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ANÁLISE DE POLÍTICA

EXTERNA
AULA 2

Profª Bruna Leal Barcellos


CONVERSA INICIAL

Nesta aula você será apresentado a algumas das principais teorias das
Relações Internacionais e aprenderá sobre suas visões a respeito da política
externa.
Em um primeiro momento será introduzida a ideia de teoria e a sua
importância para a construção de uma análise. Esse Tema será introdutório
para maior facilidade de absorção das teorias que serão apresentadas a seguir.
Como primeira teoria trabalhada teremos o Realismo. Nesse momento
será realizada uma introdução às três vertentes do realismo: o realismo
clássico, realismo neoclássico e o neorrealismo. Nesse Tema
compreenderemos o surgimento dessa teoria e sua visão do Estado como ator
que age de forma a garantir seu interesse próprio, tendo como principal foco a
sua segurança no cenário anárquico internacional.
Na sequência, abordaremos a teoria liberal. Com a apresentação da
teoria liberal, será possível fazer uma comparação de suas ideias com a da
teoria realista, observando como sua visão sobre o Estado e a concepção de
outros atores no cenário internacional representam a mudança na dinâmica
internacional.
Acompanhando as mudanças teóricas que surgiram como reflexo das
mudanças conjunturais do cenário internacional, o construtivismo será
apresentado, trazendo alguns dos seus principais conceitos como a identidade
e a interdependência complexa. Por fim, uma breve consideração sobre a
emergência das teorias que consideram outros níveis além do Estado será
realizada, encerrando a análise das relações da Análise de Política Externa
(APE) com algumas das principais teorias das Relações Internacionais.

TEMA 1 – AS RELAÇÕES DA APE COM AS TEORIAS

O uso da teoria em uma pesquisa pode servir para diferentes funções


conforme o objeto estudado, e o objetivo pretendido. Enquanto que, em
algumas pesquisas, a teoria pode exercer um papel de auxílio explicativo,
como em análises empíricas, a teoria também pode servir de aparato analítico
em estudos de caso. Sua flexibilidade vai desde casos mais específicos, até
assuntos mais gerais (Nanci; Pinheiro, 2019, p. 26).

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Um outro ponto a ser observado pelo pesquisador além da teoria são os
níveis de análise. No campo da APE, os níveis de análise podem se dividir em
três:

I. Nível do indivíduo: foco de análise nos decisores da política externa;


II. Nível estatal: análise sobre a correlação dos fatores domésticos com as
decisões tomadas no campo externo;
III. Nível internacional: análise sobre as relações entre os atores do nível
externo (Nanci; Pinheiro, 2019, p. 28).

A pesquisa pode se dar de forma autônoma, sendo cada nível analisado


de forma individual e prática, mas também há a possibilidade de junção dos
níveis, e com isso, têm-se uma análise de diversos níveis em uma só pesquisa.
Os níveis de análise incluem as estruturas e os agentes da dinâmica
externa. As estruturas representariam o local em que esses agentes
executariam suas ações e decisões, e os agentes seriam compreendidos como
aqueles que “possuem capacidade de ação” (Nanci; Pinheiro, 2019, p. 30).
Qual seria então a problematização sobre esses dois pontos?
Hill (2003) indica que o ponto nebuloso sobre essa relação se dá na
compreensão se os agentes, que teriam o papel de agir, seriam moldadas
pelas estruturas, ou se essas segundas, acabariam sendo modificados pelos
agentes. Deve se compreender que levando em consideração determinada
ótica, as estruturas não passariam de uma representação abstrata da qual
ocorreriam as ações dos agentes. As estruturas não seriam físicas, mas sim
uma manifestação dos padrões que ocorrem por meio da interação e dos
processos.
De acordo com essa ideia, as estruturas não poderiam ser vistas como
constantemente fixas e imutáveis. O fato de estarem correlacionadas com as
representações de padrões e processos, coloca as estruturas em um caráter
receptivo das mudanças que ocorrem nesse campo. Logo, as estruturas se
mostram como possíveis de alterações, de metamorfoses, que ocorreriam
conforme os processos executados e projetados sobre elas.

