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A título de exemplo, podemos citar os seguintes diplomas legais: Decreto-Lei nº 201/67 (crimes de
responsabilidade); Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa); Lei nº 8.443/92 (Lei Orgânica do
Tribunal de Contas); Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos); Lei nº 135/2010 (Lei da
Ficha Limpa); Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência); Lei nº 12.813/2013 (Conflito de Interesses
no Exercício de Emprego ou Cargo Público); e Lei nº 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas).
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Disponível em: https://elpais.com/diario/1979/06/03/ultima/297208803_850215.html.
3
Disponível em: http://www.bbc.co.uk/spanish/specials/1555_corrupcion/index.shtml.
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PESTANA, Márcio. Lei Anticorrupção: exame sistematizado da Lei nº 12.846/2013. Barueri, SP: Manole,
2016. p. 4-5.
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“Importante salientar que até a criação da referida norma, ainda não havia no Brasil qualquer lei que
tornasse possível a aplicação de penalidades às pessoas jurídicas envolvidas especificamente em suborno
estrangeiro, em manifesta ofensa ao artigo 2 da Convenção da OCDE sobre combate à corrupção de
funcionários públicos estrangeiros em transações comerciais internacionais. O artigo 3 da Convenção
prevê que, caso a responsabilidade criminal, sob o sistema jurídico do Estado-membro, não se aplique a
pessoas jurídicas, deverão os países signatários submeter as pessoas jurídicas a sanções não criminais
efetivas, proporcionais e dissuasivas, entre elas as civis e administrativas, inclusive sanções financeiras”.
(GABARDO, Emerson; CASTELLA, Gabriel Morenttini e. A nova Lei Anticorrupção e a importância do
compliance para as empresas que se relacionam com a administração pública. A&C - Revista de Direito
Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte: Fórum, v. 15, n. 60, abr./jun. 2015. p. 140).
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Nesse sentido: SANTOS, Kleber Bispo dos. Acordo de leniência da Lei de Improbidade Administrativa e
na Lei Anticorrupção. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018. p. 16.
Eis, portanto, o cenário nacional e global que norteou a promulgação da lei anti-
corrupção, que inovou ao positivar duas situações ainda não previstas expressamente no
ordenamento jurídico, quais sejam, a corrupção do funcionário público estrangeiro, bem
como a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica beneficiada por atos de corrupção
sem que necessariamente haja participação de um agente público.
Para fins de delimitar o objeto deste artigo, apresentaremos nos capítulos seguintes
um breve panorama de como a lei anticorrupção prevê a aplicação de sanções em face
das pessoas jurídicas, bem como quais os instrumentos que poderiam ter sido utilizados
para que as sanções administrativas ali presentes não atentassem contra a função social
da empresa.
Focar-se-á, ainda, em como a lei poderia ter avançado no ordenamento jurídi-
co com a possibilidade de excluir a aplicação de sanções, ao invés de prever simples
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DAL POZZO, Antonio Araldo Ferraz. Lei Anticorrupção: apontamentos sobre a Lei nº 12.846/2013. São
Paulo: Contracorrente, 2015. p. 21-22.
Ainda que não seja o tema central desse artigo, para fins didáticos de compreensão
do contexto no qual se englobam os mecanismos de exclusão e redução das sanções na
lei anticorrupção que será tema do capítulo seguinte, é importante esclarecer em breves
palavras o sistema de responsabilização previsto no referido diploma legal.
De acordo com os artigos 2º e 3º da Lei 12.846/2013, as pessoas jurídicas serão
objetivamente responsáveis pelos atos lesivos previstos na lei, enquanto as pessoas
físicas envolvidas nos atos responderão de maneira subjetiva. Ou seja, enquanto as
pessoas jurídicas respondem independentemente de culpa pelos seus atos perante a
administração pública, os elementos que compõem a culpa devem estar presentes para
a responsabilização das pessoas físicas envolvidas, seja diretamente, seja atuando em
nome da empresa.
A inserção da responsabilidade objetiva no sistema está intrinsicamente ligada aos
interesses patrimoniais da pessoa jurídica que possui relações com a administração públi-
ca. Em outras palavras: nessa relação jurídica, inclusive pela própria natureza da pessoa
jurídica privada que almeja o lucro, normalmente predominam os interesses patrimoniais,
aumentando, assim, a possibilidade de lesão ao outro por interesses próprios. Nesse
sentido, são as palavras de Márcio Pestana:
A responsabilidade objetiva, à evidência, parte do pressuposto
de que a interlocução entre a iniciativa privada e o poder público
- sobretudo Administração Pública -, é potencialmente geradora
de práticas lesivas ao erário e aos princípios e valores relevantes
à Administração, principalmente, no ponto, os da moralidade e
da probidade, e que a mera constatação de atentado correspon-
dente, uma vez provado, por si só será suficiente para disparar o
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“Conforme prevê o artigo 7º, inciso VIII, da Lei, os programas de compliance se constituem em mecanismos
e procedimentos internos de integridade, auditoria, incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação
efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica. O dispositivo aludido se deve em
grande parte ao disposto no artigo 12, 2, f, do capítulo II da Convenção das Nações Unidas Contra a
Corrupção, adotando medidas para prevenir a corrupção e melhorar as normas contábeis e de auditoria no
setor privado. Com o intuito de adotar medidas para prevenir a corrupção e melhorar as normas contábeis
e de auditoria no setor privado, o artigo 12, 2, f, do capítulo II da Convenção das Nações Unidas Contra a
Corrupção promoveu importante inovação jurídica, a qual se reflete no artigo 7º, VIII, da Lei 12.846/2013
e em seu regulamento” (GABARDO; CASTELLA, op. cit., p. 140).
