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O
inveStigAçõeS corporAtivAS e AproveitAmento
EX
DA provA no proceSSo penAl: o problemA
DA QuebrA DA cADeiA De cuStóDiA
CL
Corporate investigations and use of
evidence in criminal procedure: the problem
U
of breaking the chain of custody
SI
DouglAS roDrigueS DA SilvA
Mestre em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA).
VO
Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Centro
Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Professor de Processo Penal e
Legislação Penal Especial no Curso de Direito das Faculdades da
Assista agora aos Indústria de São José dos Pinhais (FIEP/IEL). Advogado.
comentários do autor douglas_r_silva@hotmail.com
para este artigo
DO
O escopo do presente trabalho está em apurar em que medida se pode falar em apro-
veitamento da prova colhida em investigações corporativas no processo penal diante
das exigências de preservação da cadeia de custódia dos elementos probatórios. Nessa
esteira, buscar-se-á, inicialmente, apresentar as principais características da denomina-
SE
The scope of the present work is to investigate to what extent one can speak of taking
advantage of evidence collected in corporate investigations in criminal proceedings in
ABSTRACT:
O
view of the requirements of preserving the chain of custody of the evidentiary elements.
In this way, we will initially seek to present the main characteristics of the so-called chain
US
Investigações corporativas e aproveitamento da prova no processo penal
KEYWORDS: Due process – Evidence chain of custody – Digital evidence – Corporate investigations.
CL
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A cadeia de custódia da prova enquanto corolário do devido
processo legal. 2.1. A cadeia de custódia da prova no processo penal brasileiro: os avanços
U
e lacunas da Lei 13.964/2019. 2.1.1. Por um conceito amplo de vestígios: a abrangência das
regras de preservação e documentação da cadeia de custódia da prova. 2.1.2. A quebra da
cadeia de custódia da prova: ilicitude probatória ou redução do valor probatório do elemen-
SI
to?. 3. A intensa privatização da investigação criminal e as implicações ao devido processo
legal. 3.1. As investigações corporativas e as regras probatórias do processo penal: o risco da
fraude de etiquetas e as tensões entre prerrogativas da empresa e direitos fundamentais dos
investigados. 3.2. A possibilidade de arrecadação de informações em investigações corporati-
VO
vas e sua validade no processo penal. 4. A preservação da cadeia de custódia da prova como
imperativo para admissão da prova em investigações corporativas. 5. Considerações finais.
6. Referências. Legislação.
Com as alterações trazidas pelo deno- também cabe perquirir em que medida os
minado “Pacote Anticrime” (ou Lei 13.964/ preceitos impostos pela norma processual,
O
2019), o Código de Processo Penal passou no que concerne à cadeia de custódia, são
a regulamentar de modo mais detalhado – aplicados às denominadas investigações
e até de forma inédita – os procedimen- corporativas.
EX
tos de documentação e preservação da Especialmente com o advento da
cadeia de custódia da prova. A partir do Lei 12.846/2013, também denominada
artigo 158-A do CPP, o legislador trouxe “Lei Anticorrupção”, a empresa passou a
algumas condutas específicas que devem ter um papel mais proeminente na preven-
CL
ser adotadas por parte dos agentes que têm ção e na persecução de atos ilícitos, sobre-
contato com algum vestígio relevante à in- tudo daqueles que detenham relevância
vestigação e ao processo penal, indicando penal. Esse contexto trouxe a pessoa ju-
a necessidade de se documentar e preser- rídica para o centro do processo penal,
U
var toda a cronologia do vestígio coletado, não apenas como um local de passagem
passando por regras de manuseio, até seu da conduta criminosa – como locus –, mas
descarte. O objetivo das regras, de modo como uma personagem na colheita pro-
SI
geral, visa assegurar a autenticidade e inte- batória, atuando como importante auxi-
gridade do material coletado, permitindo liar do Estado na atividade persecutória,
que se possa compreendê-lo como equi- especialmente a partir das diretrizes que
VO
valente ao vestígio original, ou, se mui- passaram a ser impostas pelos programas
to, indicar em que medida ele foi alterado, de integridade (ou, no termo estrangeiro,
dando transparência ao processo de coleta compliance). E a figura mais distinta des-
probatória e possibilitando o confronto da se novo papel conferido à empresa é justa-
evidência pelas partes. mente a dita investigação corporativa.
