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DOI: 10.52028/RBDPRO.V30i120.

220215SP

A aplicação da disregard doctrine aos


grupos econômicos de fato: a teoria
tridimensional do Direito de Miguel
Reale como fundamento teórico-jurídico
legitimador

Arlete Inês Aurelli


Doutora e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professora de Direito Processual
Civil nos cursos de graduação e pós-graduação stricto sensu da PUC-SP. Professora nos
cursos ESA/SP. Membro do IBDP e CEAPRO. Advogada. E-mail: arlete.aurelli@gmail.com.
ORCID: 0000-0002-9162-651.3.

Renato Vaquelli Fazanaro


Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professor assistente de Direito Processual
Civil no curso de graduação da PUC-SP. Servidor do Tribunal de Justiça de São Paulo. E-mail:
renatofazanaro@outlook.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6724-5972.

Resumo: O presente artigo visa a estudar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica e, a partir
da realização de pesquisa empírica, evidenciar que os tribunais brasileiros aplicam indiscriminadamente o
art. 50 do Código Civil como fundamento para combater a formação de grupos econômicos de fato. Ocorre
que, conforme se demonstrará, a desconsideração da personalidade jurídica e o reconhecimento de tais
grupos econômicos são coisas diversas, de modo que a aplicação genérica e indistinta do dispositivo
legal, com a consequência nele prevista, deslegitima as decisões judiciais e as vicia por falta de motivação
adequada. Para solucionar esse problema, será demonstrado como a teoria tridimensional do Direito, na
forma pensada por Miguel Reale, pode contribuir para o aperfeiçoamento do tema e servir de fundamento
teórico-jurídico a conferir legitimidade para a aplicação da consequência prevista no referido dispositivo
legal também aos grupos econômicos fraudulentos.
Palavras-chave: Teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Grupos econômicos de fato.
Teoria tridimensional do Direito de Miguel Reale.
Sumário: Introdução – 1 A teoria da desconsideração da personalidade jurídica – 2 Os grupos econômicos
de fato – 3 A teoria tridimensional do Direito de Miguel Reale – 4 A teoria tridimensional do Direito
como fundamento para o reconhecimento em juízo dos grupos econômicos fraudulentos – Conclusão
– Referências

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Arlete Inês Aurelli, Renato Vaquelli Fazanaro

Introdução
No presente artigo, pretendemos discorrer sobre a desconsideração da
personalidade jurídica, sendo que, na elaboração da pesquisa, utilizamos os métodos
indutivo e comparativo, pois se trata de fruto de observação e experiência, bem como
análise doutrinária e jurisprudencial sobre o tema.
A gênese da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (doctrine of
disregard of legal entity) remonta a precedentes judiciais da Inglaterra e dos Estados
Unidos, ainda do século XVIII, sendo efetivamente desenvolvida e sistematizada
pelo jurista alemão Rolf Serick, na década de 1950. Na literatura jurídica nacional,
Rubens Requião é apontado como o primeiro a tratar sistematicamente do tema,
no ano de 1969.
A teoria acabou por ser positivada no Direito brasileiro em diferentes diplomas
legais, até ser consagrada pelo Código Civil de 2002 (art. 50), com diferentes nuances
quanto aos pressupostos exigidos para a desconsideração.
Segundo a teoria maior, adotada pelo art. 50 do Código Civil, para efeito de
desconsideração, exige-se o requisito específico do abuso caracterizado pelo desvio
de finalidade ou confusão patrimonial.
O art. 50 do Código Civil visou combater o uso fraudulento da autonomia
patrimonial, própria das sociedades empresárias, trazendo como consequência a
extensão da responsabilidade patrimonial à pessoa física dos sócios, por conta de
débitos formalmente titularizados pela pessoa jurídica.
Foi verificada, entretanto, no plano dos fatos outra prática societária fraudulenta,
envolvendo pessoas jurídicas diversas daquela devedora formal, para fins de blindagem
patrimonial. Daí por que a consequência em abstrato prevista pelo Código Civil, a rigor,
não legitimaria a responsabilização de todos os componentes do grupo econômico
de fato, residindo aí o problema que se busca solucionar com o presente estudo.
Para tanto, utilizou-se a teoria tridimensional do Direito, na forma pensada por
Miguel Reale, pela qual propugna o Direito como sendo uma relação de dialeticidade
entre fato, valor e norma, sendo que a norma jurídica contempla uma elasticidade
própria e limitada, para adequar o sentido com ela pretendido à realidade fático-social
e garantir sua essência.
Destarte, foi constatado que a elasticidade inerente à norma do art. 50 do Código
Civil permite englobar os casos de reconhecimento de grupo econômico fraudulento
e servir de fundamento teórico para a aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica a tais casos, de modo a corrigir o fundamento meramente
retórico que se adota na prática judiciária para tanto.
A desconsideração da personalidade jurídica também é trazida em outras legisla‑
ções esparsas, mas o presente texto se circunscreve à normatização do Código Civil.

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É importante ressaltar que no Código de Processo Civil, nos artigos 133 a 137,
o incidente de desconsideração da personalidade jurídica foi trazido como uma das
modalidades de intervenção de terceiros. Trata-se de modalidade de intervenção
provocada, porque o terceiro é trazido independentemente de sua vontade: uma
pessoa (física ou jurídica), estranha ao processo, será citada e passará a ser
parte (ao menos até que o incidente seja resolvido). As garantias constitucionais
do contraditório, ampla defesa, devido processo legal e acesso à justiça impõem
que a pessoa física ou jurídica que poderá vir a ter seu patrimônio atingido tenha a
oportunidade de participar da aferição pelo juiz da configuração daqueles fundamentos.
Na lei processual, o incidente aplica-se à desconsideração inversa da personalidade
jurídica (art. 133, §2º, CPC/15). De fato, a desconsideração inversa caracteriza-se
pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para atingir o ente coletivo
e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações
do sócio, administrador ou de outras empresas. Na verdade, o art. 50 do Código
Civil abarca as duas formas de desconsideração: a tradicional e a inversa, sendo
aplicável, pois, na responsabilidade solidária de empresas integrantes de um mesmo
grupo econômico.

1 A teoria da desconsideração da personalidade jurídica


A nota característica da personalização das pessoas jurídicas é a autonomia,
especialmente patrimonial, em relação às pessoas físicas que a integram.1 Por isso,
o art. 20 do Código Civil de 1916 previa expressamente que “as pessoas jurídicas
têm existência distinta da dos seus membros”, e o art. 596, caput, primeira parte,
do CPC/1973, que “Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas
da sociedade senão nos casos previstos em lei”.2
Conquanto o desenvolvimento do instituto de pessoa jurídica tenha sido uma
contribuição extremamente valiosa para o Direito,3 era esperado que, cedo ou
tarde, fossem encontrados meios de empregá-la para fins ilícitos. Diz-se esperado
porque não faltam exemplos na história da humanidade de invenções e descobertas
científicas revolucionárias, feitas para o bem, que se voltaram para o mal.4 No âmbito
do fenômeno jurídico, não podia ser diferente.

1
Nesse sentido: JUSTEN FILHO, 1987, p. 24; COELHO, 1989, p. 13.
2
Correspondente ao art. 795, caput, do CPC/2015.
3
A importância do instituto da pessoa jurídica é destacada por Marçal Justen Filho (1989, p. 27): “dizia Ferrara
ao iniciar sua incomparável obra sobre a matéria ‘acaso não haverá, em toda a doutrina do Direito Civil,
assunto que reclame mais a atenção dos jurisconsultos do que o das pessoas jurídicas’”. O autor se refere
aqui a Francisco Ferrara, em especial à obra “Teorías de las Personas Jurídicas”, marco no estudo sobre o
tema.
4
Pode-se citar como exemplo simbólico a fissão nuclear, processo no qual núcleos pesados, como os de
urânio e plutônio, podem ser divididos quando atingidos por um nêutron ou outra partícula, gerando grandes

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A ilicitude passou a impregnar as pessoas jurídicas na medida em que foram


pensados os primeiros mecanismos para a realização de fraudes e uso abusivo de
direitos na esfera societária, justamente se aproveitando daquela separação de
patrimônios, para fins de blindagem de patrimônio.
Partindo de simples transferência de bens entre os patrimônios da pessoa jurídica
e dos seus sócios, em prejuízo dos credores, chegando a sofisticadas manobras
societárias, é um sem-fim de expedientes dos quais se podem lançar mão aqueles
que visam a se locupletar ilicitamente a partir da separação patrimonial que estrutura
o instituto da pessoa jurídica (COELHO, 1989, p. 13).
Nesse contexto, abriu-se campo na dogmática para o surgimento da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica,5 elaboração teórica destinada a coibir
práticas fraudulentas que se valem do instituto da pessoa jurídica6 (COELHO, 1989,
p. 13).
A título de breve escorço histórico, a desconsideração da personalidade jurídica
tem seu nascedouro na jurisprudência norte-americana, sendo o caso envolvendo
o Bank of United States e Deveaux, de 1809, o primeiro precedente registrado.
Na Inglaterra, o caso Salomon vs. Salomon & Co., julgado em 1897 pela House of
Lords, foi paradigmático, marcando a evolução jurisprudencial relativa à temática da
desconsideração da personalidade jurídica (MUNHOZ, 2004, p. 26).
Atribui-se o desenvolvimento da teoria e dos seus postulados, cuja sistematização
– e transposição para o âmbito da Civil Law – redundou na teoria como se conhece
atualmente, ao doutrinador alemão Rolf Serick.7 De fato, conforme esclarece Fabio
Ulhoa Coelho, Rolf Serick desenvolveu tal teoria a partir de monografia com a qual

quantidades de energia (GLEISER, 2007). A descoberta é atribuída a Fritz Strassman e Otto Hahn, no ano
de 1938 (CARVALHO, 2005), inclusive rendendo a este último o prêmio Nobel de Química em 1944. Um
ano depois, em 1945, centenas de milhares de pessoas morreram nas cidades japonesas de Hiroshima e
Nagasaki, justamente em razão da fissão nuclear, ferramental responsável pelo funcionamento das bombas
atômicas (nucleares) que foram jogadas por aviões de guerra norte-americanos.
5
“Denominada doctrine of disregard of legal entity ou lifting the corporate veil, no sistema da common
law, conhecida na França pela expressão mise à l’écart de la personnalité morale, qualificada, na Itália,
superamento della personalità giuridica, designada, na Alemanha durchgrff der juristichen Personen e, na
Espanha, desestimación de la personalidad jurídica” (GARCIA, 2016, p. 13).
6
Em igual sentido é a doutrina de Arnold Wald (2011, p. 140), para quem a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica “surgiu como mecanismo para coibir abusos perpetrados por agentes que, encobertos
sob o princípio da separação patrimonial, tornavam impossível o ressarcimento de prejuízos ocasionados
a terceiros por atos ilícitos, ou pelo simples esvaziamento de bens do patrimônio de suas sociedades que
garantissem o pagamento das dívidas sociais”.
7
Segundo Gilberto Gomes Bruschi (2009, p. 15), “apesar dos ingleses e norte-americanos terem se demonstrado
bastante inovadores e receptivos à tese da desconsideração da personalidade jurídica, a doutrina desses
países não teve tanto interesse em tratar do assunto, ao menos no início de sua utilização (...) foi na Europa
Continental, principalmente na Alemanha, que os doutrinadores passaram a estudar com maior afinco tal
teoria (...). Não se pode abordar esse item sem que se mencione o renomado jurista alemão Rolf Serick,
pois foi ele quem, ainda na década de 50, após realizar estudos em diversos casos do Direito alemão e
norte-americano, e tendo como parâmetro a teoria denominada durchgriff der juristichen Personen, elaborou
a sistematização da teoria da desconsideração da personalidade jurídica”.

