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220215SP
Resumo: O presente artigo visa a estudar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica e, a partir
da realização de pesquisa empírica, evidenciar que os tribunais brasileiros aplicam indiscriminadamente o
art. 50 do Código Civil como fundamento para combater a formação de grupos econômicos de fato. Ocorre
que, conforme se demonstrará, a desconsideração da personalidade jurídica e o reconhecimento de tais
grupos econômicos são coisas diversas, de modo que a aplicação genérica e indistinta do dispositivo
legal, com a consequência nele prevista, deslegitima as decisões judiciais e as vicia por falta de motivação
adequada. Para solucionar esse problema, será demonstrado como a teoria tridimensional do Direito, na
forma pensada por Miguel Reale, pode contribuir para o aperfeiçoamento do tema e servir de fundamento
teórico-jurídico a conferir legitimidade para a aplicação da consequência prevista no referido dispositivo
legal também aos grupos econômicos fraudulentos.
Palavras-chave: Teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Grupos econômicos de fato.
Teoria tridimensional do Direito de Miguel Reale.
Sumário: Introdução – 1 A teoria da desconsideração da personalidade jurídica – 2 Os grupos econômicos
de fato – 3 A teoria tridimensional do Direito de Miguel Reale – 4 A teoria tridimensional do Direito
como fundamento para o reconhecimento em juízo dos grupos econômicos fraudulentos – Conclusão
– Referências
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Arlete Inês Aurelli, Renato Vaquelli Fazanaro
Introdução
No presente artigo, pretendemos discorrer sobre a desconsideração da
personalidade jurídica, sendo que, na elaboração da pesquisa, utilizamos os métodos
indutivo e comparativo, pois se trata de fruto de observação e experiência, bem como
análise doutrinária e jurisprudencial sobre o tema.
A gênese da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (doctrine of
disregard of legal entity) remonta a precedentes judiciais da Inglaterra e dos Estados
Unidos, ainda do século XVIII, sendo efetivamente desenvolvida e sistematizada
pelo jurista alemão Rolf Serick, na década de 1950. Na literatura jurídica nacional,
Rubens Requião é apontado como o primeiro a tratar sistematicamente do tema,
no ano de 1969.
A teoria acabou por ser positivada no Direito brasileiro em diferentes diplomas
legais, até ser consagrada pelo Código Civil de 2002 (art. 50), com diferentes nuances
quanto aos pressupostos exigidos para a desconsideração.
Segundo a teoria maior, adotada pelo art. 50 do Código Civil, para efeito de
desconsideração, exige-se o requisito específico do abuso caracterizado pelo desvio
de finalidade ou confusão patrimonial.
O art. 50 do Código Civil visou combater o uso fraudulento da autonomia
patrimonial, própria das sociedades empresárias, trazendo como consequência a
extensão da responsabilidade patrimonial à pessoa física dos sócios, por conta de
débitos formalmente titularizados pela pessoa jurídica.
Foi verificada, entretanto, no plano dos fatos outra prática societária fraudulenta,
envolvendo pessoas jurídicas diversas daquela devedora formal, para fins de blindagem
patrimonial. Daí por que a consequência em abstrato prevista pelo Código Civil, a rigor,
não legitimaria a responsabilização de todos os componentes do grupo econômico
de fato, residindo aí o problema que se busca solucionar com o presente estudo.
Para tanto, utilizou-se a teoria tridimensional do Direito, na forma pensada por
Miguel Reale, pela qual propugna o Direito como sendo uma relação de dialeticidade
entre fato, valor e norma, sendo que a norma jurídica contempla uma elasticidade
própria e limitada, para adequar o sentido com ela pretendido à realidade fático-social
e garantir sua essência.
Destarte, foi constatado que a elasticidade inerente à norma do art. 50 do Código
Civil permite englobar os casos de reconhecimento de grupo econômico fraudulento
e servir de fundamento teórico para a aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica a tais casos, de modo a corrigir o fundamento meramente
retórico que se adota na prática judiciária para tanto.
A desconsideração da personalidade jurídica também é trazida em outras legisla‑
ções esparsas, mas o presente texto se circunscreve à normatização do Código Civil.
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É importante ressaltar que no Código de Processo Civil, nos artigos 133 a 137,
o incidente de desconsideração da personalidade jurídica foi trazido como uma das
modalidades de intervenção de terceiros. Trata-se de modalidade de intervenção
provocada, porque o terceiro é trazido independentemente de sua vontade: uma
pessoa (física ou jurídica), estranha ao processo, será citada e passará a ser
parte (ao menos até que o incidente seja resolvido). As garantias constitucionais
do contraditório, ampla defesa, devido processo legal e acesso à justiça impõem
que a pessoa física ou jurídica que poderá vir a ter seu patrimônio atingido tenha a
oportunidade de participar da aferição pelo juiz da configuração daqueles fundamentos.
Na lei processual, o incidente aplica-se à desconsideração inversa da personalidade
jurídica (art. 133, §2º, CPC/15). De fato, a desconsideração inversa caracteriza-se
pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para atingir o ente coletivo
e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações
do sócio, administrador ou de outras empresas. Na verdade, o art. 50 do Código
Civil abarca as duas formas de desconsideração: a tradicional e a inversa, sendo
aplicável, pois, na responsabilidade solidária de empresas integrantes de um mesmo
grupo econômico.
1
Nesse sentido: JUSTEN FILHO, 1987, p. 24; COELHO, 1989, p. 13.
2
Correspondente ao art. 795, caput, do CPC/2015.
3
A importância do instituto da pessoa jurídica é destacada por Marçal Justen Filho (1989, p. 27): “dizia Ferrara
ao iniciar sua incomparável obra sobre a matéria ‘acaso não haverá, em toda a doutrina do Direito Civil,
assunto que reclame mais a atenção dos jurisconsultos do que o das pessoas jurídicas’”. O autor se refere
aqui a Francisco Ferrara, em especial à obra “Teorías de las Personas Jurídicas”, marco no estudo sobre o
tema.
