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ANARQUISMO
E SOCIALISMO
Parte II
107
16 – Mentiras do socialismo 109
17 – Enterrando velhacos... 111
18 – Ante a vendeta pública.
Denuncio o caluniador, difamador e delator policial Teodoro Monicelle
113
19 – O chamusco militarista I 120
20 – O chamusco militarista 123
21 – Nós e o deputado Dr. Maurício de Lacerda 127
22 – Em torno das conferências do Dr. Maurício de Lacerda 127
23 – Cada qual no seu elemento.
A propósito da ação do deputado Maurício de Lacerda
nos meios operários 131
24 – Idéias e atitudes do deputado Maurício de Lacerda 132
25 – A propósito da ação do Deputado Maurício de Lacerda
nos meios operários 135
26 – Em torno das conferências do deputado Sr. M. de Lacerda 137
27 – Noções de coisas – o anarquismo ante o momento atual.
Ao deputado M. de Lacerda 140
28 – Cada qual no seu elemento – afirmação de princípios 143
29 – Os inestimáveis serviços do deputado Sr. M. de Lacerda 147
30 – Ação deletéria dos políticos no movimento social.
Circular aos trabalhadores, aos libertários 150
31 – “A Vanguarda” 152
32 – “A Vanguarda” 154
33 – Ação deletéria dos políticos no movimento social.
Circular aos trabalhadores, aos libertários 155
34 – A III Internacional 157
35 – Os dois extremos 158
36 – “Que se rompa y no se doble” 159
37 – O Bolchevismo. Sua repercussão no Brasil 161
38 – Vivamos às claras – Basta de confusionismo.
Pelo despotismo autoritário ou pelo anarquismo 164
39 – Maldita seja a hora em que os Srs. Maurício
de Lacerda e Evaristo de Morais assumiram a minha defesa 168 40
– Os equívocos bolchevistas 169
41 – A ditadura do proletariado e os anarquistas 172
42 –Grupo Ação Libertária.
Pela reabilitação Moral da Revolução.
Apelo aos anarquistas. 176
43 – A propósito da tolerância 181
44 – A batalha dos séculos 184
45 – O que pretendem os autoritários e o que pretendemos nós 187
108
12 – Mentiras do socialismo66
109
os que, sendo, por muito tempo, militantes nas lutas sociais, não se haviam
libertado dos prejuízos sociais, organizou-se uma força reacionária e
dissolvente, a qual arrastou consigo um número considerável de aderentes
à Internacional, dando a esta federação o golpe de graça, e, à burguesia,
um novo triunfo sobre os homens do trabalho.
Para que os trabalhadores não se iludam com a dialética dos demagogos
da política que se intitulam socialistas, sendo apenas agenciadores de
votos, convém analisar as suas doutrinas, os seus princípios, as suas
finalidades e os seus meios de luta, pois somente assim nos
convenceremos de que constituem a melhor rede de escravização com
que o regime burguês se mantém e se perpetua.
Dentre os diversos títulos que lhes servem de divisa adoto o de Socialista
Democrático, porque se presta sofrivelmente para determinar um partido
que se intitula de socialista e sustenta os princípios legalitários,
autoritários, governamentais ou estatais, e admite a hierarquia, o domínio
do homem sobre o homem.
Democracia quer dizer governo do povo. Acrescentando-lhe o adjetivo de
socialista fica sintetizado nos termos seguintes: governo dos socialistas
que, de qualquer forma, pretendem conquistar ou conservar o poder
público.
*
* *
110
O Estado regularizará o desenvolvimento da riqueza, organizará o
trabalho, ministrará a educação, a assistência, legislará sobre os cultos e
distribuirá a justiça. O Estado, uma vez de posse de todas as forças vivas
de um país, será o grande mandarim, o Deus onipotente, sem a vontade
do qual não se moverá uma folha. Tendo em suas mãos a terra, o Capital,
as rédeas do poder público e, em consequência, todos os meios de
instrução e de educação do povo, assim como a imprensa e todos os
outros recursos de publicidade, com os quais se forma a opinião pública, o
Estado, ou mais claramente, os governantes serão senhores absolutos dos
países que estiverem sob o seu domínio. Os partidos de oposição não
poderão existir porque carecerão dos recursos necessários à sua vida e
desenvolvimento. O controle e a crítica tornar- se-ão impossíveis, porque
não haverá quem conte com os elementos indispensáveis para organizar
uma força capaz de si fazer respeitar pelos governantes.
Este regime é próprio, excelente, para dar lugar a uma exploração e a um
despotismo nunca vistos, tanto pela sua extensão como pela sua
intensidade.
Um movimento em tal sentido produziria apenas a mudança de amos, com
tendência para uma nova forma de escravidão até hoje desconhecida pelo
seu requinte.
Neste novo regime ficariam subsistindo duas classes perfeitamente
distintas: a dos funcionários públicos, senhores, ao mesmo tempo, do
poder e da riqueza, e a dos trabalhadores, salariados, ao serviço do
Estado.
A classe dominante passaria a ser, pelo próprio determinismo deste
sistema social, uma vasta oligarquia principesca, cujo esplendor nobiliário
e plutocrático estaria em razão direta das possibilidades econômicas e
políticas.
Mas, dirão que um regime deste quilate não tem nada de socialista. Com
efeito, uma sociedade desta ordem seria o pólo oposto dos princípios
socialistas; porém, é para estes novos horizontes que os socialistas
autoritários, evoluíram, jactando-se de evolucionistas e criticando os ideais
revolucionários propagados pelos anarquistas.
Como é possível que alguém, apesar das incontestáveis demonstrações
que apresento, julgue exageradas as cores com as quais descrevo o
regime do socialismo democrático, reforço os meus argumentos com a
autorizada palavra de um proomem do Partido Socialista e deputado ao
Parlamento Italiano.
Este homem – Labriola – reconhece, como nós, que a democracia e o
socialismo são coisas que se repelem. Uma é a negação da outra.
Diz o ilustre parlamentar socialista: “A verdade é que o socialismo não é
um derivado da democracia. Quando muito se pode dizer que
111
uma e outra provêm da mesma situação histórica e foram simultaneamente
originados. A democracia tinha por fim a ação em comum e solidarizada
de todos os cidadãos dentro do Estado; o socialismo tinha por fim a ação
distinta e separada dum grupo de produtores numa oficina ou no terreno
dos antagonismos econômicos, para daí irradiar para fora e investir contra
o Estado.” E, mais adiante acrescenta: “O partido socialista, pela forma
como toma parte nas instituições atuais, torna-se para elas um elemento
de conservação. Não pode fazer parte de ministérios ou de maiorias
parlamentares sem defender o Estado. De resto, a experiência mostra-nos
que não há maiores reacionários do que os socialistas, desde que chegam
ao poder.”
Poderia encher volumes com notáveis citações dos próprios socialistas
democráticos, que põem em destaque as mentiras, os sofismas e os
disparates que as doutrinas, as tendências e os homens do partido
socialista democrático representam em face dos magnos problemas
relativos à questão social, à emancipação das classes trabalhadoras. Mas,
creio que para amostra basta um botão.
*
* *
112
voto, da luta eleitoral, para levar às câmaras legislativas e aos ministérios,
os homens de mais valia, de mais astúcia, ou os que, à custa do sacrifício
da sua dignidade conquistassem a benevolência ou a proteção das figuras
mais brilhantes do Partido Socialista Democrático.
O escopo a atingir era a harmonia entre o Capital e o Trabalho, sonho
dourado de todos os burgueses.
Ainda foram mais longe os senhores socialistas da democracia. Forjaram
doutrinas políticas, econômicas e morais, para cada classe social. Para os
proletários, elaboraram princípios de socialização das terras, da riqueza
social e, para os pequenos proprietários: agricultores, industriais e
comerciantes, codificaram um programa de defesa da pequena
propriedade. O socialismo democrático chegou a ser uma espécie de
panacéia universal, e... tutti contenti.
*
* *
*
* *
113
Se as cooperativas não trazem benefício algum, ocasionam, ao contrário,
inconvenientes perigosos. Distraem a atenção dos trabalhadores da luta
pelas suas reivindicações, infiltrando-lhes todos os prejuízos da
exploração capitalista, formando-lhes uma mentalidade formada pelos
cálculos, pelos dividendos, pela inveja e a desconfiança. Criam uma
corporação de empregados, de funcionários, ou novos parasitas sociais,
tirados dentre os elementos mais ativos e capazes na luta operária e social,
os quais entram em relação com os traficantes, com os industriais e
comerciantes, habituando-se a todas as falcatruas e estafas inerentes ao
movimento comercial e financeiro, ficando completamente perdidos para a
causa.
As cooperativas dão ensejo para que os que estão com a mão na massa
se apoderem do dinheiro dos operários e semeiem o pomo do desalento e
da discórdia, desbaratando a organização de resistência e os seus
movimentos de reivindicação.
Finalmente, o cooperativismo determina uma luta pacífica, legalitária,
desde que os interesses dos aderentes à cooperativa estão ligados à ação
dos poderes públicos, de cujo concurso necessitam para progredir. Se
puderem alcançar uma lei que os favoreça na isenção de impostos, de
tarifas, de pagamentos de transporte das suas mercadorias, etc., dar-se-
ão por felizes. Desta forma, pela obra mágica desta teoria conservadora,
as cooperativas servem também de clubes eleitorais e, os seus fundos são
empregados na propaganda do voto, na fabricação de novos mandões,
como se já não existissem bastante.
As bolsas de trabalho, ou, melhor, esses mercados de trabalho, são
simples agências de colocações, garitos aonde os politiqueiros vão à caça
de eleitores.
Os conselhos de arbitragem, segundo a experiência nos demonstra, têm
servido unicamente para fazer fracassar as greves, para que os operários
componentes desses conselhos se entreguem aos capitalistas, quer pelo
dinheiro, quer pelas ameaças. Os conselhos de arbitragem nada valem,
visto que, em última instância, a luta entre o Capital e o Trabalho
resolvesse no terreno da força.
Continuará
114
13 – Mentiras do socialismo67
67
CARVALHO, Florentino de. Guerra Sociale. Ano 02 – Nº. 25 – São Paulo – SP.
19.08.1916.
115
promover o antagonismo de interesses entre os povos, provocar a guerra.
Na classe do clero político e estatal, a subclasse que com mais veemência
defende a igreja estatal é a que se denomina democrática e socialista.
E é lógico que assim seja, visto ser a que possui menos recursos para
triunfar na luta pela existência. É o único talismã da sua fortuna, e, por isso,
deve agarrar-se a ele com unhas e dentes.
Já é sabido como esta confraria se habilitou para transformar a conquista
do poder, como meio, em uma finalidade, à qual sacrifica o socialismo e
todos os processos de emancipação social.
O Estado representa o município, a província e, finalmente, a nação.
O vereador tem que defender os interesses do município contra os
interesses gerais; o deputado provincial deve defender e representar o
poder provincial e o deputado federal deve defender e representar a
Nação.
Agora bem: que capciosas razões podem alinhavar os socialistas
democratas para se adjudicarem o qualificativo de socialistas
internacionalistas, sendo que, a política democrática tende à consolidação
do Estado, ao fortalecimento da nacionalidade, sem cuja existência este
cairia pela base?
O socialismo internacional, e, mais claramente, o socialismo universal, que
pretende a socialização das terras, de toda a superfície da terra, passando
esta a ser patrimônio de toda a humanidade, e a conseqüente organização
de uma federação mundial de produtores livres, não pode comungar com
as rodas de moinho, com os sofismas tecidos pelos vigários da política
rubra e parlamentar, que ilude a boa fé dos incautos.
A definição sintética do socialismo resume-se na socialização das terras,
dos instrumentos de produção e de consumo (comunismo), na socialização
de poderes (ausência de governo), da justiça, na socialização das nações,
das pátrias, constituindo a pátria universal.
Tudo o que estiver em pugna com estes princípios, como de fato estão as
bases do Partido Socialista Democrático, será qualquer coisa, menos
socialismo.
Longe estou de acusar de inconseqüentes ou traidores aos socialistas que
pululam nos parlamentos e nos ministérios, apesar de ser interessante ver
um socialista (?) votar os orçamentos de guerra, ou, quando menos, fazer
parte de uma instituição que vota milhões e milhões para o exército e a
polícia, para magistratura jurídica, para o fisco, para construir cárceres, etc.
116
O quid da questão não está em votar, num momento dado, isto ou aquilo.
A traição, consciente ou inconsciente, com boa ou má fé, existe desde o
momento em que o indivíduo forma parte de um partido político estatal,
que explora o nome do socialismo, e que, dizendo-se defensor das classes
exploradas e oprimidas, coloca-se ao lado da burguesia, fazendo parte
integrante das suas instituições.
E senão vejamos:
Do Estado fazem parte os militares, os padres, os juízes (aves negras), os
vereadores, deputados, senadores, ministros, policiais fardados, policiais
secretas (cães de guarda), confidentes, espiões, etc.
Ora, digam, que figura pode fazer um socialista entre semelhantes classes
de vivedores, de parasitas sociais e ladrões, entre essa jauria que constitui
o elemento mais perturbador e mais indecente, da escória social, assim
como a força de opressão e repressão da classe capitalista?
Digam também se pode ser socialista o indivíduo que ande de braço dado
com esta gente; que conviva com ela, que se associe com esses
delinquentes de profissão para governar o povo ou reformar a sociedade
em benefício da plebe.
Diz-me com quem andas: dir-te-ei quem és.
Que podemos nós esperar desta cria, levada para o campo contrário pelo
prejuízo autoritário, feito idéia e carne em todos os pastores e caudilhos do
Partido Socialista Democrático, aliciados pelas necessidades
econômicas?
Seria insensatez ou loucura esperar algo de bom. Só podemos esperar
que façam o que fazem os outros políticos, ou ainda pior, porque
conhecendo a nossa fraqueza, mais dano podem nos causar. Com um pé
no regime burguês e outro entre o povo, servem perfeitamente para fazer
conhecer aos governantes todos os movimentos e progressos, e, também
os melhores elementos do proletariado militante, e também para sugerir as
melhores medidas tendentes a jugular a atividade reivindicadora dos
oprimidos.
O perigo maior que nos oferece o socialismo democrático encontra- se nos
seus princípios, nas suas doutrinas, nas suas tendências anti-
revolucionárias e antilibertárias, encontra-se nesse labor diário, de
propaganda e organização, de manejos com os inimigos do proletariado,
na ação dissolvente e enervante realizada entre as classes trabalhadoras,
fazendo convergir as suas energias para uma luta inglória, estéril e
prejudicial, que favorece a classe capitalista.
Este movimento de reação, contrário às aspirações de emancipação
humana dirigido pelo Partido Socialista Democrático é determinado:
1º Pela mentira patriótica e nacionalista;
117
2º Pela mentira do possibilismo estatal que se diz favorável aos
trabalhadores;
3º Pela mentira da panacéia legalitária;
4º Pela mentira das virtudes do reformismo;
5º Pela mentira relativa à burla eleitoral e parlamentar; 6º
Pela mentira dos valores do cooperativismo;
7º Pela mentira histórica, ou falsidade na exposição dos fatos históricos;
8º Pela mentira inerente à inversão das concepções filosóficas do
socialismo;
9º Pelos princípios autoritários e hierárquicos do democratismo;
10º Pelos meios de luta que o Partido Socialista Democrático, desenvolve
dentro da ordem e da lei do regime burguês;
11º Pelas suas finalidades imperialísticas e tirânicas;
12º Pelas ambições que estas tendências despertam entre os seus
componentes, impelindo-os a uma luta desesperada para galgar os cargos
públicos bem remunerados e sair, à brevidade possível, da situação de
párias aguilhoados pelas necessidades econômicas.