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obteve o título de Privat-Dozent pela Universidade de Tübingen, no semestre letivo


de inverno de 1952-1953 (COELHO, 1989, p. 9).8
O trabalho de Rolf Serick direciona a quatro postulados básicos, que são: (i) o
juiz, diante de qualquer ato que, por meio do instrumento da pessoa jurídica, vise
frustrar a aplicação da lei, disposição contratual ou prejudicar terceiros de modo frau‑
dulento, deve desconsiderar o princípio da separação entre o sócio e pessoa jurídica;
(ii) a mera insatisfação do direito do credor da sociedade não autoriza o emprego da
teoria; (iii) para o atendimento dos pressupostos da norma jurídica, devem-se levar
em conta as pessoas físicas que agiram pela pessoa jurídica; (iv) não se deve admitir
negócio jurídico realizado consigo mesmo, ou seja, aquele realizado entre um sócio
(pessoa natural) e a pessoa jurídica da qual é membro (COELHO, 2016, p. 62-63).
Em linhas gerais, originalmente a desconsideração da personalidade jurídica
tem como consequência a extensão da responsabilidade pelo pagamento de dívidas
contraídas em nome da pessoa jurídica às pessoas físicas dos seus integrantes,
exigindo-se, para tanto, a existência de fraude ou abuso de direito no uso do ente.
Há que se ressaltar, porém, que é um mecanismo que visa resguardar a própria
pessoa jurídica utilizada para perpetrar a fraude, de modo que a despersonificação
é episódica, mantendo-se íntegros os seus atos constitutivos.
Exposta a gênese, os fins almejados e a consequência decorrente da desper‑
sonalização da pessoa jurídica, passa-se à análise da experiência brasileira, isto é,
de que forma a disregard doctrine foi importada pelo ordenamento jurídico brasileiro.

1.1 A importação brasileira


Na literatura jurídica nacional, Rubens Requião é apontado como o primeiro a
tratar sistematicamente do tema da desconsideração da personalidade jurídica, em
palestra transformada em artigo – inclusive cunhando o termo “desconsideração”,
após tradução da literatura estrangeira. Externou sua preocupação com a utilização
da pessoa jurídica para fins escusos, especialmente como “anteparo de fraude,
sobretudo, para contornar as proibições estatutárias do exercício do comércio ou
outras vedações legais”.9
A teoria acabou por ser positivada no Direito brasileiro em diferentes diplomas
legais, na seguinte ordem cronológica: (i) art. 28 da Lei nº 8.078/90 (Código de
Defesa do Consumidor – CDC); (ii) art. 18 da Lei nº 8.884/94 (Lei Antitruste – atual
art. 34 da Lei nº 12.529/2011; (iii) art. 4º da Lei nº 9.605/98 (COELHO, 2016,

8
No mesmo sentido: REQUIÃO, 2010, p. 440; FILHO, 2006, p. 208-210.
9
REQUIÃO, 1969, p. 12.

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p. 73/77),10 até ser consagrada pela Lei nº 10.406/2002 (Código Civil de 2002
– “Código Civil”), com diferentes nuances quanto aos pressupostos exigidos para
a desconsideração (comumente referidos como “teoria maior” e “teoria menor”
da desconsideração da personalidade jurídica). De fato, Fabio Ulhoa Coelho critica
o que denomina de “aplicação incorreta da teoria da desconsideração”, que é a
teoria menor, porquanto adepto da teoria subjetiva ou unitária, pela qual a fraude
ou abuso de direito na utilização da pessoa jurídica é indispensável. Para o autor,
atualmente, os conceitos de “maior” e “menor” estão, “felizmente” – diz o autor –,
ultrapassados.11
A “teoria maior”, positivada pelo Código Civil, em seu art. 50, permite que o órgão
julgador venha superar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas em situações
em que, além da prova da insolvência do devedor, ocorra a demonstração de desvio
de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração) ou de confusão patrimonial (teoria
objetiva da desconsideração).12
A “teoria menor”, acolhida pelo CDC, em seu art. 28, contenta-se com o dado
objetivo do prejuízo do credor (consumidor), prejudicado pela insolvência da pessoa
jurídica devedora, para autorizar a desconsideração, não exigindo prova do desvio
de finalidade ou de confusão patrimonial.
Além disso, o instituto apresenta duas variantes fundamentais: a desconsideração
direta e a desconsideração inversa.
A desconsideração direta, inicialmente concebida, permite a superação dos
efeitos da personificação da pessoa jurídica para atingir os bens particulares dos
sócios por dívidas sociais, tendo sido originariamente positivada pelo art. 50 do
Código Civil nos seguintes termos:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado


pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz
decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe
couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos
administradores ou sócios da pessoa jurídica.

10
Entende-se que, a rigor, os arts. 2º, §2º, da CLT e 135 do Código Tributário Nacional compreendem a imposição
legal de responsabilidade solidária ou subsidiária, não se enquadrando em hipóteses de desconsideração
da personalidade jurídica, pela qual se tem a ineficácia episódica da distinção patrimonial entre a sociedade
e seus sócios. Tal fato não exclui, polêmicas à parte, a possibilidade de aplicar a disregard em situações
que não as previstas em tais dispositivos.
11
COELHO, 2016, p. 71.
12
Como ensinado por Carlos Roberto Gonçalves: “A teoria ‘maior’, por sua vez, divide-se em objetiva e subjetiva.
Para a primeira, a confusão patrimonial constitui o pressuposto necessário e suficiente da desconsideração.
Basta, para tanto, a constatação da existência de bens de sócio registrados em nome da sociedade e vice-
versa. A teoria subjetiva, todavia, não prescinde do elemento anímico, presente nas hipóteses de desvio de
finalidade e de fraude” (GONÇALVES, 2010, p. 251).

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Já a desconsideração inversa é consequência lógico-jurídica do próprio instituto,


porquanto, assim como a autonomia patrimonial da pessoa jurídica e dos seus
membros pode ser usada para o cometimento de fraudes e abusos de direito, também
é possível que estes protejam (ou melhor, esvaziem) seus bens e os integralizem na
pessoa jurídica, evitando a incursão dos credores sobre o seu patrimônio pessoal.
Até então limitada ao campo doutrinário e jurisprudencial, foi positivada no Código
de Processo Civil de 2015 (art. 133, §2º).
Cabe, ainda, relevar a pioneira previsão do §5º do art. 28 do CDC, que autoriza
“ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma
forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”.
Uma leitura mais apressada do seu teor pode induzir ao erro de se achar que
a mera existência de prejuízo patrimonial bastaria para a desconsideração. E como
a interpretação do Direito não é compatível com leituras apressadas, a conclusão
mencionada está longe de ser a correta.
Isso porque contrariaria os fundamentos teóricos da disregard doctrine, que
visa ao aperfeiçoamento da pessoa jurídica, não a sua negação. Com isso, só há que
se desprezar sua autonomia patrimonial em havendo fraude ou abuso de direito, não
bastando a mera insatisfação do credor. Do contrário, representaria a eliminação do
instituto da pessoa jurídica no campo consumeirista e, inclusive, confrontaria com o
próprio caput do art. 28, que limita as hipóteses do superamento da personalidade
jurídica (COELHO, 2016, p. 75).
Por fim, ressalte-se que, para a presente pesquisa, efetuou-se um recorte
metodológico consistente na análise exclusivamente da teoria da desconsideração
da personalidade jurídica, tal como positivada no art. 50 do Código Civil, de modo que
não se abordarão os dispositivos legais inseridos em outros códigos ou legislação
esparsa. O que se passa, agora, a demonstrar.

1.1.1 A positivação no Código Civil


O anteprojeto do Código Civil em vigor, elaborado pela respectiva Comissão
Revisora e Elaboradora, sob a supervisão de Miguel Reale, foi enviado ao Congresso
Nacional na data de 10 de junho de 1975 (Projeto de Lei nº 634, de 1975).13
Segundo as palavras do seu supervisor, o Código pautou-se por uma compreensão
concreta, e não abstrata, do Direito, com o objetivo último de se atingi-lo in concreto,

13
Para um estudo aprofundado sobre as minúcias de toda a tramitação legislativa – que perdurou por 27 anos
– do projeto que deu origem ao Código Civil Brasileiro de 2002, cf. PASSOS, Edilenice; LIMA, João Alberto
de Oliveira. Memória legislativa do Código Civil: 4 v. Senado Federal, 2012. Disponível em: http://www2.
senado.leg.br/bdsf/handle/id/242712.

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“por meio de adequados processos hermenêuticos vinculados a exigências


experienciais” (1984, p. 34).
Na Exposição de Motivos,14 o supervisor expõe que a estrutura do Código, em
referência não ao arcabouço extrínseco das suas normas, mas às normas mesmas
na sua íntima e complementar unidade, foi baseada no propósito que alicerça a
Ciência do Direito nos dias atuais, isto é, como ciência de experiência social concreta
(SENADO FEDERAL, 2005, p. 32).
E tal concepção concretista do Direito permeia toda a Exposição de Motivos
subscrita por ele.15 O excerto a seguir bem representa esse ideal e aponta para
a diretriz fundamental de que o texto posto não se encerra em si mesmo, sendo
passível de constante atualização, a fim de adequar-se aos imperativos da realidade
fático-social e à experiência social e econômica, bem como às novas exigências da
Ciência Jurídica:

Códigos definitivos e intocáveis não os há, nem haveria vantagem em


tê-los, pois a sua imobilidade significaria a perda do que há de mais
profundo no ser do homem, que é o seu desejo perene de perfectibili‑
dade. Um Código não é, em verdade, algo de estático ou cristalizado,
destinado a embaraçar caminhos, a travar iniciativas, a provocar para‑
das ou retrocessos: põe-se antes como sistema de soluções normati‑
vas e de modelos informadores de experiência vivida de uma Nação, a
fim de que ela, graças à visão atualizada do conjunto, possa com segu‑
rança prosseguir em sua caminhada (SENADO FEDERAL, 2005, p. 24).

14
A Exposição de Motivos do Código Civil se fragmenta em duas: a primeira, denominada “Exposição de
Motivos do Senhor Ministro de Estado da Justiça”, subscrita por Armando Falcão, então Ministro da Justiça,
e endereçada ao Presidente da República; a segunda, denominada “Exposição de Motivos do Supervisor
da Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil”, subscrita por Miguel Reale, endereçada ao referido
Ministro da Justiça. Vale mencionar que o projeto de lei instituindo o Código Civil foi enviado então pelo
Presidente da República (Ernesto Geisel) ao Congresso Nacional, acompanhada das exposições referidas,
por intermédio da Mensagem nº 160, de 10 de junho de 1975. Do texto assinado pelo Ministro da Justiça,
extraem-se dados valiosos acerca do processo legislativo, em especial que a “Comissão Revisora e Elaboradora
do Código Civil foi constituída no ano de 1969, sendo o primeiro texto do anteprojeto elaborado em 1972.
Após isso, a Comissão se reuniu por diversas outras vezes fiel ao seu propósito de elaborar um anteprojeto
correspondente às reais aspirações da sociedade brasileira, graças à manifestação dos diferentes círculos
jurídicos, e de quantos se interessaram pelo aperfeiçoamento de nossa legislação civil”. Como resultado,
apresentou-se um novo anteprojeto, publicado em 18 de junho de 1974, sendo que, então, novas sugestões
e emendas foram analisadas, até se chegar no texto final, “que, no dizer de seus autores, transcende as
pessoas dos que o elaboraram, tão fundamental e fecunda foi a troca de ideias e experiências com os mais
distintos setores da comunidade brasileira” (SENADO FEDERAL, 2005, 20).
15
Na parte em que expõe a “orientação metodológica” adotada, afirma que “a elaboração do Anteprojeto
de Código Civil obedeceu a um processo até certo ponto inédito, marcado pela aderência aos problemas
concretos da sociedade brasileira, segundo um plano preestabelecido de sucessivos pronunciamentos por
parte das pessoas e categorias sociais a que a nova lei se destina. Essa linha metodológica tornou-se
mais nítida à medida que vieram sendo desenvolvidos os trabalhos, o que confirma, no campo das ciências
humanas, o acerto epistemológico de que, na pesquisa científica, é o contato direto e efetivo com a realidade
que gera as técnicas e os métodos mais adequados à sua compreensão”. Ademais, erige a “socialidade”
e “concreção” à categoria de “princípios que fundamentalmente informam e legitimam a obra programada”
(SENADO FEDERAL, 2005, p. 27).

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Imbuída desse espírito que se positivou no art. 50 do Código Civil, a teoria


da desconsideração da personalidade jurídica, conforme sua concepção clássica e
modalidade direta.
Tratava-se, com efeito, de exigência constatada a partir da análise da aludida
“experiência social concreta”, a qual revelava o uso da autonomia patrimonial da
pessoa jurídica para fins ilícitos. Confiram-se a respeito as palavras do próprio Miguel
Reale ao falar dos motivos inspiradores do anteprojeto:

Não abandonamos o princípio que estabelece a distinção entre pessoa


jurídica e os seus membros componentes, mas também não converte‑
mos esse princípio em tabu, até o ponto de permitir sejam perpetrados
abusos em proveito ilícitos dos sócios e em detrimento da comunida‑
de. A todo instante nos deparamos com essa triste realidade, um dos
subprodutos da economia de consumo. Indivíduos há que organizam
empresas comerciais e, valendo-se das técnicas modernas de propa‑
ganda, sob a proteção da personalidade jurídica distinta, realizam vul‑
tosas operações, cujos resultados são imediatamente postos em seus
nomes individuais: a empresa quebra, mas os sócios se enriquecem à
custa dos incautos. Cumpre, pois, pôr um paradeiro nesse estado de
coisas, fazendo com que o patrimônio pessoa dos sócios, que agirem
dolosamente, respondam pelas dívidas sociais, ainda que a sociedade
seja de responsabilidade limitada [...] Não obstante a pessoa jurídica
não seja uma ‘ficção’, mas uma realidade cultural, dotada de existên‑
cia autônoma, cumpre prever os casos de desvio das minalidades so‑
cioeconômicas que determinaram o reconhecimento dessa autonomia
(REALE, 1972, p. 10).

