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Doutrina

Holding Patrimonial Familiar: Análise dos


Principais Aspectos para uma Sucessão
Planejada

Roseli Rêgo Santos Cunha Silva


Doutora e Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia;
Graduada pela Universidade Católica do Salvador; Professora
Adjunta de Direito da Universidade Federal do Tocantins (UFT);
Advogada; Pesquisadora e Coordenadora do Projeto de Pesquisa
Direito Empresarial, Direito Digital, Empreendedorismo e
Inovação na Era Digital; ORCID: https://orcid.org/0000-0003-
3962-0568; e-mail: roselirego@yahoo.com.br.

Gabriela Sousa Barros


Graduanda do Curso de Direito da Universidade Federal
do Tocantins; Graduada em Engenharia de Alimentos
pela UFT; Especialista em Engenharia de Segurança do
Trabalho pela Universidade Estadual de Maringá;
e-mail: barrossgabriela@gmail.com.

RESUMO: O atual sistema ordinário brasileiro de sucessão, realizado por


meio do inventário, é moroso, burocrático, dispendioso e um grande causador
de conflitos familiares. Pensar no futuro dos herdeiros e planejar o destino dos
seus bens é um direito do indivíduo. Titulares de bens de diversas naturezas têm
buscado a melhor opção entre as ferramentas aptas para realizar a sucessão de
forma planejada, por isso, uma avaliação de cada caso deve ser feita envolvendo
diversos elementos. Diante desse contexto, o presente artigo objetiva, de forma
reflexiva, por meio de uma abordagem qualitativa, apresentar o que a holding
familiar tem a oferecer como mecanismo de planejamento sucessório, com foco
no prisma patrimonial, diante de outras ferramentas como o testamento, a doação
e o seguro de vida, e por meio da análise dos principais aspectos relacionados ao
registro, aos tributos, à proteção patrimonial e aos limites legais, além das vanta-
gens da sua utilização. Para isso, fazem uso as autoras de pesquisa bibliográfica,
por meio de revisão de literatura relacionada ao tema.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Societário. Holding Familiar. Planejamento


Sucessório. Proteção Patrimonial.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Breves Considerações sobre o Direito das Sucessões


e sobre o Planejamento Sucessório. 3 Holding Familiar: Aspectos Conceituais e
sua Adoção no Âmbito do Planejamento Sucessório. 4 Elementos Específicos da
Holding Patrimonial Familiar. 5. Considerações Finais. 6 Referências.
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1 Introdução
Dentre os fatos que permeiam a existência humana, a morte confi-
gura um daqueles que atinge a todas as pessoas, contudo, não é uma tarefa
descomplicada para um indivíduo discutir sobre esse assunto delicado com
a sua família. Para o direito, o evento morte representa a extinção da pessoa
natural, e consequentemente produz efeitos jurídicos, incluindo a sucessão
hereditária e a transmissão do patrimônio. Normalmente, quando acontece o
falecimento de um ente, os herdeiros se deparam com o complexo processo
de inventário judicial, que vem a ser, na maioria dos casos, uma verdadeira
ferramenta de desgaste e conflitos familiares.
Muitos dos volumosos processos de inventário e, por conseguinte, a
divisão dos bens, provavelmente resulta em dissolução de empresas, dilapi-
dação de patrimônios e litígios familiares devido à falta de conhecimento ou
de orientação assertiva voltada para o detentor do patrimônio e para a família
sobre o planejamento sucessório com a finalidade de preservar o que foi
construído durante a vida.
O planejamento sucessório surge como uma solução, e a holding patri-
monial familiar como um de seus instrumentos. Planejar o destino dos bens
consiste em definir o objetivo, o método e a dinâmica de realização com a
assistência de ações traçadas adequadamente, de acordo com a autonomia
privada do sucedido e com a configuração familiar, dentro dos limites legais,
cumprindo a função patrimonial em defesa da segurança material da família.
Nos últimos anos, no Brasil, o termo holding passou a ser conhecido
por inúmeras pessoas ganhando a curiosidade da sociedade em geral, e prin-
cipalmente de quem tem interesse particular pelo assunto. Ainda assim, é
alvo de controvérsias, pois a falsa promessa de blindagem patrimonial induziu
muitos casos para uma situação oposta ao real objetivo da constituição de uma
holding familiar, que visa à organização adequada do patrimônio e dos seus
frutos. Mais atual do que nunca, faz-se relevante elucidar sua utilização na
seara jurídica do direito sucessório.
Nesse sentido, o presente estudo, de forma reflexiva, por meio de uma
abordagem qualitativa, tem o objetivo de analisar as vantagens e os principais
aspectos referentes ao registro, aos custos e tributação, aos limites legais, e aos
efeitos de proteção patrimonial da holding familiar, bem como apresentar uma
sintética comparação com outros institutos utilizados como mecanismos de
planejamento sucessório (testamento, doação e seguro de vida por morte).
A parte inicial do artigo realiza uma breve exposição a respeito do di-
reito das sucessões e sobre o planejamento sucessório, ponto de partida para
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a holding familiar. Também apresenta os desdobramentos temáticos sobre a


transmissão de patrimônio, os fundamentos e a função da sucessão, a auto-
nomia privada, além de nuances sobre o processo de inventário. Ainda na
primeira seção, se encontra uma breve descrição de ferramentas utilizadas
para planejar a sucessão.
Em seguida, conceitua-se a holding e seus tipos. Por se tratar de uma
sociedade, foram apresentadas as classificações societárias quanto à natureza
jurídica e quanto à forma, além de uma abordagem suscinta sobre a consti-
tuição de uma holding e sobre a integralização do patrimônio. A segunda seção
da pesquisa versa ainda sobre o objetivo da holding patrimonial familiar, bem
como destaca as condições restritivas determinantes para a formação de uma
holding voltada para o planejamento sucessório.
O segmento conclusivo deste trabalho traz as características da holding
patrimonial familiar relativas ao registro da pessoa jurídica, aos custos e im-
postos relacionados, aos efeitos protetivos e de perpetuação do patrimônio
consequentes do planejamento mediante holding, e aos limites advindos da
lei que atuam como controle, a fim de equilibrar a autonomia privada e a
garantia de direitos.

2 Breves Considerações sobre o Direito das Sucessões e sobre o


Planejamento Sucessório
Nos mais diversos modelos de famílias na atualidade, a prática de arqui-
tetar a perpetuação do patrimônio construído vem se tornando cada vez mais
evidente e recomendada. Nessa conjuntura, analisar o planejamento sucessório
e explorar opções válidas de ferramentas, especialmente a holding familiar,
envolve a inerente conexão entre diferentes fenômenos jurídicos e ramos
do Direito, como sucessório, de família, societário, imobiliário e tributário.
O Direito das Sucessões é norteado por fundamentos e princípios.
Gonçalves (2019, p. 20-21) apoiado por Eduardo de Oliveira Leite, argumenta
que o fundamento do Direito das Sucessões se encontra na continuidade da
vida humana, por suas gerações, “porque o homem desaparece, mas os bens
continuam; porque grande parte das relações humanas transmigra para a vida
dos que sobrevivem, dando continuidade, via relação sucessória, no direito
dos herdeiros”.
Em concordância, Tavares (2020, p. 15) afirma que os pilares do Direito
Sucessório são a família e a propriedade, e que ambos os fundamentos vêm
passando por importantes transformações como o estabelecimento de famílias
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modernas e o anseio de preservar bens de valor imaterial inatingível como


