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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

AÍSHA NASCIMENTO MENDONÇA


ALÍCIA BARRETO DA CUNHA
DANIEL SANTOS NEVES
JEFERSON FONSÊCA DE MORAES NETO
JÚLIA ALVES DA SILVA SANTOS
PEDRO HENRIQUE BISPO SOUZA

O SISTEMA INTERNACIONAL E O INTERNACIONAL: COMENTÁRIO


CRÍTICO

SÃO CRISTÓVÃO
MARÇO/2024
No compilado de clichês existentes no universo acadêmico, as conceituações em
torno das R.I se consolidam entre as mais recorrentes, promovendo debates acerca de seu teor
epistemológico e ontológico. Sendo assim, entende-se que as Relações Internacionais
abarcam um conjunto de fenômenos e atores consigo, de maneira que tais fenômenos,
isoladamente denominados como “fenômenos internacionais”, bem como sociais, regem as
análises acerca de um sistema particular, mas diverso no tange ao seu reflexo diante das
esferas do mundo.
Ao decorrer da disciplina de “Teoria das Relações Internacionais I”, a discussão
central partia da ideia de entender e discutir como as realidades externas, enquanto um
sistema, são construídas a partir do interno, embora essa não seja uma visão consolidada
como única neste campo. Sob esse viés, Pecequilo (2004, p. 14) considera: As Relações
Internacionais nascem da necessidade específica das sociedades em pensar as realidades
externas que as afetam, passando a interferir no encaminhamento destes processos de forma a
administrá-los”. A autora, então, aponta que “define-se, portanto, que seu objeto de estudo são
os atores, acontecimentos e fenômenos que existem e interagem no sistema internacional”
(Pecequilo, 2004, p. 15).
O sistema internacional, assim exposto, abrange uma amplitude de ideias, teorizações
e perspectivas em si. É importante ter em mente que tais visões não necessariamente se
configuram como um saber único, visto que as relações internacionais são refletidas como
uma área acadêmica que abraça as demais ciências humanas e sociais, se propondo a
justamente discorrer sobre o internacional sob diferentes óticas. No entanto, é crucial que se
analise com cautela todas as jornadas pedagógicas propostas, avaliando-as com cuidado, a fim
de compreender como diferentes concepções podem contribuir para o discernimento acerca de
um sistema que estrutura as relações interestatais de todo o mundo.
Em primeira análise, Raymond Aron é o primeiro nome que surge na construção da
ideia do internacional como um sistema social em si. A dualidade entre a ocorrência de
conflitos armados e a ascensão da sociedade industrial era a grande fábula da conjuntura
histórica e política na sociedade em sua época. Nesse sentido, o autor, se pautando em um
paradigma estatocêntrico do que seriam Relações Internacionais, escreve em 1962,
influenciado pela crise dos mísseis, procurando entender o cenário em que estava situado,
investigando os impasses do conflito acerca da disputa perante a hegemonia mundial e o
equilíbrio do poder na manutenção da paz.
Em sua obra principal, “Paz e Guerra entre as Nações”, de 1962, o autor explora o
realismo enquanto uma teoria da organização anárquica do sistema de Estados,
completamente distinta da organização hierárquica interna destes, analisando, dessa forma, as
estruturas de distribuição de poder e a natureza homogênea dos sistemas internacionais (Aron,
1997, p. 72). Nesta, Aron discute sobre a caracterização das relações internacionais,
atribuindo-as uma narrativa voltada para uma perspectiva de estado de conflito latente, de
modo que a paz seja mantida por meio da dissuasão e do equilíbrio de poder entre os Estados.
