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FLORENTINO DE CARVALHO

ANARQUISMO
E SOCIALISMO
Parte II

Organização, seleção, apresentação e notas de


Rogério Nascimento

Imprensa Marginal . 2012

107
16 – Mentiras do socialismo 109
17 – Enterrando velhacos... 111
18 – Ante a vendeta pública.
Denuncio o caluniador, difamador e delator policial Teodoro Monicelle
113
19 – O chamusco militarista I 120
20 – O chamusco militarista 123
21 – Nós e o deputado Dr. Maurício de Lacerda 127
22 – Em torno das conferências do Dr. Maurício de Lacerda 127
23 – Cada qual no seu elemento.
A propósito da ação do deputado Maurício de Lacerda
nos meios operários 131
24 – Idéias e atitudes do deputado Maurício de Lacerda 132
25 – A propósito da ação do Deputado Maurício de Lacerda
nos meios operários 135
26 – Em torno das conferências do deputado Sr. M. de Lacerda 137
27 – Noções de coisas – o anarquismo ante o momento atual.
Ao deputado M. de Lacerda 140
28 – Cada qual no seu elemento – afirmação de princípios 143
29 – Os inestimáveis serviços do deputado Sr. M. de Lacerda 147
30 – Ação deletéria dos políticos no movimento social.
Circular aos trabalhadores, aos libertários 150
31 – “A Vanguarda” 152
32 – “A Vanguarda” 154
33 – Ação deletéria dos políticos no movimento social.
Circular aos trabalhadores, aos libertários 155
34 – A III Internacional 157
35 – Os dois extremos 158
36 – “Que se rompa y no se doble” 159
37 – O Bolchevismo. Sua repercussão no Brasil 161
38 – Vivamos às claras – Basta de confusionismo.
Pelo despotismo autoritário ou pelo anarquismo 164
39 – Maldita seja a hora em que os Srs. Maurício
de Lacerda e Evaristo de Morais assumiram a minha defesa 168 40
– Os equívocos bolchevistas 169
41 – A ditadura do proletariado e os anarquistas 172
42 –Grupo Ação Libertária.
Pela reabilitação Moral da Revolução.
Apelo aos anarquistas. 176
43 – A propósito da tolerância 181
44 – A batalha dos séculos 184
45 – O que pretendem os autoritários e o que pretendemos nós 187

108
12 – Mentiras do socialismo66

Belos tempos aqueles em que a imensa falange dos explorados e


idealistas se encontrava unida por um pensamento comum de redenção
social.
Época de verdadeiro entusiasmo, de fraternidade emocionante entre os
oprimidos, aquela que viu surgir os potentes organismos que deram vida à
gloriosa Internacional dos Trabalhadores!
O ideal social do proletariado militante era, salvo raras exceções,
francamente revolucionário. A supressão do regime burguês, com todas as
suas instituições econômicas e políticas, era a aspiração que dominava as
inteligências e fazia vibrar de júbilo e esperanças quase todos os corações.
O advento da suspirada emancipação dos escravos do salário parecia
eminente. O proletariado organizava as suas hostes e dava formidáveis
batalhas contra o patronato. O movimento alastrava-se como um regueiro
de pólvora, pondo em perigo a estabilidade do capitalismo e do Estado. As
classes privilegiadas assustavam-se perante o avanço formidável dos
trabalhadores, na sua marcha triunfal de revanche vitoriosa.
Nesse momento em que os acontecimentos marcavam o ponto culminante
da ruína do mundo antigo, de escravidão e de infâmia, e indicavam o
despontar do sol da liberdade integral das classes operárias e de todos os
seres humanos, surge, para desgraça das vítimas dos tiranos e
exploradores, no próprio seio das coletividades subversivas a grei dos
ambiciosos de mando e de riqueza, promovendo um movimento de reação
contra os que mais se distinguiam nas batalhas pela liberdade.
As épicas frases de Marx: “Trabalhadores do mundo uni-vos. – A
emancipação dos trabalhadores há de ser obra dos próprios
trabalhadores”, passaram a constituir palavras vazias de sentido, tanto
para o filósofo que as havia pronunciado, como para os seus discípulos e
para todos os socialistas autoritários. Entre os elementos chegados da
classe burguesa, com o fim de dar novo rumo ao movimento operário, e
66
CARVALHO, Florentino de. Guerra Sociale. Ano 02 – N.º 24 – São Paulo – SP. 1916.

109
os que, sendo, por muito tempo, militantes nas lutas sociais, não se haviam
libertado dos prejuízos sociais, organizou-se uma força reacionária e
dissolvente, a qual arrastou consigo um número considerável de aderentes
à Internacional, dando a esta federação o golpe de graça, e, à burguesia,
um novo triunfo sobre os homens do trabalho.
Para que os trabalhadores não se iludam com a dialética dos demagogos
da política que se intitulam socialistas, sendo apenas agenciadores de
votos, convém analisar as suas doutrinas, os seus princípios, as suas
finalidades e os seus meios de luta, pois somente assim nos
convenceremos de que constituem a melhor rede de escravização com
que o regime burguês se mantém e se perpetua.
Dentre os diversos títulos que lhes servem de divisa adoto o de Socialista
Democrático, porque se presta sofrivelmente para determinar um partido
que se intitula de socialista e sustenta os princípios legalitários,
autoritários, governamentais ou estatais, e admite a hierarquia, o domínio
do homem sobre o homem.
Democracia quer dizer governo do povo. Acrescentando-lhe o adjetivo de
socialista fica sintetizado nos termos seguintes: governo dos socialistas
que, de qualquer forma, pretendem conquistar ou conservar o poder
público.

*
* *

Princípios, fins e meios do Partido Socialista


Democrático

Os princípios sob os quais se desenvolve o Partido Socialista Democrático


distanciam-se tanto do verdadeiro socialismo, a ponto de se acharem em
flagrante contradição e hostilidade com a filosofia socialista. Isto acontece
porque “as formas e as modalidades do socialismo podem aplicar-se de
forma a destruírem-lhe a própria essência.” (Merlino)
Os princípios, fins e meios sustentados pelos democratas socialistas
podem ser enunciados da seguinte forma:
1º Centralização da riqueza social nas mãos do Estado.
2º Organização de uma república social em que o Estado seja o centro de
gravidade do dinamismo social, sob o ponto de vista econômico, político e
moral.
3º Conquista do poder público.

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O Estado regularizará o desenvolvimento da riqueza, organizará o
trabalho, ministrará a educação, a assistência, legislará sobre os cultos e
distribuirá a justiça. O Estado, uma vez de posse de todas as forças vivas
de um país, será o grande mandarim, o Deus onipotente, sem a vontade
do qual não se moverá uma folha. Tendo em suas mãos a terra, o Capital,
as rédeas do poder público e, em consequência, todos os meios de
instrução e de educação do povo, assim como a imprensa e todos os
outros recursos de publicidade, com os quais se forma a opinião pública, o
Estado, ou mais claramente, os governantes serão senhores absolutos dos
países que estiverem sob o seu domínio. Os partidos de oposição não
poderão existir porque carecerão dos recursos necessários à sua vida e
desenvolvimento. O controle e a crítica tornar- se-ão impossíveis, porque
não haverá quem conte com os elementos indispensáveis para organizar
uma força capaz de si fazer respeitar pelos governantes.
Este regime é próprio, excelente, para dar lugar a uma exploração e a um
despotismo nunca vistos, tanto pela sua extensão como pela sua
intensidade.
Um movimento em tal sentido produziria apenas a mudança de amos, com
tendência para uma nova forma de escravidão até hoje desconhecida pelo
seu requinte.
Neste novo regime ficariam subsistindo duas classes perfeitamente
distintas: a dos funcionários públicos, senhores, ao mesmo tempo, do
poder e da riqueza, e a dos trabalhadores, salariados, ao serviço do
Estado.
A classe dominante passaria a ser, pelo próprio determinismo deste
sistema social, uma vasta oligarquia principesca, cujo esplendor nobiliário
e plutocrático estaria em razão direta das possibilidades econômicas e
políticas.
Mas, dirão que um regime deste quilate não tem nada de socialista. Com
efeito, uma sociedade desta ordem seria o pólo oposto dos princípios
socialistas; porém, é para estes novos horizontes que os socialistas
autoritários, evoluíram, jactando-se de evolucionistas e criticando os ideais
revolucionários propagados pelos anarquistas.
Como é possível que alguém, apesar das incontestáveis demonstrações
que apresento, julgue exageradas as cores com as quais descrevo o
regime do socialismo democrático, reforço os meus argumentos com a
autorizada palavra de um proomem do Partido Socialista e deputado ao
Parlamento Italiano.
Este homem – Labriola – reconhece, como nós, que a democracia e o
socialismo são coisas que se repelem. Uma é a negação da outra.
Diz o ilustre parlamentar socialista: “A verdade é que o socialismo não é
um derivado da democracia. Quando muito se pode dizer que

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uma e outra provêm da mesma situação histórica e foram simultaneamente
originados. A democracia tinha por fim a ação em comum e solidarizada
de todos os cidadãos dentro do Estado; o socialismo tinha por fim a ação
distinta e separada dum grupo de produtores numa oficina ou no terreno
dos antagonismos econômicos, para daí irradiar para fora e investir contra
o Estado.” E, mais adiante acrescenta: “O partido socialista, pela forma
como toma parte nas instituições atuais, torna-se para elas um elemento
de conservação. Não pode fazer parte de ministérios ou de maiorias
parlamentares sem defender o Estado. De resto, a experiência mostra-nos
que não há maiores reacionários do que os socialistas, desde que chegam
ao poder.”
Poderia encher volumes com notáveis citações dos próprios socialistas
democráticos, que põem em destaque as mentiras, os sofismas e os
disparates que as doutrinas, as tendências e os homens do partido
socialista democrático representam em face dos magnos problemas
relativos à questão social, à emancipação das classes trabalhadoras. Mas,
creio que para amostra basta um botão.

*
* *

Lançados na corrente reacionária, os socialistas democratas não podiam


deixar de cantar as excelências dos processos tendentes a um lento
movimento político sem alterar as bases das instituições históricas. Desde
que descambaram para o terreno da política eleitoral e parlamentar, uma
obsessão absorveu as suas energias e faculdades: a posse dos poderes
constituídos.
Ora, os elementos que melhor podiam servir para este fim eram os que, de
um lado inspirassem entre as classes trabalhadoras a possibilidade de um
melhoramento econômico imediato, que é o que está mais ao alcance da
sua fraca mentalidade, e que, ao mesmo tempo aparecessem ante as
classes conservadoras como os principais elementos de ordem, de paz,
dentro do regime burguês, servindo como melhor garantia da estabilidade
e solidez do velho regime.
Com o fim de reunir em seu seio todas as forças sociais e chegar, assim,
mais depressa, ao fim almejado, os socialistas democratas pretenderam
contentar a todos e, as suas idéias passaram a ser pau para toda obra.
Aventaram a idéia de criar leis protetoras, cooperativas de produção e de
consumo, bolsas de trabalho e, também, conselhos de arbitragem, para
resolver os conflitos entre o Capital e o Trabalho.
As leis protetoras, porém, só podiam ser criadas por parlamentares
operários ou socialistas. E aqui radica o motivo da propaganda pelo

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voto, da luta eleitoral, para levar às câmaras legislativas e aos ministérios,
os homens de mais valia, de mais astúcia, ou os que, à custa do sacrifício
da sua dignidade conquistassem a benevolência ou a proteção das figuras
mais brilhantes do Partido Socialista Democrático.
O escopo a atingir era a harmonia entre o Capital e o Trabalho, sonho
dourado de todos os burgueses.
Ainda foram mais longe os senhores socialistas da democracia. Forjaram
doutrinas políticas, econômicas e morais, para cada classe social. Para os
proletários, elaboraram princípios de socialização das terras, da riqueza
social e, para os pequenos proprietários: agricultores, industriais e
comerciantes, codificaram um programa de defesa da pequena
propriedade. O socialismo democrático chegou a ser uma espécie de
panacéia universal, e... tutti contenti.

*
* *

Mas a lei é a vontade dos ricos ou dos mandões, transformada em coação,


para fazer com que, mediante o emprego da força, os mandados vivam e
se conduzam segundo as normas e os regulamentos estabelecidos pelos
dirigentes. A lei é uma consequência da organização econômica e política
baseada na desigualdade da posse das riquezas, e na existência das
instituições governamentais. A lei não pode existir sem o governo e, este
não pode manter-se de outra forma, que não seja pela exploração e pela
violência.
As chamadas leis protetoras são uma cataplasma que, longe de remediar
a situação dos oprimidos, vem agravá-la, porque é à custa das leis
protetoras – que nada protegem – que se mantêm e se forjam, com o
beneplácito do povo trabalhador, as leis que garantem a desigualdade
econômica e social, assim como todas as formas de exploração, de
escravidão e de repressão.

*
* *

As cooperativas em nada melhoram a situação dos operários, porque, à


medida que estes conseguem as mercadorias por um preço menor do que
existe na praça, os patrões reduzem os salários, na certeza de que os
trabalhadores não farão nenhum movimento de sério protesto ou de greve,
a fim de não comprometerem os interesses empregados nas cooperativas.
Das cooperativas de produção é absurdo falar, porque só seriam possíveis
se o proletariado tivesse capital ou riqueza para instituí-las.

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Se as cooperativas não trazem benefício algum, ocasionam, ao contrário,
inconvenientes perigosos. Distraem a atenção dos trabalhadores da luta
pelas suas reivindicações, infiltrando-lhes todos os prejuízos da
exploração capitalista, formando-lhes uma mentalidade formada pelos
cálculos, pelos dividendos, pela inveja e a desconfiança. Criam uma
corporação de empregados, de funcionários, ou novos parasitas sociais,
tirados dentre os elementos mais ativos e capazes na luta operária e social,
os quais entram em relação com os traficantes, com os industriais e
comerciantes, habituando-se a todas as falcatruas e estafas inerentes ao
movimento comercial e financeiro, ficando completamente perdidos para a
causa.
As cooperativas dão ensejo para que os que estão com a mão na massa
se apoderem do dinheiro dos operários e semeiem o pomo do desalento e
da discórdia, desbaratando a organização de resistência e os seus
movimentos de reivindicação.
Finalmente, o cooperativismo determina uma luta pacífica, legalitária,
desde que os interesses dos aderentes à cooperativa estão ligados à ação
dos poderes públicos, de cujo concurso necessitam para progredir. Se
puderem alcançar uma lei que os favoreça na isenção de impostos, de
tarifas, de pagamentos de transporte das suas mercadorias, etc., dar-se-
ão por felizes. Desta forma, pela obra mágica desta teoria conservadora,
as cooperativas servem também de clubes eleitorais e, os seus fundos são
empregados na propaganda do voto, na fabricação de novos mandões,
como se já não existissem bastante.
As bolsas de trabalho, ou, melhor, esses mercados de trabalho, são
simples agências de colocações, garitos aonde os politiqueiros vão à caça
de eleitores.
Os conselhos de arbitragem, segundo a experiência nos demonstra, têm
servido unicamente para fazer fracassar as greves, para que os operários
componentes desses conselhos se entreguem aos capitalistas, quer pelo
dinheiro, quer pelas ameaças. Os conselhos de arbitragem nada valem,
visto que, em última instância, a luta entre o Capital e o Trabalho
resolvesse no terreno da força.

Continuará

114
13 – Mentiras do socialismo67

O postulado socialista democrático, que em seus começos compreendia o


Estatismo como meio de transição social, passou a ser uma doutrina
puramente política reformista, proclamando o monopólio da riqueza pelo
funcionalismo público, chamando nacionalização e socialização a este
açambarcamento feito por uma classe que aspira a ser a única detentora
do poder e da riqueza.
Os socialistas democratas tornaram-se verdadeiramente contumazes na
política parlamentar, perseguindo um ideal em que, a conquista do poder
político, pelo processo elecionista, ou, mesmo, revolucionário, e a
centralização da riqueza nas mãos do Estado se integram para fazer
destes redentores os novos sultões, colocados sobre os ombros da
Humanidade.
Isto, sim, que é ser sonhadores e idealistas!...
Dentre as diversas enfermidades que degeneram a ética dos povos, a que
mais dano causa é a política estatal e elecionista.
O militar e o padre ainda podem elevar-se pelo saber, pelo heroísmo, pela
abnegação, no cumprimento dos seus deveres... e também, por todos os
meios ignóbeis, segundo as circunstâncias; mas, entre os políticos, só
podem elevar-se os mais charlatões, os que melhor saibam explorar os
favores dos ricos e a miséria dos pobres, os que tiverem menos escrúpulos
para mentir, para descer aos baixos fundos de todas as misérias e
imundícies sociais, finalmente, os mais hipócritas e supinamente cínicos,
os requintadamente, malvados e porcos.
Todas estas faculdades, todas estas virtudes são necessárias para abrir
brecha no caminho da magistratura representativa, para alcançar uma
cadeira de vereador, de deputado ou de ministro. O que pretender
conservar um rasgo de honradez, um viso de dignidade, está condenado
ao mais completo fracasso, perdendo o tempo e o latim.
Dentre todas as religiões, a mais sofística, a mais vil, a que mais mentiras
contêm, a que mais ilude, fanatiza e atordoa a mentalidade do povo, a que
mais corrompe o sentimento humano é a religião de Estado.
Para que esta religião tenha razão de ser e se justifique é preciso que o
crime se desenvolva, que o vício se vulgarize, que a desigualdade ative a
luta entre as classes sociais, que a iniqüidade triunfe, e que a miséria faça
estragos; é preciso despertar até o paroxismo o sentimento regionalista,
patriótico e nacionalista, fomentar o ódio de raças,

67
CARVALHO, Florentino de. Guerra Sociale. Ano 02 – Nº. 25 – São Paulo – SP.
19.08.1916.

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promover o antagonismo de interesses entre os povos, provocar a guerra.
Na classe do clero político e estatal, a subclasse que com mais veemência
defende a igreja estatal é a que se denomina democrática e socialista.
E é lógico que assim seja, visto ser a que possui menos recursos para
triunfar na luta pela existência. É o único talismã da sua fortuna, e, por isso,
deve agarrar-se a ele com unhas e dentes.
Já é sabido como esta confraria se habilitou para transformar a conquista
do poder, como meio, em uma finalidade, à qual sacrifica o socialismo e
todos os processos de emancipação social.
O Estado representa o município, a província e, finalmente, a nação.
O vereador tem que defender os interesses do município contra os
interesses gerais; o deputado provincial deve defender e representar o
poder provincial e o deputado federal deve defender e representar a
Nação.
Agora bem: que capciosas razões podem alinhavar os socialistas
democratas para se adjudicarem o qualificativo de socialistas
internacionalistas, sendo que, a política democrática tende à consolidação
do Estado, ao fortalecimento da nacionalidade, sem cuja existência este
cairia pela base?
O socialismo internacional, e, mais claramente, o socialismo universal, que
pretende a socialização das terras, de toda a superfície da terra, passando
esta a ser patrimônio de toda a humanidade, e a conseqüente organização
de uma federação mundial de produtores livres, não pode comungar com
as rodas de moinho, com os sofismas tecidos pelos vigários da política
rubra e parlamentar, que ilude a boa fé dos incautos.
A definição sintética do socialismo resume-se na socialização das terras,
dos instrumentos de produção e de consumo (comunismo), na socialização
de poderes (ausência de governo), da justiça, na socialização das nações,
das pátrias, constituindo a pátria universal.
Tudo o que estiver em pugna com estes princípios, como de fato estão as
bases do Partido Socialista Democrático, será qualquer coisa, menos
socialismo.
Longe estou de acusar de inconseqüentes ou traidores aos socialistas que
pululam nos parlamentos e nos ministérios, apesar de ser interessante ver
um socialista (?) votar os orçamentos de guerra, ou, quando menos, fazer
parte de uma instituição que vota milhões e milhões para o exército e a
polícia, para magistratura jurídica, para o fisco, para construir cárceres, etc.

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O quid da questão não está em votar, num momento dado, isto ou aquilo.
A traição, consciente ou inconsciente, com boa ou má fé, existe desde o
momento em que o indivíduo forma parte de um partido político estatal,
que explora o nome do socialismo, e que, dizendo-se defensor das classes
exploradas e oprimidas, coloca-se ao lado da burguesia, fazendo parte
integrante das suas instituições.
E senão vejamos:
Do Estado fazem parte os militares, os padres, os juízes (aves negras), os
vereadores, deputados, senadores, ministros, policiais fardados, policiais
secretas (cães de guarda), confidentes, espiões, etc.
Ora, digam, que figura pode fazer um socialista entre semelhantes classes
de vivedores, de parasitas sociais e ladrões, entre essa jauria que constitui
o elemento mais perturbador e mais indecente, da escória social, assim
como a força de opressão e repressão da classe capitalista?
Digam também se pode ser socialista o indivíduo que ande de braço dado
com esta gente; que conviva com ela, que se associe com esses
delinquentes de profissão para governar o povo ou reformar a sociedade
em benefício da plebe.
Diz-me com quem andas: dir-te-ei quem és.
Que podemos nós esperar desta cria, levada para o campo contrário pelo
prejuízo autoritário, feito idéia e carne em todos os pastores e caudilhos do
Partido Socialista Democrático, aliciados pelas necessidades
econômicas?
Seria insensatez ou loucura esperar algo de bom. Só podemos esperar
que façam o que fazem os outros políticos, ou ainda pior, porque
conhecendo a nossa fraqueza, mais dano podem nos causar. Com um pé
no regime burguês e outro entre o povo, servem perfeitamente para fazer
conhecer aos governantes todos os movimentos e progressos, e, também
os melhores elementos do proletariado militante, e também para sugerir as
melhores medidas tendentes a jugular a atividade reivindicadora dos
oprimidos.
O perigo maior que nos oferece o socialismo democrático encontra- se nos
seus princípios, nas suas doutrinas, nas suas tendências anti-
revolucionárias e antilibertárias, encontra-se nesse labor diário, de
propaganda e organização, de manejos com os inimigos do proletariado,
na ação dissolvente e enervante realizada entre as classes trabalhadoras,
fazendo convergir as suas energias para uma luta inglória, estéril e
prejudicial, que favorece a classe capitalista.
Este movimento de reação, contrário às aspirações de emancipação
humana dirigido pelo Partido Socialista Democrático é determinado:
1º Pela mentira patriótica e nacionalista;

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2º Pela mentira do possibilismo estatal que se diz favorável aos
trabalhadores;
3º Pela mentira da panacéia legalitária;
4º Pela mentira das virtudes do reformismo;
5º Pela mentira relativa à burla eleitoral e parlamentar; 6º
Pela mentira dos valores do cooperativismo;
7º Pela mentira histórica, ou falsidade na exposição dos fatos históricos;
8º Pela mentira inerente à inversão das concepções filosóficas do
socialismo;
9º Pelos princípios autoritários e hierárquicos do democratismo;
10º Pelos meios de luta que o Partido Socialista Democrático, desenvolve
dentro da ordem e da lei do regime burguês;
11º Pelas suas finalidades imperialísticas e tirânicas;
12º Pelas ambições que estas tendências despertam entre os seus
componentes, impelindo-os a uma luta desesperada para galgar os cargos
públicos bem remunerados e sair, à brevidade possível, da situação de
párias aguilhoados pelas necessidades econômicas.
O socialismo democrático, bem como todo o doutrinarismo burguês,
pretende remediar os males sociais nos seus feitos, e, ao mesmo tempo,
vai fortalecendo e dando incremento às causas, deixando que estas
esmaguem despiedadamente os deserdados do banquete da vida, dos
direitos à liberdade.
Para chegar à realização das altas aspirações de redenção social,
inspiradas no socialismo é indispensável à desorganização do Estado, a
abolição de todas as leis fabricadas pelos homens, a expropriação dos
detentores de todos os elementos de produção e de consumo, finalmente,
é preciso fazer passar à História todas as instituições burguesas.
O desaparecimento destas instituições exige que elas se vão
desmoralizando ante a opinião pública, a fim de que o povo se emancipe
do respeito e do temor que lhe inspiram.
Portanto, os erros, as violências, os desastres que estas instituições
possam cometer ou provocar, só podem contribuir para a regeneração
moral dos homens, que os capacitarão para implantar, mais depressa um
regime socialista e libertário.

Continuará.

118
14 – Repto de dignidade68

Tenho prestado pouca importância aos insultos e às calúnias, às


acusações ou às insídias que os burgueses e os politiqueiros lançam
contra os libertários. A procedência dessas misérias obvia qualquer
consideração.
Eis porque não fiz cavalo de batalha das calúnias e dos insultos que
L’Avanti! atirou sobre a minha pessoa e a dos outros anarquistas que
assistiram ao comício do Cambuci.
Além disso, o silêncio dos diretores do L’Avanti!, observado perante a
exigência feita por Guerra Sociale, segundo a qual eles deviam confirmar
com provas as insinuações publicadas, ou retratarem-se, – que a falta de
provas e a covardia os havia colocado numa situação difícil, e, ainda, que
o ofuscamento os teria levado a falar levianamente – induziu-me a não
alimentar uma questão pessoal, a qual poderia ser considerada como um
meio do qual eu tentava servir-me para valorizar- me.
Porém, Monicelli e Scala continuaram sorrateiramente a sua obra de
difamação, cochichando aos ouvidos dos socialistas e dos anarquistas que
não me conhecem, as suas infames calúnias, com o fim de atrair sobre
mim a desconfiança dos camaradas, inutilizar-me para a propaganda, no
firme propósito de que não lhes faça sombra na sua caminhada eleitoral.
Pretendem com isso desmoralizar os anarquistas e o anarquismo.
Como é possível que alguém venha prestar crédito às infamantes calúnias
difundidas por esses dois indivíduos, e este fato possa prejudicar o
progresso do ideal anarquista, repto-os a provarem publicamente que eu
seja espião de polícia, ou que a minha posição entre o elemento libertário
seja equivocada.
Repto-os também a indicarem publicamente os nomes dos anarquistas
que hajam manifestado a sua desconfiança relativamente à minha atuação
na propaganda; quando e em que formas se exprimiram.
Autorizo esses caluniadores a tornarem públicas quaisquer provas contra
a virtualidade da minha conduta como homem e como anarquista, ainda
que, para isso tenham necessidade de trazer à luz circunstâncias que me
possam comprometer com as autoridades, se tais circunstâncias existem.
Deixem de lado os pontos obscuros. Acabem de uma vez com os rodeios,
as evasivas, as insinuações duvidosas e daninhas.
Falem com clareza, com provas inconfutáveis, sintéticas, rotundas.