TEMA 2 – A APE E O REALISMO

O Realismo é uma das teorias mais antigas, e talvez uma das mais
conhecidas, dentro da disciplina das Relações Internacionais. Apresentando

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três principais vertentes, sendo essas o realismo clássico, o realismo
neoclássico e o neorrealismo. Por sua vez, a corrente realista ainda se mostra
viva nas análises dentro do campo das Relações Internacionais, ainda que o
cenário no qual essa teoria nasceu tenha se alterado durante os anos.
O realismo clássico é baseado em pensadores como Sun Tzu,
Tucídides, Tito Lívio, Maquiavel, Hobbes e Richelieu (Castro, 2012, p. 314).
Cada um contribuindo com uma visão, assim como com a concepção de seu
tempo, sobre a relação do Estado e indivíduo, assim como as relações entre
Estados. Como ponto central do realismo clássico tem-se a ideia de
preservação do Estado, assim como coloca o seu foco na importância da
segurança que estaria correlacionada ao poder estatal.
Com base nesses conceitos básicos sobre o Estado, o realismo clássico
também constrói sua visão sobre o cenário internacional, podendo esse cenário
ser observado como amparado na:

[...] incerteza, é estruturado em assimetria de informações por causa da natureza


desnivelada do relacionamento entre os Estados e demais atores não estatais. O
cenário internacional é amoldado pelo poder, pela força, pelo interesse. (Castro,
2012, p. 316)

A visão realista clássica não somente reconhece a ausência de


igualdade entre as nações, mas também coloca nessa desigualdade observada
um dos motivos pelo status de incerteza que consome o cenário externo. É
essa incerteza, o cenário de desequilíbrio internacional e o caráter anárquico
do campo internacional que fariam com que a defesa do Estado se tornasse
um ponto essencial.
A atenção do realismo clássico se volta para a necessidade de proteção
estatal. O Estado precisaria estar a todo momento garantindo sua própria
segurança pois, não sabe qual a ação que outro Estado tomará. A ideia de que
o outro está se armando, o faz também se armar a fim de se auto preservar.
Como vimos na Aula 1, essa discussão sobre Estado é uma das
principais para o realismo em um todo. A ideia de Estado como ator racional e
central permeia o raciocínio realista. O Estado agiria para seu próprio bem, o
que justificaria a atenção para sua própria proteção, assim como justificaria
qualquer decisão no campo doméstico ou externo.
Castro (2012, p. 319-322) estabelece sete premissas do realismo
clássico:

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I. As articulações externas, ou não, do Estado se pautariam em parte pela
natureza egoísta e individualista do indivíduo;
II. O Estado garante sua sobrevivência e segurança com base em
mecanismos, sendo um deles, a guerra;
III. O Estado executa a maximização de poder executando
constrangimentos;
IV. O Estado justifica suas políticas para a defesa com a ideia de obtenção
e manutenção;
V. A ausência de controle no cenário externo força a priorização da agenda
particular de cada Estado;
VI. O Estado é o principal ator no cenário internacional;
VII. A organização e posicionamento dos Estados ocorre de forma
assimétrica.

As mudanças no cenário internacional de alguma forma também


alteraram as visões sobre esses sete pontos apresentados. Novas teorias
foram emergindo e novas visões foram aplicadas à nova dinâmica do cenário
internacional.
Uma segunda vertente realista, a do neorrealismo, foi elaborada por
Kenneth Waltz buscando apoio em modelos positivistas. Um dos principais
pontos defendidos por Waltz é a de que a bipolaridade sistêmica evita conflitos
e rupturas no cenário internacional, sendo com base nessa bipolaridade que se
teria a manutenção do status quo (Castro, 2012, p. 327).
Waltz também trata da questão anárquica do cenário internacional,
utilizando essa realidade como uma justificativa para o comportamento de
“vigilância” aplicado pelos Estados. As decisões estatais nesse cenário seriam
guiadas levando em consideração sua capacidade de poder. Waltz viria a
argumentar que a posição de defesa não precisaria ser uma constante, caso
fosse garantido o equilíbrio de poder internacionalmente (Nanci, Pinheiro, 2019,
p. 33).
Na abordagem neorrealista, a visão sobre o Estado se altera também
em relação ao seu caráter comportamental. Para os neorralistas, o Estado teria
aspectos racionais, buscando interesses próprios e o seu rumo a cooperação
ou conflito se apoiariam são funções das forças sistêmicas (Shimko, 1992, p.
298). Uma outra perspectiva também adicionada a visão neorrealista está em
sua visão sobre os regimes internacionais, em forma de instituições, os

