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GRAMSCI

Antonio Gramsci
Hegemonia Cultural
A teoria marxista tradicional refere que a relação de dominantes e dominados no
sistema capitalista é exercida pelo Estado pela via económica, pela produção, pela
indústria.
Gramsci, por sua vez, acredita que o capitalismo conquistou a hegemonia cultural
através de instituições como a Igreja, através do sistema de ensino, dos meios de
comunicação, etc. Dizer que conquistou a hegemonia cultural é dizer que tomou o lugar
de ideologia dominante na sociedade civil.
Portanto, para explicar a dominação (da burguesia sobre os operários e camponeses) na
sociedade capitalista, Gramsci atribui maior relevância a esta hegemonia cultural do que
aos modos de produção repressivos. Por outras palavras, e seguindo os conceitos da
teoria de Karl Marx, atribui maior peso à superestrutura do que à infraestrutura.

Intelectuais Orgânicos
Intelectuais orgânicos – intelectuais pertencentes às classes sociais, em vez dos
tradicionais intelectuais tidos como uma classe em si.
O italiano destaca o papel dos intelectuais orgânicos no processo de consentimento à
dominação na sociedade capitalista. São eles que articulam a consciência coletiva da
classe dirigente nas esferas política, social e económica, e que difundem
meticulosamente a sua visão do mundo.

Hegemonia e a Revolução
Se a burguesia domina a sociedade por ter conquistado a hegemonia cultural a nível da
sociedade civil, então a revolução levada a cabo pelo operariado e campesinato tem de
constituir, obrigatoriamente, uma hegemonia alternativa. Ou seja, tem de ser partilhada
entre as massas uma nova ideologia cultural (favorável às classes trabalhadoras) que
possa fazer frente à atual ideologia capitalista que coloca os burgueses na posição de
dominante.

Guerra de Posição e Guerra de Movimento


A isto se pode chamar uma “Guerra de Posição” que, de acordo com Antonio Gramsci,
deve ser posto em prática no Ocidente, zona capitalista.
Já na Rússia, no Oriente, a estratégia que devia ser aplicada era a “Guerra de
Movimento”, isto é, um golpe rápido capaz de exercer mudança nas relações de
dominação. Esta estratégia só poderia ser aplicada, porém, quando o Estado atravessasse
um momento de crise, de fraqueza e exposição.
O fracasso da revolução no Ocidente por oposição ao sucesso no Leste é, então,
explicado por diferenças estruturais nas sociedades em questão. Em termos simples, na
Rússia o Estado é muito forte e a população civil muito fraca, muito pobre, muito pouco
capaz de levar a cabo uma revolução baseada na hegemonia cultural – teria de se
esperar pacientemente por um momento oportuno para atacar e tomar o controlo do
poder.
Nas sociedades civis muito avançadas e industrializadas o problema não é tanto a
incapacidade física de uma revolução golpista. O problema é a dominação cultural e
intelectual, a qual pode ser resolvida em grande parte pelos intelectuais orgânicos e que
será a chave de uma revolução, em primeira análise, cultural.

Para a revolução resultar teria de se alcançar hegemonia cultural na


sociedade civil
- Os intelectuais orgânicos pró-comunistas teriam de organizar as intenções
revolucionárias coletivas dos grupos sociais dominados e difundir as mesmas por toda a
sociedade civil
- Os subordinados são agentes de transformação social, mas só adquirem tal
capacidade por um processo de consciencialização cultural – esta consciência não
germina naturalmente nem diretamente da evolução económica). É por isso que
Gramsci considera a superestrutura (fatores culturais) tão ou mais importante do que a
infraestrutura (fatores económicos).
- O partido defensor dos interesses das classes trabalhadoras e dos grupos mais
desfavorecidos teria de conquistar, progressiva e pacientemente, poder e influência no
aparelho burocrático do Estado.
- Gramsci teoriza a necessidade de camponeses e trabalhadores, assim como todos os
grupos dominados, desenvolverem uma aliança – este é um conceito inédito e radical na
filosofia marxista.

Revolução Passiva
A revolução passiva é, segundo Gramsci, a construção de um novo sistema político por
via de uma revolução.
Tal seria uma revolução política, mas não uma revolução social, porque não mudaria as
estruturas tradicionais da sociedade. Assim sendo, a sociedade não muda, mesmo que as
instituições mudem – logo, é uma revolução passiva, sem verdadeiro efeito positivo,
principalmente a longo prazo.
Isto abre caminho para o fascismo – fortalece a ideia conservadora enquanto o
liberalismo permanece fraco.

Teoria de oposição ao marxismo e ao leninismo. Pode-se considerar que Gramsci


interpreta a teoria marxista tradicional e inverte-a, de certo modo, e acrescenta-lhe
complexidade, pois dá uso a muitos dos mesmos conceitos que Karl Marx, mas tem
opiniões diferentes da sua importância e do modo de aplicação prática com vista ao
mesmo objetivo final que o pensador alemão.
É passível de se argumentar que a sua teoria é uma base do que viria a ser o
eurocomunismo, pois rejeita desde já, em parte, o modelo marxista e leninista,
principalmente o modo de revolução, e a este propõe uma alternativa.
SCHMITT
Carl Schmitt – Um dos grandes pensadores alemães no período entre-guerras, com as
suas ideias a terem fortes repercussões noutros intelectuais. O seu trabalho mais
relevante foi publicado nos anos 30 do século passado.
Contexto da Alemanha prévio à ascensão de Hitler e à Segunda Guerra Mundial:
experiência democrática falhada sob a forma da República de Weimar.

Fragilidades Democráticas
Segundo Schmitt, há uma ideia de que a democracia é um regime inevitável, que tudo
aquilo que a democracia significa e implica é inevitável, que é a forma natural de
organização social, mas a História comprova o oposto – durante muito tempo, as
ideologias extremistas de esquerda e de direita tiveram elevado impacto não só nos
círculos de intelectuais e teoristas, mas também no público, com significante adesão
geral.
Acredita viver numa era inédita, onde a democracia se impôs, de facto, mas avisa que
esta não era inevitável nem a sua estabilidade está assegurada.
- Ainda durante uma boa parte do século XX, a organização política democrática
foi frequentemente e fortemente contestada;
- Em determinados casos foi menorizada com sucesso, e até fracassada e
substituída por regimes não democráticos.
A República de Weimar é um exemplo de uma tentativa fracassada de implantar um
regime democrático – e é baseando-se neste mesmo exemplo que Carl Schmitt elabora a
sua teoria.

