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Paradiplomacia e soft power: discussão sobre a aplicação conjunta para formação de

uma Política Externa Brasileira

Nikiforos Joannis Philyppis Junior – nikiforos@facc.ufrj.br – doutorando LP3 do


PPGEM – EGN

Resumo:
O objetivo deste artigo é debater a possibilidade de mesclar o conceito de soft power e
relacionando este com ações paradiplomáticas, examinando a possibilidade de se
desenvolver uma Política Externa Brasileira (PEB) a partir destes dois paradigmas. Na
primeira parte, o conceito de soft power é descrito com base em Valença e Carvalho
(2014), e exemplos e casos de soft power brasileiros são citados como base para a
discussão da capacidade do Brasil em trabalhar nesta linha. Na segunda parte, os
conceitos de paradiplomacia discutidos por Zeraoui (2016) e alguns exemplos nacionais
são apresentados. Na terceira e última parte os dois conceitos são comparados quanto
aos seus objetivos e uma discussão sobre sua possível eficácia a partir de um
planejamento coordenado em nível de Estado é sugerido como linha de ação viável para
a PEB.

1. Introdução

Ao longo da história, os paradigmas da PEB, apresentados por Valença e


Carvalho (2014), mudaram mas apresentaram duas empreitadas constantes: construir
autonomia política e econômica e achar para si um papel substancial na política
internacional. Embora os paradigmas da PEB tenham mudado ao longo do tempo, estes
demonstram ser os objetivos continuamente buscados, mesmo com as divergências
sobre a política externa de diferentes grupos de interesse internos. Com o
desenvolvimento histórico no século XX, a mudança do eixo Leste-Oeste definido pela
Guerra Fria, para uma visão de mundo mais globalista, o país muda de uma vertente
americanista para uma globalista, buscando na múltipla interação com mais agentes
internacionais, na busca de participar ativamente em convenções e entidades regionais e
na definição de laços internacionais com países desenvolvidos e em desenvolvimento
em outros lugares do mundo.
Esta mudança de paradigmas do americanismo, passando pelo globalismo para o
institucionalismo pragmático e autonomismo declaram que o “Brasil deveria forjar laços
fortes com seus vizinhos e que estes parceiros irão por sua vez ajudar ao país a se
estabelecer como um líder regional uma polegada mais perto aos principais círculos
internacionais de tomada de decisão” (VALENÇA; CARVALHO, 2014, tradução livre)
Pelo perfil não intervencionista do país, o uso de soft power como estratégia de
trabalhar estas parcerias e vínculos através de persuasão e construção de consenso.
Frente ao desafio de exercer influência, soft power é uma estratégia que parece alinhar
melhor com os desafios estruturais do Brasil, com suas demandas sociais internas
comprometedores de orçamentos que constantemente fazem desviar o financiamento
militar – uma das bases do hard power – para a área social e de infraestrutura civil.
Tendo em vista que o uso de soft power é uma característica presente em todos
os momentos de PEB, e que a busca constante de suporte internacional para alçar o país
ao status de agente político relevante neste cenário, parte-se da premissa de que este não
é somente o modus operandi do país, mas uma característica nacional marcante, por isso
sua preferência ao invés de estratégias de hard power. Também é premissa deste
trabalho que estratégias de hard power podem sofrer com a pressão e influência de uma
agente internacional forte e baseado em hard power – os EUA – e demandam pesados
investimentos na infraestrutura militar, um desafio para um país com enormes
problemas de infraestrutura, demandantes de investimentos que são, historicamente,
desviados dos projetos militares para os de desenvolvimento e, mais notadamente na
pandemia Covid19, em ações emergenciais custosas.
Concomitante a isso, a diplomacia como forma de gerar influência e modus
facendi do país, capitaneada pelo Estado, sofre a “concorrência” da diplomacia dos
agentes políticas estaduais e regionais e de instituições civis e militares não-
governamentais dentro do país, fenômeno definido como paradiplomacia. A
paradiplomacia pode ser caracterizada como positiva – quando sua atividade é
complementar e não-contraditória com a do Estado – ou negativa quando há choque
entre estas por motivos econômicos, políticos e sociais. (ZERAOUI, 2016) Nesta
possibilidade negativa, faz-se relevante avaliar o quanto as relações internacionais do
país podem ser prejudicadas pela ação concorrente dos agentes internos e discutir as
possibilidades de que uma ação em que uma PEB deva não só aventar um alinhamento
positivo entre Estado e agentes internos, mas também evitar conflitos como vistos
durante a relação ruim entre governo federal e governadores no caso das ações sobre o
Covid19, gerando uma percepção ruim de instabilidade na comunidade internacional.
Tendo em vista estas premissas e a atual realidade, é objetivo deste mini-artigo
apresentar os conceitos de soft power e paradiplomacia e discutir, a partir de casos
nacionais, a possibilidade de alinhar estes dois paradigmas em uma política externa
brasileira para os fins de desenvolvimento interno e projeção internacional do país. O
estudo justifica-se frente ao recente (2020-2021) conflito entre Estado e governadores e
prefeitos nas ações contra o Covid19, que refletiram na imagem do país junto à
comunidade internacional, e é relevante para que se busque um alinhamento interno que
catalise o objetivo de projetar o país como influenciador internacional. Este objetivo é
trabalhado em 4 partes: nesta introdução apresenta-se o objetivo, as premissas e a
estrutura deste trabalho. Na segunda parte, apresenta-se o conceito de soft power e casos
analisados estudados por Valença e Carvalho (2014) e outros na imprensa. Na terceira
parte, apresenta-se os conceitos que cercam a paradiplomacia e alguns casos da
literatura (ZERAOUI, 2016). Por fim, uma breve proposição de PEB deliberada e
alinhada entre agentes internos é defendida para alcançar os objetivos nacionais de
desenvolvimento e projeção internacional.

