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A Teoria da Escola Inglesa e o Direito Internacional

Paulo Carapito, nº 43739


Teoria das Relações Internacionais
Nº Palavras:4514

Resumo

As teorias das Relações Internacionais investigam como deduzir de que forma os Estados
estão guarnecidos ou não dos valores elementares de segurança, liberdade, ordem, justiça
e bem-estar. Compreender as Relações Internacionais através de uma visão teórica,
conduz-nos inicialmente ao desafio de escolher qual o instrumento teórico a utilizar. Com
a existência de uma panóplia de teorias ao nosso dispor, este ensaio pretende explanar de
que forma a teoria da Escola Inglesa contribui com a sua abordagem ao direito
internacional, para a compreensão do mesmo no contexto da sociedade internacional. Na
perspetiva da Escola Inglesa as teorias baseiam-se no desejo de conceber um cenário
hodierno que se conduza pela igualdade, onde prevaleça a ordem e a justiça. Em primeiro
lugar será feita uma abordagem sucinta aos principais fundamentos da Escola Inglesa e à
evolução histórica do Direito Internacional. Posteriormente serão explanadas as
perspetivas de Martin Wight e Hedley Bull, sobre o conceito de sociedade internacional
e de que forma o direito internacional foi elemento fundamental para a estruturação da
mesma.

Abstrack

The theories of International Relations investigate how to deduce in what way the States
are endowed or not with the elementary values of security, freedom, order, justice and
well-being. Understanding International Relations through a theoretical view initially
leads us to the challenge of choosing which theoretical instrument to use. With the
existence of a panoply of theories at our disposal, this essay intends to explain how the
theory of the English School contributes with its approach to international law, for its
understanding in the context of international society. From the perspective of the English
School, theories are based on the desire to conceive a modern scenario that is guided by
equality, where order and justice prevail. Firstly, a succinct approach will be made to the
main foundations of the English School and the historical evolution of International Law.
Later, the perspectives of Martin Wight and Hedley Bull, on the concept of international
society and how international law was a fundamental element in its structuring, will be
explained.

Introdução

Os teóricos desta escola de pensamento situam no centro da metodologia da


disciplina a história e preveem uma sociedade internacional em que os Estados são os
principais atores, na qual os valores e os interesses são partilhados entre eles.
A teoria da Escola Inglesa ao invés de outras teorias, não interpreta o cenário internacional
através de uma única análise lógica, nem o circunscreve á transformação estrutural. O
desígnio da Escola Inglesa é exatamente apresentar conjeturas de como as coisas iram
acontecer, sem no entanto mencionar fatos concretos.Para a Escola Inglesa a anarquia não
se adapta ao sistema internacional. O modelo mais prático no sistema internacional é, para
os estudiosos desta teoria, o hierárquico ou seja o entendimento final do sistema é a
ordem. A proveniência da dilucidação para as divisões internacionais e para a organização
decorrem da própria relação entre os Estados.

A corrente de pensamento da Escola Inglesa está disciplinada em conceitos


principais: sociedade internacional, sociedade mundial e sistema internacional.
Observando os debates metodológicos que se despoletaram entre realistas e liberais em
virtude da grande incerteza dessas duas doutrinas no contexto da Guerra Fria, a Escola
Inglesa procurou desenvolver uma linha teórica de pensamento que se encontrasse entre
as vertentes realista e liberalista, criando assim uma via intermédia resgatando alguns
conceitos das duas teorias em questão. Existe uma inequívoca discordância face à tradição
realista, no entanto a Escola Inglesa não se interroga sobre os trações capitais do Realismo
inerentes à sua visão/conceção do mundo, encontrando nela instrumentos conceptuais de
fulcral importância. As novas discussões teóricas e preocupações analíticas que forma
encetadas pelos teóricos da Escola Inglesa após a Segunda Guerra Mundial, o impacto do
fim da Guerra Fria vieram estimular uma teoria que parecia estar condenada ao fracasso.
Estes dois fatores foram determinantes para explanar as críticas a algumas perspetivas e
para o reemergir de outras.
Podemos dizer que a sociedade internacional, durante o período entre as duas grandes
guerras, era compreendida como sendo um grupo de nações civilizadas. No entanto, ao
longo dos tempos, verificamos que o conceito de sociedade internacional e o
entendimento da mesma se encontra em constante mutação.

