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1 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano I – n.

1 – julho / setembro, 2008 –

ARTIGO

O Brasil e os desafios da competitividade


internacional
Por Eiiti Sato*

A presente análise tem por objetivo discutir dois aspectos associados à


formulação de políticas consideradas necessárias para extrair, de fato, os
benefícios do grande potencial de crescimento da economia brasileira: no plano
doméstico, a coragem para reorientar a ação tradicionalmente viciosa das
instituições e dos agentes econômicos e, no plano externo, o adequado
pragmatismo para desenvolver estratégias em harmonia com aos padrões e
tendências internacionais. O ensaio mostra que os países que se revelaram casos
expressivos de sucesso econômico desde a Segunda Guerra Mundial foram
aqueles que conseguiram, cada qual à sua maneira, combinar adequadamente
suas práticas e instituições domésticas com padrões, oportunidades e forças em
ação na esfera internacional.

A combinação dessas duas facetas da política de Estado, obviamente,


depende da maneira como a ordem interna e a ordem externa são vistas. No
cenário externo, este ensaio destaca a importância do caráter anárquico do meio
internacional, que tem recrudescido nas últimas décadas tornando a busca da
modernização tecnológica e da competitividade um fator essencial para as
nações. No plano doméstico, de maneira correspondente, os casos de maior
sucesso têm sido os países que, de maneira variada, praticaram políticas voltadas
para a eficiência e o desempenho. Na verdade, não se pode dizer que esse tipo de
combinação deva ser interpretado como padrão permanente, mas parece razoável
pensar que em sociedades organizadas e estáveis existe uma alternância entre
períodos marcados pela preocupação pela ordem, pela eficiência e pela
valorização do mérito e períodos em que predominam as preocupações com a
promoção da igualdade e a valorização da cooperação. Assim, o que o ensaio
sugere é que, à semelhança do argumento de Kondratief em relação aos grandes
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ciclos econômicos, o mundo estaria vivendo nas últimas décadas um longo ciclo
em que a eficiência e a valorização do mérito tem prevalecido sobre as políticas
voltadas para o igualitarismo.

Neste ensaio explora-se a importância e a necessidade de se levar em


conta uma realidade paradoxal. De um lado, é inegável que houve um substancial
avanço do multilateralismo (muitas vezes referido como “cooperação
internacional”) mas, simultaneamente, observa-se o recrudescimento do caráter
anárquico do meio internacional. Muitos governos, em especial entre os países
em desenvolvimento, ao formular suas políticas, parecem não prestar a atenção
devida a essa realidade. Na verdade, como interpretar e como conviver de modo
construtivo com essa realidade seria o grande desafio das sociedades neste início
do século XXI. Esta análise procura discutir basicamente como o entendimento
adequado dessas duas forças contraditórias é essencial para a formulação de
políticas eficazes para a geração de riquezas e a melhoria da qualidade de vida,
entendida como elevação dos padrões de saúde, acesso ao conhecimento e
usufruto das facilidades e amenidades geradas pela moderna tecnologia.

A política externa e o meio internacional anárquico

Um primeiro ponto a ser considerado é a atitude relativamente freqüente


entre os governantes de países em desenvolvimento no sentido de orientar suas
ações no plano externo a partir do entendimento de que o grau de independência
e de autonomia de um governo é revelado pela sua capacidade de opor-se à
ordem internacional que deve ser considerada como indesejável. Por essa ótica, o
governo sempre revelaria fraqueza ao aceitar a ordem internacional como
variável condicionante de suas políticas. Em outras palavras, objetivos nacionais,
quaisquer que fossem, deveriam ser perseguidos a despeito de eventuais
circunstâncias desfavoráveis e o cenário internacional deveria ser, via de regra,
visto como uma realidade a ser modificada. Entre as razões mais comuns para
essa forma de ver a ordem internacional estão os sentimentos nacionalistas, as
tentativas de ocultar sua própria incapacidade de governar, a defesa de interesses
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de grupos mais influentes que formam a base de sustentação política do governo,


entre outras.

A presunção de que uma nação pode, individualmente, desconsiderar o


caráter condicionante da ordem internacional pode ter origem em muitas razões,
mas as condições adversas, tanto quanto as oportunidades favoráveis existentes
no ambiente internacional, são circunstâncias objetivas que permanecem as
mesmas, quaisquer que sejam as opiniões dos governantes. O pior é que os
efeitos problemáticos das políticas incongruentes com a ordem internacional –
sejam disputas e conflitos desnecessários, sejam as oportunidades perdidas –
também serão sentidos, independentemente dos motivos que tenham levado um
governo a adotar um curso de confrontação com as forças em ação na ordem
internacional.

A razão fundamental para se considerar o ambiente internacional como


variável condicionante e cujo comportamento dificilmente pode ser influenciado
de maneira significativa pela ação individual de governos está no caráter
anárquico do meio internacional. Sob a influência de um ambiente anárquico as
ações e iniciativas são predominantemente individuais. Um governo não pode
presumir que objetivos comuns, ainda que muito desejáveis, serão perseguidos
por outros governos com o mesmo empenho e determinação diante das
oportunidades que não se apresentam de maneira homogênea para todos os
governos. A teoria tradicional qualifica o comportamento típico dos governos
num ambiente internacional anárquico como “ help”, isto é, nesse ambiente
alianças e acordos serão efetivados apenas quando cada participante percebe que,
de alguma forma, é mais vantajoso participar do que permanecer à margem
desses acordos e alianças. Em razão desse fato, à medida que o teor de anarquia
aumenta, a disposição de estabelecer arranjos cooperativos tende a diminuir, uma
vez que arranjos internacionais demandam compromissos com certa garantia de
estabilidade o que, num ambiente em rápida transformação, é sempre um risco.
No jargão especializado das relações internacionais, significa dizer que o
multilateralismo perde espaço para as ações unilaterais. Em outras palavras, o
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meio internacional torna-se, mais e mais, um cenário a ser observado e não uma
realidade a ser transformada por iniciativa de algum governo em particular,
independente dos recursos de poder que tenha a seu dispor.

A distinção entre a ordem interna dos estados e o conteúdo anárquico do


meio internacional é amplamente conhecida e discutida mas, para os propósitos
da presente análise, parece importante retomar o significado desse conceito pois,
na formulação de políticas, nem sempre se dá a devida atenção a essa questão e
às suas inevitáveis conseqüências. A aparente organização da vida internacional
traduzida nas relações comerciais e financeiras, nas comunicações ou nas
impressões que são colhidas por qualquer um numa viagem a outros países
esconde a natureza anárquica do meio internacional quando o assunto é a política
e a ação dos governos. De fato, apesar do estabelecimento de regimes
internacionais que, em grande medida, orientam e limitam as ações dos atores no
meio internacional, não se pode dizer que o nível de “governança” internacional
possa ser comparado ao que ocorre no âmbito dos estados, especialmente
daqueles mais organizados e estáveis.

