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Direito 1

Hermenêutica Jurídica
Profª Dra. Eliane Iunes Vieira.

Apostila

de

Hermenêutica Jurídica

elaborada   pela   professora


Dra. Eliane Iunes Vieira
Direito 2
Hermenêutica Jurídica
Profª Dra. Eliane Iunes Vieira.
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Hermenêutica Jurídica
Profª Dra. Eliane Iunes Vieira.

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
1. Hermenêutica: Aspecto Histórico.
1.1. Hermenêutica na Antiguidade Clássica.
1.2. Hermenêutica na Idade Média.
1.3. Hermenêutica na Idade Moderna.
1.4. Escolas de Interpretação.
2. Hermenêutica: Aspecto Técnico.
2.1. Funções da Interpretação.
2.2. Critérios da Interpretação.
2.3. Espécies de Interpretação.
2.4. Integração das Leis.
3. Hermenêutica: Aspecto Filosófico.
3.1. A Hermenêutica em Schleiermacher.
3.2. A Hermenêutica em Dilthey.
3.3. A Hermenêutica em Heidegger.
3.4. A Hermenêutica em Gadamer.
3.5. A Hermenêutica Pós-Positivista.
3.6. Hermenêutica Constitucional.
4. Ciência da Hermenêutica 0Jurídica, Teoria Geral da Hermenêutica e Sistema Jurídico.
4.1. Noções de Ordem Propedêutica, de Definibilidade, Terminológica e Objectual.
4.2. O Processo de Produção do Conhecimento Jurídico-Científico e a Hermenêutica
Jurídica.
5. Análise Teórico-Conceptual e Historiográfico-Descritiva da Hermenêutica Jurídica.
5.1. O Direito Romano.
5.2. Os Glosadores e Pós-Glosadores.
5.3. A Escola da Exegese.
5.4. A Escola Histórica.
5.5. A Escola da Livre Investigação Científica.
5.6. A Escola do Direito Livre.
5.7. Jurisprudência dos Conceitos Versus Jurisprudência dos Interesses Versus
Jurisprudência dos Valores.
6. Metodologia da Ciência da Hermenêutica Jurídica.
6.1. A Problemática da Indiscernibilidade Conceitual: Hermenêutica/ Interpretação/
Integração/ Aplicação do Fenômeno Jurídico.
6.2. Principiologia da Hermenêutica Jurídica.
6.3. Metodologia Dogmática da Hermenêutica Jurídica.
6.4. Metodologia Zetética da Hermenêutica Jurídica.
7. A Ciência da Hermenêutica Jurídica e o seu Estatuto Teórico Contemporâneo.
7.1. As Teorias da Retórica.
7.2. As Teorias da Tópica.
7.3. As Teorias da Lógica.
7.4. As Teorias da Argumentação.
7.5. As Perspectivas da Racionalidade Jurídica Contemporânea: O Exemplo da
Hermenêutica Constitucional.
8. A Hermenêutica e a Interpretação do Direito.
9. Modos de Integração do Direito.
9.1. Analogia.
9.2. Costumes.
9.3. Princípios Gerais de Direito.
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9.4. Equidade.
10. Antinomias Jurídicas.
11. Hermenêutica e Aplicação do Direito.
12. Interpretação e Aplicabilidade das Normas Constitucionais e dos Tratados
Internacionais.
Direito 5
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Hermenêutica Jurídica

Introdução

Conceito:
 A Hermenêutica é a teoria científica da arte de interpretar.
 Assim, Hermenêutica Jurídica é a teoria científica da arte de interpretar as normas
jurídicas.

Por exemplo: no Brasil, não há uma lei específica que regulamente a adoção de criança por
um “casal” homossexual.

Mas com base:


 na Constituição Federal (que estabelece que todos são iguais perante a lei e não pode
haver discriminação por raça, religião, opção sexual, etc);

 no Código Civil (que permite a adoção); e

 no Estatuto da Criança e do Adolescente (que estabelece que deve haver proteção


integral à criança);

o Poder Judiciário (a Justiça) decidiu que a sociedade mudou desde que a CF/1988 e essas leis
foram criadas e que, mesmo não havendo uma lei específica sobre esses casos, é possível
aplicar a adoção aos casos que em os pais formam um casal homossexual.

Nesses casos, adotou-se uma interpretação das leis para adaptá-las a essa nova realidade que a
sociedade está vivendo.

Se o objetivo das leis, ao regular a adoção, é buscar a proteção da criança e a garantia de que a
nova família proporcione boas condições para o seu desenvolvimento (físico,
emocional/afetivo e cultural), esse deve ser o sentido que deve orientar o operador do Direito
(juiz/advogado/Ministério Público) na interpretação da lei.

Dessa forma, esse deve ser o fundamento da decisão judicial para aceitar ou negar o pedido de
adoção.

A interpretação jurídica deve levar em conta os objetivos preconizados pela lei, levando em
conta, também, a evolução da sociedade, o desenvolvimento cultural e as exigências e atuais
necessidades sociais.

Esses são os temas que estudaremos na nossa disciplina. Ou seja, o objetivo é aprender a
interpretar a lei para aplicá-la a casos concretos.

As leis quando são criadas não tem condição de prever a evolução do mundo e da sociedade.
Ou seja, a lei visa os casos gerais que são conhecidos quando da sua criação. Mas o mundo
evolui e é necessário conhecer a hermenêutica (ciência da interpretação) para que seja
possível aplicar as leis aos novos casos que vão surgindo com o tempo. Caso contrário, em
pouco tempo seria preciso alterar quase todas as leis.
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Tendo em vista que a sociedade muda com o tempo, o Direito tem que acompanhar essa
evolução. Então, o estudo da hermenêutica é fundamental para a aplicação do Direito.

Nosso curso vai abordar a teoria e as técnicas da interpretação voltadas para o Direito.

Unidade 1
1. Hermenêutica: Aspecto Histórico.
1.1. Hermenêutica na Antiguidade Clássica.
1.2. Hermenêutica na Idade Média.
1.3. Hermenêutica na Idade Moderna.
1.4. Escolas de Interpretação.

 Conceito: A Hermenêutica é a teoria científica da arte de interpretar.

- Assim, Hermenêutica Jurídica é a teoria científica da arte de interpretar as normas jurídicas.

 Origem do termo "hermenêutica": provém do grego hermeneuein. Tem o significado


de declarar, anunciar, interpretar, esclarecer, traduzir.

- Ou seja, hermenêutica tem o sentido de tornar algo compreensível ou levar à compreensão


de alguma coisa.

- A mitologia grega atribuía ao deus Hermes o papel de mensageiro dos deuses.

- De acordo com a mitologia grega, o deus Hermes, além de mensageiro, era o intérprete das
mensagens dos deuses dirigida aos homens.

- Observa-se, então, que a tarefa de interpretar as mensagens dos deuses era considerada uma
função muito importante. Tanto que cabia, segundo a mitologia, a uma divindade (ao deus
Hermes).

- Com a evolução da civilização, essas atividades passaram a se exercidas por algumas


pessoas de alta hierarquia na sociedade.

- Na Grécia antiga, havia os oráculos dos deuses, que eram locais onde os deuses transmitiam
mensagens às pessoas, por intermédio de sacerdotes/sacerdotisas.

- Portanto, desde os primórdios da civilização, a função de interpretar as mensagens divinas


era considerada de alta relevância, uma vez que, no início (na Era Mitológica), era exercida
por uma divindade (o deus Hermes). Em razão disso, os sacerdotes (que interpretavam as
mensagens – a palavra – das divindades) sempre ocuparam alta posição na hierarquia social.

- A Hermenêutica, porém, não ficou restrita à interpretação de textos religiosos. No âmbito do


Direito, também, passou a ter grande relevância.
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­ No Direito Romano, na tarefa de interpretar leis e normas, surgiram grandes personalidades
do Direito. Em Roma, esses estudiosos do Direito eram conhecidos como  Prudentes. Eram
juristas,   profundos   conhecedores   do   Direito,   que   interpretavam,   analisavam   e   explicavam
cada parágrafo dos textos jurídicos, buscando o seu significado e os efeitos práticos nas vidas
das pessoas. Esse trabalho dos  Prudentes1  era chamado de  juris prudentia ­ originária do
latim jus (direito) + prudentia (sabedoria).
­ No Direito Romano, o trabalho dos prudentes eram de extrema relevância para o direito e
para a sociedade da época e para a ciência do Direito2. 

- A importância da Hermenêutica é evidente, considerando que

 A linguagem (falada ou escrita) pode ser mal interpretada, causando incerteza e


insegurança. Portanto, dependendo do intérprete, pode não refletir a real intenção da
mensagem;
 Então, é importante, para a correta interpretação, o uso de diversos métodos e técnicas
de interpretação.
 Assim, tanto a linguagem, os textos religiosos, filosóficos, quanto os jurídicos
(principalmente as normas jurídicas) dependem de uma correta interpretação;
 A linguagem humana (falada ou escrita) é a base das relações sociais, por isso, a
correta interpretação das mensagens contribui para minimizar os conflitos sociais;
 A correta interpretação das normas jurídicas também contribui para a estabilidade do
ordenamento jurídico.

- Modernamente, com o advento do racionalismo 3, o estudo da Hermenêutica evoluiu

1
No Direito Romano houve importantes juristas. Os mais famosos são: Ulpiano, Papiniano, Modestino, Paulo
e Gaio. Seus trabalhos integram grande parte do Digesto (formado por 50 volumes). O Digesto  é parte da
grande obra codificada do Direito Romano – Corpus Juris Civilis ­, proAs normas jurídicas são criadas para
o controle e organização das relações sociais.duzida por ordem do Imperador Justiniano e publicada em 533
d. C. 
É atribuído a Ulpiano o célebre princípio de Direito: “Juris Praecepta Sunt haec: Honeste Vivere, Alterum
Non Laedere, Suum Cuique Tribuere”. Ou seja, são os preceitos do direito: viver honestamente, não ofender
ninguém, dar a cada um o que lhe pertence.
Segundo o Imperador Justiniano, quando a maioria dos juristas romanos estiverem em desacordo, deveriam
prevalecer os pontos de vista de Papiniano.
Gaio, além dos seus trabalhos jurídicos, criou um Manual didático de direito, chamado Institutas de Gaio. 

2
O Direito Romano foi a base do direito de diversas nações, inclusive do Brasil. Nosso direito privado (Direito
Civil) tem por o Direito Romano (ex.: direito de família, sucessão, coisas, obrigações ….).
 
3
O   racionalismo   é   uma   teoria   filosófica   que   dá   a   prioridade   à   razão,   como   faculdade   de   conhecimento
relativamente  aos sentidos. Ou seja, todos os fenômenos existentes  podem ser explicados  pela razão.  O
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bastante. Destacam-se a contribuição dos seguintes autores: Gadamer (com a obra: Verdade e
Método), Heiddeger, Dilthey e Schleiermacher (criaram ama teoria normativa da
interpretação), Ferrara, Savigny, Ihering, Jhellinek, Kelsen e Carlos Maximiliano.

2) Diferença entre hermenêutica e interpretação

 A interpretação tem caráter concreto.

 A hermenêutica tem caráter abstrato.

 A interpretação é a aplicação prática da hermenêutica.

 A hermenêutica é a ciência que fixa os princípios e os métodos que regem a interpretação.

 Assim a hermenêutica deve ser geral e abstrada e a interpretação, específica e concreta


(ligada a um determinado caso concreto)

 Carlos Maximiliano afirmava que a hermenêutica jurídica tem por objeto o estudo e a
sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das
expressões do direito.

3) A evolução cultural e a interpretação das normas jurídicas.

 A norma jurídica sempre necessita de interpretação.

A clareza de um texto legal é relativa.

Uma mesma disposição pode ser clara em sua aplicação aos casos mais imediatos e pode
ser duvidosa quando se aplica a outros casos não previstos.

Por exemplo: o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a adoção de uma criança por um
casal homossexual.

 Com o tempo e a evolução da sociedade, podem surgir casos que não se enquadrem nas
normas.

 Assim a hermenêutica jurídica fornece os métodos e princípios que devem ser adotados
para que o operador do Direito busque a solução que atenda aos interesses da sociedade.

 O direito deve acompanhar a evolução cultural. Necessariamente, o ordenamento jurídico


deve interagir com os acontecimentos sociais, visando a buscar a realização das reais
necessidades humanas.

racionalismo é a base da ciência.
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 No estudo do Direito, as doutrinas e teorias jurídicas só têm sentido se estiverem


vinculadas às condicionantes sociais e políticas de determinada época.

 Não há como cultivar o Direito, isolando-o da vida. Principalmente em nossa época, visto
que a sociedade atual se caracteriza pela rápida mobilidade, determinada pelo progresso
científico e tecnológico, pelo crescimento econômico e industrial, pelas novas concepções
sociais e políticas e por modificações culturais.

 A interpretação das normas jurídicas deve levar em conta os fins para os quais foram
criadas, os precedentes históricos que levaram a sociedade a exigir a sua criação, bem
como a harmonização com as novas necessidades que as mudanças da sociedade passem a
exigir.

4) Integração e aplicação do Direito

Conceito de lacuna da lei: A lacuna da lei é a inexistência de uma norma jurídica


aplicável a um caso concreto. Ou seja, é um vazio legal sobre determinado evento. Ex:
casamento homossexual.

A lacuna caracteriza-se quando a lei é omissa ou falha em relação a determinado caso.


Ou seja, essa lacuna ou falha revela que o sistema normativo não se aplica a todos os fatos
da vida social (logicamente, no momento da criação da lei, é impossível prever todos os
fatos e a evolução da sociedade).

A constatação da existência da lacuna ocorre no momento em que o aplicador do direito


vai exercer a sua atividade e não encontra no corpo das leis um preceito que solucione o
caso concreto (ou seja, não há um dispositivo legal que se aplique a determinado caso
concreto). Neste instante, constata-se a existência de uma lacuna.

Assim, quando o juiz não consegue descobrir uma norma jurídica para decidir determinado
caso, deve servir-se de outros meios para a solucioná-lo, uma vez que todo caso concreto
posto à apreciação do Judiciário não pode deixar de ser apreciado e resolvido.

O procedimento para preenchimento de lacunas da lei é conhecido como Integração.

Porém, a própria lei põe à disposição do aplicador do direito, os meios dos quais pode se
utilizar para o preenchimento da lacuna existente.

Conforme disposição constante do artigo 4º da Lei de Introdução às normas do Direito


Brasileiro – Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (ainda em vigor)4:

Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com
a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
4
Originalmente, chamava­se Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, mas a partir da Lei nº 12.376/2010,
passou a se chamar Lei de Introdução à normas do Direito Brasileiro.  
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Assim, vamos esclarecer,

- Analogia:
 é aplicar a um caso não previsto em lei uma disposição legal prevista para um
caso semelhante, ou ainda

 consiste em aplicar a um caso não previsto de modo direto ou específico, uma


norma jurídica prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso não
contemplado.

- Costume:
 é uma norma social que deriva da longa prática uniforme, geral, constante e
repetida de dado comportamento sob a convicção de que corresponde a uma
necessidade de determinada sociedade.

 São regras não escritas que a sociedade entende como aplicáveis.


Por exemplo: A lei do cheque (Lei nº 7.357/1985) não prevê a existência de cheque pré-
datado, mas o cheque pré-datado é um costume da nossa sociedade. Então, como resolver
juridicamente problemas envolvendo cheque pré-datado?
Atualmente, a jurisprudência entende, com base no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº
8.078/1990), que o comerciante que recebe o cheque pré-datado tem o dever de respeitar o
prazo acordado.
Se o cheque for depositado antes do prazo e, disso, resultar em prejuízo para o consumidor, o
comerciante terá o dever de indenizá-lo5.

- Princípios Gerais de Direito


 são normas (escritas ou não) de cunho genérico, que condicionam e norteiam a
compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação, quer para a
elaboração de novas normas.

Exemplos de princípios gerais do direito:


 “a lei deve dar a cada um o que é seu”;

 “a lei não pode permitir o enriquecimento ilícito”;


 “todos devem ser tratados como iguais perante a lei;
 “aos acusados em geral devem ser assegurados o contraditório e a ampla
defesa”;
 “quem exercitar o próprio direito não estará prejudicando ninguém”;
 “a pessoa deve responder pelos próprios atos e não pelos atos alheios”;
 “deve ser mais favorecido aquele que procura evitar um dano do que
aquele que busca realizar um ganho”;

5
No mesmo sentido, se o cheque pré-datado for depositado pelo comerciante antes do prazo e acabar
devolvido por falta de fundos, isso não caracteriza crime.
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 “ninguém deve ser responsabilizado mais de uma vez pelo mesmo fato”;
 “nas relações sociais se deve tutelar a boa-fé e reprimir a má-fé”; etc...

 Miguel Reale destaca que toda a experiência jurídica, e a legislação que a integra,
tem por base os princípios gerais de direito. Portanto, os princípios gerais de
direito são considerados como o alicerce do ordenamento jurídico.

 Clóvis Beviláqua considera os princípios gerais de direito como tendo caráter


universal, ditados pela ciência e pela filosofia do direito.

- Então, o juiz, quando se depara com uma lacuna legal (ou seja, verifica que
determinado caso concreto não está previsto na legislação), deve decidir com base na
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Deve-se esclarecer que é necessário realizar a integração nesta ordem:

 Analogia - primeiro verifica se há alguma disposição análoga;

 se não houver casos análogos, é necessário pesquisar os costumes;

 caso não encontre nos costumes a solução, é necessário pesquisar os


princípios gerais de direito, utilizando um dos princípios para solucionar o
caso.

Concluindo,
- A função do Estado é promover o bem comum de toda a sociedade. A finalidade do Direito é
alcançar a paz social.

- Ao Estado cabe o exercício da função jurisdicional, exercida pelo Poder Judiciário.

- Ao juiz compete aplicar o direito a casos concretos que lhe são apresentados, para realizar e
manter a paz e harmonia social.

- A aplicação do direito não se resume a um método simples. O juiz deve estar em sintonia
não somente com o direito, mas também com a evolução da sociedade. Deve, antes de tudo,
ter o julgador um profundo conhecimento da natureza humana.

A propósito, de acordo com o Decreto-Lei nº 4657/42 – Lei de Introdução às normas do


Direito Brasileiro,

Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela
se dirige e às exigências do bem comum.

- Ou seja, deverá pesquisar quais são as finalidades sociais da lei e as exigências da sociedade
(o bem comum)6.
6
Por exemplo, o ECA tem a finalidade de proteger a criança e o adolescente, assim toda decisão que envolva
a aplicação do ECA não pode contrariar essa finalidade.
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- Acrescente-se que o juiz não pode se recusar a aplicar o direito sob a alegação de inexistir
norma jurídica cabível para o caso.

- Todos têm o direito de procurar o Poder Judiciário para defender seus interesses e o Estado
tem o dever de prestar a tutela jurisdicional adequada, seja ela favorável ou desfavorável ao
postulante (ou seja, dar uma sentença favorável ou desfavorável).

- Diante disso, ainda que não exista norma jurídica aplicável ao caso concreto, o juiz deve
servir-se de outros meios para manter a paz social, valendo-se, então, dos métodos de
integração da norma jurídica, tais como a analogia, o costume e os princípios gerais do
direito.
ANEXO 1

Principais Escolas de Interpretação Jurídica [1]

INTRODUÇÃO

A tarefa de interpretar o Direito revela o alcance que determinada norma possui e em


que sentido deve ser aplicada. Muitas vezes esta atividade pode ser mais complicada do que
parece, e por isso ao longo da história surgem diversos modelos hermenêuticos que estudam
as formas de interpretação.
Dessa forma, o estudo da hermenêutica jurídica é de fundamental importância, pois,
os operadores do Direito precisam antes de tudo aprender a interpretar e entender o processo
de construção de sentido da norma jurídica.
Vamos, então, analisar brevemente as teorias jurídicas que se preocuparam com o
pensamento jurídico enquanto ciência.

