Você está na página 1de 53

I PARTE - Introdução ao estudo do direito

Capítulo I - A Ordem Jurídica

I - Importância do Direito e necessidade do seu estudo

É conhecida a frase muitas vezes repetida de que "a ignorância da lei não aproveita a ninguém", simplificação do
disposto no artigo 6º do Código Civil: "A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem
isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas".
A vida dos homens em sociedade implica a existência de normas que disciplinem as relações entre eles, quaisquer que
sejam essas relações: familiares, profissionais, etc.
Este curso destina-se a futuros licenciados em economia e em gestão de empresas. Todos os dias, muitas vezes de forma
inconsciente, todos os alunos praticam actos regulados pelo Direito, nas suas relações com os pais, com a Universidade, com a
polícia de trânsito, etc. O seu futuro desempenho profissional envolverá também uma permanente aplicação de normas jurídicas,
que justifica a inclusão desta disciplina no curso.
Os conhecimentos transmitidos nesta disciplina, para lá de terem um interesse imediato na formação jurídica básica dos
alunos, serão indispensáveis para o aproveitamento dos ensinamentos transmitidos nas outras disciplinas de direito incluídas no
currículo do curso..

II - Conceito de Direito

A - 1. Noção central de direito

Podemos partir da definição do Prof. João de Castro Mendes: Direito é um conjunto de normas de conduta social,
assistido de protecção coactiva.1
Mas o direito não é um simples somatório de normas. Todas estas normas encontram-se hierarquizadas e subordinadas
a princípios gerais comuns, constituindo um sistema.
O que caracteriza o Direito não é o reconhecimento da obrigatoriedade das suas normas, mas a existência da
possibilidade de impor, pela força, o seu acatamento.

2. Outros sentidos da palavra direito

A palavra Direito, quer em linguagem corrente quer em linguagem jurídica, aparece muitas vezes ligada a outros
sentidos, que não o acima referido.
A palavra direito aparece muitas vezes como significando justiça. As expressões "não há direito" e "não há justiça"
equivalem-se, e neste sentido a palavra direito aparece com o sentido de dar a cada um o que é seu, ou o que lhe é devido.
Outras vezes, a palavra direito aparece associado a uma situação de vantagem reconhecida a um determinado sujeito: A
tem o direito de propriedade sobre o bem X, ou B tem direito a 30 dias de férias. O direito nesta acepção é direito subjectivo.
Para o distinguir da outra acepção, que o compreende como um conjunto de normas, chama-se a este último de direito objectivo.
A palavra direito é ainda por vezes utilizada num sentido epistemológico, significando a ciência ou disciplina que
estuda o Direito.
Aparece também por vezes a expressão "direito positivo", no sentido de direito vigente, por contraposição a "direito
natural", que traduz uma ideia de Direito do justo, do direito que deveria existir, por vezes identificado com a justiça divina.

3. Direito e Estado

A ideia de direito acima exposta parte de duas ideias base: o homem é um animal social, e a cada sociedade o seu direito
(ubi societas, ibi jus).
No mundo moderno, as formas de sociedade mais importantes identificam-se com os Estados, entendidos como
sociedades politicamente organizadas, soberanas e independentes, fixas num determinado território que lhe é privativo.
Desta noção ressaltam os 3 elementos típicos dos Estados: um povo, um território, um poder político.
Cada Estado tem o seu direito próprio. É o Direito que fixa desde logo quais os fins e as funções do próprio Estado, e a
organização dos órgãos detentores do poder político.
O Direito não é, no entanto, exclusivo dos Estados. Existem outras sociedades, para além dos Estados, que têm o seu
direito próprio. É o caso da Igreja Católica, que tem o seu direito próprio, o Direito Canónico, ou a comunidade internacional,
que se rege pelo direito internacional público.

1 Introdução ao estudo do direito, lições policopiadas da Faculdade de Direito de Lisboa, 1977, pag. 3.
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos

B - 1. Elementos do conceito de Direito

A noção de Direito antes indicada assenta em 3 elementos:


- Sistema
- Norma
- Protecção coactiva

2. O sistema . Instituições e institutos

Como já foi referido, o Direito não é um mero somatório de normas, mas é antes um sistema de normas, um conjunto
ordenado e harmónico de normas correlacionadas entre si. Este conjunto ordenado e harmonioso de normas é aquilo a que é
vulgar chamar ordenamento jurídico, sistema jurídico ou ordem jurídica, como sinónimos de Direito.
A expressão ordem jurídica é utilizada também para designar o direito como ordem, como a vida social já ordenada em
conformidade com a justiça. Neste sentido, ordem jurídica já não é o Direito, mas sim o objecto regulado pelo Direito.
Dentro de qualquer ordenamento jurídico, é possível detectar sistemas de normas, agrupados em torno duma ideia
central, ou duma finalidade específica. São estes subconjuntos de normas que recebem o nome de instituições, ou institutos. Os
dois termos são utilizados quase indistintamente, distinguindo-os apenas, duma forma pouco nítida, a sua maior ou menor
importância. Assim é frequente ouvir referir a instituição da família, ou o instituto da compra e venda.
Também é possível distinguir, tal como no conceito de ordem jurídica, dois planos diferentes: o do conjunto de normas
que regulam a família, por exemplo, e a realidade social sobre que são aplicadas essas normas.

3 . Norma jurídica

As normas jurídicas, na sua forma perfeita,


- ligam a um acontecimento ou situação, definido em termos gerais e abstractos,
- a necessidade duma conduta determinada,
- impõem uma consequência, se a conduta determinada não for observada.
O acontecimento ou situação que determina a conduta é a previsão.
A conduta exigida é a estatuição.
A consequência do não acatamento da estatuição corresponde à sanção.
As normas jurídicas têm as seguintes características:
- Imperatividade - na sua forma típica contêm um comando.
- Violabilidade - na medida em que é um comando dirigido a seres livres, a norma jurídica é violável.
- Generalidade - a norma jurídica tem como destinatários uma generalidade de pessoas e não uma determinada
pessoa, ou um pequeno número de pessoas determinadas.
- Abstracção - a norma jurídica define a previsão e a estatuição através de modelos, ou padrões, verificáveis um
número de vezes indeterminado, e não uma situação concreta.
- Coercibilidade - a possibilidade de utilizar a força para impedir ou reprimir a violação da norma

4. A sanção; conceito e espécies

O último elemento acima referido, a sanção, nem sempre está presente na norma jurídica, pelo que é considerado mais
como um elemento do sistema jurídico do que propriamente da norma jurídica.
A sanção corresponde à protecção coactiva do acatamento das normas jurídicas: violada uma norma jurídica, é possível
reagir a essa violação, pela força, se necessário, para impor coactivamente a reparação dessa violação.
As sanções projectam-se sempre no plano jurídico. No entanto, a repercussão da sanção pode ser mais relevante numa
alteração da vida social, do que propriamente numa alteração jurídica. No primeiro caso, fala-se em sanção material, e no
segundo em sanção jurídica.
Nas primeiras, as sanções materiais, é possível distinguir 3 espécies:
- Cumprimento coactivo
- Reintegração
- Reparação
Há cumprimento coactivo quando a lei faz cumprir a norma, se tal é possível. Quando o cumprimento coactivo não é
possível, recorre-se à reintegração, procurando repor a situação que existiria se a norma não tivesse sido violada. Se também a
reintegração não é possível, há o recurso à reparação: é imposto um sacrifício ao violador da norma, que representa
simultaneamente uma satisfação para o lesado com a violação.
A reparação pode consistir em
- Compensação por danos morais
- Pena

2
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
5. Direito, Justiça e Segurança

Já foi referido que por vezes o termo Direito é usado como sinónimo de Justiça. As relações entre o Direito e a Justiça é
dos temas mais difíceis de abordar, até pela multiplicidade de sentidos que à palavra justiça pode ser atribuído.
Para o que agora nos interessa, consideremos que a justiça corresponde a dar a cada indivíduo aquilo que lhe compete.
E que esta é uma das finalidades do Direito.
Outra das finalidades do Direito é garantir a segurança nas relações jurídicas entre os indivíduos, de forma a garantir a
paz social. Um dos exemplos que ilustra esta preocupação com a segurança nesta acepção, de segurança nas relações entre
indivíduos, e que existe praticamente em todas as legislações, é o da usucapião: se alguém possuir uma determinada coisa por
um certo lapso de tempo, como se fosse o seu proprietário, acaba por ver-lhe reconhecido o direito de propriedade sobre essa
coisa, em prejuízo do anterior proprietário. É o caso do instituto da prescrição de crimes (o autor do crime não é punível desde
que sobre a sua prática tenha decorrido um certo número de anos), e é ainda o caso da caducidade do exercício de direitos (o
titular de certos direitos tem um prazo para os exercer; se não os exerce nesse prazo, perde a faculdade de os exercer). O Direito
tem, nitidamente, uma grande preocupação em garantir a certeza nas relações entre os indivíduos, contrariando o arrastamento
de situações indefinidas durante muito tempo.
Podemos dizer que são estas as duas grandes finalidades do direito: a justiça e a segurança.
No entanto, estas duas finalidades são até certo ponto antagónicas: a Justiça exige que as situações sejam tratadas
atendendo a todas as circunstâncias que as rodeiam; a Segurança aponta no sentido da padronização, na redução das situações
aos seus traços essenciais, de modo a permitir um tratamento uniforme de situações semelhantes (mas nunca iguais). A Justiça
apontaria no sentido de não atribuir grande relevo à passagem do tempo. A Segurança impõe que o tempo tudo sane.
A compatibilização destes dois princípios antagónicos não é fácil, e talvez resulte chocante para muitas pessoas a
constatação de que, amiúde, a consideração da segurança prevalece sobre a da justiça, nas soluções encontradas pelo Direito.
No entanto, o antagonismo é por vezes apenas aparente. Sem Segurança também não há Justiça, e a própria ideia de
Justiça (dar a cada um aquilo que lhe compete) pressupõe a determinação prévia do que compete a cada um. E há que ter certeza
quanto a isso.

6 . A Segurança como "certeza jurídica"

O problema da segurança jurídica tem uma outra vertente: a da segurança dos indivíduos face ao poder do Estado, e dos
homens que o exercem.
Uma das formas de salvaguardar a segurança dos indivíduos face ao Estado é o de garantir que o Direito possa ser
conhecido por todos, que todos possam saber o que é proibido ou permitido, e quais as consequências dos seus actos. Daí a
obrigatoriedade de dar publicidade às leis, através da sua publicação no jornal oficial, o Diário da República. A publicação das
leis é um requisito indispensável para a sua validade. É até habitual fixar um prazo para a sua entrada em vigor (vacatio legis),
que na falta de indicação em contrário é de 5 dias a contar da publicação. Mas por vezes, no caso de leis importantes, pode ser de
vários meses.

7. O Estado de direito

A segurança jurídica exige mais qualquer coisa, para lá de que o Direito seja certo. A certeza nada diz quanto ao
conteúdo, e a segurança só existe desde que o Direito proteja eficazmente um conjunto de direitos das pessoas que se consideram
básicos.
Esta ideia, de que a segurança jurídica exige que o Direito proteja um núcleo de direitos fundamentais da pessoa
humana, tem vindo a evoluir constantemente desde o século XVIII. A primeira declaração de direitos foi a "bill of rights" do
Estado da Virgínia, assinada em 12 de Junho de 1776. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi aprovada pela
Assembleia Nacional Francesa em 28 de Agosto de 1789. A Assembleia Geral das Nações Unidas, reunida em Paris em 10 de
Dezembro de 1948, aprovou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a que faz referência a nossa Constituição, no seu
artº 16º:
ARTIGO 16º
(Âmbito e sentido dos direitos fundamentais)
1. Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras
aplicáveis de direito internacional.
2. Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia
com a Declaração Universal dos Direitos do Homem
No âmbito do Conselho da Europa, também foi aprovada em Roma, em 4 de Novembro de 1950, a Convenção Europeia
dos Direitos do Homem.
A ideia de Estado-de-Direito está ligado a esta ideia de que o exercício do poder está submetido a regras jurídicas que
asseguram as liberdades e direitos dos cidadãos perante o próprio Estado, funcionando os direitos fundamentais dos cidadãos
como uma limitação do poder estatal.

8. Direito vigente, direito positivo e direito natural


3
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos

O objecto do Direito, na acepção de ciência jurídica, não é matéria pacífica. Para uma corrente, denominada positivista,
o objecto do Direito é o conhecimento do conjunto de normas que constituem o direito vigente, ou positivo. Esta posição leva a
que o jurista estude o Direito desligado da realidade social de que faz parte, e pode levar a críticas: sendo o Direito entendido
como o conjunto de normas vigentes num determinado período histórico, e sendo o direito emanado do Estado, o jurista fica
limitado a ser um instrumento desse Estado. Se o Estado reveste um forma tirânica, o jurista e o Direito serão instrumentos da
tirania. No estudo do Direito, segundo esta corrente teórica, não caberia a valoração moral do seu conteúdo.
A esta corrente positivista opõe-se um conjunto de doutrinas que se podem englobar sob a designação de jusnaturalistas,
que partem da ideia de que existirá um "direito natural", que constituirá um conjunto superior de normas e princípios que
servirão para aferir a valoração do conteúdo das normas vigentes, de direito positivo.

Capítulo II - As normas jurídicas

1. Noção de norma jurídica

Já vimos acima que a norma jurídica liga uma estatuição à previsão duma situação ou dum acontecimento. Dando uma
definição mais descritiva, podemos dizer que norma jurídica é toda a regra de conduta social, cuja observância é coactivamente
imposta. É uma noção de norma jurídica em sentido próprio, ou restrito.
Por vezes é utilizado a expressão "norma jurídica" para referir um conceito mais amplo, para designar qualquer
elemento autónomo dos textos legais, que não obedecem ao esquema indicado de previsão-estatuição. Estas normas em sentido
imprópria também são, por vezes, designados por disposições legais. O texto do artº 6º do Código Civil, anteriormente transcr ito,
é um exemplo.
A par das normas jurídicas, existem outras normas de conduta social: as regras de boa educação, as regras de etiqueta.
O que distingue estas é justamente a inexistência da possibilidade de imposição coactiva do seu cumprimento. A violação das
regras de boa educação gera uma reacção de desaprovação social, mas não existe qualquer mecanismo que obrigue alguém a dar
os bons dias aos seus vizinhos ou conhecidos.

2 - Estrutura lógica das normas jurídicas

Como já foi referido, a norma jurídica perfeita tem 3 elementos: previsão, estatuição e sanção. A sanção, em geral, não
consta da norma, salvo no caso das normas penais, que definem crimes, em que a sanção é em regra indicada nas próprias
normas incriminadoras. Em regra o esquema lógico das normas limita-se à previsão e à estatuição: se A, então B Ou será B, se
se verificar A. A representa a previsão e B a estatuição.
Muitas vezes, a sanção consta de disposições separadas, por vezes duma forma genérica.

3 - Classificação das normas jurídicas

Normas éticas e normas técnicas


A norma ética corresponde ao conceito de norma em sentido estrito, contem um comando cuja observância o direito
impõe, e cuja inobservância é sancionada. Subjacente ao comando está, em regra, uma razão de ordem moral, ou ética. Será o
caso das normas que proíbem matar outrem, ou causar-lhe danos corporais.
Há outras normas que, contendo igualmente comandos, estabelecendo que dada uma certa previsão, é estabelecida uma
determinada conduta como necessária para atingir determinado fim, alheiam-se, ou é-lhes indiferente, que esse fim seja ou não
prosseguido.
Um exemplo deste tipo de normas é constituído pelo artº 875º do Código Civil:
"O contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento
particular autenticado"
Aquele que quiser celebrar um contrato de compra e venda de imóveis válido (previsão), tem que o fazer observando a
forma da escritura pública ou documento particular autenticado(estatuição). Mas, para o Direito, é indiferente que o destinatário
da norma venda ou não. Esta norma será técnica.
Normas de estatuição material e normas de estatuição jurídica
As normas de estatuição material projectam os seus comandos na vida social, duma forma directa, com comandos do
tipo não matarás, não roubarás, entregarás ao proprietário as coisas móveis que encontrares perdidas.
As normas de estatuição jurídica projectam os seus efeitos mais na ordem jurídica, estabelecendo consequências
jurídicas, e não acções ou omissões materiais. É o caso do artº 130º do Código Civil:
"Aquele que perfizer dezoito anos de idade adquire a plena capacidade de exercício de direitos, ficando habilitado a reger a
sua pessoa e a dispor dos seus bens."
Normas imperativas, permissivas, supletivas e interpretativas
A norma imperativa, ou cogente, impõe um dever. Pode ser preceptiva, quando impõe uma actuação, ou proibitiva,
quando proíbe uma actuação, ou impõe uma omissão ou abstenção.

4
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
Consideremos o artº 671º do Código Civil:
"O credor pignoratício é obrigado:
a) A guardar e administrar como um proprietário diligente a coisa empenhada, respondendo pela sua existência e conservação;
b) A não usar dela sem consentimento do autor do penhor, excepto se o uso for indispensável à conservação da coisa;
c) A restituir a coisa, extinta a obrigação a que serve de garantia."
A s alínea a) e c) correspondem a normas preceptivas, a alínea b) a uma norma proibitiva.
A norma permissiva estatui uma permissão ou faculdade. Por exemplo o nº 1 do artº 1450º do Código Civil dispõe:
"1. O usufrutuário tem a faculdade de fazer na coisa usufruída as benfeitorias úteis e voluptuárias que bem lhe parecer,
contanto que não altere sua forma ou substância, nem o seu destino económico."
A norma supletiva é aquela que só é aplicável se os interessados não afastarem a sua aplicação. No âmbito dos
contratos, vigora o princípio da liberdade contratual, expresso no artº 405º do Código Civil. As partes podem celebrar os
contratos que quiserem, e com o conteúdo que entenderem (ressalvadas algumas limitações). Na regulamentação dos contratos
que celebram, nem sempre as partes contemplam todos os pormenores, aceitando a regulamentação que a lei, na falta de
estipulação das partes, contem. Quando duas pessoas contratam a compra e venda de um imóvel, podem estabelecer qual das
partes deverá pagar as despesas com a escritura pública, se o comprador, se o vendedor, ou se ambos, em partes iguais ou noutra
proporção. Se nada disserem, aplicar-se- à supletivamente o disposto no artº 878º do Código Civil:
"Na falta de convenção em contrário, as despesas do contrato e outras acessórias ficam a cargo do comprador."
As normas interpretativas são aquelas que esclarecem o sentido de outros textos legais. Por vezes são definições legais,
como a constante do artº 1º, nº 2, do Código Civil:
"2. Consideram-se leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes; ..."
Outras vezes são enunciações legais, indicando as categorias que preenchem um determinado conceito. Por exemplo, o
artº 1023º do Código Civil enuncia as categorias que preenchem o conceito de locação:
"A locação diz-se arrendamento quando versa coisa imóvel, aluguer quando incide sobre coisa móvel."
Normas ordenadoras e normas sancionatórias
Como já foi referido, nem sempre as normas jurídicas contêm a sanção. A sanção está contida, muitas vezes, noutras
normas. Estas últimas chamam-se então sancionatórias relativamente às primeiras, que são chamadas ordenadoras.
Normas directas e indirectas
As primeiras têm como destinatários os intervenientes na vida social, os cidadãos. As segundas têm por destinatários os
agentes que aplicam outras normas, para resolver problemas jurídicos.
Um exemplo de norma indirecta é a constante do artº 9º nº 3 do Código Civil:
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e
soube exprimir o seu pensamento em termos adequados."
Dentro das normas indirectas podem destacar-se as normas remissivas, quando a lei estabelece que para a resolução de
certos problemas, são utilizadas as normas previstas para outros. É um exemplo de norma remissiva o artº 1186º do Código
Civil, que manda aplicar ao depósito o disposto no artº 1158º, que regula o mandato.
Normas completas e incompletas
As normas completas são aquelas que produzam efeitos só por si. As incompletas são aquelas que só produzem efeitos
por intermédio de outras normas. Uma norma completa é, por exemplo, o nº 1 do artigo 1323º do Código Civil:
"1. Aquele que encontrar animal ou outra coisa móvel perdida e souber a quem pertence deve restituir o animal ou a coisa ao
seu dono, ou avisar este do achado; se não souber a quem pertence, deve anunciar o achado pelo modo mais conveniente,
atendendo ao valor da coisa e às possibilidades locais, ou avisar as autoridades, observando os usos da terra, sempre que os
haja."
São normas incompletas, por exemplo, as definições legais, atrás referidas.
Normas gerais, especiais e excepcionais
As normas gerais dispõem sobre um leque diversificado de situações, unificadas por um determinado traço comum. As
normas especiais regulamentam um sub-grupo de situações contempladas pelas normas gerais. Por exemplo, os contratos têm
uma regulamentação geral no Código Civil. O contrato de compra e venda tem uma regulamentação especial, relativamente à
regulamentação geral dos contratos. Mas dentro das normas que regulam o contrato de compra e venda, ainda pode haver, e há,
normas especiais para determinados casos, como o das vendas a prestações, por exemplo. A relação entre normas gerais e
especiais é uma relação de grau.
As normas especiais complementam, em regra as normas gerais, adicionando a estas regras que contemplem
especificamente as particularidades dos casos a que se dirigem. Diferente é a situação das normas excepcionais: estas, atendendo
à inadequação das normas gerais para contemplar a especificidade de determinadas situações, estipulam regras não
complementares daquelas, mas opostas. A relação entre normas gerais e excepcionais já não é de grau, mas de qualidade. Por
exemplo no direito português vigora o chamado princípio da consensualidade, ou não exigência de forma, previsto no artº 219º
do Código Civil:
"A validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei o exigir."
Excepcionais são todas as normas que prevejam um regime oposto a este, como é o caso do artº 875º do Código Civil:
"O contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular
autenticado."

5
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
Capítulo III - Divisão do direito - ramos do direito

É possível distinguir, dentro do Direito em geral, conjuntos de normas que têm por objecto sectores específicos da vida
social e cuja regulamentação faz apelo a princípios comuns, que lhes dão coerência interna, que os levam a diferenciar-se de
outros conjuntos de normas, com objectos diferentes, e subordinados a princípios diferentes. São aquilo a que se chama ramos do
direito.

A - Direito Público e direito privado

Uma das distinções principais a que é habitual sujeitar o Direito é o que o divide entre direito público e direito privado.
Embora sejam muitos os critérios que ao longo dos anos têm sido usados para distinguir estes dois ramos, vamos referir
apenas os dois mais importantes: o critério dos interesses e o dos sujeitos da relação jurídica.
Segundo o primeiro, primeiro também em termos históricos, o critério distintivo seria o dos interesses tutelados pela
norma que se pretende qualificar como de direito público ou privado. Uma norma seria de interesse público quando protege um
direito público (respeitante à existência, conservação ou desenvolvimento da sociedade política), e privado quando visasse
directamente a protecção de direitos privados. Este critério foi abandonado, dada a sua imprecisão. As normas jurídicas
protegem muitas vezes, em simultâneo, interesses públicos e privados. Há normas de direito privado que visam directa e
exclusivamente a protecção de interesses colectivos, como é o caso das normas do Código Civil que regulamentam as fundações.
A finalidade do prosseguimento de interesses sociais por parte das fundações resulta claramente do disposto no artº 188º do
Código Civil:
"1. Não será reconhecida a fundação cujo fim não for considerado de interesse social pela entidade competente.
2. Será igualmente negado o reconhecimento, quando os bens afectados à fundação se mostrem insuficientes para a
prossecução do fim visado e não haja fundadas expectativas de suprimento da insuficiência.
..."
Segundo o outro critério, seria direito público aquele que disciplina relações em que pelo menos um dos sujeitos fosse o
Estado ou outra entidade pública. Seria direito privado aquele que regulasse relações entre entidades privadas.
Este critério foi posteriormente aperfeiçoado, na medida em que se reconheceu que, por vezes, as entidades públicas
também actuam no mesmo plano que os particulares. Basta atentar no que dispõe o artigo 501º do Código Civil:
"O Estado e demais pessoas colectivas públicas, quando haja danos causados a terceiro pelos seus órgãos, agentes ou
representantes no exercício de actividades de gestão privada, respondem civilmente por esses danos nos termos em que os
comitentes respondem pelos danos causados pelos seus comissários."
Esta possibilidade ressalta ainda do disposto nos artigos 2152º e 2153º do Código Civil. O primeiro diz que na falta de
cônjuge e de todos os parentes sucessíveis, é chamado à herança o Estado. O segundo dispõe que o Estado tem, relativamente à
herança, os mesmos direitos e obrigações de qualquer outro herdeiro.
Esta possibilidade fez sentir a necessidade de introduzir um precisão na definição do direito público, no sentido de dizer
que é o que regula a organização e a actividade do estado e de outros entes públicos, e as relações entre esses entes públicos, ou
entre os entes públicos e os particulares, desde que os primeiros intervenham munidos de autoridade pública. O direito privado
regula as relações entre os particulares, ou entre os particulares e entidades públicas, desde que estas não intervenham munidos
de autoridade pública.

B - Os ramos de direito público

1. Direito internacional

Os ramos do direito público relacionam-se sempre com a organização e acção das entidades públicas, em especial do
Estado. A acção do Estado exerce-se não só internamente, mas também no plano externo, como membro da comunidade
internacional. O chamado direito internacional público regula precisamente estas relações entre os Estados ou entre os Estados e
organizações internacionais.

2. Direito constitucional

O direito constitucional está intimamente relacionado com o conceito de Constituição.


A constituição é o conjunto de normas fundamentais que regulamentam
- a estrutura, os fins e as funções do Estado;
- a organização, a titularidade, o exercício e o controlo do poder político;
- a fiscalização do acatamento das normas referentes a estas matérias. 2
Na regulamentação da estrutura do Estado, inclui-se a regulamentação dos seus três elementos estruturais tradicionais:
povo, território e poder político. Para além deste último, acima autonomizado, a Constituição contempla ainda:

2Marcelo Rebelo de Sousa, Direito Constitucional, Livraria Cruz, 1979, pag. 41.
6
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
- a atribuição do estatuto de cidadão, definindo a sua condição jurídica e os seus direitos e deveres fundamentais perante o
Estado;
- a definição do território nacional.
Esta noção corresponde a uma definição material de constituição - as normas são consideradas constitucionais
atendendo à matéria que regulam.
A esta noção de constituição material é corrente contrapor a noção de constituição formal: texto escrito, elaborado por
um órgão dotado de poderes especiais, através de um processo específico, diferente do legislativo ordinário, de onde constam os
princípios fundamentais de uma determinada ordem jurídica 3.
As duas noções podem não coincidir. E há países onde não existe constituição em sentido formal, como é o caso do
Reino Unido.
O direito constitucional regula as matérias compreendidas no conceito de constituição material. Podemos assim dizer
que há direito constitucional fora da constituição formal - leis eleitorais, regimento da Assembleia da República, Decreto-Lei
sobre a organização do Governo, etc.