os direitos autorais, a marca, a imagem e o material genético, por exemplo.
Dos fundamentos que justificam o Direito Sucessório, em especial estão
a função social e a autonomia privada, baseados nos mesmos princípios do
direito da propriedade individual. Referente à função social, Farias e Rosen-
vald (2019, p. 55) explicam que por proporcionar estabilidade ao direito de
propriedade privada, o Direito Sucessório possui a significativa função social
de conservar o patrimônio e os negócios de um ente visando ao amparo da
família após seu falecimento.
O Direito das Sucessões encontra-se sistematizado no Código Civil
(Livro V) estabelecendo as regras gerais, as espécies de sucessão, além de regras
procedimentais. Duas formas de sucessão são reguladas na Lei: a legítima e
a testamentária.
Em linhas gerais, com a morte abre-se a sucessão e a herança se trans-
mite aos herdeiros legítimos e testamentários (art. 1.784 do Código Civil),
segundo Mamede e Mamede (2023, p. 142), a diferença nas duas formas de
sucessão está na determinação legal, pois, para os legítimos dá-se por força de
lei, já para os testamentários faz-se por disposição de última vontade.
A sucessão legítima ocorre na ocasião da transmissão da herança e
deve respeitar o rol de herdeiros legítimos previsto no art. 1.829 do Código
Civil, ou seja, a lei fixa a ordem de vocação hereditária a ser seguida. “Por sua
vez, a sucessão testamentária normatiza a transmissão hereditária baseada na
vontade do falecido, manifestada em vida, por meio de um negócio jurídico,
o chamado testamento” (Farias; Rosenvald, 2019, p. 58).
Diante disso, em regra, por se tratar de um fenômeno jurídico automá-
tico e considerando as regras do Código Civil, a sucessão ordinária deveria ser
um processo pacífico apesar de burocrático e oneroso, no entanto, a divisão dos
bens entre os herdeiros acaba resultando em litígios que se estendem durante
anos gerando muitas vezes consequências estruturais, financeiras e emocionais
negativas. De fato, em muitos cenários familiares os direitos hereditários vêm
acompanhados de disputas motivando dentre outras contrariedades, conflitos
de interesses, despesas, desgastes ou ruptura nas relações afetivas, depreciação
do patrimônio, guerras judiciais intermináveis, e falência no caso de existência
de empresa na herança transmitida.
No processo de sucessão tradicional, o maior embate quase sempre se
refere à partilha dos bens, devido à discordância entre os sucessores quanto à
divisão do espólio, que só poderá ser transferido para a titularidade dos her-
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deiros com a homologação do trânsito em julgado da partilha, concretizando


os trâmites sucessórios.
Destarte, “se o homem desaparece, mas os bens continuam” (Leite,
2003), o sensato seria considerar que a continuidade dos bens deveria acon-
tecer da maneira que o titular eleger ser ideal. Planejar em vida é um recurso
possível e recomendável para que o processo de sucessão familiar não derive
imbróglios burocráticos e confrontos que culminam, em muitos casos, numa
ruptura doméstica por vezes, irreversível.
Todavia, existe um tabu em abordar o assunto da morte de familiar e seus
efeitos, tal qual destaca Hironaka (2012, p. 263-264). No Brasil, ainda prevalece
o mito de que falar sobre a provável morte de alguém próximo pode atraí-la,
e para não provocar má sorte o assunto é sempre adiado ao ponto de nunca
ser debatido, e “quando a morte chega nada foi combinado” (Frattari, 2023,
p. 80). Esse fenômeno, somado ao aspecto da falta de cultura de planejamento
sucessório no Brasil, relegam a sucessão e a partilha de bens a processos de
inventários majoritariamente judiciais, uma vez que, um dos requisitos para o
inventário ser feito extrajudicialmente (em cartório) é a existência de acordo
entre todos os sucessores, o que na prática não é a realidade de muitas famílias.
Embora esses dois fatores sociais – tabu e cultura – sejam evidentes,
existem possibilidades de a sucessão acontecer além do não planejamento
(inventário e partilha pós-morte), sendo definido ainda em vida, como pro-
vidência preventiva, qual será a destinação dos bens em questão. Em outras
palavras, é concebível organizar de forma planejada a sucessão familiar, inclu-
sive dispor da transmissão do patrimônio, e até mesmo da sua administração.
Com relação ao assunto, Blicharski (2015, p. 14) afirma que, o planeja-
mento sucessório viabiliza aos envolvidos, entre outros aspectos, a transmissão
dos bens conforme a vontade do titular e possibilita que os herdeiros mais
rapidamente passem a ter controle sobre o patrimônio, devido às chances de
simplificação ou eliminação do processo de inventário.
Hironaka e Tartuce (2019, p. 2) consideram o planejamento sucessório
o complexo de atos e negócios jurídicos efetuados por pessoas que mantêm
entre si vínculo jurídico familiar ou sucessório, com o objetivo de arquitetar
a divisão do patrimônio de alguém, prevenindo conflitos e buscando efetivar
a última vontade da pessoa titular de determinados bens.
A autonomia privada é um dos princípios mais relevantes no direito
contratual, e deverá ser respeitada na ocasião da eleição do método de plane-
jamento sucessório a ser empregado; isso, porque disporá de maneira livre e
consciente quanto aos bens, desde que não antagonize a licitude e a moralidade.
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Nesse sentido, o planejamento sucessório é um exemplo prático de


manifestação da autonomia privada. Como destaca Dias (2015, p. 394), o
surgimento do planejamento sucessório se deu exatamente na busca por
alternativas que garantissem a sequência do legado familiar por meio da
transferência do patrimônio, organizada conforme a autonomia privada do
sucedido para resguardar os sucessores de disputas entre si.
De toda sorte, existem múltiplas ferramentas e formas de organização
para o planejamento da transmissão do patrimônio, logo, é imprescindível
destacar que essas operações de delineamento sucessório demandam cuidados
legais, pois acarretam reflexos jurídicos. O êxito do planejamento está direta-
mente ligado ao exame pormenorizado dos fatores elementares que envolvem
o patrimônio e a sucessão.
Farias e Rosenvald destacam a importância da avaliação preliminar da
conjuntura da família e listam alguns pontos que devem ser considerados na
análise, como “a quantidade de bens imóveis do titular, a existência ou não de
ativos financeiros, o regime de bens do casamento do titular e dos herdeiros,
a extensão e a tipificação dos negócios da família, etc.” (2019, p. 90).
A fim de contextualizar a sucessão planejada, bem como os mecanis-
mos de transmissão em vida, cabe discorrer brevemente sobre o inventário
na transmissão causa mortis.
Gonçalves (2019, p. 61) evidencia que o inventário é um arrolamento
de tudo o que o titular deixou com o seu falecimento, e que será partilhado
entre os herdeiros. A relação da composição da herança é completa incluin-
do, além dos bens e créditos, as dívidas que possuía e serão descontadas do
espólio antes da partilha.
Convém frisar que o possível efeito do planejamento sucessório para
eliminação do processo de inventário só é possível quando o falecido não
deixa nenhum bem ou direito, assim como nenhuma dívida. Isso significa
que, mesmo se efetivado o planejamento sucessório com a transmissão do
patrimônio antes da morte, se o de cujus deixou credores, é prudente que os
herdeiros façam um inventário negativo com a finalidade de gerar uma decla-
ração judicial, ou escritura pública quando por via extrajudicial (cartório), que
comprove a inexistência de bens, uma vez que, os herdeiros apenas sucedem
o falecido nas obrigações até os limites da herança.
Considerando que a responsabilidade pelas dívidas é do espólio (art.
796 do CPC/2015), nas situações em que não existe patrimônio no nome do
falecido para inventariar e partilhar, inexiste, por conseguinte, a obrigação dos
herdeiros de quitar os credores.
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Em relação aos ônus pertencentes ao procedimento de inventário, de


