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Introdução ao Estudo do Direito I - Regente: Miguel Teixeira


de Sousa
Introdução ao Direito (Universidade de Lisboa)

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Introdução ao Estudo do Direito I

 Noções introdutórias

Estudo do Direito

Perspetivas de Análise

O Direito pode ser considerado em perspetiva:

 Dinâmica – Direito enquanto conjunto de consequências ou efeitos jurídicos. Esta perspetiva socorre-se de diversos
conceitos:
o Facto jurídico – todo o facto que é relevante para o Direito, isto é, todo o facto cuja verificação desencadeia a
produção de consequências ou efeitos jurídicos. Por ser construído pelo próprio Direito, é um facto bruto. Divide-
se em:
 Ato jurídico – facto humano e voluntário juridicamente relevante;
 Facto jurídico stricto sensu – facto não humano e não voluntário juridicamente relevante.
o Regra jurídica – significado de uma fonte do Direito. Determinam a relevância jurídica dos factos e são estas que
definem uma consequência jurídica.
o Consequência/efeito jurídico – resultado da aplicação de uma regra jurídica a um facto jurídico, podendo resultar
na constituição, na modificação ou na extinção do mesmo.
 Estática – Direito enquanto conjunto de regras. Considera o Direito em si mesmo, independentemente das
consequências/efeitos jurídicos, baseando-se no estudo das regras jurídicas, sem preocupação de determinar as
consequências e as situações que decorrem da sua aplicação. (Perspetiva adotada).

O Direito pode ser:

 Objetivo –sistema ou ordenamento jurídico; sinónimo de lei e de fonte do direito; equivalente a regra jurídica; Law.
(Perspetiva adotada).
 Subjetivo – faculdade conferida ao indivíduo, titular do direito objetivo, de agir ou não, em conformidade com esse
direito objetivo; resultado da aplicação de regras jurídicas; Right.

Disciplinas jurídicas

 História do Direito – analisa o Direito como realidade cultural e a sua formação e evolução, baseando-se numa
homogeneidade cultural.
 Sociologia do Direito – Direito enquanto facto social: estuda as suas funções e a sua eficácia na sociedade e visa analisar
as relações entre a ordem jurídica e a realidade social, concluindo que apenas o direito que é observado e aplicado é
válido e que o direito existe para dar resposta a problemas sociais. Divide-se em:
o Sociologia do Direito Empírica – forma como o direito é aplicado e observado na sociedade;
o Sociologia do Direito Teorética – análise teórica do direito e relações do sistema jurídico com a ordem social e
outros sistemas normativos.
 Filosofia do Direito – estuda o fundamento, a essência e o fim do Direito, ocupando-se com questões como o que é o
Direito, quais os fatores a que este se sujeita ou que fatores o podem legitimar. Divide-se em 2 correntes:
o Jusnaturalismo – não aceita a separação entre o ser e o dever ser no Direito, sendo definido e legitimado em
função de critérios suprapositivos – como a justiça e a moral;
o Positivismo – Direito definido em função de critérios jurídicos (justiça, equidade, …) e legitimado por critérios
fornecidos pela própria ordem jurídica, baseando-se na distinção entre o ser e o dever ser no Direito.
 Teoria do Direito – analisa o direito vigente e procura construí-lo como sistema, recebendo contributos de outras áreas
do saber e procurando elaborar conceitos (como fontes de direito e regras jurídicas) para a análise do Direito, tentando
construir o sistema jurídico.

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Ciência do Direito

A ciência do Direito procura orientar a resolução de casos concretos.

 É uma ciência social que considera o Direito no seu todo (a forma como é legislado, praticado e aplicado), sendo,
também, uma ciência normativa, dado que determina como devem ser resolvidos os casos práticos de acordo com os
critérios jurídicos.
 Analisa o Direito como uma realidade normativa (ordem do dever ser), olhando para o mesmo de um ponto de vista
interna e analisando-o e transmitindo a sua função de resolução de casos concretos. Além disso, pretende responder à
pergunta “qual a solução dada pelo Direito?”. Contrasta, assim, com as ciências naturais.
 É uma ciência do espírito, sendo compreensiva, significativa e interpretativa.
 Quanto às tomadas de decisão, não é necessário descobrir ou explicar, mas sim fundamentar a decisão através de
argumentos racionais, refletindo, assim, a decisão jurídica, a diferença entre o jurídico (dever ser) e o natural (ser).
 Valores próprios: justiça, confiança e eficiência, contrastantes com os das ciências naturais.
 Utiliza o método jurídico: resolução de casos concretos através da aplicação de regras jurídicas.
 Funções:
o Heurística (produtiva) – possibilita a resolução de casos concretos através do enunciado de proposições jurídicas e
da formulação de teorias.
o De sistematização – propõe classificações, elabora proposições e formula teorias coerentes entre si e com os
princípios e as regras do sistema jurídico.
o Estabilizadora (orientadora) – proposições e teorias criadas fornecem os modelos de decisão, que evitam uma
constante discussão sobre a solução de novos casos.
o Crítica (político-legislativa) – chamada de atenção para incoerências, insuficiências e lacunas do ordenamento
jurídico.
 Formula proposições e teorias jurídicas.
o Proposições jurídicas – descrições de princípios ou regras jurídicas.
o Teorias jurídicas – hipóteses/modelos de decisão de casos concretos. São bem formuladas quando permitam a
solução de todos os casos que por ela devem ser abrangidos, podendo haver casos excecionais. No entanto, uma
teoria jurídica que não permita resolver casos que não merecem uma solução diferente dos outros não é uma
teoria adequada.
o O resultado decorrente do enunciado de proposições jurídicas e formulação de teorias jurídicas chama-se doutrina
ou dogmática jurídica e está incumbida de orientar o aplicador do Direito.

Ciências auxiliares

 Direito Comparado – permite comparar várias ordens jurídicas ou institutos de diferentes ordens jurídicas. No plano da
macrocomparação, permite distinguir sistemas jurídicos.
 Política do Direito – é o que nos mostra o pensamento jurídico dominante e os valores que predominam na sociedade,
observando o Direito de uma perspetiva crítica, fornecendo orientações para o desenvolvimento/aperfeiçoamento do
Direito vigente e baseando-se numa visão do que o Direito deve ser e não do que efetivamente é.
 Ciência Económica – o Direito regula a produção e distribuição de bens e serviços, não podendo ignorar as leis
económicas que regem a atividade económica. É da relação Direito-Economia, que surge a Análise Económica do
Direito, que determina as regras jurídicas a aplicar para uma utilização mais eficiente dos recursos económicos e para a
maximização do bem-estar.

 Parte I – elementos de teoria do Direito

Ordem Social e Normatividade

Ser e Dever Ser

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Ser Dever Ser



É prescrito.

Domínio da razão prática – razão que orienta a ação;
 É descrito. função comunicativa.
 Domínio da razão teórica – razão que orienta o  É vigente – “vigora ou não vigora”.
conhecimento: função cognitiva.  É considerado válido ou não válido – não descreve
 É existente – “é ou não é”. nenhuma realidade; pode ser observado ou violado
 É considerado verdade ou não verdade – descreve pelos seus destinatários.
uma realidade; não pode ser observado ou violado  Questão de direito.
pelos seus destinatários.  Exemplo: “O professor mandou calar os alunos”.
 Questão de facto.  Não pode ser considerado proposição analítica nem
 Exemplo: “O António disse que estava sol”. proposição sintética, pois não pode ser verdadeiro em si
 Dividido em proposições analíticas (verdade depende mesmo nem é comprovável por factos empíricos.
apenas do significado dos termos) e sintéticas  O dever ser deriva sempre de um querer. No entanto,
(verdade depende de algo que tem de ser provado). tal não significa que qualquer querer é um dever ser,
nem que um dever ser pode ser reduzido a um simples
querer.
Esta distinção tem como consequência a falácia naturalista – impossibilidade de deduzir qualquer dever ser do ser. Ainda
que tenham existido diversas tentativas de demonstrar o contrário, tal nunca aconteceu.

Normatividade da ordem social

A sociedade orienta as suas condutas por hábitos/usos sociais – decorrem do comportamento das maiorias, sem qualquer
noção do dever ser -, e por regras do dever ser – determinam o que os indivíduos devem/podem ou não fazer. Assim, na
ordem social, coexistem diversas ordens normativas:

 Ordem moral – ordem intra-individual (do sujeito para consigo próprio) que orienta a conduta humana para a realização
do bem e que adquire uma dimensão intersubjetiva no âmbito da moral social, dado que regula aspetos relacionados
com o decoro, a decência e a probidade do comportamento.
 Ordem de trato social – ordem intersubjetiva (entre sujeitos), que resulta dos convencionalismos sociais. A sanção do
seu incumprimento pode ser a reprovação social.
 Ordem jurídica – ordem intersubjetiva constituída por regras jurídicas. Nas sociedades modernas, é a mais relevante
ordem normativa da ordem social, dado que é a única cuja violação resulta em sanções que podem ser impostas pela
força (coercibilidade).

O comportamento dos membros da sociedade é determinado mais pela posição social que ocupam do que por preferências
pessoais. Deste modo, a interação social pode verificar-se de acordo com dois modelos:

 1º: os indivíduos, apesar de não interagirem diretamente uns com os outros, modificam, através do seu comportamento
individual, o sistema global e reagem à modificação deste com alterações do seu comportamento.
 2º: os indivíduos interagem e cooperam diretamente uns com os outros, seja constituindo um grupo, seja pertencendo a
uma instituição.
o Como cada grupo ou instituição prossegue um fim próprio, a participação de uma mesma pessoa em diversos
grupos ou instituições permite-lhe a realização de vários fins.
 Grupos sociais – realidades inter-individuais (resultado da interação dos seus membros), sendo constituídos
por um conjunto de indivíduos que interagem entre si e estabelecem determinadas relações sociais. Têm
função integradora de várias condutas individuais, porque as orienta para a obtenção de uma finalidade
comum: os membros de um grupo compartilham certas convicções e estão dispostos a realizar ações
coletivas.
 Instituições – realidades supra-individuais (são independentes dos membros), é-lhes caraterístico a atribuição
de um status aos seus membros: possuem uma ordem própria que se impõe aos seus membros e que estes
são dispensados de definir (instituições como “sistemas de desoneração”). Nestas são realizados, de forma
coordenada, vários fins. Têm função de socialização/integração (distribuem diferentes papéis sociais aos seus
membros) e de estabilização (definem normas de comportamento de acordo com valores próprios).

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Institucionalismo jurídico:

 Alguns juristas, como Oliveira Ascensão, consideram que nas instituições há uma ordem transpessoal que deve orientar
a produção do Direito.
 Para outra corrente, o neo-institucionalismo (de que é exemplo Weinberger), o próprio Direito não só engloba os
padrões de comportamento provenientes das instituições, como também cria algumas instituições através das
apropriadas regras constitutivas.

