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Deveres e responsabilidades do Chief Compliance
EX
Officer na condução de investigações internas,
à luz dos programas de integridade
CL
Duties and responsibilities of the Chief Compliance
Officer in conducting internal investigations, in
U
the light of the integrity programs
SI
Cassio Roberto Conserino
Pós-graduando na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em Direito Penal e Criminologia (2020).
VO
Bacharel em Direito pela Faculdade Católica de Direito de Santos. Em sua experiência junto ao MPSP,
foi integrante do GAECO – Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (2003/2012).
É autor de livros sobre “Lavagem de Dinheiro” e “Crime Organizado e Institutos Correlatos”, pela
Editora Atlas. Promotor de Justiça Criminal do Ministério Público do Estado de São Paulo – MPSP.
cassio_conserino@hotmail.com
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pátria, estabelecer o conceito de programa de integridade, tratar das bases das investiga-
RESUMO:
ções internas perante o sistema jurídico brasileiro, e como parte essencial do programa de
integridade, e, assim, analisar finalmente as bases legais que delimitam os deveres e as
responsabilidades profissionais do Chief Compliance Officer, nas situações em que lidera
procedimentos de investigações empresariais.
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This article aims to review the legal basis of the roles and responsibilities of the Chief
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Compliance Officer when leading Internal Investigations in Brazil. To achieve this objec-
tive, we studied the legal basis to define compliance from a Brazilian legal perspective,
including the basis for conducting Internal Investigations and its main characteristics.
ABSTRACT:
On this direction, we scrutinized the role of the Chief Compliance Officer before the
aforementioned assumptions. The final objective was to conclude describing limits of
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responsibilities of this professional when managing Internal Investigations and its con-
sequences.
KEYWORDS: Compliance and Ethics Program – Chief Compliance Officer – Internal Investigations.
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SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Programa de integridade e o conceito de compliance adotado
pelo Brasil. 3. Investigações internas e seus limites legais à luz do programa de integridade.
4. Chief Compliance Officer ou o Profissional com Deveres de Compliance. 5. Deveres e res-
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ponsabilidades do Chief Compliance Officer frente à condução de investigações internas.
6. Considerações finais.
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1. Introdução
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principais características e seus limites le-
gais, e o uso dos resultados de investiga-
O presente artigo tem por objetivo tra- ções internas em sede de cooperação com
tar dos deveres e das responsabilidades do autoridades competentes; (iii) a defini-
Chief Compliance Officer frente à condu- ção de Chief Compliance Officer, caracte-
ção de investigações internas. Para tanto, rísticas de suas atividades, e a análise de
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Em síntese, o artigo se propõe a ana- tir do critério legal adotado pelo legislador
lisar, dessa forma, os seguintes aspectos a brasileiro. Essa verificação se fez necessá-
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respeito dos temas definidos: (i) a defini- ria para localizar o tema, visto que muitas
ção de compliance e integridade corporati- das definições de compliance adotadas pe-
va especificamente adotada pela legislação las doutrinas disponíveis se inspiram em
brasileira, e as diretrizes que compõem conceitos provenientes de sistemas legais
sua concepção; (ii) a condução de inves- de outros países, notadamente o dos Esta-
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tigações internas, como pilar do progra- dos Unidos da América – EUA, com forte
ma de integridade, sua natureza jurídica, influência do Foreign Corrupt Practices Act
(considerada uma das principais leis anti- do CCO à frente de procedimentos investi-
corrupção daquele país).1 gatórios de natureza privada.
