Você está na página 1de 57

Introdução ao Estudo de Direito - Miguel Teixeira de Sousa

2 códigos:
• Código de Napoleão de 1804 (inspira o 1º código civil português).
• Código Civil de 1966 (inspirado pelo código civil alemão).

Elementos de Metodologia Jurídica - José Lamego

Conceito de direito: Distinguir o direito de outros sistemas normativos


(orientação de conduta, a religião e a moral por exemplo). O direito é único que possui
um grau institucional.
Distinção entre direito e a moral: A moral orienta esfera da consciência enquanto
o direito regula a interação entre as pessoas. No direito, a intenção também é valorada
nomeadamente no direito criminal. Tanto a moral como o direito situam-se na esfera
normativa, a relação não é então de causalidade mas de imputação.
Várias distinções:
• Distinção Kantiana
• Coercibilidade (Sec XIX - Austin “normas apoiadas em ameaças”). Esta perspetiva
tem porem varias limitações, pois nem todas as normas têm sanções (teoria
imperativista).
Hart distingue o direito de outras normas normativas. Este adopta uma visão
interessante para caracterizar o direito. O sistema jurídico segundo ele é um sistema
normativo complexo e institucionalizado enquanto a moral é o sistema normativo
simples e não institucionalizado pois contem apenas normas primárias de obrigação,
enquanto que o direito para alem de estas tem normas sobre quem as pode conduzir -
normas secundárias relativas à sanção e aplicação de normas.

As duas grandes perspetivas de análise do estudo do Direito:


• Estatica - dinamica
• Objetiva - subjetiva

Perspetiva estática é o conjunto de regras. Por sua vez, a perspetiva dinâmica acumula
as consequências e/ou efeitos jurídicos dessas normas. Em absoluto, a perspetiva
dinâmica é a mais importante. Ambas perspetivas são analisadas e estudadas no Direito.
A análise dinâmica ocorre dos conceitos de facto jurídico, de regra jurídica e de
consequência ou de efeito jurídico.

O facto jurídico é todo o facto que é relevante para o direito, isto é, todo o facto cuja
verificação desencadeia a produção de consequências ou de efeitos jurídicos. Como
facto jurídico é construído pelo próprio direito, pode dizer-se que é um “facto bruto” que
o direito transforma em “facto institucional”.
Este facto pode ser:
• Um acto jurídico é um facto humano e voluntário juridicamente relevante, como por
exemplo, um negócio jurídico, uma conduta criminosa, um acto legislativo, um acto
administrativo, uma conduta criminal ou a decisão de um tribunal
• Um facto stricto sensu é um facto não humano e não voluntário que seja juridicamente
relevante como por exemplo, o nascimento, a morte, um terramoto, uma inundação ou a
mordedura de um cão.
A regra jurídica é o significado de uma fonte do direito. É pelas regras jurídicas que se
determina a relevância jurídica dos factos, pois que apenas factos integrais na previsão
dessas regras podem ser qualificados como factos jurídicos. Essa integração permite
qualificar o facto como jurídico, pelo que se pode dizer que a qualificação é operação que
de um “facto bruto” num facto jurídico.
A consequência ou o efeito jurídico é o resultado da aplicação de uma regra jurídica a
um facto jurídico, podendo essa aplicação traduzir-se na constituição, ma modificação ou
na extinção desse efeito. Todo o efeito constitutivo decorre de um título, isto é, de um
facto a que uma regra jurídica atribui a função de constituir efeitos jurídicos.

A perspetiva estática, considera-se o direito em si mesmo, independentemente dos


efeitos ou das consequências jurídicas que resultam da aplicação das regras jurídicas a
certos factos jurídicos (como direitos, faculdades, deveres, sujeições ou estados pessoais).
Isto significa que as regras jurídicas são analisadas como tal e estudadas como tal, sem
haver preocupação de determinar as consequências e as situações que decorrem da sua
aplicação.

A palavra “direito” pode ser aplicada num sentido objectivo e num sentido subjectivo.
No sentido objectivo, o direito é sinónimo de direito objectivo, e, no sentido subjectivo o
direito é sinónimo de direito subjectivo
Objetiva: Direito com “D” maiúsculo.
Subjetiva: direito com “d” minúsculo.

Direito objectivo

Este pode ser entendido em vários sentidos:


• Utiliza-se a expressão “direito objectivo” como equivalente a sistema ou ordenamento
jurídico.
• O termo “direito subjectivo” pode ser utilizado como sinónimo de lei ou, mais em geral
de fonte do direito.
• Utiliza-se a expressão “direito objectivo” como equivalente a regra jurídica.

Direito subjectivo

Quando se fala de direito subjectivo alude-se à posição de um sujeito - um titular


do direito - quanto a um determinado modo de actuar. O direito subjetivo tem sido
concebido de diferentes maneiras, havendo que se destacar, de entre as mais conhecidas,
aquelas que o entendem como “um poder de vontade”, como um “interesse juridicamente
protegido” ou como um “direito de exigir e de ser protegido. Este, pode ser definido
numa formula sintética como, a situação subjectiva que resulta de uma permissão de
acção ou de omissão.

Ex: Primeiro direito fundamental - artigo 24º da Constituição: Direito à vida tal como
escrito no artigo 24º é Direito objetivo, já porém o direito à vida concretizado na esfera
jurídica de individuo já é direito subjetivo.

Podemos contrapor a teoria do Direito com a ciência do Direito.

A teoria do Direito analisa o direito vigente (em vigor) e procura construí-lo


como sistema. Para prosseguir estas finalidades a Teoria do Direito recebe atributos de
outras áreas do saber (como a filosofia, a sociologia, a linguística e a economia),
procurando, em especial, delimitar a ordem jurídica perante outras ordens
normativas, elaborar alguns conceitos operativos para a análise do direito - como os
de fontes do direito e de regras jurídicas - e construir o sistema jurídico. A ciência do
Direito procura orientar a resolução de casos concretos, nomeadamente através da
determinação do significado das fontes do direito e do enunciado de proposições e de
teorias que possibilitam a resolução desses casos. Esta ciência responde à pergunta “Qual
é o Direito?”. Esta é prática visa a resolução de um caso concreto.

Duas outras ciências que podemos referir são a sociologia do Direito - esta, é a
ciência que estuda as funções e a efetividade do Direito na comunidade procurando
analisar as relações entre a ordem jurídica e a realidade social (ex: criminologia) - e a
filosofia do Direito - esta, diz-nos o qual é a essência e o fim do Direito (perspetiva
majoritária) e diz-nos que a ciência do direito não deve estar estanque da filosofia do
Direito. Hà duas grandes orientações da filosofia do direito: orientação positivista - o
Direito é definido em função de critérios jurídicos e a sua legitimação depende de
critérios fornecidos pela própria ordem jurídica: está descomprometido com a Justiça
(Kelsen) - e a orientação jusnaturalista - o direito é definido em função de critérios
supra-positivos (justiça e moral) e a sua legitimação da conformidade com esses critérios.

Distinção entre as ordens descritivas e ordens normativas - estas são aquelas


que coordenam a vida em sociedade, caracterizando-se todas elas pelo carácter
imperativo e obrigatório das suas normas. Ex: Quando alguém vai ao médico e descreve
os sintomas aqui falamos de uma ordem descritiva, a prescrição do médico é a ordem
normativa. Dois tipos de planos: plano prescritivo (ordem normativa - campo do dever
ser - validade e invalidade de uma norma) e plano descritivo (ordem descritiva -
campo do ser - verdadeiro e falso).
Distinção entre o ser e o dever ser: O ser é descrito (por exemplo “Está a
chover”, “é de dia”), usando uma linguagem descritiva. Este pertence ao domínio da
razão teórica, que é a razão que orienta o conhecimento (função cognitiva). O deve ser é
prescrito (por exemplo “Fecha a porta!”), usando uma linguagem prescritiva. Este
pertence ao âmbito da razão prática, isto é, da razão que orienta a acção (função
comunicativa).

As ordens normativas que conhecemos são:


- Ordem moral: realizar o bem (sanção interna, presente na consciência).
- Ordem do trato social: parecer bem, convenções sociais (sanção externa)
- Ordem jurídica: existência de coercibilidade - em caso de incumprimento pode-se
recorrer ao uso das sanções jurídicas.

O Direito é criado pelo o Homem, produto de cultura. Este é também alteridade e


socialidade - o Direito implica relação com o outro.

Ordem jurídica e Direito

Respeitar a subsidiariedade do Direito - ele intervém apenas onde as relações


sociais não são suficientemente protegidos através de outros meios restritivos da
Liberdade. Dentro do Direito ainda ha graus de subsidiariedade. Tudo aquilo que não nos
for proibido ou comandado é em principio permitido. Este princípio de subsidiariedade
do Direito encontra a sua justificação numa dupla ordem de razões. Quando a regulação
de uma conduta por uma ordem normativa não jurídica for eficaz em termos sociais
(seja porque a regra é espontaneamente seguida, seja porque a sanção aplicada é
suficientementente desmotivadora da violação da regra), não tem nenhuma justificação
procurar regular essa conduta em termos jurídicos, já que isso se traduziria apenas
numa multiplicação de custos sociais relativos quer à produção das regras, quer à
imposição das respectivas sanções. Além disso, se o Direito pretender regular as
condutas, corre-se o risco de concorrer mais para a desintegração social do que para a
coesão e a harmonia sociais.

Favor Libertatis

Dentro da margem que lhe cabe na regulação da vida social, o legislador pode
estabelecer que uma conduta seja obrigatória, proibida ou permitida. Isto não implica,
todavia, que o legislador tenha de tomar posição sobre todas as condutas, dado que os
ordenamentos jurídicos se orientam por uma regra geral de liberdade, expressa num
principio de favor libertatis. Deste princípio decorre que toda a obrigação e toda a
proibição têm de ser estabelecidas pelo legislador, pois que só pode ser obrigatório ou
proibido aquilo que o legislador consagrar como tal, o que implica que é permitido tudo o
que o legislador não subtrair a essa mesma regra geral de liberdade. Mais em concreto: é
permitido tudo o que não seja proibido ou obrigatório.
As funções do Direito

• Função constitutiva do Direito - Há criação de normas. Duas razões: prática e


juricativa. Estas razões não estão e não podem estar separadas. O Direito desempenha
uma função constitutiva da realidade jurídica, pois que constitui uma realidade que não
existe sem ele: basta pensar, por exemplo, que sem leis penais não há crime e que sem
leis que atribuem o poder de alienar e o poder de adquirir não há contrato de compra e
venda. O Direito cria a realidade jurídica enquanto “facto institucional”, ou seja,
enquanto realidade que precisa de direito para ser jurídica.
• Função política do Direito - Duas dimensões: combate à anarquia e o combate ao
totalitarismo (não é possível pelo positivismo). O Direito realiza uma função política,
dado que ele organiza o poder politico (o que impede a anarquia) e coloca limites ao seu
exercício (o que impede o totalitarismo). As ideologias anarquistas - tanto de carácter
colectivista, como de natureza individualista - propugnam uma sociedade livre de
qualquer coacção, pelo que há que substituir o domínio do homem sobre o homem por
uma liberdade total e por uma harmonia social obtida sem qualquer coacção. Porém,
dificilmente se encontram exemplos de sociedades anárquicas, porque toda a sociedade
exige um conjunto, ainda que mínimo, de regras e de sanções destinadas a possibilitar a
convivência social. O totalitarismo caracteriza-se pela formulação e aplicação
arbitrarias das regras jurídicas por um poder político que não se submete a nenhum
controlo. O direito obsta ao poder totalitário, quer definindo a repartição dos poderes
soberanos e a competência dos órgãos políticos, quer garantindo as liberdades cívicas e
construindo o Estado de direito.
• Função social do Direito - A função social do direito pode ser vista quer no plano das
relações dos indivíduos entre si, quer no das relações entre a sociedade e os
indivíduos. Naquele primeiro plano, o direito define os comportamentos que são
permitidos, obrigatórios ou proibidos, tornando-os, para todos os membros da
sociedade, menos aleatórios e fortuitos e mais previsíveis e expectáveis. Como já
acentuava Mill, a existência das regras jurídicas garante a segurança a quem age,
facilita o trabalho a quem tem de julgar e diminui os riscos do erro na decisão. No plano
das relações entre a sociedade e os indivíduos, o direito regula quer a contribuição da
sociedade para os indivíduos (como acontece, por exemplo na área da educação, dos
cuidados de saúde e das prestações sociais), quer a contribuição dos indivíduos para a
sociedade (como sucede, por exemplo, com o pagamento de impostos).
• Função pacificadora - O direito realiza uma função pacificadora, dado que disciplina
a violência que é própria de qualquer sociedade, determina os modos de solução
dos conflitos de interesses entre os membros da sociedade e aplica as sanções
decorrentes da violação das suas regras. O Direito é um dos modos de controlo social
existentes nas sociedades modernas.

Distinção entre Direito e moral: Dado que a moral e o Direito são ordens
normativas, coloca-se o problema de saber como é possível realizar a sua distinção. A
diferenciação entre estes os dois radica na exterioridade das regras jurídicas (o
Direito ocupa-se dos comportamentos exteriorizados e do lado externo da conduta) e na
interioridade das regras morais (a moral preocupa-se com a intenção do agente e com o
lado interno da conduta).

Distinção entre Direito e trato social: O Direito só deve intervir em último caso.

Justiça e Direito: Dois conceitos de justiça - igualdade e proporcionalidade. O


Direito não é pensável sem a referência ao valor da justiça. O sentido do Direito é, por
isso de servir a justiça. Podemos distinguir três tipos de Justiça:
• Justiça comutativa (horizontal): É aquela que respeita as relações entre iguais, rege-se
por regras de igualdade. Esta, aplica-se “nas transações entre os indivíduos”. A justiça
comutativa rege as relações (horizontais) entre os membros da comunidade e é
relevante - segundo o princípio de proporcionalidade aritmética - para aferir quer o
equilíbrio entre a prestação e a contraprestação, quer o quantum da respiração de
qualquer violação do Direito. Nesta ultima vertente, a justiça comutativa pode dividir-se
em iustitia vindicativa, que é aquela que se pratica na antiga máxima (hoje não mais
praticada nas civilizações de base cristã ou modelo ocidental) “fractura por fractura,
olho por olho, dente por dente”, e em iustitia restitutiva, que é aquela que impõe que
aquele que violou um bem jurídico deva reconstituir a situação que existia antes da
violação.
• Justiça distributiva (vertical): Justiça da comunidade (“deve dar mais a quem mais
precisa”). Repartição de bens de acordo com as necessidades dos destinatários. A
justiça distributiva é a justiça que orienta a distribuição dos bens materiais e
imateriais e que “tem o seu campo de aplicação nas distribuições da honra ou riqueza,
bem como de tudo quanto pode ser distribuído em partes pelos membros de uma
comunidade”. Esta, regula as relações (verticais) entre a comunidade e o indivíduo, pois
que ela reparte bens segundo um critério de igualdade ou de desigualdade. Esta justiça
orienta-se por um princípio de proporcionalidade geométrica (o mesmo para aqueles
que precisam do mesmo e mais para aqueles que precisam de mais).
• Justiça legal: Justiça que orienta a realização do bem comum pelos os indivíduos.
A justiça legal é, assim, o correlativo da justiça distributiva, porque, enquanto esta rege
a repartição de bens pelos membros da comunidade, a justiça legal legal determina a
contribuição que é devida para a comunidade por cada um dos seus membros. A justiça
legal determina os deveres e encargos dos indivíduos para a realização do bem comum
e espelha-se, por exemplo, na função social da propriedade ou no dever de participar na
vida política, nomeadamente através do voto.

