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ARTIGO
ciclos econômicos, o mundo estaria vivendo nas últimas décadas um longo ciclo
em que a eficiência e a valorização do mérito tem prevalecido sobre as políticas
voltadas para o igualitarismo.
meio internacional torna-se, mais e mais, um cenário a ser observado e não uma
realidade a ser transformada por iniciativa de algum governo em particular,
independente dos recursos de poder que tenha a seu dispor.
membros da ONU apenas uma dezena poderiam ser caracterizados como failed
states como o Haiti ou o Sudão. No âmbito doméstico dos estados organizados,
políticas governamentais têm respaldo nas leis e são garantidas pela estrutura de
coerção representada pelas instituições que podem não apenas induzir o
comportamento de indivíduos e organizações, mas podem proibir ou tornar
compulsório o porte de algum documento, o pagamento de impostos ou a
observância de uma lei de trânsito. Além disso, uma característica da ordem
interna é que a aplicação de uma lei ou a adoção de algum dispositivo por parte
de um governo tem, no âmbito doméstico, um caráter universal, isto é, deve ser
estendido a todos.
Além disso, talvez até mais relevante, era o fato de que as opções, mesmo
dentro da esfera de influência de cada uma das superpotências, também eram
limitadas. No âmbito de influência soviética as intervenções na Hungria (1956) e
na Checoslováquia (1968) mostram o quanto eram consideradas intoleráveis as
iniciativas levadas a efeito à margem da política soviética. No lado do bloco
liderado pelos Estados Unidos, os recursos necessários ao desenvolvimento
econômico estavam fortemente concentrados na economia americana. A
reconstrução da Europa, inclusive os avanços no processo de integração, foi um
processo onde os recursos oriundos dos Estados Unidos desempenharam um
papel central. Da mesma forma, o re-erguimento do Japão também contou com o
2(2) Paul Johnson conta que, em 1962 quando surgiu a disputa entre China e Índia sobre a região do NEFA, J. K. Galbraith, que era
embaixador dos EUA na Índia, teria aconselhado Nehru a respeito de um possível apoio dos EUA: “aposte na guerra fria”, teria
aconselhado Galbraith. Como resultado, com o apoio americano, a Índia manteve o direito de soberania sobre o NEFA (J. K.
Galbraith. Uma Vida em Nossos Tempos. Editora UnB, 1986. Cap. XXVII).
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suporte dos recursos americanos. Esses fatos mostram que, com todos os
problemas, o que se convencionou chamar de condição bipolar tornava as
relações internacionais um ambiente menos anárquico, com regras e padrões
relativamente bem definidos. Embora informais, esses padrões serviam como
referenciais orientadores da ordem internacional. O fato é que a emergência de
um mundo multipolarizado – tanto na ordem econômica quanto na esfera da
política internacional – trouxe consigo uma crescente variedade de opções para a
cena internacional.
5Há vários trabalhos a respeito que tratam da política externa do Governo Geisel. Ver , por exemplo, Luis Augusto P. Souto Maior,
O Pragmatismo Responsável publicado em J. A. Guilhon Albuquerque, Sessenta Anos de Política Externa Brasileira. 1930-1990.
Vol. I. NUPRI/USP, 1996.
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O fato é que, cada vez mais, as nações têm passado a agir de forma
unilateral. Entre os casos recentes mais expressivos pode-se citar as rodadas de
negociação comercial nas quais alianças por vezes exóticas são formadas com
propósitos variados. Muito embora essas alianças não se revelem suficientes para
implementar uma determinada proposta, revelam-se suficientes para impedir o
avanço das negociações sobre quaisquer outras propostas. Pode-se dizer que o
mesmo ocorre com as negociações sobre temas ambientais. As freqüentes
referências ao “unilateralismo americano” devem ser, na verdade, estendidas a
6 Inis Claude argumenta que uma organização internacional surge quando quatro pré-condições se fazem presentes: existem Estados
estáveis; o nível de interação adquire densidade significativa; questões derivadas da interação tornam-se relevantes; os atores
internalizam a percepção de que é necessário criar uma instância internacional específica para lidar com essas questões derivadas da
convivência (Inis L. Claude Jr. Swords into Plowbares.Randon House, N. York, 1964).
