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ENEAS MATOS
Professor Doutor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP.
Mestre pela Universität Hamburg - Alemanha. Doutor em Direito Civil pela Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo - USP. Advogado em São Paulo
Introdução
Com o novo Código Civil essas são algumas das questões que surgem, merecem
um debate amplo pelos aplicadores do direito e a função do presente trabalho é
justamente de colaborar com essa discussão.
Definidos como "as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da
própria pessoa do sujeito, bem assim as suas emanações e prolongamentos"2 e,
essencialmente, voltados à proteção da pessoa humana, a Constituição de 1988 trouxe a
positivação de diversos direitos da personalidade, como os direitos "à vida, à liberdade,
à segurança, à intimidade, à vida privada, à imagem, a direitos autorais, incluídas as
participações individuais em obras coletivas, à reprodução da voz e da imagem (os dois
1
Publicado originalmente em MATOS, Eneas. Direitos da personalidade e pessoa jurídica. Revista Jus
Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 797, 8 set. 2005. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/7247>. Acesso em: 22 jan. 2018.
2
FRANÇA, R. Limongi. Manual de Direito Civil. v. 1. p. 403.
1
últimos, como inovações) (art. 5º, caput, e incs. X, XXVII e XXVIII), assegurando o
direito à indenização pelo dano moral, em caso de violação (incs. V e X)"3.
O novo Código Civil traz disposição expressa sobre a aplicação dos direitos da
personalidade às pessoas jurídicas, pacificando a questão, o que trará algumas inovações
na técnica jurídica brasileira.
3
BITTAR, Carlos Alberto. O direito civil na Constituição de 1988. p. 57.
4
PERLINGIERI, Pietro. Tendenze e metodi della civilistiva italiana. pp. 39 seguintes.
5
CHAVES, Antônio. Direito à vida, ao próprio corpo e às partes do mesmo (transplantes), esterilização
e operações cirúrgicas para mudança de sexo, direito ao cadáver e a partes do mesmo. pp. 144-149;
BITTAR, Carlos Alberto. O direito civil na Constituição de 1988. pp. 56-57; MIRANDA, Jorge. Manual
de Direito Constitucional, t. IV. pp. 55-59; e MATTIA, Fábio Maria de. Direitos da personalidade:
aspectos gerais. pp. 102-103.
2
"Os chamados direitos da personalidade e as pessoas jurídicas. É possível remover o
equívoco sobre a extensão dos direitos da pessoa humana às pessoas jurídicas. Se a tutela da
pessoa humana afunda as suas raízes na cláusula geral presente no art. 2 Const. e qualquer
aspecto ou interesse concernente à pessoa é tutelado na medida em que sejam essenciais ao seu
pleno e livre desenvolvimento, é também verdade que qualquer interesse referido às pessoas
jurídicas, não somente assume significados diferentes, mas recebe também uma tutela que
encontra um distinto fundamento. Para as pessoas jurídicas o recurso à cláusula geral de tutela
dos "direitos invioláveis" do homem constituiria uma referência totalmente injustificada,
expressão de uma mistificante interpretação extensiva fundada em um silogismo: a pessoa física
é sujeito que tem tutela; a pessoa jurídica é sujeito; ergo, à pessoa jurídica deve-se aplicar a
mesma tutela. Daqui uma concepção dogmática e unitária da subjetividade como fato neutro. O
valor do sujeito pessoa física é, todavia, diverso daquele do sujeito pessoa jurídica.
É necessário adquirir consciência da identidade apenas aparente de problemáticas como,
por exemplo, o segredo, a privacidade e a informação. Estes aspectos assumem valor existencial
unicamente para a pessoa humana; nas pessoas jurídicas, exprimem interesses diversos, o mais
das vezes de natureza patrimonial. O sigilo industrial, o sigilo bancário, etc. podem também ser
em parte garantidos pelo ordenamento, mas não com base na cláusula geral de tutela da pessoa
humana. Deve ser recusada, por exemplo, a tentativa de justificar o sigilo bancário com a tutela
da privacidade; Esta exprime um valor existencial (o respeito da intimidade da vida privada da
pessoa física); aquele, um interesse patrimonial do banco e/ou do cliente"6.
"De tais elaborações decorrem, ainda, as teses que, movidas embora pelo louvável
propósito de ampliar os confins da reparação civil, consideram indistintamente a pessoa física e a
pessoa jurídica como titulares dos direitos da personalidade, a despeito do tratamento
diferenciado atribuído pelo ordenamento constitucional aos interesses patrimoniais e
extrapatrimoniais.
As lesões atinentes às pessoas jurídicas, quando não atingem, diretamente, as pessoas
dos sócios ou acionistas, repercutem exclusivamente no desenvolvimento de suas atividades
econômicas, estando a merecer, por isso mesmo, técnicas de reparação específicas e eficazes,
não se confundindo, contudo, com os bens jurídicos traduzidos na personalidade humana (a lesão
à reputação de uma empresa comercial atinge – mediata ou imediatamente – os seus resultados
econômicos, em nada se assemelhando, por isso mesmo, à chamada honra objetiva, com os
direitos da personalidade).
