proprie-
dade ‘violência de gênero’, tanto pode ser afetiva e emocional –
como o exemplificam tão bem as agressões que ocorrem entre
mulheres e homens nos espaços de lazer – como calculada e utili-
tária, como é o caso do estupro.

Os Direitos Humanos das Mulheres abrigam um feixe de direitos


que são resultados do processo de especificação dos direitos humanos,
operado paulatinamente desde 1948, momento no qual foi firmada a
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Os crimes cometidos du-
rante a Segunda Grande Guerra, desprezando a condição humana de
muitas pessoas, trouxeram a necessidade de se firmarem tais direitos
Monica Ovinski de Camargo Cortina; Talita Just Mandelli
172
& Ivan Luiz Antunes

não apenas em uma declaração, mas, posteriormente, em tratados in-


ternacionais, com a criação de mecanismos para sua efetividade (PIO-
VESAN, 2007, p. 31-32). Conforme Norberto Bobbio(1992, p. 69), tal pro-
cesso pode assim ser compreendido:

[…] a passagem ocorreu do homem genérico – do homem enquan-


to homem – para o homem específico, ou tomado na diversidade
de seus diversos status sociais, com base em diferentes critérios
de diferenciação (o sexo, a idade, as condições físicas), cada um
dos quais revela diferenças específicas, que não permitem igual
tratamento e igual proteção.

A concepção da cidadania feminina foi ampliada pela afirmação


de diversos instrumentos jurídicos no âmbito internacional, demar-
cados na década de 1990. Durante as seguintes conferências: México,
1975; Copenhague, 1980; Nairóbi, 1985; Beijing, 1995, a concepção
dos direitos sexuais e reprodutivos emergiu, trazendo à tona temáticas
como o aborto e o exercício livre da sexualidade para o contexto dos
Direitos Humanos das Mulheres (PRÁ; EPPING, 2012, p. 35).
Já a temática da violência de gênero contra as mulheres tem no
continente americano sua maior expressão na Convenção Interameri-
cana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra as Mulheres,
chamada de Convenção de Belém do Pará. Não somente no contexto da
ONU ou interno, pela legislação brasileira, mas também pela OEA, Or-
ganização dos Estados Americanos, os direitos das mulheres são objeto
de instrumentos jurídicos específicos para enfrentar a discriminação
contra elas.
São essas as concepções e o instrumental teórico que fundamen-
tam este projeto, não de forma exaustiva, mas enumerativa, com o in-
tuito de explicar a base de estudos que estruturaram as ações de exten-
sionistas aos longos dos três anos de atuação (2011 a 2013) junto aos
grupos de mulheres do extremo sul catarinense.

3 MATERIAL E METODOLOGIA

Em 2013, o projeto consistiu na inserção interdisciplinar de um


acadêmico do Curso de Psicologia e outra do Curso de Direito na equipe
Práticas e Saberes de Extensão
173
Volume II

composta também por duas professoras do Curso de Direito, nos en-


contros de “Clubes de Mães” realizados nas comunidades do município
de Içara – SC, organizados pela FAI (Fundação Assistencial de Içara).
O projeto foi estruturado sob o formato de palestras dialogadas, com
participação ativa das mulheres, inclusive nas dinâmicas de grupo e
momentos de vivência entre as mulheres. A palestra se iniciava com a
apresentação da acadêmica e do acadêmico, do histórico do projeto e
de dados nacionais e locais a respeito da violência doméstica e familiar
contra mulher, com o objetivo de contextualizar e introduzir o tema em
debate. Cumpria ao acadêmico de Psicologia apresentar dados e refle-
xões para desnaturalizar a violência, exemplificando os tipos, caracteri-
zando o ciclo e desmistificando diversos mitos envoltos na comunidade.
Na sequência, a acadêmica de direito explicava os mecanismos
jurídicos de enfrentamento e prevenção à violência, informando às mu-
lheres sobre como agir nesses casos, sempre com estímulo à denúncia.
Nesse sentido, eram informados os endereços e telefones úteis das ins-
tituições disponíveis no município, como delegacia de polícia e centro
de referência em assistência social, bem como as medidas protetivas de
urgência previstas para as mulheres em situação de violência, quando
constatado risco da continuidade dos danos e lesões aos direitos. Vale
ressaltar que as oficinas pretenderam não somente a exposição dos con-
teúdos, mas também o diálogo entre os estudantes e as participantes,
em que estas expuseram suas vivências pessoais, casos relacionados na
mídia ou na comunidade local, dúvidas sobre direitos que as tutelam,
além de seus pontos de vista a respeito do tema.
Como materiais, foram utilizados banners informativos para a
apresentação e, ao final,foi realizada uma dinâmica feita com dobradu-
ras em uma folha de papel A4, momento no qual era proposta a reflexão
pessoal, envolvendo principalmente autoestima e motivação, visando
ao relaxamento e ao fechamento do diálogo.
As atividades se concentraram nos períodos da tarde e noite,
nos horários de funcionamento dos Clubes de Mães. Foram visitados
ao todo 39 Clubes, localizados nas mais distintas comunidades do mu-
nicípio, incluindo áreas urbana e rural, além de uma comunidade pes-
queira, haja vista a proximidade territorial do mar e de lagoas. O apoio
da FAI (Fundação Assistencial de Içara) foi fundamental para o projeto,
enquanto parceria de atividades, para o deslocamento e inserção das
atividades nos grupos.
Monica Ovinski de Camargo Cortina; Talita Just Mandelli
174
& Ivan Luiz Antunes

4 EXPERIÊNCIA DE EXTENSÃO

Como definido anteriormente, a proposta da equipe foi elaborada


a partir de uma demanda diagnosticada na região do extremo sul catari-
nense e pretendeu compartilhar mutuamente os saberes e, a partir daí,
construir conhecimento. A experiência foi muito profícua para a equipe,
contribuindo significativamente para a formação dos estudantes, mo-
tivando as professoras para futuras pesquisas e outros projetos de ex-
tensão, além de render vivências e conhecimentos únicos, que serão a
seguir relatados.
O projeto “Mulheres e cidadania: costurando conhecimentos so-
bre a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006)” foi um marco não somente
para a comunidade, mas principalmente para a acadêmica e o acadê-
mico que deixaram as cadeiras universitárias para colocarem seus co-
nhecimentos em prática, tendo o desafio de enfrentarem seus temores,
exigindo mais de si a cada encontro, com dedicação pela busca das so-
luções dos problemas apresentados pelas mulheres em cada encontro,
tendo em vista que talvez aquela fosse a única oportunidade, o único
meio de contato que a equipe teria para produzir o conhecimento a par-
tir das reuniões com as mulheres e, por outro lado, uma oportunidade
para disseminar os conhecimentos sobre a lei e os instrumentos dispo-
níveis para acessar os direitos.
A comunidade recebeu o projeto com entusiasmo, os relatos das
monitoras dos clubes eram de que as mulheres ansiavam por informa-
ções, não só quanto à violência, mas por todo o tipo de conhecimento,
na maioria das vezes dispostas à participação das oficinas, utilizando-
-se de casos que viveram por base de exemplo, e incentivando umas
às outras à tomada de atitudes. Essa manifestação motiva novas expe-
riências extensionistas na comunidade, tendo as mulheres, por diversas
vezes, convidado os acadêmicos para retornarem à comunidade com
novas áreas de conhecimento, demonstrando o interesse que possuem.
Como relatado, a participação foi significativa, uma vez que os relatos
das mulheres enriqueciam as apresentações, motivando e acalorando
as discussões.
Os pontos abordados nos diálogos com as mulheres contribuíram
para que fossem ouvidas as demandas por uma estrutura mais efetiva
de atendimento. Com efeito, verificou-se a ausência da estrutura insti-
tucional mínima do município para atender às mulheres que decidem
Práticas e Saberes de Extensão
175
Volume II

pela denúncia das violências sofridas. Nesse sentido, exemplifica-se


com base nos relatos de diversos casos em que as mulheres deixavam
de procurar auxílio, ou, então, quando procuravam, se deparavam com
uma única delegacia para todas as espécies de crimes, sem estrutura ou
capacitação adequada dos profissionais, por mais que tivessem grande
empenho e dedicação ao seu trabalho.
Outro fator bastante discutido foi a descrença na própria Lei e
na estrutura judiciária, que desmotiva as mulheres no acesso à justiça,
diante dos inúmeros casos que, pelas próprias palavras das participan-
tes, “não dão em nada”. Contudo, os estudantes tiveram grande empe-
nho ao apresentarem para as mulheres as inovações e benefícios que a
Lei Maria da Penha trouxe aos casos de violência doméstica e familiar,
bem como a influência que a mídia desenvolve nessa descrença, só re-
latando as tragédias, e não os casos nos quais a Lei se tornou efetiva,
inclusive casos em que as próprias participantes interferiram nas apre-
sentações para afirmar que a Lei lhes ajudou efetivamente.

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Podemos observar, no desenvolvimento da prática deste projeto,


a participação efetiva e a colaboração da coordenação da FAI (Fundação
Assistencial de Içara) e das monitoras dos grupos de mães, que demons-
traram interesse e gratificação com a participação no projeto. Da mes-
ma forma a comunidade, ou seja, as mulheres participantes dos grupos
de mães, que de forma geral demonstraram aceitação do projeto e fami-
liaridade com o tema. O que foi observado pela excelente receptividade
perante os acadêmicos, vez que as mulheres se encontraram dispostas
a participar das apresentações, interferindo positivamente nas falas e
colaborando ao retratarem casos de parentes, amigas ou noticiados na
mídia, e até mesmo casos nos quais são ou já foram vítimas da violência
doméstica e familiar.
Em nosso contato com a realidade do município de Içara, pude-
mos observar, mediante os relatos das mulheres participantes dos gru-
pos e da pesquisa de campo realizada na delegacia local, que a violência
doméstica familiar existe em proporções elevadas. Entre os principais
motivos que contribuem para essa realidade está a falta de estrutura,
tanto preventiva quanto de assistência às mulheres vítimas da violên-
cia. Isto porque o município não possui uma delegacia especializada
Monica Ovinski de Camargo Cortina; Talita Just Mandelli
176
& Ivan Luiz Antunes

para esse tipo de crime, contando apenas com uma delegacia de aten-
dimento geral para o município inteiro, o qual conta com uma popula-
ção estimada, em 2012, de 60.374 (sessenta mil e trezentos e setenta
e quatro) pessoas. O município também não possui casa abrigo para o
alojamento temporário de famílias vítimas de agressão, nem Instituto
Médico Legal para realizar os exames de corpo de delito (as mulheres
têm de se deslocar mais de vinte quilômetros para ir ao IML de Criciú-
ma, que é regional e atende vários municípios) e há relatos de dificulda-
des de acesso a atendimento psicológico adequado.
Tal realidade foi levantada como um motivo importante para ex-
plicar o número elevado de casos de agressão, o que estimula a des-
crença das mulheres atendidas pelo projeto em relação à Lei Maria da
Penha, ou da sua execução de fato. Elas sentem-se desprotegidas pela
Lei, pois em inúmeros casos o efetivo policial não foi suficiente para
evitar ou intervir nos casos relatados de agressão. Da mesma maneira, a
descrença está também sobre as instituições ligadas ao Poder Judiciário
(Ministério Público e Poder Judiciário), devido à demora na resolução
dos processos ou na aplicação de penas consideradas insuficientes pe-
las mulheres, para que seja coibida a reincidência da agressão. A partir
dessa realidade, a denúncia, que consideramos um dos principais meios
de erradicação da violência doméstica familiar, torna-se rara, pois as
ofendidas não têm coragem de fazê-la diante da possível impunidade do
agressor. Dessa forma, isso também funciona como incentivo aos agres-
sores a darem continuidade na frequência e na intensidade das práticas
de violência doméstica.

6 CONCLUSÃO

O projeto alcançou 39 Clubes de Mães, assistindo diretamente


606 mulheres. Na maioria dos clubes, as participantes declararam sa-
ber da existência da Lei Maria da Penha, porém sem conseguir expli-
car realmente a sua abrangência e enumerar alguns de seus direitos.
A grande maioria das mulheres se surpreendeu ao descobrir que a lei
a protege não somente contra a violência física, mas também contra a
moral, sexual, patrimonial e psicológica, as quais, na realidade, muitas
nem sabiam distinguir. Coube aos extensionistas a desnaturalização
da violência, que as fez perceber a abrangência dos comportamentos
que podem causar danos às mulheres. Foi dada especial importância às
Práticas e Saberes de Extensão
177
Volume II

medidas protetivas de urgência, já que grande parte das mulheres não


sabia da existência destas, e como proceder em caso de violência, onde
ir e o que fazer.
Os resultados visados pelo projeto foram alcançados, à medida
que, com o estímulo dado pelos acadêmicos, se atingiu a conscientiza-
ção das participantes e a divulgação pessoal dos temas abordados. Um
fato ilustrativo do resultado esperado, entre outros semelhantes, foi o
depoimento de uma das participantes das reuniões, que, após ouvir a
palestra ministrada pelos acadêmicos, relatou que incentivou e deu su-
porte para que uma amiga, que é vítima de violência, denunciasse. A
participante afirmou que sua atitude foi motivada pelo conhecimento
adquirido por meio do projeto.
Os saberes produzidos em comunidade são inúmeros, desde as
particularidades das circunstâncias de práticas de violência, até a dinâ-
mica das instituições estatais no atendimento, saberes que não constam
nas leis e nem nos livros consultados, que foram produzidos e aqui re-
latados.

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ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA
PARA OS REEDUCANDOS DO
PRESÍDIO SANTA AUGUSTA
DE CRICIÚMA – SC

Larissa Alves Benitez


Acadêmica – lalinha_benitez@yahoo.com.br

Tamires do Nascimento Teixeira


Acadêmica – tamynascimentoteixeira@hotmail.com

Alfredo Engelmann Filho


Especialista – a.engelmannfilho@gmail.com

Karin Martins Gomes


Doutora – karin@unesc.net

Leandro Alfredo da Rosa


Especialista – leandrodarosa@unesc.net

RESUMO: A extensão possibilita vincular a teoria com a prática na comunidade. Com a


necessidade de assistência, tanto jurídica quanto psicológica, dentro dos estabelecimentos
prisionais, entra a atividade e atuação do projeto de Assistência Judiciária aos reeducandos
do Presídio Santa Augusta, que possibilita aos detentos que não têm condições de constituir
defensor particular e que não são atendidos pela Defensoria Pública a possibilidade de aces-
so aos processos de Execução Penal por meio da análise dos benefícios da Execução Penal,
previstos na Lei de Execuções Penais. Noutro viés, este projeto também oferece assistência
psicológica, mediante a aplicação do exame criminológico, avaliação que visa afirmar se o
apenado aceita a pena que lhe foi imposta, bem como assimila a condição atual de encar-
cerado, verificando-se se possui expectativas positivas com relação ao seu reingresso na
sociedade. Em outras palavras, o projeto visa, por suas atividades, oferecer a possibilidade
de ressocialização, ideia bem aceita pela comunidade, com atuação que vem sendo alvo de
excelentes críticas.

