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REGIMES INTERNACIONAIS: COOPERAÇÃO OU MEIOS PARA


INGERÊNCIA INTERESTATAL?

André Bezerra Meireles*

Introdução

Muitas são as controvérsias que envolvem os estudos sobre as


chamadas instituições internacionais ou regimes internacionais. As análises e
discussões perpassam pelas suas formas, funções, e até sobre quais
interesses essas instituições poderiam servir, ou, se realmente servem como
ponto de equilíbrio e participação dos Estados nas negociações e na formação
das normas, regras e princípios que regem tais modelos de organismos.
Estes e outros tópicos ligados à economia política internacional são
foco de muitos estudos desde os anos 70, não sendo, de todo modo, os
analistas e scholars capazes de estabelecer um único referencial que permita
compreender os processos de cooperação entre os atores internacionais, ou
mesmo as relações de poder e discórdia existentes nas relações desses
agentes. Releva-se estes como alguns dos embates que permeiam a
discussão do tema que se pretende esclarecer nesta pesquisa.
O que se almeja responder neste trabalho é, dentro do campo
proposto inicialmente, se o direito internacional encontra-se em expansão no
sentido de inclusão tanto dos países desenvolvidos quanto em
desenvolvimento na construção e regulação de uma sociedade internacional
em que a possibilidade de negociação ocorra em maior grau do que a
imposição por um ou mais agentes na determinação das “regras do jogo” da
economia política mundial, favorecendo assim somente um número limitado
desses agentes em relação aos demais envolvidos.

*
Mestre em Direito Internacional (UFSC). Advogado e Consultor Jurídico. Professor de Direito
Internacional (Uniceuma) e Processo Legislativo no Curso de Especialização em Direito
Constitucional (UnDB). Membro da American Society of International Law (ASIL). O autor
agradece a André Vinícius Tschumi pela leitura e comentários, sendo que os eventuais
percalços deste estudo somente podem ser atribuídos ao autor.
2

Para isso, escolheu-se abordar a presente temática por meio de


pesquisas que vêm sendo promovidas com maior profundidade desde o início
dos anos 80, em sua maioria por cientistas políticos e juristas norte-
americanos, a respeito do que foi identificado como teoria do Institucionalismo,
ou seja, a teoria dos regimes internacionais.1 Para que se demonstre de modo
mais claro, far-se-á algumas considerações concernentes às mudanças
ocorridas no século XX no sistema internacional, bem como aos esforços que
vem sendo realizados em prol de melhor interpretar e compreender tal quadro.

1. As mutações na sociedade internacional e o direito internacional a


partir do século XX

O surgimento de novos membros do sistema internacional e o maior


grau de interação e interdependência entre si aparecem como resultado de
uma maior aproximação das relações entre as unidades estatais, indicando
ainda que não se vive mais, unicamente, em um sistema internacional, mas em
um sistema que já pode ser visto atualmente como uma sociedade
internacional. Não obstante, existem aqueles que afirmam não haver uma
sociedade internacional, em virtude de esta não possuir os requisitos
essenciais para que se considere como tal.

Os sistemas internacionais são destacados pelos historiadores com o


fim de darem “a fotografia de uma área política” em determinado momento,
apresentando as múltiplas relações e o fluir das mesmas, como, por exemplo, o
sistema de Paz de Vestfália do século XVII e o bipolarismo da segunda metade
do século XX.2 Torna-se necessário ir além do plano geográfico, de
abrangência por sobre as formas de intercâmbios nos distintos níveis de
interações sociais, políticas e econômicas. Ademais, deve-se verificar as
modificações que se realizam no seio dessas interações. Raymond Aron
observa que o sistema internacional é formado por unidades políticas que
1
John Gerard Ruggie, cientista político norte-americano, foi quem introduziu o termo “regimes”
nos estudos de política internacional. Cf. RUGGIE, John G. International Responses to
Technology: Concepts and Trends. International Organization. v. 29, n. 3, p. 570, 1975.
2
MOREIRA, Adriano. Teoria das relações internacionais. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999, p.
272-273.
3

mantêm relações diplomáticas regulares entre si3, e que este – sistema


internacional – é um “sistema planetário”, pois todos os acontecimentos, não
importando onde ocorram, provocam reações mútuas.4

Partindo, por enquanto, apenas da visão do realismo político, a


sociedade internacional é centrada unicamente nos Estados como principal
ente dessas relações, regidas por meio de normas e formas de entendimento
político. Segundo alguns autores entre os vários existentes que compartilham
dessa ótica, o ponto inicial é a existência dos Estados e é com base neles que
a sociedade internacional é organizada.

A sociedade internacional é considerada anárquica. Essa anarquia é


decorrente da existência de uma multiplicidade de Estados e da insuficiência
de uma regulamentação internacional eficaz que consiga responder aos
chamados das constantes mutações globais, ou, pode-se dizer, enfim, da
inexistência de um poder central ou de um governo mundial. Desse modo, a
principal distinção entre a política externa e interna dos Estados pode ser
identificada no paralelo dialético entre a política internacional, que pressupõe a
ausência de um sistema de governo, assim como as políticas nacionais, que
pressupõem a existência de tal sistema.