Rejeição do Liberalismo
Essa teoria é em grande parte sustentada por um pensamento filosófico, e não tanto
empírico, antiliberal. Schmitt comentou e defendeu vários tipos de regime não
democrático, embraçando o seu antiliberalismo, não se fixando, porém, na defesa de um
único regime que considerasse o mais acertado.
O século XX, principalmente a sua primeira metade, constitui um confronto entre três
grandes ideias rivais de organização sociopolítica:
- As ideologias de extrema-direita, ultranacionalistas e antidemocráticas,
representadas primariamente pelo fascismo italiano e o nazismo alemão;
- As de extrema-esquerda, representadas pelo totalitarismo soviético;
- A democracia liberal, que é colocada em xeque pelas duas restantes já
referidas.
Alguns Fundamentos da Teoria de Schmitt
Além de (e ligados à) sua veia antiliberal que esclarece este tipo de democracia como
não inevitável e não assegurado, existem alguns fundamentos da teoria de Carl Schmitt.

Conceito de Inimigo
É um conceito transversal à política num sentido burocrático, mas também num sentido
social e cultural. É uma distinção bipolar e sem intermédio entre amigo e inimigo. São
dois polos inconciliáveis, duas existências radicalmente diferentes. Mentalidade de nós
versus eles.
Existem inimigos internos, mas os principais inimigos são os externos.
O inimigo é o “outro”, é o “estranho”, é o “estrangeiro” e o “diferente”. Deve ser
tratado com impaciência e hostilidade, pois é uma feia e terrível encarnação do mal.
Esta distinção é um, ou o, princípio fundamental da noção de política de Carl Schmitt.
O liberalismo despolitizou a política. Schmitt defende que a sociedade deve ser
novamente politizada, através da distinção entre amigo e inimigo. A política é a divisão
de diferentes visões do mundo sem conciliação. O Inimigo é a ameaça constante a um
determinado e estabelecido estilo de vida, não apenas a uma forma de organização
política. A política é a defesa de um estilo de vida e uma forma de organização
sociopolítica contra um oposto ameaçador e antagonista.

A Importância de Guerra e Conflito


O liberalismo despolitizou a política. O processo político democrático é aborrecido e
pacífico. É importante, fundamental, uma ideia que mobilize multidões contra outras.
Toda a vida do ser humano é uma luta, todo o ser humano é por natureza um
combatente. Portanto a política também deve ser um combate. Se a noção liberal do
mundo retira ao Homem esse impulso ofensivo e conflituoso, então está a despolitizar a
política.
É inegável, diz-nos Schmitt, a natureza combatente do ser humano. Porém, a guerra não
tem de ser desejável, não é um princípio por si só. O fundamento básico da guerra é o
conflito de diferentes modos de vida. O objetivo tem de ser o extermínio do Inimigo, e
não qualquer questão económica ou semelhante.

Inimigo Externo
As guerras devem ocorrer principalmente entre nações, expressando as divergências
radicais e intratáveis entre as mesmas. Este conflito é uma possibilidade permanente. Os
participantes devem entender a defesa do estilo de vida nacional (e o aniquilar de outro)
como um dever prazeroso.
Hitler justificou a expansão alemã como uma forma de unir o Império Alemão – pode-
se afirmar que considerava que muitos outros territórios externos eram por direito parte
de um Império Alemão que foi, injustamente, quebrado e humilhado por inimigos
externos aquando do fim da Primeira Guerra Mundial. A expansão era uma forma de
defender o estilo de vida alemão nazi e espalhá-lo por todo o Império, por todo o
território a que julgavam ter direito.

Inimigo Interno
A intensificação de antagonismos internos tem o efeito de enfraquecer a entidade
comum, a totalidade interna, de um Estado, relativamente a um outro Estado externo. A
guerra civil enfraquece a nação.
Porém, havendo um grupo interno que ameasse o estilo de vida nacional e coeso, esse
mesmo grupo deve ser tratado como Inimigo e eliminado. Aliás, inação face a um
inimigo interno possibilita uma futura guerra civil. Esta deve ser evitada, pois
enfraquece a nação. O inimigo interno deve ser destruído antes que inicie uma disputa
interna incontrolável.

Inimigo Externo e Interno são similares, mas Não Iguais


Os inimigos externos e internos são semelhantes no sentido em que ambos ameaçam a
entidade coesa de uma nação.
No entanto, o Estado deve ter como esclarecido que a distinção amigo-inimigo é
sobretudo uma distinção externa, pois, dentro dos possíveis, a coesão interna deve ser
sempre sagrada e assegurada. Porém, o Estado também pode declarar, se necessário, um
inimigo interno, justificando a decisão como uma defesa do modo de vida coeso interno.
Apenas um povo fraco desaparecerá, ou se desunificará perante um choque contra um
inimigo interno declarado.
Antes que pelo contrário, tem de se unir contra esse Inimigo, do mesmo modo que o
faria contra um externo. Um povo forte consegue prevalecer perante Inimigos externos
e internos.
Ex.: Nazismo – extermínio dos judeus e de todas as forças políticas democráticas como
inimigo interno justificado pela defesa da coesão do Estado-Nação.

Análise às Relações Internacionais


A luta entre Estados é, segundo Carl Schmitt, algo que veio para ficar. Não vai
desaparecer por causa da Sociedade das Nações, ou por qualquer outra organização ou
tratado.
A própria Sociedade das Nações pretende expandir a democracia. Ora, também isso é
um fator favorecedor da distinção amigo-inimigo e, portanto, de conflito. Os defensores
da democracia liberal terão que se debater contra os principais Inimigos da sua época,
neste caso a extrema-esquerda comunista e a extrema-direita fascista (no caso alemão,
fascista-nazista).
Não há paz. O modo de vida democrático liberal implica uma ideia contraditória que
cessa a paz em nome da imposição da paz. A luta entre Estados, principalmente externa
mas também interna, é mesmo algo que veio para ficar.
ADORNO E HORKHEIMER
São parte de uma primeira geração da Escola de Frankfurt, alicerçada por teoria crítica
sociocultural, publicando, em 1947, o livro “Dialética do Iluminismo”.
Desenvolvem um programa de sustento filosófico, mas também muito sociológico, que
contradiz o caminho tomado pelo pensamento iluminista racionalista.
Os dois autores argumentam que o racionalismo e positivismo provindo do iluminismo
acabou por se tornar numa monstruosidade com muitas mais consequências negativas
do que positivas, abrindo caminho para o fascismo ou, no caso das democracias liberais,
conformismo.
Escola de Frankfurt
Para Adorno e Horkheimer, o Iluminismo é a atividade racional pensante. É a afirmação
do pensamento racional no compreender do mundo. Pressupõe a existência de um
indivíduo que compreende e um mundo que é compreendido.
A Escola de Frankfurt é constituída por diversos pensadores desenvolvedores de teorias
analíticas e críticas do capitalismo e, embora noutro sentido, do marxismo. Propõem
atualizações e alternativas a pontos do pensamento marxista. Adorno, Horkheimer e
Marcuse são parte de uma primeira geração desta Escola.
Procuram compreender os aspetos fundamentais e estruturais da sociedade, explanando
as suas hipóteses e teses para o que terá corrido mal com o positivismo e racionalismo
iluminista, o que impediu (e impede) a livre evolução e vivência humana e cria
conformismo e fascismo. Ironicamente, o Instituto fundado em Frankfurt teve mesmo
de recorrer ao exílio nos EUA, aquando da chegada de Hitler ao poder, impondo um
ramo nazista do fascismo na Alemanha.
(Os principais alvos das teorias críticas advindas da Escola de Frankfurt são o
empirismo e o positivismo, o iluminismo e a ideologia dominante.)

