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A modernidade,
o Estado e o
cinema de
Stanley Kubrick

Prof. Dr. Alisson Gutemberg


@cinema.com.teoria
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Objetivos:
● Debater os processos de formação, consolidação e
atuação do Estado moderno;

● Apresentar algumas das principais características


desse tipo de Estado;

● Analisar como o Estado aparece representado no


cinema de Stanley Kubrick
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Referências:
● Conversas com Kubrick (Michel Ciment);

● Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado


(Althusser);

● O Processo Civilizador (Norbert Elias);

● Labirintos da razão: mise-en-scène e discurso no


primeiro cinema de Kubrick (Rafael Nunes. Tese)

● Max Weber e o Estado racional moderno (Marcos


Maliska. Artigo);
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Referências:
● Doutor Fantástico: uma análise sobre a Guerra Fria
(Murilo Araújo e Rosângela Silva);

● Laranja Mecânica: violência ou violação (Paulo


Menezes. Artigo);

● A ultraviolência em Laranja Mecânica (Marcelo


Pereira e Rose Gurski. Capítulo do livro Imagens-
textos – Amadeu de Oliveira; Edson Sousa e Liliane
Seide);

● Sobre as origens do desenvolvimento do Estado


moderno (Modesto Florenzano. Artigo)
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— Primeiros
passos:

- A Sociologia como campo de


interpretação da sociedade
moderna;

- A tríade clássica da Sociologia:


Durkheim, Weber e Marx;

- Durkheim e a divisão do
trabalho;
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— Primeiros
passos:

- Weber e os processos de
racionalização e burocratização
do espaço social (uma teoria do
Estado);

- Marx e a concentração dos


meios de produção (ausência de
uma teoria sistematizada sobre o
Estado);
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— Primeiros
passos:

Trabalharemos com:

- A teoria weberiana do Estado


(racionalização, burocratização);

- A análise de Althusser, um autor


marxista, sobre os modos de
atuação e dominação do Estado
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Parte I:

O Estado moderno: origem,


formação e atuação
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● A modernidade: um novo espaço social,


uma nova forma de vida. Ruptura.

● A compreensão da modernidade em
três níveis: recorte histórico,
experiência cultural e projeto;

● Recorte histórico: o século XIX como


espaço-tempo da materialização das
mudanças sociais construídas em
épocas anteriores;
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● As Cruzadas e o desenvolvimento das


atividades comerciais (nascimento da
burguesia no século XIV); a
centralização do poder (Absolutismo);
Ascensão da burguesia como classe
dominante (Revoluções burguesas dos
século VXII e XVIII– a Revolução
Francesa); a mudança no paradigma
dominante do conhecimento
(Iluminismo)

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● A compreensão da modernidade em
três níveis: recorte histórico,
experiência cultural e projeto;

● Experiência cultural: a consolidação da


metrópole, da cidade, como espaço
dominante; o desenvolvimento
tecnológico proporcionado pela
Revolução industrial (altera a relação
do ser com o espaço e as formas de
produção)
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● A compreensão da modernidade em
três níveis: recorte histórico,
experiência cultural e projeto;

● Projeto: a racionalização e
burocratização do espaço social;
ascensão da ciência como paradigma
dominante do conhecimento.

● Pilares do projeto moderno: Estado e


Ciência
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— A gênese do
Estado moderno
- Norbert Elias: o Absolutismo como
gênese do Estado moderno;

- A queda do império romano e o


nascimento da sociedade feudal
(descentralização);

- Absolutismo: formação, ou retorno,


de um poder centralizado, o
monopólio da força e a expansão da
noção territorial (comunidades
imaginadas);

- Mas o Estado moderno vai além


disso. Então, afinal, o que é o Estado
moderno?
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— O Estado
moderno:

- O Estado moderno é o aparato


racional que organiza e orienta o
espaço social;

- Se, no Absolutismo, o Estado


girava ao redor do Clero e da
Nobreza, no mundo moderno ele
se liga ao ideal de racionalidade
(Weber);
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— O Estado
moderno:

- Da busca pela organização do


espaço social através de normas,
regras e leis que se sustentam em
um ideal de impessoalidade (a
premissa científica da
imparcialidade). Para tal, opera-
se dentro de uma lógica de
critérios técnicos (Weber);
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— O Estado
moderno:

- E essa racionalização vai


perpassar, entre outros, pelo
estabelecimento de um sistema
tributário e pela consolidação de
uma norma jurídica. O Estado
detém o monopólio do poder
sobre todas as pessoas no
domínio do seu território. Então,
todas e todos devem se
enquadrar nas normas impostas;
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— O Estado
moderno:
- Por exemplo: se alguém comete um
homicídio em algum país onde o
crime prevê pena de morte, o Estado
pode lhe tirar a vida, ele tem esse
direito. E essa relação se dá em um
tipo de dominação que Weber
caracteriza como racional-legal.
Definida pelas leis, regras,
estabelecidas;

- Logo, o Direito está no centro da


organização e estruturação do
Estado racional moderno. Além dele,
os princípios da Administração
pública (enquanto conhecimento
técnico);
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— O Estado
moderno:
- E para operacionalizar a sua atuação,
garantir o seu funcionamento, o Estado vai se
amparar nas diversas instituições que
orbitam o seu núcleo (governo, forças
armadas, funcionalismo público, instituições
jurídicas etc.);

- E essas instituições se organizam em dois


blocos: os aparelhos repressivos e os
aparelhos ideológicos (Althusser);

Obs: nesse ponto a gente se afasta de Weber.