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No item 3, abordamos as investigações As considerações finais, diante do ra-
internas e seus limites legais à luz do pro- cional adotado, reforçam a necessidade
grama de integridade, tratamos da nature- de os programas de integridade no Bra-
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za jurídica da investigação corporativa, seu sil revisarem as suas bases normativas, de
papel como pilar do programa de integri- forma a cumprirem integralmente com a
dade, seus limites legais, o trato e manu- Constituição Federal e as leis infracons-
seio com a prova colhida em sede privada, titucionais, especialmente no que tange
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e as possibilidades de uso de certos tipos aos limites legais de atuação do ente priva-
de elementos de informação em sede ad- do em situações que envolvam potenciais
ministrativa ou judicial com base em re- crimes e suas consequências no ambiente
ferências provenientes da jurisprudência empresarial e exijam a condução de proce-
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trabalhista. É, ainda, tratado nesse item, o dimentos de investigações internas.
tema do uso dos resultados de investigação
interna para cooperação com autoridades.
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2. Programa de integridade
No item 4, referimos o Chief Complian-
e o conceito de compliance
ce Officer ou o Profissional com Deveres
de Compliance, abordamos o conceito de
adotado pelo Brasil
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Compliance Officer frente à condução de in- análise. No meio jurídico brasileiro, a ex-
vestigação internas, em que se procurou pressão ganhou força ao ser utilizada nos
delimitar os deveres e as responsabilidades últimos anos para definir sistemas de ética
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1. Como amplamente divulgado à época de sua promulgação, a Lei Federal 12.846/2013, também
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conhecida como Lei Anticorrupção, foi fortemente influenciada pela legislação similar dos EUA,
como mostra essa reportagem do Estadão, de 30.08.2016. Disponível em: [https://economia.
estadao.com.br/discute/inspiracao-estrangeira-ajuda-no-combate-a-corrupcao-no-brasil,278].
Acesso em: 14.07.2020.
2. Comply, do Inglês “cumprir” ou “consentir”, livre tradução disponível gratuitamente no website “Dicio-
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do. As diferenças essenciais entre os entes que apontam para referências distantes
3. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos do Direito Público. 5. ed. 7. tir. São Paulo: Malheiros Edito-
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5. SOUZA, Artur de Brito Gueiros. O informante no contexto dos sistemas de compliance. In: Minis-
tério Público Federal: inovações da Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Brasília, 2020. (Cole-
tânea de artigos, v. 07).
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6. Noções essenciais a respeito do sistema dos EUA a esse respeito podem ser estudadas no guia Fede-
ral Sentencing, The Basics, emitido pelo United States Sentencing Comission dos EUA. Disponível
em: [www.ussc.gov/sites/default/files/pdf/research-and-publications/research-projects-and-sur-
veys/miscellaneous/201811_fed-sentencing-basics.pdf]. Acesso em: 14.07.2020.
7. Departamento de Justiça dos EUA. Avaliação de Programas de Compliance Corporativo (Evalua-
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tion of Corporate Compliance Programs), atualizado em junho de 2020. Disponível em: [www.
justice.gov/criminal-fraud/page/file/937501/download]. Acesso em: 14.07.2020.
programa de compliance que possa ser con- por meio de códigos de ética e de conduta
siderado efetivo, no momento em que a ou outras políticas, normas e procedimen-
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conduta ilícita ocorreu, com o propósito de tos de controles corporativos, a parte in-
calcular a multa criminal” (grifos nossos). terna de cumprimento a qual deve se ater
o compliance.
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De se notar que tal diploma, embo-
ra não seja lei federal, trata-se de um guia Relevante afirmar que são regras de
com critérios objetivos direcionados aos cumprimento de programas com deveres
juízes para a aplicação da pena. É um mo- aplicáveis às empresas, que se dispõem
do de balizar qual será a resposta do Esta- unilateralmente a cumpri-los com o de-
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do quando se deparar com a hipótese de siderato de evitar desvios e também me-
argumento do compliance criminal. No lhorar a imagem e, ainda, colaborar para
capítulo VIII desse guia, por exemplo, te- uma sociedade mais justa e solidária. In-
mos informações concretas de como será questionavelmente, prevenir a incidência
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avaliada a responsabilidade penal da pes- de ilícitos é muito melhor que remediá-
soa jurídica. Como se vê, há uma distância -los, em todos os sentidos, mormente no
que pertine à credibilidade e à reputação
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muito grande com o que acontece ordina-
riamente no cotidiano jurídico brasileiro. de uma empresa ou marca. Ainda assim,
isso não significa que o ente privado tenha
como missão cumprir com funções essen-
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¾ De todo modo, independentemente de cialmente de competência do Estado.
