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1.

DIREITOS FUNDAMENTAIS E GARANTIAS DOS DIREITOS

Os direitos fundamentais do homem, ao receberem positivação no Direito


Constitucional, passam a desfrutar de uma posição de relevo, no que toca ao
ordenamento jurídico interno. Mas a mera declaração ou reconhecimento de um
direito não é suficiente, não bastando para sua plena eficácia, porque se torna
necessário tutelar esse direito nas situações em que seja violado. E RUI BARBOSA já
distinguia entre, de um lado, os direitos, e de outro, as garantias dos direitos. E isto
porque é imperioso separar “as disposições meramente declaratórias, que são as que
imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias,
que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos;
estas, as garantias: ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional,
ou legal, a fixação da garantia, com a declaração do direito”. Com extrema precisão,
anota JOSÉ AFONSO DA SILVA que “Não são nítidas, porém, as linhas divisórias entre
direitos e garantias (...) Nem é decisivo, em face da Constituição, afirmar que os
direitos são declaratórios e as garantias assecuratórias, porque as garantias em certa
medida são declaradas e, às vezes, se declaram os direitos usando forma
assecuratória. Também SAMPAIO DÓRIA alerta para a correspondência terminológica
que se pode formar em torno da questão, declarando que “os direitos são garantias e
as garantias são direitos”. De fato, esta a posição que se afigura de melhor técnica
constitucional. Para tanto, tome-se como paradigma o instituto da ação popular. Como
se sabe, tradicionalmente é ele encarado como remédio constitucional, e, nesse
sentido, trata-se de uma garantia, de uma disposição eminentemente assecuratória.
Mas não se pode negar que o exercício da ação popular é considerado em si mesmo, o
exercício de um direito de índole política. Assim, neste último sentido, o Texto
Constitucional consagra um direito de participação política, declarando-o exercitável
através da ação popular. E, mais ainda, os direitos que a ação popular tutela vêm
consagrados no mesmo dispositivo que a prevê como ação assecuratória. São os
direitos à moralidade administrativa, ao meio ambiente, ao patrimônio público,
histórico e cultural. Neste ponto, pode-se observar uma série de “inconsistências”
terminológicas no Texto Constitucional brasileiro, a começar da própria rubrica do
Capítulo I do Título II, que dispõe “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, que,
como se observa, nenhuma referência faz às garantias, embora se encontre elevado
número de garantias entre os incisos do art. 5º. Além disso, como já se observou,
reconhecem-se alguns direitos garantindo-os (como no inc. V). Em vez de declarar-se o
direito à resposta proporcional ao agravo, “assegura-se” o mesmo. De outra parte,
garantias propriamente ditas são gramaticalmente declaradas. Finalmente, fundem-se
num mesmo dispositivo constitucional o direito e seu instrumento de garantia
correspondente. JOSÉ AFONSO DA SILVA leva a cabo uma distinção das garantias dos
direitos fundamentais, para agrupá-las em dois conjuntos. Num primeiro, que
denomina garantias gerais, estariam aquelas destinadas a assegurar a existência e a
efetividade (eficácia social) daqueles direitos. Num segundo conjunto, o qual
denomina garantias constitucionais, estariam as instituições, determinações e
procedimentos mediante os quais a própria Constituição tutela a observância ou a
reintegração dos direitos fundamentais, conforme o caso. Neste segundo grupo,
distingue ainda o autor entre as garantias constitucionais gerais e as especiais. Seriam
gerais as instituições constitucionais que se inserem no mecanismo de freios e
contrapesos dos poderes e, assim, impedem o arbítrio, com o que constituem, ao
mesmo tempo, técnicas de garantias e respeito aos direitos fundamentais. Nesse
sentido é que seriam gerais, por consagrarem salvaguardas de um regime de respeito à
pessoa humana. Seriam especiais as prescrições constitucionais que estatuem técnicas
e mecanismos que limitem a atividade dos órgãos estatais e dos particulares,
protegendo a eficácia plena dos direitos fundamentais de modo especial. E, nesse
sentido, escreve o renomado autor, “essas garantias não são um fim em si mesmas,
mas instrumentos para a tutela de um direito principal. Estão a serviço dos direitos
humanos fundamentais, que, ao contrário, são um fim em si, na medida em que
constituem um conjunto de faculdades e prerrogativas que asseguram vantagens e
benefícios diretos e imediatos a seu titular”. E o autor encampa a observação que se
fez atrás, embora o faça sob uma ótica diversa, escrevendo que “... tais normas
constitucionais de garantia são também direitos — direitos conexos com os direitos
fundamentais — porque são permissões concedidas pelo Direito Constitucional
objetivo ao homem para a defesa desses outros direitos principais e substanciais.
Então, podemos afirmar que as garantias constitucionais especiais — e não os direitos
fundamentais — é que são os autênticos direitos públicos subjetivos, no sentido da
doutrina clássica, porque efetivamente são concedidas pelas normas jurídicas
constitucionais aos particulares para exigir o respeito, a observância, o cumprimento
dos direitos fundamentais em concreto, importando, aí sim, imposições ao Poder
Público de atuações ou vedações destinadas a fazer valer os direitos garantidos”.
(ANDRÉ TAVARES RAMOS, CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL 10° ED, 2012. CAP. 46, PÁG: 897-
899)