Com efeito, os regimes internacionais apresentam diferentes níveis de


eficácia, dependendo da “issue area” a que se refere. Assim, o nível de
“governança” internacional no comércio é bem mais elevado do que na questão
da proliferação da tecnologia nuclear mas, mesmo no comércio, há vários
aspectos que permanecem fora dos limites das regras do regime, como é o caso
do comércio agrícola, marcado por sucessivos impasses nas recentes rodadas de
negociação. Enquanto as normas internacionais são relativamente escassas e
difusas, na esfera doméstica há uma estrutura jurídica ampla e claramente
estabelecida. Além disso, essa estrutura conta com um sistema de coerção que
faz com que indivíduos e instituições convivam sob o império de uma ordem
jurídica bem definida. Hoje, os chamados estados falidos (failed states), em que o
sistema de coerção é ineficaz para estabelecer uma ordem política, econômica e
social, são em número muito reduzido se comparados com a grande maioria dos
estados organizados e reconhecidos. Entre os cerca de duas centenas de Estados-
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membros da ONU apenas uma dezena poderiam ser caracterizados como failed
states como o Haiti ou o Sudão. No âmbito doméstico dos estados organizados,
políticas governamentais têm respaldo nas leis e são garantidas pela estrutura de
coerção representada pelas instituições que podem não apenas induzir o
comportamento de indivíduos e organizações, mas podem proibir ou tornar
compulsório o porte de algum documento, o pagamento de impostos ou a
observância de uma lei de trânsito. Além disso, uma característica da ordem
interna é que a aplicação de uma lei ou a adoção de algum dispositivo por parte
de um governo tem, no âmbito doméstico, um caráter universal, isto é, deve ser
estendido a todos.

No plano internacional, por outro lado, as normas são frouxas e difusas e


além disso, na maioria das instâncias, há pouca garantia de que uma norma ou
decisão tomada em alguma instância venha a ser efetivamente cumprida. A ONU
produz essencialmente “recomendações”, que não são mandatórias, tendo
essencialmente o sabor de uma sanção moral. Mesmo no caso de haver uma
“resolução” produzida pelo Conselho de Segurança da ONU com caráter
mandatório, o cumprimento dessa resolução dependerá diretamente da vontade e
da ação de Estados-membros que, efetivamente, enviam soldados e recursos para
que a resolução seja cumprida. As missões de paz, os programas de ajuda
humanitária e a intervenção militar para retirar Saddan Hussein do Kwait no
início da década de 1990 são exemplos dessa dependência das instâncias
internacionais em relação à vontade e aos recursos dos Estados-membros que,
soberanamente, decidem sobre o nível de seu comprometimento com os custos
da implementação de resoluções de instâncias internacionais como a ONU.

O meio internacional anárquico: o fator tecnológico

O ambiente anárquico do meio internacional estimula o unilateralismo no


comportamento dos atores e vários fatores têm contribuído para que o caráter
anárquico do meio internacional ganhasse momentum nas últimas décadas. A
primeira ordem de fatores que torna o meio internacional mais anárquico refere-
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se à evolução em ritmo frenético da base tecnológica que serve de sustentação


para essa realidade. Mudanças tecnológicas podem alterar ou introduzir padrões
industriais retirando competitividade de produtores tradicionais e, ao mesmo
tempo, fazendo surgir novas indústrias em regiões tradicionalmente pouco afeitas
à produção de certos bens. Da mesma forma, o valor relativo das commodities
pode sofrer fortes variações em função de mudanças nos processos de produção,
em razão do desenvolvimento de novos produtos ou simplesmente pela
descoberta de novas fontes. No caso do petróleo, a contínua elevação dos preços
e as conseqüentes incertezas do mercado na década de 1970 viabilizaram o
desenvolvimento de alternativas energéticas como o álcool da cana e fizeram
também com que países como o Brasil e o Reino Unido se tornassem produtores
de petróleo. Até então o Reino Unido não explorava os poços de petróleo do Mar
do Norte e o Brasil importava mais de 90% do petróleo que consumia. Ao preço
de US$2/barril era completamente inviável a extração de petróleo em poços
offshore.

O fato é que uma característica marcante do mundo contemporâneo tem


sido a busca continuada e generalizada por inovações em todos os campos da
atividade econômica. Nesse ambiente, os governos têm, sistematicamente,
destinado recursos e posto em prática políticas com vistas ao desenvolvimento
tecnológico. Como os resultados dessas políticas não se distribuem de forma
homogênea, os avanços técnicos e os ganhos de riqueza resultantes também
favorecem mais algumas sociedades em detrimento de outras. Obviamente, as
maiores chances de desenvolvimento e inovação estão distribuídas entre as
sociedades mais ricas e avançadas, entre outras razões porque investem maiores
somas de recursos e podem investir em áreas fundamentais mais dispendiosas
como biotecnologia, exploração do espaço exterior, telecomunicações, etc. Além
disso, as sociedades mais avançadas, via de regra, possuem maiores
oportunidades de ganhos de escala e, por atuarem de modo mais ativamente em
mercados altamente competitivos, demandam novidades e inovações com muito
maior avidez.
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No início do século XX o petróleo tornou-se uma commodity central no


comércio internacional em função de sua importância como insumo energético
muito mais eficiente e versátil do que o carvão. Do mesmo modo, o
desenvolvimento da tecnologia da informática a partir da década de 1970 trouxe
mudanças substanciais para a indústria e para o sistema econômico como um
todo mudando completamente os padrões de produção, dos transporte e dos
mercados de consumo. No início da década de 1950, os bens agrícolas
respondiam por 44% do comércio internacional, já em 2005 essa participação
havia caído para apenas 8%1. Transformações como essas produziram nas
últimas décadas uma economia substantivamente nova e diferente em termos de
mercados de trabalho, de oportunidades de investimento e também de problemas
para os países. Algumas sociedades adaptaram-se às novas condições por meio
de medidas por vezes drásticas, outras aproveitaram com sucesso os novos
nichos de oportunidade e ainda outras perderam competitividade ou
simplesmente permaneceram alheias a essas transformações não se beneficiando
das possibilidades que se abriam com as mudanças em curso.

Com efeito, nos últimos anos, mesmo o mercado de um bem tão


tradicional quanto o petróleo revela-se francamente suscetível às injunções de um
ambiente internacional marcado por incertezas. Dada a importância do petróleo
para a vida moderna, a continuada elevação dos preços dessa commodity vem
produzindo reações e transformações cujos reflexos na ordem econômica
começam a emergir. A persistente elevação dos preços do petróleo pode
viabilizar, como já vem acontecendo, a disseminação da produção e do uso dos
bio-combustíveis e pode também viabilizar a exploração de novas reservas
petrolíferas com emprego de tecnologias mais sofisticadas. Todavia os preços
cada vez mais exorbitantes podem, por outro lado, fazer surgir tecnologias que
acabem por substituir com eficiência os combustíveis derivados do petróleo e
reduza a importância relativa dos bio-combustíves como fonte de suprimento das
necessidades de insumos energéticos. O fato é que o processo ainda está em

1 Dados disponíveis no portal da Organização Mundial do Comércio (WTO)


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curso e os agentes de mudança são muitos. Talvez os menos relevantes sejam os


governos integrantes da OPEP. Na década de 1970 a cartelização da oferta,
representada pela OPEP, teve um papel central a partir do impulso inicial dado
pela tentativa dos países árabes no sentido de empregar o petróleo como
instrumento de pressão política sobre as potências que apoiavam Israel. Na
atualidade, as forças que têm atuado sobre o mercado do petróleo são muito mais
complexas e variadas, entre elas o crescimento generalizado da demanda,
especialmente em decorrência de casos como o da China, que tem revelado
enorme voracidade no consumo de insumos energéticos e de muitas outras
commodities importantes para uma indústria que se expande e se diversifica
rapidamente.