Palavras-chave: Direito, Psicologia, Assistência Judiciária, Ressocialização.


Larissa Alves Benitez; Tamires do Nascimento Teixeira;
182
Alfredo Engelmann Filho; Karin Martins Gomes & Leandro Alfredo da Rosa

1 INTRODUÇÃO
O Presídio Santa Augusta e a Penitenciária Sul, estabelecimentos
prisionais situados na cidade de Criciúma – SC, não diferem da reali-
dade nacional no que diz respeito ao sistema carcerário caótico e de-
fasado que, infelizmente, não cumpre sua função principal no papel
de ressocialização e humanização da pena e do cárcere. A triste situa-
ção deve-se, entre outros fatores, também à superlotação que impede
a execução de projetos a serem desenvolvidos. É necessária uma ação
conjunta, contínua e urgente focando, principalmente, naqueles que já
cumprem penas e esperam pelo deferimento dos benefícios da Execu-
ção Penal, previstos na Lei de Execuções Penais, como a progressão de
regime, livramento condicional, saída temporária, comutação de penas,
indulto, remição, trabalho externo ao presídio ou liberação de pecúlio
para assistência à família do recluso ou egresso do sistema prisional,
propiciando o contato do reeducando com sua família, bem como com o
trabalho que edifica e ocupa mentes vazias.
O projeto “Assistência Judiciária para os Reeducandos do Presí-
dio Santa Augusta de Criciúma – SC”, vinculado ao curso de Direito da
Unesc, com apoio do curso de Psicologia, proporciona aos apenados
alento, esperança e perspectiva, tendo em vista que serão revistas suas
penas, o tempo restante de prisão e os benefícios a que eles têm direi-
to, bem como orientá-los no tocante aos seus deveres para que possam
conduzir o cumprimento da pena imposta de forma disciplinada e reta,
com comportamento adequado, um dos requisitos fundamentais, jun-
tamente ao critério objetivo (tempo de pena) para obtenção dos benefí-
cios da execução penal. A par disso, referidos reeducandos, após análise
da situação prisional na qual se encontram, terão seus pedidos imedia-
tamente encaminhados para o Juízo da Execução Penal da comarca de
Criciúma, caso necessitem de decisão judicial como, por exemplo, re-
missão de pena, indulto, comutação, saída temporária, progressão de
regime, defesa nos incidentes de regressão de regime por prática de fal-
ta grave, liberação de pecúlio para assistência à família, entre outros. Os
Defensores Públicos nomeados no concurso que iniciou as atividades
da Defensoria Pública no estado de Santa Catarina, indicados para a co-
marca de Criciúma, não atenderão à demanda da população carcerária,
fazendo com que ocorram atrasos prejudiciais na análise dos pedidos
das pessoas que cumprem pena nos ergástulos catarinenses.
Além disso, preceitua Prado (2013, p. 474) que:
Práticas e Saberes de Extensão
183
Volume II

[...] o preso, durante o cumprimento da pena, conserva todos os


direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a to-
das as autoridades o respeito à sua integridade física e moral (art.
38, CP). Também a Lei de Execução Penal preceitua com clareza
que “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os
direitos não atingidos pela sentença ou pela Lei” (art. 3º). Com
efeito, o próprio texto constitucional em vigor determina ser as-
segurado aos presos “o respeito à integridade física e moral” (art.
5º, XLIX), já que é expressamente previsto que “ninguém será
submetido a tortura, nem a tratamento desumano ou degradan-
te” (art. 5º, III, CF).

A participação efetiva da universidade, professores e acadêmicos,


faz-se necessária em trabalho permanente, visto que a população car-
cerária renova-se quase que diuturnamente. Em longo prazo, ter-se-á
amenizado uma situação flagrante de risco de rebeliões e fugas, o que
beneficia, diretamente, a sociedade criciumense.
O projeto visa promover o atendimento de todos os apenados ca-
rentes e desprovidos de condições de contratar advogado, resgatando o
sentimento de atenção voltada aos reeducandos e proporcionando nova
perspectiva e esperança com expectativa de término do cumprimento
da pena e possibilidade de retorno ao seio familiar e da sociedade com
nova visão de mundo e de criminalidade, resgatando sentimentos de
autoestima e afeição ao trabalho honesto e digno.
A triagem inicial, com o atendimento completo de todos os ape-
nados, visa identificar aqueles que mais carecem de acesso à justiça, en-
tre os que já possuem amparo jurídico com a contratação de advogados
particulares, evitando que o projeto descompasse a ética profissional da
advocacia, primando pela união de esforços no mesmo sentido.
A informação clara, atual e constante ao reeducando proporciona
dignidade e respeito à Lei de Execução Penal, tranquilizando, inclusive,
seus familiares que, muitas vezes, também se encontram desprovidos
de informações e recursos, o que gera muita angústia e, por vezes, re-
volta.
A relevância acadêmica e social das atividades previstas visa
atender segundo a Lei nº 8.742/93 da Lei Orgânica da Assistência So-
cial – LOAS e Resolução do Conselho Nacional de Assistência Social –
CNAS nº 27 de 19/09/2011, previstas nos editais de extensão e que
Larissa Alves Benitez; Tamires do Nascimento Teixeira;
184
Alfredo Engelmann Filho; Karin Martins Gomes & Leandro Alfredo da Rosa

privilegiam os aspectos filantrópicos da Unesc, enquanto Universidade


Comunitária, já que a demanda da clientela se encontra em situação de
vulnerabilidade social, a qual terá um suporte técnico-científico jurídico
e psicológico como instrumento promotor de cidadania. Outro ponto
relevante é o de oferecer um laboratório prático para acadêmicos dos
cursos de Direito e Psicologia.
Entre os objetivos do Projeto:

Objetivo Geral:

– Prestar atendimento judiciário e psicossocial aos reeducandos


do Presídio Santa Augusta de Criciúma que não possuem ad-
vogado, elaborando pedidos para a concessão de benefícios da
Execução Penal, tais como remição, indulto, livramento con-
dicional, progressão de regime, liberação de pecúlio, dentre
outros, bem como auxiliar na organização de pastas e arquivos
dos reeducandos e encaminhar ao Juízo da Vara de Execuções
Penais, em atendimento à linha de extensão nº 47, prevista no
item 5.1.1, do edital nº 21/2013 UNACSA.

Objetivos Específicos:

– Possibilitar que os reeducandos do Presídio Santa Augusta de


Criciúma, que não têm condições de constituir defensor, te-
nham acesso à justiça, benefícios e serviço de qualidade com
igualdade de direitos no acesso ao atendimento às necessida-
des sociais da população carcerária obtendo assistência judi-
ciária para o encaminhamento dos pedidos para a concessão
de benefícios de execução penal;
– Organizar as pastas individuais de cada reeducando no referi-
do estabelecimento, de forma a disponibilizar as informações
sobre o cumprimento de pena e dos prazos de benefícios de
execução penal;
– Promover reuniões com os representantes de órgãos ligados à
implementação das políticas criminais e de execução de pena,
como Poder Judiciário, Ministério Público, OAB, DEAP, Secre-
taria de Justiça e Cidadania, Secretaria de Segurança Pública,
Práticas e Saberes de Extensão
185
Volume II

Polícia Civil e Militar para verificar as maiores carências da po-


pulação prisional, bem como os avanços positivos e negativos
do projeto, tanto na fase inicial, quanto na fase de execução,
visando atingir os objetivos traçados;
– Orientar os acadêmicos do curso de Direito para a elaboração
de peças jurídicas específicas do processo de execução penal,
propiciando a aplicação prática dos conhecimentos obtidos
em sala de aula;
– Sensibilizar os acadêmicos do curso de Direito e de Psicolo-
gia para a problemática carcerária local, contribuindo para a
formação cidadã dosestudantes, futuros profissionais da área
jurídica e da psicologia social.

2 REVISÃO TEÓRICA

Historicamente, a universidade foi construída interligada a uma


missão com a sociedade de informar e transmitir o saber produzido.
Este saber nunca se pretendeu neutro, mas esteve envolvido aos inte-
resses sociais que lhe deram origem. Nesse sentido, assinala Fagundes
(1986, p. 24):

A universidade, enquanto instituição social – quer em outros paí-


ses, quer no Brasil – é perpassada pela lógica do contexto sócio-e-
conômico, político e cultural que a circunscreve. O que se deseja
salientar é que a problemática universitária não se esgota em si
mesma, e, por conseguinte, não pode ser tratada isoladamente ou
de forma dicotômica – como se a sociedade e a universidade se
constituíssem em entidades autônomas – mas de maneira dialé-
tica, em suas relações recíprocas.

Observa-se que a universidade, enquanto espaço de produção e


difusão do conhecimento, deve estar intimamente ligada às questões
sociais que a cerca, sob risco de perder a consciência da realidade e de
tornar incipientes os resultados conquistados nos âmbitos do ensino e
da pesquisa. É a retroalimentação da problemática social que estimu-
la na universidade a produção do conhecimento, já que procura ins-
trumentalizar os conceitos teóricos para a proposição de alternativas
viáveis, tornando viva a relação teoria e práxis. Também os conteúdos
Larissa Alves Benitez; Tamires do Nascimento Teixeira;
186
Alfredo Engelmann Filho; Karin Martins Gomes & Leandro Alfredo da Rosa

acumulados na pesquisa e no ensino precisam ser comunicados para


aqueles que não estão na universidade, mas estão dispostos a participar
do que foi produzido e têm uma contribuição a dar para o desdobra-
mento desse conhecimento. A extensão deve ser vista não meramente
como prestação de serviços assistencialistas, nos espaços abandonados
pelo Estado, mas como atividade inerente à própria concepção de uni-
versidade, ao lado da pesquisa e do ensino. Uma extensão transforma-
dora da realidade deve ser entendida como forma de comunicação com
os cidadãos extramuros da universidade, cientes de que estes possuem
muito a ensinar para o corpo docente, pois carregam experiências dife-
renciadas da realidade vivenciada por estes.
Ademais, vale ressaltar que a própria Lei de Execuções Penais
(Lei nº 7.210/84) estabelece, em seu artigo 4º, a necessidade de coope-
ração da própria comunidade nas atividades ligadas à execução penal.
Nesse sentido, ensina Mirabete (2002, p. 43):

Preconiza o art. 4º da Lei de Execução Penal que o Estado deverá


recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução
da pena e da medida de segurança, pois, segundo o que consta
da exposição de motivos, nenhum programa destinado a enfren-
tar os problemas referentes ao delito, ao delinqüente e à pena se
completaria sem o indispensável e contínuo apoio comunitário.
Outro ponto inovador da lei é o de que o Estado deve recorrer
à cooperação da comunidade como condição essencial para que
seja alcançado o objetivo de facilitar a futura reinserção do con-
denado à vida social.

O presente projeto específico na área de Direito, que faz parte de


uma ação global da Unesc junto ao Presídio Santa Augusta e Penitenciá-
ria Sul, além de inédito na região Sul de Santa Catarina, trará inúmeros
benefícios para os reeducandos, familiares, acadêmicos do Direito e da
Psicologia, orientados por professores dos respectivos cursos, tendo
muito a contribuir na construção pessoal e coletiva de conhecimento
teórico e prático.
O Conselho Federal de Psicologia (2010, p.9) afirma que

[…] o agravamento da crise vivida no sistema penitenciário e o


fato de o Brasil ser país que possui uma das maiores populações
Práticas e Saberes de Extensão
187
Volume II

carcerárias do mundo exigem mais do que nossa contribuição na


construção de atribuições, competências e possibilidades de uma
prática profissional voltada para a integração social. Exigem-nos
ampliação do diálogo com movimentos sociais e construção de
parcerias […] compreendendo que o modelo de privação de li-
berdade não faz avançar a cidadania, piora os vínculos sociais e
produz exclusão.

Vale lembrar, mutatis mutandis, que as atividades exercidas pelas


ações vinculadas a este projeto de extensão atendem aos critérios da
Lei nº 8.742/93, uma vez que promove atendimento às necessidades
sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica, beneficiando
a família do recluso (liberação de pecúlio), no atendimento aos reclu-
sos que não possuem condições de contratar advogado para defesa dos
seus direitos e acesso à Justiça. Respeita a dignidade do cidadão encar-
cerado, a sua autonomia e o seu direito a benefícios e serviços de qua-
lidade, prestado por professores habilitados na área do Direito Penal,
propiciando igualdade de direitos no acesso ao atendimento.

3 METODOLOGIA

O público/comunidade-alvo são os reeducandos do Presídio San-


ta Augusta de Criciúma – SC.
Quanto à execução de trabalho do projeto, será utilizada da se-
guinte forma:

Momento de aproximação com as instituições: coordenado-


res do projeto promoverão reunião com os órgãos envolvidos com
a Segurança Pública em Criciúma e no Estado, demonstrando os
objetivos do projeto, sem ferir as funções estatais já pré-definidas
e servindo como ferramenta de auxílio em igualdade de direitos e
acesso a atendimento de qualidade prestado por professores ha-
bilitados na área da Execução Penal.
Momento de Intervenção no Presídio Santa Augusta: os aten-
dimentos são realizados dentro da carga horária estabelecida nos
editaise demonstrou ser muito positivo. Tendo em vista a precá-
ria estrutura física que possui o Presídio Santa Augusta, inúmeros
elogios prestados por parte dos agentes prisionais e funcionários
Larissa Alves Benitez; Tamires do Nascimento Teixeira;
188
Alfredo Engelmann Filho; Karin Martins Gomes & Leandro Alfredo da Rosa

do Presídio, pela educação, empenho e dedicação dos alunos bol-


sistas e voluntários, coordenadores e demais envolvidos com o
projeto de extensão da Unesc, bem como por parte dos próprios
apenadose de seus familiares.

É oportuno mencionar que o projeto iniciou com atendimento às


mulheres grávidas ou com filhos nos berçários da unidade prisional, o
que gerou acolhida imediata por parte destas e seus familiares e, pos-
teriormente, com os homens. Nenhum dos atendidos possuía condições
de constituir defensor cujos processos foram revistos e foram prestadas
as devidas informações a respeito da execução penal.
Os reflexos das ações desenvolvidas pelo projeto proporcionam
espaço de reconhecimento da Unesc em termos de mídia: os coorde-
nadores do Projeto, bem como alunos bolsistas, participaram de pro-
gramas de rádio e televisão, a citar: programa Adelor Lessa (Rádio Som
Maior), Rádio Eldorado, TV Litoral Sul-Canal 20 da NET, portais de no-
tícias da internet, como o portal SATC, portal da Unesc, participação em
reuniões e encontros, como o Congresso Regional Sul de Pastorais Car-
cerárias do Estado de Santa Catarina, com a presença de representantes
de todo o Estado, em que foi possível demonstrar aos presentes o Pro-
jeto desenvolvido pela Unesc e, segundo informações dos representan-
tes de pastorais carcerárias de todo o estado, um projeto inédito e que
seria levado ao conhecimento das demais Universidades do Estado. Por
isso, a importância de se dar prosseguimento com as atividades aqui
propostas, mantendo-se a possibilidade de acesso à justiça à população
carcerária dos estabelecimentos penais de Criciúma.