2. Soft power, conceito e caso brasileiro

Soft power é, em síntese, a ação exercida pelos Estados em seus parceiros na


comunidade internacional, diferentes do hard power, por atores estatais e não-estatais, a
partir de suas características de influência indireta, transacional e imediata. Martinelli
(2016), citando Nye, descreve que “o Soft Power deve ser essencialmente um meio
sedutor, ele deve atrair o ator a querer imitar quem exerce tal poder, não o obrigar ou
coagi-lo a fazer o que se deseja. Meios que o obriguem seriam encaixados em
características de Hard Power.” Conceitos vistos globalmente positivos (como
liberalismo, sustentabilidade, sistemas seguros etc.) são vistos como maneiras de
exercer soft power nos discursos estatais frente à comunidade internacional. Nas
palavras de Nye (2002; p. 37 apud MARTINELLI, 2016) “Se eu conseguir levá-lo a
querer fazer o que eu quero, não precisarei obrigá-lo a fazer o que você não quer. ”
Pode-se deduzir destas características que o soft power pode ser exercido por agentes
indiretos e não necessariamente públicos, como no caso da indústria de cinema norte-
americana com sua cultura de massa, difundindo o American Way of Life, ONGs
ambientalistas e instituições científicas, humanitárias, fomentadoras do turismo e de
difusão de cultural.
No Brasil, há evidências de soft power ao longo dos períodos estudados na
Política Externa nacional, desde o Brasil Império até o fim do Regime Militar e os
sucessivos governos civis. Valença e Carvalho (2014) denotam que ao longo da história
brasileira, embora as políticas acenem para investimento em elementos de hard power,
se vê exemplos que a PEB “tem sido majoritariamente marcada pelo uso de
componentes não-materiais de poder. Estes componentes são mais difíceis de serem
menos contestáveis e de menor custo em comparação ao dispêndio material necessário
para exercer o soft power. (VALENÇA; CARVALHO, 2014) De fato, os estudos da
PEB de Pinheiro (2007) e Pinheiro e Lima (2018) demonstram que as aspirações
brasileiras de serem indicados ao Conselho de Segurança da ONU, baseado na
participação das Grandes Guerras não se concretizaram. Ações do Brasil na Unasul e
Mercosul, participar da criação de blocos como o IBSA e o BRICS, a busca de uma
cadeira no CSNU, os discursos de manutenção de paz através da construção do
submarino de propulsão nuclear e as missões de paz no Haiti são exemplos de trabalhar
construção por consenso e persuasão. Investimentos do BNDES em operações
internacionais de empresas nacionais assim como nos blocos do Mercosul e Unasul são
outros exemplos do exercício de soft power na comunidade internacional, diretamente –
interagindo com seus governos – ou indiretamente, suportando iniciativas brasileiras
junto à órgãos não-governamentais.