DO
Todavia, as regras estipuladas pelo Por meio de uma ação proativa na apu-
CPP, embora possam ser vistas como um ração dos delitos que tenham origem na
grande avanço em matéria de respeito ao empresa, mesmo aqueles que sejam co-
devido processo legal, não especificam a metidos em seu favor, tem-se o uso massi-
que agentes se dirigem – se apenas públi- vo e frequente de instrumentos próprios e
cos ou também privados – e tampouco o internos da pessoa jurídica. E tal circuns-
SE
efeito que eventual desrespeito a tais pro- tância, como se pode imaginar, apresenta
cedimentos geram no processo penal. Não importantes reflexos na disciplina proba-
se sabe, por exemplo, como considerar a tória, pois agora não se tem somente o Es-
dita quebra de cadeia de custódia da pro- tado no papel de investigador, mas sujeitos
N
debate sobre a chamada cadeia de custódia quais existem tensões entre a autonomia
da prova. Mas, para além dessas questões, da vontade, as prerrogativas empresariais
1. PRADO, Geraldo. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia de custódia das
provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014.
2. BORRI, Luiz Antônio; SOARES, Rafael Junior; MENEZES, Isabela Aparecida. A quebra da cadeia
O
Taruffo3, Ferrer-Beltrán4, Muñoz Conde5 processo seja o alcance da verdade dos fa-
e Ferrajoli6, é certo que às partes deve ser tos (sob a ótica aproximativa, repita-se), a
O
concedido o direito de trazer ao processo dinâmica processual – em especial, do pro-
tudo aquilo que possa interessar na me- cesso penal – não pode ser lida de modo
lhor apreensão dos elementos capazes de estritamente epistêmico, em que o afã de
EX
corroborar ou afastar um enunciado fático conhecer os fatos na sua máxima inteire-
discutido nos autos. A lógica do processo, za autoriza o uso indiscriminado de todos
dentro de um panorama acusatório, não só os elementos capazes de construir esse co-
incentiva a participação ativa das partes no nhecimento. Há regras limitadoras de ad-
CL
“acertamento” dos fatos – sobre os quais missibilidade da prova que se pautam em
recairão os juízos de direito –, como costu- critérios políticos, reduzindo o alcance
ma limitar a atividade probatória à iniciati- das inferências probatórias10.
va exclusiva dos atores
U
processuais que inte-
gram os polos da ação7,
adotando uma carac-
SI
terística adversarial,
em que os elementos
de prova são (e devem
VO
ser) apresentados sob
a ótica do contraditó-
rio e a partir da gestão
das partes8. Isso nada
mais é do que uma “garantia epistemoló- Para além das limitações políticas de ad-
DO
gica” de controle da busca da verdade9. To- missão e produção de provas, também é im-
davia, ainda que o interesse primordial do perativo notar que a construção da verdade
3. TARUFFO, Michele. A prova. Trad. João Gabriel Couto. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 25-29.
SE
4. FERRER-BELTRÁN, Jordi. Valoração racional da prova. Trad. Vitor de Paula Ramos. Salvador:
JusPodivm, 2021. p. 44-47.
5. MUÑOZ CONDE, Francisco. La búsqueda de la verdad en el proceso penal. Buenos Aires: Hammu-
rabi, 2003. p. 17.
6. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014.
N
p. 52-53.
7. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos princípios gerais do processo penal
AD
brasileiro. Revista de Direito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, a. 30, n. 30, p. 166-167,
1998.
8. EBERHARDT, Marcos. Provas no processo penal: análise crítica, doutrinária e jurisprudencial.
2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018. p. 21.
9. BADARÓ, Gustavo Henrique. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Ed. RT, 2019.
O
p. 39.