O socialismo democrático, bem como todo o doutrinarismo burguês,
pretende remediar os males sociais nos seus feitos, e, ao mesmo tempo,
vai fortalecendo e dando incremento às causas, deixando que estas
esmaguem despiedadamente os deserdados do banquete da vida, dos
direitos à liberdade.
Para chegar à realização das altas aspirações de redenção social,
inspiradas no socialismo é indispensável à desorganização do Estado, a
abolição de todas as leis fabricadas pelos homens, a expropriação dos
detentores de todos os elementos de produção e de consumo, finalmente,
é preciso fazer passar à História todas as instituições burguesas.
O desaparecimento destas instituições exige que elas se vão
desmoralizando ante a opinião pública, a fim de que o povo se emancipe
do respeito e do temor que lhe inspiram.
Portanto, os erros, as violências, os desastres que estas instituições
possam cometer ou provocar, só podem contribuir para a regeneração
moral dos homens, que os capacitarão para implantar, mais depressa um
regime socialista e libertário.
Continuará.
118
14 – Repto de dignidade68
68
CARVALHO, Florentino de. Guerra Sociale. Ano 02 – N.º 27 – São Paulo – SP. 1916.
119
Decidam-se definitivamente. Se assim não fizerem, a sua negativa tenderá
reduzi-los à triste condição de irresponsáveis, desclassificados,
caluniadores gratuitos, autorizando-me, autorizando os anarquistas, a
todos os homens honrados, a cuspir-lhes na cara.
15 – Mentiras do socialismo69
120
submetidos pela força bruta. No Estado impera o arbítrio, o direito do
indivíduo mais favorecido pelos privilégios.
Na Sociedade o indivíduo é um homem que exerce livremente as suas
faculdades, e desenvolve diretamente, com os outros homens, as suas
atividades na produção e na distribuição das riquezas, e em todas as
iniciativas da vida cultural e artística.
No Estado o indivíduo é um cidadão, um súdito, um autômato, cuja vida se
acha ao capricho de terceiros, os quais não permitem que cada qual se
mova sem o consentimento. Os governantes, absorvendo as funções da
coletividade ou de cada indivíduo nas questões concernentes à direção da
vida social e particular, obrigam os governados a obedecerem à lei, à
autoridade, suprimindo, de fato, os mais comezinhos direitos e liberdades.
Na produção e distribuição de riquezas o Estado ou funcionalismo público
aplica a lei do funil açambarcando o produto do trabalho e deixando sem
camisa os trabalhadores, que recebem um salário equivalente – se for – às
mais peremptórias e grosseiras necessidades.
Quanto à vida cultural e artística previamente o Estado toma as medidas
necessárias para que o indivíduo não se desvie dos sentimentos e das
idéias que devem formar um bom cidadão, capaz de sacrificar-se pela
pátria e pelo regime político imperante.
Nas relações jurídicas o Estado é o único juiz. O indivíduo não está
autorizado a fazer ou deixar de fazer qualquer coisa, a não ser em virtude
da lei.
Deste conjunto de fatos resulta um mal-estar, uma irritação constante entre
todos e cada um dos componentes do agregado de indivíduos
arregimentados, cuja explosão de revolta somente a força armada pode
conter.
O Estado prejudica, pois a economia e a ética do povo, e, unicamente a
sua ausência pode restabelecer o equilíbrio e a harmonia das relações
entre os seres humanos. O Estado é um sistema de princípios e de
instituições que suprimem o progresso, a liberdade e a moral, em toda
forma, em todo tempo e lugar onde possa exercer as suas funções.
O socialismo democrático, cujo postulado tanto defende o estatismo
governamental, é, pois, um catecismo de mentiras e de sofismas, que
estão em pugna com os mais rudimentares princípios de organização
social.
121
16 – Enterrando velhacos...70
70
CARVALHO, Florentino de. Guerra Sociale. Ano 02 – N.º 28 – São Paulo – SP.
20.09.1916.
122
Repto-os também a indicar publicamente os nomes dos anarquistas que
hajam manifestado a sua desconfiança relativamente à minha atuação na
propaganda; quando e em que formas se exprimiram.
Autorizo esses caluniadores a tornar públicas quaisquer provas contra a
virtualidade da minha conduta como homem e como anarquista, ainda que,
para isso tenham necessidade de trazer à luz circunstâncias que me
possam comprometer com as autoridades, se julgam que tais
circunstâncias existem.
Precisamente por não ser esta questão assunto de polêmica, pois os
documentos são os que devem falar, é que deviam sem perca de tempo
demonstrar as suas afirmações.
Este assunto não pode ser resolvido por comissões nem por tribunais por
que já foi tratado na imprensa e passou para o domínio público, e é ante o
público que deve ser resolvido.
Esse pedido de nomeação de comissões, feito por Monicelli, é um
subterfúgio de fracassado, de jesuíta, que se compraz em trabalhar na
sombra.
_ Pobre diabo, pode aparecer entre a gente, desabotoar-te à vontade, e
lançar a tua baba imunda. As tuas bufoneadas não perturbam nem de leve
a tranqüilidade da minha consciência.
Para obrigar os anarquistas a tratar o assunto em privado, posto que
reconhece a sua infâmia e tem medo de que seja conhecida do público,
esperando tirar partido das reuniões de comissões, tergiversando as
questões pendentes, Monicelli ameaça prosseguir na sua obra de nefanda
difamação, se não acederem às suas absurdas e calculadas pretensões.
Mas isto é um novo truque, uma nova infâmia.
Don Teodoro pretende vencer os seus adversários políticos fazendo
vítimas, vítimas da difamação e da calúnia.
Esse tartufo, que aventou as suas calúnias publicamente, não se
envergonha agora de propor e exigir a organização de comissões para que
venham mexer num monte de misérias lançadas pela sua boca de réptil
venenoso, cuja obra maléfica destrói as afinidades existentes entre os
subversivos, espalhando desconfianças e ódios, que só podem favorecer
os elementos reacionários?
Este cúmulo de canalhices e de infâmias é próprio unicamente de tipos
degenerados.
O indivíduo cuja conduta seja formada de um conjunto de todas estas
misérias e velhacarias não pode ser tolerado em nenhum partido, em
nenhuma seita... nem ao menos é digno de ser porteiro de prostíbulo.
123
17 – Ante a vendeta pública
Denuncio o caluniador, difamador e delator policial Teodoro
Monicelli71
71
CARVALHO, Florentino de. Guerra Sociale – Ano 02 – N.º 29 – São Paulo – SP.
30.09.1916
124
Para alcançar o primeiro escopo, Monicelli declarou pelas colunas do
Avanti!, por ocasião do comício do Cambuci, que eu agia de acordo com a
polícia e que os outros anarquistas que ali se achavam eram meus
capangas.
Nessa tremenda acusação Monicelli foi secundado por João Scala.
Chamados à responsabilidade pelo nosso órgão Guerra Sociale,
exigindo-lhes uma comprovação ou uma retratação da acusação
publicada, meteram a viola no saco e, mais tarde, continuaram a conspirar
e caluniar entre os bastidores.
O diretor do Avanti! alegou não ter sido ele quem me acusou de espião de
polícia, mas foi surpreendido em flagrante embuste, porque se comprovou
que andou espalhando pelas diversas localidades do interior, que
Florentino de Carvalho é um mezzo poliziotto [meio policial].
Chamado novamente à responsabilidade, em vez de precisar e comprovar
as suas acusações, tece uma nova série de calúnias e monstruosas
insinuações.
Aludindo à minha atividade na propaganda, que qualifica de violenta, diz:
Caso strano egli si limita a parlare. Quando invece c’é da pone in pratica le sue
proposte, Florentino de Carvalho gira al largo, non ci si trova mai.
Questo suo contegno generó sospetto prima che in noi negli stessi suoi
compagni, i quali ora per convenienza o per omertá possono negarlo.
[Caso estranho ele se limita a falar. Mas quando se trata de colocar suas
propostas em prática, Florentino de Carvalho passa ao longe, nunca é
encontrado.
Este seu comportamento gerou suspeição primeiro em nós e nos seus
companheiros mesmo que, às vezes por conveniência ou por omissão,
possam negá-lo.]
.........
Ció potrebbe dipendere da uno squilibro fra il suo desiderio ed el coraggio
personale. Cosi il sospetto non puó essere basato, e non lo é, sulle ingiure che
quell’uomo muove sistematicamente contro il socialisti, perche ció potrebble
essere anche prodotto dalla ignoranza e da settarismo e non da disonestá.
Ma i motivi che gerano il sospetto e lo ingigantiscono sono altri e quei motivi to
ebbi giá a dirli a degli anarchici di San Paolo e specialmente a Gigi Damiani.
125
[Isto pode ser devido a um descompasso entre o desejo e a coragem
pessoal dele. Então, o suspeito não pode basear-se, e não é sobre a injúria
que o homem move sistematicamente contra os socialistas, porque
poderia também ser produzido pela ignorância e pelo fanatismo e não
desonestidade.
Mas as razões que geraram as suspeitas e a ampliaram são outras e já
tinham a dizer um segredo para os anarquistas em São Paulo,
especialmente a Gigi Damiani.]
126
e acreditamos que Florentino de Carvalho é um elemento ambíguo no
movimento subversivo de São Paulo, porque as suas origens e o seu
comportamento em relação a algumas de suas circunstâncias pessoais, dá
razão de suspeita grave sobre a sinceridade do trabalho que continua e ao
fim que ele propõe.]
127
Ad ogni modo, amici o avversari, chi ci si mette a lato o di fronte a noi non deve
tenere la visiera calata.
Abbiamo il diritto che tutti sappiano chi sono i nostri avversari, come domani
vogliamo sapere com chi potremmo intenderci in um patto di alleanza contro il
nemico comune.
Guerra Sociale vuole ora si rendono publici quei motivi, ma Guerra Sociale lancia
uma sfida sapendo che noi non possiamo accoglierla.
128
[Guerra Sociale pretende agora tornar públicas as razões, mas Guerra
Sociale lança um desafio sabendo que nós não podemos acolhê-lo.]
Porque motivo não podem acolher este desafio, sendo tão fácil publicar
tudo quanto quiserem, tendo um jornal à sua disposição e as colunas da
Guerra Sociale, se as precisarem para este fim?
Ao terceiro desafio, o mencionado herói da calúnia tratou de dar as de vita
Diogo dizendo:
É comodo invitarmi a far pubblico quanto ho giá dichiarato che non puó éssere
argomento di polemica e Florentino de Carvalho giuoca a mosca cleca
reclamando da noi quanto meglio di noi egli sa.
[É fácil me convidar para tornar público o que já disse que não pode ser
objeto de controvérsia e Florentino Carvalho joga um blefe cego exigindo
de nós o que ele sabe melhor que nós.]
129
mas baseia-se também no fato de existirem aqui muitos camaradas que
convivem comigo há muito tempo, alguns dos quais me conhecem, dia a
dia, desde a minha infância.
Monicelli e Scala são dois tipos amorais, indecentes, que se esforçam por
desmoralizar, pela calúnia e pela difamação aviltante, os anarquistas, e
matar os órgãos de publicidade e outros elementos de propaganda
libertária.
Mas isto ainda não é tudo. Existem casos mais graves, mais odiosos.
Teodoro tentou ferir-me com uma espada de dois gumes. Um já é
conhecido dos leitores e, convém que conheçam o outro.
Na esperança de que a polícia encontrasse em mim algum motivo para
perseguir-me, o caluniador insistiu em que os anarquistas levantassem
publicamente o véu da minha vida de propagandista, e, não satisfeito com
isso, publicou nas colunas do Avanti! as seguintes insinuações que o
certificam como delator.
In ogni riunione Florentino de Carvalho avanza la proposta di azione rivoltosa
immediata e tratta di borghese chi non accetta a tamburo battente le sue
proposte.
.........
Ognuno capisce che sarebbe stolido muovere sospetto, e sospetto di tal genere,
contro um uomo, solo perché costui propone sempre la rivolta.
130
Que cada qual julgue estes casos segundo o seu critério e proceda
conforme a sua consciência.
18 – O CHAMUSCO MILITARISTA72
72
CARVALHO, Florentino de. Guerra Sociale. Ano 02 – N˚ 30 – São Paulo – SP –
14.10.1916
131
chamando todos os cidadãos ao cumprimento do dever, de um dever que
não se justifica, e, a defesa da pátria, de uma pátria que existe unicamente
para os que gozam do privilégio de acessão ao tesouro público, para os
que possuem títulos de grandes propriedades da riqueza social, e
exploram o trabalho das classes proletárias, como a mais rendosa
indústria.
Estes argentários e astros da diplomacia nacional querem um Brasil forte,
poderoso e temível, que possa, um dia, cobrir-se com as glórias do luto e
da desgraça, regar com sangue e com lágrimas as vastas pampas, os
extensos bosques dos paises vizinhos.
Conhecedores da psicologia popular, sabendo que o povo, na sua
estupidez procede geralmente como os símios, por imitação, os velhos e
decrépitos burgueses ordenam a seus filhos que se apresentem ao
exercício militar, que enverguem a farda, para fazerem quatro marchas de
honra pelas ruas da cidade, mostrando o seu garbo e dando ao povo
exemplo de adesão e concurso à obra do militarismo, terminando aí o seu
sacrifício pela pátria.
É por esse motivo que nas listas dos nomes dos voluntários para o
exercício militar, publicadas na imprensa diária, constam unicamente
nomes de estudantes, de jovens, filhos de famílias distintas de alta posição
social.
Para estes jovens o exercício militar é um brinquedo, mas esse exercício
e o serviço militar obrigatório serão para os jovens operários um inferno,
desde o momento em que tiverem de abandonar as suas famílias, que
ficarão no desamparo, e durante o tempo que forem obrigados a sofrer na
caserna os insultos dos superiores hierárquicos, os castigos, os efeitos da
péssima alimentação, etc.
Tudo o que para os estudantes ou jovens burgueses são flores, para os
proletários são cardos.
Os milionários e estadistas cá, da terra, que tanto gritam pela “salvação da
pátria”, têm realmente algum sentimento de patriotismo?
Os grandes marechais, os generais e outros oficiais de alta patente, sendo
proprietários em larga escala e auferindo rendas fabulosas, não
dispensam, em benefício da pátria, os três ou quatro contos de réis que
cada qual recebe mensalmente do tesouro da Nação.
Os deputados, abastados capitalistas, acham pouco os (100$000) cem mil
réis por dia, que “a pátria lhes oferece”.
O presidente da república, os ministros, os senadores, ganham contos de
réis quotidianamente, verdadeiras fortunas que representam o seu quinhão
nos orçamentos do Estado.
Os milhares de contos que o povo entrega mensalmente ao tesouro público
são enviados para os ministérios e, uma vez ali, os altos magistrados
empregam-nos no enriquecimento de uma multidão de
132
parentes, afilhados, ou correligionários políticos, que se ocupam
unicamente de intrigas políticas, de aliciar eleitores e capangas para os
pleitos eleitorais. Esse dinheiro serve também para subornar a imprensa,
para custear no exterior luxuosas embaixadas, e, finalmente, é dedicado à
construção de palácios que são habilitados para o recreio e ostentação
dos altos funcionários, à edificação de quartéis e cárceres, à manutenção
de milícias militares ou policiais, que são os cães de guarda do capitalismo
ladravaz.
Sabemos, também que o Estado administra estradas de ferro que
funcionam pessimamente, que sustenta escolas onde se catequiza, se
enlouquece e se envenena a infância e a juventude com a imposição de
idéias absurdas, de sentimentos perversos; estamos cientes de que o
poder público subvenciona numerosas instituições de parasitas religiosos,
que se aninham nos conventos, colégios e orfanatos, onde se escravizam
e exploram, e corrompem, com os vícios mais repugnantes, os filhos do
proletariado.