Martin Wight afirma que se faz parte de um sistema de direito


internacional e existem instituições internacionais para alterar ou complicar a
forma de funcionamento da política de poder, pois, enquanto a luta no âmbito
interno dos Estados é governada e circunscrita pelo molde das leis e das
instituições, na política internacional, a lei e as instituições seriam governadas e
limitadas pela luta pelo poder. 5

Para um esclarecimento inicial, outro teórico da Escola Inglesa de


Relações Internacionais, Hedley Bull, prescreve um paralelo entre o que seja
sistema de Estados e sociedade de Estados. A respeito do termo anterior, o
citado scholar realista aduz que "um sistema de Estados (ou sistema

3
ARON, Raymond. Paix et Guerre entre Les Nations. 6. ed. Paris: Calmann-Lévy, 1962, p. 113.
4
ARON, Raymond. Paix et Guerre entre Les Nations, p. 372.
5
WIGHT, Martin. A política do poder. Tradução de C. Sérgio Duarte. 2.ed. Brasília: Editora da
UnB, 2002, p. 94. Ressalva-se, esta é uma afirmação unicamente da perspectiva do realismo
político.
4

internacional) é formado quando dois ou mais Estados têm contato suficiente


entre si, e detém impacto suficiente sobre as decisões um dos outros, fazendo
com que se comportem – pelo menos em certa medida – como partes de um
todo” 6.

Pari passu, surge o que Bull define como uma sociedade de Estados,
ou seja, “um grupo de Estados, conscientes de certos interesses e valores
comuns, formam uma sociedade no sentido de que eles mesmos aceitam estar
ligados por um conjunto comum de regras em suas relações, e participam
conjuntamente de instituições comuns”7.

A sociedade internacional evolui de forma rápida desde o século XIX


e, pode-se dizer, violentamente, com o transcorrer do século XX, passando
nesta fase por uma realidade conflitiva marcada por duas grandes guerras
mundiais, mudanças de regimes internacionais tanto políticos quanto
econômicos, desenvolvimento de novos atores internacionais, e alterações na
elaboração das normas internacionais, dando um novo perfil para o direito
internacional e às formas de negociação entre os Estados. As definições
anteriormente descritas sobre o sistema e sociedade internacionais não mais
correspondem, isoladamente, à realidade da vida estatal de finais do século
XX, e início do século XXI.

O último século foi marcado pela legalização das relações


internacionais. Toda essa normatividade encontra-se estruturada nos atuais
tratados, que vêm se proliferando continuamente nas organizações
internacionais multilaterais, nos acordos regionais de comércio, no surgimento
e maior dinâmica de empresas multinacionais, e mais recentemente, em uma
larga escala de acordos bilaterais, destacando-se os acordos no setor da
economia internacional.8 Tal assertiva é defendida não somente por cientista
políticos, como também por juristas de distintas nacionalidades.

6
BULL, Hedley. The Anarchical Society. A Study of Order in World Politics. New York:
Columbia University Press, 1977, p. 9-10
7
BULL, Hedley. The Anarchical Society, p. 13.
8
Em contraposição a esta afirmativa, ver: GOLDSMITH, Jack L.; POSNER, Eric A. The Limits
of International Law. Oxford: Oxford University Press, 2005.
5

1.1 As instituições internacionais pós 2ª Guerra Mundial: reflexos da


hegemonia norte-americana

O fim do período entre guerras foi o momento em que as instituições


internacionais passaram a surgir em maior escala e dentro de um cenário em
que era latente a necessidade pela criação de organismos de caráter
multilateral, o fim era estabelecer novas formas de controle sobre a economia
mundial, e evitar as crises ocorridas no período entre guerras, passando, desta
feita, ainda a auxiliar a reerguer os países europeus dizimados pela 2ª Guerra
Mundial, tendo a ajuda dos Estados Unidos como sustentáculo. Esse foi um
instante em que o governo norte-americano percebeu o quanto poderia se
beneficiar da relação de dependência que países do velho continente
passariam a ter, independentemente dos processos de integração econômica
regional que alguns já estavam iniciando. Desde o fim da 1ª Grande Guerra, já
se firmava como o período de transição da Pax Brittanica para a nova realidade
da Pax Americana.
A Organização das Nações Unidas (ONU) juntamente com o Fundo
Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BIRD) e Acordo Geral sobre
Tarifas e Comércio (GATT) foram as instituições que representaram os
primeiros, porém definitivos passos para um caráter multilateralista das
relações internacionais, sendo as demais subsidiárias da ONU. Além das
Nações Unidas, desvinculada dela surgiu também a OTAN, Organização do
Tratado do Atlântico Norte (1949), como meio cooperativo de segurança
internacional coletiva entre os 26 países da respectiva área do globo contra a
dita ameaça do bloco soviético, também organizado do mesmo modo por meio
do Pacto de Varsóvia (1955-1991).
O domínio que os Estados Unidos detinha sobre essas instituições
quando da sua criação, e que ainda detém nos dias atuais, demonstram que a
existência de uma potência considerada hegemônica é um dos possíveis
motivos que levam ao surgimento de instituições internacionais (regimes
internacionais). No entanto, estes são pontos que serão abordados mais à
frente neste trabalho.
6