10. BADARÓ, Gustavo Henrique, 2019, p. 154.
processo. Sendo certo que a verdade, en- bre a qual o juiz poderá tomar sua decisão.
quanto conceito absoluto, é impossível e É nesse contexto que se insere a cadeia
que mesmo a sua forma aproximativa se dá de custódia da prova.
em uma situação que não permite alcan- Como explica Badaró16:
çar uma certeza estreita com a realidade
SE
apurada, cabe pensar em um modelo pro- “Importante destacar que quando se fala
cessual no qual a prova passe por maiores em ‘cadeia de custódia’ a expressão deve ser
mecanismos de controle, ou seja, ainda entendida como a elipse ‘documentação da
que a verdade detenha especial relevância cadeia de custódia’. A cadeia de custódia em
N
p. 75.
16. BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. 8. ed. São Paulo: Ed. RT, 2020. p. 506.
si deve ser entendida como a sucessão enca- efetivamente manuseia o vestígio19. Lo-
deada de pessoas que tiveram contato com go, o objetivo da preservação da cadeia de
O
a fonte de prova real, desde que foi colhida, custódia da prova está em permitir a de-
até que seja apresentada em juízo. É o con- monstração e da “sucessão de elos”20, per-
junto de pessoas, uma após a outra (p. ex.:
mitindo a fiel rastreabilidade do elemento
o investigador, o delegado de polícia, o pe-
EX
rito, o escrivão, o cartório etc.) que tiveram probatório e, consequentemente, a indica-
contato com tal coisa (p. ex.: uma arma, um ção de “quem manejou o vestígio, o que fez
líquido, um tufo de fios de cabelo).” com ele, e como o fez”21, certificando que a
prova permaneceu, em sua essencialidade,
CL
E, por preservação e documentação da nas mesmas condições em que foi encon-
cadeia de custódia da prova, costuma-se trada e coletada originariamente22.
definir todo procedimento destinado a as- A documentação e preservação da ca-
segurar a integridade de um vestígio diri- deia de custódia, portanto, desempenha
gido a provar uma circunstância dentro de
U
importante papel no controle da prova no
um processo penal. Uma espécie de “prova processo penal e, acima de tudo, se apre-
da prova”. Como indica Geraldo Prado17, o senta como peça fundamental no respeito
SI
objetivo está em verificar que a prova inse- ao devido processo legal.
rida no processo seja exatamente a mesma
Uma decisão honesta e legítima, em
que foi colhida fora dele (“mesmidade”),
suma, depende da integridade do material
VO
permitindo que as partes possam confron-
probatório em que se ela se apoia.
tá-la adequadamente e, por conseguin-
te, que ela seja devidamente valorada no À vista disso, é inegável a importância
momento da decisão judicial. A ideia é al- de se compreender o procedimento de pre-
go próximo à “acreditação” do elemento servação e documentação da cadeia de cus-
de prova a ponto de considerá-lo confiá- tódia da prova na consolidação do devido
DO
vel18. Engloba o registro de uma verdadei- processo legal, sendo um conceito essen-
ra cadeia de atos e eventos logicamente cial ao processo penal muito antes da pro-
vinculados, cuja função está em permitir mulgação e vigência da Lei 13.964/2019.
o desenvolvimento da fase seguinte, for- De qualquer forma, é também inegável
mando verdadeiro conjunto de elos, sen- que a regulação promovida pelo legisla-
do estes representados na figura de quem dor ajudou a trazer algumas luzes ao tema,
SE
17. PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. São Paulo: Marcial Pons, 2019.
p. 95.
N
18. SAMPAIO, Denis; FIGUEIREDO, Daniel Diamantaras. Cadeia de custódia da prova: ônus da pro-
va e direito à prova lícita. Boletim IBCCRIM, São Paulo, a. 29, n. 338, p. 13-14, jan. 2021.
AD
19. BORRI, Luiz Antônio; SOARES, Rafael Junior; MENEZES, Isabela Aparecida de, 2018, p. 281-282.
20. BORRI, Luiz Antônio; SOARES, Rafael Junior; MENEZES, Isabel Aparecida de, 2018, p. 282.
21. VASCONCELOS, Vinícius Gomes de; SOUZA, Lia Andrade de. A cadeia de custódia da prova
obtida por meio de interceptações telefônicas e telemáticas: meios de proteção e consequências
da violação. Revista de Direito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, v. 65, n. 2, p. 35, maio/
O
ago. 2020.
