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EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUIÍZA DE DIREITO DA VARA ÚNICA DA

COMARCA DO RIO DE JANEIRO

Distribuição por dependência: 0021385-96.2018.8.13.8563

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por seus


Promotores de Justiça signatários, no uso de suas atribuições constitucionais e
legais, vem, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no art. 201, inciso
VIII e no art. 155, ambos da Lei 8.069/90, c/c art. 1.635, inciso V e art. 1.638, inciso
II, ambos do Código Civil, ajuizar a presente:

AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR, COM PEDIDO LIMINAR DE


SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR E GUARDA PROVISÓRIA.

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Em favor da criança, Ana Lauristerina, brasileira, filha do Sr. Osmário da
Cunha, e da Sra Fecundina Borges, respectivamente, ambos residentes e
domiciliados na Rua Sebastina Otoni, N 123, Bairro Disgrameira, Rio de Janeiro.
Em face de Fecundina Borges brasileira, desempregada, portadora do CPF n°
000.000.000-00 e de Osmario da Cunha, brasileiro, portador do CPF n°
000.000.000-00, ambos residentes e domiciliados na Rua Amazonas, n° 889, no
bairro São Geraldo, na cidade do Rio de Janeiro, conviventes em união estável;
pelas razões de fato e de direito que a seguir expõe:

1 - DOS FATOS
Os requeridos são genitores da menor, conforme mencionado.
Embora sejam seus responsáveis legais, nunca prestaram à devida assistência e
cuidado a filha.
De acordo com o boletim de ocorrência 000000000, registrado na data de 01 de
janeiro de 2022, a menor Ana Lauristerina, na madrugada, enquanto em sua casa
havia comemorações do passar do ano, por volta das 23:00 foi vítima de estupro.
No horário supracitado, o individuo que estava na festa que ocorria em sua
residência e de seus pais, sob extremo efeito de drogas, adentrou o quarto da
infante Ana Lauristerina, e iniciou a pratica do ato. Por volta das 23:20, o Sr.
Osmário da Cunha deslocou-se até o quarto, e também, sob efeito entorpecentes,
em comunhão de esforços com seu amigo, continuaram na pratica dos atos.
Transcorridos alguns minutos, a Genitora da infante, se deslocou até o quarto da
menor, para deitar-se, pois estava bêbeda e drogada, presencia as cenas de abuso
com sua filha e retorna para a sala,caindo em sono profundo perante o sofá.
Ao amanhecer, a senhora Maria Sebastiana Borges, como de costume, vai até a
casa dos genitores da menor para acordálos, porém vê que a cama onde Ana
Lauristerina se encontrava, estava com muitos resqícios de sangue e a menor
encontrava-se com alguns hematomas. Diante da cena, a avó paterna aciona a
políca de sua cidade, uma vez que eram recorrentes os maus tratos a menor.
Conforme boletim de ocorrência realizado, a menor foi vítima de estupro de
vulnerável, artigo 217 A CP.Releva notar os pais, Osmário da Cunha e Fecundina

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Borges não possuem condições de assumirem as responsabilidades que um menor
necessita e devido aos vários fatos relacionados a maus-tratos e negligencia serem
recorrentes, medidas precisam ser tomadas para que seja preservada a vida da
infante.
Diante dos crimes cometidos pelos genitores foi ajuizado na mesma data em que
foi registrado Boletim de Ocorrência, procedimento para aplicação de medidas de
proteção, autos n° 00000000, com base no ART. 101 INCISO IX e inciso V do ECA
em face dos avós paternos o Sr. Jacutincio e Sra. Maria, ficando emdiato com
aguarda provisóaria, como rege o art 33 do ECA (Estatuto da Criança e do
Adolescente)
Consta nos referidos autos, que, apesar das inúmeras intervenções do Conselho
Tutelar, CRAS, CREAS e do Ministério Público, CEDCA/RJ os genitores continuam
não aderindo às orientações propostas pela rede, afigurando-se nítida a negligência
por parte dos requeridos, as quais se eximem do seu dever de zelo, atenção e
cuidado.
Os relatórios confeccionados pelos órgãos assistenciais que
integram a rede de proteção (fls. 147, 151/152, 166, 180, 183, 184, 205, 208, 224)
dão contam de que os requeridos não aderem às propostas apresentadas e não
evoluem para sanar as condutas negligentes.
A falta de higiene com a moradia e com a criança é uma tônica familiar. O
cuidado com a higiene é tão precário que, em uma das visitas realizadas pelo
Conselho Tutelar, constatou-se que havia fezes dentro da moradia, que era
manipulada pela criança (fl. 147).
Além disso, os requeridos não dispensam à filha os cuidados devidos, como
alimentação e educação. Há relatos de que faltam a infante, alimentos básicos e que
os estabelecimentos de ensino recebem a criança suja sendo necessário dar-lhes
banho na escola.
Ademais, as atividades extraclasses são comprometidas, devido à ausência de
empenho por parte das demandadas (fls. 196/197).
Impende salientar que, os requeridos são viciados em entorpecentes, porém,
anteriormente já lhe foram propostos tratamento para que não haja abstinência,