Controlo da Natureza
O natural é um conjunto de objetos de conhecimento da atividade racional. Por outras
palavras, o ser humano aplica a sua capacidade de pensar, entender e racionalizar no
mundo que o rodeia.
Segundo Adorno e Horkheimer, o controlo da natureza deve ser feito com o intuito de
aprender, numa procura incessante de sabedoria e libertação intelectual. Porém, o objeto
natural passou a ser uma ferramenta não de conhecimento, mas sim de exploração de
recursos e dominação.

Perigos do Racionalismo Extremo


A razão, neste caso uma atividade racional extrema, transforma-se numa razão
totalitária, ou pelo menos ameaçadora de algum nível de arbitrariedade.
Ex. 1: Racionalismo excessivo aplicado à maior produtividade e lucro possível, como
existe nos EUA com as práticas capitalistas fordista e taylorista. Todo esse processo é
opressivo pois sujeita o trabalhador à maior carga de trabalho que aguenta, e exerce
ainda dominação cultural através de uma ideologia de consumo na sociedade civil. Este
progresso técnico gera conformismo e regressão ideológica, ameaçando a liberdade
intelectual individual.
Ex. 2: O nazismo (assim como outros movimentos fascistas) é um movimento
reacionário relativamente ao racionalismo extremo (não deixando de se aproveitar
também dos meios do próprio racionalismo).
Não sendo o principal foco dos dois filósofos políticos, esta teoria crítica avisa assim
para a importância da organização económica e os perigos que lhe advêm do
racionalismo extremo no desenvolver de mecanismos dominadores da cultura
ideológica.

Ciclo de Dominação
Toda uma sociedade planificada em todos os setores económicos e produtivos, em todos
os aspetos do quotidiano civil é uma sociedade gradualmente mais controlada a nível
cultural. E assim se gera um ciclo:
Maior confiança no racionalismo organizacional exercido pelos governos e pelos donos
das indústrias cria maior conformismo – essa maior passividade, por sua vez, possibilita
ainda maior controlo. E assim sucessivamente. A dominação é exercida deste modo e a
cultura de massas tem um papel importante no processo.

Cultura de Massas
Naturalmente, Adorno e Horkheimer são ávidos críticos da cultura de massas. Condena
os meios de entretenimento e de comunicação de massas como a televisão e a rádio,
considerando-as prejudiciais ao opinativo e ao intelecto que constituem um alicerce
importante da liberdade e plenitude humana. A organização económica passa a ser tema
de segundo plano relativamente à dominação exercida pela via cultural.
Argumentam que a obra de arte deve ser um fim em si mesmo. Deve ter o seu próprio
significado único, a sua própria lógica interna. Produz um equilíbrio entre o ser humano
racional e a natureza. Porém, é usada, nas sociedades capitalistas e fascistas, como
instrumento de disseminação e dominação ideológica.
Referem ainda que, desde uma jovem idade, o jovem é educado com vista a uma
normalização da violência. A crueldade e a barbárie são elementos presentes nos
cinemas e nas televisões e até mesmo nas bandas-desenhadas elaboradas para crianças.
Esta ideia normalizadora é passível de ser transferida para a aceitação e adesão a
ideologias totalitárias.
Dialética do Iluminismo
Os pensadores Frankfurtianos acreditam que os ideais iluministas fracassaram e geraram
mesmo o oposto do teorizado e intencionado. O racionalismo extremo desembocou no
irracionalismo extremo, tornando as populações mais e mais aderentes a ideais
totalitários e ao fascismo. Isto possibilitou inéditos tipos de barbárie, que os autores
simbolizam com os campos de concentração nazi.
Em parte, é isto que o livro tenta aprofundar e explicar – como é que as sociedades
humanas, que assistiram desde a sua génese a uma progressiva ascensão do pensamento
racional puro, desembocaram num irracionalismo conformista e fascista bárbaro? Como
surgiu o fascismo? Como surgiu o nazismo e as políticas antissemitas normalizadas?

A Explicação do Paradoxo
É esse o paradoxo do Iluminismo. A resposta é aquilo a que chamam a autodestruição
do iluminismo. A emergência do fascismo, do nazismo, do holocausto, da Segunda
Guerra Mundial e toda a regressão que se fez sentir é, em boa verdade, uma
consequência do pensamento racional iluminista. A razão não foi derrotada nem
derrotada – a regressão é um triste e terrível ‘triunfo’ da razão extrema:
- A exploração da natureza com vista a fins utilitários socioeconómicos, e não
apenas por uma questão de compreensão racional pura, é um dos principais
fundamentos do totalitarismo moderno – a ausência de individualização; a disciplina
restritiva focada no progresso
- A divisão social do trabalho e a especialização do indivíduo é uma expressão
da organização racional do trabalho mas, aplicada ao excessivo, cria sociedades
economicamente competitivas a nível interno (nacional) e externo (internacional).
- Cada indivíduo torna-se num átomo de uma molécula social organizada,
sem verdadeira liberdade e plenitude
- Além disso, o indivíduo torna-se extremamente privado, solitário entre
multidões. Uma das poucas formas de socialização é o consumo, que é controlado pela
cultura de massas, gerando aceitação e passividade na essência da pessoa.
Portanto, a sociedade de massas capitalista já tem em si as bases para a ascensão do
irracionalismo extremo, da radicalização, das ideologias totalitárias.

Proposta de Adorno e Horkheimer


Não se assumem inteiramente contra o pensamento racional, mas conscientes das
consequências do mesmo quando levado ao extremo e quando separado do seu ideal
original puramente intelectual e conhecedor, propõem uma versão mais reflexiva e
moderada do racional.
A procura da verdade deve-se pautar mais pela procura da verdade em si, como um fim
em si mesmo, e menos pelo progresso económico de conotação materialista e técnica
que, acreditam os autores, já fez provar o horror que traz ao mundo.
MARCUSE
Obra de referência: A Ideologia da Sociedade Industrial – O Homem Unidimensional
(1964)
Interpretação sociológica e refletiva analítico-crítica da sociedade industrial, da
sociedade de massas.
É passível de se dizer que a teoria sociopolítica de Marcuse prepara o caminho para a
revolução cultural e movimentos de protesto inconformistas no decorrer dos Longos
Anos 60.
Analisa as principais características, forças, fraquezas e estruturas de um todo social,
apontando o que está errado e o que impede o pleno desenvolvimento do ser humano
como ser individual e social – aponta também o que é preciso mudar para alcançar uma
sociedade mais livre e desenvolvida.