O que há muito já foi verificado, e que tem sido um avanço natural


das relações internacionais, é o aumento de uma maior interdependência,
especialmente no campo econômico e financeiro, que existe não só entre os
Estados, mas também da relação dos Estados com as instituições
internacionais e corporações transnacionais. Foi a partir dessa tendência a
uma mútua dependência essencialmente assimétrica entre os Estados, a
criação de organismos intergovernamentais, e ainda, ao nascimento gradativo
de outras formas de grupos e organismos (com competências e interesses
temáticos específicos) que a paisagem global foi evoluindo e se modificando,
tornando mais difícil em alguns momentos, por parte dos Estados, o
desenvolvimento e controle de suas relações uns com os outros.
Concernente a transnacionalidade, Odete Maria de Oliveira leciona
que as corporações transnacionais são também denominadas corporações
multinacionais. Estas, apesar de darem grande relevância às suas atividades
fora do seu país de origem, direcionam todo o resultado do movimento
financeiro de suas filiais para a sede principal, sendo, segundo a autora,
“uninacional”. No entanto, as empresas transnacionais podem ser geridas por
indivíduos nacionais distintos e suas decisões fogem à esfera nacional em que
se localiza.9
10
O transnacionalismo surge como fonte diversificadora dos agentes
do sistema, se caracteriza pela ultrapassagem das fronteiras nacionais, e exige
uma nova forma comportamental dos países entre si, como frente também às
grandes corporações, cartéis internacionais e, ainda, frente aos acordos
regionais que passaram a surgir com grande força entre os países no velho
mundo, até então, econômica e politicamente derrotados. A face transnacional
das empresas é verificável também na forma como elas conseguem
administrar as relações entre si, desenvolvendo regras autônomas, como por
9
OLIVEIRA, Odete Maria de. Relações internacionais: estudos de introdução. Curitiba: Editora
Juruá, 2001, p. 250.
10
Com relação aos estudos iniciais sobre a origem do transnacionalismo, ver: KEOHANE,
Robert O.; NYE, Joseph S. Transnational Relations and World Politics: An Introduction.
International Organization. v. 25, n. 3, p. 329-349. 1971.; KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph
S. Transgovernamental Relations and International Organizations. World Politics. v. 27, n. 1,
p.39-62, out. 1974; BERGSTEN, Fred C.; KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. International
Economics and International Politics: A Framework for Analysis. International Organization. v.
29, n. 1, p.3-36. 1975.
7

exemplo, a (nova) lex mercatoria, que se configura como um complexo de


normas jurídicas, tanto escritas como não, desvinculadas do direito positivo dos
Estados, possuindo como fim o controle das relações do comércio
internacional.

1.2 Os processos de integração regional

Os processos de formação de blocos econômicos pelos países


europeus, sendo inicialmente zonas de livre comércio e uniões aduaneiras, é
um fenômeno que se apresenta hoje como um dos entraves para o
multilateralismo, este que aparenta ter sofrido um baque nos últimos anos em
função do grande aumento de acordos bilaterais e acordos multilaterais em
menor amplitude.
Todo esse surgimento de acordos de livre comércio e uniões
aduaneiras no continente europeu não é recente. Estímulos à união entre os
países do antigo continente já ocorriam, como fez em 1897, Count
Goluchowski, primeiro ministro austríaco, ao circular uma carta aberta aos
líderes europeus no sentido de que estes se prontificassem em conjunto a
tomar medidas contra as ações dos Estados Unidos no setor comercial. Nesse
período, as tarifas norte-americanas já eram altas e continuavam a subir, seus
produtos cresciam em volume, e a redução nos transportes estavam trazendo
maior competição com a agricultura européia em função dos cereais e produtos
animais norte-americanos.11
Esse período pré 1ª Guerra Mundial já demonstrava uma maior
tendência à interdependência econômica entre Estados, tanto que
posteriormente, já no campo não unicamente econômico e comercial, mas na
arena político-militar, veio a surgir o que foi semente das instituições
internacionais de hoje, a Liga das Nações, mal sucedida em detrimento das
duas grandes guerras.
Pois bem. Já os processos de regionalismo econômico ou dos
acordos regionais de comércio vêm ocorrendo de maneira mais acelerada a

11
VINER, Jacob. The Customs Union Issue. Lancaster: Lancaster Press, 1950, p. 22-23.
8

partir da metade dos anos oitenta, gerando um forte e crescente impacto na


economia dos países. Os movimentos integracionistas ocorridos a partir da
segunda metade do século XX na Europa Ocidental representam o marco da
formação e intensificação do antigo regionalismo. Todo esse período histórico
dos últimos cinqüenta anos pode ser dividido em duas ondas que são assim
identificadas pela incrível rapidez com que ocorreram, sendo a primeira, no
mínimo, a fundadora dos primeiros acordos comerciais regionais.
A segunda onda ocorreu nos anos 80, tendo desde já os Estados
Unidos como um dos grandes negociadores.12 Nessa nova forma de
regionalismo, as bases da supranacionalidade que viria surgir, foram aos
poucos se consolidando, para até hoje se manter, estando representada
unicamente na União Européia. As normas do direito europeu são diferentes
das normas de direito internacional
O que se busca demonstrar neste breve início de pesquisa é uma
constante necessidade de cooperação entre os Estados, sendo que a
cooperação internacional a partir dos anos 50 talvez tenha sido maior que em
qualquer outro período da história, e isso só tem aumentado. A respeito da
temática da cooperação, algumas considerações podem ser colocadas para
uma maior compreensão do tema.

2. A Cooperação Internacional

Anarquia é também um dos conceitos muito trabalhados pelos


defensores do institucionalismo. O sistema internacional não se encontra em
um “estado de natureza” como definido por Hobbes na política mundial, mas a
não existência de um governo central superior aos Estados soberanos e
independentes, é a própria anarquia internacional existente.
Hedley Bull observa a existência, no sistema internacional moderno,
dos elementos defendidos pelas categorias do pensamento hobbesiano,
kantiano e grociano, quais sejam, respectivamente: o elemento da guerra e da
luta pelo poder entre os Estados; o elemento da solidariedade transnacional e
12
PANAGARIYA, Arvind, DE MELO, Jaime. New Dimensions in Regional Integration. New
York: Cambridge University Press, 1995, p. 03.
9