68
CARVALHO, Florentino de. Guerra Sociale. Ano 02 – N.º 27 – São Paulo – SP. 1916.

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Decidam-se definitivamente. Se assim não fizerem, a sua negativa tenderá
reduzi-los à triste condição de irresponsáveis, desclassificados,
caluniadores gratuitos, autorizando-me, autorizando os anarquistas, a
todos os homens honrados, a cuspir-lhes na cara.

15 – Mentiras do socialismo69

Em resumo, os diversos processos que o socialismo democrático emprega


como veículos de emancipação social – cooperativas, bolsas de trabalho,
conselhos de arbitragem, leis protetoras etc. – longe de influírem na
dinâmica social em sentido igualitário, servem de obstáculo à luta de
classes e à luta social, evitando o atrito entre os elementos antagônicos,
mantendo o povo produtor e todas as hostes subversivas numa inércia
sempre favorável à conservação do regime sob o qual a humanidade
padece as consequências de todas as desigualdades e privilégios.
Já vimos, também, que as finalidades do chamado socialismo democrático
estão impregnadas de todos os vícios do regime burguês, e prometem
ainda agravar os males sociais.
Instaurada uma única propriedade, a propriedade do Estado, os
funcionários públicos seriam os proprietários REAIS da riqueza social.
Uma revolução pacífica ou violenta, inspirada por estas finalidades não
seria uma revolução econômica ou social; seria apenas uma revolução
política, que determinaria simplesmente uma mudança de governantes, de
amos e a passagem da riqueza de umas para outras mãos.
O regime do salário alargaria o seu raio de ação, o que quer dizer que o
número de proletários seria maior do que na atualidade.
O sofisma que entre os sociais democráticos está mais em voga é a
confusão que estabelecem entre o Estado e a Sociedade.
É sabido que o Estado é posterior à Sociedade e que a sistematização e
organização estatal é de origem recente. Além disto, as funções da
Sociedade e as do Estado são específicas, distintas, opostas.
A Sociedade tem por fim a solidariedade a ajuda mútua, e a atividade das
relações, dando a cada indivíduo maior soma de liberdade, de bem estar
e de cultura. O Estado, ao contrário, é um agrupamento de indivíduos mais
ou menos arregimentados pela coação,
69
CARVALHO, Florentino de. Guerra Sociale. Ano 02 – N.º 28 – São Paulo – SP.
20.09.1916.

120
submetidos pela força bruta. No Estado impera o arbítrio, o direito do
indivíduo mais favorecido pelos privilégios.
Na Sociedade o indivíduo é um homem que exerce livremente as suas
faculdades, e desenvolve diretamente, com os outros homens, as suas
atividades na produção e na distribuição das riquezas, e em todas as
iniciativas da vida cultural e artística.
No Estado o indivíduo é um cidadão, um súdito, um autômato, cuja vida se
acha ao capricho de terceiros, os quais não permitem que cada qual se
mova sem o consentimento. Os governantes, absorvendo as funções da
coletividade ou de cada indivíduo nas questões concernentes à direção da
vida social e particular, obrigam os governados a obedecerem à lei, à
autoridade, suprimindo, de fato, os mais comezinhos direitos e liberdades.
Na produção e distribuição de riquezas o Estado ou funcionalismo público
aplica a lei do funil açambarcando o produto do trabalho e deixando sem
camisa os trabalhadores, que recebem um salário equivalente – se for – às
mais peremptórias e grosseiras necessidades.
Quanto à vida cultural e artística previamente o Estado toma as medidas
necessárias para que o indivíduo não se desvie dos sentimentos e das
idéias que devem formar um bom cidadão, capaz de sacrificar-se pela
pátria e pelo regime político imperante.
Nas relações jurídicas o Estado é o único juiz. O indivíduo não está
autorizado a fazer ou deixar de fazer qualquer coisa, a não ser em virtude
da lei.
Deste conjunto de fatos resulta um mal-estar, uma irritação constante entre
todos e cada um dos componentes do agregado de indivíduos
arregimentados, cuja explosão de revolta somente a força armada pode
conter.
O Estado prejudica, pois a economia e a ética do povo, e, unicamente a
sua ausência pode restabelecer o equilíbrio e a harmonia das relações
entre os seres humanos. O Estado é um sistema de princípios e de
instituições que suprimem o progresso, a liberdade e a moral, em toda
forma, em todo tempo e lugar onde possa exercer as suas funções.
O socialismo democrático, cujo postulado tanto defende o estatismo
governamental, é, pois, um catecismo de mentiras e de sofismas, que
estão em pugna com os mais rudimentares princípios de organização
social.

121
16 – Enterrando velhacos...70

Acossado pelos nossos reptos, colocado entre a espada e a parede,


apanhado com a boca na botija, metido num beco sem saída, preso pela
língua, Monicelli sente-se atribulado, corre, pula, empaca, estrebucha,
procura escapar-se pela tangente e fugir a uma comprovação pública das
suas acusações feitas contra alguns libertários e, especialmente contra
mim.
Como alcoviteira surpreendida na mentira e na calúnia comadresca, acha-
se confundido, titubeante, sem saber o que fazer.
Qual imunda Celestina, hábil no manejo da língua, procura salvar a sua
situação ganhando tempo, embrulhando os assuntos, desorientando aos
que dele exigem as provas, os documentos das suas acusações, lançadas
para prejudicar, por essa forma ignóbil, o movimento libertário.
E, para isso ele pretende que os anarquistas e os socialistas nomeiem uma
comissão, a fim de que se constitua numa espécie de tribunal de honra,
onde Monicelli faria às vezes de promotor... e em último caso, vendo-se
perdido apelaria para o insulto, provocaria alguma cena desagradável e
acabaria dizendo que os anarquistas, em vez de atenderem às suas razões
tinham recorrido à violência para sufocar a sua voz e, o nosso herói da
difamação e da calúnia ficaria livre de um compromisso perigoso.
Seria indigno de homens honestos fazer a um indivíduo deste jaez as
honras da sua presença.
Monicelli não pode pretender que os anarquistas nomeiem comissões para
indagar da conduta de nenhum dos indivíduos que militam no campo
libertário, por que entre estes não existe a menor sombra de dúvida ou
desconfiança.
São os acusadores, ou caluniadores, alheios, os que devem descobrir,
trazer à luz provas terminantes, esmagadoras.
Os anarquistas desafiaram Monicelli a provar as suas acusações, precisar
fatos, citar nomes, exibir documentos.
Eu reptei-o e reptei também o Scala a provar qualquer fato que possa
manchar a minha moralidade. Até agora nada provaram.
Repito. Como é possível que alguém venha dar crédito às infamantes
calúnias difundidas por esses dois indivíduos, e este fato possa prejudicar
o progresso do ideal anarquista, repto-os a provarem publicamente que eu
seja espião de polícia, ou que a minha posição entre o elemento libertário
seja equivocada.

70
CARVALHO, Florentino de. Guerra Sociale. Ano 02 – N.º 28 – São Paulo – SP.
20.09.1916.

122
Repto-os também a indicar publicamente os nomes dos anarquistas que
hajam manifestado a sua desconfiança relativamente à minha atuação na
propaganda; quando e em que formas se exprimiram.
Autorizo esses caluniadores a tornar públicas quaisquer provas contra a
virtualidade da minha conduta como homem e como anarquista, ainda que,
para isso tenham necessidade de trazer à luz circunstâncias que me
possam comprometer com as autoridades, se julgam que tais
circunstâncias existem.
Precisamente por não ser esta questão assunto de polêmica, pois os
documentos são os que devem falar, é que deviam sem perca de tempo
demonstrar as suas afirmações.
Este assunto não pode ser resolvido por comissões nem por tribunais por
que já foi tratado na imprensa e passou para o domínio público, e é ante o
público que deve ser resolvido.
Esse pedido de nomeação de comissões, feito por Monicelli, é um
subterfúgio de fracassado, de jesuíta, que se compraz em trabalhar na
sombra.
_ Pobre diabo, pode aparecer entre a gente, desabotoar-te à vontade, e
lançar a tua baba imunda. As tuas bufoneadas não perturbam nem de leve
a tranqüilidade da minha consciência.
Para obrigar os anarquistas a tratar o assunto em privado, posto que
reconhece a sua infâmia e tem medo de que seja conhecida do público,
esperando tirar partido das reuniões de comissões, tergiversando as
questões pendentes, Monicelli ameaça prosseguir na sua obra de nefanda
difamação, se não acederem às suas absurdas e calculadas pretensões.
Mas isto é um novo truque, uma nova infâmia.
Don Teodoro pretende vencer os seus adversários políticos fazendo
vítimas, vítimas da difamação e da calúnia.
Esse tartufo, que aventou as suas calúnias publicamente, não se
envergonha agora de propor e exigir a organização de comissões para que
venham mexer num monte de misérias lançadas pela sua boca de réptil
venenoso, cuja obra maléfica destrói as afinidades existentes entre os
subversivos, espalhando desconfianças e ódios, que só podem favorecer
os elementos reacionários?
Este cúmulo de canalhices e de infâmias é próprio unicamente de tipos
degenerados.
O indivíduo cuja conduta seja formada de um conjunto de todas estas
misérias e velhacarias não pode ser tolerado em nenhum partido, em
nenhuma seita... nem ao menos é digno de ser porteiro de prostíbulo.

123
17 – Ante a vendeta pública
Denuncio o caluniador, difamador e delator policial Teodoro
Monicelli71

Todos os que estudaram a história do movimento social, ou militaram


durante muito tempo entre os elementos subversivos, sabem que, sempre
e onde os anarquistas, procedendo em concordância com os seus
princípios de liberação, vieram, pela tribuna ou pelas colunas da imprensa
evidenciar a superioridade das suas idéias e analisar as doutrinas e os
métodos de ação dos partidos que se disputam a posse do trono
governamental, os politiqueiros de profissão, de todas as escolas e
matizes, vendo-se reduzidos à expressão mais simples pela formidável
lógica do pensamento anárquico, apelaram para a calúnia e a difamação,
ou para a delação às autoridades, a fim de se verem livres destes
“impertinentes” vozeiros da verdade e da justiça, que se ocupam em
desvendar as simulações e os embustes dos charlatões que parlam, por
atacado, para induzirem as massas populares a forjarem continuamente
as algemas da própria escravidão, representadas pelas instituições
políticas e econômicas que nos aniquilam.
Hoje se verifica, aqui, esse processo iníquo, contra os anarquistas que
mais de perto correm o véu da chicana política e da farsa eleitoral.
Teodoro Monicelli, expoente de um pretenso partido político parlamentar,
que por ironia se denomina socialista, propôs-se fazer do seu partido um
exército “Kolossal!...” pelo número de eleitores, para conquistar... as
cadeiras do parlamento!
Mas entendeu que, para transformar em fato esta utopia, era preciso
remover uma dificuldade: a ação antieleitoral dos libertários, que
aconselham o povo a fazer justiça pelas suas próprias mãos e a não
esperar nada dos parasitas que vivem uma vida de príncipes, à custa do
dinheiro que, mediante leis e decretos conseguem extorquir ao povo
trabalhador.
Monicelli assanhou-se especialmente contra a minha pessoa e, com a
perícia que o caracteriza nos trabalhos de difamação solapada, tentou
eliminar-me do movimento libertário:

a) esforçando-se por atrair sobre mim a desconfiança dos


subversivos, até que estes me expulsassem das suas filas;
b) delatando-me às autoridades, para que estas me persigam.

71
CARVALHO, Florentino de. Guerra Sociale – Ano 02 – N.º 29 – São Paulo – SP.
30.09.1916
124
Para alcançar o primeiro escopo, Monicelli declarou pelas colunas do
Avanti!, por ocasião do comício do Cambuci, que eu agia de acordo com a
polícia e que os outros anarquistas que ali se achavam eram meus
capangas.
Nessa tremenda acusação Monicelli foi secundado por João Scala.
Chamados à responsabilidade pelo nosso órgão Guerra Sociale,
exigindo-lhes uma comprovação ou uma retratação da acusação
publicada, meteram a viola no saco e, mais tarde, continuaram a conspirar
e caluniar entre os bastidores.
O diretor do Avanti! alegou não ter sido ele quem me acusou de espião de
polícia, mas foi surpreendido em flagrante embuste, porque se comprovou
que andou espalhando pelas diversas localidades do interior, que
Florentino de Carvalho é um mezzo poliziotto [meio policial].
Chamado novamente à responsabilidade, em vez de precisar e comprovar
as suas acusações, tece uma nova série de calúnias e monstruosas
insinuações.
Aludindo à minha atividade na propaganda, que qualifica de violenta, diz:
Caso strano egli si limita a parlare. Quando invece c’é da pone in pratica le sue
proposte, Florentino de Carvalho gira al largo, non ci si trova mai.
Questo suo contegno generó sospetto prima che in noi negli stessi suoi
compagni, i quali ora per convenienza o per omertá possono negarlo.

[Caso estranho ele se limita a falar. Mas quando se trata de colocar suas
propostas em prática, Florentino de Carvalho passa ao longe, nunca é
encontrado.
Este seu comportamento gerou suspeição primeiro em nós e nos seus
companheiros mesmo que, às vezes por conveniência ou por omissão,
possam negá-lo.]
.........
Ció potrebbe dipendere da uno squilibro fra il suo desiderio ed el coraggio
personale. Cosi il sospetto non puó essere basato, e non lo é, sulle ingiure che
quell’uomo muove sistematicamente contro il socialisti, perche ció potrebble
essere anche prodotto dalla ignoranza e da settarismo e non da disonestá.
Ma i motivi che gerano il sospetto e lo ingigantiscono sono altri e quei motivi to
ebbi giá a dirli a degli anarchici di San Paolo e specialmente a Gigi Damiani.

125
[Isto pode ser devido a um descompasso entre o desejo e a coragem
pessoal dele. Então, o suspeito não pode basear-se, e não é sobre a injúria
que o homem move sistematicamente contra os socialistas, porque
poderia também ser produzido pela ignorância e pelo fanatismo e não
desonestidade.
Mas as razões que geraram as suspeitas e a ampliaram são outras e já
tinham a dizer um segredo para os anarquistas em São Paulo,
especialmente a Gigi Damiani.]

Quais são, pois, esses motivos?


O caluniador nada responde, por que tais motivos existem somente nas
suas perversas intenções. Ele fala de graves motivos para impressionar...
A propósito dos “motivos” o nosso gladiador da difamação, nada disse a
Damiani nem a qualquer anarquista.
Dando rédea solta aos seus ímpetos de vingança e de difamação, Monicelli
escreve:
Ma chi é costui?
Ecco la domanda che io, come altri prima di me, mi sono rivolte. Chi é questo
insultare, questo provocatore, questo terrible e fiero restauratore del vero
sovversivismo paulistano?
E quando io e altri, ci siamo informati di lui chiedendo di lui prima di tutto ai suosi
stessi compagni, e quando abbiamo totti alcuni veli che comprono il mistero della
sua situazione, allora perdio, siamo venuti a scoprire COSA che dá ripugnanza
ai nostri sentimenti e ci siamo convinti che Florentino de Carvalho é elemento
equivoco nel movimento sovversivo di San Paolo, perché le sue origini e la sua
condotta in confronto ad alcune sue personali circostanze, danno ragione di
gravíssimo sospetto sulla sinceritá dell’opera che va compiendo e sui fini che egli
si propone.

[Mas quem é ele?


Essa é a pergunta que eu, como outros antes de mim, me tenho feito. Quem
é este insultor, este provocador, este restaurador terrível e orgulhoso do
verdadeiro subversivismo paulistano?
E quando eu e outros o informamos, pedindo-lhe antes de tudo, a seus
próprios colegas, e quando abrimos alguns véus é que compreendemos o
mistério da sua situação, então por Deus, que viemos a descobrir com
repugnância aos nossos sentimentos

126
e acreditamos que Florentino de Carvalho é um elemento ambíguo no
movimento subversivo de São Paulo, porque as suas origens e o seu
comportamento em relação a algumas de suas circunstâncias pessoais, dá
razão de suspeita grave sobre a sinceridade do trabalho que continua e ao
fim que ele propõe.]

Que coisas descobriram?


Também sobre esta insinuação nada menciona.
Somente a falácia de um perverso capcioso pode urdir semelhantes
infâmias e fazer da calúnia a melhor arma de combate.
Monicelli é um astuto.
Lança insinuações infamantes e calúnias comprometedoras e, depois,
trata de escapar à responsabilidade, à comprovação, negando- se a fazer
luz sobre o equívoco, dizendo, com o maior desembaraço, que são os
anarquistas os que devem fazer todos os esclarecimentos:

Accetino os anarquistas, l’unica via di soluzione che é aperta allá quistione e


facciano luce sull’equivoco.
Ma fino a quando invece di chiariri l’equivoco e di cercare la veritá, essi dell’uomo
sospettato com tutta ragione, ne farano il loro portavoce e gli affideranno incarichi
delicati quase ad incoraggiarlo nell’opera di provocazione che compie contro di
noi, non sperino gli anarchici che noi possiamo inchinarci riverenti ed ammirati
del loro modo di intendere il dovere verso quell’onestá politica che pretendeno
sai venuta meno in noi.

[Aceitem os Anarquistas, a única solução que está aberta à questão e


façamos luz sobre este seu equivoco.
Mas até que se esclareça o mal-entendido e ao invés de buscar a verdade,
esse homem suspeito com toda a razão, o farão seu porta-voz e o confiarão
tarefas delicadas quase a encorajá-lo na operação de provocação
cometidas contra nós, não esperem os anarquistas que nos curvemos
reverentes e admirados a sua maneira de compreender o dever de
conhecer a política, pretendendo que nós falhamos.]
.........
Ma gli anarchici non possono ora e mai pretendere che i socialisti superino lê
ripugnanze piú vive e sentite ‘per chi nel movimento sovversivo é elemento
equivoco e non dá affidamento di onestá’.

127
Ad ogni modo, amici o avversari, chi ci si mette a lato o di fronte a noi non deve
tenere la visiera calata.
Abbiamo il diritto che tutti sappiano chi sono i nostri avversari, come domani
vogliamo sapere com chi potremmo intenderci in um patto di alleanza contro il
nemico comune.

[Mas os anarquistas não podem pensar e pretender que os socialistas


superem sua repugnância ‘por quem no movimento subversivo é elemento
equívoco e não dá nenhuma expectativa de honestidade.’
No entanto, amigos ou adversários, que se colocam ao nosso lado ou na
frente não devem ter a viseira para baixo.
Temos o direito de que todos saibam se são nossos adversários, e amanhã
queremos saber com quem poderia ser claro um pacto de aliança contra
um inimigo comum.]

O caluniador e difamador empregou todo o seu gênio para induzir os


anarquistas a fazerem suas as pretendidas desconfianças por ele
inventadas, e se dedicassem a investigar a minha vida de homem e de
propagandista libertário e tornassem públicas as circunstâncias que esse
desclassificado julga possam comprometer-me, caindo na esparrela de
representarem o triste e repugnante papel de delatores.
No intuito de apressar os anarquistas a procederem segundo estas
suas indicações, ele lamenta-se dizendo:

Da troppo tempo si sperdono energie preziose in um litigio vergognoso mentre


siamo pressati da altre incombenze piú utili e doverose.

[Por muito tempo, se perde energia preciosa num litígio vergonhoso


enquanto somos pressionados por outras responsabilidades mais úteis e
adequadas.]

Nós, os anarquistas, desafiamos, diversas vezes, Monicelli a provar as


suas acusações e insinuações, que já são do domínio público, ou a
publicar um desmentido formal.
Ao primeiro desafio lançado, há vários meses, por “Guerra Sociale”,
respondeu com o silêncio...
Ao segundo saiu-se com a seguinte resposta:

Guerra Sociale vuole ora si rendono publici quei motivi, ma Guerra Sociale lancia
uma sfida sapendo che noi non possiamo accoglierla.

128
[Guerra Sociale pretende agora tornar públicas as razões, mas Guerra
Sociale lança um desafio sabendo que nós não podemos acolhê-lo.]

Porque motivo não podem acolher este desafio, sendo tão fácil publicar
tudo quanto quiserem, tendo um jornal à sua disposição e as colunas da
Guerra Sociale, se as precisarem para este fim?
Ao terceiro desafio, o mencionado herói da calúnia tratou de dar as de vita
Diogo dizendo:
É comodo invitarmi a far pubblico quanto ho giá dichiarato che non puó éssere
argomento di polemica e Florentino de Carvalho giuoca a mosca cleca
reclamando da noi quanto meglio di noi egli sa.

[É fácil me convidar para tornar público o que já disse que não pode ser
objeto de controvérsia e Florentino Carvalho joga um blefe cego exigindo
de nós o que ele sabe melhor que nós.]

Eu, em relação às acusações e insinuações infamantes difundidas por


Monicelli e Scala, só sei que estes dois indivíduos são capazes de todas
as vilanias e das maiores infâmias.
Estas três respostas de Monicelli são a demonstração cabal e evidente de
que o acusador, caluniador e difamador nada pode precisar, provar,
documentar.
Ele acusou-me de espião policial, e diz não poder esclarecer esta
acusação porque afirma existirem circunstâncias que me podem
comprometer com a polícia.
Como! Então eu sou espião de polícia e existem circunstâncias que me
podem comprometer com a própria polícia?
Semelhante contradição não cabe em nenhum cérebro equilibrado.
Além disso, se Monicelli sabe, desde algum tempo, que eu estou ao serviço
da polícia, não devia ter compaixão de mim, devia ter denunciado e
provado qualquer ação minha que pudesse ser prejudicial para a causa da
emancipação humana. Com os espiões não se deve ter contemplação
alguma.
Eu estava e estou tranqüilo ante as caluniosas difamações do velhaco que
aqui governa um grupo de simpatizantes do socialismo político legalitário,
e faz do seu órgão, o Avanti!, um veículo de provocações e discórdias, de
calúnias e delações contra os anarquistas.
A minha tranqüilidade baseia-se não somente na convicção de ter
observado sempre uma conduta da qual não posso envergonhar-me,

129
mas baseia-se também no fato de existirem aqui muitos camaradas que
convivem comigo há muito tempo, alguns dos quais me conhecem, dia a
dia, desde a minha infância.
Monicelli e Scala são dois tipos amorais, indecentes, que se esforçam por
desmoralizar, pela calúnia e pela difamação aviltante, os anarquistas, e
matar os órgãos de publicidade e outros elementos de propaganda
libertária.
Mas isto ainda não é tudo. Existem casos mais graves, mais odiosos.
Teodoro tentou ferir-me com uma espada de dois gumes. Um já é
conhecido dos leitores e, convém que conheçam o outro.
Na esperança de que a polícia encontrasse em mim algum motivo para
perseguir-me, o caluniador insistiu em que os anarquistas levantassem
publicamente o véu da minha vida de propagandista, e, não satisfeito com
isso, publicou nas colunas do Avanti! as seguintes insinuações que o
certificam como delator.
In ogni riunione Florentino de Carvalho avanza la proposta di azione rivoltosa
immediata e tratta di borghese chi non accetta a tamburo battente le sue
proposte.
.........
Ognuno capisce che sarebbe stolido muovere sospetto, e sospetto di tal genere,
contro um uomo, solo perché costui propone sempre la rivolta.

[Em cada reunião, Florentino de Carvalho envia a proposta de ação


revoltosa imediata e chama de burguês quem não aceita as suas
propostas.]
.........
[Todos entendem que seria tolo mover suspeita, e suspeita de tal gênero,
contra um homem, só porque ele sempre oferece a revolta.]

Não é admissível que estas palavras fossem escritas obedecendo à


ignorância sobre as consequências que delas podem advir, mormente
tratando-se de um indivíduo traquejado nestas questões, como está o
Monicelli, que sabe perfeitamente o prejuízo que podem causar à pessoa
que pretende atingir.
Somente um delator, ou quem, por vingança queira auxiliar a polícia,
mediante remuneração ou gratuitamente, pode fazer publicações desta
índole.
Não sou eu: os fatos, os documentos, são os que acusam Teodoro
Monicelli de falaz caluniador, de contumaz difamador, de asqueroso
delator policial ou MEZZO POLIZIOTTO [meio policial].

130
Que cada qual julgue estes casos segundo o seu critério e proceda
conforme a sua consciência.

18 – O CHAMUSCO MILITARISTA72

Pelo Direito à Vida e à Liberdade.

Haverá no cérebro dos homens algum raciocínio, ou alguma lógica?