Ainda que haja na doutrina pátria diversos e distintos pontos de vista a respeito da
responsabilização objetiva da pessoa jurídica,10-11 para fins deste trabalho, considerar-se-á
o posicionamento de Antonio Dal Pozzo, para quem há duas circunstâncias que devem
estar provadas para que haja a responsabilização da pessoa jurídica:
a) De um lado, o nexo etiológico entre a conduta do agente e o ato
lesivo à Administração Pública, consista aquela numa mera atividade
ou produza um resultado diverso do agir;
b) De outro, a relação jurídica entre o agente e a empresa, que o
legitime a agir em nome daquela.12
9
PESTANA, op. cit., p. 11-12.
10
OSÓRIO. Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
p. 404. O autor apresenta a possibilidade de uma culpabilidade diferenciada à pessoa jurídica em relação à
pessoa física, sustentando que os critérios de culpa in vigilando ou culpa in eligendo seriam opções para ser
utilizados na lei anticorrupção. Não obstante essa assertiva, o autor assenta também que tais ponderações
não afastam a exigência de culpabilidade nas relações tipicamente punitivas.
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PESTANA, op. cit., p. 12. O autor propõe, ainda, uma solução intermediária que a lei poderia ter previsto,
o que ele chama de “aferição subjetiva instrumental para permitir a responsabilização objetiva”. O autor
sustenta que os atos da pessoa jurídica sempre serão levados a efeito por pessoas físicas (agentes,
representes, prepostos etc.). Logo, propõe o autor que “para ocorrer a responsabilização objetiva da
pessoa jurídica, deverá precedentemente restar provada e escrutinada a conduta subjetivamente movida
por dolo ou culpa grave dos seus agentes, dado que todas as ações consideradas lesivas à Administração
Pública, tal como relacionadas no seu art. 5º, pressupõem uma conduta instruída, repita-se, por dolo ou
culpa grave”. Ou seja, “o percurso da responsabilização passará, de início, pela relação estabelecida entre
o agir e a pessoa física, com predomínio da teoria subjetiva. Se nada ficar comprovado, inexistirá a prática
do ato ofensivo, logo será extinta qualquer investigação tendente a identificar eventual responsabilização
da pessoa jurídica envolvida; caso, contudo, haja a identificação da conduta da pessoa física, resultante
de dolo ou de culpa grave, acarretadora do ato lesivo na Lei Anticorrupção, então opera-se a transitividade
para a pessoa jurídica, responsabilizando-a e apenando-a”.
12
DAL POZZO, op. cit., p. 38-39.
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Art. 6º Na esfera administrativa serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos
atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções: I - multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento)
a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo
administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível
sua estimação; e II - publicação extraordinária da decisão condenatória.
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Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5º desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou
equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções
às pessoas jurídicas infratoras: I - perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem
ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de
boa-fé; II - suspensão ou interdição parcial de suas atividades; III - dissolução compulsória da pessoa
jurídica; IV - proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos
ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo
mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.
15
Art. 16, § 3º, O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o
dano causado.
16
Íntegra disponível em: https://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/programa-de-
integridade-diretrizes-para-empresas-privadas.pdf.
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São os cinco pilares do programa de integridade: 1º : comprometimento da alta direção como condição
indispensável e permanente para o fomento de uma cultura ética e de respeito a leis e para a aplicação
efetiva do Programa de Integridade; 2º : a instância responsável pelo programa, qualquer que seja, deve
ser dotada de autonomia, independência, imparcialidade, recursos materiais, humanos e financeiros para o
pleno funcionamento, com possibilidade de acesso direto, quando necessário, ao mais alto corpo decisório
da empresa; 3º : análise de perfil e riscos existentes em sua estrutura organizacional, identificação de sua
área de atuação e principais parceiros de negócio, seu nível de interação com o setor público - nacional
ou estrangeiros - e avaliação dos riscos para cometimento dos atos lesivos da lei anticorrupção; 4º :
Portanto, quando da aplicação das sanções, o programa será avaliado à luz desses
pilares para fins de redução da sanção ou desconsideração do programa para o ato lesivo
investigado caso não verificada sua eficácia, “não obstante o decreto regulamentador não
tenha deixado claro como se dará o manuseio e o peso desses fatores para enfrentamento
de casos concretos”.18 Nesse ponto, já se verifica uma evidente lacuna na lei e no decreto,
que não previram o peso do programa na avaliação do ato sancionatório, se limitaram a
tecer diretrizes para a instauração desse e nada mais.
