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Centro de Estudos Ibéricos

DESENVOLVIMENTO E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL 

Desenvolvimento e cooperação internacional


Territórios e Culturas Ibéricas
Conferências – 2 e 3 de Dezembro 2004

Tatiana Moura

Capítulo I
- Desenvolvimento e cooperação internacional

- Desenvolvimento e cooperação internacional: enquadramento - José Manuel Pureza


- Novas institucionalidades e modelos de governação transfronteiriça – Tatiana Moura
- Do Rio Zêzere à Serra do Açor
– princípios fundamentais para o desenvolvimento local - Rui Filipe Neves Ferreira

I - Desenvolvimento e cooperação crescente interesse pela ideia de sociedade civil


internacional global como para a evolução da protecção inter-
Novas Institucionalidades e modelos nacional do meio ambiente.
de governação transfronteiriça
1. A ideia de governação sem governo
Tatiana Moura A estrutura básica da política internacional
é tida como inadequada para lidar com os novos
I. A Governação Ambiental Transnacional: desafios, nomeadamente ambientais, fruto da
Algumas Referências Conceptuais crescente interdependência entre os membros da
sociedade internacional.
A internacionalização da temática ambiental A ideia de governação sem governo, popula-
a partir de 1972, por ocasião da Conferência de rizada por Rosenau, implica que existem certas
Estocolmo, veio lançar o debate quando à neces- funções de controlo que não requerem um go-
sidade de regulação internacional nesta área, nos verno formal: “governação refere-se a actividades
âmbitos regional, internacional e global. apoiadas em valores partilhados que podem de-
Da importância crescente da dimensão am- rivar ou não de responsabilidades ditadas por via
biental nas Relações Internacionais desde essa legal e formal que não requerem inevitavelmente
altura, deriva um duplo fenómeno: por um lado, o apoio do poder político para superar as reservas
o aumento do número de normas e regulações e garantir o cumprimento” (Rosenau e Czempiel,
através de mecanismos com diferentes graus de 1992: 4).
formalização e capacidade vinculativa; e, por ou- Trata-se de um “[…] fenómeno mais abrangen-
tro, uma deslocação do foco da temática – ini- te do que um governo, que inclui mecanismos in-
cialmente limitado ao acesso aos recursos naturais formais não-governamentais” (Rosenau e Czem-
– para uma preocupação de alcance geral, mul- piel 1992: 4), permitindo uma maior flexibilidade
tisectorial e de carácter profundamente político e inovação no desenvolvimento progressivo de
(Grasa, 2000: 114). novos sistemas de regulação. De facto, a ausên-
Incorporando uma variedade de práticas sociais cia de um governo mundial não significa que a
inovadoras para além da cooperação interestatal, comunidade internacional esteja desprovida de
os problemas ambientais são objecto de resolução regras.
especialmente através da criação de regimes que Uma das respostas perante o fosso aparente
focam problemas específicos, não necessitam de entre a procura e a oferta de governação ao nível
organizações políticas centralizadas para serem internacional e transnacional, que enfatiza a ideia
administrados e atribuem frequentemente papéis de governação sem governo, centra-se no estudo
importantes a actores não estatais (Young, 1999: dos regimes, e alguns dos esforços mais criativos
2) – factor particularmente decisivo tanto para o desta área dizem respeito especialmente aos te-
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mas ambientais. são regulatória, independentemente da respectiva


Na verdade, a Teoria dos Regimes tornou-se o natureza formal.
paradigma dominante do debate da cooperação A distinção entre regimes (isto é, instituições),
internacional desde a segunda metade dos anos organizações (isto é, entidades materiais que pos-
70, em larga medida, por propor uma solução de suem escritórios, orçamentos, pessoal e persona-
cooperação entre os Estados num contexto de au- lidade jurídica) e direito (isto é, normas jurídicas
sência de uma autoridade política central (Young, formalmente positivadas) permite afirmar que
1999: 189) e por permitir aos Estados gerir co- esta abordagem acentua a ideia de governação
lectivamente a sua interdependência regional e sem governo e pode portanto desempenhar a
global beyond anarchy and short of supranational função de governação, minimizando o estabele-
governments (Hanf, 2000: 5). cimento de novas burocracias ou entidades admi-
Estes padrões emergentes de governação não nistrativas (Young, 1999: 7).
suplantam o sistema estatal, emergem a seu lado. O facto dos regimes governarem áreas especí-
São, por isso, uma combinação de regimes inte- ficas, distingue-os, mais uma vez, das outras for-
restatais e de normas, regras e procedimentos me- mas de governação estudadas nesta área (Vogler,
nos formalizados, um sistema híbrido de práticas 1995: 23).
estatais e não-estatais diversas (Patterson, 1999: Esta primazia da horizontalidade é, porém, si-
796). A autoridade é "deslocalizada" em múltiplas multaneamente um ponto de convergência e de
direcções. bifurcação. Convergência no facto de todos os
teorizadores desta versão da governação sem go-
2. Os Regimes Internacionais Como verno rejeitarem a reprodução, à escala transna-
Fontes De Governação cional, da lógica centralizadora do modelo estatal.
Quer dizer, a proposta dos regimes internacionais
2.1 Definição de regime internacional é, em si mesma, uma negação da ideia de "gover-
no mundial/transnacional".
Apesar de existirem várias definições de regi- Ficam, porém, em aberto, o sentido e o alcance
me, a mais comum é a formulada por Krasner no desta horizontalidade ou descentralização. Para
início dos anos 80. Segundo este autor, os regi- uns, ela não é mais do que o resultado da aceitação
mes são “conjuntos de princípios, normas, regras e do dado de base da anarquia do sistema interna-
processos de decisão, implícitos ou explícitos, em cional, não sendo, pois, os regimes internacionais
torno dos quais as expectativas dos actores con- senão ilhas de governação em meio anárquico, se-
vergem numa dada área das relações internacio- gundo uma lógica eminentemente pragmática e
nais” (1983: 2). técnica (problem-solving approach). Para outros,
Os princípios afirmam a visão teórica do mun- esta horizontalidade, posta em evidência pela
do; as normas identificam o comportamento ge- teoria dos regimes internacionais e por outras li-
ral, os deveres e obrigações dos Estados; as regras nhagens teóricas da governação transfronteiriça,
determinam nomeadamente linhas de reconcilia- deve ser encarada como um elemento crucial de
ção e resolução de conflitos entre os princípios e uma leitura crítica do sistema internacional con-
as normas; e os processos de decisão especificam temporâneo: tratar-se-á fundamentalmente de
a metodologia a utilizar relativamente, por exem- recuperar, em sede de governação transnacional,
plo ao sistema de voto, que se vai alterando à me- a ideia de comunidade democrática de pessoas e
dida que o regime se vai consolidando e alargando de povos, transgredindo os pressupostos essen-
(1983: 4-5). ciais em que tem assentado, desde Vestefália, a
Actualmente, é muito difícil identificar nor- representação do sistema mundial: segmentação
mas ou regras partilhadas entre actores a nível territorial, soberana exclusiva, anarquia interna-
internacional em que não se parta de um acor- cional.
do explícito e escrito entre Estados (Grasa, 1999: Marie-Claude Smouts considera que a eficácia
124). A maior parte dos regimes estão fundamen- dos regimes fica provada se os participantes obe-
tados em acordos ou instrumentos legais vincula- decem aos princípios, regras, processos de deci-
tivos (convenções, tratados, protocolos) e podem são... ou pelos menos os tomam como referências;
mesmo estar associados à emergência de organi- se protestam quando estes são violados; se não é
zações internacionais. necessário utilizar a força ou sanções para levar
Isto significa que não há identidade entre os intervenientes a respeitar o regime; se o regime
regime internacional e regulação jurídica inter- permite atingir os objectivos determinados pelos
nacional: o conteúdo normativo de um regime membros e a maior parte, senão todos, sair a ga-
internacional não tem que assumir uma forma- nhar (1998: 145).
lização jurídica canónica. O essencial é a dimen-
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3. A Reconfiguração Da Soberania edificação de uma rede descentralizada de meca-