Momento de Encaminhamento: os pedidos judiciais serão


encaminhados ao Fórum para análise do Juiz responsável pela
Execução Penal, Dr. Rubens Sérgio Salfer.
Momento de Prestação de Contas: à medida que o Juiz for
decidindo acerca dos pedidos propostos pela equipe do projeto,
retomar as entrevistas com os reeducandos, informando-os do
resultado dos pedidos formulados, demonstrando efetividade no
trabalho realizado.
Momento de Avaliação: periodicamente, serão promovidas
reuniões com representantes do Poder Judiciário, Ministério Pú-
blico, OAB, DEAP, Secretaria de Justiça e Cidadania, Secretaria de
Práticas e Saberes de Extensão
189
Volume II

Segurança Pública, Polícia Civil e Militar, para manter todos in-


formados sobre o andamento dos trabalhos e fazer reavaliações
contínuas.
Momento de acompanhamento: finalizada a primeira eta-
pa do projeto, os acadêmicos continuarão com a segunda etapa,
acompanhando o andamento dos processos no Fórum.
Momento de elaboração dos relatórios, para posterior apresenta-
ção à Unacsa;

Momento de socialização das experiências: em salas de aula,


nos cursos de Direito e Psicologia, e em eventos da Unesc, salien-
tando que o projeto ora apresentado foi premiado na última Se-
mana de Ciência e Tecnologia da Unacsa, na modalidade apresen-
tação oral.

4 EXPERIÊNCIA DE EXTENSÃO
Quando se está em campo, deixa-se de ser somente acadêmico,
para ser, também, um novo profissional – mesmo que em fase de apren-
dizado. E o sentimento não é aquele de dever cumprir horários ou de
apenas mais um dia de serviço; o sentimento é de excitação. E o motivo
disso é que nunca se sabe o que pode acontecer numa tarde destinada
às atividades junto à comunidade. É diferente quando se está estudan-
do, pesquisando, escrevendo artigos. Quando se está na comunidade,
tudo é novo. Nunca se sabe quando um caso totalmente diferente, com
uma problemática completamente diversa, que necessita de um cuida-
do redobrado, aparecerá para ser analisado, estudado, e, se possível,
solucionado.
É perfeitamente compreensível quando, no início das atividades,
há aquela sensação de receio. Receio por não conseguir conciliar a teo-
ria, estudada em sala de aula, com a prática. Ser acadêmico extensionis-
ta não significa precisar saber tudo, precisa ter conhecimento, sim, mas
precisa ter, também, consciência de que está ali para aprender, além de
trabalhar. O campo na extensão é ambiente de aprendizado.
São muitos os fatores que contribuem para que a experiência de
viver a extensão seja proveitosa como é. Um deles é o ambiente de tra-
balho, acompanhado pelos colegas. Como preconiza o artigo 16, da Lei
de Execução Penal, todo o estabelecimento penal deve ter serviço de
Larissa Alves Benitez; Tamires do Nascimento Teixeira;
190
Alfredo Engelmann Filho; Karin Martins Gomes & Leandro Alfredo da Rosa

assistência judiciária havendo, então, um setor específico para a prática


das diligências inerentes ao atendimento do apenado.
O setor jurídico do Presídio Santa Augusta é muito bem organiza-
do, possui profissionais maravilhosos que tentam, ao máximo, realizar
as atividades inerentes à assistência judiciária que lhes cabe, com pra-
zos sempre em dia, confecção de pedidos à Vara de Execuções Penais da
comarca, bem como atendimento e resposta aos memorandos enviados
pelos presos, a fim de sanar as dúvidas que surgem sobre o andamento
de seus processos de execução penal.
Com a organização do setor bem estruturada, cabe ao extensio-
nista do projeto encaixar-se na rotina para que as atividades exercidas
sejam no sentido de cooperação e agilização na análise dos direitos
dos reeducandos. Essa parceria com o Presídio Santa Augusta já vem
de anos, e é notório o grande interesse do estabelecimento prisional
de manter esse vínculo com o curso de Direito da Unesc, pois, embora
seja grande o empenho dos servidores do presídio, a demanda é muito
grande e sempre é útil a cooperação exercida pelos bolsistas e professo-
res envolvidos no projeto para organização das pastas e confecção das
peças processuais, pela verificação de prazos, leitura e cálculo de pena
cumprida e a cumprir, para que os apenados tenham ciência de como
estão sendo fiscalizados seus processos de execução penal.
Já dizia Manoel Pedro Pimentel (1978, p.188)

Nenhum preso se conforma com o fato de estar preso e, mesmo


quando conformado esteja, anseia pela liberdade. Por isso, a falta
de perspectiva de liberdade ou a sufocante sensação de indefi-
nida duração da pena são motivos de inquietação, de intranqui-
lidade, que sempre se refletem, de algum modo, na disciplina. É
importante que o preso sinta ao seu alcance a possibilidade de
lançar mão das medidas judiciais capazes de corrigir eventual ex-
cesso de pena, ou que possa abreviar os dias de prisão. Para isso,
deve o Estado – tendo em vista que a maior parte da população
carcerária não dispõe de recursos para contratar advogados –
propiciar a defesa dos presos.

Outro fator é o misto de sentimentos possíveis que se percebe


quando chega ao conhecimento do apenado que ele está sendo bene-
ficiado com o atendimento do projeto. Percebe-se, tanto por parte do
Práticas e Saberes de Extensão
191
Volume II

extensionista quanto do apenado, que, mesmo sem jeito, sem muitas


palavras, agradece pela oportunidade. Oportunidade que, pela falta de
recursos financeiros que impossibilita a constituição de advogado, é de
extremo valor, inclusive sentimental. E, por parte do extensionista, sen-
timento de gratificação, de dever cumprido.
Entre outros fatores, pode-se destacar a resposta da Vara de Exe-
cuções Penais no que se refere às peças processuais que são submetidas
a Juízo. É clara a morosidade no Sistema Judiciário, e isso faz com que o
trabalho seja dificultado. Verifica-se que na VEP de Criciúma não existe
processo pendente de decisão. Todos os processos que sobem conclu-
sos são decididos em, no máximo, 24 horas, demonstrando que a assis-
tência judiciária atende ao papel a que se propõe e que o magistrado da
comarca fiscaliza, rigorosamente, os processos de execução penal a ele
submetidos, resguardando e atendendo a todos os pedidos vinculados
a Execução Penal.
A agilidade da VEP é grande aliada no exercício das atividades
na comunidade, pois todo o trabalho que envolve assistência judiciária,
depende de uma resposta do Judiciário. Quando a resposta é demorada
e lenta, o bom andamento das atividades fica, também, prejudicado.
É importante ressaltar que o projeto está exercendo funções que
são atribuídas à Defensoria Pública, mas, como o número de Defensores
Públicos nomeados para a região é insuficiente para atender à grande
demanda de pedidos, o projeto vem atuar de forma subsidiária, não dei-
xando que os reeducandos fiquem desamparados.
De acordo com Luna (1985, p. 325):

Embora o pensamento dominante se funde sobre a ressocializa-


ção, é preciso nunca esquecer que o direito, o processo e a execu-
ção penal constituem apenas um meio para a reintegração social,
indispensável, mas nem por isso de maior alcance, porque a me-
lhor defesa da sociedade se obtém pela política social do Estado
e pela ajuda pessoal.

O projeto busca, também, atender ao desamparo dos reeducan-


dos por meio da assistência psicológica e social, como previsto no artigo
22, da Lei de Execução Penal, que diz que “A assistência social tem por
finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno
Larissa Alves Benitez; Tamires do Nascimento Teixeira;
192
Alfredo Engelmann Filho; Karin Martins Gomes & Leandro Alfredo da Rosa

à liberdade”, buscando uma resposta positiva acerca do sentimento de


ressocialização que cresce em cada apenado.
E sobre isso Luna traz que (1985, p. 329):

Mesmo os que não acreditam no efeito ressocialzador da pena de


prisão, não negam a necessidade de sua humanização por meio
de uma política de educação e de assistência ao preso, que lhe fa-
cilite, se assim o desejar, o acesso aos meios capazes de permitir-
-lhe o retorno à sociedade em condições de convivência normal.

É para esta demanda que as atividades da Psicologia estão asso-


ciadas ao projeto, pois, em alguns casos, a Lei de Execução Penal nos
traz que é necessário que seja feita uma avaliação psicológica chamada
mais comumente de “exame criminológico” ou avaliação psicossocial.
Essa avaliação, de acordo com a Lei de Execução Penal, em se ar-
tigo 8º,

[…] será efetuada de forma obrigatória, nos condenados a pena


privativa de liberdade em regime fechado, e facultativa, naqueles
destinados ao semiaberto, com o objetivo de obter os elementos
necessários, primeiro, à adequada classificação, e, segundo, à in-
dividualização da execução.

Ainda sobre o exame criminológico, Sérgio Marcos de Moraes Pi-


tombo em seu artigo sobre “Os regimes de cumprimento da pena e o
exame criminológico” ([s.d.], p. 315) nos traz que:

No exame criminológico, a personalidade do criminoso é exami-


nada em relação ao crime em concreto, ao fato por ele praticado,
pretendendo-se com isso explicar a “dinâmica criminal (diagnós-
tico criminológico), propondo medidas recuperadoras (assis-
tência criminiátrica)” e a avaliação da possibilidade de delinquir
(prognóstico criminológico).

O exame criminológico dentro do sistema prisional segue a dua-


lidade entre os focos de presença de possíveis psicopatologias e da si-
tuação social do sujeito. Assim, são realizados testes de personalidade
e entrevistas clínicas.
Práticas e Saberes de Extensão
193
Volume II

A avaliação por meio de testagem é uma das possíveis formas de


o psicólogo identificar algumas diferenças individuais de cada perso-
nalidade. No caso do projeto, o teste de personalidade aplicadoavalia
oneuroticismodo apenado. Essa avaliação é feita por meio de escalas
nas quais são avaliados os níveis de vulnerabilidade, desajustamento
psicossocial, ansiedade e depressão. São submetidos a estas avaliações
os apenados que possuíam pelo menos o ensino fundamental incomple-
to, devido a sua complexidade.

Neuroticismo, […] refere-se ao nível crônico de ajustamento e


instabilidade emocional e representa as diferenças individuais
que ocorrem quando pessoas experienciam padrões emocionais
associados a um desconforto psicológico (aflição, angústia, sofri-
mento etc.) e os estilos cognitivos e comportamentais decorren-
tes. (HUTZ; NUNES, 2011, p. 7)

Dessa forma, compreende-se que indivíduos com alto nível de


neuroticismo são mais propensos a vivenciar um sofrimento psíquico. E
baixos níveis de neuroticismo indicam pessoas mais calmas, relaxadas,
entretanto não significa que o sujeito tenha boa saúde mental (HUTZ;
NUNES, 2011).
Por meio dessa avaliação, percebe-se o quanto os apenados, na
maioria das vezes, não param para avaliar os seus atos e o quanto algu-
mas situações eram ou não importantes para eles. Com a aplicação do
teste, os apenados também valorizavam mais a “passagem pela psicó-
loga”; por meiode seus relatos, mostra que este procedimento “deixava
a coisa mais séria”. É importante que o apenado consiga refletir acerca
dos motivos que o levaram ao cárcere, essa consciência do cometimento
do delito e a aceitação da culpa pelo fato praticado é, talvez, um dos re-
quisitos mais importantes para aprovação no exame criminológico, pois
o apenado necessita ter consciência de que o encarceramento ocorreu
não somente para que houvesse uma punição pelo fato praticado, mas
também, e principalmente, para que ele pudesse voltar à sociedade e se
reintegrar a ela.
Depois da avaliação com o teste, todos passam por uma entrevis-
ta com roteiro semiestruturado. Inicialmente, são feitas perguntas so-
bre os dados pessoais e, depois, sobre a situação social do reeducando.
Entre esses dados, pergunta-se sobre a situação financeira, os vínculos
Larissa Alves Benitez; Tamires do Nascimento Teixeira;
194
Alfredo Engelmann Filho; Karin Martins Gomes & Leandro Alfredo da Rosa

familiares e/ou afetivos, a opção de endereço para passar a saída tem-


porária ou a saída permanente. Informações, como as levantadas nesta
etapa da avaliação, trazem um pouco da realidade em que o apenado se
encontrava antes do cárcere. Realidade esta que, talvez, tenha sido um
dos motivos pelo cometimento do crime, pois uma porcentagem eleva-
da do número de segregados nos cárceres é de detentos que cometerem
crimes patrimoniais na busca de melhores condições de vida ou para
elevar o status social. É importante perceber, também, que um dos fa-
tores contribuintes para uma ressocialização e efetivo cumprimento da
pena imposta ao apenado é uma estrutura sólida fora do cárcere, onde
ele possa se apoiar. O fato de o apenado possuir um lar onde possa usu-
fruir dos benefícios obtidos durante a execução de sua pena, como a
saída temporária, é elemento que fomenta ainda mais a vontade de sair
de vez do encarceramento, voltar para a realidade, buscar ter uma vida
regrada, sem necessidade de retornar ao mundo do crime.

A entrevista clínica é um conjunto de técnicas de investigação, de


tempo delimitado, dirigido por um entrevistador treinado, que
utiliza conhecimentos psicológicos, em uma relação profissional,
com o objetivo de descrever e avaliar, aspectos pessoais, relacio-
nais ou sistêmicos (indivíduo, casal, família, rede social), em um
processo que visa a fazer recomendações, encaminhamentos ou
propor algum tipo de intervenção em benefício das pessoas en-
trevistadas. (CUNHA, 2000, p. 45)

Por meio dessa entrevista, verificam-se os pontos positivos e/ou


negativos sobre a situação social do apenado. Dentre os pontos positi-
vos, destaca-se: se eles já buscaram formas de se sustentar por meio
de empregos fora da prisão, o que demonstra comprometimento de re-
tomar à sociedade contribuindo para seu crescimento pessoal e pro-
fissional. Muitos procuram, ainda dentro do cárcere, se comprometer
fielmente à ressocialização. Quando isso acontece, fica muito mais fácil
para o apenado cumprir a pena imposta e finalizar essa parte de sua
vida que é a prisão.
Como traz Mirabete (2002, p. 23):

Assim, tem-se entendido que à idéia central da ressocialização há


de unir-se, necessariamente, o postulado da progressiva humani-
Práticas e Saberes de Extensão
195
Volume II

zação e liberação da execução penitenciária, de tal maneira que,


asseguradas medidas como as permissões de saída, o trabalho
externo e os regimes abertos, tenha ela maior eficácia.