A justiça distributiva e a justiça legal constituem, no seu conjunto, o núcleo da


justiça social, referida à repartição de direitos, deveres e encargos entre os membros de
uma sociedade. Em causa está não só uma dimensão política da repartição daqueles
direitos, deveres e encargos, como também uma dimensão social e económica dessa
mesma repartição. A justiça social rege as relações entre os particulares e o Estado.
Especialmente relevante na área do Direito é chamada a justiça material, que é a
justiça que assenta em critérios de adequação ou de justificação. É neste sentido que, no
passado, se falou de bellum iustum e que, no presente, se fala de justa causa ou de pena
justa.

Direito e democracia: Ideia da igualdade das pessoas perante a lei. O poder


político é um poder sobre a sociedade e os seus membros, pelo que para estes não é
indiferente o modo como esse poder se encontra atribuído e distribuído. Esta
atribuição e esta distribuição são igualmente relevantes para o Direito, dado que, numa
medida muito significativa, o Direito é criado pelo poder politico através de órgãos para
tal competentes. É por isso que é essencial saber se o poder político respeita direitos,
liberdades e garantias fundamentais, acata o princípio da maioria e observa a divisão de
poderes.

Definição de Direito: O Direito é um conjunto de normas jurídicas necessárias à


livre realização da pessoa em sociedade, fundadas na ideia de Justiça, e que na
coercibilidade encontram uma importante condição de eficácia.
Direito e Estado: São duas as questões que se colocam no âmbito das relações
entre o Direito e o Estado: uma primeira respeita ao problema de saber se deve prevalecer
o Direito ou o Estado; uma segunda questão é relativa ao problema se há direito fora do
Estado. Em concreto, quanto a este último aspecto, pode perguntar-se se todo o direito
vigente numa ordem jurídica tem uma origem estadual e se todo o direito vigente é
aplicado no Estado.
Estado de direito
Não há Estado sem direito: todo o Estado necessita do Direito para se organizar e
para regular a sociedade. Aspecto distinto é aquele que se prende com as relações entre o
Estado e o Direito. Pode entender-se que o Estado está acima do Direito; o Estado não se
submete ao Direito e mão está limitado pelo que pode definir como Direito: é concepção
que se encontra nos regimes absolutistas e totalitários. Também se pode entender que o
Direito está acima do Estado: o Estado submete-se ao Direito e a sua produção está
limitada pelo Direito; é a orientação que preside ao Estado de direito. O Estado de
direito aceita, em todas as suas actividades de caráter legislativo, executivo e
jurisdicional, os limites impostos pelos princípios democráticos e pela lei de caráter
abstracto e geral. O Estado de direito reconhece o primado do direito sobre a política: o
Estado subordina-se à Constituição e às leis. Para acentuar a relação do Estado de direito
com a democracia fala-se por vezes de “Estado de direito democrático”

Ordem jurídica e imperatividade


Imperatividade do Direito: A ordem jurídica impõe um deve ser e espera que
os agentes actuem de acordo com esse dever ser. Muitas vezes, a observância das suas
regras jurídicas é mecânica: é o que sucede, por exemplo, com a observância das regras
de trânsito. Outras vezes, no entanto, a observância das regras jurídicas é intencional: é o
que acontece quando alguém celebra um contrato segundo uma determinada forma
depois de se interfiras de que a lei a exige para a validade do negócio.
Importa determinar o que sucede quando o dever ser imposta pela ordem jurídica
não for observado. A resposta da ordem jurídica orienta-se, em linhas gerais, pelos
seguintes parâmetros:
- Nalguns casos, o Direito limita-se a atribuir um certo desvalor ao acto jurídico que foi
realizado contra o Direito; uma das consequências da imperatividade do Direito é a
atribuição de um desvaler ao acto anti-jurídico.
- Noutros casos, o Direito, independentemente de atribuir um certo desvalor ao acto
jurídico, comina a aplicação de uma sanção ao autor do acto; o Direito pode querer
atingir o próprio agente (e não apenas o acto que ele praticou), pelo que outra das
consequências da imperatividade do Direito é a aplicação de uma sanção àquele que
violou o direito.
Coacção e coercibilidade
Uma das consequências da imperatividade do Direito é a cominação de uma
sanção a quem violar uma regra jurídica. A ordem jurídica é, por isso, uma ordem
coactiva. Depois de comida a sanção que corresponde à violação do dever ser, é ainda
necessário que essa sanção seja efetivamente aplicada ao infractor. Por exemplo: não
basta que o Direito imponha a pena de prisão ou o dever de indemnização como
consequência da violação de um certo dever ser, é também indispensável que essa pena
de prisão seja efetivamente cumprida pelo infractor e que aquela indemnização seja
realmente paga ao lesado. Como foi afirmado de modo enfático, “o direito não dizer
permanente: tu tens, na verdade, razão mas infelizmente não te podemos ajudar”. À
susceptibilidade de impor pela força o cumprimento de uma sanção chama-se
coercibilidade. Apenas a ordem jurídica é dotada de coercibilidade - a ordem moral ou
de trato social não o são e por isso não podem ser impostas pela força.

Do que foi dito resulta que há que distinguir a imperatividade, a coacção, e a


coercibilidade: a imperatividade manifesta-se na prescrição de um dever ser; a
coacção exprime-se na cominação de uma sanção ao agente que violou uma regra
jurídica; a coercibilidade manifesta-se na aplicação da sanção que é imposta ao
agente que infringiu a regra jurídica. Isto permite concluir que a ordem jurídica é
simultaneamente uma ordem imperativa, coativa e coerciva.

Desvalores jurídicos
A atuação dos sujeitos jurídicos tem certos limites, pelo que nem tudo o que eles
fazem pode ser valorado positivamente pelo Direito. Por exemplo: ninguém pode
danificar um objeto alheio, um menor não pode vender um imóvel e os órgãos
legislativos e administrativos têm de respeitar os limites da sua competência.
Os principais valores jurídicos negativos são a ilicitude e a ilegalidade. Estes
desvaleres incidem sobre as condutas dos autores dos actos e sobres os actos jurídicos
que decorrem dessas condutas. Em concreto, a ilicitude é o desvalor que é atribuído às
condutas dos autores dos actos que infringem obrigações ou proibições e a
ilegalidade é o desvalor que recai sobre os actos jurídicos.
Desvalor de condutas
A ilicitude é a desconformidade de uma conduta com uma regra jurídica
quando o agente atua de forma voluntária. A ilicitude subjaz à responsabilidade civil,
disciplinar, contra-ordenacional ou penal, pois que a prática de um ato ilícito implica a
responsabilidade civil, disciplinar, contra-ordenacional ou penal do agente. A ilicitude é
assim um dos elementos da responsabilidade jurídica.
Desvalores de actos
A ilegalidade é a contrariedade de um acto jurídico à lei. Neste sentido, todo o
acto que viola a lei é um acto ilegal: é o caso por exemplo, do homicídio, da apropriação
de um bem alheio, do não cumprimento de um contrato ou da prática de um acto
administrativo por quem não tem necessária competência legal. No entanto,
habitualmente a ilegalidade é tomada numa acepção mais restrita, ligada apenas a
determinados actos jurídicos, comportando então, como modalidades principais, a
inexistência, a invalidade e a ineficácia.
A inexistência é a forma mais grave de ilegalidade. O vício que afecta o acto é
considerado pelo Direito tão grave que, juridicamente, se considera que nada existe. Por
exemplo: é inexistente o acto normativo em que falte a promulgação ou assinatura do
Presidente da República, quando sejam exigidas (art. 137.º CRP), e o casamento
celebrado perante quem não tenha competência funcional para o acto (art. 1628.º, al.a,
Código Civil).
A invalidade é uma desconformidade do acto com o direito menos grave do
que a inexistência. Esta não é considerada uma sanção. A invalidade comporta, de
acordo com os interesses que são afetados, as modalidades de nulidade e de
anulabilidade. A nulidade do acto decorre da violação dos interesses mais relevantes
(cf., por exemplo, art.280º e 294.º do Código Civil). A nulidade é invocável a todo o
tempo e pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal. A anulabilidade do acto
decorre da violação de interesses menos relevantes; a anulabilidade tem de ser arguida
pelos interessados num determinado prazo e é sanável pelos mesmos mediante
confirmação ou ratificação.
O acto jurídico pode ser meramente ineficaz. Esta ineficácia surge, na maior parte
dos casos, através de uma situação de inopnibilidade de um acto (inexistente e válido)
a certas pessoas. Por exemplo: é ineficaz o acto normativo não publicado e o acto
administrativo sujeito a publicidade obrigatória que não tiver sido publicitado; os atos de
disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados que sejam realizados pelo
devedor executado são inoponíveis à execução, pelo que tudo se passa como esses actos
não tivessem sido praticados, do mesmo mode, são ineficazes em relação à massa falida
os actos realizados pelo devedor insolvente.

Na teoria da legislação penal se discute o que é que o Estado persegue com as


penas e como é que estas são graduadas. Podemos distinguir três doutrinas:
• Principio ético-retributivo - Uma visão onde a pena infligida ao agente deve ser de
uma gravidade idêntica ao mal que ele causou à vitima: “olho por olho, dente por
dente” - visão primitiva da função da pena criminal.
• Visões mais liberais do sec. XVIII - XIX - a pena tem uma função de prevenção
jurídica. Estas são determinadas como elementos de dissuasão psicológica. Os
destinatários das normas sabem que se violarem uma determinada norma, serão
sancionados por uma determinada pena. Isso colocava uma questão, se utilizássemos
um critério de prevenção geral, quanto maior fossem as penas maior eram as
dissuasões. Por isso é que temos de jogar com o critério de prevenção geral e o
critério ético-retributivo.
• Sec XIX - determinadas pessoas que são criminosos por natureza. Ferri e Lombroso
escrevem livros de anatomia que descrevem o criminoso por natureza (orelhas
afastadas, maçãs no rosto, queixo demasiado projetado). O encarceramento era uma
maneira de a sociedade se proteger destes. É óbvio que estas teorias não têm uma base
real, e se assim fosse deixava de funcionar a lógica da pena criminal: liberdade do
arbítrio.

Há outras medidas de defesa social ou da pena. Por exemplo, um louco perigoso é


considerado inimputável, ou seja insusceptível do juízo de culpa.

Sanções jurídicas
A sanção jurídica é, em conjuntos com os desvaleres dos actos jurídicos, um dos
meios a que o Direito recorre para impor o cumprimento ou evitar o incumprimento
de uma regra jurídica. Esse meio é normalmente a imposição de uma de uma
desvantagem ao infractor da regra, mas também pode consistir na atribuição de uma
vantagem a quem tiver observado a regra.
A sanção manifesta a reprovação da ordem jurídica perante a conduta
antijurídica do infractor, porque, para essa ordem, não é indiferente que as regras sejam
observadas ou violadas. A ordem jurídica pretende que o agente actue em conformidade
com o Direito; a cominação e a aplicação de uma sanção são sempre algo indesejado por
essa ordem.
Genericamente, as sanções podem prosseguir uma finalidade preventiva,
repressiva ou reparadora:
- As sanções realizam uma finalidade preventiva quando elas procuram obstar à
violação do direito, como sucede, por exemplo, quando aquele que praticou um crime
fica inibido de exercer determinadas funções, de molde a acautelar a práticas de um
novo crime.
- As sanções cumprem uma finalidade repressiva quando elas visam impor uma pena ao
infractor, como é o caso por exemplo, da pena de prisão ou da coima.
- As sanções realizam uma finalidade reparadora quando elas visam reconstituir a
situação que existia antes da violação da regra, como sucede, no dever de reparação
dos danos provocados a outrem.
Independentemente de terem uma finalidade repressiva ops reparadora, todas as
sanções prosseguem igualmente uma finalidade preventiva de caráter geral. Assim
sucede porque o receio da sua aplicação conduz o potencial violador a procurar evitar a
violação da regra.

As sanções podem ser preventivas, compulsórias, reconstitutivas,


compensatórias e punitivas.

As sanções preventivas são aquelas que visam prevenir a violação da regra


jurídica. No âmbito civil o seguinte exemplo de sanção preventiva: aquele que for
condenado pelo crime de lenocínio - que consiste em, profissionalmente ou com intenção
lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição por outra pessoa -
pode ficar inibido do exercício das responsabilidades parentais (1913.º, nº1 al.a) Código
Civil).

As sanções compulsórias são aquelas que destinam a levar o infractor a


adoptar, depois da infração ja ter sido cometida, o comportamento devido. Ex: a
pena de prisão ou de multa que é imposta ao devedor que não cumprir a obrigação de
alimentos, pois que, se a obrigação vier a ser cumprida, o tribunal pode dispensar de pena
ou declarar extinta, no todo ou em parte, a pena ainda não cumprida.

As sanções reconstitutivas são aquelas que se destinam a reconstituir a


situação que existiria se o agente não tivesse violado a regra. Podem ser referidas as
seguintes modalidades de sanções destinadas a reconstituir a situação hipotética:
- A reconstituição natural ou indemnização específica, que é a forma de reparação de um
dano através da reposição do lesado na situação que existiria se a lesão se não tivesse
verificado.
- A execução específica, que consiste em obter, através do recurso ao tribunal, a
prestação a que o devedor está obrigado; deste modo se o devedor estiver obrigado a
entregar um automóvel, o credor tem a faculdade de requerer, em execução, que a
entrega lhe seja feita.

As sanções compensatórias são aquelas que se destinam a colocar o lesado


numa situação equivalente àquela que existiria se não tivesse ocorrido a violação da
regra jurídica. Enquanto as sanções reconstitutivas visam restaurar a situação que
existiria sem a violação do direito, as sanções compensatórias têm por finalidade de
atribuir ao lesado o sucedâneo dessa mesma situação. As sanções compensatórias operam
através de uma obrigação de indemnização do lesado que é fixada em dinheiro. Do
disposto no art. 566.º, nº1 do Código Civil resulta que as sanções compensatórias são
subsidiárias das sanções reconstitutivas, dado que a indemnização só é fixada em
dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível (porque por exemplo, o quadro
que devia ser entregue já não existe), não repare integralmente os danos (porque por
exemplo, há lucros cessantes que devem ser reparados), ou seja excessivamente onerosa
para o devedor. A indemnização em dinheiro pode reparar danos patrimoniais ou não
patrimoniais. Os danos patrimoniais são os danos provocados em bens que podem ser
economicamente avaliados. Os danos não patrimoniais (ou morais) são os danos
resultantes da lesão de bens sem expressão económica.