3. Direito Administrativo

Segundo a definição de Marcelo Caetano4, direito administrativo "é o sistema de normas jurídicas que regulam a
organização e o processo próprio de agir da Administração Pública e disciplinam as relações pelas quais ela prossiga interesses
colectivos podendo usar da iniciativa e do privilégio da execução prévia."
Duma forma mais simples podemos dizer que o objecto do direito administrativo é a Administração Pública, a sua
organização, funcionamento, actividades e relações com os administrados.
A Administração Pública pode ser entendida num sentido orgânico (conjunto das pessoas colectivas públicas, com os
seus órgãos e serviços), ou num sentido material, confundindo-se com a actividade administrativa, a actividade dos órgãos que
constituem a Administração em sentido orgânico.

4. Direito criminal

O direito criminal é o ramo do direito onde a ligação do direito à moral é mais intenso. A existência do direito penal ou
criminal assenta em duas ideias básicas:
a) Há valores que merecem uma protecção especial do Estado, pelo que os actos que os ofendem são qualificados como crimes,
b) O Estado proíbe a prática dos crimes, e associa à violação destas proibições a aplicação de penas criminais.
O conjunto das normas que regulam os crimes e as penas previstas para quem os comete constitui o direito penal, ou
criminal.

5. Direito processual

O direito processual é o ramo de direito que regula a forma como os litígios são resolvidos pelos tribunais.
Há vários direitos processuais. Consoante o litígio a dirimir for de direito civil, ou penal, ou de trabalho, assim se falará
em direito processual civil, ou direito processual penal, ou direito processual do trabalho.
O direito processual também é designado por direito adjectivo, por contraposição ao direito substantivo, que regula
directamente os direitos e obrigações dos sujeitos.

C - Os ramos do direito privado

1. Direito Civil

O direito privado é normalmente dividido em direito privado comum e especial. O direito privado comum coincide com
o direito civil, considerado como o conjunto de normas que regulam as relações entre os particulares, consideradas como pessoas
em geral, e não com referência a situações especiais, ou actividades específicas, que levem à aplicação de normas especiais.
O direito civil ainda é geralmente dividido em subclassificações:
- Direito das obrigações
- Direito das coisas (ou direitos reais)
- Direito da família
- Direito das sucessões

2. Direito comercial

3Idem
4Manual de Direito Administrativo, 1º volume, 10ª edicão, pag. 43.
7
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
Como se escreveu acima, do âmbito do direito civil são subtraídas as normas que regulam as pessoas em situações
especiais, ou em actividades específicas, que constituem ramos especiais.
Destes ramos de direito privado especial, tem particular importância o direito comercial. Segundo o artº 1º do Código
Comercial:
" A lei comercial rege os actos de comércio, sejam ou não comerciantes as pessoas que neles intervêm."
O direito comercial é, assim, fixado segundo um critério objectivo, e não subjectivo. Não atende à qualidade de
comerciantes, mas sim à comercialidade dos actos que regula.

D- Outros ramos de direito

Existem outros ramos do direito, com autonomia reconhecida - é o caso do direito do trabalho, que tem por objecto as
relações de trabalho subordinado.
É o caso, ainda, do direito internacional privado, que designa o direito aplicável nos casos em que estão em causa
problemas que põem em contacto ordens jurídicas diferentes. Se A, austríaco residente em Portugal, casa com B, de
nacionalidade francesa, em Gibraltar, qual a lei aplicável a este casamento? É este o tipo de problemas de que se ocupa o direito
internacional privado.
Ultimamente fala-se em ramos de direito novos, alguns a quem ainda não é reconhecida autonomia, outros cuja
autonomia já não é posta em causa. Dentre estes últimos, podemos indicar o Direito Económico ou Direito da Economia. Entre
aqueles cuja autonomia ainda é discutível podemos indicar o Direito do Ambiente, o Direito da Publicidade, etc.

Capítulo IV - As fontes de direito

1. Noção

A expressão fontes de direito pode ser utilizada em diversos sentidos:


1) No sentido de causa explicativa da existência e criação do Direito. É o que se poderá chamar de sentido filosófico.
2) Num sentido histórico, em que fonte do Direito será o conjunto das normas que deram origem às normas jurídicas actuais ou
ao Direito actualmente vigente. Seria o sentido da palavra fonte na frase "o direito romano é fonte do direito português".
3) A palavra fonte aparece por vezes utilizada num sentido sociológico, para significar que certas estruturas sociais condicionam
o aparecimento de determinada regulamentação, ou determinadas regras jurídicas.
4) Num sentido instrumental, fonte significa o documento que contem as normas jurídicas.
5) Num sentido orgânico, será fonte de direito o órgão do poder político com competência para criar as normas jurídicas.
6) Num sentido técnico-jurídico, fonte de direito corresponde ao modo de formação e revelação das normas jurídicas.
É este último o sentido que agora nos interessa.

2. Enumeração e classificação das fontes de direito

As fontes de direito, no sentido técnico-jurídico, a que os estudiosos fazem referência, quanto mais não seja para
clarificar se são ou não verdadeiras fontes de direito, são as seguintes:
- A equidade
- A doutrina
- A jurisprudência
- O uso
- O costume
- A lei
Há autores5 que distinguem fontes conceptuais (as acima indicadas, as fontes possíveis), das institucionais (as
efectivamente acolhidas por cada ordem jurídica).
Atendendo ao facto que está na origem das normas, as fontes são classificadas em
-intencionais
- não intencionais
Uma lei resulta sempre de um acto intencional. Um costume nasce muitas vezes independentemente da vontade de criar
qualquer norma jurídica.
Há quem ainda distinga fontes imediatas e fontes mediatas, mas esta distinção pressupõe um conceito de fonte mais lato
do que o acima indicado.
Poder-se-iam ainda distinguir as fontes internas das fontes internacionais (costume internacional e tratados
internacionais).
Começando pela equidade, importa determinar o que é esta realidade. A equidade é uma palavra que pode ter vários
sentidos, mas vamos considerá-la como sendo a justiça do caso concreto, uma forma de justiça que supera a justiça que resultaria

5 Por exemplo, Paulo Ferreira da Cunha, Princípios de direito, Rés-editora, pag. 326.
8
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
da estrita aplicação da lei, para se adequar às circunstâncias específicas do caso concreto. É neste sentido que deve ser entendida
a referência que lhe é feita no artº 4º do Código Civil:
"Valor da equidade
Os tribunais só podem resolver segundo a equidade:
a) Quando haja disposição legal que o permita;
b) Quando haja acordo das partes e a relação jurídica não seja indisponível;
c) Quando as partes tenham convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis à cláusula compromissória."
A equidade não deve ser considerada como fonte de direito, apesar do acolhimento que a lei lhe faz. A equidade não
contribui para a criação de normas jurídicas, a solução do caso concreto esgota-se nesse caso, não contribuindo para a solução de
casos futuros. A aceitação da equidade como fonte de direito constituiria um atentado à segurança jurídica que, como vimos, o
Direito prossegue. Por vezes em prejuízo da justiça, finalidade que apontaria para um maior recurso à equidade.
A doutrina corresponde à actividade dos estudiosos do Direito. Não constitui fonte de direito na medida em que não cria
novas normas jurídicas, pelo menos de forma imediata. Pode apontar soluções que são acolhidas em leis futuras, e poderá dizer-
se que contribui para a criação de normas jurídicas, mas só de forma mediata. A doutrina tem, no entanto, um papel muito
importante na interpretação e aplicação do Direito
A jurisprudência é constituída pela orientação que os tribunais dão, na resolução dos casos concretos, à
aplicação das leis. Na medida em que os tribunais resolvem casos concretos, aplicando regras existente, não elaboram normas
jurídicas. A excepção a esta afirmação de que a jurisprudência não constitui fonte de direito era constituída pelos assentos do
Supremo Tribunal de Justiça. Os assentos têm referência no art° 2° do Código Civil, que dispõe:
"Assentos
Nos casos declarados na lei, podem os tribunais fixar, por meio de assentos, doutrina com força obrigatória geral."
Esta norma foi todavia revogada pelo nº 2 do art. 4º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro.
Os assentos constituiamm uma forma de evitar contradições entre decisões dos tribunais, que aplicassem e
interpretassem de forma diferente as mesmas normas de direito. Existindo duas decisões do Supremo Tribunal de Justiça
contraditórias na solução dada à mesma questão de direito, era possível recorrer para o pleno do STJ e suscitar que fosse
proferida uma decisão que uniformizasse as soluções dadas à mesma questão. Estes assentos eram de publicação obrigatória no
Diário da República, e vinculavam os tribunais. Pode dizer-se que os assentos correspondiam a normas interpretativas, nuns
casos, e a integração de lacunas, noutros.
Usos são práticas sociais reiteradas, ou constantes. Só por si não são fonte de direito 6. A eles se refere o artº 3º do
Código Civil, integrado no capítulo que tem por título justamente "Fontes de direito":
"Valor jurídico dos usos
1. Os usos que não forem contrários aos princípios da boa fé são juridicamente atendíveis quando a lei o determine.
Quando os usos são acompanhados duma convicção generalizada de que são obrigatórios, quando uma prática
generalizada é acompanhada duma convicção, por parte da generalidade dos membros da comunidade que a segue, de que essa
prática é obrigatória, estamos em presença de costumes. As relações entre o costume e a lei podem ser diversas:
a) Haverá casos em que o costume contraria a lei, são os costumes contra legem.
b) Noutros casos, o costume é conforme com a lei, coincide com ela. São os costumes secundo legem.
c) Por fim, os costumes podem ir além da lei, aplicar-se a situações não contempladas pela lei, e fala-se em costumes praeter
legem.
. A lei não reconhece relevância às normas consuetudinárias, ou costumeiras, a não ser quando ela própria o determinar.
E reconhece essa relevância em casos pontuais. Daí o disposto no nº 1 do artº 348º do Código Civil:
"Direito consuetudinário, local ou estrangeiro
1. Aquele que invocar direito consuetudinário, local ou estrangeiro, compete fazer a prova da sua existência e conteúdo; mas o
tribunal deve procurar, oficiosamente, obter o respectivo conhecimento.
Nos casos dos costumes praeter legem parece que há que reconhecer que podem constituir fonte de direito.

3. A lei

A lei é a fonte do direito por excelência e merece uma referência mais alargada.
A palavra Lei pode ser utilizada para identificar realidades diferentes. Quando o artº 1º do Código Civil refere que
"Consideram-se leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes", está a equiparar disposições a
regras, e regras a lei. Lei é, assim, utilizada como sinónimo de norma, ou mesmo de direito.
Outras vezes, a palavra lei aparece com o significado de norma jurídica criada de certa forma, nem sentido que se
contrapõe ao de costume. Pode ser utilizada com um sentido mais vasto, incluindo a constituição, ou referindo-se apenas à
chamada lei ordinária.
Outras vezes é usada por oposição a regulamento. Regulamentos são actos gerais e abstractos, mas que fazem parte da
função executiva ou administrativa do Estado e não da função legislativa. Incluem actos com denominações diversas - decretos-
regulamentares, resoluções do Conselho de Ministros, portarias e despachos normativos.

6Joséde Oliveira Ascensão defende que usos são fonte de direito em O direito - Introdução e Teoria Geral, Fundação Calouste
Gulbenkian, pag. 233.
9
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
O sentido que nos ocupa agora é o de lei enquanto fonte de regras e não as próprias regras.
Neste sentido, podemos dizer que lei é o texto contendo normas jurídicas, emanado do órgão constitucionalmente
competente e revestindo a forma constitucionalmente prevista.
Quais são os órgãos competentes para aprovar leis? A Assembleia da República, o Governo e as Assembleias Regionais
dos Açores e da Madeira.
A Assembleia da República é o órgão legislativo por excelência. Há determinadas matérias sobre as quais só a
Assembleia da República tem competência para legislar, é a chamada reserva de competência absoluta da Assembleia, e vêm
previstas no artº 167º da Constituição:
ARTIGO 164º
(Reserva absoluta de competência legislativa)
É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias:
a) Eleições dos titulares dos órgãos de soberania;
b) Regimes dos referendos;
c) Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional;
d) Organização da defesa nacional, definição dos deveres dela decorrentes e bases gerais da organização, do funcionamento, do
reequipamento e da disciplina das Forças Armadas;
e) Regimes do estado de sítio e do estado de emergência;
f) Aquisição, perda e reaquisição da cidadania portuguesa;
g) Definição dos limites das águas territoriais, da zona económica exclusiva e dos direitos de Portugal aos fundos marinhos contíguos;
h) Associações e partidos políticos;
i) Bases do sistema de ensino;
j) Eleições dos deputados às Assembleias Legislativas das regiões autónomas;
l) Eleições dos titulares dos órgãos do poder local ou outras realizadas por sufrágio directo e universal, bem como dos restantes órgãos
constitucionais;
m) Estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, bem como dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por
sufrágio directo e universal;
n) Criação, extinção e modificação de autarquias locais e respectivo regime, sem prejuízo dos poderes das regiões autónomas;
o) Restrições ao exercício de direitos por militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo, bem como por
agentes dos serviços e forças de segurança;
p) Regime de designação dos membros de órgãos da União Europeia, com excepção da Comissão;
q) Regime do sistema de informações da República e do segredo de Estado;
r) Regime geral de elaboração e organização dos orçamentos do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais;
s) Regime dos símbolos nacionais;
t) Regime de finanças das regiões autónomas;
u) Regime das forças de segurança;
v) Regime da autonomia organizativa, administrativa e financeira dos serviços de apoio do Presidente da República. Noutras
matérias, embora da competência da Assembleia da República, pode o Governo também legislar, mediante autorização
legislativa da Assembleia. Vêm enumeradas no artº 165º da Constituição:
(Reserva relativa de competência legislativa)
1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
a) Estado e capacidade das pessoas;
b) Direitos, liberdades e garantias;
c) Definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal;
d) Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo;
e) Regime geral da requisição e da expropriação por utilidade pública;
f) Bases do sistema de segurança social e do serviço nacional de saúde;
g) Bases do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património cultural;
h) Regime geral do arrendamento rural e urbano;
i) Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas;
j) Definição dos sectores de propriedade dos meios de produção, incluindo a dos sectores básicos nos quais seja vedada a actividade às
empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza;
l) Meios e formas de intervenção, expropriação, nacionalização e privatização dos meios de produção e solos por motivo de interesse
público, bem como critérios de fixação, naqueles casos, de indemnizações;
m) Regime dos planos de desenvolvimento económico e social e composição do Conselho Económico e Social;
n) Bases da política agrícola, incluindo a fixação dos limites máximos e mínimos das unidades de exploração agrícola;
o) Sistema monetário e padrão de pesos e medidas;
p) Organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados, bem como das entid ades não
jurisdicionais de composição de conflitos;
q) Estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais;
r) Participação das organizações de moradores no exercício do poder local;
s) Associações públicas, garantias dos administrados e responsabilidade civil da Administração;
t) Bases do regime e âmbito da função pública;
10
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
u) Bases gerais do estatuto das empresas públicas e das fundações públicas;
v) Definição e regime dos bens do domínio público;
x) Regime dos meios de produção integrados no sector cooperativo e social de propriedade;
z) Bases do ordenamento do território e do urbanismo;
aa) Regime e forma de criação das polícias municipais.
2. As leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser
prorrogada.
3. As autorizações legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez, sem prejuízo da sua execução parcelada.
4. As autorizações caducam com a demissão do Governo a que tiverem sido concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução
da Assembleia da República.
5. As autorizações concedidas ao Governo na lei do Orçamento observam o disposto no presente artigo e, quando incidam sobre matéria
fiscal, só caducam no termo do ano económico a que respeitam.
O Governo legisla através de decretos-leis. Fá-lo no uso da competência própria que lhe é atribuída no artº 198º, nº 2,
da Constituição, ou no domínio da competência relativa da Assembleia da República, mediante autorização desta.
(Competência legislativa)
1. Compete ao Governo, no exercício de funções legislativas:
a) Fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República;
b) Fazer decretos-leis em matérias de reserva relativa da Assembleia da República, mediante autorização desta;
c) Fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que a eles se
circunscrevam.
2. É da exclusiva competência legislativa do Governo a matéria respeitante à sua própria organização e funcionamento.
3. Os decretos-leis previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 devem invocar expressamente a lei de autorização legislativa ou a lei de bases
ao abrigo da qual são aprovados.
As Assembleias Regionais dos Açores e da Madeira elaboram os decretos legislativos regionais, em matérias de
interesse específico das respectivas regiões e que não estejam reservadas à Assembleia da República ou ao Governo.

3. Hierarquia das leis

A necessidade de hierarquizar as leis resulta da seguinte ideia: nem todas as leis estão no mesmo nível, há umas cujo
conteúdo prevalece sobre o conteúdo de outras, segundo uma determinada hierarquia. As leis de hierarquia inferior não podem
contrariar as leis de hierarquia superior. As leis de hierarquia superior podem contrariar as de hierarquia inferior.
No topo da hierarquia das leis encontramos a Constituição, de que já foi dada uma noção, a propósito do Direito
Constitucional.
Logo abaixo da constituição encontramos o direito internacional, sobre o qual dispõe o artº 8º da Constituição o
seguinte:
ARTIGO 8º
(Direito internacional)
1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português.
2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua
publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.
3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na
ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos.
4. As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas
competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais
do Estado de direito democrático.
Este artigo da Constituição constitui uma cláusula geral de recepção plena do direito internacional.
Dentro do direito internacional, merece uma referência especial o Direito Comunitário, aplicável em Portugal desde a
adesão de Portugal às Comunidades Europeias em 1 de Janeiro de 1986. O Direito Comunitário abrange duas realidades
diferentes: por um lado, as regras reguladoras das 3 comunidades originais (a CEE, a EURATOM e a CECA), hoje reunidas na
Comunidade Europeia (o direito originário), e por outro lado as regras geradas posteriormente, resultantes dos processos de
criação destas instituições (direito derivado). O nº 2 do artigo 8º acima transcrito reconhece que o direito comunitário originário
vigora na ordem interna portuguesa, e o nº 3 reconhece a aplicabilidade interna do direito derivado.
A seguir ao direito internacional, está hierarquicamente a lei ordinária (não incluindo a constituição), que inclui as leis
da Assembleia da república, os decretos-leis do Governo, e os decretos regionais das Assembleias Regionais dos Açores e da
Madeira.
Abaixo das leis estão os regulamentos, que podem revestir as formas acima referidas:
- Decretos-regulamentares, da competência do Governo, sujeito a promulgação pelo Presidente da República e a
referenda do Governo, e a publicação no Diário da República.
- Resolução do Conselho de Ministros. Não está prevista na Constituição, não carece de intervenção do Presidente da
República, mas necessita de publicação na Diário da República para produzir efeitos.
- Portarias

11
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
- Despachos normativos.

4 - Entrada em vigor das leis

Sobre a vigência da lei, estabelece o artº 5º do Código Civil o seguinte:


"Começo da vigência da lei
1. A lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial.
2. Entre a publicação e a vigência da lei decorrerá o tempo que a própria lei fixar ou, na falta de fixação, o que for
determinado em legislação especial."
A obrigatoriedade de publicação decorre também do disposto no artº 122º da Constituição.
A lei especial a que faz referência o nº 2 do artigo acima transcrito é, presentemente, a Lei nº 6/83, de 29 de Julho, cujo
artº 2º dispõe o seguinte:
"Começo de vigência
1 - O diploma entra em vigor no dia nele fixado ou, na falta de fixação, no continente no quinto dia após a publicação, nos
Açores e na madeira no décimo quinto dia e em Macau e no estrangeiro no trigésimo dia.
2 - O dia da publicação do diploma não se conta.
O período que medeia entre a publicação da lei e a data da sua entrada em vigor é denominado vacatio legis. Resulta da
disposição transcrita que este período pode ser diminuído ou alargado, relativamente aos prazos indicados.

5. Termo de vigência das leis

Sobre esta matéria rege o artigo 7º do Código Civil, que dispõe o seguinte:
Cessação da vigência da lei
1. Quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei.
2. A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes
ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria anterior.
3. A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador.
4. A revogação da lei não importa o renascimento da lei que esta revogara.
As duas principais formas de cessação da vigência das leis são:
- A caducidade, quando sobrevém um facto a que a lei atribui esse efeito (de fazer cessar os efeitos da lei em causa). Nas leis
temporárias, esse facto será o mero decurso de um prazo de duração pré-fixado.
- A revogação, que consiste na cessação dos efeitos duma lei por determinação de outra lei, de categoria igual ou superior.
A revogação pode revestir 3 espécies, previstas no nº 2 do artigo transcrito:
- Revogação expressa (por declaração)
- Revogação tácita (por incompatibilidade)
- Revogação de sistema (global ou por substituição
Quanto ao âmbito da revogação, ela pode ser total (também designada por vezes por abrogação), ou parcial (também
designada por derrogação).
A disposição acima transcrita contem ainda dois preceitos a reter:
a) A lei geral não revoga a lei especial, salvo se for essa a vontade inequívoca do legislador. Isto está relacionado com o facto de
a lei especial (lei aqui no sentido de norma) ter em vista situações específicas, não contempladas pela lei geral e que justificam a
divergência de regimes.
b) A revogação duma lei, revogatória duma outra, não implica a repristinação desta última. Quer isto dizer que se até 1960
vigorou a lei A sobre o consumo de certas drogas, e que foi revogada pela lei B, se em 1994 a lei B for revogada, isto não implica
que a lei A volte a vigorar.

Capítulo V - Interpretação, integração e aplicação da lei

A - Interpretação

A aplicação das normas jurídicas pressupõe a determinação exacta do seu sentido e alcance, isto é, pressupõe a sua
interpretação. A técnica da interpretação é denominada hermenêutica.

1. Espécies de interpretação em função da fonte e do valor.


Nesta perspectiva, é possível distinguir entre
- Interpretação autêntica - quando o sentido da lei é determinado por outra lei, de valor igual ou superior na hierarquia das
leis. Esta lei denomina-se lei interpretativa, e a ela se refere o artº 13º do Código Civil. A interpretação autêntica é vinculativa.
Se a lei interpretativa altera o sentido da lei interpretada podemos dizer que a revoga, mas continua a ser de aplicação
obrigatória.

12
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
- Interpretação oficial - é a que é feita por lei, em sentido amplo, de valor inferior ao da lei interpretada. Será o caso de um
decreto-lei, interpretado por um despacho de um ministro. Esta interpretação vincula os funcionários do ministério em causa.
Mas não vincula o público em geral, nem os tribunais.
- Interpretação judicial - é a interpretação feita pelos tribunais, num determinado processo. O seu valor esgota-se nesse
processo.
- Interpretação doutrinal - é a que é feita pelos juristas, fora dos casos anteriores. Não tem valor vinculativo, mas pode
influenciar as outras interpretações.

2. Espécies de interpretação quanto à finalidade


O intérprete pode procurar determinar
- O pensamento do legislador, ou da pessoa ou pessoa que fizeram a lei, fazendo uma interpretação subjectivista;
- O sentido da lei, independentemente das pessoas que a fizeram, fazendo uma interpretação objectivista.
Numa outra perspectiva, o intérprete pode procurar determinar o sentido da lei
- no momento em que foi elaborada, fazendo uma interpretação histórica;
- no momento da sua aplicação, tomando em conta as alterações das circunstâncias, e até a evolução do sentido das palavras,
fazendo uma interpretação actualista.
Estas duas classificações podem ser cruzadas, dando origem a quatro hipóteses 7:
- Interpretação subjectivista historicista, quando o intérprete procura o sentido atribuído pelo legislador, no momento da
elaboração.
- Interpretação subjectivista actualista, quando o intérprete procura o sentido que o legislador daria, se criasse a lei no momento
em que é interpretada.
- Interpretação objectivista historicista, quando o intérprete procura o sentido que a lei tinha objectivamente, no momento em
que foi elaborada.
- Interpretação objectivista actualista, quando o intérprete procura o sentido que a lei objectivamente contem, no momento em
que é interpretada,

3. Elementos da interpretação
O intérprete da lei pode utilizar, pelo menos, os seguintes elementos de interpretação:
- Literal
- Lógico ou racional
- Sistemático
- Histórico
O elemento literal, por vezes também chamado gramatical ou filológico, corresponde à letra da lei, ao seu texto. Houve
um período em que se distinguia a letra da lei e o espírito da lei. Ainda hoje é corrente fazer-se referências à distinção. A letra
da lei corresponde ao elemento literal, o espírito da lei atinge-se recorrendo aos restantes elementos.
O elemento lógico tem em conta a finalidade social da lei, a chamada ratio legis, daí que também há quem se lhe refira
como elemento teleológico. Por vezes atribui-se-lhe um sentido mais lato que o meramente teleológico, para abranger técnicas de
análise jurídica expressas em formulas do género "a lei que permite o mais permite o menos", "a lei que proíbe o menos proíbe o
mais", que se exprimem muitas vezes pela expressão latina a fortiori, ou por "argumentos por maioria de razão". Será ainda o
caso dos chamados "argumentos a contrario sensu"
O elemento sistemático assenta na ideia de que a lei não existe isoladamente, faz parte de um sistema com outras leis,
com as quais a primeira não pode entrar em contradição, de forma a que o sistema de que todas fazem parte seja coordenado e
harmónico. O elemento sistemático levará a que o intérprete tenha em conta o sentido das normas contíguas à interpretada, ou
seja ao contexto da norma. Outras vezes, o intérprete deverá ter em tenção, não normas contíguas ou adjacentes, mas normas
que regulam casos semelhantes, os chamados lugares paralelos.
Outro elemento para a determinação das normas jurídicas reside na sua história, na evolução que lhe deu origem, e que
assenta em 3 sub-elementos: os precedentes legais, os trabalhos preparatórios, e as condições sociais que levaram ao surgimento
da lei (a chamada occasio legis).

4. O artigo 9º do Código Civil

Sob a epígrafe "Interpretação da lei", o artº 9º do Código Civil dispõe o seguinte:


"1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo
sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do
tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de
correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e
soube exprimir o seu pensamento em termos adequados."

7Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão, Introdução ao Estudo do Direito, 2ª edição, Publicações Europa-América, pag. 53.
13
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
Podemos dizer que este artigo consagra a adopção duma interpretação objectivista (... reconstitui o pensamento
legislativo, ...)actualista (...tendo em conta ...as condições específicas do tempo em que é aplicada).
Quanto aos elementos da interpretação acima referidos, este artigo 9º menciona-os todos.
O elemento literal é referido nos excertos "A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir
dos textos o pensamento legislativo" e "Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não
tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal", e ainda no nº 3..
O elemento histórico está subjacente à frase "as circunstâncias em que a lei foi elaborada ".
O elemento sistemático está presente na frase "tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico".
O elemento teleológico na frase "Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador
consagrou as soluções mais acertadas".