responsabilidade do herdeiro ou legatário, pode-se destacar alguns pontos ne-
gativos como a incidência do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis
e Doação) cuja alíquota é definida por cada Estado da Federação, chegando
até 8% (oito por cento)1, podendo, também, ser adotada a progressividade em
função da quota da herança de cada receptor sobre o valor de mercado do
bem (base de cálculo) atribuído na avaliação judicial ou declarado pelo inven-
tariante dos bens transmitidos. Despesa somada ainda às custas processuais
ou a emolumentos calculados por tabela específica dos cartórios notários e
registradores cartorários, conforme o tipo de inventário escolhido, judicial ou
extrajudicial, respectivamente, resultando em gastos elevados, além da mo-
rosidade que acaba travando alguns direitos dos herdeiros relativos aos bens.
Avançando com os mecanismos de planejamento sucessório tem-se o
testamento como o meio mais tradicional, também conhecido como instru-
mento de disposição de última vontade da pessoa. Realizado em Tabelionato
de Notas, o registro do testamento é ato personalíssimo e, de acordo com
Mamede e Mamede (2023, p. 142-143), o instrumento compreende confi-
gurações legais que encontram baliza no Código Civil. O art. 1.789 garante a
legítima para os herdeiros necessários, observando-se a ordem de sucessão, ou
seja, o poder de testar alcança apenas 50% (cinquenta por cento) da herança.
Além disso, é imperioso lembrar sobre os direitos do cônjuge como
herdeiro necessário em relação à parte dos bens, a depender do regime do
casamento. Correspondente à sequência de chamamento, o art. 1.829 do
Código Civil ordena primeiro os descendentes, concorrendo com o cônju-
ge; depois vem os ascendentes, também em concorrência com o cônjuge;
em seguida, o cônjuge sobrevivente; e por último os colaterais (irmãos, tios,
sobrinhos, primos).
Dessa forma, Mamede e Mamede (2023, p. 143) reiteram que, em-
bora exista determinação legal da legítima (inclusive podendo ser definida
pelo próprio testador), a diretriz não representa o afastamento da liberdade
de indicação dos bens que irão integrar o quinhão de cada herdeiro, mesmo
que acarrete desigualdade na divisão, porquanto não se admite oposição ao
disposto por testamento. Outrossim, a inobservância da legítima ou o excesso
da manifestação autônoma de vontade não invalidam o testamento de maneira
a motivar anulação, entretanto, nos termos do art. 1.967 do Código Civil,
suscitam a adequação testamentária – em parte – até atingir a fração disponível.

1 Alíquota máxima estabelecida pelo Senado Federal por meio da Resolução nº 9/92.
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O fato de o testamento ser o instrumento de partilha de bens dotado


de disposição de última vontade atualmente mais comum, não significa que
seja um procedimento habitual nas famílias brasileiras. Bannura (2017, p. 2)
destaca fatores que contribuem para a não utilização do testamento de forma
corriqueira, sendo o custo uma das principais razões. O valor do registro do
testamento público (tipo mais seguro) em tabelionato varia de estado para
estado, contudo, é relativo considerar o custo como uma barreira diante do
valor qualitativo dos efeitos produzidos.
O testamento facilita o inventário visto que, respeitando-se a vonta-
de do autor, de acordo com os limites da lei, eventuais desavenças entre os
herdeiros não influenciarão diretamente na partilha já definida pelo testador,
entretanto, o documento não dispensa o inventário, pois é necessário arrolar
dívidas a serem quitadas, muito menos isenta o pagamento de impostos como
o ITCMD.
Ultimamente, é possível identificar um produto que possui como objeto
primário o pagamento de indenização caso algum dos eventos previstos na
apólice contratada aconteça. Não obstante, o que interessa à seara sucessória
é o fim secundário do instrumento securitário: o seguro de vida por morte.
Que, segundo Albergaria Neto e Resende (2021, p. 7), pode parecer, à primei-
ra vista, uma espécie simples de proteção financeira, alheia ao planejamento
sucessório patrimonial. Na prática, o seguro de vida atua:

“Como elemento coadjuvante e complementar dentro do planejamento,


capaz de garantir a segurança financeira aos beneficiários do contratante
em momento de instabilidade causada pelo seu falecimento e fazer frente
aos gastos inesperados decorrentes da abertura de sucessão e dos proce-
dimentos necessários à efetivação da sucessão patrimonial.” (Albergaria
Neto; Resende, 2021, p. 1)

Isso significa que o planejamento sucessório via seguro de vida por


morte não diz respeito ao contrato propriamente celebrado, e sim à proteção
em forma de reserva de segurança que o prêmio da apólice propicia à família
durante a difícil situação de luto e o burocrático processo de inventário e par-
tilha. À luz do art. 794 do Código Civil é oportuno ressaltar que o prêmio do
seguro não comporá a herança e não fará parte do inventário, portanto, possui
a vantagem de não ser afetado por dívidas existentes do segurado, tampouco
pela incidência de impostos como ITCMD e IR.
Nada obstante, como na contratação de qualquer espécie securitária,
o seguro de vida e o direito à proteção derivado dele se concretizam através
de pagamento de valores que variam de acordo com a seguradora e com o
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montante do seguro, podendo ser efetuado pelo segurado de uma só vez ou


mensalmente. Tal mecanismo também não dispensa o inventário, que deverá
ser realizado para dispor sobre bens e dívidas do falecido.
Por fim, a doação (negócio jurídico de natureza especial) vem a ser um
instrumento para a voluntária transmissão de bens em vida, com a disposição
de favorecer o receptor (donatário), que terá seu patrimônio acrescido pelos
bens doados. É uma transmissão de bens a título gratuito, formalizada me-
diante escritura pública ou instrumento particular, com o consenso ou aceite
de quem vai receber. Segundo Gonçalves (2019, p. 281), a doação é exceção
ao art. 426 do Código Civil, que obsta a partilha de herança em vida. Para
mais, é requisito da doação a autorização do cônjuge, salvo se o regime de
casamento for separação absoluta.
Apenas o doador tem obrigações no contrato de doação, visto que é
obrigado a transferir a propriedade do bem ao donatário sem que este possua
obrigação de contraprestação, portanto, trata-se de um ato unilateral. No en-
tanto, se porventura o doador se arrepender da doação, não é possível alterá-la
ou revertê-la, exceto se presentes uma das hipóteses elencadas no art. 555
do Código Civil, ingratidão do donatário ou inexecução do encargo. Além
dessas duas causas de revogação, a lei civilista traz também as possibilidades
de nulidade e de invalidação da doação. Diferentemente do testamento que
somente passa a produzir efeitos depois do falecimento do autor, a doação
produz efeitos instantaneamente.
Conhecida como doação inoficiosa, o ato que extrapola a fração relativa à
legítima dos herdeiros não é permitido. Além do mais, em obediência à reserva
sucessória que assegura metade do patrimônio aos herdeiros necessários, e à
garantia de renda que proporcione subsistência ao doador, não é permitida a
doção universal de seus bens, pois pode ocasionar situação de vulnerabilidade.
Não obstante, segundo Frattari (2023, p. 64-65), o contrato legalmente
válido pode ser feito com gravação de usufruto como precaução econômica,
podendo o doador usufruir dos bens como nu-proprietário. Somente com
a morte do doador a doação com reserva de usufruto vem a ser concretizada
de fato.
Recaem custos na doação com: “(a) Imposto de Transmissão Causa
Mortis e Doação (ITCDM), cuja alíquota varia de 2% (dois por cento) a 8%
(oito por cento), de acordo com o Estado e (b) despesas/emolumentos da
escritura e registro em Cartório” (Mendes, 2022, p.42). O ITCMD incidirá
sobre o valor de mercado do bem imóvel ou móvel, inclusive título, crédito
ou direito e deverá ser pago pelo donatário antes da lavratura do contrato.
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Mendes (2022, p. 42) esclarece que os bens em nome do autor não


