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A globalização não só criou um mercado mundial, mas uma nova ordem supra
e transnacional, que permite a livre circulação de informações, tecnologias, capitais,
bens, serviços etc, propiciando a atuação de um poder superior a nível planetário,
essencialmente técnico, econômico e financeiro, que evidencia a redução (ou crise) da
supremacia estatal e a necessidade da utilização de instrumentos de governança global.
Neste sentido, nos explica Waeyenberge:
1
O presente trabalho foi elaborado para composição da nota da disciplina de “Governança Global” da
turma modular do mestrado em Direito Internacional, sendo um ensaio sobre a aplicação do tema da
governança ao trabalho de conclusão de curso, sem a pretensão de encerrar a discussão sobre os assuntos
propostos.
2
Mestranda em Direito Internacional pela UNISANTOS; Pós-Graduada em Direito Penal e Criminologia;
Pós-Graduada em Direito Processual Penal; Professora do curso de graduação em Direito da UNILEÃO.
3
“O poderio dos ordenamentos jurídicos estatais de produzir o próprio Direito em forma absoluta está
gradualmente se redimensionando, reformulando a própria categoria histórica e política da soberania
nacional na direção de uma caracterização ainda de híbrida matriz. O Direito Global está dividido em dois
níveis: o primeiro e mais raso que se preocupa com os assuntos nacionais (internos) de cada Estado; e o
segundo, mais amplo, diluído no cenário transnacional, constituído por uma área global, de modo que
predomine a cooperação (partnership) entre seus agentes em seu duplo nível.” (STAFFEN, Márcio
Ricardo. Direito Global: Humanismo e Direitos Humanos. RVMD, Brasília, V. 10, nº 1, 2016, p. 187).
4
“Neste quadrante, o ideal de Direitos Humanos deve ser compreendido como uma pretensão moral
justificada, enraizada nos valores da liberdade e da igualdade, preocupado com a potencialização da
autonomia pessoal, por meio da racionalidade, da solidariedade e da segurança jurídica. Em
complemento, como adverte Gregório Peces-Barba Martínez, com possibilidade efetiva de tutela jurídica,
na qual a realidade social seja recepcionada. Isto compõe a visão integral dos Direitos Humanos, nutrido
pelo humanismo.” (Ibid., p. 190).
5
SÁNCHEZ RUBIO, David. Fazendo e desfazendo os direitos humanos. Tradução de Clovis
Gorczevski. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2010, p. 18.
também é influenciado pelo surgimento e ascensão de novas
normatividades (OJNI - objeto jurídico não identificado) e instituições
que, na prática, assumem algumas funções de governança global.
Entre estas, destacam- -se as agências de classificação de risco, as
organizações de normalização técnica (como a ISO), as empresas
transnacionais atuantes no campo da responsabilidade social
corporativa, os organismos de gestão da internet (ICANN) e os
prestadores de serviço de comunicação nas redes globais, além das
empresas de auditoria e dos escritórios globais de advocacia, entre
outros. E o direito ambiental não é exceção a essa tendência, onde,
aliás, essas novas normatividades são abundantes. De fato, as questões
ambientais são quase sempre de natureza “transnacionais”, não (ou
pouco) se limitando às fronteiras políticas traçadas. O meio-ambiente
se encontra, assim, no centro das preocupações dos códigos de
conduta (Global Compact - 3 princípios em 10), das normas técnicas
(ISO 14000, 26000), dos rankings (environmental performance index),
dos indicadores (The Biodiversity Indicators Partnership), dos rótulos
(ecolabel) e das certificações (Marine Stewardship Council para a
pesca sustentável)6.
6
Waeyenberge, Arnaud Van. Direito Global: Uma teoria adequada para se pensar o direito ambiental?.
Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 14, n. 3, 2017, p. 11.
7
ARNAUD, André-Jean. Governar sem fronteiras. Entre globalização e pós-globalização. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 03.
8
REPOSO, Antonio. Introduzione allo studio del diritto costituzionale e pubblico. p. 26.
9
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2003.
Nos dizeres de Teubner10,
o direito seria não apenas aquele construído pelos Estados por meio
dos mecanismos tradicionais, constitucionalmente estabelecidos,
segundo, mas por seus atores públicos e privados internos, com graus
variáveis de cogência. Seria construído pelos Estados (internacionais),
mas também por atores privados e pelos direitos nacionais
(transnacionais) e, conforme sua força, poderia tornar-se oponível aos
próprios Estados (tornando-se supranacional)11.