O meio internacional anárquico: o fim da bipolaridade

Um outro fator que contribuiu significativamente para reforçar o caráter


anárquico do meio internacional foi a emergência de vários pólos de dinamismo
econômico consolidando a multipolarização da política internacional. O fim da
guerra fria pode ser tomado como símbolo ou marco de uma grande
transformação estrutural das relações internacionais, que passou da bipolaridade
para uma ordem internacional formada por uma hierarquia de poder mais difusa e
complexa. Muito embora classificações do tipo “bipolar versus multipolar” seja
sempre uma simplificação de uma realidade muito mais complexa, a visão de um
mundo marcado pela bipolaridade teve, durante considerável parte do tempo, um
papel importante na formulação da política exterior não apenas dos Estados
Unidos e da União Soviética, que ocupavam o centro dessa dicotomia, mas de
todos os demais países do sistema internacional. A bipolaridade da guerra fria,
efetivamente, condicionava fortemente o ambiente internacional orientando a
agenda dos temas em debate e, principalmente, limitando as opções de política
externa de muitos países.

O peso dos Estados Unidos no mundo que emergiu da Segunda Guerra


Mundial sugere que, na verdade, jamais houve uma bipolaridade efetiva, mas é
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inegável que a política de confrontação com os Estados Unidos e seus aliados e a


posse de arsenal nuclear no início da década de 1950, punha a URSS numa
posição ímpar diante do restante do mundo. Além disso, ao mesmo tempo em
que a Europa Ocidental se reerguia, assim como o Japão, a maioria das políticas
e das iniciativas no plano externo dos países tomava como ponto de partida a
rivalidade EUA-URSS. Assim, apesar de eventuais questionamentos que
poderiam ser levantados acerca da real importância da guerra fria, o que se
conhece desse período da história recente ajuda a compreender o argumento do
avanço da condição anárquica do meio internacional2.

Com efeito, os historiadores mostram que no ambiente bipolarizado da


guerra fria, as opções de política externa eram muito mais limitadas para a
maioria dos países. As possíveis alianças e associações restringiam-se a duas
esferas de influência, a soviética e a americana. Sair de um dos campos
significava, automaticamente, passar para o campo oposto. Cuba, sem dúvida, foi
o caso mais notável que exemplifica essa característica da política internacional
no período. Deixar a associação com os Estados Unidos significou para Cuba,
literalmente, passar para o campo inimigo, tornando-se alvo de sanções e
restrições sustentadas pelo poder americano.

Além disso, talvez até mais relevante, era o fato de que as opções, mesmo
dentro da esfera de influência de cada uma das superpotências, também eram
limitadas. No âmbito de influência soviética as intervenções na Hungria (1956) e
na Checoslováquia (1968) mostram o quanto eram consideradas intoleráveis as
iniciativas levadas a efeito à margem da política soviética. No lado do bloco
liderado pelos Estados Unidos, os recursos necessários ao desenvolvimento
econômico estavam fortemente concentrados na economia americana. A
reconstrução da Europa, inclusive os avanços no processo de integração, foi um
processo onde os recursos oriundos dos Estados Unidos desempenharam um
papel central. Da mesma forma, o re-erguimento do Japão também contou com o
2(2) Paul Johnson conta que, em 1962 quando surgiu a disputa entre China e Índia sobre a região do NEFA, J. K. Galbraith, que era
embaixador dos EUA na Índia, teria aconselhado Nehru a respeito de um possível apoio dos EUA: “aposte na guerra fria”, teria
aconselhado Galbraith. Como resultado, com o apoio americano, a Índia manteve o direito de soberania sobre o NEFA (J. K.
Galbraith. Uma Vida em Nossos Tempos. Editora UnB, 1986. Cap. XXVII).
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suporte dos recursos americanos. Esses fatos mostram que, com todos os
problemas, o que se convencionou chamar de condição bipolar tornava as
relações internacionais um ambiente menos anárquico, com regras e padrões
relativamente bem definidos. Embora informais, esses padrões serviam como
referenciais orientadores da ordem internacional. O fato é que a emergência de
um mundo multipolarizado – tanto na ordem econômica quanto na esfera da
política internacional – trouxe consigo uma crescente variedade de opções para a
cena internacional.

É interessante observar que no pós-guerra imediato o PIB dos Estados


Unidos era maior do que o PIB de todas as demais grandes potências somadas.
No início da década de 1990, quando a guerra fria chegava ao seu final, no
entanto, essa proporção havia se alterado substantivamente. Um dado bastante
revelador dessa nova realidade é o fato de que ao final da guerra fria, no
comércio, o volume das transações externas da Alemanha Ocidental havia se
igualado ao dos Estados Unidos3. Uma realidade muito diferente daquela da
década de 1950 quando japoneses e alemães procuravam assimilar a tecnologia
americana seja para suas indústrias, seja para a produção de bens de consumo
como automóveis e eletrodomésticos.

No seio dos países em desenvolvimento, a iniciativa que ficou conhecida


como “movimento dos não-alinhados” representou, provavelmente, a expressão
mais ampla de busca de alternativas fora do confronto leste-oeste. O alcance
desse movimento, no entanto, foi muito limitado, restringindo-se basicamente a
manobras políticas na esfera diplomática, com muito pouca repercussão tanto em
termos de influência sobre a ordem internacional quanto em termos de resultados
econômicos e sociais para os países participantes. Efetivamente, depois de meio
século, observa-se que não se verificou qualquer caso de país que tenha
participado ativamente desse movimento e que tenha alterado de forma
significativa sua situação relativa no cenário internacional em termos de
3Os dados sobre a posição dos EUA no pós-guerra estão em P. Kennedy, The Rise and Fall of the Great Powers. Fontana Press,
Londres, 1989 (p. 475). Dados sobre o comércio mundial podem ser obtidos no portal da OMC; essa referência sobre o comércio da
Alemanha e dos EUA foram extraídos de Indicadores da Economia Mundial n.13 (pub. Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão).
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indicadores econômicos e sociais. Na América Latina, a ALALC (Associação


Latino Americana de Livre Comércio) criada no início da década de 1960
também apresentou resultados bastante modestos uma vez que o comércio intra-
regional era, na verdade, irrelevante para os países da região. Para a maioria dos
países latino-americanos, o comércio com os Estados Unidos ou com parceiros
tradicionais da Europa era drasticamente mais relevante do que com possíveis
parceiros do continente uma vez que as economias da região eram,
essencialmente, produtores de bens primários4. Além do mais, nações como o
Brasil, que começavam a investir mais fortemente na industrialização, o faziam
sob a égide de políticas protecionistas inspiradas na estratégia de substituição de
importações o que, obviamente, constituía um entrave à integração regional.