4
Pode-se citar como exemplo simbólico a fissão nuclear, processo no qual núcleos pesados, como os de
urânio e plutônio, podem ser divididos quando atingidos por um nêutron ou outra partícula, gerando grandes
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quantidades de energia (GLEISER, 2007). A descoberta é atribuída a Fritz Strassman e Otto Hahn, no ano
de 1938 (CARVALHO, 2005), inclusive rendendo a este último o prêmio Nobel de Química em 1944. Um
ano depois, em 1945, centenas de milhares de pessoas morreram nas cidades japonesas de Hiroshima e
Nagasaki, justamente em razão da fissão nuclear, ferramental responsável pelo funcionamento das bombas
atômicas (nucleares) que foram jogadas por aviões de guerra norte-americanos.
5
“Denominada doctrine of disregard of legal entity ou lifting the corporate veil, no sistema da common
law, conhecida na França pela expressão mise à l’écart de la personnalité morale, qualificada, na Itália,
superamento della personalità giuridica, designada, na Alemanha durchgrff der juristichen Personen e, na
Espanha, desestimación de la personalidad jurídica” (GARCIA, 2016, p. 13).
6
Em igual sentido é a doutrina de Arnold Wald (2011, p. 140), para quem a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica “surgiu como mecanismo para coibir abusos perpetrados por agentes que, encobertos
sob o princípio da separação patrimonial, tornavam impossível o ressarcimento de prejuízos ocasionados
a terceiros por atos ilícitos, ou pelo simples esvaziamento de bens do patrimônio de suas sociedades que
garantissem o pagamento das dívidas sociais”.
7
Segundo Gilberto Gomes Bruschi (2009, p. 15), “apesar dos ingleses e norte-americanos terem se demonstrado
bastante inovadores e receptivos à tese da desconsideração da personalidade jurídica, a doutrina desses
países não teve tanto interesse em tratar do assunto, ao menos no início de sua utilização (...) foi na Europa
Continental, principalmente na Alemanha, que os doutrinadores passaram a estudar com maior afinco tal
teoria (...). Não se pode abordar esse item sem que se mencione o renomado jurista alemão Rolf Serick,
pois foi ele quem, ainda na década de 50, após realizar estudos em diversos casos do Direito alemão e
norte-americano, e tendo como parâmetro a teoria denominada durchgriff der juristichen Personen, elaborou
a sistematização da teoria da desconsideração da personalidade jurídica”.
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8
No mesmo sentido: REQUIÃO, 2010, p. 440; FILHO, 2006, p. 208-210.
9
REQUIÃO, 1969, p. 12.
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p. 73/77),10 até ser consagrada pela Lei nº 10.406/2002 (Código Civil de 2002
– “Código Civil”), com diferentes nuances quanto aos pressupostos exigidos para
a desconsideração (comumente referidos como “teoria maior” e “teoria menor”
da desconsideração da personalidade jurídica). De fato, Fabio Ulhoa Coelho critica
o que denomina de “aplicação incorreta da teoria da desconsideração”, que é a
teoria menor, porquanto adepto da teoria subjetiva ou unitária, pela qual a fraude
ou abuso de direito na utilização da pessoa jurídica é indispensável. Para o autor,
atualmente, os conceitos de “maior” e “menor” estão, “felizmente” – diz o autor –,
ultrapassados.11
A “teoria maior”, positivada pelo Código Civil, em seu art. 50, permite que o órgão
julgador venha superar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas em situações
em que, além da prova da insolvência do devedor, ocorra a demonstração de desvio
de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração) ou de confusão patrimonial (teoria
objetiva da desconsideração).12
A “teoria menor”, acolhida pelo CDC, em seu art. 28, contenta-se com o dado
objetivo do prejuízo do credor (consumidor), prejudicado pela insolvência da pessoa
jurídica devedora, para autorizar a desconsideração, não exigindo prova do desvio
de finalidade ou de confusão patrimonial.
Além disso, o instituto apresenta duas variantes fundamentais: a desconsideração
direta e a desconsideração inversa.
A desconsideração direta, inicialmente concebida, permite a superação dos
efeitos da personificação da pessoa jurídica para atingir os bens particulares dos
sócios por dívidas sociais, tendo sido originariamente positivada pelo art. 50 do
Código Civil nos seguintes termos:
10
Entende-se que, a rigor, os arts. 2º, §2º, da CLT e 135 do Código Tributário Nacional compreendem a imposição
legal de responsabilidade solidária ou subsidiária, não se enquadrando em hipóteses de desconsideração
da personalidade jurídica, pela qual se tem a ineficácia episódica da distinção patrimonial entre a sociedade
e seus sócios. Tal fato não exclui, polêmicas à parte, a possibilidade de aplicar a disregard em situações
que não as previstas em tais dispositivos.
11
COELHO, 2016, p. 71.
12
Como ensinado por Carlos Roberto Gonçalves: “A teoria ‘maior’, por sua vez, divide-se em objetiva e subjetiva.
Para a primeira, a confusão patrimonial constitui o pressuposto necessário e suficiente da desconsideração.
Basta, para tanto, a constatação da existência de bens de sócio registrados em nome da sociedade e vice-
versa. A teoria subjetiva, todavia, não prescinde do elemento anímico, presente nas hipóteses de desvio de
finalidade e de fraude” (GONÇALVES, 2010, p. 251).
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13
Para um estudo aprofundado sobre as minúcias de toda a tramitação legislativa – que perdurou por 27 anos
– do projeto que deu origem ao Código Civil Brasileiro de 2002, cf. PASSOS, Edilenice; LIMA, João Alberto
de Oliveira. Memória legislativa do Código Civil: 4 v. Senado Federal, 2012. Disponível em: http://www2.
senado.leg.br/bdsf/handle/id/242712.