os conceitos que inspiram a prática de com-
pliance no Brasil partirem de premissas pre- Importante mencionar, nesse senti-
sentes em um sistema jurídico diverso do do, a definição de compliance adotada pe-
nosso, como dito, em que a pessoa jurídica lo Conselho Administrativo de Defesa
poderá inclusive ser sancionada criminal- Econômica – CADE, em seu “Guia: Pro-
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financeiras, trabalhistas, ambientais, en- de condutas que possam operar conflitos ju-
tre outras, respeitando-se regras internas diciais para o negócio e, consequentemente,
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sorte de condutas ilícitas; e, ainda, numa de risco das instituições financeiras e das
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9. Importante dizer que o código de ética e o código de conduta são documentos diversos. O segundo
diz respeito às condutas que devem ser discriminadas com o fim de dar concretude aos princípios
éticos descritos no código de ética.
10. BRASIL. STF – Supremo Tribunal Federal. Ministro Celso de Mello vota pela condenação de três diri-
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gentes do Banco Rural e absolve Ayanna Tenório. Notícias STF, 06.09.2012. Disponível em: [www.
stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=217450]. Acesso em: 04.06.2020.
empresas em geral, o que impõe aos admi- de pessoas jurídicas que produzirem atos
nistradores que atuem com ética, que ajam contrários à Administração Pública, opor-
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com integridade profissional e que proce- tunizou a concessão de benefícios, nos
dam com idoneidade.” ilícitos administrativos e civis, àquelas
empresas que possuam área de compliance,
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No Brasil, o termo inglês complian- nos termos do artigo 7º, VIII, do referido
ce se popularizou com o advento da Lei dispositivo legal. Empresas que possuam
12.846/2013 (“Lei Anticorrupção”), mas mecanismos e procedimentos internos de
já temos informações a seu respeito ao me- integridade, auditoria e incentivo à de-
nos desde o advento da Lei 9.613/98, que
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núncia de irregularidades e a aplicação
previu o Controle de Operações Finan- efetiva de códigos de ética e de conduta
ceiras e suas incumbências. Além disso, no âmbito da pessoa jurídica, entre outros
um ano antes, o próprio BACEN (Banco elementos de controles internos, poderão,
Central) editou a Resolução 2554/9811 no assim, pleitear diminuições de sanções pe-
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mesmo sentido, ou seja, da instituição e rante autoridades competentes.
implementação de controles internos.12
Nesse diapasão, faz-se possível a con-
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Segundo professou André Martinez:
cessão de benefícios quando, nos termos
“Num primeiro momento (anos 1999/ do artigo 7º, VII, da mesma lei, houver
cooperação da pessoa jurídica para a apu-
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2000), as instituições financeiras foram
obrigadas a criar em seus organogramas ração das infrações que eventualmente
áreas específicas de compliance, capaci- seus integrantes tenham produzido, quer
tando os responsáveis por referidas áreas. em autoria, quer em coautoria. O signifi-
Foram elaborados então códigos de éticas, cado de cooperação, nesse contexto, dever
cartilhas de conduta no atendimento aos ser compreendido como transparência e
clientes, treinamentos em agências, aná-
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11. Modificada parcialmente pelas Resoluções 3056/02 e 4390/14, ambas do BACEN (Banco Central).
12. Art. 1º. Determinar às instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo
Banco Central do Brasil a implantação e a implementação de controles internos voltados para as
atividades por elas desenvolvidas, seus sistemas de informações financeiras, operacionais e geren-
ciais e o cumprimento das normas legais e regulamentares a elas aplicáveis.