O direito internacional veio disciplinar e orientar com primazia a sociedade


internacional, que é formada atualmente por Estados, Organizações Governamentais e
não-governamentais, empresas e indivíduos. Desempenhando o Estado o papel mais
importante é de ter em conta que “...that internacional politics is not just a matter of
relations betweenstates, but also a matter of so-called transnational relations among the
individuals and groups that states...“ (Bull, 1996, p. xix). Mesmo que as instituições da
sociedade internacional, executem as suas funções de maneira convincente a mesma
reproduz uma imagem de um ordenamento instável e difícil de ser conservada (Souza,
2013). A todos os Estados assiste o direito de se defender, sem no entanto lhe ser
concedida a autoridade de martirizar infundadamente outro Estado.
Segundo os teóricos desta escola a sociedade internacional deve ser abordada seguindo
as perspetivas racionalistas, dando assim corporização à análise, sem colocar de lado
conceitos subjetivos (justiça, ideologia, diplomacia, direito internacional entre outros)
que estão intrínsecos na constituição dos interesses dos Estados. Castro (2012) aponta que
“O racionalismo é retroalimentado pela metodologia dedutiva e é fundamentado pelo
entendimento […] o empirismo é retroalimentado pela metodologia indutiva da tradição
inglesa e tem fundamento na sensibilidade” (p. 295) .

A Teoria da Escola Inglesa- Wight e Bull

A última década do Sec. XX colocou as investigações das Relações Internacionais


com novas prioridades, o fim da Guerra Fria assim o ditou. Buzan pegando no legado de
pesquisa de Wight e Bull, incentivou jovens académicos a refletirem e aplicarem os
conceitos formulados por estes dois teóricos à nova realidade internacional. Buzan foi o
principal revitalizador da Escola Inglesa (Patrício, 2020).
Considerados os principais pensadores da Teoria da Escola Inglesa, Martin Wight e
Hedley Bull afastaram-se, através de uma visão sistémica, da perspetiva americana e
focaram a sua explanação teórica no conceito de Sociedade Internacional.
A Escola Inglesa usou sistematicamente a História na análise dos fatos internacionais, no
entanto para Wight e Bull, a Política Internacional não se refletia em fatos repetidos nem
emanados por leis numa estrutura fechada. Estes autores distanciam-se das ciências exatas
e encetam uma análise profunda do Sistema Internacional, por uma via normativa, em
que o foco era a investigação de fatos históricos, em valores nacionais e na tomada de
decisão dos agentes.

A Escola Inglesa entende a cooperação e o conflito, como acontecimentos comuns


dentro do sistema dependendo das circunstâncias (Linklater & Suganami, 2006) .
Segundo Wight (1977) quando nos referimos a estados estamos a falar de estados
soberanos, autoridades políticas que não reconhecem nenhum como sendo seu superior.
No entanto sustenta que para serem considerados um sistema é necessário “…mean
something more: note only must each clain Independence of any political superior for
itself but each must recognize the validity of the same claim by all the others” (p. 23).
Wight (2002) rebate a ideia dos que sustentam faltar à sociedade internacional muitas
formalidades para ser considerada como tal, enfatizando que nem com essas supostas
lacunas preenchidas pode ser considerada como tal pois “…ela não chega a constituir
uma...” (p. 97). Contrapondo com a ideia de que a existência de relações internacionais é
tida como uma anarquia internacional onde a guerra e o conflito imperam, afirma que
“…se a anarquia significa a ausência de um governo comum […] é precisamente a
característica na qual a política internacional difere da política doméstica” (p. 97).