1.1 Escola Jusnaturalista:


Na idade média a teoria Jusnaturalista apresentava conteúdo teológico, pois os
fundamentos do direito e da sociedade eram baseados na vontade divina e no credo religioso.
Para Norberto Bobbio, o Jusnaturalismo como corrente do Direito tem a convicção de que
"uma lei para ser lei deve ser conforme a justiça" e ainda a teoria do direito natural é aquela
que considera poder estabelecer o que é justo de modo universalmente válido.[2]
Na obra de Paulo Nader ele aponta que jusnaturalismo é a corrente de pensamento
que reúne todas as ideias que surgiram, no decorrer da história, em torno do Direito Natural e
conceitua:
O raciocínio que nos conduz à ideia do Direito Natural parte do pressuposto de que
todo o ser é dotado de uma natureza e de um fim. A natureza, ou seja, as
propriedades que compõem o ser define o fim a que este tende a realizar. Para que as
potências ativas do homem se transformem em ato e com isto ele desenvolva. Com
inteligência, o seu papel na ordem geral das coisas, é indispensável que a sociedade
se organize com mecanismos de proteção à natureza.[3]
Esta Escola tem como ideia principal a existência de uma lei natural, eterna e
imutável. E segundo a obra de Bobbio esta corrente se divide em três fases: jusnaturalismo
clássico, jusnaturalismo no pensamento medieval e jusnaturalismo moderno, vejamos:
O clássico é aquele desenvolvido a partir das ideias dos filósofos Gregos (Platão e
Aristóteles) e que buscam uma justiça universal baseada na razão natural, eles afirmam que o
direito natural está em toda a parte e trata-se de um direito justo e universal. [4]
No pensamento medieval é desenvolvido um jusnaturalismo fundado nas questões
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religiosas e que pregava o Direito universal e a busca por uma justiça dentro dos ditames da
Igreja.
Já o jusnaturalismo moderno ou racional é aquele que busca através de uma razão
(justa) atingir ideais de moral e justiça respeitando a natureza racional do homem.[5]
Apresentam as seguintes características: Racionalista no método, subjetivista no
critério, anti-histórica nas exigências e humanitária no conteúdo e a grande virtude da escola
foi a de considerar a natureza humana como a grande fonte do direito.[6]
Esta última fase mais racionalista, vigente entre os séculos XVI e XVIII, teve como
principais pensadores Hugo Grócio, Hobbes, Spinoza, Puffendorf, Wolf, Rousseau e Kant.
Ressalta-se que para esta Escola não é necessário um sistema codificado de leis para
regrar as condutas da sociedade, pois a ideia central é a existência de uma lei natural baseada
em uma ordem pré-existente e de origem divina.

1.2 Escola da Exegese


A palavra exegese vem do grego ex gestain e significa "conduzir para fora". Para esta
escola o papel de intérprete se reduz a aplicar precisamente a regra dita pelo legislador,
independente do decurso do tempo.[7]
Esta Escola surge no século XIX e é seguida na França por diversos juristas como
Proudhon, Melville, Blondeau, Bugnet, Delvincourt, Huc, Aubry e Rau, Laurent, Marcadé,
Demolombe, Troplong, Pothier, etc.
A ideia central é um sistema normativo codificado de leis que visam garantir os
direitos subjetivos do homem. Ou seja, é o inverso do jusnaturalismo, pois estabelece regras
para cada situação e se defende a aplicação da lei para disciplinar as relações de modo geral.
Para esta Escola o papel do jurista era ater-se com rigor absoluto ao texto da lei e
revelar seu sentido. Ressalta-se que o exegetismo não negou o direito natural, pois chegou a
admitir que os códigos eram elaborados de modo racional e portanto uma expressão humana
do direito natural e por isso a ciência do direito deveria ater-se a mera exegese dos códigos.
[8]
De acordo com Maria Helena Diniz:
Para o exegetismo, se a lei continha todo o direito, se o processo de aplicação era um
mero silogismo, e se podia ser superada, segundo alguns de seus sequazes, a
ausência de premissa maior pelo procedimento integrativo da analogia, o direito
seria certo e completo.[9]
Em suma, a Escola da Exegese possui as seguintes características: possuir uma
concepção estritamente estatal do direito; o fato de focar-se exclusivamente na lei; e
interpretar a lei baseando-se na intenção do legislador.

1.3.Escola Histórica
O conceito da Escola Histórica de Direito surge no século XIX e o seu maior
representante foi Friedrich Carl Savigny (1779-1861).
A revolução industrial transformou a sociedade e criou movimentos inovadores na
ciência jurídica para fazer frente à nova realidade e diante deste novo cenário surge a Escola
Histórica.
Segundo Norbert Horn esta Escola se caracteriza por afirmar que o Direito é parte da
cultura de uma sociedade e está submetida a uma evolução devendo corresponder às
necessidades que surjam, vejamos:
A Escola Histórica do Direito pode ser caracterizada com as seguintes palavras-
chave: O Direito é parte da cultura geral de um Estado e de uma sociedade. Como
essa cultura geral, ele se coloca numa continuidade histórica. Somente pode ser
entendido a partir de um desenvolvimento histórico. Ao mesmo tempo está
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submetido a uma contínua evolução, e como esta também vale para a cultura geral.
A evolução contínua ocorre conforme as concepções válidas numa cultura, que se
desenvolvem continuamente, como condições vitais. O Direito deve corresponder a
necessidades que dalí surjam. Os juristas especialistas (ciência jurídica e tribunais)
têm o papel principal nessa cautelosa evolução contínua.[10]
Diante da lei, o intérprete deve observar não só o que o legislador 'quis', mas também
o que ele 'quereria', se vivesse no meio atual. Deve 'adaptar-se a velha lei aos tempos novos'.
E não abandoná-la. E, assim 'dar vida aos códigos'." [11]
Ainda, Miguel Reale faz uma explicativa comparação: "Há no fundo da concepção
histórica do Direito a ideia fundamental de que o Direito cresce e se desenvolve lentamente
como uma árvore, como atualização de forças internas de crescimento espontâneo".[12]
De forma resumida, podemos afirmar que para Savigny a lei nasce obedecendo
certos ditames e determinadas aspirações sociais mas não pode ficar engessada e restrita às
suas fontes originárias, devem se modificar conforme a sociedade. E o jurista deve descobrir a
mens legislatoris estudando as fontes de que emanam a lei.

1.4.Escola Teleológica
Esta escola teve como precursor Rudolph Von Ihering, que partiu do pressuposto que
o direito se forma sob a determinação de fins precisos e objetivos.
Nas palavras da professora Dra. Maria Helena Diniz:
Em sua obra, há uma crítica à jurisprudência conceitual, rechaçando o
abstracionismo dos conceitos jurídicos e o emprego do método dedutivo silogístico
na aplicação do direito, salientando o caráter finalístico das normas jurídicas. A
concepção do direito é prática, resulta da vida social e da luta contínua que é o meio
de realização do direito; sua finalidade é a paz. Tem uma concepção essencialmente
teleológica do mundo jurídico. Logo, para ele, a ciência jurídica deve interpretar
normas de acordo com os fins por elas visados. A letra da lei é importante, porém
não tem o condão de fundamentar interpretação contrária aos fins visados pela
norma. [13]
Para Ihering deve-se interpretar a norma levando em conta seus fins. A lei só atinge
sua destinação quando está a serviço de objetivos sociais e políticos. Ou seja, esta Escola
possui um caráter político, e o intérprete deve ajustar suas necessidades, desejos e interesses.
Ressalta-se que a norma não é um fim em si mesma, mas sim um meio a serviço de
uma finalidade, que é a existência da sociedade. Sendo que as leis de determinada época ou de
certo local devem ser interpretadas com o conhecimento efetivo das condições sociais de tal
povo e de tal época, afinal o real sentido da norma depende destas circunstâncias sociais
dentro das quais foi elaborada.[14]

2. Sistemas modernos de investigação


Insere-se neste sistema duas principais escolas que são: a Escola da Livre
Investigação e a Escola do Direito Livre. E por serem o enfoque principal desta pesquisa, será
analisada neste tópico em separado.
Como dito anteriormente este sistema surge contra o legalismo dos sistemas
tradicionais que consideravam a lei como única fonte do direito.

2.1. Escola da Livre Investigação


François Geny foi o grande representante da Escola da Livre Iniciação Científica,
suas grandes obras são: Méthode d'interprétation et sources en droit privé positif e Science et
technique em droit privé positif.
O autor afirma que a lei não é obrigatoriamente a expressão de um princípio lógico-
racional imposto pela força da razão e sim uma manifestação da vontade do legislador, que
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nem sempre expressa o que racionalmente deveria exprimir.


Importante ressaltar que já havia se passado mais de cem anos da Revolução
Francesa, diversas gerações de juristas já haviam passado e a França necessitava atualizar
suas instituições jurídicas.
Os juízes que estavam distante da capital começaram a proferir decisões fora do
padrão da interpretação restrita do Código, e entre os renomados juristas que clamavam por
reforma estava Gény. Para esta Escola nenhuma lei será suficiente para alcançar todo o campo
das relações sociais jurídicas, e isto deve ser feito por um magistrado. [15]
Assim como a Escola da Exegese, acredita-se que a lei é a fonte principal do Direito,
mas quando esta for omissa, obscura, insuficiente o intérprete terá que recorrer para as fontes
suplementares. A s fontes suplementares serias: o costume, a tradição, a autoridade e a livre
investigação.
A livre investigação significa que o magistrado não fica vinculado ao texto da lei, ele
deve tentar compreender a vontade do legislador. Percebe-se que Gény não incluí a
jurisprudência como fonte, pois naquela época os julgados não tinham ampla divulgação.
Sobre a livre investigação científica ensina Maria Helena Diniz:
Essa investigação é livre porque não se submete a uma autoridade positiva e é
científica, porque pode dar bases sólidas aos elementos objetivos descobertos pela
ciência jurídica. A livre investigação científica deve basear-se em três princípios: a)
o da autonomia da vontade; b) o da ordem e do interesse público; c) o do justo
equilíbrio ou harmonização dos interesses privados opostos, pois o aplicador deve
considerar a respectiva força desses interesses, pesando-se na balança da justiça,
para saber a qual deles deve dar preponderância, levando em conta as convicções
sociais vigentes, resolvendo de modo que se produza o devido equilíbrio. [16]
Para esta Escola a norma jurídica possui dois ingredientes, e a atividade do jurista se
realiza em um duplo campo de ação, são eles: o dado e o do construído. O dado é o conjunto
de elementos que antecedem a norma jurídica, são a realidade social, moral, econômica, etc.
São realidades existentes em toda sociedade humana por serem norteadoras do
comportamento humano.[17]
Já o construído é um conjunto de normas criadas para atender as condições de
segurança social de uma sociedade. A técnica jurídica visa construir meios para que se
realizem os fins de direito e esses meios e artifícios é o que François Geny designa de
construído. Lembrando que para este autor o direito não está nas leis promulgadas, mas na
própria sociedade, ou seja, nos dados normativos existentes na sociedade. [18]
A função social do Direito realiza-se além da lei (praeter legem) para suprir-lhe as
lacunas, mas sem ser contrário à lei (contra legem). Seria uma justiça regida pelo equilíbrio
das relações sociais.
Nas palavras de Paulo Dourado de Gusmão: "O método de Gény só admite
interpretação criadora no caso de lacuna (§139), deixando nos demais casos intocável a lei,
aplicável na forma prescrita pelo legislador, mesmo quando injusta a sua aplicação [...]."[19]
Ou seja, a Livre Investigação é possível quando há ausência de lei (lacunas). Quando
se trata de casos de obscuridade o jurista deve fazer o uso do costume, da autoridade, tradição,
etc. A livre interpretação é o último recurso de que pode se valer o intérprete.

2.2. Escola do Direito Livre


Outra escola que integra o Sistema Moderno de Investigação é a Escola do Direito
Livre, da Alemanha, cujo seu defensor mais conhecido era Hermann Kantorowicz, que em
1906 edita um manifesto intitulado "A luta pela ciência do direito".
Para esta Escola o principal para o direito são as normas jurídicas que surgem dos grupos
sociais de forma espontânea. Vejamos o que diz a doutrina:
Direito 16
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O direito livre não é o direito estatal, contido nas leis, mas aquele que está
constituído pelas convicções predominantes que regulam o comportamento, em um
certo lugar e tempo, sobre aquilo que é justo. Para ele é inaceitável a construção do
direito por meio de conceitos abstratos, porque não se funda em realidades
concretas, sendo incompatível com a simples necessidade da existência. Logo,
condena a elaboração do direito positivo por meio de uma jurisprudência de
conceitos. O juiz deve ouvir o sentimento da comunidade, não podendo decidir,
exclusivamente, no direito estatal ou com base em lei.[20]
Toda a técnica jurídica gira em torno da vontade do juiz ou do intérprete da lei, para
Kantorowicz a sentença é uma lex specialis. Se difere da Livre investigação científica de
Gény, pois aqui se prega o afastamento do legalismo proposto por aquela escola.
O magistrado busca a justiça e este é o seu compromisso frente à sociedade, ainda
que para isso a lei seja ignorada. O juiz deve analisar cada caso concreto e levando em
consideração o seu próprio senso de justiça tomar uma decisão, pois, o direito da sociedade
deve prevalecer frente ao direito legislado.
A interpretação jurídica segundo Kantorowicz deve seguir as seguintes diretrizes[21]:
a) Se o texto da lei é homogêneo e não fere os sentimentos do povo, deve aplicá-lo;
b) Se o texto legal conduz a uma decisão injusta o juiz deve ignorar e sentenciar segundo sua
convicção e pensando como o legislador ditaria se tivesse pensado no caso;
c) Se o magistrado não conseguir formar uma convicção sobre como o legislador resolveria o
caso, deve então aplicar o direito livre de acordo com o sentimento da coletividade;
d) E por último, caso não consiga encontrar este sentimento, deverá decidir de forma
discricionária.
Pode-se dizer que esta Escola admite o julgamento contra a lei se o magistrado
entender que vislumbrando o caso concreto o legislador também agiria de outra forma. Além
disso, defende que o Direito é lacunoso desde sua criação e para suprir este problema o juiz
deve decidir com liberdade.
Entre os diversos seguidores, um famoso exemplo histórico deste pensamento foi o
juiz Magnaud (1889-1904), de Chateau-Thierry, que ficou conhecido como o "bom juiz", pois
contrariava muitas vezes os textos legais, amparava mulheres, menores e desculpava
pequenos furtos, vejamos as palavras de Carlos Maximiliano sobre o referido magistrado:
imbuído de ideias humanitárias avançadas, o magistrado francês redigiu sentenças
em estilo escorreito, lapidar, porém afastadas dos moldes comuns. Mostrava-se
clemente e atencioso com os fracos e humildes, enérgico e severo com opulentos e
poderosos. Nas suas mãos a lei variava segundo a classe, a mentalidade religiosa ou
inclinações políticas das pessoas submetidas à sua jurisdição[22]
Outra característica marcante desta Escola é a importância do fato social, pois a
verdade jurídica está na sociedade e não nos códigos. O entendimento jurisdicional não deve
se vincular ao Estado, precisa ser legitimado pela comunidade numa relação associação de
tempo e espaço.
Em suma, Kantorowicz cria uma forma de interpretação voluntarista onde a direito é
a vontade do juiz e este deve buscar o sentido de justiça e não apenas aplicar a letra fria da lei.
O magistrado deve adir não apenas através da Ciência Jurídica, mas também pela sua
convicção pessoal, com liberdade.

Conclusão
A Escola Jusnaturalista encontra seu fundamento na divindade, sendo que o Direito é
um conjunto de ideias eternas, imutáveis e outorgados ao homem pela divindade. Os
pensadores desta Escola entendem que um sistema codificado de leis é desnecessário afinal a
ideia central é a existência de uma lei natural baseada em uma ordem pré-existente e de
origem divina.
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Na Escola Exegética a ideia central é um sistema normativo codificado de leis e aqui


entende-se que o ordenamento jurídico é perfeito e não existem lacunas. O interprete não
possui liberdade, está submisso à letra da lei. Verifica-se uma limitação na interpretação à
indagação da "vontade do legislador", o interprete deve ser fiel ao texto da lei.
Savigny representa a Escola Histórica que surge no século XIX e caracteriza-se por
dizer que o Direito faz parte da cultura do povo e assim como a sociedade deve evoluir e
acompanhar as transformações sociais. A forma de interpretar deve estar atenda a atualidade,
ou seja, não se abanda a lei mas deve-se adaptá-la aos novos tempos.
Verifica-se na escola Teleológica, cujo seu maior representante foi Ihering, que as
leis devem ser interpretadas de acordo com o fim que se destinam e esse fim representa uma
forma de preservar um valor. Sendo assim, o intérprete pode dar um significado diferente à lei
em virtude da sua compreensão à luz de novas valorações que se modificam ao longo do
tempo.
Quanto à Escola da Livre Iniciação Científica, representada por François Gény, pode-
se afirmar que era contra o exagerado normativismo que considerava apenas a lei como fonte
do direito. Admite-se a existência de fontes suplementares de investigação, sendo elas: o
costume, a autoridade, a tradição e a livre investigação (busca pelas fontes do direito vivo).
Para Gény o verdadeiro Direito é encontrado fora do ambiente forense, ou seja, nas
academias, debates e estudos sobre os julgados. A livre interpretação é a constante adaptação
da ordem jurídica às circunstâncias de cada momento histórico e a função social do Direito
realizava-se indo além da lei para superar as lacunas existente mas não contra a lei.
Já para a Escola do Direito Livre (seu criador foi Hermann Kantorowicz), a técnica
jurídica depende da vontade do juiz e se este entender que para obtenção da justiça a lei
precisa ser ignorada, assim deve ser feito.
Como bem explicou no seu livro Paulo Dourado Gusmão, o juiz primeiro formula a
norma segundo a justiça e depois procura na legislação o texto para fundamentá-la.
A Escola defende que o Direito por si só possui lacunas desde que a sua criação e a
forma de superar este problema é dando maior liberdade para o juiz na hora de decidir.
Por fim analisou-se dois casos da Justiça do Trabalho que se verifica que os
magistrados "ignoram" a lei e decidem de maneira diferente, conforme suas próprias
concepções de justiça o que nos leva a concluir que tal sistema encontra-se vigente e é
bastante utilizado na atualidade e principalmente no Tribunal de Justiça da 4ª Região.
Conclui-se afirmando a Ciência Jurídica oferece diversas formas de interpretação do
Direito e que inclusive vão mudando ao longo do tempo e cabe aos operadores do Direito a
compreensão de cada uma dela.
O objetivo não é dizer qual está certa ou errada, mas sim conhecer para que se possa
fundamentar e desenvolver um raciocínio de forma mais humana e contribuindo para que a
sociedade se beneficie destes conhecimentos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Profª Dra. Eliane Iunes Vieira.
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POLETTI, Ronaldo. Introdução ao direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3.ed. São Paulo: RT, 1997.
Notas:
[1] Baseado no artigo de SILVA, Paula Jaeger da. Principais escolas da interpretação jurídica com enfoque no sistema
moderno de investigação e sua utilização na justiça do trabalho. Disponível em:
https://www.paginasdedireito.com.br/index.php/artigos/341-artigos-set-2016/7760-principais-escolas-da-interpretacao-
juridica-com-enfoque-no-sistema-moderno-de-investigacao-e-sua-utilizacao-na-justica-do-trabalho. Acesso em: 2. jul. 2019.
[2] BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 35.
[3] NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 23.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 368.
[4] BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Icone, 1999, p. 17.
[5] BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Icone, 1999, p. 20.
[6] NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 23.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 369.
[7] MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 30. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 322.
[8] DINIZ, Maria helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 51.
[9] DINIZ, Maria helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 52.
[10] HORN, Norbert. Introdução à ciência do direito e à filosofia jurídica. Tradução de Elisete Antoniuk. Porto Alegre:
Frabis, 2005. p.160.
[11] MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 30. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 429.
[12] REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3.ed. São Paulo: RT, 1997. p. 49.
[13] DINIZ, Maria helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 59.
[14] DINIZ, Maria helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 59.
[15] _____________. Escola da Livre Investigação. Disponível em: <http://www.acmachado.net/unifor/Livre-Investigacao-
slides.pdf>. Acesso em: 22/07/16.
[16] DINIZ, Maria helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 63.
[17] DINIZ, Maria helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 64.
[18] DINIZ, Maria helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 65.
[19] GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 36. ed. São Paulo: Forense, 2003, p. 229.
[20] DINIZ, Maria helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 68.
[21] DINIZ, Maria helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 68.
[22] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação ao Direito. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 83.

Após a leitura do texto, respondam as seguintes questões:

1) Explique quais os fundamentos da Escola Jusnaturalista.

2) Explique quais os fundamentos da Escola Exegética.

3) Explique quais os fundamentos da Escola Histórica

4) Explique quais os fundamentos da Escola Teleológica

5) Explique quais os fundamentos da Escola da Livre Iniciação Científica

6) Explique quais os fundamentos da Escola do Direito Livre.


Direito 19
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UNIDADE 2

2. Hermenêutica: Aspecto Técnico.


2.1. Funções da Interpretação.
2.2. Critérios da Interpretação.
2.3. Espécies de Interpretação.
2.4. Integração das Leis.

2. Hermenêutica: Aspecto Técnico.

2.1. Funções da Interpretação.

- Como já visto, a importância da Hermenêutica é evidente, uma vez que:

 A linguagem (falada ou escrita) pode ser mal interpretada, causando incerteza e


insegurança. Portanto, dependendo do intérprete, pode não refletir a real intenção da
mensagem;
 Então, é importante, para a correta interpretação, o uso de diversos métodos e técnicas
de interpretação.
 Assim, tanto a linguagem, os textos religiosos, filosóficos, quanto os jurídicos
(principalmente as normas jurídicas) dependem de uma correta interpretação;
 A linguagem humana (falada ou escrita) é a base das relações sociais, por isso, a
correta interpretação das mensagens contribui para minimizar os conflitos sociais;
 A correta interpretação das normas jurídicas também contribui para a estabilidade do
ordenamento jurídico.