Da análise da redação do dispositivo, percebe-se que o “paradeiro” posto “nesse


estado de coisas” é justamente a extensão aos bens particulares dos administra‑
dores ou sócios da pessoa jurídica dos efeitos de “certas e determinadas relações
de obrigações”, “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo
desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial”.

2 Os grupos econômicos de fato


A toda evidência, a formação de grupos econômicos, ou grupo de sociedades
empresárias, não traz em si qualquer ilicitude.16 Ao revés, é uma exigência do sistema
econômico contemporâneo, cujo modelo predominante é cada vez mais globalizado,

16
Salienta-se que, pelos motivos ora apresentados, serão utilizadas à frente no trabalho as expressões “grupos
econômicos fraudulentos”, “grupos econômicos de fato” ou apenas “grupos econômicos” sempre se referindo
aos grupos econômicos, ou grupo de sociedades, que se constituam pela modalidade “de fato”, e com fins
fraudulentos.

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tornando obsoleto o modelo tradicional de sociedade comercial “individual” ou


“unissocietária”17 (ANTUNES, 2005).
O agrupamento de sociedades é uma técnica de organização jurídica moderna18
fortemente presente nos países, especialmente nos mais desenvolvidos.19 Para
ilustrar tal cenário, recorre-se à didática conclusão de José Engrácia Antunes:

o átomo cedeu progressivamente o seu lugar à molécula, tendo a fisio‑


nomia da prática empresarial contemporânea deixado de ser fielmente
retratada pela sociedade individual e isolada (empresa unissocietária)
para passar a vir reflectida essencialmente na emergência de grupos
societários (empresa de grupo ou empresa plurissocietária), que assim
se tornou verdadeiramente no “actor central do nosso sistema econó‑
mico” (ANTUNES, 2005, p. 36).

Por oportuno, adota-se o conceito fornecido pelo referido autor do que seja um
grupo de sociedades:

conjunto mais ou menos vasto de sociedades comerciais que, conser­


vando embora formalmente a sua própria autonomia jurídica (sociedades-
filhas, ‘subsidiaries’, ‘Tochtergesellschaften’, ‘filiales’, ‘filiali’), se
encontram subordinadas a uma direcção económica unitária exercida
por uma outra sociedade (sociedade-mãe, ‘group headquarters’,
‘Muttergesellschaft’, ‘cappo-gruppo’, ‘société-mère’) (ANTUNES, 2005,
p. 35).

O ordenamento jurídico pátrio incorporou a ideia de que os grupos econômicos


podem existir licitamente, a teor da previsão expressa do art. 26520 da Lei nº 6.404/76
(Lei das Sociedades Anônimas) e da respectiva regulamentação, prevista nos artigos
subsequentes, dentre os quais se destaca o art. 266, o qual assegura que “cada
sociedade conservará personalidade e patrimônios distintos”.

17
Fábio Konder Comparato (1970, p. 363) há muito constatou que a empresa isolada é uma realidade condenada
em todos os setores, máxime naqueles em que o progresso está intimamente ligado à pesquisa tecnológica.
18
Vale transcrever a lição de Sérgio Campinho: “Os grupos econômicos são uma realidade no mundo
contemporâneo. Apresentam-se como uma técnica de exploração racional da atividade empresarial, na busca
do atingimento de um processo de investimentos, pesquisa, produção e comercialização mais eficientes. A
aglutinação empresarial é uma forma de encarar eficazmente os desafios da economia de escala” (CAMPINHO,
2011, p. 315).
19
Para estudo mais detalhado sobre o tema, cf. ANTUNES, 2005. Extrai-se de tal artigo que, já no início dos
anos 2000, “Os cadastros estatístico-societários disponíveis nos três maiores mercados mundiais (a famosa
“Global Triad”: Estados Unidos da América, União Europeia, Japão) indiciam uma inequívoca tendência das
sociedades para perderem o seu originário estatuto de independência, recorrendo crescentemente à técnica do
grupo societário: assim acontece com cerca de 70% das sociedades comerciais na Alemanha, 50% na Suíça,
60% na França, 55% na Inglaterra, 65% nos Estados Unidos, e 88% no Japão” (ANTUNES, 2005, p. 35).
20
“Art. 265. A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo
de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização
dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns”.

26 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 30, n. 120, p. 17-49, out./dez. 2022
A APLICAÇÃO DA DISREGARD DOCTRINE AOS GRUPOS ECONÔMICOS DE FATO: A TEORIA TRIDIMENSIONAL...

Postas tais premissas, vê-se que as sociedades componentes do grupo eco‑


nômico, não obstante a unidade de comando, mantêm a sua autonomia jurídica e
patrimonial, de tal sorte que cada uma preserva sua personalidade individual, não
se personificando o grupo propriamente dito. Formalmente e, em regra, portanto,
cada uma tem as suas responsabilidades e patrimônio próprio, desvinculado do
patrimônio e não respondendo solidariamente por dívida das demais.21
Tais grupos de sociedades podem ser de fato e de direito. Estes são organizados
juridicamente, materializados em uma convenção que é registrada na Junta Comercial.
Os grupos de fato, por sua vez, não detêm organização jurídica, tampouco uma es‑
trutura organizacional formalmente definida, fazendo-se presente quando existirem
quaisquer sociedades sob relação de controle ou coligação (COELHO, 2016, p. 469).
Sem dúvida, os grupos de fato eram mais um prato cheio para aquela aludida
tendência humana de corromper a ordem das coisas.22
Se não bastasse essa “brecha” na própria raiz do instituto, o ordenamento
jurídico pátrio não regula de forma adequada os grupos econômicos, coexistindo
conceitos e requisitos variados para sua configuração, a depender da ótica do ramo
do Direito em que esteja sendo considerado.23
Assim, somada essa multifacetada configuração do próprio conceito de grupo
econômico, o risco – ou até o mesmo o caos – se torna iminente. Em síntese, em
se tratando de grupos econômicos, o risco patológico se concentra naqueles não
institucionalizados, ou conforme anotado por Gustavo Viegas Marcondes (2016, p.
11): “aqueles grupos econômicos meramente de fato, nos quais inexiste qualquer
relação institucional entre as sociedades integrantes do grupo, nada obstante se
observe intensa comunhão de ações empresárias entre elas”.

21
Apenas circunstâncias excepcionais e legalmente previstas ensejam a responsabilização patrimonial compulsória
das empresas integrantes de um grupo econômico do qual participa empresa que figura no polo passivo
de um processo judicial. Citem-se, como exemplo: (i) a hipótese de infração de ordem econômica (art. 33
da Lei nº 12.529/2011); (ii) cumprimento de obrigações previdenciárias (art. 30, IX, da Lei nº 8.212/91),
consumeristas (art. 28, §2º, do Código de Defesa do Consumidor) ou dívidas trabalhistas (art. 2º, §2º, da
Consolidação das Leis do Trabalho); (iii) por deliberação do próprio grupo, que pode estabelecer eventual
solidariedade passiva entre elas em contrato (art. 265 do Código Civil).
22
A existência de uma unidade de controle sobre uma pluralidade de empresas, formalmente autônomas,
possibilita que a existência de um interesse comum entre as diversas empresas componentes do grupo
fique encoberta pelo “véu” da personalidade jurídica e, somente quando levado o “véu”, constata-se que
a realidade subjacente é a de um grupo de empresas. Isso tem se prestado como elemento ideal para os
grupos, que vêm utilizando-se da personalidade jurídica das empresas isoladas para negarem a sua existência
e eximirem-se de responsabilidades (KOURY, 2000, p. 89-90).
23
Com efeito: (i) o referido art. 2º, §2º, da CLT considera existir grupo econômico ‘sempre que uma ou mais
empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle
ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica”;
(ii) na esfera do Direito Societário, a Lei nº 404/1976 prevê os conceitos de sociedades coligadas, grupos de
sociedades e consórcio (art. 243 e seguintes); (iii) o Código de Defesa do Consumidor disciplina a matéria ao
prever a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica (art. 28), estabelecendo ser extensíveis
os efeitos da desconsideração às sociedades componentes dos grupos societários e sociedades controladas.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 30, n. 120, p. 17-49, out./dez. 2022 27
Arlete Inês Aurelli, Renato Vaquelli Fazanaro

Esposa-se a conclusão do autor, no sentido de que:

Nesses casos, evidentemente, a inexistência formal do grupo de so‑


ciedade não pode sobrepujar a sua existência material, de modo que
os mesmos efeitos jurídicos lhes devem ser aplicados, mediante ativi‑
dade jurisdicional especificamente voltada a esse fim. (MARCONDES,
2016, p. 11).

Melhor dizendo: se constatado o uso abusivo do grupo econômico de fato, ou


seu direcionamento para perpetração de fraude,24 geralmente a partir da confusão
entre as empresas componentes, seja relativa à denominação, à organização ou ao
patrimônio, aliada à insolvência da sociedade devedora, deve haver a intervenção
do Estado-juiz para realizar a necessária repressão.
Ora, se a independência jurídica e a separação patrimonial das empresas,
características que decerto motivaram a formação do grupo pelo sócio controlador,
estão sendo utilizadas para o mal, estão sendo desrespeitadas, não há por que
os juízes tenham que respeitá-las. Precisas são as considerações de Fábio Konder
Comparato (2008, p. 362):

O que se pretende em suma, tanto na companhia isolada como no


grupo econômico, é simplesmente adequar o direito à realidade eco‑
nômica, considerando a personalidade jurídica em sua verdadeira di‑
mensão, isto é, como técnica, meramente relativa, de separação de
patrimônios, e não como entidade metafísica de valor absoluto.

E o remédio para se combater essa “novel” prática societária fraudulenta,


apontada desde logo por muitos, é a teoria clássica da desconsideração da
personalidade jurídica.
Todavia, a questão não é tecnicamente simples assim e deve ser devidamente
analisada para se evitar impropriedades jurídicas graves. E é justamente aqui que
reside o ponto central do problema: desconsiderar a personalidade jurídica é uma
coisa, reconhecer a existência de grupo econômico de fato fraudulento é outra.
Por primeiro, se levada a ferro e fogo a teoria clássica de desconsideração
(consagrada no art. 50 do Código Civil) e o que ela propugna, os grupos econômicos
sequer poderiam existir, porquanto eles pressupõem a unidade de controle como
pressuposto da estrutura, o que caracterizaria, a rigor, justamente o abuso da
personalidade jurídica dos seus entes, mediante confusão patrimonial e desvio de

24
Oportuna é a transcrição da seguinte lição de Fábio Ulhoa Coelho: “Diferem-se fraude e abuso de direito,
para a formulação subjetiva da teoria da desconsideração, quanto às intermediações entre a intenção de
prejudicar o terceiro e o dano. Enquanto na fraude, inexiste elemento intermediário, no abuso de direito,
a intenção de prejudicar terceiro procura se viabilizar através do exercício de um direito, porém de forma
distorcida” (COELHO, 1989, p. 60).