Nos anos 70, a soberania - como controlo nismos institucionais e normativos que estimulam
exclusivo por parte dos Estados das actividades o aprofundamento e alargamento de regimes in-
dentro dos seus territórios - era o obstáculo fun- ternacionais nesta área, ao permitir “[…] a partici-
damental à gestão eficiente dos problemas am- pação e fomentar o desenvolvimento de um sen-
bientais transnacionais (Patterson,1999: 798). tido de comunidade associada ao ecossistema em
A ordem que tinha triunfado com a paz de Ves- causa, o desenvolvimento de estruturas de gestão
tefália (1648) oficializava os princípios da territo- informais, não subtraindo, no entanto, o poder
rialidade e da soberania e, enquanto tal, o poder executivo dos governos nacionais envolvidos ou
estatal era absoluto, não podendo ser precedido da administração local, regional ou estadual da
por nenhum outro nem restringido por qualquer área” (Pureza e Lopes, 1998: 93-94).
princípio que o transcendesse (Badie, 1998: 40).
No entanto, a mundialização, a relativização 4. A Dimensão De Governação
da soberania e a crise do Estado foram revelando Da Sociedade Civil Global
a pouco e pouco que esse poder absoluto dos Es- De facto, temos vindo a assistir, nesta última
tados não resistia mais à emergência dos bens co- década, à explosão do papel e da influência dos
muns que transcendem fronteiras, à interdepen- actores da sociedade civil global, muito espe-
dência entre as comunidades políticas e entre as cialmente das organizações não governamentais
economias, aos problemas ambientais transnacio- (ONG), que progressivamente vão desempenhan-
nais, à multiplicidade dos espaços de integração. do funções de governação tradicionalmente as-
O novo "mundo multicentrado" resultante sociadas ao Estado (Newell, 2000: 118). As suas
da proliferação na cena mundial de actores não- actividades estabelecem modos de interacção e
estatais, individuais ou colectivos, que suscitam, geram redes horizontais transnacionais que são,
pelas suas interacções, um número considerável na realidade, parcialmente responsáveis pela defi-
de "fluxos transnacionais", contorna o controlo nição da vida social.
dos Estados-nação, transgredindo nomeadamente Antes de mais, grande parte destes movimen-
a sua soberania e competência territorial (Badie, tos sociais tem um papel extremamente impor-
1998: 50). tante na criação das agendas políticas nacionais e
Krasner sublinha a capacidade dos Estados de internacionais, e participam ainda activamente no
criar regimes internacionais como um exercício processo político interno que culmina na decisão
de soberania legal internacional que, apesar de dos governos nacionais de participar num acordo
significar uma perda de soberania vestefaliana formal que regule o alcance e o conteúdo de uma
ao estabelecer estruturas de autoridade exterio- acção cooperativa (Hanf, 2000: 7).
res, oferece aos governantes a possibilidade de Para além de penetrar profundamente no pro-
captarem recursos externos que podem reforçar cesso de decisão oficial, a sociedade civil orga-
a sua capacidade para se manterem no poder e nizada apoia também as actividades necessárias
promoverem os interesses de segurança, econó- para a efectiva aplicação dos regimes. Na verdade,
micos e ideários dos seus constituintes (Krasner, muito do trabalho de implementação das dispo-
2000b: 19). sições acordadas é feito por estes actores não es-
Neste novo contexto, os sinais tendem a in- tatais que modelam e difundem comportamentos
verter-se: o Estado não é um fim em si, mas um e criam determinados entendimentos e práticas
instrumento; está destinado antes de mais a servir (Wapner, 1997: 77).
uma comunidade humana; essa comunidade hu- Estes actores da sociedade civil global, nomea-
mana não é mais fechadamente soberana, está in- damente as ONG, fortalecem o tecido dos regimes
serida numa comunidade mais vasta onde certos internacionais e devem, por isso, ser entendidos,
parâmetros são claramente transnacionalizados. hoje em dia, como fontes legítimas de exercício de
É “[…] uma soberania agora chamada a ser poder no sistema de governação global.
mais serviço do que poder, mais administração do Pondo a funcionar toda uma cadeia de re-
que propriedade. Se a noção de interesses comuns lações de carácter formal e informal, em muito
começou por ser identificada com a realidade em- baseada nos laços pessoais – poder relacional – a
pírica dos interesses coincidentes, ela tem vindo a sociedade civil organizada estabelece contactos e
ganhar uma intensidade cada vez maior, projecta- influencia a seu favor as políticas tanto das en-
da em formas de cooperação e de partilha que vão tidades nacionais/locais, como das entidades su-
muito além da tradicional coexistência negativa” pranacionais.
(Pureza e Lopes, 1998: 88). A União Europeia, por sua vez, serve-se des-
A consciência da interdependência e dos bens tes actores não estatais para implementar as suas
comuns projecta-se no plano da governação na políticas de aprofundamento do processo de in-
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tegração. Aproveitando as identidades regionais léctrico dos rios transfronteiriços e a construção


ligadas à ideia de território que unem determi- de pontes internacionais. Ao nível local tradu-
nados povos europeus, nomeadamente Portugal ziam-se, e traduzem-se, por relações reais entre
e Espanha, a União Europeia encoraja actividades vizinhos da fronteira, reguladas por costumes an-
conjuntas para solucionar problemas comuns e cestrais, na sua maioria aceites pela entidade es-
apoia o desenvolvimento de posições políticas tatal, resultantes da necessidade de resolução de
transnacionais, enfraquecendo, assim, o efeito de questões sobre o uso de águas comuns para con-
fronteira entre os Estados-membros. sumo humano, regadio, alimentação do gado ou
Motivada por estas afinidades que reavivam as pesca. Este contacto entre as populações vizinhas
culturas regionais, e estimulada pelo investimento sempre se manteve independente das característi-
da União na promoção das regiões (o Comité das cas do relacionamento entre os dois países.
Regiões é o reflexo desta preocupação), a socieda- A instauração dos regimes democráticos nos
de civil forma redes de cooperação transfrontei- dois países na década de 70 e as consequentes al-
riça e assume papéis internacionais formais cada terações ao nível administrativo (com o reforço do
vez mais indispensáveis na governação global. poder autárquico em Portugal e das autonomias
em Espanha), a entrada de ambos os países na Co-
II. modelos de Governação Transfronteiriça munidade Europeia, em 1986, e o lançamento da
Em Acção: O Caso Portugal-Espanha primeira geração da Iniciativa Comunitária INTER-
REG em 1991, alteraram por completo o panora-
1. Impulso Comunitário E Regimes ma, dando início a uma nova fase de dinamização
Transfronteiriços Portugal-Espanha das zonas de fronteira, ou das chamadas “terras
A cooperação transfronteiriça trata-se de um de ninguém”. Wladimir Brito considera a coope-
daqueles temas que surgem, de longe a longe, ração transfronteiriça a “[...] forma originária da
para estimular a capacidade criadora e inovadora cooperação bilateral internacional, em geral, cuja
dos estudiosos do Direito Internacional e, em con- evolução histórica acompanhou a da própria so-
sequência, para dar um impulso inovador a este ciedade internacional e, por isso mesmo, começou
ramo do Direito. por ter a mesma natureza descoordenada, hete-
As relações entre Portugal e Espanha testemu- rogénea e fragmentarizada dessa sociedade, para,
nharam um longo período de isolamento, marca- de seguida, com ela evoluir para uma cooperação
do por uma fronteira praticamente “intransponí- organizada”. Mais ainda, a noção de interdepen-
vel”, que dificultou o desenvolvimento de acções dência traduz-se na “edificação de uma rede des-
de cooperação, nomeadamente ao nível ambien- centralizada de mecanismos institucionais e nor-
tal, entre as regiões de fronteira dos dois países. mativos [...] que permitem o desenvolvimento de
A ausência de uma cultura de cooperação trans- [...] estruturas de gestão informais, não subtraindo
fronteiriça entre as autoridades dos dois países [...] o poder executivo dos governos nacionais [...]
(motivada por uma longa trajectória histórica de ou da administração local, regional ou estadual da
tensão política e territorial e culminada nos regi- área” (Pureza e Lopes, 1998: 93-94).
mes centralistas e ditatoriais por que passaram em É precisamente essa rede descentralizada de
mais de metade do séc. XX) e os seus estatutos po- mecanismos institucionais que nos propomos a
lítico-administrativos e quadros jurídicos distintos analisar.
foram os principais responsáveis pela marginali-
zação da faixa fronteiriça comum aos dois Estados 1.1. INTERREG Portugal / Espanha – o impulso
ibéricos face aos principais centros de decisão. comunitário
Até muito recentemente, e não obstante os A partir de 1991, a tradição de isolamento
ganhos que advêm da valorização da cooperação
) Em concreto o artigo 10 do Regulamento 4254/88,
transfronteiriça, os contactos transfronteiriços relativo ao FEDER, concedeu à Comissão um poder de iniciati-
entre Portugal e Espanha ocorreram, de forma va que se concretizou na Comunicação C(90) 1562/3 dirigida
quase exclusiva, a dois níveis: o interestatal e o aos Estados-membros, na qual se estabelecem as directrizes
exclusivamente local. A um nível interestatal tra- para os programas operacionais que cabe aos Estados elaborar
no âmbito da iniciativa comunitária sobre zonas fronteiriças
duziram-se por reuniões periódicas de carácter INTERREG.
diplomático, estritamente dependentes do estado ) “Documento Único de Programação, INTERREG III
das relações políticas entre os dois países. Visavam (2000-2006)”: Direcção Geral do Desenvolvimento Regional,
essencialmente regular o aproveitamento hidroe- 2000
) Brito, Wladimir (2000), “A Convenção-Quadro Euro-
) Brito, Wladimir (2000), “A Convenção-Quadro Euro- peia sobre a Cooperação Transfronteiriça entre as Colectivi-
peia sobre a Cooperação Transfronteiriça entre as Colectivi- dades ou Autoridades Territoriais”, Universidade de Coimbra
dades ou Autoridades Territoriais”, Universidade de Coimbra - Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra: Coimbra Editora,
- Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra: Coimbra Editora, p.14.
p. 11.
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das zonas de fronteira começa a ser substituída como um dos principais objectivos, consideran-
por uma cultura de cooperação transfronteiriça, do como fundamentais o reforço da cooperação
numa tentativa de reforço do processo de integra- institucional, o apoio à criação e funcionamento
ção europeia. Isto foi possível em grande medida de órgãos ou redes de cooperação transfronteiriça
através da aplicação das Iniciativas Comunitárias, de natureza empresarial e sócio-cultural, e a co-
criadas em 1989 como complemento dos Quadros operação com vista ao ordenamento do território
Comunitários de Apoio (QCA) e como instrumen- (gestão coordenada dos recursos naturais). Por
tos especiais de financiamento da política estru- outro lado, previa a conclusão de infra-estruturas,
tural. No quadro da cooperação entre Portugal sobretudo rodoviárias (grande prioridade da ini-
e Espanha, tem especial importância uma dessas ciativa INTERREG I).
Iniciativas, o INTERREG, que conta já com três fa- Esta 2ª fase foi executada em três vertentes
ses. O seu objectivo geral é o de tentar eliminar distintas: cooperação transfronteiriça (vertente
o precedente das fronteiras nacionais enquanto A), ou seja, o apoio a zonas fronteiriças internas
obstáculo ao desenvolvimento equilibrado (prin- e externas da UE, promovendo a criação e desen-
cipalmente ambiental) e à integração do território volvimento de redes de cooperação de fronteiras
europeu na sua totalidade. internas, e sua articulação com redes comunitá-
O INTERREG I (1991-1993), nomeadamente o rias mais amplas; redes energéticas transnacionais
que se refere a Portugal/Espanha, ofereceu um (vertente B), na tentativa de completar as redes de
enquadramento financeiro e político para os con- energia seleccionadas na iniciativa REGEN (1989-
tactos e experiências de cooperação já existentes 93) e articulá-las com redes de energia mais am-
entre os dois lados da fronteira e incentivou e plas; e cooperação transnacional (vertente C), no-
apoiou o processo de criação de vários organismos meadamente em temas relativos ao ordenamento
que se transformaram em peças fundamentais no do território.
processo de cooperação transfronteiriça - Co- Centrando-nos principalmente nas relações
munidades de Trabalho, Gabinetes de Iniciativas desenvolvidas entre a Região Norte de Portugal
Transfronteiriças e Comunidades Territoriais de e Castela e Leão por um lado e a Região Norte de
Cooperação - essencialmente no que diz respeito Portugal e Galiza por outro, podemos identificar
a áreas ambientais e saneamento básico, constru- alguns indicadores materiais da densificação ter-
ção de estradas, desenvolvimento rural e acções ritorial pretendida pelo INTERREG.
de reabilitação do património natural e constru- No que diz respeito à gestão e utilização de
ído. recursos comuns, a nível regional, foram criadas
Foram abrangidos pelo Programa todos os diversas infraestruturas para a gestão coordenada
distritos portugueses de fronteira: Viana do Cas- de espaços naturais transfronteiriços (principal-
telo, Braga, Vila Real, Bragança, Guarda, Castelo mente nas áreas de actuação dos Parques Natu-
Branco, Portalegre, Évora, Beja e Faro (cerca de rais) e seu aproveitamento turístico-ambiental,
40 mil km² de território português). De um total e foram concebidas estratégias de preservação e
de 276 propostas aprovadas no âmbito do INTER- combate a incêndios. Como exemplos destes es-
REG, 82 acções (cerca de 30%) diziam respeito ao forços de cooperação destacam-se a articulação
ambiente e à defesa do património. Destacam-se entre os Parques da Peneda-Gerês/Xurés, apoiada
entre elas a realização de estudos para promoção no âmbito do Sub-programa Norte de Portugal/
do turismo, projectos de recuperação paisagística, Galiza do INTERREG II, as estruturas de coope-
criação de redes fronteiriças de vigilância da qua- ração ambiental Montesinho/Sanabria/Culebra e
lidade do ar, entre outras, correspondentes a 21% Arribes del Duero/Douro Internacional, que dão
do orçamento aprovado pelo Programa. especial importância à vertente transfronteiriça
Em Junho de 1994, numa tentativa de conti- que decorre da aplicação das directivas comuni-
nuação da iniciativa anterior, a Comissão propôs tárias sobre habitats e espécies protegidas.
orientações para as 13 Iniciativas Comunitárias Finalmente, no que diz respeito à constituição
existentes, e para o período de programação pre- de redes e estruturas de gestão regional e local
visto para 1994-99 (2ª fase). comuns, assistiu-se à generalização das Comuni-
Ao nível da estratégia, o INTERREG II Portugal/ dades de Trabalho (Norte-Galiza, Norte-Castela e
Espanha (1994-1999) contemplou os incentivos
aos mecanismos de cooperação transfronteiriça ) Foi neste contexto que foram realizadas as cimei-
ras ibéricas (em que foi negociada a Convenção internacio-
) Comunicação 94/C 180/13 aos Estados membros nal sobre gestão de recursos hídricos). Além deste domínio
fixando as directrizes para programas operacionais que os fundamental, cabe também destacar a intensificação e siste-
Estados membros são convidados a elaborar no âmbito desta matização da cooperação entre as áreas protegidas Peneda-
iniciativa comunitária relativa ao desenvolvimento transfron- Gerês/Xurês (no âmbito do Programa Norte de Portugal/Galiza)
teiriço, cooperação transfronteiriça e redes de energia selec- e o incremento das estruturas de cooperação ambiental entre
cionadas (INTERREG II). Montesinho/Sanabria/Culebra e Arribes/Douro Internacional.
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Leão, Centro-Castela e Leão, Centro-Extremadura, va da integração e da harmonização de políticas,