As sanções punitivas são as que consistem na imposição de uma pena ao


infractor da regra jurídica. Atendendo aos respectivo domínio de aplicação, as podem
ser civis, disciplinares, contra-ordenacionais ou criminais.
As penas civis são aquelas que valem no domínio do Direito privado, podendo
referir o seguinte exemplo: a inibição do exercício de responsabilidades parentais àquele
que foi condenado pela prática de abuso sexual de menores.
A pena disciplinar é aquela que corresponde a um infração disciplinar e que é
aplicada por entidades providas de poder disciplinar. Possuem este poder por
exemplo, a entidade patronal relativamente ao trabalhador, as universidades públicas
relativamente aos seus docentes, a Ordem dos Advogados em relação aos advogados. A
pena disciplinar é sempre determinada em função da gravidade da conduta, pelo que ela
pode consistir numa simples admoestação do infractor, mas pode igualmente assumir
maior severidade, como a suspensão e mesmo a demissão de funções do transgressor.
A pena contra-ordenacional é a coima. Esta consiste num montante pecuniário que
deve ser pago pelo infractor.
A pena criminal é aquela que é aplicada ao agente de um crime. A pena criminal pode
ser, entre outras, uma pena de prisão, uma pena de multa, a pena de prestação de trabalho a favor
da comunidade e a pena de admoestação.

Tutela do direito e os meios de autotutela


A tutela é o sistema de coerção que é uma das características do Direito
enquanto sistema normativo complexo. O Estado tem o monopólio da força física em
determinado território. E portanto a tutela privada de direitos é uma excepção. Aquele
que numa determinada situação estiver a ser agredido e se defender, caso típico da
legítima defesa, que é uma das formas de auto-tutela de direitos que tem depois no plano
da ilicitude do ato, uma causa de justificação.
A ordem jurídica atribui situações subjectivas que necessitaram de ser acauteladas
antes de qualquer violação e de ser reparadas após a sua violação. Isto implica que a
ordem jurídica tem de comportar meios de tutela de situações sujeitavas.
Os meios de tutela jurídica podem ser meios de autotutela ou de heterotutela. Os
meios de autotutela consistem na realização do direito pelo próprio ofendido, ou seja,
sem recurso a uma entidade ou a um órgão imparcial e independente para dirimir o ligíto.
A heterotutela é uma forma de resolução de conflitos de interesses através de órgãos
imparciais e independentes. Esta forma pressupõe, quase sempre, o recurso aos
tribunais estaduais, que são órgãos de soberania com competência para administrar a
justiça em nome do povo. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a
defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação
da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
Apesar do seu ambira subsidiário e residual, a autotutela encontra algumas
manifestações na ordem jurídica portuguesa. É o caso da legítima defesa, do direito de
resistência, do estado de necessidade e da acção direta.

A defesa é legítima quando visa reagir contra a agressão alheia, tanto sobre
uma pessoa, como sobre um património. A legítima defesa pode ser utilizada
para defender qualquer direito pessoal (respeitante, por exemplo, à vida, ao corpo,
à liberdade, à privacidade ou à honra) ou patrimonial (relativo por exemplo, à
propriedade). No plano civil, considera-se justificado (e, portanto, lícito) o ato
destinado a afastar qualquer agressão actual e contrária à lei contra a pessoa ou
património do agente ou de terceiro, desde que não seja possível fazê-lo pelos
meios normais e o prejuízo causado pelo acto não seja manifestamente superior ao
que pode resultar da agressão (art. 337.º,nº1, Código Civil). No plano penal,
constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a
agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de um
terceiro. A legítima defesa está subordinada a um principio de
proporcionalidade, pois que não pode ser desproporcionada em relação ao bem
que é atingido pela ofensa. Se tal suceder, há excesso de legítima defesa (art
337.º,nº1, Código Civil). No âmbito penal, se o excesso resultar de perturbação,
medo ou susto não censurais, o agente não é punido, porque beneficia de uma
exclusão da culpa (art. 33.º, nº2, CP). A legítima defesa tem de ser actual, e tem de
haver impossibilidade de recorrer à autoridade pública.

O Direito de resistência possui uma longa tradição histórica, mas o moderno


constitucionalismo atenuou bastante a sua importância. No ordenamento jurídico
português, o Direito de resistência é uma modalidade da legítima defesa que se
caracteriza por atribuir a uma pessoa quer o direito a resistir a qualquer ordem que
ofenda os seus direitos, liberdades e garantias, quer o direito de repelir pela força
qualquer agressão contra esses direitos, liberdades e garantias, quando não seja
possível recorrer à autoridade pública (art.21º Constituição). Na primeira situação, a
resistência é passiva (por exemplo, o não cumprimento de ordens ou instruções que
impliquem a prática de um crime (art.271, nº3 da Constituição); na segunda a resistência
é ativa.

O estado de necessidade visa evitar a consumação ou aumento de um dano. O


estado de necessidade distingui-se da legítima defesa pela circunstância de não pressupor
nenhuma agressão praticada contra o agente. No âmbito civil, considera-se lícita a acção
daquele que destruir ou danificar uma coisa alheia com o fim de remover o perigo atual
de um dano manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro (art. 3390.º, nº1,
Código Civil). Quem actua em estado de necessidade não actua de forma ilícita, desde
que on dano que pretende evitar a ele próprio ou a terceiro seja manifestamente superior
àquele que causa a outra terceiro. No âmbito penal, não é ilícito o facto praticado como
meio adequado para afastar um perigo actual que ameace interesses juridicamente
protegidos do agente ou de terceiro, quando a situação de perigo não ter sido
voluntariamente criada pelo agente, quando houver sensível superioridade do interesse a
salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado e quando for razoável impor ao lesado
o sacrifício do seu interesse em atenção à natureza ou ao valor do interesse ameaçado
(art. 34.º Constituição). O estado de necessidade pode ser agressivo ou defensivo. No
estado de necessidade agressivo, o agente destrói ou danifica uma coisa para
remover um perigo. Por exemplo: para salvar uma criança de morrer de uma intoxicação
de gás, é lícito partir uma janela ou arrombar uma porta. No estado de necessidade
defensivo, o agente destrói ou danifica a própria coisa que cria o perigo. Por
exemplo: para evitar uma ameaça a pessoas, é lícito matar o leão que fugiu da jaula do
circo.
O acto praticado em estado de necessidade só é justificado quando possa remover
um dano manifestamente superior àquele que vai ser causado pelo agente que actua com
base nele. Nas hipóteses nas quais o dano que se pretende evitar não seja manifestamente
superior àquele que se vai causar, pode verificar-se o chamado estado de necessidade
desculpante. No âmbito penal, se agente actuar com a convicção errónea de que se
verificam os elementos só tipo justificador do estado de necessidade, constitui-se o
estado de necessidade putativo e são aplicáveis as disposições relativas ao erro.

A acção direita torna lícito o recurso à força com o fim de realizar ou


assegurar um direito próprio - nunca, portanto, um direito de terceiro - , quando ela
for indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios
coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito, contento que o
agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo. Dado que a acção
direita é um sucedâneo da heterotutela , só direitos que possam ser evocados ser
invocados e protegidos em juízo podem ser objecto daquela acção.

Direito comparado

O Direito Comparado ocupa-se da comparação entre várias ordens jurídicas ou


entre institutos de diferentes ordens jurídicas. O Direito Comparado serve-se do método
comparativo, que consiste na análise das semelhanças e das diferenças entre os direitos
ou os institutos escolhidos para comparação

O Direito Comparado assenta na comparação entre diferentes ordens jurídicas ou


entre alguns dos seus institutos e não é - naturalmente - um direito vigente em nenhum
ordenamento jurídico. A comparação de direitos que é realizada através do Direito
Comparado pode ser uma macrocomparação ou uma microcomparação.
A macrocomparação incide sobre as ordens jurídicas consideradas na sua
globalidade e permite distinguir os vários sistemas de direito;
A microcomparação incide sobre institutos jurídicos e procura analisar que
semelhanças e diferenças existem na regulação de um mesmo instituto jurídico (como,
por exemplo, a responsabilidade civil, o casamento ou a sucessão mortis causa) em
diferentes ordens jurídicas.

O sistema romano-germânico

O sistema romano-germânico tem uma base romanística. As ordens jurídicas


pertencentes ao sistema romano-germânico - como é o caso da portuguesa - formaram-se
através de recepção do Direito romano, muito facilitada pela compilação constante do
Corpus Iuris Civilis e elaborada por Iustinianus (527-565) no Século VI.
A recepção do Direito Romano - que também se verificou em territórios que nunca
pertenceram ao Império Romano - ocorreu, segundo varias ópticas, em especial na Alta
Idade Média (Séculos XII e XIII), no Renascimento e na Época Humanista (Séculos XVI
e XVIII) e, por fim, durante a Pandectística alemã (Séculos XVIII e XIX). As
Universidades desempenharam um papel fundamental nessa recepção, pois foi nelas que
se formaram as grandes escolas e correntes de pensamento que acompanharam o
movimento de recepção (como as Escolas dos Glosadoras e dos Comentadores, o usos
modernus Pandectarum e a Pandectística).
Através da colonização e de outros eventos históricos, o sistema romano-
germânico expandiu-se para outras zonas do globo, nomeadamente para África, a
América Latino e o Extremo Orienta (com destaque para o Japão e a Coreia).,
No sistema romano-germânico, a lei é a principal fonte do direito, o que
motivou a elaboração de constituições políticas escritas e a codificação das principais
áreas jurídicas. Nesse sistema, o costume e a jurisprudência (que resulta das decisões dos
tribunais proferidas na solução de casos concretos), embora possam ser igualmente fontes
do direito, assumem um papel secundário.
No sistema romano-germânico, a técnica cientifica caracteriza-se essencialmente
pela concepção do direito como um sistema. Daí resulta que as leis são abstratas
(aplicáveis a uma multiplicidade indeterminada de casos concretos) e gerais (aplicáveis a
uma pluralidade indeterminada de destinatários) e que a analogia entre o caso omisso e o
caso regulado é o primeiro critério de integração de lacunas.
No sistema romano-germânico, a lei constitui a principal fonte do Direito e nele
dá-se particular importância à sistematização do direito e à abstração e generalidade das
leis, Importa assim referir uma consequência directa destes postulados: o movimento de
codificação.
O código contem um sistema ordenado de regras jurídicas respeitantes a uma
determinada matéria jurídica. A codificação moderna - que é aquela que ocorreu
depois do Século XVIII - tem várias causas, nomeadamente ideológicas e políticas. As
causas ideológicas da codificação encontram-se no jusracionalismo e nas ideias de
sistematização, de ordenação e de abstração que decorrem dessa orientação jusfilosófica.
As causas politicas da codificação reportam-se à demonstração de um poder político
forte, ao favorecimento da unificação política (como sucedeu nos casos da Alemanha e
Itália) e à definição de regimes jurídicos universais e não discriminatórios, isto é,
destinados a abolir os privilégios que algumas classes possuíam no Ancien Regime.
A codificação requer algumas condições técnico-jurídicas. Um código exige uma
ordenação sistematizada de regras e regimes jurídicos, pelo que só um determinado grau
de maturação juscientífica permite chegar à codificação.
A codificação apresenta vantagens e desvantagens. As principais vantagens de
codificação são a facilidade no acesso ao Direito vigente, a sistematização e ordenação
das matérias e, por fim, a orientação do aplicador na solução dos casos concretos. As
principais desvantagens da codificação são a rigidez da regulamentação jurídica e a
fixidez da doutrina, porque esta tende a seguir as soluções que constam nos códigos.
A propósito das vantagens e das desvantagens da codificação importa referir a
célebre controvérsia entre Thibaut (1772-1840) e Savigny (1779-1861). Thibaut
defendia a necessidade da codificação do Direito civil alemão, dado que ela favoreceria a
integração política e democrática da Alemanha. No mesmo sentido, Hegel (1770-1831)
concluía que “retirar a uma nação instruída ou à classe jurídica da mesma a capacidade de
elaborar um Código […] seria uma das maiores afrontas que poderia ser feita a uma
nação ou àquela classe”. Em contrapartida, Savigny, o fundador da Escola Histórica,
era contrário à elaboração de um Código Civil, porque isso quebraria a espontaneidade do
Direito na vida social a forma “orgânica” como ele se constitui a partir das convicções do
povo: a fonte do Direito deve ser o espirito do povo, pois que “o Direito […] cresce com
o povo, desenvolve-se com este e, por fim, morre, do mesmo modo que o povo perde a
sua identidade”. Assim, a codificação era vista por Savigny como um obstaculo ao
desenvolvimento do Direito e, nesta mesma linha, Savigny qualificou o então recente
Code Civil francês como uma “doença política [entretanto] curada”. Por ironia do
destino, a pujante produção cientifica da Escola Histórica haveria de ter enorme
influência na preparação e elaboração do futuro BGB.
A distinção entre o direito público e o direito privado é bastante antiga e
continua a ter grande importância no sistema romano-germânico. Para tentar
estabelecer uma distinção entre estes, podemos no focar em três critérios:
• Critério do interesse: o Direito público respeita a interesses públicos e o Direito
privado refere-se a interesses privados.
• Critério da qualidade dos sujeitos: o Direito público é aquele que tem como sujeitos
entes públicos e o Direito privado é aquele que regula as situações entre particulares.
• Critério da posição dos sujeitos: o Direito público é aquele em que os entes públicos
intervêm dotados de poderes de soberania (ius imperii) e o Direito privado é aquele em
que os sujeitos, ainda que públicos intervêm numa postiças de paridade com os outros
interessados. Apesar do seu caracter algo formal, é o critério habitualmente seguido
para distinguir entre o Direito público e o Direito privado.

Sistema de common law


O Direito Romano chegou a vigorar nas Ilhas Britânicas, mas foi erradicado pela
conquista Normandia ocorrida em 1066. Na falta de um direito vigente, as decisões dos
tribunais assumiram então um papel primordial, tendo-se friccionado que essas decisões
se fundavam num pretenso direito comun a todos os povos das Ilhas Britânicas - o
chamado common law.
O common law mostrou-se insuficiente para resolver satisfatoriamente todos
os casos concretos, pelo que no Século XV o Chanceler passou a decidir, em nome do
Rei, certos casos que não podiam ser resolvidos pelo common law: assim se formou a
equity, que assumiu uma função paralela à do common law.
Com a colonização da América do Norte, o sistema anglo-saxónico passou para os
EU (onde, aliás recebeu um elemento que não constava da sua matriz: a aceitação da
escravatura). A expansão do sistema anglo-saxónico verificou-se igualmente para outros
territórios, situados, nomeadamente, em África e na Oceânia (com destaque para a
Austrália e a Nova Zelândia).
No sistema common law, a jurisprudência assume um papel determinante
como fonte do direito, pois que funciona nele a regra do precedente (precedent rule): o
precedente fixado pelos tribunais superiores na decisão de casos concretos é vinculativo
para os tribunais inferiores quando estes apreciem casos análogos.

Sistema muçulmano

O sistema muçulmano caracteriza-se por uma ligação estreita entre o Direito


e a religião. A religião muçulmana comporta, além de certos dogmas algumas regras de
comportamento: a lei divina (char’ ou chari’a) define as obrigações quer do homem
perante Deus (como a oração e o jejum), quer do homem perante os seus semelhantes.
A ligação do direito muçulmanos com a religião decorre do facto dês as fintes de
Direito se encontrarem na religião. Em concreto, essas fontes são as seguintes:
• O Corão (Qur’an), que é o livro sagrado dos muçulmanos dos muçulmanos e no qual
se contêm as revelações de Deus (Alá) o Profeta Maomé;
• A Suna, que é constituída pelas h’adith, ou seja, pelas tradições relativas à conduta,
aos actos e aos propósitos do Profeta Maomé;
• O Idjma’, que é a opinião unânime dos jurisconsultos do islão (fuqahâ); o Idjma’
completa o Corão e a Suna e desempenhou uma função primordial na evolução e
actualização do direito muçulmano, pelo que é, em termos práticos, a principal fonte
desse direito.
A necessidade de adaptar o direito muçulmano à evolução dos tempos levou a que
o costume tenha assumido alguma importância como fonte do direito. Além disso, a
autonomia privada tem sido utilizada para contornar algumas proibições impostas pelo
direito muçulmano (como a proibição do empréstimo a juros ou contrato de seguro).