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considerando como importantes, já que auxiliariam na redução de custos das
ações dos Estados. A definição sobre o que são esses regimes se altera de
acordo com o autor que observarmos. Keohanne estabelece uma definição
mais objetiva, observando regimes como instituições que representam de um
determinado conjunto de regras em relação a um problema internacional no
qual os Estados concordam (Tarzi, 2004, p. 124).
Em um texto publicado em 2004 por Waltz, o autor aborda as críticas
feitas ao neorrealismo. Um dos pontos relevantes a serem comentados é sobre
o que Waltz fala sobre a visão do neorrealismo, ou como coloca, do “novo
realismo” como sendo o “antigo realismo” apenas de forma mais rigorosa.
Segundo o autor, essa visão estaria equivocada ao se observar o antigo
realismo como comportamental, vendo bons Estados como capazes de
produzir bons resultados, e maus Estados, maus resultados. Para o novo
realismo, ou neorrealismo, o resultado não estaria tão dependente de uma
observação sobre “bom ou mal” em relação ao Estado, mas sim estaria
conectado com as questões de estrutura nas quais as ações estatais
ocorreriam.
Um dos pontos que podemos utilizar para encerrar o debate sobre o
neorrealismo está na sua natureza de não ser uma teoria de política externa.
Waltz por si só já definiu que a teoria neorrealista não teria essa função, no
entanto, como Telbami (2002, p. 158-159) estabelece, o fato de a teoria
neorrealista não necessariamente correr o mesmo caminho da política externa,
as análises provenientes da visão neorrealista não necessariamente devem ser
excluídas de uma análise de política externa. Como Telbani esclarece, “O
neorrealismo é, portanto, melhor concebido como uma estrutura para uma
investigação mais aprofundada, não como o fim da investigação” (Telbami,
2002, p. 159).
Essas duas vertentes do Realismo demonstram como a visão dentro da
própria teoria se alterou conforme as mudanças da conjuntura internacional.
Logo, é de se esperar que outras teorias também passassem por momentos de
maior ou menor emergência. No próximo tema iremos analisar outra importante
teoria: a teoria liberal.

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TEMA 3 – A APE E O LIBERALISMO

Como visto no Tema 2, o Realismo tinha seu foco de análise no Estado


e seu comportamento. O Estado como sendo ator central teria,
consequentemente, como maior preocupação sua própria segurança, e para
isso, colocava boa parte da sua atenção nas questões de defesa nacional.
Essa perspectiva realista guia o olhar do pesquisador para determinados
pontos e comportamentos do Estado no cenário internacional.
Em contrapartida, o Liberalismo surge em um momento em que se
passou a questionar a visão Realista até então predominante, trazendo uma
outra forma de observar o cenário externo. Uma das principais diferenças entre
a visão Realista e a Liberal se dá na concepção de Estado como ator unitário.
O Liberalismo dará maior espaço para outros atores que não só os Estados-
nação.
De acordo com Castro (2012, p. 338), “o liberalismo não desconsidera a
importância do Leviatã (Estado), porém, enxerga outras forças pulverizadas
juridicamente guiadas no interior e no exterior dos Estados que possuem papel
legítimo nas Relações Internacionais”. Compreende-se que o Estado passaria
a dar espaço para outros atores, mas sem perder sua importância no cenário
internacional. Além disso, o Liberalismo também apresentará outra
argumentação em relação aos conflitos internacionais.
Para a visão liberal, existiria o que chamamos de paz democrática. A
paz democrática nortearia os Estados para evitarem entrar em guerras,
compreendendo que a manutenção de um cenário de paz é mais benéfica do
que o conflito, sendo esse último visto como prejudicial para a economia estatal
(Nanci; Pinheiro, 2019, p. 37).
Parte da compreensão desse comportamento estatal no cenário externo
observado pelo liberalismo se daria com base na visão de racionalidade inclusa
nessa teoria. Para o liberalismo, os indivíduos sempre agiriam de forma
racional, e essa racionalidade os levaria a alcançar seus objetivos. Por meio da
racionalidade, cada indivíduo iria prosperar individualmente e,
consequentemente, prosperar em grupo. Essa mesma visão pode ser aplicada
sobre o comportamento dos Estados, os observando como atores racionais
que agem de forma a garantir os benefícios próprios e assim, o benefício geral.