2.2. Critérios da Interpretação.

- Há vários critérios de interpretação das leis.


- Contudo, de forma didática, podemos dividi-los da seguinte forma:

I. Quanto ao agente ou origem de interpretação


(ou seja: quem está interpretando a lei) – nesse caso, pode ser subdividida:

 Pública: é a interpretação realizada pelos órgãos do Poder Público (Poder


Executivo, Legislativo e Judiciário). Divide-se em:

 Autêntica: oriunda do próprio órgão elaborador da norma. Ou seja, no


caso de lei, a interpretação autêntica é a do Poder Legislativo que votou
e aprovou a lei.
Ex: o art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.906/1994 (Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a OAB),
que foi votado e aprovado pelo Congresso Nacional (Câmara e Senado – portanto, pelo Poder
Legislativo), contém o seguinte:
Art. 1º São atividades privativas de advocacia:
I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados
especiais;
[…]
Direito 20
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Contudo, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional parte do inciso I, retirando


o termo “qualquer”, reduzindo a redação a:
Art. 1º São atividades privativas de advocacia:
I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados
especiais;
[…]
Ou seja, a interpretação autêntica (do Poder Legislativo) indicava que
era atividade privativa do advogado a postulação (capacidade de
atuar/requerer/propor ações e defender-se de ações) em QUALQUER
órgão do Poder Judiciário.
Mas o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a palavra “qualquer”, por ser muito
ampla, uma vez que há casos em que, para atuar no Poder Judiciário, não é necessário
advogado, como por exemplo: Juizado Especial Civil em causas no valor até 20 salários
mínimos.
Então, em conclusão:
Embora a interpretação autêntica do Poder Legislativo fosse no sentido que era atividade
privativa de advogado atuar em qualquer órgão do Poder Judiciário, isso foi modificado pelo
STF – pois há exceções, conforme demonstrado.

 Judicial: realizada pelos órgãos do Poder Judiciário, quando aplicada a


lei ao caso concreto.
Ex: caso do casamento entre pessoas do mesmo sexo e adoção por casal homossexual.

 Administrativa: realizada por órgão do Poder Público que não são


detentores do Poder Legislativo nem do Judiciário. Pode ser:

 Regulamentar: é a interpretação dada pela administração


Pública a normas gerais, como: decretos, portarias,
regulamentos, etc.
Ou seja, é a interpretação dos órgãos públicos para as suas normas específicas de seus setores
(ou seja, normas internas).

 Casuística: esclarece dúvidas especiais que surgem quando


da aplicação de decretos, portarias, regulamentos, por parte
dos órgãos da administração pública nos casos concretos.

 Usual: é a interpretação consolidada pelo costume ao longo do


tempo.
Ex: cabe ao comprador do imóvel pagar as despesas de escritura e registro de imóveis e ao
vendedor do imóvel cabe arcar com o pagamento ao corretor de imóveis.

 Privada (doutrinal ou doutrinária): levada a efeito por particulares,


especialmente pelos técnicos da matéria de que a lei trata. Está
diretamente ligada à questão do direito científico com forma de
expressão do direito. Realizada em livros, pelos autores
(juristas/doutrinadores), pelos professores ao estudar a lei em
classe, em comentários à lei, ou ainda por meio de pareceres de
Direito 21
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juristas.

II - Quanto à natureza ou elementos: fundamentado em diversos tipos de elementos contidos


nas leis e que servem como ponto de partida para a sua compreensão. São as seguintes:

 Interpretação Gramatical ou Literal: é a que utiliza o exame do significado e


alcance de cada uma das palavras da norma.
Ou seja, é realizada a análise morfológica e sintática do texto, na verificação do significado
das palavras e na sua colocação na frase, segundo as regras gramaticais, para finalmente
extrair o pensamento do legislador.
Atualmente, entende-se que isoladamente esse critério de interpretação é insuficiente para
conduzir o intérprete a um resultado conclusivo.
Ex: se a interpretação gramatical ou literal prevalecesse não seria possível ocorrer casamento
entre pessoas do mesmo sexo e a adoção por casal homossexual.

 Interpretação Lógica ou Racional: exige que se pesquise todos elementos


internos da lei para ter a correta interpretação de um artigo, inciso ou parágrafo.
Deve-se fazer uma análise completa de todos os elementos da lei, com critérios
racionais e lógicos.
Ex: A Lei de falências e recuperação judicial (Lei nº 11.101/2005) estabelece no art. 2º, II:
Art. 2º Esta Lei não se aplica a:
[...]
II – instituição financeira pública ou privada […]
Ou seja, com a análise somente do inciso II do art. 2º poderíamos ter a falsa impressão que a
lei de falências não é aplicável a instituições financeiras.

Mas isso não é verdade!

De acordo com o art. 197:


Art. 197. Enquanto não forem aprovadas as respectivas leis
específicas, esta Lei aplica-se subsidiariamente, no que couber, aos
regimes previstos no Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966,
na Lei nº 6.024, de 13 de março de 1974, no Decreto-Lei nº 2.321, de
25 de fevereiro de 1987, e na Lei nº 9.514, de 20 de novembro de
1997.

Assim, tendo em vista que a Lei nº 6.024/1974, citada no art. 197, autoriza a
falência de instituições financeiras, enquanto essa lei não for alterada, a lei de
falências, na verdade, pode ser aplicada a instituições financeiras.

Ou seja, a análise racional e lógica de todos os dispositivos da lei de falências


indica que, atualmente, o art. 2º, II, ainda não pode ser considerado aplicável.
Dessa forma, é possível a falência de instituição financeira – exatamente o
contrário do que consta no inciso II do art. 2º.
 Interpretação Histórica: indaga das condições de meio e momento da elaboração
da norma legal, bem como assim causas pretéritas da solução dada pelo legislador.
Há subespécies:
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 Remota: procura a razão de ser a lei pela origem da mesma.


Ex: O Código de Defesa do Consumidor - CDC foi criado para proteger o consumidor dos
abusos dos fornecedores de produtos e serviços.
Antes do CDC era muito difícil para os consumidores fazerem valer seus direitos.

 Próxima: procura a razão de ser a lei como resultado do concurso da


sociologia, da economia, da política e de outras ciências afins, para
consecução do respectivo escopo.
Ex.: os debates do Legislativo em torno de leis que alteraram partes do Estatuto da Criança e
do Adolescente, como por exemplo a criação dos artigos 190-A, 190-B, 190-C, 190-D e 190-
E que tratam da possibilidade de atuação de agentes da polícia infiltrados em organizações
que praticam a pedofilia.
Ou seja, com o aumento desse tipo de crime, inclusive com a utilização da internet, foi
necessário alterar a lei para permitir que a polícia pudesse investigar e colher provas para
coibir essa prática criminosa.

 Interpretação Sistemática: ou seja, para interpretar um dispositivo legal é


necessário pesquisar outras leis que compõem o ordenamento jurídico.
O método sistemático é método de interpretação que visa entender a norma jurídica
dentro do sistema jurídico.
O conjunto das normas jurídicas forma um sistema jurídico. Esse sistema deve ser
harmônico.
Ou seja, para entender o que estamos falando, vamos fazer uma analogia com o corpo
humano. O corpo humano tem vários órgãos e vários sistemas (circulatório,
respiratório, digestivo, etc.).
Os diversos órgãos trabalham, individualmente, para o funcionamento do conjunto de
cada um desses sistemas e do corpo humano.
Da mesma maneira (analogamente), as normas jurídicas, de forma individual,
contribuem para a manutenção de um sistema jurídico.
Assim, a interpretação das normas jurídicas deve levar em conta o sistema jurídico (o
funcionamento harmônico do conjunto).
A interpretação das normas isoladamente não é tão completa quanto a análise ocorre
levando em conta o sistema jurídico como um todo. Aí sim, poderemos ter o
verdadeiro sentido e alcance de determinada norma.
Por exemplo:
Todos sabemos que os pais têm o direito de criar os filhos menores.
De fato, o art. 1.630 do Código Civil – Lei nº 10.406/2002- estabelece que os filhos
estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores (ou seja, ao poder do pai e da
mãe).
Mas este dispositivo interpretado isoladamente pode levar a equívocos, como por
exemplo, levar a entender que esse poder dos pais é absoluto.
Analisando o nosso sistema jurídico, vemos que o Estado deve garantir a proteção
integral da criança e do adolescente.
Então, de acordo com o ECA – Lei nº 8.069/1990, verificamos que, segundo o art. 24
do ECA, o juiz pode decretar a perda ou a suspensão do poder familiar, por
exemplo, em casos de maus tratos e a colocação em família substituta.
Pelo método sistemático, notamos que todos dispositivos legais são interdependentes e
Direito 23
Hermenêutica Jurídica
Profª Dra. Eliane Iunes Vieira.

inter-relacionados.

Portanto, todo dispositivo legal não deve ser interpretado isoladamente, mas sim
levando em conta o conjunto de normas jurídicas (ou seja, o sistema jurídico).

Na prática, devemos tomar cuidado para não nos apegarmos a determinada disposição
de algum artigo de lei e acharmos que nada pode contrariar o que ali está
estabelecido.

III - Quanto ao fim (à finalidade da lei), a interpretação é chamada de teleológica: procura-se


investigar qual é o fim previsto pela lei, para descobrir o sentido e o alcance da mesma7.

Por exemplo: vejamos o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990)


Art. 1º - Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

Aqui está declarada a finalidade do ECA: a proteção integral à criança e o adolescente.


Assim, utilizando a interpretação teleológica, qualquer dispositivo do ECA que gere
alguma dúvida deve ser interpretado no sentido de favorecer a proteção integral da
criança ou adolescente.

Finalmente, devemos esclarecer que, como vimos, há diversos critérios de interpretação.


Mas, devemos utilizá-los de forma conjunta, já que o uso de um método não elimina a
aplicação do outro.

Por exemplo, devemos:


 começar pelo o método gramatical (ou literal);
 passar ao método lógico;
 em seguida, ao método sistemático;
 depois, ao método histórico; e
 finalmente, ao método teleológico.

Dessa forma, descobriremos o real sentido e alcance da norma.

É sempre conveniente ter em mente que, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a
que ela se dirige e às exigências do bem comum (de acordo com o art. 5º da Lei de introdução
às normas do direito brasileiro – Decreto-Lei nº 4.657/1942).
Por exemplo: quanto à política de proteção ao consumidor a lei determina que “as cláusulas
contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor” (Lei 8.078/90, art.
47).

7
Em muitos aspectos, a interpretação teleológica se aproxima da interpretação lógica (que busca a descobrir a 
razão da existência da lei).
Direito 24
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2.4 . INTEGRAÇÃO OU APLICAÇÃO DO DIREITO

Com auxílio da hermenêutica, procura-se alcançar o sentido preciso do sentido jurídico da


norma e depois aplicá-la ao caso concreto.

Para Alice Monteiro de Barros

integração é um aspecto da hermenêutica por meio do qual o Juiz


preenche as lacunas do sistema jurídico. Nesse processo
hermenêutico, o intérprete exerce ‘uma atividade supletiva’ conferida
pelo próprio legislador.

Como já visto,

A lacuna da lei é a inexistência de uma norma jurídica aplicável a um caso concreto. Ou


seja, é um vazio legal sobre determinado evento. Ex: casamento homossexual.

A lacuna caracteriza-se quando a lei é omissa ou falha em relação a determinado caso.


Ou seja, essa lacuna ou falha revela que o sistema normativo não se aplica a todos os fatos
da vida social (logicamente, no momento da criação da lei, é impossível prever todos os
fatos e a evolução da sociedade).

A constatação da existência da lacuna ocorre no momento em que o aplicador do direito


vai exercer a sua atividade e não encontra no corpo das leis um preceito que solucione o
caso concreto (ou seja, não há um dispositivo legal que se aplique a determinado caso
concreto). Neste instante, constata-se a existência de uma lacuna.

Assim, quando o juiz não consegue descobrir uma norma jurídica para decidir determinado
caso, deve servir-se de outros meios para a solucioná-lo, uma vez que todo caso concreto
posto à apreciação do Judiciário não pode deixar de ser apreciado e resolvido.

O procedimento para preenchimento de lacunas da lei é conhecido como Integração.

Porém, a própria lei põe à disposição do aplicador do direito, os meios dos quais pode se
utilizar para o preenchimento da lacuna existente.

Conforme disposição constante do artigo 4º da Lei de Introdução às normas do Direito


Brasileiro – Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942:

Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com
a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

- Analogia:
 é aplicar a um caso não previsto em lei uma disposição legal prevista para um
caso semelhante, ou ainda
 consiste em aplicar a um caso não previsto de modo direto ou específico, uma
norma jurídica prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso não
contemplado.
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Profª Dra. Eliane Iunes Vieira.

- Costume:
 é uma norma social que deriva da longa prática uniforme, geral, constante e
repetida de dado comportamento sob a convicção de que corresponde a uma
necessidade de determinada sociedade.

- Princípios Gerais de Direito


 são normas (escritas ou não) de cunho genérico, que condicionam e norteiam a
compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação, quer para a
elaboração de novas normas.

Exemplos de princípios gerais do direito:


 “a lei deve dar a cada um o que é seu”;

 “a lei não pode permitir o enriquecimento ilícito”;


 “todos devem ser tratados como iguais perante a lei;
 “aos acusados em geral devem ser assegurados o contraditório e a ampla
defesa”;
 “quem exercitar o próprio direito não estará prejudicando ninguém”;
 “a pessoa deve responder pelos próprios atos e não pelos atos alheios”;
 “deve ser mais favorecido aquele que procura evitar um dano do que
aquele que busca realizar um ganho”;
 “ninguém deve ser responsabilizado mais de uma vez pelo mesmo fato”;
 “nas relações sociais se deve tutelar a boa-fé e reprimir a má-fé”; etc...

- Então, o juiz, quando se depara com uma lacuna legal (ou seja, verifica que
determinado caso concreto não está previsto na legislação), deve decidir com base na
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Deve-se esclarecer que é necessário realizar a integração nesta ordem:

 Analogia - primeiro verifica se há alguma disposição análoga;

 se não houver casos análogos, é necessário pesquisar os costumes;

 caso não encontre nos costumes a solução, é necessário pesquisar os


princípios gerais de direito, utilizando um dos princípios para solucionar o
caso.
Direito 26
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3. Hermenêutica: Aspecto Filosófico.


3.1. A Hermenêutica em Schleiermacher.
3.2. A Hermenêutica em Dilthey.
3.3. A Hermenêutica em Heidegger.
3.4. A Hermenêutica em Gadamer.
3.5. A Hermenêutica Pós-Positivista.
3.6. Hermenêutica Constitucional.

Anexo 2 -

Texto: Hermenêutica – aspectos filosóficos, pós-positivismo e hermenêutica constitucional.

Introdução

Hermenêutica é o campo da filosofia que estuda a interpretação. Envolve a interpretação de


textos escritos ou da própria linguagem falada. Tendo em vista que a linguagem é a base das
relações sociais, a sua correta interpretação contribui para a evolução e a estabilidade da
própria sociedade. Nesse sentido, envolve também a interpretação de normas, leis e da
Constituição.

No campo jurídico, a Hermenêutica é usada para buscar a interpretação fidedigna que permita
adequar a norma aos fatos concretos. Com isso, é possível proporcionar uma responsável
aplicação do Direito. Em suma, a Hermenêutica Jurídica, latu sensu, divide-se em
interpretação, integração e aplicação do Direito.

A Hermenêutica no campo jurídico é empregada para interpretar o sentido da linguagem que


consta em normas jurídicas, para que, dessa forma, se obtenha o exato sentido ou o fiel
pensamento do legislador. Assim, busca-se a exata compreensão da regra jurídica a ser
aplicada aos fatos concretos, ou seja, é responsável pelo estudo e sistematização dos processos
aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito.

1) Hermenêutica Filosófica – Schleiermacher

A partir de Friedrich Schleiermacher (1768-1834), a hermenêutica passou por uma


reformulação, entrando para o âmbito da filosofia.
Para ele, a hermenêutica deveria ser capaz de estabelecer os princípios gerais de toda e
qualquer compreensão e interpretação de manifestações linguísticas. Onde houvesse
linguagem, sempre seria aplicável a interpretação. Ou seja, tudo o que é objeto da
compreensão, é linguagem.
Para Schleiermacher “a linguagem é o modo do pensamento se tornar efetivo. Pois, não há
pensamento sem discurso. (...) Ninguém pode pensar sem palavras.”
Dessa forma, a tarefa da hermenêutica se torna universal, uma vez que lança luz ao discurso,
revelando o pensamento.
A hermenêutica, então, é uma análise da compreensão “a partir da natureza da linguagem e
das condições basilares da relação entre o falante e o ouvinte”.
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Quatro distinções básicas foram estabelecidas por Scheleiermacher:


a) a distinção entre compreensão gramatical, a partir do conhecimento da totalidade da língua
do texto ou discurso, e a compreensão técnica ou psicológica, a partir do conhecimento da
totalidade da intenção e dos objetivos do autor.
b) a distinção entre compreensão divinatória e comparativa:
c) Compreensão comparativa: Se apoia em uma multiplicidade de conhecimentos objetivos,
gramaticais e históricos, deduzindo o sentido a partir do enunciado.
d) Compreensão divinatória: Significa uma adivinhação imediata ou apreensão imediata do
sentido de um texto.

Dessa forma, Schleiermacher:


 Deu início a um novo modelo de hermenêutica, utilizando o método histórico-crítico e
o conceito de razão histórica.
 Trouxe para a hermenêutica o caráter científico, não só técnico.
 Deu ênfase aos processos mentais do intérprete e do autor, uma vez que é impossível
separar o escrito do seu escritor. Ou seja, hermenêutica deve compreender o texto e o
autor.
 Elaborou uma teoria geral da hermenêutica (não apenas regras), visto que
Hermenêutica não é determinada pelas condições do objeto, mas do sujeito. Ou seja,
em vez de “como” interpretar, “o que é”, visto que interpretar, falar ou escrever
representam o lado externo do pensamento, por isso a hermenêutica tem dois
momentos: 1º) interpretar texto e conteúdo e 2º) compreender - repetir na mente do
intérprete os processos mentais do autor.

2) Hermenêutica Filosófica – Dilthey

Wilhelm Christian Ludwig Dilthey (1833, 1911) foi um filósofo hermenêutico, psicólogo,
historiador, sociólogo e pedagogo alemão. Seus principais conceitos procuram fundamentar as
"ciências do espírito" (ciências humanas) como forma de conhecimento, em oposição às
"ciências da natureza".

Dilthey adota como ponto de partida o método de Schleiermacher. Mas tem como objetivo
reconhecimento científico da história (historicismo). Com isso, abre o plano da compreensão
para o contexto sócio temporal (cultura). Ou seja, entende que é necessário conhecer o
contexto histórico e cultural para uma correta interpretação, uma vez que entende que todas as
experiências humanas se dão no meio de uma comunidade.

Chama a atenção para a existência de dois mundos: dado e construído.


O mundo dado é o campo da ciência natural (ciência da natureza); e o mundo construído é
baseado na história.
Dessa forma há dois planos: razão científica x razão histórica.
Propõe a divisão da ciência em dois grupos: ciências da natureza e do espírito
A ciência natural deve ser investigada por um método analítico-esclarecedor (baseado na
causalidade).
A ciência do espírito deve adotar um método compreensivo-descritivo (baseado na
compreensão).
Direito 28
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Assim o mundo dado seria distante do homem e o mundo construído seria próximo a ele
(porque tem contato direto.
O objetivo das ciências do espírito é compreender o desenvolvimento histórico da consciência
humana.
Portanto, em sua concepção de hermenêutica deve-se analisar o contexto histórico em a
linguagem foi produzida e qual a sua finalidade - no caso da hermenêutica jurídica, deveria
ser analisado o contexto histórico em que a norma jurídica foi produzida e qual a finalidade
pretendida pelo legislador. Ou seja, em qual contexto histórico ela surgiu e qual a finalidade
pretendida.

3 Hermenêutica Filosófica – Heidegger

Martin Heidegger (1889, 1976) foi um filósofo alemão reconhecido como um dos mais
originais e importantes do século XX. É mais conhecido por suas contribuições para a
fenomenologia, existencialismo e hermenêutica filosófica.
Discordou de Scheleiermache e Dilthey, uma vez que, para ele, o objetivo da hermenêutica é a
própria compreensão.
Entendia que o ato de compreensão faz parte da essência do ser humano.

Para ele a Hermenêutica é um esforço de auto compreensão (estudo ontológico8).