Poder-se-á encontrar no coração das mães algum sentimento de amor?
Albergar-se-á, ainda, no peito das jovens, irmãs ou noivas, algum afeto ou
carinho?
Será possível que a espécie humana possua, hoje, os predicados da
bondade, da justiça e da liberdade, que sintetizam a verdadeira cultura, a
moral pura e simples?
Restarão no caráter do povo alguns elementos de regeneração física,
moral e social?
Eu não padeço de pessimismo.
Entendo que os vícios, as iniqüidades, a educação perniciosa, os
convencionalismos sociais, o ambiente em geral, da sociedade burguesa,
apesar da coação presente, da força do atavismo e da hereditariedade,
todos estes fatores do aniquilamento da razão, dos sentimentos
humanitários, do egoísmo e do altruísmo, bem compreendidos – que
favorecem a vitalidade da espécie em geral e do indivíduo em particular –
não conseguiram matar no homem este conjunto de faculdades e de
propriedades, porque o artifício não pode destruir a natureza.
Eu escrevo, pois, sabendo que o resultado deste esforço há de ser fecundo
em benefícios para o estabelecimento da sociedade civil, para a
fraternidade universal, que é fonte de felicidade, de progresso e de vida.
I

Em atitude ridícula, os magnatas que vivem a tripa-fora, e se refestelam


nas poltronas das repartições públicas, assim como os sáurios do
capitalismo, saem novamente ao cenário público para empreenderem uma
epopéia inglória, nefasta e tenebrosa, mandando, como cabos de guerra,
em miniatura, que as sonoras trombetas do nacionalismo toquem a
alvorada do ressurgimento cívico e chauvinista,

72
CARVALHO, Florentino de. Guerra Sociale. Ano 02 – N˚ 30 – São Paulo – SP –
14.10.1916

131
chamando todos os cidadãos ao cumprimento do dever, de um dever que
não se justifica, e, a defesa da pátria, de uma pátria que existe unicamente
para os que gozam do privilégio de acessão ao tesouro público, para os
que possuem títulos de grandes propriedades da riqueza social, e
exploram o trabalho das classes proletárias, como a mais rendosa
indústria.
Estes argentários e astros da diplomacia nacional querem um Brasil forte,
poderoso e temível, que possa, um dia, cobrir-se com as glórias do luto e
da desgraça, regar com sangue e com lágrimas as vastas pampas, os
extensos bosques dos paises vizinhos.
Conhecedores da psicologia popular, sabendo que o povo, na sua
estupidez procede geralmente como os símios, por imitação, os velhos e
decrépitos burgueses ordenam a seus filhos que se apresentem ao
exercício militar, que enverguem a farda, para fazerem quatro marchas de
honra pelas ruas da cidade, mostrando o seu garbo e dando ao povo
exemplo de adesão e concurso à obra do militarismo, terminando aí o seu
sacrifício pela pátria.
É por esse motivo que nas listas dos nomes dos voluntários para o
exercício militar, publicadas na imprensa diária, constam unicamente
nomes de estudantes, de jovens, filhos de famílias distintas de alta posição
social.
Para estes jovens o exercício militar é um brinquedo, mas esse exercício
e o serviço militar obrigatório serão para os jovens operários um inferno,
desde o momento em que tiverem de abandonar as suas famílias, que
ficarão no desamparo, e durante o tempo que forem obrigados a sofrer na
caserna os insultos dos superiores hierárquicos, os castigos, os efeitos da
péssima alimentação, etc.
Tudo o que para os estudantes ou jovens burgueses são flores, para os
proletários são cardos.
Os milionários e estadistas cá, da terra, que tanto gritam pela “salvação da
pátria”, têm realmente algum sentimento de patriotismo?
Os grandes marechais, os generais e outros oficiais de alta patente, sendo
proprietários em larga escala e auferindo rendas fabulosas, não
dispensam, em benefício da pátria, os três ou quatro contos de réis que
cada qual recebe mensalmente do tesouro da Nação.
Os deputados, abastados capitalistas, acham pouco os (100$000) cem mil
réis por dia, que “a pátria lhes oferece”.
O presidente da república, os ministros, os senadores, ganham contos de
réis quotidianamente, verdadeiras fortunas que representam o seu quinhão
nos orçamentos do Estado.
Os milhares de contos que o povo entrega mensalmente ao tesouro público
são enviados para os ministérios e, uma vez ali, os altos magistrados
empregam-nos no enriquecimento de uma multidão de
132
parentes, afilhados, ou correligionários políticos, que se ocupam
unicamente de intrigas políticas, de aliciar eleitores e capangas para os
pleitos eleitorais. Esse dinheiro serve também para subornar a imprensa,
para custear no exterior luxuosas embaixadas, e, finalmente, é dedicado à
construção de palácios que são habilitados para o recreio e ostentação
dos altos funcionários, à edificação de quartéis e cárceres, à manutenção
de milícias militares ou policiais, que são os cães de guarda do capitalismo
ladravaz.
Sabemos, também que o Estado administra estradas de ferro que
funcionam pessimamente, que sustenta escolas onde se catequiza, se
enlouquece e se envenena a infância e a juventude com a imposição de
idéias absurdas, de sentimentos perversos; estamos cientes de que o
poder público subvenciona numerosas instituições de parasitas religiosos,
que se aninham nos conventos, colégios e orfanatos, onde se escravizam
e exploram, e corrompem, com os vícios mais repugnantes, os filhos do
proletariado.
Pois bem. Enquanto os milhares de contos, que o povo paga, enriquecem
marechais, presidentes, ministros, deputados, políticos de toda espécie,
bem como os discípulos de Loyola e Torquemada; enquanto o tesouro vai
sendo raspado até os últimos recantos e se esbanjam fabulosas riquezas
em pomposas festas, intermináveis bacanais e rega-bofes; enquanto os
governantes se sucedem roubando, com o maior descaro a fortuna pública,
o proletariado do Ceará, de Sergipe, de todo o país, é vítima do excesso
de trabalho e do irrisório salário de mil ou dois mil réis por dia, da extorsão
desses mesmos salários, da desocupação, e da fome negra que o dizimam
implacavelmente.
Seria conveniente possuirmos uma estatística dos milhões de contos que
os “pais da pátria surrupiaram” do tesouro público, durante a época
colonial, o governo do império e do regime republicano.
E, para isso, para assaltar a bolsa do produtor e viver, com o fruto desse
roubo, no esplendor e na orgia, multiplicam-se os impostos, as tarifas, as
gabelas, aumentando a indigência e levando a desesperação, a angústia
e o luto, aos lares dos trabalhadores.
Mas não para aí as atividades dos nossos magistrados, dos nossos
argentários. Em Pernambuco monopolizam o açúcar, no Amazonas a
borracha, em S. Paulo o café e, assim por diante, em todos os estados
açambarcam céus e terras, extorsionam sem piedade as populações
laboriosas, servindo-se da lei, dos códigos e da força armada “ao serviço
da pátria e da república”.
“Altro” que a invasão dos alemães na Bélgica!
Tratando-se de sacrifícios, os demagogos do patriotismo dizem que todos
os habitantes desta terra são brasileiros. Tratando-se de

133
interesses e privilégios, gritam, apontando no peito do povo as suas armas
homicidas: - para trás, plebe maldita! Corja de bandidos!
É preciso repetir que, nos conflitos entre capitalistas e trabalhadores, os
estadistas os governantes desta “liberal e democrática” república colocam
a pátria e as suas instituições, jurídicas policiais e militares ao serviço dos
burgueses, das empresas de exploração, em grande parte estrangeiras,
para reprimir os direitos reclamados pelos trabalhadores, em sua imensa
maioria, nacionais.
Este é o verdadeiro patriotismo das classes dirigentes, as quais reclamam
dos pobres, dos escravos modernos o seu concurso para a defesa da
pátria.
_ Abandonem, “senhores” a sua riqueza, os seus interesses, deixem de
tantas concupiscências, roubalheiras e explorações, coloquem-se ao nível
dos brasileiros que trabalham e produzem e, só então poderão ter direito
de falar em patriotismo.
Enquanto assim não fizerem serão considerados como os piores inimigos
do povo brasileiro.
(continua)

19 – O CHAMUSCO MILITARISTA73
(Continuação v. n. p.74)

Todo o mundo, e muito especialmente os papás brasileiros


combatem a Alemanha, à causa do seu grande poder militar. Dizem-se

73
CARVALHO, Florentino de. Guerra Sociale. Ano 02 – N˚ 32 – São Paulo – SP – 04.11.1916.
74
Nota do org.: v. n. p. é a sigla de vem de número precedente. Este artigo foi organizado
em quatro partes publicadas em três números de Guerra Sociale. No primeiro número se
encontra toda a primeira parte. A segunda, terceira e início da quarta parte foram publicadas
em Guerra Sociale número 31 de 28.10.1916. Para esta coletânea pensei ser mais adequado
incluir apenas as partes publicadas nos números 30 e 32 de Guerra Sociale. Isto porque no
número 31 há uma crítica corrosiva à escola oficial como também ao positivismo comteano.
Aqui o positivismo é apreciado criticamente enquanto um dos fundamentos das instituições
governantes da república brasileira, sobretudo o Estado e sua ação junto à escola. Uma
coletânea em dois volumes com artigos reunidos a partir do tema EDUCAÇÃO ANARQUISTA
está em processo de finalização e a ser publicada pela EDITORA IMPRENSA MARGINAL. Por
isto julguei ser mais adequado deslocar o artigo publicado no número 31 de Guerra Sociale
para esta outra coletânea a ser publicada com brevidade.

134
contrários ao militarismo e, aqui, querem militarizar até as pedras! Tem
graça esta dualidade paradoxal.
Mas os nossos egrégios defensores da militarização, declaram, com voz
meiga e compungente, que são pacifistas, que não aspiram a guerrear os
visinhos, apenas dizem:
...........

“Impõe-se a nossa defesa. Todo o organismo que se não defende


enfraquece, elimina-se. A defesa é um dever primordial de todos os seres
vivos.”
...........

A Defesa Nacional é o corolário da defesa de cada um.


Isso seria verdade se todos os brasileiros, todos os habitantes do país
tivessem igualmente interesses, propriedades a defender, porém, o que é
que tem a defender o proletário o faminto, ao qual não resta sequer o direito
à subsistência diária?
A guerra, de ataque ou de defesa, traz invariavelmente a ruína econômica
das classes médias e a miséria entre os trabalhadores.
As classes abastadas e os políticos são os que lucram com a guerra.
Olavo Bilac, um dos messias da salvação pelo militarismo, referiu- se à
situação da Europa, atualmente conflagrada, onde se rasgaram tratados,
onde milhões de lares estão enlutados, dizendo:
“Quais as causas dessa calamidade? O amor do interesse utilitário, as
ambições comerciais, a expansão territorial e marítima. Não moveu as
nações conflagradas o delírio da glória.”
Para que Bilac completasse estas premissas bastava-lhe generalizar.
Todas as nações se movem para a guerra unicamente com o fim de
usurpar e dominar. Neste princípio resumem-se todos os idealismos...
burgueses, e só se fala em glória ou honra para despertar o entusiasmo,
o sentimentalismo patriótico dos neófitos.
E não se iluda o povo. A efervescência da campanha militarista tem um fim
determinado que não escapa ao conhecimento dos que estudam este
movimento.
Os diplomatas brasileiros querem fazer do Brasil um estado imperialista,
mantendo uma soberania sobre os outros estados da América do Sul.
Existe, porém, à nossa beira um outro país, a Argentina, que pela riqueza
do seu solo, pelo desenvolvimento da sua agricultura, indústria, comércio
e instrução vai eclipsando o Brasil, relegando-o a um plano inferior. Pode
dizer-se que a nação platina exerce a hegemonia econômica na região
meridional deste continente e faz convergir para o

135
seu território as correntes de imigração e civilização européia e norte-
americana. O Brasil, ao contrário, estaciona e permanece no atraso de país
pré-histórico e é considerado em estado de barbárie.
Daí a inveja, o ciúme, a sede de vingança e de guerra que os mentores da
burguesia brasileira nutrem contra a Argentina.
As embaixadas, os discursos de cortesia, os protestos de amizade e de
concórdia conseguem apenas cobrir o fundo com as aparências.
Tratando dos discursos de Bilac, o sr. Alcides Maia escrevia, há pouco, no
jornal O País do Rio:

Que o platino é nosso inimigo, e quer-nos suplantar efetivamente, em ‘Sedans’


sul-americanas, que nos desprestigiem para sempre, eu o sei por ser de uma
fronteira conquistada ao espanhol para a nossa raça e para a nossa língua. Sei-
o também por um longo e paciente exame de livros argentinos, da literatura aos
compêndios de classe (todos os anos de escola primária e de ginásio), dos
poemas de renome às luminosas mentiras encomendadas a Leipsig, para álbum
cívico dos alunos, em que o Brasil, povo irmão e amigo, é o único país do mundo
oficialmente infamado, com prêmios (medalha de ouro) ao autor dos livros
escolhidos.
Aceita-se a classificação e desminta-se, se for possível, o que afirmo.
O sonho da Argentina militarizada é a morte do Brasil. Carne, lã, trigo e
indústrias, naquelas ribas, são pólvoras contra nós. Eles querem matar-nos
como povo. Amanhã ou depois, - se estiverem preparados e nós não, - o
desafio virá como já vem na tese referente à jurisdição das águas do Prata...
. . . . . . . . . . .

Argentina e Brasil são duas nações cujos dirigentes sempre foram rivais,
em virtude da riqueza, do progresso, da cultura de um e a extensão de
território e a população do outro.
Ali se emprega, como aqui, nas escolas, na imprensa e na tribuna o mesmo
processo de propaganda de ódio, atribuindo aos brasileiros propósitos de
extermínio e de conquista.
Como a nação brasileira é inofensiva na guerra econômica, pensa- se
resolver a questão no terreno das armas.
E se, ainda, as hostilidades bélicas não assolaram o solo dos dois Estados,
deve-se o fato de não se sentirem os estadistas com forças para tais
cometimentos. Mas é com estes propósitos criminosos que se aplicam: o
sorteio, o ensino e o exercício militar.

136
Estamos, portanto, em véspera de uma guerra provocada pela ganância
dos capitalistas e dos governantes.
Homens de consciência, deixareis que o crime se cumpra, que a mocidade
e a infância sejam militarizadas, que a guerra, com todos os seus horrores,
tenha lugar sem o vosso protesto, sem a vossa enérgica reação?
Mães, irmãs, esposas ou noivas, consentireis que os vossos entes
queridos sejam arrancados do lar, dos vossos braços, para os conduzirem
como carneiros às casernas, onde serão corrompidos e estragados pelos
vícios, pelas doenças e, finalmente, varridos pela metralha, para satisfazer
as ambições monstruosas e desumanas dos verdugos da humanidade?
Ao povo argentino e ao povo brasileiro cabe o dever iniludível de
desmantelar os planos macabros dos algozes que têm em suas mãos o
garrote do poder.
Estamos certos de que os nossos irmãos da Argentina saberão ocupar o
seu posto de honra e de combate contra o inimigo comum. Nós, porém,
não devemos esperar que outros sejam os primeiros a romper o fogo em
favor desta justa causa.
Devemos imediatamente começar a demolir os castelos arquitetados pela
burguesia, até que não fique pedra sobre pedra dos projetos de
imperialismo e de tirania da canalha dourada.
Homens: empregai todos os vossos brios, todos os vossos entusiasmos
para a vitória definitiva da reivindicação do povo.
Mulheres: dedicai todo o vosso amor em prol do triunfo sublime da paz e
da fraternidade universal.
Apaguem o chamusco militarista que está cheirando a cadáver em
decomposição.
Agitemos o glorioso pendão do protesto, da revolta, da insurreição armada,
se tanto for preciso, para produzir a derrocada do monstro militarista e da
burguesia, promotora de guerras e de misérias, de tiranias e explorações.
Em vez de sermos sacrificados pela guerra e suas desastrosas
conseqüências, é preferível o sacrifício em prol do direito à vida e a
liberdade.
Abaixo a guerra! Abaixo o
militarismo!
Viva a fraternidade dos povos!

137
20 – Nós e o deputado Dr. Maurício de Lacerda75

Há tempo que não víamos com bons olhos a atividade do Dr. Maurício de
Lacerda nos meios libertários e operários, e os pedidos que assiduamente
os elementos avançados lhe faziam para que pronunciasse o seu verbo
em comícios e conferências operárias. No dia 19 do corrente, por ocasião
do festival operário realizado no Salão Celso Garcia, vimos quanto é
prejudicial à presença desses ídolos no seio da classe trabalhadora, e não
nos pudemos conter. Ante a idolatria manifestada por muitos concorrentes,
idolatria que chegou ao paroxismo, externarmos o nosso protesto...
Arrostando com a agressividade de alguns camaradas expusemos,
perante o Dr. Maurício de Lacerda, o que pensávamos, o que sentíamos,
no sentido de afirmar a nossa qualidade de homens que têm princípios e
convicções.
Eu e o camarada Edgard – ocupamos a tribuna, na conferência realizada
pelo Dr. Maurício de Lacerda na sede dos tecelões, dando o brado de
alerta aos trabalhadores, aos socialistas e aos anarquistas, demonstrando
a inconsequência de todos, quanto às nossas idéias, aos nossos métodos
de luta, desde o momento que aceitássemos como colaboradores da
nossa obra de emancipação, os elementos que são o expoente dos
poderes políticos e econômicos que nos oprimem.
Declaramos mais uma vez, o que não rejeitamos do nosso seio o Dr.
Maurício de Lacerda, cujos serviços prestados às vítimas do capitalismo
somos os primeiros em reconhecer, mas rejeitamos o deputado Maurício
de Lacerda, porque ele faz parte integrante do Estado, do qual somos
inimigos por condição social, e por princípio. Aceitamos o homem,
rejeitamos o estadista.
Lamentamos que exista entre nós e o Dr. Maurício de Lacerda esse
escolho: a sociedade burguesa e autoritária. Mas nós não temos a culpa,
e cremos que ninguém tem o direito de exigir-nos, que realizássemos uma
aproximação tortuosa, a qual implicaria o sacrifício da nossa dignidade de
trabalhadores e de anarquistas.

21 – Em torno das conferências do Dr. Maurício de Lacerda76

Cremos que em bem poucos países o proletariado tem vivido tão isolado
como no Brasil, lutando apenas com os seus próprios elementos contra um
ambiente de indiferença ou de hostilidade.

75
CARVALHO, Florentino de. A Obra. Ano 01 – N.º 07 – São Paulo – SP. 23.06.1920
76 (Não assinado) LEUENROTH, Edgard. A Plebe. Ano 04 – N.º 70 – São Paulo – SP. 26.06.1920.

138
Até certo tempo, enquanto a questão social não havia assumido aqui uma
feição bem definida de vivas disputas entre os detentores do capital e os
que para viver lhe alugam os seus braços, apareciam nos meios obreiros
certas pessoas pertencentes a outras classes sociais que, por um vago
pendor sentimental, pela pena ou pela palavra, se declaravam paladinos
da nobre causa dos humildes, dos fracos, dos desprotegidos da sorte, etc.
A situação, porém, em geral modificou-se. Este país, sujeito às mesmas
leis econômico-sociais, que regem os destinos dos povos civilizados, não
pode conservar-se alheio, insulado, como um vasto e privilegiado oásis
perdido em universal deserto, aos embates das pugnas que tendem a
impulsionar a humanidade para novos estádios de progresso.
Aquilo que até ontem não passava, da parte dos trabalhadores, de
imprecisas manifestações de desejos de uma situação melhor dependente
de um pretendido humanitarismo dos possessores das riquezas, passou a
assumir hoje, neste momento decisivo da história humana, em que as
tábuas dos valores sociais reclamam radical e pronta substituição, uma
feição de luta inconfundível, caracterizada entre os dois elementos cujos
princípios nasceram em flagrante contraste dos escombros revolucionários
de 8977.
A luta de classes, fenômeno imanente da própria estrutura da sociedade
capitalista, vem-se acentuando de dia para dia, com todas as suas
consequências.
Os dois elementos se defrontam em batalha sem trégua, em lados opostos
da barricada.
E bem distante já parece a época das patéticas cenas em que nos
modestos locais obreiros, engalanados de bandeirolas e escudos com os
nomes dos mandões nacionais ou do lugar, se confundiam festivamente a
blusa do operário, os dólmãs agaloados de coronéis e os fraques do
político militante e parlamentar.
Hoje, o proletariado forma fileiras sozinho, tendo contra si a quase
unanimidade da imprensa que outrora estampava artigos e noticias
espalhafatosas sobre coisas proletárias.
Os amigos de outros tempos mantêm-se ao largo, enfileirando-se entre os
nossos inimigos ou em atitude de quem lamenta a sorte dos pupilos
transviados...
Compreende-se. Já não se trata mais de simpatias sentimentais, de
arroubos filantrópicos, mas de afirmações positivas, de tendências e de
convicções firmadas sobre um problema de direito social.

77
N. do Org.: Referência à Revolução Francesa – 1789.

139
No passado, ser amigo dos operários correspondia às manifestações de
benemerência a que faz jus quem protege os asilos de mendicidade ou
dos voluntários da pátria...
Agora, a coisa pia mais fino. Declarar-se partidário dos trabalhadores é ser
bolchevista, anarquista, revolucionário vermelho...
Daí o isolamento em que vive o trabalhador no movimento de sua classe.
Há ainda, é verdade, núcleos operários em que essa situação não se
assentou bem. Mas isso se considera como uma anomalia combatida,
como anomalia é considerada e também combatida a intromissão de
pescadores de águas turvas.
Dos amigos sinceros, dos partidários reconhecidos pelas suas afirmações
e seus atos, diminuto é o numero, porque o momento é de luta sem
ambages e a luta sempre acarreta inconvenientes, dissabores, prejuízos e
perigos.
Natural é, portanto, esse misto de simpatia e de dúvida com que são
agora recebidos entre a classe trabalhadora àqueles que, não tendo
nascido sob tetos plebeus, assumem atitudes propensas à nossa causa.
É o caso do Dr. Mauricio de Lacerda. Moço de temperamento combativo,
inteligente e culto, foi surpreendido em sua agitada vida
política pelo problema social que sacode o mundo.
Desde então, tem desenvolvido notável atividade, discutindo as questões
em destaque atinentes à vida operária na imprensa, na tribuna parlamentar
e em conferências, assumindo sempre uma atitude desassombrada no
ataque às violências praticadas contra os trabalhadores e suas
associações.
Valeu-lhe isto o acatamento amistoso que lhe tem dispensado o operário
da capital da República e de outras cidades, sendo ainda convidado para
realizar conferências em centros proletários.
A S. Paulo, por várias vezes já veio o Dr. Mauricio de Lacerda. E agora,
por ocasião do festival realizado pela União dos Operários Metalúrgicos,
atendeu prontamente ao convite que lhe foi dirigido para vir realizar a
conferência constante do programa.
Tanto bastou para que o salão se enchesse inteiramente, havendo grande
interesse em ouvi-lo.
Por ocasião de sua entrada, verificou-se, porém, uma cena que
desagradou a todos que se preocupam com a educação dos
trabalhadores.
A mesma pessoa que havia emprestado uma feição espalhafatosa,
reclamista, sobre a vinda do Sr. Maurício, estampando-lhe o retrato no
jornal da classe e em avulsos desnecessários distribuídos no salão, por
ocasião de entrar no Celso Garcia em companhia do conferencista, fê-lo
de maneira desastrosa, talvez empolgado por um entusiasmo excessivo,

140
impróprio do modo trabalhador, abrindo caminho aos empurrões como
quem conduzia um messias salvador. Depois, ofegante, sem quase poder
falar, elevou o notável homem público ao sétimo céu, dando vivas à sua
pessoa, etc.
A seguir, o camarada encarregado de fazer a sua apresentação,
sugestionado, pelo que se notou, por aquele ambiente de excessos
lamentáveis, também foi infeliz, pois incorreu igualmente em exageros, que
se repetiram à saída do conferencista.
Isso impressionou desagradavelmente à parte da assistência composta de
operários militantes que, sem desconhecer as exigências da cortesia e da
educação, a que não somos alheios, julgam perigosa e merecedora de
reação as tendências messiânicas no seio do operariado.
Acresce ainda notar que já por ocasião do movimento dos tecelões não
passou despercebido o fato de, pressurosamente, ter sido chamado a esta
capital o Dr. Maurício de Lacerda a fim de conseguir a reabertura das sedes
da U. O. F. T., denunciando-se assim uma incapacidade associativa, a
impotência dos trabalhadores, que resolviam entregar a um terceiro a
incumbência que lhes competia e para cuja execução não havia sido
empregado os necessários esforços. Havia o protetor predestinado e a ele
confiava-se a obra que a todos competia levar a cabo.
Constatava-se dessa forma o começo de uma educação viciosa, explorada
pelas próprias autoridades, que procuravam tirar proveito da situação,
alegando que os trabalhadores de S. Paulo precisavam agora de “um
papão” para decidir as suas questões.
Afirmar-se-á que o Dr. Maurício de Lacerda não tem culpa disso, visto que
tem vindo a S. Paulo a chamado.
De acordo, ninguém desmerece os seus esforços, muito pelo contrário,
mas não se pode também negar o direito, e até o dever, dos militantes
procurarem esclarecer a situação.
Foi o que fez o camarada Florentino de Carvalho, a convite de muitos
assistentes, embora, segundo o parecer mesmo de alguns companheiros,
não tenha correspondido na forma, às necessidades da réplica.
*
* *
No dia imediato o Dr. Maurício de Lacerda realizou mais três conferências,
respectivamente na sede da Federação Espanhola, na sucursal dos
tecelões do Belenzinho e na sede dos gráficos.
O camarada Florentino de Carvalho usou da palavra após essas três
conferências, sustentando o ponto de vista anarquista em face da
argumentação do Sr. Maurício de Lacerda. No Belenzinho também

141
falaram Edgard e Pimenta, tendo este último igualmente discursado na
sede dos gráficos.
No próximo número faremos algumas considerações que nos foram
sugeridas pelas conferências realizadas pelo Sr. Maurício de Lacerda.

22 – Cada qual no seu elemento


A propósito da ação do deputado Maurício de Lacerda nos meios
operários78

Felizes, muito felizes e oportuníssimos foram os camaradas que aqui se


erigiram em advogados do deputado Maurício de Lacerda.
Nestes tempos de terrorismo legislativo, de reação policial, contra os
elementos avançados, não faz mal aceitar a proteção desinteressada,
paternal, de um amigo que goza das imunidades inerentes ao cargo
público que desempenha. Ele é um anjo salvador que nos ampara... e
devemos estimá-lo, defendê-lo, homenageá-lo, glorificá-lo.
De alguma forma havemos de recompensar os serviços por ele prestados
aos perseguidos. Sob a sua sombra e com a sua autorizada palavra
poderemos também realizar a propaganda social, reerguer as decadentes
organizações operárias, e, possivelmente, fazer a revolução social.
Não há nisso quebra de princípios, sacrifício de dignidades, confusões;
tudo fica muito bem.
Assim pensam, assim agem os que fizeram do deputado Maurício de
Lacerda escudo de defesa e de ataque contra a sociedade capitalista.
De duas uma: ou nós não distinguimos a diferença das classes, das
instituições, dos partidos, dos princípios e, finalmente, das doutrinas ou
estes camaradas perderam a tramontana.
Intitulando-se anarquistas, como se têm intitulado até hoje, cabe perguntar
que classe de anarquismo é esse que nos torna colaboradores da obra
reformista, legalitária, estatal e apologética de grandes vultos da política
nacional, realizada pelo Dr. Maurício de Lacerda.
A esse parlamentar “nada nos une”; “tudo nos separa”.
Ele não representa no parlamento um partido socialista ou operário,
representa um partido republicano burguês; ele não se filiou a nenhum dos
partidos avançados, não fez uma definição clara das suas idéias, dos seus
propósitos a respeito do movimento operário ou social.

78
(Não assinado). A Obra. Ano 01 – N.º 08 – São Paulo – SP. 01.07.1920.