28 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 30, n. 120, p. 17-49, out./dez. 2022
A APLICAÇÃO DA DISREGARD DOCTRINE AOS GRUPOS ECONÔMICOS DE FATO: A TEORIA TRIDIMENSIONAL...

finalidade, abrindo margem para a extensão da responsabilidade patrimonial e a


consequente perda da razão de ser – lícita – do instituto.25
Por segundo, na hipótese de reconhecimento de grupos econômicos fraudulentos,
não são os sócios da devedora que são atingidos (ou a própria pessoa jurídica, no
caso da desconsideração inversa), mas também outras pessoas jurídicas e/ou físicas,
em conjunto com aquela que já integra a relação jurídica processual.
Indo mais a fundo, pela disregard, a responsabilização atinge apenas os sócios
da empresa cujo véu da autonomia dos direitos de personalidade foi levantado ou a
própria empresa, no caso da modalidade inversa. Tem efeitos diretos ou intrínsecos,
restritos ao âmbito da própria pessoa jurídica.
Nos grupos econômicos fraudulentos, responsabilizam-se pessoas jurídicas
ou físicas, que não integrantes formais da empresa devedora, não havendo o
“levantamento do véu”, mas sim a unificação das distintas personalidades jurídicas
para fins patrimoniais. Os efeitos são externos ou extrínsecos, ultrapassando o
limitado âmbito da pessoa jurídica devedora.
Exsurge do cenário posto que os objetivos almejados com a teoria clássica da
desconsideração da personalidade jurídica se tornaram anacrônicos, incompatíveis
com a realidade socioeconômica dos dias atuais, sendo, a princípio, inadequada a
aplicação da desconsideração no grupo de sociedades.
Como afirmado por Caricielli Maísa Longo (2018, p. 76):

Os fundamentos para a concessão da desconsideração, em relação


aos grupos de sociedade de fato, eram equivocados e com o intuito
de proteger credores, sem qualquer respaldo nos elementos caracte‑
rizadores do art. 50 do CC. Ante a imprecisão da norma na proteção
de todos os envolvidos nos grupos econômicos, o instituo da descon‑
sideração tornou-se uma “válvula de escape”. “É como se os juízes
tivessem encontrado uma forma de fazer justiça, quando a aplicação
da lei não é capaz de fazê-lo”.

Em resumo, a teoria clássica da desconsideração, aplicada de maneira


casuística, revela-se incompatível com a estrutura socioeconômica das formas
atuais de organização da atividade empresarial. Os grupos de sociedades precisam
de direito próprio,26 aderente à realidade empresarial, de tal forma que a doutrina
da desconsideração atue como remédio a enfrentar abusos de direito, fraudes e
desvios de finalidade, identificados em casos específicos (MUNHOZ, 2004, p. 44-47).

25
Pedro Ivan Vasconcellos Hollanda afirma que ocorre nos grupos societários aquilo que José Lamartine
Corrêa de Oliveira denominou de “dupla crise da pessoa jurídica”, na medida em que, pela teoria clássica da
desconsideração e da sociedade comercial, não se admite o abuso de sua personalidade jurídica, mas, por
outro, reconhece-se a possibilidade de um ente sofrer influência, comando e ser dominado por um outro ente
personalizado, atuando como se uma só personalidade jurídica houvesse, a qual, porém, não é reconhecida
pelo Direito (HOLLANDA, 2008, p. 181).
26
Em sentido oposto, Suzy Elizabeth Cavalcanti Koury (2000, passim).

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Arlete Inês Aurelli, Renato Vaquelli Fazanaro

Em que pese a necessidade de direito próprio, a realidade é que o reconhecimento,


no caso concreto, tem sido recorrentemente empreendido pelos Tribunais, conquanto
ainda se ressintam, doutrina e jurisprudência, de parâmetros claros e uniformes
para a sua configuração.
Por consequência, observa-se nítida multiplicação de mecanismos procedimentais
para que se alcance esse resultado, no curso do processo, além dos já mencionados
requisitos materiais para a configuração do grupo econômico.
Ao fim e ao cabo, verifica-se intenso casuísmo e atecnia jurisprudencial sobre
a questão. É o que se pretende demonstrar na subseção seguinte.

2.1 O entendimento jurisprudencial


Feita a necessária introdução teórica a respeito da teoria da desconsideração
da personalidade jurídica e dos grupos econômicos de fato, passa-se à fase empírica
do presente estudo, a fim de evidenciar o problema constatado.
Repisa-se: foi realizado um recorte temático, limitando-se a pesquisa à esfera de
incidência direta do art. 50 do Código Civil, isto é, à forma como nele foi positivada
a disregard doctrine e as consequências previstas. Assim, não guardam pertinência
temática as previsões do CTN, CDC etc. sobre a matéria.
Além disso, a análise jurisprudencial se restringiu ao âmbito do Superior Tribunal
de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tendo sido realizada por
intermédio dos endereços eletrônicos dos referidos tribunais.27
Não se pretendeu exaurir os julgados das Cortes, mas tão somente amealhar
material suficiente para definir os critérios adotados para a aplicação da teoria da
desconsideração de personalidade jurídica aos grupos econômicos fraudulentos.
Para a realização da pesquisa, foi utilizado o seguinte método: no ambiente
de pesquisa da jurisprudência do STJ, na opção “pesquisa livre”, inseriram-se as
expressões “desconsideração da personalidade jurídica” e “grupo econômico”,28
com o fim de delimitar o campo amostral de resultados possíveis.
Como resultado foram encontrados 66 acórdãos, 2.136 decisões monocráticas
e 5 informativos de jurisprudência, nenhum acórdão de repetitivos e nenhuma súmula.
Empregaram-se para análise os informativos de jurisprudência, porquanto
selecionam os julgados que o próprio Tribunal entende como os mais relevantes
para guiar sua jurisprudência, e os acórdãos, que representam o entendimento
de um colegiado, e não apenas de um Ministro. E mais: consideraram-se apenas

27
Respectivamente, www.stj.jus.br e www.tjsp.jus.br.
28
Com a inserção das expressões “desconsideração da personalidade jurídica” e “grupo de sociedades”,
obtiveram-se os mesmos resultados. Ressalte-se, ademais, que o emprego das aspas na pesquisa tem o
objetivo de buscar tão somente a expressão exata que esteja dentro delas.

30 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 30, n. 120, p. 17-49, out./dez. 2022
A APLICAÇÃO DA DISREGARD DOCTRINE AOS GRUPOS ECONÔMICOS DE FATO: A TEORIA TRIDIMENSIONAL...

aqueles em que a questão da aplicação da teoria aos grupos econômicos tenha sido
efetivamente enfrentada, desprezando os que se limitaram a reafirmar entendimentos
lançados em outros julgados ou afirmaram que o julgamento do mérito afrontaria a
Súmula nº 7 da Corte.29
Dos 5 informativos, 3 não tinham pertinência temática com a pesquisa, porquanto
ou envolviam execuções fiscais e aplicação do Código Tributário Nacional, ou se
limitavam à resolução de conflito de competência. Os 2 pertinentes envolviam a
aplicação da teoria a grupos econômicos envolvendo sociedade falida, isto é, se as
demais sociedades do grupo respondiam pelos débitos da falida.
Em todos os casos se permitiu a aplicação da teoria desde que se fizesse
presente a fraude ou abuso de direito, em face da lei ou, especialmente, credores,30
sendo o fundamento principal evitar fraudes aos credores da falida.31
Destaca-se, em especial, o informativo decorrente do REsp 1.259.020-SP, quando
alude à “nova roupagem” da técnica de desconsideração da personalidade jurídica:

A cadeia societária descrita no caso demonstra a existência de um


modus operandi que evidencia a influência de um grupo de socieda‑
des sobre o outro, seja ele ou não integrante do mais amplo. Logo, é
possível coibir esse modo de atuação mediante o emprego da técni‑
ca da desconsideração da personalidade jurídica, ainda que para isso
lhe deva dar nova roupagem. A jurisprudência tem que dar resposta a
um anseio social, encontrando novos mecanismos para a atuação do
direito, tendo a desconsideração da personalidade jurídica que se en‑
contrar em constante evolução para acompanhar todas as mudanças
do tecido social e coibir, de maneira eficaz, todas as novas formas de
fraude mediante abuso da personalidade jurídica.

29
A qual impede o revolvimento das provas carreadas aos autos e a modificação das premissas fático-probatórias.
Eis o teor do respectivo verbete: “Súmula 7. A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso
especial”.
30
AgRg no REsp 1.229.579-MG, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 18.12.2012 (Informativo nº 0480, Período:
1º a 12 de agosto de 2011); REsp 1.259.020-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 9.8.2011 (Informativo
nº 0453, Período: 25 a 29 de outubro de 2010).
31
No Recurso Especial nº 63.652/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, unânime, DJ 21.08.2000, consignou-se: “O
pedido de falência foi apresentado contra a empresa G.R.S. Serviços Motorizados Ltda. Verificou-se, porém,
que tal sociedade desaparecera, assumindo o seu lugar a ora agravante – H.L. Serviços Motorizados S/C
Ltda. (...) Daí a aplicação pelo decisório recorrido da teoria da ‘disregard of legal entity’, a ponto de o V.
Acórdão enfatizar, de modo pertinente, que ‘decretar somente a quebra da G.R.S. significaria fechar os olhos
para a realidade e premiar o embuste, deixando os credores no mais completo desamparo’”. No Recurso
Especial nº 211.619/SP, DJ 23.04.2001: “(...). FALÊNCIA. EXTENSÃO DOS EFEITOS. COMPROVAÇÃO DE
FRAUDE. APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. (...) III – Provada a existência
de fraude, é inteiramente aplicável a Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica a fim de resguardar os
interesses dos credores prejudicados. (Voto do Relator): No caso em exame, a decisão de primeiro grau
explicitou longamente a promiscuidade de negócios entre as empresas, as práticas maliciosas, tendentes
a fraudar credores. A exposição é minuciosa, constando especialmente de fls. 98 e seguintes, e a ela me
reporto. Dela se verifica que, constituindo as empresas um só grupo econômico, com a mesma direção, os
negócios eram conduzidos tendo em vista os interesses desse e não os de cada uma das diversas sociedades.
A separação era apenas formal. Considero, com base na moderna doutrina sobre a matéria, que a teoria
da desconsideração da personalidade é de ser aplicada entre nós, embora regra expressa só exista para
situações específicas, como se verifica no âmbito das relações trabalhistas (CLT, art. 2º, §2º) e de consumo
(CDC, art. 28). Esse último dispositivo, aliás, admite a desconsideração quando houver falência”.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 30, n. 120, p. 17-49, out./dez. 2022 31
Arlete Inês Aurelli, Renato Vaquelli Fazanaro

De outro vértice, da análise dos acórdãos pertinentes (632 num universo de


66), o seguinte excerto do voto condutor do julgado referido demonstra a existência
de um entendimento atualmente consolidado:

a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento


de que, “reconhecido o grupo econômico e verificada confusão patri‑
monial, é possível desconsiderar a personalidade jurídica de uma em‑
presa para responder por dívidas de outra, inclusive em cumprimento
de sentença, sem ofensa à coisa julgada” (AgRg no AREsp 441.465/
PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA,
julgado em 18/06/2015, DJe de 03/08/2015). (AgInt no AREsp
1270256/SC, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado
em 27/11/2018, DJe 07/12/2018).

O argumento central utilizado, conforme constatado com os informativos, é


o uso abusivo da personalidade jurídica, mediante fraude e/ou abuso de direito,
sob a divisão societária meramente formal entre as empresas conjugadas, com o
fim último de ocultar bens para frustrar credores. Daí permitir a constrição de bens
pertencentes a todas as pessoas jurídicas e físicas integrantes de grupo econômico
aparente, se observados os requisitos do art. 50 do Código Civil.
Já no universo do Tribunal de Justiça de São Paulo, utilizou-se para a pesquisa
o campo “ementa” na opção “pesquisa por campos específicos”, com as expressões
“grupo econômico”, “desconsideração da personalidade jurídica” e “art. 50”, a fim
de delimitar o campo amostral. Ainda, para melhor filtragem dos julgados, e à luz da
temática escolhida, selecionou-se: (i) no campo “órgão julgador”, apenas as câmaras
integrantes das 3 seções de Direito Privado; (ii) no campo “classe”, o recurso de
agravo de instrumento.33
Como resultado, foram encontrados 142 acórdãos.34 Dentro desse universo,
identificou-se que:

32
REsp 1721239/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 27/11/2018, DJe
06/12/2018; REsp 1311857/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 13/05/2014,
DJe 02/06/2014; REsp 907.915/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em
07/06/2011, DJe 27/06/2011; REsp 1071643/DF, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma,
julgado em 02/04/2009, DJe 13/04/2009; REsp 968.564/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta
Turma, julgado em 18/12/2008, DJe 02/03/200; RMS 12.872/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira
Turma, julgado em 24/06/2002, DJ 16/12/2002.
33
Tendo em vista o pronunciamento que decide acerca da desconsideração da personalidade, seja no CPC/1973
ou no CPC/2015, ter natureza de decisão interlocutória, é o agravo de instrumento, portanto, o recurso
cabível para manifestar a insurgência.
34
De rigor esclarecer dois aspectos sobre os resultados obtidos com pesquisa da jurisprudência do TJ-SP; (i)
foi realizada, pela primeira vez, no site do TJ-SP, no dia 13 de junho de 2019. Até a data final de análise dos
julgados (18 de junho de 2019), os resultados se mantiveram os mesmos, com os critérios delimitadores
empregados; (ii) para melhor visualização dos resultados, e evitar a multiplicação despicienda do número de
laudas do trabalho, optou-se por apresentar somente os dados essenciais para identificação dos julgados,
a partir da seguinte estrutura: [agravo de instrumento – “AI” – e respectivo número, Relator (a) – “R.”, data
de julgamento – “j.”].