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14
A Exposição de Motivos do Código Civil se fragmenta em duas: a primeira, denominada “Exposição de
Motivos do Senhor Ministro de Estado da Justiça”, subscrita por Armando Falcão, então Ministro da Justiça,
e endereçada ao Presidente da República; a segunda, denominada “Exposição de Motivos do Supervisor
da Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil”, subscrita por Miguel Reale, endereçada ao referido
Ministro da Justiça. Vale mencionar que o projeto de lei instituindo o Código Civil foi enviado então pelo
Presidente da República (Ernesto Geisel) ao Congresso Nacional, acompanhada das exposições referidas,
por intermédio da Mensagem nº 160, de 10 de junho de 1975. Do texto assinado pelo Ministro da Justiça,
extraem-se dados valiosos acerca do processo legislativo, em especial que a “Comissão Revisora e Elaboradora
do Código Civil foi constituída no ano de 1969, sendo o primeiro texto do anteprojeto elaborado em 1972.
Após isso, a Comissão se reuniu por diversas outras vezes fiel ao seu propósito de elaborar um anteprojeto
correspondente às reais aspirações da sociedade brasileira, graças à manifestação dos diferentes círculos
jurídicos, e de quantos se interessaram pelo aperfeiçoamento de nossa legislação civil”. Como resultado,
apresentou-se um novo anteprojeto, publicado em 18 de junho de 1974, sendo que, então, novas sugestões
e emendas foram analisadas, até se chegar no texto final, “que, no dizer de seus autores, transcende as
pessoas dos que o elaboraram, tão fundamental e fecunda foi a troca de ideias e experiências com os mais
distintos setores da comunidade brasileira” (SENADO FEDERAL, 2005, 20).
15
Na parte em que expõe a “orientação metodológica” adotada, afirma que “a elaboração do Anteprojeto
de Código Civil obedeceu a um processo até certo ponto inédito, marcado pela aderência aos problemas
concretos da sociedade brasileira, segundo um plano preestabelecido de sucessivos pronunciamentos por
parte das pessoas e categorias sociais a que a nova lei se destina. Essa linha metodológica tornou-se
mais nítida à medida que vieram sendo desenvolvidos os trabalhos, o que confirma, no campo das ciências
humanas, o acerto epistemológico de que, na pesquisa científica, é o contato direto e efetivo com a realidade
que gera as técnicas e os métodos mais adequados à sua compreensão”. Ademais, erige a “socialidade”
e “concreção” à categoria de “princípios que fundamentalmente informam e legitimam a obra programada”
(SENADO FEDERAL, 2005, p. 27).
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Salienta-se que, pelos motivos ora apresentados, serão utilizadas à frente no trabalho as expressões “grupos
econômicos fraudulentos”, “grupos econômicos de fato” ou apenas “grupos econômicos” sempre se referindo
aos grupos econômicos, ou grupo de sociedades, que se constituam pela modalidade “de fato”, e com fins
fraudulentos.
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Por oportuno, adota-se o conceito fornecido pelo referido autor do que seja um
grupo de sociedades:
17
Fábio Konder Comparato (1970, p. 363) há muito constatou que a empresa isolada é uma realidade condenada
em todos os setores, máxime naqueles em que o progresso está intimamente ligado à pesquisa tecnológica.
18
Vale transcrever a lição de Sérgio Campinho: “Os grupos econômicos são uma realidade no mundo
contemporâneo. Apresentam-se como uma técnica de exploração racional da atividade empresarial, na busca
do atingimento de um processo de investimentos, pesquisa, produção e comercialização mais eficientes. A
aglutinação empresarial é uma forma de encarar eficazmente os desafios da economia de escala” (CAMPINHO,
2011, p. 315).
19
Para estudo mais detalhado sobre o tema, cf. ANTUNES, 2005. Extrai-se de tal artigo que, já no início dos
anos 2000, “Os cadastros estatístico-societários disponíveis nos três maiores mercados mundiais (a famosa
“Global Triad”: Estados Unidos da América, União Europeia, Japão) indiciam uma inequívoca tendência das
sociedades para perderem o seu originário estatuto de independência, recorrendo crescentemente à técnica do
grupo societário: assim acontece com cerca de 70% das sociedades comerciais na Alemanha, 50% na Suíça,
60% na França, 55% na Inglaterra, 65% nos Estados Unidos, e 88% no Japão” (ANTUNES, 2005, p. 35).
20
“Art. 265. A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo
de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização
dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns”.
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Apenas circunstâncias excepcionais e legalmente previstas ensejam a responsabilização patrimonial compulsória
das empresas integrantes de um grupo econômico do qual participa empresa que figura no polo passivo
de um processo judicial. Citem-se, como exemplo: (i) a hipótese de infração de ordem econômica (art. 33
da Lei nº 12.529/2011); (ii) cumprimento de obrigações previdenciárias (art. 30, IX, da Lei nº 8.212/91),
consumeristas (art. 28, §2º, do Código de Defesa do Consumidor) ou dívidas trabalhistas (art. 2º, §2º, da
Consolidação das Leis do Trabalho); (iii) por deliberação do próprio grupo, que pode estabelecer eventual
solidariedade passiva entre elas em contrato (art. 265 do Código Civil).
22
A existência de uma unidade de controle sobre uma pluralidade de empresas, formalmente autônomas,
possibilita que a existência de um interesse comum entre as diversas empresas componentes do grupo
fique encoberta pelo “véu” da personalidade jurídica e, somente quando levado o “véu”, constata-se que
a realidade subjacente é a de um grupo de empresas. Isso tem se prestado como elemento ideal para os
grupos, que vêm utilizando-se da personalidade jurídica das empresas isoladas para negarem a sua existência
e eximirem-se de responsabilidades (KOURY, 2000, p. 89-90).
23
Com efeito: (i) o referido art. 2º, §2º, da CLT considera existir grupo econômico ‘sempre que uma ou mais
empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle
ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica”;
(ii) na esfera do Direito Societário, a Lei nº 404/1976 prevê os conceitos de sociedades coligadas, grupos de
sociedades e consórcio (art. 243 e seguintes); (iii) o Código de Defesa do Consumidor disciplina a matéria ao
prever a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica (art. 28), estabelecendo ser extensíveis
os efeitos da desconsideração às sociedades componentes dos grupos societários e sociedades controladas.