precisam ser transmitidos aos herdeiros todos de uma vez, a transmissão
pode ser feita aos poucos, de forma gradativa, sendo possível programar e se
preparar para o pagamento dos impostos e demais custos.
No caso de empresas, além do acervo material, propriedades, posses,
quotas ou ações, há a atenção com a continuidade do negócio e sua admi-
nistração.
Alguns autores defendem que existem duas categorias de processo de
sucessão nas entidades familiares, quais sejam a sucessão familiar e a sucessão
profissional. Esta se trata da gestão do negócio, o que pode comprometer
diretamente a continuidade da empresa. Assim, a sucessão passa a se referir,
além de herança, a planejamento de gestão da atividade econômica.
A respeito da questão, Mamede e Mamede (2023, p. 138) afirmam que
empresas frequentemente ficam à mercê de infortúnios por ignorarem a ine-
vitabilidade da sucessão e acabam se deparando com a substituição repentina
do titular, muitas vezes por sucessores despreparados para tocar o negócio.
Dias (2015, p. 394) orienta que o planejamento sucessório deve ter
como guia não somente os limites estabelecidos na legislação, mas também
ter presente princípios morais e éticos, para afastar intenções e condutas de
má-fé. Dito isso, é importante asseverar que planificar a transmissão de pa-
trimônio exige conhecimento e cautela, isso inclui trabalho fundamentado e
disposição transparente. Portanto, identificar o objetivo do detentor e con-
duzir para uma sucessão delineada eficaz e legítima difere de ações passíveis
de anulações, ou voltadas para a prática dolosa, simulações e fraudes, o que
leva a caracterizar crime.
Nesse contexto, a respeito dos mecanismos positivos de sucessão pre-
meditada, Mamede e Mamede (2023, p. 8-9) alertam sobre os riscos decor-
rentes de decisões incorretas inseridas no planejamento sucessório realizado
sem uma base jurídica, o que pode levar à falha no resultado esperado e até
mesmo ao fracasso da operação de sucessão.
Não obstante, um planejamento que porta intenção genuína de aten-
dimento à autonomia privada, para a proteção patrimonial, bem como para a
introdução e aperfeiçoamento dos herdeiros à administração do patrimônio
conquistado, e assim dar continuidade ao legado do benfeitor, faz-se oportuno
para determinados núcleos familiares.
Até aqui, enfatizou-se dois valores essenciais que contornam o plane-
jamento sucessório dotado de função social: respeito à propriedade privada
individual, e garantia da autonomia privada. Adiante, serão apresentadas as
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particularidades da holding como ferramenta de planejamento sucessório pe-


rante os demais mecanismos.

3 Holding Familiar: Aspectos Conceituais e sua Adoção no Âmbito


do Planejamento Sucessório
A holding como empresa societária teve origem nos Estados Unidos
quando foi regulada a participação de sociedades no capital de outras empre-
sas, e recebeu esse nome por efeito do termo to hold, que significa segurar,
deter, sustentar, controlar. Para Mamede e Mamede (2023, p. 23), a expressão
holding serve para denominar pessoas jurídicas que atuam como titulares de
bens e direitos, como bens imóveis, bens móveis, participações societárias,
propriedade industrial, investimentos financeiros, dentre outros.
Segundo Frattari (2023, p. 71), no Brasil, a formação das empresas
holding teve como base de sustentação a Lei das Sociedades por Ações (Lei nº
6.404/76), que estabeleceu em seu art. 2º, § 3º, que a empresa pode ter por
objeto participar de outras empresas.
Como uma sociedade, a holding se enquadra na divisão estabelecida
no art. 982 do Código Civil: sociedades empresárias e sociedades simples.
Aquelas têm por objeto o exercício de atividade empresarial com fins lucra-
tivos própria de empresário sujeitas a registro2 nas Juntas Comerciais; essas
objetivam desenvolver atividade de natureza econômica não empresarial e são
registradas nos Cartórios de Registro de Pessoas Jurídicas.
No que tange à natureza jurídica, Montini (2021, p. 13) assevera a
imprescindibilidade da personalidade jurídica em sociedade holding, sob a
forma de sociedade simples ou de sociedade empresária, uma vez que não
pode ser constituída em espécie societária despersonalizada, como a sociedade
em conta de participação.
Os aspectos práticos e jurídicos, além dos objetivos e necessidades
correspondentes ao patrimônio que justificam a constituição de uma hol-
ding devem ser observados para a determinação do tipo societário dentre os
previstos na legislação, mais adequado para cada caso concreto, levando em
consideração as características específicas, incluindo obrigações e vedações.
Porém, o tipo societário não define de modo absoluto o que a sociedade é.
Nesse sentido, para Mamede e Mamede (2023, p. 35), é possível contornar
a criação de uma sociedade, conforme o que cada tipo permite, utilizando

2 O art. 966 do Código Civil considera empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada
para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
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adequadamente e corretamente as diversas possibilidades legais de cláusulas


na elaboração do ato constitutivo, do acordo entre os sócios, ou de demais
instrumentos contratuais cabíveis.
Quanto às modalidades de holding, é possível identificar três: holding
pura, holding mista e holding patrimonial.
A holding pura é uma sociedade constituída com o objetivo exclusivo
de ser titular de quotas ou ações de outra ou outras sociedades, sem possuir
outra finalidade de natureza econômica, como classificam Mamede e Mamede
(2023, p. 28). Nessa espécie, os sócios participantes dividem os rendimentos
relativos aos direitos da sociedade. Pode ser pura de controle, ou pura de
participação. Para Borges (2020, p. 6), a primeira detém o controle societário
de uma ou mais sociedades; a segunda detém participações societárias, sem
ter o objetivo de controlar outras sociedades.
A holding mista detém participação societária expressiva em outra socie-
dade e é constituída para a realização de certa atividade produtiva.

“A holding mista tem como finalidade as mais variadas situações, incluindo


controle, administração, titularidade, ou gerência de bens, ações ou quotas,
como prevê também a exploração de atividade empresarial, de qualquer
tipo, mesmo que sejam atividades simples, que envolvam compra, venda e
aluguel de bens imóveis. Este modelo de organização previsto no estatuto
social prevê que a sociedade exerça, além da participação no capital social de
outra sociedade, a organização e circulação de bens de consumo e serviços,
em atitude, essencialmente, de empresa.” (Ferreira, 2017, p. 17)

O foco deste estudo, contudo, será voltado para a modalidade de holding


patrimonial, na classificação de Mamede e Mamede (2023, p. 28), é “uma
sociedade constituída para ser a proprietária de determinado patrimônio”. Em
outros termos, possui objetivo social de controlar e gerenciar o patrimônio de
determinada família, ou de uma pessoa física. Da perspectiva de planejamento
sucessório, a holding patrimonial pode ser constituída com o objetivo de ser
processada a antecipação da herança aos herdeiros.
Deveras, os termos sucessão, herança e transmissão de patrimônio
estão relacionados diretamente às relações jurídicas familiares, em função
disso, a holding patrimonial também pode ser chamada de familiar, como
uma contextualização específica (não uma espécie). Por conseguinte, a hol-
ding patrimonial familiar pode auxiliar e garantir a continuidade sucessória a
partir da concentração, organização e administração – total ou em parte – do
patrimônio dos membros de uma família.
Revista Brasileira de Direito Comercial Nº 55 – Out-Nov/2023 – Doutrina
98