Alentejo-Extremadura, Alentejo-Andaluzia e Al- instrumentos de promoção do desenvolvimento
garve-Andaluzia), iniciativas com base essencial- regional são aqueles que se revelam mais enqua-
mente regional, e de estruturas de cooperação de dradores de intervenções deste tipo, constituindo
âmbito local, como as associações de municípios mesmo o elemento central da estratégia dos paí-
e grupos de acção local, que se reuniram para tra- ses com regiões Objectivo 1”10.
çar Propostas de Acção Conjunta a apresentar ao É nesta lógica de intensificação que são re-
INTERREG III Portugal/Espanha. definidas as três vertentes do Programa. A actual
Apesar destas importantes evoluções na coo- vertente A, relativa à cooperação transfronteiriça,
peração e integração transfronteiriças, facilitadas tem como principal prioridade promover o de-
pelas duas fases do INTERREG, e em particular pela senvolvimento regional integrado entre as regi-
redução de défices infraestruturais que inibiam ões fronteiriças, incluindo as regiões periféricas e
o desenvolvimento socioeconómico e territorial marítimas. Os programas relativos a esta vertente
dos espaços transfronteiriços, o conjunto destas serão elaborados pelas autoridades regionais ou
duas primeiras etapas (1991-1999) foi marcado locais das zonas abrangidas, em colaboração com
por uma relativa autonomia de iniciativas, longe as autoridades nacionais, em função da estrutura
da construção conjunta de acções e projectos co- institucional de cada Estado-membro. Em geral
muns, seja na fase de concepção seja na respecti- cada programa abarcará uma fronteira e conta-
va implementação. rá com diversos sub-programas para cada região
Este défice era denunciado pela própria UE: a transfronteiriça. A vertente B, que diz respeito à
avaliação levada a cabo pelo Documento Único de cooperação transnacional, propõe o desenvolvi-
Programação INTERREG III (2000-2006), sublinha- mento territorial e sustentável, abrangendo gru-
va que “o aprofundamento destas experiências de pos amplos de regiões europeias (as macroregi-
cooperação deve evoluir para um ordenamento ões)11. Enfim, a vertente C, relativa à cooperação
conjunto do espaço transfronteiriço, designada- interregional ou trans-regional, constitui a prin-
mente em zonas com problemas homogéneos (por cipal novidade desta terceira fase, uma vez que a
exemplo troços de baixo caudal do Minho, Douro figura de um terceiro nível de cooperação – o ní-
Internacional em Arribes del Duero, áreas urba- vel regional – era inexistente nas fases anteriores
nas transfronteiriças de Verín-Chaves, Fuentes de do INTERREG12. Tem como objectivo promover o
Oñoro–Vilar Formoso, Valência de Alcántara–Cas- intercâmbio de experiências ao nível do desenvol-
telo de Vide e Rosal de la Frontera–Vila Verde de vimento regional, políticas e técnicas de coesão
Ficalho). e visa favorecer o estabelecimento de redes em
Na terceira (e actual) fase das Iniciativas Co- certos domínios da política regional.
munitárias (2000-2006), a Comissão pretende O processo de elaboração do DOCUP13 (Do-
incentivar a dimensão europeia das iniciativas e
intensificar a sua complementaridade com os ob- 10) Documento Único de Programação INTERREG III –
jectivos prioritários, reflectindo esta preocupação Cooperação Trasfronteiriça Portugal-Espanha: Direcção Geral
do Desenvolvimento Regional, Novembro de 2000.
nas suas propostas para o INTERREG III. 11) A delimitação das macroregiões tem por objectivo
“O PIC INTERREG define-se como um progra- “promover um maior grau de integração territorial em grandes
ma em que predomina o carácter transfronteiriço grupos de regiões europeias com o objectivo de alcançar um
da estratégia de acções, o que significa que o seu desenvolvimento sustentável e equilibrado na Comunidade
Europeia e uma maior integração territorial em relação aos
principal objectivo consiste em procurar superar países candidatos à adesão e a outros países vizinhos”. Docu-
as dificuldades resultantes da existência de uma mento Único de Programação, INTERREG III: Direcção Geral do
fronteira. Sendo este um objectivo das políticas de Desenvolvimento Regional, Novembro de 2000.
desenvolvimento da União Europeia, na perspecti- 12) Wladimir Brito em Brito, Wladimir (2000), p.15,
defende que a cooperação transfronteiriça, “(...) sem perder
) Segundo o Documento Único de Programação Con- aquela sua natureza dominantemente interestatal, acabou por
junta, “o facto de o Programa Portugal/Espanha ter assentado se orientar também para uma cooperação entre colectividades
em duas vertentes nacionais, com mecanismos autónomos fronteiriças regionais e locais, passando a ter uma natureza
de aprovação e gestão, não facilitou o aprofundamento dos inter-regional e/ou interlocal. Em todas essas fases foi sempre
requisitos mais exigentes da cooperação e integração trans- bilaterizada, funcionalmente descoordenada e descentrada,
fronteiriça, reflectindo o esgotamento do modelo, em termos dominantemente política”.
de eficácia e eficiência, face a estes objectivos fundadores do 13) Os contributos regionais para o Documento Único de
INTERREG”. Programação do Interreg III Portugal-Espanha foram elabora-
) Comunicação da Comissão aos Estados membros de dos a partir de dois eixos principais: as Orientações Comuni-
28 de Abril de 2000, através da qual se fixam as orientações tárias (Comunicação aos Estados-Membros de 28.04.2000) e o
para uma iniciativa comunitária relativa à cooperação tran- Guião - Estrutura do Programa, elaborado pelos dois governos
seuropeia para fomentar um desenvolvimento harmonioso e nacionais e difundido no final de Julho de 2000 junto dos es-
equilibrado do território europeu. Interreg III (DOCE 143/08, paços de cooperação sub-regionais (Comissões de Coordena-
19/05/2000). ção portuguesas), como elemento orientador da preparação
) Programa de Iniciativa Comunitária. dos sub-programas.
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cumento Único de Programação do INTERREG III nº1 (prioritários) da Reforma dos Fundos Estrutu-
Portugal-Espanha), seguindo as orientações na- rais (em 1988), auspiciada pelo Acto Único Euro-
cionais do Guião PIC Portugal/Espanha, optou por peu. Tanto o Conselho da Europa como a União
privilegiar o envolvimento em parceria dos agen- Europeia passaram a vincar a urgência da coope-
tes institucionais regionais de ambos os lados da ração transfronteiriça, com o objectivo de estrei-
fronteira, enveredando por uma abordagem as- tar as relações entre os seus membros e atenuar as
cendente, inexistente nas duas fases anteriores do desigualdades económicas que subsistiam.
INTERREG. Entre as estratégias utilizadas para este Também a entrada em vigor da Convenção-
trabalho de preparação e de articulação de projec- Quadro Europeia para a Cooperação Transfrontei-
tos pode referir-se, a título de exemplo, a criação riça entre Comunidades ou Autoridades Territo-
de comissões especializadas para a abordagem de riais15, aprovada em 1980 pelo Conselho da Europa,
problemas sectoriais, que reuniram responsáveis abriu caminho para uma colaboração directa en-
regionais e locais14. tre as Comunidades Autónomas espanholas e as
“correspondentes” regiões portuguesas. Estabele-
1.2. Novos instrumentos de cooperação trans- cia-se assim o terceiro nível de cooperação trans-
fronteiriça fronteiriça, o nível regional, que vem fortalecer
Os novos instrumentos ou mecanismos emer- os níveis transfronteiriço e transnacional já exis-
gentes no cenário da cooperação transfronteiriça tentes, dando-se início a uma transformação do
foram em larga medida fruto do impulso comuni- conceito de fronteira (de linha de separação e tra-
tário, nomeadamente do INTERREG, por um lado, vão ao desenvolvimento para zona formada por
e resultado do aparecimento de um terceiro nível territórios que, embora pertencentes a Estados di-
de análise já referido – o nível regional. A princi- ferentes, têm que resolver problemas comuns). No
pal novidade reside no facto de estas regiões não entanto, e na opinião de Wladimir Brito, “a Con-
obedecerem ao traçado tradicional da fronteira, venção-Quadro não institui nenhum tipo novo de
desenhando um “mapa” de regiões com carac- cooperação, limitando-se a oferecer modelos de
terísticas e problemas comuns que não coincide disciplina jurídica para a prática cooperativa que
propriamente com o mapa institucionalizado. as populações de um e do outro lado da fronteira
Dentro destas regiões, chamadas de macroregiões dos Estados vizinhos vinham desenvolvendo com
ou mesmo euro-regiões por abrangerem uma área bastante sucesso”16. No entanto, e ainda segundo
que não se confina ao território nacional, surgi- a opinião deste autor, a Convenção-Quadro pre-
ram instrumentos ou mecanismos que são por tende “[...] habilitar as colectividades territoriais
si internacionais, por ultrapassarem fronteiras, e a participar na cooperação transfronteiriça e, para
que actuam em conjunto para superar obstáculos o efeito, a celebrar acordos de cooperação com as
e promover o desenvolvimento da região. Estas suas homólogas do outro lado da fronteira, atri-
macroregiões são relativamente recentes no mapa buindo-lhes, através do mecanismo de remissão
administrativo europeu, e têm revelado ser bas- para o direito interno, os competentes poderes
tante eficazes especialmente no que diz respeito para outorga daqueles acordos”17.
à cooperação transfronteiriça (pela maior proxi- Esta Convenção é, então, o direito fundamen-
midade geográfica das administrações regionais tador das relações de cooperação transfronteiriça
relativamente à fronteira, maior grau de conhe- entre as comunidades territoriais, regularizan-
cimento dos problemas e das soluções a levar a do-as e institucionalizando-as18. Nesta Conven-
cabo e maior disponibilidade financeira por com- ção estão expressos os três níveis de cooperação
paração com as autoridades locais). transfronteiriça – o governamental, o regional e
Falamos das Comunidades de Trabalho e das o local.
Comunidades Territoriais de Cooperação, cujo A materialização institucional desta mutação
aparecimento se deve a um conjunto de factores de concepções traduz-se fundamentalmente em
facilitadores que passamos desde já a analisar. dois novos instrumentos internacionais de coope-
No seguimento da entrada de Portugal e Es-
panha na Europa Comunitária, tanto as regiões 15) Convenção-Quadro Europeia sobre a Cooperação
Transfronteiriça entre as Colectividades ou Autoridades Terri-
portuguesas fronteiriças (Norte, Centro, Alentejo toriais, que entrou em vigor em Portugal a 11 de Abril de 1989,
e Algarve) como as Comunidades Autónomas es- depois de ter sido aprovada, para ratificação, por Decreto do
panholas (Galiza, Castela e Leão, Extremadura e Governo nº29/87, de 13 de Agosto.
Andaluzia) foram incluídas na lista dos objectivos 16) Brito, Wladimir (2000), “A Convenção-Quadro Eu-
ropeia sobre a Cooperação Transfronteiriça entre as Colectivi-
14) Destacam-se duas linhas de orientação da activi- dades ou Autoridades Territoriais”, Universidade de Coimbra
dade destas comissões especializadas: o balanço das experiên- - Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra: Coimbra Editora,
cias de cooperação anteriores e a identificação de acções a p. 10.
desenvolver em conjunto no sentido da sua apresentação ao 17) Idem, p. 295.
INTERREG IIIA. 18) Idem, p. 305.
Centro de Estudos Ibéricos
DESENVOLVIMENTO E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL 