Delimitação das fontes de Direito

Delimitação positiva

As fontes de Direito são modos de relevação de critérios normativos


(genéricos) de decisão de casos concretos. Esta noção de fonte do Direito assenta num
critério gnosiológico - as fontes do direito são “um fundamento do conhecimento de algo
como direito” - porque ela considera essas fontes como um modo de conhecimento de
critérios de decisão.

Especies intencionais/não intencionais.


Quanto ao modo de formação, as fontes podem ser intencionais ou não
intencionais.
As fontes intencionais (ou voluntárias) são aquelas que têm na sua origem um
acto normativo: é o caso, por exemplo, da lei. As fontes intencionais pressupõem um
órgão com competência legislativa ou regulamentar para elaborar a lei e, por isso mesmo,
exigem uma lei que confira poderes normativos a esse órgão,
As fontes não intencionais (ou não voluntárias) são aquelas que têm não sua
origem um facto não voluntário de produção normativa. O costume constitui por
exemplo de uma fonte não intencional.

Imediatas e mediatas
Quanto à eficácia, as fontes do Direito costumam ser classificadas em imediatas e
mediatas.
As fontes imediatas são fontes por si próprias, não necessitando de nenhuma
outra fonte que as qualifique como tal; as fontes imediatas possuem uma juridicidade
própria.
As fontes mediatas são qualificadas como tal por uma uma fonte imediata; as
fontes mediatas retiram a sua juridicidade de uma imediata
O art. 1º, nº1 do Código Civil dispõe que as fontes imediatas do Direito são as leis
e as normas corporativas. Sem discutir - por ora - o carácter exaustivo desta enumeração
legal, pode desde já concluir-se que as leis e as normas corporativas são sempre fontes
imediatas e que estas e que estas podem atribuir o carácter de fontes mediatas a outros
modos de revelação de critérios normativos de decisão (art. 3º nº1 Código Civil).

Internas e externas
Quanto à origem, as fontes do Direito podem ser internas ou externas.
As fontes internas (de ordenamento) são as fontes que têm origem nessa
mesma ordem jurídica;
As fontes externas (de um ordenamento) são as fontes que têm origem numa
outra ordem jurídica e que vigoram nesse ordenamento regras de recepção. Note-se
que estas regras podem ser impostas por um sistema a outro sistema jurídico: é o que
sucede quando um sistema é subordinado (ou não autónomo) perante outro.

Simples e complexas
As fontes do Direito podem ser simples ou complexas,
As fontes simples provêm de um único facto normativo.
As fontes complexas são aquelas que são constituídas por um facto originário
e por um facto posterior à produção da fonte. As fontes complexas são compostas pelo
facto originário e por um ou vários factos supervenientes, como a novação da fonte por
outro facto originário ou a modificação da fonte por interpretação autêntica. A novação da
fonte verifica-se quando a regra contida na fonte se mantém, mas com alteração do facto
normativo. Por exemplo: quando a lei consagra uma solução que já constava de um
decreto-lei ou já vigorava como regra consuetudinária, a regra mantem-se, embora com
uma nova fonte.

Delimitação negativa

A doutrina
A doutrina decorre do trabalho dos juristas sobre a lei e manifesta-se na
opinião sobre a solução de um certo problema jurídico. A doutrina pode ser fonte de
Direito num sentido individual ou colectivo. Pode ser atribuída a qualidade de fonte de
direito à resposta dada por um jurisconsulto a um problema jurídico. Também pode ser
concedida a qualidade de fonte do direito à orientação uniforme ou, pelo menos,
prevalecente da doutrina sobre a resposta a dar a uma questão jurídica.
No Direito português actual a doutrina não é fonte de Direito. Nenhuma
opinião doutrinaria - nem mesmo aquela que seja unânime - tem qualquer poder
vinculativo para os tribunais ou para qualquer outro órgão de aplicação do direito. As
teorias construídas e as proposições enunciadas pela doutrina não são fontes de Direito.
Isso não deve fazer esquecer o papel fundamental da doutrina na vida
jurídica. É indiscutível que a doutrina molda o direito vigente, criticando as soluções. É
igualmente incontestável que a doutrina exerce uma força persuasiva sobre os tribunais e
os outros aplicadores do Direito, pois que, se ela se orienta num certo sentido quanto à
solução a dar a um certo problema ou se um jurisconsulto de especial renome se
pronuncia sobre a resposta a dar a uma questão jurídica, é claro que isso não pode deixar
de produzir um efeito persuasivo sobre o órgão de aplicação do direito. Por estas razões,
não é exagero afirmar que, apesar de a doutrina não ser uma fonte do Direito na
generalidade das ordens jurídicas, o Direito que é aplicado nessas ordens é muito mais “o
Direito dos juristas” do que o “Direito dos códigos”.

A jurisprudência
A função jurisdicional é exercida pelos tribunais, aos quais compete
administrar a justiça em nome do povo. A jurisprudência é o resultado da actividade
decisória dos tribunais na resolução de casos concretos.
A decisão proferia por um tribunal na apreciação de um caso concreto pode ser
vinculativa na apreciação de casos análogos pelo mesmo ou por outro tribunal: nesta
pipotes, essa decisão consistiu um precedente obrigatório e torna-se uma fonte de Direito.
Nos sistemas de Direito Romano-Germânico o principio é o de que as decisões dos
tribunais não constituem precedente vinculativo na apreciação de casos concretos
Numa afirmação muito conhecida, Montesquieu (1689-1755) referiu que “[…] os
juízes da nação não são […] a boca que pronuncia as palavras da lei”. A visão que se tem
hoje da jurisprudência é substancialmente diferente, sendo reconhecido que o juiz, longe
de ser um autómato que aplica a lei a casos concretos, constrói a decisão do caso concreto
a partir das fontes e desempenha uma função informadora da ordem jurídica. O sentido
actual da jurisprudência está muito próximo do seu étimo latino (juris + prudentia), dado
que a prudentia latina integra a sabedoria prática e a capacidade de raciocinar e de decidir
de forma sensata.
A jurisprudência não é fonte do Direito, mas isso não deve fazer esquecer o
importante papel que ela desempenha na vida jurídica. Qualquer decisão dos tribunais - e,
principalmente, dos tribunais superiores - constitui um modelo para outras decisões sobre
a mesma questão de Direito. Se é verdade que a jurisprudência não é fonte do Direito, ela
é sempre uma fonte do conhecimento do Direito.

Modalidades das fontes de Direito

Fontes externas

Direito internacional
O Direito internacional público tem diversas fontes, tal como consta do art. 38º,
nº1, ETIJ, havendo que distinguir, quanto a elas, entre o Direito internacional comum e
convencional.
O Direito internacional comum é constituído, entre outras fontes, pelo costume
internacional (resultante de uma “prática geral aceite como Direito”) e pelos princípios
gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas. Aquele costume e estes princípios
fazem parte integrante do Direito português (art. 8.º, nº1 da Constituição).
O Direito internacional convencional é construído pelas convenções
internacionais - que, quando ratificadas ou aprovadas, vigoram na ordem jurídica
portuguesa depois de publicadas (art. 8º, nº2 da Constituição) - e por outros instrumentos
de harmonização e de unificação legislativa que são ou se tornam vinculativos para os
Estados - como é o caso das normas emanadas dos órgãos competentes das organizações
internacionais de que Portugal seja parte, as quais vigoram directamente na ordem
interna, quando tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos (art. 8º,
nº3 da Constituição).

Direito europeu
Atendendo a que Portugal é um dos Estados-membros da União Europeia,
importa considerar o direito europeu - originário e derivado - que vigora na ordem
jurídica portuguesa. O direito europeu originário é constituído pelos tratados que
estão na origem da UE: este direito é recebido na ordem jurídica portuguesa através dos
disposto no art. 8º, nº4 da Constituição. O Direito europeu derivado é constituído pelo
direito proveniente dos órgãos das instituições europeias (designadamente, o Conselho
Europeu, a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu): este direito é recebido no
ordenamento jurídico português através do estabelecido no art. 8º, nº4 da Constituição.
O direito europeu rege-se por alguns princípios fundamentais. Quanto à sua
criação, o direito europeu orienta-se pelo princípio da subsidiariedade: segundo este
princípio, a UE intervém apenas se e na medida em que objectivos não possam ser
suficientemente realizados pelos Estados-membros e, em contrapartida, possam ser
melhor alcançados ao nível europeu (art. 5º, nº1 e 3, TUE).
Quanto à sua aplicação, o direito europeu orienta-se pelos princípios do primado e
do efeito directo (ambos, aliás com origem jurisprudencial). Segundo o princípio do
primado, o Direito europeu prevalece sobre o Direito interno dos Estados-Membros.
Segundo o princípio do efeito directo, os efeitos imediatos, produzidos pelo direito
europeu na esfera dos indivíduos, devem ser respeitados pelos estados-membros.
As principais fones do Direito europeu derivados são os regulamentos, as diretivas
e as decisões. Em concreto:
• Os regulamentos têm um caracter geral, sendo obrigatórios em todos os sues elementos
e directamente aplicáveis em todos os estados-membros.
• As directivas vinculam o estado-membro destinatário quanto ao resultado a alcançar,
deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos
meios; as directivas necessitam, por isso, de um acto de transposição.
• As decisões são obrigatórias em todos os seus elementos para os respectivos
destinatários.

Fontes internas imediatas

As fontes do Direito internas são a lei, as normas corporativas e o costume.