131
Por esse motivo não podem os socialistas, os sindicalistas e os
anarquistas, aceitar no seu meio a interferência de um cidadão que milita
no campo burguês, que representa as instituições políticas hostis à
emancipação dos povos.
Admitindo o concurso do deputado Maurício de Lacerda na nossa ação
social, teríamos de admitir, com mais razão, o concurso do primeiro bispo,
que aparecesse no nosso meio, com os mesmos fins, ou do funcionário da
polícia que manifestasse a sua simpatia pela causa que defendemos.
No Rio já se deu, várias vezes, o caso de serem algumas sessões
operárias presididas pelo chefe de polícia, e os trabalhadores viam nisso
motivo de orgulho.
Dirão que não se pode comparar um padre ou um funcionário policial com
um deputado, e, de fato, não se pode...
O padre representa apenas uma seita, o funcionário policial representa
uma instituição política de segunda ordem, e o deputado representa um
dos poderes máximos do Estado é o agente que legisla, que dispõe; o
policial é o paciente encarregado de aplicar a lei, as disposições que
dimanam dos altos poderes governamentais. E todos, aqui, pudemos
constatar que o Sr. Maurício de Lacerda não foi idolatrado somente por ser
dedicado defensor do operariado, não foi somente por ser um intelectual,
um advogado. Outros cidadãos dedicadíssimos, lutadores pela
regeneração social, intelectuais e advogados, têm militado no nosso meio,
e nunca foram alvo de ruidosas manifestações e homenagens, como as
que se fizeram a esse titular. Logo, o Dr. Maurício de Lacerda conquistou
a popularidade, a simpatia de muitos, por ser deputado, isto é, pelo mesmo
motivo que nós lhe negamos as nossas relações.
Mais uma vez desejamos frisar que não mantemos nenhuma prevenção,
nenhuma animosidade contra o Dr. Maurício de Lacerda, mas é a sua
função de legislador, de governante, membro integrante do regime burguês
e republicano, que o coloca em absoluto antagonismo com a nossa índole
de vítimas deste regime, e de revoltados contra o princípio de autoridade,
que é o império da Força contra o Direito, da Arbitrariedade contra a
Liberdade.

23 – Idéias e atitudes do deputado Maurício de Lacerda79

O ilustre deputado Maurício de Lacerda prima em não querer tratar com


propriedade as teses de caráter social.

79
(Não assinado). A Obra. Ano 01 – N.º 08 – São Paulo – SP. 01.07.1920.

132
Numa das últimas sessões da Câmara, discursando sobre estas questões
disse que não abomina a propriedade individual. Apenas não quer que ela
seja um monopólio de abastados.
Alude à germinação da idéia nova nos meios operários. Frisa que temos
somente o radical, o comunista. Os operários de influência eleitoral não
têm idéias. Mas o comunismo, transplantado, vai criando entre nós e no
caboclo, principalmente, verdadeiros fanáticos. O orador mesmo é mal
visto em tais centros, porque ainda não fez profissão de fé contrária ao
Governo e ao capital.
O Sr. Maurício então abre os olhos do legislador para esse perigo. Mostra
que entre nós é a única classe que tem uma bandeira, um princípio, uma
idéia diretora.
Qual a outra classe que se bate por uma idéia? E que idéia?

▼ ▼

Em carta dirigida ao camarada Palmeira, e publicada, há dias, na “Voz do


Povo” do Rio, o Sr. Maurício referindo-se às associações operárias, diz que

essas associações, como os órgãos da ação direta, da ação revolucionária, não


se deviam inutilizar em greves de “feijão”, isto é, nas de aumentos de salários,
que só realizavam a angústia econômica cada vez maior, encarecendo a vida do
consumidor operário e perturbando a existência das associações proletárias que
se esgotavam para essas reivindicações puramente materiais. Deviam evitar as
pequenas greves para não enfraquecer as associações e desenvolver a estas
cada vez mais para uma só, grande e definitiva ação ou greve que lhes
resolvesse o problema, que não estava nestas conquistas imediatas, de relativas
vantagens da pessoa física, mas não de dignidade do trabalhador e de sua
pessoa moral.
Quanto à greve parcial analisei, como toda gente conhecedora dela, como o
operário ficava diante do patrão, sempre vencido pela fome, enquanto o outro
vivia na abundância, de sorte que só com a “sabotagem” o poderia amedrontar.
Aí observei que esse era um grande recurso, mas os patrões de quem eram os
parlamentos, as justiças, os governos e as leis, a declaravam crime, de sorte
que o operário não faria com ela mais que agravar a sua situação.
O que ele devia era reformar as leis, os parlamentos, as justiças, os governos e
se apropriar de todos de forma a

133
ter uma legalidade, uma justiça, um governo proletário contra o antigo que o
oprimia e composto exclusivamente dos burgueses que ele combate. Como se
vê é bastante diferente o que penso do que “disse” ou fui entendido em
S. Paulo, e você já tem aqui ouvido abundantemente de mim para deixar de
aceitar, como digo, o equívoco do meu auditório, ou, quiçá, da minha exposição,
o que ninguém mais lamenta que eu.
Onde, porém, a confusão foi tremenda ou da minha língua ou dos ouvidos que
tão benevolente se expuseram à minha “cacetada”, foi no me atribuir à fórmula
de um governo de partes iguais: capitalistas e operários!
O engano só posso explicar assim: ou foi quando eu condenava a participação
nos lucros como solução definitiva, classificando-a de protelatória, e disse que
nem ao menos era em partes iguais, pois se dava 3% ao trabalhador quando o
patrão tinha 97% (argumento que li no insuspeito Sr. Oiticica), sendo o trabalho
senão superior igual desde hoje, na própria sociedade dentro da democracia
proletária eu não via como dispensar o governo como direção, o soldado como
instrumento deste e o dinheiro e a moeda – como elemento de circulação desde
que se tinha de impor, depois de uma revolução vitoriosa, uma organização nova
às classes recalcitrantes, tal qual se dava na Rússia.
Assim é que não se pode notar contradição no que eu disse e sim no que julgou
ouvir ou entender o informante desse jornal.
Nem foi senão por ter a Rússia diante dos olhos que eu cheguei a essa
conclusão que certamente desagradou porque ela, sem divergir, insinua que
entre o comunismo e a sociedade atual, a liberdade e a sublime igualdade do
primeiro e a detestável condição social contemporânea, haverá um período de
passagem, de transição, educativa, para estabelecer e consolidar a democracia
proletária até o advento daquele ideal mais longínquo.

Mauricio de Lacerda

O Dr. Maurício conclui, pois condenando a greve parcial, aconselhando o


operário a não praticar a sabotagem; indicando como meio de luta o
sistema de reformas legalitárias, a implantação de uma nova democracia,
a implantação de uma nova democracia. Acha indispensável o governo
assim como o exército e o dinheiro, para constituição do novo regime.

134
Para completar a sua obra, o ilustre deputado, segundo confissão própria,
diz que vem ao nosso meio para nos estudar. Feito esse estudo volta ao
parlamento e abre os olhos do legislador para o perigo comunista.
Ao leitor consciencioso deixamos a tarefa de comentar as idéias, as
atitudes contraditórias deste homem público que tanto se interessa pelas
questões sociais.

24 – A propósito da ação do Deputado


Mauricio de Lacerda nos meios operários80

É tarefa escabrosa a de fazer compreender a todos, que no propósito,


nosso, de deslindar posições em face da interferência de uma autoridade
pública no movimento social não, entram para nada as pessoas. São os
partidos, as idéias, os que estão em jogo.
Cada agrupamento político ou social tem seus princípios, suas finalidades,
seus meios de ação, específicos, que não se podem confundir com os
princípios dos adversários sem que isso implique a própria
desmoralização.
É a definição clara e precisa das idéias e a coerência para com as mesmas,
o que dá valor ao pensamento e respeito aos homens que lutam por um
ideal.
O triunfo de uma idéia requer a abnegação, o sacrifício, o martírio, o
sangue, mesmo, dos seus adeptos, assim como a exposição franca e nua
do seu postulado; exige também, rigidez de caráter, integridade absoluta.
As idéias e os homens que perdem estes valores estão chamados a
sucumbir.
Andar por linhas travessas, torcer o pensamento, ocultar as chagas sociais
ou morais, evitar os termos que melhor sintetizam os princípios é ir
diretamente ao precipício.
Por isso timbramos em manter a pureza das nossas idéias, e em tomarmos
uma atitude inconfundível.
Queremos separar o joio do trigo.
Estas considerações vêm a propósito das conferências aqui realizadas
pelo deputado Maurício de Lacerda, quem, apesar de se declarar nosso
amigo, ocupa uma posição de adversário, desempenhando uma função
política hostil às liberdades pelas quais lutamos.

80 CARVALHO, Florentino de. A Plebe – Ano 04 – N.º 71 – São Paulo – SP.


03.07.1920.

135
O companheiro Edgard, ao noticiar a primeira conferência do Dr. Maurício
de Lacerda, realizada no salão Celso Garcia, critica asperamente os dois
camaradas que fizeram a apresentação do orador por terem exagerado
nos elogios feitos ao mesmo, e, coisa estranha, outros elementos que têm
mais responsabilidade no nosso meio e que evidenciaram mais infelicidade
nas suas manifestações foram contemplados com o silêncio... Porque essa
deferência?
Os dois companheiros castigados pela censura são dos que menos
traquejo têm nas questões sociais e, no entanto, fez-se cair sobre eles à
culpabilidade de uma incongruente exteriorização... de muitos.
Isto é inexplicável.
Referindo-se, ainda, a essa conferência, e tratando de justificar o
desagrado de alguns camaradas, pelo triste espetáculo messiânico que
acabam de presenciar, Edgard diz:

De acordo, ninguém desmerece os esforços do Dr. Maurício de Lacerda; muito


pelo contrário, mas não se pode também negar o direito, e até o dever dos
militantes procurarem esclarecer a situação.
Foi o que fez o camarada Florentino de Carvalho, a convite de muitos
assistentes, embora, segundo o parecer mesmo de alguns companheiros, não
tenha correspondido na forma, às necessidades da réplica.

Nesta apreciação é que Edgard foi mais infeliz. Não teve reparo em faltar
à verdade. Eu não fiz, nem tentei fazer uma réplica; não fiz referência
alguma às idéias externadas pelo deputado M. de Lacerda. Dirigi a palavra
aos trabalhadores, fazendo ressaltar a inconveniência que temos em
idolatrar e admitir como mentor, como expoente das nossas aspirações,
na Câmara ou na praça pública, um homem que pertence ao Estado
burguês, pois que, este fato significava a nossa incapacidade, o nosso
suicídio moral.
Procurei lembrar que “a emancipação dos trabalhadores há de ser obra
dos próprios trabalhadores” e não dos deputados; que era preciso
recuperar os nossos foros de homens que não precisam de pastores, nem
defensores, e fazermos respeitar a nossa dignidade.
Mas o camarada Edgard achou que deveria mentir e mentiu...
Das palavras por mim vertidas nessa conferência não tenho porque retirar
ou modificar uma sílaba.
Tenho a plena consciência do que disse e a noção da
responsabilidade que me cabe no terreno da luta social.
Repito: a interferência de um homem de Estado no movimento operário é
de efeitos desastrosos, porque cria na mentalidade da massa

136
trabalhadora a crença de que somente com o auxílio e a proteção das
autoridades poderá melhorar a sua sorte, o que, aliás, é um absurdo.

25 – Em torno das conferências do deputado Sr. M. de Lacerda81

Não poderia absolutamente supor, ao escrever a nota aparecida no


número 70 d’APlebe sobre o que se passou por ocasião da conferência do
Sr. Maurício de Lacerda, realizada no Celso Garcia, que isso poderia
provocar mal entendidos e até animosidades.
No entanto, outro intuito não tive senão de, com a necessária serenidade,
informar os leitores do jornal cuja redação estava a meu cargo, e que não
podia deixar de se referir a um caso desenrolado em nosso meio.
Por isso, embora não queira, de forma alguma, alimentar malquerenças, o
que jamais fiz, julgo de meu dever prestar os devidos esclarecimentos.
Diz o camarada Florentino que menti e, o que é pior, com o propósito de
mentir.
Vejamos o que eu disse:
Depois de fazer considerações de índole geral atinentes ao caso, para
explicar o movimento de reação contra as manifestações de simpatia
exagerada que então se verificaram e atingiram as raias da idolatria,
imprópria do meio proletário, assim me externei:
Por ocasião de sua entrada, (do Sr. Maurício de Lacerda) verificou-se, porém,
uma cena que desagradou a todos que se preocupam com a educação dos
trabalhadores.
A mesma pessoa que havia prestado uma feição espalhafatosa, reclamista,
sobre a vinda do Sr. Maurício, estampando-lhe o retrato no jornal da classe e em
avulsos desnecessários distribuídos no salão, por ocasião de entrar no Celso
Garcia em companhia do conferencista, fê-lo de maneira desastrosa, talvez
empolgado por um entusiasmo excessivo, impróprio do meio trabalhador,
abrindo caminho aos empurrões como quem conduzia um messias salvador.
Depois, ofegante, sem quase poder falar, elevou o notável homem público ao
sétimo céu, dando vivas à sua pessoa, etc.

E mais:
81
LEUENROTH, Edgard. A Plebe. Ano 04 – N.º 71 – São Paulo – SP. 03.07.1920. N. do Org.:
Texto de Edgard Leuenroth seguido imediatamente de nota escrita por Florentino de Carvalho
comentando e polemizando com Leuenroth.

137
A seguir, o camarada encarregado de fazer a sua apresentação, sugestionado,
pelo que se notou, por aquele ambiente de excessos lamentáveis, também foi
infeliz, pois incorreu igualmente em exageros, que se repetiram á saída do
conferencista.
Isso impressionou desagradavelmente a parte da assistência composta de
operários militantes que, sem desconhecer as exigências da cortesia e da
educação, a que não somos alheios, julgam perigosa e merecedora de reação
as tendências messiânicas no seio do operariado.

Como se vê, nada mais fiz do que registrar fatos cuja veracidade deixo ao
juízo daqueles que assistiram à festa dos metalúrgicos.
E o registro desses fatos não me parece conter nenhuma áspera censura
a quem quer que seja não me animando a intenção, imprópria ao meu feitio
pessoal e à obra de propaganda, de castigar militantes.
Como não entrei em pormenores do que se passou, nas outras
conferências do Sr. Maurício, não posso ser acoimado da incompreensível
parcialidade referindo-me à atitude de companheiros de menos traquejo e
poupando “a culpabilidade de uma incongruente exteriorização... de
muitos”, pois no Celso Garcia só se constataram os fatos enunciados na
noticia que publiquei.
Dizendo que o companheiro Florentino, ao usar da palavra, atendendo ao
apelo de muitos dos assistentes, não correspondera, “segundo o parecer
mesmo de alguns companheiros”, na forma, “às necessidades da réplica”,
não tive o propósito inexplicável de menosprezar os seus esforços.
Ninguém contesta o direito e até a necessidade do seu ato e eu dei, na
ocasião, creio que antes do que ninguém, uma demonstração disso,
manifestando-me como pude.
Registro a afirmação de Florentino de que não teve o propósito de replicar
e sim de demonstrar a inconveniência de se admitir um mentor no campo
operário.
Quer dizer que apliquei mal o termo, que poderá ser substituído
devidamente.
E julgo ter esclarecido o caso.

*
* *

A minha malfadada notícia também deu ocasião a que aparecesse no


último número do METALÚRGICO uma série de coisas inconvenientes que
contêm até pontos injuriosos.

138
A consideração que me merece a classe de que o referido periódico é
órgão é que me leva a fazer referência ao que no mesmo publica a pessoa
autora dos exageros de Celso Garcia e que evidentemente assumiu uma
atitude imprópria de militante proletário.
O que apareceu n’A PLEBE é de minha autoria e não de um anônimo, pois
sabido é que o que se publica em um jornal sem assinatura pertence ao
seu redator responsável.
Em S. Paulo não há meia dúzia de intelectuais a açambarcar as iniciativas
operárias.
O que há é um núcleo de trabalhadores mais esforçados e cuja dedicação
tem sido fartas vezes posta à prova. Se tem mais algum traquejo e preparo
é devido ao próprio esforço, e isso não é seu privilégio.
As iniciativas da U. G. T., da VANGUARDA e de sua empresa gráfica estão
a cargo de todas as associações, por deliberações de suas diretorias e
assembléias.
Cai, pois, pela base a afirmação tola de exclusivismos.
Se alguns companheiros se demonstram mais esforçados, isso não lhes
pode ser assacado como uma culpa.
Deixo à apreciação dos operários a intenção de estabelecer em seu seio
as rivalidades de nacionalismo, fazendo distinções entre trabalhadores
italianos e de outros países.
Isso é a demonstração de uma inconsciência a toda prova.

EDGARD LEUENROTH.

São verdadeiramente desagradáveis as discussões em torno de questões


como a presente.82
A meu ver o nosso esforço deve ser dirigido no sentido de realizarmos a
nossa obra de regeneração com critério, com ponderação, avivando o fogo
da simpatia, da solidariedade, da camaradagem entre os que lutam pelo
ideal libertário.
Mas, para que possamos estar unidos na grande luta, para que a nossa
coesão não seja artificial, mas sim natural, espontânea, preciso se torna
resolver da melhor forma possível os incidentes que perturbam a harmonia
entre a nossa grei. Para que qualquer máquina funcione com regularidade
é preciso que as suas peças estejam perfeitas e bem ajustadas. Para que
os nossos elementos possam agir da maneira mais perfeita é necessário
que comecem a fazer justiça na própria casa

82
N. do Org.: Aqui inicia os comentários elaborados por Florentino de Carvalho logo após o
texto de Edgard Leuenroth.

139
varrendo os últimos resquícios que rompem os laços de simpatia e
solidariedade.
Não desejava ocupar-me, nem ocupar a atenção dos leitores em questões
desta ordem; como, porém, o camarada Edgard publicou nas colunas
desta folha a referida nota, que eu considerei pouco inspirada na verdade
e na justiça, ví-me obrigado a evidenciar os seus erros de inspiração,
deixando ao leitor imparcial o trabalho de comentá-los.
Ao contrário do que supõe o camarada Edgard, a sua nota só provocou
bem entendidos.
E não podemos dar-lhe uma interpretação diversa da que se infere dos
seus termos porque o camarada Edgard não é um irresponsável, um
ignorante, um obtuso; ele tem conhecimento do que faz, sabe até onde
quer chegar.
Segundo essa nota eu não correspondi às necessidades da réplica: isto é,
fiquei numa situação crítica, inferior ante o meu contricante.
Ora, esse fato não podia ter lugar porque no instante em que eu fiz uso da
palavra, já o Dr. Maurício não estava presente.
A inverdade, pois, não pode ser mais evidente.
Por último, o camarada Edgard engana-se, atribuindo-me o propósito de
demonstrar a inconveniência de se admitir um mentor no campo operário:
o que eu creio ter demonstrado é a inconveniência de um deputado no
meio operário, e principalmente no meio anarquista.
Não posso conceber semelhante paradoxo.
Deve ser mesmo engraçado ver os anarquistas e os deputados em...
fraternal amplexo!...

Florentino de Carvalho

26 – Noções de coisas – o anarquismo ante o momento atual.


Ao deputado M. de Lacerda83

A tese mais importante abordada pelo ilustre deputado Maurício de


Lacerda nas suas conferências aqui realizadas, foi a da inanidade do
comunismo anárquico. Disse que esse ideal é o mais belo, o mais sublime
que a humanidade tenha podido conceber; as massas, porém, não
estavam preparadas para tão elevada realização. Era preciso estabelecer
um regime, de transição, o maximalismo, por exemplo, tal como se havia
verificado na Rússia.
Ora, para o Dr. M. de Lacerda, que não é idealista, que é, apenas, um
político, há de ser mais admissível um regime de transição, uma

83
CARVALHO, Florentino de. A Plebe. – Ano 04 – N.º 72 – São Paulo – SP. 10.07.1920.

140
sociedade onde exista um comunismo... relativo, e onde impere o
Estado, com o seu cortejo de instituições: o exército, a moeda... etc.
É esta uma bela maneira de afastar o PERIGO COMUNISTA, e enveredar
pela senda do maximalismo, que muito bem pode ser realizado por vias
legais, por uma série de reformas, pelo processo elecionista, que, de fato,
será muito cômodo, muito agradável para os políticos...
Mas, cumpre-nos fazer notar que as afirmações do Dr. Maurício são
capciosas e gratuitas, porque não vêm seguidas dos recursos da
argumentação precisa, lógica, documentada. Para que essas afirmações
tivessem consistência seria preciso que o conferencista ilustrasse os seus
ouvintes, nos princípios, nos fins e meios do comunismo anarquista, e, a
seguir, sustentasse a sua impraticabilidade. O grande sociólogo, porém,
contentou-se com apresentar razões empíricas constatando o impreparo
associativo e cultural do operariado brasileiro, para tão grande empresa.
Mas com a devida vênia tomamos a liberdade de chamar a atenção do
ilustre deputado para as seguintes razões elucidativas:
O território russo acha-se no pólo Norte e o nosso no pólo Sul. As
condições do seu solo não são iguais às do nosso. A Rússia possui os
climas polares, nós os tropicais. A sua flora e a sua fauna pouco se
assemelham às que florescem na terra de Santa Cruz. A sua população,
composta de várias raças orientais, pouco têm de comum com a nossa,
constituídas por africanos de origem, europeus ocidentais e americanos.
As crenças políticas ou religiosas, os idiomas, os costumes, a história do
povo russo distam muito das que formam a psicologia étnica do povo
brasileiro.
Verificadas essas diferenças estudemos os acontecimentos. Os tempos
mudam... e nós não estamos, mais, em 1917.
Quando, na Rússia se proclamou a república dos Sovietes, as nações
européias achavam-se em armas e, os povos aliados, vibravam ainda sob
o entusiasmo da vitória. Era grande a provisão de viveres e material de
guerra. As populações recebiam noticias da Rússia através do filtro dos
governos interessados em fazer acreditar ao mundo que reinava, ali, o
terrorismo e a pilhagem.
Estes recursos facilitaram aos governos o envio de numerosos
contingentes de forças à Rússia, para esmagar a revolução, bem como
auxiliar com dinheiro e material bélico a reação capitalista.
Nessa época ainda não havia o colosso russo acabado de sair de uma
guerra tremenda, na qual as suas forças vitais ficaram esgotadas.
Ainda assim, passou, de uma sentada, do império absoluto para uma
república aproximadamente comunista.

141
Em louvor à verdade cumpre-nos constatar que a liberdade e a igualdade
estabelecidas na Rússia devem-se principalmente ao arrojo dos
anarquistas, os quais lutaram até contra os maximalistas para que os
direitos conquistados pela revolução não fossem burlados pelos políticos
vermelhos.
Hoje estamos em circunstâncias diversas das que o povo russo teve a
enfrentar há três anos. O estado de espírito das populações não está, mais,
empolgado pelo entusiasmo da vitória; hoje os povos reconhecem que
foram vítimas da armadilha em que os respectivos governos os fizeram cair
como inocentes cordeirinhos. Os grandes e os pequenos Estados acham-
se com os seus exércitos, em grande parte desmobilizados; encontram-se
privados de mantimentos, vendo-se obrigados a entabular negociações
com os sovietes da Rússia para adquirir os seus cereais e acalmar assim
a revolta das populações esfaimadas. Os governos têm os seus tesouros
vazios e estão endividados até os cabelos.
Acrescentemos a isto o fato de acharem-se as classes operárias, os
partidos avançados em constantes agitações e movimentos
revolucionários, ameaçando a queda dos Estados, das instituições do
capitalismo, e concluiremos que o perigo de uma pressão externa, sobre
o Brasil, no caso de um movimento de revolução social, aqui, não existe.
Não participamos do parecer, segundo o qual devemos esperar que a
revolução triunfe na Europa ou na América do Norte, para depois,
proclamá-la no Brasil, mas observamos que há mais probabilidade de que
ela faça a sua explosão no velho continente, e que, em breve, as
esquadras dos grandes povos libertos aportem às nossas cidades
marítimas arvorando a bandeira vermelha, para nos auxiliarem no nosso
ímpeto emancipador.
Por último, se falta à organização do proletariado do Brasil, para realizar
uma revolução de caráter comunista libertário, também falta para um
movimento maximalista. E com relação à sua falta de cultura, basta-nos
observar que na ação a desenvolver influi mais a educação do que a
ilustração.
No Brasil, por exemplo, são as classes ilustradas as menos aptas para
viverem no regime comunista. O próprio Sr. Maurício é o primeiro em
reconhecer que o nosso caboclo está sendo facilmente empolgado pelas
idéias comunistas. Isto porque o povo brasileiro ainda não foi corrompido
totalmente pelo regime do industrialismo burguês. Os filhos do Brasil estão
identificados com as idéias comunistas e anarquistas por terem vivido nos
campos, nos sertões, uma vida mais ou menos livre, longe dos grandes
centros populosos, onde a exploração prolifera, degenerando o ambiente
social e moral.

142
O maximalismo, como muito acertadamente disse o Dr. José Ingenieros,
não é uma doutrina, não tem princípios nem métodos de luta definidos; é
um movimento dos elementos em marcha para o progresso social e as
suas manifestações tendem a variar segundo o momento e o lugar em que
as massas se agitem pelas suas reivindicações. E assim como a burguesia
teve empenho em desvirtuar todas as religiões, todas as doutrinas políticas
ou filosóficas, assim também ela trata de criar um maximalismo... seu, ou
como o que está sendo elaborado na Itália, onde os deputados socialistas-
maximalistas são hoje, um dos melhores “pára- choques” da revolução
social iniciada pelos libertários.
Nós batalhamos sempre em favor de qualquer tentativa de caráter liberal
contra os regimes reacionários.
Por isso não vacilamos em defender a revolução russa contra a reação
burguesa mundial; porém, concomitantemente atacamos o regime dos
sovietes no que ele tem de autoritário, hierárquico, coercitivo.
Neste vendaval de agitações revolucionárias, de novos surtos de
doutrinas, de idéias, de métodos de luta, de oportunismos... nós
certificamos mais uma vez a superioridade dos nossos inconfundíveis
princípios, dos nossos meios de ação e firmamos com mais precisão as
nossas convicções comunistas e anarquistas.