No pensamento dos teoricos da Escola Inglesa a ausência de um governo central


no mundo não é essencial para a existência de uma sociedade internacional. Bull (2002)
refere que “Naturalmente, dois ou mais estados podem existir sem formar um sistema
internacional” (p. 15), destacando que “é necessário reconhecer […] que até chegar aos
nossos dias, a expressão sistema de estados percorreu um longo caminho, com sentidos
bem diferentes” (p. 17).Sustentada nesta linha de pensamento a teoria da Escola Inglesa
foi-se desenvolvendo, adquirindo e cimentando um lugar de importância no seio das
teorias das Relações Internacionais.
Na obra “A Política do Poder” (2005), o historiador defende que se o termo anarquia
representa o desarranjo completo, então estamos perante uma descrição deturpada das
relações internacionais. Nas questões internacionais, segundo o mesmo coabitam a
cooperação e o conflito em simultâneo, sendo que de igual modo existem organizações
diplomáticas, o direito internacional e instituições internacionais que interferem na esfera
da política do poder. Segundo Wight (2002) “Dificilmente pode ser negada a existência
de um sistema de estados, e admitir em parte a existência de uma sociedade, pois uma
sociedade corresponde a um certo número de indivíduos ligados por um sistema de
relacionamentos com certos objetivos comuns” (p. 97).
Comummente a Escola Inglesa de RI é reconhecida pela relevância dá ao conceito de
sociedade internacional em discordância ao conceito de sistema internacional.
Considerada como predominantemente de tradição grociana, os teoricos da Escola
Inglesa levam em conta, nas suas explanações, as três tradições (Souza, 2013). Wight
(1996) denomina essas três tradições, do pensamento político, de Realismo, Racionalismo
e Revolucionismo sustentando que a compreensão das relações entre os Estados deve ser
alcançada tendo esses três conceitos em mente (Ribeiro, 2013).
Bull (2002) refere que os atuais Estados modernos espelham todas as três tradições de
forma particular “Em diferentes fases históricas do sistema de estados, em
distintos teatros geográficos do seu funcionamento, e nas políticas adotadas por
diferentes estados e estadistas um desses três elementos pode predominar sobre os
outros” (p. 51)

A Escola Inglesa era considerada por Wight, como fazendo parte da terceira
geração, o racionalismo grotiano, Segundo Bull (2002) os Estados, que são as unidades
dentro de um sistema, realizam relacionamentos recíprocos, no entanto para que exista
uma sociedade internacional é necessário que os mesmos tenham a noção que nesses
relacionamentos estão presentes valores e interesses compartilhados. Na ótica do
discípulo de Wight era vital saber como poderiam ser reconhecidas as práticas na
sociedade internacional contemporânea. Se um chefe de Estado ou um negociador externo
se identificava com o modelo grociano, maquiavélico ou outro era menos importante
(Saraiva, 2006).
Na perspetiva de Wight os pensadores do Realismo eram de cariz conservador e não se
encontravam abertos á troca de ideias com outras correntes, possuíam uma abundante
forma de abordagem, mas pecava pela míngua de outros elementos elucidativos que
estancavam o avanço no campo de investigação (Nascimento, 2011). A apreciação de
Wight aos teóricos revolucionários também se pautou pela crítica à escassez de vários
elementos, reflexo da sua índole utópico. Para o teoricos da Escola Inglesa o racionalismo
Grotiano era entendido como o que exemplificava a racionalidade entre os agentes.
Os racionalistas proporcionaram que o Direito Internacional e o seu papel de regulador,
passassem a fazer parte do elenco de debates internacionais. O seu ceticismo face ao
aparecimento de uma sociedade de indivíduos, fruto de uma insurreição, leva-os a crer
que o sistema internacional anárquico teria capacidade para progredir para uma ambiência
mais ordenada, desde que existisse a obtemperação do Direito. A realidade do Direito
Internacional só é plausível de existir se não for ignorada a existência de uma sociedade
internacional (Wight, 2002) e caso o direito internacional não impossibilite os Estados de
utilizarem a força, então o mesmo não têm sentido de existir (Bull, 2002).Os Estados a maioria
das vezes optam pelo cumprimento da lei, pela cooperação e pelo respeito à soberania, ao
invés de colidirem com o direito internacional (Nascimento, 2011).