Com relação ao item “a” supracitado, não há discussão a respeito de ser o programa
de integridade um instrumento de redução das sanções aplicadas na lei anticorrupção. A
leitura dos artigos supracitados é suficiente para solucionar essa questão.
Entretanto, a lei não deixa claro - e a doutrina até o presente momento não se po-
sicionou de maneira contundente sobre o assunto - se a existência prévia de mecanismos
eficazes de integridade apenas serviria como atenuante para as sanções administrativas
previstas no art. 6º da lei, ou se também serviriam como atenuantes para a aplicação
das sanções judiciais exploradas no capítulo anterior. Na visão deste trabalho, limitar a
participação dos mecanismos de integridade como fator de redução somente das sanções
do art. 6º seria um retrocesso quando se constata a necessidade de repensar as sanções
aplicadas pelo Estado à luz da função social da empresa, de modo a evitar penalizar a
empresa de maneiras tantas que possa inviabilizá-la.
Tal penalização, como será visto no restante desse artigo, além da importância
que os programas de integridade deveriam ter, passa por uma maior integração entre as
esferas administrativa e judicial com os órgãos de controle. Afinal, em todas essas esferas
ocorre a imposição de uma penalidade pelo Estado sob o particular, de modo que sua não
integração pode levar fatalmente à extinção da empresa.
Acrescente-se a isso a questão que envolve o acordo de leniência. Infelizmente,
o congresso nacional perdeu a oportunidade de transformar em lei a medida provisória
703/2015 que, dentre outras medidas, acrescia o inciso IV ao art. 16 da Lei Anticorrupção,
no sentido de condicionar o compromisso da pessoa jurídica no acordo de implantar ou
melhorar os mecanismos de integridade.
Seja como for, nos parece ser um contrassenso admitir a celebração de acordo de
leniência, sem que a pessoa jurídica responsável pelo ato lesivo adote mecanismos de
integridade para evitar que o ato ocorra novamente. Afinal, em uma hipótese como essa,
estruturação das regras e instrumentos, dentre os quais incluem-se elaboração e atualização do código de
ética, desenvolvimento de mecanismos de detecção ou reportes de irregularidades, canais de denúncia,
mecanismos de proteção ao denunciante, plano de comunicação e treinamento; e 5º : estratégias de
monitoramento contínuo, de modo que as deficiências encontradas possam alimentar continuamente seu
aperfeiçoamento e atualização, bem como que o programa seja parte da rotina da empresa, atuando de
maneira integrada com outras áreas correlacionadas como recursos humanos, departamento jurídico,
auditoria interna e departamento contábil -financeiro.
18
PESTANA, op. cit., p. 89.
tanto o ente privado quanto o ente público permaneceriam sujeitos a novos atos lesivos,
o que afastaria a função do acordo. Nesse sentido é a lição de Kleber Bispo dos Santos:
No Brasil, em que pese a nomenclatura adotada, o real sentido do
instituto do acordo de leniência também é o de impor compromisso
e responsabilidades àquelas pessoas jurídicas que voluntariamente
se propõem a romper com o envolvimento com a prática de condutas
ilícitas e adotar medidas para manter suas atividades de forma ética
e sustentável, cumprindo com sua função social.
O compromisso da ruptura com a prática de condutas ilícitas é
demonstrado com a propositura do acordo de leniência e também
por meio da adoção de mecanismos de integridade e compliance
em que, em última análise, há uma colaboração com o Estado no
desvendamento de ilícitos, e consequente responsabilização dos
mesmos.
Em troca desse compromisso, somado à efetiva colaboração que
resulte na identificação dos demais envolvidos na infração e na
obtenção célere de informações e documentos que comprovem o
ilícito sob apuração, a pessoa jurídica é beneficiada com o abran-
damento das sanções.19
19
SANTOS, op. cit., p. 87.
20
GABARDO; CASTELLA, op. cit., p. 140.
quais [...] a ordem jurídica constitui uma prévia rede de segurança para a conduta dos indivíduos, afastando
liminarmente qualquer imprevisto ou surpresa que poderia lhes advir se não existisse essa preliminar notícia
sobre o alcance de sua atuação futura” (MARRARA, Tiago. Acordos de leniência no processo administrativo
brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes. Revista Digital de Direito Administrativo,
Ribeirão Preto: USP; FDRP, v. 2, n. 2, 2015. p. 521).
25
SANTOS, op. cit., p. 100.
26
Ibidem, p. 100.
Essa questão fica ainda mais evidente quando se analisa a pessoa jurídica como
efetiva geradora de emprego e renda. Afinal, sua potencial extinção pelas diversas penali-
dades acarretará inevitavelmente em aumento no já alto percentual de desemprego no país.