5. Os resultados da interpretação

Quanto ao resultado, a interpretação pode ser:


- declarativa, quando o sentido literal coincide com o sentido real;
- extensiva, quando o sentido real a que o intérprete chega é mais lato do que o sentido literal;
- restritiva - quando o sentido literal é mais lato que o real;
- enunciativa - quando o intérprete deduz novas normas a partir da norma interpretada, recorrendo aos processos referidos a
propósito do elemento lógico (argumentos a fortiori, a contrario sensu, etc.);
- abrogante - quando o intérprete chega à conclusão que a norma interpretada não tem qualquer conteúdo válido. Esta
interpretação é, em princípio, ilícita, face ao artigo 9º do Código Civil.

B - Integração da lei

1. Lacunas da lei e sua integração; analogia

Existe uma lacuna na lei quando surgem situações que o Direito deveria regular, mas não regula. Há um vazio na lei. A
interpretação pressupõe a existência de normas, cujo sentido e alcance é preciso descobrir. No caso das lacunas não existem, pura
e simplesmente, normas, para situações que o Direito não pode ignorar.
Dentro das lacunas, é possível distinguir as lacunas de previsão, das lacunas de estatuição, embora o termo lacuna seja
em regra identificada mais com as primeiras.
A obrigatoriedade da integração, ou preenchimento, das lacunas resulta da ideia de que o Direito é um sistema completo
e perfeito, ou deve caminhar para tal situação.
Esta ideia está explícita no artº 8º do Código civil, quando dispõe:
"1. O tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos
factos em litígio.
2. O dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo.
3. Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter
uma interpretação e aplicação uniformes do direito."
Os processos de preencher as lacunas da lei vêm referidos no artº 10º do Código Civil:
"1 . Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar
dentro do espírito do sistema."
Este artigo consagra dois métodos:
- a analogia, definida no nº 2
- o método referido no nº 3
Para alguns autores, na analogia distingue-se a analogia legis (aplicação analógica de normas), da analogia juris
(aplicação analógica de institutos jurídicos). 8

2. O nº 3 do artº 10º do Código Civil

Outros autores9 fazem coincidir o conceito de analogia juris com o caso previsto no nº 3 do artº 10º do Código Civil.
Nos casos em que não existe a possibilidade de recorrer a regra ou regras determinadas, para preenchimento da lacuna,
o intérprete deverá colocar-se na posição do legislador e, a partir dos princípios ordenadores do sistema, deverá criar a regra ou
regras que permitam resolver a situação concreta em causa.

8 João de Castro Mendes,ob. citada, pag. 378.


9Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão, ob. citada, pag. 71.
14
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
3. Aplicação analógica e interpretação extensiva

Não é sempre fácil a distinção entre aplicação analógica e interpretação extensiva. Em termos gerais, podemos dizer
que no primeiro caso o legislador não previu a situação omissa. No segundo caso, a situação omissa foi prevista, mas o legislador
expressou-se mal, não abrangendo na norma criada todas as situações que tinha em vista.
Embora a distinção seja difícil, reveste-se por vezes de importância prática fundamental, atendendo ao disposto no artº
11º do Código Civil:
"As normas excepcionais não admitem interpretação analógica, mas admitem interpretação extensiva."
O Código Penal actualmente em vigor proíbe a aplicação analógica das normas que qualificam factos como crimes, que
definem estados de perigosidade ou que determinam as penas ou medidas de segurança. O código penal anterior proibia, para
este tipo de normas, no seu artº 18º, tanto a analogia como a interpretação extensiva.

C - Aplicação da lei

1. Enunciação

Perante uma situação concreta, a que é necessário aplicar a lei, torna-se necessário:
- determinar a norma aplicável;
- fixar a estatuição.
A determinação da lei aplicável pressupõe o conhecimento de duas questões prévias:
- quando é que determinada lei é aplicável (aplicação da lei no tempo);
- onde é que determinada lei é aplicável (aplicação da lei no espaço).

2. Aplicação da lei no tempo

Numa visão simplista, o estudante do Direito poderia ser levado a acreditar na veracidade das duas seguintes frases:
- Uma vez revogada a lei X pela lei Y, a lei X nunca mais será aplicada;
- A lei Y nunca será aplicada a factos ocorridos anteriormente à data da sua entrada em vigor.
Na verdade, nenhuma das duas frases é correcta. No momento da entrada em vigor de qualquer lei, existem situações
que já ocorreram, mas cujos efeitos se prolongam no futuro.
Uma lei revogada pode continuar a produzir efeitos depois da sua revogação, aplicando-se aos efeitos de situações
surgidas durante a sua vigência, e uma lei nova pode aplicar-se a factos passados, ocorridos antes da sua entrada em vigor, ter
uma aplicação retroactiva.
Por vezes, as leis novas contêm normas de direito transitório, que resolvem dúvidas quanto à solução a dar a casos como
os descritos.. O Decreto-Lei nº 47344, de 25 de Novembro de 1966, que aprovou o actual Código Civil, tem várias normas de
direito transitório. Normas de direito transitório contem igualmente o Decreto-Lei nº 496/77, de 25 de Novembro, que alterou o
Código Civil.
Nos casos em que não existem normas de direito transitório que resolvam expressamente as dúvidas, há que recorrer ao
disposto no artº 12º do Código Civil:
"Aplicação da lei no tempo. Princípio geral
1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos
já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos,
entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas
relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem, entender-se- à que a lei abrange as próprias relações já
constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor."
Sobre o problema da aplicação da lei no tempo há que ter ainda em conta o disposto no artigo 13º do mesmo código:
"Aplicação da lei no tempo. Leis interpretativas
1. A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da
obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de natureza análoga.
2. A desistência e a confissão não homologadas pelo tribunal podem ser revogadas pelo desistente ou confitente a quem a lei
interpretativa for favorável."
Em termos práticos, quando existem duas leis (por vezes mais), susceptíveis de regular uma situação passada, como
saber se é aplicável a que está em vigor ao tempo da aplicação?
Em primeiro lugar, há que verificar se não estamos em domínio onde seja proibida a aplicação retroactiva da lei nova.
A fonte para esclarecer esta dúvida é a Constituição. É proibida a aplicação retroactiva da lei penal, como já foi referido (artº 29º
da Constituição), e ainda as leis que criam impostos e definem a sua incidência e demais elementos essenciais (embora a
irretroactividade das leis fiscais não esteja expressamente prevista na Constituição, nos artigos 103º e 104º, entende-se que a
retroactividade das leis fiscais seria inconstitucional).
Se não estiver impedida a aplicação retroactiva da lei, há que averiguar se ela própria não contem normas transitórias
que esclareçam a solução do problema.
15
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
Se da leitura e interpretação da lei nova nada se concluir sobre a sua aplicação retroactiva, há que recorrer a critérios
específicos do domínio ou ramo em causa, que eventualmente possam resolver a questão. Em direito penal, por exemplo, existe o
princípio de que deve ser aplicada ao arguido, ao acusado do cometimento de crimes, o regime que lhe for mais favorável. Se
António tiver praticado um crime, numa altura em que a esse crime correspondia uma pena de prisão de 10 anos, mas for
julgado numa altura que uma nova lei tivesse revogado a vigente na altura dos factos, não qualificando a conduta do António
como crime, ou punindo-o com pena de prisão de 2 anos, seria esta a lei aplicável.
Se percorrido este caminho, o problema subsistir, recorre-se ao disposto no artº 12º do Código Civil. A lei antiga regula
os factos passados, e os efeitos que lhe estão intimamente ligados, que não podem ser separados dos factos que lhes deram
origem. A lei nova regula os factos novos, e os efeitos dos factos passados que possam ser destacados desses factos. Se uma lei
nova estabelecer uma nova causa de divórcio, por exemplo, as pessoas casadas antes da entrada em vigor desta lei poderão
invocar a nova causa para se divorciarem. O princípio da igualdade, e a segurança jurídica, impõem esta solução.
No caso das leis retroactivas, em que por declaração expressa da própria lei ou pela sua interpretação se conclui que é
de aplicar ao passado são possíveis situações diversas, porque o graus de retroactividade não é sempre o mesmo. O Prof. Oliveira
Ascensão10 distingue 4 graus de retroactividade:
- extrema
- quase extrema
- agravada
- ordinária
A retroactividade extrema verificar-se-ia se a lei nova se aplicasse ao passado sem qualquer limitação, não respeitando
até os casos julgados. O Direito Português não admite este tipo de retroactividade, que violaria de forma intolerável o princípio
da segurança jurídica.
Na retroactividade quase extrema, a lei nova aplicar-se-ia ao passado com respeito apenas pelos casos julgados.
Qualquer lei retroactiva terá sempre que respeitar este limite, na medida em que até as próprias declarações de
inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional fazem esta ressalva.
Na retroactividade agravada, a lei retroactiva deve respeitar os efeitos referidos no nº 1 do artigo 13º do Código Civil. A
retroactvidade agravada corresponde à lei interpretativa prevista neste artigo.
A retroactividade ordinária deverá respeitar os efeitos já produzidos até à data da sua entrada em vigor, e corresponde à
retroactividade referida no nº 1 do artº 12º do Código Civil.

3. Aplicação da lei no espaço

O território é um dos elementos definidores do Estado, juntamente com a população e o poder político.
Será verdade que no território português só se aplica o direito português? E será verdade que o direito português nunca é
aplicado fora de Portugal? A resposta a ambas as questões é negativa.
Surgem correntemente situações que põem em contacto ordens jurídicas diferentes, qualquer delas com razões para se
considerar aplicável. Exemplos:
- Verifica-se, em França, um acidente entre dois portugueses. Aplica-se a lei francesa ou a lei portuguesa?
- Se uma empresa portuguesa compra a uma empresa americana uma mercadoria que está na Colômbia, para ser entregue na
Itália, e com o pagamento convencionado na Suíça, que lei ou leis se aplicam?
A resolução deste problema, de saber qual o direito aplicável a situações que envolvem várias ordens jurídicas, é a tarefa
do Direito Internacional Privado. As normas deste ramo de direito, que apesar de denominado internacional é interno, são as
chamadas normas de conflitos, porque resolvem conflitos de aplicação de diversas ordens jurídicas potencialmente aplicáveis.
Cada país tem as suas normas de conflitos.
Reconhecendo o Estado Português a existência e validade do direito estrangeiro, e tendo os tribunais portugueses que
aplicar, por vezes, direito estrangeiro, como é aplicado e interpretado este direito estrangeiro?
Existem duas formas de acolher direito estrangeiro: uma forma denominada de recepção material, em que o direito
estrangeiro é integrado na ordem jurídica portuguesa, passa a fazer parte do sistema e passa a ser interpretado e aplicado
segundo os princípios do direito português; uma forma denominada de recepção formal, em que o direito estrangeiro é aplicado
enquanto tal, devendo ser interpretado e aplicado segundo as regras e princípios do seu próprio ordenamento jurídico.
As normas de conflitos portuguesas, quando mandam aplicar direito estrangeiro, fazem uma recepção formal. É o que
resulta do disposto no artigo 23º do Código Civil:
"Interpretação e averiguação do direito estrangeiro
1. A lei estrangeira é interpretada dentro do sistema a que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele fixadas.
2. Na impossibilidade de averiguar o conteúdo da lei estrangeira aplicável, recorrer-se- à à lei que for subsidiariamente
competente, devendo adoptar-se igual procedimento sempre que não for possível determinar os elementos de facto ou de direito
de que dependa a designação da lei aplicável."

II Parte - A relação jurídica

10 O direito- introdução e teoria geral, fundação Calouste Gulbenkian, pg. 441.


16
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos

Capítulo I - A relação jurídica

1. Preliminares

O Direito pressupõe o homem integrado numa sociedade, em relações com outros homens. São essas relações sociais
que o Direito regula. Mas não todas. Existem relações sociais a que o Direito não atribui efeitos, nem regula.

2. Conceito de relação jurídica. Sentido amplo e sentido técnico. Instituto jurídico

Em sentido amplo, podemos dizer que relação jurídica é toda a relação social a que o Direito atribui relevância, que
produz efeitos jurídicos.
Relação jurídica em sentido restrito ou técnico é toda a relação social regulada pelo Direito, mediante a atribuição a
uma pessoa de um direito subjectivo e a imposição a outra pessoa de um dever jurídico ou de uma sujeição. 11 Ou, segundo a
definição de Castro Mendes12 relação jurídica "é qualquer modo de ser ou estar recíproco de duas realidades, juridicamente
relevantes.
Já anteriormente, a propósito do conceito de Direito como um sistema e não um mero conjunto de normas, foi referida a
noção de instituto. Mota Pinto relaciona o conceito de instituto com o de relação jurídica escrevendo que "por instituto entende-
se o conjunto de normas legais que estabelecem a disciplina de uma série de relações jurídicas em sentido abstracto, ligadas por
uma afinidade, normalmente a de estarem integradas no mesmo mecanismo jurídico ou ao serviço da mesma relação." 13
3. Estrutura jurídica da relação jurídica: lado activo - um direito subjectivo; lado passivo - um
dever de sujeição

A consideração do binómio direito subjectivo / dever de sujeição como estrutura da relação jurídica é vulgar na tradição
da Escola de Coimbra, de que o Professor Mota Pinto foi um representante.
A Escola de Lisboa encara este binómio como o objecto imediato da relação jurídica, por contraposição ao objecto
mediato, que consistiria no bem jurídico que a relação garante ao sujeito activo.

4. Direitos subjectivos propriamente ditos e direitos potestativos

O direito subjectivo consiste no poder atribuído pela ordem jurídica a um sujeito e que lhe permite exigir de outro um
comportamento positivo (uma acção) ou negativo (uma omissão). Esta noção pressupõe que o exercício do referido poder jurídico
esteja dependente da vontade do seu titular.
Por vezes aparece referida a figura do poder-dever, ou poder funcional, para referir situações em que o sujeito titular
tem um poder para agir, mas não é livre de exercer ou não esse poder. A lei impõe esse exercício, tendo em vista a função ou
finalidade que justificou a sua atribuição. É o caso do poder paternal, do poder que o Direito dá aos pais relativamente aos filhos.
O titular do poder paternal deve exercer esse poder de acordo com a lei e o seu não exercício pode acarretar sanções para o
infractor.
A noção acima dada de direito subjectivo não abrange os chamados direitos potestativos. Nestes, o sujeito activo não
tem o direito de exigir uma prestação do sujeito passivo (positiva ou negativa), mas sim o poder de, por um acto de vontade
simples, impor a produção de efeitos jurídicos que se impõem à outra parte.
Quanto aos efeitos jurídicos produzidos, os direitos potestativos podem ser classificados em constitutivos, modificativos
ou extintivos. Os primeiros constituem uma relação jurídica, os segundos modificam uma relação jurídica existente e os terceiros
extinguem uma relação jurídica.
No lado passivo da relação jurídica existe um dever jurídico ou, quando do lado activo existe um direito potestativo,
uma sujeição. Castro Mendes engloba ambos os conceitos sob a designação de vinculação. Enquanto o obrigado ao dever jurídico
tem sempre a possibilidade prática de não cumprir (suportando as consequências desse incumprimento), o obrigado a uma
sujeição não tem forma de se furtar a essa situação, está inelutavelmente sujeito aos resultados do exercício do direito potestativo.

5. Elementos da relação jurídica: sujeitos, objecto, facto jurídico e garantia

Os elementos da relação jurídica são quatro:


- Sujeitos
- Objecto
- Facto
- Garantia

11Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, pag. 133.
12DireitoCivil - Teoria Geral, Lisboa, 1978, pag. 138.
13Obra citada, pag. 134.
17
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
Uma relação jurídica estabelece-se entre dois sujeitos, pelo menos. Pode estabelecer-se entre mais de dois.
O objecto da relação jurídica, para a Escola de Coimbra, é o bem jurídico sobre que incidem os poderes do sujeito
activo. Para a escola de Lisboa, haverá que considerar o objecto imediato, constituído pelo poder do sujeito activo e pela
vinculação do sujeito passivo.
O facto é todo o acontecimento que conduz à constituição da relação jurídica. Factos jurídicos são todos aqueles que
produzem efeitos de direito e podem ser constitutivos, modificativos ou extintivos de relações.
A garantia corresponde à protecção dada pela ordem jurídica ao sujeito activo. É este elemento que distingue a relação
jurídica de quaisquer outras relações sociais.

6. Classificações das relações jurídicas

Relações jurídicas em sentido abstracto e em sentido concreto. Será relação jurídica em sentido abstracto aquela pela
qual o vendedor duma coisa pode exigir do comprador a entrega do preço. Será relação jurídica concreta quando se fala do
vendedor A, que pode exigir do comprador B o preço X.
Relações jurídicas unas ou simples e complexas ou múltiplas. Nas primeiras existe apenas um direito e a
correspondente vinculação. Nas segundas existem vários direitos e várias vinculações, unidas por um elo, nomeadamente por
resultarem de um único facto jurídico. As relações contratuais, que resultam de contratos, são em regra relações complexas.
Relações jurídicas reais, obrigacionais, familiares e sucessórias. Esta classificação coincide com a classificação
germânica do direito civil, acolhida pelo Código Civil Português. De notar que podem existir relações complexas,
simultaneamente familiares e obrigacionais, por exemplo.
Relações jurídicas absolutas e relativas. Diz-se que uma relação é absoluta quando o direito do sujeito activo pode
exigir de todos o respeito pelo seu direito. Do lado passivo existe um dever geral de respeito pelo direito do sujeito activo. Estes
direitos também são chamados absolutos. Os exemplos mais evidentes de direitos absolutos são constituídos pelos direitos da
personalidade e pelos direitos reais, em especial a propriedade.
Relações jurídicas próprias e impróprias. As primeiras são aquelas em que estão presentes todos os elementos. As
impróprias serão aquelas a que falte um dos elementos (relações imperfeitas) e aquelas que revestem características especiais
(relações anómalas). Serão relações imperfeitas aquelas a que falte um dos sujeitos. Outro exemplo apontado é o das obrigações
naturais, previstas no artº 402º do Código Civil, onde há quem diga que falta o elemento garantia. Outros consideram as
obrigações naturais como relações anómalas, porque continua a haver uma tutela jurídica, embora ténue, do direito do credor, e
preferem considerar as obrigações naturais como exemplo de relações anómalas. Outro exemplo apontado de relações anómalas
são as potestativas. A anomalia, neste casos, está no objecto. O sujeito passivo não está obrigado a qualquer prestação, positiva
ou negativa, mas tem que aceitar a produção de efeitos jurídicos pela actuação do sujeito activo.

7. Crítica da relação jurídica

Estudar a relação jurídica como um conceito fundamental do Direito tem sido objecto de críticas. Diz-se que o Direito
não se pode reconduzir sempre a relações jurídicas: existem situações em que não existe qualquer relação entre sujeitos e, no
entanto, o Direito regula-as.
Daí que alguns autores usem o conceito mais lato de situações jurídicas, estudando os direitos e as vinculações sem
atentar nos elos que unem os dois conceitos.
Para lá da razão teórica que possa assistir à defesa da ideia de que o Direito regula essencialmente a vida de relação
entre os homens, e não estes isolados, existe uma razão de ordem prática para que se faça o estudo da relação jurídica: o nosso
Código Civil está sistematizado com base no conceito de relação jurídica.
A parte geral do Código Civil (Título II do Livro I) tem por título "Das relações jurídicas", dividido em 4 subtítulos que
coincidem essencialmente com os 4 elementos da relação jurídica atrás referidos:
Subtítulo I - "Das pessoas"
Subtítulo II - "Das coisas"
Subtítulo III - "Dos factos Jurídicos"
Subtítulo IV "Do exercício e tutela dos direitos"

Capítulo II - O sujeito de direitos

1. Noção de personalidade jurídica

Os entes susceptíveis de serem titulares de direitos e obrigações são pessoas jurídicas. A personalidade jurídica consiste
precisamente nesta susceptibilidade, ou aptidão, para ser titular autónomo de relações jurídicas.
Hoje em dia, todos os seres humanos têm personalidade jurídica. É o que resulta do disposto no artº 66º, nº 1, do Código
Civil:
"Começo da personalidade

18
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
1. A personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida.
2. Os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento."
Esta noção, de que todos os seres humanos têm personalidade jurídica, que hoje em dia parece inquestionável, nem
sempre o foi. O instituto da escravidão assentava na ideia de que os escravos não tinham personalidade jurídica.
Para lá dos seres humanos, as chamadas pessoas singulares, o Direito reconhece personalidade jurídica às chamadas
pessoas colectivas.

2. Personalidade e capacidade jurídicas

Enquanto que a personalidade é a susceptibilidade de se ser sujeito de direitos e obrigações, a capacidade é a medida dos
direitos e obrigações de que uma pessoa é susceptível.
A personalidade jurídica é um conceito absoluto: ou se tem personalidade ou não. Não se pode dizer que alguém é mais
pessoas jurídica que outrem.
A capacidade é um conceito que admite graus: pode-se ser mais ou menos capaz. É admissível que A seja mais capaz
que B.

3. Capacidade de gozo e capacidade de exercício de direitos

A noção acima referida de capacidade corresponde à denominada capacidade de gozo de direitos.


É inerente à personalidade jurídica: todas as pessoas jurídicas podem, em princípio, ser titulares de quaisquer direitos e
obrigações ou sujeitos de quaisquer relações jurídicas. É o que resulta do disposto no artº 67º do Código Civil:
"Capacidade jurídica
As pessoas podem ser sujeitos de quaisquer relações jurídicas, salvo disposição legal em contrário: nisto consiste a sua
capacidade jurídica."
A capacidade de exercício corresponde à susceptibilidade de exercer direitos e cumprir obrigações, pessoal e livremente.
Há pessoas que não podem exercer os seus direitos por si, sem auxílio. É o caso dos recém-nascidos, por exemplo.
Enquanto a capacidade de gozo é a medida dos direitos e obrigações de que uma pessoa pode ser, em abstracto, titular, a
capacidade de exercício é a medida dos direitos e obrigações que a mesma pessoa, em concreto, pode exercer por si própria,
pessoal e livremente.
A capacidade, quer de gozo quer de exercício, pode ser genérica, específica ou particular. A capacidade genérica
abrange todos os direitos e obrigações reconhecidos. È a capacidade da generalidade das pessoas singulares maiores.
A capacidade específica abrange apenas certas categorias de direitos e obrigações. As pessoas colectivas têm apenas
capacidade, quer de gozo quer de exercício, específica: abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à
prossecução dos seus fins. É o que dispõe o artº 160º do Código Civil.
A capacidade particular refere-se a um direito ou obrigação específico. É o caso de que se fala quando se questiona se
um menor de 17 anos tem capacidade para contrair matrimónio.

4. As incapacidades de exercício de direitos

O oposto da capacidade é a incapacidade, que também pode ser de gozo ou de exercício. Não é concebível uma situação
de incapacidade absoluta de gozo, na medida em que isso equivaleria à negação da personalidade jurídica. Mas já é concebível
uma situação de incapacidade de exercício completa.
A lei estabelece formas de suprir a incapacidade, isto é, de tornar possível o exercício dos direitos que o titular não
pode, por si só, exercer. São elas:
a) A representação, em que a lei admite outra pessoa a agir em nome e no interesse do incapaz.
São incapazes, por exemplo, os menores. É o que resulta do disposto no artº 123º do Código Civil:
"Incapacidade dos menores
Salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos."
A incapacidade dos menores é suprida pelo poder paternal e, subsidiariamente, pela tutela.
Os actos praticados pelos representantes repercutem-se na esfera jurídica do representado, conforme dispõe o artigo
258º do Código Civil:
"Efeitos da representação
O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes de representação, produz os
seus efeitos na esfera jurídica deste último."
Esfera jurídica de uma pessoa é o conjunto de direitos e obrigações de que ela é titular, em determinado momento.
A representação pode ser legal, quando estabelecida por lei, para suprir incapacidades, ou voluntária ou convencional,
quando alguém concede a outrem, por procuração, poderes de representação.
b) Assistência, quando a lei reconhece alguma capacidade de agir ao incapaz, mas exige a intervenção de outra pessoa (o
assistente), que o autoriza ou ajuda na prática de certos actos.
Esta intervenção do assistente pode consistir em:

19
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
- Autorização. Para lá dos menores, são incapazes os interditos e os inabilitados. Sobre estes últimos, dispõem os artigos 152º e
153º do Código Civil o seguinte:
"Art 152º - Pessoas sujeitas a inabilitação
Podem ser inabilitados os indivíduos cuja anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, embora de carácter permanente, não
seja de tal modo grave que justifique a sua interdição, assim como aqueles que, pela sua habitual prodigalidade ou pelo abuso
de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes, se mostrem incapazes de reger convenientemente o seu património.
Artº 153º - Suprimento da inabilidade
1. Os inabilitados são assistidos por um curador, a cuja autorização estão sujeitos os actos de disposição de bens entre vivos e
todos os que, em atenção às circunstâncias de cada caso, forem especificados na sentença.
2. A autorização do curador pode ser judicialmente suprida."
- Comparticipação, se o assistente também tiver interesse no acto jurídico em causa. O casamento implica alguma incapacidade
para que qualquer dos cônjuges possa, por si só, alienar determinados bens. Os artigos 1682-A e 1682-B do Código Civil
prevêem actos que cada um dos cônjuges só pode praticar com o consentimento, ou comparticipação, do outro cônjuge.
- Confirmação, ratificação ou aprovação, posterior ao acto do incapaz, e que sana o vício resultante da falta de capacidade.
Por exemplo, o artº 125º do Código Civil estabelece em que condições os actos praticados pelos menores podem ser
anulados. O nº 2 deste artigo dispõe que:
"2. A anulabilidade é sanável mediante a confirmação do menor depois de atingir a maioridade ou ser emancipado, ou por
confirmação do progenitor que exerça o poder paternal, tutor ou administrador de bens, tratando-se de acto que algum deles
pudesse celebrar como representante do menor."

5. Formas que pode revestir o sujeito das relações jurídicas; pessoas singulares e pessoas colectivas

As pessoas jurídicas, como já atrás se referiu, podem ser singulares ou colectivas.