22. BADARÓ, Gustavo Henrique, 2020, p. 506.
prova. A partir da lei, tem-se um proce- dades do elemento de prova coletado e sua
dimento regulado “certificando onde, colocação em recipiente adequado e de-
como e sob a custódia de quais pessoas vidamente identificado, inclusive em re-
e órgãos foram mantidos tais traços, ves- lação às pessoas que o manusearam. Por
tígios ou coisas que interessam à recons- último, os artigos 158-E e 158-F do CPP
trução histórica dos fatos no processo”25. inauguram a figura da central de custódia,
SE
Tudo, como se pode imaginar, voltado a órgão que deve existir em todos os insti-
garantir a integridade da prova e, claro, tutos públicos de perícia, especificando
sua “mesmidade”26. procedimentos de armazenamento e de-
No artigo 158-B do CPP, a norma indi- mais aspectos de registro e protocolo dos
N
ca as etapas que devem ser seguidas pelos materiais submetidos à guarda dessas
AD
23. MATIDA, Janaina Roland. A cadeia de custódia da prova é condição necessária para redução dos
riscos de condenações de inocentes. Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, n. 27, p. 18, 2021.
24. BADARÓ, Gustavo Henrique, 2020, p. 506.
O
instituições, bem como sobre questões Em que pese a maior parte da proble-
pertinentes ao manuseio e à retirada dos mática da cadeia de custódia realmente diga
O
materiais pelas pessoas que integram o respeito à prova pericial, ou técnico-cientí-
respectivo órgão de perícia. fica, é inegável que a evolução dos meca-
Como se pode notar, as recentes alte- nismos informacionais apresenta debates
EX
rações do Código de Processo Penal bus- importantes sobre a temática. Um dos pon-
cam regulamentar de modo mínimo todo tos de relevo está justamente na prova do-
o procedimento de documentação e pre- cumental. É notório que a maior parte da
servação da cadeia de custódia da prova. comunicação não se dá por intermédio de
CL
Porém, dois pontos relevantes, não trata- documentos escritos e físicos – como eram
dos pela norma, chamam a atenção e des- entendidos na compreensão clássica da
processualística28-29 –, mas, sim, por meio
pertam intensos debates doutrinários:
de mensagens, sons e imagens originadas
como interpretar o termo “vestígio” e qual
U
em aparelhos eletrônicos ou informáticos,
o efeito decorrente da denominada quebra
como computadores e smartphones. E essa
da cadeia de custódia da prova.
redução dos “documentos de papel” des-
SI
loca o debate sobre a força probatória dos
2.1.1. Por um conceito amplo de documentos, até então pautada sobre sua
vestígios: a abrangência autoria – se público ou privado – ou sua na-
VO
28. MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1985. v. 2,
p. 209-210.
29. Na compreensão tradicional, muito pauta na matriz italiana, em especial Carnelutti, o documento
era representado como “prova histórica real consistente na representação física de um fato. O
N
a suscetibilidade desse processo sofrer alterações, mesmo que imprudentes (RAMOS, Vitor de
Paula, 2021, p. 120-121).
qual documento (no caso sua autoria ou originados em máquinas a partir da ação
mesmo natureza), presumindo sua au- humana)35. Mais do que autorizar o contra-
tenticidade, cabe questionar em que me- ditório sobre o conteúdo em si, os procedi-
dida se compreende o “funcionamento” mentos de preservação e documentação da
da criação, de geração e, eventualmente, cadeia de custódia da prova permitem que
N
de alteração deste documento como al- a parte possa compreender todo o raciocí-
go seguro32, ou, sinteticamente, “como nio adotado pela fonte (máquina, humano
AD
máticas – Comentários à Lei 9.296/1996. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2018. p. 107.
