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2.

Conceito de Função
Já advertimos que o estudante de Direito deve estar atento ao
significado das palavras e termos técnicos empregados. E função é
um termo que exige certa cautela. É possível, primeiramente,
outorgar um sentido embasado numa analogia entre a vida social e
a vida orgânica. Trata-se, aqui, de uma perspectiva objetiva
atribuída a EMILE DURKHEIM que, pautado numa espécie de
metáfora, vislumbra o sistema social a partir de um organismo vivo.
Assim, tal como ocorre com o corpo de um ser vivo em que é
possível constatar uma série de funções orgânicas (respiratória,
digestiva, circulatória, entre outras), o sistema social estaria
lastreado por determinadas funções que também se afigurariam
vitais e essenciais à coesão social. Se já há críticas para a
perspectiva objetiva, mais problemática se mostra a subjetiva que se
justifica a partir do olhar dos atores sociais e que são relativizadas
diferentemente em cada sistema social analisado.
Mais consentâneos com a realidade que se procura afirmar a
partir da função do Direito, encontramos dois critérios razoáveis. O
primeiro, enxerga as funções como positivas ou negativas, segundo
se encontram, ou não, adequadas com as exigências e
necessidades dos atores sociais e o segundo, por seu turno, em
funções latentes e patentes, à luz dos efeitos sociais produzidos. As
funções latentes, diferentemente das patentes, não são desejadas
conscientemente pela sociedade e podem provocar, não raras
vezes, efeitos perversos em relação aos objetivos64. Um exemplo de
uma função latente se deu com a conversão da MP 2.083-32/2001
na Lei 9.434/97, prevendo originalmente, no seu art. 4º, que todas
as pessoas eram potenciais doadoras de órgãos, o que se dava por
meio de uma vontade presumida65. Diante da repercussão negativa
desse dispositivo, foi sancionada a Lei 10.211/2001, que consagrou
a necessária autorização, do cônjuge, companheiro ou parentes do
falecido, na linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau
inclusive, para fins de doação de órgãos, instrumentalizada em
documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação
da morte66.

3. As Funções Ordinárias do Direito


Qualquer que seja a concepção jurídica sobre o Direito, é lugar-
comum situar o sistema jurídico dentro de uma perspectiva mais
ampla – mas não menos complexa – intitulada de sistema social.
É exatamente nesse plano que se torna factível vislumbrar as
funções que ordinariamente se encontram presentes no Direito: (i)
integração ou controle social, (ii) resolução de conflitos, (iii)
organização social, (iv) legitimação do poder e (v) transformação
social.