Esses são alguns casos que ilustram as fortes limitações de alternativas


que marcavam o cenário econômico e político internacional durante boa parte do
período marcado pela guerra fria. A emergência de um mundo de alternativas e
opções mais variadas tornou-se mais e mais visível apenas a partir dos fins da
década de 1970. A chamada “política externa independente” iniciada no final do
Governo Kubitschek foi essencialmente uma reação diante da pouca atenção
dispensada pelos Estados Unidos ao esforço de progresso e industrialização do
Brasil e que se estendia aos demais países “ao sul do Rio Grande”. À época, as
opções fora das relações com os Estados Unidos eram, de fato, irrelevantes a não
ser a possibilidade de que ocorresse com o Brasil o mesmo que acontecia com
Cuba, isto é, o Brasil passasse para a esfera de influência soviética.

Uma década e meia mais tarde, a cena internacional havia se alterado de


forma bastante significativa. Com efeito, o programa nuclear brasileiro dos fins
da década de 1970 tornou-se possível pela associação com a Alemanha que, a
essa altura, já havia avançado significativamente como potência econômica e
tecnológica em condições de se constituir efetivamente numa alternativa aos
Estados Unidos. Por essa razão, o “pragmatismo responsável” do Governo Geisel
constitui um caso dos mais ilustrativos da emergência de pólos econômicos e

4 Ver dados em International Trade publicado pelo GATT, Genebra (1965).


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tecnológicos em condições de concorrer com a posição americana que,


gradativamente, deixava de ser dominante5. De fato, mesmo diante da forte
oposição do governo americano, Brasil e Alemanha firmaram um amplo acordo
de cooperação que permitiu ao Brasil instalar sua primeira usina nuclear e
também avançar sua capacidade de processamento e emprego de materiais
nucleares para fins pacíficos.

Há, portanto, fatos em abundância que mostram que a emergência de


novos centros dinâmicos da economia e da política no mundo reforçou o caráter
anárquico do meio internacional. A existência de vários centros de poder e de
dinamismo econômico no mundo permite variadas combinações e possibilidades,
tornando o jogo da política internacional muito mais complexo. Com o avanço do
processo de integração internacional, costumeiramente identificado pela
expressão “globalização”, são cada vez mais freqüentes os casos de políticas
adotadas por governos que se revelam ineficazes em razão de serem
incompatíveis com o caráter anárquico das forças em ação no ambiente
internacional. Nesse cenário, a aposta no multilateralismo tem se revelado uma
manifestação típica desse fracasso que aparece na forma de seguidos impasses
nas várias instâncias multilaterais.

As oportunidades e as ações externas num ambiente anárquico

Na mesma medida em que a realidade internacional tem se tornado cada


vez mais próxima e familiar tanto para os indivíduos quanto para os estadistas,
tem crescido também as expectativas quanto aos benefícios e até mesmo quanto à
necessidade da existência de instâncias multilaterais. Nas últimas décadas o
substancial adensamento das muitas formas de interação entre as instâncias
domésticas e o ambiente internacional tem apontado para a necessidade de se

5Há vários trabalhos a respeito que tratam da política externa do Governo Geisel. Ver , por exemplo, Luis Augusto P. Souto Maior,
O Pragmatismo Responsável publicado em J. A. Guilhon Albuquerque, Sessenta Anos de Política Externa Brasileira. 1930-1990.
Vol. I. NUPRI/USP, 1996.
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produzir normas e institucionalizar cada vez mais essa interação6. No entanto, em


razão do crescente teor de anarquia, paradoxalmente, apostas em instâncias de
negociação multilateral parecem inadequadas diante de um cenário da política
internacional onde as forças que dão sustentação à capacidade das nações de
obstruir a ação das organizações internacionais têm aumentado muito mais do
que a capacidade de construir consensos. Com efeito, a multipolarização
discutida nos parágrafos anteriores tem feito com que, cada vez mais, a nova
distribuição de forças na ordem internacional dificulte a obtenção de consensos.
Em muitas instâncias, mesmo governos de Estados com limitados recursos de
poder são capazes de obstruir negociações. Nesse ambiente, a capacidade de
bloquear iniciativas tornou-se maior e mais efetiva do que a capacidade de
implementação de iniciativas e programas de cooperação gerando sucessivos
impasses que, virtualmente, paralisam a ação das instituições e limitam a eficácia
dos regimes internacionais7. Passados os primeiros momentos de euforia do fim
da guerra fria, investir nas instâncias multilaterais tem se tornado um exercício
improdutivo não apenas para as nações desprovidas de recursos de poder, mas até
mesmo para as grandes potências.

O fato é que, cada vez mais, as nações têm passado a agir de forma
unilateral. Entre os casos recentes mais expressivos pode-se citar as rodadas de
negociação comercial nas quais alianças por vezes exóticas são formadas com
propósitos variados. Muito embora essas alianças não se revelem suficientes para
implementar uma determinada proposta, revelam-se suficientes para impedir o
avanço das negociações sobre quaisquer outras propostas. Pode-se dizer que o
mesmo ocorre com as negociações sobre temas ambientais. As freqüentes
referências ao “unilateralismo americano” devem ser, na verdade, estendidas a

6 Inis Claude argumenta que uma organização internacional surge quando quatro pré-condições se fazem presentes: existem Estados
estáveis; o nível de interação adquire densidade significativa; questões derivadas da interação tornam-se relevantes; os atores
internalizam a percepção de que é necessário criar uma instância internacional específica para lidar com essas questões derivadas da
convivência (Inis L. Claude Jr. Swords into Plowbares.Randon House, N. York, 1964).

7 A capacidade de veto pode ser formal ou informal. No âmbito das Nações Unidas o veto formal pode ser exercido pelos países do
P-5, isto é, pelos cinco países que possuem um assento permanente no Conselho de Segurança. Num sentido mais geral pode-se
falar na existência também de um veto informal, que se refere à capacidade difusa que a grande maioria das nações possui no
sentido de obstruir a aprovação de resoluções, de medidas ou de acordos nas várias instâncias internacionais. A maioria dessas
instâncias opera por consenso e, nesse sentido, mesmo governos representando nações de limitados recursos de poder, incapazes de
implementar ações internacionais expressivas, são capazes de obstruir processos de negociação.
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todas as demais grandes potências e até mesmo a muitas nações de menor


expressão. Cada governo, por diferentes razões, vê na cena internacional uma
instância na qual pretende obter ganhos ou vitórias diplomáticas que fortaleçam
suas posições ou legitimem suas demandas. Nesse quadro, os foros multilaterais
são vistos freqüentemente como palcos para manifestações de nacionalismos de
diferentes matizes deixando de lado a sua função principal de instâncias de
negociação internacional constituídas para resolver divergências, reduzir tensões
e abrir oportunidades. Por razões óbvias, chama muito mais a atenção quando os
Estados Unidos agem unilateralmente do que quando países como a França, a
China ou o Brasil o fazem. O fato é que, na ordem internacional, o teor anárquico
do ambiente político tem aumentado, reduzindo o potencial de viabilidade de
projetos que dependem diretamente da cooperação espontânea das nações. Os
freqüentes e sucessivos impasses nas negociações comerciais e nas questões
ambientais são talvez apenas os reflexos mais visíveis de um fenômeno mais
geral típico de um ambiente internacional pouco favorável ao multilateralismo.