Jackson & Sorensen (2007) consideram que existem cinco valores básicos para o
sistema de Estados: A segurança nacional, a liberdade (pessoal e nacional), a ordem, a
justiça e a riqueza/bem – estar socioeconómico das suas populações. A estabilidade nas
relações entre Estados só é possível caso o interesse seja “…comum no estabelecimento
e na manutenção da ordem internacional. (p. 30)”. O papel dos Estados passa por ser
imperioso a proteger o direito internacional, cumprindo regras, acordos, tratados,
convenções e práticas da ordem jurídica internacional. A ajuda às organizações
internacionais e o anuir das práticas diplomáticas potenciam o bom relacionamento entre
os Estados. “O direito internacional, as relações diplomáticas e as organizações
internacionais só podem existir e operar de modo bem-sucedido caso estas expectativas
sejam, em geral, cumpridas pela maioria dos Estados durante a maior parte do tempo.”
(p. 30)
Segundo Bull (1966) a existência de dois entendimentos, distintos, para a sociedade
internacional traduzem-se em duas conceções sobre a disposição jurídica internacional: a
pluralista e a solidarista. Souza (2013)) salienta que no entendimento da conceção
pluralista a sociedade internacional não se encontra capacitada para que exista uma
anuência em questões de justiça ou seja os Estados estabelecem unicamente acordos, com
o propósito de assegurarem o reconhecimento reciproco da sua soberania e o princípio da
não-agressão (Bull, 1966). O reconhecimento da soberania e da não-agressão são os
objetivos mais rudimentares em que se fundamenta a ordem da política mundial. Esta
ordem é ancorada pelas normas e pelas instituições (balança poder, direito internacional,
diplomacia, a guerra e as grandes potencias).
Para Buzan (2004) o desafio da manutenção da soberania em relação à manutenção da
ordem é inteligível e provoca desequilíbrios no seio da sociedade, resultado do
desrespeito pelas normas, colocando os interesses de um Estado às normas que regulam
a sociedade. Uma sociedade de estados subsiste segundo Bull (1995) quando “a group of
states conscious of certain common interests and common values form a society in the
sense that they conceive themselves to be bound by a common set of rules in their
relations with one another and share in the working of common institution” (p. 13). O
autor sugere a existência de uma organização no contexto internacional equiparável à
ordem na esfera social, sem criar ideais e sem mostrar ilusões demonstra a existência das
relações intraestatais.
Na conceção solidarista da sociedade internacional, a coadjuvação entre Estados não é
limitada mas sim ampla (Souza, 2013), pois observa-se que “… the central Grotian
assumption is that of solidarity, or potential solidarity, of the states comprising
international society with respect to the enforcement of the law…” (Bull, 1966, p. 52),
tendo em conta que os Estados têm propósitos díspares e amiúde vezes antagónicos sobre
a justiça, acabando por colocar em perigo a sociedade internacional quando tentam impor
as suas ideias aos outros Estados (Linklater, 2005). Bull (2002) sugere uma ordem
internacional complacente, com bases numa anuência definida, dando enfase á força da
coexistência que possibilita assim distar entre a negação realista da sociedade
internacional e assumir legalmente a existência da mesma.

A Evolução Direito Internacional Público

Serão poucas as obras/manuais de Direito Internacional Público que não tenha o


prelúdio onde o conceito de DIP é desmontado como sendo um conjunto de normas que
regulam a sociedade dos estados ou a sociedade internacional. O jurista e professor
catedrático Gouveia (2014) define-o, numa conceção que considera global, como sendo
“o sistema de princípios jurídicos e normas, de natureza jurídica, que disciplinam os
membros da sociedade internacional, ao agirem numa posição jurídico- pública, no
âmbito das suas relações internacionais”. (p. 158). Ora, podemos considerar que este
pendor se encontra enraizado no uso jurídico, muito se ficando a dever, á influência do
Direito romano e ao aforismo ubi societas, ibi just 1. Invertendo o sentido da frase,
podemos sustentar que onde existe Direito impera uma sociedade. A explanação histórica
e evolutiva das normas em contexto internacional remete-nos para essa conclusão, sendo
a tendência essa mesma, a multiplicação de uma panóplia de normas, tratados, instituições
jurídicas e tribunais internacionais (Mendonça, 2012).
Após a Revolução Francesa novas ideologias surgiram no que à origem do poder diz
respeito. Os Estados passariam a ser concebidos como estruturas políticas dos povos e
não como marionetas do poder absoluto dos monarcas. Vivia-se em estado de natureza
hobbesiana, sobre a égide da moral natural e da irmandade universal.