Na teoria, e ordinariamente na prática, a constituição de uma sociedade


cujos bens são reunidos para que os sucessores administrem, como sócios,
o patrimônio comum acarreta a minimização de perdas por meio de gestão
eficiente, gerando resultados mais satisfatórios. Essencialmente, por ser con-
siderada ferramenta de planejamento sucessório, a holding deve ser constituída
pelo sucedido em vida, de forma que seja estruturada pelos bens integraliza-
dos, podendo até a administração societária ser transmitida de acordo com a
vocação dos sucessores (Farias; Rosenvald, 2019, p. 91-92).
Após a realização de uma análise da conjuntura familiar e seu patrimô-
nio, além do alinhamento entre anseios e projeções dos membros da família
e exposição dos aspectos técnicos, incluindo os desafios, deve-se constatar,
sempre atentando ao princípio da propriedade privada, qual o tipo de holding se
amolda ao caso concreto a fim de acarretar melhorias patrimoniais e gerenciais.
Pois bem, eleita a natureza jurídica que se atribuirá à sociedade, assim
como o respectivo tipo societário, estrutura-se o ato constitutivo guardando
um cuidado maior com a composição normativa da pessoa jurídica.
Segundo Montini (2021, p. 17), a partir da constituição da holding
familiar, os sócios passam a ser titulares da participação societária e dos ren-
dimentos decorrentes das cotas ou ações, derivadas do capital social formado
pela incorporação dos bens, além disso, o patrimônio (títulos e seus frutos)
poderá continuar sendo administrado pelo sucedido, ou por um terceiro,
especialista, consoante o que for estipulado no documento constitutivo.
Para Mamede e Mamede (2023), na constituição de uma holding familiar,
o capital social é formado por meio da transferência de parte, ou de todo o
acervo privado da família para a nova sociedade, então, os herdeiros passarão a
ser sócios titulares das quotas ou ações referentes ao patrimônio integralizado,
que passará a pertencer à pessoa jurídica.
A depender da pretensão sucessória, existe a hipótese de criação de uma
empresa holding integralizando os imóveis e os demais bens ao capital social,
com o objetivo apenas de administração do patrimônio da família. Ou, é possí-
vel a doação aos herdeiros das quotas (ou ações) da sociedade constituída, com
cláusulas de usufruto em prol do doador no ato constitutivo. No documento,
também é possível – e muitas vezes conveniente para a família – a adição de
cláusulas de incomunicabilidade, de impenhorabilidade, de inalienabilidade,
dentre outras condições.
Diante disso, de acordo com Mendes (2022), mesmo não sendo mais o
proprietário dos bens, o doador pode exercer o usufruto sobre a renda total, ou
em parte, de um único bem, assim como também pode usufruir das utilidades
HOLDING PATRIMONIAL FAMILIAR: ANÁLISE DOS PRINCIPAIS ASPECTOS
99

e frutos relativos de todo o patrimônio, pois com a reserva de usufruto passa


a ser possuidor e administrador dos frutos.
O usufruto é um instituto importante quando se fala em delineamento
do planejamento sucessório, pois na holding familiar, tal usufruto recairá sobre
as quotas ou ações. “A constituição do usufruto rege-se pelas regras gerais de
cessão de participação societária” (Mamede; Mamede, 2023, p. 193). Desses
dispositivos legais extraem-se algumas características do usufruto, tais quais,
possibilidade de praticar limitações lícitas no seu ato de constituição, a via-
bilidade (em regra) de distribuição de dividendos decorrentes de acessórios
dos bens, por exemplo, além das hipóteses de extinção do usufruto de quotas.
Mamede e Mamede (2023, p. 193-194) apontam diretrizes referentes
ao instituto do usufruto no ambiente societário:

“O usufruto será constituído por meio de instrumento público ou privado,


certo não haver forma prescrita ou defesa em lei. Nas sociedades por ações
o usufruto deverá ser averbado no livro de registro de ações nominativas,
caso não seja escritural, hipótese na qual a averbação será feita nos livros
da instituição financeira depositária, que o anotará no extrato da conta de
depósito fornecida ao acionista. Nas sociedades contratuais, não nos pa-
rece que a constituição do usufruto exija alteração contratual, já que não
interfere na composição societária. Ainda assim, é fato relevante para a vida
societária, razão pela qual deve ser devidamente cientificada aos demais
sócios, bem como averbada no Registro Mercantil da sociedade. (...) No
entanto, quando o usufruto seja constituído por meio de doação (cessão
gratuita das quotas ou ações), será indispensável a alteração do contrato
social, fazendo contar como sócio(s) o(s) donatário(s).”

Via de regra, no usufruto de quotas ou ações, o receptor (nu-titular)


possui a titularidade apenas da participação societária, enquanto o usufrutuário
se mantém possuidor das quotas ou ações, podendo usá-las em benefício da
sociedade, ter poder de voto, além de receber os dividendos ou lucros (frutos)
(Mamede; Mamede, 2023).
Ferreira (2017, p. 29) explica que ao transferir os bens mediante do-
ação, como parte do planejamento sucessório, antes do falecimento do su-
cedido é possível instituir usufruto em favor dos doadores. Desse modo, na
holding patrimonial familiar, a transferência de quotas ou ações – via doação
mediante cláusulas restritivas ou reserva de usufruto – é referente apenas à
nua propriedade dos títulos, pois os frutos e os demais direitos relacionados
às participações societárias são exercidos pelo usufrutuário (doador); isto é,
quem recebe a doação (donatário) não possui poder de administrar e controlar
a sociedade enquanto o doador tiver vida.
Revista Brasileira de Direito Comercial Nº 55 – Out-Nov/2023 – Doutrina
100

Embora tenham sentidos parecidos, a doação não se confunde com


cessão, uma vez que esta se refere à transferência de direitos, atribuindo ao seu
possuidor algumas das faculdades de proprietário. De acordo com Mamede
e Mamede (2023), as estruturas societárias possuem requisitos legais – que
devem receber redobrada atenção – sobre a disposição das regras relacionadas
à cessão de quotas no contrato social ou no estatuto social. A título de exem-
plo, as sociedades limitadas podem ser constituídas sem restrições à cessão de
quotas, ou com a necessidade da aprovação pela totalidade dos demais sócios,
desde que previsto no ato constitutivo, sob pena de se submeter à regra geral
prevista no art. 1.057 do CC/02.
Considerando a necessidade de evitar o ingresso de terceiros estranhos à
família na sociedade, Mendes (2022, p. 25) considera as cláusulas de restrições
indispensáveis na configuração de uma holding patrimonial, para que se atinja
o intuito de perpetuação do patrimônio da família.
Para Mamede e Mamede (2023, p. 149), as cláusulas restritivas (ou de
proteção) permitem aos genitores protegerem o patrimônio que será trans-
ferido aos herdeiros. Um modo de proteção seria o emprego da cláusula de
inalienabilidade no momento de gravar os títulos, implicando impenhorabi-
lidade e incomunicabilidade se imposta aos bens por ato de liberalidade (art.
1.911 do Código Civil). Entretanto, com relação a essas cláusulas restritivas
existe um limite ao poder de disposição de última vontade: sempre se deve
honrar a legítima.
Não obstante, as restrições possuem características atinentes às suas
funções no contrato a serem observadas para a utilização com segurança em
cada caso. Quando há cláusula de incomunicabilidade, o bem recebido em
doação, herança ou legado não irá se comunicar (transferir) por ocasião do
casamento dos herdeiros. Isso significa que na hipótese de divórcio, os bens
gravados com incomunicabilidade não integrarão a meação. No entanto, a
incomunicabilidade dos bens relacionados não se estende aos frutos percebi-
dos durante o casamento, sendo, portanto, comuns ao casal. Nesse sentido,
Frattari (2023) traz como exemplo de incomunicabilidade, o impedimento
da exigência, por parte do ex-cônjuge, em receber parcela dos bens, no caso
de sociedades contratuais, dependendo do regime do casamento.
A aplicação da impenhorabilidade significa que o bem não poderá ser
penhorado para sanar dívidas de qualquer natureza dos herdeiros, inibindo
a entrada de terceiros. Porém, mais uma vez a restrição não se estende aos
frutos, admite a penhora de frutos e rendimentos de bens impenhoráveis, se
não houver outros passíveis de penhora, exceto se destinados à satisfação de
prestação alimentícia.
HOLDING PATRIMONIAL FAMILIAR: ANÁLISE DOS PRINCIPAIS ASPECTOS
101

As cláusulas de inalienabilidade, por sua vez, devem constar no ato


constitutivo, com isso, os herdeiros ficam impedidos alienar (vender, doar
ou dar) suas quotas como pagamento. A inalienabilidade, necessariamente,
inclui a incomunicabilidade e a impenhorabilidade, contudo, é possível gravar
a incomunicabilidade e a impenhorabilidade de forma autônoma (STJ, REsp
1.155.547).
Destarte, a partir do equilíbrio entre a tutela e a limitação da autonomia
privada a constituição de holding familiar abrange uma das funções das empre-
sas holdings, e, portanto, pode ser usada como uma estratégia de planejamento
sucessório, observando em todas as situações, as propriedades específicas e
possibilidades de restrições da ferramenta diante de outras alternativas.