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24
Oportuna é a transcrição da seguinte lição de Fábio Ulhoa Coelho: “Diferem-se fraude e abuso de direito,
para a formulação subjetiva da teoria da desconsideração, quanto às intermediações entre a intenção de
prejudicar o terceiro e o dano. Enquanto na fraude, inexiste elemento intermediário, no abuso de direito,
a intenção de prejudicar terceiro procura se viabilizar através do exercício de um direito, porém de forma
distorcida” (COELHO, 1989, p. 60).
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25
Pedro Ivan Vasconcellos Hollanda afirma que ocorre nos grupos societários aquilo que José Lamartine
Corrêa de Oliveira denominou de “dupla crise da pessoa jurídica”, na medida em que, pela teoria clássica da
desconsideração e da sociedade comercial, não se admite o abuso de sua personalidade jurídica, mas, por
outro, reconhece-se a possibilidade de um ente sofrer influência, comando e ser dominado por um outro ente
personalizado, atuando como se uma só personalidade jurídica houvesse, a qual, porém, não é reconhecida
pelo Direito (HOLLANDA, 2008, p. 181).
26
Em sentido oposto, Suzy Elizabeth Cavalcanti Koury (2000, passim).
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27
Respectivamente, www.stj.jus.br e www.tjsp.jus.br.
28
Com a inserção das expressões “desconsideração da personalidade jurídica” e “grupo de sociedades”,
obtiveram-se os mesmos resultados. Ressalte-se, ademais, que o emprego das aspas na pesquisa tem o
objetivo de buscar tão somente a expressão exata que esteja dentro delas.
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aqueles em que a questão da aplicação da teoria aos grupos econômicos tenha sido
efetivamente enfrentada, desprezando os que se limitaram a reafirmar entendimentos
lançados em outros julgados ou afirmaram que o julgamento do mérito afrontaria a
Súmula nº 7 da Corte.29
Dos 5 informativos, 3 não tinham pertinência temática com a pesquisa, porquanto
ou envolviam execuções fiscais e aplicação do Código Tributário Nacional, ou se
limitavam à resolução de conflito de competência. Os 2 pertinentes envolviam a
aplicação da teoria a grupos econômicos envolvendo sociedade falida, isto é, se as
demais sociedades do grupo respondiam pelos débitos da falida.
Em todos os casos se permitiu a aplicação da teoria desde que se fizesse
presente a fraude ou abuso de direito, em face da lei ou, especialmente, credores,30
sendo o fundamento principal evitar fraudes aos credores da falida.31
Destaca-se, em especial, o informativo decorrente do REsp 1.259.020-SP, quando
alude à “nova roupagem” da técnica de desconsideração da personalidade jurídica:
29
A qual impede o revolvimento das provas carreadas aos autos e a modificação das premissas fático-probatórias.
Eis o teor do respectivo verbete: “Súmula 7. A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso
especial”.
30
AgRg no REsp 1.229.579-MG, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 18.12.2012 (Informativo nº 0480, Período:
1º a 12 de agosto de 2011); REsp 1.259.020-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 9.8.2011 (Informativo
nº 0453, Período: 25 a 29 de outubro de 2010).
31
No Recurso Especial nº 63.652/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, unânime, DJ 21.08.2000, consignou-se: “O
pedido de falência foi apresentado contra a empresa G.R.S. Serviços Motorizados Ltda. Verificou-se, porém,
que tal sociedade desaparecera, assumindo o seu lugar a ora agravante – H.L. Serviços Motorizados S/C
Ltda. (...) Daí a aplicação pelo decisório recorrido da teoria da ‘disregard of legal entity’, a ponto de o V.
Acórdão enfatizar, de modo pertinente, que ‘decretar somente a quebra da G.R.S. significaria fechar os olhos
para a realidade e premiar o embuste, deixando os credores no mais completo desamparo’”. No Recurso
Especial nº 211.619/SP, DJ 23.04.2001: “(...). FALÊNCIA. EXTENSÃO DOS EFEITOS. COMPROVAÇÃO DE
FRAUDE. APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. (...) III – Provada a existência
de fraude, é inteiramente aplicável a Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica a fim de resguardar os
interesses dos credores prejudicados. (Voto do Relator): No caso em exame, a decisão de primeiro grau
explicitou longamente a promiscuidade de negócios entre as empresas, as práticas maliciosas, tendentes
a fraudar credores. A exposição é minuciosa, constando especialmente de fls. 98 e seguintes, e a ela me
reporto. Dela se verifica que, constituindo as empresas um só grupo econômico, com a mesma direção, os
negócios eram conduzidos tendo em vista os interesses desse e não os de cada uma das diversas sociedades.
A separação era apenas formal. Considero, com base na moderna doutrina sobre a matéria, que a teoria
da desconsideração da personalidade é de ser aplicada entre nós, embora regra expressa só exista para
situações específicas, como se verifica no âmbito das relações trabalhistas (CLT, art. 2º, §2º) e de consumo
(CDC, art. 28). Esse último dispositivo, aliás, admite a desconsideração quando houver falência”.
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REsp 1721239/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 27/11/2018, DJe
06/12/2018; REsp 1311857/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 13/05/2014,
DJe 02/06/2014; REsp 907.915/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em
07/06/2011, DJe 27/06/2011; REsp 1071643/DF, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma,
julgado em 02/04/2009, DJe 13/04/2009; REsp 968.564/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta
Turma, julgado em 18/12/2008, DJe 02/03/200; RMS 12.872/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira
Turma, julgado em 24/06/2002, DJ 16/12/2002.
33
Tendo em vista o pronunciamento que decide acerca da desconsideração da personalidade, seja no CPC/1973
ou no CPC/2015, ter natureza de decisão interlocutória, é o agravo de instrumento, portanto, o recurso
cabível para manifestar a insurgência.
34
De rigor esclarecer dois aspectos sobre os resultados obtidos com pesquisa da jurisprudência do TJ-SP; (i)
foi realizada, pela primeira vez, no site do TJ-SP, no dia 13 de junho de 2019. Até a data final de análise dos
julgados (18 de junho de 2019), os resultados se mantiveram os mesmos, com os critérios delimitadores
empregados; (ii) para melhor visualização dos resultados, e evitar a multiplicação despicienda do número de
laudas do trabalho, optou-se por apresentar somente os dados essenciais para identificação dos julgados,
a partir da seguinte estrutura: [agravo de instrumento – “AI” – e respectivo número, Relator (a) – “R.”, data
de julgamento – “j.”].