A dimensão do Direito Internacional começa a manifestar-se e tal como


estruturado por Grotius (2005) as relações internacionais, que eram o seu propósito,
dividem-se em dois níveis: a Paz e a Guerra que correspondiam a duas divisões
fundamentais dentro do Direito Internacional: o direito da Paz e o Direito da Guerra. O
séc. XIX assistiu à consolidação do direito alargando a sua influência às comunicações e
contribuindo para o surgimento de organizações internacionais capacitadas e
reconhecidas para condenarem e punirem as violações que os Estados viessem a praticar.
O aparecimento de novas organizações catapultou o Direito Internacional para a sua
expressiva afirmação. A sociedade internacional, que até então era unicamente formada
pelos Estados (excetuando a igreja católica), viu surgir uma nova classe de sujeitos de
Direitos Internacional que rapidamente se propagaram (Cunha, 1990).
Buzan (2004) Considera que na sociedade internacional existem dois tipos de instituições
internacionais, as primárias e as secundárias. O direito internacional e as suas normas,
encontra-se nas primárias e são estas que originam as secundárias, as
intergovernamentais.
Segundo Cunha (1990) As primeiras características do direito internacional surgem no
pós Primeira Grande Guerra, as conferências de Paz de Haia são as responsáveis pela
elaboração de ações para resolver os conflitos internacionais sendo estruturadas pelas
grandes potências da altura com base em normas e princípios internacionais.
A Segunda Guerra Mundial veio colocar a nu as fragilidades do sistema anteriormente
estabelecido e do consequente fracasso do direito internacional clássico. Saraiva (2007

1
“ Onde está a sociedade aí está o direito” (Português à Letra, 2022)
refere que “…o gerenciamento da paz foi o grande e primeiro problema pós conflito. O
segundo foi o reordenamento dos processos económicos” (p. 188), abrindo desta forma
espaço para a fundação de uma organização internacional. Surge então a Organização das
Nações Unidas a quem são concedidos poderes de decisão e de ação, tendo os resultados
ficado aquém do pretendido pois “…o balanço desastrosos da guerra […] gerou desanimo
sobre as possibilidades de reconstrução de um sistema internacional sustentado na paz e
na cooperação” (p. 199)

A globalização, veio projetar em maior escala os atritos existentes nas relações entre
Estados e blocos regionais. Vários são os contextos em que esses conflitos se podem
encontrar (cises migratórias, intolerâncias étnicas, nacionalismos, criação armamento
nuclear, desigualdades económicas, lutas territoriais etc.). A Organização das Nações
Unidas e outras organizações deparam-se com sérias dificuldades em dar uma resposta
cabal e assertiva para redefinir o sistema das relações internacionais face à nova realidade.
O surgimento de novos Estados, o avultar de novas organizações internacionais com
autoridade jurídica, criadas por ação dos Estados, o aparecimento em massa de
organizações privadas e as empresas multinacionais e transnacionais veio acentuar o
pendor para a universalização do Direito Internacional (Gutier, 2011),sendo que também
“…os indivíduos passaram a ser concebidos como sujeitos de Direito Internacional”
(Piovesan, 2013, p. 462) , com obrigações e direitos provindos de normas internacionais.
Com o términus da 2ªGuerra Mundial, o Direito Internacional viu-se imbuído numa crise
de identidade derivada do surgimento das normas de cooperação, de novos atores na
esfera internacional e de um notório enfraquecimento da rigidez estatal no que à soberania
diz respeito. O sistema internacional moderno é resultado da emergência do Estado
territorial soberano e o fim do sistema hierárquico medieval.