Pois bem. Enquanto os milhares de contos, que o povo paga, enriquecem
marechais, presidentes, ministros, deputados, políticos de toda espécie,
bem como os discípulos de Loyola e Torquemada; enquanto o tesouro vai
sendo raspado até os últimos recantos e se esbanjam fabulosas riquezas
em pomposas festas, intermináveis bacanais e rega-bofes; enquanto os
governantes se sucedem roubando, com o maior descaro a fortuna pública,
o proletariado do Ceará, de Sergipe, de todo o país, é vítima do excesso
de trabalho e do irrisório salário de mil ou dois mil réis por dia, da extorsão
desses mesmos salários, da desocupação, e da fome negra que o dizimam
implacavelmente.
Seria conveniente possuirmos uma estatística dos milhões de contos que
os “pais da pátria surrupiaram” do tesouro público, durante a época
colonial, o governo do império e do regime republicano.
E, para isso, para assaltar a bolsa do produtor e viver, com o fruto desse
roubo, no esplendor e na orgia, multiplicam-se os impostos, as tarifas, as
gabelas, aumentando a indigência e levando a desesperação, a angústia
e o luto, aos lares dos trabalhadores.
Mas não para aí as atividades dos nossos magistrados, dos nossos
argentários. Em Pernambuco monopolizam o açúcar, no Amazonas a
borracha, em S. Paulo o café e, assim por diante, em todos os estados
açambarcam céus e terras, extorsionam sem piedade as populações
laboriosas, servindo-se da lei, dos códigos e da força armada “ao serviço
da pátria e da república”.
“Altro” que a invasão dos alemães na Bélgica!
Tratando-se de sacrifícios, os demagogos do patriotismo dizem que todos
os habitantes desta terra são brasileiros. Tratando-se de
133
interesses e privilégios, gritam, apontando no peito do povo as suas armas
homicidas: - para trás, plebe maldita! Corja de bandidos!
É preciso repetir que, nos conflitos entre capitalistas e trabalhadores, os
estadistas os governantes desta “liberal e democrática” república colocam
a pátria e as suas instituições, jurídicas policiais e militares ao serviço dos
burgueses, das empresas de exploração, em grande parte estrangeiras,
para reprimir os direitos reclamados pelos trabalhadores, em sua imensa
maioria, nacionais.
Este é o verdadeiro patriotismo das classes dirigentes, as quais reclamam
dos pobres, dos escravos modernos o seu concurso para a defesa da
pátria.
_ Abandonem, “senhores” a sua riqueza, os seus interesses, deixem de
tantas concupiscências, roubalheiras e explorações, coloquem-se ao nível
dos brasileiros que trabalham e produzem e, só então poderão ter direito
de falar em patriotismo.
Enquanto assim não fizerem serão considerados como os piores inimigos
do povo brasileiro.
(continua)
19 – O CHAMUSCO MILITARISTA73
(Continuação v. n. p.74)
73
CARVALHO, Florentino de. Guerra Sociale. Ano 02 – N˚ 32 – São Paulo – SP – 04.11.1916.
74
Nota do org.: v. n. p. é a sigla de vem de número precedente. Este artigo foi organizado
em quatro partes publicadas em três números de Guerra Sociale. No primeiro número se
encontra toda a primeira parte. A segunda, terceira e início da quarta parte foram publicadas
em Guerra Sociale número 31 de 28.10.1916. Para esta coletânea pensei ser mais adequado
incluir apenas as partes publicadas nos números 30 e 32 de Guerra Sociale. Isto porque no
número 31 há uma crítica corrosiva à escola oficial como também ao positivismo comteano.
Aqui o positivismo é apreciado criticamente enquanto um dos fundamentos das instituições
governantes da república brasileira, sobretudo o Estado e sua ação junto à escola. Uma
coletânea em dois volumes com artigos reunidos a partir do tema EDUCAÇÃO ANARQUISTA
está em processo de finalização e a ser publicada pela EDITORA IMPRENSA MARGINAL. Por
isto julguei ser mais adequado deslocar o artigo publicado no número 31 de Guerra Sociale
para esta outra coletânea a ser publicada com brevidade.
134
contrários ao militarismo e, aqui, querem militarizar até as pedras! Tem
graça esta dualidade paradoxal.
Mas os nossos egrégios defensores da militarização, declaram, com voz
meiga e compungente, que são pacifistas, que não aspiram a guerrear os
visinhos, apenas dizem:
...........
135
seu território as correntes de imigração e civilização européia e norte-
americana. O Brasil, ao contrário, estaciona e permanece no atraso de país
pré-histórico e é considerado em estado de barbárie.
Daí a inveja, o ciúme, a sede de vingança e de guerra que os mentores da
burguesia brasileira nutrem contra a Argentina.
As embaixadas, os discursos de cortesia, os protestos de amizade e de
concórdia conseguem apenas cobrir o fundo com as aparências.
Tratando dos discursos de Bilac, o sr. Alcides Maia escrevia, há pouco, no
jornal O País do Rio:
Argentina e Brasil são duas nações cujos dirigentes sempre foram rivais,
em virtude da riqueza, do progresso, da cultura de um e a extensão de
território e a população do outro.
Ali se emprega, como aqui, nas escolas, na imprensa e na tribuna o mesmo
processo de propaganda de ódio, atribuindo aos brasileiros propósitos de
extermínio e de conquista.
Como a nação brasileira é inofensiva na guerra econômica, pensa- se
resolver a questão no terreno das armas.
E se, ainda, as hostilidades bélicas não assolaram o solo dos dois Estados,
deve-se o fato de não se sentirem os estadistas com forças para tais
cometimentos. Mas é com estes propósitos criminosos que se aplicam: o
sorteio, o ensino e o exercício militar.
136
Estamos, portanto, em véspera de uma guerra provocada pela ganância
dos capitalistas e dos governantes.
Homens de consciência, deixareis que o crime se cumpra, que a mocidade
e a infância sejam militarizadas, que a guerra, com todos os seus horrores,
tenha lugar sem o vosso protesto, sem a vossa enérgica reação?
Mães, irmãs, esposas ou noivas, consentireis que os vossos entes
queridos sejam arrancados do lar, dos vossos braços, para os conduzirem
como carneiros às casernas, onde serão corrompidos e estragados pelos
vícios, pelas doenças e, finalmente, varridos pela metralha, para satisfazer
as ambições monstruosas e desumanas dos verdugos da humanidade?
Ao povo argentino e ao povo brasileiro cabe o dever iniludível de
desmantelar os planos macabros dos algozes que têm em suas mãos o
garrote do poder.
Estamos certos de que os nossos irmãos da Argentina saberão ocupar o
seu posto de honra e de combate contra o inimigo comum. Nós, porém,
não devemos esperar que outros sejam os primeiros a romper o fogo em
favor desta justa causa.
Devemos imediatamente começar a demolir os castelos arquitetados pela
burguesia, até que não fique pedra sobre pedra dos projetos de
imperialismo e de tirania da canalha dourada.
Homens: empregai todos os vossos brios, todos os vossos entusiasmos
para a vitória definitiva da reivindicação do povo.
Mulheres: dedicai todo o vosso amor em prol do triunfo sublime da paz e
da fraternidade universal.
Apaguem o chamusco militarista que está cheirando a cadáver em
decomposição.
Agitemos o glorioso pendão do protesto, da revolta, da insurreição armada,
se tanto for preciso, para produzir a derrocada do monstro militarista e da
burguesia, promotora de guerras e de misérias, de tiranias e explorações.
Em vez de sermos sacrificados pela guerra e suas desastrosas
conseqüências, é preferível o sacrifício em prol do direito à vida e a
liberdade.
Abaixo a guerra! Abaixo o
militarismo!
Viva a fraternidade dos povos!
137
20 – Nós e o deputado Dr. Maurício de Lacerda75
Há tempo que não víamos com bons olhos a atividade do Dr. Maurício de
Lacerda nos meios libertários e operários, e os pedidos que assiduamente
os elementos avançados lhe faziam para que pronunciasse o seu verbo
em comícios e conferências operárias. No dia 19 do corrente, por ocasião
do festival operário realizado no Salão Celso Garcia, vimos quanto é
prejudicial à presença desses ídolos no seio da classe trabalhadora, e não
nos pudemos conter. Ante a idolatria manifestada por muitos concorrentes,
idolatria que chegou ao paroxismo, externarmos o nosso protesto...
Arrostando com a agressividade de alguns camaradas expusemos,
perante o Dr. Maurício de Lacerda, o que pensávamos, o que sentíamos,
no sentido de afirmar a nossa qualidade de homens que têm princípios e
convicções.
Eu e o camarada Edgard – ocupamos a tribuna, na conferência realizada
pelo Dr. Maurício de Lacerda na sede dos tecelões, dando o brado de
alerta aos trabalhadores, aos socialistas e aos anarquistas, demonstrando
a inconsequência de todos, quanto às nossas idéias, aos nossos métodos
de luta, desde o momento que aceitássemos como colaboradores da
nossa obra de emancipação, os elementos que são o expoente dos
poderes políticos e econômicos que nos oprimem.
Declaramos mais uma vez, o que não rejeitamos do nosso seio o Dr.
Maurício de Lacerda, cujos serviços prestados às vítimas do capitalismo
somos os primeiros em reconhecer, mas rejeitamos o deputado Maurício
de Lacerda, porque ele faz parte integrante do Estado, do qual somos
inimigos por condição social, e por princípio. Aceitamos o homem,
rejeitamos o estadista.
Lamentamos que exista entre nós e o Dr. Maurício de Lacerda esse
escolho: a sociedade burguesa e autoritária. Mas nós não temos a culpa,
e cremos que ninguém tem o direito de exigir-nos, que realizássemos uma
aproximação tortuosa, a qual implicaria o sacrifício da nossa dignidade de
trabalhadores e de anarquistas.
Cremos que em bem poucos países o proletariado tem vivido tão isolado
como no Brasil, lutando apenas com os seus próprios elementos contra um
ambiente de indiferença ou de hostilidade.
75
CARVALHO, Florentino de. A Obra. Ano 01 – N.º 07 – São Paulo – SP. 23.06.1920
76 (Não assinado) LEUENROTH, Edgard. A Plebe. Ano 04 – N.º 70 – São Paulo – SP. 26.06.1920.
138
Até certo tempo, enquanto a questão social não havia assumido aqui uma
feição bem definida de vivas disputas entre os detentores do capital e os
que para viver lhe alugam os seus braços, apareciam nos meios obreiros
certas pessoas pertencentes a outras classes sociais que, por um vago
pendor sentimental, pela pena ou pela palavra, se declaravam paladinos
da nobre causa dos humildes, dos fracos, dos desprotegidos da sorte, etc.
A situação, porém, em geral modificou-se. Este país, sujeito às mesmas
leis econômico-sociais, que regem os destinos dos povos civilizados, não
pode conservar-se alheio, insulado, como um vasto e privilegiado oásis
perdido em universal deserto, aos embates das pugnas que tendem a
impulsionar a humanidade para novos estádios de progresso.
Aquilo que até ontem não passava, da parte dos trabalhadores, de
imprecisas manifestações de desejos de uma situação melhor dependente
de um pretendido humanitarismo dos possessores das riquezas, passou a
assumir hoje, neste momento decisivo da história humana, em que as
tábuas dos valores sociais reclamam radical e pronta substituição, uma
feição de luta inconfundível, caracterizada entre os dois elementos cujos
princípios nasceram em flagrante contraste dos escombros revolucionários
de 8977.
A luta de classes, fenômeno imanente da própria estrutura da sociedade
capitalista, vem-se acentuando de dia para dia, com todas as suas
consequências.
Os dois elementos se defrontam em batalha sem trégua, em lados opostos
da barricada.
E bem distante já parece a época das patéticas cenas em que nos
modestos locais obreiros, engalanados de bandeirolas e escudos com os
nomes dos mandões nacionais ou do lugar, se confundiam festivamente a
blusa do operário, os dólmãs agaloados de coronéis e os fraques do
político militante e parlamentar.
Hoje, o proletariado forma fileiras sozinho, tendo contra si a quase
unanimidade da imprensa que outrora estampava artigos e noticias
espalhafatosas sobre coisas proletárias.
Os amigos de outros tempos mantêm-se ao largo, enfileirando-se entre os
nossos inimigos ou em atitude de quem lamenta a sorte dos pupilos
transviados...
Compreende-se. Já não se trata mais de simpatias sentimentais, de
arroubos filantrópicos, mas de afirmações positivas, de tendências e de
convicções firmadas sobre um problema de direito social.
77
N. do Org.: Referência à Revolução Francesa – 1789.
139
No passado, ser amigo dos operários correspondia às manifestações de
benemerência a que faz jus quem protege os asilos de mendicidade ou
dos voluntários da pátria...
Agora, a coisa pia mais fino. Declarar-se partidário dos trabalhadores é ser
bolchevista, anarquista, revolucionário vermelho...
Daí o isolamento em que vive o trabalhador no movimento de sua classe.
Há ainda, é verdade, núcleos operários em que essa situação não se
assentou bem. Mas isso se considera como uma anomalia combatida,
como anomalia é considerada e também combatida a intromissão de
pescadores de águas turvas.
Dos amigos sinceros, dos partidários reconhecidos pelas suas afirmações
e seus atos, diminuto é o numero, porque o momento é de luta sem
ambages e a luta sempre acarreta inconvenientes, dissabores, prejuízos e
perigos.
Natural é, portanto, esse misto de simpatia e de dúvida com que são
agora recebidos entre a classe trabalhadora àqueles que, não tendo
nascido sob tetos plebeus, assumem atitudes propensas à nossa causa.
É o caso do Dr. Mauricio de Lacerda. Moço de temperamento combativo,
inteligente e culto, foi surpreendido em sua agitada vida
política pelo problema social que sacode o mundo.
Desde então, tem desenvolvido notável atividade, discutindo as questões
em destaque atinentes à vida operária na imprensa, na tribuna parlamentar
e em conferências, assumindo sempre uma atitude desassombrada no
ataque às violências praticadas contra os trabalhadores e suas
associações.
Valeu-lhe isto o acatamento amistoso que lhe tem dispensado o operário
da capital da República e de outras cidades, sendo ainda convidado para
realizar conferências em centros proletários.
A S. Paulo, por várias vezes já veio o Dr. Mauricio de Lacerda. E agora,
por ocasião do festival realizado pela União dos Operários Metalúrgicos,
atendeu prontamente ao convite que lhe foi dirigido para vir realizar a
conferência constante do programa.
Tanto bastou para que o salão se enchesse inteiramente, havendo grande
interesse em ouvi-lo.
Por ocasião de sua entrada, verificou-se, porém, uma cena que
desagradou a todos que se preocupam com a educação dos
trabalhadores.
A mesma pessoa que havia emprestado uma feição espalhafatosa,
reclamista, sobre a vinda do Sr. Maurício, estampando-lhe o retrato no
jornal da classe e em avulsos desnecessários distribuídos no salão, por
ocasião de entrar no Celso Garcia em companhia do conferencista, fê-lo
de maneira desastrosa, talvez empolgado por um entusiasmo excessivo,
140
impróprio do modo trabalhador, abrindo caminho aos empurrões como
quem conduzia um messias salvador. Depois, ofegante, sem quase poder
falar, elevou o notável homem público ao sétimo céu, dando vivas à sua
pessoa, etc.
A seguir, o camarada encarregado de fazer a sua apresentação,
sugestionado, pelo que se notou, por aquele ambiente de excessos
lamentáveis, também foi infeliz, pois incorreu igualmente em exageros, que
se repetiram à saída do conferencista.
Isso impressionou desagradavelmente à parte da assistência composta de
operários militantes que, sem desconhecer as exigências da cortesia e da
educação, a que não somos alheios, julgam perigosa e merecedora de
reação as tendências messiânicas no seio do operariado.