O comprometimento é resultado de um pensamento consciente


sobre o que o levou ao encarceramento. Os interesses em retomar uma
profissão, ou buscar o aprimoramento de seus conhecimentos retoman-
do os estudos ou fazendo cursos, mostram também pontos positivos
para o seu retorno. A demonstração do interesse pelos estudos talvez
seja um dos pontos mais positivos para o retorno à sociedade. Sair do
cárcere para uma sala de aula é uma mudança muito grande de reali-
dade. É importante encorajar toda e qualquer manifestação de vontade
que consista em produção de resultados positivos para a vida do ape-
nado, que, fora do cárcere, vai precisar construir uma vida diferente da
levada anteriormente, para que seja efetiva a reintegração social.
Os vínculos familiares e/ou afetivos que o apenado possui tam-
bém são importantes para a elaboração do parecer final, pois se ele tem
família e esta se preocupa com ele, visita-o com frequência, é ponto a
favor para que o seu retorno à sociedade seja de mais fácil adaptação.
Dessa maneira, nos traz Valdes (1982, p. 29) que: “Os vínculos familia-
res, afetivos e sociais são sólidas bases para afastar os condenados da
delinquência”. Sobre isso, entende Mirabete (2002, p. 43) que “o Estado
deve recorrer à cooperação da comunidade como condição essencial
para que seja alcançado o objetivo de facilitar a futura reinserção do
condenado à vida social”.
O apenado que tem algum tipo derelacionamento fixo, filhos,
parentes, entre outros, e que estão preocupados com seu bem-estar,
aguardando o retorno da prisão, servem como um estímulo positivo
para que ele cumpra a pena corretamente para sair o quanto antes. É
inimaginável o que um laço sentimental pode construir. Na realidade
de uma prisão, receber visitas de quem transmite qualquer tipo de ca-
rinho é um grande presente. Muitos não costumam visitar os parentes
ou amigos encarcerados por medo, preconceito ou vergonha. Mas é im-
portante que exista essa ligação com o mundo extramuros. Uma liga-
ção sentimental verdadeira é um dos pilares que permitem ao apenado
manter-se forte o suficiente para passar por toda a pressão de uma vida
encarcerada.
Larissa Alves Benitez; Tamires do Nascimento Teixeira;
196
Alfredo Engelmann Filho; Karin Martins Gomes & Leandro Alfredo da Rosa

Sobre a participação da comunidade durante o procedimento da


execução penal, Miguel Reale (1983, p. 88) nos traz que

[…] caberá ainda à comunidade, após o cumprimento da pena


pelo condenado, viabilizar a convivência com aquele que delin-
quiu, mesmo porque já sofreu ele a sanção imposta pela Justiça.
A maneira de a sociedade defender-se da reincidência é acolher o
condenado, não mais como autor de um delito, mas em sua con-
dição inafastável de pessoa humana.

Ainda com relação aos dados sociais a serem levantados duran-


te a entrevista, apresentar no ato desta um contato e um endereço fixo
e completo para onde pretende ir durante a saída temporária, ou em
outros casos, a saída permanente, torna-se também um ponto a seu
favor. Essa postura mostra o interesse em se estabelecer novamente
na sociedade, já tendo em vista planos concretos sobre quais atitudes
e postura deve tomar, outra característica do comprometimento to-
mado com a ressocialização. Além disso, caso na entrevistanão fique
clara a existência real desse endereço – é possível confirmar se é real
ou não –,é preciso ter certeza de onde o apenado restará enquanto
usufrui o benefício que lhe foi concedido, e averiguar assim a sua ho-
nestidade.
Na entrevista também é questionado sobre como o reeducando
capta o sentido da condenação que lhe foi imposta. É questão crucial
para a análise do caso, pois mostra como o apenado assimila a pena im-
posta, possibilitando a descoberta das motivações psicológicas por trás
do delito. Por meio do seu relato, é possível observar se ele compreende
o seu ato criminoso praticado, reconhecendo-o como conduta típica, an-
tijurídica e culpável. O ato de reconhecer que a sua atitude foi um crime,
que prejudicou pessoas e a sociedade, mostra a mudança de consciência
sobre suas atitudes. E isto é o que se pretende com a ressocialização,
que este indivíduo volte para a sociedade com a compreensão de que,
ao cometer um crime, feriu a sociedade, consequentemente ferindo a
si mesmo. O cometimento do delito gera uma pretensão punitiva, que
mais do que simplesmente punir, visa à reintegração social do ser hu-
mano. O apenado só consegue, de fato, cumprir a reprimenda imposta
quando assimila a responsabilidade pelo resultado ilícito por ele prati-
cado e é preciso que faça o vínculo entre a vida levada no cárcere com
Práticas e Saberes de Extensão
197
Volume II

uma nova perspectiva que precisa ser tomada quando sair de lá. É essa
consciência que o permite tomar atitudes diferenciadas para percorrer
caminhos distintos daquele que o condenou para que se transforme em
novo cidadão com nova visão de mundo e de sociedade.

5 RESULTADOS

As atividades do projeto tiveram início em abril de 2012, com


assistência judiciária e acompanhamento semanal da execução penal.
Aqueles que preenchiam os requisitos exigidos por lei tiveram os be-
nefícios concedidos. Caso contrário, passaram a ter ciência de como de-
veriam agir e quanto esperar para alcançar a satisfação dos requisitos
para benefícios futuros.
Além das análises e confecções dos pedidos, o Projeto auxiliou
o Presídio Santa Augusta na análise dos cálculos da execução penal e
todos os outros benefícios elencados na Lei nº 7.210/84, com remessa
dos pedidos à Vara de Execuções Penais.
Dois anosapós o início das atividades do projeto, com quase 900
atendimentos feitos, foi integradaa atuação da psicologia, cuidando da
parte da assistência psicológica e social, através da aplicação do exame
criminológico nos casos necessários.
A comunidade, assim como o Poder Judiciário, e também o pró-
prio estabelecimento prisional onde ocorrem as atividades, tem apre-
ciado a atuação e incentivado a continuação do projeto, mostrando as-
sim que os resultados são claramente positivos e satisfatórios.

6 CONCLUSÕES

Com o projeto, as extensionistas puderam colocar a teoria estu-


dada em sala de aula em prática, mediante a assistência judiciária e psi-
cológica prestadas. Viver a extensão proporciona uma experiência em
conjunto com a comunidade, possibilitando uma troca de saberes, o que
contribui para um melhor aprendizado acadêmico e, consequentemen-
te, uma formação mais completa.
Noutra perspectiva, o projeto colabora para melhor andamento
das atividades realizadas dentro do estabelecimento prisional. Com a
Larissa Alves Benitez; Tamires do Nascimento Teixeira;
198
Alfredo Engelmann Filho; Karin Martins Gomes & Leandro Alfredo da Rosa

grande demanda de detentos e, consequentemente, de processos, os


profissionais que lá atuam ficam sobrecarregados, sendo, portanto, de
grande ajuda a atuação da extensão para auxiliá-los a diminuir a carga
de trabalho.
Quanto aos detentos, a extensão cuida para que seus direitos se-
jam atendidos e não fiquem a mercê do desamparo e do abandono, pois
a grande problemática do encarceramento é a insuficiência de assistên-
cia judiciária para aqueles que não possuem recurso financeiro para
constituir advogado. E é nesse ponto que a extensão atua, proporcio-
nando as diligências cabíveis aos apenados que dependem somente do
atendimento ofertado pelo setor jurídico do presídio.
Sob outro ângulo, a comunidade é indiretamente beneficiada pelo
projeto, porque, além de proporcionar uma possibilidade de ressociali-
zação ao preso que, após cumprir integralmente a sua pena, retornará
a sociedade com nova perspectiva de vida, proporciona também uma
segurança à população, devido à redução de rebeliões provocadas pela
falta de assistência judiciária.
Assim, é possível afirmar que o projeto vem atendendo às expec-
tativas em diversos âmbitos, fornecendo resultados satisfatórios, am-
pliando seu alcance e gerando visibilidade para os cursos de Direito e
Psicologia e, principalmente, para a Unesc que possibilita aos acadêmi-
cos envolvidos a vivência do ensino, pesquisa e extensão.

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atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

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nal. Brasília: CFP, 2010.

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emocional/neuroticismo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2011.

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7-84. 10. ed., rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2002.

PIMENTEL, Manoel Pedro. Prisões fechadas e prisões abertas. São Paulo: Cortez
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PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro.13. ed. rev., atual. e ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

REALE Júnior, Miguel. Novos rumos do sistema criminal. Rio de Janeiro: Forense,
1983.

VALDÉS, Carlos García. Comentarios a la legislación penitenciaria. 2. ed. Madri:


Civitas, 1982.
COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA
PELAS ONDAS DO RÁDIO

Rafael Jose Bona


Doutorando em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Pa-
raná (UTP). Graduado em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda
(Furb). Docente do Departamento de Comunicação, da Universidade Re-
gional de Blumenau (Furb), e do Ceciesa-CTL, da Universidade do Vale do
Itajaí (Univali). Coordenador do Projeto de Extensão Informação e Cidadania
(FURB). Este texto é um artigo do autor, revisado e atualizado, publicado
nos Anais do XXXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (2013),
realizado em Manaus/AM.– bona.professor@gmail.com

RESUMO: O artigo faz análise das abordagens dos problemas locais presentes na comunica-
ção radiofônica, por meio de uma prática extensionista realizada no município de Blumenau
– SC, a partir do projeto Informação e Cidadania (Furb). A principal atividade é desenvolver
programetes radiofônicos de cunho educativo e cidadão focados nos Objetivos do Desenvol-
vimento do Milênio (ODM), definidos pela ONU (Organizações das Nações Unidas), no ano
2000. Esta pesquisa se classificou como exploratória, analítica e interpretativa dos conteú-
dos. A partir dos resultados alcançados, percebeu-se a falta de articulação dos problemas
locais nos trabalhos realizados. Esta realidade conduziu para uma reflexão metodológica
sobre as atividades realizadas no projeto e a necessidade de mais inserção da realidade
local nas abordagens da pauta dos programetes radiofônicos realizados.

Palavras-chave: Comunicação; Cidadania; Mídia Regional; Rádio.

1 INTRODUÇÃO

A comunicação midiática tem passado por intenso processo de


hibridização, principalmente nos últimos anos, em que a interatividade
dos dispositivos técnicos começou a se tornar cada vez mais de fácil aces-
so por parte da população em geral. Isso pode ser observado na quanti-
dade de aparelhos de televisão que são vendidos diariamente e também
se encontram na maioria dos lares brasileiros e do mundo, assim como
os aparelhos de telefonia móvel, nos quais se pode assistir a programas
televisivos, a filmes, ouvir rádio, entre muitas outras coisas.
A comunicação continua uma constante palavra conceitualmente
ambígua. É por meio dos dispositivos técnicos que circulam os discur-
Rafael Jose Bona
202

sos da sociedade, dos quais variados públicos (amplos e heterogêneos)


conseguem ter o contato com as vozes que compõem os paradigmas da
comunicação. Os efeitos dos meios de comunicação atingem um público
amplo, que é tocado por muitas vozes e referências devido aos hibridis-
mos midiáticos. A comunicação é uma experiência antropológica, pelo
fato de não haver vida social sem ela (SODRÉ, 2012).
As primeiras pesquisas realizadas no âmbito da comunicação, se-
gundo Sodré (2012), foram sempre desvendar a extensão dos discursos
midiáticos sobre as diversas populações. A televisão, o rádio, a infor-
mática etc. sempre foram percebidos como “uma aproximação ao ideal
de comunhão da diversidade ética e cultural do planeta” (SODRÉ, 2012,
p. 19). Esses meios comunicacionais, da mesma forma, também foram
adaptados aos seus contextos, sejam eles locais ou regionais, para que
pudessem atingir a população de acordo com uma linguagem padrão e
entendível para o seu público.
Foi dentro desse contexto que surgiu este estudo, o qual teve
como objetivo analisar a abordagem dos problemas locais na lingua-
gem radiofônica por meio dos programetes de extensão: Informação
e Cidadania. O foco dos temas abordados trata, principalmente, dos
Objetivos do Desenvolvimento do Milênio – ODM, que se referem aos
oito Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM) como meta para
a humanidade acabar com os problemas sociais no mundo, até o ano de
2015, estabelecidos pela ONU (Organização das Nações Unidas), no ano
2000. Esses objetivos da ONU estão implícitos em várias áreas do saber
como a do Serviço Social, da Antropologia, da Sociologia, da Comunica-
ção Social etc.
O projeto Informação e Cidadania faz parte do Programa de Ex-
tensão: Comunicação e Comunidade. O programa possui três projetos
de extensão inter-relacionados: Plug In (programa de televisão), Comu-
nicação para o Desenvolvimento Social (campanhas publicitárias para
ONGs), e Informação e Cidadania (programetes radiofônicos de cunho
educativo e cidadão). Os projetos são realizados na região do Vale do
Itajaí, no município de Blumenau – SC, por intermédio do Curso de Co-
municação Social – Publicidade e Propaganda, da Furb (Universidade
Regional de Blumenau).
A prática extensionista para os alunos da área da comunicação
social se torna importante no processo de aprendizado. Em relação a
isso, Soares (2011, p. 10) argumenta que: “os meios de comunicação e
Práticas e Saberes de Extensão
203
Volume II

especialmente o rádio, devido à sua popularidade, podem ser elemen-


tos importantes para o crescimento da consciência crítica do educando
na medida em que o conteúdo difundido torna-se objeto de estudo, de
análise e de discussão”.