4 Elementos Específicos da Holding Patrimonial Familiar


Nesta seção, serão apresentadas as propriedades da holding familiar sob
o enfoque de fatores específicos como registro, custos e tributos, proteção
patrimonial, limitações legais, além de uma breve comparação do mecanismo
societário com outras ferramentas aptas de serem utilizadas na organização
sucessória.
Feita a análise jurídico-patrimonial da família, e finalmente decidida
qual será a forma societária da holding familiar, o registro deve ser formalizado
no órgão competente, assegurando a sua regularidade e garantindo a validade
de sua existência. O local de inscrição da pessoa jurídica vai depender da sua
natureza. Em geral, quando se trata de sociedade simples, aquelas que não
exercem atividade própria de empresário, o Cartório de Registro Civil de
Pessoas Jurídicas é o encarregado de registrar o ato constitutivo (contrato
social) correspondente, bem como alterações subsequentes.
Já as sociedades que têm por objeto o exercício de atividade própria
de empresário, que visem lucro, as sociedades empresárias, devem efetuar o
registro de seu ato constitutivo na Junta Comercial.
Segundo Frattari (2023), após a criação do CNPJ, para que o titular dos
bens possa gozar da isenção de recolhimento de ITBI3 na transmissão de bens
imóveis a título de incorporação ao patrimônio da sociedade em realização de
capital social, uma guia de isenção ou recolhimento do ITBI deve ser apresen-
tada no Cartório de Registro de Imóveis para realizar a averbação das matrí-
culas dos imóveis no documento constitutivo, concretizando a transmissão da
titularidade desses bens para a holding. Todavia, para sociedades que possuem

3 Isenção garantida pelo art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal e pelo art. 36 do Código Tributário Nacional (CTN).
Revista Brasileira de Direito Comercial Nº 55 – Out-Nov/2023 – Doutrina
102

atividade preponderantemente imobiliária, (negócios de compra e venda, de


locação, ou arrendamento mercantil), não há a isenção de ITBI mencionada.
Os mecanismos hoje existentes para a constituição, registro, e formação
do capital social de uma holding familiar possibilitam certa celeridade para essa
ferramenta de planejamento sucessório, o que representa uma vantagem se
comparado com o sistema de sucessão ordinário, através do inventário.
Mesmo as holdings que não têm movimento financeiro, constituídas
com a finalidade exclusiva de acomodar o patrimônio, ou que tenham volume
pequeno de patrimônio, possuem o dever de manter um sistema de contabi-
lidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros,
em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente
o balanço patrimonial e o de resultado econômico, realizados de acordo com
os requisitos legais referentes ao conteúdo e à forma da escrituração.
Segundo Mamede e Mamede (2023), as escriturações contábeis e do-
cumentos anexos devem ser conservados em guarda, uma vez que transpõem
a realidade socioeconômica da sociedade, podendo ser usados em diversas
situações como provas, quando necessário.
Alguns tipos de sociedade possuem suas particularidades, em detri-
mento de outras, quanto às obrigações contábeis. Na sociedade limitada, por
exemplo, as exigências são mais simplificadas do que nas sociedades anônimas,
e, por conseguinte, os gastos com o sistema contábil serão menores (Frattari,
2023). Nesse diapasão, os custos com a manutenção da holding representa
mais um fator a ser levado em conta na análise do tipo societário para o pla-
nejamento sucessório.
Ultrapassada a conceituação, na primeira seção, da figura do inventário
e dos instrumentos alternativos utilizados como método de planejamento
sucessório, importa confrontá-los com a holding familiar e extrair as vantagens
que a estrutura societária ostenta, comparativamente.
A celeridade é um relevante atributo que destaca a formação de uma
holding familiar diante das situações em que a partilha dos bens não foi anteci-
pada ou definida em vida pelo sucedido, implicando em processo de inventário
moroso carregado pelos herdeiros por anos, ao passo que, em contrapartida,
a criação de uma sociedade pode levar poucos dias.
Nesse contexto, é de grande valia ressaltar comparação publicada:

“A aplicabilidade das holdings então no plano fático é basicamente dos patriar-


cas da família funcionarem como gestores decidindo coisa que antes seriam
decididas judicialmente por um Juiz ou Tabelião. Por meio do estatuto então
HOLDING PATRIMONIAL FAMILIAR: ANÁLISE DOS PRINCIPAIS ASPECTOS
103

seria possível dentro do direito sucessório, a indicação dos herdeiros, seus


respectivos quinhões, e a redução ao máximo de litígios e despesas que são
causadas por um inventário.” (Cardoso; Santos, 2022, p. 13)

A sucessão testamentária representa planos para a herança após a


morte, em oposição à holding familiar, que ainda em vida o sucedido poderá
promover uma participação dos sucessores (com usufruto ou não) na gestão
do patrimônio, através da disposição de atribuições práticas e da organização
igualitária (se interessante) dos sócios herdeiros (Mamede; Mamede, 2023).
Sobre o seguro de vida por morte, vale a constatação de que o instru-
mento contratual se refere a uma técnica garantidora de uma indenização para
a preservação dos beneficiários (família) após o falecimento do segurado. Não
pode ser considerado um substituto da holding familiar, que é um mecanismo
de transmissão do patrimônio, idealizado e planejado em vida pelo sucedido
com envolvimento dos sucessores.
Igual óbice verifica-se em relação à doação, se o titular objetiva algo
além da divisão dos bens, ou se desenvolve atividade empresarial e projeta dar
sequência à administração, o contrato de doação não seria a ferramenta mais
razoável, mas, sim, a instituição de uma holding familiar.
No plano tributário, a holding patrimonial familiar possui benefícios,
mas não é isenta de pagamento de impostos, não está livre de qualquer risco de
credores, e não promove blindagem patrimonial. A holding familiar não pode
ser utilizada como mecanismo para a prática de ações e omissões fraudulentas
como alteração de valores escriturados, recolhimento de valores diferentes
dos reais, omissão de saldo positivo e de receitas. Outra conduta considerada
fraudulenta refere-se à formação de sociedade intencionando a salvaguarda
do patrimônio que for incorporado para simplesmente burlar as obrigações e
responsabilidades perante terceiros, tipificando fraude contra credores.
A propósito, este pressuposto equivocado de blindagem, se posto em
prática, em algum momento será rompido e acarretará prejuízos fiscais, além
de responsabilizações impostas por lei nas esferas cível e criminal.
Contudo, licitamente é admitido fazer planejamento tributário e fiscal
em busca da redução da alta carga tributária compreendida. A redução pode
ser feita aplicando-se algumas medidas como a elisão fiscal4, que é permitida,
pois resulta de lacunas existentes na própria lei (critério da legitimidade dos
meios) e visa diminuir os encargos tributários, diferentemente da evasão fiscal,