Lei
A lei tem dentro das fontes intencionais, especial relevância. A lei é considerada
uma fonte imediata pelo artigo 1.º, nº1 do Código Civil e pode ser definida como
qualquer enunciado linguistico cujo significado seja uma regra jurídica.
É usual distinguir-se entre leis em sentido material e formal.
A lei em sentido material é qualquer enunciado linguístico cujo o significado
seja uma regra jurídica - é uma norma jurídica escrita.
A lei em sentido formal é o enunciado linguistico cujo significado é uma regra
jurídica e que emana de um órgão com competência legislativa e, portanto, de um
acto legislativo (art. 112º, nº1 da Constituição). Assim, atendo a que, para este efeito, há
que considerar, como órgãos com competência legislativa, a Assembleia da República, o
Governo e as Assembleias Legislativas Regionais, são leis em sentido formal:
- As leis constitucionais, isto é, aquelas que provêm da Assembleia da República, no
exercício de poderes constituintes (art. 161º a) e 166.º, nº1 da Constituição);
- As leis da Assembleia da República (art. 161.º c) e 166.º nº3 da Constituição),
incluindo as leis orgânicas (art. 166.º nº2, e 168.º nº5 da Constituição ), e as leis
reforçadas (art. 168.º nº5 da Constituição);
- Os decretos-lei do Governo (art. 198.º, nº1 da Constituição);
- Os decretos legislativos regionais (art. 227º nº1 da Constituição).
Um caso especial da lei em sentido material é a lei interpretativa, que é a lei
que realiza a interpretação autêntica de outra lei. A lei interpretativa não tem um
carácter inovatório, o que justifica a atribuição de eficácia retroativa a essa lei (art. 13.º
nº1 da Constituição). Isto significa que a lei interpretada vai ser aplicada, com o sentido
que lhe foi dado pela lei interpretativa, mesmo a factos ocorridos antes do início de
vigência desta lei.
As relações entre as leis em sentido formal e em sentido material podem ser
diversas. Há leis que são simultaneamente leis materiais (porque são enunciados cujo
significado são regras jurídicas) e formais (porque provêm de órgãos com competência
legislativa). As leis emanadas dos órgãos de soberania são, na sua generalidade,
simultaneamente leis em sentido material e em sentido formal. É o que sucede, por
exemplo, com uma lei da Assembleia da República (art. 161.º c) da Constituição) ou com
um decreto-lei do Governo (art. 198.º nº1 a) da Constituição).
Há leis em sentido material que não são leis em sentido formal (porque não
provêm de órgãos com competência legislativa ou não provêm de órgãos no exercício de
competência legislativa). É o caso respectivamente, dos regulamentos das autarquias
locais (art. 241.º da Constituição) e dos regulamentos do Governo (art. 199.º c) e 112.º
nº6 da Constituição)
Um problema importante é o de saber em que sentido deve ser entendida a
referência à lei nos textos legais, pois que, muitas vezes, pode questionar-se se essa
referência se reporta a leis em sentido material ou em sentido formal. Não parece que
possa ser dada uma resposta única a esta questão, tudo dependendo da interpretação da
fonte legal. Por exemplo: a igualdade dos cidadãos perante a lei (art. 13º nº1 da
Constituição) é uma igualdade perante qualquer lei, seja em sentido material ou em
sentido formal; a vinculação dos tribunais à lei (art. 203º da Constituição) vale quer para
a lei material, quer para a lei formal. Em contrapartida, as leis restritivas de direitos,
liberdades e garantias (art. 18.º nº2 e 3 da Constituição) só podem ser leis formais, porque
essas restrições cabem na reserva relativa de competência da Assembleia da República
(art. 165.º, nº1 b) da Constituição); o mesmo pode ser dito das deus que criam impostos
(art. 165.º nº1 b) da Constituição), porque a criação de impostos só pode ser realizada
através de uma lei da Assembleia da República ou, na sequência de uma autorização
legislativa, de um decreto-lei do Governo (art. 165.º nº1 i) da Constituição).
Actos normativos
A toda a lei está subjacente um acto normativo. O disposto no art. 112.º da
Constituição mostra que o acto normativo pode ser um acto legislativo ou um acto
regulamentar: o acto legislativo decorre do exercício de uma competência legislativa do
órgão que o pratica e dá origem a uma lei em sentido formal; o acto regulamentar decorre
do exercício de uma competência administrativa do órgão que o realiza e produz um
regulamento.
Excepto no caso dos regulamentos independentes (art. 112. º nº6 in fine, da
Constituição), do acto regulamentar deve constar a lei que ele visa regulamentar ou que
define a competência subjetiva e objetiva para sua emissão (art. 112.º, nº7 da
Constituição). Este regime justifica-se pela circunstância de o acto regulamentar se
destinar a possibilitar a “boa execução das leis” (art. 199.º c) da Constituição).
Actos legislativos
As leis em sentido formal decorrem de actos legislativos. Estes actos constituem
uma tipologia taxativa: nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos,
nem conferir a actos de natureza não legislativa o poder de, com eficácia externa,
interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos (art.
112.º, nº5 da Constituição).
Nos actos legislativos, há que considerar os seguintes (art. 112.º nº1 da
Constituição):
- As leis da Assembleia da República, o que inclui as leis constitucionais (art. 166.º nº1 e
286.º nº2 da Constituição), as leis orgânicas (art. 166 nº2 e 168.º nº5 da Constituição),
as leis de valor reforçado (art. 112.º nº3, 166.º nº2, 168.º nº5 e 6 da Constituição), e as
leis (ordinárias) (art. 166.º nº3 da Constituição); estas leis devem ser promulgadas pelo
Presidente da República (art. 134.º b) da Constituição) devendo esta promulgação ser
referendada pelo Governo (art. 197.º nº1 a) da Constituição).
- Os decretos-leis pelo Governo (art. 198.º nº1 da Constituição); os decretos-leis devem
ser promulgados pelo Presidente da República (art. 134.º b) da Constituição) sendo
depois esta promulgação ser referendada pelo Governo (art. 197.º nº1 a) da
Constituição).
- Os decretos legislativos regionais (art. 112.º nº4 e 227.º nº1 da Constituição); os
decretos legislativos regionais são assinados pelo Representante da República na
respectiva região autónoma (art. 233.º nº1 da Constituição).
Actos regulamentares
Os actos regulamentares não estão abrangidos pelo numerus clausus que é imposto
pelo art. 112.º nº5 da Constituição aos actos legislativos, pelo que podem ser criados
quaisquer actos regulamentares e pode ser conferida a actos de outra natureza o
poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou
revogar qualquer dos seus preceitos.
Nos actos regulamentares, há que distinguir aqueles que provêm do Governo e
aqueles que são produzidos por outras entidades. Provêm do Governo os seguintes
regulamentos:
- Os decretos e os decretos regulamentos (art. 112 nº6 e 199.º c) da Constituição); os
decretos regulamentares devem ser promulgados pelo Presidente da República (art.
134.º b) da Constituição) sendo depois esta promulgação ser referendada pelo Governo
(art. 197.º nº1 a) da Constituição); os demais só são assinados pelo presidente da
República (art. 134.º b) in fine da Constituição);
- As portarias, os despachos normativos e as soluções do Conselho de Ministros; estes
regulamentos não estão previstos, como tal, na Constituição, mas têm uma base
consuetudinária; estes regulamentos não necessitam de promulgação presidencial
São produzidos por outras entidades os seguintes regulamentos, qualquer que seja
a forma de que se possam revestir:
- Os regulamentos administração autónoma, como, por exemplo, as posturas e os
regulamentos municipais (art. 53º nº2 a), L 169/99, de 18/9) e as posturas e
regulamentos das juntas de freguesia (art 17.º nº2 j), L 169/99)
- Os regulamentos da administração indirecta, nomeadamente aqueles que são
produzidos pelas entidades administrativas independentes com função de regulação e
de supervisão, como Banco de Portugal (art. 102.º da Constituição), a Comissão do
Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM), o Instituto de seguros de Portugal (ISP) e
a Autoridade Nacional das Comunicações (ANACOM);
- Os decretos regulamentares regionais, que são regulamentados da competência dos
Governos regionais;
- Os estatutos, que são regulamentados produzidos por pessoas colectivas de direito
público e destinados a definir a sua organização interna (por exemplo: Estatutos da
Universidade de Lisboa, Estatutos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa);
- Os regimentos, que são regulamentados que definem o modo de funcionamento de
órgãos colectivos (por exemplo: Regimento da Assembleia da República ou o
Regimento do Conselho de Estado);
- As instruções, que são actos de carácter administrativo que regulam a organização de
um serviço administrativo, bem como os procedimentos nele adoptados e as condutas
nele exigidas.
Actos atípicos
Além dos actos legislativos e dos actos regulamentares, há ainda actos normativos
de carácter atípico. É o caso, por exemplo, dos decretos do Presidente da República, das
resoluções da Assembleia da República e dos decretos dos Representantes da República
nas Regiões Autónomas.
Âmbito territorial
As leis (só materiais ou simultaneamente materiais e formais) podem ser centrais,
regionais e locais:
- As leis centrais são as leis produzidas pelos órgãos de soberania e destinadas em
princípio, a vigorar em todo o território nacional; essas leis podem provir da
Assembleia da República (art. 166.º nº1 a 3 da Constituição) ou do Governo (art. 198.º
nº1 e 199.º c) da Constituição).
- As leis regionais são as leis emanadas pelos órgãos legislativos das Regiões
Autônomas dos Açores e da Madeira (art. 227.º nº1 da Constituição).
- As leis locais são as leis (só em sentido material) produzidas pelas autarquias locais
(art. 241.º da Constituição).
As autarquias locais são pessoas colectivas territoriais (art. 235.º nº2 da
Constituição) e as leis (em sentido material) delas emanadas são fontes do Direito. O
disposto do art. 241.º da Constituição enquadra a competência das autarquias locais: as
leis das autarquias locais só podem revestir-se de carácter regulamentar, devendo a
obedecer à Constituição, às leis e aos regulamentos emanados das autarquias de grau
superior ou das autoridades com poder tutelar.
Âmbito legal
As leis soa definidas no art. 1.º nº2 1.ª parte Código Civil, como as disposições
genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes. de acordo com esta noção, pode
deduzir-se que a lei apresenta na sua definição legal, as seguintes características: a
providência de um órgão estudar com competência para a produzir, e o seu carácter
genérico, isto é, o número indeterminado dos seus destinatários.
Da comparação da noção de lei que consta do art. 1.º nº2 1.ª parte Código Civil,
com lei em sentido material e formal pode concluir-se que aquela noção não coincide
com nenhum destes possíveis sentidos da lei. Ela não coincide com as leis em sentido
material, porque há leis em sentido material que não provêm de órgãos estaduais: é o
caso, por exemplo, das posturas e regulamentos municipais. A noção legal que se
encontra no art. 1.º nº2 1.ª parte Código Civil, também não coincide com as leis em
sentido formal, porque há leis em sentido formal que não provêm de órgãos estaduais: é o
caso por exemplo, dos decretos legislativos regionais.

Normas comparativas

O direito não é todo de origem estadual: alguns órgãos infra-estaduais


também podem produzir Direito. É o que acontece com as organizações corporativas,
de que são exemplo as Ordens profissionais (como a Ordem dos Advogados e a Ordem
dos Médicos) e as federações desportivas (como a Federação Portuguesa de Futebol ou
de Andebol). No ordenamento jurídico português, as normas corporativas são fontes
imediatas de Direito (art. 1.º, nº1 Código Civil).
As normas corporativas estão definidas no art. 1.º nº2 2ª parte Código Civil, como
aquelas que são ditadas pelos organismos representativos das diferenças de categoria
morais, culturais, económicas ou profissionais, no domínio das suas atribuições, bem
como os respectivos estatutos e regulamentos internos. Assim, são normas corporativas,
entre outras, os regulamentos internos. Assim, são normas corporativas, entre outras, os
regulamentos elaborados pela Ordem dos Advogados quer quanto à inscrição de
advogados e de advogados estagiários, quer quanto ao regime disciplinar aplicável aos
advogados.
As normas corporativas não podem contrariar as disposições legais de
carácter imperativo (art. 1º, nº3 Código Civil). Embora sejam consideradas como fontes
imediatas do Direito (art. 1º, nº1 Código Civil), as normas corporativas subordinam-se
à lei.

Características da lei

A lei é normalmente abstracta e geral, embora, em certos casos, ela também


possa ser concreta (quanto ao âmbito de aplicação material) e individual ou colectiva
(quanto ao âmbito de aplicação subjectivo).
Caráter abstrato
A lei é abstrata quando ela se refere a uma pluralidade indeterminada de
situações ou de factos, ou melhor, quando a sua previsão se refere a uma categoria
de situações (por exemplo, a conduta que provoca danos, a celebração de um contrato ou
a morte de aluguem) e não a uma situação concreta (por exemplo, a conduta de danosa de
S1, a celebração de contrato por S2, ou a morte de S3). A abstração implica que a lei
vale para uma pluralidade indeterminada de casos.
Pode entender-se que a abstração da lei impõe que ela se refira a situações ou
a factos futuros. Neste sentido, a abstração não é uma característica das leis que se
referem a factos passados (como por exemplo, a lei que concede uma bolsa de estudo aos
estudantes que, nos três anos lectivos anteriores, tenham obtido uma determinada
classificação) e das leis que atingem factos passados ( como por exemplo, a lei que
considera válidos os contratos que, contra o disposto na lei vigente no momento da sua
celebração, não tenham sido celebrados por escrito).
Parece discutível que a abstração da lei implique não possa haver leis abstratas
quando as mesmas utilizam factos passados na sua previsão (leis com retroconexão) ou
regulam fastios passados (leis retroactivas). Há que distinguir duas situações. uma delas é
aquela em que a lei se refere a uma categoria de factos passados: neste caso a lei é
abstrata. Por exemplo: a lei da Assembleia da República que amnistia certos crimes (art.
161.º f) da Constituição) é uma lei referida a factos passados, mas, por essa circunstância,
não deixa de ser abstracta, porque ela respeita todos os crimes (já punidos ou ainda não
punidos) praticados no passado. A outra é aquela em que a lei se refere a factos passados
concretos: nesta hipótese a lei não é abstrata. Por exemplo: a lei que consta do decreto do
Presidente da República que indulta uma pena (art. 134.º f) da Constituição) não é
abstracta, porque o indulto é concedido a uma pessoa que praticou um certo crime.
A abstração não é uma característica essencial da lei, sendo igualmente
possíveis leis concretas. Em vez de uma mera oposição entre leis abstractas e concretas,
talvez se deva antes falar de diferentes graus de abstração e de concretização das leis. Por
exemplo: a lei que determina a atribuição de um subsídio às vítimas de inundações é mais
concreta do que a lei que concede um subsídio às vítimas de catástrofes naturais, em
geral.
Carácter geral
A generalidade da lei decorre da circunstância de ela se referir a uma
pluralidade indeterminada de destinatários (por exemplo, qualquer trabalhador com
mais de 65 anos, qualquer pessoa que ocupe a posição de herdeiro, qualquer pessoa que
cometa um Homicídio) e não a sujeitos determinados (por exemplo, o trabalhador S1, o
herdeiro S2 ou homicida S3). A generalidade implica que a lei vale por uma pluralidade
indeterminada de destinatários. É por esta razão que uma lei que se dirige a uma pessoa
não é uma lei geral: a ordem dada pelo comandante do barco para que um dos passageiros
o abandone, porque a embarcação não suporta o peso de todos os embarcados, não é
geral.
A generalidade não é uma característica essencial da lei, dado que também
são admissíveis leis individuais, ou seja, leis que têm destinatários determinados. Por
exemplo: é individual a lei que recompensa alguém por um acto de bravura, que impõe o
encerramento de uma instalação hoteleira por falta de condições de salubridade ou que
indulta uma pena. A lei também pode dirigir-se a um conjunto determinado de pessoas,
podendo falar-se, então, de lei colectiva. Por exemplo: a lei que tem por destinatários os
trabalhadores de uma empresa é uma lei colectiva.
Muitas vezes, a lei é falsamente genérica. É o que sucede quando a lei possui, na
sua letra, uma pluralidade indeterminada de destinatários, mas, na realidade, apenas
certos pessoas ou mesmo uma única pessoa preenche a sua previsão. Outras vezes, a lei
é falsamente individual, porque, apesar de a sua formulação parecer individual, ela
possuí realmente vários destinatários. Por exemplo: as leis que se referem aos poderes do
Presidente da República (art. 133.º a 136.º da Constituição) ou à responsabilidade política
do Primeiro-Ministro (art. 191.º da Constituição) são leis genéricas, porque elas não têm
por destinatários as pessoas que, num determinado momento, ocupam as posições de
Presidente da República ou de Primeiro-Ministro, mas qualquer pessoa que desempenhe
o venha a desempenhar esse cargo.
Importância das características
O carácter abstracto e geral da lei garante que casos idênticos são decididos
de forma idêntica e assegura a igualdade entre os seus destinatários. Como referiu
Rousseau (1712-1778): “[…] a lei pode perfeitamente estatuir que haverá privilégios,
mas ela não os pode dar de forma nominativa a ninguém; a lei pode constituir várias
classes de cidadãos, mesmo determinar as qualidades que darão direito a integrar essas
classes, mas ela não pode nomear tais e tais para nelas serem admitidos […]”.
Estas características da lei constituem uma importante garantia dos cidadãos,
porque são elas que garantem, além do mais, a igualdade perante a lei (art. 13.º, nº1 da
Constituição). É por isso que, por exemplo, as leis restritivas de direitos, liberdades e
garantias têm de revestir carácter abstracto e geral (art. 18º, nº3 da Constituição). Aquelas
características também contribuem para a justiça, dado que elas permitem a
universalização que é exigida, entre outra construções, pelo imperativo categórico
kantiano: “age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que
ela se torne lei universal”. Uma lei que é abstracta (porque vale para qualquer caso) e que
é geral (porque vale para qualquer destinatário) preenche a condição de universalização e
raramente possuirá um conteúdo arbitrário.
Conjugação das características
A abstração e generalidade são características comuns da lei, porque a lei que
é abstracta é também geral - ela é uma lei “eminentemente gral”. No entanto, a lei pode
ser concreta (porque referida a situações concretizadas) e geral (porque tem um numero
indeterminado de destinatários): é o caso, por exemplo, da lei que aprova o Orçamento do
Estado (art. 161.º g) e 166.º nº3 da Constituição) ou a lei que autoriza e confirmar a
declaração do estado de sítio ou de emergência (art. 161.º l) e 166.º nº2 da Constituição).
A lei também pode ser concreta (porque respeitante a situações concretas) e
individual (porque tem destinatários individuais). É o que sucede nomeadamente, com as
leis-medida, que são aquelas que definem um objectivo e concedem os meios para o
atingir: é o caso por exemplo, do decreto-lei que concede uma pensão vitalícia àqueles
que se distinguiram pelos actos de coragem que praticaram numa catástrofe ou do
decreto-lei que transforma uma entidade pública empresarial numa sociedade anónima.
Também são concretas e individuais as leis de autorização ou de delegação de poderes, ou
seja, as leis que atribuem competência a um outro órgão para regular uma certa mataria: é
o que sucede por exemplo, com as leis de autorização legislativa (art. 165.º, nº2 da
Constituição)