Paradoxo da Sociedade Industrial


Herbert Marcuse reflete sobre o paradoxo nas sociedades industriais da Europa
ocidental e dos EUA no período entre a Segunda Guerra Mundial e os anos 60.
Nesta fase, a democracia difunde-se, normaliza-se e institucionaliza-se num alargado
aglomerado de países europeus ocidentais e da América do Norte, nos quais se derrotou
o fascismo no desfecho da Segunda Guerra Mundial.
Trata-se de um conjunto de países com melhor e melhor nível de vida, com a aplicação
de um Estado-providência, com crescente prosperidade e desenvolvimento tecnológico,
militar e industrial. Ademais, faz-se uma tremenda exploração de recursos que permite
um crescimento económico substancial.
Mas, como previu Marx, a industrialização permite novas formas de dominação e
controlo social. O paradoxo é que o desenvolvimento destas sociedades democráticas
ricas e de confortável classe média é feito às custas de um controlo e de uma exploração
excessivos da natureza, e de uma permanente ameaça de guerra, neste caso representada
pela Guerra Fria.
A competição geopolítica, destacadamente na evolução do setor industrial, implica
adesão civil a ideologias de guerra. O desenvolvimento vivido no segundo pós-guerra
depende da mobilização para a guerra. Existem, nesta fase, dois blocos fortemente
industrializados, perigosamente industrializados. As suas organizações políticas são
notoriamente dispares, mas as ideologias convergem na ideia competitiva e conflituosa.
Esta ideologia carrega a exploração intensiva da natureza que acaba por impedir o pleno
desenvolvimento das capacidades humanas e a liberdade individual física e intelectual
--
Cooptação e conformismo da classe trabalhadora
A designação de Longos Anos 60 refere-se a um período mais extenso do que a década
de 1960. O final dos anos 50 já representava um pronúncio para a revolução cultural que
aconteceria, com maior robustez e exuberância, nos anos seguintes. Porém, a década de
1950, pelo menos os primeiros anos, são vistos como uma era de grande conformismo.
As sociedades tinham atingido níveis de produtividade inéditos e o reino da escassez era
gradualmente combatido e ultrapassado. Havia um novo aparato técnico-produtivo, com
uma fusão público-privado – o Estado e os grandes aglomerados económicos estavam
dispostos a colaborar num objetivo comum: enriquecimento geral. Tudo isto dependia
da criação de profissões que aplicassem métodos científicos à produção.
Segundo Marcuse, isto geraria melhores recursos para alimentar o Estado-providência
(serviços e apoios, subsídios, sistemas de pensões e de ajuda económica), ajudando a
levantar grande parte da população da situação de pobreza extrema. Não obstante este
efeito positivo, o autor refere alguns aspetos negativos:
- ‘Cooptação’ da classe operária para fins de defesa nacional – o Estado-
providência adormeceu-a, tornou-a mais mansa e apoiante do capitalismo, levando-a a
colocar de lado princípios de emancipação, reivindicação e luta social
- A classe trabalhadora torna-se também mais pequena. É, em grande parte,
substituída por uma nova classe de trabalhadores técnicos, e não operários (porque a
nova sociedade precisa mais de exploração científica e competências tecnológicas do
que de mão-de-obra)
- Marcuse não acredita que serão estes trabalhadores técnicos a libertar a
sociedade e a torná-la mais justa.
Portanto, o paradoxal é o enriquecimento e desenvolvimento da sociedade resultar numa
identidade cultural bélica, domesticação e conformação das classes trabalhadoras que
anteriormente caracterizavam as lutas sociais.

Crítica à Sociedade
Por muito economicamente e tecnologicamente avançada que seja – o que é sempre
positivo – as sociedades europeias ocidentais e norte-americana estão presas pelos seus
critérios de desenvolvimento.
- Este desenvolvimento pode retirar um número inédito de pessoas da situação
de escassez, porém, o fim é irracional, podendo destruir a natureza e a sociedade.
- As sociedades civis são ricas e prósperas, mas altamente submissas e
conformistas
- A publicidade, o consumo de massas, a indústria do entretenimento leva a um
adormecimento das capacidades de reivindicação social. Definem, numa certa
perspetiva, a visão coletiva de dadas coisas da vida, construindo um “eu” orientado para
o consumo e não para a plenitude individual
- Distinção clara entre trabalho rotinado e mecanismos controlados de lazer de
massas, delineados para funcionar como escape. O lazer é uma ferramenta para a
distração e relaxamento, através do escapismo e consumo. As massas são
‘zombificadas’.
- O lazer é notoriamente distinto de tempo livre. Para Marx, o tempo livre
é o desenvolvimento das plenas capacidades do indivíduo; é o praticar do
inconformismo; o lúdico (lazer) é importante, mas não é fundamental

Proposta alternativa de Marcuse


Marcuse descreve as democracias ocidentais do pós-Segunda Guerra Mundial como
totalitarismos suaves. Diz que não têm verdadeira liberdade de escolha política: pode-se
votar, existem multipartidarismos, mas qualquer tipo de eleição será sempre dentro do
status quo, de modo a manter intacto este tipo de sociedade.
Nesta ordem de raciocínio, e considerando o seu programa, a possibilidade de
revolução, de reforma, não pode vir da classe operária – esta está conformada.
Vai então elaborar uma lista de excluídos da sociedade, grupos minoritários reprimidos
que podem substituir a classe operária na luta social e constituir uma eventual massa
coletiva reivindicativa.
- Sozinhos, estes grupos não conseguem exercer mudança social. Mas juntos,
aliados num programa e objetivo de libertação comum, e com aliados dentro do
sistema, podem ser bem-sucedidos.
- Marx sempre imaginou a classe operária como agente de emancipação.
Marcuse acredita que, primeiramente, terão de ser identificadas as fontes de repressão e
exclusão, assim como os grupos prejudicados.
Ademais, tem de existir algum nível de centralização, de coordenação coletiva, de modo
a planear a distribuição de recursos de forma mais justa. O Estado tem de ser capaz de
impor um qualquer plano – indefinido – que elimine os problemas da sociedade
capitalista ocidental.
BERLIN
Obra de referência: Four Essays On Liberty, Two Concepts of Liberty
Elabora uma bibliografia de Marx no livro “Karl Marx: A Vida e a Época”

As duas obras de Berlin são constituídas por 3 pontos principais:


1. – noção de Determinismo/Inevitabilidade Histórica como oposição à liberdade
humana
– Somos livres e autodeterminados, ou somos guiados por fatores históricos,
culturais, socioeconómicos e por tudo o que nos rodeia e nos antecedeu?
- Esta é uma questão importante sobre o liberalismo, pois este só existe
se existir liberdade em termos de escolha, ação e crença
– O que significa a liberdade, ser-se livre? O que significa um regime político
baseado na liberdade?