Cuida-se, afinal, de uma tomada de posição do legislador constituinte, que delineou a
tábua axiológica definidora do sistema e, por conseguinte, da atividade econômica privada. Daí a
necessidade de uma reelaboração dogmática, de molde a subordinar a lógica patrimonial àquela
existencial, estremando, de um lado, as categorias da empresa, informadas pela ótica do mercado
e da otimização dos lucros, e, de outro, as categorias atinentes à pessoa humana, cuja dignidade é
o princípio basilar posto ao vértice hierárquico do ordenamento.
Tampouco se pode tomar de empréstimo a ótica individualista e patrimonialista para a
solução de conflitos inerentes à tutela da pessoa humana – permeados por bem outros valores. A
empresa privada, na esteira de tal perspectiva, deve ser protegida não já pelas cifras que
movimentam ou pelos índices de rendimento econômico por si só considerados, mas na medida
em que se torna instrumento de promoção dos valores sociais e não-patrimoniais.
Com base em tais premissas metodológicas, percebe-se o equívoco de se imaginar os
direitos da personalidade e o ressarcimento por danos morais como categorias neutras, adotadas
artificialmente pela pessoa jurídica para a sua tutela (a maximização de seu desempenho
econômico e de seus lucros). Ao revés, o intérprete deve estar atento para a diversidade de
princípios e de valores que inspiram a pessoa física e a pessoa jurídica, e para que esta, como
comunidade intermediária constitucionalmente privilegiada, seja merecedora de tutela jurídica
apenas e tão-somente como um instrumento (privilegiado) para a realização das pessoas que, em
seu âmbito de ação, é capaz de congregar"7.
6
Em pp. 157-158 de seu Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional.
7
Em pp. 52-53 de seu A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro, em
Temas de Direito Civil.
3
Entretanto, tal posição não é pacífica, pelo que, favoravelmente, trazemos os
ensinamentos do saudoso Carlos Alberto Bittar, Desembargador do TJSP e Professor
Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP, aduzindo da compatibilidade
de certos direitos da personalidade às pessoas jurídicas:
"Por fim, são eles plenamente compatíveis com pessoas jurídicas, pois, como entes
dotados de personalidade pelo ordenamento positivo (C. Civil, arts. 13, 18 e 20), fazem jus ao
reconhecimento de atributos intrínsecos à sua essencialidade, como, por exemplo, os direitos ao
nome, à marca, a símbolos e à honra. Nascem com o registro da pessoa jurídica, subsistem
enquanto estiverem em atuação e terminam com a baixa do registro, respeitada a prevalência de
certos efeitos posteriores, a exemplo do que ocorre com as pessoas físicas (como, por exemplo,
como o direito moral sobre criações coletivas e o direito à honra)"8.
Assim sendo, o artigo 52, do novo Código Civil possui a seguinte dicção: "Art.
52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da
personalidade".
Nos artigos 11 a 21, o novo Código traz um capítulo especialmente dedicado aos
direitos da personalidade; vale dizer, sem notar expressamente às pessoas jurídicas.
4
evolução da sociedade para reconhecimento e proteção através da técnica de novos
direitos; de pronto já se tem a conclusão que desde que compatível com a estrutura da
pessoa jurídica, essa terá o amparo dos direitos da personalidade assim pertinentes,
para fins seja de proteção direta de direitos como a honra e boa-fama, art. 20, seja
para exigir a tutela de emergência para fins de cessar ameaça a tais direitos, e até, ao
pleito de ressarcimento pelas perdas e danos causados por ofensa a tais direitos, art.
12, todos do novo Código Civil.
Assim, se podia soar estranho ao aplicador do direito brasileiro tal questão – dos
direitos da personalidade das pessoas jurídicas -, como visto, com o advento do novo
Código Civil, isso já é uma realidade insofismável.
"... fazem jus ao reconhecimento de atributos intrínsecos à sua essencialidade, como, por
exemplo, os direitos ao nome, à marca, a símbolos e à honra. Nascem com o registro da pessoa
jurídica, subsistem enquanto estiverem em atuação e terminam com a baixa do registro,
respeitada a prevalência de certos efeitos posteriores, a exemplo do que ocorre com as pessoas
físicas" 11.
9
Cfr. BITTAR, Carlos Alberto, Os direitos da personalidade. p. 64.
10
Em seu O direito civil na Constituição de 1988, pp. 50-52.
11
Conforme trecho já transcrito neste trabalho: BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. p.
13.
5
Por tal princípio enunciado por Bittar, são compatíveis todos aqueles direitos
intrínsecos e essenciais à existência da pessoa jurídica, protegendo-se desde o momento
de seu registro – nascimento da pessoa jurídica -, até o seu encerramento, protegendo-
se, ainda, certos direitos mesmo após tal encerramento. Sobre essa última assertiva, da
mesma forma que, por exemplo, a honra de pessoa já falecida poderá ser alvo de
proteção a ser requerida pelos parentes – "cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente da
linha reta, ou da colateral até o quarto grau" -, nos termos do artigo 12, parágrafo único,
do novo Código, com o encerramento da pessoa jurídica, por esse raciocínio de
compatibilidade do artigo 52 – reconhecendo direitos da personalidade às pessoas
jurídicas -, em tese, será admissível a proteção da honra da pessoa jurídica "morta", já
com suas atividades encerradas, por seus antigos sócios, e até herdeiros, na mesma
ordem fixada no artigo 12, vez que notoriamente podem sofrer consequências
patrimoniais e extrapatrimoniais, tendo em vista participação em antiga pessoa jurídica.