o conflito cruzando as fronteiras nacionais; e o elemento da cooperação e de


interação regulada entre os Estados. 13
A anarquia – a ausência de um governo central – é uma constante
na política mundial. Não obstante o grau no qual as interações são
estruturadas e os meios pelos quais são estruturadas, elas variam.14 Mesmo
assim, esse quadro de anarquia no qual se envolvem os Estados não
representa a falta de controle ou de uma regulação das interações entre esses
membros da sociedade internacional.
As relações internacionais encontram-se regulamentadas, além do
Direito Internacional, por uma malha de princípios, regras, normas e
procedimentos que leva os Estados e demais agentes atuantes
internacionalmente a seguirem determinados ritos, comportamentos
específicos em suas interações – os regimes internacionais – e, por se
encontrarem em um contexto de interdependência complexa, as ações
estatais ocorrem dentro dos limites formais estabelecidos com relação às
temáticas a que se direcionam, conforme seus interesses em cada uma destas
mesmas temáticas, e o mais importante, o nível de poder de barganha dentro
de cada uma das temáticas.
Como defendem alguns observadores da política mundial, é muito
difícil ocorrer uma congruência entre os interesses dos Estados e um
aprofundamento de suas articulações para solucionar questões de ação
coletiva em função do estado de anarquia do sistema internacional.
Paralelamente a este entendimento, os institucionalistas defendem a
possibilidade de negociação e entendimento entre os atores internacionais, ou
seja, a possibilidade de cooperação.15

13
BULL, Hedley. The Anarchical Society, p. 41.
14
AXELROD, Robert; KEOHANE, Robert O. Achieving Cooperation Under Anarchy: Strategies
and Institutions. World Politics. v. 38, n. 1, Princeton, oct. 1985, p. 226.
15
Importante a afirmação feita pelo professor Alcides Costa Vaz, na introdução de obra de sua
autoria, ao dizer que: “O institucionalismo liberal, por sua vez, coloca em perspectiva a
capacidade das instituições internacionais de gerar incentivos para a cooperação internacional,
corrigindo falhas de mercado, reduzindo problemas de ação coletiva e gerando normas e
regras orientadoras do comportamento dos Estados, com o que elevam os custos de ações
unilaterais que possam fragilizar interesses coletivos, tornando assim mais estável e previsível
o sistema em que eles interagem. Essa perspectiva construída sobre o legado funcionalista,
coloca em questão a ação de atores não-estatais, inclusive nos planos domésticos, como
importante explicativo da natureza e da dinâmica dos processos de integração regional.” In:
10

O contexto de interdependência complexa em que evolui o sistema


internacional tem gerado conflitos entre os atores na tentativa de controle e
desenvolvimento de suas economias. Observa Robert Keohane que a
cooperação continua ainda muito escassa se comparada à discórdia, por
causa do acelerado crescimento da interdependência econômica internacional
a partir do período pós-guerra. Por conseguinte, o crescente envolvimento dos
governos na operação das economias capitalistas modernas tem criado mais
16
“pontos de fricção potencial” entre os países. Mesmo um nível absoluto de
cooperação pode ser desarticulado pela discórdia, ao mesmo tempo em que a
interdependência e as intervenções estatais criam mais oportunidades para o
conflito de políticas.17
Não há dúvida de que os Estados têm apresentado tendências a
cooperar de maneira crescente nas últimas décadas. Um exemplo é o atual
grande número de acordos regionais, bilaterais e multilaterais de comércio, e a
formação de blocos econômicos, tanto entre países desenvolvidos como
aqueles em desenvolvimento e, ainda, entre ambas as categorias no âmbito
do Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas (General Agreement on Tarrifs and
Trade - GATT), como da atual Organização Mundial do Comércio (OMC).
Bela Balassa faz a distinção entre integração e cooperação no
aspecto quantitativo das mesmas. Ele afirma que a diferença ocorre na idéia
de cooperação como sendo “uma ação tendente a diminuir a discriminação”.
Já a integração é definida como “medidas que conduzem à supressão de
algumas formas de discriminação”. Todavia, é claro que para que ocorra
qualquer processo de integração de economias é necessária, inicialmente, a

VAZ, Alcides Costa. Cooperação, integração e processo negociador: a construção do Mercosul.


Brasília: IBRI, 2002, p. 19-20.
16
KEOHANE, Robert O. After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political
Economy. New Jersey: Princeton University Press, 1984, p. 5. “After Hegemony integra esta
visão sobre organizações internacionais dentro de uma teoria mais ampla de regimes
internacionais; e mais recentemente, as análises de organizações internacionais vê tais
atividades dessa forma.” KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. Power and Interdependence
Revisited. International Organization. v. 41, n. 4, 1987, p. 739.
17
KEOHANE, Robert O. After Hegemony, p. 6.
11

busca do interesse comum entre os países envolvidos, o que já pressupõe


uma forma de cooperação entre os atores internacionais, afirma Balassa.18
O referido economista húngaro nos apresenta uma análise limitada
das perspectivas de uma negociação. O mero fato de dois governos
possuírem agendas políticas distintas, já nos faz perceber a existência de
objetivos distintos. Assim, é importante asseverar que não se deve confundir
cooperação com interesses comuns. O contrário ocorre com muito mais
freqüência, pois onde existem interesses comuns, a cooperação tende a falhar
e a discórdia a prevalecer. Por isso a necessidade de contrapor-se cooperação
à discórdia, demonstrando também que na política internacional não existe
lugar para harmonia.
O fato de haver discórdia, objetivos divergentes, é o que tornam
necessárias as tentativas de cooperação entre os atores internacionais. A
cooperação é vista pelos policymakers mais como um meio para atingir uma
gama de outros objetivos do que um fim em si mesmo. Keohane aduz que sob
condições de interdependência, a cooperação é necessária para atingir níveis
favoráveis de bem-estar. Todavia, esta se torna insuficiente, e mais
cooperação não necessariamente virá a ser melhor do que menos.19