32 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 30, n. 120, p. 17-49, out./dez. 2022
A APLICAÇÃO DA DISREGARD DOCTRINE AOS GRUPOS ECONÔMICOS DE FATO: A TEORIA TRIDIMENSIONAL...

(i) em 54,35 foi aplicada a teoria da desconsideração da personalidade


jurídica ao grupo econômico de fato tão somente por se vislumbrar no caso
concreto o preenchimento dos requisitos do art. 50 do Código Civil (abuso
de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão
patrimonial);
(ii) em 5,36 ressaltou-se, superficialmente, a aplicação da teoria aos grupos
econômicos de fato, desde que preenchidos os requisitos do art. 50 do
Código Civil, determinando antes, porém, a abertura do incidente previsto
no art. 133 e seguintes do CPC;

35
AI 2120571-05.2019.8.26.0000, R. Achile Alesina, j. 14/06/2019; AI 2058052-91.2019.8.26.0000; R.
Claudio Hamilton, j. 05/06/2019; (AI 2062453-36.2019.8.26.0000, R. José Marcos Marrone; j. 21/05/2019;
AI 2039366-51.233019.8.26.0000, R. Alberto Gosson; j. 29/04/2019; AI 2205239-40.2018.8.26.0000,
R.: J. B. Franco de Godoi, j. 06/02/2019; AI 2245190-41.2018.8.26.0000, R. Maia da Cunha, j.
31/01/2019; AI 2100681-17.2018.8.26.0000, R. Edson Luiz de Queiróz, j. 01/02/2019; AI 2115965-
65.2018.8.26.0000; R. Maia da Rocha, j. 08/10/2018; AI 2129667-78.2018.8.26.0000, R. J.L. Mônaco
da Silva, j.: 08/08/2018; AI 2105105-05.2018.8.26.0000, R. Israel Góes dos Anjos, j. 31/07/2018; AI
2055775-39.2018.8.26.0000, R. Claudio Hamilton, j. 28/06/2018; AI 2054597-55.2018.8.26.0000, R.
Claudio Hamilton, j. 28/06/2018; AI 2015149-75.2018.8.26.0000, R. Carlos Dias Motta, j. 23/05/2018;
AI 2241975-91.2017.8.26.0000, R. Sergio Gomes, j. 20/03/2018; AI 2111647-73.2017.8.26.0000, R. J.L.
Mônaco da Silva, j. 09/08/2017; AI 2097598-27.2017.8.26.0000, R. Antonio Nascimento, j. 10/08/2017; AI
2013954-89.2017.8.26.0000, R. José Marcos Marrone, j. 31/05/2017; AI 2014273-57.2017.8.26.0000, R.
Jacob Valente, j. 24/05/2017; AI 2003443-32.2017.8.26.0000, R. Virgilio de Oliveira Junior, j. 23/05/2017;
AI 2153204-74.2016.8.26.0000, R. Rebello Pinho, j. 26/09/2016; AI 2271202-97.2015.8.26.0000, R.
Maria Lúcia Pizzotti, j. 09/03/2016; AI 2170345-43.2015.8.26.0000, R. Rebello Pinho, j. 22/02/2016;
AI 2169628-31.2015.8.26.0000, R. Rebello Pinho, j. 22/02/2016; AI 2234070-06.2015.8.26.0000, R.
Maia da Cunha, j. 11/02/2016; AI 2178853-75.2015.8.26.0000, R. Alberto Gosson, j. 03/12/2015; AI
2193696-45.2015.8.26.0000, R. Salles Rossi, j. 25/11/2015; AI 2176933-66.2015.8.26.0000, R. Antonio
Nascimento, j. 24/09/2015; AI 2026290-96.2015.8.26.0000, R. J. B. Franco de Godoi, j. 13/05/2015; AI
2176466-24.2014.8.26.0000, R. Heraldo de Oliveira, j. 09/12/2014; AI 2101081-70.2014.8.26.0000,
R. Vicentini Barroso, j. 25/11/2014; AI 2086876-36.2014.8.26.0000, R. Maia da Rocha, j. 04/08/2014;
AI 2085766-02.2014.8.26.0000, R. Maia da Rocha, j. 04/08/2014; AI 2035074-96.2014.8.26.0000, R.
Vicentini Barroso, j. 29/04/2014; AI 2026415-98.2014.8.26.0000, R. Ferreira da Cruz, j. 24/04/2014; AI
0267071-21.2012.8.26.0000, R. William Marinho, j. 12/03/2014; AI 2062752-23.2013.8.26.0000, R.
Alexandre Lazzarini, j. 25/02/2014; AI 2058134-35.2013.8.26.0000, R. Alexandre Lazzarini, j. 25/02/2014;
AI 2054992-23.2013.8.26.0000, R. Alexandre Lazzarini, j. 25/02/2014; AI 2054859-78.2013.8.26.0000,
R. Alexandre Lazzarini, j. 25/02/2014; AI 2008562-13.2013.8.26.0000, R. Edgard Rosa, j. 03/10/2013; AI
0065707-61.2013.8.26.0000, R. Virgilio de Oliveira Junior, j. 23/09/2013; AI 0035505-38.2012.8.26.0000,
R. Afonso Bráz, j. 07/08/2013; AI 0066650-78.2013.8.26.0000, R. Israel Góes dos Anjos, j. 11/06/2013;
AI 0253295-51.2012.8.26.0000, R. Luiz Antonio de Godoy, j. 05/03/2013; AI 0117956-57.2011.8.26.0000,
R. Adilson de Araujo, j. 02/08/2011; AI 0029630-29.2008.8.26.0000, R. Ricardo Negrão, j. 09/06/2008;
AI 0002839-62.2004.8.26.0000, R. Ricardo Negrão, j. 20/04/2004; AI 0399592-95.2010.8.26.0000,
R. Moura Ribeiro, j. 28/10/2010; AI 0054424-75.2012.8.26.0000, R. Cerqueira Leite, j. 23/05/2012;
AI 0285877-12.2009.8.26.0000, R. Octavio Helene; j. 05/10/2010; AI 0065036-38.2013.8.26.0000, R.
Cerqueira Leite, j. 14/08/2013.
36
AI 2022343-92.2019.8.26.0000, R. Álvaro Torres Júnior, j. 03/06/2019; AI 2047325-10.2018.8.26.0000;
R. Salles Vieira, j. 27/04/2018; AI 2014094-89.2018.8.26.0000, R. Soares Levada, j. 14/03/2018; AI
2177286-38.2017.8.26.0000, R. Cármen Lúcia da Silva, j. 28/11/2017; AI 2077771-64.2016.8.26.0000,
R. Edgard Rosa, j. 20/10/2016.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 30, n. 120, p. 17-49, out./dez. 2022 33
Arlete Inês Aurelli, Renato Vaquelli Fazanaro

(iii) em 9,37 aplicou-se a teoria aos grupos econômicos de fato, se preenchidos


os requisitos do art. 50 do Código Civil, destacando-se, superficialmente,
o respectivo cabimento;
(iv) em 12,38 ressaltou-se, superficialmente, a aplicação da teoria aos grupos
econômicos de fato, se preenchidos os requisitos do art. 50 do Código
Civil, mas não se entenderam presentes os requisitos no caso concreto;
(v) em 2,39 aplicou-se a teoria aos grupos econômicos de fato, desde que
observados os requisitos do art. 50 do Código Civil, e se destacou, de
forma mais esmiuçada, o seu cabimento;
(vi) em 1,40 consignou-se ser aplicável a teoria aos grupos econômicos de
fato e se destacou, de forma mais esmiuçada, o seu cabimento, todavia
entendeu não terem sido preenchidos no caso concreto;
(vi) em 53,41 consignou-se ser aplicável a teoria aos grupos econômicos,
observados tão somente os requisitos do art. 50 do Código Civil, todavia
se entendeu não terem sido preenchidos no caso concreto;

37
AI 2014427-07.2019.8.26.0000, R. José Tarciso Beraldo, j. 22/03/2019; AI 2113200-24.2018.8.26.0000;
R. Edson Luiz de Queiróz, j. 06/02/2019; AI 2006277-71.2018.8.26.0000, R. Castro Figliolia, j. 19/09/2018;
AI 2044838-67.2018.8.26.0000, R. Rebello Pinho, j. 21/05/2018; AI 2141409-37.2017.8.26.0000, R.
AZUMA NISHI, j. 30/11/2017; AI 2113894-61.2016.8.26.0000, R. Spencer Almeida Ferreira, j. 07/12/2016;
AI 2267356-72.2015.8.26.0000, R. César Peixoto, j. 14/03/2016; AI 2086166-16.2014.8.26.0000, R.
Gilberto Leme, j. 22/07/2014; AI 0136690-61.2008.8.26.0000, R. Maia da Cunha, j. 03/09/2009.
38
AI; 2255157-13.2018.8.26.0000, R. Fabio Tabosa, j. 30/05/2019; AI 2266652-54.2018.8.26.0000, R.
Castro Figliolia, j. 13/05/2019; AI 2225695-11.2018.8.26.0000, R. Castro Figliolia, j. 29/04/2019; AI
2257862-81.2018.8.26.0000; R. Cesar Lacerda, j. 05/02/2019 (números 24 e 25 da pesquisa, repetidos em
razão de provável falha sistêmica); AI 2250748-28.2017.8.26.0000, R. Thiago de Siqueira, j. 23/03/2018;
AI 2226650-76.2017.8.26.0000, R. Hélio Nogueira, j. 16/03/2018; AI 2223382-14.2017.8.26.0000,
R. Rebello Pinho, j. 05/02/2018; AI 2063955-78.2017.8.26.0000, R. Hamid Bdine, j. 08/11/2017; AI
2092106-54.2017.8.26.0000, R. Campos Mello, j. 21/09/2017; AI 2020998-96.2016.8.26.0000, R.
Hamid Bdine, j. 16/03/2016; AI 2041037-85.2014.8.26.0000, R. Francisco Loureiro, j. 25/09/2014.
39
AI 2077001-66.2019.8.26.0000, R. Moreira Viegas, j. 29/05/2019; AI 2242091-63.2018.8.26.0000, R.
Moreira Viegas, j. 20/03/2019.
40
AI 2166711-34.2018.8.26.0000, R. Francisco Giaquinto, j. 08/10/2018.
41
AI 2238419-81.2017.8.26.0000, R. Berenice Marcondes Cesar, j. 29/05/2019; AI 2266398-
81.2018.8.26.0000, R. Claudia Grieco Tabosa Pessoa, j. 24/05/2019; AI 2072135-15.2019.8.26.0000,
R. Vito Guglielmi, j. 14/05/2019; AI 2157169-89.2018.8.26.0000, R. José Aparício Coelho Prado Neto,
j. 23/04/2019; AI 2010281-20.2019.8.26.0000, R. Simões de Vergueiro, j. 26/03/2019; AI 2147220-
41.2018.8.26.0000, R. Spencer Almeida Ferreira, j. 20/02/2019; AI 2250151-25.2018.8.26.0000; , R. César
Peixoto, j. 19/02/2019; AI 2233765-17.2018.8.26.0000, R. Virgilio de Oliveira Junior, j. 04/02/2019; AI
2232657-50.2018.8.26.0000, R. Virgilio de Oliveira Junior, j. 04/02/2019; AI 2108821-40.2018.8.26.0000,
R. Maurício Campos da Silva Velho; j. 06/12/2018; AI 2198120-28.2018.8.26.0000, R. Dimas Rubens
Fonseca, j. 11/10/2018; AI 2188270-47.2018.8.26.0000, R. Tavares de Almeida, j. 10/10/2018 (números
32 e 33 da pesquisa, repetidos em razão de provável falha sistêmica); AI 2013401-76.2016.8.26.0000,
R. Salles Vieira, j. 30/08/2018; AI 2051930-96.2018.8.26.0000, R. Paulo Pastore Filho, j. 20/07/2018;
AI 2214139-46.2017.8.26.0000, R. Salles Vieira, j. 19/02/2018; AI 2249749-12.2016.8.26.0000;
R. Francisco Occhiuto Júnior, j. 05/10/2017; AI 2115101-61.2017.8.26.0000, R. Gomes Varjão, j.
09/08/2017; AI 2067196-60.2017.8.26.0000, R. Plinio Novaes de Andrade Júnior; j. 29/06/2017; AI
2034510-15.2017.8.26.0000, R. Carlos Alberto de Salles, j. 23/05/2017; AI 2254560-15.2016.8.26.0000,
R. Salles Vieira, j. 30/03/2017; AI 2194743-20.2016.8.26.0000, R. Alberto Gosson, j. 16/03/2017; AI
2100775-33.2016.8.26.0000, R. Campos Mello, j. 02/02/2017; AI 2161205-48.2016.8.26.0000, R. Paulo
Pastore Filho, j. 20/02/2017; AI 2161398-63.2016.8.26.0000, R. Paulo Pastore Filho, j. 20/02/2017; AI
2221515-20.2016.8.26.0000, R. J. B. Franco de Godoi, j. 01/02/2017; AI 2215589-58.2016.8.26.0000,

34 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 30, n. 120, p. 17-49, out./dez. 2022
A APLICAÇÃO DA DISREGARD DOCTRINE AOS GRUPOS ECONÔMICOS DE FATO: A TEORIA TRIDIMENSIONAL...