Será que o Direito e a Administração são
saberes isentos? Vejamos o caso dos valores
dominantes na Administração pública (a
questão do ajuste, da responsabilidade, fiscal.
Um Estado baseado na lógica do lucro, do
mercado)
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Aparelhos repressivos e ideológicos do


Estado: para Althusser, qualquer Estado
moderno opera dentro dessas duas frentes

● Os aparelhos repressivos: o sistema


jurídico, os exércitos, as polícias, o sistema
prisional, o governo. Instituições voltadas
para a manutenção da ordem por meio do
monopólio da força

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Aparelhos repressivos e ideológicos do


Estado: para Althusser, qualquer Estado
moderno opera dentro dessas duas frentes

● Os aparelhos ideológicos: igrejas, escolas


(particular ou pública), família, a imprensa,
os partidos políticos etc. Há diversos
aparelhos ideológicos. A primeira diferença,
aqui, se dá no fato de que, em cada uma
dessas instituições, o poder é exercido
majoritariamente no campo da ideias.

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Aparelhos repressivos e ideológicos do


Estado: para Althusser, qualquer Estado
moderno opera dentro dessas duas frentes

● Além disso, uma outra diferença, é, que, os


aparelhos repressivos pertencem
inteiramente ao domínio público. Já os
aparelhos ideológicos pertencem ao
domínio privado. E isso é importante: é o
Estado quem estrutura e orienta qualquer
um dos domínios – o público ou privado

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● Por exemplo: escola (particular) e


igreja são exemplos de instituições
que atuam dentro do domínio
privado, no entanto, elas obedecem
as normas e diretrizes do Estado. É o
Estado quem regulamenta cada uma
delas.

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Aparelhos repressivos e ideológicos do


Estado: para Althusser, qualquer Estado
moderno opera dentro dessas duas frentes

● Os aparelhos ideológicos operam moldando


o sujeito, ao longo da vida, para que ele
atenda às demandas sociais, e,
evidentemente, se enquadre dentro dos
parâmetros definidos. Moldam a conduta (Ex:
os papéis da escola e da família). E quando
esse processo é insuficiente, não ocorre como
o esperado, os aparelhos repressivos são
acionados

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Parte II:

O Estado no cinema de
Stanley Kubrick
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— O Estado no
cinema de Kubrick
- Lembra quando falei,
anteriormente, que, na prática, o
Estado moderno funciona por meio
de instituições?

- É justamente através delas, que, no


cinema de Kubrick, o Estado aparece
representado. E algumas instituições
são marcantes em sua obra: forças
armadas (Medo e Desejo, Glória Feita
de Sangue, Dr. Fantástico, Nascido
Para Matar), polícia (Laranja
Mecânica), sistema prisional (Laranja
Mecânica) e governo (Dr. Fantástico,
Laranja Mecânica)
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— O Estado no
cinema de Kubrick

- Logo, Kubrick trabalha com os


aparelhos repressivos do aparato
estatal. No centro de sua obra está
uma crítica ao uso da força por parte
do Estado. E, para isso, ele escolhe
como tema principal de sua
filmografia a guerra;

- Com isso, Kubrick demonstra, que, a


sociedade mais racional da história
humana, é capaz de grandes atos de
irracionalidade e selvageria
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A guerra no cinema de Kubrick:


Morte e Desejo (1954): uma guerra
indefinida; Glória Feita de Sangue
(1957): um olhar para a Primeira
Guerra; Dr. Fantástico (1964); uma
sátira sobre a Guerra Fria; Nascido
para Matar (1987): uma crítica ao
conflito no Vietnã

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● Dos 13 filmes que compõem a


filmografia de Kubrick, ao menos em 4
deles o foco central é a guerra.

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● Evidentemente que Kubrick não é o
único e nem foi o primeiro a tratar da
guerra no cinema;

● Hollywood produziu uma série de filmes,


ao longo da história, tendo a guerra
como elemento central;

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● O pioneirismo de O Nascimento de Uma


Nação (1915): um olhar para a Guerra Civil;

● O Nascimento de Uma Nação: um olhar


racista; importância para o
desenvolvimento da linguagem (ajuda a
consolidar montagem paralela, close-up
com função dramática etc.)

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● Vários filmes abordaram a Primeira


Guerra. Destaque para O Grande Desfile
(King Vidor, 1925). Filme mudo de maior
bilheteria da história;

● Por sua vez, a Segunda Guerra se


tornou um dos temas que mais gerou
filmes ao longo do tempo (O Resgate do
Soldado Ryan, A conquista da Honra,
Casablanca etc.)