ração transfronteiriça entre Portugal e Espanha19: Hanf, Kenneth (2000), "The Domestic Basis of
as Comunidades de Trabalho entre as Comuni- International Environmental Agreements", in Un-
dades Autónomas espanholas e as Comissões de derdal e Hanf (orgs.), International Environmen-
Coordenação das Regiões portuguesas20 e as Co- tal Agreements and Domestic Politics – the Case
munidades Territoriais de Cooperação. De acordo of Acid Rain. Aldershot: Ashgate Publishing Ltd,
com Wladimir Brito, 1-19.
“Os organismos regionais de cooperação Krasner, Stephen (1983), International Regi-
transfronteiriça [...] são associações consti- mes. Ithaca: Cornell University Press.
tuídas voluntariamente por regiões frontei- Krasner, Stephen (2000a), "Compromising
riças de dois ou mais Estados vizinhos com Westphalia", in Held e McGrew (orgs.), Global
base em critérios de homogeneidade espacial, Transformations Reader – an Introduction to the
económico-social, histórico-cultural ou de Globalization Debate. Polity Press, 124 ss.
funcionalidade sócio-económica, que têm por Krasner, Stephen (2000b), “Soberania: con-
objectivo fomentar e garantir a cooperação cepções alternativas e normas contestadas”, Po-
entre os seus membros. Trata-se, portanto, de lítica Internacional, 22, vol.3, 5-46.
organismos que não têm uma natureza na- Newell, Peter (2000), "Environmental NGO's
cional, mas sim internacional, ou se se quiser, and Globalization. The Governance of TNC's", in
transnacional, cujos membros são sempre as Cohen e Rai (orgs.), Global Social Movements.
colectividades territoriais fronteiriças – regi- London: The Athlone Press, 117-133.
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turales: sistemas de gobernación o sistemas de Affairs. Itaca and London: Cornell University
gobierno?", Papeles y Memorias, 113-133. Press.
19) “[...] sujeito da cooperação transfronteiriça e dos
acordos reguladores dessa cooperação é toda e qualquer en- http://inforegio.cec.eu.int/wbdoc/docoffic/
tidade territorial local dos Estados parte na Convenção, a que official/interreg3/index_en.htm
cada Estado, de acordo com o seu direito interno e a sua con-
creta organização administrativa, pela via legislativa, atribui
essa qualidade e autoriza a participar nessa cooperação”, idem,
p. 349.
20) Importa aqui referir que a formação dos organismos
de cooperação da região alpina foi pioneira, sob a forma de
Comunidade de Trabalho.
21) Brito, Wladimir (2000), “A Convenção-Quadro Eu-
ropeia sobre a Cooperação Transfronteiriça entre as Colectivi-
dades ou Autoridades Territoriais”, Universidade de Coimbra
- Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra: Coimbra Editora,
p.408.
Centro de Estudos Ibéricos
DESENVOLVIMENTO E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL 

1.1 - Do Rio Zêzere à Serra do Açor – Prin- ciadas principalmente pelos chamados Programas
cípios Fundamentais para o desenvolvimento Ocupacionais (GODINHO 1998).
Local22 A estratégia territorialista construiu uma
perspectiva de desenvolvimento endógeno ou
Rui Filipe Neves Ferreira desenvolvimento a partir de baixo. Com efeito, é
através da mobilização das populações e das suas
Resumo: organizações que se encontram as soluções que
O desenvolvimento local é um tema abrangen- deverão originar o processo de desenvolvimento.
te que tem sido alvo de abordagens distintas ao Neste contexto território será um “espaço apro-
longo das últimas décadas, que têm em comum, a priado, organizado e reconhecido de um ponto de
procura da sustentabilidade dos espaços rurais. vista político, social, económico, e ideológico por
A União Europeia tem se constituído como um grupo ou classe social em nome da população
a principal instituição a dinamizar as políticas e que nele habita e trabalha e com ele se identifica”
os programas de desenvolvimento para os espa- (AMARO, 1990).
ços rurais, contribuindo assim, para a melhoria da O Território/Espaço Rural é assim o suporte
qualidade de vida das populações. para o conceito de desenvolvimento rural. Este
As áreas rurais mais afastadas dos centros conceito pode ser definido como “a melhoria das
urbanos constituem-se como uma das principais condições de vida das pessoas residentes nas áreas
preocupações das políticas comunitárias. No futu- e regiões rurais, através de processos sociais que
ro, urge inverter a actual conjuntura, que aponta respeitem e articulem os seguintes princípios: efi-
para o abandono demográfico e descaracteriza- ciência económica, equidade social e territorial,
ção sócio-cultural e ambiental que afecta as re- qualidade patrimonial e ambiental, sustentabili-
giões periféricas. Neste estudo serão analisadas as dade, participação democrática e responsabilida-
características de uma região deprimida geogra- de cívica” (MARTINHO, 1998).
ficamente, situada entre o Rio Zêzere e a Serra O conceito de desenvolvimento rural está as-
do Açor. sim, directamente associado à busca da sustenta-
bilidade. Neste contexto, será fundamental ava-
Palavras-chave: liar as potencialidades das áreas rurais, sobretudo
Rio Zêzere, Serra do Açor, desenvolvimento nos domínios do património natural e cultural,
rural, espaços periféricos, forças, fraquezas, opor- com a convicção de que são uma mais-valia só-
tunidades e ameaças. cio-económica, que poderá constituir-se como
fundamental, para revitalizar "territórios abando-
O conceito de Desenvolvimento Rural nados".
A análise do espaço rural e das suas paisagens
foi ao longo dos tempos uma das preocupações Instrumentos para uma política
dos geógrafos. A escola francesa, no início do sé- de desenvolvimento rural em Portugal
culo XX, dinamizou o estudo das paisagens rurais A adesão de Portugal à Comunidade Económi-
procurando estabelecer uma relação Homem/Na- ca Europeia constituiu um marco importante na
tureza. orientação das políticas nacionais, no âmbito do
A noção de "Mundo Rural" pressupõe um desenvolvimento rural. Ao longo da década de 90,
vasto território contínuo em que vastas gentes as entidades nacionais competentes procuraram
e populações constituam uma cultura autóno- junto das instituições europeias o financiamento
ma com papel relevante nas sociedades em que para projectos distintos, em diferentes áreas. Os
se incorporam. O que existe, com grande diver- programas comunitários constituíram-se assim,
sidade de situações, são "zonas" de cultura rural como um instrumento fundamental para o finan-
de dimensões variadas, em territórios fortemente ciamento de projectos, desde o sector privado, até
despovoados e com débeis e pouco diversificados aos desígnios públicos.
tecidos empresariais, em que se desenvolveram Segundo Carminda Cavaco, a questão do de-
"urbes" sustentadas pelas administrações públi- senvolvimento rural tem vindo a congregar razões
cas centrais e locais e actividades comerciais e de para no seu âmbito ser constituída nova política,
serviços que servem os funcionários públicos, as resultante da reforma da PAC, assim como das ne-
famílias proprietárias e as populações que viram gociações do quadro multilateral da OMC (Orga-
o seu poder de compra aumentado através de nização Mundial do Comércio) e do alargamento
políticas assistencialistas/caritativas, consubstan- da UE, acrescidos ainda da presumível Reforma da
Política Regional Comunitária. Neste contexto, a
22) Este trabalho desenvolveu-se no âmbito das con- autora refere que tal situação revela um atraso
ferências “Territórios e Culturas Ibéricas” do Centro de Estudos significativo, relativamente, aos elementos con-
Ibéricos.
Centro de Estudos Ibéricos
DESENVOLVIMENTO E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL 10