38. GOMES; MACIEL, 2018, p. 30.
39. GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio, 2018, p. 31.
40. SANTORO, Antonio Eduardo Ramires; TAVARES, Natália Lucero Frias; GOMES, Jefferson de
Carvalho. O protagonismo dos sistemas de tecnologia da informação na interceptação telefônica:
O
a importância da cadeia de custódia. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre,
v. 3, n. 2, p. 615, maio-ago. 2017.
numa sequência lógica, contando com di- “incluir a preservação do próprio sistema
versas omissões de trechos. No entender de TI, bem como dos registros de ativida-
do Tribunal, é crucial ao exercício da de- des de todos os atores do sistema penal,
fesa o acesso a todo o histórico e conteú- tradicionais (como polícia e Ministério
N
41. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.795.341/RS, rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T.,
j. 07.05.2019, DJe 14.05.2019. Disponível em: [https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoA-
cordao?num_registro=201802511115&dt_publicacao=14/05/2019]. Acesso em: 07.10.2021.
O
42. SANTORO, Antonio Eduardo Ramires; TAVARES, Natália Lucero Frias; GOMES, Jefferson de
Carvalho, 2017, p. 620.
probatório – não seria detectada por nin- ração, o que apenas se dá mediante os pro-
guém (ainda mais porque há criptografia cedimentos de preservação da cadeia de
na troca das mensagens). Diante disso, o custódia. Com efeito, como apontou Ba-
exercício do contraditório não ocorreria daró45, a cadeia de custódia não é um tema
SE
43. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, RO em HC 133.430/PE, rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T.,
j. 23.02.2021, DJe 26.02.2021. Disponível em: [https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoA-
cordao?num_registro=202002175828&dt_publicacao=26/02/2021]. Acesso em: 07.10.2021.
44. “Esta Sexta Turma entende que é inválida a prova obtida pelo WhatsApp Web, pois ‘é possível,
N
com total liberdade, o envio de novas mensagens e a exclusão de mensagens antigas (registra-
das antes do emparelhamento) ou recentes (registradas após), tenham elas sido enviadas pelo
usuário, tenham elas sido recebidas de algum contato. Eventual exclusão de mensagem enviada
AD
(na opção ‘Apagar somente para Mim’) ou de mensagem recebida (em qualquer caso) não deixa
absolutamente nenhum vestígio, seja no aplicativo, seja no computador emparelhado, e, por con-
seguinte, não pode jamais ser recuperada para efeitos de prova em processo penal, tendo em vista
que a própria empresa disponibilizadora do serviço, em razão da tecnologia de encriptação ponta-
-a-ponta, não armazena em nenhum servidor o conteúdo das conversas dos usuários’.” (AgRg no
O
RHC 133.430/PE, rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T., j. 23.02.2021, DJe 26.02.2021.)
45. BADARÓ, Gustavo Henrique, 2020, p. 505.
48. DEZEM, Guilherme Madeira; SOUZA, Luciano Anderson de. Comentários ao pacote anticrime: Lei
13.964/2019. São Paulo: Ed. RT, 2020. p. 124.
49. Seria algo próximo à ideia de ônus argumentativo do julgador e da acusação, em que não cabe à
parte que alega a nulidade provar o prejuízo – sob pena de indevida inversão do ônus probatório –,
N
até porque uma violação de normas presume em alguma medida a prejudicialidade do ato. Ca-
beria, aqui, uma demonstração argumentativa por parte do julgador (ou mesmo um ônus efetivo
AD
54. LOPES JUNIOR, Aury; GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Investigação preliminar no processo pe
AD
são extraprocessuais, não contraditórias e protagonizadas por servidores públicos diversos dos
sujeitos processuais penais, tendo como objetivo obter fontes materiais de prova.” (MALAN,
Diogo, 2016, p. 219).
pria admissão da prova no processo, vis- preocupado em manter sob rígidos con-
to que podem comprometer (inclusive no troles os patamares de risco das atividades
AD
59. SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas socie-
dades pós-industriais. Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 148.
mecanismos próprios de regulação das ati- bretudo diante do nítido caráter de priva-
vidades, fazendo com que a empresa passe tização da persecução penal em favor das
também à condição de gestora dos riscos empresas, até como forma de gestão inter-
criminais de suas atividades, num movi- na dos riscos penais. Sendo certo que es-
mento claro de autorregulação regulada61. sas investigações poderão ser utilizadas na
DO
códigos de conduta e manuais éticos den- pecífico sobre a aplicabilidade dos regra-
tro da estrutura empresarial, os progra- mentos de cadeia de custódia da prova em
mas de integridade também precisam vir relação às investigações internas.