27 – Cada qual no seu elemento


Afirmação de princípios84

A nossa índole de pensadores libertários, de iconoclastas, que vivemos


por um ideal grandioso e por ele lutamos e sofremos com entusiasmo, com
alegria infinita, não nos permite macular a sua pureza em áureas de
convenções imediatas de orientações estrábicas e incoerentes. O nosso
empenho constante está em elevarmos, tanto quanto possível, o nosso
nível moral. A nossa hombridade não pode declinar em nenhuma
circunstância, em nenhum momento da nossa vida.
Pois bem, se nas seitas religiosas há o máximo cuidado em expurgar os
elementos estranhos, se os partidos políticos que estão fora do poder,
repelem do seu seio os homens que representam os partidos adversários
e os poderes estabelecidos, se a D. Pedro II, do Brasil, lhe foram, na
Europa, negados os cumprimentos, por ser um imperador de escravos; se
até ontem, os governos aliados se negaram a reconhecer os delegados
dos sovietes russos, porque cargas de água havemos nós

84
CARVALHO, Florentino de. A Plebe. Ano 04 – N.º 72 – São Paulo – SP. 10.07.1920.

143
de admitir como expoente das nossas reivindicações e dos nossos
princípios um membro proeminente de um partido político burguês e
representante oficial do regime republicano vigente, regime que encarcera,
expulsa e martiriza o proletariado consciente e os homens de idéias livres?
As classes operárias já definiram, em três congressos, os seus princípios,
os seus métodos de luta, dos quais transcrevemos alguns tópicos:

O Segundo Congresso Operário Brasileiro, tomando em consideração as


resoluções adotadas pelo Primeiro Congresso sobre a orientação que à
organização convém seguir em face da política especial de um partido,
aconselhando-a a se manter inteiramente no terreno da ação direta de pressão
e resistência contra o capitalismo, divididos pelas suas opiniões políticas,
religiosas ou sociais;
Resolve confirmar as mesmas resoluções por considerá- las as que mais
correspondem aos fins do movimento operário; e
Considerando também que, com as suas periódicas e nefastas agitações, os
partidos políticos tendem unicamente a desviar os trabalhadores do seu
movimento de resistência e de reivindicação social;
O Segundo Congresso Operário Brasileiro convida a classe trabalhadora do
Brasil a, repelindo a influência dissolvente da política, dedicar-se à obra da
organização operária sindicalista que, considerada dentro da ação operária, é o
meio mais eficaz e poderoso para a conquista de melhoras imediatas de que
necessita e para o fortalecimento de luta para a sua completa emancipação.

Orientação e finalidade

O 3º C. O. B., tendo em vista as condições particulares aos meios operários do


Brasil, reafirma em suas linhas gerais as declarações sobre orientação feita nos
Congressos de 1906 e 1913; por outro lado, porém, examinando e ponderando
a situação histórica de fato em que se encontra o proletariado mundial neste
momento, julga necessário estabelecer, em termos precisos, um critério
fundamental, positivo e realista, pelo qual deverão orientar-se todas as
organizações, todas as lutas, todos os trabalhadores do Brasil.
..........

144
Ficam, pois, firmados os princípios e as finalidades fundamentais da organização
operária; revolta contra a injustiça, luta contra o regime de desigualdade entre os
homens; ação pela justiça, luta por um regime de igualdade entre os homens.

Ora, o deputado Mauricio de Lacerda, membro do governo constituído, não


pode ombrear-se conosco, não pode fazer parte de nossa grei, a não ser
que estejamos dispostos a anular os princípios e os métodos de luta
aprovados nos congressos operários, princípios e métodos que excluem
por completo a interferência da política e dos políticos, especialmente os
funcionários do Estado, seja qual for a sua propaganda.
Mas, para darmos mais uma prova de que o Dr. M. de Lacerda faz
principalmente, a propaganda reformista, legalitária e estatal, destacamos
do seu artigo há pouco publicado na “Voz do Povo”, do Rio, no qual
pretende fazer algumas justificações relativas às conferências realizadas
nas associações dos empregados no comércio daquela capital.
Diz o Dr. Mauricio de Lacerda:

Em ambas as conferências procurei principalmente evitar cisões na classe e,


sobretudo, encarar o assunto com a maior isenção de ânimo, me adscrevendo
mesmo ao estudo experimental do seu caso, sem qualquer preconceito ou idéia
apriorística.
Os empregados no comércio, os partidários da ação legalista, tinham solicitado
da Câmara sua inclusão no projeto operário.
O presente artigo é, portanto filho da mesma inspiração, não devendo ser
julgado como uma peça doutrinária, mas como um raciocínio em torno de
observações.
..........
Daí a lei vir, cercando-os de garantias, facilitar o exercício de uma consciência
de classe, o que se não verificara precisamente nos meios operários onde as
fortes associações eram uma defesa mais eficaz do que todas as leis votadas e
por votar, pois estas na sua existência dependiam para vigorar daquele fato, isto
é, da força operária em suas manifestações diretas. Foi assim que eu chamei,
embora pareça inadmissível em teoria, à ação indireta, no meio comercial que é
toda própria e preparatória da direta, de que me confessei partidário.
..........

145
Nessas conferências apenas constatei que, dada a incapacidade, no momento,
da classe comercial poder-se empenhar numa demonstração direta com
sucesso, aquela outra forma, dando-lhes as vantagens imediatas que a lei
consignava, servia indubitavelmente para escudá-los do arbítrio patronal, de
modo a se incorporarem sem os temores do presente na falange dos precursores
da verdadeira ação de todo proletário.

O Dr. M. de Lacerda não pode, pois – por essas palavras – considerar-se


amigo urso dos seus pares e amigo urso do proletariado, bem ao contrário,
ele vai conquistando as simpatias de todos...
Vejamos o que, a propósito, diz um professor, seu admirador e amigo, em
artigo recentemente publicado no “O Combate” desta cidade:

Mauricio de Lacerda

Alijá-lo do Congresso, eis o problema. Não será difícil a falsificadores de atas


emudecerem uma voz livre, mas ser- lhes-á impossível fecharem essa cratera
do socialismo em plena atividade nos cimos da vida econômica das nações
modernas.
E o nobre deputado não é revolucionário aberto. Ele confia nos meios indiretos
para chegar a uma solução do problema operário. Modifiquem as leis, num
sentido humano e a revolução será contida: tal é o seu credo.
..........
Um deputado, como o Dr. Mauricio de Lacerda, que confia na reforma da
legislação para aparar o grande golpe, devia ser solicitado pelos seus pares,
defendido pelos governos burgueses, porque a hora das barricadas se aproxima,
o corcel das vendetas chega a todo galope e já se ouve nos quatro cantos o hino
dos desesperados, à conquista de um pão menos amargo. Mas a cegueira do
egoísmo é tão profunda, que o capitalista confunde a foice da morte com a coroa
de louros da Vitória.

CARLOS ESCOBAR

Diante destas constatações vê-se que o grande parlamentar


continua a ser um arauto do regime político atual.
Muito bem, faça o que lhe aprouver.
Por nossa parte dizemos que cada homem que tem princípios e
convicções deve zelar por eles, pela sua integridade.

146
Nós consideraremos o Dr. Mauricio de Lacerda como adversário e não
como amigo, enquanto ele for deputado.
Cada qual no seu elemento.

28 – Os inestimáveis serviços do deputado Sr. M. de Lacerda.85

Com uma dialética fácil, e por vezes entusiástica, bordejando arroubos de


protestos veementes atirados à face dos mandões do Capital e do Estado,
o Sr. Maurício de Lacerda vem realizando uma campanha de defesa, diz
ele, dos interesses operários, campanha que a maior parte dos
trabalhadores julga ser socialista, sindicalista, revolucionária, anarquista,
cobrindo os belos discursos do ilustre deputado com fragorosos aplausos.
E quando este cidadão diz que nada pretende das classes operárias, que
trabalha pelas reivindicações dos explorados, desinteressadamente, os
aplausos, a confiança, a simpatia por esse homem crescem até o
paroxismo.
“É assim que eles fazem.” São esses os messias que as multidões
escolheram para seus condutores.
Se, porém, os trabalhadores, os companheiros, se derem ao trabalho de
prestar atenção à propaganda da qual o Sr. M. de Lacerda se fez paladino,
hão de se convencer de que estavam laborando em erro.
Vejamos o que ele diz a respeito no artigo Nacionalização de Transportes,
publicado na “Voz do Povo”, do Rio, em seis do corrente:

O nosso problema de transportes parece destinado a rondar num círculo vicioso


como tantos outros de monta no país, qual o do analfabetismo perpetuamente
discutido e, pela eternidade, insolúvel.
As estradas iam há vinte anos mal e nós concluímos pela incapacidade
brasileira, pública e particular, arrendando- se a estrangeiros capitalistas. Agora
esses me deram prova e nós voltamos a pensar em encampá-las todas para que
o governo as dirija. E, no fim, ninguém vê que, por exclusão, ambos os métodos
não prestam, sendo preciso um terceiro que transmude, os transportes de
indústria de dividendos em unicamente instrumento econômico da coletividade.
A esse respeito, falando da crise de transporte, disse à
C.G.T. de França o que nós poderíamos repelir aqui das

85
CARVALHO, Florentino de. A Obra – Ano 01 – N.º 09 – São Paulo – SP. 14.07.1920.

147
companhias, o que demonstra que a ciência econômica chegou a uma
conclusão verdadeira porque universal.
“A gestão pelas companhias mostrou-se impotente a dar- lhe remédio. A razão
está no sistema que faz dos caminhos de ferro, uma fonte de dividendos e não
um serviço público verdadeiro funcionando para benefício geral.”
Depois desta constatação dos franceses, pode-se dizer assim porque parece
que o governo e os trabalhadores a assentaram como verdade, aceitando um
princípio de nacionalização dos transportes o primeiro e batendo-se pela
nacionalização plena o segundo, a solução parece óbvia.
Na última greve, a de quatro de Maio passado, dizia o órgão dos trabalhadores
franceses: “Nenhuma outra solução é possível senão à volta à coletividade e a
transformação radical dos métodos de exploração. O sistema atual não pode
mais durar. A concessão a companhias particulares é injustificável porque aliena
uma riqueza nacional, porque compromete o desenvolvimento do país, porque
é um fator da vida cara; seu regime está condenado pelos seus mesmos
resultados.”
Pleiteando a nacionalização dos caminhos de ferro, dizia a seguir: “nós não
admitimos que elas fiquem nas mãos de grupos capitalistas incapazes de
assegurar convenientemente este serviço e que delas se servem
exclusivamente para auferir vantagens sobre todos os indivíduos.” E
acrescentava: “Os caminhos de ferro devem ser possessão pública. Devem
funcionar sem referência aos interesses particulares.”
Dizemos que a exploração dos caminhos de ferro, propriedade exclusiva, deve
ser assegurada por todos aqueles que tenham interesse no seu bom
funcionamento. Entendemos que a sua gestão nova seja confiada a novos
organismos em que será representado o conjunto dos interesses gerais do país:
o conjunto dos que cooperam no funcionamento das artérias; o conjunto dos que
a sirvam nos transportes; queremos por nesses organismos todas as
competências que garantirão uma exploração conveniente; o desenvolvimento
indispensável dos serviços, sua ligação com todas as outras indústrias. Nós
queremos acabar com a incoerência atual.
..........
Temos assim um plano, um sistema, um regime novo que soluciona para os
produtores individuais e industriais, os trabalhadores e toda a comunhão, o
problema dos

148
transportes e da exploração de seus serviços, a salvo do egoísmo capitalista e
do favoritismo democrático, remediando a carestia da vida e o abastecimento
normal do país.
Por que não adotá-lo a viver para sustentar a estrada nas mãos do capitalismo,
elevando tarifas que arruínam as energias produtoras e encarecem a vida, – ou
para manter nas estradas oficiais o burocratismo que desenvolve a injustiça
entre os trabalhadores, sem atender em qualquer das formas aos interesses de
conjunto de cada um dos elementos econômicos e sociais, na questão e,
sobretudo, desprezando o único fim e a essência de todo o transporte que é a
distribuição dos produtos sem sacrifício do produtor e do consumidor, de ambos
e do trabalhador?
Vejamos a seguir como se pode nacionalizar os transportes marítimos, ou sobre
água em geral, dada à atualidade da questão com a projetada venda do Lloyd e
o projeto Frontim a seu respeito.

No artigo publicado na mesma folha, sob o título Marinha Mercante,


escreve:

Não se pede, entretanto, medidinhas, mas uma medida. Qual é ela? A


nacionalização!
Não há outra, nem outra pode ser.
Novos processos de administração, a nacionalização industrial é preciso que se
não confundam com o nacionalismo de indústria que por ai anda. Eu tive em
1916 um projeto de nacionalização da marinha mercante que o Sr. Burlamaqui,
atual deputado, combate em seu livro sobre ela.
Esse projeto, porém, nem era a nacionalização que eu avento, nem o
nacionalismo que ai anda. O que agora lembro é a entrega à nação, –
nacionalização – da indústria de transportes.

Não vemos nesta campanha sistemática outra coisa que não seja
reformismo econômico a ser feito pelo Estado. Ela nada tem de socialista,
de sindicalista, de anarquista.
Ela é a expressão da melhor doutrina nacionalista que os políticos
poderiam inventar, absolutamente oposta aos nossos princípios
comunistas e internacionalistas.
O Sr. Maurício de Lacerda está, pois, mais do que qualquer outro
funcionário do governo, prestando, com essa campanha... ótimos e
incomparáveis serviços ao Estado, às classes conservadoras. Aliás,

149
quem se der ao trabalho de ler os seus artigos publicados na imprensa
carioca, poderá verificar que, em geral, seguem ao mesmo diapasão.

29 – Ação deletéria dos políticos no movimento social


Circular aos trabalhadores
aos libertários86

CAMARADAS!

Durante muito tempo as associações de trabalhadores, balbuciando as


primeiras investidas na luta social, sem horizontes definidos, sem
princípios ou doutrinas econômicas, jurídicas ou filosóficas a servirem de
diretriz, admitiram como amigos, colaboradores e condutores, homens
políticos estranhos às classes laboriosas, vendo neles, verdadeiros
baluartes da sua causa. Dentre estes defensores das reivindicações
proletárias, a imensa maioria era composta de aventureiros que, não
encontrando em outros meios as possibilidades para a realização das suas
aspirações de mando e de riqueza, de fama e popularidade, infiltraram-se
na colméia operária a fim de tirarem partido das suas misérias, das suas
dores, das suas revoltas, como também das perseguições de que era
vítima pelo patronato e pelo Estado. Outros vieram por espírito de justiça,
com as melhores intenções, mas foram também arrastados à prática das
traições e da exploração dos humildes, empolgados pela idolatria e pela
política, que fazem do homem um messias, um burocrata ou demagogo,
cuja idéia é de iludir as classes opressas com excelentes princípios e
deslumbrantes promessas, para seu exclusivo proveito.
Após duras lições e amargas experiências e, sobretudo, após o despertar
de uma cultura mais elevada, é que os operários decidiram dispensar a
colaboração desses modernos mentores, libertando-se da sua tutela,
convictos de que a emancipação dos trabalhadores há de ser obra dos
próprios trabalhadores.
Os desastres ocorridos mediante a ação dos dirigentes da Social
Democracia, cuja principal função consistiu em sustar o movimento
emancipador na Europa e na América, serviram de lição duríssima para os
que piamente acreditavam na eficácia da política e dos políticos.
E, hoje, que as organizações operárias, os libertários têm idéias definidas,
princípios esclarecidos, métodos de ação que lhes são próprios,
reconhecem que, admitir em seu seio a ingerência sistemática

86
CARVALHO, Florentino de et all. A Plebe. Ano 04 – N.º 74 – São Paulo – SP. 24.07.1920.

150
dos políticos é patentear a própria incapacidade para a luta, para a
propaganda das idéias que professam.
Estão convictos de que a difusão das doutrinas sociais cabe
exclusivamente aos que as conhecem e por elas estão decididos a lutar
desassombradamente, pois que, de outra forma não seria possível manter
a sua clareza o seu valor, e dar-se-ia lugar a todas as confusões e
mistificações.
Como atualmente se observa a penetração de políticos no seio das
coletividades operárias, na Capital Federal, em Santos, não tendo
escapado os elementos desta capital e de outras cidades do país à
influência nefasta dos chamados amigos e protetores de operários, que
com a sua propaganda nebulosa, com o alarde que costumam fazer dos
seus préstimos, têm contribuído para desorientar grande número de
militantes, desviando-os da rota assinalada pelas organizações operárias
ou pelas doutrinas anarquistas, inclinando-se a favorecer a política de
reformas legalitárias e a luta pelo voto, os assinantes desta Circular,
verificam a necessidade de que em todo o país se analise, se estude esta
situação e se reaja contra a obra dissolvente desses apóstolos, mais
prejudicial do que as repressões dos poderes governamentais.
Não podem os políticos e os adversários das nossas aspirações, colaborar
conosco numa tarefa delicadíssima de educação ideológica e libertária do
povo.
Esses campeões não possuem o conhecimento exato dos nossos
princípios, não estão com eles identificados e, além disso, a sua qualidade
de políticos profissionais os inibe de possuírem uma moral consoante à
causa que defendemos.
Cabe, pois, a nós, os trabalhadores, os libertários afastar-nos de todos os
elementos que possam comprometer a nossa honestidade ideológica, ou
desvirtuar os nossos métodos de luta, o brilho das nossas doutrinas.

João Perez, Martim Garcia, Severino Gomez, Manoel Bueno, Felipe


Romero, Lecínio de Almeida, F. Rudosindo Colmenero, Pedro Monteiro,
Albino Strano, Manoel Moreira, Miguel Lopez, Francisco Signoreli, Antonio
Corrêa, Antonio Cordon...

N. B. – Os camaradas de todos os estados do Brasil, que estejam de


acordo com as exposições feitas nesta circular e queiram assiná-la, podem
enviar-nos os seus nomes, que serão publicados, em uma segunda edição
que tencionamos fazer.

151
30 – “A Vanguarda” 87

Mais do que pela força, a burguesia domina o proletariado pela escola,


pelo livro, pela palavra e, sobretudo, pela imprensa.
Com todos esses elementos o Estado e o capitalismo temperam a
mentalidade das classes civis, ou militares, instruídas, educadas,
moldadas em todas as normas úteis à conservação e a defesa dos seus
domínios.
Pelo governo sobre os espíritos, pelo império sobre os corações, mantêm
a soberania econômica e política. A força bruta tem uma função
secundária.
Como, pois, obter-se a liberdade intelectual e a independência moral, para
obtermos finalmente, a autonomia econômica e política? O meio mais
viável é neutralizar o veneno do fanatismo religioso, destruir o micróbio do
racionalismo, a confiança nos governos, a esperança nas leis, o temor por
tudo quanto representa governo ou autoridade, fatores poderosíssimos de
escravização, que a imprensa burguesa injeta diariamente no sangue dos
cidadãos.
Para isso é preciso, a todo transe opor à ação miseranda da imprensa
capitalista a imprensa operária, que escalpele todas as mentiras, todas as
infâmias que vitimam o povo.
Muito acertadamente anteviram, pois, os camaradas que lançaram, aqui,
a iniciativa do futuro diário A VANGUARDA iniciativa que deve ser auxiliada
por todos os oprimidos.
Mas, para que essa folha seja realmente uma bandeira de combate e de
redenção proletária e humana é necessário que não se detenha em
reticências e exclusivismos, que ataque todas as instituições burguesas
desapiedadamente.
Infelizmente, segundo reza o aviso, que publicamos na 4ª pagina desta
folha, A VANGUARDA será um jornal trabalhista, isto é, sem cor doutrinária
ou filosófica. Será alheio às questões, aos princípios ou finalidades sociais.
Os camaradas indicados para a redação, manifestaram-se em sua maioria,
partidários da neutralidade ideológica dos sindicatos operários, declarando
também, que A VANGUARDA será o expoente dessa tendência, que nós
julgamos contraproducente para o movimento operário e anarquista.
Nós que esperávamos ver nesse jornal o reflexo das nossas aspirações
revolucionárias e libertárias, laborávamos em erro.
A VANGUARDA será um jornal dedicado unicamente a propagar a união,
o ajuntamento de operários, nos seus respectivos sindicatos de

87
CARVALHO, Florentino de. A Plebe. Ano 04 – N.º 75 – São Paulo – SP. 31.07.1920.

152
classe e a conquista de melhorias que facilmente são burladas pelos
industriais.
Além dessa propaganda inócua, a A VANGUARDA virá criar aqui um
elemento hostil e perigosíssimo para nosso meio – o sindicalismo
neutralista... que descamba sempre para o reformismo e a reação.
Nós não temos ainda, em S. Paulo, essas poderosas organizações
trabalhistas como a Federação Americana do Trabalho, dos Estados
Unidos, e a Confederação Geral do Trabalho da França, as quais são o
maior empecilho à emancipação dos trabalhadores, mas vamos por esse
caminho.
Não queremos dizer que seja essa a intenção dos camaradas que
formarão o corpo redatorial da A VANGUARDA, mas é esse o método – a
neutralidade, pelo qual se chega aos mesmos resultados.
As instituições burguesas não são neutras quando tratam de atacar as
nossas associações, os nossos princípios. Somente, entre nós é que, para
não incomodar meia dúzia de melindrosas que não têm brios ou
consciência para arcar com as consequências da luta, se estabelece essa
tática que anula a nossa ação emancipadora.
Muitos camaradas põem no frontispício de sua propaganda o rótulo
sindicalismo, relegando a segundo plano o ideal anarquista e pretendem,
como qualquer inimigo do anarquismo, que as organizações operárias
sejam completamente alheias as doutrinas libertárias.
Nós entendemos o contrário.
Nas questões sociais é preciso chegar até o fim, cortar o mal pela raiz,
aniquilando o regime do patronato, do capitalismo, socializando as
riquezas, tornando-as acessíveis a todos os seres humanos; julgamos que
o Estado, que é também patrão, deve ser eliminado, para que o povo se
veja completamente livre, desembaraçado do gendarmem, do carcereiro,
do juiz, do deputado, e possa organizar as suas forças produtivas, e
distribuir eqüitativamente os produtos, dando a todos a fartura, o bem
estar, a alegria.
Nós não vemos dois ou mais caminhos para efetivar a emancipação
integral dos trabalhadores.
Vemos apenas um caminho: – o do Comunismo Anárquico.
Procure-se fazer da A VANGUARDA uma bandeira de combate na luta
diária; procure-se realizar uma obra de educação revolucionária e libertária
das classes trabalhadoras, aplicando o ferro candente a todas as
podridões sociais.
Se isto pode descontentar os nossos inimigos, se isso vem ferir os
pusilânimes, não importa. Quem não estiver disposto a acompanhar-nos
na senda libertadora, que se afaste, que deixe passo livre aos que
realmente são capazes de algum esforço e algum sacrifício pelo ideal.

153
Tornamos públicas estas considerações a fim de que se estude o problema
e se faça da “A Vanguarda” um órgão de ação reivindicadora e libertária.
O que não queremos é que se faça uma corda que sirva para nos enforcar.

31 – “A vanguarda” 88

Desejamos vivamente que “A Vanguarda” venha imediatamente, brandir,


todos os dias, o seu estilete, guerreando, ferindo, vencendo, derrubando
os torvos inimigos e tiranetes do proletariado, os algozes dos
revolucionários dos niilistas de hoje, que não querem deixar rastro da
sociedade capitalista, clerical, militarista, do Estado político, grosseiro,
falaz e sanguinário.
Desejamos vivamente que “A Vanguarda” venha despertar o pensamento
dos trabalhadores, ilustrando-os com as luzes dos ideais novos, das
concepções científicas e revolucionárias, a fim de que estejam, logo,
preparados, capacitados para a realização das revoluções sociais e para
a organização da sociedade dos livres.
A missão primordial dos jornais operários é a de dar aos trabalhadores
uma cultura superior, uma série de conhecimentos que os coloquem à
altura da grande tarefa da emancipação política, econômica, religiosa,
moral, etc.. Os jornais que isto não fizerem distarão muito do fim para o
qual são criados.
Através das suas colunas, devem levar ao cérebro dos trabalhadores os
conhecimentos que dizem respeito à solução de todos os problemas
sociais.
Portanto, “A Vanguarda” deve inspirar-se neste método de propaganda,
não reservando a outros elementos, ou para mais tarde, a divulgação dos
princípios libertários, quer na tese negativa, contrária ao regime burguês,
quer na tese positiva de reconstrução social.
É preciso saber o que se pode desmantelar e o que se há de edificar. Não
devemos ter diante de nós a ignorância.
Ante a solução social apresentada pelos partidos burgueses ou
politiqueiros, devemos apresentar a nossa, difundi-la o mais possível, para
que o povo a conheça e venha a lutar por ela.
Não se devem ocultar aos oprimidos as finalidades reivindicadoras, porque
isso seria aumentar-lhes a cegueira, inutilizando-os para a vida, para o
Ideal.
Do que mais precisa o trabalhador para se unir, para se solidarizar com os
seus companheiros de infortúnio, para enfrentar com valentia e
desassombro, o patrão, o capataz, o esbirro; do que mais precisa para

88 CARVALHO, Florentino de. A Plebe. Ano 04 – N.º 76 – São Paulo – SP. 07.08.1920.

154
vencer na contenda pela sua emancipação é de conhecimentos, idéias,
princípios, convicções, entusiasmos.
O trabalhismo ou sindicalismo são, exclusivamente, meios de luta.
Variam conforme as condições do meio.
Por isso é que temos o sindicalismo mais ou menos revolucionário ou
orientado pela ação direta, e o sindicalismo reformista existente em muitos
países.
Nós entendemos que os sindicatos operários devem ser um elemento
decisivo na luta pela transformação social, não se deixando ficar no
começo ou no meio do caminho da redenção proletária; os trabalhadores
devem conquistar por completo, todas as liberdades, todos os direitos que
lhes assistem como seres humanos.
Com a exploração econômica deve cair o despotismo, o regime político
estabelecendo-se o nivelamento social.
Eis a obra que, segundo nós, deve ser feita pela nossa imprensa, por todos
os nossos veículos de propaganda e de educação que convém efetivar de
uma maneira metódica, sistemática, expurgando-as de todas as
divagações ou impurezas.
A emancipação dos trabalhadores não pode ser mutilada ou detida sob
nenhum pretexto, não pode estar à mercê das influências reacionárias que,
por ventura, surjam nos sindicatos ou fora deles.
Surjam, pois, A VANGUARDA, mas surja forte, empolgante,
revolucionária, clara, definida, orientando as hostes escravizadas pela
senda gloriosa do Ideal Libertário.

32 – Ação deletéria dos políticos no movimento social


Circular aos trabalhadores
aos libertários89

Circular

Aos trabalhadores Aos literatos

(RESUMO)

Considerando que as organizações operárias, os libertários têm definidas,


princípios esclarecidos, métodos de ação que lhes são próprios,
reconhecem os que, admitir em seu seio a ingerência sistemática dos
políticos e patentear a própria incapacidade para luta, para propaganda
das idéias que professam.