Costume

Elementos do costume
Pode afirmar-se que “são dois os modos típicos de formação de uma vontade
social: um modo inconsciente e involuntário e um modo consciente e voluntário”; o
primeiro assenta na tradição e corresponde ao costume; o segundo baseia-se numa
vontade e corresponde à legislação. O costume consiste no uso que é assumido pelo
agente com a convicção da sua juridicidade.
O costume é uma fonte em cuja a formação intervém um elemento fáctico
(externo ou quantitativo) e um elemento normativo (interno ou quantitativo). O
elemento fáctico é o uso (longa consuetudo), que é uma prática social reiterada. A
formação de um uso é frequente no domínio contratual, em certas áreas profissionais e
em certos ramos da atividade económica (como a do comércio). Dado que o art. 3.º nº1
do Código Civil, estabelece que os usos só podem ser atendidos quando não forem
contrários à boa-fé, um uso contrário à boa-fé nunca pode servir de base à formação de
uma fonte consuetudinária.
O elemento normativo do costume é a convicção da juridicidade (opinio iuris
vel necessitatis), ou seja, a convicção que permite considerar “o fáctico permanentemente
repetido como o normativo”. A convicção da juridicidade do sentimento de que algo
dever ser ou não deve ser, porque tal corresponde ao direito (ou a uma ideia de direito). A
sociedade quer que vigore determinada regra, pois que se forma nela a convicção de que
só uma certa acção ou omissão é conforme ao Direito.
Para a formação da fonte consuetudinária não basta a convicção da
obrigatoriedade da respectiva regra. Esta convicção pode ser suficiente noutras ordens
normativas (tais como a ordem moral ou de trato social), mas é insuficiente para formar
uma fonte de Direito consuetudinária. Por exemplo: pode haver a convicção arreigada de
que, quando se aceita um convite para casa de outra pessoa, é de bom-tom levar uma
pequena lembrança, mas esta convicção nunca poderá vir a revelar uma regra jurídica,
porque jamais se firmará a convicção de que à violação dessa regra deve corresponder a
aplicação de uma sanção jurídica.
Para que se forme o costume, além dos referidos elementos (o uso reiterado e a
convicção da juridicidade), nada mais é necessário. Em concreto, qualquer que seja o
modo como a própria leia encara o problema da formação da fonte consuetudinária, para
que o costume seja relevante não é necessária a consagração legal do costume, pois isso
pressuporia uma subordinação do costume à lei e impediria que o costume pudesse ser
considerado uma fonte imediata. Também não é necessária a recepção e imposição do
costume pelos órgãos públicos (tribunais, nomeadamente), pois que o costume só deixa
de vigorar quando desaparecer algum dos seus elementos ou quando se formar um
costume contrário.
Formação do costume
Os elementos contribuintes do costume mostram como o mesmo se forma na
sociedade. Primeiro, aparece o uso quando um comportamento se torna habitual; esta
habitualidade resulta de uma mera repetição e é ditada apenas por “fazer o que todos
fazem”. Depois, forma-se a convenção social quando o hábito é acompanhado de
uma ideia de obrigatoriedade; essa convenção já pertence ao domínio de uma ordem
normativa - em concreto, da ordem do trato social. Finalmente, constitui-se o costume
quando a convenção social é completada pela convicção da juridicidade, ou seja,
quando se forma a convicção de que a convenção social requer uma tutela jurídica.
Da exposição sobre a formação da fonte consuetudinária também resulta o modo
como este deixa de vigorar. A extinção do costume verifica-se tanto quando desaparece o
uso, como quando permanecem o uso e a convenção social mas desaparece a convicção
da sua juridicidade.
Em comparação com a lei - que pode ser eficaz ou ineficaz, constante seja
observada ou não observada -, o costume só pode ser eficaz. Um costume que não é
observado é uma impossibilidade: se o costume deixa de ser observado, ele deixa
necessariamente de ser vigente.
Modalidades do costume
De acordo com a sua relação com a lei, o costume pode ser secundum legem,
praeter legem e contra legem.
O costume secundum legem é aquele em que a regra consuetudinária coincide
com a regra legal; nesta hipótese, há entre o costume e a lei uma relação de coincidência,
pelo que o costume realiza apenas uma função declarativa (da lei).
O costume praeter legem (ou costume para-legal) é o costume que complementa a
lei (integrando, nomeadamente, eventuais lacunas desta), pois que ele vai até daquilo que
a lei dispõe, sem, contudo, a contrariar; nesta situação, verifica-se entre o costume e a lei
uma relação de complementaridade, pelo o que o costume praeter legem forma uma nova
fonte do Direito.
Finalmente, o costume contra legem (ou costume ab-rogante) é o costume que
contraria a lei; nesta hipótese, há entre o costume e a lei uma relação de oposição, pelo o
que o costume contra legem implica a cessação de vigência da lei. Este tipo de costume,
pode formar-se tanto quando há a consciência de que a lei contrária está vigor, como
quando erradamente se formou a convicção de que a lei contrária já tinha cessado a sua
vigência.
A vigência de um costume contra legem significa que é admissível um costume
que é inválido de acordo com uma lei. Note-se que é concebível que um costume contra
legem contrarie leis com diferentes hierarquias. Por exemplo: o costume pode contrariar a
disposição de um decreto-lei e ser igualmente incompatível com uma disposição
constitucional; nesta hipótese, trata-se de um costume contra legem inconstitucional.
Costume e desuso
O costume contra legem não deve ser confundido com o desuso (desuetudo).
Quando se forma um costume contra legem, constitui-se uma regra consuetudinária
contrária à lei; o costume contra legem cria algo positivo, que é a regra consuetudinária
contrária à regra legal. Por exemplo: hoje, ninguém pode aceitar a aplicação de uma lei
antiga que exige medidas mínimas aos fatos de banho incompatíveis com o biquíni ou
com o calção de banho. Diferentemente, quando há desuso (desuetudo), verifica-se
apenas a não aplicação de uma regra; o desuso é somente algo de negativo, pois que nada
se construiu em alternativa à regra legal (e, por isso, não se constituiu nenhum costume
contra legem). Assim, por exemplo: a lei permite que qualquer dos cônjuges acrescente
ao seu nome os apelidos do outro (art. 1677.º nº1 do Código Civil); a circunstância de a
regra quase só ser utilizada pela mulher significa o seu desuso pelos cônjuges
masculinos; no entanto, não se formou nenhuma convicção de que o marido que queria
acrescentar os nomes da mulher ao seu nome não o possa fazer; o estacionamento dos
automóveis em cima dos passeios destinados a peões pode exprimir um certo desuso da
regra que o proíbe (art. 49.º nº1 f) do Código da Estrada); no entanto, não se pode dizer
que se tenha formado a convicção de que esse estacionamento seja permitido e não deva
ser sancionado.
Relevância legal
Aparentemente, a lei não concede nenhuma relevância ao costume. Assim, a lei
nada refere sobre o costume secundum legem. Este silencio é, no entanto, perfeitamente
compreensível, dado que, se a regra consuetudinária e a regra legal são coincidentes, não
é de esperar que a lei tome posição sobre o costume. As formas de integração das lacunas
estabelecidas no art. 10.º do Código Civil também não prevêem o costume praeter legem:
a verdade, todavia, é que não tinham de o fazer, pois que, se houver um costume praeter
legem que supra as insuficiências da lei, não há nenhuma lacuna. Finalmente, as
modalidades de cessação da vigência da lei previstas no art. 7º do Código Civil não
incluem o costume contra legem|: todavia, esta omissão também não é suficiente para
retirar o carácter de fonte de Direito ao costume contra legem; pelo contrário até: é essa
omissão de qualquer referencia ao costume contra legem que permite concluir que esse
costume pode ser uma fonte imediata.
Apesar de não se referir a nenhuma das modalidades do costume, a lei não
ignora o costume como fonte de Direito. O art. 348.º, nº1 do Código Civil, impõe à
parte que invoca, em juízo, direito consuetudinário o ónus da sua prova; esta
circunstância é suficiente para demonstrar que o costume é fonte do direito no
ordenamento jurídico português. Além disso, vários preceitos legais referem-se ao
costume ou a costumes: assim por exemplo, o art. 737.º nº1 a) do Código Civil atribui um
privilégio geral mobiliário ao crédito por despesas do funeral do devedor, conforme a sua
condição e costume da terra; o art. 1400.º nº1 do Código Civil, regula a divisão de águas
por um costume seguido há mais de vinte anos e que construiu um regime “estável e
normal”, o art. 83.º nº1 da EOA determina o cumprimento pelo advogado, entre outros,
dos deveres impostos pelos costumes; segundo o disposto no art. 5.º nº1 L68/93, de 4/9, o
uso e a fruição dos baldios são regulados pelos usos e costumes.
A relevância concedida ao costume como fonte do direito está na proporção
indirecta da importância da lei como fonte do Direito: quanto maior for a relevância
concedida à lei, menor é a importância reservada ao costume, e vice-versa. A evolução
histórica demonstra facilmente esta asserção. No século XII, Gratianus (fins do século
XI-?) ainda por afirmar que o direito (ius) é o costume (consuetudo) que se encontra
reduzido a escrito. No século XIX, o costume já podia ser defendido como fonte de
Direito contra a lei, como é demonstrado pelas concepções da Escola Histórica: o Direito
não deve ser o que é “realizado através do arbítrio de um legislador”, mas o que é
produzido “por forças internas que operam em silêncio” com base no costume e na
convicção do povo. Na actualidade, é indiscutível o predomínio da lei sobe o costume.
Pode dizer-se que o combate da lei contra o costume é tão antigo como a
própria lei. Desta tensão entre o costume e a lei podem resultar diferentes situações.
Uma delas é aquela em que a lei extingue ou faz cessar o costume (art. 1401.º do Código
Civil) ou proíbe o costume (art. 1718.º do Código Civil). Uma outra situação possível é
aquela em que a lei extingue ou faz cessar o costume e fornece-lhe um título legal. Por
exemplo: o art. 3.º, nº4 L92/95, de 12/9, aceita a realização de espetáculos com touros de
morte, no caso em que sejam de atender tradições locais que tenham sido mantidas de
forma ininterrupta e que sejam expressam da cultura popular. Ainda uma outra situação
possível é aquela em que o costume se sobrepõe à lei em que, apesar de contrariado pela
lei, continua a vigorar como costume contra legem.
Convém ainda referi que há certas áreas do ordenamento jurídico em que, por
haver uma reserva constitucional da lei, só pode aceitar-se o costume fonte do
Direito depois de se constituir um costume contrário a disposições constitucionais. É
esse caso das restrições aos direitos, liberdades e garantias, que só podem realizadas
através da lei (art. 18.º, nº2 da Constituição), e da criação de impostos, que também só
pode ser obtida através de lei (art. 103.º, nº2 da Constituição).
Costume jurisprudencial
O costume jurisprudencial é uma fonte de Direito. Os elementos deste costume
coincidem com os de costume em geral, pelo que ele requer tanto o uso, ou seja, a
repetição constante da decisão de casos concretos, como a convicção da juridicidade, isto
é, a convicção da comunidade (e não apenas dos juízes e dos interessados) de que a
decisão corresponde ao direito aplicável aos casos concretos.

Fontes internas mediatas

As fontes internas mediatas são os usos, a jurisprudência vinculativa e as fontes


privadas.

Usos
Os usos são um dos elementos do costume e, nesse sentido, eles participam desta
fonte imediata do Direito. Importa agora analisar em que condições os usos, considerados
em si mesmos, podem ser fontes de Direito.
Condições de relevância
Do disposto no art. 3.º, nº1 do Código Civil resulta que os usos são uma fonte
medita do direito, porque os usos que não forem contrários aos princípios da boa-fé
são juridicamente atendíveis quando a lei o determine. Um uso que contrarie a boa
fé - porque, por exemplo, permite a realização de uma prestação contratual de uma forma
inaceitável (com enorme sacrifício do devedor) ou porque uma situação de desequilíbrio
entre as partes de um contrato - nunca pode ser fonte de Direito.
Previsão legal
Como exemplo se situações nas quais a lei concede relevância aos usos podem
ser referidas as seguintes: o silêncio vale como declaração negocial quando esse valor
lhe for atribuído pelos usos (art. 218.º Código Civil), nomeadamente aquele que for
comum num certo grupo profissional num num certo ramo de atividade; os usos podem
dispensar a declaração de aceitação da proposta contratual (art. 234.º do Código Civil); o
momento do pagamento do preço da coisa comparada pode ser determinado pelos usos
(art. 885.º, nº2 do Código Civil); o locador não pode praticar actos que impeçam ou
diminuam o gozo da coisa pelo locatário, com excepção daqueles que sejam permitidos
pelos usos (art. 1037.º, nº1 do Código Civil); o uso pode determinar o prazo dentro do
qual o dono da obra deve verificar se ela se encontra nas condições convencionadas e
sem vícios (art. 1218.º nº2 do Código Civil); o contrato de trabalho está sujeito aos
instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, assim como aos usos laborais que
não contrariem o princípio da boa fé (art. 1.º CT). Encontram-se ainda exemplos da
relevância dos usos no art. 1122.º, nº1, 1128.º, 1163.º e 1359.º, nº2 do Código Civil.
Valor legal
Da conjugação dos disposto no art. 3.º, nº1 do Código Civil (segundo o qual os
usos só relevam quando a lei o determine) com o estabelecido no art. 3.º, nº2 do
Código Civil (segundo o qual as normas corporativas prevalecem sobre os usos)
resulta que qualquer uso - mesmo aquele que seja recebido pela lei - é afastado por
estas normas. Assim, por exemplo, a remissão para o uso que é realizada pela lei é
substituída pela remissão para a norma corporativa que prevalece sobre o uso.
Uso e costume
A distinção entre o uso e o costume não levanta problemas. O uso não possui
nenhum valor próprio, pois ele é apenas o que é habitual fazer-se, sendo por isso que o
uso só pode ser fonte do Direito quando uma fonte imediata lhe atribuir essa qualidade. O
costume conjuga o uso e a convicção da juridicidade é imanente ao costume, esta é uma
fonte imediata de Direito

Jurisprudência normativa
Os acórdãos com força obrigatória geral são fonte de Direito, constituindo a
chamada jurisprudência normativa. A ordem jurídica portuguesa admite como
acórdãos normativos os acórdãos do TC que declaram a inconstitucionalidade ou a
ilegalidade de normas (art. 281.º, nº1, e 3 da Constituição) e os acórdãos dos tribunais
administrativos que declaram, com força obrigatória geral, a ilegalidade de regras
administrativas (art. 76.º CPTA).
A jurisprudência normativa como fonte do direito refere-se a um valor negativo;
essa jurisprudência impede, através de um juízo de inconstitucionalidade ou de
ilegalidade sobre uma outra fonte de Direito, que desta fonte possa ser retirada uma regra
jurídica. Kelsen (1881-1973) exprime esta ideia falando de uma “ab-rogação da lei
inconstitucional”.

Fontes do Direito privadas

As fontes do Direito privadas são aquelas que resultam da autonomia


privada, embora só se possa falar de fontes privadas quando as respectivas regras
tiverem um eficácia externa e, por isso, puderem ser invocadas por terceiros ou
opostas a terceiros. Assim, por exemplo, um contrato que só vale entre os contrastes não
pode ser considerado uma fonte do Direito. As fontes privadas são sempre fontes
mediatas, dado que elas resultam do reconhecimento, pela lei, da autonomia privada (art.
405.º, nº1 do Código Civil).
Os contratos normativos são instrumentos de caráter negocial que contêm regras
jurídicas. Como exemplo paradigmático destes contratos há que referir as convenções
coletivas de trabalho: estas convenções podem ser celebradas entre associações sindicais
e associações de empregadores (contratos colectivos), entre associações sindicais e uma
pluralidade de empregadores para diferentes empresas (acordos colectivos) ou entre
associações sindicais e um empregador para uma empresa ou estabelecimento (acordos
de empresa) (art. 2.º, nº2 e 3 da Constituição). As convenções colectivas obrigam todos os
empregadores e todos os trabalhadores que nelas foram representados (art. 552.º CT),
podendo também verificar-se a adesão a convenções colectivas já concluídas (art. 2.º, nº2,
e 563.º CT). São igualmente fontes de Direito privadas, entre outras, os estatutos das
associações (art. 167.º Código Civil) e das sociedades comerciais (art. 9.º, nº1, CSC),
bem como os regulamentos de atribuição de prémios.

Enquadramento sobre as fontes de Direito - José Lamego

Constituição está no vértice do ordenamento jurídico (Kelson) – regras de


produção de normas. Portugal participa em organizações internacionais e por isso temos
fontes de Direito internacional.