Ordem social e ordem jurídica

O Direito encontra a sua justificação no facto de os homens não viverem isolados, só existindo este em sociedade (ubi ius ibi
societas) e sendo imprescindível em qualquer sociedade (ubi societas ibi ius). Dados os recursos escassos face às
necessidades ilimitadas, impõe-se uma necessidade de compatibilização entre a sociedade, de onde provém a necessidade
do Direito. Este torna-se essencial quando se percebe que, geralmente, as pessoas têm um problema de egoísmo, no qual
têm tendência a dar preferência às suas necessidades e aos seus interesses. O Direito contribui assim para assegurar que a
vida não se baseia apenas na sobrevivência.

O Direito tem como caraterísticas ser:

 Realidade humana – estabelece regras de conduta humana.


 Realidade social – a sociabilidade é intrínseca à pessoa e o Direito é inerente à vida em sociedade.
 Realidade cultural – o Direito é constituído por uma atividade humana através de órgãos competentes ou através da
própria sociedade, sendo, enquanto fenómeno cultural, um sistema de valores e de convicções que pode ser
apreendido e transmitido às gerações seguintes.

O Direito é uma ordem normativa distinta da ordem do ser. Esta diferença associa-se, também, à existência de dois tipos de
leis:

 Leis do ter de ser (Müssen) – exprimem algo que se vai realizar independentemente de tudo o resto.
 Leis do dever ser (Sollen) – ordenam algo que pode ou não ser realizado.

Delimitação da normatividade

Ordem é algo natural em qualquer sociedade. No entanto, tal não significa que esta é regida por leis naturais, mas sim que
há uma ordem social assente em ordens normativas, respeitadas pela generalidade dos membros da sociedade.

Ordens normativas – ordens construídas com base Ordem natural – enuncia uma relação entre uma causa
numa vontade ou num querer. Associam-se a leis (antecedente) e um efeito (consequente), através de leis
normativas: naturais:
 São prescritivas.  São descritivas;
 É-lhe próprio o “ter obrigação de”.  Gerais – não se referem a objetos singulares ou a uma
quantidade finita de objetos singulares;
A ordem social é uma ordem de liberdade, no sentido ≠  Universais – valem em todas as condições de espaço
em que só em sociedade o homem é livre (liberdade é e tempo;
sempre perante outrem) e as suas leis deixam sempre  Valem mesmo que sejam submetidas a uma condição
ao indivíduo a opção entre o cumprimento da regra ou a irreal ou contrafactual;
sua violação (ainda que a decisão do individuo venha a  Não são violáveis, pois não são suscetíveis de ser
ter consequências). contrariadas por uma conduta humana.

As ordens normativas orientam condutas humanas, mas o mesmo pode ser dito da técnica:

 Através da técnica, sabe-se que se se pretender resolver um determinado problema ou alcançar um determinado
resultado, tem de se escolher uma certa técnica ou estratégia, impondo um silogismo cuja conclusão é uma ação.

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Determina a adequação dos meios aos fins desejados, pelo que é orientada pela contingência. Dentro das regras
técnicas, que enunciam um ter de ser, distinguem-se dois tipos de regras:
o Regras descritivas – fornecem instruções sobre como resolver um problema.
o Regras tecnológicas – determinam como atingir um certo resultado.
 As ordens normativas e a técnica confluem sempre que uma ordem normativa imponha a um agente o dever de obter
um determinado resultado.

Ordem jurídica e direito

Posição do direito

O Direito não pode produzido e aplicado fora do ambiente social em que se insere, uma vez que surge como resposta às
exigências colocadas pela sociedade. Ainda que não pertença à ordem do ser, mas sim à do dever ser, tem de respeitar e ter
em conta a realidade e a “natureza das coisas”, o que envolve fatores físicos, biológicos, psicológicos, sociais e económicos.

Além disso, e apesar de essencial à sociedade, não deve regular todas as relações sociais, submetendo-se, então, a um
princípio de subsidiariedade, assente na premissa de que não se deve sobrepor a outras ordens normativas quando não
houver que assegurar o cumprimento das suas regras por órgãos do Estado. Este princípio encontra a sua justificação em
diversas razões:

 Se a regulação de uma conduta por uma ordem normativa não jurídica for eficaz em termos sociais, não há justificação
para a regulação dessa conduta em termos jurídicos;
 Se o Direito pretender regular todas as condutas, corre-se o risco de concorrer mais para a desintegração social do que
para a coesão e harmonia sociais.

Assim, a área que não é abrangida pela ordem jurídica chama-se espaço livre de direito/espaço ajurídico, e carateriza-se pela
ausência tanto de uma regra jurídica, como de justificação para a existência dessa regra.

O Direito justifica-se apenas na medida em que as suas funções não sejam realizáveis por nenhuma outra ordem normativa,
devendo limitar-se a proteger certos bens: bens jurídicos (tudo o que é relevante como condição de uma vida sã da
comunidade jurídica e que o legislador tem interesse em preservar e em procurar assegurar contra violações ou ameaças).

Dentro da margem que lhe cabe na regulação da vida social, o legislador pode estabelecer que uma conduta seja
obrigatória, permitida ou proibida. Todas as obrigações e proibições têm de ser estabelecidas pelo legislador, pelo que é
permitido tudo o que não seja proibido ou obrigatório – Favor libertatis. No entanto, a liberdade de um sujeito implica a
restrição à liberdade de outro, pelo que se torna necessária a fixação de regras com significado permissivo, de modo a
legitimar a restrição imposta à liberdade do agente.

Funções do direito

 Função constitutiva – o Direito cria a realidade jurídica: constitui uma realidade que não existe sem ele, estendendo-se
esta função aos conceitos jurídicos, que constroem a sua própria referência (conceitos auto-referenciais).
o Regras com dupla função: prática (orienta condutas, o que se deve fazer) e judicativa (como se deve julgar,
fundamentar juízos).
 Função política – organiza o poder político e coloca limites ao seu exercício, combatendo a anarquia e o totalitarismo.
 Função social – no plano das relações dos indivíduos entre si: define os comportamentos que são permitidos,
obrigatórios ou proibidos; no plano das relações entre as sociedades e os indivíduos: regula a contribuição da sociedade
para os indivíduos e dos indivíduos para a sociedade.
 Função pacificadora – disciplina a violência, soluciona conflitos de interesses e aplica sanções decorrentes da violação
das suas regras. A confiança no Direito necessária ao desempenho desta função relaciona-se com o Estado e com a rule
of law – o governo é também obrigado a cumprir as regras previamente estabelecidas pelo Direito. No entanto, não
basta aumentar as sanções e a repressão, sendo mais vantajosa a partilha de valores e a estabilidade social.

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Direito e moral

Sendo o Direito e a Moral duas ordens normativas distintas, dá-se a necessidade de as distinguir, surgindo o critério segundo
o qual a diferenciação entre as duas ordens radica na exterioridade das regras humanas e na interioridade das regras morais.
No entanto, este critério é inaceitável para a distinção, pois tal não significa que a intenção do agente seja irrelevante para o
Direito ou que a exteriorização da conduta não tenha importância para a ordem normativa da moral. Em todo o caso, o
critério enunciado permite distinguir as duas ordens nos seguintes termos: para o Direito, nada há de relevante antes de ser
exteriorizada uma intenção, e para a Moral, a intenção do agente é sempre relevante.

Apesar de ordens distintas, verifica-se que grandes problemas morais constituem frequentemente grandes problemas
jurídicos, e que se estabelecem entre elas diferentes relações, que podem ser vistas por uma dupla perspetiva:

 Perspetiva empírica – procura saber-se quais as relações que, na prática, existem entre o Direito e a Moral e qual a
consagração que a Moral encontra no Direito Positivo. Estas relações podem ser de coincidência ou de não coincidência,
havendo, também, regras morais que não possuem nenhuma correspondência com regras jurídicas e vice-versa.
 Perspetiva normativa – pretende determinar quais as relações que devem existir entre o Direito e a Moral e se a
correspondência do Direito com a Moral é um critério para a aferição da validade do Direito. Admite que o Direito não
deve ficar indiferente perante a moral, devendo, no entanto, receber desta apenas aquilo que se mostra importante
para a convivência social (princípio da necessidade), resultando este princípio do facto do direito e a moral terem
perspetivas diferentes relativamente à mesma situação.

Tese da separação – Direito e Moral não têm uma coincidência necessária, podendo obter esta separação de dois modos:

 Direito considera indiferente o que é moral, não assumindo qualquer posição;


 Direito limita-se a permitir o que é moral e o que é imoral, deixando ao agente a liberdade de escolha relativamente ao
que fazer.

Direito e justiça

O sentido do Direito é o de servir a justiça (valor primário do ordenamento jurídico, pois é em contraposição a si que se
demarcam e justificam outros valores).

 Para Aristóteles, a justiça pode ser dividida em:


o Justiça distributiva – orienta a distribuição de bens, quer materiais como imateriais. Rege as relações “verticais”
entre um indivíduo e a comunidade, seguindo-se pelos princípios da proporcionalidade geométrica e da
discriminação positiva, segundo os quais se verifica um tratamento igual do que é igual e diferente do que é
diferente (quem precisa de mais, deve receber mais).
o Justiça comutativa (ou corretiva) – orienta as “transações entre os indivíduos”. Rege as relações “horizontais”
entre os membros da comunidade, seguindo um princípio de proporcionalidade aritmética (mais trabalho, mais
remuneração). Divide-se em:
 Iustitia vindicativa – “olho por olho, dente por dente”;
 Iustitia restitutiva – “aquele que violou um bem jurídico deve reconstituir a situação que existia antes da
violação”.
 Com S. Tomás de Aquino entendeu-se a necessidade do conceito da justiça legal – análise não só do contributo que a
comunidade tem para cada indivíduo, mas também o contributo devido por cada indivíduo à comunidade.
o Entre os interesses individuais e o bem comum pode haver relações de:
 Concordância;
 Conflito, em que há algum benefício para o prejudicado;
 Conflito, em que não há qualquer benefício para o prejudicado.
 A justiça distributiva e a justiça legal constituem, no seu conjunto, o núcleo da justiça social, que rege as relações entre
os particulares e o Estado.
 Justiça material – justiça que assenta em critérios de adequação ou justificação.

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Direito e democracia

O poder político é um poder sobre a sociedade e os seus membros, pelo que nem para eles, nem para o Direito, é
indiferente a maneira como esse poder político está atribuído e distribuído.

Democracia:

 Sistema político caraterizado pela igualdade política de todos os membros, pela reivindicação da soberania pela
coletividade e pelo exercício do autogoverno. É um critério de legitimação do Direito, no que se refere quer à sua
produção, quer à sua aplicação.
 Comporta aspetos normativos e funcionais:
o Normativos – valores fundamentais da democracia; relação com a trilogia de Kant “liberdade como pessoa,
igualdade como súbdito, autonomia como cidadão”.
o Funcionais – valores associados ao processo da decisão: prevalência da maioria sobre a minoria.