89 CARVALHO, Florentino de et all. A Plebe. Ano 04 – N.º 76 – São Paulo – SP. 07.08.1920.

155
Estamos convictos de que a difusão das doutrinas cabe exclusivamente
aos que as conhecem e por elas estão decididos a lutar
desassombradamente, pois que, de outra forma não seria possível manter
a sua clareza, o seu valor e dar-se-ia lugar a todas as confusões e
mistificações.
Como atualmente se observa a penetração de políticos no seio das
coletividades operárias na Capital Federal, em Santos, não tendo
escapado os elementos desta capital e de outras cidades do país à
influência nefasta dos chamados amigos e protetores de operários, que
com a sua propaganda nebulosa, com o alarde que costumam fazer de
seus préstimos, têm contribuído para desorientar grande número de
militantes, desviando-os da rota assinalada pelas organizações ou pelas
doutrinas anarquistas, inclinando-se a favorecer a política de reformas
legalitárias e a luta pelo voto, os signatários desta Circular verificam a
necessidade de que em todo o país se analise, se estude esta situação e
se reaja contra a obra dissolvente desses apóstolos, mais prejudicial do
que as repressões dos poderes governamentais.
Não podem os políticos e os adversários de nossas aspirações, colaborar
conosco numa tarefa delicadíssima de educação ideológica e libertária do
povo.
Esses campeões não possuem o conhecimento exato dos nossos
princípios, não estão com eles identificados e, além disso, a sua qualidade
de políticos profissionais os inibe de possuir uma moral consoante à causa
que defendemos.
Cabe, pois a nós, os trabalhadores, os libertários afastarmo-nos de todos
os elementos que possam comprometer a nossa honestidade ideológica,
ou desvirtuar os nossos métodos de luta, o brilho das nossas doutrinas.

João Perez, Martim Garcia, Severino Gomez, Manuel Bueno, Felipe


Romero, Lecínio de Almeida, F. Rudosindo, Colmenero, Pedro Monteiro,
Manoel Moreira, Miguel Lopez, Francisco Signoreli, Antonio Corrêa,
Antonio Cordão, Alfonso Jannicelli, João Bueno, Augsto Leraenata,
Francisco Peralta, Francisco Alonso, Francisco Sipetz Filho, José Romero,
Antonio Casagrande, Felipe Gomes, Maria Antonia Soares, Maria Alles,
Umbertina Augusto Malhades, Angelina Soares, Isabel Cerruti, Antonio
Piza, Antonio Sanchez, Manoel Sanchez, Otaviano Fuso, Alberigo Surrino,
Vasco Marquini, José Casagrande, Mariano Garrido, Guilherme
Mattenhan, S. C. Franco Guerrero, João Rorda, Rosa Eberle, Margarida
Bernardine, José Righetti, Emilia Bilha Real, Petronila Brava, Manuel Iato,
D. Fagundes, Ângelo Vial, Theofilo Ferreira, José Valiesite, Antonio
Gomes, Dionísio Fernandes, Antonio Castellani, Miguel Mingorance,
Carmine Spalato, Francisco Aroca, João

156
Ramos, Eugenio Cavaglini, Felipe Gomez, Joaquim Ardanai, A. de Moura
Guedes, Augusto Serrata, Manoel Carreira de Medeiros, Antonio
Dominguez, Francisco Guerrero, José Prado, José Campagnoli, Ângelo
Bolognese, João Pinhatti, Césare Borgosioni, João Remo, Eugenio,
Quagliarini, Antonio Fernandes, Moises Reis Medina, Luiz Janepes, Miguel
Zanella, José Lopes, José Maria Mansanto, Albino de Moura Guedes,
Pietro Zanella, Luiz Nieto, Miguel Cervantes, Albino Sbrana, Emilio Martins,
Francisco Bueno, Florentino de Carvalho, José Penha Filho, Laércio
Impastari, José Prado Henríquez, Francisco Pereira, Miguel Palmer, José
Galan, Cristovão Aldana, Gabriel Fornez, Bonifacio Anchia, João Ferreira
Patrício, José Ronar, Vicente Sullo, Afonso Festa, Fernando Calvo,
Francisco Rocha, Fernando Zanella, Ugo Biolcati, Adelino Pereira, Antonio
Patrial, Paulo Pinto, A. Palácios, Ângelo Viazotti, Poços de Caldas; Zenon
de Almeida, Sta. Maria da Boca do Monte (Rio Grande do Sul); Cesar
Daviden Deltão, José Mendes; Cruzeiro.

33 – A III Internacional90

No recente Congresso do Partido Socialista Espanhol, a proposta de


adesão à III Internacional obteve 12.484 votos contra 14.010, dados à II.
A parte jovem do partido não ficou satisfeita com o resultado da votação;
mas a parte velha, certamente, esfregou as mãos de contentamento.
A II Internacional, como se sabe, não fez nada para impedir o horrível
morticínio dos povos; as secções de cada país declararam-se patrioteiras
e nacionalistas, e fizeram coro com a burguesia, prestando- lhe o seu
concurso e, até, o seu dinheiro. Internacionais desta natureza não vale à
pena existirem. Os operários se agrupam é com o fim de se emanciparem
da tutela capitalista. Ora a III Internacional esqueceu-se propositadamente
dos seus deveres, para se transformar numa espécie de estado-maior do
proletariado, dando ordens terminantes aos “soldados” que estavam sob o
seu comando. Traindo os princípios internacionalistas e socialistas que
dizia defender, ela mostrou que não era senão um vasto quartel general,
dependente dos ministérios da guerra dos vários países em luta. Fazê-la
reviver é dar prova duma grande incoerência, quiçá, duma requintada
malvadez, de que são capazes, apenas, os indivíduos acomodados, que
têm as suas responsabilidades ligadas às responsabilidades da burguesia.

90
(Não assinado). A Obra. Ano 01 – N.º 12 – São Paulo – SP. 01.09.1920.

157
Contra este procedimento das velhas raposas, manhosas e casmurras,
começa a esboçar-se uma campanha em certa imprensa socialista
espanhola. Vamos a ver quem triunfa: se a parte jovem do partido, se a
parte carunchosa.
Esperemos.

34 – Os dois extremos91

Há sempre dois extremos, entre os quais é preciso escolher; e, às vezes,


é difícil determinar qual é o que está no ponto de partida e qual é o que
está no ponto de chegada. Em moral, por exemplo, temos que nos decidir
pelo egoísmo ou pelo altruísmo absoluto; e em política, pelo governo
melhor organizado que se possa imaginar – um governo que dirija e proteja
os menores atos da nossa vida – ou pela ausência do governo. Ambas
estas questões parecem ainda insolúveis. No entanto, entendemos que o
altruísmo absoluto é mais extremo e está mais perto do nosso fim do que
o egoísmo absoluto, assim como a Anarquia é mais extrema e está mais
perto da perfeição da nossa espécie do que o governo mais
minuciosamente e mais irrepreensivelmente organizado, idealizado
mesmo pelos últimos limites do socialismo integral.
Entendemos que é assim porque o altruísmo absoluto e a Anarquia são as
formas extremas que requerem o homem mais perfeito. E os nossos
olhares devem dirigir-se para esse lado, porque esperamos que a
humanidade se decida por ele.
A experiência afirma que se corre menos risco de errar olhando à frente do
que olhando para trás; olhando para o que está demasiadamente para
cima, do que para aquilo que está demasiadamente em baixo. Tudo o que
temos obtido até agora, tem sido anunciado e conseguido por aqueles que
são acusados de olhar para muito alto. Por causa de dúvidas, é, pois, mais
racional nos decidirmos pelo extremo que supõe a humanidade mais
perfeita, mais nobre e mais generosa. É esta a resposta que se pode dar
aos que perguntavam se era útil conceder aos homens, apesar das suas
imperfeições atuais, uma liberdade tão completa como fosse possível.

91
(Não assinado). A Obra. Ano 01 – N.º 12 – São Paulo – SP. 01.09.1920.

158
35 – “Que se rompa y no se doble” 92

Trabalhadores!
Libertários!

À hora presente, hora de transcendental importância nos destinos


humanos, instante no qual o caos econômico e político universal
transtornou o cérebro do homem, que naufraga num “mare magnum” de
idéias, de doutrinas, de fatos estonteantes: que resvala pelo declive das
contemporizações, das concessões, dos arranjos, das colaborações, exige
elevação de vistas, pensamentos profundos, vontades férreas,
inquebrantáveis. Quem não se investir dessa armadura invulnerável, não
poderá resistir à onda avassaladora, que ameaça a derrocada ideológica
dos apóstolos da liberdade.
Por sobre os destroços, as confusões da sociedade burguesa, acima das
fascinantes realidades, deve pairar incólume as rutilantes idéias libertárias,
a mais preclara doutrina inspirada na filosofia do anarquismo.
De que servem as enganosas perspectivas dos movimentos socialistas
autoritários se eles hão de ser realizados a custo de incoerências, de
quebra de princípios por parte dos que professam ideais mais perfeitos e
mais dignificantes?
Nós podemos deixar de apoiar qualquer revolta que tenda ao esfacelo da
sociedade burguesa, mas não podemos formar grupos, associações ou
partidos que não sejam edificados sobre o pedestal dos nossos princípios.
Nas nossas doutrinas encontramos processos para todas as realizações,
isto é, para provocar a transformação social, para agir antes da revolução,
na revolução e depois da revolução. Não precisamos emprestar de
ninguém processos que, em última análise, são inferiores aos nossos, e
de efeitos antagônicos às nossas aspirações libertárias.
Reflitam bem os camaradas que estão empolgados pelos sucessos dos
discípulos de Marx, que vêm estabelecendo novas repúblicas, novas
burocracias que, são a antítese da liberdade.
A nossa obra é mais pura, mais justa, mais sublime.
Principalmente os companheiros que mais se têm evidenciado na
propaganda, os que mais responsabilidade tem no movimento libertário
devem ter uma noção clara dessa mesma responsabilidade para não se
deixarem arrastar pelo caminho das concessões, das incoerências, porque
isso implicaria a própria desmoralização e o descalabro no elemento
militante.

92
CARVALHO, Florentino de. A Obra – Ano 01 – N.º 12 – São Paulo – SP. 01.09.1920.

159
Os Ferri, os Turrati, os Labriola, os Briand prejudicam muito mais a causa
do que aqueles que passam diretamente a fazer parte das instituições
policiais.
Aqueles estabelecem confusões; arrastam consigo numerosos
simpatizantes; provocam o desânimo nas massas; estes vão sós e levam
atrás de si o desprezo unânime.
À preço algum se deve, pois, contemporizar ou transigir nos nossos
princípios. Devemos fazer-nos respeitar pela intangibilidade das nossas
convicções, inspirar confiança pela irredutibilidade, constância e decisão
nas idéias e nas lutas.
Antes e acima de tudo tenhamos o brio necessário para sustentarmos a
superioridade do Ideal Anarquista.
Que se rompa y no se doble.93

93
N. do Org.: Lema da União Cívica Radical (UCR), fundada por Leandro Nicéforo Alen (1842-
1896) na Argentina. Seu pai, Leandro Antonio Alencar, fora enforcado por participar de levantes
armados em Balvanera, subúrbio de Buenos Aires. O filho mudou o nome para Leandro
Nicéforo Alen a fim de evitar os inconvenientes vindos da discriminação sofrida por ser
chamado “o filho do enforcado”. Alen, sua mãe, Tomasa Ponce, sua irmã, Marcelina Alen e
seus dois sobrinhos Hipólito e Martín Yrigoyen, ficaram em dificuldades financeiras após a
morte de seu pai. Em 1916 Hipólito foi o primeiro presidente argentino eleito através do voto
universal, secreto e obrigatório. Alen igressou no exército como voluntário, tendo participado
nas guerras civis de Cepeda (1859), Pavón (1851) e do Paraguai (1865-1870). Graduou-se em
Direito na Universidade de Buenos Aires (1869), abrindo consultório jurídico em Buenos Aires
com seu amigo Aristóbulo del Valle. Alen, importante figura política argentina, fundou a UCR
em 1891 cuja proposta sócio-política se fundava essencialmente na idéia de autonomia das
províncias dentro de um regime municipalista, com eleições de voto universal e secreto. As
eleições foram marcadas por fraudes, provocando a indignação de Alen e seus companheiros.
Em 1893, após tentativas frustadas de conversação com setores govenamentais, a União
Cívica Radical se lançou à ação armada adotando postura de firme intransigência na defesa e
afirmação dos princípios autonomistas e das liberdades populares. O primeiro levante se deu
em San Luís, se estendendo a outras províncias. Estas ações foram sufocadas pela reação do
governo central. No primeiro dia de julho de 1896 Alen se suicidou depois de se decepcionar
com os rumos tomados pela política governamental, por divergências com outras lideranças da
UCR como também por ter perdido seus recursos econômicos, todos direcionados à ação
revolucionária. Deixou testamento político no qual indicava os motivos de seu gesto extremado,
reafirmando seus posicionamentos autonomistas e reescrevendo a máxima norteadora de seu
pensamento político-social e de suas ações: “Si, que se rompa pero que no se doble.” O
movimento revolucionário iniciado pela UCR, no entanto, prosseguiu ainda com um perfil de
contestação radical pelo menos até os primeiros anos do século XX. Alen foi por duas vezes
deputado provincial e senador. Foi adido cultural no Brasil, na corte do imperador D. Pedro II e
destacado integrante da maçonaria.

160
36 – O Bolchevismo
Sua repercussão no Brasil94

Somos admiradores da grande obra das revoluções libertadoras que


tiveram lugar na Inglaterra, na França, na América do Norte, na Espanha,
na Hungria... em todo o mundo. Julgamos dignos de glória os movimentos
subversivos contra as instituições reacionárias e, por isso louvamos a
grande obra de demolição das arcaicas e despóticas instituições do ex-
império moscovita, realizada com esforços e sacrifícios ingentes, pelos
revolucionários russos. Nós persistimos em cobrir de louros essa revolução
que mudou a face da História e abalou os alicerces da sociedade
burguesa.
As revoluções sociais, e principalmente a revolução russa, despertam as
massas e adestram os combatentes por novas e mais justas formas de
convivência social, nas lides insurrecionais e ideológicas, transformadoras
da economia social e do direito, e são, portanto, dignas da solidariedade
de todos os que aspiram a novos e superiores estádios de civilização.
Por isso a nossa atitude é de franco apoio à causa dos revolucionários
russos contra a burguesia universal, que realiza a suprema tentativa para
esmagá-los.
A revolução russa bem como alguns de seus princípios e realizações
despertou em nós incontidos entusiasmos.
O artigo 18 da constituição russa, que suprime o parasitismo burguês,
declarando: “quem não trabalha não come”, se não exprime
completamente o nosso ideal econômico, dá, no entanto uma idéia geral
acerca da igualdade econômica.
O artigo 9, cap. V. da mesma constituição diz: “O princípio essencial da
República S. F. dos Sovietes (sic), constituição elaborada para o período
de transição atual, reside no estabelecimento de uma poderosa força
sovietista, da ditadura do proletariado urbano e rural e dos camponeses
mais pobres, procurando esmagar por completo a burguesia, suprimir a
exploração do homem pelo homem e fazer triunfar o socialismo. Não
haverá divisões em classes nem poder de Estado”.
Estes e outros princípios de tendência libertária levaram-nos à convicção
de que no movimento revolucionário russo os anarquistas tinham (como
de fato tiveram) uma influência sensível e que, uma vez inutilizada a
pressão dos Estados burgueses, a organização econômica e social da
Rússia tomaria uma feição cada vez mais libertária.
Contudo, se, em oposição às calúnias dos burgueses, divulgamos a obra
benéfica da república russa, nunca fizemos a apologia desse

94
CARVALHO, Florentino de. A Obra. Ano 01 – N.º 13 – São Paulo – SP. 15.09.1920.

161
regime, porque demasiado sabíamos que o Estado, qualquer que seja a
sua estrutura autoritária ou governamental, é essencialmente contrário aos
nossos princípios. Sempre mantivemos sobre este assunto as devidas
reservas, esperando ser ilustrado por documentos nos quais pudéssemos
confiar.
Agora, porém, de posse desses documentos, cumpre-nos esclarecer a
situação, principalmente e porque, havendo no Rio alguns libertários
militantes que tomam a nuvem por Juno, isto é, confundem a revolução
russa com o Estado burocrático e militarista ali estabelecido, chegando a
propagar a organização de um partido socialista- maximalista, o qual teria
por fim, entre outras coisas, a conquista do Estado burguês, empregando
o processo eleitoral, transformando-o em Estado... maximalista, a fim de
que este pusesse a máquina nos eixos, durante o período de transição,
este fato pode causar sérios embaraços a ação francamente libertária dos
trabalhadores e dos revolucionários.
As tendências doutrinárias dos maximalistas, bem como o atual estado de
coisas na Rússia, das quais a seguir damos notícia, exprimem claramente
o que seria esse Estado Bolchevista no Brasil: um disparate.

Os bolcheviques russos são discípulos de Marx: sociais


democratas.

O próprio Leon Trotsky no seu livro “O Bolchevismo”, pág. 95, diz:


Nós estamos unidos por muitos laços à social democracia alemã. Todos nós
passamos pela escola socialista alemã e aprendemos lições tanto de seus textos
como de seus erros. A democracia social alemã foi para nós não somente um
partido da Internacional, foi o partido único.
Nós sempre fortalecemos o laço fraternal que nos une à democracia social
austro-húngara.

O autor do prólogo desta obra, Dr. Vincent Gay, afirma que os


bolcheviques tendem a eliminar a fase capitalista da propriedade, mas
castigam severamente o roubo, e o direito de expropriação só é exercitado
pelas autoridades da República:

que a propriedade individual de móveis, valores e dinheiro não foi


suprimida;

que, em princípio, no regime em questão não se suprime a propriedade


privada da terra: tende-se apenas a uma nova distribuição da propriedade
rústica;

162
que as terras confiscadas passam a ser propriedade nacional e
administradas pelo Estado;

que em cada empresa há um administrador responsável que dá ordens


sob sua responsabilidade e só há recurso de queixa contra as comissões
fiscais;

que isto significa apenas uma ampliação no sistema de intervenção do


operário, da organização do trabalho e a sua participação nos benefícios
das empresas.

Com relação à situação política sabe-se que as liberdades públicas estão


cerceadas completamente, que nem sequer a autonomia dos municípios
existe e que a fiscalização sobre a vida pública e particular dos indivíduos
é exercida com uma meticulosidade e severidade nunca vistas.
Para dar uma idéia sobre a pseudoditadura proletária basta saber- se que
os socialistas revolucionários, os reformistas e todos os que não
pertenciam à família bolchevique foram escorraçados dos comitês e de
todas as repartições públicas. Os anarquistas, como mais perigosos
inimigos do Estado, foram escorraçados sob o fogo das metralhadoras.
Aspiram os camaradas a implantar aqui um Estado semelhante? Nós
queremos, como os bolcheviques, esmagar o Estado burguês,
mas queremos esmagar também o Estado bolchevique, queremos
esmagar todos os Estados, porque enquanto existir o Estado não será
possível a emancipação econômica e política dos oprimidos e explorados.
Vejam, pois, o que fazem os nossos amigos ou militantes que no Rio
cogitam da constituição de um partido socialista ou maximalista.
Esta atitude, além de produzir uma cisão nos elementos avançados,
significa uma refratação dos princípios que disseram sustentar e uma
traição à causa da emancipação humana.

163
37 – Vivamos às claras
Basta de confusionismo
Pelo despotismo autoritário ou pelo anarquismo95 Sejamos

conseqüentes

A cada passo se encontram pessoas que, ou seja por ignorância ou por


ambição, nunca se acham satisfeitas, mudando de idéias ou de partidos
como quem muda de camisa. Que esta mudança sobrevenha depois de
aturadas e profundas meditações, tendo-se reconhecido a falsidade
dessas idéias preconcebidas, bem está; mas que pelo sim, pelo não, se
abandonem os camaradas de lutas e a propagação dum ideal para aderir
a um novo partido e entregar-se a novas propagandas
– é fazer obra de divisão, contribuir para enublar os espíritos e dar
conseqüentemente uma singular idéia da própria mentalidade.
Mas o que se não compreende é que alguns anarquistas, ou pelo menos
pretensos anarquistas, abandonem a propaganda dum ideal que ainda
ontem faziam seu, e isto porque em vão procuraríamos os motivos sérios
da sua nova atitude. Estes, consciente ou inconscientemente, entregam-
se a um péssimo labor e é contra o seu confusionismo, contra a
perturbação que eles contribuem a perpetuar, que nos queremos rebelar
denunciando-os.

Em guarda!

Vai o vento de feição para o comunismo, posto em foco pela revolução


russa, comunismo que cada um interpreta a seu modo, consoante as
necessidade da causa. Ao passo que antes da guerra só os anarquistas
se chamaram simultaneamente “comunistas”, agora, e um pouco por toda
a parte, existem grupos de tendência mais ou menos comunistas,
sovietista III Internacional: dissidentes do Partido Socialista, sindicalistas
descontentes e anarquistas (?) em cisão com a anarquia. Publicam-se
diferentes jornais e revistas, todas se apresentado como órgãos da III
Internacional. Grupos e jornais reclamam-se de Moscou, de Lênin, de
Trotsky, etc.. e especulam, é preciso dizê-lo, com o prestígio da revolução
russa, do sovietismo, do comunismo, da ditadura do proletariado.
Tudo isto causa nas idéias e nos espíritos uma deplorável confusão. Cada
um procura interpretar o marxismo, o comunismo e mesmo o

95
CONTENT. A Obra. Ano 01 – Nº 14 – São Paulo – SP. 01.10.1920.

164
anarquismo de diferentes modos, experimentando mesmo conciliar os
inconciliáveis. Difícil tarefa...
Esta confusão, que se manifesta quase sempre por uma ação incoerente,
não parece, pelo menos neste momento, opor-se ao fim almejado – a
revolução. Parece mesmo decuplicar os esforços duns e doutros. Mas que
amanhã surjam os acontecimentos que todos nós esperamos, e ver-se-á
então à luz radiosa do sol, mas demasiadamente tarde, os erros, as faltas
e as puerilidades duns e doutros. Daí um grave perigo, na hora mesma em
que uma linha de conduta bem clara perfeitamente determinada, deveria
ser a regra de cada um.
É tempo, pois, mais do que tempo, de nos erguermos contra a confusão
das idéias e dos espíritos. Confusão que será amanhã, caso não
ponhamos em guarda o quebra-costas onde se pulverizarão todos os
nossos esforços.

Entendamo-nos Que queremos nós?

Dois grandes princípios se têm achado sempre em lutas no decorrer da


história. Dois grandes princípios trouxeram sempre às mãos as minorias e
as maiorias, os povos e os governantes. A estes dois princípios não
escapam os próprios elementos revolucionários, que lhes sofrem as
garras. Eles dividiram sempre os homens e hoje se sabe que a harmonia
só será possível quando nos tivermos decidido por um, eliminando o outro.
Estes dois princípios, o princípio de autoridade e o princípio de liberdade,
não podem, pois conciliar-se, e os anarquistas precisamente porque são
anarquistas, fizeram há muito a sua escolha, erguendo-se sempre, e
violentamente o fizeram, contra os métodos e práticas autoritárias. Práticas
que, qualquer que seja o fim perseguido, tiveram sempre por resultado
meter a bulha, dividindo-os por consequência, um partido, um grupo ou
uma casta, contra outros partidos e outros grupos, quando não contra o
conjunto de toda uma população.
Foram estas práticas que, quando da nossa Grande Revolução,
arremeteram os jacobinos contra o povo, permitiram a volta da reação no
termidor (Julho, 1794) e prepararam o regresso e depois o reinado de
Napoleão. Está ali todo um capitulo da história que é preciso relembrar e
que deve servir-nos de lição.
Estes dois princípios acharam-se em antagonismo desde os inícios da
Internacional Operária, cimentaram funda dissidência entre Marx e
Bakunin, e nós sabemos por que meios pouco honestos o primeiro
eliminou o segundo. É preciso decididamente fazer uma escolha, e com
todo o conhecimento da causa optar pelo socialismo autoritário, o

165
marxismo, que nos conduzirá fatalmente à ditadura, a constituição dum
novo Estado, e, quer o queiram quer não, à reação – que a essência do
Estado é conservar e quebrar as iniciativas e as energias – ou então, optar
pelo socialismo anti-autoritário, libertário, pela anarquia, que se oporá a
toda a ditadura, a toda a organização centralizada, burocratizada, e nos
conduzirá ao federalismo, à organização comunalista.

A força da anarquia

Para demonstrar a potência do nosso ideal, não remontaremos a Sócrates,


nem mesmo a Rabelais, por bem inspirados que tivessem sido. Limitar-
nos-emos, modestamente, a constatar a sua influência nos
acontecimentos atuais.
Não se pode negar, com efeito, que na Rússia, no próprio seio da III
Internacional, entre os bolchevistas – estes marxistas! – as idéias
anarquistas tenham de algum modo pesado sobre as diretrizes, orientando
as decisões. As moções contra a defesa nacional, contra o
parlamentarismo, e outros mais, ainda que não sendo de natureza
essencialmente libertária, estão, não obstante, fortemente impregnadas da
idéia. As inovações – os comitês de operários, o sistema sovietista, que
alguns (certamente nascidos ontem para as questões sociais...) acham tão
engenhosos, que são em suma senão a organização de baixo pra cima, a
descentralização preconizada sempre pelos federalistas, pelos
anarquistas?
Mas ali ainda os princípios se encontram viciados, falseados nas suas
bases, se dermos crédito a Kropotkin, pois que só os bolchevistas têm voz
no capítulo.
Estes fatos revelam-nos, apesar de tudo que para fazer a revolução os
bolchevistas tiveram de calar o marxismo, e à medida que se consolidam
e se tornam um governo forte apressam-se a demolir o que tinham
construído e o que poderia incomodar a sua política.
As resoluções do último Congresso de Moscou, dão-nos disso uma
excelente prova: fez-se anti-parlamentarismo até ao dia em que houve a
certeza de boas eleições, etc. etc. ... E, como todo o governo que se
respeita, o bolchevismo pratica o oportunismo.
Não é propícia a hora para o abandono dos nossos ideais, sobretudo neste
momento em que eles afirmam a superioridade da sua lógica e a eficácia
da sua ação; quando tal político, que ontem ainda solicitava os sufrágios
da multidão, nos demonstra hoje as nocividades do parlamento; quando
fulano de tal, que colaborou durante cinco anos da defesa da pátria, vem
enxovalhar no último instante; quando um dado jornal, que se encarniçava
na apologia de certos renegados, os passa a

166
atacar inopinadamente – assiste-nos o direito de encolher os ombros e de
dizer que há muito que os anarquistas tomaram posições, não esperando
pelas ordens de Lênin para agir neste ou naquele sentido.