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atendimentos médicos e psíquicos para tratar tal vício, junto aos órgãos
competentes, porém os demandados não compareceram, o que demonstra a falta
de interesse por parte deles de modificar a situação que ora se apresenta.
Em seus relatórios, o CREAS informa que há denúncia de que a
moradia dos referidos é utilizada como ponto de tráfico e prostituição, fato esse que
foi comunicado à Autoridade Policial (fls. 208/209).
Registre-se que, em 10/10/2021, realizou-se audiência, oportunidade em que
todos os requeridos foram advertidos (fl. 180). Todavia a dinâmica familiar não se
alterou. Todos os relatórios sociais indicam que, mesmo após as inúmeras
intervenções, não houve nenhuma mudança de comportamento por parte dos
requeridos, evidenciando o menosprezo e a omissão para com a filha.
No estudo social realizado, o núcleo familiar dos genitores a diligente Assistente
Social consignou:
No estudo social realizado, foi possível constatar que a situação narrada nos
relatórios persiste sem alterações.
A família reside em um ambiente extremamente insalubre e duvidoso, sem o
mínimo de organização e higiene, e demasiadamente inadequado para o bom
desenvolvimento de qualquer criança; também sem condições para comportar a
família.
Observa-se ainda que todo o acompanhamento realizado pelo Conselho Tutelar
local, bem como pela equipe das áreas Social e de Saúde da Prefeitura Municipal,
não surtiu o efeito esperado.
Diante de todo o exposto, e considerando a gravidade da atual situação, bem
como a necessidade de se retirar o quanto antes a criança deste ambiente insalubre,
perigoso e duvidoso há também da negligência de seus genitores, este Serviço
Social sugere a retirada da criança de sua família biológica e a colocação da mesma
na presença de seus avós paternos.

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No estudo social realizado ao núcleo familiar dos avós, a diligente Assistente
Social do estado do Ceará consignou:

No estudo social realizado, foi possível constatar que os avós paternos têm
condições de permanecer com a neta, ambos têm vínculos fortalecidos e tem
condições financeiras de arcar com os gastos da neta sendo eles aposentados. A
residência é localizada próxima à escola da criança, e já houve adaptação da
infante. A menor foi encaminhada para acompanhamento psicológico, e inserida no
serviço de convivência e fortalecimento de vínculos existente no município. A família
vem sendo acompanhada de forma integral pela rede, também foi realizado um
plano de ação para o núcleo familiar. Nota- se que a criança, devido permanecer na
residência dos avós por vários períodos de quando os genitores estavam sobre o
efeito de droga e álcool, já os reconhece como pais.

Destarte, diante dos fatos mencionados e da sugestão apresentada pela rede de


proteção, que a alguns meses acompanha os requeridos, alternativa não há senão o
ajuizamento da presente demanda, a fim de se resguardar os interesses da criança,
que se encontram em situação de extrema vulnerabilidade e risco, com os genitores,
em razão do comportamento dos requeridos. O genitor se encontra preso e a
genitora respondendo em liberdade.
Dessa maneira, está evidente que os requeridos incorreram na prática de
abandono material e afetivo da sua filha, e proteção como rege o Art. 98 do Estatuto
da Criança e Adolescente, devendo por isso ser destituídas do poder familiar. E
acriança permanecer com os avós paternos.

2 – DA LEGITIMIDADE

A legitimidade ativa do Parquet para o ajuizamento da presente ação é


expressamente reconhecida pelo art. 155 e art. 201, inciso III, ambos da Lei n°
8.069/90, além do art. 1.637 do Código Civil e do art. 129, inciso IX, da Constituição
Federal.

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3 – DO DIREITO

O art. 227 da Constituição Federal estabelece que é dever da família, do Estado


e da sociedade assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à educação, ao lazer, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-la a salvo de toda forma de
negligência, discriminação e crueldade.
Trata-se da expressa destituição do poder familiar denominada Doutrina da
Proteção Integral. Ainda fortalece o com o art 4º do ECA que preconiza os mesmos
direitos do art 227 da constituição.

No mesmo diapasão, o art. 1634 do Código Civil estabelece que compete aos
pais, no exercício do poder familiar, quanto à pessoa dos filhos menores, dirigir-lhes
a criação e educação, bem como tê-los em sua companhia e guarda.

A Lei nº 8.069/90, em seu art. 3º, também é clara ao dispor que:

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais


inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta
Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e
facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Insista-se, o Estatuto da Criança e do Adolescente possui como princípio


orientador a Proteção Integral, que é aquela que abrange todas as necessidades do
ser humano para o total desenvolvimento de sua personalidade.
Na hipótese vertente, verifica-se, facilmente, que os requeridos
não vêm cumprindo com a nobre missão outorgada pela Carta Magna e legislação
correlata, tendo em vista que seus filhos se encontram em visível situação de
abandono material, psicológico e afetivo.

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O artigo 22, da Lei n° 8.069/90, por sua vez, estabelece que “Aos pais incumbe
o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no
interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”.