Uma saída que pode ser pensada com algumas alterações na lei anticorrupção
e sem que seja necessário alterar profundamente sua estrutura, é que os programas de
integridade, quando aplicados de maneira eficaz, sejam um instrumento de exclusão das
sanções e não um simples e abstrato fator de redução.
Diz-se eficaz um programa de integridade, quando ele detecta, corrige e comunica
o ato lesivo ao ente público lesado, além de reparar o dano causado. Afinal, ao assim
proceder, a empresa estará atuando no máximo de suas possibilidades dentro de sua
estrutura. Essa atuação máxima que a empresa pode ter em seu âmbito interno é o ponto
nodal a ser avaliado para verificar a eficácia do programa.
Logo, ao avaliar o programa, a administração pública deve fazer a seguinte per-
gunta: a aplicação do compliance fez a empresa atuar no máximo de suas possibilidades
internas? Caso a resposta seja positiva, a exclusão das sanções é uma medida que deve
ser prevista em lei e considerada pelo agente sancionador.
Além disso, a possibilidade de exclusão das sanções faria com que o acordo de
leniência seja mais atraente para as pessoas jurídicas do que no modelo atual, no qual a
empresa ainda pode vir a ser severamente sancionada. Nesse sentido, são as lições de
Thiago Marrara:
Não bastasse isso, a lei anticorrupção não prevê qualquer tipo de
isenção de multa e, em nenhum momento, faz a importante diferen-
ciação entre a leniência prévia e a leniência concomitante. Como foi
dito, na defesa da concorrência, a leniência prévia é estimulada com
benefícios maiores (isenção de multa), mas no combate à corrupção,
não há qualquer variação. Certamente, essa lacuna apenas servirá
para desestimular acordos anteriores ao processo administrativo.27
Essa questão fica ainda mais relevante quando se analisa que a pessoa jurídica
é uma ficção jurídica, um ente que existe apenas no mundo do direito, mas que não tem
vontade própria e nem age por si mesmo. Ou seja, sua vontade é aquela que externam as
pessoas qualificadas por seus estatutos e contratos e seu agir é a ação de seus órgãos,
administradores e prepostos.28
Partindo desse pressuposto, é inevitável concluir que o ato lesivo causado pela
pessoa jurídica no âmbito da lei anticorrupção quase sempre terá como causa um fator
humano. E o homem, como ser imperfeito que é, estará sempre sujeito a falhas e disfunções.
Por sua vez, um programa de integridade eficaz será capaz de identificar essas falhas e
corrigi-las, sem prejuízo da reparação do dano causado.
27
MARRARA, op. cit., p. 522.
28
BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p. 1024.
Obviamente que a possibilidade de exclusão das sanções não deve ser aplicada em
todo e qualquer caso, mas principalmente naqueles em que o ato lesivo for cometido de
maneira isolada dentro da pessoa jurídica. Ou seja, sem o comprometimento do complexo
de estruturas da pessoa jurídica.
Situações como essas normalmente são facilmente identificáveis e corrigidas pelos
programas de integridade quando esses são de fato eficazes. Quando, por outro lado, a
empresa já está contaminada pela prática corruptiva, inclusive com o envolvimento direto
da alta direção, a eficácia do programa fica comprometida.
Atos lesivos agravados por outros atos que atentem contra a dignidade da pessoa
humana, como trabalho infantil, trabalho escravo, crimes contra a humanidade, tráfico de
pessoas e etc., também não nos parece que devem ser alvo de exclusão.
Seja como for, deve ser feita uma análise casuística pela administração à luz de uma
normatização da lei que apresente especificidade e conceitos fechados, sem prejuízo de
uma margem discricionária que permita que os casos concretos sejam analisados dentro
de suas peculiaridades, observado o interesse público.
Afinal, a possibilidade de exclusão das sanções dentro de um acordo de leniência
propiciaria para a sociedade: (i) que ilícitos de alto potencial lesivo a sociedade sejam
esclarecidos; (ii) identificação dos envolvidos, com possibilidade de punição das pessoas
físicas; (iii) “oportuniza à pessoa jurídica delatora a prosseguir nas suas atividades ao
mesmo tempo em que passa a auxiliar o Estado no controle e combate à corrupção; (iv)
oportuniza à sociedade o privilégio de continuar usufruindo dos benefícios de uma pessoa
jurídica nacional produtora de serviços ou bens, geradora de empregos, pagadora de
impostos, dentre outros benefícios”;29 e ainda (v) possibilita a reparação do dano ao erário
de maneira mais simples, ágil e menos conflituosa.
Afinal, “de que adianta conceder esses benefícios ao infrator colaborador, se a
leniência não impede que o juiz determine sua extinção como pessoa jurídica?”30
Aliás, é importante esclarecer que a exclusão de sanções administrativas em acordos
de leniência não seriam novidades no direito brasileiro. Afinal, a leniência concorrencial,
prevista pela Lei 12.529/2011 (Defesa da Concorrência), prevê no art. 86, § 4º, a inaplica-
bilidade das sanções na leniência prévia ao processo administrativo.31-32
29
SANTOS, op. cit., p. 144.