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A APLICAÇÃO DA DISREGARD DOCTRINE AOS GRUPOS ECONÔMICOS DE FATO: A TEORIA TRIDIMENSIONAL...
35
AI 2120571-05.2019.8.26.0000, R. Achile Alesina, j. 14/06/2019; AI 2058052-91.2019.8.26.0000; R.
Claudio Hamilton, j. 05/06/2019; (AI 2062453-36.2019.8.26.0000, R. José Marcos Marrone; j. 21/05/2019;
AI 2039366-51.233019.8.26.0000, R. Alberto Gosson; j. 29/04/2019; AI 2205239-40.2018.8.26.0000,
R.: J. B. Franco de Godoi, j. 06/02/2019; AI 2245190-41.2018.8.26.0000, R. Maia da Cunha, j.
31/01/2019; AI 2100681-17.2018.8.26.0000, R. Edson Luiz de Queiróz, j. 01/02/2019; AI 2115965-
65.2018.8.26.0000; R. Maia da Rocha, j. 08/10/2018; AI 2129667-78.2018.8.26.0000, R. J.L. Mônaco
da Silva, j.: 08/08/2018; AI 2105105-05.2018.8.26.0000, R. Israel Góes dos Anjos, j. 31/07/2018; AI
2055775-39.2018.8.26.0000, R. Claudio Hamilton, j. 28/06/2018; AI 2054597-55.2018.8.26.0000, R.
Claudio Hamilton, j. 28/06/2018; AI 2015149-75.2018.8.26.0000, R. Carlos Dias Motta, j. 23/05/2018;
AI 2241975-91.2017.8.26.0000, R. Sergio Gomes, j. 20/03/2018; AI 2111647-73.2017.8.26.0000, R. J.L.
Mônaco da Silva, j. 09/08/2017; AI 2097598-27.2017.8.26.0000, R. Antonio Nascimento, j. 10/08/2017; AI
2013954-89.2017.8.26.0000, R. José Marcos Marrone, j. 31/05/2017; AI 2014273-57.2017.8.26.0000, R.
Jacob Valente, j. 24/05/2017; AI 2003443-32.2017.8.26.0000, R. Virgilio de Oliveira Junior, j. 23/05/2017;
AI 2153204-74.2016.8.26.0000, R. Rebello Pinho, j. 26/09/2016; AI 2271202-97.2015.8.26.0000, R.
Maria Lúcia Pizzotti, j. 09/03/2016; AI 2170345-43.2015.8.26.0000, R. Rebello Pinho, j. 22/02/2016;
AI 2169628-31.2015.8.26.0000, R. Rebello Pinho, j. 22/02/2016; AI 2234070-06.2015.8.26.0000, R.
Maia da Cunha, j. 11/02/2016; AI 2178853-75.2015.8.26.0000, R. Alberto Gosson, j. 03/12/2015; AI
2193696-45.2015.8.26.0000, R. Salles Rossi, j. 25/11/2015; AI 2176933-66.2015.8.26.0000, R. Antonio
Nascimento, j. 24/09/2015; AI 2026290-96.2015.8.26.0000, R. J. B. Franco de Godoi, j. 13/05/2015; AI
2176466-24.2014.8.26.0000, R. Heraldo de Oliveira, j. 09/12/2014; AI 2101081-70.2014.8.26.0000,
R. Vicentini Barroso, j. 25/11/2014; AI 2086876-36.2014.8.26.0000, R. Maia da Rocha, j. 04/08/2014;
AI 2085766-02.2014.8.26.0000, R. Maia da Rocha, j. 04/08/2014; AI 2035074-96.2014.8.26.0000, R.
Vicentini Barroso, j. 29/04/2014; AI 2026415-98.2014.8.26.0000, R. Ferreira da Cruz, j. 24/04/2014; AI
0267071-21.2012.8.26.0000, R. William Marinho, j. 12/03/2014; AI 2062752-23.2013.8.26.0000, R.
Alexandre Lazzarini, j. 25/02/2014; AI 2058134-35.2013.8.26.0000, R. Alexandre Lazzarini, j. 25/02/2014;
AI 2054992-23.2013.8.26.0000, R. Alexandre Lazzarini, j. 25/02/2014; AI 2054859-78.2013.8.26.0000,
R. Alexandre Lazzarini, j. 25/02/2014; AI 2008562-13.2013.8.26.0000, R. Edgard Rosa, j. 03/10/2013; AI
0065707-61.2013.8.26.0000, R. Virgilio de Oliveira Junior, j. 23/09/2013; AI 0035505-38.2012.8.26.0000,
R. Afonso Bráz, j. 07/08/2013; AI 0066650-78.2013.8.26.0000, R. Israel Góes dos Anjos, j. 11/06/2013;
AI 0253295-51.2012.8.26.0000, R. Luiz Antonio de Godoy, j. 05/03/2013; AI 0117956-57.2011.8.26.0000,
R. Adilson de Araujo, j. 02/08/2011; AI 0029630-29.2008.8.26.0000, R. Ricardo Negrão, j. 09/06/2008;
AI 0002839-62.2004.8.26.0000, R. Ricardo Negrão, j. 20/04/2004; AI 0399592-95.2010.8.26.0000,
R. Moura Ribeiro, j. 28/10/2010; AI 0054424-75.2012.8.26.0000, R. Cerqueira Leite, j. 23/05/2012;
AI 0285877-12.2009.8.26.0000, R. Octavio Helene; j. 05/10/2010; AI 0065036-38.2013.8.26.0000, R.
Cerqueira Leite, j. 14/08/2013.