A esse mesmo propósito, MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO vai observar que “as
próprias garantias em sentido estrito são de determinado ângulo direitos
fundamentais. Sim, porque há um direito a não sofrer censura, a não ter confiscados
os bens, a recorrer ao Judiciário, a impetrar mandado de segurança ou a requerer
habeas corpus. São direitos subjetivos à garantia: direitos-garantia, portanto”.

2. REMÉDIOS OU GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

Vale reproduzir, inicialmente, a preocupação de NORBERTO BOBBIO, para quem “... o


problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais
amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua
natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou
relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que,
apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados”. Entre as
garantias constitucionais dos direitos fundamentais encontra-se a ação popular, o
mandado de segurança, o mandado de injunção, o habeas data e o habeas corpus. A
esse conjunto a doutrina tem reservado o nome de “remédios constitucionais”. Esses
remédios são os instrumentos colocados, pelo ordenamento constitucional nacional,
para a proteção dos direitos humanos. Nesse particular, atende-se a um reclamo de
ordem internacional. Como assinala CANÇADO TRINDADE, a proteção dos direitos
humanos “é um propósito básico do ordenamento jurídico; neste sentido se pode
conceber o direito à ordem jurídica ou constitucional, em cujo marco se realizam os
direitos humanos. Por sua vez, o exercício efetivo da democracia contribui
decisivamente para a observância e garantia dos direitos humanos, e a plena vigência
destes caracteriza, em última análise, o Estado de Direito”. E continua: “o artigo 25 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos significativamente consagra o direito a
um recurso simples, rápido e efetivo não somente por violações da própria Convenção,
senão também por violações dos direitos consagrados na Constituição nacional ou na
lei interna. Também as Declarações Universal e Americana de Direitos Humanos de
1948 dispõem a respeito desse ponto. A Declaração Americana prevê, no artigo XVIII, o
direito a um procedimento simples e breve contra atos que violem os ‘direitos
fundamentais consagrados constitucionalmente’; e a Declaração Universal, por sua
vez, dispõe sobre o direito a um recurso efetivo perante os tribunais nacionais
competentes contra atos que violem os ‘direitos fundamentais reconhecidos pela
Constituição ou pela lei’ interna (artigo 8). O direito à ordem constitucional, ligado à
realização dos direitos humanos, encontra, portanto, respaldo nos instrumentos
internacionais de proteção dos direitos humanos”. Denomina-os a doutrina pátria
remédios, no sentido de que são meios colocados à disposição dos indivíduos e
cidadãos para provocar a atuação das autoridades em defesa do padecimento de
direitos declarados. E a noção de remédios, usada em seu sentido figurado, por óbvio,
é boa, já que tanto denota o fato de servirem para prevenir lesões como para reparar
aquelas que eventualmente já tenham ocorrido. ADA PELLEGRINI GRINOVER adverte
que o termo “garantia” tem abrangência maior do que “remédio” constitucional, já
que por garantia poder-se-á compreender todo e qualquer instrumento necessário à
concretização dos direitos declarados pela Constituição, por exemplo, tanto a ação
propriamente dita como a própria defesa em juízo (de uma ação proposta sem
fundamento). Além disso, e corroborando esse entendimento, MANOEL GONÇALVES
FERREIRA FILHO, na trilha de JOSÉ AFONSO DA SILVA, na lição acima transcrita,
entende que garantias dos direitos fundamentais são todas as limitações que o Poder
Público sofre, e, pois, não apenas aquelas decorrentes dos remédios constitucionais.
MONIZ DE ARAGÃO lembra que o vocábulo “garantia” não tem sido aplicado de
maneira inequívoca. E o autor utiliza-o num sentido ainda mais amplo, não circunscrito
apenas a aspectos da realização da justiça, mas igualmente quanto ao próprio Poder
Judiciário. Nesse contexto, utilizado pelo autor, as garantias fundamentais na nova
Constituição abarcariam, por exemplo, a garantia da independência do Judiciário, ou
da vitaliciedade dos magistrados. Mas, “na doutrina e na jurisprudência, vem dando-se
a estes o nome de remédios de Direito Constitucional, ou remédios constitucionais, no
sentido de meios postos à disposição dos indivíduos e cidadãos para provocar a
intervenção das autoridades competentes, visando sanar e corrigir a ilegalidade e
abuso de poder em prejuízo de direitos e interesses individuais”. Alguns desses
remédios são meios de provocar a atividade jurisdicional, e, pois, acabaram por
merecer a designação de “ações constitucionais”. Explica JOSÉ AFONSO DA SILVA que
são garantias constitucionais “na medida em que são instrumentos destinados a
assegurar o gozo de direitos violados ou em vias de ser violados ou simplesmente não
atendidos”. Na verdade, cumpre agora fazer uma distinção. Nestes últimos tempos
assistiu-se a uma espécie de agrupamento em nível constitucional dos princípios
processuais. A isso os processualistas têm denominado “direito processual
constitucional”. Seria “uma colocação científica, de um ponto- -de-vista metodológico
e sistemático, do qual se pode examinar o processo em suas relações com a
Constituição”. A partir da constatação dessa ocorrência em nível constitucional,
DINAMARCO sinteticamente anota que: “A visão analítica das relações entre processo
e Constituição revela ao estudioso dois sentidos vetoriais em que elas se desenvolvem,
a saber: a) no sentido Constituição-processo, tem-se tutela constitucional deste e dos
princípios que devem regê-lo, alçados a nível constitucional; b) no sentido processo-
Constituição, a chamada jurisdição constitucional, voltada ao controle da
constitucionalidade das leis e atos administrativos e à preservação de garantias
oferecidas pela Constituição (‘jurisdição constitucional das liberdades’), mais toda a
ideia de instrumentalidade processual em si mesma, que apresenta o processo como
sistema estabelecido para a realização da ordem jurídica, constitucional inclusive”. Eis
aqui o ponto de contato entre o processo e a Constituição. Portanto, interessa, neste
estudo, o sentido processo-Constituição, especificamente a jurisdição constitucional
das liberdades. Como observa a Prof. ADA PELLEGRINI GRINOVER, na abertura de uma
de suas obras, “O direito processual não se separa da constituição: muito mais do que
mero instrumento técnico, o processo é instrumento ético de efetivação das garantias
jurídicas. Sobre os princípios políticos e sociais da constituição edificam-se os sistemas
processuais”. Há quem não comungue, como MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO,
do acerto das designações assim empregadas. Para esse autor, “rigorosamente falando
as garantias dos direitos fundamentais são as limitações, as vedações, impostas pelo
constituinte ao poder público”. Não seriam, pois, as ações. Também contesta o
renomado autor o emprego da expressão “remédios constitucionais”. JOSÉ AFONSO
DA SILVA rebate essa tese, lembrando que esses remédios não deixam também de
exercer um papel limitativo da atuação do Poder Público, como quer MANOEL
GONÇALVES FERREIRA FILHO, já que, existindo essas ações, o Poder Público se
comporta de maneira a evitar sofrer sua incidência, e também porque o exercício
dessas ações pelo particular importa em impor uma correção à atividade estatal, o que
é um modo de limitar. Mais ainda, continua o autor, porque tais remédios atuam
precisamente quando as limitações e vedações não foram suficientes para conter os
excessos de poder e abusos de autoridade. Conclui para deixar certo que são, pois,
“espécies de garantias, que, pelo seu caráter específico e por sua função saneadora,
recebem o nome de remédios, e remédios constitucionais, porque consignados na
Constituição”.
(ANDRÉ TAVARES RAMOS, CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL 10° ED, 2012. CAP. 46, PÁG: 900-
903)