2 O RÁDIO E A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA

O dialogismo acerca dos temas comunicação e comunidade é pro-


longado por um caminho teórico extenso. Para Medeiros (2012a, p. 13)
“alguns passos já estão sendo dados em direção à perspectiva de entre-
laçar alguns dos seus principais fundamentos: o vínculo comunitário,
que pressupõe uma relação aberta à pura experiência, e a possibilidade
de convivência entre os indivíduos […]”.
Os meios de comunicação preparam o “cidadão para o exercício
da cidadania, usufruindo o direito à comunicação por meio da sua inser-
ção organizada e coletiva na esfera pública de comunicação, bem como
o incentivo a uma relação crítica com as mensagens midiáticas” (AL-
MEIDA; ANDRELO, 2011, p. 26).
Ao se referir à comunicação comunitária, Rodrigues (2012, p. 3)
afirma que ela “destaca a vida local das comunidades e não a cultura
globalizada, difundida pelos grandes meios. Evidencia-se um processo
de inclusão dos membros da comunidade. A ênfase é para aspectos da
vida quotidiana das pessoas”.
Existe vasta discussão sobre nomenclaturas e conceitos em rela-
ção ao termo: “comunicação comunitária”. Muitos teóricos discorrem
sobre o que é ser “comunidade” pelo fato de haver uma constante
atualização do termo. E, dentro deste processo comunicacional de atua-
lização, “a mobilização social fez surgir um novo tipo de comunicação
comunitária, inerente a organizações e movimentos populares, que pro-
piciou inúmeros estudos no Brasil e em vários outros países da América
Latina” (PERUZZO, 2005, p. 72). A autora ainda ressalta que, a partir dos
anos 1980, criou-se um acervo de diversas publicações teóricas sobre
comunicação comunitária.
Para Rodrigues (2012, p. 4), “a comunicação comunitária é apre-
sentada como uma alternativa de comunicação que privilegia os anseios
populares no que tange aos aspectos sociais da vida cultural e econômi-
ca da comunidade”.
Rafael Jose Bona
204

A proposta aqui exposta não versa sobre a teorização ou definição


da comunicação comunitária. A pretensão é de apenas expor ou argu-
mentar sobre os termos dentro do contexto radiofônico. O propósito é
argumentar acerca da comunicação comunitária regional e suas possibi-
lidades dentro da realidade midiática no município de Blumenau.
Sobre as mídias locais, Peruzzo (2003, p. 2), em outro momento,
diz que:

[…] as mídias comunitária e local se configuram em duas verten-


tes, cada uma com suas especificidades, mas que, em alguns ca-
sos, se encontram no que diz respeito a conteúdos transmitidos.
Porém, a tendência maior é que a mídia local se ocupe de assun-
tos mais gerais (das vias públicas, tragédias, violência urbana,
tráfico de drogas, política local, serviços públicos, problemas da
cidade, culinária regional etc.), enquanto os meios comunitários
trabalham principalmente com pautas de interesse mais espe-
cífico de segmentos sociais (assuntos dos bairros, do trabalho,
dos movimentos sociais, questões de violência, esclarecimentos
quanto aos perigos relacionados às drogas e outras problemá-
ticas de segmentos sociais excluídos). O primeiro tipo de mídia
visa mais a transmissão da informação e o segundo a mobilização
social e a educação informal.

Devido ao ritmo acelerado das mídias que ocupavam cada vez


mais os lares das pessoas, no início do século XX, os pesquisadores co-
meçaram a observar esses meios de comunicação como uma poderosa
ferramenta social. “O jornal, o rádio e o cinema permitiam a uma mes-
ma mensagem ser captada por milhões de pessoas ao mesmo tempo”
(MARTINO, 2009). Com esses apontamentos, pode-se perceber que
desde o início as mídias já eram avaliadas como ferramenta com certo
poder político e, ao mesmo tempo, poderia trabalhar em prol da comu-
nidade e tendo suas peculiaridades em cada segmento midiático e fo-
cando também a questão regional/local.
O processo de globalização começou a ser condicionado nos anos
1980, momento este em que as mídias cresciam a todo o vapor em vá-
rios pontos do planeta. É nesse momento também que surgem os mo-
vimentos para a valorização da cultura local e regional com a produção
e veiculação de informações e de produtos culturais. Os autores Santos,
Licht e Gil (2005), dentro dessa realidade, comentam que o processo da
Práticas e Saberes de Extensão
205
Volume II

regionalização, dentro do contexto da globalização, tornou-se cada vez


mais segmentado. As mídias regionais abrem espaço para diversas ma-
nifestações culturais locais e promovem a cidadania e o fortalecimento
dos laços comunitários.
Rodrigues (2012, p. 5) diz que, “no aspecto alternativo da comu-
nicação, um dos principais meios que representa a democratização da
informação e a difusão das culturas populares é o rádio, o que pode ser
atribuído às características desse meio de comunicação […]”. Para Zucu-
loto (2005), que discorre acerca da teoria do rádio, a partir de Brecht1,
quando a comunicação radiofônica era apenas uma nova tecnologia que
se inseria na sociedade, o rádio já era vislumbrado por Brecht como um
meio potencial, com recursos e características que mais tarde iriam ser
evidenciados. “O rádio continua a ter potencial para ser o veículo mais
popular e de maior alcance de público. E permanece sendo o de maior
imediatismo, instantaneidade de transmissão” (ZUCULOTO, 2005, p. 7).
Segundo Rodrigues (2012, p. 1):

É comum a observação de espaços comunitários que utilizam


o rádio como um meio de mobilização social. Muitos começam
com simples sistemas de alto-falantes e outros buscam melhores
estruturas técnicas para garantir a comunicação alternativa. Em
geral, o rádio serve para expressão da cultura, divulgação de notí-
cias, articulação de reuniões, avisos, homenagens, dentre outras
funções de utilidade pública no espaço comunitário.

Esch (2001) argumenta que, de toda a evolução tecnológica vi-


vida pelo rádio nos últimos anos, levando-se em conta o crescimento
acelerado das emissoras radiofônicas e seu poder de penetração nas
últimas décadas, ainda não perdeu sua personalidade. No texto de Esch,
escrito em 2001, pode-se perceber que houve grande evolução do rá-
dio enquanto meio de comunicação (haja vista que tivemos uma grande
proliferação da rádio digital por meio da internet daquele ano para cá).
Porém, o autor diz que apesar da evolução e transformações que esse
meio passará na sociedade do futuro, o seu poder de “personalidade”
nunca será perdido. Quando se trata em personalidade, o autor se refe-
re que a comunicação radiofônica se firma como solidária e afetiva (no
papel do seu locutor).
1
Pesquisador pioneiro nas teorias do rádio (com artigos escritos no final dos anos 1920 e
início dos anos 1930).
Rafael Jose Bona
206

O rádio, portanto, sempre teve seu papel social dentro da comuni-


cação desde os seus primórdios e, mesmo com o advento da internet, ele
ainda mantém suas peculiaridades e sua função de informar o público
das mais diversas classes sociais. Ao se tratar da cidade de Blumenau/
SC, local no qual acontece o projeto que é o objeto deste estudo, Reis e
Petters (2008) observam que desde o pioneirismo da radiodifusão na
cidade (final da década de 1930) fez com que toda a comunidade tivesse
o contato com os fatos, acontecimentos e ideias de diversas regiões do
Brasil. Isso “gerou uma maior integração de informações; estabeleceu
apoio a causas comunitárias, mobilizando a sociedade e os órgãos pú-
blicos; e ajudou a ‘divulgar’ Blumenau para os catarinenses, atraindo
moradores e novos negócios” (REIS; PETTERS, 2008, p. 102). É possível
perceber com os resultados da pesquisa dos autores, que a comunida-
de local sempre teve a aceitação do rádio enquanto meio propagador
da informação e da cidadania, e foi dentro deste contexto que nasceu o
projeto de extensão na universidade (Furb) que tem nas suas diretrizes
a promoção do desenvolvimento socioeconômico sustentável com in-
tensa inserção comunitária.

3 O PROJETO INFORMAÇÃO E CIDADANIA

O projeto Informação e Cidadania, integrante do programa de Ex-


tensão Comunicação e Comunidade (Furb), está em execução desde o
ano de 2011. Se refere a uma atividade na qual assegura a integração da
Universidade com a comunidade local. A proposta consiste na execução
de programetes radiofônicos educativos que são produzidos pelos bol-
sistas e estudantes voluntários do curso de Comunicação Social – Pu-
blicidade e Propaganda2 da Furb, orientados por um professor. Sema-
nalmente eles se reúnem para discutir, confeccionar roteiros e produzir
programetes de trinta segundos a um minuto de duração, de cunho
cidadão com foco nos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio. Soa-
res (2011, p. 13) diz que, mesmo perante dos diversificados e variados
aparatos tecnológicos e ao acesso à informação, “o professor continua
desempenhando papel fundamental no processo ensino-aprendizagem,

2
Essa atividade de extensão se dá a partir das disciplinas de Redação Publicitária II – Au-
diovisual e Produção Publicitária em Rádio. Outros cursos também estiveram presentes
atuando como parceiros do projeto, a partir da disciplina Comunicação e Sociedade, que
foram: Administração, Ciências Contábeis, Arquitetura e Urbanismo, Engenharia Civil e
Educação Física.
Práticas e Saberes de Extensão
207
Volume II

pois informação não é, necessariamente, sinônimo de saber.” O profes-


sor, neste projeto, se torna o condutor deste processo educacional.
Reis (2008, p. 53) diz que programetes também podem ser cha-
mados de microprogramas. “É um formato de anúncio que se veicula
ao vivo ou gravado e que se integra à programação da emissora como
um espaço autônomo”. Eles são veiculados intercaladamente durante a
programação radiofônica. Geralmente, debate um assunto em questão e
podem ser entrevistadas pessoas relacionadas ao tema que está sendo
abordado.
Os Objetivos do Desenvolvimento Milênio foram instituídos no
ano 2000, quando a ONU (Organização das Nações Unidas), a partir dos
“considerados” maiores problemas sociais do mundo, estabeleceu a ca-
tegorização de oito objetivos que no Brasil é conhecido também como
8 Jeitos de Mudar o Mundo (OBJETIVOS DO MILÊNIO, 2013). A meta é
que, até 2015, todos os países sejam atingidos pelos ODM. Para melhor
visualização, a figura a seguir, expõe os objetivos:

Figura 1: Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM)

Fonte: PNUD (2013)


Rafael Jose Bona
208

É dentro destes oito objetivos que o projeto Informação e Cida-


dania se alicerça. E ao se pensar no meio rádio dentro dos Cursos de
Publicidade e Propaganda, em geral, os autores Maciel et al. (2012) ar-
gumentam que há um esforço por parte dos que lecionam disciplinas
voltadas para este meio, haja vista que apesar de haver inovações neste
âmbito, é preciso se desfazer o equívoco que a comunicação radiofônica
se trata de algo ultrapassado. O estudante de Publicidade e Propaganda
geralmente está conectado às mais diversas mídias e, a partir de ob-
servações empíricas, é notório o desinteresse por grande parcela deles
quando se trata deste veículo de comunicação.
Para Maciel et al. (2012, p. 5),

A apresentação em sala de aula de informações atuais sobre o


rádio, bem como o exercício da sua instantaneidade, é uma for-
ma de romper com a desinformação geradora de preconceitos, de
gerar sua aproximação com os estudantes e de chamar atenção
para um veículo que é considerado o “primo pobre” no mundo
publicitário.

O projeto Informação e Cidadania faz com que os estudantes se


tornem membros ativos deste processo. Ao discorrer sobre os membros
de uma comunidade e a extensão universitária, Marra (2012) diz que

[...] ocorre, na realidade, uma troca de conhecimentos, em que a


universidade também aprende com a própria comunidade sobre
os valores e a cultura dessa comunidade. Assim, a universidade
pode planejar e executar as atividades de extensão, respeitando
e não violando esses valores e cultura. A universidade, através da
Extensão, influência e também é influenciada pela comunidade,
ou seja, possibilita uma troca de valores entre a universidade e o
meio. (MARRA, 2012, p. 42)

O trabalho dos estudantes realizado na Furb faz com que apren-


dam a colocar em prática os ensinamentos da sala de aula. Neste caso,
eles são também participantes desta ação comunitária. Essa realidade
se insere no contexto exposto por Peruzzo (2002) quando diz que o
processo de interação das pessoas na produção e transmissão das men-
sagens dentro de algo com objetivos para a comunicação comunitária,
Práticas e Saberes de Extensão
209
Volume II

acabam se tornando sujeitos capazes de realizar algo em que todas elas


estão acostumadas a receber pronto e acabam se tornando protagonis-
tas da comunicação, e não somente como receptoras das mensagens.
Peruzzo (2003, p. 2), em outro momento, ao referir-se sobre o
crescimento da mídia local, diz que isso se “deve às modificações no
cenário dos meios de comunicação, motivadas pela valorização do lo-
cal, tanto enquanto ambiente de ação político-comunicativa cotidiana,
como pela oportunidade mercadológica que ele representa.” E é possí-
vel constatar empiricamente essa modificação sobre a mídia local por
parte dos estudantes da Furb, que já apontam para os meios de comu-
nicação da região como uma forte oportunidade empregatícia, não pre-
cisando migrar para grandes centros como São Paulo ou Rio de Janeiro.
Deliberador e Lopes (2011) analisam a mídia no processo educa-
tivo com foco na promoção e no desenvolvimento de práticas cidadãs a
partir do rádio3. Os autores argumentam a importância da participa-
ção dos estudantes na elaboração de conteúdos veiculados nos progra-
mas produzidos no qual se projeta “um olhar crítico da mídia a partir da
participação nos fazer comunicativo, contribuindo para a valorização
enquanto sujeito ativo” (p. 98).
A operacionalização do projeto Informação e Cidadania aconte-
ce em três etapas e momentos distintos. A primeira etapa consiste na
reunião do professor, bolsistas e alunos voluntários no qual são discuti-
dos acerca das pautas dos programetes que serão produzidos. A pauta
é direcionada aos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio. Em segui-
da, parte-se para a segunda etapa, que é a produção dos programetes
radiofônicos no Laboratório de Rádio da Furb. Esses programetes são
avaliados e discutidos com os alunos. A terceira etapa consiste no envio
do material produzido para a rádio Furb FM e diversas rádios comunitá-
rias da cidade de Blumenau. Nelas o material é veiculado semanalmente
em horários alternados durante a programação.
De acordo com observação empírica pode-se perceber cada vez
mais a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão no
curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da Furb (em
determinados momentos, acadêmicos de outros cursos também parti-
ciparam do projeto interdisciplinarmente). O projeto (e o programa de

3
A partir da análise de oficinas de rádio e promoção de conteúdo por estudantes de uma
escola no interior do Paraná, em 2008.
Rafael Jose Bona
210

extensão como um todo) auxilia na formação dos estudantes, no desen-


volvimento de peças radiofônicas com foco social, e auxiliam a comuni-
dade local nas questões sociais propagando a informação e a cidadania.
Esses dados já foram expostos em Zucco, Bona e Moretti (2011).
Desde a concepção do programa de extensão também já havia
sido discutida a possibilidade da interação, cada vez maior, com as disci-
plinas do curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda. Isso
já foi abordado em Bona, Zucco e Deschamps (2013) que versam sobre
uma abordagem em relação à interação dos projetos extensionistas com
uma determinada disciplina do curso (Técnicas de Relações Públicas
em Publicidade e Propaganda) e a Gincana Acadêmica Rinha.