Diante de um enfoque realista, Aron entende que o sistema internacional é moldado a
partir da constante busca pelo poder, abordando a ideia de guerra geral e as relações de força
existentes nessa estrutura. O mesmo enxerga o sistema internacional como um conceito
abrangente, afirmando que se trata, portanto: “De uma totalidade que incluiria ao mesmo
tempo o sistema interestatal, o sistema econômico e os movimentos transnacionais, as
sociedades e as instituições supranacionais” (Aron, 1997, p. 27).
Em sua perspectiva, o equilíbrio de poder é visto como um elemento-chave na busca
de se manter a estabilidade do sistema internacional. Desse modo, para Aron, pelo fato de não
existir um governo mundial centralizado, exercendo uma autoridade política interestatal, a
anarquia estaria, portanto, intrínseca ao sistema internacional, sustentando a ideia de que os
Estados precisam competir pelo poder a fim de garantir seu espaço, sobrevivência e a
sobreposição de seus interesses.
Embora se paute em uma abordagem excessivamente realista, o autor também
reconheceu o papel das ideologias na política internacional, observando como estas, como o
comunismo e o liberalismo, moldaram as percepções e os comportamentos dos Estados,
influenciando suas políticas externas e alianças. No entanto, Aron ainda mantinha uma
postura cética em relação à influência das ideologias nas interações internacionais,
sustentando que as motivações econômicas, bem como as de segurança e defesa, prevalecem
diante das acepções ideológicas.
Desse modo, é perceptível o quão importantes são as contribuições de Aron nas
relações internacionais, proporcionando a criação de uma base sólida para se compreender o
sistema internacional, com um enfoque nos Estados, enquanto principais atores internacionais,
e destacando noções de políticas de segurança e dinâmicas de poder acerca desses fenômenos.
Embora limitantes e estatocêntricas, é um verdadeiro pontapé para se entender as oposições
que cercam o internacional, proporcionando um ponto de vista homogêneo, mas eficiente para
se entender as relações de força.
Partindo, mais uma vez, do ponto de que as definições e estruturas da Teoria das
Relações Internacionais têm sido objeto de discussão desde a criação da área, na atualidade a
visão restrita, típica das décadas iniciais de consolidação da disciplina, tem sido amplamente
questionada. Na contemporaneidade, as transformações na ordem internacional desafiam
constantemente as concepções tradicionais e demandam novas abordagens teóricas. Embora
contestada, essa discussão é controlada pelo centro (principalmente localizado nos Estados
Unidos e na Europa) e as prerrogativas do centro incluem o controle sobre quem tem
autoridade para definir o que é válido ou não no campo, limitando a diversidade de vozes e
perspectivas. Diante desse cenário, os escritos da autora brasileira Lélia González, trazem
uma perspectiva díspar para o âmbito das TRI, inspirando uma abordagem teórica crítica e
decolonial.
Afinal, o que dizer dos outros países da AMÉRICA do Sul,
Central, Insular e do Norte? Por que considerar o Caribe como
algo separado, se foi ali, justamente, que se iniciou a história
dessa AMÉRICA? É interessante observar alguém que sai do
Brasil, por exemplo, dizer que está indo para “a América”. É
que todos nós, de qualquer região do continente, efetuamos a
mesma reprodução, perpetuamos o imperialismo dos Estados
Unidos, chamando seus habitantes de “americanos”. E nós, o
que somos, asiáticos? (Gonzalez, 2020, p. 134).