Acresce ainda notar que já por ocasião do movimento dos tecelões não
passou despercebido o fato de, pressurosamente, ter sido chamado a esta
capital o Dr. Maurício de Lacerda a fim de conseguir a reabertura das sedes
da U. O. F. T., denunciando-se assim uma incapacidade associativa, a
impotência dos trabalhadores, que resolviam entregar a um terceiro a
incumbência que lhes competia e para cuja execução não havia sido
empregado os necessários esforços. Havia o protetor predestinado e a ele
confiava-se a obra que a todos competia levar a cabo.
Constatava-se dessa forma o começo de uma educação viciosa, explorada
pelas próprias autoridades, que procuravam tirar proveito da situação,
alegando que os trabalhadores de S. Paulo precisavam agora de “um
papão” para decidir as suas questões.
Afirmar-se-á que o Dr. Maurício de Lacerda não tem culpa disso, visto que
tem vindo a S. Paulo a chamado.
De acordo, ninguém desmerece os seus esforços, muito pelo contrário,
mas não se pode também negar o direito, e até o dever, dos militantes
procurarem esclarecer a situação.
Foi o que fez o camarada Florentino de Carvalho, a convite de muitos
assistentes, embora, segundo o parecer mesmo de alguns companheiros,
não tenha correspondido na forma, às necessidades da réplica.
*
* *
No dia imediato o Dr. Maurício de Lacerda realizou mais três conferências,
respectivamente na sede da Federação Espanhola, na sucursal dos
tecelões do Belenzinho e na sede dos gráficos.
O camarada Florentino de Carvalho usou da palavra após essas três
conferências, sustentando o ponto de vista anarquista em face da
argumentação do Sr. Maurício de Lacerda. No Belenzinho também
141
falaram Edgard e Pimenta, tendo este último igualmente discursado na
sede dos gráficos.
No próximo número faremos algumas considerações que nos foram
sugeridas pelas conferências realizadas pelo Sr. Maurício de Lacerda.
78
(Não assinado). A Obra. Ano 01 – N.º 08 – São Paulo – SP. 01.07.1920.
131
Por esse motivo não podem os socialistas, os sindicalistas e os
anarquistas, aceitar no seu meio a interferência de um cidadão que milita
no campo burguês, que representa as instituições políticas hostis à
emancipação dos povos.
Admitindo o concurso do deputado Maurício de Lacerda na nossa ação
social, teríamos de admitir, com mais razão, o concurso do primeiro bispo,
que aparecesse no nosso meio, com os mesmos fins, ou do funcionário da
polícia que manifestasse a sua simpatia pela causa que defendemos.
No Rio já se deu, várias vezes, o caso de serem algumas sessões
operárias presididas pelo chefe de polícia, e os trabalhadores viam nisso
motivo de orgulho.
Dirão que não se pode comparar um padre ou um funcionário policial com
um deputado, e, de fato, não se pode...
O padre representa apenas uma seita, o funcionário policial representa
uma instituição política de segunda ordem, e o deputado representa um
dos poderes máximos do Estado é o agente que legisla, que dispõe; o
policial é o paciente encarregado de aplicar a lei, as disposições que
dimanam dos altos poderes governamentais. E todos, aqui, pudemos
constatar que o Sr. Maurício de Lacerda não foi idolatrado somente por ser
dedicado defensor do operariado, não foi somente por ser um intelectual,
um advogado. Outros cidadãos dedicadíssimos, lutadores pela
regeneração social, intelectuais e advogados, têm militado no nosso meio,
e nunca foram alvo de ruidosas manifestações e homenagens, como as
que se fizeram a esse titular. Logo, o Dr. Maurício de Lacerda conquistou
a popularidade, a simpatia de muitos, por ser deputado, isto é, pelo mesmo
motivo que nós lhe negamos as nossas relações.
Mais uma vez desejamos frisar que não mantemos nenhuma prevenção,
nenhuma animosidade contra o Dr. Maurício de Lacerda, mas é a sua
função de legislador, de governante, membro integrante do regime burguês
e republicano, que o coloca em absoluto antagonismo com a nossa índole
de vítimas deste regime, e de revoltados contra o princípio de autoridade,
que é o império da Força contra o Direito, da Arbitrariedade contra a
Liberdade.
79
(Não assinado). A Obra. Ano 01 – N.º 08 – São Paulo – SP. 01.07.1920.
132
Numa das últimas sessões da Câmara, discursando sobre estas questões
disse que não abomina a propriedade individual. Apenas não quer que ela
seja um monopólio de abastados.
Alude à germinação da idéia nova nos meios operários. Frisa que temos
somente o radical, o comunista. Os operários de influência eleitoral não
têm idéias. Mas o comunismo, transplantado, vai criando entre nós e no
caboclo, principalmente, verdadeiros fanáticos. O orador mesmo é mal
visto em tais centros, porque ainda não fez profissão de fé contrária ao
Governo e ao capital.
O Sr. Maurício então abre os olhos do legislador para esse perigo. Mostra
que entre nós é a única classe que tem uma bandeira, um princípio, uma
idéia diretora.
Qual a outra classe que se bate por uma idéia? E que idéia?
▼ ▼
133
ter uma legalidade, uma justiça, um governo proletário contra o antigo que o
oprimia e composto exclusivamente dos burgueses que ele combate. Como se
vê é bastante diferente o que penso do que “disse” ou fui entendido em
S. Paulo, e você já tem aqui ouvido abundantemente de mim para deixar de
aceitar, como digo, o equívoco do meu auditório, ou, quiçá, da minha exposição,
o que ninguém mais lamenta que eu.
Onde, porém, a confusão foi tremenda ou da minha língua ou dos ouvidos que
tão benevolente se expuseram à minha “cacetada”, foi no me atribuir à fórmula
de um governo de partes iguais: capitalistas e operários!
O engano só posso explicar assim: ou foi quando eu condenava a participação
nos lucros como solução definitiva, classificando-a de protelatória, e disse que
nem ao menos era em partes iguais, pois se dava 3% ao trabalhador quando o
patrão tinha 97% (argumento que li no insuspeito Sr. Oiticica), sendo o trabalho
senão superior igual desde hoje, na própria sociedade dentro da democracia
proletária eu não via como dispensar o governo como direção, o soldado como
instrumento deste e o dinheiro e a moeda – como elemento de circulação desde
que se tinha de impor, depois de uma revolução vitoriosa, uma organização nova
às classes recalcitrantes, tal qual se dava na Rússia.
Assim é que não se pode notar contradição no que eu disse e sim no que julgou
ouvir ou entender o informante desse jornal.
Nem foi senão por ter a Rússia diante dos olhos que eu cheguei a essa
conclusão que certamente desagradou porque ela, sem divergir, insinua que
entre o comunismo e a sociedade atual, a liberdade e a sublime igualdade do
primeiro e a detestável condição social contemporânea, haverá um período de
passagem, de transição, educativa, para estabelecer e consolidar a democracia
proletária até o advento daquele ideal mais longínquo.
Mauricio de Lacerda
134
Para completar a sua obra, o ilustre deputado, segundo confissão própria,
diz que vem ao nosso meio para nos estudar. Feito esse estudo volta ao
parlamento e abre os olhos do legislador para o perigo comunista.
Ao leitor consciencioso deixamos a tarefa de comentar as idéias, as
atitudes contraditórias deste homem público que tanto se interessa pelas
questões sociais.
135
O companheiro Edgard, ao noticiar a primeira conferência do Dr. Maurício
de Lacerda, realizada no salão Celso Garcia, critica asperamente os dois
camaradas que fizeram a apresentação do orador por terem exagerado
nos elogios feitos ao mesmo, e, coisa estranha, outros elementos que têm
mais responsabilidade no nosso meio e que evidenciaram mais infelicidade
nas suas manifestações foram contemplados com o silêncio... Porque essa
deferência?
Os dois companheiros castigados pela censura são dos que menos
traquejo têm nas questões sociais e, no entanto, fez-se cair sobre eles à
culpabilidade de uma incongruente exteriorização... de muitos.
Isto é inexplicável.
Referindo-se, ainda, a essa conferência, e tratando de justificar o
desagrado de alguns camaradas, pelo triste espetáculo messiânico que
acabam de presenciar, Edgard diz:
Nesta apreciação é que Edgard foi mais infeliz. Não teve reparo em faltar
à verdade. Eu não fiz, nem tentei fazer uma réplica; não fiz referência
alguma às idéias externadas pelo deputado M. de Lacerda. Dirigi a palavra
aos trabalhadores, fazendo ressaltar a inconveniência que temos em
idolatrar e admitir como mentor, como expoente das nossas aspirações,
na Câmara ou na praça pública, um homem que pertence ao Estado
burguês, pois que, este fato significava a nossa incapacidade, o nosso
suicídio moral.
Procurei lembrar que “a emancipação dos trabalhadores há de ser obra
dos próprios trabalhadores” e não dos deputados; que era preciso
recuperar os nossos foros de homens que não precisam de pastores, nem
defensores, e fazermos respeitar a nossa dignidade.
Mas o camarada Edgard achou que deveria mentir e mentiu...
Das palavras por mim vertidas nessa conferência não tenho porque retirar
ou modificar uma sílaba.
Tenho a plena consciência do que disse e a noção da
responsabilidade que me cabe no terreno da luta social.
Repito: a interferência de um homem de Estado no movimento operário é
de efeitos desastrosos, porque cria na mentalidade da massa
136
trabalhadora a crença de que somente com o auxílio e a proteção das
autoridades poderá melhorar a sua sorte, o que, aliás, é um absurdo.
E mais:
81
LEUENROTH, Edgard. A Plebe. Ano 04 – N.º 71 – São Paulo – SP. 03.07.1920. N. do Org.:
Texto de Edgard Leuenroth seguido imediatamente de nota escrita por Florentino de Carvalho
comentando e polemizando com Leuenroth.
137
A seguir, o camarada encarregado de fazer a sua apresentação, sugestionado,
pelo que se notou, por aquele ambiente de excessos lamentáveis, também foi
infeliz, pois incorreu igualmente em exageros, que se repetiram á saída do
conferencista.
Isso impressionou desagradavelmente a parte da assistência composta de
operários militantes que, sem desconhecer as exigências da cortesia e da
educação, a que não somos alheios, julgam perigosa e merecedora de reação
as tendências messiânicas no seio do operariado.
Como se vê, nada mais fiz do que registrar fatos cuja veracidade deixo ao
juízo daqueles que assistiram à festa dos metalúrgicos.
E o registro desses fatos não me parece conter nenhuma áspera censura
a quem quer que seja não me animando a intenção, imprópria ao meu feitio
pessoal e à obra de propaganda, de castigar militantes.
Como não entrei em pormenores do que se passou, nas outras
conferências do Sr. Maurício, não posso ser acoimado da incompreensível
parcialidade referindo-me à atitude de companheiros de menos traquejo e
poupando “a culpabilidade de uma incongruente exteriorização... de
muitos”, pois no Celso Garcia só se constataram os fatos enunciados na
noticia que publiquei.
Dizendo que o companheiro Florentino, ao usar da palavra, atendendo ao
apelo de muitos dos assistentes, não correspondera, “segundo o parecer
mesmo de alguns companheiros”, na forma, “às necessidades da réplica”,
não tive o propósito inexplicável de menosprezar os seus esforços.
Ninguém contesta o direito e até a necessidade do seu ato e eu dei, na
ocasião, creio que antes do que ninguém, uma demonstração disso,
manifestando-me como pude.
Registro a afirmação de Florentino de que não teve o propósito de replicar
e sim de demonstrar a inconveniência de se admitir um mentor no campo
operário.
Quer dizer que apliquei mal o termo, que poderá ser substituído
devidamente.
E julgo ter esclarecido o caso.
*
* *
138
A consideração que me merece a classe de que o referido periódico é
órgão é que me leva a fazer referência ao que no mesmo publica a pessoa
autora dos exageros de Celso Garcia e que evidentemente assumiu uma
atitude imprópria de militante proletário.
O que apareceu n’A PLEBE é de minha autoria e não de um anônimo, pois
sabido é que o que se publica em um jornal sem assinatura pertence ao
seu redator responsável.
Em S. Paulo não há meia dúzia de intelectuais a açambarcar as iniciativas
operárias.
O que há é um núcleo de trabalhadores mais esforçados e cuja dedicação
tem sido fartas vezes posta à prova. Se tem mais algum traquejo e preparo
é devido ao próprio esforço, e isso não é seu privilégio.
As iniciativas da U. G. T., da VANGUARDA e de sua empresa gráfica estão
a cargo de todas as associações, por deliberações de suas diretorias e
assembléias.
Cai, pois, pela base a afirmação tola de exclusivismos.
Se alguns companheiros se demonstram mais esforçados, isso não lhes
pode ser assacado como uma culpa.
Deixo à apreciação dos operários a intenção de estabelecer em seu seio
as rivalidades de nacionalismo, fazendo distinções entre trabalhadores
italianos e de outros países.
Isso é a demonstração de uma inconsciência a toda prova.
EDGARD LEUENROTH.
82
N. do Org.: Aqui inicia os comentários elaborados por Florentino de Carvalho logo após o
texto de Edgard Leuenroth.
139
varrendo os últimos resquícios que rompem os laços de simpatia e
solidariedade.
Não desejava ocupar-me, nem ocupar a atenção dos leitores em questões
desta ordem; como, porém, o camarada Edgard publicou nas colunas
desta folha a referida nota, que eu considerei pouco inspirada na verdade
e na justiça, ví-me obrigado a evidenciar os seus erros de inspiração,
deixando ao leitor imparcial o trabalho de comentá-los.
Ao contrário do que supõe o camarada Edgard, a sua nota só provocou
bem entendidos.
E não podemos dar-lhe uma interpretação diversa da que se infere dos
seus termos porque o camarada Edgard não é um irresponsável, um
ignorante, um obtuso; ele tem conhecimento do que faz, sabe até onde
quer chegar.
Segundo essa nota eu não correspondi às necessidades da réplica: isto é,
fiquei numa situação crítica, inferior ante o meu contricante.
Ora, esse fato não podia ter lugar porque no instante em que eu fiz uso da
palavra, já o Dr. Maurício não estava presente.
A inverdade, pois, não pode ser mais evidente.
Por último, o camarada Edgard engana-se, atribuindo-me o propósito de
demonstrar a inconveniência de se admitir um mentor no campo operário:
o que eu creio ter demonstrado é a inconveniência de um deputado no
meio operário, e principalmente no meio anarquista.
Não posso conceber semelhante paradoxo.
Deve ser mesmo engraçado ver os anarquistas e os deputados em...
fraternal amplexo!...
Florentino de Carvalho
83
CARVALHO, Florentino de. A Plebe. – Ano 04 – N.º 72 – São Paulo – SP. 10.07.1920.
140
sociedade onde exista um comunismo... relativo, e onde impere o
Estado, com o seu cortejo de instituições: o exército, a moeda... etc.
É esta uma bela maneira de afastar o PERIGO COMUNISTA, e enveredar
pela senda do maximalismo, que muito bem pode ser realizado por vias
legais, por uma série de reformas, pelo processo elecionista, que, de fato,
será muito cômodo, muito agradável para os políticos...
Mas, cumpre-nos fazer notar que as afirmações do Dr. Maurício são
capciosas e gratuitas, porque não vêm seguidas dos recursos da
argumentação precisa, lógica, documentada. Para que essas afirmações
tivessem consistência seria preciso que o conferencista ilustrasse os seus
ouvintes, nos princípios, nos fins e meios do comunismo anarquista, e, a
seguir, sustentasse a sua impraticabilidade. O grande sociólogo, porém,
contentou-se com apresentar razões empíricas constatando o impreparo
associativo e cultural do operariado brasileiro, para tão grande empresa.