Para estudar a compreensão, é necessário o esclarecimento das condições prévias para que ela
se realize, o que ele chama de pré-compreensão. As pré-opiniões ou pré-conceitos provêm das
percepções culturais na vida em comunidade e formam o ponto de partida de toda
compreensão posterior.
Cada intérprete, de acordo com essa pré-compreensão, tem uma percepção diferenciada das
coisas do mundo e com isso elabora a sua compreensão. Por exemplo: ao ler um texto, o leitor
traça algumas expectativas, de acordo com o seu conhecimento prévio do assunto (projeto de
leitura). A tarefa principal da compreensão da leitura é a confirmação desse projeto. Cada
pessoa humana tem dentro de si uma parcela da racionalidade geral. Isso torna possível a
aquisição de novos conhecimentos e a relação com os conhecimentos passados.

3) Hermenêutica Filosófica – Gadamer

Hans-Georg Gadamer (1900, 2002) foi um filósofo alemão considerado como um dos maiores
8
 Ontologia é o ramo da filosofia que estuda a natureza do ser, da existência e da própria realidade. A palavra
ontologia é formada do grego pontos (ser) e loggia (estudos), e engloba as questões gerais relacionadas ao
significado do ser e da existência. Este termo foi popularizado graças ao filósofo alemão Christian Wolff, que
definiu a ontologia como filosofia prima (filosofia primeira) ou ciência do ser enquanto ser.
No século XIX, a ontologia foi transformada por neoescolásticos na primeira ciência racional que abordava
os gêneros supremos do ser. A corrente filosófica conhecida como idealismo alemão, de Hegel, partiu da
ideia de autoconsciência para recuperar a ontologia como "lógica do ser".
No século XX, a ligação entre ontologia e metafísica geral deu lugar a novos conceitos, como o de Husserl,
que vê a ontologia como ciência formal e material das essências. Para Heidegger, a ontologia fundamental é
o primeiro passo para a metafísica da existência.
Direito 29
Hermenêutica Jurídica
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expoentes da hermenêutica (interpretação de textos escritos, formas verbais e não verbais).


Sua obra de maior impacto foi Verdade e Método (Wahrheit und Methode), de 1960, onde
elabora uma filosofia propriamente hermenêutica, que trata da natureza do fenômeno da
compreensão.
É considerado um dos mais importantes pensadores do século XX, tendo tido um enorme
impacto em diversas áreas, da estética ao direito, e tendo adquirido respeito e reputação na
Alemanha e em outros lugares da Europa que foi muito além dos limites costumeiros da
academia. Os muitos ensaios, palestras e entrevistas de Gadamer sobre ética, arte, poesia,
ciência, medicina e amizade, bem como referências ao seu trabalho por pensadores nesses
campos, atestam a onipresença e relevância prática do pensamento hermenêutico hoje.

Gadamer foi discípulo de Heidegger.


Gadamer entende a compreensão como um diálogo entre o intérprete e o texto - não interessa
muito o autor, mas o texto em si mesmo
O intérprete interpela o texto, que responde, e isso suscita novas perguntas, que se incorporam
à mente do intérprete – criando um movimento circular interminável.

Dessa forma, cria o conceito de “círculo da compreensão”: pré-compreensão+compreensão.


Ou seja, um texto sempre é lido e compreendido por muitas pessoas, em épocas distintas,
formando uma fusão de compreensões que se incorporam a ele. Cada vez que lemos um texto
e o compreendemos, estamos colaborando para a continuação desse círculo hermenêutico
interminável – assim o texto é inesgotável.

Entende que a atividade própria da compreensão não é apenas teórica, mas teórico-prática.

Para um melhor entendimento acerca da fusão entre interpretação e compreensão, para que se
possa melhor entender o que Gadamer e os demais teóricos da hermenêutica filosófica
queriam demonstrar com o círculo hermenêutico: O processo de compreensão, envolto em um
diálogo constante de ida e volta entre análises e sínteses voltadas a compreender o todo e as
partes. Não se pode evitar o fato de que uma pessoa sempre tem consigo concepções e possui
um entendimento sobre o todo e sobre as partes. No entanto, o ser necessita refletir sobre seus
pré-conceitos enquanto analisa o objeto a ser investigado. Compreender algo novo é uma
dialética contínua que muda de direção constantemente entre o mais local dos detalhes locais
e a mais global da estrutura global de modo a induzir que ambos sejam entendidos
simultaneamente. Graficamente, o círculo hermenêutico, está demonstrado abaixo:
Direito 30
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4) A Hermenêutica Pós-Positivista e Hermenêutica Constitucional

5.1) Positivismo Jurídico ou juspositivismo (do latim jus: direito; positus (particípio passado
do verbo ponere): colocar, por, botar; tivus: que designa uma relação ativa ou passiva) é uma
corrente da filosofia do direito que procura reduzir o Direito apenas àquilo que está posto,
colocado, dado, positivado e utilizar um método científico (empírico) para estudá-lo.
Ao definir o direito, o positivismo identifica, portanto, o conceito de direito com o direito
efetivamente posto pelas autoridades que possuem o poder político de impor as normas
jurídicas.

O juspositivismo nega as teorias dualistas que admitem a existência de um direito natural ao


lado do direito positivo. Dessa forma, uma regra pertencerá ao sistema jurídico, criando
direitos e obrigações para os seus destinatários, desde que emane de uma autoridade
competente para a criação de normas e desde que seja criada de acordo com o procedimento
previsto legalmente para a edição de novas normas, respeitados os limites temporais e
espaciais de validade, assim como as regras do ordenamento que resolvem possíveis
incompatibilidades de conteúdo.

O positivista entende que o juiz ao aplicar o direito deve seguir rigorosamente a lei.
Caso o juiz, ao julgar, adote convicções pessoais, poderia comprometer a segurança jurídica,
uma vez que juízes, com posições diferentes, poderiam decidir de forma distinta casos
similares.
Dessa forma, o jus positivismo entende que ao judiciário não seria atribuída legitimidade
democrática para criar um novo direito, ainda que “melhor” e mais conexo à realidade social.
Direito 31
Hermenêutica Jurídica
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5.2) Pós-positivismo:

Em contrapondo à posição dos juspositivistas, que foi dominante no século XX, surgiu uma
nova maneira de se conceber a ciência jurídica, vale dizer, a pós-positivista.

A teria pós-positivista entende que a atividade jurídica não deva restringir-se à lei e aplicação
de leis, havendo de se almejar uma razão prática, imbuída de incessante busca da decisão
justa.

Entende que há outros instrumentos jurídicos, além da lei, tais como: proporcionalidade,
ponderação de valores e razoabilidade, fazendo-se prevalecer a efetiva operabilidade de um
sistema garanta efetivamente a Justiça.

Assim, uma nova concepção da Constituição e de seu papel na interpretação jurídica


evidencia-se.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, almejando assim a satisfação dos
direitos e garantias dos cidadãos nela compreendidos, impõe uma interpretação do
ordenamento jurídico que ultrapassa a fria letra da lei.

Com esta mudança de paradigma, abandonando-se aquela sistemática lógico-dedutiva, e


sendo adotada uma nova forma de interpretação, de enxergar o direito, situou-se o mesmo
numa busca a efetividade de suas normas. Ou seja, passou a ser premissa do estudo da
Constituição o reconhecimento de sua força normativa, do caráter vinculativo e obrigatório de
suas disposições, sendo superada a fase em que era tratada como um conjunto de aspirações
políticas e uma convocação à atuação dos Poderes Públicos. Embora se insira no âmbito da
interpretação jurídica, as especificidades das normas constitucionais, com seu conteúdo
próprio, sua abertura e superioridade jurídica, exigiram o desenvolvimento de novos métodos
hermenêuticos de princípios específicos de interpretação constitucional.

As teorias pós-positivistas argumentam que a regra não deva ser considerada como
inquestionável e superior aos valores que a inspiram. Essas teorias chamam a atenção do
aplicador do direito para os fundamentos do direito, ou seja, que as regras devam ser
interpretadas à luz do alicerce de todo e qualquer ordenamento, os princípios

Os princípios constitucionais encarnam juridicamente os ideais de justiça de uma


comunidade, escancarando a Constituição para uma “leitura moral”, pois é sobretudo através
deles que se dará uma espécie de positivação constitucional dos valores do antigo direito
natural. Os princípios impõem, de modo definitivo, a retomada da racionalidade prática no
Direito. O positivismo, tanto na sua vertente mais tradicional da Escola da Exegese, como na
mais sofisticada versão Norm ativista de Hans Kelsen e Herbert Hart, rejeitava esta
racionalidade, desprezando a possibilidade de argumentação sobre os valores e a justiça.

Os princípios constitucionais encarnam juridicamente os ideais de justiça de uma


comunidade, escancarando a Constituição para uma “leitura moral”, pois é sobretudo através
deles que se dará uma espécie de positivação constitucional dos valores do antigo direito
natural, tornando impossível uma interpretação axiologicamente asséptica da Constituição.

Os princípios impõem, de modo definitivo, a retomada da racionalidade prática no Direito. O


positivismo, tanto na sua vertente mais tradicional da Escola da Exegese, como na mais
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sofisticada versão Norm ativista de Hans Kelsen e Herbert Hart, rejeitava esta
racionalidade, desprezando a possibilidade de argumentação sobre os valores e a justiça.

Dessa forma, o aplicador do direito deve analisar o caso concreto à luz dos princípios e da
abertura axiológica que este lhe concede. Sua atividade não deve restringir-se a simples
subsunção do fato a norma, mas sim, corroborada de todas as nuanças que o fato envolve,
refletindo-o humanística, técnica e socialmente, com vistas à prolação judicial justa. Não há
uma ciência jurídica autônoma, tendo em vista que o direito, além do método tradicional, deve
empregar métodos atinentes às ciências sociais.

A teoria positivista do direito o classifica como uma ciência dogmática, de definições e


preceitos próprios, sujeitando a atividade do jurista à aplicação e relação entre leis. Excluindo
do campo do direito, demais ciências sociais como psicologia, sociologia, história e filosofia
do direito. O formalismo exacerbado sustentado pela referida teoria, por meio da suposta
neutralidade bem como objetividade do direito, contemplou o magistrado como um
burocrático aplicador de leis, que encarava o ordenamento jurídico como “catálogo”, dotado
da previsão de todos os fatos ocorridos e que viriam a ocorrer na sociedade, que com sua
consecução subsumir-se-iam a ele.

A teoria pós-positivista, consubstanciada no constitucionalismo, promoveu uma mudança de


paradigma, evidenciando a força normativa da Constituição e uma nova maneira de encarar e
interpretar o direito, na busca por um processo legitimo, eficaz e apto a efetiva tutela dos
direitos fundamentais dos cidadãos.

O aplicador do direito deve adequar as normas aos fatos sociais, de maneira a compatibilizar o
processo penal com o Estado Democrático de Direito exterminando de uma vez por todas a
excessiva formalidade.

O juiz desempenha em nosso tempo, um papel de extrema relevância no que tange a análise
de justos critérios de aplicação do direito. À luz da Constituição e dos princípios
fundamentais, tem ele uma maior liberdade para desvendar os mistérios do processo a partir
de uma efetiva interferência de demais ciências sociais. Este paradigma visa o resgate
da esquecida natureza humana do juiz, reconhecendo-se sua imperfeição. A função do
juiz no processo é humana, desenvolvida na reconstrução do fato, na produção da prova, na
argumentação e na interpretação do direito.

Dessa forma, o juiz do mundo atual deva incidir sua atividade na permanente afirmação dos
direitos fundamentais abarcados na Constituição da República Federativa de 1988. O
magistrado encarna um importante papel, assumindo uma postura de procura da verdade,
mediante um procedimento equânime, de igualdade de armas, onde deva prevalecer a ampla
defesa e o contraditório, para que, ao final do mesmo, tenhamos uma sentença justa.

O juiz deve sempre, efetivar sua atividade jurisdicional com imparcialidade, no sentido de dar
às partes as mesmas oportunidades no desentranhar do procedimento, em respeito ao
devido processo legal, ampla defesa e contraditório, para a aplicação da dos direitos
fundamentais guarnecidos pela Constituição da República de 1988, pois é ela quem
fundamenta todo o ordenamento jurídico.

O aplicador do direito deve diante de um caso concreto procurar a melhor maneira de


Direito 33
Hermenêutica Jurídica
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sua resolução, em uma leitura eminentemente constitucional, buscando


incansavelmente, a garantia dos direitos fundamentais ali apregoados.

Após a leitura do texto, os alunos devem responder as seguintes questões:

1) Esclareça qual foi a contribuição de Schleiermacher para a hermenêutica.

2) Esclareça qual foi a contribuição de Dilthey para a hermenêutica.

3) Esclareça qual foi a contribuição de Heidegger para a hermenêutica.

4) Esclareça qual foi a contribuição de Gadamer para a hermenêutica.

5) O que é o círculo hermenêutico?

6) O que é positivismo e quais os fundamentos da hermenêutica pós-positivista?

7) Esclareça o que é hermenêutica constitucional.


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4. Ciência da Hermenêutica Jurídica, Teoria Geral da Hermenêutica e Sistema Jurídico.


4.1. Noções de Ordem Propedêutica, de Definibilidade, Terminológica e Objectual.
4.2. O Processo de Produção do Conhecimento Jurídico-Científico e a Hermenêutica
Jurídica.

4 - Ciência da Hermenêutica Jurídica, Teoria Geral da Hermenêutica e Sistema Jurídico.


4.1 - Noções de Ordem Propedêutica, de Definibilidade, Terminológica e Objectual9.
 

­ De acordo com Carlos Maximiliano: 

 A   Hermenêutica   Jurídica   tem   por   objetivo   o   estudo   e   a   sistematização   dos


processos   aplicáveis   para   determinar   o   sentido   e   o  alcance   das   expressões   do
Direito”.

 A hermenêutica descobre e fixa os princípios que regem a interpretação, podendo
ser designada como “[...] a teoria científica da arte de interpretar” .

 Então, o objeto da Hermenêutica seria interpretar (fala, escritos, leis – ou ainda
toda comunicação transmitida por qualquer meio).

­ Podemos concluir, consequentemente, que a Hermenêutica Jurídica é o ramo da Teoria da
Geral do Direito, destinado ao estudo e ao desenvolvimento  dos métodos  e princípios  da
atividade de interpretação. 

­ A finalidade da Hermenêutica Jurídica é:

 proporcionar bases racionais e seguras para a interpretação dos enunciados
normativos.

­   Dessa   forma,   a   Hermenêutica   Jurídica   busca   a  interpretação  e   o  entendimento  das


expressões e dos textos jurídico­normativos, seu sentido e seu valor".

 Com isso, a partir da Hermenêutica Jurídica, cria­se a possibilidade de que o Direito,
seja um Sistema Lógico Jurídico Interpretativo­Argumentativo. 

9
  Propedêutica: conjunto de ensinamentos introdutórios ou básicos de uma disciplina; ciência preliminar,
introdução.
Definibilidade: qualidade do que é definível.
Definibilidade terminológica: definição dos termos empregados na disciplina.
Definibilidade objectual: definição do objeto da disciplina.
Direito 35
Hermenêutica Jurídica
Profª Dra. Eliane Iunes Vieira.

 Portanto, possibilita que a Ciência do Direito tenha um sentido lógico ao qual podem
ser atribuídos valores. Ou seja, a Hermenêutica Jurídica proporciona a atribuição de
um significado aos textos jurídicos.

Por exemplo, a quais valores o texto legal procura dar proteção: à vida, à liberdade, à
família, à criança e ao adolescente, ao meio ambiente, às minorias, ao trabalho, ao
consumidor, aos credores do falido, ao devido processo legal, etc...?

­ Tendo em vista que o Direito é um sistema lógico jurídico interpretativo­argumentativo, é
importante conhecer, além da interpretação, o que é argumentação e o que é lógica.

­ Argumentação é o conjunto de ideias e fatos que constituem os argumentos que levam ao
convencimento ou conclusão de (algo ou alguém).

 Argumento é aquilo que constitui um assunto.

Argumento também pode ser: 

 o recurso para convencer alguém, para alterar­lhe a opinião
ou o comportamento; ou

 a prova que serve para afirmar ou negar um fato.

Além disso, argumento também é um dos elementos de uma oração em um
texto.
O Sujeito, o Objeto Direto e o Objeto indireto  são argumentos de uma
oração – cada um tem a sua função sintática. 
Os outros elementos da oração são: o predicado (verbais, nominais, verbo­
nominal) e os adjuntos adverbiais.

­ Ou seja,  para  saber  interpretar  (o  discurso ou  a  escrita)   é  necessário  conhecer   o que  é
argumentação e argumento.

­ Da mesma forma, para defender uma posição, seja verbalmente em um debate, em forma de
texto escrito em um processo ou em uma tese (acadêmica, técnica ou jurídica), é fundamental
conhecer o que é argumentação e argumento.
Direito 36
Hermenêutica Jurídica
Profª Dra. Eliane Iunes Vieira.

­ A Lógica é parte da Filosofia que trata das formas do pensamento em geral.

­ A Lógica examina as forma que a argumentação pode tomar e procura identificar o que é
válido e o que não é válido na argumentação.

­ Ou seja, pela lógica é possível analisar o que é verdadeiro na argumentação e o que é falso. 

­ Isso é fundamental, seja para interpretar (fala ou escrita) ou para defender uma posição em
um debate/tribunal/tese.

­ O primeiro trabalho relevante sobre a lógica foi sistematizado por Aristóteles. Aristóteles fez
o primeiro estudo formal do raciocínio.

A   lógica   estuda   e   sistematiza   a   argumentação   válida.   A   lógica   tornou­se   uma   disciplina


praticamente   autônoma   em   relação   à   filosofia,   graças   ao   seu   elevado   grau   de   precisão   e
tecnicismo. 
A   lógica   elementar   é   usada   como   instrumento   pela   filosofia,   para   garantir   a   validade   da
argumentação.
Com   base   na   lógica,   é   possível   determinar   o   que   é   verdadeiro   ou   não   em   determinado
argumento.
o  Ou seja, é com base na lógica que podemos avaliar se uma proposição válida
ou inválida, no interior de um argumento.
o Assim, por meio da lógica é possível determinar  a validade das operações
intelectuais (sejam elas verbais ou escritas).

­ A lógica utiliza métodos para analisar o pensamento e argumentação (tais como dedução10,

10
 O termo dedução se refere à demonstração lógica de uma determinada afirmação a partir de suposições já
estabelecidas. O procedimento dedutivo  parte de uma afirmação geral para chegar a uma afirmação
particular.   É   de   grande   importância   no   desenvolvimento   da   ciência,   uma   vez   que   constitui   um   dos
fundamentos do método científico.
O filósofo grego Aristóteles foi o primeiro em abordar a dedução como método.
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indução11, hipótese12, inferência13, falácia14, sofisma15 etc.).

­ A Lógica Jurídica é ligada à ideia que fazemos do Direito, e se adapta a ela. 
 Por essa razão,  uma reflexão sobre a evolução  do Direito depende do exame das
técnicas de raciocínio (Lógica Jurídica).

­ O Direito depende tanto da interpretação quanto da argumentação. Ou seja, o operador do
Direito precisa saber interpretar (fala e escrita) e argumentar para poder justificar a posição
que defende.
11
 Indução ou raciocínio indutivo é a demonstração lógica de determinada afirmação a partir da observação e 
casos particulares que podem ser generalizados até a criação de uma regra geral. Assim, na indução, a partir 
de casos particulares se observa certa regularidade e essa lógica permite extrair uma conclusão geral. Em 
outras palavras, observam­se fatos concretos de maneira detalhada e, posteriormente, propõe­se uma lei que 
explica a regularidade desses acontecimentos. O método indutivo é um método científico, desenvolvido a 
parit das contribuição do filósofo Francis Bacon (século XVII). 

12
 A hipótese significa uma suposição no que se diz respeito ao comportamento de algum evento, fato ou 
objeto.
O método científico consiste justamente na elaboração de uma hipótese que deve ser comprovada por uma 
pesquisa (através de uma experimentação). Uma hipótese aceita dentro do campo científico é aquela que foi 
formulada, testada pela experimentação e estas condições podem ser reproduzidas por outras pessoas.

13
Inferência é a operação intelectual por meio da qual a verdade de uma proposição pode ser afirmada em
decorrência de sua ligação com outras já reconhecidas como verdadeiras. Inferência também é operação que
consiste em efetuar generalizações tomando por base amostras estatísticas. 

14
Falácia (do verbo latino fallere, que significa enganar) é um raciocínio errado com aparência de verdadeiro.
De acordo com a lógica e a retórica, uma falácia é um argumento logicamente incoerente, sem fundamento,
inválido ou falho na tentativa de provar eficazmente o que alega. 
Muitas vezes, argumentos falsos que se destinam à persuasão podem parecer convincentes para grande
parte do público, porque contém falácias.
Reconhecer as falácias é por vezes difícil. Os argumentos falaciosos podem ter validade emocional,
íntima, psicológica, mas não validade lógica. É importante conhecer os tipos de falácia para evitar armadilhas
lógicas e para analisar a argumentação de terceiros.
Há diversas categorias de falácias, por exemplo: ambiguidade, preconceito, inversão de causa e efeito,
omissão   de   determinada   causa   (ou   fato)   ou   supervalorizar   determinada   causa   omitindo   outras   mais
importantes (omissão de causas complexas), distorção de fatos (omissão de dados), etc...  