Direito e Estado

Não há Estado sem Direito: o Direito é essencial para a organização do Estado. No entanto, a sua relação pode ser entendida
de maneiras distintas: o Estado prevalece sobre o Direito (regimes totalitaristas), ou o Direito prevalece sobre o Estado,
podendo afirmar-se que o Estado está limitado pelo Direito.

O Estado de Direito, regulado pela Constituição e pelas leis, aceita sempre os limites impostos pelo Direito, mas sendo este
criado pelo Estado, é possível afirmar que o Estado se subordina a um Direito que ele próprio produz – paradoxo da
soberania: “o soberano está, ao mesmo tempo, fora e dentro da ordem jurídica”. Assim, a resposta a como limitar o poder
do soberano quando este está fora do ordenamento jurídico é a democracia, tendo sempre por base o respeito pela justiça
e pela tolerância.

No entanto, há Direito sem Estado, pois este pode ter origem na própria sociedade (como o direito consuetudinário), em
entidades supraestaduais (como o direito criado pela UE), ou em entidades infraestaduais (como as regiões autónomas).
Além disso, o Direito não precisa de território para governar (pode ser supraestadual ou limitado a parte do território) nem
de abranger toda a população de uma comunidade.

Ordem jurídica e imperatividade

Enquadramento geral

A ordem jurídica impõe um dever ser e espera que esse seja cumprido, podendo esse cumprimento das regras ser mecânico
ou intencional. Caso não seja verificado, o Direito pode limitar-se a atribuir um certo desvalor ao ato jurídico, como pode
aplicar uma sanção ao agente, verificando-se, assim, que a ordem jurídica é uma ordem coativa. No entanto, não basta que o
Direito dite a sanção, sendo necessário que esta se faça cumprir, podendo ser suscetível de ser imposta pela força
(coercibilidade).

 Imperatividade – prescrição/imposição de um dever ser;


 Coação – cominação de uma sanção ao agente que violou uma regra jurídica;
 Coercibilidade – aplicação da sanção que é imposta ao agente que infringiu a regra jurídica.

Desvalores jurídicos

A atuação dos agentes tem certos limites, resultando valores jurídicos negativos:

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 Ilicitude – desvalor atribuído às condutas dos autores dos atos que infringem obrigações ou proibições;
desconformidade de uma conduta com uma regra jurídica quando o agente atua de forma voluntária; um dos
elementos da responsabilidade jurídica.
 Ilegalidade – desvalor que recai sobre os atos jurídicos; contrariedade de um ato jurídico à lei. Comporta a inexistência, a
invalidade e a ineficácia.
o Inexistência – forma mais grave de ilegalidade.
o Invalidade – comporta as modalidades de nulidade (decorre da violação dos interesses mais relevantes, podendo
ser pedida a qualquer momento) e anulabilidade (violação de interesses menos relevantes, tendo de ser arguida
pelos interessados num determinado prazo e sendo sanável pelos mesmos mediante confirmação ou ratificação).
 Ineficácia – situação de inoponibilidade do ato.

Sanções jurídicas

A sanção jurídica é um dos meios a que o Direito recorre para impor o cumprimento ou evitar o incumprimento de uma regra
jurídica, manifestando a reprovação da ordem jurídica perante a conduta antijurídica do infrator. A pretensão da ordem
jurídica é, então, que o agente atue em conformidade com o Direito.

As sanções podem ter variadas finalidades:

 Finalidade preventiva – quando procuram obstar à violação do Direito.


 Finalidade repressiva – quando procuram impor uma pena ao infrator.
 Finalidade reparadora – quando procuram reconstituir a situação que existia antes da violação da regra.
 Seja qual for a sua finalidade, toda a sanção tem uma finalidade preventiva de caráter geral, dado que o receio da sua
aplicação conduz o potencial violador a procurar evitar a violação da regra.

A sanção é sempre estabelecida por uma regra jurídica, decorrente de uma regra autónoma, complementar ou subsidiária
de uma regra de conduta: uma regra impõe uma conduta (regra de conduta) e uma outra regra determina a reação contra a
sua violação (regra sancionatória). Assim, a primeira define o comportamento obrigatório ou proibido, enquanto a segunda
determina a sanção em caso de desrespeito daquele comportamento, sendo, no entanto, possível obter a partir desta o
comportamento devido pelos agentes. A sua principal distinção dá-se devido a terem destinatários distintos.

Para a observância das suas regras jurídicas, o Direito dispõe de diversos meios:

 Meios punitivos – imposição de uma desvantagem/sofrimento aos infratores.


 Meios premiais – atribuição de uma recompensa àqueles que observam o Direito.

Em caso de não observância das regras jurídicas, o Direito tem diferentes tipos de sanções:

 Sanções preventivas – visam prevenir a violação da regra jurídica.


 Sanções compulsórias – visam levar o infrator a adotar o comportamento devido, depois de a infração já ter sido
cometida.
 Sanções reconstitutivas – visam reconstituir a situação que existiria se o agente não tivesse violado a regra, podendo
ser reconstituição natural (ou indemnização específica) ou execução específica.
 Sanções compensatórias – visam colocar o lesado numa situação equivalente àquela que existiria se não tivesse
ocorrido a violação da regra jurídica. São subsidiárias das sanções reconstitutivas, dado que apenas são aplicadas
quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa
para o devedor, fixando-se um valor monetário.
 Sanções punitivas – visam impor uma pena ao infrator da regra jurídica, podendo ser:
o Civis – valem no domínio do direito privado;
o Disciplinares – infrações disciplinares que são aplicadas por entidades providas de poder disciplinar;
o Contraordenacionais – coima (montante monetário que deve ser pago pelo infrator);
o Criminais – aplicadas ao agente de um crime.

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Atuação da imperatividade

 Geralmente, a imperatividade vem acompanhada da coação, sendo ainda necessária a coerção de modo a assegurar a
aplicação da sanção a esse agente. Estas sanções podem ser com ou sem expressão física, sendo a primeira caraterística
da generalidade das ordens jurídicas.
 Há casos em que a imperatividade não vem acompanhada de nenhuma sanção – lex imperfecta, isto é, há um dever mas
não é aplicável uma sanção a quem não o respeitar.
 Quando exista Direito não sancionatório e em que a imperatividade é reduzida chama-se soft law.

A aplicação de uma sanção é garantida pela coercibilidade – suscetibilidade de aplicar uma sanção jurídica pela força.

 A coação é completada pela coerção: primeiro coage-se o agente a agir de determinada maneira sob a ameaça de uma
sanção (vis coativa), para depois se recorrer à coerção para aplicar a sanção ao agente que violou ou ameaçou violar a
regra. No entanto, a coação pode não ser acompanhada por qualquer coerção.
 Finalidade: conduzir à observância de uma regra jurídica quando a sanção a aplicar for preventiva ou compulsória, ou,
no caso das demais sanções, aplicar uma sanção ao agente que tiver violado uma regra.
 Regulada por regras diferentes das de conduta ou de sanção.
 Poder da competência do Estado.

Ordem jurídica e tutela jurídica

Meios de tutela jurídica

A ordem jurídica atribui situações subjetivas, que precisam de ser acauteladas antes de qualquer violação e de ser reparadas
após a sua violação. Para isso, tem de comportar diversos meios de tutela:

 Heterotutela – forma de resolução de conflitos de interesses através de órgãos imparciais e independentes, que
pressupõe, quase sempre, o recurso aos tribunais estaduais. Por vezes, é necessário recorrer aos tribunais arbitrais,
podendo esta arbitragem ser voluntária (as partes decidem atribuir ao tribunal arbitral a resolução do litígio) ou natural
(lei impõe a resolução do litígio através do tribunal arbitral).
 Autotutela – realização do Direito pelo próprio ofendido, ou seja, sem recurso a uma entidade/órgão imparcial e
independente para dirimir o litígio. Pela evolução histórica, percebe-se que a autotutela cai, cada vez mais, em desuso,
mas continua presente na ordem jurídica portuguesa, sob a forma de:
o Legítima defesa – a defesa é legítima quando visa reagir contra uma agressão alheia, tanto sobre uma pessoa
(direito pessoal), como sobre um património (direito patrimonial). Considera-se lícito o ato destinado a afastar
qualquer agressão atual e contrária à lei contra a pessoa ou o património do agente ou de terceiro, desde que não
seja possível fazê-lo pelos meios normais e o prejuízo causado não seja manifestamente superior ao que possa
resultar da agressão (princípio de proporcionalidade.)
o Direito de resistência – modalidade da legítima defesa que se carateriza por atribuir a uma pessoa:
 O direito a resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias – resistência passiva;
 O direito a repelir pela força qualquer agressão contra os seus direitos, liberdades e garantias, quando não
seja possível recorrer à autoridade pública – resistência ativa.
o Estado de necessidade – visa evitar a consumação ou o aumento de um dano, não pressupondo nenhuma agressão
praticada contra o agente e estando subordinado a um princípio de proporcionalidade. Considera-se lícita a ação
daquele que destruir ou danificar uma coisa alheia com o fim de remover o perigo atual de um dano
manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro. Pode ser:
 Agressivo – o agente destrói ou danifica uma coisa para remover um dano;
 Defensivo – o agente destrói ou danifica a própria coisa que cria o perigo.
 Nas hipóteses em que o dano que se pretende evitar não seja manifestamente superior àquele que se vai
causar, pode verificar-se o chamado estado de necessidade desculpante.
o Ação direta – torna lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar um direito próprio, quando ela for
indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a

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inutilização prática desse direito, contanto que o agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo
(princípio de proporcionalidade: interesses sacrificados não superiores aos que o agente visa assegurar).
Pressupõe uma agressão ou violação já consumada, mas que ainda permite uma reação passível de evitar a
inutilização prática do Direito.

Sistemas de Direito

Comparação jurídica

Direito Comparado – ocupa-se da comparação entre várias ordens jurídicas ou entre institutos de diferentes ordens jurídicas,
servindo-se do método comparativo (análise das diferenças/semelhanças entre os direitos ou institutos escolhidos).

 Não é um direito vigente em nenhum ordenamento jurídico.


 Divide-se em:
o Macrocomparação – incide sobre as ordens jurídicas consideradas na sua globalidade e permite distinguir os vários
sistemas de Direito.
o Microcomparação – incide sobre institutos jurídicos e procura analisar as diferenças/semelhanças existem na
regulação de um mesmo instituto jurídico em diferentes ordens jurídicas.
 É um auxiliar da Política do Direito, pois permite conhecer o Direito estrangeiro e analisar as soluções preconizadas
nessas legislações, facilitando, também, a harmonia e a uniformização entre várias ordens jurídicas.
 Pode ser útil na aplicação do Direito nacional: frequentemente importa conhecer o Direito estrangeiro para
compreender o Direito próprio – muitas vezes, dá-se a importação de soluções criadas no estrangeiro para resolver
problemas e apagar lacunas na ordem jurídica nacional.
 Um dos critérios de classificação mais utilizados é o das fontes do Direito, segundo o qual se podem distinguir os
direitos tradicionais e os direitos modernos. Dentro dos direitos modernos, distinguem-se o sistema ocidental (que, por
sua vez, se divide em civil law e common law) e o sistema comunista.