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13. MARTINEZ, André Almeida Rodriguez. Compliance no Brasil e suas origens. 18.11.2016. Dispo-
nível em: [www.ibdee.org.br/compliance-no-brasilesuas-origens/].
Portanto, nos casos em que se vislumbra- Em que pese o guia não servir como norma
rem a incidência de programas desenvol-
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ou lei, é relevante notar, por intepretação in-
vidos em setores internos de compliance de versa, que o compliance genérico, ou não es-
determinada pessoa jurídica, as sanções po- pecífico, cobriria diversos outros temas que
derão ser minoradas, conforme prescreveu não apenas anticorrupção e atos contra a ad-
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o Decreto 8.420/2015, que regulamentou a ministração pública.
Lei Anticorrupção, com a possibilidade de
contemplação com descontos no valor de Nesse sentido, como se verá a seguir, os
eventual multa e diminuição ou eliminação paradigmas trazidos pelo referido decreto,
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de outras sanções previstas em lei. Impor- ao definir programa de integridade, supe-
tante dizer que, embora a Lei Anticorrup- ram em absoluto o tema da corrupção, re-
ção não tenha mencionado expressamente presentando um conjunto de mecanismos
o compliance criminal, limitando-se a ana- amplos que trata de temas como ética, an-
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lisar ilícitos civis e administrativos, certo tifraude, devida diligência, necessárias co-
é que o seu decreto regulamentador con- municações, funcionamento e gestão de
ceituou de modo geral o programa de inte- canais de denúncias, treinamento, cul-
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gridade, donde se defluiu a conceituação tura corporativa, compromisso de gesto-
de compliance, que uma vez aplicado para res, entre outros elementos que não estão
evitar infrações penais, no âmbito empre- circunscritos apenas ao universo dos atos
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sarial, pode ser entendido como compliance contra a administração pública ou envol-
criminal. vendo agentes públicos.
Nessa perspectiva, sempre que uma
pessoa jurídica tiver que justificar para
¾ Nesse sentido, vale destacar como o ter-
mo compliance é utilizado no guia elabora- autoridades públicas no Brasil que ade-
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14. BRASIL. Controladoria-Geral da União. Programa de Integridade: diretrizes para empresas priva-
das. Brasília, setembro de 2015.
Em complemento, para que tal progra- da instância interna responsável pela apli-
ma possa ser considerado como de fato es- cação do programa de integridade e fisca-
truturado e efetivo, conforme o artigo 42 lização de seu cumprimento;
do Decreto 8.420/2015, que faz alusão ao x. canais de denúncia de irregularidades,
§ 4º do artigo 5º do mesmo decreto, que abertos e amplamente divulgados a fun-
se refere à dosimetria das sanções a serem cionários e terceiros, e de mecanismos
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15. A respeito das estatísticas de atos ilícitos em empresas, importante conferir a pesquisa anual da
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Associação dos Examinadores de Fraudes dos EUA, a ACFE, Report to The Nations, estudo global
sobre fraude ocupacional e abusos, que traz dados a respeito das principais incidências de ilícitos
no campo privado, com base em pesquisa empírica (ACFE – Association of Certified Fraud Exami-
ners, Report to The Nations. Disponível em: [www.acfe.com/report-to-the-nations/2018/default.
aspx]. Acesso em: 14.07.2020).
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adoção e aprimoramento.
cionários e terceiros, e de mecanismos
Nesse sentido, as bases seguras para seu
destinados à proteção de denunciantes
desenvolvimento devem obedecer aos cri- de boa-fé;
térios trazidos pelo Decreto 8.420/2015, d. medidas disciplinares em caso de viola-
descritos nos artigos 41 e 42, com o ob- ção do programa de integridade;
jetivo de servir para a análise de conse- e. procedimentos que assegurem a pronta
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17. Constituição Federal, artigo 5º, inciso X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
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imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente
de sua violação; [...].