(vii) em 2,42 entendeu-se ser possível a aplicação da teoria apenas se presentes


os requisitos do art. 50 do Código Civil, todavia se determinou, antes,
a instauração/encerramento do incidente;
(viii) em 2,43 aplicou-se a “teoria menor” prevista no Código de Defesa do
Consumidor, de modo a não guardar pertinência temática com a pesquisa;
(ix) em 2,44 adotaram-se fundamentos jurídicos que não envolviam o art. 50
para se caracterizar grupo econômico (v.g. Lei das Sociedades Anônimas
– Lei nº 6.404/76), de modo a não guardar pertinência temática com a
pesquisa.
São esses, em essência, os entendimentos verificados na jurisprudência da
TJ-SP acerca da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica
aos grupos econômicos de fato, com a consequência de estender a responsabilidade
patrimonial aos seus integrantes – em geral, tanto as pessoas físicas como as
jurídicas –, por dívidas contraídas por um deles.
Em linhas gerais, a grande maioria dos julgados (aproximadamente 75%) se
limitou a fundamentar a aplicação da teoria aos grupos econômicos no art. 50 do Código
Civil, sem tecer qualquer comentário que seja acerca da respectiva possibilidade/
adequação técnico-jurídica. Noutras palavras, ignorou-se, por completo, o fato de
o referido dispositivo legal ter sido concebido para fins “diretos” ou “intrínsecos”,
isto é, para aplicação restrita ao âmbito da sociedade utilizada para perpetração da
fraude ou abuso de direito.

R. Sandra Galhardo Esteves, j. 27/01/2017; AI 2111931-18.2016.8.26.0000, R. Moreira Viegas, j.


19/10/2016; AI 2036822-95.2016.8.26.0000, R. Paulo Roberto de Santana, j. 31/08/2016; AI 2094085-
85.2016.8.26.0000, R. Campos Mello, j. 18/08/2016; AI 2013554-12.2016.8.26.0000, R. Campos Mello,
j. 19/05/2016; AI 2029216-16.2016.8.26.0000, R. Paulo Roberto de Santana, j. 01/06/2016; AI 2045054-
96.2016.8.26.0000; R.: Bonilha Filho;19/05/2016; AI 2035498-70.2016.8.26.0000, R. Claudia Grieco
Tabosa Pessoa, j.: 16/05/2016; AI 2222275-03.2015.8.26.0000, R. Milton Carvalho, j. 17/12/2015; AI
2182474-80.2015.8.26.0000, R. Neto Barbosa Ferreira, j. 04/11/2015; AI 2197551-32.2015.8.26.0000,
R. Lino Machado, j. 28/10/2015; AI 2135135-28.2015.8.26.0000, R. Campos Mello, j. 17/09/2015; AI
2180551-19.2015.8.26.0000, R. Achile Alesina, j. 23/09/2015; AI 2053298-48.2015.8.26.0000, R.
Salles Vieira, j. 27/08/2015; AI 2129361-17.2015.8.26.0000; R. Percival Nogueira, j. 13/08/2015; AI
2096480-84.2015.8.26.0000, R. Teixeira Leite, j. 29/07/2015; AI 2155327-16.2014.8.26.0000, R. Ricardo
Negrão, j. 23/03/2015; AI 2054025-07.2015.8.26.0000, R. Campos Mello; Órgão Julgador, j. 16/04/2015;
AI 2228022-65.2014.8.26.0000, R. Teixeira Leite, j. 11/03/2015; AI 2013426-26.2015.8.26.0000, R.
Percival Nogueira, j. 03/03/2015; AI 2184654-06.2014.8.26.0000, R. Campos Mello, j. 06/11/2014; AI
2051243-95.2013.8.26.0000, R. Tasso Duarte de Melo, j. 30/04/2014; AI 0051572-44.2013.8.26.0000,
R. Alexandre Marcondes, j. 10/06/2013; AI 0218869-13.2012.8.26.0000, R. Rômolo Russo, j. 16/05/2013;
AI 0373436-70.2010.8.26.0000, R. Carlos Alberto Garbi, j. 14/12/2010; AI 9016374-26.2009.8.26.0000,
R. José Malerbi, j. 19/10/2009; AI 0091853-76.2012.8.26.0000, R. Simões de Vergueiro, j. 04/09/2012.
AI 2187745-02.2017.8.26.0000, R. Adilson de Araujo, j. 06/11/2017; AI 2036604-33.2017.8.26.0000,
R. Pedro Kodama, j. 28/03/2017.
42
AI 2076009-08.2019.8.26.0000, R. Francisco Loureiro, j. 02/05/2019; AI 2225336-61.2018.8.26.0000,
R. Carlos Alberto de Salles, j. 26/03/2019.
43
AI 2135770-43.2014.8.26.0000, R. Álvaro Torres Júnior, j. 15/12/2014; AI 2062085-03.2014.8.26.0000,
R. José Reynaldo, j. 27/10/2014.
44
AI 2135770-43.2014.8.26.0000, R. Álvaro Torres Júnior, j. 15/12/2014; AI 2062085-03.2014.8.26.0000,
R. José Reynaldo, j. 27/10/2014.

R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 30, n. 120, p. 17-49, out./dez. 2022 35
Arlete Inês Aurelli, Renato Vaquelli Fazanaro

Os poucos acórdãos que se detiveram ao efetivo enfrentamento da questão


(aproximadamente 2%) fizeram-no (i) ou com base na “nova roupagem” que seu
entendeu necessária à disregard doctrine, para alcançar pessoas jurídicas formalmente
diversas da devedora, mas que sejam beneficiadas pelo abuso da personalidade
jurídica desta; (ii) ou de modo a compatibilizar as disposições legais específicas
sobre as hipóteses de responsabilidade solidária nos grupos de sociedades.
Na subseção subsequente, portanto, enfrenta-se de forma mais detalhada
o problema verificado empiricamente, especialmente no tocante à motivação
empregada para aplicar a teoria na forma positivada no art. 50 do Código Civil aos
grupos econômicos de fato.

2.1.1 A motivação retórica das decisões judiciais


Mesmo antes do surgimento da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica, já se fazia presente no espírito dos juristas o valor consistente no combate
às fraudes e abusos de direito no âmbito societário. Oportuna é a lição de Fabio
Ulhoa Coelho (1989, p. 15):

sempre que o Poder Judiciário se deparou com um caso, no qual a


pessoa jurídica teria sido utilizada como instrumento para a realização
de fraudes ou abusos de direito, acabou coibindo a utilização de uma
forma ou de outra, valendo-se dos mais variados fundamentos.

Como forma de justificar a adoção daquele valor, portanto, os juízes utilizavam


fundamentos genéricos, despidos de amparo legal ou teórico-jurídico concreto, de
modo que a motivação das decisões, na maioria das vezes, limitava-se a invocar a
justiça para afastar a autonomia patrimonial entre os bens da pessoa jurídica e dos
seus integrantes.45
Em última análise, tal postura ativista dos juízes tinha como pano de fundo a
ideia de que o direito é instrumento de controle social (FILHO, 1987, p. 48), sendo um
desses escopos justamente o de promover a pacificação no âmbito da sociedade.46

45
Fabio Ulhoa Coelho (1989, p. 15) cita o exemplo de julgado (RT 238/394) relatado por Edgard de Moura
Bittencourt, do qual se extrai “a assertiva de que a sociedade não se confunde com a pessoa dos sócios
é um princípio jurídico, mas não pode ser um tabu, a entravar a própria ação do Estado, na realização da
perfeita e boa justiça, que outra não é a atitude do juiz procurando esclarecer os fatos para ajustá-los ao
direito”.
46
Sobre a temática, indispensável é a obra, precursora no Brasil, de Cândido Rangel Dinamarco, intitulada “a
instrumentalidade do processo”, na qual o autor afirma que “a jurisdição não tem um escopo, mas escopos
(plural); é muito pobre a fixação de um escopo exclusivamente jurídico, pois o que há de mais importante é a
destinação social e política do exercício da jurisdição (...) as explicações meramente jurídicas da destinação
do processo pecam justamente por deixarem na sombra o valor humano perseguido através da jurisdição”
(1994, p. 317/164). Com efeito, um “valor humano perseguido” é justamente o de pacificação social, que
consubstancia o escopo social do sistema processual e do exercício da jurisdição.

36 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 30, n. 120, p. 17-49, out./dez. 2022
A APLICAÇÃO DA DISREGARD DOCTRINE AOS GRUPOS ECONÔMICOS DE FATO: A TEORIA TRIDIMENSIONAL...

Em que pese a intenção válida, lançava-se mão de fundamentos retóricos, a


fim de dar aparência de conformidade com o Direito.
Com a consolidação da disregard doctrine e posterior positivação no art. 50 do
Código Civil, enfim se teve o ferramental técnico adequado para se despersonificar
episodicamente a pessoa jurídica, estendendo à pessoa física dos seus integrantes
a responsabilidade patrimonial pelo pagamento das dívidas sociais.
Nesse sentido, ao comentarem o referido dispositivo de Lei, José Miguel Garcia
Medina e Fábio Caldas de Araújo (2014, p. 101) aduzem que:

O art. 50 representa um nítido avanço na sistematização e consa‑


gração de soluções reconhecidas pela jurisprudência, especialmente
quanto à desconsideração da personalidade jurídica (Nichtbeachtung
der juristischen personen), cuja atenção se volta especialmente para o
regime das sociedades.

Ocorre que, como visto, as fraudes se aprimoram, e se passou a ter a formação


de grupos de sociedades de fato, com aqueles fins fraudulentos e de abuso de
direito. E a saída adotada pelo legislador, a rigor da literalidade do texto legal, não era
suficiente para coibir as “inovadoras” manobras societárias. Ora, a consequência é
expressa, e não autoriza, per se, a extensão a outras sociedades, mas tão somente
ao patrimônio dos sócios, ou o contrário.
Nada obstante, considerando que o aludido valor estava ainda presente – e até
mais – nos juristas, observou-se novamente o fenômeno jurisprudencial de empregar
fundamentos genéricos para combater os grupos econômicos fraudulentos. É o que
se percebe, em última análise, do exame jurisprudencial realizado anteriormente,
no qual se viu a invocação de fundamentos eminentemente fáticos para justificar
a aplicação da teoria aos grupos econômicos jurídicos, sem se preocupar com o
respaldo jurídico correspondente.
Seja no âmbito do STJ ou do TJ-SP, surpreende a falta de preocupação com
a fundamentação jurídica para justificar a extensão dos postulados da teoria à
“moderna” forma de fraude societária. Isso acaba por deslegitimar tais decisões,
ante a vagueza das respectivas motivações, especialmente após a vigência do
CPC/2015, que exige a motivação analítica dos pronunciamentos jurisdicionais no
seu art. 489, §1º.
Padecia-se, então, de um novo fundamento legal ou teórico-jurídico adequado
para legitimar a extensão da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, com
a consequência prevista no art. 50 do Código Civil, aos grupos econômicos de fato.

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Arlete Inês Aurelli, Renato Vaquelli Fazanaro

Uma tentativa recente foi a promovida pela Medida Provisória nº 881, de 30


de abril de 2019,47 que acrescentou o §4º ao art. 50 do Código Civil, prevendo
expressamente a possibilidade de aplicação da disregard ao reconhecimento de grupos
econômicos, desde que observados os requisitos previstos no caput, caracterizadores
do abuso da personalidade jurídica.
Ocorre que a solução está dentro do próprio sistema jurídico, inclusive no próprio
art. 50 do Código Civil. O que falta é a fundamentação teórico-jurídica adequada para
tanto, e é o que dispõe a tentar fazer a seguir.

