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Dimensões Interdependentes Entre a

Política Doméstica e Internacional?


Revisão Do Estado do Campo nas
Teorias de Relações Internacionais
A indiferenciação entre as esferas doméstica e exterior nas TRI e na APE podem derivar, segundo Maria Regina
Soares de Lima (2000), tanto de abordagens estratégicas (racionalistas) quanto normativas (cosmopolitas). Segundo
Kenneth Waltz (2002, p.93), um ponto em comum entre a abordagem mais tradicional e a moderna das TRI é o
caráter behaviorista de ambas. Embora tenham diferenças fundamentais (natureza de interpenetração sistema
internacional – unidades nacionais, por exemplo), seus modelos explicativos das relações internacionais derivam de
uma mesma premissa: suas explicações são dispostas a partir das unidades, evitando o efeito que as situações podem
de algum modo gerar.

Na abordagem tradicional infere-se uma distinção de caráter estrutural entre a política


doméstica e a política internacional, uma distinção ancorada na prerrogativa de que
existe uma política organizada em dada condição de regras comumente estabelecidas e
outro tipo de política disposta num cenário anárquico. A grande questão da discussão ao
longo do século XX dentro das TRI resume-se a seguinte indagação: é o sistema
internacional um efeito ou uma causa na explicação do comportamento dos atores
internacionais?
Até mesmo enquanto domínios teóricos, é fundamental distinguir que a Política
Internacional não é Política Externa (WALTZ, 2002). O domínio da primeira diz
respeito ao nível estrutural ou sistêmico da interação entre os Estados. Enquanto a
segunda diz respeito ao nível estrutural político doméstico. Essas duas disposições
podem ser dimensionadas de forma intercambiável ou restrita. A literatura neo realista
considera que a política doméstica não exerce acentuada importância na explicação das
decisões políticas exteriores e nos resultados ulteriores da política internacional
(FEARON, 1998). O objetivo de uma teoria de política externa é explicar os resultados
de uma dada política exterior de um Estado ou comparando determinadas políticas
exteriores entre dois ou mais países. Os efeitos de uma política exterior não devem ser
confundidos com os efeitos das atividades sistêmicas nas quais se encontram os Estados
no sistema político internacional. Por isso a recomendação neo realista disposta por
Kenneth Waltz (2002, p. 104): “uma teoria político-internacional não implica ou requer uma
teoria de política externa.” Essa premissa neo realista refletida por Waltz abre pouca
margem para uma abordagem explicativa interdependente entre os níveis doméstico e
internacional da política.
Kenneth Waltz (2002) distingue os dois modelos de política por meio de três critérios:
(i) o princípio ordenador do sistema; (ii) o caráter das unidades proponentes e; (iii) a
distribuição de suas capacidades. Para Waltz, um dos pontos fundamentais que
distinguem os sistemas políticos domésticos dos sistemas políticos internacionais é a
díade hierarquia-anarquia. Enquanto que os sistemas políticos domésticos são dispostos
sob a égide hierárquica, nos sistemas políticos internacionais ocorre, como condição
estrutural, o princípio de anarquia, ressalvando que anarquia no sistema politico
internacional não é tomada como caos, mas apenas como a falta de uma hierarquia
institucionalizada, por meio de alguma autoridade superior ao Estado.
Segundo o teórico neo realista (2002, p.88), uma teoria de caráter reducionista,
entendida como uma teoria focada no comportamento das unidades, explicaria: “as
resultantes internacionais através de elementos e combinações de elementos localizados a nível nacional
ou subnacional. A argumentação de tais teorias é que forças internas produzem resultantes
externas.” Neste sentido, o sistema internacional é tomado como uma variável resultante,
o que, para Waltz, constitui-se um erro tanto teórico quanto metodológico. Um outro
ponto importante a ser considerado dentro das TRI é o papel interativo entre o sistema
internacional e os atores/unidades nacionais. Segundo Waltz (2002, p. 88), as TRI
podem ser tanto sistêmicas quanto reducionistas, lidando seja com fenômenos políticos
no âmbito subnacional seja supranacional. Para o teórico, essa distinção não é dedutiva
do fenômeno que tratam, mas correspondem a forma como são organizados seus
meandros explicativos.