4 Ato de desviar ou escapar da legislação tributária.


Revista Brasileira de Direito Comercial Nº 55 – Out-Nov/2023 – Doutrina
104

artifício doloso que envolve atos fraudulentos ou simulados para esconder o


fato gerador de determinado imposto (Mendes, 2022).
Segundo Frattari (2023), em casos de empresas em que são identificadas
práticas de evasão fiscal cabe desconsideração da personalidade jurídica ou
requalificação do mesmo para fins tributários, como punição por infringir a
lei, sem falar nas consequências penais.
Quando constituída uma holding patrimonial familiar visando planeja-
mento sucessório, o cuidado com as obrigações fiscais deve ser redobrado para
não correr o risco de invalidação do negócio jurídico se comprovado algum
dolo contra o Fisco (Frattari, 2023).
Como mecanismo de planejamento tributário, a elisão fiscal é usada
como mecanismo para alcançar um impacto tributário reduzido, sendo
praticada antes da ocorrência da situação definida em lei como necessária e
suficiente para o surgimento da obrigação tributária (critério cronológico).
Isso, porque em qualquer perfil de planejamento sucessório lícito haverá
incidência de tributos.
No âmbito da sucessão patrimonial, o Imposto sobre Transmissão Causa
Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD merece destaque
na holding patrimonial. A incidência de tal imposto, de competência estadual,
surge no momento em que é feita a doação das quotas ou ações na formação
da sociedade, com aplicação da alíquota em vigor na data do negócio jurídico.
Montini (2021) destaca uma vantagem relacionada ao ITCMD, visto
que, na integralização do capital social da holding, os bens são declarados com
o valor de aquisição e não com o valor de mercado. Na prática, isso significa
que a base de cálculo do ITCMD da pessoa jurídica será menor do que se o
imposto fosse pago por pessoa física, num contrato de doação, por exemplo.
Além disso, existem hipóteses de incidência de IRPF (Imposto de
Renda de Pessoa Física) sobre a transmissão de bens ou direitos integralizados
à sociedade holding. O ganho de capital é a condição para a incidência desse
imposto de competência federal, desse modo, pode incidir se o valor impu-
tado ao bem no momento da transmissão superar ao do declarado, ou seja, o
imposto será pago sobre a diferença do valor histórico e o valor de mercado.
Reforçando, o IR pode incidir na transmissão (doação ou venda), conforme
assinala Mendes (2022), mas não incidirá na constituição da sociedade em si,
visto que, a integralização dos bens, ainda que feita pelo valor declarado, tem
a finalidade apenas de constituição da sociedade.
Importante pautar a vantagem relacionada ao IR: evita-se o pagamento
do Imposto de Renda sobre o ganho de capital quando a integralização dos
HOLDING PATRIMONIAL FAMILIAR: ANÁLISE DOS PRINCIPAIS ASPECTOS
105

bens ocorre nos valores declarados na Declaração de Imposto de Renda sobre


a Pessoa Física e não no valor de mercado; por outro lado, quando efetuada
com valor acima ao de mercado, incide IR sobre o ganho tributável.
Para mais, no Brasil, a transferência intervivos, a qualquer título (exceto
doação) de imóveis, por ato oneroso, é tributada através do ITBI (Imposto
Sobre a Transmissão de Bens Imóveis e direitos a ele relativos), com compe-
tência atribuída aos municípios. A este, sim, se pode outorgar a vantagem de
imunidade – em alguns casos –, mesmo que a transmissão dos imóveis a título
de capital social para constituição da holding possua a característica onerosa.
Nas transmissões de patrimônio imobiliário em decorrência de ope-
rações de fusão, cisão e incorporação o ITBI só incidirá em situações em
que a atividade predominante da holding seja imobiliária, isto é, para obter a
imunidade tributária, é necessária a comprovação da não preponderância na
holding das atividades de compra e venda de imóveis, assim como de locação
ou arrendamento mercantil (Tavares, 2020).
Outrossim, para fins de planejamento tributário, fora os impostos já
mencionados, não se pode desprezar a incidência de IRPJ (Imposto sobre a
Renda das Pessoas Jurídicas), aplicado sobre rendimentos de aluguéis e das
receitas financeiras. Assim, todas as empresas ativas com CNPJ (Cadastro Na-
cional de Pessoa Jurídica), e que tenham faturamento ou lucro devem pagar o
IRPJ de acordo com o regime tributário (base de cálculo) escolhido. Além das
contribuições para PIS/Cofins (Programa de Integração Social/ Contribuição
para o Financiamento da Seguridade Social) e CSLL (Contribuição Social
Sobre o Lucro Líquido), em observância à legislação brasileira.
Diante do exposto, nota-se que elencar a contenção tributária como
objetivo principal e maior vantagem da holding patrimonial familiar como
ferramenta sucessória, é desmitificada por Mamede e Mamede (2023), ao
afirmarem que nem sempre a holding familiar servirá efetivamente para eco-
nomizar tributos, podendo até aumentar as despesas fiscais em alguns casos.
Desse modo, para evitar imprevistos de ordem financeira, um ponto
muito importante na criação de uma holding familiar é o orçamento inicial
contendo a estimativa dos custos relacionados à abertura da empresa e à sua
atividade durante o processo de implantação, andamento e efetivação do pla-
nejamento sucessório. A análise dos efeitos da carga fiscal de uma atividade
societária deve preceder qualquer operação, somente depois de avaliado e
constatado algum benefício fiscal, deve-se optar por constituir a sociedade
empresária.
Revista Brasileira de Direito Comercial Nº 55 – Out-Nov/2023 – Doutrina
106

Dessa forma, conclui-se que todo planejamento, em especial o suces-


sório, possui uma variante analítico-preventiva, assim sendo, o planejamento
tributário em conjunto com o planejamento societário e o planejamento
patrimonial, formam o tripé da sucessão em vida por meio da formação de
holding familiar.
As reais vantagens da criação de holding familiar devem anteceder e
dissipar o propósito de burlar o Fisco e credores, sendo a principal delas a
sucessão em si, no sentido de continuidade, fluxo, legado, manutenção do
patrimônio. Sucessores preparados para uma boa condução dos bens e das
atividades operacionais, na condição de sócios ativos e conscientes, aptos para
tomada de decisões e para o exercício de funções administrativas, se for o caso,
prevenindo problemas financeiros, crises e até falência.
Quando a holding é constituída com a finalidade de administrar propria-
mente o patrimônio integralizado, tem a vantagem de não assumir grandes
obrigações em decorrência da mera atividade de administração dos bens e não
caracteriza fraude porque a própria legislação permite que o cidadão organize
seus bens da forma que melhor entender ser útil para a família (Frattari, 2023).
A autonomia patrimonial, como decorrência natural da estrutura so-
cietária, que diferencia os bens da pessoa física (sócios) dos bens da pessoa
jurídica (sociedade), é considerada uma vantagem, e uma espécie de proteção
dos bens que se pretende transmitir, caso um dos sucessores-sócios venha a
sofrer penhora por inadimplência, nesse caso, a holding não será atingida com
a entrada de terceiros.
No entanto, a autonomia patrimonial possui limites e não admite abuso
de direito, confusão patrimonial, desvio de finalidade e mau uso da pessoa
jurídica, podendo sofrer, nesses casos, desconsideração da personalidade
jurídica para que os efeitos de algumas obrigações sejam estendidos aos bens
particulares dos sócios (Ferreira, 2017).
De resto, a proteção contra terceiros não é absoluta, visto que existem
exceções à regra, dependendo de cada tipo societário. Nesse sentido, reitera-se
a importância do estudo minucioso referente ao cenário familiar e patrimonial
para concretizar o planejamento sucessório, e analisar a opção mais apropriada
dentre as possibilidades societárias disponíveis (sociedade limitada, sociedade
anônima, sociedade simples).
Apesar da versatilidade encontrada no universo societário, nenhum
negócio jurídico pode ser realizado sem uma avaliação adequada de suas fi-
nalidades, requisitos e pressupostos, nesse sentido que a autonomia privada
e patrimonial sofre restrições pelos limites estabelecidos no ordenamento.
HOLDING PATRIMONIAL FAMILIAR: ANÁLISE DOS PRINCIPAIS ASPECTOS
107

Ao se configurar como uma forma de antecipação sucessória, na criação


a holding familiar as regras da legítima devem ser observadas. O princípio da
ordem pública não permite desvio da legítima necessária, por se tratar de um
direito intangível, ou seja, intocável. Tavares (2020) evidencia que as holdings
familiares não estão dispensadas de tutelarem a legítima hereditária, logo, a
porção reservada aos herdeiros necessários é uma obrigatoriedade a ser cum-
prida em qualquer tipo de planejamento sucessório.
O direito de meação5 também encontra guarita nas limitações legais,
com o cunho de resguardar ao cônjuge a devida justiça social, evitando farsas
lesivas contra os companheiros dos titulares na criação da sociedade, verbi
gratia, omissão de patrimônio em desfavor do meeiro, com fito de lesar a
comunicabilidade dos bens.