clusivos da Conferência de Cork (Irlanda, 7-9 No âmbito do terceiro quadro comunitário


Novembro de 1996). DIEGUEZ (2000) refere que de apoio existe um rol de programas e medidas,
“diferentes documentos assumidos pelos respon- que poderão constituir-se como fundamentais, no
sáveis públicos da União Europeia: Conferência âmbito de uma política de desenvolvimento local
Europeia sobre Desenvolvimento Rural (Decla- que vá de encontro às reais necessidades dos es-
ração de Cork, 1996) ou a própria Agenda 2000 paços rurais.
(1997) incidem na necessidade de manter um O FEDER (Fundo Europeu para o Desenvolvi-
mundo rural vivo(…) com base na trilogia: Inte- mento Regional) utiliza como principais instru-
gração, Subsidiariedade e Associação”. mentos os Programas Operacionais de Desenvolvi-
A «Declaração de Cork (Un Milieu Rurale Vi- mento Regional, nos quais se destacam programas
vant)» que anunciou um programa em dez pon- como a PAC, o INTERREG e o LEADER.
tos para a «Política de Desenvolvimento Rural da O INTERREG III é um programa de Iniciativa
União Europeia»23. Aí se destacam importância e Comunitária, financiado pelo FEDER para o perí-
urgência de "um novo impulso na política de de- odo 2000-200625. Nos princípios de aplicação do
senvolvimento rural" e se anuncia um programa INTERREG III destacam-se:
da UE de desenvolvimento rural. A Conferência de - A implementação de estratégias conjuntas
Cork ainda incita, nas suas conclusões (segunda transfronteiriças transnacionais e programas de
alínea), as políticas da Europa, "a tornarem as áre- desenvolvimento;
as rurais mais atractivas para as pessoas nelas vi- - O aprofundamento de parcerias entre di-
verem e trabalharem, e tornarem-se centros com ferentes níveis da administração com os agentes
mais elevado significado de vida para uma cres- económico-sociais relevantes.
cente diversidade de pessoas de todas as idades". A O INTERREG III compreende assim, três verten-
prosperidade das zonas rurais é fundamental para tes de cooperação:
o bem-estar da sociedade em geral, mas também - Vertente A - cooperação transfronteiriça -
para a manutenção do equilíbrio ecológico e do Cooperação entre regiões fronteiriças vizinhas; o
tecido socio-económico envolvente. objectivo é desenvolver a cooperação económica
O Guia Europeu de Planeamento para a Agen- e social através de estratégias conjuntas e progra-
da 21 Local24, baseia-se numa visão democrática, mas de desenvolvimento.
cujas propostas implementadas contribuiriam - Vertente B - cooperação transnacional - Coo-
indiscutivelmente para tornar o planeamento lo- peração entre grandes grupos de regiões europeias
cal mais participado, o que por exemplo pode ser com o objectivo de prosseguir o desenvolvimento
aduzido do facto de defender a «responsabilidade e uma maior integração territorial na UE e com os
partilhada» e a necessidade de existir um «Fórum países candidatos e outros países vizinhos.
Ambiental Local» com vista à troca de opiniões, de - Vertente C - cooperação inter-regional -
informações e de experiências. Cooperação entre regiões no território da UE e
Neste contexto urge assumir uma postura mais países vizinhos para aumentar a coesão e desen-
activa perante as áreas rurais, de modo a que estas volvimento regional mediante a constituição de
não sejam ameaçadas por um conjunto de condi- redes, especialmente no caso das regiões menos
cionantes, naturais, sociais, económicas e cultu- desenvolvidas e das regiões em reconversão.
rais. As questões associadas ao desenvolvimento A Iniciativa Comunitária LEADER+ tem como
dos espaços rurais são na generalidade analisadas objectivo estratégico a experimentação de novas
e discutidas fora dos territórios de intervenção. O formas de valorização do património natural e
primeiro passo para o levantamento de problemas cultural e o reforço do ambiente económico, no
é o conhecimento do terreno no qual eles ocor- sentido de contribuir para a criação de postos de
rem. Conhecer o território não é sinónimo de uma trabalho e a melhoria da capacidade organizacio-
simples leitura de dados e questões numa sala de nal das respectivas comunidades, e articula-se em
reunião, é necessário que os intervenientes se des- torno de três vectores:
loquem às localidades, procurando junto da popu- - Vector 1 – apoio a estratégias territoriais de
lação identificar as respectivas preocupações. desenvolvimento rural, integradas e de carácter
A aplicação de programas de desenvolvimento piloto, assentes na abordagem ascendente e na
comunitário, por vezes revela-se assim, extrema- parceria horizontal;
mente difícil, devido a um conjunto de factores de - Vector 2 – apoio à cooperação inter-territo-
ordem social e económica. rial e transnacional;
23) Europe Documents 2012, Nov. 1996, pp. 1-4.
- Vector 3 – colocação em rede do conjunto
24) A Agenda 21 aprovada na Conferência da ONU so- dos territórios rurais da Comunidade Europeia,
bre Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992), re-
comenda no seu capítulo 28 que a maioria dos poderes locais 25) As orientações foram aprovadas pela Comissão em
adoptem Agendas do Ambiente. 28 de Abril 2000 (C 143 de 23 de Maio 2000).
Centro de Estudos Ibéricos
DESENVOLVIMENTO E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL 11

beneficiários ou não do LEADER+, bem como de mas também aqui a formação de políticas, sem
todos os agentes do desenvolvimento rural. conteúdo e processamento específicos, não pode
Segundo Raul Marques a importância confe- asseverar progressos substanciais. A posição assu-
rida à Iniciativa LEADER como núcleo do desen- mida nesta vertente, em publicação da OCDE, me-
volvimento local/rural prende-se com o facto rece realce: "… nas zonas rurais, onde a densidade
de defendermos que assenta numa filosofia de da população é fraca, a criação de um pequeno
participação que tem privilegiado medidas onde número de empregos pode ter um efeito consi-
a inovação socioeconómica e sociocultural sur- derável sobre a economia local"27. Pierre GUERRY
ge como um pivot que conduz os actores locais (1995), em artigo inserido na mesma publicação,
à elaboração de estratégias de desenvolvimento sublinha a potencialidade a nível local dos produ-
integrado, assumindo por isso uma particular im- tos regionais de qualidade, podendo constituir-se
portância na transformação das regiões rurais e como elementos fundamentais para a sustenta-
podendo mesmo contribuir para uma «reconfigu- bilidade.
ração reticular»26 O Programa LIFE,28 , constitui o instrumento
O LEADER+ não é um plano geral de inves- financeiro da União Europeia para o Ambiente.
timentos para toda a Zona de Intervenção. Esse Este Programa é constituído por 3 componentes
não é o seu espírito, nem as verbas previstas o temáticas - LIFE-Ambiente, LIFE-Natureza e LIFE-
permitem. É antes do mais um programa expe- Países Terceiros. Embora estes três domínios par-
rimental, de demonstração, que procura facilitar tilhem objectivos de melhor ambiente, cada um
a emergência de iniciativas piloto, de natureza deles integra prioridades específicas.
exemplar, que devem procurar potenciar e interli- Diversidade paisagística: O trinómio Vale – En-
gar as características endógenas, nomeadamente costa – Cumeada
os produtos locais, como o artesanato, a doçaria, Nas palavras de Orlando Ribeiro “… À sua
os licores e os vinhos, bem como aproveitar o pa- massa e altitude (as montanhas da Cordilheira
trimónio natural, cultural e arquitectónico. Central) devem o poder ligar-se ainda às regiões
O FEOGA Fundo Europeu de Orientação e Ga- Atlânticas, de que formam uma espécie de pro-
rantia Agrícola. Os objectivos centrais a prosseguir montório avançado para Sul. Relevos de xisto,
parecem ser claros: contribuir para o desenvolvi- altos mas sem grandeza, cimos boleados e cris-
mento de uma agricultura europeia multifuncio- tas agudas, pela maior parte despidos de arvo-
nal, sustentável e repartida por todos os espaços redo…”
da União, e para a diversificação económica e so- A área em estudo localiza-se no bloco NW
cial dos territórios rurais europeus. A qualidade de da Cordilheira Central, ocupando uma área que
vida das pessoas residentes nestes territórios e a se estende desde as cumeadas da Serra do Açor
sua participação nos processos de desenvolvimen- (1418m - Pico de Cebola), até às margens do Rio
to constituirão os indicadores chave para avaliar o Zêzere (300m – Dornelas do Zêzere). O grande aci-
sucesso desta estratégia. Do lado da agricultura e dente de Cebola separa a Serra do Açor (NW), do
da política agrícola (PAC), a evolução deverá con- fosso do médio Zêzere (SE).
ter um leque mais amplo de objectivos que con- Luciano Lourenço (1994) distingue duas sub-
temple uma visão mais alargada gestão do espaço unidades na área de estudo. A área situada Noro-
rural. Do lado da diversificação e dinamização este da Falha de Cebola é designada por “Serras
económica e social do território rural haverá que Setentrionais”. Nesta zona encontramos as altitu-
valorizar outras actividades em meio rural e as re- des mais elevadas, localizadas nos picos de Cebola
lações de interdependência com a agricultura. As (1418m) e Gondufo (1243 m). A zona situada a
iniciativas de turismo em espaço rural represen- Sudeste da falha de Cebola é designada por “Fosso
tam, entre muitos outros, um dos campos onde do Médio Zêzere Oriental”. Nesta área, de altitu-
essa interdependência pode e deve ser reforçada. des menores, destacam-se pela sua imponência,
O Fundo Social Europeu (FSE) é o principal as cristas quartzíticas dispostas em escadaria, com
instrumento financeiro que permite à União Eu- uma orientação NW-SE. Os Penedos de Unhais são
ropeia concretizar os objectivos estratégicos da um exemplo destas formas de relevo saliente, que
sua política de emprego. Ainda no que concerne pela sua espectacularidade, se destacam de toda a
ao emprego importa destacar o programa LEDA área envolvente.
(Programa de Acção para o Desenvolvimento do Em região francamente xistenta, a topografia
Emprego Local), fundamental para as oportunida- é marcada por relevos extremamente acidentados,
des de emprego em espaço rural. Criar empregos 27) OCDE - Créer des emplois pour le développement
nas zonas rurais apresenta-se, em várias regiões rural. De nouvelles politiques, Paris, OCDE, 1995, p.23
e sob diversos contextos, com cariz prioritário; 28) Aprovado pelo Regulamento (CE) n.º 1655/2000,
com a alteração que lhe foi dada pelo Regulamento (CE)
26) Organização das regiões rurais em rede. 1682/2004 de 15 de Setembro.
Centro de Estudos Ibéricos
DESENVOLVIMENTO E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL 12