O perigo... O remédio

Se, numa revolução, as idéias, as iniciativas de cada um se discutem, se


confrontam, nós podemos esperar estar seguros do sucesso. Mas se
essas idéias se opõem violentamente pelo fato de que um partido, tendo
conquistado o poder, tenta esmagar tudo o que não seja dimanado de si
próprio, então haverá tudo a temer do novo governo e o êxito da Revolução
restará problemático.

O grande perigo que poderia aniquilar todos os benefícios da Revolução a


fazer recuar a humanidade, reside no fato dos violentos conseguirem
utilizar a força do maior número, a força
social, para sua única vantagem, como instrumento da sua própria
vontade – isto é, que conseguissem
constituir um governo, organizar o Estado. Os anarquistas, que lutam hoje para
destruir todos os órgãos da violência, terão por missão, amanhã impedir que
renasçam esses órgãos por obra ou por conta dos antigos ou dos novos
dominadores.
Errico MALATESTA

Eis aí a série de raciocínios que oferecemos às meditações dos nossos


camaradas dos diferentes agrupamentos revolucionários, sovietistas,
comunistas ou outros. Eles crêem achado o seu caminho e enganam-se
redondamente! Estão em plena Torre de Babel...
Nós pedimos-lhe desde já um pouco de lógica e de coerência. Não abusem
da palavra comunismo, antes de saber e fazer saber o que entendem ao
certo por este termo. É preciso escolher entre o comunismo de Estado e o
comunismo-anarquista. A não ser que se pretenda ficar no equívoco, em
que tanto se comprazem certos “camaradas” é mister decidirem-se pela
ditadura ou pela anarquia. Porque pode bem suceder que amanhã seja
muito tarde, e que bom número dos que julgaram andar bem
enfraquecendo o anarquismo, ou não ousando ou não pensando dever ir
até ele, tenham de roer a unhas, único desforço dos parvos, apercebendo-
se que contribuíram pela sua atitude equívoca de hoje a entronizar uma
nova categoria de governantes e de políticos.
A vós, camaradas socialistas, sindicalistas, sovietistas, comunistas, todos
os que quereis sinceramente trabalhar por uma revolução

167
profunda, a vós cabe decidir da vossa orientação e da vossa ação,
cabendo-vos também meditar esta eloquente frase de Kropotkin:

Dois partidos somente estão em face um do outro, o partido da coação e


partido da liberdade, os anarquistas, e, contra eles, todos os outros
partidos, qualquer que seja o rótulo.

É concludente: ou com os autoritários ou com os libertários. Conosco ou


contra nós. Mas, por piedade: daí-nos a conhecer o vosso pensamento
para que se saiba com quem estais!...
Evitemos a confusão que já se prolonga demasiadamente.
E nós convidamos os grupos e os indivíduos que estão conosco a aderir
sem demora à Federação Anarquista, a única organização capaz de
realizar a tarefa e a propaganda acima indicadas.

38 – Maldita seja a hora em que os Srs.


Maurício de Lacerda e Evaristo de Morais
assumiram a minha defesa96

Sempre julguei que, ao lado da vaidade, das ambições mesquinhas,


restasse na alma desses homens um pouco de grandeza; que lá num
cantinho dos seus corações vibrasse, mal grado o esnobismo inerente à
classe que integram às suas profissões, a corda sensível dos sentimentos
de justiça e de humanidade; que o seu esforço ou auxílio em prol dos
oprimidos era prestado um pouco por interesse econômico ou político, um
pouco por satisfação espiritual e sentimental.
Enganei-me, pois, quando julguei que o senhor Maurício, na
Câmara Federal e o Sr. Evaristo, nos tribunais – assumiram a defesa
dos operários e dos libertários perseguidos, torturados, expulsos pela
mazurca governamental e policialesca, não tinham em mira unicamente
a exploração das contingências dolorosas em que o povo se encontrava.
Julguei que tivessem algum escrúpulo e jamais nos falassem das suas
campanhas realizadas em nossa defesa, com o fim de que ficassem
patentes as nossas dívidas, as nossas obrigações, pelos seus serviços
ou favores prestados e que, por esse motivo, tivéssemos o
dever de anuir às suas idéias ou interesses.
Agora, porém, vejo que, pela tribuna e pela imprensa, eles nos atiram à
face esses favores, pretendendo, com isso, desarmar-nos das

96
CARVALHO, Florentino de. A Plebe. Ano 04 – N.º 89 – São Paulo – SP. 13.11.1920.

168
nossas razões anti-legalitárias, anti-estatais e arrastar-nos ao lamaçal das
cavações elecionistas.
Por isso, declaro: maldita a hora em que esses senhores se ocuparam da
minha defesa.
Amaldiçôo essa hora, primeiro porque só viam nisso um meio lucrativo;
segundo porque eu nunca fui réu, nunca pratiquei crime de espécie
alguma.
Nunca fui vitimário; fui sempre vítima da criminosa sociedade burguesa,
com a qual os senhores Maurício e Evaristo são solidários.
Eles, que servem de esteio com o Estado republicano, que
sistematicamente pratica os delitos de lesa-liberdade e lesa-humanidade é
que estão em condições de ser defendidos.
Repilo, portanto, os defensores gratuitos, os que, nos parlamentos ou nos
tribunais, não sabem inspirar-se nas palavras que Neebe proferira,
solenemente no tribunal burguês de Chicago:

Mi defensa és vuestra acusación. Mais pretendi dos crimenes son vuestra


historia.

Nas gloriosas batalhas pela libertação do gênero humano só admito como


companheiros, homens que demonstrem com fatos os seus amores por
esta causa, pioneiros que saibam ocupar o seu posto de honra, lealmente,
ao lado dos revoltados, dos idealistas.
Os outros, os que permanecendo do outro lado da barricada, dando mão
forte à tirania republicana, à exploração capitalista, nos querem iludir com
as suas graças, com os seus favores, esses os quero a distância
respeitável.

39 – Os equívocos bolchevistas97

A propósito do bolchevismo, correm mundo dois equívocos, sobre os


quais, alguns camaradas certamente condescendentes, desejariam que
não disséssemos uma única palavra. É-nos impossível satisfazer- lhes o
desejo: – o seu raciocínio é tão simplório como falso.
- Toda a burguesia – dizem eles – ataca a revolução russa e o bolchevismo;
neste momento, pois, não devemos senão defender uma e outro.
Primeira confusão e primeiro erro; confundem toda a obra revolucionária
com a obra de um partido; admitem como única, legítima

97
(Não assinado). O Libertário. Ano 01 – Nº 02 – São Paulo – SP. 15.01.1922.

169
e exata, uma teoria comunista que se traduziu, na prática, no capitalismo
de Estado.
Observemos desde já que á um ato indigno de revolucionários, o ato de se
inclinarem perante o fato consumado.
Num dado momento a guerra também foi – e nunca deixou inteiramente
de o ser – um fato consumado. Deveríamos, portanto, aceitá-la, julgando
ridícula toda a objeção, todo o protesto, toda a resistência e toda a revolta?
Pois a propósito da chamada ditadura do proletariado é este o raciocínio
desses camaradas:
- A ditadura é um fato consumado. Nada há que a possa destruir: impôs-
se e venceu.
Sim, infelizmente, como a guerra; devemos, por isso, concluir que tudo
quanto a ditadura faz é bem feito? Seria o absurdo.
Admitindo mesmo que tudo quanto ela nos tem apresentado e que, apesar
de pouco, não pode ser apresentado melhor por falta de elementos, resta
saber se não seria possível a intervenção doutros elementos, com o fim de
lhe darem uma forma mais benéfica para toda a coletividade.
Mas há mais. De que nos valeria defender um falso sistema, se, em
razão da sua própria falsidade, ele daria à costa quando fosse aplicado?
Ora foi precisamente o que sucedeu. A ditadura de partido e o
capitalismo de Estado aportaram a uma lamentável derrota, que alguns
triunfos militares – cuja importância foi extremamente exagerada – não
puderam recompensar.
A menos que se admita a ditadura pela ditadura, quer dizer com um fim a
atingir, ela não tem justificação possível – apesar de nos dizer que
pretende realizar o comunismo. Faltando, porém, o comunismo, a ditadura
aparece apenas como um meio inoperante; é precisamente o que nós
constatamos hoje.
A prova é que todos os indivíduos que regressaram dos lugares santos
moscovitas, nos vêem dizer que viram tudo... menos o comunismo.
- Mas – ajuntam – o comunismo há de ser um fato, mas é mais tarde...
Muito bem: não compreendemos isso no todo; todavia, se assim o preferis,
compreendermo-lo em parte. Reclamar, tomar e exercer o poder, para
deixar subsistir, desenvolver-se e fortificarem-se as fórmulas econômicas
que o sobredito poder se propunha combater e suprimir, é reconhecer
categoricamente a impotência da ditadura para elaborar uma obra de
transformação comunista.
Esta “coisa” sendo muito compreensível para nós, deverá, com certeza,
atarantar profundamente aqueles que preconizam semelhante poder, tão
absoluto quanto impotente.

170
A mesma observação que fazemos à ditadura, fazemo-la ao capitalismo
de Estado. Conhecemos muito bem as suas incapacidades e a sua
inferioridade em presença do capitalismo privado; mas os “científicos”, que
persistem em ver uma “idéia” neste capitalismo de Estado, como é que
encaram as concessões que fazem os seus ditadores aos potentados da
alta finança burguesa?
A ditadura e capitalismo de Estado abriram, assim, a sua falência. E esta
experiência não poderia ser, em suma, senão útil e salutar, se o fato de
certos governos incompreensíveis não permitisse, hoje, aos reacionários
de todos os matizes, e proclamar a falência dos próprios princípios de
revolução e de comunismo.
Não continuar com um vigor e uma nitidez cada vez maiores a nossa
polêmica antimarxista, – polêmica que nos tem absorvido o melhor da
nossa existência – é um erro que tem cometido vários camaradas. Temos
lido em alguns jornais “avançados” defesas de Lênin e consortes, defesas
essas que são verdadeiramente inconvenientes, visto que a justificação
dos ditadores é, em síntese, a defesa da própria ditadura.
Que se terá, com isso, em vistas? A imprensa burguesa, reportando-se às
próprias declarações dos bolchevistas, pode identificar a idéia da
revolução com a idéia da ditadura terrorista, coma supressão de todas as
liberdades, com a disciplina de ferro, com a submissão absoluta, tudo isto
aplicado às massas e não somente aos burguesas, como alguns operários
ingênuos ou mal preparados ousaram acreditar.
Certos neo-comunistas fazem uma propaganda verdadeiramente louca.
Alegram-se, sobretudo, com as medidas de repressão que se propõem
tomar quando forem governo; mostram, até, algumas listas de proscrição,
sem se aperceberem que, desta maneira, eliminam o direito de protestar
contra todas as iniquidades de que as massas obreiras continuam a ser
vítimas: A mania de opor a ditadura à ditadura não pode senão justificar as
arbitrariedades de regime capitalista, bem como a supressão das magras
liberdades arrancadas pelo proletariado no decurso de longas e dolorosas
lutas.
Assim a emancipação e a libertação que os neo-comunistas pregam não
permitem mesmo aquelas tolerâncias e permissões concedidas pela tirania
plutocrática; e o novo regime não será mais do que o fim de toda a
liberdade, tal qual o pretendem os nossos piores inimigos! O equívoco
perigosíssimo que daí resulta, é que, mesmo entre trabalhadores, muitos
concebem, presentemente, a obra revolucionária, não como o resultado da
ação direta das massas, das suas livres iniciativas, da sua ciência prática,
da sua força, do seu auxílio mútuo e da sua solidariedade, mas como uma
estreita tarefa governamental, burocrática e policial.

171
O outro equívoco, não menos perigoso, consiste em acreditar que o
comunismo é a negação de toda a liberdade econômica. A possibilidade
de vender, de comprar, de tocar os produtos, de trabalhar
independentemente, tudo isso é declarado incompatível com o
comunismo. E, com efeito, Lênin reduz toda a “autorização” para se fazer
o que quer que seja, no sentido de atingir o seu comunismo. Ora, como é
que se pode compreender que não haja uma base econômica que torne
impossível a exploração do trabalho de outrem, visto que a restrição, por
meio de leis, é de tudo inútil?
O famoso Manifesto comunista, bem pouco comunista em suma, diz-nos
expressamente (42): “O comunismo não nega a ninguém o direito de se
apropriar dos produtos sociais; mas nega a todos os indivíduos o direito à
apropriação do trabalho de outrem.”
Se isto é assim – e não podia ser de outra maneira – por que é que os neo-
comunistas vêem em toda a atividade econômica livre um retorno ao
capitalismo?
Francamente, aqueles que sempre nos têm acusado de “fazer o jogo da
burguesia”, não podem desservir melhor o comunismo do que apresentá-
lo exatamente sob o aspecto e com as formas com que a burguesia o pinta,
para o combater.
Esperemos que todos os nossos camaradas compreendam, uma vez mais,
que não nos podemos servir melhor, teórica e praticamente, a revolução e
o comunismo, do que restando estritamente fiéis aos meios, às idéias e às
tendências que sempre temos preconizado. E, sobretudo, afirmamos
altissonantemente:
1. º - que a revolução significa o fim de toda a ditadura;
2. º - que o comunismo corresponde à maior liberdade econômica,
de fato e não de direito;
3. º - que a anarquia não pode ser senão o resultado da ação das
massas.

40 – A ditadura do proletariado e os anarquistas98

A ninguém é licito ignorar que uma profunda transformação social se está


operando em todo o mundo, transformação visível nos Estados do Oriente
Europeu, palpável nos demais países civilizados por uma série inequívoca
de sintomas gravíssimos para os que detêm a terra e os instrumentos de
trabalho. Encontramo-nos frente a frente de uma revolução que não
provocamos, um “fato realizado”, e somos obrigados

98
(Não assinado). O Libertário. Ano 01 – Nº 04 – São Paulo – SP. 15.02.1922.

172
a definir uma atitude, a tomar uma posição, sob pena de sucumbirmos
esmigalhados pela avalanche revolucionária.
Nas suas origens, a revolução atual é essencialmente econômica,
constituindo o corolário lógico das orgias argentárias da Grande Guerra e
da reconhecida impotência dos políticos burgueses em fazer regressar a
sociedade pelo menos àquele apetecível “stat quo ante bellum”.
Foi uma surpresa a Revolução Russa, até para os mais otimistas
revolucionários, e disso é clara prova o insuspeito testemunho de Lênin,
que, em 1905, na revista “Paris-Berne”, reconhecia a impossibilidade da
simples realização, muito menos no êxito, de um movimento insurrecional
na grande nação eslava.
A despeito de todas as teorias econômicas – a falibilidade dos sociólogos
de gabinete! – a Rússia, que não tinha indústrias nem conseguira, por essa
razão, criar uma forte burguesia de tendências “democráticas”, à moda
ocidental, tentou e executou o golpe de Estado que deu o poder aos
bolchevistas, começando assim, à força de leis e de decretos, a Revolução
Social.
É evidente que só a miséria, o mal-estar moral e material originado no
cataclismo bélico, explica o êxito desse movimento, sem dúvida um dos
maiores e mais profundos que a história registra, devendo atribuir- se às
mesmas causas o singular estado de alma das multidões européias, tão
prontas a aceitar as teorias bolchevistas, nelas vendo o fim de todos os
sofrimentos e dores que hoje as torturam.
Em vão procuraríamos nas grandes massas que, fora da Rússia,
acompanham os militantes revolucionários, aquela “chamazinha do ideal”
de que já Bertoni, em 1918, lamentava a falta nas poderosas e “pesadas”
organizações sindicais da Alemanha e da Inglaterra. A única solidariedade
que une as multidões ora em marcha para a revolução é a solidariedade
econômica, a mais sólida, reconhecemo-lo, mas também, a mais perigosa.

*
* *

Em face destas multidões em revolta, muito longe ainda da bondade


apostólica de um Reclus ou do “egoísmo” simpaticamente altruísta de um
Kropotkin – que papel deve tomar os anarquistas? Esta gente faminta e
rôta, tendo nas faces cavadas e lívidas o estigma visível de uma
monstruosa desigualdade social, dificilmente ouvirá as nossas perorações
sobre o direito à vida para todos os homens, e mais dificilmente ainda
compreenderá que o burguês é um produto do meio – e não o inimigo
que deve ser afogado num mar de sangue, mas tão

173
vasto pelo menos como o mar infindo formado pelas lágrimas dos
miseráveis.
Em vão lhe diremos, com Guillaume, que o nosso ódio deve cair nas
instituições – o Estado, o Parlamento, a Lei... – cabendo-nos respeitar os
homens que, na maior parte das vezes, são vítimas de erros há longos
séculos tidos como irrefutáveis verdades. Não nos ouvirá. A multidão tem
sede de vingança, vive nela, bem nítida para que os esqueça, a lembrança
destes dias trágicos. Ela exigirá, levada pelos “meneurs” imbuídos do
fetichismo marxista, a ditadura do proletariado, uma guarda vermelha, a
prisão, talvez a morte, de todos os burgueses...

*
* *

Haverá necessidade de instituir nos países revolucionários a ditadura do


proletariado? A pergunta, assim incisiva, perturba e fere. A Rússia,
organizada em colunas libertárias, teria resistido aos seus inimigos
exteriores com o êxito que teve, governada pelos Comissários do Povo?
Negá-lo equivale a reconhecer que só pela violência se mantêm as
sociedades, mesmo as sociedades socialistas, e isso importa a falência do
socialismo. E se não, vêem nos Comissários do Povo parcelas de um novo
e brutal Poder, mas simples técnicos – quem contestaria à comuna
anarquista da Rússia a possibilidade de arranjar um núcleo entendidos
capazes da defesa da Revolução, segundo os métodos militares
modernos, visto que temos de confessar, tristemente embora, que Enjolras
seria hoje um péssimo general?...
O caso ------ inquisição na Rússia Marxista que A COMUNA fez referência,
numa transcrição de “La 99”, é por demais significativo.
No nosso entender, esta questão deve simplificar-se. O que se trata de
saber é se a Rússia atual poderia realizar o comunismo-anarquiista sem
atravessar uma fase de preparação. Para nós é nula esta evangelização
por decretos, mormente agora que a Rússia Soviética entra em amenas
cavaqueiras com as potencias Aliadas e a ditadura do proletariado, que
para os bolchevistas não é um “meio” mas um “fim”, tende a eternizar-se...

*
* *

A questão, no fundo, resolve-se num problema de filosofia social.

99
N. do Org.: Palavras ilegíveis na cópia digitalizada consultada.

174
Ou reconhecemos a necessidade de atuar pela violência, dando a uns
tantos homens – o escol, certamente, dos elementos sociais... – o direito
de nos fazer felizes – e vamos à ditadura do proletariado, isto é, á
subordinação do Individuo ao Meio, “o que representa um repúdio total das
doutrinas anarquistas”; ou coerentes com as doutrinas de sempre, – e
neste caso “coerência” significa o acordo científico, objetivo, entre a
evolução do homem e da sociedade – repelimos como agressiva e anti-
libertária a idéia da força nas relações sociais, repudiando com energia
todos os desvios do ideal.
Não significa isto, evidentemente, que nos devemos alhear da Revolução
porque ela não corresponde às nossas mais íntimas preocupações. Fazê-
lo equivaleria a cair no mais grosseiro dos erros, e, o que seria bem mais
grave, acarretar-nos-ia a animosidade do proletariado. Devemos, pelo
contrário, entrar ativamente em todas as lutas que se travarem pelo
advento da nova sociedade, procurando orientá-las num sentido
anarquista.
Destarte, evitaremos a ereção de novos ídolos e a criação de novos
dogmas, facilitando pela nossa ação o desenvolvimento da personalidade
consciente na alma das multidões. A ditadura do proletariado, longe de
destruí-lo, reforça o espírito gregário das massas, desenvolvendo ao
máximo, pela morte da iniciativa individual, a crença messiânica na
onipotência da Lei e do Estado.
Partidários convictos da revolução, desejando-a veementemente,
entendemos que a nossa ação, a ação anarquista deve incidir sobre todos
os grandes erros sociais e filosóficos, impedindo-nos a própria natureza
das nossas idéias a defesa de uma fórmula social que tende a substituir a
ação do povo pela ação de um núcleo de indivíduos, o que lembra bastante
um novo avatar do parlamentarismo.
Só mercê de uma organização fortemente anarquista, solidamente
apoiada nos organismos sindicais revolucionários, evitaremos um desvio
da revolução, conseguindo que esta seja o triunfo do homem livre na terra
livre, enfim, de governantes – e de comissários, brancos ou vermelhos!

175
41 – Grupo Ação Libertária
Pela reabilitação moral da Revolução
Apelo aos anarquistas100

Camaradas

Ao dirigir-vos este apelo, fazemos notar que não se trata aqui da revolução
política ou dos pronunciamentos esporádicos recentes, que, além das
energias e das vítimas que custaram, pouco ou nada tiveram de
apreciáveis. Trata-se, como deveis supor, da revolução em seu sentido
lato, capaz de mudar a face da história. Trata-se do conceito revolucionário
e das forças sociais revolucionárias, moralmente abatidos, pela
esterilidade das “arrancadas” das hostes militares e dos partidos da
burguesia ou do “proletariado”, que arbitrariamente usurpam o titulo de
revolucionários.

Camaradas

O movimento político e social no Brasil apresenta uma feição tipicamente


retrospectiva.
Os esforçados campeões da epopéia abolicionista, e os que promoveram
o advento do regime republicano, longe estavam de suspeitar a iminente
derrocada das grandes conquistas colimadas nos últimos dias do império.
A república brasileira desde a sua instauração até hoje, tem sido princípio
corrosivo de eliminação meticulosa e sistemática de todos os princípios de
liberdade, de justiça, de ordem e de progresso, propagados pelos grandes
evangelizadores e sintetizados na Carta magna do novo Estado,
proclamado em 15 de Novembro de 1889.
De pouco parecem ter servido o esforço o heróico, o martírio dos idealistas
da emancipação das raças escravizadas e da independência nacional do
Cruzeiro do Sul.

100
GRUPO Ação Libertária. Manifesto publicado em março de 1932. N. do Org.: Este impresso
está no prontuário individual de Natalino Rodrigues de número 1286, seção do Departamento
de Ordem Pública e Social – DOPS – no Arquivo Público do Estado de São Paulo. Há uma
anotação feita à lápis de cor com o nome “Natalino Rodrigues” sugerindo ser este manifesto de
sua autoria. No entanto, além da identidade do título deste manifesto com o título do capítulo
vinte e nove do segundo livro de Florentino de Carvalho (Pela reabilitação moral da
Revolução), neles estão presentes a mesma linha argumentativa e estística. Ver CARVALHO,
Florentino de. A Guerra Civil de 1932 em São Paulo: solução imediata dos grandes problemas
sociais. São Paulo: Ariel, 1932.

176
Todos os sonhos de alforria e de soberania popular, que aos olhos dos
ingênuos se descortinavam em esperançosas realidades, se
desvaneceram.
Em lugar da democracia liberal, tomou pé o aristocrático despotismo
nacional e estrangeiro.
A terra de Santa Cruz ficou como dantes, sem expressão geográfica,
reduzida a simples feudo de Roma vaticanista.
Os discípulos de S. Francisco, de S. Thomaz de Aquino, de Arbuês,
Torquemada e Loyola, diretores e governadores espirituais dos
magistrados do flamante Estado, tornaram-se, entre nós os verdadeiros
detentores do poder político, orientando entre bastidores, com caráter
decisivo, a ação das poderes políticos.
No Catete reside o poder executivo; no palácio da Glória se encontra o
consulado romano, de onde o primeiro recebe as leis.
Favorecidos por essa fortuna, os batinados infiltraram em massa, todos os
recantos do país, e não tardaram de dominar as populações e provocar a
hecatombe dos espíritos, a hipertrofia assombrosa do fanatismo religioso,
assenhorando-se ao mesmo tempo de uma parte respeitável da economia
nacional.
Nesta região maravilhosa tudo se faz com lágrimas e água benta. Até as
revoluções inclusive as de 1924 e 1930, se realizavam de cruz no peito e
joelho em terra, sob as vistas e controle dos vigários de Cristo.

Militarismo

Como complemento e este processo de barbarização galopante, o


militarismo tomou carta de cidadania.
O povo brasileiro segundo a doutrina dos conservadores demagogos, além
de fanático deve ser janizado, porque assim o exige o principio de
soberania nacional, que, aliás, é uma bela utopia.
Obvia dizer que o cidadão brasileiro é, por natureza, inimigo das
instituições armadas, e por seu espírito liberal, inadaptável à disciplina de
caserna.

Trilogia Imperialista

Como, acima dissemos, o Brasil perdeu, por circunstâncias especiais, que


são do domínio público, a sua independência.
Nem ao menos a autonomia lhe resta.
Aqui devemos frisar que o Vaticano não é nosso único senhor. Outros
senhores, argentários estrangeiros, aqui dominam, como em terra
conquistada.

177
O Brasil é para os grandes financeiros, excelente campo de operações,
mera colônia africana.
No Brasil não há autoridades; há apenas vassalos prontos a seguir à risca
as ordens de seus amos acastelados em Roma, Londres e Nova York.
A política, a economia e a consciência do país estão nas mãos dos mais
poderosos imperialismos.
Os próceres da república puseram a pátria em leilão, e eles próprios se
colocaram no rol dos desclassificados e vendidos.
Ao lado do domínio estrangeiro, mas em condições subalternas, os
grandes indústrias e comerciantes, os fazendeiros indígenas, ou
residentes, restabelecem a escravidão econômica do proletariado,
impondo-lhe cada dia condições mais penosas. Como chefetes da
economia e da política dos municípios, das cidades, etc., exercem por sua
vez influência respeitável, sobre os altos funcionários da República, os
quais se põem à disposição de todas as gentes de posição social, mesmo
porque são estas as que neste momento representam valores efetivos nas
lutas irrisoriamente chamadas cívicas.
O resto, o povo nada representa.
Ele é no sentir dos dirigentes, simples ralé, matéria bruta que se emprega
e se sacrifica, sem pejo, em todas as explorações, mesmo políticas... com
projeções pseudo revolucionárias.
Com a crise industrial que neste torrão se fez sentir profundamente, com o
saque levado aos cofres da Nação, pela burocracia e a intensificação
hiperbólica da exploração do trabalho exercido pelo capitalismo, criou-se
desde o Amazonas ao Prata uma situação de emergência, uma
calamidade econômica sem precedentes. A miséria faz mais estragos
entre as classes proletárias, do que as hecatombes guerreiras. A falta do
pão, de abrigo, de lar, dizima a granel os famintos, homens, mulheres e
crianças.
Até há pouco os cândidos que esperavam do “governo revolucionário”
lauta mesa onde iriam saciar a fome longo tempo curtida, formaram legião.
Mas, que se pode esperar de militares e políticos profissionais, conduzidos
espiritualmente pelo Estado Maior eclesiástico? Que se pode esperar dos
industriais da política e dos Generais que aqui estabeleceram o fascismo,
para obter as graças do Vaticano e do capitalismo internacional? Nada a
não ser leis draconianas, identificações deprimentes, idênticas, no fundo,
às aplicadas outrora no rosto dos escravos. Nada se pode esperar a não
ser as repressões violentas das agitações grevistas, nada a não ser a
mordaça, a prisão a deportação, no mínimo, dos militantes do movimento
operário ou social.