A personalidade das pessoas singulares adquire-se no momento do nascimento completo e com vida, conforme dispõe o
nº 1 do artigo 66º do Código Civil. O nº 2 adianta que os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu
nascimento.
Este nº 2 é necessário, face à existência de diversas normas que parecem reconhecer direitos a nascituros, isto é, a
pessoas futuras, ainda não nascidas.
Um exemplo é encontrado no artº 952º:
"Doações a nascituros
1. O nascituros concebidos ou não concebidos podem adquirir por doação, sendo filhos de pessoa determinada, viva ao tempo
da declaração de vontade do doador.
2. Na doação feita a nascituro presume-se que o doador reserva para si o usufruto dos bens doados até ao nascimento do
donatário."
Os nascituros não concebidos são por vezes referidos por concepturos.
Outro exemplo é encontrado no artº 2033º:
"Princípios gerais (da capacidade sucessória)
1. Têm capacidade sucessória, além do Estado, todas as pessoas nascidas ou concebidas ao tempo da abertura da sucessão,
não exceptuadas por lei.
2. Na sucessão testamentária ou contratual têm ainda capacidade:
a) Os nascituros não concebidos, que sejam filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da abertura da sucessão;
b) As pessoas colectivas e as sociedades."
Estas situações levantam problemas conceptuais: a lei reconhece direitos a determinadas entidades, a quem não
reconhece personalidade jurídica. Existe aqui uma contradição. Esta dificuldade é ultrapassada por alguns autores que
reconhecem a existência de direitos sem sujeito. Existem outras situações em que a lei protege interesses determinados, sem
personalizar os centros desses interesses.
A personalidade das pessoas singulares extingue-se com a morte. É o que resulta do nº 1 do artº 68º do Código Civil-

6. Pessoas colectivas: conceito e estrutura. Elementos constitutivos das pessoas colectivas:


substrato e reconhecimento

As pessoas colectivas, segundo o Prof. Manuel de Andrade14, "são organizações constituídas por um agrupamento de
pessoas ou por um complexo patrimonial (massa de bens), tendo em vista a prossecução dum interesse comum determinado, e às
quais a ordem jurídica atribui a qualidade de sujeitos de direito, isto é, reconhece como centros autónomos de relações jurídicas."
Subjacentes à ideia de pessoa colectiva estão os interesses comuns ou colectivos, que são interesses partilhados por uma
pluralidade mais ou menos extensa de indivíduos: desde toda a população de um país (o Estado é uma pessoa colectiva), até dois
indivíduos (que se associam para exercer uma actividade económica, constituindo uma sociedade comercial).
Para lá da designação de pessoas colectivas, é vulgar encontrarmos por vezes as designações "pessoas jurídicas" e
"pessoas morais".

14 Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, Coimbra, 1974, pag. 45.


20
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
As pessoas colectivas são por vezes divididas em duas grandes categorias: as corporações e as fundações. Nas
corporações o elemento fundamental é o elemento humano, são as pessoas que as constituem. Nas fundações o elemento
fundamental é o elemento patrimonial, uma massa de bens que o fundador afecta a um determinado fim.
Para que uma pessoa colectiva exista torna-se necessária a existência de dois elementos: o substrato e o
reconhecimento.
O substrato é a realidade social, o elemento material, em que assenta a personalidade jurídica. É um elemento
complexo. O Prof. Manuel de Andrade, na obra já referida, menciona os seguintes subelementos:
- Elemento pessoal ou patrimonial, consoante se trate de corporações ou fundações.
- Elemento teleológico, coincidente com a finalidade a prosseguir pela pessoa colectiva. Esta finalidade deve ser
- determinada
- comum, ou colectiva
- lícita e possível
- duradoura (duvidoso, na nossa ordem jurídica)
- Elemento intencional, na medida em que subjacente à pessoa colectiva deve estar uma vontade ou intenção de a constituir.
- Elemento organizatório, identificável com os estatutos da pessoa colectiva.
O reconhecimento coincide com a atribuição de personalidade jurídica ao substrato. Com o reconhecimento, a pessoa
colectiva unifica num novo ente jurídico os elementos que a constituem, passando a actuar individualmente na vida jurídica e a
assumir a titularidade de um património.
O reconhecimento pode ter lugar por mero efeito da lei (reconhecimento normativo) ou resultar da concessão caso a
caso, por acto da Administração Pública (reconhecimento por concessão). Em Portugal, o reconhecimento é normativo para as
associações e sociedades, e por concessão para as fundações. Sobre estas últimas, dispõe o nº 2 do artº 158º do Código Civil que
"As fundações adquirem personalidade jurídica pelo reconhecimento, o qual é individual e da competência da autoridade
administrativa."

7. Classificação das pessoas colectivas

Para lá da classificação das pessoas colectivas já referidas, que distingue as corporações das fundações, outras existem.
Uma dessas distingue as pessoas colectivas de direito público das pessoas colectivas de direito privado. A distinção
baseia-se em raciocínios semelhantes aos utilizados para distinguir o direito público do direito privado.
O código civil actual distingue, entre as pessoas colectivas, 3 tipos:
- Associações
- Fundações
- Sociedades
Esta classificação resulta do disposto no artigo 157º, o primeiro artigo do capítulo dedicado às pessoas colectivas
(Capítulo II do subtítulo I - Das pessoas, do título II - Das relações jurídicas, do livro I - Parte geral), e que tem a seguinte
redacção:
" Campo de aplicação
As disposições do presente capítulo são aplicáveis às associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados, às
fundações de interesse social, e ainda às sociedades, quando a analogia das situações o justifique."
As associações e as sociedades são pessoas colectivas de tipo corporativo, por contraposição às fundações.

Capítulo III - O objecto de direitos

1. Conceito, objecto e conteúdo da relação jurídica

Como foi referido atrás, a relação jurídica em sentido restrito ou técnico é toda a relação social regulada pelo Direito,
mediante a atribuição a uma pessoa de um direito subjectivo e a imposição a outra pessoa de um dever jurídico ou de uma
sujeição.15 Ou, segundo a definição de Castro Mendes16 relação jurídica "é qualquer modo de ser ou estar recíproco de duas
realidades, juridicamente relevantes.
Para uns autores (Manuel Andrade, Mota Pinto - a chamada escola de Coimbra), o objecto da relação jurídica é o bem
sobre que incidem os poderes do sujeito activo da relação jurídica.
Para outros (Castro Mendes, Carvalho Fernandes - a chamada escola de Lisboa), há que distinguir o o objecto imediato
da relação jurídica, constituído pelo binómio direito/vinculação, e objecto mediato, coincidente com o conceito de objecto da
escola de Coimbra.
Considerando como objecto da relação o bem sobre que incidem os poderes do sujeito activo, conteúdo da relação é o
poder ou poderes que o sujeito activo pode exercer sobre o objecto. No direito de propriedade, existe um bem (uma casa, um

15Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, pag. 133.
16Direito Civil - Teoria Geral, Lisboa, 1978, pag. 138.
21
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
carro) que é o objecto, sobre o qual o titular pode exercer diversos poderes (vender, doar, usar, transformar, etc.). Existem
direitos que não têm objecto neste sentido: é o caso dos direitos potestativos.

2. Modalidades do objecto da relação jurídica

Já vimos que para a escola de Lisboa, existe um objecto imediato (direito e a correspondente obrigação, sujeição ou
vinculação) e um objecto mediato (o bem sobre o qual incidem os poderes do sujeito activo).
A escola de Coimbra também distingue entre objecto imediato e mediato, mas noutro sentido. Para estes autores, o
objecto imediato é aquele sobre o qual incidem directamente os poderes do sujeito activo da relação, sem qualquer elemento
mediador. O objecto mediato é constituído pelo bem sobre o qual só indirectamente recaem os poderes do sujeito activo da
relação. Nas relações em que o sujeito activo tem o direito de exigir que o sujeito passivo lhe entregue certa coisa, o objecto
imediato é a prestação do devedor (uma actuação deste) e o objecto mediato é a coisa que deve ser entregue.
Nem sempre existe o objecto mediato, neste sentido. No direito de propriedade, por exemplo, só existe o objecto
imediato.
O artigo 202º do Código Civil tem a seguinte redacção:
"1. Diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas.
2. Consideram-se, porém, fora do comércio todas as coisas que não podem ser objecto de direitos privados, tais como as que se
encontram no domínio público e as que são, por natureza, insusceptíveis de apropriação individual."
O número 1 deste artigo parece fazer coincidir o conceito de coisa com o de objecto das relações jurídicas. Esta
coincidência não é rigorosa. Os direitos podem incidir sobre outras realidades que não são coisas, tais como:
a) Pessoas - Os pais têm certos direitos sobre a pessoa dos filhos, embora os devam exercer no interesse destes. São os chamados
poderes-deveres, ou poderes funcionais.
b) Prestações - Condutas ou comportamentos de pessoas (pintar um quadro, dar um concerto, etc.)
c) Coisas corpóreas, ou materiais.
d) Coisas incorpóreas, ou bens imateriais - Os direitos de autor, a propriedade industrial.
e) Outros direitos - Penhor de direitos (artº 679º e seguintes do Código Civil), hipoteca de um usufruto (artº 688, nº 1, alínea e),
etc.

3. As coisas e o património

A definição de coisa acima transcrita, constante do nº 1 do artº 202º do Código Civil, não se pode considerar rigorosa.
Já se viu que existem realidades que podem ser objecto de relações jurídicas e que não são coisas.
O termo coisa pode ter até vários sentidos: um sentido filosófico (tudo aquilo que pode ser pensado), um sentido físico
(tudo aquilo que tem natureza corpórea, que ocupa um espaço, que pode ser apreendido pelos sentidos), e um sentido jurídico
Mota Pinto17 dá a seguinte definição de coisa em sentido jurídico:
"Coisas são os bens (ou os entes) de carácter estático, desprovidos de personalidade e não integradores do conteúdo necessário
desta, susceptíveis de constituírem objecto de relações jurídicas."
Para que as coisas possam ser objecto de relações jurídicas, necessário se torna que revistam algumas características.
São elas:
a) Existência autónoma
b) Susceptibilidade de apropriação individual
c) Aptidão para satisfazer necessidades humanas.
O nosso código civil contem referências a várias categorias de coisas, no artigo 203º:
"Classificação das coisas
As coisas são imóveis ou móveis, simples ou compostas, fungíveis ou não fungíveis, consumíveis, ou não consumíveis, divisíveis
ou indivisíveis, principais ou acessórias, presentes ou futuras."
- Móveis e imóveis. O artigo 204º contem uma enunciação de coisas imóveis. O artigo 205º define as móveis por exclusão.
- Simples ou compostas. São compostas, ou universalidades de facto, segundo o artigo 206º, a pluralidade de coisas móveis que,
pertencendo à mesma pessoa, têm um destino comum. Ex.: Rebanhos, bibliotecas, garrafeiras, colecção de selos, etc.
- Fungíveis ou infungíveis. São aquelas que se determinam pelo seu género, qualidade e quantidade, quando constituam objecto
de relações jurídicas (artº 207º). Se uma coisa é fungível ou infungível só se pode determinar com segurança perante a relação
jurídica concreta em causa. Há bens que são em regra fungíveis (batatas, trigo), outros que são normalmente infungíveis (casas,
automóveis).
- Consumíveis. São aquelas cujo uso regular importa a sua destruição ou alienação (artº 208º).
- Divisíveis ou indivisíveis. São divisíveis, segundo o artigo 209º, as coisas que podem ser fraccionadas sem alteração da sua
substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam. As indivisíveis são determinadas por exclusão de
partes.

17Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1973, pag. 230.


22
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
- Acessórias e principais. O artº 210 define coisas acessórias ou pertenças, as coisas móveis que, não constituindo partes
integrantes, estão afectas por forma duradoura ao serviço ou ornamentação de uma outra. Esta definição está feita pela negativa,
relativamente ao conceito de partes integrantes. A definição de parte integrante, por sua vez, encontra-se no nº 3 do artº 204º: "É
parte integrante toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência."
- Futuras. São coisas futuras as que não estão em poder do disponente, ou a que este não tem direito, ao tempo da declaração
negocial (artº 211º).Há quem distinga as coisas absolutamente futuras, as que não existem ao tempo da declaração negocial, das
relativamente futuras, as que, existindo, não estão em poder do disponente.
O código civil contem ainda definições de:
- Frutos. Artº 212º.
"1. Diz-se fruto de uma coisa tudo o que ela produz periodicamente, sem prejuízo da sua substância.
2. Os frutos são naturais ou civis; dizem-se naturais os que provêm directamente da coisa, e civis as rendas ou interesses que a
coisa produz em consequência de uma relação jurídica.
3. Consideram-se frutos das universalidades de animais as crias não destinadas à substituição das cabeças que por qualquer
causa vierem a faltar, os despojos, e todos os proventos auferidos, ainda que a título eventual."
- Benfeitorias. Artº 216º
"1. Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.
2. As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias.
3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo
indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a
sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante."
A palavra património deve ser familiar a estudantes de economia e gestão. Corresponde ao conjunto das relações activas
e passivas, avaliáveis em dinheiro, de que uma pessoa é titular. Por vezes é utilizada a expressão património bruto, ou ilíquido,
para designar o conjunto das relações jurídicas activas avaliáveis em dinheiro, por oposição a património líquido, que
representaria o saldo das relações jurídicas activas menos as passivas. Expressão sinónima da situação líquida utilizada em
contabilidade.
O conceito de património é mais restrito que o de esfera jurídica. Esta abrange todas as relações jurídicas de que um
sujeito é titular, avaliáveis em dinheiro ou não.
A noção de património tem o maior interesse em direito, na medida em que constitui a garantia geral dos credores, nos
termos do disposto no artº 601º do Código Civil:
"Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes
especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios."
A expressão "todos os bens do devedor" equivale à noção de património bruto.
Em regra, cada pessoa tem só um património. Mas o artigo acima citado fala em regimes especialmente estabelecidos
em consequência da separação de patrimónios. Existem patrimónios separados quando respondem por dívidas próprias. O caso
típico era o das heranças - conjunto das relações patrimoniais que, por morte do seu titular, passam para a titularidade dos
herdeiros. Nos termos do disposto no artº 2068º
"A herança responde pelas despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, pelos encargos com a testamentaria, administração
e liquidação do património hereditário, pelo pagamento das dívidas do falecido, e pelo cumprimento dos legados."
Outro caso de património autónomo é constituído pelos Estabelecimentos Individuais de Responsabilidade Limitada,
regulamentados pelo Decreto-Lei nº 248/86 de 25 de Agosto. Em regra, os comerciantes em nome individual têm uma
responsabilidade ilimitada - todos os seus bens respondem pelas dívidas contraídas no exercício da sua actividade. A única forma
de limitar a responsabilidade era constituindo uma sociedade comercial de certo tipo, por quotas por exemplo. Aquele diploma
veio permitir que os comerciantes em nome individual limitassem a sua responsabilidade apenas aos bens afectos ao
Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada.

Capítulo IV - O facto jurídico

!. Noção de facto jurídico

Os factos jurídicos são os eventos da vida social a que as normas jurídicas atribuem a produção de efeitos de direito.
Nem todos os factos sociais são relevantes para o direito. Não serão factos jurídicos, mas meros factos materiais.

2. Classificação dos factos jurídicos. Actos jurídicos; negócios jurídicos e simples actos jurídicos

Os factos jurídicos podem ser voluntários ou involuntários. Os primeiros constituem os chamados actos jurídicos,
porque resultam duma manifestação de vontade.
Os actos jurídicos podem ser lícitos ou ilícitos. Os primeiros são conformes ao direito e por ele consentidos. Os
segundos são contrários ao Direito, violam uma norma jurídica, e importam uma sanção para o seu autor.

23
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
Dentro dos actos jurídicos, distinguem-se os negócios jurídicos dos simples actos jurídicos. Os primeiros correspondem
a manifestações de vontade, em conformidade com o direito, e destinadas a produzir efeitos jurídicos. Os efeitos são visados
directamente pela vontade manifestada e não resultam automaticamente da lei. São exemplos o testamento e os contratos.
Os simples actos jurídicos também produzem efeitos de direito, mas não porque fossem directamente visados pela
manifestação de vontade.

Parte III - Do Negócio jurídico

Capítulo I - Declaração negocial

1. Modalidades

Os negócios jurídicos são o resultado da autonomia da vontade, princípio que domina o direito privado português. O
princípio da autonomia da vontade significa que os sujeitos de direito, livres e iguais, podem estabelecer as suas próprias normas.
Negócios jurídicos unilaterais e plurilaterais ou contratos.
Os negócios unilaterais resultam da manifestação de vontade duma parte. O conceito de parte nem sempre coincide com
o conceito de unipessoal. Por vezes um negócio é unilateral, embora resulte da manifestação de vontade de várias pessoas. Se,
por exemplo, dois comproprietários de um prédio contratam com um terceiro a venda desse bem, dando-lhe uma procuração para
esse efeito, e mais tarde revogam essa procuração, tanto a procuração como a sua revogação são negócios jurídicos unilaterais,
embora resultem da manifestação de duas vontades.
Parte representa o titular de um interesse, que pode ser de uma ou de várias pessoas. Num contrato de compra e venda
podem existir vários vendedores, que constituem uma única parte. As declarações de vontade unilaterais podem ser singulares ou
plurais.
Os jurídicos unilaterais plurais ainda são susceptíveis de distinção entre homogéneos e heterogéneos. Os primeiros
pressupõem várias manifestações de vontade paralelas, de conteúdo coincidente. Os segundos pressupõem a existência de
manifestações de vontade individuais não coincidentes, sendo o resultado final, a manifestação de vontade representativa do
grupo, obtida por maioria. É o caso das deliberações, que correspondem a à forma de determinar a vontade dor órgãos colectivos.
Nos negócios jurídicos plurilaterais, existem várias partes (se forem duas serão negócios bilaterais). Os negócios
jurídicos plurilaterais são os contratos. Não se reconduzem a um mero conjunto de duas ou mais manifestações de vontade, a
dois ou mais negócios jurídicos unilaterais. Nos contratos, os efeitos jurídicos pretendidos por cada uma das partes não se
produzem pelo mero efeito das suas manifestações de vontade, mas unicamente através do consenso da outra ou outras partes.
Negócios solenes (ou formais) e não solenes (ou consensuais).
A diferença está no modo como a declaração de vontade é exteriorizada. Este modo de exteriorizar a manifestação de
vontade é a chamada forma Os negócios solenes ou formais são aqueles que exigem, para ser válidos, que a vontade seja
exteriorizada duma forma pré-determinada. Os não formais são aqueles em que a vontade pode ser manifestada de qualquer
modo inteligível.
Negócios reais e não reais.
Os negócios reais são aqueles que exigem, para serem válidos, para além da manifestação de vontade a entrega duma
coisa, objecto do negócio. A entrega duma coisa é chamada "a tradição".
Negócios não reais serão aqueles cuja perfeição não depende da tradição de qualquer coisa.
A designação de negócios reais pode ter outro sentido, quando se classificam os negócios em reais, obrigacionais,
familiares ou sucessórios. Enquanto na classificação anterior se tinha em vista a estrutura do negócio, aqui a distinção atende aos
efeitos do negócio. Assim, os negócios jurídicos serão reais, obrigacionais, familiares ou sucessórios consoante dele resultem
relações jurídicas reais, obrigacionais, familiares ou sucessórias.
Negócios receptícios e não receptícios
Os negócios jurídicos que produzem efeitos sem necessidade de que sejam levados ao conhecimento de terceiros são não
receptícios. Por exemplo o testamento é um negócio jurídico não receptício.
Outros negócios jurídicos só produzem efeitos desde que conhecidos por um destinatário. Por exemplo a revogação
duma procuração, a resolução dum contrato, etc. Os negócios jurídicos receptícios não se confundem com contratos, uma vez que
a vontade do destinatário não produz quaisquer efeitos. O conhecimento é mera condição para que o negócio jurídico produza
efeitos, seja eficaz.
Negócios "inter vivos" e "mortis causa"
Os negócios jurídicos "inter vivos" levam à constituição de relações jurídicas em vida do seu autor. Os negócios
jurídicos "mortis causa" levam à constituição de relações jurídicas após a morte do seu autor e são o resultado dessa morte.
A maioria dos negócios jurídicos são "inter vivos". O exemplo típico de negócio "mortis causa" é o testamento.
Negócios patrimoniais e não patrimoniais
Esta classificação atenta nos efeitos do negócio, se são patrimoniais (compra e venda, arrendamento, doação, etc.) ou
pessoais ou não patrimoniais (casamento, adopção).
Dentro dos negócios patrimoniais, existem duas subclassificações com interesse:

24
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
Negócios onerosos ou gratuitos: O negócio é oneroso quando dele resultam atribuições patrimoniais para ambas as
partes (ou quando ambas suportam sacrifícios patrimoniais) e gratuito quando esses efeitos patrimoniais resultam apenas para
uma das partes.
São gratuitos o testamento e a doação, e onerosos a compra e venda, o arrendamento, etc.
Negócios comutativos e aleatórios.
Dentro dos negócios onerosos, aqueles em que os efeitos patrimoniais ficam predeterminadas desde o início, quer
quanto ao seu valor, quer quanto ao momento da sua verificação, são comutativos.
Existem contratos onerosos em que a prestação de uma das partes fica dependente de um facto futuro, envolvem um
risco (alea), e que por isso se denominam aleatórios. O exemplo típico é constituído pelos contratos de seguro.
Negócios de administração e negócios de disposição
Os negócios de administração traduzem-se no uso, fruição, conservação e melhoria dos elementos estáveis do
património e no consumo ou alienação normais dos seus elementos instáveis. Os actos de disposição correspondem aos que
envolvem a alienação de elementos estáveis do património ou a alienação anormal dos seus elementos instáveis. 18
A distinção entre elementos estáveis ou instáveis tem que ver com a sua natureza a sua função económico-social.
Existem bens que são facilmente perecíveis, pelo que são normalmente consumidos. Outros têm natureza duradoura e a sua
função normal é a de serem usados durante longos períodos de tempo, permanecendo no património dos titulares durante muito
tempo.
A distinção nem sempre é fácil e o mesmo acto pode ser de administração ou de disposição, consoante as circunstâncias.
Assim, a venda de um imóvel de um particular é quase sempre uma acto de disposição. Mas se se tratar da venda de um imóvel
duma empresa cuja actividade seja a construção de imóveis para venda, já poderá ser um acto de administração.
A lei ainda distingue actos de administração ordinária dos actos de administração extraordinária, estando estes últimos
mais próximos dos actos de disposição. Referem-se a actos de administração ordinária, por exemplo os artigos 1159º e 1682º, nº
3, alínea b), do Código Civil.

2. Forma

Como já foi referido, a forma corresponde ao modo de exteriorização da vontade. No direito português vigora o
princípio da consensualidade, sendo a exigência de formalidades especiais uma excepção.
Com efeito, o artigo 219º do Código Civil estabelece:
"Liberdade de forma
A validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir."
O princípio da consensualidade, ou liberdade de forma, não significa que a lei dispense a forma. O negócio jurídico
deverá sempre revestir uma forma, o autor do acto sempre terá que exteriorizar por alguma forma a sua vontade. Poderá é
utilizar qualquer forma, mesmo a verbal. O conceito de forma é diferente do de formalidade. Formalidades são os requisitos mais
ou menos solenes que devem acompanhar a exteriorização da vontade. A forma mais exigente imposta pela nossa ordem jurídica
é a escritura pública. Para lá da forma escrita, na redução do acto a escritura pública devem ser observadas várias formalidades:
o notário deve ler a escritura, explicar o seu conteúdo, etc.
Por vezes, é necessária a verificação de certas formalidades para que os negócios jurídicos sejam válidos. Noutros casos,
as formalidades são apenas necessárias como meio de prova. A distinção é acolhida claramente no artº 364º do Código Civil:
"Exigência legal de documento escrito
1. Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser
substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.
2. Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por
confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou
superior valor probatório
A exigência duma forma especial pode resultar da lei (forma legal), ou da vontade das partes (forma voluntária ou
convencional). O artigo 220º do Código Civil refere-se à forma voluntária, e o artigo 223º à forma convencional.
A consequência da inobservância da forma legalmente prescrita é, em regra, a nulidade (artº 220º do Código Civil).
A observância duma forma, nomeadamente a escrita, tem algumas vantagens:
- Dá oportunidade às partes de reflectirem melhor sobre os negócios. Entre a decisão de negociar e a formulação existe sempre
um espaço de tempo que evita eventuais precipitações;
- Permite uma clara distinção entre as fases da negociação e da conclusão do negócio;
- Permite uma formulação mais completa e precisa dos negócios e daquilo que as partes pretendem;
- Reforça a segurança sobre a celebração e conteúdo dos negócios, eliminando os perigos do recurso à prova testemunhal.
Estas vantagens são acompanhadas de inconvenientes:
- Aumento da morosidade na conclusão dos negócios;
- Possibilidade de injustiças, pela invocação por uma das partes de eventuais nulidades relacionadas com vícios de forma.

3. Perfeição da declaração negocial

18Luis A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, edição da AAFDL, 1983, pag. 35.
25
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos

A declaração negocial compreende normalmente dois elementos: um elemento externo, aquilo que é captado do
exterior, a declaração apreendida por terceiros; um elemento interno, constituído pela vontade do declarante.
O elemento interno, a vontade do declarante, ainda é decomponível em 3 subelementos:
1 - A vontade de agir, ou consciência e intenção de emitir a declaração. Este elemento falta por vezes, em casos de coacção
física, por exemplo. O declarante emite uma declaração sob coacção, quando não queria emitir declaração nenhuma.
2 - A vontade de declarar. Por vezes são proferidas palavras ou feitos gestos que têm um significado de declaração negocial, mas
sem que quem as emitiu tenha querido emitir qualquer declaração. Seria o caso de alguém que entrasse numa sala onde ocorria
um leilão e fizesse um gesto para saudar um amigo que correspondesse ao sinal convencional para fazer uma oferta pelo objecto
a ser leiloado.
3 - A vontade do resultado contido na declaração. Por vezes são feitas declarações, com intenção de as fazer, com vontade de que
tenham um determinado significado, mas em que há um erro ou desvio entre o que é declarado e o que o autor tinha em mente.
Seria o caso de alguém que emitisse uma declaração no sentido de que queria comprar um prédio chamado Quinta do Olival,
quando queria efectivamente declarar querer comprar a Quinta da Oliveira, um prédio diferente.
As declarações negociais podem ser expressas ou tácitas, nos termos do disposto no artº 217º do Código Civil:
"Declaração expressa e declaração tácita
1. A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio
directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.
2. O carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada
quanto aos factos de que a declaração se deduz."
Um exemplo de declaração tácita é prevista no nº 2 do artº 302º do Código Civil, que estabelece que a renúncia à
prescrição pode ser tácita. A ideia é esta: todas as dívidas deixam de ser exigidas, desde que decorra um determinado prazo. No
entanto, se o devedor pagar, mesmo sendo a dívida já não exigível, entende-se que renunciou a invocar a prescrição. A
prescrição não extingue a dívida, mas converte-a em obrigação natural.