Esse cenário ajuda a explicar porque algumas sociedades que investiram


fortemente em iniciativas de cunho predominantemente pragmático têm sido
mais bem sucedidas do que outras na integração aos fluxos econômicos
internacionais e aos processos de geração da riqueza. Desde o final da Segunda
Guerra Mundial é possível enumerar os casos de sucesso expressivo na geração
de riqueza e bem estar para suas populações associando-os à forma com que
desenvolveram estratégias de conexão com a ordem internacional: a reconstrução
da Europa no pós-guerra imediato, a reconstrução e modernização do Japão, a
emergência dos tigres asiáticos e, mais recentemente, o vertiginoso crescimento
da China e da Índia. Outros casos de sucesso, obviamente ocorreram, mas não
foram tão persistentes e não tiveram a mesma expressão.

Cada um desses casos de sucesso consistiu em experiências individuais e


únicas, uma vez que cada nação ou região tem particularidades políticas, sociais
e culturais que as individualizam e também têm diante de si circunstâncias que
lhes são peculiares. Apesar de tudo, um ponto comum nas estratégias dos
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governos desses países foi a ação deliberada no sentido de buscar a integração


com a economia internacional. As motivações e as circunstâncias políticas que
levaram a Europa Ocidental, liderada pela Inglaterra, Alemanha, França e Itália,
a buscar a integração com a ordem econômica internacional obviamente foram
diferentes daquelas que levaram o Japão ou os Tigres Asiáticos a fazerem o
mesmo. No entanto, em todos os casos citados, a disposição no sentido de buscar
a integração com as forças em ação no cenário internacional foi clara e
inequívoca.

Nesse quadro, nas estratégias de integração com a economia internacional


emerge como padrão comum a aliança com os Estados Unidos dada a sua
condição de verdadeiro pivô do comércio, das finanças e do sistema monetário
internacional. No caso da Europa esse padrão aparece de maneira óbvia no Plano
Marshall e nas muitas maneiras pelas quais o avanço da integração européia se
beneficiou das relações e mesmo da ajuda americana. No caso do Japão, a guerra
da Coréia e a disposição do governo americano de fortalecer sua posição no
extremo oriente tiveram papel importante no suporte à reconstrução e
modernização da indústria japonesa. Nos casos dos Tigres Asiáticos e, mais
recentemente, da China e da Índia a associação com os Estados Unidos deu-se de
forma menos oficial e um tanto mais difusa. Particularmente no caso da China,
apesar das notáveis diferenças culturais e ideológicas, desde o fim da era Mao
Tse Tung, os sucessivos governos buscaram, de forma admiravelmente
pragmática, uma associação estratégica com o Ocidente, especialmente com os
Estados Unidos8. Assim, em todos esses casos, a associação com os Estados
Unidos tem sido peça chave da estratégia de integração à economia internacional
seja pelo peso da economia americana, seja pelo fato de que, em larga medida, o
acesso à maioria dos regimes internacionais ainda depende da liderança do
governo americano que, em última instância, reflete os interesses mais variados e
profundos da sociedade americana.

8 Em artigo recente publicado no jornal O Estado de S. Paulo (6/julho/2008, p. 20A), o professor Cui Zhiyan, da Universidade de

Tsinghua declara que “o sucesso da economia chinesa se explica menos pelas reformas em direção à economia de mercado do que
pelo que a sociedade chinesa tem de socialista”. Apesar disso o artigo mostra como a integração à economia internacional é
importante na estratégia de sucesso e como, sobretudo nos primeiros anos, o mercado americano teve papel destacado.
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De forma mais geral, esses casos de sucesso mostram amplamente que a


cena internacional deve ser vista não como uma realidade a ser transformada por
meio de ações e de políticas voluntaristas, mas como um ambiente dentro do qual
há muitas forças em ação que podem se constituir tanto em fontes de problemas
quanto de oportunidades. Nesse ambiente, onde cada sociedade procura seu lugar
por meio de alianças e associações, a ação pragmática emerge como a forma mais
segura para que oportunidades não sejam desperdiçadas e para que sejam
reduzidos os impactos oriundos de problemas gerados pelo jogo de forças na
esfera internacional.

Esses fatos indicam que um governo, ao entender que sua política externa
deveria ser “autônoma e independente” – em oposição ou a despeito das
instituições e práticas internacionais – está afirmando que outros governos
também deveriam estar fazendo o mesmo. Caso essa condição não se verifique,
políticas com esse teor tendem a resultar em perdas de oportunidade ou, em casos
mais extremos, até mesmo num processo de isolamento internacional.

A ordem interna e sua lógica com a ordem internacional

Afirmar que as razões que tornam uma sociedade rica e poderosa são
virtudes como a dedicação ao trabalho, o talento e a engenhosidade, não
esclarecem muito a questão. A indicação de condições mais objetivas e
mensuráveis é um exercício mais trabalhoso e depende da forma como se olha a
questão. Neste ensaio a tentativa é observar o fenômeno das diferenças de
desempenho e de sucesso entre as nações sob o ponto de vista das relações com o
meio internacional.

É comum ouvir a afirmação de que a realidade internacional constitui um


elemento condicionante para as nações mas, apesar disso, especialmente nos
países em desenvolvimento, não se tem dado suficiente atenção às relações entre
o ambiente doméstico e as variáveis em ação no meio internacional. Estratégias
de modernização e desenvolvimento acabam sendo freqüentemente formuladas
pelos governos como se fossem questões estritamente domésticas. Na verdade, a
17 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano I – n. 1 – julho / setembro, 2008 –

maioria das referências ao meio internacional tem por objetivo apenas justificar
alguma dificuldade ou eventuais maus resultados obtidos na ação governamental,
quando não são, simplesmente, o produto de visões voluntaristas sobre
cooperação e igualdade no plano internacional. No Brasil, por exemplo, apenas
recentemente deixou-se a prática de manejar a taxa de câmbio como instrumento
de defesa do setor exportador sem considerar o fato de que artifícios cambiais
podem aliviar apenas momentaneamente as dificuldades e que a competitividade
resulta de condições estruturais construídas ao longo do tempo. Do mesmo modo,
políticas protecionistas também podem ter algum efeito no curto prazo mas
podem, por outro lado, comprometer seriamente a aplicação de estratégias de
desenvolvimento de longo prazo.