36
AI 2022343-92.2019.8.26.0000, R. Álvaro Torres Júnior, j. 03/06/2019; AI 2047325-10.2018.8.26.0000;
R. Salles Vieira, j. 27/04/2018; AI 2014094-89.2018.8.26.0000, R. Soares Levada, j. 14/03/2018; AI
2177286-38.2017.8.26.0000, R. Cármen Lúcia da Silva, j. 28/11/2017; AI 2077771-64.2016.8.26.0000,
R. Edgard Rosa, j. 20/10/2016.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 30, n. 120, p. 17-49, out./dez. 2022 33
Arlete Inês Aurelli, Renato Vaquelli Fazanaro
37
AI 2014427-07.2019.8.26.0000, R. José Tarciso Beraldo, j. 22/03/2019; AI 2113200-24.2018.8.26.0000;
R. Edson Luiz de Queiróz, j. 06/02/2019; AI 2006277-71.2018.8.26.0000, R. Castro Figliolia, j. 19/09/2018;
AI 2044838-67.2018.8.26.0000, R. Rebello Pinho, j. 21/05/2018; AI 2141409-37.2017.8.26.0000, R.
AZUMA NISHI, j. 30/11/2017; AI 2113894-61.2016.8.26.0000, R. Spencer Almeida Ferreira, j. 07/12/2016;
AI 2267356-72.2015.8.26.0000, R. César Peixoto, j. 14/03/2016; AI 2086166-16.2014.8.26.0000, R.
Gilberto Leme, j. 22/07/2014; AI 0136690-61.2008.8.26.0000, R. Maia da Cunha, j. 03/09/2009.
38
AI; 2255157-13.2018.8.26.0000, R. Fabio Tabosa, j. 30/05/2019; AI 2266652-54.2018.8.26.0000, R.
Castro Figliolia, j. 13/05/2019; AI 2225695-11.2018.8.26.0000, R. Castro Figliolia, j. 29/04/2019; AI
2257862-81.2018.8.26.0000; R. Cesar Lacerda, j. 05/02/2019 (números 24 e 25 da pesquisa, repetidos em
razão de provável falha sistêmica); AI 2250748-28.2017.8.26.0000, R. Thiago de Siqueira, j. 23/03/2018;
AI 2226650-76.2017.8.26.0000, R. Hélio Nogueira, j. 16/03/2018; AI 2223382-14.2017.8.26.0000,
R. Rebello Pinho, j. 05/02/2018; AI 2063955-78.2017.8.26.0000, R. Hamid Bdine, j. 08/11/2017; AI
2092106-54.2017.8.26.0000, R. Campos Mello, j. 21/09/2017; AI 2020998-96.2016.8.26.0000, R.
Hamid Bdine, j. 16/03/2016; AI 2041037-85.2014.8.26.0000, R. Francisco Loureiro, j. 25/09/2014.
39
AI 2077001-66.2019.8.26.0000, R. Moreira Viegas, j. 29/05/2019; AI 2242091-63.2018.8.26.0000, R.
Moreira Viegas, j. 20/03/2019.
40
AI 2166711-34.2018.8.26.0000, R. Francisco Giaquinto, j. 08/10/2018.
41
AI 2238419-81.2017.8.26.0000, R. Berenice Marcondes Cesar, j. 29/05/2019; AI 2266398-
81.2018.8.26.0000, R. Claudia Grieco Tabosa Pessoa, j. 24/05/2019; AI 2072135-15.2019.8.26.0000,
R. Vito Guglielmi, j. 14/05/2019; AI 2157169-89.2018.8.26.0000, R. José Aparício Coelho Prado Neto,
j. 23/04/2019; AI 2010281-20.2019.8.26.0000, R. Simões de Vergueiro, j. 26/03/2019; AI 2147220-
41.2018.8.26.0000, R. Spencer Almeida Ferreira, j. 20/02/2019; AI 2250151-25.2018.8.26.0000; , R. César
Peixoto, j. 19/02/2019; AI 2233765-17.2018.8.26.0000, R. Virgilio de Oliveira Junior, j. 04/02/2019; AI
2232657-50.2018.8.26.0000, R. Virgilio de Oliveira Junior, j. 04/02/2019; AI 2108821-40.2018.8.26.0000,
R. Maurício Campos da Silva Velho; j. 06/12/2018; AI 2198120-28.2018.8.26.0000, R. Dimas Rubens
Fonseca, j. 11/10/2018; AI 2188270-47.2018.8.26.0000, R. Tavares de Almeida, j. 10/10/2018 (números
32 e 33 da pesquisa, repetidos em razão de provável falha sistêmica); AI 2013401-76.2016.8.26.0000,
R. Salles Vieira, j. 30/08/2018; AI 2051930-96.2018.8.26.0000, R. Paulo Pastore Filho, j. 20/07/2018;
AI 2214139-46.2017.8.26.0000, R. Salles Vieira, j. 19/02/2018; AI 2249749-12.2016.8.26.0000;
R. Francisco Occhiuto Júnior, j. 05/10/2017; AI 2115101-61.2017.8.26.0000, R. Gomes Varjão, j.
09/08/2017; AI 2067196-60.2017.8.26.0000, R. Plinio Novaes de Andrade Júnior; j. 29/06/2017; AI
2034510-15.2017.8.26.0000, R. Carlos Alberto de Salles, j. 23/05/2017; AI 2254560-15.2016.8.26.0000,
R. Salles Vieira, j. 30/03/2017; AI 2194743-20.2016.8.26.0000, R. Alberto Gosson, j. 16/03/2017; AI
2100775-33.2016.8.26.0000, R. Campos Mello, j. 02/02/2017; AI 2161205-48.2016.8.26.0000, R. Paulo
Pastore Filho, j. 20/02/2017; AI 2161398-63.2016.8.26.0000, R. Paulo Pastore Filho, j. 20/02/2017; AI
2221515-20.2016.8.26.0000, R. J. B. Franco de Godoi, j. 01/02/2017; AI 2215589-58.2016.8.26.0000,
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A APLICAÇÃO DA DISREGARD DOCTRINE AOS GRUPOS ECONÔMICOS DE FATO: A TEORIA TRIDIMENSIONAL...