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Keohane e Nye (1972; 1977) trazem a visão de interdependência
complexa, que se mostra a par das mudanças internacionais. Como já debatido
na Aula 1, a mudança no cenário internacional é acompanhada da emergência
de novos poderes Estatais e não estatais, de novos centros de cooperação,
acordos bilaterais e multilaterais, além de diversos outros novos paradigmas.
A interdependência complexa é um auxílio na análise dessa nova
dinâmica. Sobre essa perspectiva todos os Estados estariam de alguma forma
conectados, e seria essa “conexão” que construiria a concepção de
interdependência entre eles. Como podemos interpretar de forma prática essa
visão?
Em certo ponto, a interdependência complexa argumentará que os
Estados não vivem de forma isolada, e que devido a esse cenário de “conexão”
entre eles, as decisões, rupturas e eventos que ocorrem em um Estado-nação,
podem afetar outros Estados. Temos então os conceitos de sensibilidade e
vulnerabilidade dentro da abordagem de interdependência.
A sensibilidade trataria sobre a capacidade de resposta de um país em
relação ao outro. Na sensibilidade, uma ruptura no país A não causaria um
custo sobre o país B pois, não demandaria alguma mudança política desse
país. Já na visão de vulnerabilidade, a questão se dá em relação à influência
de um Estado sobre outro. Nessa percepção, uma ruptura no país A não
somente é sentida pelo país B, mas também demanda que esse país tome
ações de proteção, gerando custo interno.
É relevante trazer à tona a concepção de assimetria que permeia as
questões de interdependência complexa. Seriam as assimetrias existentes
entre os diferentes Estados que acabariam propiciando a formação de alianças.
Por essa concepção, os Estados com interesses em comum se uniriam, e os
conflitos acabariam sendo um resultado dos interesses opostos (Di Sena
Junior, 2003, p. 188-189 citado por Rodrigues, 2014, p. 110).
A interdependência complexa trabalha sobre a ideia de existência de
três canais múltiplos pelos quais diferentes sociedades poderiam se relacionar:
Interestatais: existente no âmbito das relações entre os Estados;
transgovernamentais e transnacionais, sendo ambas conectadas a ideia de não
coerência na ação estatal, ocorrendo as alianças decorrente da intenção de
resolução de problemas (Filho, 2006, p. 82-83).

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Essa ideia de cooperação entre Estados permearia até mesmo a
concepção de anarquia internacional. Para Keohane (1984), seria o ambiente
anarquista que construiria a oportunidade para a relação e cooperação entre os
Estados, eliminando a ideia de conflito automático que existiria nesse cenário.
Uma corrente Liberal que deve ser citada é a do neoliberalismo
institucional. Por essa abordagem, ainda se observa o papel de outros atores
que não somente os estatais nas relações internacionais. A existência de
instituições teria o papel central de ceder um espaço de debate e
relacionamento para os Estados.
Por essa visão, três variáveis seriam responsáveis por afetar a
cooperação entre os Estados:

a. Estrutura de compensação (payoff): trata das rupturas que ocorrem fora


do planejado pelos governos. Com base nessas rupturas inesperadas se
construiriam as concepções de interesses mútuos;
b. Sombra do futuro: trabalha sobre a questão de como o interesse dos
Estados no futuro irá criar o ambiente propício para a cooperação.
Nessa visão, quanto mais os ganhos do futuro se mostram maiores dos
que os do presente, maiores as chances de cooperação;
c. Número de atores: argumenta que um grande número de atores em uma
negociação, maiores os riscos de redução de reciprocidade (Silva, 2015,
p. 5-6).

Como se observa, o liberalismo traz diversas novas formas de observar


as novas dinâmicas internacionais. No entanto, o pesquisador deve sempre ter
em mente que o uso da teoria na sua pesquisa terá que considerar seu objeto
de estudos. Logo, uma pesquisa que busca analisar o papel das Organizações
Internacionais na mediação das relações estatais, tende a se beneficiar mais
de uma abordagem liberal do que realista.
No próximo tema abordaremos outra importante teoria das Relações
Internacionais.

TEMA 4 – A APE E O CONSTRUTIVISMO

O construtivismo surgiu de forma “neutra” entre as dicotomias do


realismo e do liberalismo ao fim da década de 1980, sendo parte da virada
sociológica e da virada linguística. Não querendo adotar nenhum dos lados, a