“A fraude à meação contra cônjuge ou companheiro pode se dar de várias


formas, mas especifica-se as seguintes: (i) a retirada de um cônjuge da so-
ciedade da qual faz parte, às vésperas de um falecimento já esperado; (ii)
a transferência de bens particulares ou do casal para a sociedade, como de
veículos, escritórios, apartamentos; (iii) a transferência da participação so-
cietária a outro sócio, ou a um terceiro estranho, com o retorno aos outros
herdeiros após a divisão patrimonial; (iv) a alteração do estatuto social, com
a redução das quotas ou patrimônio da sociedade; (v) a redução do valor das
ações ou das quotas, para uma estimativa consideravelmente menor que a
dos bens levados à sociedade, quando da constituição ou do ingresso em seu
quadro; (vi) a extinção da sociedade através da dissolução parcial ou total,
seja judicialmente ou meramente de fato; (vii) a sonegação dos rendimentos,
através de omissões nos lançamentos contábeis, ou o aumento injustificado e
sem elementos comprovados de obrigações sociais.” (Frattari, 2023, p. 126)

Assim como a legítima, os direitos dos cônjuges surgem como limites


à disposição na sucessão planejada por intermédio da holding familiar, logo
demanda cautela durante a planificação e funcionamento da sociedade.
No que diz respeito à vedação legal aos pactos sucessórios, fundada na
proibição de estabelecer negócio que tenha por objeto herança de pessoa viva,
não se estende à criação da holding familiar. Para Frattari (2023), a ilicitude do
acordo, que tem como objeto do negócio a herança do titular dos bens tendo
como a outra parte os herdeiros ou legatários, é relacionada a um sentido social
e moral, na criação de expectativa carregada de interesse no patrimônio, por

5 É conveniente demonstrar a diferença entre herança e meação: o primeiro é instituto do Direito Sucessório e refere-se
ao conjunto de bens patrimoniais que serão herdados com o falecimento do titular; já a meação, regrada pelo Direito
de Família, é o instituto o qual o cônjuge (meeiro) tem o direito à metade dos bens comuns conquistados pelos dois
durante o casamento ou união, dependendo do regime de bens escolhido pelo casal. Além de não se confundirem,
também, a existência de um não exclui o direito sobre o outro.
Revista Brasileira de Direito Comercial Nº 55 – Out-Nov/2023 – Doutrina
108

parte dos herdeiros beneficiados com o pacto em torno da morte do detentor


dos bens. Porém, a doação intervivos não se enquadra nessa restrição porque
se trata de contrato unilateral realizado pelo titular do patrimônio de forma
individual e privativa, não necessitando de consentimento dos herdeiros, mas
tão somente de aceite.
Como visto, em termos de vantagens, o ponto focal da sucessão plane-
jada é a prevenção de conflitos entre os beneficiários da herança, ocasionados
pelo moroso e oneroso processo de inventário, carregado com o peso do
sentimento de luto, e pela divergência acerca da partilha dos bens. A holding
familiar vem cumprir o papel elementar de possibilitar um preparo jurídico
– não emocional – para a morte do ente, e com o amparo do fato de que os
bens estarão situados na composição da sociedade.
Ademais, evidencia-se o fundamento da autonomia privada, onde
paralelamente se respeita a vontade do sucedido com relação à propriedade
privada do patrimônio construído, desde que observados os limites legais.
Junto a isso, consequentemente com a substituição do processo comum
de inventário pelo planejamento, o Judiciário seria beneficiado como a re-
dução de demandas sucessórias. Esse fenômeno contribui para a uma maior
celeridade processual e uma prestação jurisdicional mais efetiva.
Partindo do contexto apresentado, Farias e Rosenvald (2019, p. 93)
concluem:
“Sem dúvida, portanto, uma cuidadosa e prévia organização da transmissão
patrimonial, levada a efeito quando o titular ainda está vivo, constitui uma
medida vantajosa para todos os interessados permitindo, uma transição de
patrimônio tranquila e pacífica, evitando litígios e economizando tempo,
custos e tributos, o que deve ser analisado pela família interessada com
relevância prática.”

A partir das reflexões apresentadas e do cotejo da holding familiar com


outros mecanismos de planejamento sucessório, restou evidenciada a im-
portância de realizar um diagnóstico patrimonial, econômico e relacional da
família e apresentar caminhos para identificação do método de planejamento
da sucessão que resulte exitoso e reflita a realidade familiar, e, sobretudo, a
autonomia privada do sucedido.

5 Considerações Finais
A partir deste estudo, foi possível concluir que o Direito das Sucessões
e o Direito Societário caminham juntos quando o tema é holding patrimonial
familiar como ferramenta do planejamento sucessório. Os elementos fun-
HOLDING PATRIMONIAL FAMILIAR: ANÁLISE DOS PRINCIPAIS ASPECTOS
109

damentais que fazem parte do conjunto da sucessão planejada são o direito à


propriedade privada, a autonomia de vontade, a proteção patrimonial, a função
social, os limites legais, o diagnóstico econômico-patrimonial da família, a
previsão de gastos, e o uso de ajustes restritivos.
As características fundamentais da holding familiar, bem como as obri-
gações resultantes de sua criação como meio de planejamento sucessório
devem ser cuidadosamente avaliadas pelo titular do patrimônio que pretende
transferir. Isso, porque não existe um modelo padrão de holding que pode ser
adotado por qualquer família. Cada caso tem suas especificidades, e precisa
passar por uma avaliação robusta da realidade patrimonial, econômica e re-
lacional da família para que se possa definir: a natureza jurídica da holding, o
tipo de sociedade, o regime tributário, a estrutura do ato constitutivo, a inte-
gralização dos bens para formação do capital social, as responsabilidades dos
sócios herdeiros, a administração do patrimônio, a manutenção da holding, as
obrigações contábeis, bem como o destino dos frutos.
A holding patrimonial familiar não deve, de forma alguma, ser instituída sob
desvio de finalidade de pessoa jurídica, com o objetivo de fraudar a obrigatorie-
dade legal da meação nem da legítima necessária, muito menos com a intenção
promover a denominada blindagem patrimonial. É possível alcançar licitamente
ao quadro mais adequado, ou até mesmo ideal para cada conjuntura familiar.
No campo das vantagens do instituto, a celeridade na transmissão dos
bens é apenas um dos produtos úteis da holding patrimonial familiar. A eco-
nomia tributária (em alguns casos), a proteção patrimonial, a prevenção de
litígios e a redução de demandas no Judiciário também devem ser destacadas.
Assim, há a presença significativa de vantagens na holding familiar, mas,
para alcançar tais benefícios, deve-se considerar os encargos fiscais além de
outros gastos, e a consciência de que se trata de uma pessoa jurídica que
possui regras empresariais e societárias, com deveres e vedações, além da
probabilidade de enfrentar desafios e de se sujeitas aos riscos inerentes a um
empreendimento de natureza econômica.
Dessa forma, para realizar uma sucessão favorável fundada na autonomia
privada e na função social da sucessão voltada para a preservação do patrimônio,
atentando para as especificidades de cada situação, a holding familiar se afigura
potencialmente eficiente.

TITLE: Family holding company: analysis of the main aspects for a planned succession.

ABSTRACT: The current ordinary Brazilian system of succession, carried out through the inventory, is
time-consuming, bureaucratic, expensive and a major cause of family conflicts. Thinking about the future
Revista Brasileira de Direito Comercial Nº 55 – Out-Nov/2023 – Doutrina
110

of the heirs and planning the destination of their assets is a right of the individual. Owners of assets of
various natures have sought the best option among the tools able to carry out the succession in a planned
way, so an evaluation of each case should be made involving several elements. Given this context, this article
aims, in a reflexive way, through a qualitative approach, to present what the family holding has to offer
as a succession planning mechanism, focusing on the patrimonial prism, in the face of other tools such
as will, donation and life insurance, and through the analysis of the main aspects related to registration,
taxes, asset protection and legal limits, in addition to the advantages of their use. For this, the authors of
bibliographic research make use of a literature review related to the theme.

KEYWORDS: Corporate Law. Family Holding. Succession Planning. Protections Patrimonial.

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Recebido em: 31.08.2023


Aprovado em: 06.10.2023

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