4. Interpretação e integração da declaração negocial

As declarações de vontade resultam da autonomia da vontade reconhecida pela lei, acima definida como a capacidade
das pessoas se auto-regularem. As declarações de vontade levantam também, tal como as normas jurídicas, o problema da
determinação do seu conteúdo.
Também neste domínio têm sido defendidas posições subjectivistas - o intérprete deveria procurar encontrar a vontade
real do declarante, e posições objectivistas - o intérprete deverá procurar um sentido apreensível objectivamente, em face do
comportamento exteriorizado pelo declarante. As posições objectivistas podem variar sobre a forma de chegar ao sentido da
declaração, mas a teoria mais generalizadamente aceite é a chamada doutrina da impressão do destinatário: a declaração deverá
ser entendida com o sentido que um declaratário normal, razoável, lhe atribuiria.
É esta a posição acolhida pelo artigo 236º do Código Civil:
"Sentido normal da declaração
1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário norma, colocado na posição do real destinatário, possa
deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida."
A doutrina da impressão do destinatário tem duas limitações:
a) É necessário que o próprio declarante pudesse considerar que o sentido dado pelo declaratário lhe era imputável;
b) Se o declaratário conhecia a vontade real do declarante, será esta a interpretação a acolher. A doutrina da impressão do
destinatário baseia-se em razões de justiça e segurança, mandando a lei acolher a interpretação que parece normal, para um
declaratário normal. Se é conhecida do declaratário a vontade real do declarante, tais razões de justiça e segurança deixam de se
verificar.
A lei não indica quais as circunstâncias a que o intérprete deve recorrer para fazer a interpretação da declaração
negocial. Devem ser todos aqueles a que um declaratário normal, inteligente, recorreria: os interesses em jogo, as negociações
prévias, as relações anteriores entre as partes, os usos, a evolução da relação entre as partes posterior à declaração, etc.
Para os casos duvidosos, estabelece o artigo 237º do Código Civil regras a seguir: para os negócios gratuitos, prevalece
o sentido menos gravoso para o disponente e nos onerosos o que conduzir a um maior equilíbrio nas prestações.
Para os negócios formais, o artigo 238º estabelece no seu nº 1 um regime em que o objectivismo é reforçado: neles não
pode valer um sentido que não tenha um mínimo de correspondência com o texto do respectivo documento, ainda que
imperfeitamente expresso.
Para os testamentos, o artigo 2187º consagra um critério mais subjectivista.
Também no âmbito dos negócios jurídicos se pode levantar a questão da integração, questões que as partes não
regularam, mas que exigem regras. Sobre esta matéria dispõe o artigo 239º o seguinte:
"Integração
26
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
Na falta de disposição especial em contrário, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as
partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução
por eles imposta."
A disposição especial referida no início do artigo corresponde às normas supletivas, aplicadas directamente ou por
analogia.

5. Falta e vícios da vontade

Como acima foi referido, a propósito do elemento interno da declaração negocial, falta por vezes um dos 3 subelementos
referidos. Vamos ver os vários casos previstos na lei.
Simulação
Os negócios jurídicos simulados vêm previstos no artº 240 do Código Civil:
"Simulação
1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração
negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2. O negócio simulado é nulo."
A simulação prevê, assim, 3 elementos:
- que a divergência entre a vontade real e a declarada seja intencional;
- acordo entre o declarante e o declaratário
- intuito de enganar terceiros.
O artigo 241º permite distinguir entre a simulação relativa (quando as partes fingem celebrar um negócio, mas querem
celebrar efectivamente outro), da simulação absoluta (quando as partes fingem celebrar um negócio, quando de facto não querem
celebrar nenhum).
Enquanto o negócio simulado é nulo, na simulação relativa levanta-se o problema de saber o que acontece ao negócio
dissimulado, aquele que as partes efectivamente queriam. O artigo 241º estabelece que o negócio dissimulado será tratado como
se não houvesse simulação, segundo as regras que lhe são aplicáveis. Quanto aos negócios dissimulados formais, o nº 2 desta
disposição impõe que só serão válidos se tiver sido observada a forma legalmente exigida.

Reserva mental
Enquanto que na simulação, tanto o declarante como o declaratário estão de acordo para enganar terceiros, na reserva
mental o declarante emite uma declaração contrária à vontade real, para enganar o declaratário (artº 244º)
A reserva mental não produz efeitos, salvo se conhecida do declaratário. Neste caso, é equiparada à simulação.

Declarações não sérias


As declarações não sérias são aquelas em que não há intenção de enganar ninguém: emite-se uma declaração não
coincidente com a vontade real, na expectativa de que essa falta de seriedade seja conhecida.
Estas declarações não sérias não produzem efeitos.
Se a declaração for feita em condições que levem o declaratário a aceitar como séria a declaração, o declarante deverá
indemnizá-lo dos prejuízos que sofrer.

Falta de consciência da declaração e coacção física


Nestes casos, previstos no artigo 246º, o autor não queria emitir a declaração. Na falta de consciência emitiu a
declaração sem consciência de que o estava a fazer, no caso da coacção emitiu a declaração porque foi forçado a isso.
Em qualquer caso, a declaração nestas condições não produz efeitos.
No entanto, se a falta de consciência da declaração for devida a culpa do declarante, é este obrigado a indemnizar pelos
prejuízos que causar.

Erro na declaração
Sobre esta divergência entre a vontade real e a vontade declarada dispõe o artigo 247º:
"Erro na declaração
Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração é anulável, desde que
o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro."

Erro de cálculo ou de escrita


O erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a
declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta (artº 249º).

Erro na transmissão da declaração


A declaração negocial inexactamente transmitida por quem seja incumbido da transmissão pode ser anulada nos termos
do artigo 247º. É o que dispõe o artº 250º.

27
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
Poderá ser anulada, portanto, a declaração desde que o declaratário conhecesse ou devesse conhecer a essencialidade,
para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
Se a inexactidão for devida a dolo do intermediário, a declaração é sempre anulável.

Erro sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio


São erros sobre os motivos determinantes da vontade.
Erro sobre a pessoa existirá se A doar certo prédio a B, no convencimento de que B é filho de um seu amigo de infância,
ou se A contratar com B que este pintará o seu retrato, convencido de que B é um pintor famoso.
Haverá erro sobre o objecto de negócio se A comprar um determinado prédio no convencimento de que esse prédio tem
15 apartamentos, ou um terreno no convencimento de que tem água.
Negócios celebrados com erro sobre a pessoa ou o objecto do negócio são anuláveis por força do artigo 247º, por
remissão do artº 250º.

Erro sobre os motivos


Se A arrendar casa em Lisboa, convencido de que foi lá colocado como funcionário público, e não for colocado em
Lisboa, celebra um negócio (contrato de arrendamento) com erro sobre os motivos.
Estes vícios da vontade vêm previstos no artº 252º do Código Civil:
"Erro sobre os motivos
1. O erro que recais sobre os motivos determinantes da vontade, mas se não refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do
negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo.
2. Se, porém, recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto
sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi
concluído."

Dolo
Segundo o nº 1 do artº 253º do Código Civil, dolo é "qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a
intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou
terceiro, do erro do declarante."
Segundo o nº 2 do mesmo artigo "não constituem dolo as sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos
segundo as concepções dominantes no comércio jurídico, nem a dissimulação do erro, quando nenhum dever de elucidar o
declarante resulte da lei, de estipulação negocial ou daquelas concepções."
Sobre os efeitos do dolo, dispõe o artº 254º:
"Efeitos do dolo
1. O declarante cuja vontade tenha sido determinada por dolo pode anular a declaração; a anulabilidade não é excluída pelo
facto de o dolo ser bilateral.
2. Quando o dolo provier de terceiro, a declaração só é anulável se o destinatário tinha ou devia ter conhecimento dele; mas,
se alguém tiver adquirido directamente algum direito por virtude da declaração, esta é anulável em relação ao beneficiário, se
tiver sido ele o autor do dolo ou se o conhecia ou devia ter conhecido."

Coacção moral
A coacção moral está definida no artº 255º do Código Civil:
"Coacção Moral
1. Diz-se feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi
ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração.
2. A ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro.
3. Não constitui coacção ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial."
Esta coacção moral representa um vício da vontade: a vontade existe mas está viciada, não é livre. Na coacção absoluta,
que a lei prevê no artº 246º sob o nome de coacção física, não existe vontade.
A declaração negocial extorquida sob coacção é anulável, conforme dispõe o artigo 256º. Se a coacção provier de
terceiro, para que se verifique a anulabilidade é necessário que o mal com que o declarante é ameaçado seja grave, e que o receio
da sua consumação seja justificado.

Incapacidade acidental
A incapacidade acidental está prevista no artº 257º do Código Civil:
"Incapacidade acidental
1. A declaração acidental feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o
sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do
declaratário.
2. O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar."
Podem ser causa da anulabilidade prevista neste artigo a embriaguês, o sonambulismo, a ira, um estado hipnótico, um
delírio febril, etc. Requisito essencial é que esse estado fosse notório.

28
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
6. Representação

Foram referidas anteriormente situações em que a declaração de vontade era emitida pelo interessado, pelo titular do
interesse que o negócio tinha em vista tutelar. Nem sempre assim acontece na vida jurídica. Muitas vezes as declarações de
vontade são emitidas por quem não é o verdadeiro interessado no negócio. Estas substituições de vontades podem ser efeito da lei
ou de convenção das partes.
Já foram referidas situações em que aparece outrem a agir em representação do interessado. Nos casos de incapacidade
de exercício por menoridade, por exemplo, são os pais quem se substitui aos menores no exercício dos seus direitos e na emissão
das declarações de vontade necessárias a esse exercício. Esta substituição de vontades resulta da lei, é um exemplo de
representação legal. Mas existem outras situações em que a substituição de vontades resulta de convenção, são representações
voluntárias.
Existe representação sempre que uma pessoa age em nome e no interesse de outra, desde que dotada de poderes para tal.
A representação pressupõe 2 elementos:
- Actuação em nome de outra pessoa;
- Poderes de representação.
Há autores que indicam um terceiro elemento: a actuação no interesse de outrem. Embora este elemento esteja sempre
presente na representação legal, aquela em que a lei dá a alguém poderes para representar um incapaz, no interesse deste, na
representação voluntária nem sempre assim é. O procurador pode agir em nome do representado no seu próprio interesse, ou no
interesse de um terceiro. Esta possibilidade vem expressamente prevista no nº 3 do artº 265º do Código Civil. Este artigo trata da
extinção da procuração, que é livremente revogável, salvo quando tiver sido conferida também no interesse do procurador ou de
terceiro. O artigo 1170º, a propósito do contrato de mandato, contem uma disposição de conteúdo semelhante.
No caso da representação voluntária, o acto pelo qual alguém atribui poderes de representação a outrem denomina-se
procuração. É o que diz o artigo 262º do Código Civil. O representante nestes casos é chamado procurador.
A procuração deve revestir a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar.
O artigo 258º do Código Civil, sobre os efeitos da representação, dispõe o seguinte:
"O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem,
produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último."
Se alguém agir como representante de outrem sem poderes, os seus actos serão ineficazes relativamente ao
representado, salvo se este ratificar tais actos. Os casos mais frequentes de representação sem poderes correspondem à figura da
gestão de negócios, prevista no artº 464º do Código Civil:
"Dá-se a gestão de negócios, quando uma pessoa assume a direcção de negócio alheio no interesse e por conta do respectivo
dono, sem para tal estar autorizada."

7. Condição e termo

Segundo o disposto no artº 270º do Código Civil, as partes podem subordinar a produção de efeitos do negócio jurídico,
ou a sua resolução, a um facto futuro e incerto. Este facto futuro e incerto é uma condição.
Se os efeitos do negócio não se produzem enquanto a condição não se verificar, esta diz-se suspensiva. Se verificada a
condição o negócio se resolver, diz-se resolutiva.
Para que um negócio seja validamente sujeito a condições, é necessário que estas preencham os requisitos enumerados
no artº 271º:
- não seja contrária à lei, à ordem pública, ou aos bons costumes;
- não seja física ou legalmente impossível.
A aposição duma condição em violação deste artigo gera a nulidade do negócio.
Nem todos os negócios jurídicos admitem condições. São exemplos o casamento (nº 2 do artº 1618º), a aceitação da
herança (artº 2054º) ou o repúdio da herança (artº 2064º)
Qual a consequência da aposição duma condição a um negócio que não a admite? É a nulidade, por aplicação analógica
do artigo 271º.
A condição considera-se verificada quando tiver lugar o facto futuro e incerto previsto pelas partes. Segundo o artigo
275º, equivale à não verificação da condição a certeza de ela não se poder verificar. O nº 2 deste artigo prevê a hipótese de uma
das partes impedir a verificação da condição ("sabotagem" de condição, segundo a expressão utilizada por Mota Pinto 19): "Se a
verificação da condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada; se for
provocada, nos mesmos termos, por aquele a quem aproveita, considera-se como não verificada."
Os efeitos da condição variam conforme for suspensiva ou resolutiva.
Na condição suspensiva:
a) Na pendência da condição, isto é, enquanto não se verificar o facto futuro e incerto, as partes não podem exercer os seus
direitos respectivos, mantêm apenas expectativas. Se uma das partes cumprir a sua obrigação, por supor que o negócio não
estava sujeito a condição, ou que esta se verificou, pode repetir (obter de volta) aquilo que prestou.
Na pendência da condição, o adquirente de um direito pode praticar actos de conservação do bem adquirido (artº 273º).

19Teoria Geral do Direito Civil, pag. 448.


29
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
Quanto aos actos de disposição de um bem adquirido sob condição suspensiva, ficarão também condicionados, nos
mesmos termos do negócio original (artº 274º nº 1).
b) Verificada a condição, o negócio produz plenamente os seus efeitos e desde a data da sua conclusão. O princípio da
retroactividade da condição vem previsto no artº 276º. Este princípio pode ser afastado pelas partes.
c) Se a condição não se verificar, os efeitos jurídicos tidos em vista com o negócio desaparecem.
Na condição resolutiva:
a) Na pendência da condição, o negócio jurídico produz os seus efeitos normais. O credor deve agir de acordo com a boa fé (artº
272º), e o devedor condicional pode praticar actos de conservação (artº 273º)
b) Verificada a condição, são eliminados retroactivamente os efeitos do negócio. Ressalvam-se os casos referidos no artº 277º:
- nos contratos de execução continuada (arrendamento, seguro, etc.), aplica-se o nº 2 do artº 464º (a resolução não abrange as
prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa de resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas).
- actos de administração ordinária praticados pelo credor condicional de boa fé (nº 2).
c) Não se verificando a condição resolutiva, os efeitos do negócio consolidam-se definitivamente.
Enquanto na condição os efeitos de um negócio ficam condicionados a um facto futuro e incerto, no termo os efeitos
ficam condicionados a um facto futuro mas certo.
O termo também pode ser, como a condição, suspensivo ou resolutivo
E o termo pode ser certo ou incerto. É incerto quando não sabemos o momento em que se verificará, no futuro, o facto.
O facto é certo quanto à sua verificação, mas não quanto ao momento desta.
O período de tempo que decorre desde a celebração do negócio e o momento a partir do qual começam a verificar-se os
seus efeitos é chamado prazo.
Sobre o termo, dispõem os artigos 278º e 279º do Código Civil:
Art. 278.° (Termo)

Se for estipulado que os efeitos do negócio jurídico comecem ou cessem a partir de certo momento, é aplicável à estipulação,
com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 272.° e 273.o
Art. 279.° (Cômputo do termo)

À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras:


a) Se o termo se referir ao princípio, meio ou fim do mês, entende-se como tal, respectivamente, o primeiro dia, o dia 15 e o
último dia do mês; se for fixado no princípio, meio ou fim do ano, entende-se, respectivamente, o primeiro dia do ano, o dia 30
de Junho e o dia 31 de Dezembro;
b) Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do
qual o prazo começa a correr;
c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da
última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia
desse mês;
d) É havido, respectivamente, como prazo de uma ou duas semanas o designado por oito ou quinze dias, sendo havido como
prazo de um ou dois dias o designado por 24 ou 48 horas;
e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são
equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.

Capítulo II - Objecto negocial

1. Requisitos

Os requisitos do objecto negocial, previstos no artº 280º, são os seguintes:


- possibilidade física
- possibilidade legal
- não contrariedade à lei
- determinabilidade
- não contrariedade à ordem pública
- conformidade com os bons costumes
A impossibilidade do objecto determina a nulidade do negócio se for absoluta, isto é, para qualquer pessoa, e originária,
existente na altura da celebração do negócio. É o caso, por exemplo, da venda de um prédio inexistente, por ter sido destruído
por um incêndio anteriormente à celebração do contrato de venda. A impossibilidade subjectiva não determina a nulidade do
negócio: será o caso de impossibilidade de fornecer certas mercadorias, por se terem esgotado no armazém do vendedor. Mas se
o negócio tiver por objecto uma prestação infungível, já o será: Se o agente de um pianista tiver celebrado um contrato para um
concerto, no desconhecimento de que o pianista tinha tido um acidente que lhe inutilizara as mãos, tal contrato será nulo. A
impossibilidade superveniente também não importa a nulidade do negócio: se o acidente do pianista tivesse lugar posteriormente

30
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
à assinatura do contrato, verificar-se-ia uma impossibilidade superveniente de cumprir a obrigação, prevista no artº 791º do
Código Civil20.
Embora a lei distinga impossibilidade legal e contrariedade à lei, a distinção não tem efeitos práticos. Quer a
impossibilidade legal quer a ilicitude do objecto têm como consequência a nulidade do negócio.
O objecto do negócio deve estar determinado no momento da celebração do negócio, ou então deve ser susceptível de
determinação futura. Se o objecto não é determinado nem determinável, o negócio é nulo.
Quando o objecto é uma prestação, os artigos 400º e 401º do Código Civil dispõem o seguinte:
Art. 400.° (Determinação da prestação)

1. A determinação da prestação pode ser confiada a uma ou outra das partes ou a terceiro; em qualquer dos casos deve ser
feita segundo juízos de equidade, se outros critérios não tivessem sido estipulados.
2. Se a determinação não puder ser feita ou não tiver sido feita no tempo devido, sê-lo- à pelo tribunal, sem prejuízo do
disposto acerca das obrigações genéricas e alternativas.

Art. 401.° (Impossibilidade originária da prestação)

1. A impossibilidade originária da prestação produz a nulidade do negócio jurídico.


2. O negócio é, porém, valido, se a obrigação for assumida para o caso de a prestação se tornar possível, ou se, estando o
negócio dependente de condição suspensiva ou de termo inicial, a prestação se tornar possível até à verificação da condição ou
até ao vencimento do termo.
3. Só se considera impossível a prestação que o seja relativamente ao objecto, e não apenas em relação à pessoa do devedor.

Os conceitos de "ordem pública" e "bons costumes" são variáveis no tempo. Ordem pública designa os princípios
fundamentais duma ordem jurídica, aqueles princípios que a sociedade e o Estado estão interessados em que prevaleçam sobre as
convenções privadas. Porque a ordem pública é um conceito dinâmico, não é possível elaborar um catálogo exaustivo dos
princípios fundamentais que o constituem. Os bons costumes constituem aquilo que é geralmente considerado ético e correcto
numa determinada sociedade e num determinado momento histórico.

2. Fim do negócio jurídico

O artigo 281º do Código civil estabelece que "se apenas o fim do negócio jurídico for contrário à lei ou à ordem
pública, ou ofensivo dos bons costumes, o negócio só é nulo quando o fim for comum a ambas as partes."
Se alguém comprar um carro para o utilizar em assaltos, por exemplo, a compra não é nula uma vez que o fim ilegal
não é comum a ambas as partes. Mas se alguém celebrar um contrato de trabalho com outrem para a prática de actividades
ilícitas, com conhecimento do trabalhador, tal contrato de trabalho será nulo. A Lei Geral do Trabalho (Decreto-Lei nº 49 408,
de 24 de Novembro de 1969) continha, no seu artigo 16º, normas de conteúdo semelhante às contidas nos artigos 280º e 281º do
Código Civil:
ARTIGO 16.°

(Contrato com objecto ou fim contrário à lei


ou à ordem pública ou ofensiva dos bons costumes)

1. Se o contrato tiver por objecto ou fim uma actividade contrária à lei ou à ordem pública ou ofensiva dos bons costumes, a
parte que conhecia a ilicitude perderá a favor do Fundo NacionaI do Abono de Família todas as vantagens auferidas e que, por
sua natureza, possam ser restituídas à outra parte.

2. A parte que conhecia a ilicitude não poderá eximir-se ao cumprimento de qualquer obrigação contratual ou legal, nem
reaver aquilo que prestou ou o valor, quando a outra parte ignorar essa ilicitude.
No Código do Trabalho, actlamente em vigor, estas situações estão previstas no art. 124º:
Contrato com objecto ou fim contrário à lei ou à ordem pública
1 - Se o contrato de trabalho tiver por objecto ou fim uma actividade contrária à lei ou à ordem pública, a parte
que conhecia a ilicitude perde a favor do serviço responsável pela gestão financeira do orçamento da segurança
social as vantagens auferidas decorrentes do contrato.
2 - A parte que conhecia a ilicitude não pode eximir-se ao cumprimento de qualquer obrigação contratual ou
legal, nem reaver aquilo que prestou ou o seu valor, quando a outra parte ignorar essa ilicitude.
3 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.° 1.

A propósito dos testamentos, o Código Civil tem uma disposição especial no seu artº nº 2186:

20Exemplos retirados da obra referida de Mota Pinto, pag. 432.


31
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
"É nula a disposição testamentária, quando da interpretação do testamento resulte que foi essencialmente determinada por fim
contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes."

3. Negócios usurários

Os negócios usurários vêm referidos no artº 282º do Código Civil nos termos seguintes:
"1. É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza,
dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a
concessão de benefícios excessivos ou injustificados.
2. Fica ressalvado o regime especial estabelecido nos artigos 559-A e 1146."
Nesta noção de usura aparecem uns elementos relativos à vontade, outros ao objecto. Assim:
a) Situação de inferioridade do declarante, que influi na vontade, e que pode ter quatro causas:
- estado de necessidade
- inexperiência
- dependência
- deficiência psíquica
Estas causas, só por si, não assumem relevância. Torna-se necessário o concurso de outros elementos.
b) Obtenção de benefícios manifestamente excessivos ou injustificados. Estes benefícios exagerados não têm que reverter
necessariamente a favor do usurário, mas podem ter relevância igualmente os que favorecem terceiros.
c) Intenção ou consciência do aproveitamento, por parte do usurário.
O negócio usurário é anulável, mas, nos termos do disposto no artº 283º, em lugar da anulação o lesado pode requerer a
modificação do negócio segundo juízos de equidade.
Os artigos 559º e 1146º do Código Civil referem-se a um sentido de usura mais próximo da linguagem corrente ou
vulgar: a cobrança de juros excessivos, ilegais. Dispõem o seguinte:
Art. 1146.° (Usura)

1. É havido como usurário o contrato de mútuo em que sejam estipulados juros anuais que excedam os juros legais, acrescidos
de 3% ou 5%, conforme exista ou não garantia real.
2. É havida também como usurária a cláusula penal que fixar como indemnização devida pela falta de restituição do
empréstimo relativamente ao tempo de mora mais do que o correspondente a 7% ou 9% acima dos juros legais, conforme exista
ou não garantia real.
3. Se a taxa de juros estipulada ou o montante da indemnização exceder o máximo fixado nos números precedentes,
considera-se reduzido a esses máximos, ainda que seja outra a vontade dos contraentes.
4. 0 respeito dos limites máximos referidos neste artigo não obsta à aplicabilidade dos artigos 282.° a 284.°

Art. 559º-A (Juros usurários)


É aplicável o disposto no artigo 1146.° a toda a estipulação de juros ou quaisquer outras vantagens em negócios ou actos de
concessão, outorga, renovação, desconto ou prorrogação do prazo de pagamento de um crédito e em outros análogos.

Capítulo III - Nulidade e anulabilidade do negócio jurídico

O negócio jurídico perfeito subsiste na ordem jurídica (é válido), e produz os seus efeitos próprios, queridos pelas partes
(é eficaz).
A validade do negócio jurídico é aferida em função da sua estrutura interna, da perfeição dos elementos que o
compõem. A eficácia é aferida duma perspectiva externa, em função dos efeitos que o negócio produz.
Por vezes os negócios jurídicos não produzem quaisquer efeitos - diz-se que são absolutamente ineficazes, ou sofrem de
ineficácia absoluta. Outras vezes, os negócios não produzem efeitos só relativamente a certas pessoas. São ineficácias relativas,
ou inoponibilidades.
O oposto da validade, a invalidade, pode revestir 3 modalidades: a inexistência jurídica, a nulidade e a anulabilidade.
A inexistência jurídica é a forma mais grave de invalidade, embora haja autores que lhe negam autonomia. O nosso
Código Civil refere expressamente esta figura no artigo 1628º, a propósitos dos casos em que o casamento é havido como
inexistente. O regime da inexistência jurídica caracteriza-se por :
- Não produção de quaisquer efeitos;
- Poder ser invocada por qualquer pessoa, a todo o tempo.
As restantes modalidades vão ser analisadas com mais algum pormenor.

1. Nulidade

Tanto a nulidade como a anulabilidade são consequências da falta ou viciação de um elemento do negocio jurídico, no
momento da sua celebração. Distinguem-se uma da outra pelos seguintes aspectos:
- Quem pode arguir o vício
32
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
- Quando pode ser arguida
- Como pode ser arguida
No caso da nulidade, o tratamento destes 3 aspectos é o seguinte:
Quem - Qualquer interessado (artº 286º)
Quando - A todo o tempo (idem)
Como - A nulidade opera por si, não necessita de ser declarada. Pode ser reconhecida pelos tribunais oficiosamente, isto é, sem
necessidade de ser invocada por qualquer das partes.
Os efeitos, tanto da nulidade como da anulabilidade, são os previstos nos artigos 289º a 291º do Código Civil:
Art. 289.° (Efeitos da declaração de nulidade e da anulação)
1. Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver
sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
2. Tendo alguma das partes alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, e não podendo tornar-se efectiva contra o
alienante a restituição do valor dela, fica o adquirente obrigado em lugar daquele, mas só na medida do seu enriquecimento.
3. É aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos artigos
1269.° e seguintes.

Art. 290.° (Momento da restituição)


As obrigações recíprocas de restituição que incumbem às partes por força da nulidade ou anulação do negócio devem ser
cumpridas simultaneamente, sendo extensivas ao caso, na parte aplicável, as normas relativas à excepção de não cumprimento
do contrato.

Art. 291.° (Inoponibilidade da nulidade e da anulação)


1. A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não
prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for
anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.
2. Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à
conclusão do negócio.
3. É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo
ou anulável.