Mas com a devida vênia tomamos a liberdade de chamar a atenção do
ilustre deputado para as seguintes razões elucidativas:
O território russo acha-se no pólo Norte e o nosso no pólo Sul. As
condições do seu solo não são iguais às do nosso. A Rússia possui os
climas polares, nós os tropicais. A sua flora e a sua fauna pouco se
assemelham às que florescem na terra de Santa Cruz. A sua população,
composta de várias raças orientais, pouco têm de comum com a nossa,
constituídas por africanos de origem, europeus ocidentais e americanos.
As crenças políticas ou religiosas, os idiomas, os costumes, a história do
povo russo distam muito das que formam a psicologia étnica do povo
brasileiro.
Verificadas essas diferenças estudemos os acontecimentos. Os tempos
mudam... e nós não estamos, mais, em 1917.
Quando, na Rússia se proclamou a república dos Sovietes, as nações
européias achavam-se em armas e, os povos aliados, vibravam ainda sob
o entusiasmo da vitória. Era grande a provisão de viveres e material de
guerra. As populações recebiam noticias da Rússia através do filtro dos
governos interessados em fazer acreditar ao mundo que reinava, ali, o
terrorismo e a pilhagem.
Estes recursos facilitaram aos governos o envio de numerosos
contingentes de forças à Rússia, para esmagar a revolução, bem como
auxiliar com dinheiro e material bélico a reação capitalista.
Nessa época ainda não havia o colosso russo acabado de sair de uma
guerra tremenda, na qual as suas forças vitais ficaram esgotadas.
Ainda assim, passou, de uma sentada, do império absoluto para uma
república aproximadamente comunista.
141
Em louvor à verdade cumpre-nos constatar que a liberdade e a igualdade
estabelecidas na Rússia devem-se principalmente ao arrojo dos
anarquistas, os quais lutaram até contra os maximalistas para que os
direitos conquistados pela revolução não fossem burlados pelos políticos
vermelhos.
Hoje estamos em circunstâncias diversas das que o povo russo teve a
enfrentar há três anos. O estado de espírito das populações não está, mais,
empolgado pelo entusiasmo da vitória; hoje os povos reconhecem que
foram vítimas da armadilha em que os respectivos governos os fizeram cair
como inocentes cordeirinhos. Os grandes e os pequenos Estados acham-
se com os seus exércitos, em grande parte desmobilizados; encontram-se
privados de mantimentos, vendo-se obrigados a entabular negociações
com os sovietes da Rússia para adquirir os seus cereais e acalmar assim
a revolta das populações esfaimadas. Os governos têm os seus tesouros
vazios e estão endividados até os cabelos.
Acrescentemos a isto o fato de acharem-se as classes operárias, os
partidos avançados em constantes agitações e movimentos
revolucionários, ameaçando a queda dos Estados, das instituições do
capitalismo, e concluiremos que o perigo de uma pressão externa, sobre
o Brasil, no caso de um movimento de revolução social, aqui, não existe.
Não participamos do parecer, segundo o qual devemos esperar que a
revolução triunfe na Europa ou na América do Norte, para depois,
proclamá-la no Brasil, mas observamos que há mais probabilidade de que
ela faça a sua explosão no velho continente, e que, em breve, as
esquadras dos grandes povos libertos aportem às nossas cidades
marítimas arvorando a bandeira vermelha, para nos auxiliarem no nosso
ímpeto emancipador.
Por último, se falta à organização do proletariado do Brasil, para realizar
uma revolução de caráter comunista libertário, também falta para um
movimento maximalista. E com relação à sua falta de cultura, basta-nos
observar que na ação a desenvolver influi mais a educação do que a
ilustração.
No Brasil, por exemplo, são as classes ilustradas as menos aptas para
viverem no regime comunista. O próprio Sr. Maurício é o primeiro em
reconhecer que o nosso caboclo está sendo facilmente empolgado pelas
idéias comunistas. Isto porque o povo brasileiro ainda não foi corrompido
totalmente pelo regime do industrialismo burguês. Os filhos do Brasil estão
identificados com as idéias comunistas e anarquistas por terem vivido nos
campos, nos sertões, uma vida mais ou menos livre, longe dos grandes
centros populosos, onde a exploração prolifera, degenerando o ambiente
social e moral.
142
O maximalismo, como muito acertadamente disse o Dr. José Ingenieros,
não é uma doutrina, não tem princípios nem métodos de luta definidos; é
um movimento dos elementos em marcha para o progresso social e as
suas manifestações tendem a variar segundo o momento e o lugar em que
as massas se agitem pelas suas reivindicações. E assim como a burguesia
teve empenho em desvirtuar todas as religiões, todas as doutrinas políticas
ou filosóficas, assim também ela trata de criar um maximalismo... seu, ou
como o que está sendo elaborado na Itália, onde os deputados socialistas-
maximalistas são hoje, um dos melhores “pára- choques” da revolução
social iniciada pelos libertários.
Nós batalhamos sempre em favor de qualquer tentativa de caráter liberal
contra os regimes reacionários.
Por isso não vacilamos em defender a revolução russa contra a reação
burguesa mundial; porém, concomitantemente atacamos o regime dos
sovietes no que ele tem de autoritário, hierárquico, coercitivo.
Neste vendaval de agitações revolucionárias, de novos surtos de
doutrinas, de idéias, de métodos de luta, de oportunismos... nós
certificamos mais uma vez a superioridade dos nossos inconfundíveis
princípios, dos nossos meios de ação e firmamos com mais precisão as
nossas convicções comunistas e anarquistas.
84
CARVALHO, Florentino de. A Plebe. Ano 04 – N.º 72 – São Paulo – SP. 10.07.1920.
143
de admitir como expoente das nossas reivindicações e dos nossos
princípios um membro proeminente de um partido político burguês e
representante oficial do regime republicano vigente, regime que encarcera,
expulsa e martiriza o proletariado consciente e os homens de idéias livres?
As classes operárias já definiram, em três congressos, os seus princípios,
os seus métodos de luta, dos quais transcrevemos alguns tópicos:
Orientação e finalidade
144
Ficam, pois, firmados os princípios e as finalidades fundamentais da organização
operária; revolta contra a injustiça, luta contra o regime de desigualdade entre os
homens; ação pela justiça, luta por um regime de igualdade entre os homens.
145
Nessas conferências apenas constatei que, dada a incapacidade, no momento,
da classe comercial poder-se empenhar numa demonstração direta com
sucesso, aquela outra forma, dando-lhes as vantagens imediatas que a lei
consignava, servia indubitavelmente para escudá-los do arbítrio patronal, de
modo a se incorporarem sem os temores do presente na falange dos precursores
da verdadeira ação de todo proletário.
Mauricio de Lacerda
CARLOS ESCOBAR
146
Nós consideraremos o Dr. Mauricio de Lacerda como adversário e não
como amigo, enquanto ele for deputado.
Cada qual no seu elemento.
85
CARVALHO, Florentino de. A Obra – Ano 01 – N.º 09 – São Paulo – SP. 14.07.1920.
147
companhias, o que demonstra que a ciência econômica chegou a uma
conclusão verdadeira porque universal.
“A gestão pelas companhias mostrou-se impotente a dar- lhe remédio. A razão
está no sistema que faz dos caminhos de ferro, uma fonte de dividendos e não
um serviço público verdadeiro funcionando para benefício geral.”
Depois desta constatação dos franceses, pode-se dizer assim porque parece
que o governo e os trabalhadores a assentaram como verdade, aceitando um
princípio de nacionalização dos transportes o primeiro e batendo-se pela
nacionalização plena o segundo, a solução parece óbvia.
Na última greve, a de quatro de Maio passado, dizia o órgão dos trabalhadores
franceses: “Nenhuma outra solução é possível senão à volta à coletividade e a
transformação radical dos métodos de exploração. O sistema atual não pode
mais durar. A concessão a companhias particulares é injustificável porque aliena
uma riqueza nacional, porque compromete o desenvolvimento do país, porque
é um fator da vida cara; seu regime está condenado pelos seus mesmos
resultados.”
Pleiteando a nacionalização dos caminhos de ferro, dizia a seguir: “nós não
admitimos que elas fiquem nas mãos de grupos capitalistas incapazes de
assegurar convenientemente este serviço e que delas se servem
exclusivamente para auferir vantagens sobre todos os indivíduos.” E
acrescentava: “Os caminhos de ferro devem ser possessão pública. Devem
funcionar sem referência aos interesses particulares.”
Dizemos que a exploração dos caminhos de ferro, propriedade exclusiva, deve
ser assegurada por todos aqueles que tenham interesse no seu bom
funcionamento. Entendemos que a sua gestão nova seja confiada a novos
organismos em que será representado o conjunto dos interesses gerais do país:
o conjunto dos que cooperam no funcionamento das artérias; o conjunto dos que
a sirvam nos transportes; queremos por nesses organismos todas as
competências que garantirão uma exploração conveniente; o desenvolvimento
indispensável dos serviços, sua ligação com todas as outras indústrias. Nós
queremos acabar com a incoerência atual.
..........
Temos assim um plano, um sistema, um regime novo que soluciona para os
produtores individuais e industriais, os trabalhadores e toda a comunhão, o
problema dos
148
transportes e da exploração de seus serviços, a salvo do egoísmo capitalista e
do favoritismo democrático, remediando a carestia da vida e o abastecimento
normal do país.
Por que não adotá-lo a viver para sustentar a estrada nas mãos do capitalismo,
elevando tarifas que arruínam as energias produtoras e encarecem a vida, – ou
para manter nas estradas oficiais o burocratismo que desenvolve a injustiça
entre os trabalhadores, sem atender em qualquer das formas aos interesses de
conjunto de cada um dos elementos econômicos e sociais, na questão e,
sobretudo, desprezando o único fim e a essência de todo o transporte que é a
distribuição dos produtos sem sacrifício do produtor e do consumidor, de ambos
e do trabalhador?
Vejamos a seguir como se pode nacionalizar os transportes marítimos, ou sobre
água em geral, dada à atualidade da questão com a projetada venda do Lloyd e
o projeto Frontim a seu respeito.
Não vemos nesta campanha sistemática outra coisa que não seja
reformismo econômico a ser feito pelo Estado. Ela nada tem de socialista,
de sindicalista, de anarquista.
Ela é a expressão da melhor doutrina nacionalista que os políticos
poderiam inventar, absolutamente oposta aos nossos princípios
comunistas e internacionalistas.
O Sr. Maurício de Lacerda está, pois, mais do que qualquer outro
funcionário do governo, prestando, com essa campanha... ótimos e
incomparáveis serviços ao Estado, às classes conservadoras. Aliás,
149
quem se der ao trabalho de ler os seus artigos publicados na imprensa
carioca, poderá verificar que, em geral, seguem ao mesmo diapasão.
CAMARADAS!
86
CARVALHO, Florentino de et all. A Plebe. Ano 04 – N.º 74 – São Paulo – SP. 24.07.1920.
150
dos políticos é patentear a própria incapacidade para a luta, para a
propaganda das idéias que professam.
Estão convictos de que a difusão das doutrinas sociais cabe
exclusivamente aos que as conhecem e por elas estão decididos a lutar
desassombradamente, pois que, de outra forma não seria possível manter
a sua clareza o seu valor, e dar-se-ia lugar a todas as confusões e
mistificações.
Como atualmente se observa a penetração de políticos no seio das
coletividades operárias, na Capital Federal, em Santos, não tendo
escapado os elementos desta capital e de outras cidades do país à
influência nefasta dos chamados amigos e protetores de operários, que
com a sua propaganda nebulosa, com o alarde que costumam fazer dos
seus préstimos, têm contribuído para desorientar grande número de
militantes, desviando-os da rota assinalada pelas organizações operárias
ou pelas doutrinas anarquistas, inclinando-se a favorecer a política de
reformas legalitárias e a luta pelo voto, os assinantes desta Circular,
verificam a necessidade de que em todo o país se analise, se estude esta
situação e se reaja contra a obra dissolvente desses apóstolos, mais
prejudicial do que as repressões dos poderes governamentais.
Não podem os políticos e os adversários das nossas aspirações, colaborar
conosco numa tarefa delicadíssima de educação ideológica e libertária do
povo.
Esses campeões não possuem o conhecimento exato dos nossos
princípios, não estão com eles identificados e, além disso, a sua qualidade
de políticos profissionais os inibe de possuírem uma moral consoante à
causa que defendemos.
Cabe, pois, a nós, os trabalhadores, os libertários afastar-nos de todos os
elementos que possam comprometer a nossa honestidade ideológica, ou
desvirtuar os nossos métodos de luta, o brilho das nossas doutrinas.
151
30 – “A Vanguarda” 87
87
CARVALHO, Florentino de. A Plebe. Ano 04 – N.º 75 – São Paulo – SP. 31.07.1920.
152
classe e a conquista de melhorias que facilmente são burladas pelos
industriais.
Além dessa propaganda inócua, a A VANGUARDA virá criar aqui um
elemento hostil e perigosíssimo para nosso meio – o sindicalismo
neutralista... que descamba sempre para o reformismo e a reação.
Nós não temos ainda, em S. Paulo, essas poderosas organizações
trabalhistas como a Federação Americana do Trabalho, dos Estados
Unidos, e a Confederação Geral do Trabalho da França, as quais são o
maior empecilho à emancipação dos trabalhadores, mas vamos por esse
caminho.
Não queremos dizer que seja essa a intenção dos camaradas que
formarão o corpo redatorial da A VANGUARDA, mas é esse o método – a
neutralidade, pelo qual se chega aos mesmos resultados.
As instituições burguesas não são neutras quando tratam de atacar as
nossas associações, os nossos princípios. Somente, entre nós é que, para
não incomodar meia dúzia de melindrosas que não têm brios ou
consciência para arcar com as consequências da luta, se estabelece essa
tática que anula a nossa ação emancipadora.
Muitos camaradas põem no frontispício de sua propaganda o rótulo
sindicalismo, relegando a segundo plano o ideal anarquista e pretendem,
como qualquer inimigo do anarquismo, que as organizações operárias
sejam completamente alheias as doutrinas libertárias.
Nós entendemos o contrário.
Nas questões sociais é preciso chegar até o fim, cortar o mal pela raiz,
aniquilando o regime do patronato, do capitalismo, socializando as
riquezas, tornando-as acessíveis a todos os seres humanos; julgamos que
o Estado, que é também patrão, deve ser eliminado, para que o povo se
veja completamente livre, desembaraçado do gendarmem, do carcereiro,
do juiz, do deputado, e possa organizar as suas forças produtivas, e
distribuir eqüitativamente os produtos, dando a todos a fartura, o bem
estar, a alegria.
Nós não vemos dois ou mais caminhos para efetivar a emancipação
integral dos trabalhadores.
Vemos apenas um caminho: – o do Comunismo Anárquico.
Procure-se fazer da A VANGUARDA uma bandeira de combate na luta
diária; procure-se realizar uma obra de educação revolucionária e libertária
das classes trabalhadoras, aplicando o ferro candente a todas as
podridões sociais.
Se isto pode descontentar os nossos inimigos, se isso vem ferir os
pusilânimes, não importa. Quem não estiver disposto a acompanhar-nos
na senda libertadora, que se afaste, que deixe passo livre aos que
realmente são capazes de algum esforço e algum sacrifício pelo ideal.
153
Tornamos públicas estas considerações a fim de que se estude o problema
e se faça da “A Vanguarda” um órgão de ação reivindicadora e libertária.
O que não queremos é que se faça uma corda que sirva para nos enforcar.
31 – “A vanguarda” 88
88 CARVALHO, Florentino de. A Plebe. Ano 04 – N.º 76 – São Paulo – SP. 07.08.1920.
154
vencer na contenda pela sua emancipação é de conhecimentos, idéias,
princípios, convicções, entusiasmos.
O trabalhismo ou sindicalismo são, exclusivamente, meios de luta.