3. POSIÇÃO DAS GARANTIAS

Segundo GORDILLO, o Direito Administrativo seria um conjunto de princípios e normas


que contemplam a estruturação do aparato administrativo, seu funcionamento, a
integração de seus segmentos componentes, tudo tendo em vista o desempenho da
função administrativa, acrescentando expressamente nessa noção os instrumentos de
defesa do administrado contra a Administração Pública. Partindo dessa constatação,
SÉRGIO FERRAZ observa com muita argúcia: “Isto é absolutamente invulgar, incomum,
inédito. Integra ele, portanto, ao contexto do que seja direito administrativo, o
conjunto de instrumentos, judiciais ou não, postos à disposição do administrado em
face da atividade administrativa”. E acrescenta SÉRGIO FERRAZ que essa postura de
GORDILLO não é ideológica, mas técnica, na medida em que, “cientificamente ao
menos, administração e administrado não são adversários”. A conclusão é
peremptória: “Não há direito administrativo sem instrumentos de defesa do
administrado perante a administração pública”. Também o Direito Processual chama a
si o estudo dos instrumentos de defesa do administrado, porque desenvolvidos que
são, em sua maioria, através do Judiciário. Contudo, é no Direito Constitucional que se
encontram consagrados esses instrumentos de defesa do administrado. O Direito
Processual os destrincha, prevendo seu rito específico e outros elementos necessários.
De qualquer forma, constituem esses instrumentos uma categoria mais ampla, a dos
direitos humanos, como já assinalado.
(ANDRÉ TAVARES RAMOS, CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL 10° ED, 2012. CAP. 46, PÁG: 903-
904)

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