2. Anulabilidade

Quem pode arguir a anulabilidade? Segundo o disposto no artº 287º, nº 1, só têm legitimidade para arguir a invalidade
as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece.
Quando pode ser arguida a anulabilidade? Dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento,
diz o nº 1 do artº 287º. Adianta o nº 2 do mesmo artigo que "enquanto, porém, o negócio não estiver cumprido, pode a
anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção."
Como pode ser arguida a anulabilidade? Ao contrário da nulidade, a anulabilidade não pode ser declarada oficiosamente
pelo tribunal, tem que ser invocada pelas partes. A arguição pode ser feita por via de acção (A, que obrigado a entregar certa
coisa com base em contrato anulável, propõe uma acção contra a outra parte, pedindo que seja declarado anulado o contrato), ou
por via de excepção (A não entregou a coisa a que estava obrigado, foi demandado pela outra parte em tribunal, e defende-se por
excepção arguindo a anulabilidade do contrato).
Nem sempre a lei usa os termos nulidade e anulabilidade associando-lhes estes regimes dos artigos 287º e seguintes. Por
vezes, o legislador atribui a certos casos de nulidade partes do regime da anulabilidade e vice-versa. Surgem assim situações de
invalidades mistas. O artigo 968º do Código Civil prevê um caso de doação nula, em que a nulidade pode ser sanada por
confirmação. O artº 243º prevê casos de nulidade só arguível por certas pessoas contra certas pessoas. O artigo 1640º nº 1 prevê
uma situação de anulabilidade de casamento por simulação, onde é reconhecida legitimidade para a arguir a qualquer pessoa
prejudicada.
Por vezes os actos apresentam-se viciados, mas a gravidade de tais vícios não é suficiente para gerar a sua invalidade. A
lei associa a aplicação de sanções à verificação de tais vícios, mas os negócios não deixam de ser válidos. Nestas situações fala-se
em irregularidades. O Código Civil prevê várias situações de irregularidade em matéria de casamento, estando as sanções
previstas nos artigos 1649º e 1650º.

3. Confirmação

Por vezes, é possível eliminar o vício que afecta a validade do negócio jurídico. Nos casos de anulabilidade, já vimos
que o mero decurso do tempo pode sanar o vício, ou tornar inatendível a sua arguição. O direito de invocar a anulabilidade
caduca.
Outras vezes é possível fazer verificar posteriormente à celebração do negócio um requisito que faltava originalmente,
para que ele fosse válido. Nestes casos fala-se em validação do negócio, ou convalidação, para usar a expressão do artº 895º do

33
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
Código Civil. A venda de bens alheios é nula. Mas se o vendedor adquirir a coisa vendida, o contrato convalida-se, e a
propriedade da coisa transfere-se para o comprador.
A lei reconhece expressamente a possibilidade de confirmar os negócios anuláveis, no artº 288º. Reconhece esta
faculdade às mesmas pessoas a quem reconhece o direito de invocar a anulabilidade. A confirmação é, em si mesma, um negócio
jurídico unilateral.

4. Redução

O problema da redução do negócio jurídico está relacionado com situações em que um vício afecta apenas um elemento
ou uma parte do negócio. Deverá esse vício inquinar o negócio todo, ou deverá antes salvar-se a parte não inquinada? Sobre este
problema dispõe o artº 292º do Código Civil:
"A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido
concluído sem a parte viciada."
Para se saber se as partes teriam concluído, ou não, o negócio sem a parte viciada, recorre-se à vontade conjectural ou
hipotética das partes.
Mota Pinto defende que em certos casos, deve ser admitida a redução, mesmo se não fosse essa a vontade conjectural
das partes. Refere este professor 21:
Note-se, porém, que, por vezes a redução deve ter lugar, mesmo que a vontade hipotética fosse no sentido da invalidade total.
Assim:

a) quando a invalidade parcial resultar da infracção de uma norma destinada a proteger uma parte contra a outra. Haverá
redução, mesmo que haja vontade, hipotética ou real, em contrário. Trata-se de uma «redução teleológica», no sentido de ser
determinada pela necessidade de alcançar plenamente as finalidades visadas pela norma imperativa infringida. Suponha-se, p.
ex., um arrendamento em que a renda estipulada é superior ao montante estabelecido por um diploma que cria uma categoria
de rendas limitadas. Outros casos em que o contrato deve permanecer válido e eficaz, sem a cláusula violadora de uma norma
destinada a proteger uma parte contra a supremacia da outra, pois de outro modo frustrar-se-ia a finalidade protectora da
referida norma, são, p. ex., os contratos de arrendamento, onde se inseriram cláusulas prevendo fundamentos de denúncia ou
de resolução pelo senhorio (nulas por força dos arts. 1093.° e 1095.°), os contratos de venda de bens com violação de tabelas
legais de preços, os contratos constitutivos de obrigações onde se incluíram cláusulas de exoneração de responsabilidade,
nulas por cobrirem mesmo o não cumprimento doloso, etc. O contrato deve manter-se parcialmente válido, mesmo que a
vontade, real ou hipotética, de uma das partes seja em sentido contrário, isto é, mesmo que essa parte não tivesse contratado
senão nas condições correspondentes à infracção da norma imperativa, dirigida a proteger a outra contra a exploração, o
logro ou a insegurança. Um caso deste tipo, expressamente regulado na lei, no sentido exposto, é o do artigo 1146.° do novo
Código (mútuo usurário; cfr. o n.° 3 daquela disposição), caso em que, muitas vezes, a vontade hipotética do mutuante seria no
sentido da invalidade total.
b) quando, verificada a invalidade parcial, seja conforme boa fé, numa apreciação actual, que o restante conteúdo do negócio
se mantenha, ainda que a vontade hipotética, reportada ao momento da conclusão do negócio, fosse diversa. Esta solução
fundar-se- à nos critérios constantes do artigo 239.° (aí se impõe a observância dos ditames da boa fé no problema da
integração do negócio jurídico, sendo inegável que o problema da redução se pode reconduzir a um problema de integração,
pois as partes podiam ter resolvido expressamente o problema, se o tivessem previsto); podem invocar-se também o artigo 762.°
e, em última análise, a cláusula geral do artigo 334.° .
c) nos contratos de adesão, verificada a nulidade de certas cláusulas por violarem o artigo 280.o (2), não é nulo todo o
contrato, entrando o direito supletivo no lugar das cláusulas nulas; e essa a única solução favorável ao interesse da parte que
não elaborou os dispositivos contratuais e é esse interesse que está na base da nulidade das cláusulas.

5. Conversão

O problema da conversão coloca-se no caso de invalidade total, e não de invalidade parcial como na redução. Refere-se
à conversão o artigo 293º do Código Civil:
"O negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos
essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se
tivessem previsto a invalidade."
Luis A. Carvalho Fernandes apresenta os seguintes exemplos de conversão22:
a)--contrato de compra e venda de coisa imóvel constante de documento particular, em contrato-promessa de compra e venda,
o qual pode ser fundamento da obrigação de indemnização nos termos dos art.°s 440.° e 442.° do Cod. Civ., ou de execução
específica (art.° 830.° do mesmo Código);

21Obra citada, pag. 482.

22Teoria Geral do Direito Civil, volume II, AAFDL, 1983, pag. 504.
34
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
b)--contrato de compra e venda em que o comproprietário vende parte especificada da coisa, em contrato de alienação da sua
parte ideal (cf. art.°s 1408.°, n.°s 1 e 2, do Cód. Civ.)
c)--contrato de sociedade, em que os sócios entrem com bens imóveis, que seja nulo por falta de forma, em contrato de
sociedade em que à sociedade venha a caber o simples uso e fruição desses bens (art.°s 981.°, n.°s 1 e 2, do Cód. Civ.);
d)--contrato de sociedade cujo objecto seja de mera fruição(artº 980.° do Cód. Civ.) em contrato de constituição de
compropriedade.

PARTE IV - Notas sobre contratos

Capítulo I - Fontes das obrigações

A expressão fonte das obrigações designa o conjunto de factores que são susceptíveis de lhes dar origem.
Tal como foi referido a propósito da expressão fontes de direito, também as fontes das obrigações podem ser entendidas
segundo várias perspectivas, podendo falar-se em fontes económicas, sociais, históricas, etc.
O Código Civil Português, no Capítulo II (Fontes das obrigações) do Título I (Das obrigações em geral) do Livro II
(Direito das obrigações), trata sucessivamente das seguintes secções:
I - Contratos
II - Negócios unilaterais
III - Gestão de negócios
IV - Enriquecimento sem causa
V - Responsabilidade civil
Menezes Cordeiro apresenta o seguinte quadro de fontes das obrigações23:
- unilaterais
lícitos
- contratuais
actos
ilícitos - delitos
Fontes
- responsabilidade civil
factos - gestão de negócios
- enriquecimentos sem causa
- relações contratuais de facto

Capítulo II - Contratos

1. Noção e modalidades

1.1 - Noção

O Código Civil de Seabra, que o actual Código Civil substituiu, continha no seu artº 641º uma noção de contrato
concisa:
"Contrato é o acordo, por que duas ou mais pessoas transferem entre si algum direito, ou se sujeitam a alguma
obrigação."
A doutrina tem construído outras definições de contrato. Por exemplo para Ana Prata 24
"Contrato é a convenção pela qual duas ou mais pessoas constituem, regulam, modificam ou extinguem relações
jurídicas, regulando, assim, juridicamente os seus interesses."
Para Antunes Varela25, "diz-se contrato o acordo vinculativo, assente sobre duas ou mais declarações de vontade
(oferta ou proposta, de um lado; aceitação, do outro), contrapostas mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam
estabelecer uma regulamentação unitária de interesses."

1.2. - Modalidades

Contratos formais e consensuais


Contratos formais são aqueles para cuja perfeição a lei impõe determinada forma.

23Direitodas obrigações, 1º vol., AAFDL, 1980, pag. 405.


24Dicionário Jurídico, Morais Editores, 1980, pag 135.
25Das obrigações em geral, 1º vol., 3ª edição, Almedina, pag. 199.
35
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
Contratos consensuais são aqueles que se podem concluir por simples consenso, para cuja perfeição a lei não impõe
nenhuma forma especial.
O princípio geral vigente no Direito português é o da consensualidade, expresso no artº 219º do Código Civil:
"A validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir."
As duas formas especiais que a lei, por vezes, impõe são a forma escrita e a escritura pública. Exemplos, extraídos do
Código Civil:
Art. 1143.° (Forma)26

Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a €25.000 só é válido se for celebrado por
escritura pública ou por documento particular autenticad, e o de valor superior a € 2500 se o for por documento assinado pelo
mutuário.

Art. 410.° (Regime aplicável)

1. A convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato
prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-
promessa.
2. Porém, a promessa relativa à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só
vale se constar de documento assinado pelo pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja
unilateral ou bilateral.
3. ...

Contratos nominados e inominados


Os contratos dizem-se nominados quando são expressamente mencionados na lei pelo seu nome
Contratos típicos e atípicos
Os contratos são típicos quando a sua regulamentação consta da lei e atípicos quando tal não sucede.
A regulamentação dos contratos pode ser injuntiva, quando a vontade das partes não a pode afastar, ou supletiva, no
caso contrário.
Os contratos nominados são, em regra, simultaneamente típicos: quando a lei refere um contrato pelo seu nome, em
regra, associa-lhe um determinado regime.

Contratos reais
São aqueles cuja perfeição exige a entrega duma coisa. São exemplos o penhor (não mercantil)

Art. 669.° (Constituição do penhor)


1. 0 penhor só produz os seus efeitos pela entrega da coisa empenhada, ou de documento que confira a exclusiva
disponibilidade dela, ao credor ou a terceiro.
2. A entrega pode consistir na simples atribuição da composse ao credor, se essa atribuição privar o autor do penhor da
possibilidade de dispor materialmente da coisa.

o comodato,
Art. 1129.° (Noção)

Comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela,
com a obrigação de a restituir.

o mútuo
Art. 1142.° (Noção)

Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a
restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.

o depósito
Art. 1185.° (Noção)

Depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra urna coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua
quando for exigida.

26 A actual redacção foi introduzida pelo DL n.° 190/85, de 24/6


36
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
Estes são contratos reais quanto à constituição, em que a tradição duma coisa é condição da sua perfeição. Também se
fala em contratos reais quanto aos efeitos, para designar aqueles contratos que produzem efeitos reais, por oposição aos contratos
familiares, obrigacionais ou sucessórios.
Contratos sinalagmáticos e não sinalagmáticos
Os primeiros dão lugar a obrigações recíprocas, sendo ambas as partes, simultaneamente, devedores e credoras de
prestações e contraprestações.
Nos contratos não sinalagmáticos uma das partes fica na posição de credora e a outra de devedora.

Contratos monovinculantes e bivinculantes


Os contratos são monovinculantes quando vinculam apenas uma das partes, quando deles emergem obrigações apenas
para uma das partes.

Contratos onerosos e gratuitos


Um contrato é oneroso quando ambas as partes suportam um esforço económico, e obtêm vantagens correlativas.
Os contratos são gratuitos quando só uma das partes obtém vantagens, e outra sacrifícios.
Os exemplos típicos destes tipos de contratos são a compra e venda, contrato oneroso, e a doação, contrato gratuito.
Há contratos que podem ser gratuitos ou onerosos, conforme o estipulado pelas partes. Exemplos:
Art. 1158.° (Gratuidade ou onerosidade do mandato)

1. 0 mandato presume-se gratuito, excepto se tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão; neste caso,
presume-se oneroso.
2. Se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas
profissionais; na falta destas, pelo usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade.

Art. 1186.° (Gratuidade ou onerosidade do depósito)

É aplicável ao depósito o disposto no artigo 1 158.°

Contratos puros e mistos


No âmbito do princípio da liberdade contratual, as partes podem celebrar contratos típicos ou atípicos, nominados ou
inominados e misturar, num mesmo contrato, elementos típicos de diferentes contratos regulados por lei. Quando assim
acontece, num mesmo contrato são mesclados elementos típicos de contratos diferentes, temos um contrato misto.
Estes contratos mistos levantam problemas quando à definição das normas que os regulam, até porque nesta designação
genérica de contratos mistos ainda é possível surpreender diferentes combinações:
- Contratos múltiplos ou combinados - uma das partes obriga-se a prestações típicas de vários contratos, enquanto a outra se
obriga a uma única prestação.
- Contratos duplos - uma das partes efectua uma prestação típica de um contrato, enquanto a outra parte efectua uma
contraprestação típica de outro tipo contratual.
- Contratos mistos «strictu sensu» - um contrato serve de instrumento para obter os efeitos de outro (obtêm-se os efeitos da
doação através duma compra e venda a preço reduzido, por ex.).
- Contratos complementares - há um contrato principal e, acessoriamente, uma das partes vincula-se a prestações típicas de outro
contrato.
Para lá da mescla de prestações típicas de diferentes contratos num só, que é um contrato misto, há ainda situações de
uniões de contratos, quando entre vários contratos, que não perdem a sua individualidade, existem relações de interconexão.

Contratos aleatórios e não aleatórios


Um contrato diz-se aleatório quando no momento da sua celebração se desconhecem as vantagens que dele podem
decorrer para uma das partes. É o caso dos contratos de seguro automóvel.

2. Princípio da liberdade contratual

Toda a regulamentação dos contratos está, na lei portuguesa, impregnada dum princípio base: o da liberdade contratual,
enunciado no artº 405º do Código Civil.
Art. 405.° (Liberdade contratual)
1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos
diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que Ihes aprouver.
2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.
A liberdade contratual é corolário do princípio da autonomia da vontade, que tem um âmbito mais vasto, e que significa
os poderes que os particulares têm de fixar, por si próprios, a regulamentação dos seus interesses.

37
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
A liberdade contratual abrange a liberdade de celebração e a liberdade de estipulação. A liberdade de celebração
consiste na possibilidade de agir em concreto, celebrando ou não um contrato, elaborando ou não um testamento, etc. A
liberdade de estipulação identifica-se com a possibilidade de determinar em concreto quais os efeitos jurídicos a produzir: quais
as cláusulas de um contrato, qual o conteúdo de um testamento.
A autonomia privada assenta na liberdade e na igualdade. Tanto uma como outra sofrem limitações. Podem ser
limitadas pela ignorância das partes, pela utilização de meios que modifiquem a vontade das partes, ou pelo desnível económico
entre as partes. Algumas das situações em que ocorrem estas limitações à autonomia da vontade estão previstas na lei e já for am
referidas: a coacção, o dolo, a incapacidade acidental.
O desnível económico, ou de conhecimentos jurídicos, existem nos chamados contratos de adesão: uma das partes
submete um contrato à outra, que se limita a aceitá-lo ou recusá-lo, sem poder introduzir-lhe alterações. São contratos
caracterizados pela generalidade (são preparados com vista a serem concluídos por uma generalidade de pessoas e não uma
pessoa em concreto) e pela rigidez (o contrato não é negociável, uma das partges aceita ou recusa com a formulação pré-
definida). Os contratos de adesão têm uma regulamentação específica no direito português desde 1985, com o Decreto-Lei nº
446/85, de 25 de Outubro, cujo preâmbulo se transcreve pelo seu interesse:
"1. Constitui a liberdade contratual um dos princípios básicos do direito privado. Na sua plena acepção, ela postula
negociações preliminares íntegras, ao fim das quais as partes, tendo ponderado os respectivos interesses e os diversos meios de
os prosseguir, assumem, com discernimento e liberdade, determinadas estipulações.
A essa luz, uma boa medida do direito dos contratos possui natureza supletiva: as normas legais apenas se aplicam quando os
intervenientes, no exercício legítimo da sua autonomia privada, as não tenham afastado. Por expressivo, recorde-se que o
artigo 405º, n.° 1, do Código Civil reconhece às partes a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar
contratos diferentes dos previstos na lei ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.

2. Dentro da visão clássica da autonomia contratual, os grandes obstáculos à sua efectivação residiam na ausência concreta de
discernimento ou de liberdade, a respeito da celebração, ou, ainda, na presença de divergências entre a vontade real e a
vontade declarada. Encararam-se tais aspectos com recurso aos institutos do erro, do dolo, da falta de consciência da
declaração, da coacção, da incapacidade acidental, da simulação, da reserva mental ou da não seriedade da declaração.
Uma experiência jurídica antiga também demonstrou que certas cláusulas, quando inseridas em contratos, se tornavam nocivas
ou injustas. Deste modo, apareceram proibições relativas, entre outros, aos negócios usurários, aos pactos leoninos, aos pactos
comissórios e, em termos mais genéricos, aos actos contrários à lei, à ordem pública ou aos bons costumes.
Assim acautelada, a liberdade contratual assumiu uma importância marcante, com dimensões jurídicas, económicas, sociais c
culturais. Importância que se conserva nos nossos dias.

3. As sociedades técnicas e industrializadas da actualidade introduziram, contudo, alterações de vulto nos parâmetros
tradicionais da liberdade contratual. A negociação privada, assente no postulado da igualdade formal das partes, não
corresponde muitas vezes, ou mesmo via de regra, ao concreto da vida. Para além do seu nível atomístico, a contratação
reveste-se de vectores colectivos que o direito deve tomar em conta. O comércio jurídico massificou-se: continuamente, as
pessoas celebram contratos não precedidos de qualquer fase negociatória. A prática jurídico-económica racionalizar-se e
especializou-se: as grandes empresas uniformizam os seus contratos, de modo a acelerar as operações necessárias à colocação
dos produtos e a planificar, nos diferentes aspectos, as vantagens e as adstrições que lhes advêm do tráfico jurídico.
O fenómeno das cláusulas contratuais gerais fez, em suma, a sua aparição, estendendo-se aos domínios mais diversos. São
elaborados, com graus de minúcia variáveis, modelos negociais a que pessoas indeterminadas se limitam a aderir, sem
possibilidade de discussão ou de introdução de modificações. Daí que a liberdade contratual se cinja, de facto, ao dilema da
aceitação ou rejeição desses esquemas predispostos unilateralmente por entidades sem autoridade pública, mas que
desempenham na vida dos particulares um papel do maior relevo.

4. As cláusulas contratuais gerais surgem como um instituto à sombra da liberdade contratual. Numa perspectiva jurídica,
ninguém é obrigado a aderir a esquemas negociais de antemão fixados para uma série indefinida de relações concretas. E,
fazendo-o, exerce uma autonomia que o direito reconhece e tutela.
A realidade pode, todavia, ser diversa. Motivos de celeridade e de precisão, a existência de monopólios, oligopólio e outras
formas de concertação entre as empresas, aliados à mera impossibilidade, por parte dos destinatários, de um conhecimento
rigoroso de todas as implicações dos textos a que adiram, ou as hipóteses alternativas que tal adesão comporte, tornam viáveis
situações abusivas e inconvenientes. O problema da correcção das cláusulas contratuais gerais adquiriu, pois, uma flagrante
premência. Convirá, no entanto, reconduzi-lo às suas autênticas dimensões.

5. Apresentam-se as cláusulas contratuais gerais como algo de necessário, que resulta das características e amplitude das
sociedades modernas. Em última análise, as padronizações negociais favorecem o dinamismo do tráfico jurídico, conduzindo a
uma racionalização ou normalização e a uma eficácia benéficas aos próprios consumidores. Mas não deve esquecer-se que o
predisponente pode derivar do sistema certas vantagens que signifiquem restrições, despesas ou encargos menos razoáveis ou
iníquos para os particulares.
Ora, nesse quadro, as garantias clássicas da liberdade contratual mostram-se actuantes apenas em casos extremos: o postulado
da igualdade formal dos contratantes não raro dificulta, ou até impede, uma verdadeira ponderação judicial do conteúdo do

38
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
contrato, em ordem a restabelecer, sendo caso disso, a sua justiça e a sua idoneidade. A prática revela que a transposição da
igualdade formal para a material unicamente se realiza quando se forneçam ao julgador referências exactas, que ele possa
concretizar.

6. Código Civil vigente consagra em múltiplas disposições o princípio da boa fé. Deu-se um passo decisivo no sentido de
estimular ou habilitar os tribunais a intervenções relativas ao conteúdo dos contratos, com vista à salvaguarda dos interesses
da parte negocialmente mais fraca. Através da boa fé, o intérprete dispõe de legitimidade para a efectivação de coordenadas
fundamentais do direito. O apelo ao conceito de ordem pública é um outro alicerce.
Sabe-se, contudo, que o problema das cláusulas contratuais gerais oferece aspectos peculiares. De tal maneira que sem normas
expressas dificilmente se consegue uma sua fiscalização judicial eficaz. Logo, a criação de instrumentos legislativos
apropriados à matéria reconduz-se à observância dos imperativos constitucionais de combate aos abusos do poder económico e
de defesa do consumidor. Acresce a recomendação que, vai para nove anos, o Conselho da Europa fez, nesse sentido, aos
Estados Membros.

7. Na elaboração deste diploma atendeu-se aos precedentes estrangeiros, que se multiplicam, assim como aos ensinamentos
colhidos da aplicação e da crítica de tais experiências. Também se ponderaram as directrizes dimanadas do Conselho da
Europa. Mas houve a preocupação de evitar um reformismo abstracto, quer dizer, que desconhecesse as facetas da realidade
portuguesa.
E certo que o problema não tem, entre nós tradições assinaláveis. Apenas se detectam alguns raros preceitos, mais ou menos
vagos e dispersos, mormente voltados para uma fiscalização prévia de índole administrativa. Os arestos dos tribunais, quanto
se apurou, são escassos e pouco expressivos. A prática dos contratos nada revela de específico.
Entretanto, a nossa doutrina mais recente Põe em destaque inequívoco a acuidade do tema. Aí se encontrou estímulo para um
articulado desenvolto, inclusive, abrangendo situações que ultrapassam os meros consumidores ou utentes finais de bens e
serviços. Encarou-se a questão das cláusulas contratuais gerais com abertura. A jurisprudência e à dogmática jurídica
pertence extrair todas as virtualidades dos dispositivos legais agora sancionados. Aquelas não ficam, de resto, como se impõe,
encerradas num sistema rígido que tolha a consideração de novas situações e valorações de interesses, resultantes da natural
evolução da vida.
Face aos resultados apurados com base na efectiva aplicação do presente diploma, encarar-se- à a hipótese de ser criado um
serviço de registo das cláusulas contratuais gerais. Destinar-se- à esse serviço a assegurar a publicidade das que forem
elaboradas, alteradas ou proibidas por decisão transitada em julgado.
A importância, a novidade e a complexidade do presente diploma são óbvias. Em decorrência, consagra-se um período de
vacatio mais longo do que o geralmente previsto."

3. Princípio da boa fé. .A responsabilidade pré contratual

Na linguagem corrente, é considerado de boa fé o sujeito que adopta o comportamento considerado socialmente
correcto.
Inocêncio Galvão Teles27 identifica a boa fé com o dever de lealdade e correcção com que tanto o devedor como o
credor devem proceder, o primeiro no cumprimento da sua obrigação, o segundo no exercício do seu direito. E relaciona o
princípio da boa fé com a proibição do abuso de direito, constante do artº 334º do Código Civil:
"É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons
costumes ou pelo fim económico e social desse direito."
Os comportamentos impostos pelo direito, para respeito da boa fé, correspondem a normas jurídicas, a direito objectivo.
Estas normas traduzem um sentido de boa fé a que se pode chamar objectivo.
Estas normas podem ser violadas, como quaisquer outras, e os sujeitos a quem elas se dirigem podem aderir aos seus
comandos ou não. Esta adopção ou recusa dos comportamentos impostos pela boa fé objectiva corresponde à boa ou má fé
subjectiva.
O nosso código civil contem mais de setenta artigos com referências à boa fé. Estas referências podem reconduzir-se a 4
grupos de situações:
a) A boa fé é equiparada à falta de consciência de lesar direitos ou interesses alheios. É, por exemplo, o sentido que resulta do nº
1 do artº 1260º: "A posse diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, o direito de outrem."
b) Noutros casos, a boa fé resulta da confiança na aparência duma relação que legitima a parte contrária a dispor de um direito.
É da boa fé referida no nº 3 do artigo 291º:
1. A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não
prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for
anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.
2. Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à
conclusão do negócio.

27Direito das Obrigações, 6ª Edição, Coimbra Editora, pag. 13.