com declives superiores a 40% e com vales extre- Nas encostas localizadas no extremo ocidental
mamente profundos, onde se instalam inúmeras da área de estudo, o Pinheiro outrora dominante,
linhas de água que drenam todas as águas para o deu lugar aos matos e arbustos, devido à acção do
Rio Zêzere. A rede hidrográfica é bastante densa, grande incêndio de 2001, que afectou quase 40
existindo várias ribeiras que constituem uma rede % da área de estudo. Nestas zonas surgem ago-
de afluentes e subafluentes do Rio Zêzere. ra em associação com os pequenos pinheiros que
A Ribeira Unhais e a Ribeira de Porsim, apre- regeneraram após o flagelo, vegetação secundária
sentam uma orientação NW-SE, constituem os como: o carrasco, o medronheiro, a giesta, a car-
principais afluentes do Rio Zêzere nesta zona. queja e as urzes. Estas espécies arbustivas são de
Estes cursos de água são alimentados por vários resto as espécies que se desenvolvem nas super-
afluentes que na maioria dos casos apresentam fícies culminantes, sobretudo acima da cota dos
uma orientação semelhante. Esta situação sugere 900m. Após o período mais frio do Inverno os tons
uma adaptação nítida do traçado dos cursos de mais escuros dão lugar a retalhos florísticos, colo-
água às principais linhas de fracturação dos xis- ridos de tons alegres, destacando-se os lilases e os
tos. amarelos, dos urzais e carquejais.
No que respeita ao ritmo climático, esta área
apresenta uma grande variação tanto ao nível das Da recessão demográfica
temperaturas, como no que respeita, à precipi- ao envelhecimento da população
tação. Os Invernos são extremamente húmidos e A área de estudo é composta por cinco fre-
nas regiões mais elevadas registam-se frequentes guesias: Sobral de S. Miguel, São Jorge da Beira
quedas de neve. No Verão as temperaturas ultra- e Aldeia de São Francisco (concelho da Covilhã) e
passam, frequentemente os 35ºC e os valores plu- Unhais-o-Velho e Dornelas do Zêzere (concelho da
viométricos apresentam regimes insignificantes. Pampilhosa da Serra). A densidade populacional
Segundo a divisão agro-florestal realizada por de 31,8 hab/Km2 constitui um valor extremamen-
CARY (1985), esta área localiza-se na denominada te reduzido, que evidencia a existência de vastas
“Zona Serrana”.29 áreas completamente despovoadas.
A diversidade paisagística da área está assen-
te no trinómio Vale/Encosta/Cumes. Nas áreas de
Vale destacam-se os cursos de água, que corre
quase de forma imperceptível, devido à densidade
da vegetação ripícola que se estende ao longo das
margens. Paralelamente aos cursos de água, sur-
gem as áreas agrícolas, dominadas essencialmente
pelos muros e socalcos que delimitam as proprie-
dades e “retêm” a terra necessária para o cultivo.
No entanto, o crescente abandono da actividade
agrícola tem provocado a ocupação dos campos
pela vegetação envolvente.
O pinheiro bravo é a espécie dominante ao
longo das encostas, sobretudo nas áreas de menor
altitude. O verde-escuro é o tom imperante nestas
Ilustração 1- Enquadramento geográfico da área de estudo
áreas, quebrado apenas localmente pelo eucalip-
tal, que avança sobretudo, numa zona central da
Sérgio Caramelo (1998) designa esta região
área de estudo. Esporadicamente, surgem outras
como o “Ermamento da Cordilheira Central”, ca-
espécies arbóreas, como o castanheiro, o carvalho
racterizado pela rarefacção demográfica da Cor-
e o sobreiro, que no entanto, apenas se destacam
dilheira Central e da sua vertente Sul. Os condi-
pelo colorido que conferem à paisagem, criando
cionantes físicos implicam uma continuação das
assim alguma descontinuidade no tom dominante
tendências registadas (despovoamento e conse-
nas vertentes. Estas espécies menos preponderan-
quente desvitalização económica), pelo que o seu
tes têm no entanto um elevado valor patrimonial
dinamismo será reduzido, constituindo tendências
e ambiental, visto serem em alguns casos, os vestí-
pesadas que levam à pouca capacidade atracti-
gios de uma vegetação que outrora dominara esta
va de pessoas e funções. A tendência parece ir no
região, como comprovam os topónimos que lhe
sentido de apenas as sedes de concelho, os aglo-
estão associados: Sobral, Cabeça Sobral, Carvalho,
merados com significativa actividade económica,
Carvalhal, Souto Negro…
os aglomerados com boas acessibilidades e os
29) - A Zona Serrana também é designada por Zona da aglomerados valorizados em termos patrimoniais,
Serra da Estrela, incluindo o bloco NW da Cordilheira Central. conseguiram estancar ou inverter o acelerado
Centro de Estudos Ibéricos
DESENVOLVIMENTO E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL 13

processo de despovoamento. causando também uma assimetria entre os dois


As freguesias analisadas denotaram uma sexos.
acentuada quebra de população ao longo das úl- O processo migratório verificado na região de-
timas décadas. Segundo os Censos de 2001, a área senvolveu-se ao longo de várias décadas e passou
apresentava uma Taxa de crescimento natural de por três fases distintas:
-8,8%0, resultado de uma Taxa de mortalidade de Numa primeira fase, (anos 40 a 60 do século
13,3 %0 e uma Taxa de natalidade com um valor XX), saíram os homens, a força de trabalho, aque-
de 4,4 %0. les que estavam inseridos na população activa,
Para agravar ainda mais esta tendência o saldo pelas aldeias foram ficando os mais idosos, as
migratório apresenta também valores negativos. crianças, jovens e as mulheres;
A procura de um emprego que possibilite a valo- Numa segunda fase, (anos 70 e 80 do
rização económica individual, leva todos os anos século XX), os jovens adultos após cumprido o
dezenas de pessoas, a abandonar as aldeias, des- serviço militar seguiram as pisadas dos pais, que
tinadas sobretudo ao estrangeiro (França, Suíça por sua vez, na grande maioria dos casos vieram
e Alemanha), ou aos principais centros urbanos buscar as suas esposas, ficando nas aldeias os mais
nacionais. Actualmente esta tendência tem vindo idosos, que devido aos factores saúde e idade já
a diminuir, devido ao desenvolvimento socio-eco- não estavam em condições de enfrentar a dureza
nómico que se faz notar na região da Cova da Bei- da emigração;
ra. No entanto, estas aldeias são áreas de difíceis Numa terceira fase, (anos 90 do século XX), te-
acessos, com poucas vias rodoviárias, muitas ve- mos o regresso dos que saíram do concelho à mais
zes em péssimo estado de conservação, impedindo de 30 e 40 anos, para gozarem as suas reformas
assim, a possibilidade de realização dos trajectos (pensões), na sua terra junto de alguns de seus
casa/emprego, com uma periodicidade diária. As familiares, vindo assim aumentar o já elevado nú-
dificuldades de acesso aos centros urbanos invia- mero de idosos do concelho, e junto dos mais no-
bilizam, por vezes, as oportunidades de emprego vos, mantém-se a ideia de à quarenta anos atrás,
existentes nas sedes de concelho. ou seja, os jovens (19 - 29 anos), logo após termi-
narem o serviço militar obrigatório procuram na
emigração, e ou migração para os grandes centros
do litoral português, aquilo que não encontram
no seu concelho, emprego, melhores condições
de vida. Associado a esta situação verifica-se uma
drástica diminuição no número de nascimentos,
o que está a contribuir de forma decisiva para o
duplo envelhecimento da população.
Perante a tendência para o despovoamento e
envelhecimento da população local, o Verão é a
época do ano em que se denota uma certa “lufada
de ar fresco”. Nesta estação as aldeias “ganham
outra vida”, com o regresso de muitos emigrantes,
que vêm aqui gozar o seu período de férias, junto
dos familiares, permitindo assim o desenvolvimen-
to das relações culturais com outras realidades.
Ilustração 2- Pirâmide etária em 2001
Fonte: Censos de 2001