Lélia González foi uma intelectual e ativista brasileira que desafiou as normas sociais
e estruturas de poder dominantes ao longo de sua vida. Sua obra, como já dito, oferece uma
lente única para examinar o conceito de "internacional", as relações internacionais como
fenômeno e como disciplina acadêmica. Para Lélia, o “pensar” RI não pode ser dissociado das
questões de raça, classe e gênero: o "internacional" não é apenas uma questão de
estados-nação e diplomacia, mas uma rede complexa de interconexões sociais, políticas,
econômicas e culturais que moldam as vidas das pessoas em todo o mundo. Seu raciocínio
instiga a questionar quem se beneficia das relações internacionais dominantes e quem sofre
suas consequências. Essa abordagem leva à reflexão de como as hierarquias sociais são
reproduzidas e contestadas no âmbito global. “A conscientização da opressão ocorre, antes de
qualquer coisa, pelo racial" (Gonzalez, 2020, n.p).
Além disso, González convida a repensar as fronteiras convencionais do campo das
RI, lembrando que as experiências e perspectivas das comunidades marginalizadas são
frequentemente excluídas das narrativas dominantes sobre o internacional: as teorias e
metodologias existentes muitas vezes refletem pontos de vista eurocêntricos e masculinos,
negligenciando as perspectivas e experiências das mulheres, pessoas negras e do Sul Global.
Dessa forma, buscando estabelecer diálogos com o desenvolvimento das TRI faz-se
necessário apresentar as questões envolvidas no debate epistemológico, nos processos de
produção de conhecimento científico da área de RI, e em seus movimentos teóricos e
conceitos.
Nesse sentido, pode-se citar o conceito de “Amefricanidade” criado por Lélia
Gonzalez: englobando uma abordagem que visa reconhecer e valorizar a identidade
afro-latino-americana e as experiências da diáspora africana nas Américas, em primeiro lugar,
busca evidenciar a luta contra a dominação colonial e a resistência dos povos africanos e
afrodescendentes na América Latina. Além disso, promove uma consciência coletiva das
experiências compartilhadas de opressão e discriminação.
No contexto político, desafia as estruturas de poder e as hierarquias sociais que
perpetuam a marginalização e a exclusão dos afrodescendentes na sociedade latino-americana.
Ao reconhecer a centralidade da raça na construção das relações sociais e políticas na região,
a Amefricanidade busca promover políticas públicas e ações afirmativas que visam combater
o racismo e promover a inclusão e a equidade racial.
Ao refletir sobre as ideias de Lélia Gonzalez, é impossível não adotar uma abordagem
mais crítica e inclusiva nos estudos das RI, pois seu raciocínio ajuda a reconhecer e confrontar
as desigualdades que moldam o sistema internacional, bem como dar voz às perspectivas
marginalizadas que muitas vezes são negligenciadas. Esse avanço contribui para a visibilidade
das mulheres, negros e indígenas na formação do continente americano, na elaboração de
conhecimentos e nas questões de gênero e raça no campo disciplinar das Relações
Internacionais.
Outrossim, em contraste com as visões citadas, podemos citar Henry Kissinger,
ex-secretário de Estado dos Estados Unidos, um influente diplomata e político até a sua morte
no ano de 2023. Podemos considerar que seus trabalhos renderam um modelo próprio, o
“modelo kissinger”, citado por Hedley Bull em sua obra “A Sociedade Anárquica: Um estudo
da ordem política mundial”, que apresenta o significado do termo de forma sintetizada: um
concerto de grande potências, no qual o panorama internacional deveria ser colocado em prol
da colaboração entre esses países dominantes a fim de encontrar a estabilidade e a paz (Bull,
2002, p. 333-334).
Esse ideal do panorama internacional pode ser averiguado principalmente na obra
“Diplomacy”, no qual Kissinger conta a evolução do sistema internacional e como ele
funciona atualmente. Ele destaca que o sistema atual é o primeiro que é de fato internacional,
abrangendo todo o globo e com uma comunicação efetiva entre as nações (Kissinger, 1994, p.
24). Ressalta que o modelo da política internacional e seus conceitos surgiram com a França e
Inglaterra (Kissinger, 1994, p.17), mas, depois da queda do funcionamento da balança de
poder por conta das guerras, os Estados Unidos, que antes era protegido por esse modelo,
surgiu quebrando com as regras europeias e se afirmando como o novo modelo de política,
diplomacia e democracia (Kissinger, 1994, p. 20; 18).
Entretanto, as ideias e a prática política de Henry Kissinger são extremamente
prejudiciais e violentas na realidade. No aspecto acadêmico, centrar a produção intelectual
nos EUA e Europa é extremamente reducionista, excluindo importantes fontes alternativas de
conhecimentos e respostas que podem complementar o conhecimento das RI, como é
defendido por Arlene Tickner. De acordo com essa autora, o centro (EUA e Europa) ainda
ditam o que “é ou não é” RI, descartando visões de diferentes áreas, além de criar mais
barreiras como a linguística, dificultando que essas visões valiosas contribuam no debate
(Tickner, 2003, p. 300-301). Desse modo, o autor propõe uma sociedade internacional em um
modelo Estatal democrático baseado no mercado, no qual os Estados Unidos possuem uma
grande responsabilidade como modelo para firmar esses ideais com ações em outras nações,
prezando também a estabilidade entre as grandes potências através da diplomacia.
Entretanto, a prática desses ideais não preza pelos países de terceiro mundo e pode ser
extremamente prejudicial para eles, assim como afirma Bull:

[...] quando as grandes potências colaboram entre si, não é apenas para promover
[...] um interesse que compartilham com toda a humanidade - mas também para
promover determinados interesses especiais que lhes são próprios: a preservação do
status quo político, a colaboração contra desafios potenciais à sua posição de
liderança, a preservação da sua ascendência dentro das respectivas esferas de
influência. É até mesmo possível que sem esses interesses especiais das grandes
potências não houvesse a colaboração em causa, nem a perspectiva de que fosse
ampliada (Bull, 2002, p. 335).

Essa afirmação pode ser confirmada com os polêmicos e monstruosos crimes de guerra
praticados por Henry Kissinger no seu mandato como Conselheiro e Secretário de Estado. Sua
política durante a guerra do Vietnã causou milhares de mortes (que causaram o efeito
contrário da paz, influenciando no surgimento dos genocidas do Khmer Vermelho) e sua
influência nas violentas ditaduras da América Latina, incluindo no Brasil (Viggiano; Bischoff,
2023). De forma ironicamente lamentável, Kissinger ganhou um prêmio Nobel por sua
atuação no Vietnã, o que se tornou um lembrete da amarga impunidade para aqueles que
cometem crimes a favor dos ditos “países do centro”.
Ademais, com as reflexões até o momento apresentadas, infere-se uma natureza amorfa e
difusa para as relações internacionais e o internacional, não existindo uma formulação
consensual, ou universal, referente a quantidade de visões associadas à área, uma vez que as
interpretações e especulações dentro do campo de teorias das RI é tão vasta e profunda, em
que nem mesmo o mais obcecado leitor daria conta de compreender todas de maneira
satisfatória.
Para alguns acadêmicos, essa realidade ontológica das RI seria um malefício, não
existindo uma profundidade e tornando o campo acadêmico das TRI enfraquecido, mas um
olhar mais atento perceberia que isto é um presente para a área, assim como na política pode
ser dito que todas as ações cotidianas, falas e posicionamentos são reflexos políticos, os
internacionalistas podem dizer que o rudo e o todo é internacional.
Qualquer aspecto da cidadania, convivência e política se apresenta como um elemento
do dito internacional, como apontado pelo autor australiano da escola de Teoria Crítica
Inglesa Hedley Bull. Em sua obra “A sociedade anárquica” (2002), este discorre sobre o papel
da sociedade internacional e suas diversas possibilidades, configurações e propósitos, um
reflexo da natureza humana e da construção do internacional.
Mas uma problemática se forma ao observar com maior afinco as produções
acadêmicas nas teorias das relações internacionais, suas novas ideias, e principalmente de teor
contrário as hegemônicas, as quais são asfixiadas por uma academia purista com um apego
beirando a obsessão pelos clássicos, esses sendo muito importantes na construção teórica, mas
não são bastiões da fundamentação teórica. Qualquer acadêmico de RI, principalmente no
âmbito internacional, enfrentará uma forte resistência a novas perspectivas, mesmo nas terras
do sul global, como no Brasil, em que tal reação ocorre recorrentemente.
No artigo “Formação de conceitos brasileiros de Relações Internacionais”, da autoria
de Amado Cervo, rosto do corpo docente da Universidade de Brasília (UNB), é exposto que
os pensadores e figuras históricas que, segundo o autor, são as bases e uma espécie de
patronos do pensamento teórico das RI em âmbito brasileiro, são todos representantes em sua
maioria de uma elite latifundiária e agrária, um recorte que não representa nem um pouco a
totalidade do multiculturalismo e das diversas construções sociais no país, de forma que
indígenas, pretos, pessoas com deficiência, LGBTQIA+ e mulheres são esquecidos,
marginalizados e lutam com ardor para conquistar um lugar ao sol.
Considerando todos os aspectos elencados acima, quanto a delimitação e diferenciação
das relações internacionais tanto no quesito acadêmico quanto social, sendo intrinsecamente
responsáveis pela compreensão do campo atualmente, é importante salientar a contribuição de
autores não convencionais e anti-sistêmicos para o entendimento das r.i.
A priori, destaca-se a contribuição de Arlene Tickner que visa trazer à tona a
relevância do debate acerca da crise intelectual vivida pelas r.i., em decorrência do não
envolvimento do denominado “terceiro mundo” e a necessidade de não mais ignorar as
questões presentes atualmente e a começar urgentemente a descentralização do palco central.
Esse sendo um dos responsáveis pela depreciação e subestimação do discurso internacional e
as atividades de grupos não convencionais ou patriarcais, que funcionam como maneira de
aperfeiçoar o aprisionamento de minorias nos estereótipos aos quais vivem. Pode-se então,
determinar que as r.i. possuem como uma de suas mais importantes raízes o questionamento
do espaço em que estão localizadas e a função de seus atores no cenário global.
Atrelado a isso, Wallerstein propõe uma discussão centralizada no aperfeiçoamento
intelectual e a abertura para novas formas de pensamento não tradicionais que procuram dar
voz a diferentes povos e que nos faça questionar o cotidiano com um olhar mais crítico e
analítico, que permita não somente se envolver ativamente nesses debates, como também
exercer um papel de ator nas decisões, tanto as que nos dizem respeito quanto a de nossos
pares, procura-se entender que a identidade das relações internacionais é intrinsecamente
ligada ao estudo do interno contra externo e como o antissistema é o que possibilita diferentes
vozes no meio acadêmico e social.
Ailton Krenak diz que: “A episteme que instituiu o debate político é em si colonial”,
como observado ao longo das aulas da matéria, a indagação sobre o que estamos fazendo com
o que nos é ofertado, o conhecimento, versus aquilo que praticamos, ações decorrentes do
colonialismo, são uma das formas de se combater a supressões vividas pelos
internacionalistas, ou seja, o entendimento das r.i. ou R.I. só é possível a partir do
autoconhecimento de nós mesmos e de nossas lutas, decorrentes de séculos de subserviência
ao denominado “mainstream”, ser internacional vai muito além do que é de fora e baseia-se
profundamente no indivíduo e sua ligação com o coletivo.