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teoria construtivista se inseriu propondo apontar os pontos falhos de cada uma
das teorias clássicas, e contribuir de forma a cobrir esses pontos.
Esse discurso construtivista pode ser percebido na fala de Adler (1999,
p. 206) que encaixa o construtivismo como não sendo contrário ao realismo ou
liberalismo, não adotando uma posição “pessimista ou otimista”. O autor
também categoriza o construtivismo como não sendo uma teoria a ser utilizada
de forma isolada, mas sim em conjunto com outra abordagem.
Certamente o construtivismo trouxe uma nova visão para os estudos das
Relações Internacionais. Tendo seu início no campo das Artes no Século XX,
partindo para a Pedagogia na Rússia antes de a URSS e alcançando a
Sociologia no Ocidente, o construtivismo tem raízes que justificam suas visões
fora dos padrões até então observados.
O construtivismo vai trocar a palavra ator por agente, compreendendo
que agentes são aqueles que agem, o que caracteriza aqueles envolvidos na
política; também irá substituir a concepção de cenário por sistema. Na visão
construtivista, o Estado representa uma crença pois, representa a sociedade
que o compõe. O construtivismo argumentaria contra a ideia realista de que as
análises devem ser concebidas de forma top-down, observando do Estado para
dentro, e argumentará a favor de uma abordagem que venha de baixo, da
sociedade.
As novas nomenclaturas e prismas do construtivismo criam críticas por
parte daqueles que aplicam as Relações Internacionais de forma mais clássica.
Uma das principais críticas se dá sobre a visão construtivista de que não
existem barreiras, logo, não existiria o externo. Os agentes domésticos
simplesmente se relacionariam no sistema externo sem a existência das
mesmas normas domésticas.
Outro ponto essencial para compreender o construtivismo é observar a
alteração de foco para o campo das ideias, interpretando que essas seriam as
responsáveis por construir a realidade. A análise sobre as relações entre
agentes deveria ser executada de forma a considerar a estrutura em que estão
inseridos sendo que ambos existiriam mutuamente, sem um preceder o outro.
Uma boa forma de compreender a visão construtivista está na definição de
Adler:

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[...] o construtivismo amplia nossa compreensão da relação entre conhecimento
científico e desfechos das relações internacionais com o argumento que as
relações internacionais, em geral, sejam cooperativas ou conflituosas, são
moldadas e socialmente construídas por todos esses tipos de conhecimento,
científico e outros. (Adler, 1999, p. 233)

Visto como um dos principais autores da abordagem construtivista,


Wendt (1995) atribui qualidades como crenças e senso de intenção aos
Estados. Para o autor, existiriam alguns pontos mínimos para que o Estado
pudesse ser considerado um “Estado essencial”. O primeiro ponto faz menção
a existência do Estado como independente da sociedade; o segundo, a relação
entre política interna e externa e por fim, a relação mútua entre Estado e
sociedade (Richie, 2015, p. 33).
Uma das principais atribuições do construtivismo para o Estado é a
identidade. Seria com base na identidade que os interesses estatais seriam
construídos (Campbell, 1998; Zehfuss, 2001; Kubálková, 2001). A identidade
pode corresponder a visão do agente sobre si mesmo, mas também existiria a
identidade que representaria a imagem que um Estado tem sobre o outro.
Independente disso, como Wendt aponta, a identidade surgiria em
consequência da relação entre os agentes.
Logo, compreende-se que as identidades dos Estados podem se alterar
conforme o rumo de suas relações com outros agentes (Salomón, 2016). Uma
forma de observar a importância da identidade pode ser a de que “[...]
interesses são pressupostos pelas identidades por uma simples razão: se eu
não sei quem eu sou, não terei meios de precisar aquilo que desejo” (Riche,
2015, p. 34).
Além de identidade, um outro conceito importante presente no
Construtivismo é o de comunidades epistêmicas. Podendo ser vistas como um
grupo de interesses, as comunidades epistêmicas representam a união
daqueles que tem em comum um determinado objetivo, e diante de sua união
passariam a exercer sua influência sobre o Estado com o intuito de garantir as
suas intenções.
A inclusão das comunidades epistêmicas sobre a APE auxilia na
compreensão das ações Estatais não somente no cenário doméstico, mas
também externo. Como argumenta Adler (1999, p. 233), os atores que fazem
parte da denominação de comunidades epistêmicas “são significativos para
uma compreensão teórica mais ampla da construção social da realidade
internacional pelo conhecimento intersubjetivo”.
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Ainda que se tratando de uma teoria não tão antiga quanto o realismo ou
liberalismo, o construtivismo está longe de ser a teoria mais recente a imergir
nos estudos de Relações Internacionais. No próximo tema abordaremos
brevemente a inclusão de outras teorias nas agendas de pesquisa.