30
MARRARA, op. cit., p. 522.
31
Art. 86. O Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá celebrar acordo de leniência, com a
extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços) da penalidade
aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem
econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa
colaboração resulte: [...] § 4º Compete ao Tribunal, por ocasião do julgamento do processo administrativo,
verificado o cumprimento do acordo: I - decretar a extinção da ação punitiva da administração pública em
favor do infrator, nas hipóteses em que a proposta de acordo tiver sido apresentada à Superintendência-
Geral sem que essa tivesse conhecimento prévio da infração noticiada; [...].
32
Nas palavras de Tiago Marrara: “Não há dúvidas de que essa diferenciação de benefícios é proposital e
criada exatamente para estimular as leniências prévias ou anteriores ao processo administrativo, momento
em que o Estado ainda não tem conhecimento da infração. Já para a leniência plus (ou de duplo efeito),
Por fim, é de se ressaltar que novos instrumentos poderiam ser inclusos nas
orientações dos mecanismos de integridade, como o autossaneamento (mundialmente
conhecido por seu nome em inglês, self-cleaning).
Trata-se de “uma espécie de redefinição da conduta futura das empresas conde-
nadas, de forma que elas sejam reabilitadas a participar de licitações e firmar contratos
com a administração pública, caso tomem determinadas medidas”.33
O instituto recentemente positivado na União Europeia pela Diretiva 2014/24/EU34
prevê medidas que empresas devem tomar para voltar a contratar com a administração
pública, tais como (i) esclarecimento dos fatos, (ii) reparação de danos; (iii) desligamento dos
envolvidos; (iv) medidas estruturais para evitar a ocorrência de novos fatos, dentre outros.
Outra solução proposta pela doutrina e que poderia ser discutida com maior pro-
fundidade é a criação de um cardápio diversificado e flexível de respostas do regulador,
que responda às diferentes motivações dos agentes e considere os diversos níveis de
agregação das organizações, passando pelas unidades e subunidades. “A ideia seria
permitir a utilização de estratégias diferentes (de cooperação, de punição e de perdão) de
forma simultânea em relação a distintos segmentos de uma empresa”.35
Tais medidas, ao que nos parece, se aplicam perfeitamente à visão exposta neste
trabalho e se configuram como uma interessante opção ao legislador para aperfeiçoar a
lei anticorrupção com vistas à criação de um modelo sancionatório que não atente contra
a função social da empresa, tal como o modelo atual.
Nos últimos anos, tem-se verificado um grande interesse doutrinário pelos meca-
nismos de integridade. Inúmeras obras têm sido escritas sobre o tema, não apenas pelos
autores de obras jurídicas, mas pelos autores dos mais variados ramos empresariais.
o benefício no primeiro processo consiste na redução da multa em 1/3 e, no segundo processo, aplicam-
se os efeitos de leniência prévia. Nessa sistemática, resta evidente que a autoridade pública, diante do
reconhecimento de cumprimento do acordo, detém discricionariedade para mensurar o benefício apenas na
modalidade da leniência concomitante. Para a leniência prévia e a plus, a oferta do benefício é vinculada”.
(MARRARA, op. cit., p. 519).
33
PEREIRA, Cesar; SCHWIND, Rafael Wallbach. Autossaneamento (self-cleaning) e reabilitação de empresas
no direito brasileiro anticorrupção. Migalhas, 26 ago. 2015. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/
dePeso/16,MI225754,71043-Autossaneamento+selfcleaning+e+reabilitacao+de+empresas+no+direito.
34
Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32014L0024&from=PT.
35
VORONOFF, Alice. Direito administrativo sancionador no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 146. Por
exemplo: uma corporação disposta a cumprir a lei não deve receber o mesmo tratamento dispensado à
associação que a representa se esta, ao contrário da empresa, adotar comportamento não cooperativo,
voltado a incitar seus associados a resistir à regulação. Da mesma forma, uma postura de enfrentamento
quanto a certo dirigente de companhia, recalcitrante quanto à adequação de sua conduta às normas, não
impediria eventual relação amistosa do regulador com a empresa em si, orientando-a, inclusive, a adotar
providências quanto ao referido gestor”.
Afinal, como visto acima, o programa de integridade deve ser adequado à realidade da
atividade empresarial realizada.
Entretanto, aquela que talvez seja a maior dificuldade para a real eficácia do
programa não tem sido enfrentada de maneira contundente pela doutrina pátria, o que
coloca em cheque a efetividade dessa espécie de mecanismo. Trata-se da extensão dos
poderes e deveres do encarregado de prevenção dentro da companhia, ou seja, aquela
pessoa dentro do programa de prevenção que possui poderes diretivos sobre o programa
comumente conhecido pelo seu nome em inglês chief compliance officer. Isso porque, por
mais instrumentos que a pessoa jurídica possua para conferir efetividade ao programada
de integridade, sua eficácia estará sempre atrelada ao fator humano daquele(s) que detém
os poderes para tomar decisões em benefício da integridade, ou acabar sendo no mínimo
condescendente com atos lesivos.