39
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
3. É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo
ou anulável.
c) Noutros casos, a boa fé é equiparada a lealdade de comportamento na conclusão dos negócios jurídicos. É exemplo o disposto
no artº 227º:
"1. Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder
segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que causar à outra parte."
d) Finalmente, noutro grupo de casos, a boa fé aparece como critério de interpretação e integração dos negócios jurídicos, ou da
actuação dos sujeitos. Como exemplo, temos a referência feita no artº 239º:
"Na falta de disposição especial em contrário, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as
partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução
por eles imposta."
É também o sentido de boa fé previsto no nº 2 do artº 762º: "No cumprimento da obrigação, assim como no exercício
do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé." E é este, apenas, o sentido de boa fé a que se refere Galvão
Teles, na obra citada.
Os exemplos acima referidos correspondem a referências explícitas à boa fé. Por vezes a nossa lei faz-lhe referências
implícitas. O nº 2 do artigo 996º dispõe o seguinte:
"Quando não estiverem sujeitas a registo, as deliberações sobre a extinção ou modificação dos poderes dos administradores
não são oponíveis a terceiros que, sem culpa, as ignoravam ao tempo em que contrataram com a sociedade; ..."
A expressão "a terceiros que, sem culpa, as ignoravam ao tempo em que contrataram com a sociedade; " poderia ser
substituída por "a terceiros de boa fé". O artigo 179º, que prevê uma situação algo similar, dispõe simplesmente: "A anulação
das deliberações da assembleia não prejudica os direitos que terceiro de boa fé haja adquirido em execução das deliberações
anuladas."

4. Formação dos contratos

O contrato deriva do encontro de duas vontades, e considera-se celebrado, perfeito, a partir de determinado momento.
Mas este momento pode ter sido precedido por um processo de formação do contrato, mais ou menos longo, integrado por
eventos que têm, por si, relevância jurídica. Estes actos constituem a fase das negociações, ou preliminares, que pode não existir
nos casos de contratos simples (compra de legumes no mercado), ou dos contratos de adesão.
Por vezes, a fase das negociações leva à celebração de verdadeiros contratos autónomos, embora preparatórios de outros.
São exemplo os contratos-promessa, previstos nos artigos 410º e seguintes do Código Civil.
Na generalidade dos casos, o acordo de vontades resulta de dois actos distintos:
- a proposta contratual - uma declaração feita por uma das partes (o proponente) que, uma vez aceite pela outra, dá lugar à
formação do contrato.
- a aceitação.
A declaração do proponente, para valer como proposta contratual, deve preencher 3 requisitos:
1 - Deve ser completa
2 - Deve revelar uma vontade inequívoca de contratar
3 - Deve revestir a forma exigida para o contrato em causa.
No estudo dos efeitos da proposta, há que distinguir consoante a proposta é feita a uma contraparte presente ou ausente.
Na celebração de contratos entre presentes, a aceitação ou recusa é imediata. Na celebração de contratos entre ausentes, entre a
emissão da proposta (por carta, fax, telex, etc.) e a sua recusa ou aceitação, medeia um espaço de tempo, mais ou menos
alargado. A proposta é, por si, um negócio jurídico unilateral, de que emergem efeitos jurídicos. Tais efeitos encontram-se
regulados nos artigos 224º e seguintes do código civil.
O efeito principal da proposta contratual é o de constituir o destinatário no direito potestativo de, aceitando-a, concluir o
contrato.
A proposta levanta ainda problemas quanto a:
- Momento da produção de efeitos
Sobre este problema dispõe o artº 224º:
Art. 224.° (Eficácia da declaração negocial)

1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras,
logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.
2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.
3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz.
- Duração da validade da proposta
A solução deste problema consta do artº 228º:
Art. 228.° (Duração da proposta contratual)

1. A proposta de contrato obriga o proponente nos termos seguintes:

40
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
a) Se for fixado pelo proponente ou convencionado pelas partes um prazo para a aceitação, a proposta mantém-se ate o prazo
findar;
b) Se não for fixado prazo, mas o proponente pedir resposta imediata, a proposta mantém-se até que, cm condições normais,
esta e a aceitação cheguem ao seu destino;
c) Se não for fixado prazo e a proposta for feita a pessoa ausente ou, por escrito, a pessoa presente, manter-se- à até cinco dias
depois do prazo que resulta do preceituado na alínea precedente.
2. O disposto no número anterior não prejudica o direito de revogação da proposta nos termos em que a revogação é admitida
no artigo 230.°
- Quando se extingue a proposta
A extinção da proposta pode advir, entre outros, dos seguintes factos:
- decurso do prazo
- revogação
- decisão judicial
- rejeição
- aceitação
O decurso do prazo, fixado contratualmente ou pela lei, faz extinguir a proposta, por caducidade.
A revogação é possível nas condições fixadas pelo artº 230º:
Art. 230.° (Irrevogabilidade da proposta)

1. Salvo declaração em contrário, a proposta de contrato é irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele
conhecida.
2. Se, porém, ao mesmo tempo que a proposta, ou antes dela, o destinatário receber a retractação do proponente ou tiver por
outro meio conhecimento dela, fica a proposta sem efeito.
3. A revogação da proposta, quando dirigida ao público, é eficaz, desde que seja feita na forma da oferta ou em forma
equivalente.
A decisão judicial poderá acarretar a extinção da proposta nos casos em que o proponente, não tendo fixado prazo de
validade, recorra ao tribunal para a fixação de prazo, por aplicação analógica do disposto no artº 411º.
A aceitação ou rejeição da proposta pelo destinatário também implicam a sua extinção.
Outros casos de extinção da proposta serão a morte ou incapacitação do destinatário (artº 231º nº 2), ou a morte ou
incapacitação do proponente (nº 1 do mesmo artigo), por ilegitimidade superveniente do proponente (nº 2 do artº 226º), etc.
A oferta ao público, oferta caracterizada pelo facto de ser dirigida a uma generalidade de pessoas, merece uma menção
especial. O código civil refere-a para consagrar o seu regime de revogação, no nº 3 do artº 230º acima transcrito. A oferta ao
público é sempre susceptível de revogação pelo seu autor, desde que a revogação revista a forma da oferta.
Aceite a proposta, o contrato considera-se celebrado. Mas a aceitação também deve obedecer a certos requisitos:
- Deve traduzir uma vontade inequívoca e uma concordância total
- Deve revestir a forma exigida para o contrato.
Quanto ao momento a partir do qual produz efeitos, aplicam-se à aceitação as regras do artº 224º.
Se a aceitação começar a produzir efeitos depois de extinta a oferta, aplica-se o disposto no artº 229º:
Art. 229.° (Recepção tardia)

1. Se o proponente receber a aceitação tardiamente, mas não tiver razões para admitir que ela foi expedida fora de tempo, deve
avisar imediatamente o aceitante de que o contrato se não concluiu, sob pena de responder pelo prejuízo havido.
2. O proponente pode, todavia, considerar eficaz a resposta tardia, desde que ela tenha sido expedida em tempo oportuno; em
qualquer outro caso, a formação do contrato depende de nova proposta e nova aceitação.
Quanto à revogação da aceitação, rege o artigo 235 nº 2: "A aceitação pode ser revogada mediante declaração que, ao
mesmo tempo, ou antes dela, chegue ao poder do proponente ou seja deste conhecida."
A rejeição é o acto jurídico pelo qual o destinatário renuncia ao direito potestativo de concluir o contrato. Pode ser
expressa ou tácita.
Equivale a rejeição "A aceitação com aditamentos, limitações ou outras modificações importa rejeição da proposta;
mas, se a modificação for suficientemente precisa, equivale a nova proposta, contanto que outro sentido não resulte da
declaração." (artº 233º)

5. Efeitos dos contratos

Uma vez celebrados validamente os contratos, estes tornam-se vinculativos e produzem os efeitos que lhes são próprios.
Do disposto no artº 406º do Código Civil resulta que os contratos devem ser pontualmente cumpridos. A palavra
pontualmente não deve ser entendida apenas no sentido temporal, mas no sentido de que os contratos devem ser cumpridos ponto
por ponto.
O nº 2 do artº 406º estabelece a chamada relatividade dos contratos: os contratos em princípio só vinculam as partes.
Em relação a terceiros, os contratos só produzem efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.

41
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
Dos contratos podem emergir efeitos reais - constituição, modificação ou extinção de direitos sobre coisas. Sobre este
assunto dispõe o artº 408º:
"1. A constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as
excepções previstas na lei.
2. Se a transferência respeitar a coisa futura ou indeterminada, o direito transfere-se quando a coisa for adquirida pelo
alienante ou determinada com conhecimento de ambas as partes, sem prejuízo do disposto em matéria de obrigações genéricas
e do contrato de empreitada; se, porém, respeitar a frutos naturais ou a partes componentes ou integrantes, a transferência só
se verifica no momento da colheita ou separação."
Portanto, os efeitos dos contratos produzem-se, em regra, de imediato. Mas podem ser diferidos, pela aposição de
condições aos contratos. O artº 409º refere uma situação particular de diferimento da produção de efeitos: a venda com reserva de
propriedade.
6. Contrato promessa

Do disposto no artigo 410º do Código Civil extrai-se a noção de contrato promessa: a convenção pela qual alguém se
obriga a celebrar certo contrato.
É uma figura contratual muito utilizada quando as partes chegam a acordo sobre todas as condições do negócio, mas
não o podem celebrar de imediato: ou porque o contrato deve ser celebrado por escritura pública, cuja marcação e obtenção dos
documentos necessários para a instruir demora algum tempo; ou porque o comprador necessita de certo tempo para reunir os
fundos necessários para pagar o preço, etc.
O objecto do contrato promessa é uma prestação: a celebração do contrato prometido.
O contrato promessa pode vincular ambas as partes (sinalagmático), ou apenas uma. O nº 2 do artigo 410º refere-se a
estas modalidades como unilaterais ou bilaterais.
O mesmo artigo 410º manda aplicar ao contrato-promessa as disposições legais relativas ao contrato prometido.
Exceptua as relativas à forma e aquelas que, pela sua razão de ser, não devam ser consideradas extensivas ao contrato-promessa.
O contrato-promessa dá lugar a uma obrigação de facto jurídico: celebrar o contrato definitivo. Não devem ser
aplicáveis ao contrato-promessa, pela sua razão de ser, as disposições do contrato definitivo que imponham prestações de facto
material, ou de entrega de coisa. Não é aplicável à promessa de compra e venda, por exemplo, o disposto no artigo 879º.
No que se refere à forma, vale para o contrato promessa a regra da consensualidade, constante do artº 219º. No entanto,
se a lei exigir para o contrato prometido documento, quer autêntico, quer particular, o contrato promessa só vale se constar de
documento assinado pela parte que se vincula, ou por ambas, consoante o contrato-promessa for unilateral ou bilateral.
No caso da promessa unilateral em que o contrato não preveja um prazo dentro do qual a obrigação deve ser cumprida,
o artigo 411º prevê a possibilidade de recurso ao tribunal para que seja fixado tal prazo. Pretende-se evitar que o promitente
fique indefinidamente obrigado.
O artº 412º contem ainda normas especiais no que se refere à transmissão da posição dos promitentes: transmissão por
morte aos sucessores, excepto os direitos e obrigações que tiverem natureza pessoal; transmissão por acto entre vivos sujeita às
regras gerais.
O incumprimento do contrato-promessa pode dar origem à execução específica, prevista no artº 830º do Código Civil.

6. Gestão de negócios
A gestão de negócios vem prevista no artº 464º do Código Civil:
"Dá-se a gestão de negócios, quando uma pessoa assume a direcção de negócio alheio no interesse e por conta do respectivo
dono, sem para tal estar autorizado."
A palavra negócio não está aqui utilizada com o significado de negócio jurídico, mas com o significado corrente de
assunto. São exemplos de gestão de negócios:
- A, sem estar autorizado, vende frutos da propriedade de B, no interesse deste, porque os frutos estavam em vias de se perderem.
- C, sem estar autorizado, paga a contribuição autárquica de D, ausente no estrangeiro.
- E, advogado, intenta uma acção judicial em nome de F, para fazer valer um crédito deste que está prestes a prescrever.
O dono do negócio, a que se refere o artigo, também não tem o sentido técnico de proprietário, mas sim o de titular do
interesse que o gestor visa acautelar ou proteger.
Do artigo acima transcrito resulta que os requisitos da gestão de negócios são:
1 - O negócio deve ser alheio
2 - O gestor não deve estar mandatado, ou autorizado. Se o gestor estiver abrangido por normas que o habilitem a actuar, não há
gestão de negócios. Será o caso de:
- O gestor actuar ao abrigo de um contrato de mandato;
- O gestor estar habilitado com uma procuração;
- O gestor ter a obrigação de administrar, quer provenha da lei, de decisão judicial, etc.
- A actividade do gestor estar abrangida pela permissão de agir no âmbito da acção directa, prevista no artº 336º do Código
Civil;
- Ou da legítima defesa - artº 337º;
- Ou do estado de necessidade - artº 339º.

42
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
3 - A actuação do gestor ser no interesse do dono do negócio (a iniciativa da actuação deve ser no interesse do dono; o resultado
da actuação do gestor pode ser ou não).
A gestão pode ser representativa, se o gestor age em nome do dono do negócio, ou não representativa, se age em nome
próprio (embora no interesse do dono do negócio). Estas duas modalidade estão previstas no artigo 471º.
Da gestão de negócios podem emergir efeitos quanto ao gestor, quanto ao dono do negócio, e quanto a terceiros.
No que se refere ao gestor, os seus deveres constam do artº 465º. Segundo a alínea a) o gestor deve "conformar-se com
o interesse e a vontade, real ou presumível, do dono do negócio, sempre que esta não seja contrária à lei ou à ordem pública,
ou ofensiva dos bons costumes;"
Pode verificar-se uma divergência entre o interesse objectivo do dono do negócio e a sua vontade real ou presumida
(aquilo que ele queria, o seu interesse subjectivo). Se o gestor conhecer esta divergência deverá abster-se de agir, na medida em
que:
- Não pode prejudicar o dono do negócio, agindo contra o seu interesse, mesmo que ele assim queira;
- Não pode agir contra a vontade do dono do negócio, que é livre de prosseguir ou não os seus próprios interesses.
Se o gestor agir sem respeitar o interesse ou a vontade do dono do negócio, situação prevista no nº 2 do artº 466º,
aplica-se o disposto no nº 1: o gestor é obrigado a indemnizar pelos danos que causar.
As alíneas b) a e) do artº 465º estabelecem ainda, para o gestor, os seguintes deveres:
- de prestar contas
- de prestar informações
- de entregar tudo o que tiver recebido de terceiros
O artº 467º estabelece um regime de solidariedade para as obrigações dos gestores, quando tenham agido conjuntamente
dois ou mais.
O dono do negócio tem, por seu lado, os direitos correspondentes aos deveres assacados ao gestor, e atrás referidos:
- Que sejam respeitados os seus interesses e vontade;
- Que lhe sejam prestadas contas;
- Que lhe sejam prestadas informações relativas à gestão;
- Que lhe seja entregue tudo o que o gestor tenha recebido de terceiros.
Para além disto, o dono do negócio tem ainda os seguintes direitos:
- Ser indemnizado por todos os danos causados pelo gestor que agir com culpa, ou que interromper injustificadamente a gestão
(artº 466º);
- Aprovar, ou não, a gestão ;
- Ratificar, ou não, os actos praticados em nome dele;
- Exigir que sejam transferidos, para ele, todos os direitos adquiridos pelo gestor no exercício da gestão.
O dono do negócio tem também obrigações, que constituem a contrapartida de direitos do gestor.
a) Caso aprove a gestão, o dono do negócio deve:
- reembolsar o gestor das despesas por ele fundadamente julgadas indispensáveis, com juros legais (artº 469º e nº 1 do
artº 468º)
- indemnizar o gestor dos prejuízos que tiver sofrido (idem).
b) Caso não aprove a gestão, o dono do negócio deve:
- reembolsar e indemnizar o gestor, nos termos visto atrás, se este actuou de acordo com a vontade e o interesse do dono
do negócio (468º nº 1);
- responder perante o gestor segundo as regras do enriquecimento sem causa (artº 468º nº 2).
O gestor tem ainda direito a ser remunerado, se a gestão corresponder à actividade profissional do gestor. Caso
contrário, a gestão não dá direito a qualquer remuneração. (artº 470º).
Mas ao agir no interesse do dono do negócio, o gestor relaciona-se com terceiros. Pode celebrar com estes terceiros
contratos. Qual a situação jurídica destes contratos?
Se a gestão é representativa, isto é, se o gestor actuou em nome do dono do negócio, aplica-se o regime da representação
sem poderes regulada no artº 268º, por remissão do artº 471º:
- O terceiro pode revogar o o acto do gestor até à ratificação, salvo se conhecesse a falta de poderes do gestor (artº 268º nº 4)
- Se o dono do negócio ratificar o contrato, a ratificação tem eficácia retroactiva, e tudo se passa como se tivesse sido o don o do
negócio a contratar (sem prejuízo dos direitos de terceiro - artº 268º nº 2).
- Se o dono do negócio não ratificar o acto do gestor, a gestão é ineficaz relativamente a ele (artº 268º, nº 1)
Se a gestão não for representativa, aplica-se o regime do artº 1181º, por remissão do 471º:
- O gestor adquire os direitos e assume as obrigações contraídas em nome próprio;
- Deve transferi-los para o dono do negócio.

7. Enriquecimento sem causa

O enriquecimento sem causa vem previsto no artº 473º do Código Civil, cujo nº 1 dispõe o seguinte:
"Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se
locupletou."

43
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
O nº 2 deste artigo enumera diversas hipóteses de enriquecimento (a título exemplificativo):
- o que foi indevidamente recebido - A paga 100 contos a B, pensando que B era o seu credor, quando o credor era de facto C;
- o que foi recebido por uma causa que deixou de existir - A paga a B um adiantamento pela execução de um serviço, e o
contrato é posteriormente anulado;
- o que foi recebido em vista de um efeito que não se verificou - A paga a uma agência de viagens uma estadia num hotel, que
encerra antes da ocupação por A.
O enriquecimento sem causa pressupõe 3 requisitos:
- o enriquecimento de alguém;
- um empobrecimento ou dano de outrem, ;relacionado com o enriquecimento;
- a falta de causa para o enriquecimento.
Verificados estes requisitos, aquele que enriqueceu sem justa causa deve restituir "aquilo com que injustamente se
locupletou". Como é que se determina este valor? Dispõe sobre este problema o artº 479º:
"1. A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do
empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
2. A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos
nas duas alíneas do artigo seguinte."
Entende-se geralmente que a nossa lei acolhe o princípio do duplo limite: O que o enriquecido obteve não excede o
valor do enriquecimento nem o do empobrecimento. Estes valores nem sempre coincidem. O que conta é o mais baixo.
O artigo 480º estipula que o montante do enriquecimento deve ser reportado ao momento:
a) em que o enriquecido foi citado judicialmente para a restituição;
b) em que o enriquecido teve conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento ou da falta do efeito que se pretendia obter
com a prestação.
Caso a restituição do enriquecimento não tenha lugar no momento devido, dá-se o agravamento da obrigação de
restituir, e o enriquecido passa a responder também:
- pelo perecimento ou deterioração da coisa a restituir;
- pelos frutos que por sua culpa deixarem de ser percebidos;
- pelos juros legais das importâncias a que o empobrecido tiver direito.
O artigo 482º estabelece um regime de prescrição especial para o enriquecimento sem causa, prevendo dois prazos:
- um de 3 anos, contado a partir do momento em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete, e da pessoa do
responsável;
- um prazo de 20 anos, independentemente de qualquer conhecimento, a partir do enriquecimento (prazo geral de prescrição,
previsto no artº 309º).
O artigo 474º estabelece a subsidiariedade do enriquecimento sem causa. O credor só pode lançar mão deste meio se não
tiver outra forma de se ver indemnizado do seu prejuízo.

8. Referência aos contratos previstos no Código Civil.

8.1 Compra e venda

8.1.1 - Noção

O contrato de compra e venda encontra-se definido no artº 874º do Código Civil nos seguintes termos:
"Compra venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço."
8.1.2 - Efeitos

O contrato de compra e venda tem os seguintes efeitos (artº 879º):


- A transferência da titularidade de um direito (efeito real);
- A obrigação de entrega da coisa vendida pelo vendedor (efeito obrigacional)
- A obrigação, para o comprador, de pagar o preço (efeito obrigacional).
8.1.3 - Forma

A compra e venda é um contrato consensual, como é a regra para os contratos entre particulares, e que decorre do
disposto nos artigos 217º a 220º do Código Civil.
Existem no entanto excepções a esta regra. Amais importante consta do artº 875º: "O contrato de compra e venda de
bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado."
8.1.4 - Modalidades

8.1.4.1 - Venda com reserva de propriedade

O art 409º do código Civil estabelece o seguinte:

44
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
"1. Nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou
parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento.
2. Tratando-se de coisa imóvel, ou de coisa móvel sujeita a registo, só a cláusula constante do registo é oponível a terceiro."
8.1.4.2 - Venda a retro

Nos termos do disposto no artº 927º do Código Civil,


"1. Diz-se a retro a venda em que se reconhece ao vendedor a faculdade de resolver o contrato."
A resolução dos contratos vem prevista nos artigos 432º e seguintes do código civil. É equiparada, quanto aos efeitos, à
nulidade e à anulabilidade.
Exercendo o direito de resolver o contrato, o vendedor terá que restituir o preço.
O artigo 929º fixa prazos para o exercício do direito de resolução por parte do vendedor: 2 anos no caso de coisa
móveis, 5 anos para as imóveis.
8.1.4.3 - Venda a prestações
A venda a prestações vem referida nos artigos 934º e seguintes do Código Civil. A expressão "venda a prestações" não é
muito correcta. Uma prestação, o preço, é dividida ou fraccionada em parcelas.
A possibilidade de liquidação duma dívida em duas ou mais prestações vem prevista no artº 871º, que estipula o regime
segundo o qual a falta de realização de uma das prestações importa o vencimento de todas elas, quer dizer, o credor pode exigi-
las a todas de imediato. Os 934º e 935º contêm um regime especial para a compra e venda a prestações:
- vendida a coisa sem reserva de propriedade, se o comprador não pagar uma das prestações o vendedor não pode resolver o
contrato;
- vendida a coisa com reserva de propriedade, e entregue ao comprador, o não pagamento duma prestação que exceda a oitava
parte do preço, ou de duas ou mais prestações independentemente do seu valor, dá ao vendedor a possibilidade de resolver o
contrato;
- em qualquer caso, com ou sem reserva de propriedade, o não pagamento duma prestação de valor inferior a um oitavo do preço
não importa a perda do benefício do prazo.
O artº 935º estabelece uma limitação à cláusula penal, dispondo que a indemnização fixada não pode exceder metade do
preço.

8.1.5 - Alguns casos especiais previstos na lei

8.1.5.1 - Venda de bens alheios

O artigo 892º do Código Civil estabelece que a venda de bens alheios é nula, sempre que o vendedor careça de
legitimidade para a realizar. O vendedor de coisa alheia terá legitimidade para a realizar nos casos em que for representante,
legal ou voluntário, do proprietário, ou quando agir na execução de um mandato sem representação.
Como resulta do disposto no artº 904º, as disposições dos artigos 892º a 903º aplicam-se à venda de coisa alheia como
própria. A venda de bens alheios como futuros, fica submetida ao regime do artigo 880º.
8.1.5.2 - Venda de bens onerados
Por vezes, a coisa vendida não corresponde inteiramente ao interesse do comprador, por estar, utilizando os termos do
artigo 905º "sujeito a alguns ónus ou limitações que excedam os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria."
São exemplos os imóveis onerados com hipotecas, ou com servidões.
Nestes casos, dispõe o artº 905º que o contrato é anulável por erro ou dolo, desde que se verifiquem os requisitos legais
da anulabilidade (os requisitos legais da anulabilidade por erro, indicados no artº 247º: ser o erro essencial, e ser essa
essencialidade cognoscível pelo vendedor).
Tal como se dispõe no artº 895º para os casos de venda de bens alheios, o artº 906º prevê que "desaparecidos por
qualquer modo os ónus ou limitações a que o direito estava sujeito, fica sanada a anulabilidade do contrato." O nº 2 ressalva que
a anulabilidade persiste se a existência dos ónus ou limitações já tiverem causado prejuízos ao comprador, ou se este já tiver
requerido em juízo a anulação da venda.

8.1.5.3 - Venda de coisas defeituosas

Sobre esta epígrafe, trata o código civil de 4 tipos de situações que afectem a coisa vendida:
- sofrer de vício que a desvalorize;
- sofrer de vício que impeça a realização do fim a que se destina;
- não ter as qualidades asseguradas pelo vendedor;
- não ter as qualidades necessárias para a realização do fim a que se destina.
O artº 913º equipara os vícios à falta de qualidades, e dispõe que é aplicável a estas situações a regime da venda de bens
onerados, com as modificações introduzidas pelos artigos seguintes (914º a 922º).
No caso de dolo do vendedor, o comprador tem o direito de pedir a anulação do contrato e reaver o preço pago, nos
termos do disposto no artº 905º, aplicável por força do 913º (no prazo de uma ano, nos termos do artº 287º, ou sem prazo,
enquanto o negócio não for cumprido).

45
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
Não havendo dolo, mas simples erro, o comprador deverá denunciar a existência do defeito ao vendedor, no prazo de 30
dias a contar do seu conhecimento, e dentro dos seis meses a contar da entrega da coisa.
A acção de anulação do contrato deverá ser proposta no prazo de seis meses a contar da denúncia do defeito (ou sem
dependência de prazo, enquanto o negócio não estiver cumprido).
O comprador tem ainda o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa, ou substituição dela, se for necessária e a
coisa tiver natureza fungível.

8.2 Contrato de sociedade civil

8.2.1 - Conceito

O artº 980º do Código Civil dá a noção legal de contrato de sociedade:


"Contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício
duma actividade económica que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros dessa actividade."

8.2.2 - Elementos constitutivos

Da definição dada podemos inferir 3 elementos constitutivos do contrato de sociedade:


- o instrumento - contribuição com bens ou serviços;
- o objecto - exercício duma actividade económica que não seja de mera fruição;
- o fim - repartição dos lucros.
É ainda de referir a existência de um quarto elemento:
- a organização - forma coordenada de prossecução do objecto.
No que se refere ao objecto, existem dois requisitos a preencher:
1 - A actividade tenha conteúdo económico, que não seja de mera fruição;
2 - Que seja exercida em comum pelos sócios.
O primeiro requisito implica que as actividades a desenvolver sejam susceptíveis de produzir riqueza, de produzir
lucros, não podendo ser de mera fruição.
O segundo requisito implica, por sua vez, que os sócios assumam em conjunto o risco da sua actividade e que
concorram na condução dessa actividade.
É a concorrência dos sócios na condução da actividade da sociedade que origina o quarto elemento autonomizado, não
previsto directamente na definição constante do artº 980º, mas necessário em função do disposto no artigo 985º.