18. Constituição Federal, artigo 5º, inciso XI: a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela
podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre,
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judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instru-
ção processual penal.
20. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incum-
bindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
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21. Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação
penal pública, na forma da lei.
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e investigação, a investigação privada ja- investigação interna de natureza privada e
mais poderá ser confundida como investi- empresarial.
gação policial: E, dentro desse espírito de correção,
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vamente de competência de investiga- dor (ainda que ele seja da empresa), não
ções governamentais, a exemplo da bem fazendo a diferenciação entre o que é pri-
AD
22. SILVA, Élzio Vicente da; RIBEIRO, Denisse Dias Rosas. Colaboração Premiada e Investigação: prin-
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cípios, vulnerabilidades e validação da prova obtida por fonte humana. São Paulo: Editora Novo
Século, 2018.
É claro que isso não dá salvo-condu- da reforçada por normas internas da pes-
to para a empresa produzir interceptações soa jurídica, que regule o uso de correios
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23. Relação das chamadas efetuadas e recebidas por um determinado terminal telefônico móvel ou
fixo, em determinado dia e horário.
24. TST, ED-RR-996100-34.2004.5.09.0015, 7ª T., rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, DEJT
20.02.2009. Disponível em: https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:tribunal.superior.traba-
lho;turma.7:acordao;rr:2009-02-18;996100-2004-15-9-0. Acesso em: 03.22.2020.
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25. SILVA, Roberta Silvestre; FAVARI, Erika de. E-mail corporativo, invasão de privacidade? Lira
Advogados, s.d. Disponível em: [www.liraatlaw.com/conteudo/e-mail-corporativo-invasao-de-
-privacidade].
Civil, que firmará e validará a autenticida- suntos e temas de interesse exclusivo das
de da diligência, além de conferir-lhe ve- apurações.
rossimilhança probatória, conforme o que Desse modo, se o computador de pro-
prevê o artigo 384 do Código de Processo priedade da empresa ou telefone de pro-
Civil. Trata-se de medida importantíssima priedade da empresa forem cedidos ao
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informação que se pretende registrar, ser- de de quem quer que seja, por se tratar de
vindo tão somente para aumentar o grau exercício regular de direitos, e, por isso,
de integridade do registro em si. Ao con- interesse legítimo.
trário, em situações concretas poderá, in- O mesmo se diga no que diz respeito
N
rado equivocado, como um erro de com- rativo visando, pois, identificar o percur-
putação forense, ocorrido ao longo de um so do empregado em horário de trabalho,
26. TST, ED-RR-996100-34.2004.5.09.0015, 7ª T., rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, DEJT
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empresa que limita o uso daqueles apare- entrevistas com pessoas ligadas ou não a
lhos para apenas e tão somente a realização ele ou à fraude investigada – testemunhas,
do trabalho para o qual o empregado se dis- por exemplo –, realização de pesquisas
pôs, e não para outras funções ou situações nos próprios bancos de dados da empresa,
N
27. OAB – Ordem dos Advogados do Brasil. Provimento CF/OAB 188/2018. Disponível em: [www.oab.
org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/188-2018]. Acesso em: 19.06.2020.
nal contratado para a função, no que tan- lei. Como visto, o CCO não tem poder de
ge à condução das investigações internas, polícia, considerando não ser agente pú-
pode-se afirmar que sempre existirá o mo- blico, e, desse modo, não deve ser confun-
mento em que o advogado deva ser engaja- dido com a figura do xerife, no sentido da
do para representar os interesses legítimos obrigatoriedade da aplicação da lei. No en-
dos clientes, frente às autoridades do siste- tanto, a analogia é sim aceita, na medida
SE
28. Autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade e fiscali-
zação de seu cumprimento.