3.1. Integração, Controle e Organização Social


Trata-se da função mais importante para grande parte dos
doutrinadores, por meio da qual o Direito consiste num meio de
orientação dos comportamentos dos indivíduos com a finalidade
básica de produzir ou manter a coesão social, integrando e
controlando a conduta de toda a coletividade que faz parte desse
núcleo social.
Essa função é concretizada, mediante a coercitividade típica das
regras jurídicas que fazem irradiar o desejado comprometimento de
todos os indivíduos para que respeitem elementares interesses da
sociedade a que pertencem.
Ora, convivendo todos os indivíduos numa mesma sociedade, é
elementar que os seus caprichos encontrem uma espécie de
barreira – no caso, o Direito – que proteja os interesses
primordiais67, assim consagrados pela ordem jurídica de um
determinado Estado. Como exemplo, veja a nossa Constituição
Federal que prescreve a propriedade como um direito fundamental68
e, dessa forma, esse direito será protegido concretamente nas mais
diversas ramificações de nosso sistema jurídico, como é o caso do
direito penal que tipifica como crime o furto, o roubo, a extorsão, a
usurpação, o dano, a apropriação indébita, prescrevendo sanções
(negativas) a todos aqueles que, de alguma forma, violarem o direito
à propriedade69. Nessa ordem de ideias, aquele que furta bem
material ou intelectual que não lhe pertence, responderá, via de
regra, pela sanção criada legitimamente pelo Estado como
consequência direta do descumprimento do dever jurídico imposto
na lei penal, mais precisamente, se sujeitará à pena de reclusão de
um a quatro anos e multa, na sua fórmula mais singela70. A
expectativa da criação de uma norma jurídica que atenda essa
finalidade de integração ou controle social, portanto, reside na
perspectiva de que as pessoas, cientes da existência de um
comando jurídico desse porte, de uma só vez, se conduzirão
estritamente ao seu comando, cumprindo todas as suas diretrizes e,
pois, respeitando, o direito à propriedade.
A função de integração ou controle social pode, enfim, ser
instrumentalizada mediante: i) técnicas repressivas; ii) técnicas
preventivas; iii) técnicas organizadoras, diretivas ou reguladoras e
de controle público e iii) técnicas promocionais.
As técnicas repressivas pressupõem ter havido violação a um
direito e se destinam, precipuamente: a) à reparação do prejuízo
experimentado, mediante compensação em razão da lesão sofrida;
b) punir o agente causador da lesão e c) dissuadir e/ou prevenir
nova prática do mesmo tipo de evento danoso.
É exemplo, aqui, da clássica fórmula de reparação civil no direito
brasileiro, a partir da conjugação dos arts. 186, 187 e 927. Confira-
se:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária,


negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que,


ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo
seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar
dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

As técnicas preventivas ocupam primazia em nosso sistema


jurídico, porque se destinam a proteger um direito ainda não violado,
mas que se encontra sob ameaça concreta e real de violação.
Justifica-se a primazia, na medida que nenhum direito violado
pode, efetivamente, ser compensado na mesma proporção.
Imagine-se, aqui, o direito à vida. Que indenização poderia ser paga
que pudesse reparar uma grande perda como a vida?
O sistema jurídico brasileiro possui inúmeras prescrições com
natureza preventiva. Como exemplo, cite-se a figura do mandado de
segurança preventivo, cabível sempre que houver justo receio de
violação a direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus
ou habeas data, mediante ilegalidade ou abuso de poder. Veja-se, a
propósito, o disposto no art. 1º da Lei 12.016/2009:

Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger


direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou
habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder,
qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo
receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria
for e sejam quais forem as funções que exerça.

As técnicas organizadoras, diretivas ou reguladoras e de controle


público revelam que o Direito objetiva, precipuamente, manter a
segurança, a ordem e a paz social.
Tratam-se, precisamente, das técnicas em que o Direito organiza
a estrutura social e econômica, define os direitos fundamentais e
sociais, traça as regras de competência e formatação do Estado,
regime e sistema de governo, sua atuação e as políticas públicas
imediatas ou dirigentes. Em nosso sistema jurídico, essas técnicas
se encontram, fundamentalmente, previstas em nossa Constituição
Federal.
Como exemplo, veja-se a redação do art. 1º da CF, em que
minuciosamente o texto constitucional explicita como é formada a
República Federativa do Brasil e, ainda, indicando qual o tipo de
Estado é o brasileiro, bem como indicando os seus fundamentos:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união


indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por
meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição.

A organização, contudo, não se restringe a esse dispositivo.


Praticamente toda a Constituição Federal estrutura a organização
do Estado brasileiro, bem como assinala os direitos fundamentais e
sociais.
As técnicas promocionais, finalmente, são aquelas que têm por
escopo persuadir os indivíduos para a aderência de determinadas
condutas socialmente necessárias, ainda que por um curto período
de tempo. Cuida-se da instrumentalização de metas por meio de leis
de incentivo e que fomentam, como política pública do Estado, uma
espécie de premiação aos indivíduos que assim atingiram os
resultados esperados.
Trata-se, aqui, da denominada sanção positiva, também
conhecida como sanção premial, cuja finalidade não é outra, senão

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