TEMA 5 – A APE E A ASCENSÃO DE NOVAS TEORIAS

O fim da guerra fria sempre é citado como um dos marcos para o início
das mudanças teóricas das Relações Internacionais. No entanto, não somente
uma ruptura ocasiona mudanças no campo teórico. A emergência de novos
atores, a adoção de novos regimes internacionais, a crescente criação de
acordos entre Estados, além de outros novos fenômenos internacionais
também são correlacionados com as novas visões que foram surgindo com os
anos.
No entanto, grande parte das teorias que observamos hoje como
estando em ascensão, não surgiram após esses eventos. Sua existência já é
anterior a eles, no entanto, a conjuntura até então não permitia que tais teorias
fossem utilizadas na mesma frequência, ou com a mesma atenção que as
teorias mais clássicas.
Temos então a ascensão do pós-colonialismo, por exemplo, podendo
ser observado como um conjunto de teorias primeiramente aplicadas sobre
estudos de cultura, que foram se expandindo para outros campos das ciências
sociais. Trabalhando sobre a herança que as relações do colonialismo, o pós-
colonialismo argumenta sobre como o fim do colonialismo, na prática, não
representa o fim do colonialismo como percepção e interpretação sobre o outro
(Santos, 2008, p. 16-17).
Outro exemplo de teoria que emergiu é o pós-estruturalismo. Nessa
abordagem, podemos usar uma visão de Foucault sobre poder. Para o autor, o
poder não seria algo natural, mas sim uma prática social. Ou seja, o poder não
seria algo que alguns possuem e outros não, mas estaria presente nas práticas
sociais.
O poder, na visão de Foucault, não se limitaria ao Estado, também
estando presente na sociedade por meio de práticas, e até mesmo costumes.
Têm-se então o poder como presente no dia a dia, com uma característica de
“rede”, moldando comportamentos (Pacifico; Pinheiro, 2013, p. 118).

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Outras teorias como a Teoria Feminista também surgem como um
reflexo do novo cenário de relações entre os Estados, e entre o Estado e a
sociedade. Os avanços de teorias que passaram a considerar a influência da
sociedade nas decisões de política criaram cada vez mais espaço para outras
abordagens que se debruçavam sobre essa relação.
Têm-se então a APE, assim como as Relações Internacionais, sofrendo
uma metamorfose com os anos e ganhando cada vez mais aparatos para a
execução de suas análises.

NA PRÁTICA

Considerando as teorias apresentadas, acesse o site do Mercosul


(<http://www.mercosul.gov.br/saiba-mais-sobre-o-mercosul>) e faça a leitura da
descrição presente considerando as teorias anteriormente citadas. Tende a
executar uma leitura crítica, tentando aplicar os conceitos das teorias e sua
visão de política externa sobre os termos utilizados e as medidas do Mercosul
que estão dispostas no site.

FINALIZANDO

Nessa aula você foi apresentado a algumas das principais teorias das
Relações Internacionais e suas visões sobre a dinâmica da política externa.
Após ser apresentado a ideia de teoria e a importância da escolha teórica para
a realização da análise do pesquisador, a primeira teoria de Relações
Internacionais foi apresentada: o realismo.
Com a leitura sobre a visão realista aprendemos que o Estado é um ator
central para essa perspectiva, e que suas ações são movidas pela intenção de
garantir seus objetivos e também ideia de necessidade de defesa.
Tendo a concepção de que o cenário internacional é anárquico, o
realismo clássico interpreta que o desequilíbrio entre as forças estatais, leva a
esses autores a terem a necessidade de preservação, sendo a questão de
defesa um tema constante na agenda estatal.
Como visão contrária temos o Liberalismo, e sua ideia de que as
modificações no cenário externo levaram aos Estados a terem que compartilhar
sua posição com outros atores. O estado continua tendo sua importância, no
entanto, a análise não deve mais ser somente realizada sobre esse autor.

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Funcionando do princípio de racionalização, o liberalismo verá a cooperação
como um ato racional estatal em busca da garantia de seus interesses.
O construtivismo surge primeiramente como uma teoria que não
buscava se posicionar contra o liberalismo ou realismo. Trazendo sua própria
visão, o construtivismo logo se mostra apto para as análises de política externa
ao considerar fatores como a identidade nas relações entre Estados. A ideia de
interdependência complexa trabalha sobre a conexão existente entre os
agentes e seu impulso para a cooperação.
Por fim, uma breve leitura sobre algumas teorias que emergiriam
conforme a conjuntura internacional se alterou nos propiciou pensar em como o
uso de diferentes teorias e metodologias acabam sendo um reflexo do
momento vivido.

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REFERÊNCIAS

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