N
60. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 45.
AD
61. ANTONIETTO, Caio Marcelo Cordeiro; RIOS, Rodrigo Sánchez. Criminal compliance: prevenção
e minimização de riscos na gestão da atividade empresarial. Revista Brasileira de Ciências Crimi
nais, São Paulo, ano 23, n. 114, p. 350, maio-jun. 2015.
62. NIETO MARTÍN, Adán. Investigaciones internas. In. NIETO MARTÍN, Adán et al. Manual de
cumplimiento penal en la empresa. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2015. p. 232.
O
63. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance, direito penal e lei anticor
rupção. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 345.
65. SILVA, Douglas Rodrigues da. Investigações corporativas e processo penal: uma análise sobre os
limites da licitude da prova. Londrina: Thoth, 2021. p. 82-84.
66. CANESTRARO, Anna Carolina. As investigações internas no âmbito do criminal compliance e os
AD
clusive no que tange aos preceitos do devi- podem ser computadores e smartphones,
do processo legal e às garantias do processo por exemplo.
penal. Não é o fato de a prova ser origina-
da em um ente privado que autoriza a in-
cursão probatória sem qualquer limitação, 3.2. A possibilidade de arrecadação
de informações em investigações
DO
68. MOOSMAYER, Klaus. Investigaciones internas: una introducción a sus problemas esenciales. In:
ARROYO ZAPATERO, Luis; NIETO MARTÍN, Adán (Dir.). El derecho penal económico en la era
compliance. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2013. p. 140.
69. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra:
O
a privacidade. Isso, claro, também inter- ordem judicial, como se dá no âmbito das
fere nas diligências que poderão ser ado- investigações públicas. Essa “facilidade”
O
tadas, como é o caso da arrecadação de na obtenção da informação decorre, num
informações de equipamentos cedidos aos primeiro plano, da própria natureza dos
investigados, enquanto empregados da equipamentos que são submetidos à ex-
EX
corporação, especialmente por que é co- tração dos dados. É inegável que eles não
mum que essas ferramentas sejam moni- são de propriedade dos funcionários, mas
toradas pela companhia. da companhia que os cede, por isso mes-
mo, o seu uso, em princípio,
CL
não é livre, devendo o cola-
borador ou empregado que
os recebe seguir algumas re-
gras72. Entretanto, isso não
exonera a empresa de pos-
U
suir um padrão mínimo de
transparência e lealdade em
SI
relação aos colaboradores e
empregados, não sendo o ca-
so de se pensar que qualquer
VO
intervenção nesses equipa-
mentos – pelo simples fato
de pertencerem à corpora-
ção – é legítima.
Ainda que não se duvi-
DO
73. MOREIRA, Teresa Alexandra Coelho. Novas tecnologias: um admirável mundo novo do traba-
lho? Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, n. 11, p. 17, jan.-jun. 2012.
regras claras de utilização desses mate- isso mesmo, em caso de investigações in-
riais previamente estabelecidas. Em tem- ternas, as companhias podem usar a prer-
O
pos atuais, em que o trabalho tende a ser rogativa de fiscalização na arrecadação de
realizado de modo remoto e com o auxí- provas sobre atos ilícitos praticados na es-
lio de equipamentos eletrônicos, como é o trutura corporativa, especialmente na
EX
smartphone ou um computador, já não se intenção de entregá-las aos órgãos da per-
tem uma delimitação evidente de onde ter- secução. Inclusive, em recente julgado, o
mina o público e começa o privado74. Superior Tribunal de Justiça reforçou a pos-
E esse contexto demanda atenção. sibilidade de arrecadação direta por parte
CL
da empresa de e-mails funcionais, especial-
Como já sedimentado na esfera traba-
mente diante da natureza de meio de pro-
lhista, em julgados do Tribunal Superior
dução apenas cedido aos funcionários76.