15
Sofisma  é argumento ou  raciocínio concebido com o objetivo de produzir a ilusão da verdade, que,
embora   simule   um   acordo   com   as   regras   da   lógica,   apresenta,   na   realidade,   uma  estrutura   interna
inconsistente, incorreta e deliberadamente enganosa. 
Ou seja, é qualquer argumentação capciosa, concebida com a intenção de induzir em erro, o que supõe
má­fé por parte daquele que a apresenta
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Dessa   forma,   a   Hermenêutica   Jurídica   permite   aos   profissionais   do   Direito   utilizar


corretamente suas argumentações para:
 Denunciar;
 Defender;
 Recorrer; e
 Sentenciar.

4.2 - O Processo de Produção do Conhecimento Jurídico-Científico e a Hermenêutica


Jurídica.

­ A Hermenêutica tem por finalidade o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis
para determinar o sentido e o alcance das expressões do direito.

­ Ou seja, hermenêutica é a ciência que forma as regras e métodos para interpretação das
normas, permitindo que se conheça o seu sentido e alcance.

­ A sociedade está em constante evolução e, em razão disso, a cada dia, há necessidade de
regular novas relações jurídicas. 

­ Dessa forma, a evolução da ciência do direito é necessária, pois o Direito não pode ficar
estático enquanto a sociedade evolui. 

­ Em consequência,  fica evidente que o legislador não pode prever todas as situações  da


aplicabilidade de determinada lei que acabou de ser aprovada.

­ Nesse sentido, a Hermenêutica Jurídica é utilizada para permitir aos profissionais do Direito
alcançar, em qualquer tempo, o real sentido da norma jurídica.

 Da mesma forma que a sociedade muda com o tempo, a interpretação da lei também
se altera com o tempo. Por exemplo: O Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071/1916)
previa   que   o   casamento   poderia   ser   anulado,   a   requerimento   do   marido   se   esse
ignorasse que a sua noiva não fosse virgem (art. 220). 
No final do século passado, mesmo antes da sua revogação pela Lei nº 10.406/2002 (o
atual Código Civil), o Poder Judiciário passou a considerar o artigo inaplicável nesses
casos, em razão da evolução da sociedade e que o motivo não justificaria a anulação
do matrimônio.
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­ A constante busca pelo conhecimento e no intuito de aclará­lo no âmbito da ciência jurídica,
de acordo com Miguel Reale, torna “insustentável o propósito de uma teoria da interpretação
cega para o mundo dos valores e dos fins e, mais ainda, alheia ou indiferente à problemática
filosófica”.

­ O Direito deve acompanhar as transformações sociais e perceber os anseios da sociedade
atual. 

­ Além disso, nosso próprio ordenamento jurídico reconhece a necessidade da observância dos
clamores  sociais, como estabelece  o artigo  5º da Lei  de Introdução   à Normas  do Direito
Brasileiro   "Na   aplicação   da   lei,   o   juiz   atenderá   aos   fins   sociais   a   que   ela   se  dirige   e   às
exigências do bem comum.

­ Para a produção do processo de conhecimento jurídico­científico é necessário conhecer e
utilizar:
 Os métodos científicos; e 
 Os métodos Hermenêuticos.

­ Ou seja, a produção do conhecimento jurídico­científico pressupõe a necessária conjugação
da Metodologia Científica com a Hermenêutica Jurídica.

ANEXO

Ciência e Metodologia

Dessa forma, preliminarmente, é importante revisar alguns conceitos fundamentais sobre


ciência e metodologia científica.

É fundamental conhecer os processos lógicos para validar a argumentação e corretamente


interpretar (fala ou escrito). Isso só é possível se conhecermos:

 O que é metodologia científica;


 o que é ciência;
 o que é conhecimento científico; e
 o que é método.

- Vejamos, então, incialmente, as diferenças entre os vários tipos de conhecimento.

Sabemos que há diversos tipos de conhecimento: empírico, científico, o filosófico. Quais são
suas diferenças fundamentais?

 O conhecimento empírico diz respeito ao conhecimento popular. É o que aprendemos


Direito 40
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a partir da nossa interação e observação do mundo

o não há preocupação em refletir criticamente sobre o objeto em observação


o é adquirido por meio de simples deduções e sem provas concretas
o é um conhecimento falível e inexato. Porém, pode ser verificado, pois se trata
de coisas ligadas ao dia a dia.

Exemplo: Um pecuarista sem estudos sabe como lidar com o gado, porque
aprendeu observando seus pais. Aprendeu com os resultados anteriores.

 O conhecimento teológico, ou religioso, é o baseado na fé religiosa, acreditando que


ela detém a verdade absoluta.

o O conhecimento teológico, ou religioso, é baseado na fé religiosa. Assim,


acredita-se que a religião é a verdade absoluta e possui todas as explicações
para os mistérios que rondam a mente humana.
o Não cabe verificação científica para que determinada "verdade" seja aceita sob
a ótica do conhecimento religioso. Desse modo, o conhecimento teológico é
infalível e exato, pois se trata de uma verdade sobrenatural.
Exemplo: O mundo e os homens foram criados por Deus

 O conhecimento filosófico nasce a partir das reflexões que o ser humano faz sobre
questões subjetivas.

o O conhecimento filosófico é baseado na reflexão e construção de conceitos e


ideias, a partir do uso do raciocínio em busca do saber.
o O conhecimento filosófico surgiu a partir da capacidade do ser humano de
refletir sobre questões imateriais, conceitos e ideias.
o Como se trata de teorias que não podem ser testadas, não é verificável.
Portanto, é infalível e exata.
Exemplo: A divisão do mundo inteligível e sensível de acordo com Platão.

 O conhecimento científico compreende as informações e fatos que podem ser


comprovados por meio da ciência

o O conhecimento científico está relacionado com a lógica e o pensamento


crítico e analítico.
o É o conhecimento sobre fatos analisados e comprovados cientificamente, cuja
veracidade ou falsidade podem ser comprovadas.
o É racional e verificável, uma vez que provém de resultados científicos.
o É um conhecimento factual e está baseado em experiências comprovadas.
o É característica do conhecimento científico ser FALÍVEL e
APROXIMADAMENTE EXATO, pois novas ideias podem modificar teorias
antes aceitas.

Exemplo: A descoberta de nos tratamentos para doenças.


Direito 41
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No que se refere ao conhecimento científico, é importante ressaltar alguns conceitos


fundamentais.

 Ciência é o conhecimento crítico, gerado por meio da observação metódica, segundo


regras específicas.

 O que caracteriza a ciência é o método, a forma de observação.

o Ou seja, a observação feita de maneira metódica, segundo regras específicas,


acaba por gerar conhecimento que é a base da definição de Ciência.

 Em razão disso,

o Ciência é o conhecimento crítico, gerado por observação metódica, segundo


regras.

o Método Científico é o conjunto de procedimentos por meio dos quais são


atingidas as finalidades, os objetivos daquela ciência (provar determinada
teoria).

- Elementos constitutivos da investigação científica

 Em qualquer ciência há dois elementos fundamentais:


o o espírito científico e
o o método científico

- O espírito científico é caracterizado pela postura do pesquisador que deve ser livre de tudo
que seja subjetividade, de preconceitos, de posição preconcebida.

 Ou seja, o pesquisador deve ser um observador ISENTO.

 Não há fato ou posição social que não esteja sujeita a exame ou investigação
científica.

- Em razão do método científico, a ciência é:

 RACIONAL (sustentada pela razão, pela lógica) e

 SISTEMÁTICA (adota um sistema previsto em um método científico).

 Por isso, a CIÊNCIA É VERIFICÁVEL.

o Ou seja, todo trabalho científico (experiência científica – teoria científica)


pode ter seus resultados verificados por qualquer pessoa (qualquer
pesquisador pode repetir a experiência de outro, a partir dos mesmos dados,
utilizando o mesmo método científico, e deverá chegar ao mesmo resultado –
Direito 42
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ou seja, deverá ser capaz de provar a teoria científica).

o Por isso, o trabalho científico tem que ser documentado (os dados devem ser
guardados, arquivados ou, se pertencerem a terceiros, corretamente
referenciados – por exemplo, pelas normas da ABNT.

 Mas o conhecimento científico, com o tempo, pode ser superado por novas teorias ou
descobertas (fica ultrapassado).

o Portanto, toda ciência evolui com a sociedade (da mesma forma, a Ciência
Jurídica).

A pesquisa científica, em geral, envolve três etapas:

1) PROBLEMATIZAÇÃO

Primeiramente o pesquisador verifica a existência de um PROBLEMA a ser solucionado.

2) FORMULAÇÃO DE HIPÓTESE(s)

Para solucionar o problema proposto, o pesquisador enuncia hipóteses.

3) EXPERIMENTAÇÃO

É a verificação da viabilidade das hipóteses enunciadas como solução do problema proposto.

Os resultados da pesquisa (ou seja, suas conclusões) vão gerar conhecimento, leis, teorias

- Métodos Científicos

- Vejamos alguns métodos científicos:

A·Método Dedutivo, ou Aristotélico:

Dedução (deduction em latim) é o raciocínio que do geral ao particular, do todo às partes.


Parte das leis e teorias para os fenômenos particulares (conexão descendente).
É também chamado método analítico. O processo de dedução representa a análise de um fato
ou objeto (a decomposição em todos seus elementos – como, por exemplo, pode se conhecer o
funcionamento de uma máquina desmontando todas as suas peças).

Ex: partindo do conhecimento das leis da física passa-se a estudar determinado fenômeno
particular;

B·Método Indutivo:

Sistematizado pelo filósofo inglês Francis Bacon (1561 - 1626).


Direito 43
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Neste caso, o raciocínio vai de um caso particular para a generalização (para o todo, o
conjunto, geral).
É aquele cuja aproximação dos fenômenos caminha geralmente para planos cada vez mais
abrangentes (conexão ascendente).

O método indutivo ou baconiano é o método científico por excelência.

Ex: partindo da observação do comportamento de determinada ave migratória, inicia-se o


estudo do movimento migratório de toda uma espécie;

o Obs: embora o método dedutivo seja diferente do método indutivo, eles,


entretanto, não se contrapõem, pelo contrário são interdependentes.

Em qualquer Ciência podemos utilizar os dois métodos:


 Analisar = Decompor e
 Sintetizar = Compor, Reunir

Dessa forma, indução e dedução são, portanto, métodos de procedimento


científico, racionais e organizados.

C. Método Hipotético-Dedutivo:

É o método no qual é elaborada uma suposição geral sobre o funcionamento de um


determinado fenômeno. A partir daí, faz-se a dedução de algumas consequências ou efeitos.

Assim, por exemplo, se é verdade que a água muda de estado conforme a temperatura que se
encontra, deve-se deduzir que outros materiais podem sofrer o mesmo processo. Basicamente,
o método hipotético dedutivo consiste em dar uma explicação global de como ocorrem os
fenômenos e a deduzir seus efeitos.

Ou seja, partindo-se da percepção de que existe uma lacuna nos conhecimentos formula-se
uma hipótese. Então, pelo processo de dedução é feito um teste que verifica essa hipótese,
para então confirmá-la.

Ex.: A pesquisa sobre uma doença desconhecida, na qual se parte de uma hipótese que vai ser
testada à luz do conhecimento científico existente.

D· Método Dialético:

É o método que estuda os fenômenos através da sua ação recíproca. Ou seja, estuda fatos que
alteram a natureza (e a sociedade) que reage à mudança provocando outras mudanças.
Envolvem processos dinâmicos (como a política e a economia, por exemplo).

Ex: a economia é dinâmica, ela afeta a sociedade que reage e altera a situação anterior
gerando uma nova, que por sua vez provoca nova reação da sociedade, gerando fatos novos
que modificam aquela situação original - é próprio dos processos dinâmicos como os
econômicos e sociais.
Direito 44
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Profª Dra. Eliane Iunes Vieira.

Exemplo concreto: aumento de salário que provoca aumento de preços e que vai provocar
novo aumento de salário... (processo inflacionário).

- Pesquisa Científica:

É o procedimento racional e sistemático que tem o objetivo de fornecer respostas aos


problemas propostos.

A necessidade da pesquisa se apresenta quando não se dispõe de observação, ou esta é


insuficiente, ou ainda estão em estado de desordem.

- Tipos de Pesquisa:

A· Bibliográfica: as fontes são secundárias, com levantamento das publicações existentes,


como livros, revistas, publicações avulsas, vídeos, etc... (com a finalidade de entrar em
contato direto com tudo que já foi escrito sobre o objeto de estudo)
 Aqui se inclui a pesquisa jurisprudencial: pesquisa à jurisprudência dos tribunais.

B· Descritiva: são as que descrevem fenômenos, utilizando-se das técnicas de observação


direta, sociometria, etc...

C· Experimental: são as que utilizam de experimentos para verificação de hipóteses, como por
exemplo as empíricas, com trabalho de campo ou de laboratório.

- Tipos de Trabalhos Científicos

A) MONOGRAFIA

É uma dissertação escrita sobre um assunto específico.


De acordo com a sua destinação, poderá ter diferenciados níveis de aprofundamento.

Pode ter finalidade de:


o cumprir exigências do curso de graduação;
o pós-graduação em nível de mestrado (dissertação de mestrado);
o pós-graduação em nível de doutorado (tese de doutorado).

B - INFORME

O informe é muito utilizado no âmbito administrativo ou do judiciário.


O objetivo do informe é indicar ao leitor referências reais, concretas.
É essencialmente descritivo. Envolve fatos, circunstâncias, cifras.

C - ARTIGO CIENTÍFICO

É um trabalho científico de pequena extensão, contendo a apresentação de resultados de


pesquisa ou estudos.
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É destinado a jornais, revistas ou periódicos.

E - PAPER - comunicação científica

Trata de informações de pequena extensão.


Destina-se a apresentação em congressos, simpósios ou reuniões, versando sobre temas atuais
ou ainda comunicado de descoberta científica.

F - ENSAIO

Trata-se de uma exposição metódica dos estudos realizados e das conclusões originais após
exame detalhado do assunto.
Direito 46
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5. Análise Teórico-Conceptual e Historiográfico-Descritiva da Hermenêutica Jurídica.


5.1. O Direito Romano.
5.2. Os Glosadores e Pós-Glosadores.
5.3. A Escola da Exegese.
5.4. A Escola Histórica.
5.5. A Escola da Livre Investigação Científica.
5.6. A Escola do Direito Livre.
5.7. Jurisprudência dos Conceitos Versus Jurisprudência dos Interesses Versus
Jurisprudência dos Valores.

5. Análise Teórico-Conceptual e Historiográfico-Descritiva da Hermenêutica Jurídica.


5.1. O Direito Romano.

Nos treze séculos da história romana, do século VIII a.C. ao século VI d.C., assistimos,
naturalmente, a uma mudança contínua no caráter do direito, de acordo com a evolução da
civilização romana16, com as alterações políticas, econômicas e sociais, que a caracterizavam.

- Roma passou por importantes alterações políticas:

 No início havia reis. Do século Séc. VIII a.C. até 510 a.C., houve sete reis (período da
realeza).
 De 510 a. C. até 27 a.C, Roma se transformou em uma república (período da
república). Havia o Senado e a direção política era conduzida por dois Cônsules que
tinham atribuições administrativas, judiciárias e militares.
Os dois cônsules eleitos tinham poderes iguais, obedecendo a um revezamento (um
deles assumia em tempo de paz e o outro em tempo de guerra), tomando sempre as
decisões em conjunto e cada um tinha poder de veto sobre o outro.
 De 27 a. C. até o século VI d. C, Roma foi um império. Nesse período houve diversos
imperadores.
O primeiro imperador foi Otávio César Augusto, que era sobrinho-neto de Júlio
César17.

16
  A sociedade romana era dividida entre: 
• Patrícios ­ eram constituídos por uma aristocracia latifundiária, formada pelos descendentes diretos
dos fundadores de Roma.
• Plebeus ­ eram os que não pertenciam às famílias patrícias. 
Os plebeus foram chegando a Roma após a sua fundação. Eram pobres e quase não tinham 
direitos.
• Escravos ­ eram compostos por: 
 povos vencidos nas batalhas; e 
 pessoas que acabavam nessa condição porque não conseguiam pagar suas dívidas. 
Os escravos tinham qualquer direito, eram tratados como objetos (como coisa, res), 
podiam ser comprados e vendidos. Sofriam toda a sorte de abusos.

17
  Júlio Cesar era um Cônsul Romano que foi transformado em Ditador pelo Senado romano. Em Roma, o
cargo   de   Ditador   era   temporário.   Só   havia   ditadores   em   situações   especiais.   O   ditador   era   geralmente
nomeado em circunstâncias de perigo extraordinário, seja por inimigos estrangeiros ou revoltas internas.
Júlio César foi nomeado ditador romano em 46 a.C., em razão de uma guerra civil contra Pompeu. Em 44
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Foi no período do imperador Diocleciano (284 a 305 d. C) que o império romano foi
dividido em dois: Império Romano do Ocidente (com sede em Roma) e Império
Romano do Oriente (com sede em Bizâncio, que foi depois chamada de
Constantinopla e hoje é a cidade de Istambul – na Turquia)18.
Em 476 d.C. ocorreu a queda do Império Romano do Ocidente, após a invasão de
Roma pelos povos germânicos (bárbaros).
O último imperador desse período foi Justiniano (de 527 a 565 d.C.). É de sua autoria,
a obra legislativa conhecida como Corpus Juris Civilis (Corpo do Direito Civil), a
mais importante obra de codificação do Direito Romano.
Contudo, o Império Romano do Oriente ou Império Bizantino, perdurou até 1453,
quando foi tomado pelos turcos. O nome da cidade mudou de Constantinopla para
Istambul.

- Para o estudo do Direito Romano, dada a sua extensão e complexidade, é conveniente a


divisão didática em fases. Pode-se acompanhar a divisão histórica social e política (período da
realeza, período da república e período do império) ou a própria evolução do direito (período
arcaico, clássico e pós-clássico).
- Independentemente dessa divisão, é conveniente destacar que a grande obra legislativa
empreendida pelo imperador Justiniano – Corpus Juris Civil és – foi responsável pela
preservação do Direito Romano para a posteridade.

- O Corpus Juris Civiles é composto por diversos conjuntos de obras:


 Código – que corresponde a edição de uma compilação de diversas leis editadas em
Roma;
• Digesto (ou Pandectas) – que é composto por 50 livros que contém trechos
escolhidos de 2.000 livros de jurisconsultos clássicos romanos (com três milhões de
linhas);
• Institutas – que é um livro contendo um Manual de Direito para Estudantes; e
• Novelas – que é o conjunto de novas leis baixadas pelo imperador Justiniano19.

- Contudo, para efeito da nossa disciplina (Hermenêutica), é importante destacar o importante


trabalho desenvolvido por juristas em Roma.

- Inicialmente, em Roma, a interpretação das regras do direito antigo era tarefa importante
para a prática cotidiana da cidade e da vida das pessoas (pois as leis eram muito rígidas e até
mesmo crueis – por exemplo, quem não pagava suas dívidas poderia se tornar escravo do seu
credor). Originariamente, somente os sacerdotes conheciam as normas jurídicas. A eles
incumbia o poder de interpretá-las.

a.C., Júlio César foi nomeado ditador perpétuo (dictator perpetuus). Júlio César foi assassinado em março do
mesmo ano. Portanto, Júlio César nunca foi imperador.
Após a sua morte, seu herdeiro  Otávio César Augusto foi alçado ao poder e transformou-se no primeiro
imperador de Roma.
18
  A partir de 284 d. C, o Império Romano foi dividido, como forma de melhor administrar o poder em
Império  Romano do Ocidente,  tendo como capital  Roma, e Império Romano do Oriente,  com  Bizâncio
(posteriormente, Constantinopla) como capital. 

19
 . Justiniano publicou efetivamente um grande número de novas leis (Novellae Constitutiones). Essa coleção 
de novas leis editadas por Justiniano ficou conhecida como Novelas (Novellae).
Direito 48
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- A partir do fim do século IV a.C., esse tarefa deixou de ser monopólio dos sacerdotes,
podendo também ser feita por pessoas de notório saber jurídico (juristas ou
jurisconsultos).
Essas pessoas pertenciam a uma aristocracia intelectual, distinção essa devida aos seus dotes
de inteligência e aos seus conhecimentos técnicos e jurídicos.

- Os jurisconsultos emitiam pareceres jurídicos sobre questões práticas a eles apresentadas,


com o fim de instruir os interessados como agirem em juízo e orientar os leigos na realização
de negócios jurídicos. Esse jurisconsultos exerciam essa atividade gratuitamente, pela fama e,
evidentemente, para obter um destaque social, que os ajudava a galgar importantes cargos
públicos em Roma.

- Foi o imperador Augusto que, procurando utilizar o talento desses juristas, instituiu um
privilégio a determinadas pessoas de dar pareceres em seu nome.
Ou seja, essas pessoas poderiam dar um parecer em nome do príncipe.
Esse privilégio ficou conhecido como direito de resposta (ou jus respondendi ex auctoritate
principis = direito de resposta proveniente da autoridade do Príncipe).

