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Gandhi Allasio
Fabiana de Oliveira
Dito isso, essa forma de poder suave pode ser definida como a aplicação de
poder através da atração e persuasão que um Estado pode exercer sobre seus pares,
influenciando parte ou todo o sistema internacional através da disseminação de seus
valores, ideais e cultura, com o objetivo de se manter predominante (MARTINELLI,
2016).
Ainda dentro dessa discussão sobre soft power, é relevante destacarmos como
este conceito é adotado pelo Estado chinês. O conceito se popularizou de maneira muito
rápida entre a intelectualidade acadêmica do país e, ainda que houvesse um grande
debate em torno do mesmo, diversos teóricos se dedicaram ao esforço de pensar um
modelo de soft power caracteristicamente chinês (GLASER & MURPHY, 2009). Neste
esforço, a questão da cultura se mostrou central, pois, como destaca Zhang (2017), o
conceito de cultura adotado por Nye é muito austero. Para Zhang (idem), a cultura deve
ser o cerne do soft power, já que a política interna e externa de um Estado também são
elementos que derivam da cultura nacional, ao mesmo tempo em que a retroalimentam.
Desta forma, podemos entender que as especificidades do soft power para o Estado
chinês recaem no fato de que este busca atribuir maior importância à cultura nacional,
sendo possível afirmar que esta passa a adquirir papel importante nos esforços que
visam a concretização de objetivos estratégicos (MENECHELLI FILHO, 2018).
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No original: “Soft power is not merely the same as influence. After all, influence can also rest on the
hard power of threats or payments. And soft power is more than just persuasion or the ability to move
people by argument, though that is an important part of it. It is also the ability to attract, and attraction
often leads to acquiescence. Simply put, in behavioral terms soft power is attractive power. In terms of
resources, soft-power resources are the assets that produce such attraction.” (Nye, 2004, p.)
Um fenômeno que vem ganhando destaque nas relações internacionais e que
pode contribuir de maneira significativa para o fortalecimento do soft power de um
Estado é a paradiplomacia, ainda que inicialmente pareça o contrário. O conceito de
paradiplomacia pode ser compreendido como a atuação internacional de atores
subnacionais, com especial destaque para os estados federados, as cidades, as
províncias, as regiões e até mesmo as empresas (MORAIS, 2011). A
internacionalização destes entes subnacionais tem como base uma agenda externa com
foco nos interesses locais dos atores, ou seja, estes podem formular e executar uma
política externa própria e esta pode ser posta em pratica com ou sem o auxílio do
governo central.
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No original: “Para relacionar ambos conceptos, paradiplomacia y poder blando, vale la pena resaltar
que, como la paradiplomacia no se ocupa de los asuntos de primer nivel, tales como la seguridad
nacional, la soberanía y la firma y ratificación de tratados internacionales, los cuales son monopolio
absoluto de los Estados, su connotación está más ligada con asuntos de segundo nivel, como la
cooperación y la atracción de inversión. En ese sentido, y en la medida en que sea fomentada, se convierte
en una herramienta de los Estados para generar alternativas de poder blando y coadyuvar al logro de sus
objetivos estratégicos (MESA BEDOYA; GONZÁLEZ-PARIAS, 2016, p.).”
criar vínculos que não se limitam aos governos nacionais, mas que também incluem a
sociedade civil e o poder público local.
No início dos anos 1980, a República Popular da China (RPC) passava por
profundas transformações orientadas para a aceleração do processo de crescimento
econômico. O conhecido “Processo de Reformas e Abertura” foi implementado com a
ascensão de Deng Xiaoping à presidência da China, juntamente com o então vice-
presidente Chen Yun que, assim como Xiaoping, era cético em relação ao Ocidente.
Outro nome importante deste processo foi Zhao Ziyang, chefe mais jovem e mais
progressista do Partido Comunista Chinês (PCCh). Os esforços deste último para
diminuir a pobreza deram origem a um ditado entre os camponeses: “Se quiser comer,
procure Ziyang”. Este trio foi incrivelmente bem-sucedido e Chen Yun caracterizou o
modelo como sendo uma “economia de gaiola”: bem arejada para o desenvolvimento do
mercado, mas controlada para que não seja possível fugir. Isto porque o modelo chinês
permitia a iniciativa privada e abria uma janela para o mundo exterior, ainda que isto
implicasse na entrada de “alguns mosquitos”, segundo Deng (fonte). De acordo com
Chen Yun, o modelo consistia em andar sem perder o controle, em “atravessar o rio
tateando as pedras com os pés” (fonte). Esta famosa frase é frequentemente e
erroneamente atribuída a Deng, mas caracteriza muito bem o modelo econômico
empregado na China desde 1978 (OSNOS, 2014).