Sistema romano-germânico – civil law

 Formação: De base romanística, as ordens jurídicas pertencentes a este sistema formaram-se através da receção do
Direito Romano, facilitada pela compilação constante do Corpus Iuris Civilis. As suas principais épocas de expansão
foram a Alta Idade Média, o Renascimento, a Época Humanística e a Pandectística Alemã, tendo as Universidades
desempenhado um papel fundamental.
 Lei enquanto principal fonte do Direito, o que motivou a elaboração de constituições políticas escritas e a codificação
das principais áreas jurídicas.
 Costume e jurisprudência, apesar de poderem ser consideradas fontes do Direito, assumem um papel secundário.
 Técnica científica: Direito como um sistema. De onde resulta:
o As leis são:
 Abstratas – aplicáveis a uma multiplicidade indeterminada de casos concretos;
 Gerais – aplicáveis a uma pluralidade indeterminada de destinatários.
o A analogia entre o caso omisso e o caso regulado é o primeiro critério de integração de lacunas.
 Os postulados da lei como fonte primordial, da sistematização do Direito e da abstração e generalidade das leis, levam a
consequências como o movimento de codificação.
o Código – sistema ordenado de regras jurídicas respeitantes a uma determinada matéria jurídica.
o A codificação moderna tem causas:
 Ideológicas – jusracionalismo e suas ideias de sistematização, de ordenação e de abstração.
 Políticas – demonstração de um poder político forte, favorecimento da unificação política e definição de
regimes jurídicos universais e não discriminatórios.
o Vantagens da codificação:
 Facilidade no acesso ao direito vigente;
 Sistematização e ordenação de matérias;

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 Orientação do aplicador na solução dos casos concretos.


o Desvantagens da codificação:
 Rigidez da regulamentação jurídica;
 Fixidez da doutrina.
 Distinção entre Direito Público e Direito Privado:
o Critério do interesse – o Direito Público diz respeito a interesses públicos e o Direito Privado a interesses privados.
 Crítica: dificuldade de distinção entre interesses públicos e privados.
o Critério da qualidade dos sujeitos – o Direito tem como sujeitos entes públicos e o Direito Privados entes privados.
 Crítica: os entes públicos também podem atuar como um ente qualquer privado.
o Critério da posição dos sujeitos – o Direito Público é aquele em que os entes públicos intervêm dotados de poderes
de soberania e o Direito Privado é aquele em que os sujeitos, ainda que possam ser públicos, intervêm numa
posição de paridade com outros interessados.

Sistema anglo-americano – common law

 Formação: Com a conquista normanda, em 1066, o direito romano-germânico foi erradicado nas Ilhas Britânicas,
crescendo a importância das decisões dos tribunais, dada a falta de direito vigente. Criou-se, então, o sistema de
common law.
 Jurisprudência enquanto principal fonte do Direito. Segue-se a regra do precedente: o precedente fixado pelos tribunais
superiores na decisão de casos concretos é vinculativo para os tribunais inferiores quando estes apreciem casos
análogos.
 Técnica jurídica: em comparação com o sistema de civil law, manifesta-se numa menor preocupação com a
sistematização do Direito e com o caráter abstrato e geral das regras jurídicas, numa maior contribuição dos práticos e
uma menor prestação das Universidades e da doutrina para a evolução e a construção do Direito.

Sistema muçulmano

 Ligação estreita entre o Direito e a religião: a lei divina define as obrigações do Homem perante Deus e perante os seus
semelhantes.
 Fontes do Direito:
o Corão – livro sagrado no qual se encontram as revelações de Alá a Maomé;
o Suna – constituída pelas tradições relativas à conduta, aos atos e aos propósitos do Profeta Maomé;
o Idjma’ – opinião unânime dos jurisconsultos do islão.
 O Costume tem vindo a assumir alguma importância como fonte do Direito.

Delimitação das fontes do Direito

Delimitação positiva

Fontes do Direito – modos de revelação de critérios normativos de decisão de casos concretos (ou seja, de regras jurídicas).

 Esta definição assenta no critério gnosiológico – as fontes do direito são “um fundamento do conhecimento de algo
como o Direito”.
 As fontes são factos normativos e sociais, pelo que resultam de um processo de formação, que condiciona a qualidade
do critério de decisão que é por ela revelado.
 Não há sistema jurídico sem fontes.
 As fontes que são produzidas com fundamento em outras fontes são fontes derivadas. No entanto, nem todas as
fontes podem ser derivadas de outras fontes, dado que há, pelo menos, uma fonte que não pode ter derivado de
qualquer outra fonte – fonte originária (aquela que não tem nenhuma outra fonte como fonte).

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 Apesar da importância das fontes, a consulta destas não é suficiente para o conhecimento do direito vigente, sendo
necessário atender, também, a fatores como a doutrina e a jurisprudência. É nesta base que surge a distinção entre
fontes do direito e fontes do conhecimento do direito.
 A linguagem das fontes de Direito não é nem informativa (não se pretende dar uma informação sobre algo), nem
expressiva (não se visa transmitir emoções/sentimentos), mas sim performativa/ilocutória, dado que se constrói,
através dela, uma realidade.
 Em todas as funções do Estado (legislativa, executiva e jurisdicional) é possível a formação de fontes do Direito, pelo
que, nesse mesmo plano, pode haver regras jurídicas com origem legal, regulamentar ou jurisprudencial. No entanto,
por no sistema romano-germânico a jurisprudência não ser considerada fonte de Direito, não é atribuída aos tribunais
uma função de criação de Direito, mas sim de controlo de conformidade legal dessas fontes.
 As fontes de Direito necessitam de aceitação social para que o Direito seja efetivo, não bastando que seja produzido:
acceptatio legis.
 Espécie de fontes:
o Quanto ao modo de formação, as fontes do Direito podem ser:
 Intencionais – aquelas que têm na sua origem um ato normativo, pressupondo um órgão com competência
legislativa ou regulamentar para elaborar a lei;
 Não intencionais – aquelas que têm na sua origem um facto não voluntário de produção normativa.
o Quanto à eficácia, as fontes de Direito podem ser:
 Mediatas – são fontes que são qualificadas como tal por uma fonte imediata, retirando a sua juridicidade de
uma fonte imediata;
 Imediatas – fontes por si próprias, não necessitando de nenhuma outra fonte que as qualifique como tal,
possuindo juridicidade própria.
o Quanto à origem, as fontes de Direito podem ser:
 Internas (de um ordenamento) – têm origem nessa mesma ordem jurídica;
 Externas (de um ordenamento) – têm origem numa outra ordem jurídica e vigora nesse ordenamento por
meio de regras de receção.
o As fontes de Direito podem, também, ser:
 Simples – provêm de um único facto normativo;
 Complexas – são constituídas por um facto originário e por um facto posterior à produção da fonte. A
novação da fonte ocorre quando a regra contida na fonte se mantém mas se verifica a alteração do facto
normativo.

Delimitação negativa

Doutrina – decorre do trabalho dos juristas sobre a lei e manifesta-se na opinião sobre a solução de um certo problema
jurídico.

 Apesar de não ser fonte de Direito em Portugal:


o Não se deve fazer esquecer o papel fundamental da doutrina na vida jurídica: molda o direito vigente, criticando as
soluções legais e propondo novas soluções, e exerce uma força persuasiva sobre os tribunais e outros aplicadores
do direito.
o Nos casos em que é, sendo atribuída a qualidade de fonte de direito à resposta dada por um jurisconsulto e/ou à
ação uniforme/prevalecente da doutrina sobre a resposta a dar a uma questão jurídica, pode ser fonte de direito
num sentido individual ou coletivo.

Jurisprudência – resultado da atividade decisória dos tribunais na resolução dos casos concretos.

 Funções:
o Onde é fonte de direito, é vinculativa na apreciação de casos análogos pelo mesmo ou por outro tribunal;
o Nos sistemas de direito romano-germânico o princípio é o de que as decisões dos tribunais não constituem
precedente vinculativo na apreciação de casos idênticos – não é fonte de Direito –, sendo que esta não
vinculatividade permite que o juiz de uma ação possa decidir diferentemente do que decidiu antes numa outra
causa ou do que foi decidido, quanto a casos semelhantes, por outros juízes.
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 A jurisprudência adapta constantemente os textos legais à evolução do tempo – quanto mais antiga for a lei, maior é a
possibilidade da sua desatualização.
 Jurisprudência constante – originada pela observância dos paradigmas ou modelos de decisão estabelecidos nas
decisões dos tribunais, incrementa a confiança no sistema jurídico, na medida em que o sentido das decisões dos
tribunais se torna previsível e expectável.
o No plano do direito positivo, há que considerar que, como esta não é fonte do direito, não há que seguir qualquer
analogia com o princípio da não retroatividade da lei nova, pelo que os tribunais podem alterar, na apreciação de
qualquer caso concreto, uma jurisprudência constante.
 Jurisprudência uniformizada – aquela que é fixada pelos tribunais supremos, de modo a evitar o proferimento de
decisões contraditórias sobre a mesma questão de direito.
o O direito aplicável aos casos análogos deve ser o mesmo, pelo que se verifica uma contradição entre as decisões
quando estas divergirem sobre o direito aplicável na solução de casos semelhantes. Por esta contradição pôr em
causa a interpretação e a aplicação uniformes do direito e os princípios de confiança e igualdade, é necessário
encontrar mecanismos que permitam uniformizar a jurisprudência.
o Não é obrigatória para os tribunais, não podendo ser considerada uma fonte de direito.
o Tem valor persuasivo, o que permite interpor recurso da decisão que não siga a jurisprudência uniformizada.
o Tem uma eficácia retroativa, dado que vai ser aplicada a factos que foram praticados e a situações que foram
constituídas antes dessa uniformização.
o Pode-se perguntar se o princípio de confiança não pode constituir, em certas hipóteses, um limite à liberdade de
decisão do tribunal da causa e um fator que impõe a vinculação desse tribunal à jurisprudência uniformizada.
 Anteriormente, os casos em que a lei declarava que os tribunais podiam emitir assentos eram aqueles em que havia que
solucionar, através de um acórdão com força obrigatória geral, uma oposição de decisões sobre a mesma questão
fundamental de direito. No entanto, começou-se a questionar a constitucionalidade dos assentos, o que levou a que
estes deixassem de poder ser fontes do ordenamento jurídico.

Modalidade das fontes do Direito

Fontes externas

Direito internacional

 Divide-se em direito internacional comum (constituído por costume internacional e princípios gerais de direito
reconhecidos pelas nações civilizadas; parte integrante do direito português) e direito internacional convencional
(constituído por convenções internacionais que, quando ratificadas/aprovadas e publicadas vigoram na ordem jurídica
portuguesa, e outros instrumentos de harmonização e unificação legislativa como normas emanadas dos órgãos
competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte, vigorando diretamente na ordem interna).