- Os juristas (ou jurisconsultos) eram conhecidos também como “PRUDENTES”


(pudentium, cujo plural em latim é prudentia).

- Em razão disso, as “respostas dos jurisconsultos” também ficaram conhecidas como


“respostas dos prudentes” (responsa prudentia, ou também como interpretação dos
prudentes – juris prudentia).

- Observem que essa interpretação dos juristas (prudentes, ou jurisconsultos) consistia na


adaptação das regras jurídicas aos casos práticos que, cada vez mais, devido às novas
exigências, em razão do crescimento do império e da sofisticação dos problemas da vida,
comportava, também, a criação de novas normas.

Notem que, modernamente, jurisprudência tem sentido diferente. Significa a maneira


uniforme pela qual os tribunais interpretam e aplicam normas jurídicas.

- No sentido atribuído originalmente pelo direito romano, jurisprudência é a atividade dos


jurisconsultos (o exercício do direito de responder em nome do Príncipe).

Nas Institutas do Imperador Justiniano, consta que “jurisprudência é a o conhecimento das


coisas divinas e humanas, a ciência do justo e do injusto” (no estudo do direito romano,
jurisprudência tem esse sentido).

- Esse destacado trabalho dos jurisconsultos romanos (juristas) constitui importante tarefa
hermenêutica, visto que consistia na adaptação das regras jurídicas aos casos práticos da vida
dos cidadãos romanos que, cada vez mais, devido às novas exigências, em razão do
crescimento e sofisticação do império, comportava, também, a criação de novas normas.

- Esse trabalho dos juristas foi compilado pelo imperador Justiniano e constitui o Digesto
(com 50 livros) e é parte importante do Corpus Juris Civiles.
Direito 49
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5.2. Os Glosadores e Pós-Glosadores.

Introdução

Na Idade Média, começaram a surgir na Europa as Universidades (no contexto do movimento


chamado Renascimento).

As primeiras universidades da Europa foram fundadas na Itália e na França para o estudo de


direito, medicina e teologia. A primeira Universidade europeia foi a Universidade de Bolonha,
na Itália, em 1088.

- Foi a partir da Universidade de Bolonha que se iniciou o estudo teórico da ciência jurídica.
No contexto do movimento cultural chamado renascimento (valorização da cultura clássica
grega e romana), renasceu o interesse pelo estudo do Direito Romano.

- Dessa forma, a partir do estudo do Corpus Juris Civiles, a influência do Direito Romano
chegou a maioria dos países europeus.

- Assim, a ciência do direito baseada no estudo dos textos romanos, mais especialmente os da
compilação realizada pelo Imperador Justiniano (Corpus Juris Civil és), surgiu como
importante instrumento de uniformização de conceitos e instituições de direito.

- Esse direito erudito apresentava diversas vantagens em comparação aos direitos locais
adotados na sociedade medieval20:

a) era escrito;

b) era comum aos mestres das universidades;

c) era mais completo, portanto pôde desempenhar importante função supletiva, de


preencher as numerosas lacunas dos costumes locais e de inspirar os futuros reis
legisladores; e

d) era mais complexo e harmônico, podendo atender a necessidades, presentes e futuras,


20
  Na idade média o regime era feudal no qual o poder era do nobre dono da terra. No feudalismo havia o
sistema de colonato, um sistema jurídico no qual o colono era obrigado a se fixar na terra, sob a tutela do
proprietário. Esse processo dá origem à servidão do colono ao senhor feudal (dono da terra). O senhor feudal
administrava a justiça. Por sua vez, a Igreja Católica impunha severa obediência as suas doutrinas. Qualquer
desrespeito às doutrinas sagradas era passível de excomunhão. Havia também os tribunais de inquisição que
aplicavam severa penas aos hereges. As penas variavam desde confisco de bens e perda de liberdade até a
pena de morte, muitas vezes na fogueira, método que se tornou famoso, embora existissem outras formas de
aplicar a pena. Adotava­se inclusive a tortura para conseguir confissões ou delações. 
Direito 50
Hermenêutica Jurídica
Profª Dra. Eliane Iunes Vieira.

de um progresso econômico e social.

- O grau de romanização (influência do Direito Romano) variou de país para país. Foi maior
na Itália, Península Ibérica (Portugal e Espanha) e Alemanha. Foi menor na França, pequeno
nos países escandinavos (Noruega, Suécia, Dinamarca, Finlândia e Islândia) e bálticos (região
nordeste da Europa, onde estão localizados atualmente a Estônia, Letônia e Lituânia). Foi
quase nulo na Inglaterra, onde se desenvolveu a Common law21.

- São elementos comuns do Direito Romano presentes até hoje:

a) terminologia comum dos principais institutos (propriedade, contratos, sucessão, obrigações,


etc.);

b) reconhecimento da lei abstrata e geral como norteadora das decisões em cada caso
concreto;

c) concepção de que o direito deve ser justo e razoável;

d) raciocínio jurídico dedutivo em que a lei (fonte preponderante do direito) e a doutrina (que
permite desenvolver o próprio raciocínio) são os instrumentos para a resolução dos litígios.

- Dessa forma, o renascimento do direito romano permitiu a transformação de sistemas


jurídicos da Idade Média, em geral, considerados irracionais (e quase sempre cruéis), em um
organizado e racional sistema jurídico, baseado na consolidada tradição de jurídica romana.

- As condições políticas para o ressurgimento do direito romano, nas emergentes nações


europeias, se devem à adoção de uma economia capitalista baseada na liberdade dos agentes
econômicos em contratar e na livre disposição de seus bens, além de um poder político
centralizado (na figura do rei).

- Com a adoção do direito romano na era Moderna22, surgiu também uma classe de
profissionais do direito, fruto do processo de racionalização das técnicas jurídicas que libertou
21
  Common law (do inglês "direito comum") é o direito que se desenvolveu em certos países por meio das
decisões dos tribunais, e não mediante atos legislativos ou executivos. Constitui portanto um sistema de
direito, diferente do romano-germânico, que enfatiza os atos legislativos (leis).
Nos sistemas de common law, o direito é criado ou aperfeiçoado pelos juízes: uma decisão a ser tomada num
caso depende das decisões adotadas para casos anteriores (precedente) e afeta o direito a ser aplicado a casos
futuros. Nesse sistema, quando não existe um precedente, os juízes possuem a autoridade para criar o direito,
estabelecendo um precedente.
O conjunto de precedentes é chamado de common law e vincula todas as decisões futuras. Os sistemas
de common law foram adotados por diversos países do mundo, especialmente aqueles que herdaram da
Inglaterra o seu sistema jurídico, como o Reino Unido, a maior parte dos Estados Unidos e do Canadá e as
ex-colônias do Império Britânico.
22
São marcos do início da Idade Moderna a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453 e com início
das grandes navegações que levaram ao descobrimento da América e a colonização do novo continente.
Direito 51
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o direito da religião.

5.2. Os Glosadores e Pós-Glosadores.

A) Escola dos Glosadores

- Um século após a criação da Universidade de Bolonha (fundada em 1088), surge, no âmbito


do curso de Direito, o movimento denominado “Escola dos Glosadores”, ou simplesmente,
“Escola de Bolonha”.

Essa escola representa uma corrente de pensamento jurídico que se propunha a interpretar e
comentar o Corpus Juris Civilis, oferecendo, assim, esclarecimentos do seu sentido, com
vistas a atingir sua compreensão e posterior aplicação.

O nome de glosadores provém do método de ensino utilizado. O professor, após a leitura dos
textos de Direito Romano, interpretava-os por meio de uma frase que era chamada glosa.
Muitas vezes, o professor fazia também um resumo, chamado summa.

Os glosadores examinavam o texto legal sob o ponto de vista gramatical, analisando as


palavras e as frases de forma isolada do seu contexto e indiferente às modificações históricas.

- O método dos glosadores era a explicação breve de uma passagem obscura ou problemática
do Corpus Iuris Civilis.

- Esse método era conhecido como GLOSA. Daí provém o termo Escola dos Glosadores.

- Ou seja, a glosa correspondia à explicação de uma parte do texto do Direito Romano


(em geral do Digesto (com 50 volumes) – que é parte do Corpus Juris Civiles).

O texto era analisado literalmente, pelo sentido das palavras, uma após a outra. Logo após, o
professor escrevia seus comentários entre as linhas do texto original do Direito Romano
(glosa interlinear) ou nas suas margens (glosa marginal).

Com o passar do tempo, em razão do aumento do número de glosas, estas foram


transformadas em textos contínuos que receberam o nome de apparatus.

B – O Pós- Glosadores

- Os pós-glosadores, também conhecidos como comentadores, tornaram-se nos grandes


conselheiros dos príncipes e de pessoas de alto poder aquisitivo (aristocratas) da Europa.

- Os comentadores passam a interpretar o Direito, emitindo opiniões e pareceres, e, com isso,


ajudam a dar mais um passo na unificação e na harmonização dos direitos das diversas
localidades.

- Os comentadores conciliam direitos locais entre si, com base no direito romano erudito e
Direito 52
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acadêmico.

- Eles tornaram possível a transição do direito baseado na tradição feudal (da idade média)
para as novas tendências da vida europeia (idade moderna): o comércio, a monetarização da
vida (com o uso do dinheiro) e o direito das obrigações (por meio de contratos).
5.3. A Escola da Exegese.
5.4. A Escola Histórica.
5.5. A Escola da Livre Investigação Científica.
5.6. A Escola do Direito Livre.

­   A   matéria   já   foi   abordada   no   texto   ­  Principais Escolas de Interpretação Jurídica,


constante do Anexo 1 (págs. 11­17).

­ A Escola da Exegese 
 Surgiu   no   século   XIX,   tendo   como     principais   defensores:   Proudhon,   Melville,
Blondeau, Bugnet, Delvincourt, Huc, Aubry e Rau, Laurent, Marcadé, Demolombe,
Troplong, Pothier, entre outros.
 Para a Escola da Exegese o papel do jurista era ater­se ao texto da lei e revelar seu
sentido. 

­ A Escola Histórica


 Surgiu no século XIX e o seu maior representante foi Friedrich Carl Savigny. 
 Para Savigny a lei nasce obedecendo certos ditames e determinadas aspirações sociais
mas não pode ficar engessada e restrita às suas fontes originárias, devem se modificar
conforme a sociedade. Ou seja, a interpretação deve evoluir e se atualizar de acordo
com a evolução da sociedade.

­ A Escola da Livre Investigação Científica


 François Geny foi o grande representante da Escola da Livre Iniciação Científica.
 Para a Escola da Livre Investigação Científica, o juiz não fica vinculado ao texto da
lei, ele deve tentar compreender a vontade do legislador.
 A função social do Direito deve ser realizada além da lei para suprir­lhe as lacunas,
mas sem ser contrário à lei. 

­ Escola do Direito Livre


 Escola do Direito Livre, da Alemanha, tem como seu defensor mais conhecido
Hermann Kantorowicz.
 Para esta escola o Juiz deve sempre buscar a justiça. Este deve ser o seu compromisso
frente à sociedade, mesmo que para isso tenha que ignorar a lei.
 Segundo essa escola, o juiz deve analisar cada caso concreto e levando em
consideração o seu próprio senso de justiça tomar uma decisão, pois, o direito da
sociedade deve prevalecer frente ao direito legislado.
Direito 53
Hermenêutica Jurídica
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 Pode-se dizer que esta Escola admite o julgamento contra a lei se o magistrado
entender que vislumbrando o caso concreto o legislador também agiria de outra forma.
Além disso, defende que o Direito é lacunoso desde sua criação e para suprir este
problema o juiz deve decidir com liberdade.

5.7. Jurisprudência dos Conceitos Versus Jurisprudência dos Interesses Versus


Jurisprudência dos Valores.

­ Jurisprudência de conceitos 
 É decorrente do positivismo jurídico.
 É considerada uma subcorrente do positivismo.
 Defende que a norma escrita deve refletir conceitos, quando de sua interpretação.
 Características principais: 
 o formalismo, com a busca do direito na lei escrita;
 a sistematização; e
 a busca de justificação da norma específica com base na mais geral (ou
seja, o direito deveria ter base no processo legislativo, mas deveria ser
justificado por uma ideia mais abrangente ligada a um sentido social).

­ Jurisprudência dos Interesses


 É considerada uma segunda subcorrente do positivismo
 Na jurisprudência dos interesses, interpreta-se a norma, basicamente, tendo em vista as
finalidades às quais esta se destina. Ou seja, entre um conflito de interesses devem
prevalecer os interesses necessários manutenção da vida em sociedade. Assim entre o
interesse individual e o coletivo, deve prevalecer o coletivo.

­ Jurisprudência dos Valores


 Jurisprudência dos valores ou jurisprudência dos princípios ­ esta escola representa
para a evolução do direito um passo na superação das contradições do positivismo
jurídico. 
 É considerada uma segunda subcorrente do positivismo.
 Por isso, é considerada por alguns como semelhante à escola do pós­positivismo. 
 A jurisprudência dos valores estabelece uma divisão entre regras e princípios. 
 Para essa escola há normas jurídicas que representam regras e outras normas jurídicas
que representam princípios.
 As normas jurídicas que representam regras estabelecem direitos e deveres. Em caso
Direito 54
Hermenêutica Jurídica
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de descumprimento é estabelecida uma sanção. 

o Ex: art. 121 do Código Penal Matar alguém. Pena ­ reclusão, de seis a vinte
anos. 
Ou seja, é uma regra que estabelece o direito que as pessoas têm de não serem
mortas   (direito   de   permanecer   vivo)   e   o   dever   de   não   matar.   Em   caso   de
descumprimento, há a sanção que é a pena de reclusão de 6 a 20 anos.

 As   normas   jurídicas   que   representam   princípios   remetem   a   valores.   Por   exemplo,


vejamos alguns incisos do art. 5º da CF/1988: 

o todos são iguais perante a lei (caput do art. 5º ­ princípio da igualdade);
o ninguém   será   obrigado   a   fazer   ou   deixar   de   fazer   alguma   coisa   senão   em
virtude de lei (art. 5º, II, princípio da legalidade);
o é   livre   o   exercício   de   qualquer   trabalho,   ofício   ou   profissão,   atendidas   as
qualificações profissionais que a lei estabelecer (art. 5º, XIII, princípio do livre
exercício profissional);
o é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,
quando   necessário   ao   exercício   profissional   (art.   5º,   XIV,   princípio   da
liberdade de informação);
o ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente
(art. 5º III, princípio do juiz natural);
o ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal (art. 5º, LIV, princípio do devido processo legal);
o aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral
são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes (art. 5º, LV, princípio da ampla defesa e do contraditório).

 Assim, havendo conflito entre normas jurídicas é importante destacar:
o quando existe um conflito entre regras, aplica­se a mais adequada (estes casos
envolvem hierarquia de normas que é um tema a ser estudado em Controle de
Constitucionalidade). 
o No tocante aos princípios, quando há um conflito entre os mesmos, a solução é
ponderá­los. 
 Por exemplo: qual princípio é mais importante, o direito à vida
ou à liberdade?
Ou   seja,   a   família   pode   impedir   um   tratamento   de   um   filho
menor alegando liberdade religiosa? E se a falta do tratamento
vier a causar a morte da criança?
Direito 55
Hermenêutica Jurídica
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O juiz pode decidir mandar fazer o tratamento, uma vez que o
direito   à   vida   é   mais   importante   que   o   direito   à   liberdade
religiosa (a vida é mais importante que a liberdade).
Vale frisar que, neste caso, um princípio não deixa de existir, ou
seja,  ele  não  some  do ordenamento  jurídico.   Há apenas  uma
ponderação entre os princípios em conflitos.

- A escola do positivismo jurídico teve três fases:

 a jurisprudência dos conceitos;


 a jurisprudência dos interesses; e
 a jurisprudência dos valores.

6. Metodologia da Ciência da Hermenêutica Jurídica.


6.1. A Problemática da Indiscernibilidade Conceitual: Hermenêutica/ Interpretação/
Integração/ Aplicação do Fenômeno Jurídico.
6.2. Principiologia da Hermenêutica Jurídica.
6.3. Metodologia Dogmática da Hermenêutica Jurídica.
6.4. Metodologia Zetética da Hermenêutica Jurídica.

6.1. A Problemática da Indiscernibilidade Conceitual:


Hermenêutica/ Interpretação/ Integração/ Aplicação do Fenômeno Jurídico.

- Hermenêutica e interpretação

 A interpretação tem caráter concreto.

 A hermenêutica tem caráter abstrato.

 A interpretação é a aplicação da hermenêutica.

 A hermenêutica é a ciência que fixa os princípios e os métodos que regem a


Direito 56
Hermenêutica Jurídica
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interpretação.

 A interpretação somente se dá no caso concreto a ser analisado.

 Assim a hermética jurídica fornece os métodos e princípios que devem ser


adotados para que o operador do Direito busque a solução que atenda aos interesses da
sociedade.

 Lacuna da lei é a inexistência de uma norma jurídica aplicável a um caso concreto.

o Ou seja, é um vazio legal sobre determinado evento. Ex: casamento


homossexual.
o A lacuna caracteriza-se quando a lei é omissa ou falha em relação a
determinado caso.
Ou seja, revela que o sistema normativo não se aplica a todos os fatos da vida
social (logicamente, no momento da criação da lei, é impossível prever todos
os fatos e a evolução da sociedade).
o A constatação da existência da lacuna ocorre no momento em que o aplicador
do direito vai exercer a sua atividade e não encontra no corpo das leis um
preceito que solucione o caso concreto (ou seja, não há um dispositivo legal
que se aplique a determinado caso concreto). Neste instante, constata-se a
existência de uma lacuna.
o Assim, quando o juiz não consegue descobrir uma norma jurídica para decidir
determinado caso, deve servir-se de outros meios para a solucioná-lo, uma vez
que todo caso concreto posto à apreciação do Judiciário não pode deixar de ser
apreciado e resolvido.
o O procedimento para preenchimento de lacunas da lei é conhecido como
Integração.
6.2. Principiologia da Hermenêutica Jurídica.

- Princípio significa começo, fonte, origem, nascente, nascedouro.

- No Direito, os princípios são normas jurídicas que:

 tem a finalidade de apontar ideais a serem perseguidos pelas pessoas e pela


sociedade;

 não descrevem condutas específicas para atingir esse ideal (não detalha o caminho a
forma);

 não estabelecem punição específica a quem não os cumpre.

o Ex de princípios: todos são iguais perante a lei; a todos é assegurado o direito à


informação; ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente; ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal; etc...

- Os princípios, em resumo, buscam o atingimento de situações ideais. Por isso, os princípios


Direito 57
Hermenêutica Jurídica
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têm alto valor normativo.

 Ou seja, os princípios têm valor superior às normas que estabelecem


regras23.

 Como resultado prático, se houver um conflito entre princípios e normas que


estabelecem determinada regra, deve prevalecer o princípio.

o Por exemplo:

 Existe uma norma (regra) que estabelece pena para o crime de roubo
(Do Código Penal - CP [decreto-lei 2848, de 1940]:

Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante
grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer
meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. [...]).

Existe o Princípio do Devido Processo Legal: “ninguém será privado da


liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV,
princípio do devido processo legal).

Assim, se uma pessoa praticou o crime de roubo, ela só pode ser


condenada à pena de prisão estabelecida no art. 157 do CP depois do
DEVIDO PROCESSO LEGAL (é um princípio que deve ser
observado).

Portanto, se, por algum motivo, o processo judicial for considerado


ilegal, não pode ser aplicada a pena estabelecida na regra (reclusão, de
quatro a dez anos).

6.3. Metodologia Dogmática da Hermenêutica Jurídica.

- Doutrina:

- Significado de Doutrina:
 O termo doutrina provém do latim doctrina (doctrinae), que
deriva do verbo docére (ensinar).

 Conjunto coerente de ideias fundamentais a serem transmitidas


ou ensinadas. Conjunto de conhecimentos possuídos; ciência,
erudição, saber.

- Doutrina jurídica:

 Conjunto de ideias, opiniões, conceitos que os autores expõem e

23
 As normas que estabelecem regras estipulam uma punição (pena) para quem as descumpre.
Direito 58
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defendem no estudo e no ensino do direito, os quais servem de


sustentação para teorias e interpretações da ciência jurídica;
norma interpretativa que a jurisprudência tende a seguir na
aplicação de uma lei.

 Ou seja, é o conjunto de ideias/opiniões/conceitos defendidos


por determinado(s) autor(es) em matéria de direito.

 É a opinião de certos juristas (autores estudiosos em direito 24)


que é respeitada e consolidada no tempo.

- A Doutrina Jurídica é considerada uma importante FONTE DO DIREITO, em razão de sua


importância/da qualidade/do reconhecimento do trabalho de grandes juristas.

- Conceito de Dogmática: é exposição intelectual e sistemática dos dogmas e/ou doutrinas.