Considerações Finais
Na Escola Inglesa a sociedade internacional entende-se quando inserida num cenário em
que exista interação entre as unidades soberanas, sendo imperativo os Estados se
reconhecerem como tal. Estados que embora soberanos, partilham alguns valores e
aceitam submeter as suas ações a um leque de regras e normas de reciprocidade, formando
assim uma comunidade. Os tradicionalistas desta teoria entendem que a Política
Internacional é controlada por Estados independentes, as instituições encontram-se em
níveis inferiores ao Estado, considerando que as organizações, sejam elas governamentais
ou não, estão acopladas a um território e obedientes a um Estado. Na sociedade
internacional os Estados são os principais agentes, não as instituições, organizações ou
indivíduos.
O conceito de sociedade internacional conduze-nos a algo cuja sua presença, no mundo
intuitivo, pode ser demonstrada pela observação do que surge na esfera internacional.
Esta sociedade encontra-se alicerçada na interação, que origina modelos de
comportamento que são concebidos pelos atores, gera a constituição de instituições, o
reconhecimento da existência de valores e de um respeito entre os Estados.
O teóricos da Escola Inglesa, encetaram um desenvolvimento nas suas investigações de
forma a responderem aos capitais paradigmas políticos da atualidade, levando em conta
a constante mutação que a sociedade é alvo. Após a Guerra Fria a teoria solidarista somou
pontos dentro da escola e no seio das teorias das Relações Internacionais. Objetivamente
os teoricos desta escola indagam em como sociedade internacional se pode tornar mais
aberta a princípios mais abrangentes da justiça.
Assim, a Escola Inglesa levanta a questão urgente para a imperatividade da legitimidade
e do fortalecimento das instituições internacionais. O Direito Internacional têm sido um
dos alvos mais apetecíveis para a explanação dos teóricos desta escola. Buzan (2004)
contribui de forma marcante para superar a míngua analítica em torno do conceito de
instituições internacionais no seio da Escola Inglesa, hierarquizando-as em instituições
mestras e derivadas.
Os textos clássicos de Bull e Wight sugerem que a evolução das instituições
internacionais não é possível, no entanto os novos trabalhos de investigação demonstram
que as mesmas estão predispostas a evolução e declínio. A visão central da Escola Inglesa
assenta no postulado da existência do Estado soberano e de ser entre Estados que se
constrói a sociedade internacional, resultado do seu relacionamento e do cumprimento de
uma panóplia de normas e regras comuns a todos. Apraz referir que mesmo sendo a
soberania uma configuração central, a mesma pode ser relegada para segundo plano caso
desponte a necessidade de garantir a ordem na sociedade. O prisma racionalista em que
impera a solidariedade na sociedade é, indubitavelmente, debatido pois o entendimento
dos conceitos de justiça e direito internacional são constantemente vistos por perspetivas
diferentes. Em suma, a esfera internacional detêm traços de uma sociedade, no entanto
não possui uma centralização de valores nem uma regulação única capaz redefinir a
condição hierárquica nacional ou anárquica internacional. Esta condição é o que conserva
a relação entre Estados e alimenta a competição entre eles. Fatual é que não existe um
poder soberano acima dos Estados, nem uma lei/norma fundamental ou um órgão central
que imponha aos Estados soberanos as suas deliberações sem os seus consentimentos.
Verifica-se que o Direito Internacional passou a contar com uma panóplia de elementos
na sua estrutura muito para além da simples vontade estatal. Os fundamentos do Direito
Internacional continuam em boa verdade a serem constantemente debatidos.
Os Estados, independentemente, da grande mutação da sociedade internacional
continua a ser a génese da mesma. A resolução ou não dos conflitos internacionais, a
aplicação do Direito Internacional e o equilíbrio das forças, poder e ordem dependem em
última análise à vontade desses mesmos Estados. Urge, ao Direito Internacional, reaver
os princípios que nortearam a disciplina e descobrir um ponto de concordância entre os
interesses estatais e os valores a serem executados. A sociedade internacional, como já
referido, compartilha valores, metas e interesses e cabe ao Direito Internacional, através
dos seus fundamentos, aliar o real ao ideal, de forma a intervir resolvendo os conflitos
atuais e precavendo o futuro. Bull (2002) sustenta que a ordem internacional, foi
imaginada como um modelo de dinamismo que é formado e que dirige os propósitos
básicos da sociedade internacional, sendo que a mesma se encontra identificada sobre um
definido conceito de justiça. Então, segundo Wight (2006) o que exprime o modelo de
ordem internacional são os objetivos essenciais da sociedade internacional. A focagem
que os Teóricos da Escola Inglesa demonstram na ideia da ordem política internacional
em desprimor da justiça internacional leva alguns críticos a adjetivar a teoria como sendo
conservadora, em prejuízo do desenvolvimento e das mutações internacionais (Almeida,
s.d). A recente discussão no seio da Escola Inglesa em torno do Kosovo, colocou
novamente a teoria debaixo de fogo face às divergências dos seus teóricos, em torno do
processo encetado pela OTAN no conflito kosovar.

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