3. Os Regimes Internacionais: Conceitos e Críticas

O alcance da compreensão do que seja o processo de


interdependência é fundamental para que se possa compreender essa variável
muito maior da política mundial que são os regimes internacionais.20
Segundo Robert Keohane e Joseph Nye, a maior contribuição obtida
em Power and Interdependence para o estudo da interdependência e da
cooperação foi enfatizar que a “análise das políticas de interdependência exige
18
Ver BALASSA, Bella. Teoria da Integração Econômica. Tradução de Maria Filipa Gonçalves
e Maria Elsa Ferreira. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1961, p. 12.
19
KEOHANE, Robert O. After Hegemony, p. 10-11.
20
esse respeito, Oran Young faz o seguinte comentário: “Sem dúvida, esta explosão de
trabalhos sobre regimes ou, mais genericamente, sobre instituições internacionais, reflete um
senso emergente, em especial entre os americanos, de que a ordem internacional, engendrada
pelos Estados Unidos e seus aliados, no final da Segunda Guerra Mundial, está se
deteriorando e pode estar a beira do colapso.” Cf. YOUNG, Oran R. International Regimes:
Toward a New Theory of Institutions. World Politics. v. 39, n. 1, 1986. p. 104-105.
12

uma concepção sofisticada de negociação, e que padrões de interdependência


econômica tem implicações para o poder e vice-versa”.21
O conceito de regimes internacionais22, elaborado de modo mais
simples ainda nos anos 70, foi recebido com entusiasmo por grande parte da
literatura de relações internacionais em contraposição à relativa rejeição para
a interdependência complexa.23 O conceito de regimes é mais abrangente
chegando a incluir análises que envolvem, além de questões econômicas e
financeiras, questões de segurança internacional, ecológica e dos mares. No
entanto, não foi na obra em questão que o estudo dos regimes internacionais
foi introduzido com maior destaque. A evolução dessa linha de análise já vinha
se desenvolvendo há anos, sendo que o pioneiro nesta temática foi o cientista
político norte-americano John Gerard Ruggie, sendo assim seguido pelos dois
autores citados anteriormente.24
Porém, primeiramente, a definição de regimes internacionais foi
dada por Keohane e Nye, qual seja, “conjunto de acordos de governos que
afetam relações de interdependência”.25 Os regimes internacionais podem
estar configurados de diversas maneiras, podendo ser bem específicos e surtir
efeitos em relações de interdependência, as quais podem envolver alguns
poucos países, como uma grande gama de países com relação a uma
temática específica.

21
KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. Power and Interdependence Revisited, p. 736-737.
22
“Parte do problema com a definição de Krasner é que ele não nos permite identificar regimes
com precisão ou separar regimes facilmente do resto das relações internacionais. A definição
comum é realmente só uma lista de elementos que são difíceis de diferenciar conceitualmente
e que, com freqüência, encobrem situações no mundo real.” Cf. YOUNG, Oran. R. International
Regimes: Toward a New Theory of Institutions, p. 106.
23
KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. Power and Interdependence Revisited, p. 740.
24
O professor Antonio Jorge Ramalho da Rocha, reforça a idéia aqui exposta ao afirmar que a
obra de Robert Keohane e Joseph Nye, “ao discutir o fenômeno da interdependência, analisa
as condições de surgimento, manutenção e mudança de regimes internacionais. Embora o
conceito de regimes internacionais fosse então bastante mais vago do que ficou depois do
seminário organizado por [Stephen] Krasner para que se construísse um consenso mínimo a
respeito dos fenômenos da realidade aos quais querem se referir os analistas quando utilizam
este termo, a preocupação com a divergência de expectativas dos agentes internacionais em
áreas específicas da vida internacional já era bastante significativa em fins dos anos 60 e início
dos anos 70”. Cf. ROCHA, Antonio Jorge R. da. Poder, Interdependência e Interdependência
Complexa. In: OLIVEIRA, Odete Maria de; DAL RI JUNIOR, Arno (Orgs.). Relações
Internacionais: interdependência e sociedade global. Ijuí: Editora Unijuí, 2003, p. 486.
25
KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. Power and Interdependence. 3.ed. New York:
Longman, 2001, p. 17.
13

Para compreender os regimes internacionais que afetam as relações


de interdependência, deve-se fazer a dicotomia entre estrutura e processo.
Assim, a estrutura é distinguida de processo, sobre o qual o mesmo se refere
ao comportamento designativo ou de negociação no interior de uma estrutura
de poder. 26
Os regimes internacionais têm a função de fatores intermediários que
se encontram entre a estrutura de poder de um sistema internacional e as
negociações políticas e econômicas que ocorrem dentro desse sistema. A
distribuição de poder entre os países, o qual define a estrutura do sistema,
afeta de modo incisivo a natureza do regime que é caracterizada por um
conjunto de regras e procedimentos formais e informais relevante ao sistema.
O conceito internacional de regimes internacionais serviu como um
“rótulo” para identificar a noção inicial feita por John Gerard Ruggie, que
afirmava serem os regimes um “comportamento coletivo institucionalizado”.27

Os regimes internacionais são classificados como fatores


intermediários situados entre a estrutura de poder de um sistema internacional
e as negociações políticas e econômicas que ali se desenrolam. Acrescentam
ainda que a “estrutura do sistema (a distribuição de poder entre os Estados)
afeta profundamente a natureza do regime (o mais ou menos disperso conjunto
de normas, regras e procedimentos informais relevantes ao sistema). O regime,
por outro lado, afeta e até certo ponto governa a negociação política e as
tomadas de decisão diárias que ocorrem dentro do sistema”. 28

Os regimes internacionais auxiliam na construção do quadro político


dentro do qual os processos econômicos internacionais se desenvolvem. Da
mesma forma, para se alcançar uma compreensão dos processos políticos de
interdependência, necessário se torna o entendimento de como os regimes
internacionais surgem e se desfazem. 29