Mancur Olson na obra The Rise and Decline of Nations, escrita há mais de
20 anos, oferece uma linha interessante de interpretação para a questão
argumentando que a presença de elementos de “rigidez social” pode ser um
grande obstáculo ao progresso e à modernização9. Os elementos de rigidez social
para Olson seriam segmentos da sociedade reunidos em torno de certos interesses
particulares formando grupos de pressão, formais ou informais, que em geral se
mostram resistentes à inovação e à modernização das economias. Esses grupos
de pressão podem ser originários de setores da economia ou podem estar
entranhados na própria burocracia estatal. No caso das sociedades que atingiram
níveis elevados em seu padrão de riqueza, a ação desses grupos, ao prevalecer
sobre as iniciativas de inovação e de modernização do parque produtivo, pode
levar à perda de competitividade e ao declínio. Olson cita os casos mais extremos
ocorridos após a Segunda Guerra Mundial – a Alemanha e o Japão – que, em
larga medida, se beneficiaram do fato de que, em ambos os casos, os focos de
“rigidez social” haviam sido eliminados juntamente com a destruição trazida pela
guerra. Tanto no caso da Alemanha quanto do Japão, os governos do pós-guerra
puderam, livremente, trabalhar na reconstrução sem a preocupação de acomodar
interesses longamente entranhados nas estruturas sociais e econômicas dos dois

9 Mancur Olson, The Rise and Decline of Nations. Economic Growth, Stagflation, and Social Rigidities. Yale University Press,

1982.
18 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano I – n. 1 – julho / setembro, 2008 –

países. Contrariamente, argumenta Olson, para a Inglaterra, as duas ou três


décadas que se seguiram ao final da guerra foram marcadas pela estagnação, em
grande medida pelo fato de que os focos de rigidez social continuaram ativas
apesar das turbulências da guerra. Aliás, ao contrário, como haviam contribuído
para o esforço de guerra, esses grupos passaram a cobrar do governo a devida
retribuição de que se julgavam merecedores, na forma de políticas que
privilegiassem seus interesses.

Ao se observar os acontecimentos mais recentes, conclui-se que os


argumentos de Olson, formulados no início da década de 1980, hoje ganham
significado muito mais dramático. O avanço da integração internacional e o
aumento da velocidade das mudanças tecnológicas verificados especialmente a
partir da década de 1970 passaram a ser componentes inerentes à vida
econômica. Se nos primórdios da revolução industrial Adam Smith e os
economistas chamados “clássicos” viam a divisão do trabalho como fator
essencial de progresso e geração de riqueza, hoje a inovação tornou-se uma
condição permanente das economias. As inovações surgem e ao mesmo tempo
que abrem novas oportunidades, também tornam obsoletas práticas na produção e
na organização da produção. Diante dessa realidade, pode-se afirmar que as
nações precisam manter-se conectadas com os centros dinâmicos da economia
mundial sob pena de perderem competitividade e também as oportunidades que,
continuamente, emergem e desaparecem.

O problema é que qualquer inovação traz consigo efeitos sobre interesses


distribuídos pelas sociedades de modo diverso e heterogêneo. Cada inovação traz
benefícios apenas para alguns segmentos de uma economia, embora seja possível
entender que toda a sociedade, no longo prazo, deve acabar por se beneficiar da
introdução de inovações. O lado problemático é que, geralmente, num primeiro
momento, as inovações beneficiam alguns setores mas, ao mesmo tempo, podem
contrariar outros e considerável parte da ação dos governos é decidida nos
horizontes dos interesses de curto prazo. A automação bancária trouxe muitas
facilidades aos usuários, mas eliminou milhares de empregos. A adoção de
19 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano I – n. 1 – julho / setembro, 2008 –

tecnologias como a da fibra ótica trouxe grande avanço nas comunicações, mas
reduziu a necessidade do emprego dos fios de cobre deixando bastante
insatisfeitos a indústria da mineração e metalurgia e também os sindicatos
associados a esse metal. Diante dessas questões é que Olson argumenta que focos
de rigidez social podem ser sérios entraves à modernização e à competitividade e
que, embora no longo prazo seja completamente inviável a manutenção de
padrões obsoletos, no curto prazo constituem grupos de pressão atuantes e
difíceis de serem satisfeitos. Políticas protecionistas geralmente são produtos
dessa realidade que, incomodamente, torna obsoletos muitos interesses e padrões
de comportamento longamente estabelecidos e que opõe demandas de curto
prazo e perspectivas de longo prazo. Por essa razão, em geral essas políticas
estão associadas à ação de sindicatos tanto patronais quanto de trabalhadores que
agem no sentido de defender interesses, na maioria das vezes bastante legítimos
mas que inevitavelmente acabam por se constituírem em obstáculos à
modernização e à competitividade

Essa questão, vista sob a ótica da lógica dos fenômenos internacionais,


mostra que o grande problema é que o governo de uma nação pode, para atender
demandas de forças políticas domésticas, impedir a adoção de certas inovações,
mas isto não impedirá que outras economias as adotem e ganhem em eficiência e
produtividade. A história exibe inúmeros exemplos desse fenômeno como foram
os casos de Cuba em relação à cana-de-açúcar depois da Primeira Guerra
Mundial ou do Brasil em relação à borracha e também, em larga medida, o
próprio café. Com efeito, há muitos trabalhos sobre a história da economia do
café que mostram fartamente como a política de sustentação de preços do café ao
longo da década de 1920, ao mesmo tempo que favorecia generosamente os
cafeicultores brasileiros, também acabou por servir de incentivo aos produtores
de café da Colômbia e de outros países concorrentes do Brasil10.

10 Ao longo da década de 1920 todas as principais “commodities” perdiam preços no mercado internacional, à exceção do café. Em

1929, às vésperas da crise, os preços de produtos como o trigo e o milho tinham preços em torno de 40% menores do que de 1924.
Apenas o café mantinham os mesmos níveis de preço, à custa de financiamentos tomados pelo governo brasileiro obtidos nos
mercados de Londres e N. York. Ver Derek H. Aldcroft, From Versailles to Wll Street,. 1919-1929. Allen Lane Penguin Books,
Londres, 1977.
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Assim, visto sob o prisma do contexto internacional a questão da inovação


se afigura central para a abordagem do problema da competitividade. Com o
avanço do processo que se convencionou chamar de globalização a dimensão
internacional da modernização e do crescimento das economias tornou-se mais
crítica. Cabe, portanto, analisar um pouco mais detidamente as relações entre
inovação, comportamento do mercado e ambiente internacional.

As inovações podem surgir em laboratórios de pesquisa e


desenvolvimento de indústrias, mas podem surgir também em universidades ou
até mesmo a partir de programas e de estruturas governamentais voltadas para a
solução de alguma demanda específica, uma vez que a inovação não deve ser
entendida apenas como novos produtos e novos processos de produção. O
conceito de inovação deve incluir também novas maneiras de organizar a
produção e até mesmo novas formas de relacionamento entre a esfera pública e o
domínio privado. Qualquer desenvolvimento ocorrido nesses âmbitos pode ter
conseqüências econômicas importantes. Com efeito, é fácil entender que o
desenvolvimento de um novo produto levado a efeito nos laboratórios de
pesquisa e desenvolvimento de uma grande indústria deverá provocar mudanças
nos padrões de demanda desse produto, de seus similares ou dos insumos
utilizados na sua fabricação. Para muitos, no entanto, nem sempre fica muito
claro como a agilização dos processos judiciais, a criação de uma agência
reguladora ou a eliminação de um imposto pode influenciar de maneira
significativa a ação dos agentes econômicos. Essas são razões que explicam por
que não é nada fácil para os governos lidar com os focos de “rigidez social” a
que se refere Olson.