3 A teoria tridimensional do Direito de Miguel Reale


Para se compreender a essência da teoria tridimensional do Direito, na forma
pensada por Miguel Reale, é importante assimilar, como ponto de partida, o que o
autor denomina de estrutura tridimensional do Direito.48
De fato, a gênese da teoria tridimensional do Direito de Miguel Reale remonta
ao ano de 1940, com os estudos empreendidos pelo autor para a elaboração do
livro “Fundamentos do Direito”, resultado da sua tese para a cátedra de Filosofia
do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (REALE, 2017, p.
118). Foi aperfeiçoada paulatinamente, até culminar na obra cujo título traz o nome
da teoria, publicada em 1968.49
Primeiramente, vale destacar que o autor emprega o termo estrutura, no âmbito
das Ciências Sociais, para indicar:

uma ordenação de elementos interdependentes, ligados entre si em


razão dos fins que lhe são próprios e, ao mesmo tempo, em razão dos
fins inerentes ao todo no qual os elementos componentes se integram.
Essa ordenação implica, pois, uma correlação dinâmica entre meios e

47
Apesar da constitucionalidade duvidosa da medida provisória, tendo em vista não se vislumbrar o requisito
constitucional da urgência (art. 62, caput, da Constituição Federal), tratou-se de tentativa digna de aplausos,
pois visou solucionar – não necessariamente da melhor forma – o problema existente. Colhe-se da exposição
de motivos da MP, com relação à alteração referida, a seguinte justificativa: “A mais prestigiada e segura
conceituação dos requisitos de desconsideração da personalidade jurídica, conforme amplo estudo da
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, e em alinhamento com pareceres da Receita Federal, é
anotada em parágrafos no art. 50 do Código Civil, de maneira a garantir que aqueles empreendedores que
não possuem condições muitas vezes de litigar até as instâncias superiores possam também estar protegidos
contra decisões que não reflitam o mais consolidado entendimento” (BRASIL, 2019)
48
Como salientado pelo próprio autor (1984, p. 47), Recaséns Siches também empregava tal denominação.
49
O autor afirma que a teoria tridimensional do Direito foi uma “intuição da juventude”, despertada pelo fato de
grandes filósofos do Direito italiano subdividirem a Filosofia do Direito, para fins pedagógicos, em três partes:
uma destinada à teoria dos fenômenos jurídicos; outra aos interesses e valores que atuam na experiência
jurídica e, finalmente, uma terceira relativa à teoria da norma jurídica (grifos originais). Prossegue o autor:
“minha pergunta foi esta: no fundo dessa divisão pedagógica, não se esconde um problema essencial quanto
à estrutura da experiência jurídica? Não é necessário ir além de uma discriminação metodológica para se
alcançar a realidade jurídica em si?” (REALE, 2017, p. 117-118).

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A APLICAÇÃO DA DISREGARD DOCTRINE AOS GRUPOS ECONÔMICOS DE FATO: A TEORIA TRIDIMENSIONAL...

fins, o que constituiu uma das notas características de toda estrutura


de natureza histórica ou cultural (REALE, 1984, p. 44).

Tem-se, portanto, a ideia de estrutura como a interdependência ordenada de


elementos, conectados entre si pelos seus objetivos específicos comuns, bem como
pelo objetivo geral do todo em que estão inseridos. E quando tal estrutura implica
também o problema de seu “sentido” e, por conseguinte, dos comportamentos que
deste defluem, diz-se que ela adquire o valor de um modelo (REALE, 1984, p. 44).
No âmbito do Direito Positivo, assim como ocorre no Direito Natural, pode-se
verificar que toda experiência jurídica implica uma ordenação normativa de fatos em
função de valores. Assim, é equivocado se afirmar que um fato só se torna jurídico
após ser qualificado mediante uma norma jurídica concebida in abstrato, porquanto,
antes do momento que o operador do Direito qualifica o fato em função de uma norma
jurídica, deve-se lembrar que “essa norma resultou da apreciação de fatos segundo
valores por parte do legislador, lato sensu (normas legais), ou da sociedade como
tal (costumes jurídicos)” (REALE, 1984, p. 47).
Ato contínuo, a norma enquanto posterior objeto de interpretação não pode,
ipso facto, ser separada dos fatos e valores que a constituíram, vez que surge como
integração desses dois elementos, quer para ser declarado objetivamente o vínculo
que os une, quer para ser superado um conflito eventualmente existente entre eles.
Daí por que fato, valor e norma estão ligados de tal forma que se ordenam
numa estrutura, denominada por Miguel Reale “estrutura tridimensional do Direito”
(1984, p. 47).
No mesmo sentido, colhe-se em obra diversa do autor que:

A análise fenomenológica da experiência jurídica, confirmada pelos da‑


dos históricos sucintamente lembrados, demonstra que a estrutura do
Direito é tridimensional, visto como o elemento normativo, que discipli‑
na os comportamentos individuais e coletivos, pressupõe sempre uma
dada situação de fato, referida a valores determinados (REALE, 1999,
511) (grifos do autor).

Ou ainda (REALE, 2004, p. 65):

Uma análise em profundidade dos diversos sentidos da palavra Direi‑


to veio demonstrar que eles correspondem a três aspectos básicos,
discerníveis em todo e qualquer momento da vida jurídica: um aspecto
normativo (o Direito como ordenamento e sua respectiva ciência); um
aspecto fático (o Direito como fato, ou em sua efetividade social e
histórica) e um aspecto axiológico (o Direito como valor de Justiça).

Presente a compreensão da estrutura do Direito, deflui que seus elementos


constitutivos (fato, valor e norma) se implicam e se exigem reciprocamente. É o que
o autor chama de “dialética de implicação-polaridade”, segundo a qual o fato, o

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valor e a norma nesta se correlacionam de tal modo que cada um deles se mantém
irredutível ao outro (polaridade), exigindo-se mutuamente (implicação), o que dá
origem à estrutura normativa como momento de realização do Direito. Daí por que
ser chamada também “dialética de complementaridade” (REALE, 2004, p. 66-67).
Pois bem. A demonstração dessa inter-relação e dialetização entre tais aspectos
básicos do Direito é, em suma, a “feição nova” dada por Miguel Reale ao problema
da tridimensionalidade do Direito, sendo a essência da sua teoria (2004, p. 65).
A teoria proposta foi um marco de escala mundial na forma de se pensar
o fenômeno jurídico. O autor deu sentido e concretude à já aventada, por outros
doutrinadores mundo afora, relação existente entre fato, valor e norma no âmbito
do Direito.50 E muito se deve ao seu conceito de culturalismo jurídico, que foi o
ferramental adotado para se conceber o Direito como um fenômeno histórico-cultural,
em que fato, valor e norma têm uma relação de dialeticidade.
Como forma de representar o núcleo da sua teoria, a partir dos três elementos
essenciais à compreensão do fenômeno do Direito (fato, valor e norma), Reale elabora
a figura seguinte, que demonstra a nomogênese jurídica,51 isto é, o processo pelo
qual a norma jurídica surge e é constituída:

50
Conforme anotado pelo autor “a correlação essencial existente entre os aspectos fático, axiológico e prescritivo
do Direito não foi logo claramente percebida pelos juristas e jusfilósofos, os quais, como vimos, foram antes
tentados a compreender o fenômeno jurídico à luz de um ou de dois dos elementos discriminados, dando,
assim, origem às teorias reducionistas” (1999, p. 511). E as doutrinas que perceberam a ligação entre os três
aspectos aludidos, “fizeram-no de modo abstrato, isto é, sem se desvincularem integralmente de perspectivas
setorizadas, mas apenas procurando compô-las numa visão final e compreensiva, entendida, por sinal, de
maneira diversa e até mesmo conflitante”, o que chamou de tridimensionalismo genérico ou abstrato, citando
principalmente Gustav Radbruch. Mais à frente na obra, explica melhor: “Quando se procuram combinar os
três pontos de vista unilaterais e, mais precisamente, os resultados decorrentes de estudos levados a cabo
separadamente, segundo aqueles pontos de vista, configura-se o que chamamos de tridimensionalidade
genérica do Direito”. Menciona, ainda, a doutrina do tridimensionalismo específico – fazendo menção a Wilhelm
Sauer –, pela qual se teve o “superamento das análises em separado do fato, do valor e da norma, como se
se tratasse de gomos ou fatias de uma realidade decomponível; pelo reconhecimento, em suma, de que é
logicamente inadmissível qualquer pesquisa sobre o Direito que não implique a consideração concomitante
daqueles três fatores” (1999, p. 511-512). Essas diferentes doutrinas são assim compendiadas:

Figura 2 – Esquema das teorias tridimensionais

Fonte: REALE, 1999, p. 514.


51
Para estudo mais aprofundado sobre o tema, cf. REALE, 1992, p. 192-202.

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A APLICAÇÃO DA DISREGARD DOCTRINE AOS GRUPOS ECONÔMICOS DE FATO: A TEORIA TRIDIMENSIONAL...

Figura 1 – Nomogênese jurídica

Fonte: REALE, 1999, p. 553.

Como se pode depreender da figura 1, o mundo jurídico é constituído por


contínuas “intenções de valor” – ou impulsos e exigência axiológicas – (V¹, V², V³,
Vn), as quais incidem sobre um prisma, ou “base de fato” (F), refrangendo-se em
várias proposições ou direções normativas (“leque de ‘normas possíveis’”), uma
das quais se converte em norma jurídica em virtude da interferência do Poder (P)
(REALE, 1999, p. 553).
Assentadas estas premissas iniciais, há que se entender que a estrutura
tridimensional do Direito não basta em si mesmo, sendo necessário demonstrar
a qualidade hermenêutica que lhe é ínsita, mesmo porque toda norma deve ser
interpretada, ocasião em que o intérprete refaz o caminho do legislador. Nas palavras
de Miguel Reale:

Ao procurar compreender a norma jurídica, ou seja, ao querer deter‑


minar o alcance da prescritividade valorativa inerente à fórmula legal
objetivada, o intérprete refaz, de certa forma, o caminho do legislador:
vai da norma ao fato, mas tendo presentes os fatos e valores que
condicionaram o aparecimento desta, bem como fatos e valores super‑
venientes. (1984, p. 48).

Como destacado por Nathaly Campitelli Roque e Álvaro de Azevedo Gonzaga


(2017, p. 18):

Miguel Reale assinalou que a relação entre fatos e valores, que implica
no surgimento da norma jurídica, não constitui uma síntese conclusiva
e final. [...] Por via de consequência, é necessário esclarecer que a

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norma jurídica é criada para reger atos futuros. Ou seja, a sua criação
remonta a um determinado período histórico, com características pró‑
prias, no plano político, valorativo e cultural. [...] Daí a necessidade
de ser a norma jurídica sempre objeto de interpretação, não como um
objeto ideal – como se fosse uma asserção lógico-sintética –, mas sim
como um enunciado em necessária correlação com a base fático-axio‑
lógica. É a razão pela qual Reale distingue o “normativismo jurídico
concreto” do “normativismo puro” de Hans Kelsen.

Assim, para se entender plena e devidamente a experiência jurídica, há que


se ter em mente a complexidade de sua estrutura, que tem o traço fundamental
de ser dinâmica, e que o modelo jurídico positivado é “momento de um processo,
podendo sofrer alterações semânticas através do tempo” (REALE, 1999, p. 554).
Aprofundando, nas palavras do autor:

Cada modelo jurídico, em suma, considerado de per si, corresponde


a um momento de integração de certos fatos segundo valores deter‑
minados, representando uma solução temporária (momentânea ou du-
radoura) de uma tensão dialética entre fatos e valores, solução essa
estatuída e objetivada pela interferência decisória do Poder em dado
momento da experiência social (1999, p. 554).

A fim de acompanhar o dinamismo da experiência jurídica, o autor adota a


“interpretação estrutural” do Direito, formulando cinco enunciados para compreendê-
la, dos quais se tem justamente o que prescreve:

Toda interpretação é condicionada pelas mutações históricas do siste‑


ma, implicando tanto a intencionalidade originária do legislador quanto
as exigências fáticas e axiológicas supervenientes, numa compreen‑
são global, ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva (natureza his-
tórico-concreta do ato interpretativo) (REALE, 1984, p. 48).