Dois são os pontos nodais que se colocam sobre os poderes e deveres dessa pessoa
e que, a nosso ver, não vêm sendo eficazmente solucionados, colocando assim em risco
a eficácia de qualquer programa. Trata-se do (i) dever dessa pessoa em comunicar aos
órgãos públicos possíveis atos lesivos que tenham sido identificados dentro da pessoa
jurídica, bem como (ii) poder dessa pessoa de vetar perante o órgão diretivo da pessoa
jurídica, relações jurídicas a serem estabelecidos com a administração que possam ser
lesivas à administração pública.
Desses pontos, podem ser extraídos alguns questionamentos a respeito dos quais
o poder público deveria se pronunciar, seja por meio de lei competente, seja ainda por
legislação administrativa, quais sejam: (i) quais as consequências jurídicas que pode so-
frer o responsável por não reportar o ato de corrupção aos órgãos de controle?; (ii) quais
consequências o chefe de compliance pode sofrer quando reportar, considerando que
à luz do art. 3º da Lei Anticorrupção, a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a
responsabilidade individual dos dirigentes ou administradores?; (iii) quais os riscos jurídicos
que o diretor de compliance enfrenta quando assume essa responsabilidade?
Não há muitas dúvidas de que o chief compliance officer deve ter acesso direto à
alta administração, bem como lhe devam ser conferidos poderes suficientes para o desem-
penho de suas funções. Nesse sentido, são enfáticas as palavras de Leandro Sarcedo ao
comentar a Lei chilena nº 20.393, que estabelece conteúdos que devem ter os modelos
de prevenção naquele país.36
O encarregado de prevenção deverá ser provido, pela alta admi-
nistração da pessoa jurídica dos meios e poderes suficientes para
o desempenho de suas funções, o que incluem recursos e meios
materiais necessários para realizar adequadamente seus trabalhos,
36
Apesar de existirem no Brasil diversas normas que tratam dos programas de integridade, a maioria deles de
cunho regulatório, não existe no Brasil uma lei federal que sirva como ponto de partida para o tema. Aliás,
as empresas sequer são obrigadas a ter o programa de integridade. Algumas normas no âmbito do direito
local já foram expedidas como o Decreto nº 55.107 do Município de São Paulo e o Decreto 4.954/2013 do
Estado do Tocantins, mas ambas sem inovar com fins de avançar na aplicação do instituto.
O Autor sustenta, ainda, que dentre as funções do chief compliance officer está a
de reportar e denunciar os ilícitos que ocorrem dentro da pessoa jurídica, in verbis:
A posição e as funções do chief compliance officer, numa estrutura
interna de cumprimento normativo e consequente prevenção de
delitos, passam não só por denunciar comportamentos irregulares
ou ilícitos dentro da empresa, mas também por prestar consultoria
aos membros da organização a respeito da correção e da legalidade
de determinada atividade questionável ou duvidosa.38
37
SARCEDO, Leandro. Compliance e responsabilidade penal da pessoa jurídica: construção de um novo
modelo de imputação baseado na culpabilidade corporativa. São Paulo: Liberars, 2016. p. 197.
38
SARCEDO, op. cit., p. 53.
39
SAAVEDRA, Giovani A. Reflexões iniciais sobre criminal compliance. Boletim IBCCRIM, n. 218, jan. 2011.
Disponível em: https://www.ibccrim.org.br/boletim_artigos/257-218-Janeiro-2011. Questionando a posição
de garantidor do compliance officer, Leandro Sarcedo afirma que o empresário é quem possui o dever de
garante do chefe de compliance, que não poderia servir como uma espécie de “testa de ferro” escolhido
para fazer frente às demandas ilícitas. (SARCEDO, op. cit., p. 54-57).
40
Art. 17, § 7º, “Nas companhias objeto de desestatização poderá ser criada ação preferencial de classe
especial, de propriedade exclusiva do ente desestatizante, à qual o estatuto social poderá conferir os
poderes que especificar, inclusive o poder de veto às deliberações da assembleia-geral nas matérias que
especificar. ” Alude o § 7º do art. 17 (decorrente da Lei nº 10.303/02) à ação preferencial que poderá ser
criada pelas companhias objeto de desestatização. Essa classe de ações, que já se encontrava prevista
Como se vê, para que os mecanismos de integridade sejam fatores que possam ser
eficazes no combate à corrupção, ainda é preciso avançar concretamente. Caso contrário,
o disposto no art. 7º, VII, da Lei Anticorrupção não passará de uma boa ideia do legislador,
com pouco efeito prático.