O mercado constitui, essencialmente, o ambiente dentro do qual as


inovações são incorporadas à produção e à vida econômica dos indivíduos e das
sociedades. O conceito de mercado, por sua vez, deve ser entendido hoje como
um componente da vida dos indivíduos e que apresenta muitas facetas e muitas
características e peculiaridades que variam de região para região além de
depender da natureza do bem em questão. Ao se falar dos mercados do petróleo,
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dos eletrodomésticos ou da soja, cada mercado tem suas particularidades, da


mesma maneira que o mercado imobiliário varia de uma cidade para outra.
Assim, o mercado não deve ser visto como uma espécie de entidade única a ser
endeusada ou demonizada, mas como um fenômeno que se manifesta de modo
variado no comportamento econômico das pessoas e das organizações. Em
alguns casos os fatores locais têm mais importância, em outros a conexão com o
meio internacional é mais relevante e, em outros ainda, o nível de intervenção
governamental é maior e por vezes até desejável enquanto em outros a
intervenção dos órgãos de governo não é apenas indesejável, é inútil. Assim, não
é possível encontrar uma descrição de características que sejam comuns a todos
os mercados e a todas as economias.

Talvez seja o caso de buscar na analogia com a ordem política um


exemplo bastante ilustrativo. Fala-se em nações ou sociedades democráticas
como se “sociedade democrática” fosse uma categoria bem definida e
homogênea. Entretanto, ao buscar na realidade as sociedades democráticas,
encontramos uma enorme variedade. Estados Unidos, Reino Unido e França por
certo são sociedades democráticas, mas suas instituições políticas além de serem
bastante diferentes entre si, são substantivamente diferentes das da Suécia, do
Japão, do Canadá e de outras dezenas de sociedades que podem ser perfeitamente
classificadas como democráticas. Umas são monarquias enquanto outras
adotaram a forma republicana de governo, algumas são presidencialistas
enquanto outras são parlamentaristas, e assim por diante. Mesmo quando se entra
no domínio da relação do Estado com a economia, cada uma dessas sociedades
consideradas democráticas e pertencentes à categoria das nações liberais de
economia de mercado, também definiu ao longo do tempo seus próprios padrões.
Enquanto em países como os Estados Unidos e o Japão o orçamento público não
atinge 1/3 do PIB, nas grandes democracias da Europa a participação do Estado
na economia é bem maior, chegando a representar em países como a Suécia mais
da metade da economia do país. Dados como esses contrariam as teses mais
simplórias de que a redução da participação do Estado na economia deveria ser
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um fim a ser perseguido como um princípio, como a liberdade, por todas as


democracias liberais de mercado.

Na busca de um elemento que poderia ser considerado comum a esses


modelos talvez possa ser apontada a preocupação com a eficiência no uso dos
recursos no seu sentido mais amplo. Isto é, uma nação com as dimensões dos
Estados Unidos possui características e recursos que permitem operar seu
mercado dentro de certos padrões, mas uma economia como a sueca, com um
mercado interno muito mais limitado, não pode contar com as mesmas soluções
desenvolvidas pela economia americana. Apesar de tudo, elementos como o
desperdício, os gastos públicos imprevidentes, ou a pouca sensibilidade para as
oportunidades valem tanto para a Suécia, quanto para os Estados Unidos e
deveriam valer também para o Brasil. Nesse sentido, Fairbanks & Lindsay no
livro “Arando o Mar”11 exploram o que chamam de sete sintomas do fracasso:
mal aproveitamento dos fatores abundantes (recursos naturais e mão-de-obra, em
especial); pouca compreensão do mercado (na verdade descaso pelas forças de
mercado); desconhecimento do potencial real de competitividade internacional;
integração vertical da produção pouco eficiente; pouca integração horizontal
entre empresas complementares12; postura defensiva, apostando sempre no
protecionismo; demasiada expectativa em relação às ações do governo.

O que obras como as de Mancur Olson e Fairbanks & Lindsay sugerem é


que as sociedades devem alinhar-se com as forças presentes e atuantes na ordem
internacional. Alinhar-se, nesse caso significa reconhecer o caráter condicionante
da realidade internacional e que a eliminação do desperdício, a eficiência no
emprego de recursos escassos e a busca pelas oportunidades constitui o padrão
predominante no cenário internacional e que são os governos que devem liderar
no âmbito de suas nações o esforço de organizar e fortalecer instituições com

11 Michael Fairbanks & Stace Lindsay. Arando o Mar. Fortalecendo as Fontes Ocultas do Crescimento em Países em

Desenvolvimento. Qualitymark Editora, R. de Janeiro, 2002.

12 Michael Porter em The Competitive Advantage of Nations (Free Press, N. York), livro que fez muito sucesso quando de seu

lançamento em 1990, chama de clusters esses conjuntos de empresas que formam setores industriais. Por exemplo, o cluster da
indústria de celulose e papel seria composto, além dos fabricantes de pasta de celulose e papel, pelos produtores de madeira, pelos
fabricantes de insumos e equipamentos utilizados na fabricação de celulose e papel, pelas empresas de transporte e comercialização
de papel e celulose, etc.
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vistas a esses objetivos. O que essas análises estão argumentando é que questões
como o desmatamento e as queimadas ilegais na Amazônia não devem ser
combatidos pelas autoridades do governo brasileiro como resposta a denúncias e
pressões externas, mas devem ser combatidos porque são, em si mesmas, uma
grande estupidez, um desperdício despropositado e inaceitável, e deveriam ser
combatidos ainda que a comunidade internacional mal tivesse dando conta dessas
ocorrências. Esse mesmo raciocínio deveria ser estendido a toda a atividade
econômica, a começar pelos recursos do setor público que são, em larga medida,
desperdiçados em pagamentos por atividades completamente improdutivas e até
mesmo em redes de corrupção enquanto estradas, portos e outros elementos
estruturais continuam servindo precariamente à produção e aos canais de
escoamento. Em outras palavras, ao fazer isso, o País estaria entrando em
sintonia com as forças que induzem à criatividade e às inovações que, em larga
medida, determinam os padrões de competitividade das economias no mundo.

Considerações finais

Ao discutir os elementos que podem definir a posição internacional de um


país como o Brasil em termos da competitividade de sua economia duas questões
teóricas podem ajudar o seu entendimento a título de conclusão. A primeira diz
respeito à agenda internacional e a segunda, intimamente relacionada à primeira,
refere-se ao debate teórico sobre a importância dos atores na determinação dos
fenômenos internacionais

Durante várias décadas a literatura corrente de relações internacionais


costumava referir-se à agenda internacional como dividida entre high politics e
low politics. Essa divisão trazia em si vários significados, entre eles a idéia de
que haveria uma certa hierarquia entre os temas da agenda internacional e, por
conseqüência, também a presunção de que certos temas deveriam ser afeitos a
chanceleres e governantes, enquanto outros, afeitos à low politics, poderiam ser
conduzidos por oficiais de menor escalão e mesmo por atores não-estatais. Nas
duas últimas décadas essa forma de classificar os itens da agenda internacional
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foi sendo abandonada por não mais ajudar a explicar a realidade internacional.
Temas tipicamente classificadas como low politics passaram a freqüentar a
agenda dos principais estadistas. Encontros bilaterais e conferências
internacionais multilaterais sobre comércio, meio-ambiente, cooperação
científica e tecnológica, passaram a ser cada vez mais freqüentes e a ocupar a
atenção dos governantes das grandes potências

Nesses assuntos, o papel dos agentes não estatais é fundamental mas, em


larga medida, em muitos aspectos essenciais, continuam a depender da ação dos
governos, que podem assinar tratados ou estabelecer programas de suporte ao
desenvolvimento e à estabilização ou ainda criar programas de estímulo à
cooperação científica e tecnológica. Nos últimos anos conferências e encontros
internacionais têm ocorrido com o propósito de estabelecer novas regras para o
comércio agrícola e programas de redução de emissão de carbono na atmosfera.
Os resultados dessas negociações, conduzidas essencialmente por governantes,
poderão influenciar de forma significativa os níveis de atividade econômica em
muitos países, alterando também o papel e a agenda de ação das entidades não-
governamentais.