do Trabalho75, integra a prerrogativa fisca-
lizatória ou diretiva da empresa monitorar Contudo, em que pese seja possível a
U
e eventualmente arrecadar as informações utilização dessas informações como pro-
presentes em equipamentos cedidos aos va em eventual processo penal derivado
da investigação corporativa, isso exige a
SI
empregados. Como incumbe à empresa o
risco da atividade econômica, em compen- observância de padrões mínimos de res-
sação, deve ser concedido à empresa o po- peito aos direitos individuais, especial-
der de fiscalizar e direcionar as energias do mente de duas questões imprescindíveis:
VO
74. GÓMEZ MARTÍN, Víctor. Compliance y derechos de los trabajadores. In: KUHLEN, Lothar;
MONTIEL, Juan Pablo; URBINA GIMENO, Íñigo Ortiz de (Coords.). Compliance y teoría del
SE
77. HAINZENREDER JÚNIOR, Eugênio. Direito à privacidade e poder diretivo do empregador: o uso do
e-mail no trabalho. São Paulo: Atlas, 2009. p. 163.
vacidade, pois cientificado sobre os limites menos invasivos. Inclusive, nesse ponto,
de uso dos instrumentos e a possibilidade ao julgar o caso Bărbulescu x Romênia82,
de arrecadação das informações79. a Corte Europeia de Direitos Humanos,
Essa posição, a título ilustrativo, foi em certo momento, indicou que a existên-
amplamente debatida no caso Copland x cia de meios menos invasivos de alcançar
Reino Unido80, conforme julgamento da uma informação os tornam preferenciais
SE
78. ANTONIETTO, Caio Marcelo Cordeiro; SILVA, Douglas Rodrigues. Aproveitamento de investi-
N
gações internas como prova no processo penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo,
ano 27, n. 156, p. 85, jun. 2019.
AD
82. EUROPA. Corte Europeia de Direitos Humanos. Case of Bărbulescu v. Romania: Application
61.496/08. Disponível em: [http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-177082]. Acesso em: 29.01.2021.
só na verificação
dos requisitos
que permitem o
acesso efetivo à
N
informação, mas
também em que
AD
medida se tem a
possibilidade de
rastrear e audi-
tar a informação
apresentada pela
O
investigação cor-
porativa.
83. SACCANI, Raúl. Investigaciones internas: una guía práctica. In: DURRIEU, Nicolás; SACCANI,
Raúl (Dir.). Compliance, anticorrupción y responsabilidad penal empresaria. Buenos Aires: La Ley,
2018. p. 323.
N
84. “Esse documento, conceitualmente, nada mais é do que o ato inicial da instrução preliminar
privada que deve ficar a cargo do responsável pela sua condução. Nele, assim como ocorre na
investigação pública, deverá o condutor do procedimento descrever os principais aspectos da in-
AD
vestigação, detalhando os objetivos a que se propõe, a duração média dos trabalhos, o cronograma
de diligências, a relação de pessoas investigadas [...], os locais da empresa que serão utilizados, os
locais e ambientes que serão objetos de diligências apuratórias, as pessoas que serão ouvidas e a
data prevista para tanto e o plano de ação que se adotará (necessidade de busca e apreensões, mo-
nitoramento de dispositivos eletrônicos, provimentos cautelares, perícias, interceptações etc.)”
O
6. Referências
CL
ANTONIETTO, Caio Marcelo Cordeiro; RIOS, Rodrigo Sánchez. Crimi
nal compliance: prevenção e minimização de riscos na gestão da ativi-
dade empresarial. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo,
ano 23, n. 114, p. 341-376, maio-jun. 2015.
U
ANTONIETTO, Caio Marcelo Cordeiro; SILVA, Douglas Rodrigues.
Aproveitamento de investigações internas como prova no processo
penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 27,
SI
n. 156, p. 61-90, jun. 2019.
BADARÓ, Gustavo Henrique. Epistemologia judiciária e prova penal. São
Paulo: Ed. RT, 2019.
VO
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. 8. ed. São Paulo: Ed. RT,
2020.
BORRI, Luiz Antônio; SOARES, Rafael Junior; MENEZES, Isabela Apa-
recida de. A quebra da cadeia de custódia da prova e seus desdobra-
mentos no processo penal brasileiro. Revista Brasileira de Direito
DO
Legislação
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.795.341, rel. Min. Ne-
fi Cordeiro, 6ª T., j. 07.05.2019, DJe 14.05.2019. Disponível em:
[https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_
O