Uma situação social e económica


A estrutura etária em 2001, caracterizava-se instável
por uma grande irregularidade, bem vincada, nos Estas freguesias necessitam de uma interven-
dois claros estreitamentos, que podemos obser- ção racional, essencialmente ao nível da melho-
var na pirâmide etária. O primeiro, corresponde ria das infra-estruturas, pois em alguns casos, o
ás classes infantis e é o resultado da diminuição decréscimo populacional, tem-se acentuado a um
do número de nascimentos, ocorridos nos últimos ritmo extremamente elevado, que pode colocar
anos. O segundo estreitamento verifica-se ao ní- em risco a sobrevivência de algumas localidades
vel das classes adultas, especialmente entre os 25 ao longo deste século.
e os 45 anos. Esta situação é uma consequência A população residente desenvolve essencial-
da forte emigração que se fez sentir nas últimas mente práticas agrícolas, na maioria dos casos
décadas, e que originou uma diminuição da po- viradas para o autoconsumo. A agricultura e a pe-
pulação superior aos 40%, de 1960, para 2001, cuária, constituíram-se desde os tempos remotos
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como a principal actividade económica da região. normalmente, sinónimo de falta de espírito ino-
Torna-se assim, necessário fazer uma referência vador e de um baixo nível de instrução que im-
ao passado, na tentativa de reconhecer a impor- pede os proprietários de reconhecer as principais
tância deste sector ao longo das últimas décadas, formas de rentabilizarem os respectivos recursos.
no contexto da economia local. Por último, a falta de capital disponível para in-
A maioria das áreas cultivadas localiza-se no vestir e a dificuldade de rentabilização dos projec-
fundo dos vales, aproveitando assim, os depósi- tos, constituem uma agravante, que condiciona os
tos resultantes da acumulação de sedimentos, por anseios das comunidades locais. Neste contexto o
acção das principais linhas de água. No entanto, proprietário promove a preferência pelas espécies
também podemos observar alguns terrenos culti- de crescimento rápido (como o eucalipto) em de-
vados em encostas, onde os depósitos de vertente trimento de espécies autóctones e susceptíveis de
são aproveitados para a prática agrícola, através salvaguardar os equilíbrios ecológicos e ambien-
da construção de socalcos. Actualmente, os terre- tais (ex. Castanheiro).
nos mais afastados das aldeias, encontram-se ao No que respeita às outras actividades econó-
abandono. micas importa salientar sobretudo a evolução do
À semelhança do que acontece relativamente emprego, relacionado com a exploração mineira.
à agricultura, também em relação à pastorícia, se As Minas da Panasqueira são uma empresa cen-
tem notado uma diminuição significativa da acti- tenária, que conseguiu sobreviver aos períodos de
vidade. Segundo uma estimativa da DRABI a redu- crise, marcados essencialmente por conjunturas
ção de gado caprino, ao logo das últimas décadas, negativas e por grandes oscilações nos mercados
ultrapassa os 70%. internacionais do volfrâmio, à custa de uma forte
Esta referência torna-se pertinente, dada a riqueza daquela área no que respeita aos recursos.
importância que estes animais desempenham na As consecutivas reduções de emprego nas Minas
manutenção dos matos, com um tamanho reduzi- da Panasqueira têm originado a “debandada” de
do. Por outro lado, deixaram-se de roçar os matos muitos antigos mineiros, que se tinham fixado
para as camas dos animais e para estes se alimen- nestas freguesias, nos vários períodos de expan-
tarem. são, da empresa ao longo das últimas décadas. Na
Este progressivo abandono das actividades década de 40, período áureo da actividade minei-
agrícolas, silvícolas e pecuárias, traz-nos como ra, cerca de dez mil pessoas dependiam directa-
consequência, o aumento da carga combustível mente da Mina, actualmente, laboram na empresa
nas florestas e matos da região, cada vez mais pouco mais de duzentos mineiros.
densas e sem qualquer tipo de limpeza, criando O emprego feminino restringe-se essencial-
assim, toda uma situação favorável ao início de mente às poucas fábricas do sector têxtil (confec-
deflagração de um incêndio e consequente pro- ções), que têm resistido à crise do sector, desen-
gressão. A diminuição das actividades pastoris, volvendo a sua actividade nas freguesias próximas
onde elas ainda permanecem, a florestação mais como: Paúl, Unhais da Serra e Tortosendo.
ou menos maciça, mas quase sempre desordena- O sector terciário não tem um grande signi-
da e o estado geral de abandono a que tem sido ficado no contexto económico local. Neste ramo
votado o espaço serrano têm contribuído para o de actividade destacam-se como maiores empre-
elevado número de incêndios e a intensidade que gadores, os lares e centros de dia de apoio aos
nalguns casos assumem. Os incêndios florestais idosos, os correios e pequenas áreas comerciais,
surgem todos os Verões delapidando progressiva e que no entanto não atingem valores de empre-
inexoravelmente um património em muitos casos go significativos. Apesar desta situação, a taxa de
raro e sempre valioso, e pondo em perigo popula- desemprego atinge “apenas” os 3,3%, resultado da
ções, que pelas suas características demográficas forte migração verificada nas classes dos jovens e
(particularmente a avançada idade), sociais, cul- adultos.
turais e económicas, são especialmente vulnerá- O declínio da natalidade está na génese de ou-
veis (CUNHA, 2003). tro problema de ordem social que afecta a área,
No aproveitamento da floresta, podemos veri- o encerramento das escolas. Entre as décadas
ficar que actualmente, também o sector atraves- de 50 e 70, muitas eram as escolas com mais de
sa um período de crise. Para além dos incêndios meia centena de alunos, fica apenas a memória,
que têm causado a delapidação do património e mesmo essa, tende a desvanecer-se na bruma
florestal, a compartimentação das propriedades dos tempos. Hoje fruto das constantes mutações
agro-florestais, impede o desenvolvimento de ac- demográficas a realidade é muito diferente e bas-
tividades consideradas cruciais para o aumento da tante mais dura. As escolas de ensino mediatiza-
produtividade familiar e ou empresarial. Por outro do encerraram, resistindo apenas a esta realidade
lado, o envelhecimento da população residente, é a nova escola localizada na Barroca Grande. Nas
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aldeias com menor poder demográfico, o ensino Trilhos a percorrer na busca


primário deixou de funcionar. Perante esta situ- da sustentabilidade
ação, é infalível que algumas aldeias atravessem Para diagnosticar e relacionar todas as
neste momento uma situação de perda de identi- potencialidades com as respectivas fraquezas da
dade, sobretudo no que respeita, às classes etárias área utilizou-se uma tabela SWAT.30
mais jovens. O encerramento das instituições de
ensino é uma realidade num espaço, onde mais de Strengths (Forças) Weakness (Fraquezas)
20% da população não sabe ler nem escrever. - Qualidade ambiental; - Recessão demográfica;
Relativamente ao artesanato, podemos consi-
- Diversidade / - Envelhecimento da
derar, que este sector se encontra extremamente
complementaridade população;
envelhecido e sem condições financeiras, não se paisagística (Montanha/
registando interesse pelas classes mais jovens em Vale); - Baixos níveis de instrução;
prolongar e manter a actividade artesanal. Esta si- - Romarias, tradições e - Resistência à inovação;
tuação provoca também uma falta de espírito de costumes; - Susceptibilidade a
inovação na realização dos trabalhos. Lentamente riscos naturais (incêndios
- Existência de diferentes
o artesanato da região apresenta sinais tenros de tipos de associações florestais);
revitalização, despontando um novo tipo de ar- (solidariedade social, - Falta de oportunidades de
tesão com uma escolaridade mais elevada, mais desporto, cultura e recreio); emprego;
aberto a todo o tipo de inovações (por vezes em - Património construído - Debilidade e ausência de
demasia) e mais agressivo em termos de mercado, (casario tradicional, acessibilidades.
aproveitando todas as hipóteses de escoamento monumentos religiosos,
achados arqueológicos e
dos produtos fora dos circuitos tradicionais. Para gravuras do período proto-
estes novos artesãos as noções de “gestão”, “ma- histórico);
rketing” e “design” são tão importantes como os
- Produtos regionais
velhos saberes dos seus mestres. genuínos;
Os circuitos de comercialização são altamen-
- Recursos naturais de valor
te deficientes ou inexistentes e os produtores estratégico (água; energia);
têm muita dificuldade em vender bem os seus
- Outros recursos (rec.
produtos, mesmo os tradicionais de alta qualida-
turísticos; rec. minerais).
de. Os produtos acabam por ser comercializados
principalmente por intermediários, sujeitando-se
Opportunities Threats (Ameaças)
os produtores ao preço de ocasião que lhes for (Oportunidades)
oferecido, sem o acesso às condições de venda
- Integração da protecção - Desequilíbrio e
possíveis. da natureza com valorização descaracterização
As acessibilidades (inter e intra-regionais) per- de produtos regionais e ambiental;
manecem dificultadas pelas características orogé- actividades de lazer;
- Perda de recursos no
nicas da área. A rede de estradas é pouco densa, - Desenvolvimento de domínio florestal e agrícola;
faltando ainda concluir a construção de uma via actividades ligadas ao
- Despovoamento;
fundamental para a ligação entre as aldeias. As li- turismo, nas suas variadas
gações às sedes de concelho apresentam também vertentes; - Debilidade dos sectores
alguns problemas, verificando-se uma degradação - Aproveitamento dos económicos tradicionais
recursos florestais; e Desaparecimento de
extrema em alguns troços. Relativamente às liga- actividades artesanais;
ções externas, a autoestrada A23 veio contribui - Aproveitamento dos
- Deslocalização de
significativamente para a diminuição da distân- recursos minerais (volfrâmio
empresas multinacionais
cia-tempo a regiões mais distantes. e estanho);
(têxteis e mineira);
No Domínio das telecomunicações, destaca-se - Aproveitamento dos
recursos energéticos (vento - Encerramento de escolas.
a existência de uma central de correios, que serve
e água);
a área do couto mineiro e algumas freguesias pró-
ximas. Relativamente ao acesso às novas tecno- - Criação de centros de
logias, o atraso também é notório, não existindo interpretação.
espaços públicos para a utilização de Internet. A
utilização da Internet pelos utilizadores é feita a Sugere-se assim como formas de ultrapassar
partir da rede telefónica. A impossibilidade de uti- os obstáculos com os quais se deparam os resi-
lização da banda larga vem criar dificuldades ao dentes: a criação de gabinetes locais que apoiem
nível da comunicação, inflacionando os respecti- as candidaturas aos diversos projectos comunitá-
vos serviços. 30) Adaptado de CUNHA, Lúcio (2003) – “A montanha
do centro português: espaço de refúgio, território marginal e
recurso para o desenvolvimento local”. pp.175-191.
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rios, concedendo a formação necessária a todos cultivar e preservar. A transformação e comercia-