Apesar de tudo, para os propósitos da presente análise, o Estado continua


tendo um papel absolutamente insubstituível no sentido de estabelecer os
parâmetros dentro dos quais os atores não-estatais podem agir no âmbito da
ordem interna das nações a que pertencem. Empresas, por mais atuantes e por
maiores que sejam têm suas ações dependentes da ordem interna das nações onde
atuam. Nos casos extremos em que o Estado perdeu a capacidade de organizar a
ordem interna (os chamados “failed states”) é difícil imaginar a existência de
uma organização empresarial seja de capitais domésticos ou oriundos de outros
países. Nos casos de nações “normais”, isto é, com a ordem política e social
satisfatoriamente bem organizada, as ações das instituições do Estado no plano
doméstico podem ser favoráveis ou contrárias ao bom desempenho dos agentes
que geram riqueza e produzem crescimento. Em um mundo em constante
transformação é muito difícil que essas ações sejam neutras, isto é, que não
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influenciem de algum modo a capacidade de inovar e de participar ativamente


das mudanças em curso.

Nesse quadro, o meio internacional exerce um papel importante porque


fornece os parâmetros dentro dos quais as transformações orientam seu curso. Na
década de 1990 os debates acerca do que ficou conhecido como “Consenso de
Washington” foram vistos de diferentes maneiras pelos governos. Alguns
interpretaram como um conjunto de medidas, um receituário de políticas
recomendadas pelas nações mais ricas e que, por essa razão, não deveria ser
seguido. Ha-Joon Chang no seu livro “Chutando a Escada” argumenta que as
nações em desenvolvimento não deveriam seguir esse “receituário” que, segundo
ele, recomenda políticas liberais que os países ricos de hoje não praticaram para
construir sua riqueza13. Todavia, provavelmente o valor mais importante do
“Consenso de Washington” seria o de se constituir num retrato de um momento
da economia internacional. Aos governos, especialmente dos países em
desenvolvimento a quem se dirigia o “receituário”, caberia, com tranqüilidade e
sensatez, observar com cuidado esse retrato e qual a mensagem nele contida.
Caberia ver, por exemplo, que as fontes internacionais de recursos para o
desenvolvimento estavam limitadas e passaram a seguir regras completamente
diferentes dos programas de desenvolvimento das décadas de 1960 e 1970. Isto é,
o sentido da cooperação econômica internacional mudara completamente. Além
disso, caberia observar também que economias como as da Coréia do Sul (país
do próprio Chang), da China e da Índia não consideraram o “Consenso” nem
como receituário a ser seguido e nem como algo a ser combatido. Aparentemente
viram apenas nesse “consenso”, um retrato das condições por que passava a
economia política internacional e que certas expectativas deveriam ser
abandonadas e que outros tipos de estratégia deveriam ser postas em prática. Na
realidade, um traço marcante na ação das economias asiáticas tem sido a grande
dose de pragmatismo. Talvez esse traço de comportamento ajude a explicar um

13 Ha-Joon Chang. Chutando a Escada. A Estratégia do Desenvolvimento em Perspectiva Histórica. Editora UNESP, 2003.
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dos fenômenos mais importantes nas relações internacionais do pós-guerra que é


a emergência da Ásia.

O fato é que ao se observar a história recente, não há caso de nações que


conseguiram construir uma sociedade rica e capaz de se beneficiar das
facilidades oferecidas pela modernidade sem se integrarem ao meio
internacional. Nessa análise, a título de conclusão, talvez seja o caso de retomar a
reflexão sobre um dos aspectos essenciais da natureza do meio internacional.
Como tudo que se refere às instituições humanas, as relações internacionais
também apresentam certos aspectos paradoxais. Enquanto de um lado há,
visivelmente, um processo de integração que se estende e se aprofunda em escala
global, de outro, certas manifestações locais e individuais ganham força. James
Rosenau propôs o neologismo “fragmegration” para caracterizar essa
convivência entre duas forças ou tendências paradoxais observáveis na realidade
internacional: de um lado as forças de integração e, de outro, as de
fragmentação14. Rosenau argumenta que no plano global ocorre o mesmo que em
ambientes regionais como o da União Européia, por exemplo, onde as forças de
integração convivem com sentimentos e mesmo iniciativas de preservação e
valorização de padrões e práticas locais. Percepção semelhante acerca desse
caráter paradoxal das coisas humanas serve de ponto de partida para Thomas
Friedman quando explora o tema da globalização usando a metáfora da
convivência entre o “Lexus” e a “oliveira”. Para Friedman o Lexus (automóvel
de luxo fabricado pela Toyota) exemplifica o sentido da busca pela eficiência, do
avanço da modernidade e do futuro tecnológico, enquanto a oliveira pode ser
vista como símbolo da necessidade do homem de manter suas raízes, de
assegurar o sentido da permanência e da individualidade. Nenhuma das duas
facetas pode ser desprezada, consistindo o grande desafio em integrar-se ao
mundo tecnológico, que é universalista, e, ao mesmo tempo, preservar valores e
certas tradições essencialmente locais. O mundo tecnológico é aquele que

14 James N. Rosenau, Turbulence in World Politics. A Theroy of Change and Continuity. Princeton University Press, 1990.
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permite ao homem desfrutar dos benefícios da modernidade, mas são os valores


que podem dar sentido à vida e à busca da felicidade.

* Eiiti Sato

Paulista de nascimento, diplomou-se em economia pela


Fundação Alves Penteado- FAAP, tendo obtido o grau de
Mestre em Relações Internacionais na Universidade de
Cambridge (U.K.) e de Mestre e Doutor em Sociologia pela
Universidade de São Paulo. Foi consultor do Ministério das Relações Exteriores
e Coordenador de Projetos do Centro de Estudos Estratégicos (2000/2004). Foi
presidente da Associação Brasileira de Relações Internacionais na gestão
2005/2007. Atualmente é professor adjunto da Universidade de Brasília, onde
exerce o cargo de diretor do Instituto de Relações Internacionais, com mandato
até 2010.

Fonte

Revista LIBERDADE e CIDADANIA


Senado Federal – Anexo I – 26º andar
70 165 – 900 - Brasília – DF
Telefone: (55) xx 61 - 3311 4273
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www.flc.org.br

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