Direito europeu

 Divide-se em direito europeu originário (constituído pelos tratados que estão na origem da UE) e derivado (constituído
pelo direito proveniente dos órgãos das instituições europeias).
 Rege-se por alguns princípios fundamentais:
o Quanto à criação, princípio da subsidiariedade – a UE intervém apenas quando os objetivos não consigam ser
realizados pelos Estados-membros ou sejam alcançados de forma mais eficiente a nível europeu.
o Quanto à publicação, princípio do primado – o direito europeu prevalece sobre o direito interno dos Estados-
membros – e do efeito direto – os efeitos imediatos produzidos pelo direito europeu na esfera jurídica dos
indivíduos devem ser sempre respeitados pelos Estados-membros.
 Principais fontes:
o Diretivas – vinculam o Estado-membro destinatário quanto ao objetivo, deixando às instâncias nacionais a
responsabilidade de escolher os meios e a forma de alcançar o objetivo estipulado – necessitam de um ato de
transposição;

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o Regulamentos – de carácter geral, são obrigatórios em todos os seus elementos e diretamente aplicáveis em todos
os Estados-membros;
o Decisões – são obrigatórias em todos os seus elementos para os respetivos destinatários.

Fontes internas imediatas

Lei – qualquer enunciado linguístico cujo significado seja uma regra jurídica.

 A lei pode ser em sentido:


o Material – qualquer enunciado linguístico cujo significado seja uma regra jurídica.
 Um caso especial é a lei interpretativa, que é a lei que realiza a interpretação autêntica de outra lei, não tendo
caráter inovatório, o que justifica a atribuição de eficácia retroativa a essa lei.
o Formal – enunciado linguístico cujo significado é uma regra jurídica e que emana de um órgão com competência
legislativa e, portanto, de um ato jurídico.
 Leis constitucionais, leis da AR (incluindo leis orgânicas e leis reforçadas), decretos-leis do Governo, decretos
legislativos regionais.
o Há leis que são simultaneamente leis materiais e formais e há leis em sentido material que não são leis em sentido
formal.
 Atos normativos – a toda a lei está subjacente um ato normativo, que pode ser:
o Legislativo – decorre do exercício de uma competência legislativa do órgão que o pratica e dá origem a uma lei em
sentido formal;
 Atos legislativos – as leis em sentido formal decorrem de atos legislativos, os quais constituem uma tipologia
taxativa: nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos, nem conferir a atos de natureza não
legislativa o poder de interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.
 Leis da AR (inclui as leis constitucionais), decretos-leis do Governo, decretos legislativos regionais.
o Regulamentar – decorre do exercício de uma competência administrativa do órgão que o realiza e produz um
regulamento.
 Atos regulamentares – podem ser criados quaisquer atos regulamentares e pode ser conferida a atos de
diferente natureza o poder de interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus
preceitos. Distinguem-se os atos que emanam do Governo dos restantes:
 Governo: decretos e decretos regulamentares, portarias, despachos normativos e resoluções do
Conselho de Ministros.
 Outras entidades: regulamentos da administração autónoma, posturas e regulamentos municipais,
posturas e regulamentos das juntas de freguesia, regulamentos da administração indireta, decretos
regulamentares regionais, estatutos, regimentos, instruções.
o Além dos atos legislativos e dos regulamentares, há atos de caráter atípico, sendo exemplos: decretos do
Presidente da República, resoluções da AR e os decretos dos Representantes da República.
 As leis podem ser:
o Centrais – produzidas pelos órgãos de soberania e destinadas a vigorar em todo o território nacional, podendo
provir da AR ou do Governo;
o Regionais – leis emanadas dos órgãos legislativos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira;
o Locais – leis (só em sentido material) produzidas pelas autarquias locais (pessoas coletivas territoriais).
 Normas corporativas – aquelas que são ditadas pelos organismos representativos das diferentes categorias morais,
culturais, económicas ou profissionais, no domínio das suas atribuições, bem como os respetivos estatutos e
regulamentos internos.
o Apesar de já não se viver num Estado corporativo, estas normas são consideradas fontes imediatas do Direito. Não
podem contrariar as disposições legais de caráter imperativo, subordinando-se à lei.
 Caraterísticas da lei – geralmente, é abstrata e geral. Estas caraterísticas garantem que casos idênticos sejam decididos
de forma idêntica e asseguram a igualdade entre os seus destinatários.
o É abstrata quando se refere a uma pluralidade indeterminada de situações ou de factos, podendo dizer-se que se
refere a situações/factos futuros. Ao referir-se a factos passados, é importante a distinção entre quando é abstrata

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– nos casos em que a lei se refere a uma categoria de factos passados – e quando não é – nos casos em que a lei se
refere a factos passados concretos. Não é uma caraterística essencial, admitindo-se leis concretas.
o É geral quando se refere a uma pluralidade indeterminada de destinatários e não a sujeitos determinados. Não é
uma caraterística essencial, admitindo-se casos individuais.
 Muitas vezes, a lei é falsamente genérica ou falsamente individual, quando é destinada a uma pluralidade
indeterminadas de pessoas, mas apenas alguns ou uma única pessoa preenche a sua previsão ou quando,
apesar de a sua formulação parecer individual, ela possui vários destinatários.

Costume – uso que é assumido pelo agente com a convicção da sua juridicidade.

 É constituído por um elemento fático (externo ou quantitativo) e por um elemento normativo (interno ou qualitativo).
o Elemento fático: uso – prática social reiterada;
o Elemento normativo: convicção da juridicidade – decorre do sentimento de que algo deve ou não ser, porque tal
corresponde ao direito.
 Formação do costume – aparece o uso quando um comportamento se torna habitual. Depois, forma-se a convenção
social quando o hábito é acompanhado de uma ideia de obrigatoriedade; essa convenção já pertence ao domínio de
uma ordem normativa – em concreto, da ordem do trato social. Finalmente, constitui-se o costume quando a
convenção social é completada pela convicção da sua juridicidade, ou seja, quando se forma a convicção de que a
convenção social requer uma tutela jurídica.
 O costume só pode ser eficaz. Um costume que não é observado é uma impossibilidade: se o costume deixa de ser
observado, deixa de ser vigente.
 O costume pode ser:
o Secundum legem – a regra consuetudinária coincide com a regra geral; o costume realiza uma função declarativa.
o Praeter legem – o costume complementa a lei, pois vai além daquilo que a lei dispõe sem a contrariar; o costume
forma uma nova fonte do direito.
o Contra legem – costume contraria a lei, pelo que implica a cessação da lei.
 É a omissão de qualquer referência na lei ao costume que permite concluir que esse costume pode ser uma
fonte imediata.
 A relevância atribuída ao costume como fonte do direito está na proporção indireta da importância da lei como fonte do
direito.
 Da tensão entre costume e lei podem resultar diversas situações:
o A lei extingue ou faz cessar o costume;
o A lei reconhece o costume e fornece-lhe um título legal;
o O costume pressupõe-se à lei e, apesar de contrariado pela lei, continua a vigorar como contra legem.

Fontes internas mediatas

Usos – elementos do costume, sendo uma fonte mediata do direito dado que os usos que não forem contrários aos
princípios da boa fé são juridicamente atendíveis quando a lei o determine. No entanto, só pode ser fonte do direito quando
uma fonte imediata lhe atribuir essa qualidade.

Jurisprudência normativa – são fonte de direito os acórdãos com força obrigatória geral.

 A ordem jurídica admite como acórdãos normativos os acórdãos do TC que declaram a inconstitucionalidade ou
ilegalidade de normas e os acórdãos dos tribunais administrativos que declaram, com força obrigatória geral, a
ilegalidade de regras administrativas.
 A jurisprudência como fonte de direito refere-se a um valor negativo, pois impede, através de um juízo de
inconstitucionalidade ou ilegalidade, que desta fonte possa ser retirada uma regra jurídica.

Fontes do direito privadas – aquelas que resultam da autonomia privada, embora só se possa falar de fontes privadas
quando as respetivas regras tiverem uma eficácia externa e puderem ser invocadas por terceiros ou opostas a terceiros. São
sempre fontes mediatas, dado que elas resultam do reconhecimento, pela lei, da autonomia privada.

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Vicissitudes das fontes do Direito

Desvalores do ato normativo

Toda a lei emana de um ato normativo (ato produzido no termo de um processo legislativo), podendo assumir um valor
negativo:

 Inexistência – quando o vício que o afeta é tao grave que nem sequer é possível afirmar que haja a aparência de um ato,
podendo declarada pelo próprio órgão legislativo e verificada oficiosamente por qualquer órgão de aplicação do
Direito.
 Invalidade – pode assumir 2 modalidades:
o Nulidade – vício mais grave: impede a produção de quaisquer efeitos pela lei, podendo ser apreciada e declarada
por qualquer órgão de aplicação do Direito;
o Anulabilidade – vício menos grave: só impede a produção de efeitos depois da anulação do ato e pode ser sanada
através de confirmação ou de ratificação do ato.
 Ineficácia – decorre de uma irregularidade verificada no seu processo de formação. O ato ineficaz é existente e válido,
mas não produz quaisquer efeitos (ex: falta de publicação do ato normativo).

Publicação das fontes

A publicação dos atos normativos é a forma de os tornar conhecidos através da publicitação do respetivo texto, sendo, por
isso, uma condição do seu conhecimento pelos respetivos destinatários.