3. Diplomacia, paradiplomacia e casos nacionais

Segundo Bueno, Freire e Oliveira (2017),

O desenvolvimento da diplomacia confunde-se com a atividade internacional


dos Estados que, durante séculos, representou sobretudo a consecução dos
interesses nacionais, delineada no âmbito da política externa e executada
alhures mediante representações consulares e diplomáticas. A diplomacia,
desde a mais remota antiguidade, constituiu importante instrumento de
promoção dos interesses dos Estados e se consolidou como relevante
mecanismo de solução pacífica de controvérsias nas relações internacionais.
(BUENO; FREIRE; OLIVEIRA, 2017)

Com o crescente fluxo de recursos monetários, bens físicos e serviços, assim


como a explosiva quantidade de informação, a pós-modernidade traz revisões sobre este
conceito de diplomacia e seu exercício através de agentes não-governamentais. Nesta
ação, a paradiplomacia se faz presente.

Para Cornago (2000), la paradiplomacia es “la participación de gobiernos no


centrales en las relaciones internacionales através del establecimiento de
contactos ad hoc con entidades privadas o públicas del extranjero, con el fin de
promover asuntos socioeconómicos y culturales, así como cualquier otra
dimensión externa de sus competências constitucionales” (p. 66). (ZERAOUI,
2016)

Zeraoui (2016) também explica as possíveis diferenças entre tipos de


paradiplomacia como a positiva (complementar a do Estado) ou negativa (em choque
com o mesmo, por motivos econômicos, políticos e/ou sociais), convergente
(complementar ao estado e governos internos) ou divergente (interesses opostos ao
poder central e autoridade local). Zeraoui (2016) declara que, apesar de sua discussão
estar em voga desde os anos 1970, há pouca produção que é, inclusive, mais focada nos
processos existentes do que em uma definição conceitual mais robusta para fins de
estudo do fenômeno. Por fim, vale a ressalva do autor que

A diferencia de la diplomacia tradicional, que está institucionalizada en la


figura de las secretarías de relaciones exteriores o los ministérios de asuntos
internacionales, la paradiplomacia está íntimamente ligada a la figura del líder
político regional. La ausencia de una institucionalización de las actividades
paradiplomáticas conlleva a su debilidad y su vinculación con el liderazgo en
turno. (ZERAOUI, 2016)

4. Discussão sobre soft power e diplomacia e considerações finais

Lima (2000), em seu artigo, discorre sobre a relação entre globalização,


instituições democráticas e política externa, criticando a artificial divisão entre política
interna e externa. De fato, os recentes conflitos entre o governo federal e estaduais com
respeito às políticas de enfrentamento da pandemia de Covid19, as visitas diretas dos
governadores às fábricas das vacinas e protestos de ONGs veiculados na imprensa
internacional reforçam a tese apresentada por Lima (2000) de que esta divisão não
condiz com a realidade. A PEB deveria ter um plano de alinhamento internacional entre
o governo federal, e os demais agentes internos, uma vez que a falta da
institucionalização da paradiplomacia gera conflitos, como os dos governadores e
ONGs nacionais, nas matérias nacionais e internacionais, gerando impactos na
percepção da comunidade internacional na estabilidade do Brasil como “liderança
internacional”. (ADJUTO, 2021; AUGUSTO, 2021; BBC NEWS, [s. d.])(ADJUTO,
2021; AFRICANEWS, 2021)
Neste âmbito, a coordenação da paradiplomacia como advogada por Paquin
(2004, apud ZERAOUI, 2016)

... es “um mandato dado a representantes oficiales por un gobierno sub-estatal


para negociar con actores internacionales” (p. 209), pero los limites de la
paradiplomacia depende de las correlación de poder entre la región y el centro.
Es decir, el alcance de la actividad internacional de los gobiernos intermedios
depende de su propia voluntad y de su capacidad de negociar con el poder
central (ZERAOUI, 2016)