Variam conforme as condições do meio.
Por isso é que temos o sindicalismo mais ou menos revolucionário ou
orientado pela ação direta, e o sindicalismo reformista existente em muitos
países.
Nós entendemos que os sindicatos operários devem ser um elemento
decisivo na luta pela transformação social, não se deixando ficar no
começo ou no meio do caminho da redenção proletária; os trabalhadores
devem conquistar por completo, todas as liberdades, todos os direitos que
lhes assistem como seres humanos.
Com a exploração econômica deve cair o despotismo, o regime político
estabelecendo-se o nivelamento social.
Eis a obra que, segundo nós, deve ser feita pela nossa imprensa, por todos
os nossos veículos de propaganda e de educação que convém efetivar de
uma maneira metódica, sistemática, expurgando-as de todas as
divagações ou impurezas.
A emancipação dos trabalhadores não pode ser mutilada ou detida sob
nenhum pretexto, não pode estar à mercê das influências reacionárias que,
por ventura, surjam nos sindicatos ou fora deles.
Surjam, pois, A VANGUARDA, mas surja forte, empolgante,
revolucionária, clara, definida, orientando as hostes escravizadas pela
senda gloriosa do Ideal Libertário.
Circular
(RESUMO)
89 CARVALHO, Florentino de et all. A Plebe. Ano 04 – N.º 76 – São Paulo – SP. 07.08.1920.
155
Estamos convictos de que a difusão das doutrinas cabe exclusivamente
aos que as conhecem e por elas estão decididos a lutar
desassombradamente, pois que, de outra forma não seria possível manter
a sua clareza, o seu valor e dar-se-ia lugar a todas as confusões e
mistificações.
Como atualmente se observa a penetração de políticos no seio das
coletividades operárias na Capital Federal, em Santos, não tendo
escapado os elementos desta capital e de outras cidades do país à
influência nefasta dos chamados amigos e protetores de operários, que
com a sua propaganda nebulosa, com o alarde que costumam fazer de
seus préstimos, têm contribuído para desorientar grande número de
militantes, desviando-os da rota assinalada pelas organizações ou pelas
doutrinas anarquistas, inclinando-se a favorecer a política de reformas
legalitárias e a luta pelo voto, os signatários desta Circular verificam a
necessidade de que em todo o país se analise, se estude esta situação e
se reaja contra a obra dissolvente desses apóstolos, mais prejudicial do
que as repressões dos poderes governamentais.
Não podem os políticos e os adversários de nossas aspirações, colaborar
conosco numa tarefa delicadíssima de educação ideológica e libertária do
povo.
Esses campeões não possuem o conhecimento exato dos nossos
princípios, não estão com eles identificados e, além disso, a sua qualidade
de políticos profissionais os inibe de possuir uma moral consoante à causa
que defendemos.
Cabe, pois a nós, os trabalhadores, os libertários afastarmo-nos de todos
os elementos que possam comprometer a nossa honestidade ideológica,
ou desvirtuar os nossos métodos de luta, o brilho das nossas doutrinas.
156
Ramos, Eugenio Cavaglini, Felipe Gomez, Joaquim Ardanai, A. de Moura
Guedes, Augusto Serrata, Manoel Carreira de Medeiros, Antonio
Dominguez, Francisco Guerrero, José Prado, José Campagnoli, Ângelo
Bolognese, João Pinhatti, Césare Borgosioni, João Remo, Eugenio,
Quagliarini, Antonio Fernandes, Moises Reis Medina, Luiz Janepes, Miguel
Zanella, José Lopes, José Maria Mansanto, Albino de Moura Guedes,
Pietro Zanella, Luiz Nieto, Miguel Cervantes, Albino Sbrana, Emilio Martins,
Francisco Bueno, Florentino de Carvalho, José Penha Filho, Laércio
Impastari, José Prado Henríquez, Francisco Pereira, Miguel Palmer, José
Galan, Cristovão Aldana, Gabriel Fornez, Bonifacio Anchia, João Ferreira
Patrício, José Ronar, Vicente Sullo, Afonso Festa, Fernando Calvo,
Francisco Rocha, Fernando Zanella, Ugo Biolcati, Adelino Pereira, Antonio
Patrial, Paulo Pinto, A. Palácios, Ângelo Viazotti, Poços de Caldas; Zenon
de Almeida, Sta. Maria da Boca do Monte (Rio Grande do Sul); Cesar
Daviden Deltão, José Mendes; Cruzeiro.
33 – A III Internacional90
90
(Não assinado). A Obra. Ano 01 – N.º 12 – São Paulo – SP. 01.09.1920.
157
Contra este procedimento das velhas raposas, manhosas e casmurras,
começa a esboçar-se uma campanha em certa imprensa socialista
espanhola. Vamos a ver quem triunfa: se a parte jovem do partido, se a
parte carunchosa.
Esperemos.
34 – Os dois extremos91
91
(Não assinado). A Obra. Ano 01 – N.º 12 – São Paulo – SP. 01.09.1920.
158
35 – “Que se rompa y no se doble” 92
Trabalhadores!
Libertários!
92
CARVALHO, Florentino de. A Obra – Ano 01 – N.º 12 – São Paulo – SP. 01.09.1920.
159
Os Ferri, os Turrati, os Labriola, os Briand prejudicam muito mais a causa
do que aqueles que passam diretamente a fazer parte das instituições
policiais.
Aqueles estabelecem confusões; arrastam consigo numerosos
simpatizantes; provocam o desânimo nas massas; estes vão sós e levam
atrás de si o desprezo unânime.
À preço algum se deve, pois, contemporizar ou transigir nos nossos
princípios. Devemos fazer-nos respeitar pela intangibilidade das nossas
convicções, inspirar confiança pela irredutibilidade, constância e decisão
nas idéias e nas lutas.
Antes e acima de tudo tenhamos o brio necessário para sustentarmos a
superioridade do Ideal Anarquista.
Que se rompa y no se doble.93
93
N. do Org.: Lema da União Cívica Radical (UCR), fundada por Leandro Nicéforo Alen (1842-
1896) na Argentina. Seu pai, Leandro Antonio Alencar, fora enforcado por participar de levantes
armados em Balvanera, subúrbio de Buenos Aires. O filho mudou o nome para Leandro
Nicéforo Alen a fim de evitar os inconvenientes vindos da discriminação sofrida por ser
chamado “o filho do enforcado”. Alen, sua mãe, Tomasa Ponce, sua irmã, Marcelina Alen e
seus dois sobrinhos Hipólito e Martín Yrigoyen, ficaram em dificuldades financeiras após a
morte de seu pai. Em 1916 Hipólito foi o primeiro presidente argentino eleito através do voto
universal, secreto e obrigatório. Alen igressou no exército como voluntário, tendo participado
nas guerras civis de Cepeda (1859), Pavón (1851) e do Paraguai (1865-1870). Graduou-se em
Direito na Universidade de Buenos Aires (1869), abrindo consultório jurídico em Buenos Aires
com seu amigo Aristóbulo del Valle. Alen, importante figura política argentina, fundou a UCR
em 1891 cuja proposta sócio-política se fundava essencialmente na idéia de autonomia das
províncias dentro de um regime municipalista, com eleições de voto universal e secreto. As
eleições foram marcadas por fraudes, provocando a indignação de Alen e seus companheiros.
Em 1893, após tentativas frustadas de conversação com setores govenamentais, a União
Cívica Radical se lançou à ação armada adotando postura de firme intransigência na defesa e
afirmação dos princípios autonomistas e das liberdades populares. O primeiro levante se deu
em San Luís, se estendendo a outras províncias. Estas ações foram sufocadas pela reação do
governo central. No primeiro dia de julho de 1896 Alen se suicidou depois de se decepcionar
com os rumos tomados pela política governamental, por divergências com outras lideranças da
UCR como também por ter perdido seus recursos econômicos, todos direcionados à ação
revolucionária. Deixou testamento político no qual indicava os motivos de seu gesto extremado,
reafirmando seus posicionamentos autonomistas e reescrevendo a máxima norteadora de seu
pensamento político-social e de suas ações: “Si, que se rompa pero que no se doble.” O
movimento revolucionário iniciado pela UCR, no entanto, prosseguiu ainda com um perfil de
contestação radical pelo menos até os primeiros anos do século XX. Alen foi por duas vezes
deputado provincial e senador. Foi adido cultural no Brasil, na corte do imperador D. Pedro II e
destacado integrante da maçonaria.
160
36 – O Bolchevismo
Sua repercussão no Brasil94
94
CARVALHO, Florentino de. A Obra. Ano 01 – N.º 13 – São Paulo – SP. 15.09.1920.
161
regime, porque demasiado sabíamos que o Estado, qualquer que seja a
sua estrutura autoritária ou governamental, é essencialmente contrário aos
nossos princípios. Sempre mantivemos sobre este assunto as devidas
reservas, esperando ser ilustrado por documentos nos quais pudéssemos
confiar.
Agora, porém, de posse desses documentos, cumpre-nos esclarecer a
situação, principalmente e porque, havendo no Rio alguns libertários
militantes que tomam a nuvem por Juno, isto é, confundem a revolução
russa com o Estado burocrático e militarista ali estabelecido, chegando a
propagar a organização de um partido socialista- maximalista, o qual teria
por fim, entre outras coisas, a conquista do Estado burguês, empregando
o processo eleitoral, transformando-o em Estado... maximalista, a fim de
que este pusesse a máquina nos eixos, durante o período de transição,
este fato pode causar sérios embaraços a ação francamente libertária dos
trabalhadores e dos revolucionários.
As tendências doutrinárias dos maximalistas, bem como o atual estado de
coisas na Rússia, das quais a seguir damos notícia, exprimem claramente
o que seria esse Estado Bolchevista no Brasil: um disparate.
162
que as terras confiscadas passam a ser propriedade nacional e
administradas pelo Estado;
163
37 – Vivamos às claras
Basta de confusionismo
Pelo despotismo autoritário ou pelo anarquismo95 Sejamos
conseqüentes
Em guarda!
95
CONTENT. A Obra. Ano 01 – Nº 14 – São Paulo – SP. 01.10.1920.
164
anarquismo de diferentes modos, experimentando mesmo conciliar os
inconciliáveis. Difícil tarefa...
Esta confusão, que se manifesta quase sempre por uma ação incoerente,
não parece, pelo menos neste momento, opor-se ao fim almejado – a
revolução. Parece mesmo decuplicar os esforços duns e doutros. Mas que
amanhã surjam os acontecimentos que todos nós esperamos, e ver-se-á
então à luz radiosa do sol, mas demasiadamente tarde, os erros, as faltas
e as puerilidades duns e doutros. Daí um grave perigo, na hora mesma em
que uma linha de conduta bem clara perfeitamente determinada, deveria
ser a regra de cada um.
É tempo, pois, mais do que tempo, de nos erguermos contra a confusão
das idéias e dos espíritos. Confusão que será amanhã, caso não
ponhamos em guarda o quebra-costas onde se pulverizarão todos os
nossos esforços.
165
marxismo, que nos conduzirá fatalmente à ditadura, a constituição dum
novo Estado, e, quer o queiram quer não, à reação – que a essência do
Estado é conservar e quebrar as iniciativas e as energias – ou então, optar
pelo socialismo anti-autoritário, libertário, pela anarquia, que se oporá a
toda a ditadura, a toda a organização centralizada, burocratizada, e nos
conduzirá ao federalismo, à organização comunalista.
A força da anarquia
166
atacar inopinadamente – assiste-nos o direito de encolher os ombros e de
dizer que há muito que os anarquistas tomaram posições, não esperando
pelas ordens de Lênin para agir neste ou naquele sentido.
O perigo... O remédio
167
profunda, a vós cabe decidir da vossa orientação e da vossa ação,
cabendo-vos também meditar esta eloquente frase de Kropotkin:
96
CARVALHO, Florentino de. A Plebe. Ano 04 – N.º 89 – São Paulo – SP. 13.11.1920.
168
nossas razões anti-legalitárias, anti-estatais e arrastar-nos ao lamaçal das
cavações elecionistas.
Por isso, declaro: maldita a hora em que esses senhores se ocuparam da
minha defesa.
Amaldiçôo essa hora, primeiro porque só viam nisso um meio lucrativo;
segundo porque eu nunca fui réu, nunca pratiquei crime de espécie
alguma.
Nunca fui vitimário; fui sempre vítima da criminosa sociedade burguesa,
com a qual os senhores Maurício e Evaristo são solidários.
Eles, que servem de esteio com o Estado republicano, que
sistematicamente pratica os delitos de lesa-liberdade e lesa-humanidade é
que estão em condições de ser defendidos.
Repilo, portanto, os defensores gratuitos, os que, nos parlamentos ou nos
tribunais, não sabem inspirar-se nas palavras que Neebe proferira,
solenemente no tribunal burguês de Chicago:
39 – Os equívocos bolchevistas97
97
(Não assinado). O Libertário. Ano 01 – Nº 02 – São Paulo – SP. 15.01.1922.
169
e exata, uma teoria comunista que se traduziu, na prática, no capitalismo
de Estado.
Observemos desde já que á um ato indigno de revolucionários, o ato de se
inclinarem perante o fato consumado.
Num dado momento a guerra também foi – e nunca deixou inteiramente
de o ser – um fato consumado. Deveríamos, portanto, aceitá-la, julgando
ridícula toda a objeção, todo o protesto, toda a resistência e toda a revolta?
Pois a propósito da chamada ditadura do proletariado é este o raciocínio
desses camaradas:
- A ditadura é um fato consumado. Nada há que a possa destruir: impôs-
se e venceu.
Sim, infelizmente, como a guerra; devemos, por isso, concluir que tudo
quanto a ditadura faz é bem feito? Seria o absurdo.
Admitindo mesmo que tudo quanto ela nos tem apresentado e que, apesar
de pouco, não pode ser apresentado melhor por falta de elementos, resta
saber se não seria possível a intervenção doutros elementos, com o fim de
lhe darem uma forma mais benéfica para toda a coletividade.
Mas há mais. De que nos valeria defender um falso sistema, se, em
razão da sua própria falsidade, ele daria à costa quando fosse aplicado?
Ora foi precisamente o que sucedeu. A ditadura de partido e o
capitalismo de Estado aportaram a uma lamentável derrota, que alguns
triunfos militares – cuja importância foi extremamente exagerada – não
puderam recompensar.
A menos que se admita a ditadura pela ditadura, quer dizer com um fim a
atingir, ela não tem justificação possível – apesar de nos dizer que
pretende realizar o comunismo. Faltando, porém, o comunismo, a ditadura
aparece apenas como um meio inoperante; é precisamente o que nós
constatamos hoje.
A prova é que todos os indivíduos que regressaram dos lugares santos
moscovitas, nos vêem dizer que viram tudo... menos o comunismo.
- Mas – ajuntam – o comunismo há de ser um fato, mas é mais tarde...
Muito bem: não compreendemos isso no todo; todavia, se assim o preferis,
compreendermo-lo em parte. Reclamar, tomar e exercer o poder, para
deixar subsistir, desenvolver-se e fortificarem-se as fórmulas econômicas
que o sobredito poder se propunha combater e suprimir, é reconhecer
categoricamente a impotência da ditadura para elaborar uma obra de
transformação comunista.
Esta “coisa” sendo muito compreensível para nós, deverá, com certeza,
atarantar profundamente aqueles que preconizam semelhante poder, tão
absoluto quanto impotente.
170
A mesma observação que fazemos à ditadura, fazemo-la ao capitalismo
de Estado. Conhecemos muito bem as suas incapacidades e a sua
inferioridade em presença do capitalismo privado; mas os “científicos”, que
persistem em ver uma “idéia” neste capitalismo de Estado, como é que
encaram as concessões que fazem os seus ditadores aos potentados da
alta finança burguesa?