No entanto, foi com os estudos mais aprofundados de diversos


pesquisadores nos anos 80 que se chegou à definição que hoje se mantém. A
26
KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. Power and Interdependence, p. 18.
27
KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. Power and Interdependence Revisited, p. 740.
28
KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. Power and Interdependence, p. 18.
29
KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. Power and Interdependence, p. 33.
14

definição consensual de regimes internacionais foi formulada por Stephen


Krasner em 1982, e conceituando-os como sendo um “conjunto de princípios,
normas, regras e procedimentos de tomadas de decisões implícitos e explícitos
em torno dos quais as expectativas dos atores convergem em uma
determinada temática de relações internacionais”.30 Em outras palavras, a
função básica de regimes é a coordenação do comportamento do Estado e
outros atores internacionais para atingir objetivos desejados em temáticas
específicas.31

É necessário ressaltar a distinção feita por Stephen Krasner entre o


que sejam princípios, normas, regras e procedimentos de tomadas de decisão,
para que se possa compreender a extensão deste conceito. Assim são
caracterizados:

a) princípios são crenças de fatos, causa e retidão;

b) normas são padrões de comportamentos definidos em termos de


direitos e obrigações;

c) regras são prescrições ou proscrições específicas para ação;

d) procedimentos de tomada de decisões são práticas prevalecentes


para fazer e implementar escolha coletiva.

Para diferenciar tais elementos formadores dos regimes,


considerando que a separação fundamental consiste em por princípios e
normas de um lado, e regras e procedimentos de outro. Consoante Krasner, os
princípios e as normas dão as características básicas de definição de um
regime. Deve haver muitas regras e procedimentos de tomadas de decisão que

30
KRASNER, Stephen D. Structural Causes and Regime Consequences: Regimes as
Intervening Variables. In: KRASNER, Stephen D. International Regimes. Ithaca and London:
Cornell University Press, 1983, p. 2. Segundo Raimundo Batista Junior, “o que estimula a
formação dos regimes é a existência de interesses compartilhados, que podem estar baseados
no recíproco desejo de agilizar a eficiência das trocas orientadas por eles, ou seja, a
necessidade dos atores realizarem acordos com objetivo de maximizar ganhos no interior do
sistema internacional. Mas tais acordos não poderiam ser realizados restritivamente, sem o
recursos de um arcabouço institucional”. In: SANTOS JUNIOR, Raimundo B. Diversificação das
relações internacionais e teoria da interdependência. In: BEDIN, Gilmar Antonio et al.
Paradigmas das relações internacionais: idealismo-realismo-dependência-interdependência, p.
285.
31
KRASNER, Stephen D. Structural Causes and Regime Consequences: Regimes as
Intervening Variables. In: KRASNER, Stephen D. International Regimes, p. 7.
15

sejam consistentes com os mesmos princípios e normas, que são a “essência”


do regime, a composição do que realmente seja o regime. Assim, os princípios
e normas devem, em primeiro lugar, sempre ser obedecidos para que possam
se manter as regras e procedimentos concernentes a elas.

Enquanto que mudanças nas regras e tomadas de decisão


representam mudanças dentro do sistema, os princípios e normas representam
as mudanças de regimes ou, possivelmente, o fim de um regime. A mudança
de um sistema ou o fim dele só viria a ocorrer se os princípios e normas não
fossem mais seguidos,32 sendo estes, base para existência dos regimes.

Um caso diferente pode ocorrer quando se verificar um


enfraquecimento do regime. Se os princípios, normas, regras e procedimentos
de um determinado regime se tornarem menos coerentes, ou se a prática atual
dos Estados estiver notavelmente incompatível com os mesmos princípios,
normas, regras e os procedimentos. Conseqüentemente, esse regime vai se
encontrar enfraquecido e corre o risco de ser alterado por completo, ou seja,
surge a possibilidade do nascimento de um novo regime para determinada
temática.

4. Organizações, Regimes e Instituições Internacionais: Divergências


Conceituais

Muita confusão existe entre tais termos, sendo às vezes relacionados


a quadros que não se encontram por eles exatamente representados. Adriano
Moreira, teórico português das relações internacionais, dá um conceito muito
genérico de instituições internacionais. Segundo ele, as instituições
internacionais “são organismos interestaduais, em regra com personalidade
internacional, competência especializada e não genérica, instituídas por

32
KRASNER, Stephen D. Structural Causes and Regime Consequences: Regimes as
Intervening Variables. In: KRASNER, Stephen D. International Regimes, p. 4.
16

tratados sujeitos à ratificação pelos órgãos soberanos de cada Estado


membro”.33

Pode-se perceber que, ao apresentar referida definição, o professor


Adriano Moreira está se referindo simplesmente às organizações internacionais
formais. Isto não se quer dizer que as organizações internacionais não sejam
instituições, todavia, instituições internacionais não são unicamente as
organizações internacionais onde se encontram corporificadas em sedes fixas
as regras próprias que cada Estado membro deve seguir.

É bom ressaltar que as instituições internacionais acabam sendo


uma das definições mais abrangentes dentro do estudo da política
internacional. Elas representam as organizações internacionais, os regimes
internacionais 34 e os costumes internacionais.

Em função de tal abrangência, deve-se destacar a distinção feita


entre um regime internacional – significando regras e entendimentos – e uma
instituição internacional – como sendo uma organização formal. Como visto
acima, as instituições não são somente as organizações isoladamente, mas as
regras e normas incorporadas ou não nessas organizações.