10
TEUBNER, Gunther et alii. Transnational governance and constitucionalism. Oxford: University
Oxford Press, 2004.
11
VARELLA, Marcelo D. Internacionalização do direito: direito internacional, globalização e
complexidade. Tese de Livre-Docência defendida junto à Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo. São Paulo, 2012, p. 543.
12
Ibid., p. 545.
13
CROUCH, Colin. Postdemocrazia. Roma-Bari: Laterza, 2005, p. 35, tradução livre.
14
STAFFEN, Márcio Ricardo. Direito Global: Humanismo e Direitos Humanos. RVMD, Brasília, V.
10, nº 1, 2016, p. 184.
Ademais, observa-se uma progressiva majoração de organizações
privadas na tratativa de assuntos globais, com gerência
regulamentadora e reguladora, nas mais diversas áreas de incidência e
de competência material. São entes originariamente privados, sem
vínculos governamentais, que se dedicam à proteção ambiental, ao
controle da pesca, à fruição dos direitos sobre à água, à segurança
alimentar, às finanças e ao comércio, à internet, aos fármacos, à tutela
da propriedade intelectual, à proteção de refugiados, à certificação de
insumos quanto à procedência, à preservação da concorrência, ao
controle de armas e combate ao terrorismo, ao transporte aéreo e
naval, aos serviços postais, às telecomunicações, à energia nuclear e
seus resíduos, à instrução, à imigração, à saúde e ao esporte15
15
Ibid., p. 187.
16
GONÇALVES, Alcindo. O conceito de governança. In: ENCONTRO DO CONSELHO NACIONAL
DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – CONPEDI, 14. 2005, Manaus. Anais... Manaus,
2005. Disponível em:
<http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/078.pdf>. Acesso em:
30 mai. 2019.
17
CALVEIRO, Pilar. Violencias de estado. Buenos Aires: Siglo XXI, 2012, p. 23.
Humanos – basta considerarmos, por exemplo, áreas atingidas por crises econômicas e
políticas –, o que nos remete à necessidade de inserção destes direitos no conteúdo de
Direito Global, temendo que aqueles sejam privilégios somente de alguns indivíduos18,
sendo utilizados como artifício ideológico nacionalista.
18
SÁNCHEZ RUBIO, David. Fazendo e desfazendo os direitos humanos. Tradução de Clovis
Gorczevski. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2010, p. 18.
19
STAFFEN, Márcio Ricardo. Direito Global: Humanismo e Direitos Humanos. RVMD, Brasília, V.
10, nº 1, 2016, p. 194.
20
“Badie, em suas considerações, também restringe a concepção de território à dimensão jurídico-política
e aborda que o mesmo têm sido destruído juntamente com as identidades culturais e o controle estatal
sobre o espaço, onde uma ‘onda’ desterritorializante vem esvaziando de sentido as fronteiras e
conseqüentemente enfraquecendo o Estado-nação.” (BADIE apud BRAGA, p. 3-4).
necessidade da utilização de instrumentos de governança para o alinhamento da defesa
de tais direitos. Dentre várias ações com estes novos arranjos – praticadas por atores
transnacionais dirigidos por precedentes de Direito Global –, podemos ainda mencionar
REFERÊNCIAS
21
“Esta crise marca um fim: ela não proíbe que se fale de território no presente, mas já não permite que se
admita o princípio da territorialidade como federador da nossa ordem internacional. Não é seguro que o
modelo vestfaliano possa acomodar-se com o seu contrário para compor com ele uma nova ordem
estável. (...) desenha-se uma nova cena mundial que tanto é aterritorial como está sujeita à concorrência
de várias lógicas territoriais contraditórias e que, cada vez mais raramente, é banalmente Estado-nação. A
ilusão cartográfica já não é suficiente para dissimular essa pluridimensionalidade das relações, que já só
abusivamente são internacionais. As relações entre nações - aliás, cada vez mais difíceis de territorializar
- passaram a ser apenas um aspecto do funcionamento de uma cena mundial feita também de rede de
relações, de proliferação e de volatilidade de alianças, elas próprias inscritas em diversos espaços.”
(BADIE apud BRAGA, p. 4).
22
STAFFEN, Márcio Ricardo. Direito Global: Humanismo e Direitos Humanos. RVMD, Brasília, V.
10, nº 1, 2016, p. 198.
GONÇALVES, Alcindo. O conceito de governança. In: Encontro do Conselho
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito – CONPEDI, 14. 2005, Manaus.
Anais... Manaus, 2005. Disponível em:
<http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/078.
pdf>. Acesso em: 30 mai. 2019.