Direito imperativista (século XIX) tinha dificuldade em aceitar o Direito


internacional por não haver uma potestas (poder soberano, que não reconhece uma
autoridade superior) – os acordos entre os Estado devem ser respeitados. Doutrina
dissonante é a Kelsoniana.
Art nº8 C – clausula genérica de receção do Direito internacional.
Direito internacional comunitário – UE: tratado de Maastricht, passa a chamar-
se UE o que tem uma filosofia de base que encaminha para um federalismo europeu.
Tentou-se depois criar uma Constituição da UE, mas esta foi recusada. Em 2007, o
tratado de Lisboa retoma muitos dos pontos que vigoravam na Constituição, mas de
maneira menos ambiciosa.
Primado é o do Direito internacional, e a Constituição tem um papel subordinado
(Freitas do Amaral), mas professor José Lamego diz que a Constituição tem um poder
originário e não delegado. O Parlamento europeu seria o único com poder originário, e os
parlamentos nacionais teriam um papel menor, o que acaba por não corresponder à
realidade.
Apesar de uma vontade cada vez maior de federalismo, os Estado nacionais
ainda são soberanos e têm vantagens sobre o exercício de poderes ligados à sua
soberania.
Fonte originaria de normação é a Constituição (posição também do professor Jorge
Miranda). Por isso, o primado do Direito internacional não implica uma superioridade
hierárquica face à Constituição, mas apenas em situações especiais (Elementos de
tipologia jurídica, J. Lamego).

Normas corporativistas: auto organização das ordens profissionais, e por isso não
são fontes de Direito (José Lamego). A enumeração legal das normas corporativistas
estão presentes nos art. 1º (em sentido amplo) no Código Civil (interpretação ab-
rogante), e tratam-se mais de uma auto-regulação, considerando a apenas a lei em
sentido genérico como fonte de Direito. A maioria da doutrina faz uma interpretação
actualista, adaptando-a às condições vigentes, considerando assim as normas
corporativas como as fontes do de Direito, principalmente as ordens profissionais.
As estas normas, segundo Kelson, têm um conjunto de relações umas com as
outras hierarquicamente (estrutura escalonada). No topo da pirâmide: a Constituição, a
legislação ordinária (leis da Assembleia da República, os Decretos-lei do Governo e …),
os regulamentos e na base, aquilo que Kelson referia como normas individuais (sentença
por exemplo).
O principio da supremacia hierárquico-normativa da Constituição: esta era
norma normas, colocando-se no topo da hierarquia. Nessa perspectiva da doutrina da
estrutura escalonada, a validade de uma norma funda-se em função da norma superior. A
validade e a revisão da Constituição, é feita pelas leis de revisão constitucional, que
procedem à alteração de Constituição. Mas estas são de uma hierarquia inferior à
Constituição. Se o processo de alteração da Constituição segue regras previstas, estamos
perante a mesma Constituição.
O principio da primazia do Direito comunitário não afeta que o princípio da
supremacia hierárquico-normativa da Constituição, pois os poderes delegados à UE
são dados pelos Estados: “Os Estados são os senhores dos Tratados”. Não então vista
como lex superior mas sim como lex specialis.
É na lei que reside o modo de produção por excelência do Direito. Em Portugal, há
uma lei que é a expressão do pensamento iluminista: a lei da boa razão. Esta, procede à
separação entre o Direito canónico e Direito civil, e a exclusão da equidade que deixa de
ser incluída no quadro do sistema das fontes de Direito. Esta lei vai antecipar a ideia
legalista do século XIX, que atende que o Direito deve ser certo, seguro e previsível. O
papel das outras fontes de Direito é reduzido.

(aula para apanhar)


Vicissitudes das fontes Direito

Desvalores do acto normativo

Toda lei emana de um acto normativo, isto é, de um acto produzido no termo de


um processo legislativo. Como qualquer acto jurídico, o acto normativo pode ter um
valor negativo, que pode ser inexistência, de invalidade ou de ineficácia.

A inexistência
A inexistência do acto normativo verifica-se quando o vício que o afecta é tão
grave que nem sequer é possível afirmar que haja a aparência de um acto.
Conduzem à inexistência do acto normativo a falta de promulgação ou assinatura do
Presidente da República, quando sejam exigidas (art. 137.º da Constituição), e a falta de
referenda do Governo aos actos do Presidente da República , quando seja requerida (art.
140.º, nº2 da Constituição). A inexistência do acto normativo pode ser declarada pelo
próprio órgão legislativo e pode ser verificada oficiosamente por qualquer órgão de
aplicação do Direito (como, por exemplo, os tribunais).

Invalidade
A invalidade do acto normativo comporta as modalidades de nulidade e de
anulabilidade. A nulidade corresponde ao vício mais grave no âmbito da invalidade.
A nulidade impede a produção de quaisquer efeitos pela lei (art. 134.º/1 CPA) e pode
ser apreciada e declarada por qualquer órgão de aplicação do Direito (art. 286.º da
Constituição; art. 134.º/2 CPA). O exemplo mais comum de nulidade da lei é a sua
inconstitucionalidade (art. 3º/3, art. 204.º, 277º/1 e 281.º/1 a) da Constituição) ou
ilegalidade (art. 281.º/1 b), c) e d) da Constituição). É igualmente nulo o acto normativo
que viole a extensão e o conteúdo essencial de direitos, liberdades e garantias (art. 18º/3
da Constituição).
A anulabilidade corresponde a vício menos grave no domínio da invalidade. A
anulabilidade só impede a produção de efeitos depois da anulação do acto e pode ser
sanada através de confirmação do acto (art. 137.º/1 e 2 CPA). Como exemplo de
anulabilidade do acto normativo pode referir-se o regulamento que foi elaborado com
base numa delegação de poderes que afinal não existe; note-se que esta anulabilidade
pode ser invocada sem dependência de prazo (art. 74.º CPTA).
Ineficácia
A ineficácia do acto normativo decorre de uma irregularidade verificada no
seu processo de formação. O acto ineficaz é existente e válido, mas não produz
quaisquer efeitos. Como exemplo do vício que cause a ineficácia do acto normativo
pode ser referida a falta de publicação (art 119.º/2 da Constituição).

Publicação das fontes

Regime da publicação

Necessidade da publicação
A publicação dos actos normativos é a forma de os tornar conhecidos através da
publicitação do respectivo texto. Esta publicação é uma condição do seu conhecimento
pelos respectivos destinatários.

Publicação oficial
Na generalidade das ordens jurídicas das principais fontes do direito é feito nos
jornais oficiais. Em Portugal, o jornal oficial é o Diário da República (art. 119.º/1 da
Constituição).
A L 74/98 de 11/11 regula a publicação, a identificação e o formulário dos
diplomas legais. Aquela lei é habitualmente conhecida sob a designação de “Lei
Formulária”.

Formas de publicação
As fontes do direito internas que devem ser publicadas no Diário da República
encontram-se enumeradas no art. 199.º, nº1 al. a) a h) da Constituição. O art. 8.º nº2, da
Constituição, impõe a publicação das convenções ratificadas ou aprovadas por Portugal.
Para além da publicação em Diário da República quando a lei expressamente o
determine, as deliberações dos órgãos autárquicos, bem como as decisões dos respectivos
titulares, quando sejam destinadas a ter eficácia externa, devem ser publicadas em edital
afixado nos lugares de estilo, assim como no boletim oficial da autarquia e nos jornais
regionais editados na área do respectivo município.

Efeitos da publicação
De acordo com o disposto no art. 5.º/1 do Código Civil, a lei só se torna
obrigatória depois de publicada no jornal oficial. Isto permite concluir que a publicação
da lei é uma condição da sua eficácia (art. 119.º/2 da Constituição; art. 1º/1, L 74/98).
Conjugando o art. 5.º/1 do Código Civil, com a noção de lei que consta do art. 1º/
2, 1ª parte, do Código Civil, resulta que apenas devem ser publicadas no Diário da
República as leis emendas dos órgãos estaduais. Esta conclusão é, no entanto,
insuficiente, atendendo a que também devem ser publicadas no jornal oficial leis que não
provêm de órgãos estaduais, como é o caso dos decretos legislativos e dos decretos
regulamentares regionais (art. 119.º/1 al. c) e h) da Constituição). Assim, uma
interpretação conforme à Constituição do art. 5º/1 do Código Civil, conduz à conclusão
de que todas as leis (em sentido formal ou material) que constam do enunciado do art.
119.º/1 da Constituição, são ineficazes enquanto não forem publicadas no Diário da
República. As demais leis não devem ser publicadas no Diário da República, pelo que a
sua eficácia não depende da sua publicação neste jornal: é o que sucede, por exemplo,
com as posturas e os regulamentos municipais.

Publicação e disponibilização
Frequentemente, a data da publicação do Diário da República não coincide com a
da sua disponibilização no sítio da Internet da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, pois
que, não raramente, os suplementos do Diário da República são disponibilizados muito
depois data da disponibilização do Diário da República, encontra-se acessível na Internet
um registo dessa data (art. 1º/3. L 74/98).

Rectificação da publicação

Admissibilidade da ratificação
A lei que tiver sido publicada com incorreções pode ser rectificada. Embora a
prática nem sempre o confirme, as rectificações são admissíveis exclusivamente para a
correção de lapsos gramaticais, ortográficos, de cálculo ou de natureza análoga ou para
correção de erros materiais provenientes de divergências entre o texto original e o texto
de qualquer diploma publicado a 1ª série do Diário da República (art. 5º/1 L 74/98). As
rectificações são feitas mediante declaração do órgão que aprovou o texto original, sendo
publicadas na mesma série do Diário da República (art. 5º/1 in fine, L 74/98).
As rectificações têm um limite temporal: elas devem ser publicadas até 60 dias
após a publicação do texto a ratificar (art. 5º/2 L 74/98), sob pena de nulidade do acto de
rectificação (art. 5º/3 L 74/98). Esta exigência temporal é por vezes contornada através da
publicação da declaração de rectificação num suplemento do Diário da República com
uma data que respeita aquele limite temporal, mas que é disponibilizado já depois de
esgotado o prazo legal.

Retroatividade da rectificação
A declaração de rectificação integra-se na lei rectificada, porque a lei rectificada
passa a ter a redação que resulta daquela declaração. Isto significa que a declaração de
rectificação tem uma eficácia retroativa, dado que tudo se passa como se a lei rectificada
tivesse tido sempre o conteúdo que lhe foi fornecido por aquela declaração.

Valia do texto rectificado


a) Quando um texto legal é rectificado, o mesmo comporta duas versões: uma
anterior e uma posterior à rectificação. Importa analisar, por isso as consequências da
rectificação, sendo indispensável considerar duas situações. Se a rectificação tiver
ocorrido antes da entrada em vigor da lei - isto é, se a retificação se tiver verificado
durante a vacatio legis -, a lei rectificada ainda não produziu quaisquer efeitos e, por isso
não há que ressalvar nenhuns efeitos. No entanto, parece dever entender-se que há que
começar a contar um novo prazo de vacatio a partir da data da publicação da rectificação.
Impõe-se, neste ponto, a aplicação analógica do estabelecido no art. 2º/4 da L 74/98,
quanto à contage, do prazo de vacatio a partir da data de disponibilização do Diário da
República.
Se a rectificação tiver sido realizada depois da entrada em vigor da lei, há que
contar com a possibilidade de a lei rectificada já ter produzido alguns efeitos. Nesta
hipótese, impõe-se recorrer, por analogia, ao regime estabelecido para a aplicação no
tempo das leis interpretativas, quer porque, tal como a lei interpretativa se integra na lei
interpretada (art. 13.º/1 do Código Civil), também a declaração de rectificação se integra
na lei retificada, quer ainda porque os interesses que há que proteger no caso da lei
interpretativa e da declaração de rectificação são substancialmente os mesmos: trata-se de
determinar que interesses devem ser acautelados quando o significado da lei se altera por
um acto posterior de eficácia retroactiva (lei interpretativa ou declaração de rectificação).
b) No âmbito da responsabilidade penal, contra-ordenacional e disciplinar, há que
contar na solução do problema da valia do texto rectificado, com dois princípios
fundamentais. Um deles é o princípio de que ninguém pode sofrer pena ou medida de
segurança mais grave do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da
verificação dos respectivos pressupostos (art. 29.º/4 1ª parte da Constituição). Este
princípio implica que, se da declaração de rectificação resultar um regime que é menos
favorável ao arguido que praticou o facto antes dessa declaração, a lei na sua versão
originária que lhe é aplicável.
Outro princípio é o da aplicação retroativa da lei de conteúdo mais favorável ao
arguido (art. 29.º/4 2ª parte, da Constituição). Deste princípio decorre que, se a declaração
de rectificação proferida após o início de vigência da lei resultar um conteúdo mais
favorável ao arguido que praticou o facto antes dessa declaração, é este regime mais
favorável que se lhe aplica.

Ignorantia iuris
A publicação da lei permite que se estabeleça que a ignorância ou má interpretação
da lei não justifica a falta do seu cumprimento, nem isenta as pessoas das sanções nela
estabelecidas (art. 6º do Código Civil). É o princípio de que ignorantia iuris non ecusat.
Note-se, no entanto, que, em áreas jurídicas especialmente sensíveis, o erro sobre a
lei pode ser relevante. É o que sucede no direito penal, no qual o erro não censurável
sobre a proibição da conduta exclui a culpa do agente (art. 17.º/1 do CP).

Entrada em vigor da lei

Generalidades
A entrada em vigor dos actos normativos nunca pode ser anterior à data da sua
publicação (art. 5º/1 do Código Civil; art. 1º/1 da L 74/98). O momento da entrada em
vigor da lei pode ser, segundo o disposto no art. 5º/2 do Código Civil, aquele que a
própria lei fixar ou aquele que for determinado por legislação especial (que é, atualmente,
a L 74/98).

Vocatio legis

Noção
A vocatio legis é o tempo que decorre entre a data de publicação e a data da
entrada em vigor da lei. Segundo o disposto no art. 5º/2 do Código Civil, há um prazo
supletivo de vocatio legis - que é utilizado quando nada se dispuser sobre o momento da
entrada em vigor da lei -, mas também são admissíveis prazos ad hoc - que são fixados
pelo legislador para cada lei.

Prazos de vocatio
O prazo supletivo de vocatio legis é determinado pela seguinte regra: a lei entra
em vigor, em todo o território nacional e no estrangeiro, no quinto dia após a sua
publicação no Diário da República (art. 2º/2 da L 74/98). Assim por exemplo: a lei foi
publicada no dia 1; como o prazo começa a contar no dia seguinte ao da publicação (art.
2º/4 da L 74/98), a lei entra em vigor às 0 horas do dia 6.
O legislador pode fixar um prazo maior do que o prazo supletivo de vocatio. Esta
solução justifica-se quando importa possibilitar o estudo e a apreensão da nova legislação
ou facultar a adaptação dos destinatários ao novo regime legal. O legislador também pode
fixar um prazo menor do que o prazo supletivo de vocatio. Este encurtamento é
justificado quando os objetivos prosseguidos pela lei só possam ser obtidos com um
início imediato ou antecipado da sua vigência (como sucede quando importe proibir a
comercialização de um produto alimentar por o mesmo envolver riscos para a saúde
pública ou quando haja que tomar medidas urgentes numa situação de catástrofe).