Determinismo ou Inevitabilidade Histórica


Este conceito alude à ideia de que a história e a natureza têm leis, ciclos, padrões que
refletem toda uma lógica interna do mundo, desenvolvendo-se ao longo do tempo numa
sua própria direção e evolução preestabelecida.
Neste plano teórico, os seres humanos são meros piões, já definidos a um algo de um
fim intrínseco, sem liberdade autónoma nem verdadeira responsabilidade pelas suas
ações.
Isaiah Berlin vai contradizer esta ideia de inevitabilidade histórica.
A versão mais consensual e tradicional do marxismo é determinista no sentido em que o
capitalismo tem em si contradições que irão, inevitavelmente, determinar o seu fim e
abrir caminho para o comunismo – Berlin afirma que esta teoria marxista também
contraria a liberdade humana.

2. – ideia de Liberdade Positiva


– Um indivíduo é livre apenas porque é racional e, por ser racional, consegue
organizar uma forma de sociedade em que cada indivíduo é soberano.
– A racionalidade intrínseca é o que o distingue do animal selvagem e irracional.
Dá uso a essa racionalidade para entender o regime socioeconómico que melhor articula
uma vivência livre e justa entre todos os seres humanos.
– Por outras palavras, o ser humano usufrui de autodeterminação política.
3. – ideia de Liberdade Negativa
– Ausência de constrangimentos à ação de todo e qualquer indivíduo, a todo e
qualquer momento.
– Liberdade negativa de Berlin = liberdade absoluta
– Ausência de autoridade por parte de qualquer ordem socioeconómica ou de
qualquer Estado

Contrapartida
Mesmo uma sociedade com alguns bons constrangimentos, perde em liberdade.
Não as defendendo, Berlin aceita algumas limitações à liberdade, consciente da
necessidade de as impor para tornar possível a vida em sociedade. Porém, a liberdade é
por ele estimada como um bem absoluto.
A felicidade é muitíssimo importante, mas não é um bem absoluto. A segurança e a
justiça, por exemplo, são estritamente necessárias a uma ordem social funcional, mas
não se tratam de bens absolutos.
Berlin, lá está, aceita que seja essencial restringir até certo ponto a liberdade para dar
espaço a outros bens da sociedade, mas chama a atenção para o facto de que mesmo que
aceitemos ou defendamos essas limitações, com intuito bom ou mau, estaremos para
todos os efeitos a sofrer perdas de liberdade.

Críticas de Berlin ao Determinismo Histórico


- Mesmo que alguém encontre exemplos que contrariam algum ponto de vista da teoria
determinista, os seus defensores poderão (e provavelmente irão) insistir na possibilidade
de acontecer num futuro breve, a médio termo ou longínquo.
- As teorias deterministas são, diz Berlin, como profecias: por muito
desmistificadas que possam ser, poderá sempre haver crentes teimosos e insistentes.
- Estas teorias, levadas ao extremo, levam à ideia da existência de um ser humano sem
verdadeira liberdade nem responsabilidade.
- Todas as nossas ações pessoais e sociais, políticas, são determinados
por um conjunto de fatores que nos contextualizam no nosso tempo e espaço,
nomeadamente a classe social a que pertencemos – Berlin refere que tal ideia é
empiricamente falsa; também temos liberdades próprias de decisão e ação, mesmo que
existam constrangimentos.
- Por fim, critica a noção de que, na teoria determinista, tudo acontece por uma razão, e
tudo é inevitável. Se assim for, impede-se que haja qualquer crítica ao status quo, e
gera-se conformismo e repressão social. A era da escravatura era o único cenário
possível para a altura, logo não o podemos criticar. O momento que vivemos
atualmente, com todas as falhas que possa ter, é o único cenário possível. O fosso rico-
pobre, a corrupção política institucionalizada, injustiças sociais como racismo e sexismo
não devem ser julgados, pois são parte de uma era histórica predeterminada que irá
levar a algo melhor (por exemplo, o comunismo). Marx não defendia que não podíamos
criticar este tipo de coisas, está claro, mas Berlin racionaliza a ideia de inevitabilidade
histórica para demonstrar esta falha de raciocínio e elaborar um aspeto da sua crítica.
RAWLS
John Rawls – Uma Teoria da Justiça – o stor disse para ler os primeiros 3 capítulos da
bibliografia dele

Rawls: Se como diz Berlin, existem diferentes conceções da liberdade e sociedade, e se


estas estão em constante conflito, como devemos organizar a sociedade para que os
interesses fundamentais e gerais estejam assegurados a todos?
Nesse sentido, Rawls procura desenvolver e enunciar alguns princípios gerais para a sua
teoria do liberalismo:

1. - Para ele existem dois bens humanos irredutíveis, absolutos:


- Justiça é um princípio e meio irredutível e pode-se dizer que está no centro
da sua teoria e das suas preocupações. Citação de Rawls: “A justiça é a primeira virtude
das instituições sociais”
- A verdade (científica, factual) é um bem em si própria

2. - Posição original:
- Conceito especulativo, semelhante (mas não igual) a um “Estado de Natureza”,
situação natural, abstraída do concreto da história e das sociedades humanas
- O indivíduo é uma mente racional motivada pela justiça e também pelos seus
interesses pessoais, sem saber como ou quem vai ser na sociedade (ex.: se vai ser rico,
se vai ser pobre, se vai nascer num lado do mundo ou noutro).
- A partir daí decidem a redistribuição dos recursos num sentido de Justiça
como equidade
- Rawls tem a sua versão de uma tradição de pensamento de delineamento de um
contrato social, o “Véu da Ignorância”, e esta sua versão do Véu está englobada na
teoria da Posição original.
- (ou seja, Justiça como equidade e Véu da Ignorância são dois ‘sub-princípios’
da Posição Original)

3. – Utilitarismo - aquilo que maximiza o bem e as necessidades do maior número de


indivíduos é “bom”

4. - Princípio das liberdades cívicas, ligado à (re)distribuição e à desigualdade


- Os direitos e as liberdades cívicas de todo e qualquer indivíduo devem estar
assegurados sem pôr em causa os de outros
- As desigualdades (principalmente materiais) só se justificam quando são a
favor da sociedade como um todo e sobretudo quando favorecem os mais
desfavorecidos

Berlin VS Rawls
Recapitulando, a verdade científica e a justiça são, para Rawls, dois bens inegociáveis.
Berlin acredita que a liberdade é um bem absoluto, e é esse bem que coloca ‘no topo’.
Rawls acredita que a justiça é um bem superior do que a liberdade.
Para Rawls, a maneira de se ultrapassar o dilema de Berlin (ter de limitar/constranger
em parte a liberdade para assegurar outros bens como a segurança e a justiça), é colocar
e conciliar a nossa noção de liberdade negativa e positiva a partir de uma definição
daquilo que é justo. (basicamente ele insiste em meter a justiça como ponto central e
fundamental). (rever teoria de Berlin).