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● A maioria desses filmes, muitas vezes,


assumem um caráter propagandístico,
Uma defesa dos ideais estadunidense
como afirmação ideológica;

● Os Boinas Verdes (dirigido e estrelado


por John Wayne, 1968). Enaltece os
“heróis” estadunidenses em meio à
Guerra do Vietnã

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— O Estado no
cinema de Kubrick

- Diferentemente de boa parte


dessas obras, Kubrick, assim como
outro diretores, trará uma
abordagem crítica do fenômeno da
guerra;

- Uma crítica, nesse caso, se volta ao


centro do processo: o Estado. Por
meio de um olhar crítico para as suas
instituições
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— O Estado no
cinema de Kubrick

- E essa crítica não ficará apenas na


sátira de Dr. Fantástico;

- E um outro filme, por exemplo, que


irá retomá-la, anos depois, será
Nascido para Matar;

- O filme é dividido em duas partes:


1) centrada no treinamento na
Academia de Fuzileiros Navais; 2) em
que os soldados aparecem em
combate no Vietnã
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— O Estado no
cinema de Kubrick

- O filme tem início com uma tela


escura, e, logo que a imagem se
abre, e somos apresentados a um
grupo de jovens recrutas, que, um
após o outro, em uma montagem
rápida, tem a cabeça raspada;

- Ao fundo ouvimos a canção Hello,


Vietnã, de Johnny Wrigth;
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— O Estado no
cinema de Kubrick

- O simbolismo desta sequência


inicial é enorme: 1) representa a
passagem de um rito, em que a vida
anterior é deixada para trás; 2) a
partir de então, todos passarão a ser
conhecidos códigos, apelidos etc.; ou
seja, esse ponto marca a perda da
individualidade, a uniformidade
demarcada pela ausência de cabelos
e pelo uso dos uniformes;
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— O Estado no
cinema de Kubrick

- E Padronizar é a primeira medida


para facilitar o controle e a
organização. É assim nas prisões, nos
manicômios etc.;

- O Estado, então, aqui em Nascido


para Matar, pode suprimir o
indivíduo, anular as suas
individualidades, e dominá-lo (uma
visão que também passa, por
exemplo, por Laranja Mecânica)
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— O Estado no
cinema de Kubrick

- O filme de 1971 é dividido em duas


partes: na primeira delas, somos
apresentados a Alex e seu “bando”,
um conjunto de delinquentes juvenis
que praticam uma série de atos
violentos; na segunda, após ser
preso, Alex passa por um
experimento, o Tratamento Ludovico,
que anula a sua essência, e, ao
mesmo tempo, lhe tira o livre-arbítrio;
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— O Estado no
cinema de Kubrick

- Interessante notar, que, ao ser


preso, Alex, inicialmente, tenta se
ligar à religião. Como uma tentativa
de se enquadrar nas normas e
comportamentos estabelecidos;

- É somente quando a tentativa não


surte o efeito desejado, que Alex
passará a fazer o tratamento.
Perceba: quando os aparatos
ideológicos falham, os aparatos
repressivos são acionados. Eles
foram acionados, primeiro, no
momento da prisão; segundo com o
Tratamento Ludovico
.
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— O Estado no
cinema de Kubrick
- Interessante notar como Kubrick
vai trabalhar, na sequência, essa
ideia de racionalização e
burocratização do Estado, que,
inclusive, é a base da teoria
weberiana

- Basicamente, a terapia consiste na


apreciação de filmes, com cenas de
violência, que, com a ajuda de
drogas que lhe são injetadas, vão se
transformar em sua referência do
que não deve ser feito;
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— O Estado no
cinema de Kubrick

- Na verdade, Laranja Mecânica vai,


justamente, questionar esse monopólio da
força, da violência, por parte do Estado. Por
que um modo de violência é aceito e o outro
não? Inclusive, quando dois ex-membros do
bando de Alex ingressam no Estado o
comportamento violento deles passa a ser
aceito;
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— O Estado no
cinema de Kubrick

- E, para encerrar, e não restar dúvida


sobre o caráter crítico da obra de
Kubrick, no que diz respeito ao Estado
moderno, basta dar uma olhada na
abertura de Glória Feita de Sangue. Um
dos primeiros filmes dele, uma obra de
1957
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— O Estado no
cinema de Kubrick
- Os créditos do filme se iniciam com um
arranjo de A Marselhesa. A Marselhesa
carrega uma forte simbologia
revolucionária, oriunda, justamente, da
Revolução Francesa (principal revolução
que elevou a burguesia ao status de
classe dominante). Não por acaso,
posteriormente, se tornou o Hino
Nacional do Estado francês;

- Após essa abertura, ao longo do filme, o


que observamos é um olhar crítico para a
guerra e todos os seus horrores. Um olhar
crítico para um Estado irracional,
autoritário e violento. E é exatamente
dessa forma que Kubrick enxerga o
Estado-moderno.

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