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E ANÁLISE

Esta pesquisa se classificou como exploratória, interpretativa e


analítica dos conteúdos na qual se fez uma observação direta intensiva.
Ela foi dividida em duas etapas. Aprimeira se deu com a pesquisa bi-
bliográfica e documental, que, segundo Medeiros (2012b), refere-se ao
recolhimento de bibliografia e dados pertinentes ao presente estudo.
A segunda etapa foi a respeito da análise dos programetes em que eles
foram ouvidos e decupados, assim como foi realizada a análise dos res-
pectivos roteiros de rádio.
Baseado em dois estudos já abordados (ZUCCO; BONA; MORETTI,
2011; BONA;, ZUCCO; DESCHAMPS, 2013), a análise foi focada na ob-
servação dos problemas locais já trabalhados nos programetes radio-
fônicos, nos anos de 2011 e 2012. Isso é importante para que se possa
dar uma continuidade mais elaborada e crítica nos conteúdos que são
executados e trabalhados no projeto.
Para melhor visualização do leitor, foi tecido o quadro a seguir, no
qual consta a relação dos 8 ODM, a quantidade de abordagem daquele
tema em questão nos programetes e a relação com a comunidade local/
foco em temas regionais.
Práticas e Saberes de Extensão
211
Volume II

Quadro 1: Análise dos dados


Programetes
Objetivos do
abordados com Relação com a comunidade
Desenvolvimento do
o tema no biênio local/ focado em temas regionais
Milênio (ODM)
2011/2012

Relacionado 0
1) Redução da pobreza 5 Não
5
relacionado

Relacionado 1
2) Atingir o ensino básico
6 Não
universal 5
relacionado

3) Igualdade entre os sexos Relacionado 0


e a autonomia das mulhe- 7 Não
res 7
relacionado

Relacionado 0
4) Reduzir a mortalidade na
5 Não
infância 5
relacionado

Relacionado 0
5) Melhorar a saúde ma-
4 Não
terna 4
relacionado

Relacionado 0
6) Combater o HIV/AIDS, a
6 Não
malária e outras doenças 6
relacionado

Relacionado 4
7) Garantir a sustentabilida-
10 Não
de ambiental 6
relacionado

8) Estabelecer uma parceria Relacionado 0


mundial para o desenvol- 5 Não
vimento 5
relacionado

Relacionado 8
Não se enquadra nos ODM 18 Não
10
relacionado

Fonte: o autor, a partir dos programetes analisados.


Rafael Jose Bona
212

Ao se fazer uma análise crítica e minuciosa dos conteúdos aborda-


dos percebeu-se a necessidade de se trabalhar mais os conteúdos rela-
cionados com dados locais. Por exemplo, nos programetes que tratavam
sobre as DTS, no caso, a AIDS, são apresentados dados internacionais
ou nacionais sobre a doença. Da comunidade local/regional, nada foi
apresentado. No caso do tema, educação básica de qualidade para to-
dos, acontece o mesmo. Em poucos os casos aconteceu a aparição da
realidade local. Vale destacar que um dos programetes abordados tra-
tava da doação de violões para uma escola de uma comunidade carente
local. Todos esses apontamentos levam para uma reflexão metodológica
sobre as atividades realizadas no projeto Informação e Cidadania e a
necessidade da inserção dos problemas locais (da realidade local) nas
abordagens das pautas.
Em nenhum momento esta análise desmerece o trabalho realiza-
do, mas nos faz refletir mais sobre o que diz Sodré (2012), quando ar-
gumenta que para que os meios comunicacionais atinjam a população,
é necessário trabalhar com uma linguagem acessível e padrão para o
público. O projeto trabalha com esta linguagem acessível e padronizada,
o que se sente falta é uma coerência mais voltada para a realidade local,
referir-se mais da região do Vale do Itajaí, apresentar dados da cidade
de Blumenau, e isso, talvez, possa conscientizar mais ainda a população
local sobre os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio.
Peruzzo (2005) pontua que as mídias locais existem desde o sur-
gimento das mídias de massa. O rádio já possui uma característica pre-
dominantemente local. É importante que se faça mais conteúdo midiáti-
co regionalizado. Neste artigo de Peruzzo (2005, p. 83), a autora diz que
“há interesse das pessoas em ver os temas de suas localidades retrata-
dos na mídia, como também há interesse por parte da mídia em ocupar
o espaço regional com vistas a atingir seus objetivos mercadológicos”.
Dentro do contexto da análise, portanto, percebe-se que há a necessi-
dade da abordagem de mais conteúdos globais com visões mais locais.
É cada vez mais importante a interação da comunicação regional
com o meio no qual ela se insere. Ela acontece a partir da interação
de pessoas próximas, que possuem o mesmo compartilhamento de
valores, de modos de vida, de interesses. Ou seja, compartilham de uma
cultura comum e possuem suas raízes na mesma região (SOUSA, 2013).
Deixa-se de sugestão e referência o Projeto Nossa Mídia, que é
realizado em Juiz de Fora – MG, desde 2011 e abordado no artigo de
Práticas e Saberes de Extensão
213
Volume II

Galdino e Fuser (2012, p. 10). No projeto, há a interação dos estudantes


moradores de uma periferia no aprendizado de técnicas comunicacio-
nais e possibilita a eles a expressão da cultura de suas comunidades
locais. O projeto em questão acontece “a partir do diálogo que professo-
res, voluntários e estudantes elaboram (e reelaboram) a sua constante
aprendizagem. […] a discussão sobre a realidade local, a gestão do pro-
cesso e […] o estudo das técnicas jornalísticas aguçam um olhar mais
crítico com relação aos meios massivos.” O que é colocado na prática é a
“educação para os meios” e esta atividade pode servir como referência
para o projeto Informação e Cidadania.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim como a pesquisa e o ensino, a extensão realizada dentro


de uma universidade pode ser considerada uma das melhores formas
de integrar mais a comunidade na qual ela se insere. Segundo Frantz
(2002, p. 13), a extensão universitária guarda “uma estreita relação com
as atividades de ensino e pesquisa, porém, inserindo a universidade na
dinâmica do desenvolvimento da sociedade, ao fazer a ponte entre finali-
dades institucionais e interesses e necessidades das pessoas”.
O artigo teve como objetivo fazer um estudo dos problemas locais
abordados nos programetes de extensão: Informação e Cidadania. Esta
atividade de extensão realizada se traduz nas palavras de Vieira (2011)
que, ao analisar dois programas radiofônicos brasileiros que tratam so-
bre prevenção de doenças, diz que esta mídia (o rádio) continuará sen-
do um poderoso veículo comunicativo no Brasil, “mas que são necessá-
rias ações de reforço, sustentação e aprimoramento para que se atinjam
objetivos mais amplos” (VIEIRA, 2011, p. 16). Enquanto uma universi-
dade se insere cada vez mais na sua comunidade local, ela auxilia numa
troca de valores que contribui, ao mesmo tempo, para o aprendizado
dos acadêmicos. Segundo Sheidemantel, Klein e Teixeira (2012, p. 1), “a
extensão universitária possibilita a formação do profissional cidadão e
se credencia, cada vez mais, junto à sociedade como espaço privilegiado
de produção do conhecimento significativo para a superação das desi-
gualdades sociais existentes”.
Com os resultados alcançados, após a análise dos programetes
radiofônicos, vem-se ao encontro das considerações de Vieira (2011),
Rafael Jose Bona
214

que diz ser necessário um aprimoramento e uma reflexão maior acer-


ca dos conteúdos que são produzidos, fazendo com que cada vez mais
os assuntos relacionados aos ODM caminhem para os problemas locais
(mostrando esta realidade para o ouvinte). É importante que uma co-
munidade local possa ter mais conhecimento sobre os problemas da
comunidade na qual ela está inserida, e não somente a problemática
global. Esta também é de grande importância, mas de mais fácil com-
preensão a partir da regionalidade.
O rádio continua sendo uma poderosa mídia no contexto social e
os conteúdos veiculados devem ser bem planejados e trabalhados. Soa-
res (2011) enfatiza que “o rádio […] é uma mídia que está ‘infiltrada’
em nosso cotidiano e, muitas vezes, não nos damos conta. Devido a sua
fácil adaptação aos mais variados ambientes, o rádio é um dos veículos
de comunicação mais acessíveis a nós e devem ser bem aproveitados”.
A partir deste estudo, deixa-se como sugestão outras pesquisas
relacionadas às mídias locais, como, por exemplo, um estudo que ana-
lise a realidade local em outros produtos midiáticos como a televisão.
Ou, ainda, um estudo que abrangesse outros formatos radiofônicos de
atividade semelhante à realizada no projeto Informação e Cidadania em
outras Instituições de Ensino.

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ECONOMIA SOLIDÁRIA: O
RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA
COM O PROJETO ESPERANÇA/
COOESPERANÇA - RS

Élio Sérgio Denardin


Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa
Maria. Professor Assistente e Coordenador de Pesquisa do
Curso de Administração do Centro Universitário Franciscano

Flaviani Souto Bolzan Medeiros


Mestranda em Engenharia de Produção pela
Universidade Federal de Santa Maria. Bolsista do CNPq

Lisandra Taschetto Murini


Mestre em Engenharia de Produção pela
Universidade Federal de Santa Maria

Lourdes Maria Staudt Dill


Coordenadora do Projeto Esperança/Cooesperança de
Santa Maria – Rio Grande do Sul

RESUMO: Este capítulo se propõe a divulgar os principais resultados de ações decorrentes


de pesquisas realizadas pelo grupo formado por professores e acadêmicos nas Feiras de
Economia Solidária de âmbito estadual, nacional e mundial, nos anos de 2012 e 2013, em
Santa Maria. Para isso, a coleta dos dados ocorreu por meio de duas entrevistas padroni-
zadas, baseadas nos modelos de Pesquisa de Avaliação de Feiras de Economia Solidária
(PAFES), sendo um destinado ao público visitante e outro aos empreendimentos solidários.
Entre os resultados com o público, constata-se uma equivalência, ou evolução positiva, no
sentido de a Feira proporcionar uma melhor infraestrutura, divulgação do evento, qualidade
e diversidade dos produtos e qualidade do atendimento. Já com os empreendimentos soli-
dários, tanto para produzir como para comercializar, identificou-se uma mudança da forma
individual para a coletiva, postura essa coerente com a filosofia do cooperativismo presente
na economia solidária. Verificou-se também um crescimento da visibilidade da economia
solidária proporcionada pelas feiras. Deste modo, ao expor as experiências vivenciadas
junto aos empreendimentos solidários e o contato com o público visitante, acredita-se ter
contribuído para um melhor entendimento do que vem a ser o movimento de Economia
Solidária e, particularmente, as Feiras vinculadas ao Projeto Esperança/Cooesperança.

Palavras-chave: Economia Solidária. Cooperativismo. Projeto Esperança/Cooesperança.


Élio Sérgio Denardin; Flaviani Souto Bolzan Medeiros;
218
Lisandra Taschetto Murini & Lourdes Maria Staudt Dill

1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento tecnológico possibilitou novas alternativas de


produção, lazer e consumo; criou novos mercados, mas também oca-
sionou problemas como o desemprego, a pobreza e a fome. No início
do século XXI, verifica-se um fraco desempenho da economia mundial,
fazendo com que as perspectivas de mudanças no mercado de trabalho
não sejam otimistas. O empobrecimento generalizado tende a multipli-
car as crises sociais, cuja solução exige uma mudança radical na manei-
ra de ver o mundo e de nele atuar (AKTOUF, 2004).
Diante dessa realidade, as cooperativas de trabalho fazem-se im-
portantes alternativas para amenizar a escassez de trabalho e renda. No
Brasil, Pinho (2004) alerta que frente ao problema da pobreza torna-
-se urgente um desenvolvimento sustentável para assegurar trabalho e
renda à crescente população excluída do mercado de trabalho.
Com esse propósito, a economia solidária é uma iniciativa de
desenvolvimento sustentável com base no trabalho coletivo e autoges-
tionário, envolvendo solidariedade e preservação da natureza, com a
valorização do trabalho humano, a preocupação com a preservação am-
biental, prática do consumo consciente e comércio justo, por meio de
grupos e associações autogestionárias (ALLEGRI; ROSA, 2010).
Nesse sentido, o cooperativismo solidário está contribuindo para
o desenvolvimento econômico e social, absorvendo a força de trabalho
dos setores informais, sendo incentivado pelo governo para eliminar
o desemprego, a exclusão e a fome. Gaiger (2003) corrobora que os
empreendimentos solidários desenvolvem atividades nos setores da
produção, prestação de serviços, comercialização e crédito. Combinam
atividades econômicas com ações de cunho educacional e cultural, va-
lorizam a comunidade de trabalho e o compromisso com a coletividade
social.
Para Lange (2009), a economia popular solidária assume diferen-
tes formas de organização na tentativa de produzir suas próprias fontes
de trabalho, levando em conta uma perspectiva solidária em que arti-
cula interesses coletivos. No contexto da economia solidária, existe um
processo de mudança de paradigma em que o integrante de uma orga-
nização tem postura de cooperador, membro de coletivo e responsável
pela tomada de decisão.
Práticas e Saberes de Extensão
219
Volume II

Assim, percebe-se que o movimento de Economia Solidária vem


crescendo nos últimos anos no País, onde, dentro do movimento na-
cional, encontra-se o Projeto Esperança/Cooesperança de Santa Maria
– RS. Com uma história de vinte e sete anos, tornou-se uma fonte de
aprendizado e experiência coletiva de pessoas que acreditaram num fu-
turo promissor de melhores condições de vida e uniram seus esforços
para viabilizar um empreendimento, solidário e sustentável, gerador de
trabalho e renda.
Balbinot (2007), inclusive, destaca que o Projeto Esperança/
Cooesperança, por seu sucesso, foi apontado por Paul Singer (2000)
como um dos exemplos de modelo de projetos de economia solidária e
cooperativismo no Brasil.
Diante do exposto, salienta-se que a experiência relatada nesse
trabalho é uma parceria com o Projeto Esperança/Cooesperança que co-
meçou nas décadas de 1980 e 1990 com alguns professores e acadêmi-
cos da Universidade Federal de Santa Maria se envolvendo os empreen-
dimentos solidários. Em seguimento, desde o ano de 2007, um grupo
formado por professores e acadêmicos do Curso de Administração,
Ciências Contábeis e de outras áreas do Centro Universitário Francisca-
no vem desenvolvendo pesquisas tanto com o público visitante como os
empreendimentos solidários que participam da Feira de Economia Soli-
dária que acontece anualmente na cidade de Santa Maria – RS.
Dessa forma, o presente estudo tem como problema de pesquisa
responder à seguinte questão: Quais são as atividades desenvolvidas
pelo grupo formado por professores e acadêmicos do Centro Universi-
tário Franciscano junto ao Projeto Esperança/Cooesperança? Visando
responder à problemática levantada, este artigo tem como objetivo di-
vulgar os principais resultados de ações decorrentes de pesquisas rea-
lizadas pelo grupo nas Feiras de Economia Solidária de âmbito estadual,
nacional e mundial, nos anos de 2012 e 2013, em Santa Maria.
Atualmente, a Economia Solidária está em evidência no âmbito
mundial. Com uma nova proposta de organização da sociedade, preten-
de gerar a construção de uma identidade internacional, particularmen-
te na América Latina, sendo o Brasil uma referência internacional que
debate esse tema.
O presente capítulo pretende contribuir com o desenvolvimen-
to e o aperfeiçoamento do cooperativismo, tanto no âmbito estadual,
Élio Sérgio Denardin; Flaviani Souto Bolzan Medeiros;
220
Lisandra Taschetto Murini & Lourdes Maria Staudt Dill

nacional como mundial, por meio da avaliação das feiras realizadas na


cidade de Santa Maria – RS, no Terminal de Comercialização Solidária
Dom José Ivo Lorscheiter. Assim, a divulgação dos resultados tem como
propósito incentivar novos empreendimentos no campo da Economia
Solidária em outras localidades, para que sejam organizados e conduzi-
dos com êxito na geração de trabalho e renda, fomentando, assim, ativi-
dades econômicas autossustentáveis.