Para reforçar tal afirmação, coleciona-se o entendimento de Robert


Gilpin, o qual simplifica dizendo que, o que realmente importa para o
funcionamento da economia mundial, são as regras em si que devem ser
seguidas, ao invés das instituições (organizações) nas quais as mesmas se
encontram incorporadas. O termo “regimes internacionais” também acaba por
para caracterizar corretamente as regras e as organizações internacionais
formais, como o Fundo Monetário Internacional e o GATT. 35

33
MOREIRA, Adriano. Teoria das relações internacionais, p. 339.
34
Susan Strange é considerada uma das maiores críticas a análise de regimes internacionais,
contrária tanto ao seu conceito como aos fins para os quais eles são criados consoante autores
como Stephen Krasner, Robert Keohane, Arthur Stein entre outros. De todo modo, não se
considerou a discussão dessa parte do estudo neste trabalho. Cf. STRANGE, Susan. Cave! Hic
Dragones: A Critique of Regime Analysis. In: KRASNER, Stephen D. International Regimes, p.
337-354.
35
GILPIN, Robert. Global Political Economy: understanding the international economic order.
Princeton, New Jersey and Oxford: Princeton University Press, 2001, p. 83.
17

Toda essa confusão conceitual é gerada por dois motivos: a


abrangência, como já dito, do conceito de instituições, e a falta de precisão do
termo regimes, o qual continua muito criticado desde sua conceituação
existente mais difundida, no início dos anos 80, na obra organizada por
Stephen Krasner. Por isso, de maneira mais clara, vale destacar a explicação
dada por Oran Young para observar a diferença entre essas terminologias.
Esse teórico traz uma mesma explicação para o que foi dito por Robert Gilpin,
consoante acima. Os termos “regimes internacionais” e “organizações
internacionais” não são sinônimos nem co-extensionais, e, em conseqüência,
não podem e não devem ser confundidos.

5. Regimes Internacionais como uniformização do direito internacional –


possibilidade de cooperação ou ingerência?

Os estudiosos do institucionalismo têm uma inclinação a defender o


crescimento dos processos de cooperação ou de situação de governança
supranacional, a qual está relacionada a uma clara atividade cooperativa entre
os atores envolvidos. Por outro lado, os pensadores realistas vêem os Estados
como atores racionais egoístas, os quais não acreditam em processos de
cooperação, a não ser temporariamente, enquanto os interesses individuais
não forem alcançados.

A referida premissa realista é adotada por Robert Keohane quando


do desenvolvimento da teoria do institucionalismo. Acredita-se nesta afirmação,
tendo em vista que as instituições internacionais (regimes internacionais) são
simplesmente meros instrumentos para a aplicação de política estatal em nível
internacional, ou seja, que os Estados buscam por respostas aos seus
interesses individuais, mesmo que os demais membros do regime internacional
alcancem resultados favoráveis relativos às suas políticas. Possivelmente,
contudo, nada disso impedirá a ocorrência de cooperação, que pode gerar
também ganhos absolutos em longo prazo. Em outras palavras, cooperação e
interesses individuais transitam dentro de um meio ambiente de negociação.
18

O histórico de atuação da ONU nos mostra bem essa realidade de


poder de barganha político já desde 1944-45 quando, logicamente em função
de seus papéis na 2ª Guerra Mundial, a Alemanha e o Japão não foram
incluídos no Conselho de Segurança (CS/ONU), e ainda mais, nunca
conseguiram contornar essa situação. Com o projeto de reforma do Conselho
de Segurança, os países do G-4 – inicialmente, Brasil, Índia, Alemanha e
Japão – atualmente sem este último por discordância com a proposta feita
pelos demais, e por não ter obtido apoio do governo norte-americano para a
entrada dos quatro países, haveria a chance de se ter novos membros fixos
nas reuniões do órgão.

Embora seja o segundo maior país contribuinte com as Nações


Unidas, 19,5% do orçamento da organização, ficando somente atrás dos
Estados Unidos que contribuem anualmente com o equivalente a 22%,36 o
Japão não possui autonomia dentro da instituição frente a “assimetria criada”
37
quando da gestação da ONU pelos Estados Unidos, Reino Unido e França,
principais negociadores ocidentais da Carta de São Francisco, em meados dos
anos 40.

Hoje, os outros quatro membros permanentes do Conselho de


Segurança não contribuem com mais que 10% individualmente para a
manutenção dessa assimetria inventada, mantida na cúpula do poder
responsável pela segurança internacional nas Nações Unidas.

A hostilidade chinesa com relação à entrada nipônica e a falta de


interesse norte-americano impediram que o objetivo japonês fosse alcançado.
Mesmo que o G-4 tivesse logrado êxito, eles não teriam direito ao poder de
veto nas decisões do Conselho. Eles simplesmente deixariam de ser rotativos,
continuariam com seu poder de voto, e se manteriam sempre na discussão dos

36
A Alemanha é o 3° maior contribuinte das Nações Unidas, com 8,7% do orçamento, sendo o
Reino Unido em 4° com 6,1%, a França em 5°, com o equivalente a 6,0%, e por fim, a China e
Rússia, com 2% e 1% respectivamente. Deve-se lembrar que juntamente com o G-4 havia a
União Africana (AU) na disputa por um assento no CS/ONU, mas os muitos desentendimentos
entre os países da AU não foram positivos para a candidatura de (um) seus países.
37
Termo emprestado de ALMEIDA, Paulo Roberto de. A ONU e a questão da assimetria de
poder. Disponível em: <www.pralmeida.org>. Acesso em: 19 mar. 2006.
19

problemas de segurança internacional, mas sem capacidade de vetar qualquer


uma decisão, russa ou americana, por exemplo.

Todas essas possibilidades (e necessidades) de renovação dos


membros do Conselho de Segurança geram uma alteração na própria Carta de
São Francisco no que se refere à quantidade de componentes desse órgão, e à
sua competência, podendo isto ocorrer, nos demais órgãos formadores da
ONU se surgir uma tentativa de modificação dos mesmos.