178
São estas as glórias da revolução, regada com o sangue de milhares de
cidadãos, soldados ou civis, que levaram em seus cérebros um mundo de
ilusões libertárias.

Camaradas

Neste momento surge no cenário das agitações políticas uma assoada


ultramontana, promovida pelas classes conservadoras, por ex- burocratas
e demagogos da guarda decaída, por fazendeiros escravocratas ou filhos
dos negreiros e pela estirpe clássica dos coronéis honorários seguidos de
alguns jovens iludidos, saídos dos seminários ou escolas públicas, regidas
por professores retrógrados, sectários por excelência, que da escola fazem
templo de catequese, semeando a granel a peste religiosa.
Aproxima-se a época termidoriana.
Todas as potências da alta burguesia se aprestam para restabelecer a
ferro e fogo o regime do terror.
Sobre o Brasil paira a ameaça de um novo dilúvio de metal; de serem as
cidades e os campos varridos pela metralha. Os dias sombrios de 1924
com as suas tragédias sinistras em que as populações inermes foram
sacrificadas repetir-se-ão se não se souber evitar o choque em
perspectiva.
As hostes de Washington Luís, de Bernardes, de Setembrino e de
Potiguara, tomam posições para dar ao povo exemplar castigo pelas suas
aspirações liberais.
Hoje em lugar dos direitos prometidos, os “próceres revolucionários”
adotam contra as classes populares medidas liberticidas e amanhã a
reação declarará o estado de guerra e não haverá quartel para os
proletários que os exploradores querem manumitidos, esmagados, e
particularmente para os militantes e os homens que seriamente almejam
um estádio de equidade social.
Ante o lance em gestação impõe-se uma ação popular enérgica à margem
de todos os partidos políticos.
Há muito tempo que campeiam entre o proletariado dos países
civilizados, a mentira política e a mistificação doutrinária dos partidos
políticos chamados esquerdistas, a simulação nos seus métodos de luta.
O chamado “partido comunista” antítese do comunismo, é de todos os
partidos e de todas as seitas, o maior inimigo dos trabalhadores, o que
mais perigo oferece ao movimento emancipador, porque posicionado
aparentemente ao lado dos oprimidos, fere pelas costas com habilidade
excepcional o proletariado militante. O “partido comunista” ilude as
gentes incautas acenando-lhes um “paraíso

179
proletário”, ocultando no reverso da medalha um sistema de exploração e
de compressão física e moral que constitui um verdadeiro açoite.
Não existe, portanto força política ou religiosa que espose a causa da
plebe, que arvore os princípios de justiça e de igualdade social.
Na arena das reivindicações sociais, na pugna pela liberdade sem
reticências, sem rodeios, resta somente a coletividade anarquista.
Somente os anarquistas não ambicionam o poder, a riqueza nem a glória.
Estes almejam tão só a realização, a materialização de grandes ideais de
dignificação humana.

Camaradas

Neste instante da história em que a reação se avizinha e o colapso moral


dos partidos políticos, velhos ou novos, provocam a repulsa da consciência
pública, livre hoje das sugestões demagógicas do caudilhismo oportunista,
o anarquismo e os anarquistas estão chamados a entrar na estacada
fazendo luz sobre os espíritos desorientados e reanimando a calma das
multidões embargadas pela decepção.
A obra de subversão dos sistemas filosóficos políticos e econômicos, no
sentido da regeneração social, é imensa.
Trabalhar, pois nos alicerces dessa obra; assentar a base espiritual e
material das campanhas cívicas reais, insofismáveis, que removem as
causas íntimas determinantes das tragédias dolorosas em que se debatem
os humildes; fazer dessa base o centro de convergência de todos os
rebeldes de todos os descontentes, eis a nosso ver, a missão dos
anarquistas e simpatizantes.

Camaradas

A luta pelo ideal é a razão de ser de todo idealista. Nada nos deve deter
na afirmação da nossa personalidade. O fato de sermos poucos, não deve
ser pretexto para trepidar. A guerra social não é uma matemática. Se na
luta perdemos muitos guerrilheiros parodiando a Malatesta “o que urge é
enterrar os mortos e continuar a batalha.”
A epopéia máscula, a epopéia revolucionária, libertadora iniciada com
desassombro e heroísmo inexcedíveis por Bakunin, Reclus Proudhon,
Gori, Salvochea, Lyng, Ferrer e tantos outros filósofos e mártires da
emancipação humana, requer o concurso espontâneo a ação contumaz
decisiva de todos os homens livres.
É preciso passar do terreno das elucubrações ao terreno dos fatos: cerrar
fileiras, anuar esforços para levar de vencida o inimigo comum – A
burguesia com todas as suas instituições – Alargar ao infinito os direitos
individuais e coletivos, os princípios de cultura e de moral de um

180
povo que aspira à civilização é a atitude digna de cavalheiros em cujos
cérebros fulge a chama candente do idealismo e sentem correr nas
próprias veias o sangue generoso dos revolucionários.
A bandeira das insurreições militares e políticas, arreada pela desilusão
unânime do povo, deve ser substituída pela bandeira rubra da igualdade
social, arvorada pelos pioneiros do Comunismo Anárquico

Anarquistas

Em vós residem as potências ideológicas e morais capazes de realizar a


emancipação dos escravos modernos

Anarquistas

A humanidade sofredora espera de vós um gesto a altura do momento que


a todos empolga.

S. Paulo, Março de 1932 – GRUPO AÇÃO LIBERTÁRIA.

42 – A propósito da tolerância101

Camaradas de “A Plebe” Saudações.

Assisti à comemoração da morte de Cipolla e de Antonino, e pelo que


constatei, esses camaradas foram assassinados por pessoas que estavam
muito longe de pertencerem ao partido da reação. Eram elementos
proletários que, ao invés de usarem os seus ardores combativos contra a
organização da ladroeira, do privilegio, do açambarcamento e da violência
do homem contra o homem, levados por sectarismos idiotas, assassinaram
pobres companheiros que prestavam à causa comum a contribuição que
as próprias consciências lhes impunham.
É uma fatalidade cruel, porque tais atos procedem de um conjunto de
circunstâncias criadas pela ignorância em que vivemos e da qual nos
esforçamos por sair o melhor que nos seja possível.
Eu penso exatamente como falou o camarada Adelino de Pinho, dizendo
que esses crimes monstruosos são filhos do sectarismo e da intolerância.
Eu vou além: acho que o sectarismo rancoroso, a intolerância para com as
idéias e as tendências dos demais

101
MÁSCULO, Lucas. A Plebe. Nova Fase. Ano 01 – N.º 08 – São Paulo – SP. 14.01.1933.

181
companheiros, fazem com que, ao invés da Revolução seguir para frente,
corra em disparada para traz.
Falam uns e outros em ciência, mas nem uns nem outros compreendem
que não há nada mais anti-científico, nem mais irracional do que um
homem crer que tem consigo a verdade absoluta; que não há nada mais
autoritário, nem mais jesuiticamente reacionário do que serem intolerantes
uns com os outros, achando cada um que o seu sistema é o verdadeiro e
que deve ser à força seguido; e que se o outro não o quiser seguir é porque
é falso, porque está vendido, porque é um traidor da humanidade...
Eu queria que os camaradas todos compreendessem que isso é
erro.
Não nascemos todos no mesmo dia, não estivemos juntos em toda
parte, nem aprendemos todos as mesmas coisas; estes são alguns dos
motivos porque não temos todos as mesmas idéias e as mesmas
tendências. Ninguém nasceu para saber tudo e guerrear aos outros que
também querem trabalhar para o bem comum, de acordo consigo próprio.
As únicas distinções que deve haver na nossa frente de batalha, são estas:
de um lado, os revolucionários; do outro lado, os reacionários ou contra-
revolucionários.
Como faremos para reconhecer quem está com a revolução e quem está
contra a revolução? Pela seguinte maneira: nós sabemos que vivemos um
momento decisivo de transição social; o povo precisa orientar-se
seguramente sobre as novas formas sociais que deverá adotar para o
futuro; para isso é preciso que lhe sejam expostas todas as idéias, todas
as doutrinas, todos os princípios, todas as teorias, todas as formulas, todas
as soluções para que ele veja, estude, procure a verdade onde ela se ache,
para que possa adotar aquilo que achar mais conveniente; assim sendo, é
preciso que haja a mais ampla liberdade de pensamento, de palavra, de
imprensa, de associação e de reunião e o maior respeito, o mais absoluto
respeito às pessoas pelo fato de exporem as suas opiniões.
Por esta forma o povo ou o operariado poderá orientar-se com segurança.
Sendo assim, será fácil reconhecer quem é revolucionário e quem está
com a Revolução. É revolucionário todo aquele que for partidário da livre
manifestação do pensamento, da livre associação conforme as convicções
e às tendências de cada um; e deve considerar-se contra- revolucionário,
reacionário, retrógrado, todo aquele que acha que tem o monopólio da
verdade absoluta, todo aquele que queira suprimir o direito de livre pensar,
de livre manifestar por qualquer forma as próprias idéias, todo aquele que
queira se opor a que cada um exerça a própria

182
atividade de acordo com a própria consciência, todo aquele que tendo
certeza de ser derrotado num regime de liberdade, recorre à violência para
obrigar aos indivíduos a não dizerem o que pensam e o que sentem.
Nesta ordem de idéias devemos estabelecer uma frente única
revolucionária contra a frente única reacionária que já existe e procura nos
sufocar. O último levante dos políticos paulistas, que por pouco não
conseguiu exterminar-nos, é prova do que afirmamos102.
Por isso, nada de ilusões perigosas. Nós precisamos de liberdade e de
respeito às nossas pessoas. Temos disso hoje um pouco, o que não se
dava ontem isto é fato que ninguém pode negar.
Que cada um siga o seu caminho com suas idéias e os seus programas,
sem ter que atacar nos outros, outra cousa que não seja o pouco respeito
que tenha pela liberdade alheia.
Nós, os revolucionários de todas as idéias, de todas as tendências,
devemos estabelecer a frente única no principio da liberdade de
pensamento, pela palavra e pela pena, e da liberdade de associação, para
nos opormos a todos quantos queiram perpetuar o estado de escravidão
em que a humanidade se encontra.
É preciso que todos compreendamos, que pratiquemos e que façamos
compreender isto. A liberdade acima de tudo, para que possamos construir
a sociedade em novas bases, para que todos compreendam e fiquem
inteirados, por si mesmos, sobre o que for melhor fazer.
Pouco importa que este trabalhe na oficina, aquele trabalhe no comercio,
aquele outro vista farda, aquele seja empregado público.
O que queremos saber é isto: está pela liberdade de pensamento e de
associação? Então formará na nossa linha de frente. Está contra a
liberdade de pensamento e de associação? Então é nosso inimigo e deve,
por isso, ser combatido com todos os reacionários e com todos os inimigos
da humanidade.
É neste terreno que devem se dar as mãos os revolucionários de todas as
idéias e de todas as tendências, fazendo frente única contra o inimigo e
não combaterem-se entre si por causa de pontos de vista diferentes.

102
N. do Org.: Alusão à guerra constitucionalista de São Paulo contra o governo central sob
regência de Getúlio Vargas ocorrida em 1932.

183
43 – A batalha dos séculos103

Em eras que se perdem na noite dos tempos, os homens, reunidos em


tribos, armados de paus e de pedras, faziam as guerras de extermínio, de
tribo contra tribo. A vitória dos vencedores era a morte dos vencidos; as
presas de guerra eram as mulheres.
Mais tarde os povos se transformando em pastores de gado e em
cultivadores de plantas e, então, continuaram as guerras de povos contra
povos, para obrigar aos que fossem vencidos a entregar os seus bens e a
trabalhar para sustentar aos vencedores na ociosidade. E como o gado,
para viver, precisa pastar nos campos; e tudo mais que o homem inventou
e produziu para o seu sustento e para o seu conforto – é tirado da terra ou
é nela feito, os vencedores, ao confisco dos bens e do trabalho dos
vencidos, juntaram o confisco da terra, a que deram o nome de DIREITO
DE PROPRIEDADE. Depois se constituíram, os vencedores, em classes
armadas, coadjuvadas por legiões de civis, e teceram um cipoal de Leis e
de regulamentos para embrulhar e obrigar pela força, em caráter perpétuo,
aos vencidos e seus descendentes a sujeitarem-se a essa situação e a
obedecerem a todas as imposições dos vencedores. Assim foram se
fazendo as leis, os códigos, os exércitos, as polícias, as magistraturas, o
funcionalismo, as escolas, as academias, as religiões, os tribunos, a
imprensa... Tudo isto veio sendo organizado pelos vencedores, em seu
proveito, contra os vencidos – e chamou-se a esse complexo de
organizações: - GOVERNO.
De sorte que, das antigas guerras, das antigas lutas de morte de povos
contra povos, feitas com o intuito de obrigar uns a trabalhar e a manter
outros na ociosidade, resultou, em primeiro lugar – O DIREITO DE
PROPRIEDADE e, em segundo lugar – O ESTADO ou O GOVERNO, que
tem a missão de sujeitar o vencido ao vencedor, ou por outra, de garantir
o direito de propriedade e lhe estabelecer normas e regras em suas
relações com a vida social.
Examinemos isto:
Se uma turma de homens armados assaltarem uma casa, assassinando
os seus moradores, ou parte deles, roubando a casa e tudo o que nela
houver e escravizando aos que forem poupados à morte, todo o mundo
ficará horrorizado e dirá que tal fato constitui um crime pavoroso; de fato o
é mesmo. Uma guerra não passa de um assalto em grandes proporções.
Dá-se, nela, o assassinato, o roubo, o estupro, a violação, a escravização
dos vencidos, a exaltação, o domínio dos vencedores.

103
MÁSCULO, Lucas. A Plebe. Nova Fase – Ano 02 – N.º 40 – São Paulo – SP.
16.09.1933.

184
Se matar é crime, se a guerra é um grande crime, todas as guerras, desde
a mais remota antiguidade, até hoje, constituem os mais hediondos crimes
que os mais bárbaros e sanguinários vem impondo à humanidade
sacrificada no suceder dos tempos. E como consequência do suceder de
tantas guerras, vivemos, hoje, neste meio social, nesta civilização em que
o trabalhador vive ao relento a olhar para os palácios criados pela sua
inteligência e pelo seu braço, morre de fome e de frio a contemplar as
montanhas de produtos criados pela sua atividade e pelo seu esforço,
vegeta no obscurantismo ao lado da galopada fantástica da ciência e da
razão que levantam o véu aos mais intricados mistérios da Natureza.
Como consequência de todas as antigas guerras, até hoje, resultou isto: –
O DIREITO DE PROPRIEDADE, isto é, a riqueza e o bem estar para uns
– e o trabalho, a escravidão, a miséria, a vergonha e o desespero para
todos os demais. Para desaconselhar a revolta aos desesperados, os
patrões inventaram a religião que “garante” as delícias do... Céu aos que
mais sofreram neste mundo! Enquanto isso eles vivem á tripa forra, rindo-
se dos coitados que eles enganam e mistificam. Para os que não quiserem
crer nas delicias do Céu e acharem que também têm direito de satisfazer
as próprias necessidades, temos os Códigos, as Leis, os Regulamentos,
os Juízes, os Magistrados, os exércitos, as polícias, as metralhadoras, os
fuzis, os punhais, os canos de borracha, as geladeiras, as prisões, as
penitenciárias... manganelos e óleo de rícino, enfim, numa palavra, temos
aí o GOVERNO.
O que quer dizer que o grande crime que desde as mais remotas eras, os
mais violentos vêm perpetrando contra a humanidade, continua, ainda hoje
a ser praticado, não só para perpetuar a injustiça clamorosa multimilenária,
como também para impedir que a massa trabalhadora veja com clareza a
sua real situação e estude o remédio mais eficaz para se libertar.
Chegamos a um ponto em que a humanidade não pode mais viver dentro
dos moldes sociais estabelecidos pela força e pela tradição. Há pelo
mundo cerca de cinquenta milhões de desocupados que, com suas
famílias perfazem um total de duzentos milhões de entes humanos, para
os quais há este dilema: ou transformar a sociedade para poder trabalhar
e consumir, ou morrer de fome.
Agora, perante tal expectativa, levantam-se os ricos, os poderosos, os
clérigos, os exploradores, os viciados, os truculentos, os gozadores, os
trituradores de carne e dos corações dos homens que trabalham, quais
feras, quais trogloditas antediluvianos, lançando mãos a todos os meios
mais consentâneos com a sua natureza de monstros, e preparam por toda
a parte a guerra de morte, a guerra de extermínio, para

185
continuar mantendo o domínio da ladroeira e da injustiça, da extorsão e da
ignomínia.
Preparam a guerra e a reação: o CRIME.
Porque, para essas feras, para esses monstros mascarados de homens,
nada importa a justiça, a moral, a matança, o extermínio da humanidade
trabalhadora ou o fim do mundo. O que lhes importa é roubar, é escravizar,
é passar vida regalada, e dispor de exércitos de mercenários para
satisfazer seus caprichos, é ter exércitos de mocinhas famintas para
povoar suas alcovas e lupanares. O mais, nada lhes importa. Que haja
meia humanidade que se suicida de desespero, que os desocupados
morram de inanição, de fome ou de peste, ou que sejam devorados pelos
cães, não os sensibiliza, desde que não sejam incomodados nos seus
gozos, nas suas doces digestões, nos seus desbragamentos.
Agora, os horrendos trogloditas das cavernas terciárias arrancam
cinicamente as máscaras incomodativas da cultura, da civilização, da
educação, da moral, da ciência, da filosofia, dos sentimentos humanos, de
todas as qualidades nobres e elevadas: e proclamam abertamente: O
TEMPO DA LIBERDADE PASSOU.
Está visto! O que está em perigo é toda a herança de crimes e abomínios
cujas consequências vêm se acumulando sobre a espécie humana através
de centenas de séculos. O que está em perigo é o regime da ladroeira, da
exploração, da escravidão, da prostituição, da miséria e da fome!
É isto o que os senhores do mundo não podem permitir. Nem que o céu
venha abaixo. Eles tudo farão. Acabarão com a liberdade de imprensa,
com a liberdade de associação, com a liberdade de pensamento. Farão
grandes fogueiras de todos os livros, de todas as bibliotecas, destruirão
todas as tipografias. Assassinarão todos os homens que não tiverem
mentalidade de escravos, de escroques e de cafténs, e tentarão reduzir o
resto da humanidade a uma massa amorfa de eunucos, beócios, cretinos
e idiotas.
Não podem perder as suas conquistas, que julgam legitimas.
Querem, a todo o custo, continuar a serem senhores do mundo e da
humanidade. Querem continuar vivendo e gozando sem trabalhar. E
querem que haja gente louca e faminta para lhes fornecer carne moça e
abundante para os bordéis.
Mas, acordaram tarde, as feras antediluvianas. Ainda há muitos homens
que têm coragem, cérebro e coração. Ainda há muita humanidade sã, que
não está totalmente morta como parecia, mas apenas adormecida e que
está acordando. Ela não quererá suicidar-se, não quererá morrer, nem
permitirá que a assassinem. E inaugurará sobre a Terra o regime da
Justiça – que é o regime da Liberdade. O

186
regime da Liberdade que marcará o fim de todas as tiranias, de todas as
misérias, de todas as formas de escravidão, de todos os vícios e podridões.
O regime da Liberdade que acabará com essa herança nefasta de erros
acumulados através de centenas de séculos de guerras, morticínios e toda
sorte de violências.
Homens de pensamento e de ação; homens de ideais, cujo maior prazer
está na luta sem tréguas, sem descanso pelo progresso humano;
companheiros que desprezais o sofrimento, na voragem gloriosa da luta
pelo ideal; batalhadores valentes que desafiais a morte num sorriso
heróico, inspirado na certeza da vitória:
Avante! É a nossa GUERRA! Prometeu rompe as algemas da sua
escravidão multissecular e munido de uma flâmula divina, desafia o infinito
do MAL.
Avante, pela estrada larga da liberdade humana!

44 – O que pretendem os autoritários e o que pretendemos nós104

Hoje como ontem e como sempre, duas forças se debatem para fazer
prevalecer os seus princípios e as suas concepções duma nova vida social:
autoritária e libertaria.
Os autoritários se dividem em vários setores ou partidos, que parecerão à
primeira vista distanciar-se profundamente nos seus objetivos, em
realidade pouco ou nada divergem uns dos outros, desde os considerados
fascistas aos que só se dizem “socialistas” e “comunistas”.
Os autoritários visam todos à conquista do Poder, para dali impor leis e
formas de vida ao povo ainda que contrariamente à vontade desse mesmo
povo.
Advogam a formação dum Estado forte e repressivo para resistir aos
possíveis ataques dos seus inimigos e garantir-lhe o triunfo do predomínio
sua única aspiração.
A sua engrenagem social parte de cima para baixo, isto é: centralista. Onde
a vontade dos que medram nos postos de mando se impõe de maneira
inflexível e inexorável aos que têm de obedecer: os de baixo.
Têm como lema primacial, “tudo pelo Partido e o Estado, nada contra o
Partido e o Estado”.
A liberdade individual a menosprezam, a coartam, onde o indivíduo,
partícula livre e independente do grande todo social, é considerado

104
(Não assinado). A Plebe. Nova Fase. Ano 04 – Nº 94. São Paulo – SP. 03.08.1935.

187
como simples autômato, qual peça duma máquina que tem de amoldar- se
e obedecer ao lugar que o queiram destinar.
Pretendem manter a propriedade privada, uns a individual, outros a
coletiva ou estatal.
O salário não o suprimem, não só porque não lhes é praticamente possível
dentro da sua estrutura político-econômica, como até porque vêem neste
a garantia dos seus privilégios de casta, que a todo o transe pretendem
perseverar.
Defendem a continuidade dos exércitos com suas castas hierárquicas;
Polícia Magistratura; cárceres e toda uma série de torturas e castigos
infligidos aos chamados delinquentes.

-- ------------ ------------105, os anarquistas, radical do Estado com todo o seu


aparelho burocrático e repressivo, tanto pela sua inutilidade nas relações
e atividades humanas, como por estar sobejamente reconhecido e
comprovado, que é na sua própria existência que reside a causa da grande
dor humana.
Combatemos a propriedade privada, quer estatal, quer individual, por ser
esta a que engendra toda a miséria e despotismo entre os homens, e fator
primordial de todas as guerras.
Lutamos pela total abolição do salariato, que além de ser uma
arbitrariedade secularmente imposta à classe trabalhadora e garantir,
portanto, a desigualdade entre os indivíduos, é uma imposição que tem
como conseqüência o de não permitir o concurso livre, segundo as
necessidades da cada um, dado que o individuo não poderá consumir mais
do que lhe permite o salário que lhe concedem.
Somos contrários a todos os exércitos, polícia e magistratura, visto que tais
instituições além de dispensáveis numa sociedade baseada no trabalho e
acordo livre, são parasitárias e de funestas consequências para uma
sociedade onde todos os indivíduos serão simultaneamente produtores e
consumidores.
Não defendemos a existência de cárceres, dado que, desaparecidas as
causas da delinquência de hoje, com elas desaparecerão seus efeitos.
Combatemos toda a tortura ou castigo, não só porque chocam com os
nossos sentimentos de liberdade e justiça, como também porque são
ineficazes e contraproducentes, dado que a delinquência é sempre
motivada por fatores estranhos à vontade dos chamados delinquentes.
Portanto, em vez de cárceres e códigos penais como armas profiláticas de
todos os sistemas político-autoritários, nós anarquistas, advogamos a

105
N. do Org.: Palavras ilegíveis na cópia digitalizada consultada.

188
criação de casas de saúde ou de instituições de verdadeira profilaxia
social.
Numa palavra: Preconizamos a Sociedade Comunista Libertária, que é, na
sua expressão mais simples, a organização livre e harmônica dos
trabalhadores na ausência absoluta de todo o principio de opressão e
exploração do homem pelo homem.

De “Rebelião”

189
190
Uma Breve Apresentação da Imprensa Matginal
Há tempos a cultura, a informação e as idéias criadas pelo ser
humano são tratadas como mercadoria geradora de lucros e
poder, se mantendo nas mãos de uma minoria que tem em mãos
não só o conhecimento, mas também os meios de produção e
difusão dos mesmos.
Partimos da idéia de que a informação não é produto, e deve
estar nas mãos de tod@s. Buscando sair da lógica do lucro e do
mercado, do comércio de idéias e informação, produzimos e
difundimos nossos livretos a baixos custos, cobrando apenas um
valor coerente ao seu custo real – referente à cópia, montagem e
auto-sustentação do projeto. Assim, pensamos e elaboramos
nossos livretos como algo mais do que uma capa envernizada,
brilhante e colorida, ou um papel couché: como algo mais do que
um belo produto que seja sucesso de vendas e esteja nas estantes
das melhores livrarias.
Pensamos no livro como difusor de informação, gerador de
senso crítico e questionamentos individuais e coletivos, como
propulsor de novas idéias. Não queremos ser sucesso de vendas,
não queremos nenhum livreto best seller. Acreditamos que o
direito de reprodução e difusão não é propriedade de quem os cria
ou edita.
Contra a idéia de propriedade intelectual, apoiamos a pirataria
e a livre cópia. Informação, idéias, inventos, criações: nas mãos de
tod@s, e não mais propriedade e monopólio de uma indústria
cultural! A Imprensa Marginal é um grupo anarcopunk que traduz,
reedita e difunde materiais libertários diversos.

Para contatos, trocas de idéia, conspirações conjuntas e para


adquirir os livretos ou catálogo, escreva para Imprensa Marginal -
imprensamarginal@riseup.net

www.anarcopunk.org/imprensamarginal

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