Outro ponto que vem cada vez mais sendo abordado pela doutrina como elemento
impeditivo da construção de um modelo sancionatório mais eficiente e que não coloque
em risco o exercício da atividade empresarial, diz respeito à ausência de interligação entre
os órgãos de controle. Na lei tema deste trabalho, essa problemática fica evidente. Afinal,
pouca vantagem poderia ser extraída da aplicação de um programa efetivo de integridade
que seja apto a excluir a sanção no âmbito da lei anticorrupção, se, por outro lado, a pessoa
na lei que regulou a privatização de empresas estatais, tem a natureza de uma ação preferencial, e como
tal deverá ser instituída e tratada. Suas características particulares, que decorrem da lei, são a titularidade
exclusiva do ente que vinha controlando a estatal desestatizada, e o poder de veto às deliberações da
assembleia geral nas matérias que forem especificadas. No mais, tal ação, que vem sendo vulgarmente
chamada de golden share, terá as vantagens e preferências que lhe forem conferidas, inclusive de natureza
política, como pode ocorrer com qualquer classe de ações preferenciais. (BORBA, José Edwaldo Tavares.
Direito societário. 12. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 246).
41
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
v. 2. p. 135.
jurídica ainda estaria sujeita a sofrer processos perante os tribunais de contas e/ou ações
civis públicas movidas pela Defensoria Pública ou Ministério Público.
É por conta disso que a empresa, quando da celebração do acordo de leniência, deve
fazê-lo com a participação de todos os atores envolvidos: ente lesado, Ministério Público
como fiscal da lei, advogado do órgão público lesado, defensoria como representante de
interesses difusos e tribunal de contas como fiscal.
Cumpre esclarecer que não se pretende aqui desconstituir a importância dos órgãos
de controle denominados pela doutrina de “controle externo”, mas, pelo contrário, o que se
pretende é discutir a necessidade de um maior imbricamento na atuação desses órgãos
com vistas a evitar rumos opostos e isolados, como tem sido identificado pela doutrina
mais abalizada sobre o tema, in verbis:
Seria de se esperar, nesse panorama, que todos os órgãos envol-
vidos na missão de prevenir e combater a corrupção buscassem
cooperação, intercâmbio de experiências e, por que não, atuação
conjunta no combate à corrupção. Mas, ao se verificarem os recen-
tes regulamentos expedidos pelo TCU e pela CGU, nota-se que as
atuações destes órgãos aparentam seguir rumos opostos e isolados.
Aliás, talvez essa seja a maior crítica a ser feita à lei Anticorrupção:
como mecanismo de sistematização de seu microssistema, ela de-
veria ter dado mais destaque e valor à atuação institucional de todos
os órgãos que se incumbem de atuar em sua aplicação: sistemas
de controle interno e externo, Ministério Público, Advocacia Pública
e Poder Judiciário, seja porque a atuação integrada e harmônica de
tantos atores é requisito lógico para a efetividade na aplicação da
norma, seja por força do federalismo cooperativo, que tanta experiên-
cia pode agregar aos entes públicos se eles atuarem em conjunto.
Contudo, a Lei não apresenta qualquer sistematização na atuação
dos órgãos e entes incumbidos de aplicá-la. Em verdade, a Lei
aparenta incentivar a atuação em verdadeiros clusters, feudos, com
nítida opção pela CGU em detrimento do TCU, em que ao menos
haja previsão de que todos os órgãos atuem em conjunto com o
propósito de tornar mais célere, efetiva, e, por que não, transparente
e adequada, à luz do princípio do devido processo legal, a investi-
gação da prática de eventual ato de corrupção.42
Conclui o autor:
A propósito, certamente a atuação conjunta do Ministério Público
poderia ser aproveitada, seja pela ampla experiência consolidada
na utilização do mecanismo de ajustamento de conduta, que, em
42
DAL POZZO, op. cit., p. 70-71.
CONCLUSÃO
Como já dito neste texto, o direito administrativo sancionador vem recorrendo a uma
pluralidade de normas na tentativa de combater a corrupção com maior eficácia, criando
inclusive aquilo que denominamos como “microssistema de combate à corrupção”.
Por outro lado, ao assim proceder, acaba por gerar uma cultura sancionatória capaz
de inviabilizar as atividades daqueles que pratiquem atos lesivos contra a administração
pública, ainda que de forma eventual e que apresentem mecanismos de integridade
43
Ibidem, p. 716.
44
No mesmo sentido, Kleber Bispo dos Santos leciona que: “é uma questão muito complicada e delicada a
possibilidade de aplicação simultânea de sanções por instâncias autônomas que não se comunicam e não
levam em consideração a existência de outras esferas de responsabilização. Essa preocupação é muito
pertinente e calha à fiveleta quanto ao tema da extensão e limites do acordo de leniência no que tange a
outros sistemas de responsabilização. A nosso ver, em se tratando da sanção das pessoas jurídicas, as
instâncias devem se comunicar, e indo mais além, em se tratando de acordo de leniência com a pessoa
jurídica delatora, o mesmo deve, se possível, englobar todas as possibilidades de responsabilizações
ou sanções à pessoa jurídica beneficiária, decorrentes do mesmo fato, podendo, inclusive, a depender
das circunstâncias do caso concreto, surtir efeitos às eventuais responsabilizações das pessoas físicas
representantes das pessoas jurídicas” (SANTOS, op. cit., p. 147).