interno da pessoa jurídica a respeito de tador (Decreto 8.420/2015), não nos trou-
suas normas de integridade. Nesse senti- xeram quaisquer regras a serem cumpri-
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do, é comum o debate acerca da responsa- das pelo “observador qualificado”, também
bilização do CCO por supostos resultados chamado insider, sobre como será a sua
negativos da gestão de investigações inter- aproximação com os players do sistema
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nas, ou mesmo por alegado ato de omissão constitucional de investigação e persecu-
perante condutas ilícitas, caso o CCO não ção penal. Por ausência de normas específi-
venha a relatar os fatos identificados às au- cas, sugerimos que o primeiro contato seja
toridades competentes. feito com supedâneo no artigo 39 do CPP,29
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Assim, faz-se necessário abordar, final- isto é, exercício do direito de representação
mente, quais seriam os deveres do CCO, e defesa. Conforme as regras jurídicas pá-
diante da descoberta de fatos que repre- trias, apenas advogados podem represen-
sentem ilícitos ou potenciais ilícitos a par- tar interesses de entes privados em casos
U
tir de investigações corporativas. A dúvida empresariais, considerando-se, pois, des-
a respeito de se o conhecimento acerca de se universo excluídas as causas pertinentes
ilícitos deve ser entendido como uma con- aos Juizados Especiais, bem como as medi-
SI
duta irregular, ou seria defensável dentro das judiciais que qualquer cidadão tem o
dos moldes legais existentes, costuma sur- direito de pleitear diretamente, como o ha-
gir, por exemplo, sempre que os resulta- beas corpus.
VO
2013), assim como seu decreto regulamen- cia a concomitância da realização de uma
AD
29. O direito de representação poderá ser exercido, pessoalmente ou por procurador com poderes
especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, órgão do Ministério Público ou à
autoridade policial.
30. Art. 27 do Código de Processo Penal: Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do
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Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informa-
ções sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.
investigação privada com seus resultados no ato ilícito. Importante lembrar que é
em mãos, e a iniciativa para eventual acor- nesse momento que surge a possibilidade
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do de colaboração premiada, até para que de o representante ministerial realizar uma
o CCO saiba a dimensão do problema que análise sobre os limites e a legalidade da
quer dirimir e enfrentar, além de quais são investigação corporativa produzida nos
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os limites da confecção de um acordo que autos, oportunidade em que poderá (i) re-
deva produzir, a fim de não prejudicar a cebê-la integralmente, (ii) parcialmente
empresa que representa, especialmente ou (iii) não recebê-la, se vislumbrar viola-
porque, diferentemente do sistema ameri- ções a direitos e garantias fundamentais, ou
CL
cano – em que sabemos de antemão qual mesmo condutas ilícitas mascaradas de di-
será a resposta do Estado, porquanto há ligências investigatórias, tais como acessos
previsibilidade e segurança jurídica, mo- indevidos a sigilos fiscais ou policiais, in-
vidos por critérios objetivos –, no Brasil há vasão sem ordem judicial em caixas de cor-
reios eletrônicos privados e pessoais, entre
U
uma lacuna grande em relação a como o
Estado se pronunciará depois de uma co- outras.
laboração premiada. Essa providência não Enuncia-se que representação instruí-
SI
significa vontade de se furtar às obrigações da com cópia da investigação privada, ou-
legais, mas aclarar a real dimensão dos ilí- trossim, poderá ser oferecida à autoridade
citos e dos potenciais ilícitos que serão ob- policial que procederá ao inquérito poli-
VO
jeto de análise do Direito Negocial. cial, se for competente. Se não o for, re-
Existe, ainda, a possibilidade de que meterá a quem quer que seja. E, por fim,
elementos de informação sejam, inclu- a representação pode ser encaminhada
sive, apresentados em estágios iniciais, também ao juiz ou perante este reduzida a
atribuindo ao Ministério Público a possi- termo, que submeterá a sua análise à auto-
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bilidade de participar na formulação dos ridade policial para que ela proceda ao in-
quesitos que poderão nortear investiga- quérito, sempre que o caso.