- Dogmática jurídica: é parte da ciência jurídica que critica e classifica os princípios que
constituíram a fonte do direito positivo de determinado país.

 A dogmática jurídica é o método de observar, de analisar e de


atuar perante o Direito segundo orientações por casos concretos
ocorridos anteriormente.
O estudo desses casos anteriores, em geral, foram realizados por
juristas (estudiosos do Direito) em diversos trabalhos
(livros/obras publicadas/ pareceres, etc) ou por tribunais
(jurisprudência).

 A dogmática jurídica, uma vez que está baseada em estudos de


casos concreto, indica ao operador do Direito possíveis soluções
para determinado conflito semelhante a outro que já foi
estudado/resolvido (pela doutrina ou pela jurisprudência dos
tribunais).

Com isso, a dogmática jurídica orienta a ação para solução de


problemas jurídicos.

Por essa razão, nas petições os advogados (e o Ministério


Público) usualmente indicam a posição da doutrina (citação de
obras de importantes autores) e da jurisprudência (decisão de
tribunais) sobre determinado tema/posição que estão

24
  Em   cada   ramo   do   Direito   (Constitucional,   Civil,   Penal,   do   Trabalho,   Processual,   Administrativo,
Tributário, Ambiental, etc...) há autores que são reconhecidos como grandes juristas. Em razão disso, suas
obras são referências para o estudo das diversas disciplinas. 
Dessa forma, as ideias/opiniões/conceitos por eles defendidos são considerados pelos operadores do direito
como base para o entendimento dessas disciplinas. Por isso, todo programa de curso contém uma indicação
bibliográfica com os principais autores. 
Direito 59
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defendendo.

Portanto, a dogmática jurídica (estudo/posição doutrinária ou


jurisprudencial sobre determinado assunto/tema) é uma
importante base (FONTE) para a solução de
questões/controvérsias/problemas jurídicos.

6.4. Metodologia Zetética da Hermenêutica Jurídica.

- Zetética: é a metodologia investigativa, indagatória, voltada para a resolução de problemas


teóricos.

- A palavra zetética possui sua origem no grego zetein que significa perquirir (indagar, efetuar
investigação cuidadosa; inquirir de maneira minuciosa).

- A Teoria Zetética do Direito pode ser entendida como oposição à Teoria Dogmática do
Direito (na qual determinados conceitos e fatos são simplesmente aceitos como dogmas).

- Em oposição à dogmática, a zetética coloca o questionamento como posição fundamental.


 Ou seja,
o qualquer posição já adotada sobre determinado tema (paradigma) pode ser
investigado e indagado;
o qualquer premissa tida como certa pela dogmática pode ser reavaliada, alterada
e até desconstituída pelo ponto de vista zetético.

- Distinção entre as teorias dogmática e zetética:

 enquanto a visão dogmática busca a formação de opiniões, a zetética procura se


relacionar com a investigação e com a desconstrução de preconceitos (dissolução), por
meio do questionamento, das opiniões já formadas.

- A teoria zetética extrapola as fontes usualmente reconhecidas do direito, tais como as leis, e
a jurisprudência, utilizando fontes secundárias como a Sociologia, a História, a Geopolítica,
etc.
 Em razão disso, muitos consideram esta visão como mais ampla e completa do que as
teorias tradicionais.

- A teoria zetética do Direito tem como fundamento:


 o questionamento de pressupostos,
 a dúvida,
 o processo de fundamentação, justificação e questionamento, promovendo a quebra de
dogmas.

A teoria zetética representa a dissolução das opiniões, a especulação explícita e infinita.


Preocupa-se com o questionamento dos significados e as ideias preconcebidas.

Ou seja, a teoria zetética procura questionar o que está estabelecido e, a partir de


Direito 60
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fundamentação sólida, criar novas interpretações e soluções para os crescentes problemas que
a sociedade enfrenta.
Direito 61
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7. A Ciência da Hermenêutica Jurídica e o seu Estatuto Teórico Contemporâneo.


7.1. As Teorias da Retórica.
7.2. As Teorias da Tópica.
7.3. As Teorias da Lógica.
7.4. As Teorias da Argumentação.
7.5. As Perspectivas da Racionalidade Jurídica Contemporânea: O Exemplo da
Hermenêutica Constitucional

7.1. As Teorias da Retórica

- Retórica (do latim rhetorica, é uma palavra de origem grega rhêtorikê) que significa a
arte/técnica de bem falar (provem do substantivo rhêtôr – que significa orador). Ou seja, é a
arte de usar uma linguagem para comunicar de forma eficaz e persuasiva.

- Na Grécia antiga, o poder da persuasão, por meio da linguagem, foi muito valorizado.
 A Retórica foi popularizada, na Grécia antiga, a partir do século V a. C., por mestres
peripatéticos (professores itinerantes25). Esses mestres ficaram conhecidos como
"sofistas"26. Os mais conhecidos destes foram Protágoras (481-420 A.C.), Górgias
(483-376 A.C.), e Isócrates (436-338 A.C.).

 Os sofistas se compunham de grupos de mestres que viajavam de cidade em cidade


realizando aparições públicas (discursos, etc.) para atrair estudantes, de quem
cobravam taxas para oferecer-lhes educação. O foco central de seus ensinamentos
concentrava-se no “logos” ou discurso, com foco em estratégias de argumentação. Os
mestres sofistas alegavam que podiam “melhorar” seus discípulos, ou, em outras
palavras, que a “virtude” seria passível de ser ensinada.

 Tísias27 (sofista grego), por exemplo, é tido como autor de diversas defesas jurídicas
defendidas por outras personalidades gregas.

25
  O mestres peripatéticos ensinavam de cidade em cidade. Eram chamados de sofistas.

26
  Os sofistas eram muito criticados pelos filósofos gregos: 
 Primeiro, porque os sofistas cobravam para ensinar (os filósofos não cobravam para ensinar aos seus
discípulos e consideravam inconcebível a comercialização do saber). 
 Segundo, porque os filósofos entendiam que os sofistas não buscavam a verdade (ao contrário dos
filósofos),   porque,   segundo   seu   entendimento,  os   sofistas   buscavam   apenas   convencer  (sair
vencedores em uma discussão, disputa judicial, etc...). 
Assim, comiseravam que os sofistas pertenciam a uma categoria bastante inferior aos filósofos (que amavam
o saber – philo: amor, sofia: saber).
Em razão disso, surgiu o termo sofisma que quer dizer: argumento ou raciocínio concebido com o objetivo de
produzir a ilusão da verdade, que, embora simule um acordo com as regras da lógica, apresenta, na realidade,
uma   estrutura   interna   inconsistente,   incorreta   e   deliberadamente   enganosa.   Ou   ainda,   argumentação   que
aparenta verossimilhança ou veridicidade, mas que comete incorreções lógicas.

27
  Tísias foi considerado, juntamente com Córax, o primeiro a ensinar, de modo profissional, a arte de 
falar em público. Eles não eram considerados filósofos, mas sofistas.
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- O grande filósofo Aristóteles (384-322 a.C.) desenvolveu um tratado a retórica, que ainda é
alvo de estudo cuidadoso.
 Aristóteles afirma que "a retórica é a contraparte da dialética28".
Assim, enquanto os métodos dialéticos são necessários para encontrar a verdade em
questões teóricas, métodos retóricos são necessários em assuntos práticos, tais como a
defesa da culpa ou inocência de alguém, quando acusado perante a lei ou para decidir
um curso de ação prudente a ser tomado por uma assembleia deliberativa. Meios de
persuasão.
 Segundo Aristóteles a persuasão "é uma espécie de demonstração, pois certamente
ficamos completamente persuadidos quando consideramos que algo nos foi
demonstrado".
 Aristóteles identificou três classes de meios de persuasão (apelos à audiência):

o ethos,
o pathos e
o logos.

 Ethos: é a forma como o orador convence o público de que está


qualificado para falar sobre o assunto, como o seu caráter ou autoridade
podem influenciar a audiência.
Está ligado à credibilidade do orador (as credenciais pessoais, ao
currículo, à fama).
 Pathos: é o uso de  apelos emocionais  para alterar o julgamento do
público. 

É   realizado   por   meio   de   figuras   de   retórica,   da   analogia,   da


amplificação, da exemplificação, ao contar uma história ou apresentar o
tema de uma forma que evoca fortes emoções na plateia.
 Logos: é o uso da razão e do raciocínio lógico (indutivo ou dedutivo),
para a construção de um argumento. 
Os apelos ao “logos”  ocorrem com o uso da  objetividade, estatística,
matemática e da lógica para tirar conclusões29.

28
  Dialética é um método de diálogo cujo foco é a contraposição e contradição de ideias que levam a
outras ideias e que tem sido um tema central na filosofia ocidental e oriental desde os tempos antigos. A
tradução literal de dialética significa "caminho entre as ideias".
É a arte de, no diálogo, demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir
claramente os conceitos envolvidos na discussão. Também conhecida como a arte da palavra.
Aristóteles considerava Zenão de Eleia (490­430 a.C.) o fundador da dialética. Outros consideraram Sócrates 
(469­399 a.C).
Dialética   é   a   oposição,   o   conflito   originado   pela   contradição   entre   princípios   teóricos   ou   fenômenos
empíricos.
29
  Os argumentos logicamente inconsistentes ou enganadores são chamados de falácias.
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- Em Roma destaca-se a obra de Quintiliano30 (35 - 95) que compilou os aspectos técnicos da
arte na obra Institutos de Oratória.
 A partir do Império Romano, passou a haver uma distinção entre retórica e oratória. A
retórica era composta de técnicas de contestação (persuasão) e a oratória visava à
eloquência.
- No Brasil, oratória ainda se refere a busca da beleza na fala (estilo), enquanto retórica é
definida como a arte da persuasão.

7.2. As Teorias da Tópica.

- A tópica é uma parte da retórica conceituada por Theodor Viehweg 31 como uma “técnica de
pensar problemas32”.

 Ou seja, é um estilo de pensamento, uma técnica de interpretação do direito cuja


finalidade é indicar meios de como se agir diante de problemas, buscando sempre
encontrar uma solução justa para qualquer caso.

 A teoria tópica tem como foco de atenção o problema jurídico e não nas normas
aplicáveis33.
30
  Marco Fábio Quintiliano foi um orador e professor de retórica de Roma.

31
  Theodor Viehweg (1907­1988) nasceu na Alemanha e estudou direito e filosofia. É considerado um dos
principais nomes da Filosofia do Direito no século XX.
A tópica jurídica surge através da obra de Theodor Viehweg, sobretudo com a publicação de  Topik und
Jurisprudenz, em 1953. 
Resgatando ensino que remonta a Aristóteles, Viehweg defendeu que o pensamento jurídico é tópico, o que
revolucionou a discussão acerca da metodologia do direito à época.
Trata­se   de   uma   contraposição   ao   formalismo   jurídico,   cujo   exemplo   mais   conhecido   é   o   positivismo
legalista esboçado pela Escola da Exegese, na França. 
Entretanto, embora se oponha ao positivismo formalista, não debanda para o jusnaturalismo, nem rechaça
radicalmente a sistemática, a metódica e a normatividade do direito.
Conforme   salienta   Paulo   Bonavides,   “a   tópica   tem   que   ser   compreendida   portanto   no   quadro   das
consequências advindas da reação ao positivismo jurídico clássico e no clima de inteira descrença quanto a
uma reestruturação jusnaturalista, como a que se intentou na Alemanha no fim da década de 40, após as
feridas   abertas   na   consciência   do   Ocidente   pela   tragédia   da   Segunda   Grande   Guerra   Mundial”
(BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 497).

32
  O problema, para Vienhweg, é  "toda questão que aparentemente permita mais de uma resposta e que 
requer necessariamente um entendimento preliminar, de acordo com o qual toma o aspecto de questão que se 
deve levar a sério e para a qual há que buscar uma resposta como solução”.

33
  Os que defendem a teoria tópica destacam que o nazismo e o fascismo se desenvolveram respeitando as
leis locais (da Alemanha e Itália). 
Dessa forma, entendem que o simples cumprimento das normas, por si só, não mais proporciona segurança;
não desempenha o papel de garantir resultados jurídicos aceitáveis por uma determinada comunidade.
Por exemplo, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Luis Roberto Barroso defende que: 
“Sem embargo da resistência filosófica de outros movimentos influentes nas primeiras décadas do século
Direito 64
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o Na teoria tópica, o sistema de normas e os métodos clássicos de interpretação


passam a ser considerados como pontos de vista ou "instrumentos auxiliares”
que o intérprete examina para encontrar a solução mais justa.

o Os diferentes pontos de vista são chamados de topos ou topoi34.

o Dessa forma, com diversos pontos de vista (e também normas), forma-se um


“catálogo de topoi” – ou de argumentos/pontos vista/normas.

o Utilizando-se dos diversos topoi (argumentos/pontos vista/normas) escolhe-se


o mais adequado para dar a solução amis justa para o problema concreto.

 Para afastar a insegurança jurídica, Viehweg destaca que devem ser


escolhidos os argumentos universalmente aceitos (argumento
jurídicos/normas aplicáveis ao caso) e realizar uma dedução lógica para
se chegar a uma conclusão para a solução do problema jurídico.

- Entre os estudiosos do direito há os que defendem e os que combatem a teoria da tópica.

 Os que defendem destacam que a teoria é benéfica quando há pontos duvidosos ou não
abordados nas leis e essa teoria contribui para a solução adequada. Por exemplo o
casamento e adoção por casal do mesmo sexo.
 Os que combatem afirmam que a excessiva liberdade de escolha de
argumentos/normas e a utilização generalizada dessa teoria pode desestruturar a ordem
jurídica, por desrespeitar a hierarquia das normas e colocar em risco o Estado
Democrático de Direito.

o A crítica à teoria tópica, ou ao método tópico-problemático, aponta para a

XX, a decadência do positivismo é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo
na Alemanha. Esses movimentos políticos e militares ascenderam ao poder dentro do quadro de legalidade
vigente   e   promoveram   a   barbárie   em   nome   da   lei.   Os   principais   acusados   de   Nuremberg   invocaram   o
cumprimento da lei e a obediência a ordens emanadas da autoridade competente. Ao fim da Segunda Guerra
Mundial,   a   ideia   de   um   ordenamento   jurídico   indiferente   a   valores   éticos   e   da   lei   como   uma   estrutura
meramente   formal,   uma   embalagem   para   qualquer   produto,   já   não  tinha   mais   aceitação   no   pensamento
esclarecido.” (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 351). 
34
   Os topoi podem ser compreendidos como "esquemas de pensamento", "formas de raciocínio", "formas de
argumentação", "pontos de vista" ou "lugares­comuns".
Os topoi são extraídos de princípios gerais, decisões judiciais, crenças e opiniões comuns de juristas, tendo
como função intervir, em caráter auxiliar, na discussão em torno de um problema concreto a ser resolvido.
Na utilização de múltiplos topoi, tem­se a intenção de produzir uma decisão adequada ao caso concreto,
através de um processo aberto de argumentação. 
A intenção da teoria é buscar a solução para o problema tendo como ponto de partida a compreensão prévia
dos fatos e da norma. 
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ausência de uma investigação lógica, científica e sistemática, bem como na


possibilidade de ensejar a total discricionariedade35 na aplicação do direito.

7.3. As Teorias da Lógica.

- Conforme já enfocamos no item 4.1, a Lógica é parte da Filosofia que trata das formas do


pensamento em geral.

­ A Lógica examina as formas que a argumentação pode tomar e procura identificar o que é
válido e o que não é válido na argumentação.

­ Ou seja, pela lógica é possível analisar o que é verdadeiro na argumentação e o que é falso. 

­ Isso é fundamental, seja para interpretar (fala ou escrita) ou para defender uma posição em
um debate/tribunal/tese.

­ O primeiro trabalho relevante sobre a lógica foi sistematizado por Aristóteles. Aristóteles fez
o primeiro estudo formal do raciocínio.

A   lógica   estuda   e   sistematiza   a   argumentação   válida.   A   lógica   tornou­se   uma   disciplina


praticamente   autônoma   em   relação   à   filosofia,   graças   ao   seu   elevado   grau   de   precisão   e
tecnicismo. 
A   lógica   elementar   é   usada   como   instrumento   pela   filosofia,   para   garantir   a   validade   da
argumentação.
Com   base   na   lógica,   é   possível   determinar   o   que   é   verdadeiro   ou   não   em   determinado
argumento.
o  Ou seja, é com base na lógica que podemos avaliar se uma proposição válida
ou inválida, no interior de um argumento.
o Assim, por meio da lógica é possível determinar  a validade das operações
intelectuais (sejam elas verbais ou escritas).

­ A lógica utiliza métodos para analisar o pensamento e argumentação (tais como dedução36,
35
  Discricionariedade é a opção, a livre escolha entre duas ou mais alternativas válidas perante o direito. 
Ou seja é a liberdade de atuação com base na lei/Constituição, mas de a com a conveniência e oportunidade.
36
 O termo dedução se refere à demonstração lógica de uma determinada afirmação a partir de suposições já
estabelecidas. O procedimento dedutivo  parte de uma afirmação geral para chegar a uma afirmação
particular.   É   de   grande   importância   no   desenvolvimento   da   ciência,   uma   vez   que   constitui   um   dos
fundamentos do método científico.
O filósofo grego Aristóteles foi o primeiro em abordar a dedução como método.
Direito 66
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indução37, hipótese38, inferência39, falácia40, sofisma41 etc.).

­ A Lógica Jurídica é ligada à ideia que fazemos do Direito, e se adapta a ela. 

 Por essa razão,  uma reflexão sobre a evolução  do Direito depende do exame das


técnicas de raciocínio (Lógica Jurídica).

­ O Direito depende tanto da interpretação quanto da argumentação. Ou seja, o operador do

37
 Indução ou raciocínio indutivo é a demonstração lógica de determinada afirmação a partir da observação e 
casos particulares que podem ser generalizados até a criação de uma regra geral. Assim, na indução, a partir 
de casos particulares se observa certa regularidade e essa lógica permite extrair uma conclusão geral. Em 
outras palavras, observam­se fatos concretos de maneira detalhada e, posteriormente, propõe­se uma lei que 
explica a regularidade desses acontecimentos. O método indutivo é um método científico, desenvolvido a 
parit das contribuição do filósofo Francis Bacon (século XVII). 

38
 A hipótese significa uma suposição no que se diz respeito ao comportamento de algum evento, fato ou 
objeto.
O método científico consiste justamente na elaboração de uma hipótese que deve ser comprovada por uma 
pesquisa (através de uma experimentação). Uma hipótese aceita dentro do campo científico é aquela que foi 
formulada, testada pela experimentação e estas condições podem ser reproduzidas por outras pessoas.

39
Inferência é a operação intelectual por meio da qual a verdade de uma proposição pode ser afirmada em
decorrência de sua ligação com outras já reconhecidas como verdadeiras. Inferência também é operação que
consiste em efetuar generalizações tomando por base amostras estatísticas. 

40
Falácia (do verbo latino fallere, que significa enganar) é um raciocínio errado com aparência de verdadeiro.
De acordo com a lógica e a retórica, uma falácia é um argumento logicamente incoerente, sem fundamento,
inválido ou falho na tentativa de provar eficazmente o que alega. 
Muitas vezes, argumentos falsos que se destinam à persuasão podem parecer convincentes para grande parte
do público, porque contém falácias.
Reconhecer as falácias é por vezes difícil. Os argumentos falaciosos podem ter validade emocional, íntima,
psicológica, mas não validade lógica. É importante conhecer os tipos de falácia para evitar armadilhas lógicas
e para analisar a argumentação de terceiros.
Há   diversas   categorias   de   falácias,   por   exemplo:   ambiguidade,   preconceito,   inversão   de   causa   e   efeito,
omissão   de   determinada   causa   (ou   fato)   ou   supervalorizar   determinada   causa   omitindo   outras   mais
importantes (omissão de causas complexas), distorção de fatos (omissão de dados), etc...  

41
Sofisma  é argumento ou  raciocínio concebido com o objetivo de produzir a ilusão da verdade, que,
embora   simule   um   acordo   com   as   regras   da   lógica,   apresenta,   na   realidade,   uma  estrutura   interna
inconsistente, incorreta e deliberadamente enganosa. 
Ou seja, é qualquer argumentação capciosa, concebida com a intenção de induzir em erro, o que supõe
má­fé por parte daquele que a apresenta
Direito 67
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Direito precisa saber interpretar (fala e escrita) e argumentar para poder justificar a posição
que defende.

Dessa   forma,   a   Hermenêutica   Jurídica   permite   aos   profissionais   do   Direito   utilizar


corretamente suas argumentações para:
 Denunciar;
 Defender;
 Recorrer; e
 Sentenciar.

7.4. As Teorias da Argumentação.

- A Teoria da Argumentação é o estudo interdisciplinar de como conclusões podem ser


alcançadas através do raciocínio lógico.