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Arlete Inês Aurelli, Renato Vaquelli Fazanaro
45
Fabio Ulhoa Coelho (1989, p. 15) cita o exemplo de julgado (RT 238/394) relatado por Edgard de Moura
Bittencourt, do qual se extrai “a assertiva de que a sociedade não se confunde com a pessoa dos sócios
é um princípio jurídico, mas não pode ser um tabu, a entravar a própria ação do Estado, na realização da
perfeita e boa justiça, que outra não é a atitude do juiz procurando esclarecer os fatos para ajustá-los ao
direito”.
46
Sobre a temática, indispensável é a obra, precursora no Brasil, de Cândido Rangel Dinamarco, intitulada “a
instrumentalidade do processo”, na qual o autor afirma que “a jurisdição não tem um escopo, mas escopos
(plural); é muito pobre a fixação de um escopo exclusivamente jurídico, pois o que há de mais importante é a
destinação social e política do exercício da jurisdição (...) as explicações meramente jurídicas da destinação
do processo pecam justamente por deixarem na sombra o valor humano perseguido através da jurisdição”
(1994, p. 317/164). Com efeito, um “valor humano perseguido” é justamente o de pacificação social, que
consubstancia o escopo social do sistema processual e do exercício da jurisdição.
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A APLICAÇÃO DA DISREGARD DOCTRINE AOS GRUPOS ECONÔMICOS DE FATO: A TEORIA TRIDIMENSIONAL...
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Arlete Inês Aurelli, Renato Vaquelli Fazanaro
47
Apesar da constitucionalidade duvidosa da medida provisória, tendo em vista não se vislumbrar o requisito
constitucional da urgência (art. 62, caput, da Constituição Federal), tratou-se de tentativa digna de aplausos,
pois visou solucionar – não necessariamente da melhor forma – o problema existente. Colhe-se da exposição
de motivos da MP, com relação à alteração referida, a seguinte justificativa: “A mais prestigiada e segura
conceituação dos requisitos de desconsideração da personalidade jurídica, conforme amplo estudo da
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, e em alinhamento com pareceres da Receita Federal, é
anotada em parágrafos no art. 50 do Código Civil, de maneira a garantir que aqueles empreendedores que
não possuem condições muitas vezes de litigar até as instâncias superiores possam também estar protegidos
contra decisões que não reflitam o mais consolidado entendimento” (BRASIL, 2019)
48
Como salientado pelo próprio autor (1984, p. 47), Recaséns Siches também empregava tal denominação.
49
O autor afirma que a teoria tridimensional do Direito foi uma “intuição da juventude”, despertada pelo fato de
grandes filósofos do Direito italiano subdividirem a Filosofia do Direito, para fins pedagógicos, em três partes:
uma destinada à teoria dos fenômenos jurídicos; outra aos interesses e valores que atuam na experiência
jurídica e, finalmente, uma terceira relativa à teoria da norma jurídica (grifos originais). Prossegue o autor:
“minha pergunta foi esta: no fundo dessa divisão pedagógica, não se esconde um problema essencial quanto
à estrutura da experiência jurídica? Não é necessário ir além de uma discriminação metodológica para se
alcançar a realidade jurídica em si?” (REALE, 2017, p. 117-118).
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A APLICAÇÃO DA DISREGARD DOCTRINE AOS GRUPOS ECONÔMICOS DE FATO: A TEORIA TRIDIMENSIONAL...
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Arlete Inês Aurelli, Renato Vaquelli Fazanaro
valor e a norma nesta se correlacionam de tal modo que cada um deles se mantém
irredutível ao outro (polaridade), exigindo-se mutuamente (implicação), o que dá
origem à estrutura normativa como momento de realização do Direito. Daí por que
ser chamada também “dialética de complementaridade” (REALE, 2004, p. 66-67).
Pois bem. A demonstração dessa inter-relação e dialetização entre tais aspectos
básicos do Direito é, em suma, a “feição nova” dada por Miguel Reale ao problema
da tridimensionalidade do Direito, sendo a essência da sua teoria (2004, p. 65).
A teoria proposta foi um marco de escala mundial na forma de se pensar
o fenômeno jurídico. O autor deu sentido e concretude à já aventada, por outros
doutrinadores mundo afora, relação existente entre fato, valor e norma no âmbito
do Direito.50 E muito se deve ao seu conceito de culturalismo jurídico, que foi o
ferramental adotado para se conceber o Direito como um fenômeno histórico-cultural,
em que fato, valor e norma têm uma relação de dialeticidade.
Como forma de representar o núcleo da sua teoria, a partir dos três elementos
essenciais à compreensão do fenômeno do Direito (fato, valor e norma), Reale elabora
a figura seguinte, que demonstra a nomogênese jurídica,51 isto é, o processo pelo
qual a norma jurídica surge e é constituída:
50
Conforme anotado pelo autor “a correlação essencial existente entre os aspectos fático, axiológico e prescritivo
do Direito não foi logo claramente percebida pelos juristas e jusfilósofos, os quais, como vimos, foram antes
tentados a compreender o fenômeno jurídico à luz de um ou de dois dos elementos discriminados, dando,
assim, origem às teorias reducionistas” (1999, p. 511). E as doutrinas que perceberam a ligação entre os três
aspectos aludidos, “fizeram-no de modo abstrato, isto é, sem se desvincularem integralmente de perspectivas
setorizadas, mas apenas procurando compô-las numa visão final e compreensiva, entendida, por sinal, de
maneira diversa e até mesmo conflitante”, o que chamou de tridimensionalismo genérico ou abstrato, citando
principalmente Gustav Radbruch. Mais à frente na obra, explica melhor: “Quando se procuram combinar os
três pontos de vista unilaterais e, mais precisamente, os resultados decorrentes de estudos levados a cabo
separadamente, segundo aqueles pontos de vista, configura-se o que chamamos de tridimensionalidade
genérica do Direito”. Menciona, ainda, a doutrina do tridimensionalismo específico – fazendo menção a Wilhelm
Sauer –, pela qual se teve o “superamento das análises em separado do fato, do valor e da norma, como se
se tratasse de gomos ou fatias de uma realidade decomponível; pelo reconhecimento, em suma, de que é
logicamente inadmissível qualquer pesquisa sobre o Direito que não implique a consideração concomitante
daqueles três fatores” (1999, p. 511-512). Essas diferentes doutrinas são assim compendiadas:
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A APLICAÇÃO DA DISREGARD DOCTRINE AOS GRUPOS ECONÔMICOS DE FATO: A TEORIA TRIDIMENSIONAL...