7 A capacidade de veto pode ser formal ou informal. No âmbito das Nações Unidas o veto formal pode ser exercido pelos países do
P-5, isto é, pelos cinco países que possuem um assento permanente no Conselho de Segurança. Num sentido mais geral pode-se
falar na existência também de um veto informal, que se refere à capacidade difusa que a grande maioria das nações possui no
sentido de obstruir a aprovação de resoluções, de medidas ou de acordos nas várias instâncias internacionais. A maioria dessas
instâncias opera por consenso e, nesse sentido, mesmo governos representando nações de limitados recursos de poder, incapazes de
implementar ações internacionais expressivas, são capazes de obstruir processos de negociação.
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8 Em artigo recente publicado no jornal O Estado de S. Paulo (6/julho/2008, p. 20A), o professor Cui Zhiyan, da Universidade de
Tsinghua declara que “o sucesso da economia chinesa se explica menos pelas reformas em direção à economia de mercado do que
pelo que a sociedade chinesa tem de socialista”. Apesar disso o artigo mostra como a integração à economia internacional é
importante na estratégia de sucesso e como, sobretudo nos primeiros anos, o mercado americano teve papel destacado.
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Esses fatos indicam que um governo, ao entender que sua política externa
deveria ser “autônoma e independente” – em oposição ou a despeito das
instituições e práticas internacionais – está afirmando que outros governos
também deveriam estar fazendo o mesmo. Caso essa condição não se verifique,
políticas com esse teor tendem a resultar em perdas de oportunidade ou, em casos
mais extremos, até mesmo num processo de isolamento internacional.
Afirmar que as razões que tornam uma sociedade rica e poderosa são
virtudes como a dedicação ao trabalho, o talento e a engenhosidade, não
esclarecem muito a questão. A indicação de condições mais objetivas e
mensuráveis é um exercício mais trabalhoso e depende da forma como se olha a
questão. Neste ensaio a tentativa é observar o fenômeno das diferenças de
desempenho e de sucesso entre as nações sob o ponto de vista das relações com o
meio internacional.
maioria das referências ao meio internacional tem por objetivo apenas justificar
alguma dificuldade ou eventuais maus resultados obtidos na ação governamental,
quando não são, simplesmente, o produto de visões voluntaristas sobre
cooperação e igualdade no plano internacional. No Brasil, por exemplo, apenas
recentemente deixou-se a prática de manejar a taxa de câmbio como instrumento
de defesa do setor exportador sem considerar o fato de que artifícios cambiais
podem aliviar apenas momentaneamente as dificuldades e que a competitividade
resulta de condições estruturais construídas ao longo do tempo. Do mesmo modo,
políticas protecionistas também podem ter algum efeito no curto prazo mas
podem, por outro lado, comprometer seriamente a aplicação de estratégias de
desenvolvimento de longo prazo.
Mancur Olson na obra The Rise and Decline of Nations, escrita há mais de
20 anos, oferece uma linha interessante de interpretação para a questão
argumentando que a presença de elementos de “rigidez social” pode ser um
grande obstáculo ao progresso e à modernização9. Os elementos de rigidez social
para Olson seriam segmentos da sociedade reunidos em torno de certos interesses
particulares formando grupos de pressão, formais ou informais, que em geral se
mostram resistentes à inovação e à modernização das economias. Esses grupos
de pressão podem ser originários de setores da economia ou podem estar
entranhados na própria burocracia estatal. No caso das sociedades que atingiram
níveis elevados em seu padrão de riqueza, a ação desses grupos, ao prevalecer
sobre as iniciativas de inovação e de modernização do parque produtivo, pode
levar à perda de competitividade e ao declínio. Olson cita os casos mais extremos
ocorridos após a Segunda Guerra Mundial – a Alemanha e o Japão – que, em
larga medida, se beneficiaram do fato de que, em ambos os casos, os focos de
“rigidez social” haviam sido eliminados juntamente com a destruição trazida pela
guerra. Tanto no caso da Alemanha quanto do Japão, os governos do pós-guerra
puderam, livremente, trabalhar na reconstrução sem a preocupação de acomodar
interesses longamente entranhados nas estruturas sociais e econômicas dos dois
9 Mancur Olson, The Rise and Decline of Nations. Economic Growth, Stagflation, and Social Rigidities. Yale University Press,
1982.