8.3 Contrato de mandato

O mandato é definido pelo artº 1157º do Código Civil como o "contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar
um ou mais actos jurídicos por conta da outra."
Desta definição ressaltam dois elementos:
- A obrigação do mandatário praticar um ou mais actos jurídicos;
- por conta do mandante.
O mandato presume-se gratuito, excepto se tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão. Nestes casos
presume-se oneroso.
Sobre a medida da retribuição do mandato, quando é oneroso, dispõe o nº 2 do artº 1158ª: "Se o mandato for oneroso, a
medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelo usos;
e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade"
O mandato é uma modalidade de prestação de serviços, tal como o depósito ou a emprestada. O contrato de prestação de
serviços de serviços encontra-se definido no artº 1154º do Código Civil como aquele em que uma das partes se obriga a
proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
Segundo o disposto no artº 1156º do Código Civil, as disposições relativas ao mandato são extensivas, com as
necessárias adaptações, às modalidades de prestação de serviços que a lei não regule especialmente.
As obrigações do mandatário encontram-se especificadas no artº 1161º:
O mandatário é obrigado:
a) A praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante;
b) A prestar as informações que este Ihe peça, relativas ao estado da gestão;
c) A comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim
procedeu;
d) A prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir;
e) A entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu normalmente no
cumprimento do contrato.
As obrigações do mandante vêm especificadas no artº 1167º:
O mandante é obrigado:

46
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
a) A fornecer ao mandatário os meios necessários à execução do mandato, se outra coisa não foi convencionada;
b) A pagar-lhe a retribuição que ao caso competir, e fazer-lhe provisão por conta dela segundo os usos;
c) A reembolsar o mandatário das despesas feitas que este fundadamente tenha considerado indispensáveis, com juros legais
desde que foram efectuadas;
d) A indemnizá-lo do prejuízo sofrido em consequência do mandato, ainda que o mandante tenha procedido sem culpa.
O mandatário pode agir com representação, se tiver recebido poderes para agir em nome do mandante por procuração,
ou sem representação, caso em que age em nome próprio. Neste último caso, e nos termos do disposto nos artºs 1180º e 1181º:
Artigo 1180º
O mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra, embora
o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos actos ou sejam destinatários destes.
Artigo 1181º
1. O mandatário é obrigado a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato.
2. Relativamente aos créditos, o mandante pode substituir-se ao mandatário no exercício dos respectivos direitos.

8.4 Contrato de mútuo

Segundo o disposto no artº 1142º do Código Civil, mútuo é "o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra
dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade."
As exigências legais relativas à forma do mútuo encontram-se previstas no artº 1143º:
- escritura pública ou documento particular autenticado, para os mútuos de valor superior a € 25.000;
- escrito assinado pela devedor, para valores superiores a € 2.500, mas inferior ou igual a € 25.000
O mutuário não assume a obrigação de restituir as coisas que recebe, mas outras do mesmo género e qualidade. As
coisas recebidas passam a ser propriedade do mutuário, nos termos do disposto no artº 1144º.
O mútuo pode ser oneroso ou gratuito. Se as partes nada preverem, presume-se que o mútuo é oneroso. Não tendo os
contraentes fixado a taxa de juro, é aplicável a taxa de juro legal, prevista no artº 559º.
Na fixação dos juros, importa ter em atenção o disposto no artº 1146º:
1. É havido como usurário o contrato de mútuo em que sejam estipulados juros anuais que excedam os juros legais, acrescidos
de 3% ou 5%, conforme exista ou não garantia real.
2. É havida também como usurária a cláusula penal que fixar como indemnização devida pela falta de restituição do
empréstimo relativamente ao tempo de mora mais do que o correspondente a 7% ou 9% acima dos juros ilegais, conforme
exista ou não garantia real.
3. Se a taxa de juros estipulada ou o montante da indemnização exceder o máximo fixado nos números precedentes,
considera-se reduzido a esses máximos, ainda que seja outra a vontade dos contraentes.
4. 0 respeito dos limites máximos referidos neste artigo não obsta à aplicabilidade dos artigos 282.° a 284.°
O artº 1150º prevê uma causa de resolução do mútuo: "O mutuante pode resolver o contrato, se o mutuário não pagar
os juros no seu vencimento."
Em geral, os contratos podem terminar por:
a) Acordo das partes
b) Caducidade
c) Denúncia
d) Resolução.
Quanto ao acordo das partes nada há a dizer: no âmbito da liberdade contratual, previsto no artº 405º do código civil, as
partes são livres de celebrar contratos e de lhes pôr termo.
A caducidade é uma forma de extinção dos contratos que se verifica quando é completado o prazo fixado para a sua
extinção.
Nos contratos de duração indeterminada, em que a caducidade não pode operar, qualquer das partes pode pôr-lhe termo
através da denúncia, que se caracteriza por ser livre e unilateral, discricionária (não é necessário invocar fundamentos) e n ão
retroactiva (só produz efeitos para o futuro).
A resolução é condicionada, na medida em que só é admitida se houver lei ou convenção que a admita, tendencialmente
vinculada, na medida em que para operar é necessário invocar determinados fundamentos, e tem em regra eficácia retroactiva
nos contratos de prestação única, e não nos contratos de prestação continuada (artº 434º do Código Civil).

8.5 Contrato de comodato

A definição de comodato encontra-se no artº 1129º do Código Civil: "Comodato é o contrato gratuito pelo qual uma
das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir."
Ao contrário do mútuo, o comodato é sempre, por definição, gratuito.
É um contrato consensual, a lei não impõe qualquer forma, e é real, na medida em que a entrega da coisa é condição da
existência do comodato.

8.6 Contrato de locação


47
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos

Nos termos do disposto no artº 1022º do Código Civil, locação "é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a
proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição."
A locação diz-se arrendamento, quando versa sobre coisas imóveis, e aluguer, quando incide sobre móveis (artº 1023º).
O arrendamento urbano encontra-se regulado em lei avulsa, o chamado Novo Regime do Arrendamento Urbano,
constante da Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro.

8.7. Contrato de empreitada

Segundo a definição constante do artº 1207º do Código Civil, "empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se
obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço."
Os sujeitos deste contrato assumem a designação de "dono da obra" e "empreiteiro".
Da definição acima transcrita, ressaltam dois elementos essenciais:
- a realização de certa obra;
- o preço.
Definir o que é "certa obra" não é pacífico. Tem-se discutido se abrange apenas coisas corpóreas, ou também coisas
incorpóreas (um projecto de construção, um guião para um filme ou telenovela, etc.) Consoante a resolução dada a este
problema, assim o contrato pelo qual uma das partes se obriga a elaborar o projecto ou o guião se regulará pelas regras da
empreitada ou pelas regras do mandato. A resposta não é uniforme nos vários sistemas jurídicos. Face à lei portuguesa, é de
interpretar a expressão "certa obra" como abrangendo coisas corpóreas.
O preço também é um elementos essencial do contrato de empreitada. Se não houver preço estabelecido, existirá um
contrato gratuito de prestação de serviços.

Capítulo IIl A responsabilidade civil

1. Noção e características gerais

O termo responsabilidade é utilizado na linguagem corrente com vários sentidos. Assim, é vulgar ouvir falar em
- Responsabilidade política (o Secretário de Estado é responsável para com o Ministro, e o Primeiro Ministro é responsável
perante o Presidente da República);
- Responsabilidade disciplinar (administrativa ou laboral);
- Responsabilidade criminal
- Responsabilidade civil.
É esta última a que agora nos interessa com o sentido de obrigação de reparar os danos sofridos por alguém, ou de
indemnizar alguém pelos danos sofridos.
A obrigação de indemnizar tanto pode ter origem no incumprimento de obrigações derivadas de contratos, negócios
jurídicos unilaterais ou da lei (regulada no Código Civil no âmbito das consequências do não cumprimento das obrigações- artº
798º e seguintes), como na prática de actos ilícitos (artigos 483º e seguintes do Código Civil.
Com interesse para a problemática da responsabilidade civil, encontramos ainda a regulamentação da obrigação de
indemnização, nos artigos 762º e seguintes do Código Civil.

2. Responsabilidade por actos ilícitos, pelo risco e por actos lícitos

Historicamente, a responsabilidade civil apareceu ligada à ideia de culpa. A existência de culpa era necessária para que
se pudesse falar de responsabilidade civil.
A partir da revolução industrial, com o aparecimento de novas técnicas de produção, começou a sentir-se a necessidade
de prever obrigações de indemnizar independentemente da existência ou não de culpa. Esta necessidade foi sentida, por exemplo,
nos casos de acidentes de trabalho.
Passou-se gradualmente duma ideia de responsabilidade subjectiva, baseada na culpa do agente, para uma ideia de
responsabilidade objectiva. Numa primeira fase, a responsabilidade objectiva, entendida como obrigação de indemnizar
independentemente de culpa, era fundada na teoria do risco. Quem desenvolve actividades perigosas, deve aceitar o dever de
indemnizar eventuais lesados por essas actividades. A condução automóvel é uma actividade perigosa. Quem conduz é
responsável pelos danos que causa, mesmo em situações em que não tem culpa, como falhas técnicas, desmaios, etc.
Posteriormente houve uma evolução no sentido da distribuição social do risco, reconhecendo à sociedade o dever de indemnizar
os lesados, nos casos em que o causador da lesão é desconhecido, ou não tem meios para reparar os danos.
Modernamente, com as companhias de seguros e os seguros obrigatórios, os particulares podem transferir para terceiros
a sua responsabilidade civil, tornando mais efectiva a possibilidade de indemnizar os danos sofridos, libertando-a da
possibilidade de insuficiência económica do lesante.

48
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
O Código Civil trata, na subsecção que se inicia no artº 499º, da responsabilidade pelo risco, depois de afirmar no nº 2
do artº 483º que a obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, é excepcional, só existe nos casos expressamente
previstos na lei.
Para além da responsabilidade por actos ilícitos ou pelo risco, o Código Civil contem ainda disposições que prevêem a
obrigação de indemnizar por actos lícitos, mas causadores de danos. Há situações em que o interesse geral, ou um interesse
qualificado de uma pessoa de direito privado, impõem que se pratiquem determinados actos, que causam prejuízos a um, ou a um
número limitado, de sujeitos. Não seria justo que este, ou estes poucos, tivessem que sofrer os danos necessários à prossecução do
bem comum. É esta ideia que está subjacente, no âmbito do direito público, ao regime das expropriações.
Mas no direito privado, e em várias disposições do Código Civil, também esta ideia aflora. São exemplos o nº 2 do artº
339º, os artigos 1347º, 1348º e 1349º, o artº 1367º.

2.1 Responsabilidade por factos ilícitos

Dispõe o artigo 483º do Código Civil que "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem
ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigada a indemnizar o lesado pelos danos resultantes
da violação.
A leitura desta disposição revela que existem vários pressupostos da obrigação de indemnizar:
- A existência de um facto voluntário, uma vez que a norma tem por destinatárias pessoas que violem os direitos de outras;
- A ilicitude desse facto;
- A imputação do facto ao lesante;
- Um dano, proveniente desse facto;
- Um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pelo lesado, de forma a que se possa dizer que o
dano é resultante da violação.
Estes pressupostos são reduzidos por alguns autores. Menezes Cordeiro reconduz os pressupostos da responsabilidade
civil a dois28:
- o dano
- a imputação

2.1.1 - O facto voluntário

O elemento básico da obrigação da responsabilidade civil é o facto voluntário do agente. Este facto tem que
corresponder a uma conduta humana, um comportamento controlável pela vontade, pois só relativamente a estes
comportamentos é que faz sentido associar a ideia de ilicitude e de culpa. Ao contrário da responsabilidade pelo risco, em que é
dispensável a existência de um comportamento do obrigado a indemnizar (a obrigação de indemnizar pode ter origem em actos
do responsável, de terceiros, ou até do próprio lesado, nos casos de acidentes de trabalho, por exemplo), na responsabilidade por
actos ilícitos tem que existir sempre um facto imputável ao agente.
Este facto corresponde em regra a uma acção, um facto positivo, mas pode corresponder mais raramente a uma omissão,
a uma abstenção quando existia o dever de agir. Ver, quanto às omissões, o disposto no artº 486º do Código Civil.

2.1.2 - Ilicitude

O Código Civil prevê duas formas de ilicitude:


- A violação de um direito de outrem
- A violação de disposição legal que protege interesses alheios.
Os casos que preenchem a primeira forma de ilicitude indicada são os mais correntes e os mais fáceis de determinar. Os
direitos subjectivos violados, geradores de responsabilidade por factos ilícitos, são principalmente os direitos absolutos: os
direitos reais, os direitos da personalidade, os direitos de autor. O não cumprimento das obrigações, ou o cumprimento defeituoso
também dão lugar a indemnizações, mas no âmbito da responsabilidade contratual.
Os casos de violação de normas legais que protegem interesses, correspondem a situações em que a lei quer proteger
interesses privados, mas não quer deixar na livre disponibilidade das pessoas privadas a tutela desses interesses. Por vezes estão
em causa interesses colectivos essenciais, cuja violação a lei considera crimes. A sanção aplicada aos infractores tem uma função
reparadora dos danos causados, mas também uma função preventiva.
Para que exista um dever de indemnizar, nestes casos de violação de normas destinadas a proteger interesses alheios, é
necessário que29:
a) À lesão do particular corresponda a violação duma norma jurídica;
b) Que a protecção de interesses privados figure entre os fins da norma violada;
c) Que o dano se tenha registado no círculo de interesses que a norma violada visa proteger.

28Direito das Obrigações, II volume, 1980, AAFDL, pag. 281.


29Conforme Antunes varela, Direito das Obrigações, 3ª edição, 1º volume, Almedina, pag. 431. 432.
49
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
De referir que para lá das duas formas de ilicitude referidas, existe ainda a possibilidade de obrigação de indemnizar
nos casos de abuso de direito, previsto no artigo 334º do Código Civil: "É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular
exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito."
Esta figura do abuso de direito abrange actuações que, não preenchendo nenhuma das forma de ilicitude referidas, podem gerar
obrigação de indemnizar.
Existem outras situações em que se verifica o oposto: actuações ilícitas, que correspondem à violação de direitos
subjectivos ou de normas destinadas a proteger interesses alheios, podem ser consideradas justificadas, e a ilicitude pode ser
considerada como afastada. Estas causa de exclusão da ilicitude são:
- a acção directa (artº 336º);
- a legítima defesa (artº 337º);
- o estado de necessidade (artº 339º);
- o consentimento do lesado (artº 340º).

2.1.3 - Imputação do facto ao agente

Diz-se que uma pessoa é imputável quando se lhe reconhece capacidade para prever as consequências dos seus actos,
para medir o seu valor e para se determinar de acordo com esse conhecimento. A imputabilidade implica portanto discernimento
(capacidade intelectual) e capacidade de determinação (capacidade volitiva). Daí que o artº 488º nº 1 disponha que "Não
responde pelas consequências do facto danoso quem, no momento em que o facto ocorreu, estava, por qualquer causa,
incapacitado de entender ou querer, salvo se o agente se colocou culposamente nesse estado, sendo este transitório."
Segundo o nº 2 deste artigo, a lei presume a inimputabilidade aos menores de sete anos e aos interditos por anomalia
psíquica. Por outro lado, a lei trata como se fossem imputáveis aqueles que, não o sendo, "se colocaram culposamente nesse
estado, sendo este transitório." (parte final do nº 1 do artº 488º).
Os actos praticados pelos inimputáveis podem dar lugar a obrigação de indemnizar, sendo o responsável a pessoa
obrigada à sua vigilância, nos termos do disposto no artº 491º. Se não for possível obter a reparação de quem está obrigada à
vigilância dos inimputáveis, podem estes ainda ser obrigados a indemnizar, nos termos do artº 489º.

2.1.4 -Culpa

Para que a prática de um facto ilícito gere responsabilidade civil é necessária a existência de culpa. Não basta que o
lesante tenha agido objectivamente mal, o artº 483º exige que ele tenha agido com dolo ou mera culpa.
A culpa, para o direito, significa que o agente poderia e deveria ter agido de forma diferente, atendendo à sua
capacidade e às circunstâncias concretas em que agiu.
A culpa pode revestir duas formas: dolo e negligência ou mera culpa. A diferença tem relevância na determinação do
montante da indemnização, nos termos do disposto no artº 494º. Nos casos de negligência ou mera culpa, o valor da
indemnização pode ser inferior ao valor dos danos causados. Nos casos de dolo, o valor da indemnização terá que corresponder
sempre ao valor dos danos causados.
A diferença entre o dolo e a negligência é esta: nos casos de dolo o agente previu as consequências danosas dos seus
actos; na negligência, o agente não previu essas consequências ou tendo-as previsto, por leviandade, precipitação, desleixo ou
incúria acreditou que não se verificariam.
No dolo é possível distinguir 3 graus: o dolo directo, o necessário e o eventual. O dolo directo corresponde aos casos em
que o agente quis directamente o facto ilícito. O agente configura no seu espírito os efeitos danosos da sua conduta e quer esses
efeitos como resultado da sua actuação, apesar de conhecer a sua ilicitude. É o caso de alguém que publica notícias ofensivas da
honra de outrem, sabendo que o são, e querendo justamente ofender essa honra. Ou o caso do marido ciumento que dispara sobre
o amante da mulher com intenção de o matar.
No dolo necessário, o agente não quer directamente os efeitos danosos da sua actuação, mas sabe que eles serão
consequência necessária e segura dela, e mesmo assim prossegue a actuação.
No dolo eventual, o agente previu o resultado danoso da sua actuação como possível (já não como necessário), e mesmo
assim agiu, sem a convicção de que os efeitos danosos não se produziriam.
Na mera culpa ou negligência também há que distinguir duas formas: a culpa consciente e a culpa inconsciente. Nesta
última, o agente tinha o dever de prever o resultado danoso da sua conduta, mas por leviandade, desleixo, imprevidência, não o
prevê. No caso da culpa consciente, o agente chega a prever o resultado danoso como possível, mas age no convencimento de que
ele não se produzirá.
A culpa corresponde à violação de um dever de diligência. A determinação dos parâmetros para avaliar até onde vai
este dever de diligência levanta dificuldades. O grau de diligência exigível de cada indivíduo é variável, em função da sua idade,
cultura, etc. Se a culpa for avaliada em função das circunstâncias concretas do agente, fala-se de culpa em concreto. Se a
avaliação da culpa for feita recorrendo a um homem médio, a um padrão, fala-se de culpa em abstracto. O nº 2 do art 487º
manda apreciar a culpa pela diligência de um pai de família, em face das circunstâncias do caso. Acolhe pois o critério da culpa
em abstracto.

2.1.5 - O dano

50
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
A obrigação de indemnizar também pressupõe um dano. Não existirá tal obrigação para o automobilista que transgrediu
as regras do trânsito mas não atropelou ninguém, nem danificou propriedade alheia, por exemplo.
O dano corresponde ao prejuízo que o lesado sofreu nos interesses que a norma jurídica violada visa proteger: a morte
ou os ferimentos causados à vítima de agressão, os estragos causados nos veículos, etc. O dano assim entendido é o dano real.
Para além deste dano real, há o valor correspondente, chamado dano patrimonial. No caso dos acidentes de automóvel, o dano
real corresponde aos estragos físicos, chapas amolgadas, e o dano patrimonial corresponde ao valor necessário para reparar tais
estragos. o dano patrimonial encontra-se fazendo a diferença entre a situação existente, real, e a que existiria se a lesão não se
tivesse produzido. O dano patrimonial abrange não só os danos emergentes, a perda sofrida, como os lucros cessantes, os
benefícios que o lesado deixou de ganhar em consequência do facto ilícito.
A expressão dano patrimonial aparece por vezes com um sentido diferente, como danos susceptíveis de avaliação em
dinheiro, por contraposição a danos morais, que serão aqueles como a morte, ou a dor física, que não são susceptíveis de
avaliação em dinheiro. É neste sentido que o artigo 496º se refere aos danos não patrimoniais, estabelecendo no seu nº 1 que
contam para o cálculo da indemnização aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

2.1.5 - Nexo de causalidade entre o facto e o dano

Para que o facto dê origem à obrigação de indemnizar, é necessário que os danos sejam causados por ele, resultem dele.
A obrigação de indemnizar não abrange todos os danos que sejam cronologicamente posteriores ao facto, mas apenas alguns.
Como é que se determinam os danos indemnizáveis? Este problema foi muito debatido, entendendo-se hoje em dia como aceite a
chamada teoria da causalidade adequada, expressa no artº 563º do Código Civil nos seguintes termos: A obrigação de
indemnização só existe relativamente aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão."

2.2 Responsabilidade pelo risco

Na responsabilidade pelo risco, ou responsabilidade objectiva, a obrigação de indemnizar não deriva de qualquer facto
ilícito culposo. O nº 2 do artº 483º estabelece que, fora destes casos, independentemente de culpa, a obrigação de indemnizar nos
casos especificados na lei.
Estes casos vêm previstos, em grande parte, nos artigos 499º e seguintes do Código Civil:
- responsabilidade do comitente - artº 500º
- responsabilidade do Estado ou de outras pessoas colectivas - artº 501º
- danos causados por animais - artº 502º
- Acidentes causados por veículos - artº 503º
- danos causados por instalações de energia eléctrica ou gás - artº 509º.
Em todos estes casos, a obrigação de indemnizar cabe à pessoa que retirava proveito do bem causador do dano.

3. Responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual.

A responsabilidade contratual, ou obrigacional como prefere chamar-lhe Inocêncio Galvão Teles30, pressupõe o
incumprimento duma obrigação. A responsabilidade extracontratual, ou extraobrigacional, é determinada por exclusão de partes.

30Direito das Obrigações, 6ª edição, Coimbra Editora, pag. 198.


51
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
ÍNDICE
I PARTE - Introdução ao estudo do direito .................................................................................................. 1
Capítulo I - A Ordem Jurídica ....................................................................................................... 1
I - Importância do Direito e necessidade do seu estudo ..................................................... 1
II - Conceito de Direito .................................................................................................... 1
Capítulo II - As normas jurídicas ................................................................................................... 4
1. Noção de norma jurídica .............................................................................................. 4
2 - Estrutura lógica das normas jurídicas .......................................................................... 4
3 - Classificação das normas jurídicas .............................................................................. 4
Capítulo III - Divisão do direito - ramos do direito ........................................................................ 6
A - Direito Público e direito privado................................................................................. 6
B - Os ramos de direito público ........................................................................................ 6
C - Os ramos do direito privado ....................................................................................... 7
D- Outros ramos de direito ............................................................................................... 8
Capítulo IV - As fontes de direito .................................................................................................. 8
1. Noção .......................................................................................................................... 8
2. Enumeração e classificação das fontes de direito .......................................................... 8
3. A lei ............................................................................................................................. 9
3. Hierarquia das leis ....................................................................................................... 11
4 - Entrada em vigor das leis ............................................................................................ 12
5. Termo de vigência das leis ........................................................................................... 12
Capítulo V - Interpretação, integração e aplicação da lei................................................................ 12
A - Interpretação .............................................................................................................. 12
B - Integração da lei ......................................................................................................... 14
C - Aplicação da lei ......................................................................................................... 15
II Parte - A relação jurídica ......................................................................................................................... 16
Capítulo I - A relação jurídica ....................................................................................................... 17
1. Preliminares................................................................................................................. 17
2. Conceito de relação jurídica. Sentido amplo e sentido técnico. Instituto jurídico ........... 17
3. Estrutura jurídica da relação jurídica: lado activo - um direito subjectivo; lado passivo - um dever
de sujeição ....................................................................................................................... 17
4. Direitos subjectivos propriamente ditos e direitos potestativos ...................................... 17
5. Elementos da relação jurídica: sujeitos, objecto, facto jurídico e garantia ...................... 17
6. Classificações das relações jurídicas ............................................................................. 18
7. Crítica da relação jurídica ............................................................................................ 18
Capítulo II - O sujeito de direitos ................................................................................................... 18
1. Noção de personalidade jurídica ................................................................................... 18
2. Personalidade e capacidade jurídicas ............................................................................ 19
3. Capacidade de gozo e capacidade de exercício de direitos ............................................. 19
4. As incapacidades de exercício de direitos ..................................................................... 19
5. Formas que pode revestir o sujeito das relações jurídicas; pessoas singulares e pessoas colectivas
........................................................................................................................................ 20
6. Pessoas colectivas: conceito e estrutura. Elementos constitutivos das pessoas colectivas: substrato e
reconhecimento................................................................................................................ 20
7. Classificação das pessoas colectivas ............................................................................. 21
Capítulo III - O objecto de direitos................................................................................................. 21
1. Conceito, objecto e conteúdo da relação jurídica ........................................................... 21
2. Modalidades do objecto da relação jurídica ................................................................... 22
3. As coisas e o património .............................................................................................. 22
Capítulo IV - O facto jurídico ........................................................................................................ 23
!. Noção de facto jurídico ................................................................................................. 23
2. Classificação dos factos jurídicos. Actos jurídicos; negócios jurídicos e simples actos jurídicos 23
Parte III - Do Negócio jurídico .................................................................................................................... 24
Capítulo I - Declaração negocial .................................................................................................... 24
1. Modalidades................................................................................................................. 24
2. Forma .......................................................................................................................... 25
3. Perfeição da declaração negocial .................................................................................. 25
4. Interpretação e integração da declaração negocial ........................................................ 26
5. Falta e vícios da vontade .............................................................................................. 27
6. Representação .............................................................................................................. 29
7. Condição e termo ......................................................................................................... 29
Capítulo II - Objecto negocial ........................................................................................................ 30
52
Princípios Gerais de Direito - Sumários desenvolvidos
1. Requisitos .................................................................................................................... 30
2. Fim do negócio jurídico................................................................................................ 31
3. Negócios usurários ....................................................................................................... 32
Capítulo III - Nulidade e anulabilidade do negócio jurídico ........................................................... 32
1. Nulidade ...................................................................................................................... 32
2. Anulabilidade .............................................................................................................. 33
3. Confirmação ................................................................................................................ 33
4. Redução ....................................................................................................................... 34
5. Conversão .................................................................................................................... 34
PARTE IV - Notas sobre contratos .............................................................................................................. 35
Capítulo I - Fontes das obrigações ................................................................................................. 35
Capítulo II - Contratos................................................................................................................... 35
1. Noção e modalidades.................................................................................................... 35
2. Princípio da liberdade contratual .................................................................................. 37
3. Princípio da boa fé. .A responsabilidade pré contratual................................................. 39
4. Formação dos contratos ................................................................................................ 40
5. Efeitos dos contratos .................................................................................................... 41
6. Contrato promessa ....................................................................................................... 42
6. Gestão de negócios ....................................................................................................... 42
7. Enriquecimento sem causa ........................................................................................... 43
8. Referência aos contratos previstos no Código Civil. ...................................................... 44
Capítulo IIl A responsabilidade civil.............................................................................................. 48
1. Noção e características gerais ....................................................................................... 48
2. Responsabilidade por actos ilícitos, pelo risco e por actos lícitos ................................... 48
3. Responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual.................................... 51

53

Você também pode gostar