Apesar disso, eles foram. Em 2007 havia 135 milhões de migrantes do campo
morando nas cidades, e a “população flutuante” passou a ser chamada pelo
governo de “população de fora”. O conselho de Estado ordenou aos governos
que melhorassem os sistemas de seguro e proteção contra acidentes de
trabalho, e garantissem que os migrantes fossem “batizados na civilização”,
como a imprensa do partido gostava de dizer. (OSNOS, 2014, p. 65)
A criação das TVEs foi estimulada pelo governo central chinês por meio de
crédito a juros baixos, incentivos fiscais e recursos orçamentários específicos (LYRIO,
2010). Ademais, as TVEs passaram a ser fornecedoras preferenciais de empresas
estatais de grande porte e contavam com processos decisórios diferenciados quando
comparadas às empresas de modelos ocidentais. A estrutura organizacional das TVEs
incorporou elementos do modelo anglo-americano denominado Outsider-based
(explicar em nota de rodapé o que são estes modelos), assim como do modelo euro-
japonês denominado Insider-based (apud. CHEN & STRANGE, 2004 lá nas referências
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Cabe destacar que parte da literatura se refere às TVEs como Empresas de Cantão e Povoado. No
entanto, como forma de facilitar a compreensão, utilizamos o termo da forma como ele mais se
popularizou.
só tem Chien. Também não entendi o apud. O formato tem que ser Autor A (citado)
apud Autor B (autor de fato consultado)). No entanto, à medida que as TVEs foram se
expandindo, inclusive para outros países asiáticos, como Malásia e Tailândia,
prevaleceu o modelo de administração sino-confuciano, que tem como primazia os
funcionários eruditos na gestão pública (como assim os trabalhadores eruditos? Com
isto eu entendo que estamos falando dos trabalhadores mais bem educados, com
doutorado e tal. Mas logo depois vocês dizem que a gestão é feita por um coletivo de
trabalhadores e aí já não entendi mais nada). Este modelo é tão particular para os dias de
hoje que algumas das decisões internas são atribuídas ao coletivo de trabalhadores, que
por sua vez são residentes das comunidades onde estas empresas estão estabelecidas.
Também há frequentes pesquisas realizadas pelo governo central para consultar a
opinião popular acerca da governança política e empresarial nas towns e nas vilas. No
trecho a seguir, podemos observar algumas características da evolução das TVEs até a
metade dos anos 90.
Harvie (1999) estuda a evolução das TVEs até a metade dos anos 90 e
relaciona algumas características de seu desenvolvimento. Segundo ele, elas
desempenharam melhor, pois eram: pequenas, flexíveis e orientadas para o
mercado; utilizavam tecnologia apropriada; aproveitaram distorções dos
processos de reformas e oportunidades de canalização da poupança rural,
baixa tributação, processo decisório ágil entre diretores e autoridades locais;
descentralização fiscal chinesa para os governos locais; relações de
parentesco e propriedade de direitos implícitas; ligações com as empresas do
setor estatal; facilidade de entrar no mercado e competição reduzida;
dedicação dos recursos humanos, inovação e qualidade; orientação
internacional e estrutura de baixo custo. (MASIERO, 2006. p. 433)
A vila de Huaxi desenvolveu seu parque industrial ao ponto de ter, no início dos
anos 2000, um conglomerado com cerca de 100 empresas pertencentes ao Huaxi Group,
grupo criado pelo comitê do PCCh de Huaxi para administrar as indústrias locais e que
inclusive está listada na bolsa de valores (CHEN, 2021). Estas indústrias são compostas
por fábricas dedicadas à produção de papel, tecidos e também às atividades
características da indústria pesada, como a metalurgia e a siderurgia. Ademais, estas
indústrias empregam dezenas de milhares de pessoas e são responsáveis por um
faturamento que alcança os bilhões de dólares (TREVISAN, 2007). Em entrevista à
Folha de São Paulo em 2007 (idem), Wu Rengbao, que foi secretário do PCCh em
Huaxi desde os anos 1950, apontou a característica que considera mais positiva do
sistema de trabalho na Vila. Segundo ele, o modelo de Huaxi é uma mescla entre
coletivismo e individualismo, valorizando a prosperidade e o bem-estar social. Na
referida entrevista, Wu reitera a sua lealdade ao PCCh e afirma que exemplo disso está
no hino da vila de Huaxi, que havia sido composto por ele mesmo e que, em um de seus
trechos diz: “O céu de Huaxi é o céu do partido Comunista; a terra de Huaxi é a terra do
socialismo”.