Contagem do prazo
A contagem dos prazos ad hoc de vocatio legis é distinta, consoante se trate de
prazos fixados em dias, semanas, meses ou anos. Nesta contagem, há que observar
diversas regras, tendo presente que a data da publicação do diploma é aquela que é
determinada pela disponibilização no sítio da Internet gerido pela Imprensa Nacional-
Cada da Moeda (art. 2º/4 da L 74/98). Em concreto:
- Os prazos fixados em dias contam-se a partir do dia ao da publicação (dies a quo non
computatur in termino) (art. 279.º b) do Código Civil; art 2.º/4 da L 74/98);
- Os prazos fixados em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, terminam às 24
horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano a essa data (art.
279.º c) 1ª parte do Código Civil); assim, por exemplo: data de publicação da le:
10/12; prazo de vocatio: um mês a contar a contar da data da publicação; termo da
vocatio: 24 horas do dia 10/3; entrada em vigor da lei: 0 horas do dia 11/3;
- Se o prazo tiver sido fixado em meses a contar de certa data e se no último mês não
existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês (art. 279.º c) 2ª parte
do Código Civil); por exemplo: (i) data de publicação da lei: 31/3; prazo de vocatio:
um mês a partir da data da publicação; termo da vocatio: 24 horas do dia 30/4; entrada
em vigor da lei: 0 horas do dia 1/5; (ii) data de publicação da leu: 31/12; prazo de
vocatio: dois meses a partir da data da publicação; termo da vocatio: 24 horas do dia
28/2 (29/2, nos anos bissextos); entrada em vigor da lei: 0 horas do dia 1/3.

Vigência imediata
O art. 2º/1 da L 74/98 exclui, em termos algo peremptórios, que o início de
vigência da lei possa ocorrer no próprio dia da sua publicação. No entanto, importa referir
que, se é verdade que o art. 2º, nº1 da L 74/98 não pode ser afastado por uma fonte de
hierarquia inferior, esse mesmo preceito pode ser postergado por uma fonte de igual
hierarquia, como é o caso de uma lei da Assembleia da República ou de um decreto-lei do
Governo. Como bem se compreende, a resolução da Assembleia da República (art. 166.º/
5 da Constituição) que autoriza e confirma a declaração do estado de sítio ou do estado de
emergência (art. 161.º l) da Constituição) ou que autoriza o Presidente da República a
declarar guerra ou a fazer a paz (art. 161.º m) da Constituição) deve poder entrar em
vigor no próprio dia da sua publicação.

Proteção de interesses

Garantia do conhecimento
O art. 2º/4 da L 74/98 estabelece que o prazo supletivo de vocatio legis só começa
a correr a partir do dia da disponibilização do Diário da República. Esta regra deve ser
considerada um afloramento do princípio de que a lei nunca pode ser obrigatória antes
dessa disponibilização ao público.

Factos intermédios
Antes da data de disponibilização do Diário da República nenhuma lei pode ser
considerada em vigor. Cabe perguntar, no entanto, se os factos que ocorreram entre a data
da publicação e a data da disponibilização podem ficar abrangidos pelo novo diploma
legal. Suponha-se por exemplo, que o Diário da República do dia 10 contém um
suplemento que só foi disponibilizado no dia 20 e que se pretende saber se um facto
ocorrido no dia 15 fica abrangido por uma lei nele publicada.
O problema do regime aplicável aos factos intermédios - isto é, aos factos que são
praticados ou que ocorreram entre a data de publicação e a data de disponibilização do
Diário da República - é resolvido através do seguinte critério: um facto anterior à
disponibilização do Diário da República nunca pode ser regulado por uma lei que ainda
não podia esta em vigor no momento em que o facto foi praticado ou ocorreu; assim,
quem exerceu ou cumpriu um dever segundo a lei que estava em vigor nesse momento
não pode ver a sua situação alterada por uma lei que é publicitada posteriormente. No
entanto, no âmbito da responsabilidade penal, contra-ordenacional e disciplinar, há que
considerar o princípio da aplicação retroactiva da lei de conteúdo mais favorável ao
arguido (art. 29.º/4 2ª parte da Constituição), do qual decorre que, se a lei que que consta
do Diário da República que ainda não tiver sido disponibilizado no momento da prática
do acto tiver um conteúdo mais favorável ao arguido, é esse regime mais favorável que se
aplica.

Vicissitudes da vigência da lei

Generalidades
Como vicissitudes da vigência da lei importa considerar o impedimento à
vigência, a suspensão da vigência e a cessação da vigência.

Impedimento à vigência

Requisitos
O impedimento à vigência da lei pressupõe os seguintes requisitos: antes de a lei
entrar em vigor (ou seja, durante o período de vocatio) é publicada uma outra lei sobre a
mesma matéria; a lei que é publicada em momento posterior entrar em vigor antes ou ao
mesmo tempo que a lei publicada em momento anterior. Verificadas estas condições, há
que entender que, como a segunda lei contém a última posição do legislador sobre a
matéria regulada, a primeira não chega a entrar em vigor.

Concretizações
Os requisitos do impedimento à vigência justificam as seguintes soluções:
- A lei L1 é publicada em 5/1 e entra em vigor em 30/1; em 10/1 é publicada a lei L2, que
entra em vigor em 20/1; a lei L2 impede, no momento em que se torna vigente (20/1), a
entrada em vigor da lei L1;

L1: 5/1 ——————————————————— 30/1


L2: 10/1 ——————— 20/1

- A lei L3 é publicada em 5/1 e entra em vigor em 25/1; a lei L4 é publicada em 15/1 e


entra em vigor igualmente em 25/1; a lei L4 impede a entrada em vigor da lei L3:

L3: 5/1 ———————————————— 25/1


L4 15/1—————————— 25/1

Suspensão da vigência

Generalidades
A vigência da lei pode ser suspensa por um prazo mais ou menos longo. Recorre-
se à suspensão da vigência quando se considera inconveniente que a lei permaneça em
vigor, mas se entende que a lei continua a ser justificada e pode vir a retomar a sua
vigência num momento posterior.

Modalidades
A suspensão de vigência da lei pode ser conjugada com duas hipóteses: a vigência
da lei é suspensa por um certo tempo, findo o qual a lei voltará a vigorar (suspensão
temporária); a vigência da lei é suspensa, mas não se define o prazo de suspensão e, por
isso, não se fixa nenhuma data para a lei voltar a vigorar (suspensão indefinida).

Cessação da vigência

As principais causas que determinam a cessação da vigência da lei são as


seguintes:
- A caducidade, que é a cessação que decorrer do termo do prazo de vige cia da lei ou do
desaparecimento dos pressupostos, de facto ou de direito, da sua aplicação;
- A revogação, que é o termo de vigência da lei por um acto, expresso ou tácito, do
legislador (art. 7.º/1 do Código Civil);
- A declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral (art.
281.º/1 e 3 da Constituição; art. 76.ºCPTA);
- A formação de um costume contra legem, que é a formação de um costume contrário à
lei.

Caducidade da lei

Vigência temporária
A caducidade verifica-se quando a lei se destina a ter uma vigência temporária
(situação admitida pelo art. 7º/1 do Código Civil), o que sucede quando a própria lei
prevê um facto que implica a cessação da sua vigência. Este facto pode ser facto
cronológico (por exemplo, a lei que regula os benefícios fiscais em vigor durante um
determinado ano civil caduca no fim do ano) ou um facto não cronológico (por exemplo,
a lei que impõe uma campa de vacinação caduca quando a doença estiver debelada).
Neste último caso também se pode dizer que a vigência da lei está sujeita a um condição
(resolutiva)

Falta de pressupostos
A caducidade também se verifica quando desaparecem os pressupostos, de facto
ou de direito, da sua aplicação (cessante ratione legis cessat ipsa), e, por conseguinte,
quando a previsão da lei que atribui um suplemento remuneratório ou de pensão aos
inválidos de uma guerra caduca com a morte do último dos beneficiários; o art. 10.º do
Código Comercial isenta da moratória forçada das dividas comerciais próprias de um dos
cônjuges, mas como, com a nova redação do art. 1696.º/1 do Código Civil, essa moratória
forçada deixou de existir no ordenamento jurídico, desapareceu o pressuposto da
aplicação do art. 10.º do CCom (que, apesar disso, nunca foi revogado).

Revogação da lei

Noção
A revogação da lei é a cessação da sua vigência determinada por outra lei. Na
revogação verifica-se a entrada em vigor de uma lei (a lei revogatória) e a cessação de
vigência da outra lei (a lei revogada).

Lei revogada e lei revogatória


A revogação da lei é realizada por uma outra lei posterior (lex posterior derogat
legi priori), pelo que a revogação pressupõe sempre duas leis: a lei revogada e a lei
revogatória. A lei revogada tem de estar em vigor no momento em que é revogada,
porque a revogação é um modo de cessação de vigência das leis, e a lei revogatória só
opera a revogação no momento em que entrar em vigor. Assim por exemplo:
- A lei L1 é publicada em 10/2 e entra em vigor em 25/2: a lei L2 é publicada em 20/2 e
entra em vigor em 1/3; a lei L2 revoga, em 1/3, a lei L1:

L1: 10/2 ——————————————25/2


L2: 20/2 ——————————— 1/3

- A lei L3 é publicada em 1/4 e entrou em vigor em 15/4; em 1/6 é publicada a lei L4,
que entra em vigor em 15/6; a lei L4 revoga, no momento em que entra em vigor (15/6)
a lei L3:

L3: 1/4 ——————————————15/4


L4: 1/6 ——————————— 15/6

Modalidades da revogação
A) Atendendo à forma como é realizada a revogação pode ser:
• Expressa - é aquela que resulta de uma declaração do legislador (art. 7.º/2 1ª parte, do
Código Civil). Por exemplo: “É revogada a lei L1”; “São revogados os art. x a y da L2”.
• Tácita - é aquela resulta da incompatibilidade da lei revogada com uma nova lei (art.
7.º/2 2ª parte, do Código Civil). Por exemplo: a nova redação de um artigo de uma lei
implica a revogação da anterior versão desse mesmo artigo.
Considerando os seus efeitos, a revogação pode ser:
• Substitutiva - é a que se verifica quando a lei revogatória substitui o regime jurídico da
lei revogada. Por exemplo: a lei revogatória define o novo regime do arrendamento
urbano. A revogação tácita é necessariamente substitutiva, pois que é a
incompatibilidade de um regime posterior com um regime anterior que provoca a
revogação tácita deste regime anterior mais antigo. Em contrapartida, a revogação
expressa pode ser uma revogação simples ou substitutiva.
• Simples - é a que ocorre quando a lei revogatória se limita a revogar a lei anterior, sem
definir nenhum novo regime jurídico: a lei revogatória contém um mero actus
contrarius. Por exemplo: a lei revogatória revoga a lei que impõe o pagamento de uma
taxa, sem nada definir quanto à mesma matéria.
Atendendo ao seu objeto, a revogação pode ser:
• Individualizada - é aquela que atinge apenas uma lei ou algumas regras jurídicas de
uma lei;
• Global - é aquela que recai sobre um instituto jurídico ou um ramo do Direito. A
revogação global é tácita quando decorre da circunstância de a lei nova regular toda a
matéria da lei anterior (art. 7.º/2 in fine, do Código Civil), ou melhor, recai sobre todo
um ramo do Direito ou m regime jurídico, mesmo que nem todas as disposições do
novo regime sejam incompatíveis com as anteriores.
Considerando o seu âmbito, revogação pode ser:
• Total - quando a lei anterior for revogada no seu todo; a revogação total também pode
ser designada por ab-rogação.
• Parcial - quando apenas forem revogadas algumas regras da lei anterior; à revogação
também se pode chamar derrogação.
Atendendo à sua eficácia temporal, a revogação pode ser:
• Retroativa - é aquela em que a lei é revogada com eficácia ex tunc; ou seja, a partir do
início de vigência da lei revogada;
• Não retroativa - é aquela em que a lei é revogada apenas com eficácia ex nunc, isto é,
somente a partir da vigência da lei revogatória.
Normalmente, a revogação não tem eficácia retroativa.

Revogação tácita
A revogação tácita - que é a revogação por incompatibilidade de regimes
sucessivos - resolve os conflitos se leis através de regras (também destinadas por “regras
de preferência”) que definem os seguintes critérios: a prevalência da fontes posterior
sobre a fonte anterior (lex posterior derogat legi priori) (art. 7.º/1 do Código Civil), a
prevalência da fonte de hierarquia superior sobre a fonte de hierarquia inferior (lex
superior derogat inferiori) e, por fim, a prevalência fonte especial sobre a fonte gral (lex
specialis derogat legi generali) (art. 7.º/3 do Código Civil).
Importa ter presente que a revogação só pode operar entre uma lei anterior e uma
lei posterior da mesma hierarquia ou entre uma lei anterior e uma lei posterior de
hierarquia superior. Por isso, os critérios lex posterior derogat legi priori e lex superior
derogat legi inferiori não são independentes entre si, pois que, para que uma lei posterior
possa revogar uma lei anterior, é necessário que a lei revogatória tenha, pelo menos, a
mesma hierarquia da lei revogada. Quer dizer: pode haver uma revogação horizontal
entre as leis da mesma hierarquia e uma revogação vertical entre uma lei (revogatória) de
hierarquia superior e uma lei de hierarquia inferior, mas nunca se pode verificar uma
revogação vertical entre uma lei (revogatória) de hierarquia inferior e uma lei de
hierarquia superior. Se esta regra não for respeitada - isto é, se a lex posterior for inferior
à lex prior -, qualquer incompatibilidade entre as leis é resolvida através da invalidade da
lex posterior. O mesmo pode ser dito da relação entre as regras lex posterior derogat legi
priori e lex specialis derogat legi generali: a lex specialis também tem de ter, pelo menos,
a mesma hierarquia da lex generalis.
Em todas estas situações há uma incompatibilidade entre a lei revogatória e a lei
revogada (no caso da lex posterior (superior) a incompatibilidade é total, na hipótese da
lex specialis a incompatibilidade é parcial), mas não chega a haver um verdadeiro
conflito normativo, exactamente porque uma das leis revoga ou derroga a outra lei. Na
hipótese de a lex specialis ser superior à lex generalis, a lei geral não deixa de vigorar: o
que sucede é que o âmbito de aplicação da lei geral é restringido, dado que ela deixa de
ser aplicável aos casos abrangidos pela lei especial. Nesta eventualidade também se pode
falar de derrogação, embora haja que lembrar que, neste sentido, a derrogação expressa a
subtração do âmbito de aplicação da lei geral dos casos que passam a estar regulados na
lei especial, pelo que não se trata de uma vicissitude na vigência da lei geral, mas apenas
de uma alteração no âmbito da sua aplicação.
Do exposto resulta que, pressupondo que não se verifica nenhum problema quanto
à hierarquia da lei revogada e da lei revogatória, a lei posterior só pode revogar a lei
anterior quando ambas forem leis gerais (lei geral revoga lei geral) ou especiais (lei
especial revoga lei especial) ou quando a lei anterior for geral e a lei posterior for
especial. Em contrapartida, uma lei geral posterior não revoga lei especial anterior,
excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador (art. 7.º/3 do Código Civil).
Compreende-se que assim seja, porque, apesar da nova lei geral, pode continuar a
justificar-se a vigência da anterior lei especial.

Efeitos sistémicos

4616

Você também pode gostar