Justiça como princípio de ordem sociopolítica


A justiça e a verdade antecedem a organização das sociedades e, logo, as sociedades
devem ser organizadas com base nesses dois princípios. (principalmente a justiça).
Citação de Rawls:
“Mais importante é a justiça do que a eficiência ou organização da sociedade.” – ou
seja, uma sociedade pode ser próspera, eficiente, organizada, mas se for injusta,
continua a ser ‘mau’.
Cada pessoa tem uma inviolabilidade com base na justiça, não podendo ser vítima de
injustiças. Nem mesmo o bem-estar social, geral, pode pôr em causa essa
inviolabilidade. Nem mesmo o utilitarismo pode colocar em causa a inviolável justiça
individual.
Mas se a Justiça é um primeiro princípio do qual decorrem os outros, como é que isso se
traduz de forma institucional? E o que é de facto a justiça, afinal?

Rawls – A sociedade é injusta


A situação económica, familiar e as circunstâncias de tempo e lugar em que nascemos
determinam desde logo, e em grande parte, a nossa vida e as oportunidades que temos.
Porque as sociedades são desiguais. Não podendo escolher em que contexto nascemos, a
conclusão a retirar é de que a sociedade é injusta.
As instituições também podem privilegiar grupos em detrimento de outros – a sociedade
é a injusta.
As pessoas também diferem nas suas capacidades (ex.: intelectuais, físicas) e
características próprias (ex.: personalidade, criatividade) – existe condicionamento
social, sim, mas também condicionamento natural. Um génio não fez nada mais do que
uma pessoa menos inteligente para ter esse nível de inteligência. Ninguém tem mérito
ou culpa de nascer como nasce – a sociedade é injusta.
SIDENOTE: Rawls é contra a meritocracia (a ideia de que os mais inteligentes, sábios,
competentes devem governar).
Neste contexto, como criar uma sociedade em que todos possam conviver de modo a se
realizar totalmente como indivíduos e como ser sociais de um modo que mitigue ao
máximo as desigualdades e as injustiças?

Posição Original
Para tal, propõe uma experiência imaginária, a “Posição Original”.
Os indivíduos são despidos de todo o seu ser social. São seres racionais, não emotivos,
que pretendem defender os seus interesses, pois têm predisposição para a justiça, mas
não são pessoas na sociedade.
Não sabem quem vão ser futuramente na sociedade. Também não sabem em que moldes
a sociedade vai ficar organizada – é isso que vão definir, todas juntas, num ato coletivo.

O mais racional de se fazer é criar um sistema de justiça como equidade, com


tratamento igual para todos. Porquê? Porque na posição original não sabemos quem
vamos ser, mas queremos ter as melhores condições possíveis. E como temos
predisposição para a justiça, temos todo o interesse, de um ponto de vista racional, em
criar um sistema de justiça equitativo que faça com que a nossa posição na futura
sociedade não determine tanto a nossa vida.
(Porém, equidade não é o mesmo que igualdade, e esta nova e racional organização da
sociedade pressupõe e aceita algumas desigualdades.)

Duas regras:
1 - Sistema de liberdades: a minha liberdade deve ser a máxima liberdade compatível
com a dos outros, sem que nenhuma liberdade de um qualquer indivíduo se sobreponha
à de outro. Constrangimentos à liberdade são aceites, mas só o suficiente para que estas
não sejam injustamente distribuídas
2 - Em termos de diferenças materiais e de distribuição de recursos, este é um sistema
que aceita desigualdades, desde que estas não deixem ninguém para trás. Estas
desigualdades devem ajudar quem está nas situações mais complicadas, porque a partir
da posição original, qualquer pessoa pode ir parar a qualquer situação na sociedade
futura, inclusive uma situação desfavorecida.
Mais do mesmo, mas pode ajudar
Ademais, na posição original, somos seres racionais e vamos querer acumular bens
materiais, riqueza, recursos, etc. Não sabemos se vamos nascer ricos ou pobres, com
grandes ou fracas capacidades físicas e intelectuais. Organizamos a sociedade também
com base nisso.
A justiça enquanto equidade pressupõe desigualdades justificadas se forem
beneficiadoras da sociedade como um todo. Como não sabemos o que vamos ser,
queremos organizar a sociedade e a justiça da forma mais equitativa, esperando sempre
nascer em condições favoráveis, mas podendo sempre acontecer o oposto.
Desigualdades que podem ser vantajosas/beneficiadoras da sociedade como um todo:
uma pessoa com grande capacidade empreendedora e empresária que gera empregos,
um cientista que cria uma cura para uma doença. Tentando equilibrar ao máximo as
oportunidades para todos, as pessoas podem dar aso às suas capacidades para realizar o
melhor de si e o melhor para a sociedade.

Crítica
Seguindo à risca a teoria de Rawls, as melhorias que ajudam aqueles em situações mais
complicadas podem ser insignificantes a médio prazo. A teoria é ambígua.
Críticos – Michael Walzer – critica a Posição Original e o Utilitarismo
(mais abaixo está a crítica de Waltzer explicada a fundo)
WALZER
Michael Walzer
Obra de referência: Feras da Justiça

Walzer VS Rawls – estilo


O seu programa é alternativo ao trabalho de John Rawls. Tem um trabalho mais ligado à
história, à ciência política, à economia, à sociologia.
Rawls é mais especulativo, abstrativo, delineador de situações ideais. Já Walzer vem de
uma tradição mais sociológica, não vendo o ser humano como uma criatura teórica, mas
sim com uma realidade histórica concreta, em sociedades com tradições, culturas e
situadas em situações de tempo e lugar específicas.
Para si, o ser humano é um ser histórico – as relações sociais e conceções de justiça
baseiam-se (e devem basear-se) nas coisas concretas e históricas do indivíduo e das
sociedades, e não em coisas abstratas como diz Rawls.
Mas Michael Walzer diz que apesar desta especificidade histórica do individuo, tal não
significa que não podemos ter uma visão critica da sociedade e chegar a princípios
básicos (de justiça) universais para sociedades diversas em tempos diversos.

Bases da teoria de justiça de Walzer


1 – (Em primeiro lugar, a ideia acima do ser humano ser um ser histórico e das
conceções de justiça basearem-se nisso)

2 – Paradoxo da igualdade
- As sociedades são quase todas pelo menos em parte desigualitárias, ou seja,
baseadas na desigualdade de princípio – as elites dominantes políticas, sociais,
económicas encontram justificações para legitimar a ordem social que as favorece (ex.:
mandato divino, meritocracia) –, mesmo as sociedades democráticas. A condição de
desigualdade é quase uma condição permanente nas sociedades humanas.
- Simultaneamente, e paradoxalmente q.b., as sociedades caracterizam-se por
uma aspiração incessante à igualdade, por uma constante luta pela mudança das
condições de dominantes e dominados, tentando sempre empurrar na direção de um
tratamento igual ou pelo menos mais justo a todos os níveis, e com inclusão no processo
de decisão política.