Na obra Política entre as Nações, H. Morgenthau levanta os princípios do Realismo Político e uma


dessas premissas é conceber o interesse nacional de maneira atomizada e sem espaço para uma
diversidade poliárquica na distinção desse “interesse nacional”. E, embora mutável, o interesse nacional
é definido em termos de poder, configurando o poder político de forma isolada de outras esferas
(como economia/riqueza, ética, estética, religião).
Entretanto, o Neo Realismo, de cunho mais racionalista, abriu, de certa forma, espaço em sua agenda para
a política doméstica e seus efeitos na política externa dos Estados, distanciando-se do “núcleo duro”
realista clássico. Por exemplo, segundo Frieden (1999), contrariando a perspectiva mais “dura” realista,
não existe um denominado “interesse nacional”. Para o autor neo realista, o comportamento do Estado no
sistema internacional reflete as preferências e estratégias de quem exerce o controle político de sua
unidade, ou seja, os atores políticos que participam do processo decisório e têm preferências que se
refletem na formulação da política externa do país.

Uma preferência primária, de caráter exógeno e fixo, dos líderes é conservar o controle
político sobre um Estado soberano. Dois desafios se impõe a essa preferência primária:
(i) os desafios externos e; (ii) os desafios domésticos. Os exemplos possíveis ao
primeiro desafio podem ser tanto a dominação política quanto militar por parte de outro
Estado que mine as capacidades materiais do Estado, quanto ao segundo desafio, o
desafio pode advir da perda de eleições, se num regime democrático, ou algum golpe de
Estado, podendo ser realizando tanto em regimes hegemônicos quanto democráticos.
É importante considerar que as mudanças epistêmicas no campo das TRI foram
gradualmente sendo redimensionadas em conformidade a dinâmica das relações
internacionais (o fim da União Soviética, a ampla abertura de mercados em países em
desenvolvimento e em menor desenvolvimento relativo, a emergência de novas agendas
como a ambiental). O que nos remete a necessidade de avançar o debate para além do
Neo Realismo, incorporando a mudança sistêmica decorrida do fim da Guerra Fria em
somatória a reorientação analítica das TRI, o que incorre, derivado desse ponto de vista,
na necessidade do exercício do diálogo com outra TRI, a Interdependência.
Por que? Por dois motivos: (i) pelas maior abertura e ampliação das economias de
mercado e (ii) pela instauração de regimes democráticos representativos em amplos
cenários geopolíticos. Os dois fatores promoveram uma maior interdependência, ainda
que assimétrica, entre os atores internacionais e também incentivou a maior participação
de outros atores políticos e sociais no processo político internacional. Segundo Maria
Regina Soares de Lima (2000, p.267): “no contexto da hegemonia da economia de mercado e da
democracia representativa liberal, a perspectiva realista tende a perder o lugar predominante que
ocupara até recentemente na reflexão sobre política internacional.” Inferência incorporada ao
trabalho.
Como já indicado no artigo, o processo de fim da Guerra Fria e o incentivo derivado no
formato de um processo de globalização econômica e expansão dos regimes liberais
democráticos rompeu de certa forma com a “exclusividade” em grau de importância dos
Estados como players no sistema político e econômico internacional. Esse processo
elevou a participação de outros atores políticos, sociais e econômicos nas relações
internacionais, participação essa que configura, para uma adequada percepção e análise
das relações internacionais, na incorporação de atores outrora minimizados em grau de
importância pela abordagem realista clássica, incluindo-se ai o papel das instituições
políticas democráticas no processo decisório de política exterior.
Uma prerrogativa elementar para as agendas de investigação Neo Realista e da
Interdependência é que o sistema internacional é anárquico. Todavia, embora prefigurem
uma mesma caracterização para o sistema internacional, as agendas de investigação
divergem quanto à configuração anárquica deste sistema. Para a agenda de investigação
da Interdependência, as relações internacionais não se configuram num verdadeiro
“estado de natureza hobbesiano”, mas sim num ambiente internacional ausente de um
governo comum, cabendo às instituições internacionais o trabalho de reduzir os custos
de transação entre os atores nas relações internacionais.
A Teoria da Interdependência em suas matizes originais (e anteriores ao fim da Guerra
Fria e ao processo acelerador de globalização) abria espaço em suas premissas de
investigação das relações internacionais a fenômenos não relativos à segurança (como
premiava a abordagem realista). Como asseveram Robert Keohane e Joseph Nye (1977,
p.04) em Power and Interdependence: “as we had done in our edited volume, Transnational Relations
and World Politics, we pointed to the importance of “today’s multidimensional economic, social and
ecological interdependence.” Perspectiva bem diferenciada do Realismo Clássico.