2 REVISÃO TEÓRICA

2.1 Economia solidária

Durante anos, a dinâmica do capitalismo obrigou o homem a co-


mercializar seus produtos de forma a explorar o consumidor, degradar
o meio ambiente e excluir os menos favorecidos. Sob esse enfoque, Les-
baupin (2007, p. 41) entende que “é preciso, absolutamente, mudar o
modelo e construir uma organização social alternativa, uma política
econômica alternativa – que permita às pessoas viverem bem sua vida e
com perspectivas de melhora”.
Deste modo, buscando transformar essa realidade e criar uma
nova lógica mais preocupada com o ser humano, com a preservação e a
sustentabilidade do meio ambiente, surgiu a economia solidária (MINIS-
TÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2013). Na concepção de Dill (2012),
a Economia Solidária é fruto da organização de trabalhadores e traba-
lhadoras na construção de novas relações econômicas e sociais que, de
imediato, propiciam a sobrevivência e a melhoria da qualidade de vida
de milhões de pessoas em diferentes partes do Brasil e do mundo.
No Brasil, a economia solidária surge no final do século XX como
resposta à exploração e exclusão no mundo do trabalho, onde, a par-
tir desta data, teve início a expansão de instituições e entidades que
apoiavam iniciativas comunitárias e articulações populares (ALLEGRI;
ROSA, 2010). De acordo com Barbosa (2007), a abordagem constitui-se
de questões filosóficas, éticas e conceituais, defendendo as práticas de
economia, promovendo a qualidade de vida, combatendo o desemprego
e a pobreza.
Para o Ministério do Trabalho e Emprego (2013), a Economia So-
lidária é um jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é
Práticas e Saberes de Extensão
221
Volume II

preciso para viver. Sem explorar os outros, sem querer levar vantagem,
sem destruir o ambiente. Cooperando, fortalecendo o grupo, cada um
pensando no bem de todos e no próprio bem.
Singer (2000) descreve que a economia solidária surge como
modo de produção e distribuição alternativo ao capitalismo, estabele-
cendo a unidade entre a posse e o uso dos meios de produção e distri-
buição. Do mesmo modo, Kruppa (2005) acrescenta que na economia
solidária todos que trabalham são seus donos igualmente, pois têm os
mesmos direitos de decisão sobre o seu destino. Cada trabalhador é res-
ponsável pelo que ocorre no grupo, participando tanto dos prejuízos
como das sobras.
Entre as atividades desenvolvidas na economia solidária, Asse-
burg e Ogando (2006) elencam: a produção de bens, finanças solidárias,
comércio justo, prestação de serviço e consumo solidário. E ainda afir-
mam que os empreendimentos econômicos solidários compreendem as
organizações: (1) coletivas (associações, cooperativas, redes, entre ou-
tras) do meio rural ou urbano; (2) permanentes, abrangendo empreen-
dimentos que estão em funcionamento, ou em processo de implantação
com as atividades definidas; (3) o grupo constituído, com graus de for-
malização, predominando a existência real; e (4) quem realiza ativida-
des econômicas de produção de bens, de prestação de serviços, de fun-
dos de crédito, de comercialização e de consumo solidário.
Sobre os critérios, o Fórum Brasileiro de Economia Solidária
(FBES, 2008, p. 55), na IV Plenária Nacional de Economia Solidária,
apresentou o que reconhece por empreendimentos de economia soli-
dária as organizações que seguem, entre outros, os seguintes critérios:

São coletivas (singulares e complexas), tais como associações,


cooperativas, empresas autogestionárias, clubes de trocas, redes,
grupos produtivos informais e bancos comunitários. Seus par-
ticipantes ou sócias/os são trabalhadoras/es dos meios urbano
e/ou rural que exercem coletivamente a gestão das atividades,
assim como a alocação dos resultados [...]. São organizações que
respeitam critérios ambientais nas suas atividades econômicas,
buscando a priorização da conservação ambiental e o desenvol-
vimento humano.
Élio Sérgio Denardin; Flaviani Souto Bolzan Medeiros;
222
Lisandra Taschetto Murini & Lourdes Maria Staudt Dill

França Filho e Laville (2004) lembram que as formas assumidas


por esta economia variam de acordo com as diferentes regiões e países.
Nelas podem ser incluídas desde cooperativas de produção e prestação
de serviços, passando por bancos comunitários, clubes de troca e as-
sociações de serviços em países latino-americanos, até as cooperativas
sociais, as sociedades cooperativas de interesse público, as empresas
sociais ou os sistemas de trocas locais.
Entre os princípios da economia solidária, Allegri e Rosa (2010)
citam a solidariedade e a igualdade, sendo imprescindível o conheci-
mento desses fundamentos para exercê-la. Estes princípios influen-
ciam o estilo de vida, o desenvolvimento e as ideais dos participantes, a
transparência para repartir os ganhos, a educação dos envolvidos, evi-
tando a existência de hierarquia, favorecendo o bom funcionamento e a
aquisição da sustentabilidade.

2.2 Cooperativismo
A história do cooperativismo registra o surgimento das primeiras
cooperativas no início do século passado, principalmente na Alemanha
e na Inglaterra, sendo que a primeira cooperativa formal partiu da ini-
ciativa de um grupo de trabalhadores em Rochdale, na Inglaterra, em
1844, cujos princípios se tornaram referência para todo o movimento
cooperativista internacional (RECH, 2000).
Etgeto et al. (2005) complementam que as cooperativas têm au-
mentado em todo o mundo, principalmente a partir de meados do sécu-
lo passado até os dias de hoje. Sua origem remonta às necessidades dos
artesãos, agricultores e operários que se organizaram como forma de
defesa frente às condições de mercado.

Os primórdios da construção de um estado cooperativo em ba-


ses integrais podem ser localizados em 1610, com a fundação das
primeiras reduções jesuíticas, que se constituíram no pré-coope-
rativismo. Esse modelo de sociedade fundamentada no trabalho
coletivo sobreviveu por mais de 150 anos. Em 1847, o francês
Jean Maurice Fraive deu início ao movimento no Brasil, com a
Fundação da Colônia Tereza Cristina. Organizada em bases coo-
perativas, essa associação, localizada nos sertões do Paraná, teve
breve existência, mas contribuiu para a memória coletiva como
elemento formador do cooperativismo brasileiro. (PROJETO ES-
PERANÇA/COOESPERANÇA, 2010, p. 36)
Práticas e Saberes de Extensão
223
Volume II

No entendimento de Ricciardi e Lemos (2000), a ideia do coope-


rativismo veio da verificação de que a cooperação (fazer coisas junto
com outras pessoas) era a melhor maneira para encontrar as soluções
que interessavam a determinado grupo de indivíduos. O trabalho em
cooperação resulta em uma economia humanizada, cujo valor maior
reside no indivíduo, acima do capital, pois o resultado final da ação con-
junta será para o desenvolvimento integral do grupo.
Segundo Pinho (2004), a cooperativa pode ser compreendida
como “uma empresa de serviço”, cujo fim imediato é o atendimento das
necessidades econômicas de seus usuários, que a criam com seu pró-
prio esforço e risco. Complementarmente, Allegri e Rosa (2010) citam
que a cooperativa envolve o investimento de pequenos produtores as-
sociados em seu próprio negócio, favorecendo a economia local.
Conceitualmente, Balbinot (2012, p. 22) apresenta a definição de
cooperativa, estabelecida durante o Congresso do Centenário da Alian-
ça Cooperativa Internacional – ACI, em 1995, como sendo “uma associa-
ção autônoma de pessoas que se unem voluntariamente para satisfazer
as aspirações e necessidades econômicas, sociais e culturais comuns,
por meio de uma empresa de propriedade coletiva, democraticamente
gerida, com base nos princípios básicos do cooperativismo”.
Os princípios do cooperativismo destacados pelo Ministério da
Agricultura (2013) são, a saber: (1) adesão voluntária e livre; (2) gestão
democrática pelos membros; (3) participação econômica dos membros;
(4) autonomia e independência; (5) educação, formação e informação;
(6) intercooperação; e (7) interesse pela comunidade.

2.3 Projeto Esperança/Cooesperança


O Projeto Esperança teve como seu idealizador o então bispo de
Santa Maria – RS à época, Dom José Ivo Lorscheiter. Como estudioso,
encontrou a obra “A pobreza, riqueza dos povos: a transformação pela
solidariedade”, de Albert Tévoèdjeré, sociólogo africano. Essa obra valo-
riza “as pequenas coisas” e vê no contrato de solidariedade um caminho
para o reencontro pessoal e para assumir o destino coletivo. E que ela
manifestará, mediante a pobreza vivida, a riqueza de todos os valores e
de todas as esperanças (TÉVOÉDJRÈ, 2002).
Preocupado com a situação social da região de Santa Maria, Lors-
cheiter dizia ser um livro “providencial e profético”, porque despertou a
Élio Sérgio Denardin; Flaviani Souto Bolzan Medeiros;
224
Lisandra Taschetto Murini & Lourdes Maria Staudt Dill

ideia de que a partir da temática – a transformação pela solidariedade


– algo poderia ser feito para ajudar com atitudes de esperança a popu-
lação necessitada. Sob sua liderança e com a coordenação das ativida-
des pela Irmã Lourdes Maria Staudt Dill, buscava-se uma alternativa de
estímulo e valorização às associações e aos pequenos projetos, visando,
por meio do trabalho e renda, sua inclusão social.
Os estudos e seminários sobre o Projeto Esperança iniciaram-se
em 1982, com continuidade no 3º Congresso da Cáritas – RS, em 1984.
Na oportunidade, o bispo Lorscheiter desafiava a Cáritas – RS a criar e
a desenvolver os PACs (Projetos Alternativos Comunitários) como um
novo jeito de construir o desenvolvimento solidário e sustentável, vi-
sando encontrar soluções para os grandes problemas sociais, entre eles
o desemprego, o êxodo rural, a fome, a miséria e a exclusão social.
Mas somente em 15 de agosto de 1987 foi oficializado o Projeto
Esperança/Cooesperança, como uma das linhas de ação do Banco da
Esperança e da Cáritas Diocesana de Santa Maria, com a função de con-
gregar os pequenos projetos econômicos comunitários em um grande
projeto, assumindo o processo de fomento e assessoria, ajudando o de-
senvolvimento dos grupos. Trata-se de uma experiência pioneira, insti-
gante e bem sucedida (ICAZA; FREITAS, 2006).
A Cooesperança (Cooperativa Mista dos Pequenos Produtores
Rurais e Urbanos), vinculado ao Projeto Esperança, que é uma expe-
riência consolidada e faz parte do trabalho do Banco da Esperança da
Diocese de Santa Maria e da Cáritas – RS, conta com um grande núme-
ro de parceiros distribuídos por vários países (PROJETO ESPERANÇA/
COOESPERANÇA, 2010).
Complementarmente, Fernandes (2011) explica que o Projeto
Esperança/Cooesperança utiliza tecnologias adequadas, aliadas a prin-
cípios associativistas de organização popular, e com a mística religiosa
busca caminho pacífico para as mudanças, cujo objetivo é o bem-estar
do ser humano. E ainda acrescenta que o Projeto Esperança/Cooespe-
rança pretende fortalecer o princípio do cooperativismo buscando o
desenvolvimento social.
Entre as múltiplas atividades desenvolvidas pelo Projeto Espe-
rança/Cooesperança destaca-se a Feira do Cooperativismo (FEICOOP),
realizada anualmente a partir do ano de 1994 no âmbito estadual. Na
sua 12ª edição, no ano de 2005, integrou-se a ela a 1ª Feira de Economia
Práticas e Saberes de Extensão
225
Volume II

Solidária do Mercosul, passando assim a ser de abrangência internacio-


nal, vindo a tornar-se o evento de sua maior expressão.
Hoje, a Feira da Economia Solidária de Santa Maria é conhecida
como a Feira do Cooperativismo Alternativo, e vem divulgando a expe-
riência do Projeto Esperança/Cooesperança no Brasil, na América Lati-
na e no mundo.
Nesse sentido, Gaiger (2000, p. 275) corrobora que a região de
Santa Maria é a mais avançada no que se refere ao trabalho de fomento
e articulação junto aos empreendimentos, existindo:

Uma articulação dinâmica entre grupos de produção, cooperati-


vas, sindicatos, movimentos populares, pastorais sociais, univer-
sidades e outros agentes. Além do apoio financeiro aos empreen-
dimentos, conta-se com uma estrutura de acompanhamento e
com uma agenda movimentada de eventos, visando à comercia-
lização conjunta, ao intercâmbio e à discussão de assuntos de in-
teresse comum.