A ditadura e capitalismo de Estado abriram, assim, a sua falência. E esta
experiência não poderia ser, em suma, senão útil e salutar, se o fato de
certos governos incompreensíveis não permitisse, hoje, aos reacionários
de todos os matizes, e proclamar a falência dos próprios princípios de
revolução e de comunismo.
Não continuar com um vigor e uma nitidez cada vez maiores a nossa
polêmica antimarxista, – polêmica que nos tem absorvido o melhor da
nossa existência – é um erro que tem cometido vários camaradas. Temos
lido em alguns jornais “avançados” defesas de Lênin e consortes, defesas
essas que são verdadeiramente inconvenientes, visto que a justificação
dos ditadores é, em síntese, a defesa da própria ditadura.
Que se terá, com isso, em vistas? A imprensa burguesa, reportando-se às
próprias declarações dos bolchevistas, pode identificar a idéia da
revolução com a idéia da ditadura terrorista, coma supressão de todas as
liberdades, com a disciplina de ferro, com a submissão absoluta, tudo isto
aplicado às massas e não somente aos burguesas, como alguns operários
ingênuos ou mal preparados ousaram acreditar.
Certos neo-comunistas fazem uma propaganda verdadeiramente louca.
Alegram-se, sobretudo, com as medidas de repressão que se propõem
tomar quando forem governo; mostram, até, algumas listas de proscrição,
sem se aperceberem que, desta maneira, eliminam o direito de protestar
contra todas as iniquidades de que as massas obreiras continuam a ser
vítimas: A mania de opor a ditadura à ditadura não pode senão justificar as
arbitrariedades de regime capitalista, bem como a supressão das magras
liberdades arrancadas pelo proletariado no decurso de longas e dolorosas
lutas.
Assim a emancipação e a libertação que os neo-comunistas pregam não
permitem mesmo aquelas tolerâncias e permissões concedidas pela tirania
plutocrática; e o novo regime não será mais do que o fim de toda a
liberdade, tal qual o pretendem os nossos piores inimigos! O equívoco
perigosíssimo que daí resulta, é que, mesmo entre trabalhadores, muitos
concebem, presentemente, a obra revolucionária, não como o resultado da
ação direta das massas, das suas livres iniciativas, da sua ciência prática,
da sua força, do seu auxílio mútuo e da sua solidariedade, mas como uma
estreita tarefa governamental, burocrática e policial.
171
O outro equívoco, não menos perigoso, consiste em acreditar que o
comunismo é a negação de toda a liberdade econômica. A possibilidade
de vender, de comprar, de tocar os produtos, de trabalhar
independentemente, tudo isso é declarado incompatível com o
comunismo. E, com efeito, Lênin reduz toda a “autorização” para se fazer
o que quer que seja, no sentido de atingir o seu comunismo. Ora, como é
que se pode compreender que não haja uma base econômica que torne
impossível a exploração do trabalho de outrem, visto que a restrição, por
meio de leis, é de tudo inútil?
O famoso Manifesto comunista, bem pouco comunista em suma, diz-nos
expressamente (42): “O comunismo não nega a ninguém o direito de se
apropriar dos produtos sociais; mas nega a todos os indivíduos o direito à
apropriação do trabalho de outrem.”
Se isto é assim – e não podia ser de outra maneira – por que é que os neo-
comunistas vêem em toda a atividade econômica livre um retorno ao
capitalismo?
Francamente, aqueles que sempre nos têm acusado de “fazer o jogo da
burguesia”, não podem desservir melhor o comunismo do que apresentá-
lo exatamente sob o aspecto e com as formas com que a burguesia o pinta,
para o combater.
Esperemos que todos os nossos camaradas compreendam, uma vez mais,
que não nos podemos servir melhor, teórica e praticamente, a revolução e
o comunismo, do que restando estritamente fiéis aos meios, às idéias e às
tendências que sempre temos preconizado. E, sobretudo, afirmamos
altissonantemente:
1. º - que a revolução significa o fim de toda a ditadura;
2. º - que o comunismo corresponde à maior liberdade econômica,
de fato e não de direito;
3. º - que a anarquia não pode ser senão o resultado da ação das
massas.
98
(Não assinado). O Libertário. Ano 01 – Nº 04 – São Paulo – SP. 15.02.1922.
172
a definir uma atitude, a tomar uma posição, sob pena de sucumbirmos
esmigalhados pela avalanche revolucionária.
Nas suas origens, a revolução atual é essencialmente econômica,
constituindo o corolário lógico das orgias argentárias da Grande Guerra e
da reconhecida impotência dos políticos burgueses em fazer regressar a
sociedade pelo menos àquele apetecível “stat quo ante bellum”.
Foi uma surpresa a Revolução Russa, até para os mais otimistas
revolucionários, e disso é clara prova o insuspeito testemunho de Lênin,
que, em 1905, na revista “Paris-Berne”, reconhecia a impossibilidade da
simples realização, muito menos no êxito, de um movimento insurrecional
na grande nação eslava.
A despeito de todas as teorias econômicas – a falibilidade dos sociólogos
de gabinete! – a Rússia, que não tinha indústrias nem conseguira, por essa
razão, criar uma forte burguesia de tendências “democráticas”, à moda
ocidental, tentou e executou o golpe de Estado que deu o poder aos
bolchevistas, começando assim, à força de leis e de decretos, a Revolução
Social.
É evidente que só a miséria, o mal-estar moral e material originado no
cataclismo bélico, explica o êxito desse movimento, sem dúvida um dos
maiores e mais profundos que a história registra, devendo atribuir- se às
mesmas causas o singular estado de alma das multidões européias, tão
prontas a aceitar as teorias bolchevistas, nelas vendo o fim de todos os
sofrimentos e dores que hoje as torturam.
Em vão procuraríamos nas grandes massas que, fora da Rússia,
acompanham os militantes revolucionários, aquela “chamazinha do ideal”
de que já Bertoni, em 1918, lamentava a falta nas poderosas e “pesadas”
organizações sindicais da Alemanha e da Inglaterra. A única solidariedade
que une as multidões ora em marcha para a revolução é a solidariedade
econômica, a mais sólida, reconhecemo-lo, mas também, a mais perigosa.
*
* *
173
vasto pelo menos como o mar infindo formado pelas lágrimas dos
miseráveis.
Em vão lhe diremos, com Guillaume, que o nosso ódio deve cair nas
instituições – o Estado, o Parlamento, a Lei... – cabendo-nos respeitar os
homens que, na maior parte das vezes, são vítimas de erros há longos
séculos tidos como irrefutáveis verdades. Não nos ouvirá. A multidão tem
sede de vingança, vive nela, bem nítida para que os esqueça, a lembrança
destes dias trágicos. Ela exigirá, levada pelos “meneurs” imbuídos do
fetichismo marxista, a ditadura do proletariado, uma guarda vermelha, a
prisão, talvez a morte, de todos os burgueses...
*
* *
*
* *
99
N. do Org.: Palavras ilegíveis na cópia digitalizada consultada.
174
Ou reconhecemos a necessidade de atuar pela violência, dando a uns
tantos homens – o escol, certamente, dos elementos sociais... – o direito
de nos fazer felizes – e vamos à ditadura do proletariado, isto é, á
subordinação do Individuo ao Meio, “o que representa um repúdio total das
doutrinas anarquistas”; ou coerentes com as doutrinas de sempre, – e
neste caso “coerência” significa o acordo científico, objetivo, entre a
evolução do homem e da sociedade – repelimos como agressiva e anti-
libertária a idéia da força nas relações sociais, repudiando com energia
todos os desvios do ideal.
Não significa isto, evidentemente, que nos devemos alhear da Revolução
porque ela não corresponde às nossas mais íntimas preocupações. Fazê-
lo equivaleria a cair no mais grosseiro dos erros, e, o que seria bem mais
grave, acarretar-nos-ia a animosidade do proletariado. Devemos, pelo
contrário, entrar ativamente em todas as lutas que se travarem pelo
advento da nova sociedade, procurando orientá-las num sentido
anarquista.
Destarte, evitaremos a ereção de novos ídolos e a criação de novos
dogmas, facilitando pela nossa ação o desenvolvimento da personalidade
consciente na alma das multidões. A ditadura do proletariado, longe de
destruí-lo, reforça o espírito gregário das massas, desenvolvendo ao
máximo, pela morte da iniciativa individual, a crença messiânica na
onipotência da Lei e do Estado.
Partidários convictos da revolução, desejando-a veementemente,
entendemos que a nossa ação, a ação anarquista deve incidir sobre todos
os grandes erros sociais e filosóficos, impedindo-nos a própria natureza
das nossas idéias a defesa de uma fórmula social que tende a substituir a
ação do povo pela ação de um núcleo de indivíduos, o que lembra bastante
um novo avatar do parlamentarismo.
Só mercê de uma organização fortemente anarquista, solidamente
apoiada nos organismos sindicais revolucionários, evitaremos um desvio
da revolução, conseguindo que esta seja o triunfo do homem livre na terra
livre, enfim, de governantes – e de comissários, brancos ou vermelhos!
175
41 – Grupo Ação Libertária
Pela reabilitação moral da Revolução
Apelo aos anarquistas100
Camaradas
Ao dirigir-vos este apelo, fazemos notar que não se trata aqui da revolução
política ou dos pronunciamentos esporádicos recentes, que, além das
energias e das vítimas que custaram, pouco ou nada tiveram de
apreciáveis. Trata-se, como deveis supor, da revolução em seu sentido
lato, capaz de mudar a face da história. Trata-se do conceito revolucionário
e das forças sociais revolucionárias, moralmente abatidos, pela
esterilidade das “arrancadas” das hostes militares e dos partidos da
burguesia ou do “proletariado”, que arbitrariamente usurpam o titulo de
revolucionários.
Camaradas
100
GRUPO Ação Libertária. Manifesto publicado em março de 1932. N. do Org.: Este impresso
está no prontuário individual de Natalino Rodrigues de número 1286, seção do Departamento
de Ordem Pública e Social – DOPS – no Arquivo Público do Estado de São Paulo. Há uma
anotação feita à lápis de cor com o nome “Natalino Rodrigues” sugerindo ser este manifesto de
sua autoria. No entanto, além da identidade do título deste manifesto com o título do capítulo
vinte e nove do segundo livro de Florentino de Carvalho (Pela reabilitação moral da
Revolução), neles estão presentes a mesma linha argumentativa e estística. Ver CARVALHO,
Florentino de. A Guerra Civil de 1932 em São Paulo: solução imediata dos grandes problemas
sociais. São Paulo: Ariel, 1932.
176
Todos os sonhos de alforria e de soberania popular, que aos olhos dos
ingênuos se descortinavam em esperançosas realidades, se
desvaneceram.
Em lugar da democracia liberal, tomou pé o aristocrático despotismo
nacional e estrangeiro.
A terra de Santa Cruz ficou como dantes, sem expressão geográfica,
reduzida a simples feudo de Roma vaticanista.
Os discípulos de S. Francisco, de S. Thomaz de Aquino, de Arbuês,
Torquemada e Loyola, diretores e governadores espirituais dos
magistrados do flamante Estado, tornaram-se, entre nós os verdadeiros
detentores do poder político, orientando entre bastidores, com caráter
decisivo, a ação das poderes políticos.
No Catete reside o poder executivo; no palácio da Glória se encontra o
consulado romano, de onde o primeiro recebe as leis.
Favorecidos por essa fortuna, os batinados infiltraram em massa, todos os
recantos do país, e não tardaram de dominar as populações e provocar a
hecatombe dos espíritos, a hipertrofia assombrosa do fanatismo religioso,
assenhorando-se ao mesmo tempo de uma parte respeitável da economia
nacional.
Nesta região maravilhosa tudo se faz com lágrimas e água benta. Até as
revoluções inclusive as de 1924 e 1930, se realizavam de cruz no peito e
joelho em terra, sob as vistas e controle dos vigários de Cristo.
Militarismo
Trilogia Imperialista
177
O Brasil é para os grandes financeiros, excelente campo de operações,
mera colônia africana.
No Brasil não há autoridades; há apenas vassalos prontos a seguir à risca
as ordens de seus amos acastelados em Roma, Londres e Nova York.
A política, a economia e a consciência do país estão nas mãos dos mais
poderosos imperialismos.
Os próceres da república puseram a pátria em leilão, e eles próprios se
colocaram no rol dos desclassificados e vendidos.
Ao lado do domínio estrangeiro, mas em condições subalternas, os
grandes indústrias e comerciantes, os fazendeiros indígenas, ou
residentes, restabelecem a escravidão econômica do proletariado,
impondo-lhe cada dia condições mais penosas. Como chefetes da
economia e da política dos municípios, das cidades, etc., exercem por sua
vez influência respeitável, sobre os altos funcionários da República, os
quais se põem à disposição de todas as gentes de posição social, mesmo
porque são estas as que neste momento representam valores efetivos nas
lutas irrisoriamente chamadas cívicas.
O resto, o povo nada representa.
Ele é no sentir dos dirigentes, simples ralé, matéria bruta que se emprega
e se sacrifica, sem pejo, em todas as explorações, mesmo políticas... com
projeções pseudo revolucionárias.
Com a crise industrial que neste torrão se fez sentir profundamente, com o
saque levado aos cofres da Nação, pela burocracia e a intensificação
hiperbólica da exploração do trabalho exercido pelo capitalismo, criou-se
desde o Amazonas ao Prata uma situação de emergência, uma
calamidade econômica sem precedentes. A miséria faz mais estragos
entre as classes proletárias, do que as hecatombes guerreiras. A falta do
pão, de abrigo, de lar, dizima a granel os famintos, homens, mulheres e
crianças.
Até há pouco os cândidos que esperavam do “governo revolucionário”
lauta mesa onde iriam saciar a fome longo tempo curtida, formaram legião.
Mas, que se pode esperar de militares e políticos profissionais, conduzidos
espiritualmente pelo Estado Maior eclesiástico? Que se pode esperar dos
industriais da política e dos Generais que aqui estabeleceram o fascismo,
para obter as graças do Vaticano e do capitalismo internacional? Nada a
não ser leis draconianas, identificações deprimentes, idênticas, no fundo,
às aplicadas outrora no rosto dos escravos. Nada se pode esperar a não
ser as repressões violentas das agitações grevistas, nada a não ser a
mordaça, a prisão a deportação, no mínimo, dos militantes do movimento
operário ou social.
178
São estas as glórias da revolução, regada com o sangue de milhares de
cidadãos, soldados ou civis, que levaram em seus cérebros um mundo de
ilusões libertárias.
Camaradas
179
proletário”, ocultando no reverso da medalha um sistema de exploração e
de compressão física e moral que constitui um verdadeiro açoite.
Não existe, portanto força política ou religiosa que espose a causa da
plebe, que arvore os princípios de justiça e de igualdade social.
Na arena das reivindicações sociais, na pugna pela liberdade sem
reticências, sem rodeios, resta somente a coletividade anarquista.
Somente os anarquistas não ambicionam o poder, a riqueza nem a glória.
Estes almejam tão só a realização, a materialização de grandes ideais de
dignificação humana.
Camaradas
Camaradas
A luta pelo ideal é a razão de ser de todo idealista. Nada nos deve deter
na afirmação da nossa personalidade. O fato de sermos poucos, não deve
ser pretexto para trepidar. A guerra social não é uma matemática. Se na
luta perdemos muitos guerrilheiros parodiando a Malatesta “o que urge é
enterrar os mortos e continuar a batalha.”
A epopéia máscula, a epopéia revolucionária, libertadora iniciada com
desassombro e heroísmo inexcedíveis por Bakunin, Reclus Proudhon,
Gori, Salvochea, Lyng, Ferrer e tantos outros filósofos e mártires da
emancipação humana, requer o concurso espontâneo a ação contumaz
decisiva de todos os homens livres.