Ora, vê-se que o caso atual em que há ação direta de contato dos governos locais
com empresas internacionais para vacinas e equipamentos de saúde, delegações
regionais convidadas por países estrangeiros para visitas em centros de tecnologia,
saúde e empresas e negociações diretas como casos onde, por um lado, há a ação
paradiplomática dos agentes internos, e por outro, ações de soft power capitaneadas por
instituições com suporte dos governos nacionais e internacionais no enfrentamento da
pandemia como as ações da Fiocruz alardeadas pelo governo federal e das relações
entre os governadores com o laboratório chinês fabricante da Coronavac e o governo
russo por causa da vacina Sputnik.
Em síntese, estas interações geradas pelos órgãos estaduais e países estrangeiros
direta ou indiretamente por causa do desenvolvimento e distribuição de vacinas
apresenta características de paradiplomacia e soft power. O descontrole e falta de
alinhamento entre o governo federal e estaduais, mesmo que gerado por motivos
políticos de construção de plataforma eleitoral para 2022 não diminui a importância do
assunto. Muito pelo contrário, é ferramental da paradiplomacia estas interações entre
líderes em busca de projeção política, muitas vezes usando a máquina do Estado (ou
estado) para se alavancar nacional e internacionalmente.
Neste caso, levanta-se a possibilidade das esferas federais (MRE e Itamaraty)
coordenarem ações junto aos governos locais a fim de suprir necessidades de seus
estados e, em consonância, capitalizar suas agendas políticas. Por outro lado,
instituições não-governamentais nas áreas de C&T, Saúde e Defesa podem alavancar a
imagem e identidade não só do Brasil, mas de seus respectivos estados e grupos
culturais com suporte e influência dos criadores de política internacional. Esta é a
proposta para uma PEB que leva em conta a multiplicidade de agentes e relações na
pós-modernidade, das condições econômicas e políticas do Brasil para a execução de
estratégias de persuasão no cenário internacional e da visão de desenvolvimento e
autonomia almejada ao longo da PEB, com uma imagem de país pacifista, não-belicista
e não-intervencionista.
Por fim, este artigo não exclui sobremaneira a necessidade de se estudarem as
estratégias de hard power brasileiras e como estas podem ser desenvolvidas em
equilíbrio com as de soft power. Este trabalho não nega aquelas em detrimento destas,
mas faz uma ressalva de que estas podem gerar resultados efetivos, com maior rapidez,
menor custo e sem afetar negativamente a imagem do país no mundo. Outro ponto não
contemplado neste artigo é como seriam desenhadas estas estratégias de alinhamento,
deixando para futuros trabalhos esta tarefa.

Referências

ADJUTO, Daniel. 19 governadores rebatem Bolsonaro: ‘má informação’ e ‘promoção do


conflito’. [s. l.], 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2021/03/01/19-
governadores-rebatem-bolsonaro-ma-informacao-e-promocao-do-conflito. Acesso em: 30 abr.
2021.

AFRICANEWS. NGO stages burial to protest Brazil’s COVID deaths. [s. l.], 2021.
Disponível em: https://www.africanews.com/2021/04/30/ngo-stages-burial-to-protest-brazil-s-
covid-deaths/. Acesso em: 30 abr. 2021.

AUGUSTO, Leonardo. Após conflito com Bolsonaro, governadores vão pedir ajuda a Lira e
visitar fábrica da Sputnik. Estadão, [S. l.], 2021. Disponível em:
https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,apos-conflito-com-bolsonaro-governadores-vao-
pedir-ajuda-a-lira-e-visitar-fabrica-da-sputnik,70003632781. Acesso em: 30 abr. 2021.

BBC NEWS. Brazil: Political crisis and Covid surge rock Bolsonaro. [s. l.], [s. d.].
Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-latin-america-56581131. Acesso em: 30 abr.
2021.

BUENO, Elen De Paula; FREIRE, Marina; OLIVEIRA, Victor Arruda Pereira De. As origens
históricas da diplomacia e a evolução do conceito de proteção diplomática dos nacionais.
Anuario Mexicano de Derecho Internacional, [S. l.], v. 17, n. 1, p. 623–649, 2017.
Disponível em: https://doi.org/10.22201/iij.24487872e.2017.17.11047

MARTINELLI, Caio Barbosa. O Jogo Tridimensional: o Hard Power, o Soft Power e a


Interdependência. Conjuntura Global, [S. l.], v. 5, n. 1, p. 65–80, 2016. Disponível em:
https://revistas.ufpr.br/conjgloblal/article/view/47424. Acesso em: 30 abr. 2021.

VALENÇA, Marcelo M.; CARVALHO, Gustavo. Soft Power, Hard Aspirations: the Shifting
Role of Power in Brazilian Foreign Policy *. [S. l.], v. 8, n. 3, p. 66–94, 2014. Disponível em:
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ZERAOUI, Zidane. Para entender la paradiplomacia. Desafios, Bogotá, p. 15–34, 2016.
Disponível em: http://www.scielo.org.co/pdf/desa/v28n1/v28n1a02.pdf. Acesso em: 29 abr.
2021.

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