Conforme já foi dito nessas linhas, a sustentação do poder de veto


somente nas mãos dos atuais membros permanentes demonstra maior
barganha de poder político sob o domínio dos 05 países, os quais têm mais
facilidade, provavelmente, para alcançar seus objetivos ao negociar dentro do
regime mundial de segurança internacional que são as Nações Unidas. O
ganho para Estados, como China ou Reino Unido no momento pode não ser
perceptível. Mas ao ver-se o fracasso do G-4 na sua batalha por um assento
permanente, evita que, posteriormente, estes venham a exercer maior pressão
numa negociação ou na elaboração de uma Resolução, por exemplo, a
Alemanha, verificada sua competitividade econômica por ser uma das maiores
do mundo, quando o Conselho tiver que decidir sobre uma temática que
interesse muito mais à China do que à própria Alemanha. Este último pode
simplesmente querer vetar por interferir em seus objetivos.

Pois bem. Ao desenvolver a teoria dos regimes internacionais,


Robert Keohane fez a distinção entre as noções de harmonia, cooperação e
discórdia. A harmonia se caracteriza por uma situação na qual as políticas dos
atores – fundamentada no seu próprio interesse sem dar importância às dos
demais – facilita a obtenção de outros fins de modo automático, ou seja, não é
necessário efetuar-se ajustes nas políticas para tanto. A harmonia é apolítica.

A cooperação já se encontra em uma outra dimensão. Esta exige


que atitudes sejam tomadas por parte de indivíduos ou grupos justamente por
não estarem em um contexto de harmonia, de uma pré-harmonia. As ações
desses indivíduos ou grupos devem estar em concatenação uma com outra por
meio de negociações. Em outras palavras, deve haver conformidade entre
20

medidas ligadas à coordenação de suas políticas, a qual possibilita um ajuste


comportamental às preferências dos outros envolvidos. Todo o processo de
cooperação é estimulado pela discórdia, que é caracterizada pelas
divergências e conflitos entre políticas nacionais. Como acrescenta Keohane,
na harmonia, nenhuma comunicação é necessária, e nenhuma influência
necessita ser exercida. A cooperação, em contradição, é solidamente política:
de nenhuma maneira, padrões de comportamento devem ser alterados. Esta
mudança pode ser alcançada por meio de incentivos que podem ser negativos
ou positivos.38

Dentro da economia política internacional, os governos procuram


suprir suas demandas por proteção aliviando as cargas de ajuste para os
grupos e indústrias politicamente influentes no país. Em decorrência disto,
ajustes externos são exigidos, pois medidas unilaterais internas não são
suficientes como ajuste de políticas. Assim, deve-se destacar que, mesmo
onde possam ocorrer benefícios mútuos, não significa a existência ou a
geração de harmonia. O fato de haver um Estado capaz de exercer seu poder
para favorecer determinados interesses e outros não, elimina as chances de
um melhor processo de cooperação.

Toda esta explanação vem para demonstrar que interesses egoístas


são exercidos dentro da política tanto nacional quanto internacional. Essa
perspectiva realista-liberal é corrente, tanto em nível de acordos
sacramentados em um ambiente institucionalizado como em um ambiente não
institucionalizado.

6. Considerações Finais

Verifica-se que a função dos regimes internacionais constitui-se,


entre outros, na possibilidade de aplicação das políticas unilaterais dos países
mais poderosos sobre os mais fracos, com o fim de satisfazer interesses

38
KEOHANE, Robert O. After Hegemony, p. 53. Bem se destaca que nem sempre se faz
necessário o uso da negociação para efetuar o ajuste de políticas.
21

individuais em detrimento da (possível) exploração dos Estados com menor


poder de barganha. Contudo, percebe-se que apesar da probabilidade de
formação de instituições que venham a estimular processos de cooperação na
política mundial, existe uma tendência forte à manipulação desses processos
internacionais, impedindo o resultado cooperativo ao qual deveriam se destinar
e garantir o alcance, pelo menos, de ganhos relativos.

O contexto político de interdependência complexa permitiu que


subsistemas, ou “guetos normativos” – que são os regimes internacionais –,
fossem emergindo a partir de uma necessidade natural dos países de
regularizarem suas formas de entendimento, tanto políticas como, e
principalmente, econômicas, em constante diversificação (em parte como
resultado dos muitos interesses internos das elites dos países), gerando um
entrelace irreversível entre as causas e efeitos internos (econômicos, políticos
e sociais) e externos (político e econômico) dos Estados.
Nesse contexto, o que se verifica com relação às normas de direito
internacional é que elas têm sido bem mais direcionadas, ou seja,
desenvolvidas e uniformizadas para uma melhor aplicação em um determinado
setor da economia política, da segurança internacional, do meio ambiente,
entre outros, centralizando a ação dos atores internacionais e buscando evitar
a violência generalizada. Assim sendo, volta-se a assegurar que em nenhuma
hipótese a tentativa de ingerência deve ser excluída, mesmo quando os atores
internacionais encontram-se circunscritos por normas obrigatórias.
Por fim, hoje, frente a todas as mudanças na sociedade
internacional, o direito internacional se encontra seccionado, tanto quanto das
negociações em uma instituição, seja na forma de blocos econômicos ou
acordos bilaterais, havendo assim uma maior inclusão dos sujeitos envolvidos
por meio desses processos, em uma relação de interdependência assimétrica,
dentro de suas áreas de interesse. O processo de institucionalização em nível
internacional é uma nova forma de atuação dos Estados que, ao tempo que se
sentem atraídos pela parcial dinamização operacional fornecida pelas
instituições, suas normas, regras e princípios, por outro lado, procuram a todo
tempo manter, ou mesmo expandir, suas autonomias e competências para
22

dirimir os conflitos, que porventura venham a interferir em suas transações


internacionais com os demais atores.

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