É preciso passar do terreno das elucubrações ao terreno dos fatos: cerrar
fileiras, anuar esforços para levar de vencida o inimigo comum – A
burguesia com todas as suas instituições – Alargar ao infinito os direitos
individuais e coletivos, os princípios de cultura e de moral de um
180
povo que aspira à civilização é a atitude digna de cavalheiros em cujos
cérebros fulge a chama candente do idealismo e sentem correr nas
próprias veias o sangue generoso dos revolucionários.
A bandeira das insurreições militares e políticas, arreada pela desilusão
unânime do povo, deve ser substituída pela bandeira rubra da igualdade
social, arvorada pelos pioneiros do Comunismo Anárquico
Anarquistas
Anarquistas
42 – A propósito da tolerância101
101
MÁSCULO, Lucas. A Plebe. Nova Fase. Ano 01 – N.º 08 – São Paulo – SP. 14.01.1933.
181
companheiros, fazem com que, ao invés da Revolução seguir para frente,
corra em disparada para traz.
Falam uns e outros em ciência, mas nem uns nem outros compreendem
que não há nada mais anti-científico, nem mais irracional do que um
homem crer que tem consigo a verdade absoluta; que não há nada mais
autoritário, nem mais jesuiticamente reacionário do que serem intolerantes
uns com os outros, achando cada um que o seu sistema é o verdadeiro e
que deve ser à força seguido; e que se o outro não o quiser seguir é porque
é falso, porque está vendido, porque é um traidor da humanidade...
Eu queria que os camaradas todos compreendessem que isso é
erro.
Não nascemos todos no mesmo dia, não estivemos juntos em toda
parte, nem aprendemos todos as mesmas coisas; estes são alguns dos
motivos porque não temos todos as mesmas idéias e as mesmas
tendências. Ninguém nasceu para saber tudo e guerrear aos outros que
também querem trabalhar para o bem comum, de acordo consigo próprio.
As únicas distinções que deve haver na nossa frente de batalha, são estas:
de um lado, os revolucionários; do outro lado, os reacionários ou contra-
revolucionários.
Como faremos para reconhecer quem está com a revolução e quem está
contra a revolução? Pela seguinte maneira: nós sabemos que vivemos um
momento decisivo de transição social; o povo precisa orientar-se
seguramente sobre as novas formas sociais que deverá adotar para o
futuro; para isso é preciso que lhe sejam expostas todas as idéias, todas
as doutrinas, todos os princípios, todas as teorias, todas as formulas, todas
as soluções para que ele veja, estude, procure a verdade onde ela se ache,
para que possa adotar aquilo que achar mais conveniente; assim sendo, é
preciso que haja a mais ampla liberdade de pensamento, de palavra, de
imprensa, de associação e de reunião e o maior respeito, o mais absoluto
respeito às pessoas pelo fato de exporem as suas opiniões.
Por esta forma o povo ou o operariado poderá orientar-se com segurança.
Sendo assim, será fácil reconhecer quem é revolucionário e quem está
com a Revolução. É revolucionário todo aquele que for partidário da livre
manifestação do pensamento, da livre associação conforme as convicções
e às tendências de cada um; e deve considerar-se contra- revolucionário,
reacionário, retrógrado, todo aquele que acha que tem o monopólio da
verdade absoluta, todo aquele que queira suprimir o direito de livre pensar,
de livre manifestar por qualquer forma as próprias idéias, todo aquele que
queira se opor a que cada um exerça a própria
182
atividade de acordo com a própria consciência, todo aquele que tendo
certeza de ser derrotado num regime de liberdade, recorre à violência para
obrigar aos indivíduos a não dizerem o que pensam e o que sentem.
Nesta ordem de idéias devemos estabelecer uma frente única
revolucionária contra a frente única reacionária que já existe e procura nos
sufocar. O último levante dos políticos paulistas, que por pouco não
conseguiu exterminar-nos, é prova do que afirmamos102.
Por isso, nada de ilusões perigosas. Nós precisamos de liberdade e de
respeito às nossas pessoas. Temos disso hoje um pouco, o que não se
dava ontem isto é fato que ninguém pode negar.
Que cada um siga o seu caminho com suas idéias e os seus programas,
sem ter que atacar nos outros, outra cousa que não seja o pouco respeito
que tenha pela liberdade alheia.
Nós, os revolucionários de todas as idéias, de todas as tendências,
devemos estabelecer a frente única no principio da liberdade de
pensamento, pela palavra e pela pena, e da liberdade de associação, para
nos opormos a todos quantos queiram perpetuar o estado de escravidão
em que a humanidade se encontra.
É preciso que todos compreendamos, que pratiquemos e que façamos
compreender isto. A liberdade acima de tudo, para que possamos construir
a sociedade em novas bases, para que todos compreendam e fiquem
inteirados, por si mesmos, sobre o que for melhor fazer.
Pouco importa que este trabalhe na oficina, aquele trabalhe no comercio,
aquele outro vista farda, aquele seja empregado público.
O que queremos saber é isto: está pela liberdade de pensamento e de
associação? Então formará na nossa linha de frente. Está contra a
liberdade de pensamento e de associação? Então é nosso inimigo e deve,
por isso, ser combatido com todos os reacionários e com todos os inimigos
da humanidade.
É neste terreno que devem se dar as mãos os revolucionários de todas as
idéias e de todas as tendências, fazendo frente única contra o inimigo e
não combaterem-se entre si por causa de pontos de vista diferentes.
102
N. do Org.: Alusão à guerra constitucionalista de São Paulo contra o governo central sob
regência de Getúlio Vargas ocorrida em 1932.
183
43 – A batalha dos séculos103
103
MÁSCULO, Lucas. A Plebe. Nova Fase – Ano 02 – N.º 40 – São Paulo – SP.
16.09.1933.
184
Se matar é crime, se a guerra é um grande crime, todas as guerras, desde
a mais remota antiguidade, até hoje, constituem os mais hediondos crimes
que os mais bárbaros e sanguinários vem impondo à humanidade
sacrificada no suceder dos tempos. E como consequência do suceder de
tantas guerras, vivemos, hoje, neste meio social, nesta civilização em que
o trabalhador vive ao relento a olhar para os palácios criados pela sua
inteligência e pelo seu braço, morre de fome e de frio a contemplar as
montanhas de produtos criados pela sua atividade e pelo seu esforço,
vegeta no obscurantismo ao lado da galopada fantástica da ciência e da
razão que levantam o véu aos mais intricados mistérios da Natureza.
Como consequência de todas as antigas guerras, até hoje, resultou isto: –
O DIREITO DE PROPRIEDADE, isto é, a riqueza e o bem estar para uns
– e o trabalho, a escravidão, a miséria, a vergonha e o desespero para
todos os demais. Para desaconselhar a revolta aos desesperados, os
patrões inventaram a religião que “garante” as delícias do... Céu aos que
mais sofreram neste mundo! Enquanto isso eles vivem á tripa forra, rindo-
se dos coitados que eles enganam e mistificam. Para os que não quiserem
crer nas delicias do Céu e acharem que também têm direito de satisfazer
as próprias necessidades, temos os Códigos, as Leis, os Regulamentos,
os Juízes, os Magistrados, os exércitos, as polícias, as metralhadoras, os
fuzis, os punhais, os canos de borracha, as geladeiras, as prisões, as
penitenciárias... manganelos e óleo de rícino, enfim, numa palavra, temos
aí o GOVERNO.
O que quer dizer que o grande crime que desde as mais remotas eras, os
mais violentos vêm perpetrando contra a humanidade, continua, ainda hoje
a ser praticado, não só para perpetuar a injustiça clamorosa multimilenária,
como também para impedir que a massa trabalhadora veja com clareza a
sua real situação e estude o remédio mais eficaz para se libertar.
Chegamos a um ponto em que a humanidade não pode mais viver dentro
dos moldes sociais estabelecidos pela força e pela tradição. Há pelo
mundo cerca de cinquenta milhões de desocupados que, com suas
famílias perfazem um total de duzentos milhões de entes humanos, para
os quais há este dilema: ou transformar a sociedade para poder trabalhar
e consumir, ou morrer de fome.
Agora, perante tal expectativa, levantam-se os ricos, os poderosos, os
clérigos, os exploradores, os viciados, os truculentos, os gozadores, os
trituradores de carne e dos corações dos homens que trabalham, quais
feras, quais trogloditas antediluvianos, lançando mãos a todos os meios
mais consentâneos com a sua natureza de monstros, e preparam por toda
a parte a guerra de morte, a guerra de extermínio, para
185
continuar mantendo o domínio da ladroeira e da injustiça, da extorsão e da
ignomínia.
Preparam a guerra e a reação: o CRIME.
Porque, para essas feras, para esses monstros mascarados de homens,
nada importa a justiça, a moral, a matança, o extermínio da humanidade
trabalhadora ou o fim do mundo. O que lhes importa é roubar, é escravizar,
é passar vida regalada, e dispor de exércitos de mercenários para
satisfazer seus caprichos, é ter exércitos de mocinhas famintas para
povoar suas alcovas e lupanares. O mais, nada lhes importa. Que haja
meia humanidade que se suicida de desespero, que os desocupados
morram de inanição, de fome ou de peste, ou que sejam devorados pelos
cães, não os sensibiliza, desde que não sejam incomodados nos seus
gozos, nas suas doces digestões, nos seus desbragamentos.
Agora, os horrendos trogloditas das cavernas terciárias arrancam
cinicamente as máscaras incomodativas da cultura, da civilização, da
educação, da moral, da ciência, da filosofia, dos sentimentos humanos, de
todas as qualidades nobres e elevadas: e proclamam abertamente: O
TEMPO DA LIBERDADE PASSOU.
Está visto! O que está em perigo é toda a herança de crimes e abomínios
cujas consequências vêm se acumulando sobre a espécie humana através
de centenas de séculos. O que está em perigo é o regime da ladroeira, da
exploração, da escravidão, da prostituição, da miséria e da fome!
É isto o que os senhores do mundo não podem permitir. Nem que o céu
venha abaixo. Eles tudo farão. Acabarão com a liberdade de imprensa,
com a liberdade de associação, com a liberdade de pensamento. Farão
grandes fogueiras de todos os livros, de todas as bibliotecas, destruirão
todas as tipografias. Assassinarão todos os homens que não tiverem
mentalidade de escravos, de escroques e de cafténs, e tentarão reduzir o
resto da humanidade a uma massa amorfa de eunucos, beócios, cretinos
e idiotas.
Não podem perder as suas conquistas, que julgam legitimas.
Querem, a todo o custo, continuar a serem senhores do mundo e da
humanidade. Querem continuar vivendo e gozando sem trabalhar. E
querem que haja gente louca e faminta para lhes fornecer carne moça e
abundante para os bordéis.
Mas, acordaram tarde, as feras antediluvianas. Ainda há muitos homens
que têm coragem, cérebro e coração. Ainda há muita humanidade sã, que
não está totalmente morta como parecia, mas apenas adormecida e que
está acordando. Ela não quererá suicidar-se, não quererá morrer, nem
permitirá que a assassinem. E inaugurará sobre a Terra o regime da
Justiça – que é o regime da Liberdade. O
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regime da Liberdade que marcará o fim de todas as tiranias, de todas as
misérias, de todas as formas de escravidão, de todos os vícios e podridões.
O regime da Liberdade que acabará com essa herança nefasta de erros
acumulados através de centenas de séculos de guerras, morticínios e toda
sorte de violências.
Homens de pensamento e de ação; homens de ideais, cujo maior prazer
está na luta sem tréguas, sem descanso pelo progresso humano;
companheiros que desprezais o sofrimento, na voragem gloriosa da luta
pelo ideal; batalhadores valentes que desafiais a morte num sorriso
heróico, inspirado na certeza da vitória:
Avante! É a nossa GUERRA! Prometeu rompe as algemas da sua
escravidão multissecular e munido de uma flâmula divina, desafia o infinito
do MAL.
Avante, pela estrada larga da liberdade humana!
Hoje como ontem e como sempre, duas forças se debatem para fazer
prevalecer os seus princípios e as suas concepções duma nova vida social:
autoritária e libertaria.
Os autoritários se dividem em vários setores ou partidos, que parecerão à
primeira vista distanciar-se profundamente nos seus objetivos, em
realidade pouco ou nada divergem uns dos outros, desde os considerados
fascistas aos que só se dizem “socialistas” e “comunistas”.
Os autoritários visam todos à conquista do Poder, para dali impor leis e
formas de vida ao povo ainda que contrariamente à vontade desse mesmo
povo.
Advogam a formação dum Estado forte e repressivo para resistir aos
possíveis ataques dos seus inimigos e garantir-lhe o triunfo do predomínio
sua única aspiração.
A sua engrenagem social parte de cima para baixo, isto é: centralista. Onde
a vontade dos que medram nos postos de mando se impõe de maneira
inflexível e inexorável aos que têm de obedecer: os de baixo.
Têm como lema primacial, “tudo pelo Partido e o Estado, nada contra o
Partido e o Estado”.
A liberdade individual a menosprezam, a coartam, onde o indivíduo,
partícula livre e independente do grande todo social, é considerado
104
(Não assinado). A Plebe. Nova Fase. Ano 04 – Nº 94. São Paulo – SP. 03.08.1935.
187
como simples autômato, qual peça duma máquina que tem de amoldar- se
e obedecer ao lugar que o queiram destinar.
Pretendem manter a propriedade privada, uns a individual, outros a
coletiva ou estatal.
O salário não o suprimem, não só porque não lhes é praticamente possível
dentro da sua estrutura político-econômica, como até porque vêem neste
a garantia dos seus privilégios de casta, que a todo o transe pretendem
perseverar.
Defendem a continuidade dos exércitos com suas castas hierárquicas;
Polícia Magistratura; cárceres e toda uma série de torturas e castigos
infligidos aos chamados delinquentes.
105
N. do Org.: Palavras ilegíveis na cópia digitalizada consultada.
188
criação de casas de saúde ou de instituições de verdadeira profilaxia
social.
Numa palavra: Preconizamos a Sociedade Comunista Libertária, que é, na
sua expressão mais simples, a organização livre e harmônica dos
trabalhadores na ausência absoluta de todo o principio de opressão e
exploração do homem pelo homem.
De “Rebelião”
189
190
Uma Breve Apresentação da Imprensa Matginal
Há tempos a cultura, a informação e as idéias criadas pelo ser
humano são tratadas como mercadoria geradora de lucros e
poder, se mantendo nas mãos de uma minoria que tem em mãos
não só o conhecimento, mas também os meios de produção e
difusão dos mesmos.
Partimos da idéia de que a informação não é produto, e deve
estar nas mãos de tod@s. Buscando sair da lógica do lucro e do
mercado, do comércio de idéias e informação, produzimos e
difundimos nossos livretos a baixos custos, cobrando apenas um
valor coerente ao seu custo real – referente à cópia, montagem e
auto-sustentação do projeto. Assim, pensamos e elaboramos
nossos livretos como algo mais do que uma capa envernizada,
brilhante e colorida, ou um papel couché: como algo mais do que
um belo produto que seja sucesso de vendas e esteja nas estantes
das melhores livrarias.
Pensamos no livro como difusor de informação, gerador de
senso crítico e questionamentos individuais e coletivos, como
propulsor de novas idéias. Não queremos ser sucesso de vendas,
não queremos nenhum livreto best seller. Acreditamos que o
direito de reprodução e difusão não é propriedade de quem os cria
ou edita.
Contra a idéia de propriedade intelectual, apoiamos a pirataria
e a livre cópia. Informação, idéias, inventos, criações: nas mãos de
tod@s, e não mais propriedade e monopólio de uma indústria
cultural! A Imprensa Marginal é um grupo anarcopunk que traduz,
reedita e difunde materiais libertários diversos.
www.anarcopunk.org/imprensamarginal
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