Acrescentamos, ainda, que não há disposição no novo Código que vede tal
interpretação, aliando-se que toda e qualquer interpretação deve ser fixada aqui no
sentido de promover a inovação trazida, dos direitos da personalidade à pessoa jurídica,
bem como por ser a honra direito fundamental protegido constitucionalmente.
12
Nesse sentido, por exemplo, no direito italiano, v, sobre alguns direitos da personalidade que pode a
pessoa jurídica ser titular, SALVI, Cesare. La responsabilità civile. p. 81, citando o direito ao nome, à
reputação e à privacidade.
13
Poder-se-ía questionar de um direito à vida das pessoas jurídicas e de um direito à integridade: na
verdade a compatibilidade aqui seria discutível, haja vista que "vida" para a pessoa jurídica é a qualidade
de ter reconhecimento como sujeito de direito, com direito ao seu pleno e regular funcionamento,
observadas as restrições legais, confundindo-se com o direito à livre iniciativa, bem como, assim, o
direito à integridade da pessoa jurídica se confunde com direito ao respeito as seus direitos patrimoniais e
extrapatrimoniais. Entretanto, tal questão, por si só, já seria suficiente para uma tese, o que, com efeito,
não é o fim deste trabalho, que é de lançar perguntas: mais uma se lança aqui, portanto, alcançando o
objetivo almejado pelo autor.
6
4. Reparação civil dos danos causados por ofensa aos direitos da personalidade da
pessoa jurídica
Da mesma forma que assim no que se refere à honra, quanto aos demais direitos
da personalidade da pessoa jurídica também é plenamente cabível a sua tutela, nos
mesmos moldes a ensejar a reparação, notadamente, dos danos morais causados.
14
Contrário à posição de que somente ofensas aos direitos da personalidade podem gerar reparação civil
por dano moral, v., SEVERO, Sérgio. Os danos extrapatrimoniais. p. 228.
15
Sobre a reparação do dano moral causado à pessoa jurídica, v., BITTAR, Carlos Alberto. Reparação
civil por danos morais. pp. 167-168; CAHALI, Yussef Said, Dano moral. pp. 342 e seguintes; SANTOS,
Antonio Jeová. Dano moral indenizável. pp. 143 e seguintes; CAVALIERI FIHO, Sérgio. Programa de
Responsabilidade Civil. pp. 79-81, e GUSSO, Moacir Luiz. Dano moral indenizável. pp. 37 e seguintes.
16
TJRJ, 5º Câm., Ap. 2.940, rel. Des. Narcizo Pinto, j. 16.10.1991: "Dano moral - Pessoa jurídica -
Impossibilidade. A indenização a título de dano moral só se justifica quando a vítima é pessoa física, pois
caracterizando-se esse tipo de dano por um sofrimento de natureza psíquica, não há como considerá-lo em
relação a uma pessoa jurídica".
17
TJDF, 3º Câm., Ap. Cível 41.2 93/96-DF, rel. Desa. Nancy Andrighi, j. 4.11.1996.
18
STJ, 4º T; REsp 60.033-2-MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 09.8.1995.
7
Ainda, quanto à reparação civil, deve-se aduzir que não só prejuízos
extrapatrimoniais são causados no momento de ofensas aos direitos da personalidade;
podem também ser causados danos materiais, advindos, por exemplo, de perda sensível
nos resultados econômicos, provenientes de abalo na honra da pessoa jurídica; incide,
nesse caso, a Súmula nº 37 do Superior Tribunal de Justiça, sobre cumulação dos danos
moral e material, pelo que admissível na mesma ação o pedido de reparação de todos os
danos causados pela ofensa ao direito da personalidade.
Assim sendo, plenamente cabível a ação visando à reparação dos danos causados
aos direitos da personalidade da pessoa jurídica.
Conclusões.
c) tal tutela se dará enquanto tiver existência a pessoa jurídica, e em certos casos,
até mesmo após encerradas suas atividades, por seus sócios ou herdeiros;
8
h) a reparação dos danos causados aos direitos da personalidade da pessoa
jurídica podem ser materiais e morais, sendo plenamente cumuláveis.
Referências
BITTAR, Carlos Alberto. O Direito Civil na Constituição de 1988. 2ª ed.. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1991.
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 2. ed.. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1994.
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2ª ed. revista, atualizada e ampliada do livro Dano
e indenização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
FRANÇA, R. Limongi. Manual de Direito Civil. v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1980.
GUSSO, Moacir Luiz. Dano moral indenizável. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000.
9
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional.
Trad. de Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 3ª ed.. São Paulo: Método, 2001.
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