 Em Portugal, a publicação oficial é feita em Diário da República (jornal oficial), editado por via eletrónica, de acesso
universal e gratuito.
 Além da publicação em Diário da República, quando a lei expressadamente o determine, as determinações dos órgãos
autárquicos, bem como as decisões dos respetivos titulares, quando sejam destinadas a ter eficácia externa, devem ser
publicadas em edital afixado nos lugares e estilo e no boletim oficial da autarquia e nos jornais regionais editados na
área do respetivo município.
 A lei só se torna obrigatória depois de ser publicada no jornal oficial, de onde resulta que a publicação da lei é condição
necessária da sua eficácia. Da junção do artigo 5º/1 CC com a noção de lei presente no artigo 1º/2 CC, podemos concluir
que apenas devem ser publicadas em Diário da República as leis emanadas dos órgãos estaduais. De uma interpretação
conforme à Constituição do primeiro artigo supracitado, podemos concluir que todas as leis que constam do artigo 119º,
nº1 CRP são ineficazes se não forem publicadas no Diário da República. As restantes não devem ser aí publicadas, pelo
que a sua eficácia não depende desse fator.
 É recorrente que a data da publicação do Diário da República não seja idêntica à data da sua disponibilidade no site. No
entanto, encontra-se acessível na Internet um registo dessa data, o qual comprova a data da disponibilização do Diário
da República.
 É possível fazer retificações das leis já publicadas, apenas sendo estas admissíveis para a correção de erros gramaticais,
ortográficos, de cálculo ou de natureza análoga ou para a correção de erros materiais provenientes de divergências
entre o texto original e o texto de qualquer diploma publicado na 1ª série do Diário da República.
o Estas retificações são feitas mediante declaração do órgão que aprovou o texto original e têm um limite temporal,
dado que devem ser publicadas até 60 dias após a publicação do texto a retificar, sob pena de nulidade do ato de
retificação.
o A declaração de retificação tem uma ação retroativa, dado que tudo se passa como se a lei retificada tivesse tido
sempre o conteúdo que lhe foi fornecido por aquela declaração.
o Quando um texto legal é retificado, o mesmo comporta duas versões: uma anterior e uma posterior à retificação.
 Se a retificação ocorrer durante o período de vacatio legis, a lei retificada ainda não produziu qualquer efeito
e, assim, não há que ressalvar nenhuns efeitos. Apesar disso, deve começar a partir do momento da
publicação da retificação a contar-se um novo prazo de vacatio legis.
 Se a retificação ocorrer depois da entrada em vigor da lei, esta primeira lei poderá já ter tido alguns efeitos.
Assim, impõe-se recorrer ao regime estabelecido para a aplicação no tempo das leis interpretativas, dado que

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a declaração de retificação se integra na lei retificada do mesmo modo que a lei interpretativa se integra na lei
interpretada. Assim, há a necessidade de determinar quais os interesses que devem ser acautelados quando o
significado da lei se altera após a sua entrada em vigor.
 No âmbito da responsabilidade penal, contraordenacional e disciplinar, seguem-se dois princípios: o
princípio de que ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas e o
princípio da aplicação retroativa da lei
 Princípio da ignorantia iuris non escusat – a publicação da lei faz com que a ignorância ou má compreensão da lei não
justifique a falta do seu cumprimento, nem, portanto, isente o agente das sanções nela estabelecidas.

Entrada em vigor da lei

A entrada em vigor dos atos normativos nunca pode ser anterior à data da sua publicação, podendo o momento desta
entrada em vigor ser o que a própria lei fixa ou aquele que for determinado por legislação especial.

 Vacatio Legis – tempo que decorre entre a data da publicação e a data da entrada em vigor da lei, podendo existir:
o Prazo supletivo de vacatio legis – nada se dispõe sobre o momento da entrada em vigor da lei: a lei entra em vigor,
em todo o território nacional e no estrangeiro, no quinto dia após a sua publicação em Diário da República.
o Prazos ad hoc – são fixados pelo legislador para cada lei. A contagem destes prazos é distinta, consoante se trate
dos prazos fixados em dias, semanas, meses ou anos:
 Prazos fixados em dias – contam-se a partir do dia seguinte ao da publicação;
 Prazos fixados em semanas, meses ou anos – a contar de certa data, terminam às 24 horas do dia que
corresponda, dentro da última semana, mês ou ano. Se o prazo tiver sido fixado em meses a contar de certa
data e se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês.
 Vigência imediata – o início da vigência da lei não pode ocorrer no próprio dia da sua publicação. Tal princípio pode, no
entanto, ser violado por uma fonte de igual hierarquia, como uma lei da AR ou um decreto-lei do Governo.
 A lei nunca pode ser obrigatória antes da sua disponibilização ao público.
o Um facto anterior à disponibilização do Diário da República nunca pode ser regulado por uma lei que ainda não
podia estar em vigor no momento em que o facto foi praticado ou ocorreu.
o No âmbito da responsabilidade penal, contraordenacional e disciplina, aplica-se o princípio da retroatividade da lei,
segundo o qual se a lei que consta do Diário da República, que ainda não tiver sido disponibilizada no momento da
prática do ato, tiver um conteúdo mais favorável ao arguido, é esse regime mais favorável que se aplica.

Vicissitudes da vigência da lei

Impedimento à vigência

 Pressupostos:
o Durante o período de vacatio é publicada outra lei sobre a mesma matéria;
o A lei que é publicada em momento posterior entra em vigor ao mesmo tempo que a lei publicada em momento
anterior.
 Como a segunda lei contém a última posição do legislador sobre a matéria regulada, a primeira lei não chega a entre em
vigor.

Suspensão da vigência

 A vigência da lei pode ser suspensa por um prazo mais ou menos alargado, recorrendo-se a esta quando é
inconveniente que a lei permaneça em vigor, mas se entende que esta continua a ser justificada e pode vir a retomar
vigência mais tarde. Pode ser suspensão:
o Temporária – a lei é suspensa por um certo tempo fixo;
o Indefinida – a lei é suspensa por prazo indefinido, não se sabendo quando ou sequer se a lei voltará a vigorar.

Cessação da vigência – causas que a determinam:

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 Caducidade – cessação que decorre do termo do prazo de vigência da lei ou do desaparecimento dos pressupostos, de
facto ou de direito, da sua aplicação.
o Verifica-se quando a lei se destina a ter uma vigência temporária, o que sucede quando:
 A própria lei prevê um facto que implica a cessação da sua vigência, podendo este facto ser cronológico ou
não cronológico;
 Desaparecem os pressupostos, de facto ou de direito, da sua aplicação e, consequentemente, a previsão da
lei deixa de poder ser preenchida.
 Revogação – termo de vigência da lei por um ato, expresso ou tácito, do legislador.
o Pressupõe a existência de duas leis: a revogatória e a revogada. A lei revogada tem de estar em vigor no momento
em que é revogada e a lei revogatória só opera a revogação no momento em que entra em vigor.
o Modalidades:
 Forma: expressa ou tácita – é expressa quando resulta de uma declaração do legislador; é tácita quando
resulta da incompatibilidade da lei revogada com uma nova lei.
 Efeitos: substitutiva ou simples – é substitutiva quando a lei revogatória substitui o regime jurídico da lei
revogada; é simples quando a lei revogatória apenas se limita a revogar a lei anterior, sem definir nenhum
novo regime jurídico.
 Objeto: individualizada ou global – é individualizada quando atinge apenas uma lei ou algumas regras jurídicas
de uma lei; é global quando recai sobre um instituto jurídico ou um ramo do direito.
 Âmbito: total (ab-rogação) ou parcial (derrogação) – é total quando a lei anterior for revogada no seu todo; é
parcial quando apenas forem revogadas algumas regras da lei anterior.
 Eficácia temporal: retroativa ou não retroativa – é retroativa quando a lei é revogada a partir do início da
vigência da lei revogada (eficácia ex tunc); é não retroativa quando a lei é revogada somente a partir da
vigência da lei revogatória (eficácia ex nunc).
o A revogação tácita resolve os conflitos de leis através de regras: a prevalência da fonte posterior sobre a fonte
anterior, a prevalência da fonte de hierarquia superior sobre a fonte de hierarquia inferior (incompatibilidade total)
e a prevalência da fonte especial sobre a fonte geral (incompatibilidade parcial).
o A revogação só pode operar entre uma lei anterior e uma lei posterior da mesma hierarquia ou entre uma lei
anterior e uma lei posterior de hierarquia superior. Caso tal não aconteça, a incompatibilidade é resolvida através
da invalidade da lei posterior. A lei posterior só pode revogar a lei anterior quando ambas forem leis reais (geral
revoga geral), especiais (especial revoga especial), ou quando a lei anterior for geral e a posterior for especial.
o Efeitos da revogação da lei no sistema jurídico:
 A revogação limita-se a eliminar uma redundância no sistema jurídico;
 A revogação pode implicar o alargamento do âmbito de aplicação de uma outra lei;
 A revogação de uma lei determina a caducidade de todas as demais leis que percam o seu âmbito de aplicação
após a cessação de vigência daquela lei.
o A revogação implica o fim de vigência da lei, o que não implica que a lei revogada deixe de ser aplicável na
resolução de casos concretos: sobrevigência da lei – a revogação não implica a cessação da vigência da lei, mas
apenas a restrição do seu âmbito de aplicação: a lei revogada passaria a ser aplicada apenas aos factos que foram
praticados ou às situações que já existiam durante a sua vigência. A sobrevigência da lei antiga não é um efeito da
revogação, mas antes uma consequência do regime da aplicação da lei no tempo.
o A lei revogatória pode ser revogada por uma lei posterior, valendo a regra da não repristinação da lei: a revogação
da lei revogatória não importa o renascimento da lei que esta revogara. No entanto, esta regra nem sempre é
seguida, pois a declaração da inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral da lei revogatória
determina a repristinação das regras que a lei declarada inconstitucional ou ilegal tinha revogado.
o Em caso de revogação de uma lei para a qual uma outra lei realizou uma remissão, é necessário distinguir entre
remissão simples ou substitutiva:
 Revogação simples – implica a interpretação ab-rogante da lei remissiva;
 Revogação substitutiva – implica que todas as remissões realizadas para a lei revogada passam a ser feitas
para a lei revogatória.
 Declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral.
 Formação de um costume contra legem – formação de um costume contrário à lei.

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Hierarquia das fontes do Direito

Relações de hierarquia

A hierarquia das fontes é sempre algo de relativo, pois que só é possível determinar a hierarquia de uma fonte em relação a
outra fonte, e reflete-se na hierarquia das regras jurídicas, dado que estas possuem a hierarquia das respetivas fontes.
Assim, a hierarquia das regras não tem autonomia perante a hierarquia das fontes.

 A hierarquia das fontes não implica nenhuma diferença quanto ao caráter vinculativo das regras contidas nessas fontes.

Um dos modos de determinar a hierarquia de uma fonte é confrontá-la com uma fonte conflituante:

 A fonte de hierarquia mais alta de um sistema é aquela que afasta qualquer outra fonte conflituante do mesmo sistema;
 A fonte de hierarquia mais baixa de um sistema é a que é afastada por qualquer outra fonte conflituante desse sistema;
 As fontes de hierarquia intermédia de um sistema são aquelas que prevalecem sobre algumas fontes do sistema, mas
que são afastadas por outras fontes conflituantes do mesmo sistema.

A hierarquia é relevante para efeitos como:

 Aferição da admissibilidade de revogação e da interpretação autêntica de uma fonte;


 Definição do conteúdo admissível de uma fonte.

Relacionada à hierarquia, Merkl e Kelsen criaram a teoria da construção escalonada, segundo a qual toda a fonte tem o seu
fundamento de validade numa outra fonte de hierarquia superior (hierarquia dinâmica entre as fontes). No entanto, esta
teoria é criticável, pois nem sempre a hierarquia das fontes do direito corresponde à hierarquia das respetivas fontes de
produção, e algumas fontes do direito criam organizações que contêm órgãos com diferentes hierarquias.

Hierarquia dinâmica

A hierarquia dinâmica das fontes atende à relação entre a fonte que serve de fundamento à produção de outra fonte e a
fonte que é produzida, seguindo o princípio de que a fonte produzida nunca pode ter uma hierarquia superior à fonte de
produção, ainda que a hierarquia da fonte produzida possa não depender da hierarquia da fonte de produção.