Para os autores, o principal argumento (neo) realista na explicação das relações


internacionais (a necessidade da preemência da segurança como fator explicativo do
comportamento dos Estados no sistema político internacional em detrimento da
importância de outros fatores das relações internacionais) carecia cada vez mais de
maior consistência explicativa com o desenvolvimento de temáticas nas relações
internacionais (comércio internacional, meio ambiente) cada vez mais interdependentes,
embora assimétricas, entre os Estados.
A conjuntura internacional que se desdobrava, no período de redação de Power and
Interdependence, indicava que os fatores de segurança não seriam exclusivistas (o que não
significou, necessariamente, que desapareceriam) em matéria de importância no
processo de formulação de política externa e fatores como competitividade econômica e
aberturas de novos mercados ou problemas ambientais globais ganhariam mais destaque
e modificariam o enfoque dos analistas de Relações Internacionais na explicação do
comportamento dos Estados no sistema internacional.
Na Teoria da Interdependência o ambiente internacional não é monolítico e muito
menos unidimensional e a interação entre os atores internacionais (inclusive o Estado) é
diversa, gerando com isto, a depender do nível de interação, maior ou menor
predomínio das estruturas sobre o comportamento dos atores internacionais. Por
predomínio das estruturas digo a influencia de fatores materiais, institucionais,
normativos e axiomáticos. A observação da importância dos níveis estruturais se
processa no sentido de que as estruturas moldam e condicionam o comportamento dos
atores, entretanto, também podem resultar da interação entre os mesmos.
Para Antônio Jorge Ramalho da Rocha (2002, p. 486):  “a primeira inovação relevante
provocada pela publicação de Power and Interdependence foi metodológica; a segunda foi propriamente
analítica.” Essa contribuição dupla efetuou-se a partir das considerações de Keohane e
Nye dos ajustes derivados do surgimento, manutenção e mudança dos regimes
internacionais. Algo que Keohane e Nye pontuaram de maneira ainda sem um rigor
analítico contumaz em Power and Interdependence e que mais tarde Stephen Krasner
definiu com maior rigor conceitual emInternational Regimes junto a outros autores. Um
ponto fundamental para a inovação da Teoria da Interdependência perante a abordagem
Neo realista foi a incorporação do conceito de regimes internacionais.
Segundo Eduardo Viola (2001, p.90): “os regimes internacionais são um sistema de regras
explicitadas num tratado internacional pactuado entre governos, que regulam as ações dos diversos
atores sobre o assunto.” Nesse sentido, regimes são meios para reduzir os custos de
transação necessários à interação entre os atores internacionais, possibilitando condições
mais adequadas na promoção de suas expectativas, favorecendo, por conseguinte, a
cooperação entre os atores internacionais. O modelo de regimes internacionais pode ser
identificado como uma abordagem explicativa bem sucedida no âmbito de explicar não
apenas a cooperação internacional, mas também o continuum existente entre a negociação
de determinadas diretrizes políticas no âmbito sistêmico internacional por meio das
instituições internacionais e a negociação e implementação dessas diretrizes políticas
(os regimes dispostos como acordos internacionais) na esfera doméstica dos Estados
nacionais.
Como meios para reduzir custos de transação nas negociações internacionais nas mais
variadas matérias (direitos humanos, meio ambiente, comércio internacional,
transferência de tecnologia, etc) entre os atores internacionais diante de algum tipo de
problema de caráter sistêmico, os regimes são dispostos como recursos de continuidade.
Em regimes democráticos presidencialistas, como o brasileiro, ao mesmo tempo que
derivam de articulações entre os países no nível sistêmico das instituições
internacionais, os regimes, para a devida implementação de suas diretrizes, dependem
diretamente da relação Executivo-Legislativo e dos interesses do primeiro em
transformar as normas de um dado regime em alguma determinada política pública.

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