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tecnologias como a da fibra ótica trouxe grande avanço nas comunicações, mas
reduziu a necessidade do emprego dos fios de cobre deixando bastante
insatisfeitos a indústria da mineração e metalurgia e também os sindicatos
associados a esse metal. Diante dessas questões é que Olson argumenta que focos
de rigidez social podem ser sérios entraves à modernização e à competitividade e
que, embora no longo prazo seja completamente inviável a manutenção de
padrões obsoletos, no curto prazo constituem grupos de pressão atuantes e
difíceis de serem satisfeitos. Políticas protecionistas geralmente são produtos
dessa realidade que, incomodamente, torna obsoletos muitos interesses e padrões
de comportamento longamente estabelecidos e que opõe demandas de curto
prazo e perspectivas de longo prazo. Por essa razão, em geral essas políticas
estão associadas à ação de sindicatos tanto patronais quanto de trabalhadores que
agem no sentido de defender interesses, na maioria das vezes bastante legítimos
mas que inevitavelmente acabam por se constituírem em obstáculos à
modernização e à competitividade
10 Ao longo da década de 1920 todas as principais “commodities” perdiam preços no mercado internacional, à exceção do café. Em
1929, às vésperas da crise, os preços de produtos como o trigo e o milho tinham preços em torno de 40% menores do que de 1924.
Apenas o café mantinham os mesmos níveis de preço, à custa de financiamentos tomados pelo governo brasileiro obtidos nos
mercados de Londres e N. York. Ver Derek H. Aldcroft, From Versailles to Wll Street,. 1919-1929. Allen Lane Penguin Books,
Londres, 1977.
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11 Michael Fairbanks & Stace Lindsay. Arando o Mar. Fortalecendo as Fontes Ocultas do Crescimento em Países em
12 Michael Porter em The Competitive Advantage of Nations (Free Press, N. York), livro que fez muito sucesso quando de seu
lançamento em 1990, chama de clusters esses conjuntos de empresas que formam setores industriais. Por exemplo, o cluster da
indústria de celulose e papel seria composto, além dos fabricantes de pasta de celulose e papel, pelos produtores de madeira, pelos
fabricantes de insumos e equipamentos utilizados na fabricação de celulose e papel, pelas empresas de transporte e comercialização
de papel e celulose, etc.
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vistas a esses objetivos. O que essas análises estão argumentando é que questões
como o desmatamento e as queimadas ilegais na Amazônia não devem ser
combatidos pelas autoridades do governo brasileiro como resposta a denúncias e
pressões externas, mas devem ser combatidos porque são, em si mesmas, uma
grande estupidez, um desperdício despropositado e inaceitável, e deveriam ser
combatidos ainda que a comunidade internacional mal tivesse dando conta dessas
ocorrências. Esse mesmo raciocínio deveria ser estendido a toda a atividade
econômica, a começar pelos recursos do setor público que são, em larga medida,
desperdiçados em pagamentos por atividades completamente improdutivas e até
mesmo em redes de corrupção enquanto estradas, portos e outros elementos
estruturais continuam servindo precariamente à produção e aos canais de
escoamento. Em outras palavras, ao fazer isso, o País estaria entrando em
sintonia com as forças que induzem à criatividade e às inovações que, em larga
medida, determinam os padrões de competitividade das economias no mundo.
Considerações finais
foi sendo abandonada por não mais ajudar a explicar a realidade internacional.
Temas tipicamente classificadas como low politics passaram a freqüentar a
agenda dos principais estadistas. Encontros bilaterais e conferências
internacionais multilaterais sobre comércio, meio-ambiente, cooperação
científica e tecnológica, passaram a ser cada vez mais freqüentes e a ocupar a
atenção dos governantes das grandes potências
13 Ha-Joon Chang. Chutando a Escada. A Estratégia do Desenvolvimento em Perspectiva Histórica. Editora UNESP, 2003.
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14 James N. Rosenau, Turbulence in World Politics. A Theroy of Change and Continuity. Princeton University Press, 1990.
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* Eiiti Sato
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