Portanto, à luz do referido normativismo jurídico concreto, calcado no ideal de


dinamismo da experiência jurídica, a norma positivada, resultado da nomogênese
jurídica, não conclui ou exaure o processo jurígeno, tendo em vista as exigências
fáticas e axiológicas que ela mesma suscita no seio do ordenamento e no meio social.
Reale afirma (1999, p. 564), por tal razão, que a norma jurídica desempenha o
papel de ponte elástica e flexível entre o complexo fático-axiológico, que condicionou
a sua gênese, e os complexos fático-axiológicos a que visa atender, no desenrolar
do processo histórico.
Especificamente quanto à associação da norma jurídica a uma ponte elástica,
o autor aponta as justificativas para tanto:

a norma jurídica deve ser concebida como uma ponte elástica, dadas
as variações semânticas que ela sofre em virtude da intercorrência de
novos fatores, condicionando o trabalho de exegese e de aplicação

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A APLICAÇÃO DA DISREGARD DOCTRINE AOS GRUPOS ECONÔMICOS DE FATO: A TEORIA TRIDIMENSIONAL...

dos preceitos. Tais alterações de significado, no entanto, encontram


natural limitação na estrutura formal da regra jurídica positivada, não
sendo possível esforço de exegese que manifestamente desnature o
seu enunciado. Quando a norma não mais se ajusta à experiência fáti‑
co-axiológica (REALE, 1999, p. 564).

Depreende-se, assim sendo, que as palavras da lei podem se manter as mesmas,


todavia fatores novos levam à alteração do seu sentido e alcance, amoldando a letra
da lei a uma imprevista ratio juris. Tais alterações na semântica normativa podem
resultar:

a) do impacto de valorações novas, ou de mutações imprevistas na


hierarquia dos valores dominantes;
b) da superveniência de fatos que venham modificar para mais ou para
menos os dados da incidência normativa;
c) da intercorrência de outras normas, que não revogam propriamente
uma regra em vigor, mas interferem no seu campo ou linha de inter‑
pretação;
d) da conjugação de dois ou até mesmo dos três fatores acima discri‑
minados (REALE, 1999, p. 567).

No tocante em especial à realidade fática, tem-se que alterações no plano


dos fatos acarretam a mudança no sentido das regras jurídicas, de tal sorte que as
palavras passam a significar algo além do que estava nos propósitos do legislador
originário: quando se invoca a norma A (destinada a reger o fato x) para disciplinar
o fato y, não previsto especificamente, nem sempre tal acontece por mero recurso
analógico, mas sim porque x passou a significar também y (REALE, 1999, p. 568).
Finalmente, pelas razões até então postas, infere-se que a norma jurídica é
uma forma de integração fático-axiológica, subordinada aos fatos e valores de que
se origina e dos fatos e valores supervenientes. O autor expressa essa ideia com
a seguinte representação, fixando a vida de uma regra de Direito no limite de sua
“elasticidade normativa”:

Figura 3 – Processo de normativismo concreto

Fonte: REALE, 1999, p. 569.

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Extrai-se da figura o processo evolutivo de significação de um modelo jurídico


(N), em função de fatos (F) e de valores (V), também denominado normativismo
concreto. Em essência, o modelo jurídico (N), ou norma positivada, é integrativo de
fatos (F) e valores (V), porquanto suscitam novos processos axiológicos ou assumem
dimensões axiológicas diversas, pela intercorrência de fatos imprevisíveis. Assim, o
modelo vive em um processo dialético, com eficácia nos limites da elasticidade de
sua vigência (REALE, 1999, p. 216).
Em arremate, impende ressalvar que, não obstante possível, a elasticidade
normativa não é irrestrita ou ilimitada. Isso significa que não são todas as variações
semânticas que são compatíveis com a elasticidade inerente às normas, existindo
um índice máximo de adaptação. A consequência, nestes casos, é o “rompimento”
da norma, exigindo a sua revogação formal e a consequente estruturação de outros
modelos.

4 A teoria tridimensional do Direito como fundamento


para o reconhecimento em juízo dos grupos econômicos
fraudulentos
Como visto, a teoria tridimensional do Direito, na forma lapidada por Miguel
Reale, prega que o fenômeno jurídico deve ser compreendido a partir da sua estrutura
tridimensional, sendo que fato, valor e norma se implicam e se exigem reciprocamente,
configurando uma “dialética de complementaridade”. Dado o dinamismo da experiência
jurídica, e à luz do normativismo concreto, que é o pano de fundo da teoria, a norma
é passível de variações semânticas com o fim último de atender às exigências fáticas
e axiológicas que ela mesma suscita.
No tocante ao art. 50 do Código Civil, a respectiva nomogênese levou em
consideração “as intenções de valor” consistentes no combate às fraudes e abusos
de direito no âmbito societário, na segurança jurídica etc. Essas intenções de valor
incidiram sobre a base de fato, constatada no plano social, representada pelo uso
desvirtuado da autonomia patrimonial que caracteriza as pessoas jurídicas, como
forma de blindar o patrimônio dos sócios.
Nesse sentido, vale repisar o quanto apresentado por Miguel Reale, autor formal
do Anteprojeto do Código Civil e idealizador da teoria ora estudada, para justificar a
regra do art. 50 na forma como prevista:

A todo instante nos deparamos com essa triste realidade, um dos


subprodutos da economia de consumo. Indivíduos há que organizam
empresas comerciais e, valendo-se das técnicas modernas de propa‑
ganda, sob a proteção da personalidade jurídica distinta, realizam vul‑
tosas operações, cujos resultados são imediatamente postos em seus

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nomes individuais: a empresa quebra, mas os sócios se enriquecem à


custa dos incautos. Patrimônio pessoal dos sócios, que agirem dolosa‑
mente, respondam pelas dívidas sociais, ainda que a sociedade seja
de responsabilidade limitada. Cumpre, pois, pôr um paradeiro nesse
estado de coisas, fazendo com que o patrimônio pessoa dos sócios,
que agirem dolosamente, respondam pelas dívidas sociais, ainda que
a sociedade seja de responsabilidade limitada.52

Após a incidência daquelas intenções de valor na base de fato, o Poder (no


caso, aqui, Legislativo) houve por bem escolher a proposição normativa consistente
no levantamento da personalidade jurídica, com a perda da autonomia patrimonial e
a extensão ao patrimônio pessoal dos sócios da responsabilidade pelo adimplemento
dos débitos formalmente titularizados pela pessoa jurídica e, por fim, convertê-la
em norma jurídica.
Ocorre que foi constatada no plano dos fatos uma forma alternativa de fraude
societária, mais sofisticada, que extrapola os limites restritos de uma determina
sociedade empresária, formando-se um conglomerado econômico de fato, com fins
fraudulentos, também para fins de blindagem patrimonial.
Assim, tendo em vista que se aplica o mesmo valor também para essa forma
alternativa de fraude, é forçoso se admitir a aplicação da consequência prevista na
norma (quebra da autonomia patrimonial da pessoa jurídica) também para alcançar
pessoas físicas e/ou jurídicas diversas, desde que integrem o grupo econômico de fato
e tenham concorrido para o uso abusivo e fraudulento da pessoa jurídica devedora.
Nada mais é senão que uma adaptação da proposição normativa, que inspirou
a norma jurídica, à nova realidade fática. Em resumo, é uma variação semântica que
visa a otimizar o conteúdo da norma, lapidando seu sentido e alcance, amoldando
a letra da lei a uma imprevista ratio juris. Além disso, encampa-se a ideia de que o
Poder Judiciário deve se atualizar e caminhar na mesma velocidade que as fraudes
evoluem, a fim de garantir a paz social e os escopos da jurisdição.
E mais: pensa-se que tal adaptação é plenamente compatível com o limite de
elasticidade possível que é inerente às normas. Em que pese o reconhecimento
de grupo econômico e a desconsideração da personalidade jurídica serem, a rigor
da técnica, coisas diversas, como visto, não são incompatíveis entre si, visto que
o valor (aspecto axiológico) que norteia a concepção e razão de ser de ambas é
essencialmente o mesmo.

52
Ver. 1.1.

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Arlete Inês Aurelli, Renato Vaquelli Fazanaro

Conclusão
Expostas as premissas essenciais à compreensão da teoria da desconsideração
da personalidade jurídica (disregard doctrine), e visto no que consistem os grupos
econômicos de fato, com fins eminentemente fraudulentos, bem como os postulados
da teoria tridimensional do Direito de Miguel Reale, é possível concluir:
(i) a disregard doctrine surgiu com o escopo de evitar o uso abusivo e/ou
fraudulento da autonomia patrimonial que caracterizou a personificação
das pessoas jurídicas;
(ii) os grupos econômicos são perfeitamente lícitos, e inclusive contam previsão
expressa no ordenamento jurídico pátrio, todavia a forma não organizada
que os grupos podem se revestir (grupos de fato) representam um enorme
risco em potencial, pois são um prato cheio para a perpetração de fraudes.
Representam, em última análise, uma forma mais moderna e sofisticada
de fraude societária;
(iii) o Código Civil positivou, em seu art. 50, a disregard doctrine para as relações
jurídicas cíveis em geral (que não reguladas por leis específicas), adotando
a teoria clássica e a modalidade direta, pela qual a consequência do uso
abusivo da personalidade jurídica é estritamente “interno” ou “intrínseco”,
estendendo a responsabilidade patrimonial pelas dívidas da sociedade tão
somente aos sócios que compõem o ente;
(iv) a pesquisa empírica realizada demonstrou que a jurisprudência pátria passou
a aplicar a teoria aos grupos econômicos de fato, com fundamento no art.
50 do Código Civil, de forma indiscriminada e mediante motivação genérica,
despida de respaldo teórico-jurídico. Não se atentou ao fato de que, a rigor,
desconsideração da personalidade jurídica é uma coisa e reconhecimento
de grupos econômicos de fato é outra;
(v) a Teoria Tridimensional do Direito, na forma lapidada por Miguel Reale, prega
que o fenômeno jurídico deve ser compreendido a partir da sua estrutura
tridimensional, sendo que fato, valor e norma se implicam e se exigem
reciprocamente, configurando uma “dialética de complementaridade”.
Dado o dinamismo da experiência jurídica, a norma positivada, resultado da
nomogênese jurídica, não conclui ou exaure o processo jurígeno, podendo
sofrer variações semânticas, a fim de atender as exigências fáticas e
axiológicas supervenientes, no limite da “elasticidade” que lhe é inerente;
(vi) a Teoria Tridimensional do Direito é o ferramental teórico-jurídico capaz de
legitimar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídico
aos grupos econômicos de fato, com fins fraudulentos, possibilitando a
motivação adequada das decisões;

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A APLICAÇÃO DA DISREGARD DOCTRINE AOS GRUPOS ECONÔMICOS DE FATO: A TEORIA TRIDIMENSIONAL...

(vii) verificada a mudança no plano dos fatos, diferente daqueles que motivaram
a elaboração da norma do art. 50 do Código Civil, mas que com eles
guarda relação direta de identidade, consistente em forma alternativa
de fraude societária; considerando que o valor que incidiu sobre a base
de fato na origem da norma é o mesmo valor presente para este fato
“novo”, é possível verificar a variação semântica no sentido da norma, a
englobar este outro fato, e justificar a aplicação da consequência prevista
na lei (extensão da responsabilidade patrimonial) também para pessoas
físicas e/ou jurídicas que não compõem formalmente a pessoa jurídica
devedora;
(viii) para o reconhecimento do grupo econômico fraudulento em juízo, deve-
se assegurar o mesmo procedimento processual previsto para os casos
de desconsideração da personalidade jurídica, qual seja, o incidente
previsto no art. 133 e seguintes do CPC, a fim de assegurar as garantias
processuais inerentes ao devido processo legal.

The application of the disregard of legal entity theory to de facto economic groups: the Miguel Reale’s
Threedimensional Law Theory as a legitimating theoretical-juridical foundation
Abstract: This article aims to study the disregard of legal entity theory and, based on empirical research,
to show that the Brazilian courts apply indiscriminately art. 50 of the Civil Code as a basis for combating
the formation of de facto economic groups with fraudulent purposes. It occurs that, as it will be shown,
disregard doctrine and recognition of such economic groups are different things, so that the generic
and indistinct application of the legal provision, with the consequence set out therein, delegitimizes
judicial decisions and vitiates them for lack of legal reasoning. In order to solve this problem, it will be
demonstrated how the Miguel Reale’s Threedimensional Law Theory can contribute to the improvement
of the subject, and serve as a theoretical-juridical foundation, to provide legitimacy for the application of
the consequence foreseen in art. 50 also to fraudulent economic groups.
Keywords: Disregard of legal entity theory. De facto economic groups. Miguel Reale’s Threedimensional
Law Theory.

Referências
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2018 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

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2022. DOI: 10.52028/RBDPRO.V30i120.220215SP.

Recebido em: 09.02.2022


Aprovado em: 10.08.2022

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