45
“Art. 62. Na dosimetria da pena, salvo se aplicada a penalidade de advertência, o Colegiado fixará
inicialmente a pena-base, aplicando na sequência as circunstâncias agravantes e atenuantes, bem como
a causa de redução da pena, nessa ordem. Parágrafo único. O Colegiado considerará na dosimetria as
demais sanções relativas aos mesmos fatos, aplicadas definitivamente por outras autoridades, cabendo
ao acusado demonstrar, até o julgamento do processo pelo Colegiado, o cabimento dessa circunstância.”
46
Art. 66. São circunstâncias atenuantes: [...] V - a adoção efetiva de mecanismos e procedimentos internos
de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades, bem como a aplicação efetiva de códigos
de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica, avaliada por entidade pública ou privada de reconhecida
especialização.
capazes de reparar o dano e permitir que prossigam celebrando contratos públicos que
geram benefícios sociais.47
Diante desse cenário, algumas questões permanecem sem resposta na Lei Anticor-
rupção, como por exemplo, a ausência de instrumentos, que permitam em determinados
casos a exclusão de sanções, tal como ocorre na lei de defesa da concorrência.
Aliás, não é incomum o poder público e agentes privados reclamarem de engessa-
mento para a solução dos problemas que envolvem a administração, e com certo grau de
razão. Afinal, determinada pessoa pratica a conduta “x”, incide em ato de improbidade, se
pratica a conduta “y”, incide em ato de corrupção, se pratica conduta “z” incide em ato de
improbidade e corrupção, enquanto se não pratica nenhuma conduta, também é punido
por omissão.
As palavras de Héctor A. Mairal, citando Álvaro Vargas Llosa, se aplicam perfeita-
mente a essa hipótese, in verbis:
[...] em geral, a posição dos administrados ante tal avalanche nor-
mativa frequentemente é de total incerteza. O fenômeno é geral na
administração pública. Como adverte com maestria Álvaro Vargas
Llosa: Uma consequência lógica de semelhante abundância é que
cada disposição legal tenha, ou um pouco menos, outra que a com-
plemente, atenue ou negue. O que, em outras palavras, significa que
quem está imerso em semelhante turbilhão de contradições jurídicas
vive transgredindo a lei, ou - algo ainda mais desmoralizante - que,
em uma estrutura dessa natureza, qualquer abuso ou transgressão
pode encontrar um atalho legal que o redima e justifique.48
Desse modo, parece ser necessário repensar o papel dos programas de integridade
e também do acordo de leniência no direito administrativo sancionador, principalmente na
lei anticorrupção tratada no presente artigo. Mecanismos como o autossaneamento, que
poderiam integrar esses programas com vistas à exclusão das sanções, deveriam ser
pensados e discutidos com maior profundidade pelos possuidores do poder político que
os têm desconsiderado.
Realmente, tem razão Alice Veranoff quando sustenta que o agente sancionador
deve avaliar se a sanção:
É uma reposta correta no contexto específico em que inserida e
se foi calibrada (em tese e em concreto) de modo apropriado. Se
47
Nesse sentido se aplicam perfeitamente as palavras de Héctor Mairal, in verbis: “Em suma, a combinação de
uma classe política ansiosa em melhorar a sociedade impondo continuamente novas obrigações e proibições
(mas curiosamente indiferente ao respeito efetivo das regras), com um funcionalismo mal remunerado, mal
controlado e sobrecarregado, é uma receita ideal para produzir corrupção. Esta correlação geralmente
passa despercebida”. (MAIRAL, Héctor A. As raízes legais da corrupção ou como o direito público fomenta
a corrupção em vez de combatê-la. São Paulo: Contracorrente, 2019. p. 119).
48
MAIRAL, op. cit., p. 54-55.
REFERÊNCIAS
BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros,
2013.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 12. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 19. ed. São Paulo: Saraiva,
2015. v. 2.
DAL POZZO, Antonio Araldo Ferraz. Lei Anticorrupção: apontamentos sobre a Lei nº 12.846/2013.
São Paulo: Contracorrente, 2015.
49
VORONOFF, op. cit., p. 175-176.
50
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Pena de morte e responsabilidade das empresas. Valor Econômico,
São Paulo, 30 jul. 2015.
MAIRAL, Héctor A. As raízes legais da corrupção ou como o direito público fomenta a corrupção
em vez de combatê-la. São Paulo: Contracorrente, 2019.
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Pena de morte e responsabilidade das empresas. Valor
Econômico, São Paulo, 30 jul. 2015.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015.
SAAVEDRA, Giovani A. Reflexões iniciais sobre criminal compliance. Boletim IBCCRIM, n. 218, jan.
2011. Disponível em: https://www.ibccrim.org.br/boletim_artigos/257-218-Janeiro-2011.
SANTOS, Kleber Bispo dos. Acordo de leniência da Lei de Improbidade Administrativa e na Lei
Anticorrupção. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.
VORONOFF, Alice. Direito Administrativo sancionador no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2018.