3 – Lutas pela igualdade, pelo tratamento indiferenciado, são também lutas pela
redistribuição socioeconómica, política, cultural, de recursos, de acesso, que diminuam
o fosso económico – são lutas redistributivas.
O sentido de igualdade de Michael Walzer não é tanto como o que dizia Rawls (uma
teoria universal de direitos com critérios gerais, sempre válidos e abstraídos do
concreto), mas é sobretudo a capacidade e a possibilidade de uma sociedade estar livre
da dominação.
Portanto, uma sociedade justa e livre é uma sociedade sem dominação, uma sociedade
que elimine a subordinação dos mais fracos em relação aos mais fortes.

- Dominação:
- Capacidade, das elites, de impor a exclusão, a pobreza, a subordinação.
- Monopolizar um bem social (ex.: bem económico, uma fábrica), e usar esse
bem, esses recursos a seu favor de tal modo que condiciona também (e reduz) a
capacidade de mobilização, de voz política, dos subordinados.
- Agentes das esferas de produção, de política, de cultura, têm a capacidade de
impor aos seus subordinados, das suas respetivas esferas, limitações que vão além do
que essas esferas precisam e justificam – aí passa a ser dominação.

Por outras palavras, cada esfera de organização social é, para Walzer, uma esfera de
organização de um bem público (ou privado) com implicações na justiça social,
podendo transformar-se em esferas de dominação.
Walzer enfatiza muito o aspeto de coerção nas relações políticas, sociais, culturais,
simbólicas e diz que as sociedades hierárquicas são caracterizadas por sistemas de
dominação.

Crítica a Rawls
Rawls vê a justiça como um acordo entre indivíduos fora da sociedade, logo, não pode
não está nem poderia estar a ver o fundo da questão.
Esse acordo não é suficiente, diz Walzer. Rawls parece estar focado apenas em eliminar
situações de monopólio e redistribuir recursos e oportunidades, mas essa redistribuição
pode não afetar a sociedade de modo suficientemente positivo; não evita, a médio-longo
prazo, as estruturas de dominação social.
A haver redistribuição e apenas redistribuição como a resolução dos problemas sociais e
de justiça, a partir de um momento A de partida, é uma questão de tempo até haver de
novo desigualdades de distribuição, pois as estruturas de dominação vão-se reformular e
recuperar relativamente rapidamente.

Justiça segundo Walzer


Walzer está mais preocupado em tentar reduzir e controlar as estruturas de dominação
social do que com justiça redistributiva.
A dominação é, a seu ver, burocrática, estrutural, e não meramente económica, estando
presente em todas as relações sociais que produzem um bem e têm uma hierarquia
estabelecida.
Aceita a existência de um sistema monopolizado e monopolizador, desde que não hajam
condicionamentos sociais para lá daquilo que a produção dos bens necessita (ou seja,
desde que não haja dominação).
Para Walzer, a monopolização pode estar ou não ligada à dominação. Depende de como
for aplicada na prática. Já para Rawls, o monopólio é sempre injusto, é sempre ‘mau’.
A redistribuição proposta por Rawls, será, de acordo com Walzer, injusta na mesma –
voltará a haver, a médio-longo prazo, profundas desigualdades e dominação.

Walzer tem uma conceção muito mais sociológica e historiográfica da justiça – cada
esfera social é também uma esfera de justiça, e cada qual tem a sua lógica distributiva e
hierárquica e com as suas possíveis formas de dominação.
Conclui que não é possível criar um padrão único para definir o que é justo e
injusto para todas as esferas sociais – cada uma tem a sua própria lógica distributiva,
por isso é necessário analisar cada esfera individualmente com base nas suas
características concretas sociais, históricas, culturais, tradicionais…
A dominação expressa-se em várias formas, e pode estar presente em qualquer sistema
político, até numa democracia (ex.: Índia, sistema de castas = sistema de dominação
cultural)
A evolução histórica das sociedades condicionou os indivíduos a desenvolver sistemas
de dominação. Não há um grupo de indivíduos culpados de uma conspiração para
exercer dominação; foi uma questão de evolução natural histórica social.
Aquilo que é necessário é uma redução da dominação, tornando impossível a
autonomia das diversas esferas de justiça e de produção de bens a que cada bem está
ligado.

Michael Walzer (e Rawls também, mas de um modo diferente) difere em relação a


Marx no sentido em que podemos e temos de aceitar alguma desigualdade social, desde
que esta não se baseie / não se traduza em dominação. Desigualdade social pode ser
injusta, mas não o é necessariamente.

Teorias que Walzer rejeita/critica:


Rawls – Posição Original.
Rawls – Utilitarismo – além de considerar injusto, considera também inexequível numa
sociedade grande e complexa. Teria de haver uma forte identidade burocrática e
administrativa que seria meio caminho para uma ditadura centralizada.
Meritocracia – os mais sábios, os mais competentes, aqueles com maior saber técnico
das diversas áreas sociais, devem governar. A sociedade ficaria fortemente dominada
por estes governantes sábios. Não podem impor ao povo aquilo que acham que é o
melhor para a sociedade, pois isso põe em causa alguns fundamentos mínimos da
justiça, da igualdade, da liberdade…
Se na prática, Walzer diz que as sociedades devem olhar as conceções de justiça como
resultantes de fatores históricos e sociais, então que tipo de sociedade seria ideal para a
teoria de MW?

Sociedade Ideal para Walzer


1 – As desigualdades são aceitáveis, desde que não exista um sistema de dominação
injusto
2 – Tem de ser uma sociedade caracterizada por um forte Estado-Providência, muito
igualitário e que reduza ao máximo a disparidade de recursos de todo o tipo
3 – Rawls aceita uma economia de mercado competitiva num sistema liberal clássico,
mas para Walzer tem de haver um sistema de controlo por parte dos trabalhadores do
sistema económico (aqueles que não são proprietários dos monopólios), porque caso
contrário, estes trabalhadores são meros objetos produtores num sistema de exclusão
socioeconómico. Acredita também numa economia mista privado-público, com controlo
público sobre a atividade económica privada.
4 – Sistema de ensino universal público, aberto a todos os cidadãos para que todos
tenham uma formação cívica básica.
5 – Tem de ser delineado um sistema que concilia trabalho e lazer de maneira
igualitária/equilibrada para todos
6 – Por fim, tem de existir uma esfera pública e ativa de partidos, movimentos,
associações que promovam um debate público com mobilização, com vista à
participação ativa de todos os cidadãos, trazendo aqueles com menos recursos, com
menos oportunidades, em situações mais desfavorecidas, para o centro do debate e
atribuindo-lhes uma voz política mais equilibrada em relação aos restantes cidadãos
mais favorecidos.
OAKESHOTT
Obras de referência: “O Racionalismo na Política” e “On Being Conservative”
Michael Oakeshott é um dos principais autores englobados no espetro do movimento
conservador, embora a sua filosofia política conservadora se reja numa filosofia
bastante característica e peculiar.
Conservadorismo, para si, pode-se dizer, é uma filosofia de vida. Não é tanto uma
doutrina lógica estruturada. O seu trabalho consiste num conjunto de sugestões sobre
como o ser humano se deve comportar em sociedade.