Miguel Reale assinalou que a relação entre fatos e valores, que implica
no surgimento da norma jurídica, não constitui uma síntese conclusiva
e final. [...] Por via de consequência, é necessário esclarecer que a
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 30, n. 120, p. 17-49, out./dez. 2022 41
Arlete Inês Aurelli, Renato Vaquelli Fazanaro
norma jurídica é criada para reger atos futuros. Ou seja, a sua criação
remonta a um determinado período histórico, com características pró‑
prias, no plano político, valorativo e cultural. [...] Daí a necessidade
de ser a norma jurídica sempre objeto de interpretação, não como um
objeto ideal – como se fosse uma asserção lógico-sintética –, mas sim
como um enunciado em necessária correlação com a base fático-axio‑
lógica. É a razão pela qual Reale distingue o “normativismo jurídico
concreto” do “normativismo puro” de Hans Kelsen.
a norma jurídica deve ser concebida como uma ponte elástica, dadas
as variações semânticas que ela sofre em virtude da intercorrência de
novos fatores, condicionando o trabalho de exegese e de aplicação
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A APLICAÇÃO DA DISREGARD DOCTRINE AOS GRUPOS ECONÔMICOS DE FATO: A TEORIA TRIDIMENSIONAL...
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Ver. 1.1.
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Arlete Inês Aurelli, Renato Vaquelli Fazanaro
Conclusão
Expostas as premissas essenciais à compreensão da teoria da desconsideração
da personalidade jurídica (disregard doctrine), e visto no que consistem os grupos
econômicos de fato, com fins eminentemente fraudulentos, bem como os postulados
da teoria tridimensional do Direito de Miguel Reale, é possível concluir:
(i) a disregard doctrine surgiu com o escopo de evitar o uso abusivo e/ou
fraudulento da autonomia patrimonial que caracterizou a personificação
das pessoas jurídicas;
(ii) os grupos econômicos são perfeitamente lícitos, e inclusive contam previsão
expressa no ordenamento jurídico pátrio, todavia a forma não organizada
que os grupos podem se revestir (grupos de fato) representam um enorme
risco em potencial, pois são um prato cheio para a perpetração de fraudes.
Representam, em última análise, uma forma mais moderna e sofisticada
de fraude societária;
(iii) o Código Civil positivou, em seu art. 50, a disregard doctrine para as relações
jurídicas cíveis em geral (que não reguladas por leis específicas), adotando
a teoria clássica e a modalidade direta, pela qual a consequência do uso
abusivo da personalidade jurídica é estritamente “interno” ou “intrínseco”,
estendendo a responsabilidade patrimonial pelas dívidas da sociedade tão
somente aos sócios que compõem o ente;
(iv) a pesquisa empírica realizada demonstrou que a jurisprudência pátria passou
a aplicar a teoria aos grupos econômicos de fato, com fundamento no art.
50 do Código Civil, de forma indiscriminada e mediante motivação genérica,
despida de respaldo teórico-jurídico. Não se atentou ao fato de que, a rigor,
desconsideração da personalidade jurídica é uma coisa e reconhecimento
de grupos econômicos de fato é outra;
(v) a Teoria Tridimensional do Direito, na forma lapidada por Miguel Reale, prega
que o fenômeno jurídico deve ser compreendido a partir da sua estrutura
tridimensional, sendo que fato, valor e norma se implicam e se exigem
reciprocamente, configurando uma “dialética de complementaridade”.
Dado o dinamismo da experiência jurídica, a norma positivada, resultado da
nomogênese jurídica, não conclui ou exaure o processo jurígeno, podendo
sofrer variações semânticas, a fim de atender as exigências fáticas e
axiológicas supervenientes, no limite da “elasticidade” que lhe é inerente;
(vi) a Teoria Tridimensional do Direito é o ferramental teórico-jurídico capaz de
legitimar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídico
aos grupos econômicos de fato, com fins fraudulentos, possibilitando a
motivação adequada das decisões;
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(vii) verificada a mudança no plano dos fatos, diferente daqueles que motivaram
a elaboração da norma do art. 50 do Código Civil, mas que com eles
guarda relação direta de identidade, consistente em forma alternativa
de fraude societária; considerando que o valor que incidiu sobre a base
de fato na origem da norma é o mesmo valor presente para este fato
“novo”, é possível verificar a variação semântica no sentido da norma, a
englobar este outro fato, e justificar a aplicação da consequência prevista
na lei (extensão da responsabilidade patrimonial) também para pessoas
físicas e/ou jurídicas que não compõem formalmente a pessoa jurídica
devedora;
(viii) para o reconhecimento do grupo econômico fraudulento em juízo, deve-
se assegurar o mesmo procedimento processual previsto para os casos
de desconsideração da personalidade jurídica, qual seja, o incidente
previsto no art. 133 e seguintes do CPC, a fim de assegurar as garantias
processuais inerentes ao devido processo legal.
The application of the disregard of legal entity theory to de facto economic groups: the Miguel Reale’s
Threedimensional Law Theory as a legitimating theoretical-juridical foundation
Abstract: This article aims to study the disregard of legal entity theory and, based on empirical research,
to show that the Brazilian courts apply indiscriminately art. 50 of the Civil Code as a basis for combating
the formation of de facto economic groups with fraudulent purposes. It occurs that, as it will be shown,
disregard doctrine and recognition of such economic groups are different things, so that the generic
and indistinct application of the legal provision, with the consequence set out therein, delegitimizes
judicial decisions and vitiates them for lack of legal reasoning. In order to solve this problem, it will be
demonstrated how the Miguel Reale’s Threedimensional Law Theory can contribute to the improvement
of the subject, and serve as a theoretical-juridical foundation, to provide legitimacy for the application of
the consequence foreseen in art. 50 also to fraudulent economic groups.
Keywords: Disregard of legal entity theory. De facto economic groups. Miguel Reale’s Threedimensional
Law Theory.
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