 Fontes externas:
o Direito Internacional – no direito português encontra-se consagrado um sistema de receção automática do direito
internacional (comum ou convencional), através do qual este direito vigora na ordem jurídica portuguesa sem
necessidade de ser incorporado através de fontes internas.
o Direito europeu – verifica-se a prevalência do direito europeu sobre o direito interno, dado que as disposições dos
tratados que regem a União Europeia e as regras emancipadas das suas instituições são aplicáveis na ordem
jurídica portuguesa, nos termos definidos pelo próprio direito europeu.
 Fontes internas:
o Os atos legislativos prevalecem sobre os atos regulamentares.
o Nos atos legislativos:
 As leis constitucionais possuem uma hierarquia superior a todos os demais atos legislativos;
 Nas leis não constitucionais, as leis de valor reforçado prevalecem sobre as demais leis e/ou sobre os atos
legislativos que elas especificamente condicionam;
 As leis da AR, que não sejam leis constitucionais ou leis de valor reforçado, têm a mesma hierarquia que os
decretos-leis;
 Os decretos legislativos regionais subordinam-se ao estatuto político-administrativo da respetiva Região
Autónoma.
o Nos atos regulamentares:
 Os regulamentos de forma mais solene prevalecem sobre os regulamentos de forma menos solene;
 Os regulamentos produzidos por órgãos superiores prevalecem sobre os regulamentos emitidos por órgãos
inferiores;
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 Os regulamentos emanados de órgãos com competências mais vastas prevalecem sobre os regulamentos
provenientes de órgãos com competências mais restritas;
 Os regulamentos produzidos por órgãos de superintendência prevalecem sobre os regulamentos emanados
dos órgãos superintendidos;
 Os regulamentos emanados dos órgãos centrais do Estado prevalecem sobre os atos regulamentares de
outras estruturas administrativas;
 Os decretos regulamentares prevalecem sobre os decretos simples, que, por sua vez, prevalecem sobre as
portarias e os despachos normativos;
 Os regulamentos das autarquias locais são hierarquicamente inferiores às leis e aos regulamentos das
autoridades com poder tutelar;
 Os regulamentos das autarquias locais de grau superior prevalecem sobre os regulamentos das autarquias de
grau inferior.
o Lei e costume – possuem o mesmo grau hierárquico.
o Normas corporativas – não podem ser contrárias a leis provenientes de órgãos estaduais nem a decretos
legislativos regionais.
o Fontes mediatas:
 Os acórdãos normativos prevalecem sobre a própria regra que é declarada inconstitucional ou ilegal;
 Os usos são hierarquicamente inferiores às leis que lhes atribui a qualidade de fontes do direito e às normas
corporativas;
 As fontes privadas são hierarquicamente inferiores às fontes legais.

Debilitação da hierarquia

A concretização substitutiva de uma fonte ocorre quando ela aceita ser concretizada por uma fonte de hierarquia inferior,
sendo muito comum quando se trata de concretizar princípios programáticos. Esta também ocorre quando a própria fonte
remete para uma outra fonte concretizadora.

 A admissibilidade da concretização substitutiva de regras constitucionais através de leis ordinárias conduz a regras
constitucionais debilitadas na sua hierarquia, dado que elas só podem ser aplicadas em conjunto com a lei ordinária que
as concretiza. A debilitação da regra constitucional é tanto mais acentuada quanto mais vincado for o seu sentido
remissivo para a lei ordinária que a concretiza.
 Qualquer fonte que admite ser completamente concretizada por uma fonte de hierarquia inferior sobre uma debilitação
na sua hierarquia.

Modificação da hierarquia

Em certos casos, o conteúdo da fonte modifica a sua hierarquia dinâmica, podendo esta modificação dar-se em 2 situações:
fontes que, segundo a análise dinâmica, possuem uma mesma hierarquia podem afinal possuir, segundo o seu conteúdo,
deferentes hierarquias; fontes que, segundo a análise dinâmica, são hierarquicamente distintas podem ser, segundo o seu
conteúdo, hierarquicamente equivalentes. Desta possibilidade de modificação, excetuam-se: a lei constitucional e da
jurisprudência normativa, cuja hierarquia é independente do conteúdo, e o costume, cuja hierarquia é sempre definida em
função do conteúdo.

 Limites da modificação:
o Nenhuma fonte sobe de hierarquia quando a sua hierarquia dinâmica não lhe permita ter um determinado
conteúdo;
o Nenhuma fonte baixa de hierarquia quando, nomeadamente em consequência da chamada deslegalização, o seu
conteúdo não corresponder à sua hierarquia dinâmica.
 Resultados da modificação:
o Diferenciação na hierarquia:
 2 fontes que, pela hierarquia dinâmica, pertencem à mesma hierarquia, mas pelo conteúdo, não;
 Uma das fontes deve prevalecer sobre a outra;

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 Uma primeira fonte estabelece limites à modificação de uma segunda fonte.


o Equiparação da hierarquia – o conteúdo de fontes que, na perspetiva dinâmica, possuem diferentes hierarquias,
faz com que estas se equiparem:
 Uma fonte de hierarquia superior permite que uma outra fonte de hierarquia inferior a interprete ou integre.
Apesar de a interpretação autêntica dever ser realizada por uma fonte da mesma hierarquia ou de hierarquia
superior à fonte interpretada, é pensável que um ato legislativo de hierarquia superior permita a sua
interpretação por um ato legislativo de hierarquia inferior. Tal interpretação por ato da mesma categoria é
válida, também, para os atos regulamentares e para a suspensão de vigência e para a revogação de um ato
legislativo ou regulamentar.

Espécies de invalidades

 Invalidade originária – a validade de uma fonte está sujeita a 2 condições: produção e conteúdo, sendo que a invalidade
de uma fonte pode resultar da falta de uma fonte de produção ou da incompatibilidade do seu conteúdo com a sua
fonte de produção: validade como relativa, pois é medida em relação a outra fonte. Se o sistema a que pertence a fonte
for um sistema subordinado a outro sistema, a invalidade da fonte pode resultar da sua incompatibilidade com uma
fonte do sistema subordinante.
o Invalidade dinâmica – quando falta a fonte de produção, a fonte nem sequer pode ser produzida.
o Invalidade estática – quando se verifica a incompatibilidade do conteúdo da fonte produzida com a sua fonte de
produção, a fonte pode ser produzida pelo órgão competente, mas tem um conteúdo que não é compatível com o
da sua fonte de produção.
 Invalidade superveniente – como a fonte de produção que assegura a validade da fonte produzida se pode alterar:
o Se a fonte produzida for válida, não deixa de ser válida pela circunstância de a fonte de produção se alterar;
o Se a nova fonte de produção deixar de permitir o conteúdo da fonte produzida, verifica-se a invalidade
superveniente da fonte produzida.

Caraterização da regra jurídica

Noções gerais – fontes e regras jurídicas

A conceção segundo a qual as fontes do direito são os modos de revelação das regras jurídicas pode desdobrar-se nas
seguintes asserções: as fontes do direito têm um significado normativo, as regras jurídicas são o significado normativo das
fontes do direito, as regras jurídicas são inferidas de uma fonte através de uma atividade de interpretação.

 Interpretação da fonte – atividade pela qual se determina o seu significado e, portanto, a regra jurídica que ela contém.
Assim, qualquer intérprete formula uma regra jurídica quando interpreta uma fonte do direito (regra jurídica como
ponto de chegada e não de partida).
o Regra – significado prático da fonte, uma vez que se destina a ser aplicada.
o Fontes distintas podem conter a mesma regra jurídica.
o As regras atribuem aos agentes razões para agir ou não agir e fornecem aos julgadores fundamentos para um juízo
(regras como razões prático-judicativas).

Noções gerais – fontes e regras jurídicas

As regras jurídicas expressam se uma conduta, um poder ou um efeito é obrigatório, permitido ou proibido.

 Distinção entre regras jurídicas e proposições jurídicas (descrições das regras jurídicas):
o As regras jurídicas são significados normativos, enquanto as proposições jurídicas são as descrições desses
significados;
o O uso de uma linguagem descritiva numa fonte não é suficiente para impossibilitar extrair dela uma regra;
o Diferenças de caráter: enquanto as regras são de caráter prescritivo, as proposições são de caráter descritivo;

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o As regras não representam uma realidade, mas prescrevem um dever ser, enquanto as proposições não
prescrevem nenhum dever ser, antes se limitam a descrever regras jurídicas;
o Um mesmo enunciado pode conter uma regra ou uma proposição, consoante quem o exprimir;
o Distinção assente numa competência comunicativa: as regras exigem uma competência comunicativa específica,
enquanto a descrição das proposições pode ser realizada por qualquer falante;
o As regras são vistas num plano de um “ponto de vista interno” ao sistema, pois que essas regras só podem ser
produzidas em concordância com o sistema, enquanto as proposições podem ser pronunciadas por alguém que
pode assumir um “ponto de vista externo”, isto é, por alguém que pode não aceitar a regra enunciada;
o As regras são válidas ou inválidas, enquanto as proposições são verdadeiras ou falsas;
o As regras são próprias da razão prático-judicativa (caráter deôntico), enquanto as proposições são próprias da
razão teórica (caráter epistémico);
o A distinção entre regras e proposições jurídicas encontra uma aplicação prática na prova do direito
consuetudinário, local ou estrangeiro;
o Dado que o objeto da prova só pode ser constituído por afirmações relativas a factos, situações ou coisas, o que
pode ser provado não é a regra jurídica, mas a proposição que a descreve;
o As relações entre as regras jurídicas relativas a condutas, a poderes ou a efeitos são regidas pela lógica deôntica,
cujos operadores são um comando, uma proibição ou uma permissão, sendo que a lógica das proposições é
distinta desta.
 Lógica das regras:
o Dilema/paradoxo de Jorgensen – ou se entende que não há uma lógica das regras, porque não é possível operar
nelas com os valores de verdade ou falsidade, ou se entende que há uma lógica das regras, mas então há que
abandonar os valores de verdade e falsidade como valores dessa lógica.
o A escolha tem de recair sobre o segundo termo da alternativa: as relações entre regras obedecem a uma lógica,
operando com os valores de consistência e de implicação entre regras.
o Numa perspetiva pragmática, a lógica as regras assenta em:
 Relações de inconsistência – 2 regras são inconsistentes quando não é possível cumprir uma delas em violar a
outra;
 Relações de implicação – uma regra implica outra regra quando não é possível cumprir a primeira sem cumprir
a segunda.
o Quando referida a efeitos, a lógica das regras baseia-se em:
 Relações de inconsistência – 2 regras são inconsistentes quando o efeito determinado por uma delas não é
compatível com o efeito definido pela outra;
 Relações de implicação – uma regra implica outra regra quando não é possível a verificação do efeito que ela
determina sem a verificação de outro efeito.

Estrutura da regra

Elementos das regras jurídicas: previsão e estatuição.