Emana, ainda, do artigo 1.638 do Código Civil:

Perderá, por ato judicial, o poder familiar o pai ou mãe que:


[...]
II – Deixar o filho em abandono;
III– Praticar atos contrários à moral e aos bons costumes.
IV– Incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

Dessa forma, é incontroverso que as condutas dos requeridos se amoldam às


hipóteses acima descritas, motivo pelo qual compete ao Ministério Público o
ajuizamento da presente ação, com a finalidade de colocar as crianças a salvo de
qualquer violação a seus direitos fundamentais, possibilitando-as, por meio da
extinção do poder familiar, encontrarem uma verdadeira família que possa ofertar os
referenciais necessários para um sadio desenvolvimento.
Acerca do tema, é o entendimento dos Tribunais pátrios:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR -


COLOCAÇÃO DO MENOR EM FAMÍLIA SUBSTITUTA - NULIDADE -
INEXISTÊNCIA - PROVA EMPRESTADA - UTILIZAÇÃO - LICITUDE - ABANDONO
E MAUS TRATOS - COMPROVAÇÃO - PERDA DO PODER FAMILIAR -
POSSIBILIDADE - ADAPTAÇÃO DO MENOR À FAMÍLIA SUBSTITUTA - MELHOR
INTERESSE DO MENOR- RECURSO DESPROVIDO.
- A colocação de crianças e adolescentes em família substituta não significa a
concessão da adoção, nos termos do art. 28 do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
- O fato de ter havido procedimento administrativo sem manifestação dos

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interessados não macula de nulidade o processo judicial no qual foram assegurados
os direitos constitucionais ao contraditório e a ampla defesa
- O poder familiar é um dever dos pais, mas o Estado moderno sente-se legitimado a
intervir na família, caso seja preciso para defender o interesse dos menores envolvidos, pois se trata de um direito de fiscalizar que o

Estado guarda para si, podendo suspender ou excluir o poder familiar quando um ou
ambos os genitores deixar de cumprir com seus deveres, mantendo comportamento
que possa prejudicar a integridade física e psíquica do filho.
- A Lei Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente preveem as hipóteses de
extinção do poder familiar, como uma sanção imposta pelo Judiciário em situações
em que se comprova a falta, omissão ou abuso em relação aos filhos. Inteligência
dos artigos 22 e 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente c/c 1.637 e 1.638
do Código Civil.
- Cabalmente demonstrado nos autos a situação de risco a que estava submetido o
filho da apelante, denota-se configurada a sua negligência capaz de autorizar a
destituição do seu poder familiar, nos termos do artigo 1.638 do Código Civil.
Ademais, tendo em vista que o menor se encontra totalmente adaptado à família
substituta, recebendo o necessário amparo material e emocional necessários ao seu
desenvolvimento, a manutenção da procedência do pedido de destituição do poder
familiar é medida que se impõe. (TJMG- Apelação Cível 1.0024.17.085565-4/001,
Relator(a): Des.(a) Ângela de Lourdes Rodrigues, 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento
em 19/09/2019, publicação da súmula em 30/09/2019)

4 - DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

Os relatórios de acompanhamento dos órgãos da rede, bem demonstram a


urgência no trato da questão, apontando para o total descaso da mãe e do pai em
relação a filha, circunstância que está a justificar a suspensão liminar do poder
familiar dos requeridos, já que não reúnem condições de cuidar da infante, bem
como a guarda provisória aos avós paternos. Foi solicitado estudo social do núcleo
familiar junto aos órgãos de atendimento do estado do Rio de Janeiro.

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O art. 157 do Estatuto da Criança e do Adolescente prescreve:

Art. 157. Havendo motivo grave, poderá a autoridade judiciária, ouvido o


Ministério Público, decretar a suspensão do pátrio poder, liminar ou
incidentalmente, até o julgamento definitivo da causa, ficando a criança ou
adolescente confiado a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade.

5 - DOS PEDIDOS:

Ante o exposto, requer a Vossa Excelência que se digne a:

1) decretar, liminarmente, a suspensão do poder familiar até julgamento


definitivo da causa, nos termos do art. 157 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

2) ordenar a citação dos requeridos para, querendo, contestar os termos da


presente ação;

3) decretar, ao término da relação jurídica processual, a destituição do poder


familiar de: Ana Lauristerina

4)- Determinar a guarda provisoria em face dos avós paternos citados acima.

5)- Requer a produção de todos os meios de provas em direito admitidas e


cabíveis ao gênero, em especial perícias, juntada de documentos e oitiva de
testemunhas.

Pugna pela distribuição por dependência à medida de proteção n.º 000000000,


que contém o reforço probatório e argumentativo ao pedido.

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Atribui-se à causa o valor de R$ 1.320,00 (Um mil trezentos e vinte reais) para
fins legais.

Rio Janeiro, 21 de novembro de 2023.

Ana Paula Araújo Guedes


Claudiane Oliveira Fernandes
Clévia dos Santos Guedes
Hélio Evangelista Cristianismo
Iolanda Tabata Macedo de Aguiar
Lavínia Miranda lima
Marly Aparecida Silva Batista
Promotores de Justiça

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