ções internas conduzidas pela pessoa ju- Caso a representação e seus elemen-
rídica, como reação à identificação de tos indiciários se mostrarem suficientes,
suspeita de ato ilícito em
sua órbita.
SE
Na peça de representa-
ção, a ser materializada por
meio de simples petição,
haverá a discriminação de
N
de e corrupção nos ambientes de negócios. que ultrapassar limite fixado pela autori-
A solidez da economia certamente depen- dade competente e nos termos das instru-
de da higidez do mercado e integridade das ções expedidas por ela.32
empresas e atores que nele operam. Além disso, o mesmo artigo pode ser en-
Enfatize-se que esses deveres de dili- tendido ainda como fundamento para obri-
SE
31. A Circular 3.839/17 reduz de R$ 100 mil para R$ 50 mil o valor para Comunicações de Operações
AD
33. Com nomenclatura modificada pela Medida Provisória 893, de agosto de 2019, que mudou de
COAF para UIF e também alterou a sua característica, que passa a ser meramente administrativa
inviabilizando que o órgão promova eventuais medidas cautelares de quebra de sigilo ou requisi-
AD
36. BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 1.
p. 115-116.
sariamente ilícitas. Há de haver uma aná- alínea “b”, do mesmo diploma legal, por-
lise específica do caso concreto. A simples que de outra forma assumiu o risco de impe-
ausência dos deveres de comunicação po- dir o resultado, como no caso de contrato
de ensejar responsabilidade administrati- escrito de admissibilidade ao trabalho com
va,38 mas não penal. cláusulas pontuais e específicas nesse sen-
DO
O CCO poderá, assim, em tese, come- tido. Obtempera-se que mesmo nessa últi-
ter crime omissivo impróprio e não omissi- ma hipótese indeclinável a capacidade de
vo próprio. Definitivamente para que seja agir para impedir o resultado e a presença
responsabilizado faz-se imprescindível o do elemento anímico ou subjetivo de sua
conduta.
dever jurídico e a capacidade de agir para
evitar o resultado. E também o elemento A questão do compliance é tão rele-
SE
37. CARDOSO, Débora Motta. Criminal Compliance na perspectiva da Lei de Lavagem de dinheiro. São
Paulo: LiberArs, 2015. p.189.
38. Sanções administrativas, que incluem advertência, multa pecuniária, inabilitação temporária
para pessoas físicas e cassação ou suspensão do exercício da atividade empresarial (art. 12 da Lei
de Lavagem de Dinheiro).
O
39. BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 1.
p. 115.
ria, ética, entre outras. Esses modelos rela- Nesse sentido, sua responsabilidade
cionam-se com toda uma série de políticas, está adstrita à necessidade de registrar os
plataformas e códigos de condutas que de-
atos formais de comunicação às esferas
sembocam no respeito aos valores, normas e
prescrições contidos na realidade social. competentes da pessoa jurídica, de forma
que fique claro que ele exerceu sua função
com diligência e, ao mesmo tempo, co-
SE
nesse ambiente de ética, e por isso não pre- tenha poderes especiais e procurações es-
ponderarão à luz da Lei Anticorrupção. pecíficas para tais fins.
40. BRASIL. STF – Supremo Tribunal Federal. Ministro Celso de Mello vota pela condenação de três
O
dirigentes do Banco Rural e absolve Ayanna Tenório. Notícias STF, 06.09.2012. Disponível em:
[www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=217450].