Conservadorismo VS Neoconservadorismo
Neoconservadorismo casa as noções de conservadorismo político e social, colocando-os
no mesmo saco conceptual. Oakeshott vai rejeitar essa ideia, defendendo um
conservadorismo clássico e, pode-se considerar, mais prudente.
Os autores neoconservadores tendem a ser adeptos de uma organização económica que
favorece uma economia de mercado livre e capitalista. O autor britânico defende um
sistema económico que evita esse mercado liberal livre.

Definição do Racionalismo Extremo


Logo no princípio da sua tese, Oakeshott começa por se opor ao racionalismo na
atividade política – este é um fenómeno moderno que passa pela matematização do
mundo e entendimento dos seus mecanismos causais para a subordinar à ação do mundo
e se poder criar uma sociedade mais próspera. A crítica que faz a este racionalismo
extremo pode ser vista como um ponto em comum com os autores da Escola de
Frankfurt.
O racionalismo é um enquadramento mental característico desta época – difunde-se a
ideia de que, através da discussão racional, se podem criar de raiz instituições mais
justas. Faz-se uma desconstrução e reconstrução através dessa atividade racional,
ignorando (ou até mesmo desprezando) o estudo histórico, sociopolítico e cultural das
sociedades.
O racionalista rejeita, por predisposição, qualquer tradição que acredite afetar
negativamente a edificação de uma sociedade melhor e nova e racional. Não hesita em
recusar, se assim achar acertado, a experiência, a cultura, a identidade histórica que
define uma determinada sociedade. Todas as características de todas as sociedades são
colocadas sob um escrutínio racional sem exceção para qualquer valor que se possa
considerar básico ou sagrado.
Esta forma de encarar o mundo é definir, a nível escalar, o que é útil e justo, e o quão
útil e justo pode ser – qual é a utilidade de certa norma coletiva para o crescimento
económico, ou para a justiça social.
É um questionar incansável do status quo; uma formulação ideológica unificadora; é,
como diz Edmund Burke, a “política da cartilha”. É um otimismo sociopolítico baseado
num conjunto de ideias por definir segundo um manual de instruções. Esta ideia é
comum ao socialismo e ao maquiavelismo.

Crítica ao Racionalismo
O atual pensamento político ocidental popular, o racionalismo, é utópico – quem o
defende está profundamente errado. É a política da perfeição e da uniformidade – aquilo
que é melhor, é melhor para todas as sociedades, é universalmente melhor.
Oferece três críticas ao racionalismo:
1. – Distinção entre conhecimento técnico e prático
- Conhecimento técnico é a fonte da atitude racionalista na política, é o
compreender ou descobrir de um funcionamento de algo potencialmente útil e eficaz –
Oakeshott considera-a como uma atitude de conhecimento positiva, mas erradamente
transportada para a atividade política
- Conhecimento prático é aquele que é dado pela experiência
Acredita que este segundo tipo de conhecimento tem um valor enorme de
complementação sobre o primeiro na esfera política, no desenvolvimento das
instituições e sociedades. Um cozinheiro não se torna o melhor cozinheiro do mundo
com um livro de receitas – precisa de prática.
O racionalismo extremo implica universalidade, mas Oakeshott afirma que a
racionalidade não tem princípios universalmente válidos. É possível, e até desejável,
que as sociedades se transformem, mas não numa completa rejeição da história e
cultura, não por total oposição e rutura.

2. – Distinção entre o saber técnico e o saber culto


- A política tem de ser informada num certo saber culto (não necessariamente
teórico, mas que significa necessariamente uma imersão em dada tradição) – o
indivíduo deve ter uma ‘mente educada’ inserida numa tradição intelectual e ter uma
perspetiva crítica e pessoal da mesma.
- Para se compreender o ‘aqui e agora’ sociopolítico, tem de se compreender o
passado intelectual cultural. O racionalismo na atividade política é a rejeição disto
mesmo. É a rejeição da identidade cultural e das razões, dos comos e porquês, das
coisas.

3. – Conservadorismo não é o mesmo que imobilismo. Não é a negação da mudança –


esta só é possível segundo uma noção técnico-prática, cultural e crítica do passado,
de modo a usar a tradição e o conhecimento adquirido para compreendermos o presente
e tornarmos exequível a mudança.
Conservadorismo segundo Oakeshott
O autor define-se como alguém sem ideologia – o conservadorismo não é, a seu ver,
uma ideologia política. É uma predisposição psicológica. É um conjunto de hábitos que
adquirimos que revelam algum ceticismo ao racionalismo político, o qual é defeituoso.
Oakeshott não vai defender um conservadorismo social – a atividade governamental
deve ser conservadora e moderada, mas as relações interpessoais de cada qual deve ter
maior liberdade. Os governos não têm o dever de tornar o indivíduo num ser social mais
completo ou mais ‘certo’. O governo é um administrador do todo geral, político, com a
tarefa de manter a paz, a segurança, a prosperidade. Não deve ter poder sobre a vida
pessoal, intelectual e lúdica do indivíduo.

Atitude Conservadora
- Governar é política. Política é governar. A diversidade social em crenças,
escolhas e maneiras de viver não se engloba nessa noção – deve-se ser livre no viver
desde que cumpra as regras de conduta. A atividade social do governo não deve ser
conservadora – isso é paternalista e sufocante.
- Rejeição de um mundo perfeito e racional utópico. Não se pode criar uma
sociedade de raiz. Não existem valores universais.
- Romantização da ideia do passado. A tradição cultural, sob um olhar crítico, é
fundamental.
O conservador sabe que a mudança é inevitável, e que pode ser boa, mas mudar o que
somos e ceder uma fatia da nossa identidade é sempre uma perda. Esta noção pode dar
uma certa desconfiança nos filósofos, teóricos e políticos idealistas que prometem ‘o
Céu na Terra’.
A atitude conservadora não é utilitária, como é o caso do racionalismo; é uma noção
prudente e crítica sociopolítica, tradicional e cultural.

Predisposição Conservadora – resumo


– Não é uma predisposição política. É uma predisposição psicológica para a atividade
política (e sem interferir na atividade social).
– Valorização da experiência histórica e das coisas pelo simples facto de existirem e
serem passadas entre gerações
– A atividade política é uma atividade de reparação
– Tradição não equivale a ausência de mudança, mas essa mudança deve ser gradual de
modo a se acomodar nas sociedades sem ‘choque’

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