A diversidade não impede, contudo, a possibilidade de reivindicações


comuns, como eixos unificadores. Uma delas, a de soberania aos povos e
comunidades sobre seus corpos e territórios, questiona, por si só, um sistema
universal de leis, um sistema universal de organização política e um sistema
universal de articulação econômica (Silvestre, 2021, n.p).

A partir das distintas perspectivas apresentadas, é entendível que o principal desafio


dos teóricos do campo acadêmico das RI é justamente chegar em um consenso sobre o que
significa as Relações Internacionais. Em suma, pode-se notar que cada um desses teóricos, do
seu modo, levando em consideração suas características próprias como ideologias, vivência,
percepção do mundo, lutas enfrentadas, irão se propor a tentar dar uma explicação e uma
fundamentação concreta sobre o real significado do estudo das relações internacionais, por
esse motivo há tantos autores explicando de uma maneira única esse campo teórico.
Dessa forma, cada autor, de sua maneira, irá propor, com base em suas experiências, o
que acredita ser o internacional, a partir disso poderá analisar as relações internacionais como
fenômeno e, posteriormente, às Relações Internacionais como campo de estudo. Esse é o
primeiro passo para se discutir temas mais específicos, como teorias das RI, que se propõe
justamente a servir como fundamento teórico para analisar o fenômeno que são as relações
internacionais e até mesmo uma análise do Sistema Internacional. Assim, cada autor concede
uma visão única e fundamentada sobre o que acredita compor esses campos (as ri, RI e o
Sistema Internacional).
Como visto durante todo o texto, os autores chegam a um consenso sobre os assuntos
abordados é extremamente difícil, por cada um ter sua própria visão, com base nas suas
experiências de vida. Por exemplo, vimos que Aron se propôs a explicar as Relações
Internacionais sob uma perspectiva estadocêntrica, levando em consideração que a busca pelo
poder é o que dita as o Sistema Internacional e, portanto, que o equilíbrio de poder é o
elemento capaz de estabilizar esse sistema. Lélia Gonzalez, em contraponto, como uma
mulher latino-americana negra, defendeu que é impossível analisar as RI desconsiderando
questões fundamentais como raça, classe e gênero, utilizando as suas lutas como pessoas
marginalizadas para explicar as relações internacionais.
Com isso, é perceptível, então, que um dos maiores desafios das RI é, em meio a
tantas teorias únicas, chegar a um consenso sobre os assuntos abordados. Nesse contexto, é
imprescindível citar a importância que os chamados autores sistêmicos têm para as Relações
Internacionais. Marcel Merle, um autor sistêmico das RI, em sua obra “Sociologia das
Relações Internacionais”, de 1981, se propõe a explicar o Sistema Internacional a partir de
uma ótica sociológica. Para o autor, é impossível se pensar em uma análise do internacional
desconsiderando o interno, porque quem participa do internacional são justamente os atores
que estão incluídos, primeiramente, no interno. Merle também classifica o que é o Sistema
Internacional. Para ele, em suma, o Sistema é o conjunto de relações entre os principais
atores, que entende como sendo os Estados, as OIs e as Forças Transnacionais (Grandes
corporações) e o contexto em que estão inseridos, ou seja, o conjunto de fatos que influem
sobre a estrutura e o próprio funcionamento do sistema.
Dessa forma, Merle concebe uma explicação que pode ser vista de uma maneira mais
geral sobre o que compõe as RI e o Sistema Internacional. Não significa que essa é a única
visão correta e absoluta sobre o tema, mas que essa é uma das várias formas de explicar esses
assuntos fundamentais para o nosso campo de estudo e que pode servir até mesmo como
embasamento para formações de teorias ainda mais específicas sobre as RI, enriquecendo
assim cada vez mais essa área, visto que cada uma dessas teorias tem sua importância por
apresentar uma visão única e válida sobre as temáticas. Portanto, pode-se concluir que é algo
bom existir tantas teorias das RI, pois cada ponto de vista diferente pode se somar aos demais
e, assim, ser capaz de fornecer um rico fundamento teórico, levando em consideração as mais
diversas experiências de vida dos indivíduos, para quem se propõe a estudar essa
extraordinária área do conhecimento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ontroversa-quem-foi-henry-kissinger.ghtml. Acesso em: 28 mar. 2024.

WALLERSTEIN, Immanuel. O desenvolvimento de uma posição intelectual. Blog


Labemus, 2019.

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