Interpretar a não comunicação de ilíci- efetivo poderá até mesmo ser contempla-
tos por parte do CCO, fora dos casos obri- da com o acordo de não persecução penal,
O
gatórios previstos em lei, como ato ilícito situação em que não há previsão no orde-
em si, seria estabelecer espécie de respon- namento jurídico brasileiro, que somente
sabilidade penal objetiva, inexistente no or- se aplica a pessoas físicas nas hipóteses do
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denamento jurídico pátrio. Nesse sentido, artigo 28-A e incisos do CPP.
com base nos fundamentos descritos no Na mesma linha de raciocínio de que
presente artigo, acredita-se que a sanção institutos alienígenas não podem ser ne-
decorrente da mera ocupação da posição cessariamente incorporados ao direito
CL
de CCO não deve jamais prosperar. Em brasileiro, por ausência de compatibili-
quaisquer dos casos, seja em matéria cri- dade formal e material com as nossas re-
minal ou cível, o CCO apenas poderá ser gras, tem-se que, no âmbito do programa
sancionado ou punido nos casos em que de integridade americano, é possível a in-
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a sua conduta pessoal tenha colaborado – cidência da figura do whistleblower, cha-
com ação ou omissão – de forma clara e mado vulgarmente como “informante do
inequívoca para o ilícito apurado. bem” (denunciante) consubstanciando-
SI
-se em qualquer pessoa, envolvida ou não
6. Considerações finais no ilícito, que deseja elucidá-lo às autori-
dades competentes e que pode obter até
VO
A pesquisa realizada revela que ainda 30% do que o Estado reaver, o que ine-
existe certa confusão quanto à correta in- xiste no direito brasileiro. Esse instituto
terpretação do conceito de compliance que não se confunde com a colaboração pre-
vem sendo adotado no Brasil. Essa confu- miada ou muito menos com acordo de le-
são não seria nociva, caso não fustigasse niência. Não é, pois, um acordo, mas uma
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ente privado deveria agir como se poder de estejam em consonância com o nosso orde-
polícia detivesse, ao apurar ilícitos come- namento jurídico; mas, é bem verdade que
tidos por entes privados. já não estamos mais engatinhando nesse
Urge frisar, ainda, que o compliance cri- assunto, uma vez que a Lei Anticorrupção,
N
minal é matéria de defesa posta nos Tribu- embora não tenha falado em compliance
nais nos EUA e, no Brasil, não tem o mesmo criminal especificamente, permitiu-nos
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efeito produzido em terras americanas. detidamente, por meio de seu decreto re-
Por isso, precisamos analisar com as res- gulamentar, trazer à baila o conceito de
salvas necessárias. O efeito de lá é diverso programa de integridade propriamente di-
do efeito de cá, mormente porque nos EUA to, o conceito do Chief Compliance Officer,
a pessoa jurídica pode ser responsabilizada as consequências administrativas e cíveis
O
que devem nortear essa atividade predo- responsabilidades do CCO frente à condu-
minantemente de avaliação de riscos em- ção de investigações internas, uma vez que
O
presariais. E, nesse sentir, o objetivo do a adequação detalhada do programa de in-
programa de compliance criminal nada tegridade aos paradigmas legais em geral
mais é do que evitar o risco do cometimen- protegem o CCO, afastando tendências de
EX
to do crime. Ele só será efetivo se evitar a interpretação que o tornariam responsável
prática delituosa. por atos que competem aos administrado-
Diante desse contexto, entendemos res principais da pessoa jurídica.
como fundamental que os Chief Com- E, derradeiramente, é de suma impor-
CL
pliance Officers se atenham às regras e aos tância que as reflexões acerca desse tema
princípios gerais de Direito, em especial sejam revisadas e aprofundadas pelos es-
àquelas previstas na Constituição Federal pecialistas e pelas autoridades brasileiras
de 1988, de modo a evitar que sua atua- de forma constante, de modo que possa-
U
ção esteja fora dos parâmetros legais váli- mos produzir uma doutrina genuinamen-
dos no Brasil. Essa visão é especialmente te local sobre a prática de compliance e
importante na análise dos deveres e das integridade corporativa.
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VO
Pesquisas do Editorial