 Previsão – elemento da regra jurídica que define as condições em que ela é aplicada.
o Tem caráter representativo e referencial (refere-se a um facto ou situação);
o É constitutiva – constitui um determinado facto como facto com relevância jurídica;
o Elementos da previsão:
 Elemento objetivo – facto ou situação que constitui o pressuposto de aplicação da regra, sendo os factos
realidades dinâmicas e transitórias, e as situações realidades estáticas e duradouras.
 Elemento subjetivo – destinatário da regra.
o Funções da previsão:
 Função representativa – representa um estado de coisas de cuja verificação depende a aplicação da regra;
 Função constitutiva – basta que uma realidade seja representada por uma previsão para que ela se torne uma
realidade jurídica.
o Modalidades da previsão:
 Fechada – quando enuncia todos os casos que a ela são subsumíveis;

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 Aberta – quando admite a subsunção de casos análogos aos casos previstos.


 Estatuição – elemento da regra jurídica no qual se define a consequência jurídica que decorre da sua aplicação.
o Tem caráter prescritivo e auto-referencial (constrói a sua própria referência);
o É regulativa – regula os factos jurídicos;
o Elementos da estatuição:
 Operador deôntico – mostra o que a regra pretende transmitir ao destinatário.
 Pode ser um comando (O), uma proibição (F) ou uma permissão (P), sendo estes definíveis entre si.
 Pode referir-se a 2 realidades distintas: a uma ação (dever fazer – regras de conduta/poder) ou a um
estado de coisas (dever ser – regras respeitantes a efeitos jurídicos).
 Relações deônticas: o comando implica a permissão, a proibição implica a não permissão, a obrigação é
inconsistente com a proibição e a proibição é inconsistente com a permissão.
 Dualidade de permissão: permissão não alternativa – permissão implicada por um comando, não
atribuindo ao destinatário nenhuma escolha entre cumprir ou não o que é obrigatório; permissão forte
(ou alternativa) – atribui ao agente uma opção sobre a sua atuação.
 Objeto – estabelece a relação da regra com um “estado de coisas” a constituir ou a evitar.
 O objeto pode ser uma conduta, um poder ou um efeito jurídico, sendo sempre uma realidade jurídica.
 As regras jurídicas podem referir-se a condutas e a poderes, assentado no pressuposto de que o
exercício de um poder, apesar de realizado através de uma conduta, tem autonomia perante esta.
 Quando se fala de regras de conduta e de regras de poder referem-se duas categorias de regras que
podem decompor uma mesma realidade segundo perspetivas diferentes.
 Uma das modalidades das regras relativas a poderes é constituída pelas regras de produção jurídica, as
quais implicam regras de competência e de procedimento.
 As regras jurídicas que se referem a efeitos impõem estados de coisas: regras que definem efeitos
obrigatórios, regras que permitem a produção de determinados efeitos jurídicos, regras relativas aos
desvalores dos atos jurídicos.
 Os efeitos jurídicos produzem-se quando estão verificadas determinadas condições.
 As regras que têm por objeto efeitos jurídicos são insuscetíveis de ser violadas, dado que os efeitos só
podem produzir-se ou não se produzir.
 Entre a previsão e a estatuição das regras jurídicas há uma relação de implicação normativa: se ocorrer o facto ou
situação representada na previsão, então aplica-se o dever ser estabelecido na estatuição.

Caráter hipotético

As regras jurídicas são hipotéticas quando só são aplicáveis se se verificar a situação ou o facto que estão previstos na sua
factispécie: toda a regra que contém uma previsão é uma regra hipotética. A justificação deste caráter hipotético das regras
jurídicas encontra-se na dificuldade de definir regras que devam ser aplicadas em todas e quaisquer circunstâncias.

 Categorias de factos – a previsão da regra jurídica pode referir-se a factos voluntários ou involuntários:
o Quando a previsão for constituída por factos voluntários, a aplicação da regra só se verifica se aquele facto for
praticado;
o Quando a previsão for constituída por um facto não voluntário, ela preenche-se independentemente de qualquer
ato do interessado: um efeito jurídico deriva da lei e opera por força desta.
 Legal defeasibility – para Hart, os conceitos jurídicos possuem um defeasible character, porque definem as condições
em que são aplicáveis e em que podem ser “derrotados”.
o Os conceitos jurídicos não só não estão preenchidos se não estiverem verificadas determinadas condições, como
também deixam de o estar se essas condições estiverem presentes em conjunto com outras condições;
o Uma regra é derrotável se, apesar de preenchidas todas as condições para a sua aplicação, ela puder não ser
aplicada;
o A implicação entre a previsão e a estatuição é uma relação não monotónica, pois não há garantia de que essa
implicação se mantenha se, além do facto subsumível à previsão, passar a ser atendido um outro facto.
 Regras categóricas – as regras jurídicas podem ser categóricas ou não condicionais, sempre que não comportem
nenhuma previsão, significando isto que a sua aplicação não está dependente de nenhuma condição.

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Análise do imperativismo

Orientações imperativistas (OI) – encontram a sua origem nas conceções que atribuem a um poder soberano a faculdade de
fazer leis, considerando que as regras jurídicas são sempre reconduzíveis a imperativos, dado que todas as regras impõem
uma obrigação a um ou a vários sujeitos.

Apreciação do imperativismo:

 Distorção da realidade – crítica às OI: conduzem a uma distorção na análise do sentido do direito, havendo, também, a
necessidade de reconhecer que determinados deveres não têm correspondência com direitos;
 Unilateralidade da visão – crítica às OI: impossibilidade de reconduzir todas as regras a imperativos, podendo o
imperativismo ser compatível com ordens jurídicas rudimentares, mas não com os modernos ordenamentos jurídicos.

Modalidades das regras jurídicas

Critério do objeto

As regras jurídicas podem ser, de acordo com a sua incidência:

 Regras primárias – orientam a realização de condutas, o exercício de poderes ou a produção de efeitos. Dividem-se em:
o Regras regulatórias – são respeitantes a condutas ou ao exercício de um poder, podendo ser violadas;
o Regras constitutivas – relativas aos efeitos jurídicos, não podendo ser violadas.
 Regras secundárias – entre as suas modalidades, distinguem-se:
o Regras de produção – regras sobre a produção ou modificação de outras regras;
o Regras revogatórias – regras sobre a revolução de outras regras;
o Regras interpretativas – regras sobre a interpretação de outras regras;
o Regras de conflitos – regras relativas à resolução de conflitos de aplicação da lei no espaço ou no tempo.

Critério do âmbito

De acordo com o critério do âmbito, as regras podem ser:

 Regras gerais
 Regras específicas – definem um regime próprio para situações diferentes daquelas que cabem no âmbito das regras
gerais, tendo, em comparação com as regras gerais, um âmbito de aplicação mais limitado.
o Regras especiais – podem delimitar o seu âmbito de aplicação em função da matéria, das pessoas e do território:
 Especialidade material – as regras gerais regulam uma certa situação e as regras especiais regulam uma
situação que se insere na categoria da situação prevista na regra geral;
 Especialidade pessoal – as regras podem ser comuns (aplicáveis à generalidade das pessoas) ou particulares
(aplicam-se a certas categorias de pessoas);
 Especialidade territorial – as regras podem ser nacionais (território nacional, órgãos centrais do Estado),
regionais (Açores e Madeira, órgãos próprios das regiões autónomas ou órgãos centrais do Estado) ou locais
(certas zonas do território nacional, autarquias locais ou órgãos centrais do Estado).
o Regras excecionais – definem um regime jurídico contrário àquele que consta da regra geral. Os fundamentos
desta contradição podem ser:
 Fundamentos sistémicos – decorrem de princípios do sistema jurídico ou de alguns dos seus subsistemas
 Fundamentos pragmáticos – ditados por meras razões práticas.
 Regimes próprios
o Revogação
 Lei geral (posterior) não revoga lei especial (anterior), exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador;
 Lei especial (posterior) derroga a lei geral (anterior).

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o Prova – a existência e o conteúdo do direito local devem ser provados pela parte que o invoca: não todo o direito
local, mas apenas aquele que emana dos órgãos locais.

Critério da disponibilidade

De acordo com o critério da disponibilidade, as regras jurídicas podem ser:

 Regras injuntivas – são aplicadas ainda que haja uma manifestação de vontade contrária dos seus destinatários;
 Regras supletivas – apenas são aplicadas na falta de regulação da matéria pelos interessados.
 Critérios da qualificação: para a classificação de uma regra jurídica como injuntiva ou dispositiva, podem ser usados
vários critérios como:
o Critério da qualificação pelo legislador – são injuntivas as regras que o legislador não admite que sejam afastadas
pela vontade das partes, e são dispositivas as regras cuja aplicação seja expressamente ressalvada pela falta de
disposição ou de estipulação das partes em contrário;
o Critério da valoração da regra – são injuntivas as regras essenciais a um determinado regime e/ou que protegem
interesses que as partes não podem afetar.

Critério da validação

De acordo com o critério da vinculação dos destinatários, as regras jurídicas podem ser:

 Regras de resultado – aquelas que, por definirem um resultado que deve ser alcançado ou que deve ser evitado, não
deixam ao destinatário nenhuma opção na sua conduta, implicando a sua violação uma violação de um dever;
 Regras técnicas – aquelas que determinam o meio que deve ser utilizado para alcançar um determinado resultado, caso
o agente o pretenda obter, estando a sua importância associada à criação de ónus jurídicos (situação subjetiva que se
carateriza por impor um comportamento a quem quiser obter um resultado).

Espécies de regras

 Regras definitórias – a definição consiste na explicação do significado de uma palavra ou de um enunciado, podendo ser
definição de dicionário (significado de uma palavra/expressão numa língua, caráter analítico) ou definição estipulativa
(significado com o qual uma palavra/expressão é usada num certo contexto, caráter sintético).
o Função – as regras definitórias estipulativas não procuram descrever uma realidade, mas fixar o significado de um
contexto jurídico.
o Importância – determinam em que termos algo vale como realidade jurídica.
 Regras de remissão – equiparam 2 situações distintas, aplicando a uma delas o que está previsto para a outra (em vez de
se definir um regime legal, remete-se para outro já existente).
 Regras de presunção – as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um
facto desconhecido. Dividem-se em:
o Presunções ilidíveis – podem ser ilididas mediante a prova do facto contrário;
o Presunções inilidíveis – não admitem prova em contrário, pelo que não é permitido provar que o facto presumido
não é verdadeiro.
o Importância – aquele que tiver a seu favor uma presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz.
 Ficções legais – através destas, o legislador ficciona que 2 realidades distintas são idênticas, ou seja, o legislador
equipara uma realidade a outra realidade para permitir a aplicação a ambas da regra que regula uma destas realidades.
 Regras de conflitos – destinam-se a resolver conflitos no espaço ou no tempo.
o Espaço – determinam qual a regra que, entre as regras de vários ordenamentos jurídicos, é a competente para
regular uma situação plurilocalizada: Direito Internacional Público;
o Tempo – escolha entre a regra antiga e a regra nova, sobre qual a regra aplicável a uma situação que transita do
domínio da lei antiga para o da lei nova: direito transitório.
 Regras auto-referenciais – regras que se referem a elas próprias, ou seja, regras que se incluem na classe das regras a
que elas se referem.
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