os cidadãos interessados. Para tal, é também im- lização de produtos agrícolas e silvícolas, a criação
portante o “desencravamento” desta área, a su- de agro-indústrias, ficando a mais-valia na região,
peração das graves deficiências de acessibilidades a par com a certificação e marketing de alguns
locais e sub-regionais e a sua articulação com as produtos, deverá ser a aposta forte da região em
áreas mais dinâmicas do país e da região. termos imediatos.
Os aspectos acabados de referir justificam o O azeite, o mel, a broa de milho, o pão centeio,
apoio a acções tendentes ao aproveitamento das o queijo cabreiro, os cogumelos e as aguardentes
potencialidades, à superação dos estrangulamen- são produções, que pela sua especificidade e alta
tos e à mobilização dos recursos minerais, flores- qualidade, têm assegurada uma presença compe-
tais, eólicos e hídricos. titiva no mercado. Estes produtos necessitam de
Os recursos minerais constituem-se como uma ver criadas as suas denominações de origem, que
mais-valia económica, sendo responsáveis pela devem ser apoiadas e preservadas, a par com a
actividade de algumas centenas de trabalhadores. procura e incremento de novos produtos, sempre
A extracção do estanho e do volfrâmio nas Minas na linha artesanal e ou de qualidade.
da Panasqueira e a extracção dos xistos e ardósias A grande diversidade paisagística da área
em Sobral de S. Miguel são os expoentes desta constitui-se também como uma mais-valia, no
actividade. Estas actividades devem no entanto que concerne, ao desenvolvimento de actividades
respeitar a qualidade ambiental das áreas envol- lúdicas e desportivas. Neste contexto, podem de-
ventes, não hipotecando assim a respectiva beleza senvolver-se várias actividades com uma grande
natural. procura: o rappel e a escalada; a canoagem; a asa
Os recursos florestais têm vindo a perder a delta e o parapente; o BTT e o todo-o-terreno; o
relevância que detiveram durante várias décadas, atletismo e as caminhadas pedestres, para além de
resultado da acção dos incêndios florestais e da um conjunto de jogos de cariz tradicional.
grande compartimentação da propriedade, impe- O património imaterial constitui-se também
dindo assim, o desenvolvimento de uma política como um recurso, muitas vezes esquecido, mas de
florestal eficiente. A constituição de associações extrema importância, para a dinamização neste
de produtores que congreguem diversos proprie- tipo de regiões. Neste contexto, será fundamental
tários é assim fundamental, para uma valorização que associações locais existentes na área promo-
deste recurso. vam junto dos mais jovens as tradições e os cos-
A água é um dos elementos fundamentais tumes esquecidos impedindo assim a ruptura com
para o desenvolvimento de actividades de extre- as actividades mais tradicionais do passado.
ma importância no contexto das economias lo- As rotas que fazem parte integrante da histó-
cais. A preservação dos cursos de água, com uma ria desta região, poderão por um lado, desempe-
qualidade reconhecida será fundamental para a nhar um papel fundamental na relação entre as
potencialização deste recurso. várias comunidades e por outro contribuir para o
A aposta na produção da energia eólica é desenvolvimento de actividades de educação am-
neste momento uma realidade da política ener- biental.
gética nacional. Esta área apresenta uma grande A Rota do Sal, a Rota dos Mineiros, a Rota
potencialidade, relativamente a este tipo de ener- da Transumância e as Rotas Proto-históricas, são
gia, no entanto, será necessário respeitar alguns exemplos que mostram a importância e o papel
instrumentos de protecção ambiental como é o que estas áreas têm desempenhado ao longo dos
caso da Rede Natura. Actualmente está a ser im- séculos.
plementado um parque eólico no extremo Sul da Este tipo de actividades poderá ser potencia-
área de estudo. No restante território estão a de- lizada e divulgada de modo a contribuir para a
senvolver-se projectos de prospecção e estudo dos dinamização cultural de “territórios adormecidos”.
ventos. A criação de um “Centro de Recursos de Animação
Para além do aproveitamento dos recursos na- Rural”: projecto que visa a criação de um centro
turais, será também fundamental desenvolver ac- de recursos o qual se assuma, através da concreti-
ções específicas orientadas para a valorização dos zação de uma plataforma electrónica, como uma
recursos humanos, para a igualdade e o fomento porta de acesso comum a todos os recursos exis-
de novas oportunidades de inserção no mercado tentes na área.
de trabalho e para o combate aos factores de po-
breza e exclusão social. Considerações finais
Os residentes detêm uma grande cultura e sa- O desenvolvimento rural/local é fundamen-
ber no domínio dos produtos tradicionais regio- tal para a valorização dos territórios rurais. O
nais, em artesanato e em gastronomia, que urge património imaterial e o património ambiental
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constituem-se como os principais suportes para o AMARO, Rogério Roque (1990) - “O Puzzle ter-
desenvolvimento de uma política de desenvolvi- ritorial dos anos 90 - uma territorialidade flexível
mento rural integrada e sustentada. e uma nova base para as relações entre nações e
O desenvolvimento rural das áreas mais peri- regiões” in Vértice, p. 41.
féricas está envolvido por um conjunto de amar-
CARAMELO, Sérgio (1998) – “A Observação
ras, que ao longo dos últimos anos têm impedido
Territoralizada das Redes Urbanas e o seu Papel no
que estas regiões se aproximem dos reais padrões
Desenvolvimento Regional”. Beira Interior como
de desenvolvimento humano.
Região de Fronteiras – Actualidade e Perspectivas,
A aproximação e a participação dos cidadãos
UBI, Covilhã, pp. 73-99.
nas diferentes vertentes do desenvolvimento en-
contram-se perspectivadas na Agenda 2000. No CARY, F. C. (1985) – Enquadramento e perfis
entanto, as questões relacionadas com o desen- do investimento agrícola no continente portu-
volvimento rural são maioritariamente tratadas, guês – 1º volume. Estudos 23. Banco de Fomento
fora do âmbito local, impedindo assim, uma par- Nacional.
ticipação directa dos principais intervenientes. Os
CAVACO, Carminda (1998) - Política de Desen-
cidadãos constituem-se assim como um conjunto
volvimento Rural e Políticas Europeias. Centro de
de actores que vão desempenhar um papel numa
Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa.
peça, que em alguns casos não se encontra ade-
quada ao cenário, no qual o teatro se vai desen- CUNHA, Lúcio (2003) – “A montanha do cen-
volver. tro português: espaço de refúgio, território mar-
O desconhecimento dos programas comunitá- ginal e recurso para o desenvolvimento local”. In
rios e o desajustamento de alguns desses progra- CAETANO, Lucília (coord.) – Territórios, ambiente e
mas aos espaços mais deprimidos constituem por trajectórias de desenvolvimento. CEGC, Coimbra,
vezes, o segundo obstáculo às políticas de desen- pp.175-191.
volvimento rural para as áreas mais deprimidas.
DIÉGUEZ, Valentín Cabero (2000), Médio Am-
Neste contexto, é fundamental que as instituições
biente y desarrollo rural en Médio Ambiente.
competentes procurem conhecer todos os progra-
Nuevas Tecnologías e Sociedad, Ediciones Univer-
mas previstos para estas regiões, para os diferen-
sidad de Salamanca, pp.90-96.
tes sectores, de modo a aproveitarem a totalidade
dos fundos que lhes advém e que tão necessários GUERRY, Pierre (1995) – Créneaux commer-
são para a inversão da tendência sócio-económica ciaux et développement rural. Compte rendu d'un
que afecta estes espaços. atelier et recommandations pour l'action, OCDE,
A própria política de desenvolvimento rural da Paris, p. 84.
União Europeia, está susceptível à crítica, devido à
LOURENÇO, Luciano (1995) – Serras de xisto
forte restrição financeira que afecta os programas
do Centro de Portugal. Contribuição para o seu
de desenvolvimento rural, dos quais o LEADER+ e
conhecimento geomorfológico e geo-ecológico.
o INTERREG III são apenas alguns exemplos.
Diss. Doutoramento, Coimbra, 756 p.
O desenvolvimento sustentado da área situada
entre o Zêzere e o Açor, constitui-se ainda como MARQUES, Raul Jorge (2000) - Desenvolvi-
uma miragem, apesar de algumas melhorias veri- mento Local em Espaço Rural e Novas Competên-
ficadas pontualmente ao longo das últimas déca- cias – A Participação dos Cidadãos no Concelho de
das. Neste contexto, a formação e a responsabili- Santa Comba Dão, Lisboa, Centro de Estudos Ge-
zação dos cidadãos poderá constituir-se como um ográficos da Universidade de Lisboa, 183 p., ISBN
dos elementos fundamentais para a inversão das 972-636-124-9.
actuais tendências.
MARTINHO, Victor João Pereira (2000) - Re-
A valorização da paisagem e das actividades
flexões sobre o desenvolvimento rural nacional.
nela desenvolvidas, associadas à melhoria das in-
Instituto Politécnico de Viseu.
fra-estruturas, poderão futuramente, converter es-
tas áreas numa alternativa forte, aos destinos turís- RIBEIRO, Orlando, Hermann Lauthensach e Su-
ticos tradicionais, mais procurados pelos cidadãos zanne Daveau (1987), Geografia de Portugal, vo-
que procuram a fuga aos modos de vida urbanos. lumes I e II, Edições João Sá da Costa, Lisboa.
Conferência Europeia sobre o Desenvolvimen-
Referências bibliográficas
to Rural (Irlanda, 7 a 9 de Novembro de 1996) su-
ALBINO, José Carlos (1998), “Agricultura e De-
bordinada ao tema A Europa Rural – Perspectivas
senvolvimento Rural: Casamento ou Divórcio?” in
para o Futuro, in Europe Documents 2012
A Rede para o Desenvolvimento Local – Edição
especial.

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