Após a morte de Wu Rengbao, em 2013, seu filho, Wu Xie’em, assumiu o posto
de secretário do PCCh na vila de Huaxi e a presidência do Huaxi Group. A transição
ocorreu em meio a um declínio da indústria do aço e, na tentativa de transformação dos
negócios, o grupo diversificou seus investimentos através do mercado financeiro, porém
não obteve grande sucesso. Outras atividades que recém emergiam na China de 2008,
como as relacionadas com internet, jogos online e aparelhos para leitura móvel, também
foram explorados pelo grupo. Na tentativa de reestabelecer o caminho de sucesso da
vila de Huaxi, em 2020 o governo local da cidade de Wuxi, por meio da empresa estatal
Wuxi Guolian Group, adquiriu ações de empresas do Huaxi Group no valor de 1 bilhão
de Yuans, o que na cotação de outubro de 2021, equivaleria a cerca de 150 milhões de
dólares.
Com muitos anos de crescimento econômico, a vila de Huaxi se tornou o destino
de milhares de migrantes e, com isso, o governo local assumiu uma postura rigorosa
com o objetivo de evitar a superpopulação da vila e o colapso do modelo de TVEs. Ao
mesmo tempo, no entanto, Huaxi enfrenta outro problema que também coloca em risco
a manutenção do modelo de desenvolvimento local. Chen Jing (ano) (incluir nas
referências), em artigo na ThinkChina, argumenta que, com o surgimento de milhares
de outras vilas como Huaxi em toda a China, os jovens talentos são disputados e Huaxi
tem enfrentado sérias dificuldades para atraí-los.
Considerações finais
No que pese às suas particularidades, a China contemporânea é um exemplo de
combinação exitosa de elementos de soft power e de paradiplomacia das cidades. Os
desdobramentos do seu modelo de desenvolvimento terminaram por produzir as TVEs e
estas atuam como um polo de conexão que não apenas interliga as localidades chinesas
com os grandes centros industriais e tecnológicos do país, como também conecta estas
mesmas localidades com o restante do mundo. Atestamos que o poder suave pode ser
utilizado como uma ferramenta da paradiplomacia para as TVEs que acabam por
funcionar como polo de conexão com outros Estados e dentro do território chinês.
Estabelecendo uma imagem positiva dessas cidades para o sistema internacional,
ademais de outros problemas que esse Estado enfrenta. Aqui, vamos substituir este
texto por exemplos mais concretos da atuação paradiplomática das TVEs.
No entanto, é evidente que as TVEs não operam na esfera internacional a partir de uma
autonomia absoluta, uma vez que existe uma forte influência do governo central sobre
as localidades chinesas em uma série de temas. Esta influência varia ao longo do tempo,
podendo ser mais ou menos intensa a depender do estágio em que se encontra o
processo de desenvolvimento socioeconômico chinês.
Considerando o arcabouço teórico e os casos históricos práticos apresentados ao longo
deste trabalho, podemos inferir que mesmo para ter a liberdade local afim de inserir-se
nas cadeias globais de valor, é necessário uma segurança e uma orientação centralizada,
ao passo que se estabelece uma relação diretamente proporcional uma vez que a
diplomacia econômica do governo chinês fomenta o crescimento nas localidade pelo
fato de estas empresas possuem grande participação na supply chain das grandes
companhias e conglomerados empresariais das megalópoles. Não obstante, as TVEs
como apresentado anteriormente, tiveram ampla participação direta na inserção chinesa
no comércio internacional.
Diante do exposto, fica clara a importância econômica local e nacional das TVEs, além
disso fica evidente sua importância para conter o êxodo rural e a superlotação dos
centros urbanos, tendo assim papel essencial na qualidade de vida dos chineses e na
interiorização do desenvolvimentismo do país. Vamos repensar este final a partir dos
elementos que acrescentarmos ao texto.
Bibliografia
ARAÚJO, Izabela V. A governança global e a atuação das redes internacionais de
cidades. Anais do 3º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações
Internacionais, São Paulo, 2011. Disponível em:
http://www.proceedings.scielo.br/pdf/enabri/n3v2/a31.pdf. Acesso em 20 de outubro de
2021.
GLASER, Bonnie S.; MURPHY, Melissa E. Soft power with Chinese characteristics.
In: MCGIFFERT, Carola. Chinese soft power and its implications for the United States:
competition and cooperation in the developing world: a report of the CSIS smart power
initiative. DC: CSIS, 2009, pp. 10-26.
NYE, Joseph S. Soft power: the means to success in world politics. Nova Iorque:
Public affairs, 2004.
ZHANG, Guozuo. Research outline for China’s cultural soft power. Singapore:
Springer, 2017.