Deste modo, o Projeto Esperança/Cooesperança congrega e ar-


ticula os grupos organizados e viabiliza a comercialização direta dos
produtos produzidos pelos empreendimentos solidários do campo e da
cidade, os quais, juntos, fortalecem um novo modelo de cooperativismo
na proposta alternativa, solidária, transformadora e no desenvolvimen-
to sustentável, propondo “a transformação pela solidariedade”. O eixo
central de atuação do Projeto está nos pequenos empreendimentos eco-
nômicos solidários, com uma proposta diferenciada de produção pelos
associados, com sua comercialização direta (DIOCESE DE SANTA MA-
RIA, S/DATA).
Lange (2009) considera o Projeto Esperança/Cooesperança uma
organização de Economia Popular Solidária, que possui aspectos de
envolvimento econômico, como no caso das Feiras, que são pontos de
comercialização direta, abrangendo fornecedores, compradores, visi-
tantes, possibilitando a construção de conhecimento que perpassa as
relações voltadas à solidariedade. Enfatiza, ainda, que esta experiência
tem avançado numa perspectiva de solidariedade planetária, influen-
ciando o desenvolvimento de vários aspectos, como a preservação do
meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.
Élio Sérgio Denardin; Flaviani Souto Bolzan Medeiros;
226
Lisandra Taschetto Murini & Lourdes Maria Staudt Dill

3 METODOLOGIA

Com apoio nos ensinamentos de Michel (2009), entende-se por


metodologia o caminho a ser percorrido para se atingir um objetivo.
Assim sendo, quanto aos fins, o presente estudo classifica-se como des-
critivo (VERGARA, 2013).
A respeito do delineamento adotado para a coleta dos dados, em um
primeiro momento, utilizou-se uma pesquisa bibliográfica e documental,
as chamadas fontes de “papel”, e, num segundo momento, optou-se por
um estudo de campo cujos dados são fornecidos por pessoas (GIL, 2012).
Ressalta-se que, os dados apresentados no presente capítulo são
relatos dos principais resultados de experiências de pesquisa realiza-
das em Santa Maria, nas Feiras de Economia Solidária de âmbito inter-
nacional, nos anos de 2012 e 2013. Sendo assim, de uma população es-
timada em 150.000 pessoas que visitaram a referida Feira, extraiu-se
uma amostra de 300 pessoas no ano de 2012, e uma amostra de 500
pessoas no ano de 2013.
Para selecioná-los, utilizou-se uma amostragem aleatória, por aces-
sibilidade, em diferentes momentos dos três dias da duração do evento
no mês de julho no Terminal de Comercialização Solidária Dom José Ivo
Lorscheiter. Também foram pesquisados 710 empreendimentos solidá-
rios presentes na Feira de 2012, e 732 que participaram na Feira de 2013.
A coleta dos dados ocorreu por meio de duas entrevistas padroni-
zadas, com perguntas abertas e fechadas, com base nos modelos de Pes-
quisa de Avaliação de Feiras de Economia Solidária (PAFES), sendo um
destinado ao público visitante e outro aos empreendimentos solidários.
Tais entrevistas foram aplicadas sob a responsabilidade da Área
de Ciências Sociais Aplicadas do Centro Universitário Franciscano, con-
tando com a participação de professores e acadêmicos do Curso de Ad-
ministração, Ciências Contábeis e de outras áreas da instituição. Após a
coleta dos dados, eles foram tabulados com o auxílio do software Sphinx
Léxica – V5, sendo interpretados e analisados sob a ótica qualitativa.

4 EXPERIÊNCIA DE EXTENSÃO

A experiência de extensão relatada neste estudo teve como moti-


vação o Projeto Esperança/Cooesperança de Santa Maria – RS. Desde a
Práticas e Saberes de Extensão
227
Volume II

sua criação até os dias de hoje, este Projeto é marcado pela presença de
inúmeras pessoas que se engajaram, de forma corajosa e destemida, na
concretização de que outro mundo é possível (ZANATTA, 2012).
Icaza e Freitas (2006) entendem que o Projeto Esperança/Cooes-
perança procura desenvolver um novo modelo de cooperativismo, a eco-
nomia popular solidária, tratando da inclusão social por meio de alterna-
tivas concretas de desenvolvimento urbano, solidário e sustentável, e da
“reinvenção da economia”, colocando o trabalho acima do capital.
Sendo assim, devido à sua relevância para o desenvolvimento
social e econômico da sociedade atual, pretende-se relatar algumas
atividades desenvolvidas por professores e acadêmicos, no sentido de
colaborar de alguma forma para o sucesso deste novo modelo de coo-
perativismo.
No decorrer de sua evolução histórica, pôde-se contribuir princi-
palmente com a execução de pesquisas de avaliações das Feiras anuais
de âmbito estadual, nacional e internacional, desde 2007 até 2013, e
também com pesquisas específicas nos grupos do Projeto Esperança/
Cooesperança, assim como a divulgar os resultados desses estudos em
eventos, revistas e capítulo de livro, oferecendo subsídios para o aper-
feiçoamento dos projetos de economia solidária.
Essa experiência de extensão começou com o envolvimento do
Curso de Administração da Universidade Federal de Santa Maria com
empreendimentos solidários, abrangendo atividades pioneiras desen-
volvidas por alguns de seus professores e acadêmicos nas décadas de
1980 e 1990.
Tais atividades consistiram em captar ideias junto ao Projeto Es-
perança/Cooesperança, da então Diocese de Santa Maria, e transformá-
-las em projetos que foram gradativamente sendo implementados por
grupos de empreendedores vinculados ao movimento cooperativista
da economia solidária. Os empreendimentos contaram, ainda, com o
acompanhamento de alguns professores da Administração e Economia
auxiliando a coordenação, por meio de debates nas diversas localidades
integrantes.
Em continuidade, a partir do ano de 2007, um grupo de professo-
res e acadêmicos dos cursos de Administração, Ciências Contábeis e de
outras áreas do Centro Universitário Franciscano começou a participar
da aplicação da pesquisa do PAFES, exigida pelo Governo Federal, para
Élio Sérgio Denardin; Flaviani Souto Bolzan Medeiros;
228
Lisandra Taschetto Murini & Lourdes Maria Staudt Dill

a avaliação das Feiras que acontecem anualmente em Santa Maria. Para-


lelamente, alguns professores e acadêmicos do Curso de Administração
vêm a cada ano publicando textos em diversas obras literárias, a fim de
divulgar os resultados dessas pesquisas realizadas com o público visi-
tante e com os responsáveis pelos empreendimentos presentes em cada
Feira.
Do mesmo modo, foram elaborados estudos sucessivos, desde
2010 até o presente momento, sobre temas específicos, tais como: (1)
inovações que aconteceram nos grupos vinculados ao Projeto Espe-
rança/Cooesperança; (2) estudo sobre a capacitação dos mobilizado-
res dos grupos; (3) investigação relativa ao trabalho em equipe desses
associados; (4) estudo relacionado com a sustentabilidade desses em-
preendimentos; e (5) atualmente a comunicação interna nos grupos e
entre eles os pertencentes ao Projeto Esperança/Cooesperança.

5 RESULTADOS

Uma das formas mais expressivas da economia solidária é a or-


ganização de feiras. No caso da Feira que acontece anualmente na ci-
dade de Santa Maria – RS, trata-se de um evento que não só agrega a
exposição de produtos produzidos pelos empreendimentos solidários,
como também contempla diversas ações que incluem desde oficinas de
formação, fórum social até atividades culturais.
Por esta razão, são apresentados alguns dos principais dados das
pesquisas realizadas em 2012 e 2013 que mostram a atuação dos em-
preendimentos e a significativa aceitação da Feira por parte do público
visitante.
Deste modo, em relação à divulgação das Feiras, aproximadamen-
te 80% do público visitante em 2012 consideram entre bom e ótimo,
passando para 91,8% como sendo bom e ótimo em 2013. A respeito da
infraestrutura, constatou-se em 2012 que 92% avaliaram como boa e
ótima; e a localização atingiu 88,3%.
Já em 2013, tanto a infraestrutura quanto a localização ficaram
com 87,8% na avaliação como boa e ótima. Salienta-se que, no decorrer
dos anos, tem sido ampliado o espaço físico e investido em pavilhões,
permitindo assim melhores condições para abrigar os empreendimen-
tos e o público visitante.
Práticas e Saberes de Extensão
229
Volume II

De modo semelhante, em 2012, quanto à diversidade e à qualida-


de dos produtos, a avaliação demonstrou uma aceitação significativa de
95%. No ano seguinte, este percentual se elevou, sendo que a diversi-
dade dos produtos obteve 96,4%, e a qualidade dos produtos alcançou
95,6% na avaliação como ótimo e bom.
No que se refere aos preços praticados nas Feiras, tanto em 2012
como em 2013 o público visitante considerou um patamar semelhante
aos preços de feiras em outras localidades, representando 59% e 58,4%,
respectivamente. Complementarmente, em 2012, para 21,7% dos visi-
tantes os preços estavam abaixo dos praticados em outros locais, e ape-
nas 9,7% consideraram acima dos preços de mercado. Em 2013, com o
percentual de 19,6%, o público ponderou como sendo inferior na com-
paração com outros locais, e somente 13,6% avaliaram como acima dos
preços de mercado.
Outro item avaliado que também surpreende pelo reconhecimen-
to por parte dos visitantes é a avaliação da qualidade do atendimento,
com 94% entre bom e ótimo em 2012; e com 94,2% entre ótimo e bom
em 2013. Diante desses dados, pode-se dizer que a economia solidária
está sendo aplicada na prática durante as Feiras, devido à formação de
equipes que destacam valores humanísticos, de solidariedade, humil-
dade e perseverança na busca de uma nova forma de sustentabilidade.
Quanto ao evento ter expandido o interesse do público sobre o
significado da economia solidária, verificou-se que 73% dos visitantes
demonstraram-se favoráveis em 2012; e 62,2% em 2013. Apesar da re-
dução de 10,8 pontos percentuais de um ano para o outro, ainda con-
tinua sendo relevante a sua finalidade multidimensional, envolvendo a
dimensão social, econômica, política, ecológica e cultural, gerando tra-
balho e renda.
Com suas experiências projetadas em espaço público, busca-se
a construção de um ambiente socialmente justo e sustentável, reafir-
mando a emancipação de trabalhadores como sujeitos históricos. Esta,
portanto, é uma forma de consumo e distribuição de riqueza centrada
na valorização do ser humano, que está em expansão nos dias atuais.
E os resultados vêm confirmando que a Feira desenvolve não só nova
consciência e novas relações entre os membros da comunidade, como
também desperta interesses para com a saúde, o meio ambiente e a
cidadania.
Élio Sérgio Denardin; Flaviani Souto Bolzan Medeiros;
230
Lisandra Taschetto Murini & Lourdes Maria Staudt Dill

Cabe salientar que ainda é pouco conhecido o movimento de


economia solidária pelo público em geral, conforme se depreende dos
resultados da pesquisa nesse quesito, pois, em 2012, 78% tinham pou-
co ou nenhum conhecimento, enquanto que em 2013 verificou-se que
75% manifestaram-se conhecer pouco ou nada a respeito.
Por isso, Balbinot (2012) reforça a importância das feiras para a
economia popular solidária, sendo essa a oportunidade para a comer-
cialização direta, ou seja, o contato entre o empreendimento solidário
e o público como um grande espaço de sua formação, articulação, inte-
gração e fortalecimento.
Ao analisar os resultados obtidos com os empreendimentos soli-
dários, cabe analisar a forma de produção e de comercialização. No ano
de 2012, o grupo se organizava para desenvolver suas atividades pro-
dutivas, sobressaindo-se, coletivamente, com 45,2%; individualmente,
com 40,1%; e misto, 12,5%. De modo semelhante, em 2013, 47,3% pro-
duzem coletivamente; 40,9% sob a forma individual; e 10,4% de forma
mista.
Na organização do grupo para comercializar seus produtos, em
2012 destacam-se o trabalho coletivo, com 56,8%; individualmente
27,8%; e misto 13,7%. Já em 2013, 61,9% realizam a comercialização
coletivamente; 25,0% individualmente; e 12% sob a forma mista. Ao fa-
zer um comparativo entre os dois anos analisados, percebe-se que vem
aumentando a participação coletiva, tanto na forma de produzir quan-
to de comercializar, evidenciando-se assim o espírito de solidariedade
cooperativo.
Constatou-se opinião favorável quanto à avaliação da contribui-
ção das Feiras para formação social e política dos integrantes dos em-
preendimentos, com 91,5%, considerando entre boa e ótima em 2012.
No ano subsequente, 87,5% posicionaram com conceito bom e ótimo.
No item referente à importância das Feiras em dar visibilidade
ao movimento de Economia Solidária na sociedade, no ano de 2012,
identificou-se que 93,8% ponderaram entre ótimo e bom. Já no ano de
2013, o percentual se elevou para 95,2%. Diante destes dados, pode-se
concluir que a Feira vem construindo uma imagem positiva sobre o mo-
vimento de Economia Solidária.
Práticas e Saberes de Extensão
231
Volume II

6 CONCLUSÕES

Com a realização deste estudo, percebe-se que a Feira, ao discutir


sobre as premissas da economia solidária, exerce um importante papel
de fortalecer, articular e buscar novos e importantes parceiros nessa ca-
minhada, além de estar sendo difundida a cada ano para mais países. A
participação de várias nações demonstra o crescimento e o desenvolvi-
mento do trabalho legítimo, que tem ultrapassado fronteiras nacionais,
contribuindo para o comércio justo e solidário e para a sensibilização
do consumo consciente e responsável.
A experiência vivenciada pelos professores e acadêmicos com os
empreendimentos e os visitantes que participam das Feiras anualmente
envolvendo integrantes de todos os estados do Brasil e de outros cinco
continentes, como também com a presença dos mobilizadores locais foi
muito enriquecedora quanto à aprendizagem relativa à economia soli-
dária.
De modo geral, na análise comparativa dos resultados das pes-
quisas dos dois anos, no estudo com o público, constata-se uma equi-
valência, ou evolução positiva, no sentido de a Feira proporcionar uma
melhor infraestrutura, divulgação do evento, qualidade e diversidade
dos produtos e qualidade do atendimento.
Com os empreendimentos solidários, nos dois períodos consi-
derados, tanto para produzir quanto para comercializar, identificou-se
uma mudança da forma individual para a coletiva, postura essa coeren-
te com a filosofia do cooperativismo presente na economia solidária.
Da mesma forma, verificou-se crescimento da visibilidade da economia
solidária proporcionada pelas Feiras.
Diante dos resultados expostos, pode-se concluir que os percen-
tuais são bastante significativos, demonstrando a eficiência dos empreen-
dimentos e o reconhecimento do público visitante, fazendo com que a
Feira seja uma forma eficiente de fortalecer os grupos, consolidar a arti-
culação e construir políticas públicas encadeadas em rede solidária.
Ao expor as experiências vivenciadas junto aos empreendimen-
tos solidários e o contato com o público visitante acredita-se ter contri-
buído para um melhor entendimento do que vem a ser o movimento de
economia solidária e, particularmente, as Feiras vinculadas ao Projeto
Esperança/Cooesperança.
Élio Sérgio Denardin; Flaviani Souto Bolzan Medeiros;
232
Lisandra Taschetto Murini & Lourdes Maria Staudt Dill

Visando contribuir ainda mais ao tema, como sugestão de pes-


quisas futuras, recomenda-se que seja dada continuidade aos estudos
e pesquisas destas Feiras de Economia Solidária nos próximos anos, vi-
sando solidificá-las como uma alternativa para os desafios e necessida-
des da sociedade atual.

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