- A teoria da argumentação surge no mundo jurídico, muito ligada à teoria do discurso, com o
objetivo de questionar e expor, que a fundamentação racional do discurso é válida e possível.

- Evoluiu no século XX, sendo que deve ser destaca a participação dos seguintes autores:
Alexy, Wittgenstein, Frege, Austin, Hare, Perelman, Apel e Habermas.

­   O   desenvolvimento   de   uma   teoria   da   argumentação   jurídica   se   realizou   através   da


contribuição de várias teorias do discurso prático que já haviam sido formuladas. 
 Dentre elas, podem ser citadas a ética analítica, a racionalidade e a razoabilidade, além
das regras da retórica. 
 Ou seja, é uma teoria fragmentária (colhe fragmentos –ou partes ­ de várias teorias ou
correntes).

7.5. As Perspectivas da Racionalidade Jurídica Contemporânea: O Exemplo da


Hermenêutica Constitucional

- A argumentação faz parte do mundo jurídico, que é feito de linguagem, com o uso da
racionalidade buscando o convencimento (do juiz, dos jurados, do tribunal, etc...).

- Argumentação é a atividade de fornecer razões para:


 a defesa de um ponto de vista, ou
 o exercício de justificação de determinada tese ou conclusão.
Direito 68
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o A argumentação é um processo racional e discursivo de demonstração da


correção e da justiça da solução proposta.

Anexo

Os princípios e métodos da Moderna Hermenêutica Constitucional


Rodrigo Eustáquio Ferreira42

1 Introdução: Da Tradicional à Moderna Hermenêutica Constitucional


Escrever sobre métodos de interpretação e hermenêutica é caminhar por um terreno
pleno de incertezas e discussões. Uma análise de cada um dos métodos e correntes
hermenêuticas renderia ensejo a um trabalho isolado, razão pela qual não se fará um estudo
aprofundado do assunto. O que se objetiva aqui é tão somente demonstrar, brevemente, a
evolução pela qual vem passando a hermenêutica constitucional e os mais importantes
métodos e princípios que vêm sendo utilizados na moderna hermenêutica constitucional.
Tradicionalmente, não só no ramo da hermenêutica constitucional, como em todos os
demais ramos do direito, fez-se uso dos métodos da hermenêutica tradicional, quais sejam o
gramatical (filológico), o histórico, o sociológico, o sistemático e o teleológico. A aplicação
isolada de tais métodos, contudo, já sofria duras críticas desde a época de seu cultor. Alertava
Savigny que tais métodos não eram excludentes, devendo ser aplicados de forma integrada
para que se pudesse encontrar o verdadeiro sentido das normas constitucionais.
De toda forma, a aplicação do método hermenêutico-clássico, propugnado por
Savigny, e que sofreu forte influência da ideologia liberal da separação absoluta dos poderes
(onde o juiz exercia o papel de boca da lei), não foi abandonada por completo, sendo ainda
utilizada nos dias atuais. Ocorre que os adeptos desse método acreditam que a norma possui
um sentido inerente, seja ele desejado pelo legislador (mens legislatoris) ou emanado do
próprio texto, enquanto objeto de interpretação (mens legis) que pode ser alcançado, revelado
pelo intérprete. Afirmam, assim, que o aplicador do direito é capaz, por meio da utilização dos
métodos clássicos, de descobrir o verdadeiro significado das normas. Essa pretensão de
encontrar o real significado da norma, que obstaculiza a evolução do direito e desconsidera a
dinâmica normativa da Constituição e das leis, demonstrou a insuficiência do método
hermenêutico clássico e contribuiu para o surgimento de novas teorias da interpretação
constitucional, muitas delas baseadas na ideia de concretização, contrária ao padrão
hermenêutico clássico.
Importante é relembrar, também, que já se encontra absolutamente superado o velho
brocardo in claris cessat interpretatio, que, conforme nos lembra Carlos Maximiliano (2008,
p. 27), era disposição especial encontrada no Digesto, relativa tão somente aos testamentos,
que foi indevidamente generalizada ao longo dos séculos. Disso decorre que todo texto, e
especialmente a Constituição, merece ser interpretado, ainda que, à primeira vista, se mostre
claro. É lembrar a lição de Maximiliano (2008, p. 31):
Demais, se às vezes à primeira vista se acha translúcido um
dispositivo, é pura impressão contingente, sem base sólida. Basta
recordar que o texto da regra geral quase nunca deixa de pressentir a
42
Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18341/os-principios-e-metodos-da-moderna-hermeneutica-
constitucional-mhc/2# 
Direito 69
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existência de exceções; logo, o alcance de um artigo de lei se avalia


confrontando-o com outros, isto é, com aplicar o processo sistemático
de interpretação.
Essa lição, ainda lastreada no método jurídico ou hermenêutico-clássico, já demonstra
a importância de se considerar o conjunto da lei (ou, no caso, da Constituição), ao invés de
desenvolverem-se interpretações com base em dispositivos isolados do texto. Como se verá
adiante, essa é a ideia condutora de alguns dos princípios da moderna hermenêutica
Constitucional.
Retornando ao tema da evolução da hermenêutica constitucional, tem-se que o
movimento da modernidade, conforme relata Rodolfo Viana Pereira (2007, p. 84), também
teve seus reflexos no constitucionalismo. Aquela nova experiência de vida, fundada no
racionalismo que se opunha ao Antigo Regime, provocou uma elevação da Constituição a
verdadeiro "objeto de libertação geral da humanidade" (PEREIRA, 2007, p. 89), cujo
conteúdo era a declaração de direitos e garantias e a limitação do poder político. Em face
destas peculiaridades do texto constitucional, não demorou a aflorar o princípio da supremacia
da constituição e os mecanismos de controle de constitucionalidade, e a surgirem discussões
sobre as diferenças entre os métodos de interpretação da Constituição e da legislação
infraconstitucional.
Com relação a este último ponto, três correntes doutrinárias surgiram, buscando
estabelecer o status epistemológico da Hermenêutica Constitucional frente à Hermenêutica
Clássica: 1) a tese da diferença intrínseca, que pregava serem aquelas duas disciplinas
autônomas, de modo que a Hermenêutica Constitucional enfrentava problemas específicos de
interpretação, pelas peculiaridades do texto constitucional; 2) a tese da igualdade total, que
afirmava inexistir diferença entre a interpretação da Constituição e a das demais leis
ordinárias, pois os problemas de interpretação em um ou outro caso eram jurídicos; e 3) a tese
da igualdade com particularidades, que defende a existência de uma única disciplina
Hermenêutica, geral, mas que abarca como espécie a Hermenêutica Constitucional, esta apta
ao estudo de princípios interpretativos próprios para a compreensão do texto constitucional e
suas peculiaridades.
Tais peculiaridades da norma constitucional foram enumeradas por Luís Roberto
Barroso como sendo 1) sua superioridade hierárquica, confirmada pelos mecanismos de
controle de constitucionalidade; 2) a natureza de sua linguagem, que é mais principiológica e
abstrata; 3) o seu conteúdo específico, que abarca normas programáticas, além de simples
normas de conduta; 4) o seu caráter político, já que representam a juridicização dos valores
políticos essenciais da sociedade.
Uma pequena observação se faz necessária quanto a uma das peculiaridades
enumeradas acima, que diz conter a Constituição normas de cunho programático. É que, na
atualidade, encontra-se sem força a tese de que a Constituição se dividiria em normas
autoaplicáveis e não autoaplicáveis. Reconhece-se eficácia a todas as normas constitucionais,
ainda que tão somente a eficácia negativa. Esse assunto será mais bem abordado adiante.
Apesar das críticas que são direcionadas tanto à teoria da Interpretação Tradicional
quanto às teorias da Moderna Interpretação Constitucional, no sentido de que nenhum esforço
hermenêutico será capaz de chegar a uma "verdade absoluta" sobre o conteúdo das normas,
fato é que a tese da igualdade com particularidades, capitaneada por Konrad Hesse, vem
ganhando cada vez mais força e adeptos, inclusive no Brasil, de forma que seus princípios são
sempre relembrados pela doutrina e jurisprudência pátrias que tratam de temas
constitucionais. É justamente nesta corrente que se deitam as raízes do que muitos chamam de
moderna hermenêutica constitucional, sobre os quais se discorrerá a seguir.
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2 Os princípios da Moderna Hermenêutica Constitucional


Os princípios de interpretação constitucional defendidos pela corrente que vê a
Hermenêutica Constitucional como espécie da Hermenêutica Geral, originalmente expostos
por Hesse e sobre os quais discorrem, dentre outros, Alexandre de Moraes, J. J. Gomes
Canotilho e Inocêncio Mártires Coelho, são: 1) a Unidade da Constituição; 2) a Concordância
prática (ou Harmonização); 3) a Exatidão Funcional (ou Justeza, ou Correção Funcional, ou
Conformidade Funcional); 4) o Efeito Integrador (ou Eficácia Integradora); 5) a Força
Normativa da Constituição; 6) a Máxima Efetividade e 7) a Interpretação Conforme.
Cabe tecer breves considerações sobre cada um destes princípios, lembrando sempre
que a aplicação dos mesmos não deve, jamais, ser feita de forma isolada, pois eles se
completam, permitindo que o intérprete tenha uma melhor compreensão do texto
constitucional.

2.1 O princípio da Unidade da Constituição


Este é talvez o mais relevante dos princípios da moderna hermenêutica constitucional.
Isso porque esse princípio decorre diretamente do postulado do legislador racional, que
proclama que a obra do legislador – e, portanto, do legislador constituinte – é uma obra
perfeita, coerente, sem lacunas. Esse postulado – e porque não dizer ficção, já que os
legisladores são homens, e, portanto, falíveis – cria a figura de um legislador ideal: singular,
justo, consciente, coerente, preciso e operativo. Sua obra, assim como ele, não comporta
lacunas, contradições ou redundâncias, e é capaz de, ela mesma, oferecer soluções para os
problemas decorrentes de sua interpretação, soluções aquelas advindas do interior do próprio
sistema.
Assim, a Constituição é capaz de estender seus preceitos a todas as relações sociais,
regulando-as de forma coerente (já que não há conflitos reais em suas normas). Da mesma
forma, não há normas sobrando na Constituição, devendo o intérprete delimitar o âmbito de
incidência de cada uma, harmonizando-as, ao invés de desconsiderar qualquer uma delas.
O que se expôs acima é exatamente o conteúdo do princípio da unidade da
constituição. Esse princípio predica que a Lei Magna deve ser interpretada como um todo
interconectado, preservando-se os valores e decisões fundamentais nela expressos. Dentre
estes valores pode-se apontar, principalmente, aqueles elencados nos seus artigos 1º a 4º, que
enunciam os fundamentos e os objetivos da República, no âmbito interno, bem como os
princípios norteadores de sua atuação no âmbito internacional.
Não permite este princípio, por exemplo, que se faça uma interpretação do Capítulo
constitucional relativo ao Sistema Tributário Nacional de forma desvinculada dos Títulos
relativos aos princípios fundamentais, aos direitos e garantias fundamentais ou à ordem
econômica e financeira ou social, por exemplo. Todas as normas contidas nesses Títulos têm a
mesma importância e se completam para revelar ao intérprete o que pretenderam os
representantes do povo, reunidos em Assembleia Constituinte, ao fundarem a República
Federativa do Brasil. Reafirma-se, assim, a lição do jusfilósofo alemão Rudolf Stammler, que,
há décadas, já afirmava que quem aplica um artigo do Código, aplica o Código todo.

2.2 O princípio da Concordância Prática (Harmonização)


Nas palavras de Alexandre de Moraes (2009), esse princípio exige "a coordenação e
combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns em
relação aos outros".
Como se vê, a aplicação deste princípio pressupõe um conflito entre bens protegidos
pela Constituição, de modo que, por terem todos a mesma dignidade constitucional
(decorrente da unidade da Constituição), devem receber o mesmo grau de proteção, sem que
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um aniquile ou prevaleça sobre os demais.


Contudo, como nos lembra o professor Inocêncio Mártires Coelho, deve-se alertar a
conciliação proposta por este princípio é puramente formal ou principiológica, pois numa
demanda real um só dos contendores terá acolhida, total ou parcial, de seu pedido. Se, por
exemplo, estiver em jogo, de um lado, o direito da Fazenda cobrar uma determinada exação
de imediato, por uma situação de necessidade, e de outro o direito do contribuinte ser
tributado conforme sua capacidade contributiva, ausente naquele momento, e o juiz considerar
indevida a tributação naquela circunstância, a Fazenda sucumbirá em sua pretensão, naquele
caso concreto. Porém, o direito da Fazenda de tributar não restará aniquilado, haja vista que
ela poderá exercê-lo normalmente numa outra ocasião, ou na mesma ocasião, em face de
contribuintes diversos que demonstrem possuir capacidade contributiva. Em suma, o direito
afastado no caso concreto continuará encontrando proteção no texto constitucional.

2.3 O princípio da Exatidão Funcional (Justeza/Conformidade Funcional)


Esse princípio determina que a interpretação da Constituição não pode ser feita de
modo a subverter, alterar ou mesmo perturbar o esquema de organização e repartição das
funções/competências entre os poderes constituídos. Decorre diretamente do princípio da
unidade da Constituição (pois as normas da Constituição se interligam para indicar ao
intérprete qual a função/competência de cada ente/instituição/poder) e do próprio princípio da
separação dos poderes, enunciado no artigo 2º da Carta Magna.
Embora não seja de aplicação obrigatória (como, aliás, nenhum dos outros princípios
interpretativos o é, por não possuírem força normativa), a observância deste princípio
demonstra, por parte dos agentes políticos, nítido respeito às decisões políticas tomadas pela
Assembleia Constituinte, em nome do povo, e sacramentadas na Constituição. A observância
deste princípio preserva, em suma, a própria Constituição, a República e o Estado
Democrático de Direito.
No campo tributário, adquire tal princípio especial relevância, pois não é raro
observarmos o Legislativo, com suas emendas, o Executivo, com seus decretos e o Judiciário
com suas súmulas tentando subverter a organização tributária posta pelo constituinte
originário no texto constitucional, como que chamando para si o papel de intérprete oficial da
Carta Magna. Ao assim procederem, tais poderes também extrapolam as funções que lhe
foram atribuídas, pois é comum o Legislativo se atribuir o papel de constituinte; o Executivo
se atribuir o papel de legislador; e o Judiciário assumir ambos os papéis, numa Babel de
funções que só será eliminada quando cada um dos poderes reconhecer que a decisão
fundamental popular não pode, sob justificativa alguma e em nenhuma circunstância, ser
desrespeitada ou amesquinhada.

2.4 O princípio do Efeito Integrador (Eficácia Integradora)


Enuncia este princípio que toda interpretação constitucional deve procurar solucionar
os problemas jurídico-constitucionais com base em critérios que favoreçam a integração
social e a unidade política, pois o sistema jurídico só se torna viável num Estado em que
prevaleça a coesão sociopolítica, e a Constituição busca justamente promover essa coesão.
Mais uma vez buscam-se subsídios na lição do professor Inocêncio Mártires Coelho
(2010, p. 178) que, ancorado na doutrina de Konrad Hesse, pondera:
Em que pese a indispensabilidade dessa integração para a normalidade
constitucional, nem por isso é dado aos intérpretes/aplicadores da
Constituição subverter-lhe a letra e o espírito para alcançar, a qualquer
custo, esse objetivo, até porque, à partida, a Lei Fundamental se
mostra submissa a outros valores, desde logo reputados superiores –
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como a dignidade humana, a democracia e o pluralismo, por exemplo


–, que precedem a sua elaboração, nela se incorporam e, afinal,
seguem dirigindo a sua realização.
Trazendo a aplicação do princípio para o campo tributário, pode-se dizer que a
interpretação constitucional da repartição das competências tributárias deve ser feita de forma
cautelosa e restritiva, respeitando-se a decisão tomada pelo constituinte originário ao
distribuir o poder de tributar entre os entes federados, evitando-se interpretações que
favoreçam disputas arrecadatórias e ameacem a harmonia sociopolítica que deve existir num
Estado Federado. Da mesma forma, devem ser priorizadas interpretações que tornem efetivos
(ou no mínimo possíveis) os objetivos elencados no artigo 3º da Constituição, e que permitam
garantir, através da arrecadação e distribuição dos tributos, o desenvolvimento nacional, a
construção de uma sociedade justa, a promoção do bem coletivo, a (sic) erradicação da
pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais. Só então se poderá falar, com um
mínimo de coerência e substância, em integração social e unidade política de nosso país.

2.5 O princípio da Força Normativa da Constituição


Este princípio, embora estudado, por parte da doutrina, separadamente do princípio da
máxima efetividade, com este se encontra intimamente ligado. Ambos têm seu fundamento na
ideia de que as normas constitucionais, como qualquer outra espécie de norma jurídica,
precisam de um mínimo de eficácia, sob pena de não adquirirem vigência.
Importante ressaltar, aqui, que cada vez mais perde força a corrente que, tendo por base a
doutrina americana, dividia as normas constitucionais, quanto à aplicabilidade, em normas
autoaplicáveis (dotadas de plena eficácia jurídica) e normas não autoaplicáveis, cuja
aplicabilidade dependeria de regulamentação por lei ordinária.
Na atualidade, a doutrina, capitaneada por José Afonso da Silva, e a jurisprudência
majoritárias entendem que todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia, ainda que
de eficácia negativa, que impede o Poder Público de dispor contrariamente ao que elas
enunciam, sob pena de inconstitucionalidade. Com isso, resta cada vez menos espaço para a
tese que sustenta que as normas ditas programáticas não são de observância obrigatória
enquanto não houver a atuação do legislador infraconstitucional. É nesse sentido que deve ser
entendida a afirmação de Gomes Canotilho [01], ao dizer que "... marcando uma decidida
ruptura em relação à doutrina clássica, pode e deve falar-se da morte das normas
constitucionais programáticas.".
No campo tributário, inegável a importância desse princípio hermenêutico,
principalmente no que diz respeito à interpretação do chamado "Estatuto do Contribuinte" e
das limitações constitucionais do poder de tributar. Muito embora estas sejam consideradas
garantias individuais e, portanto, tenham aplicação imediata por expresso mandamento
constitucional (art. 5º, § 1º da Carta Magna), a aplicação desse princípio espanca qualquer
discussão a respeito.
2.6 O princípio da Máxima Efetividade da Constituição
Como restou explicitado acima, esse princípio está diretamente interligado ao
princípio da força normativa. Isso porque buscar efetividade nas normas constitucionais
pressupõe admiti-las como sendo dotadas de força normativa (como, aliás, todas as normas
jurídicas). Esse princípio funcionaria, assim, como um "potencializador" do anterior. Uma vez
reconhecido que as normas constitucionais são dotadas de normatividade (ainda que mínima),
cumpre ao intérprete expandir e densificar ao máximo essa normatividade, especialmente se a
norma interpretada disser respeito a direitos e garantias fundamentais.
Num caso concreto, contudo, a potencialização de uma garantia do contribuinte pode
acarretar, na mesma medida, na constrição de um direito da Fazenda, por exemplo. Ocorre
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que, como a Constituição foi erigida, principalmente, como instrumento orientador e limitador
da atuação do Estado (tanto que o poder pertence ao povo – artigo 1º, parágrafo único da Lei
Maior) e de promoção dos indivíduos (v.g. artigos 1º a 4º da Constituição, que enunciam os
fundamentos e objetivos da República, e que em sua quase integralidade estabelecem normas
que favorecem as pessoas naturais), inegável que interpretação constitucional deve sempre
priorizar os cidadãos (e o contribuinte). Afinal, interpretações constitucionais que
desconsideram direitos e garantias individuais sob a justificativa do "interesse público" nada
mais fazem que lesar o próprio interesse público, já que este, em sua essência, nada mais é do
que o conjunto dos interesses que os indivíduos têm quando considerados na qualidade de
membros da sociedade.
Afinal, o Judiciário ainda é tido como a última esperança de milhares de cidadãos que
vêem seus direitos constitucionais serem lesados diariamente, não raro pelo próprio
legislativo que deveria agir, ao menos em teoria, em nome destes mesmos cidadãos. Mas seria
alguém capaz de negar que, na atualidade, especialmente quando são discutidos assuntos
técnicos e complexos (como boa parte dos assuntos tributários), a "maioria parlamentar" que
aprova as leis é, na verdade, uma minoria intelectual com forte influência e poder políticos,
capaz de persuadir os demais parlamentares leigos? Esse fenômeno foi percebido por Donald
P. Kommers [02], quando afirmou que "a democracia não é mais representativa, pois a maioria
parlamentar pode legislar de forma tão arbitrária quanto a minoria. Ela se tornou uma
democracia constitucional, na qual a atuação das cortes constitucionais é de suma relevância
para garantir as minorias" (KOMMERS apud BALEEIRO, 2005, p. 37). Na mesma linha,
Ronald Dworkin [03] leciona:
A teoria constitucional na qual nosso governo se apoia não é uma simples teoria
majoritária. A Constituição e, particularmente, os direitos fundamentais são feitos para
proteger cidadãos individuais e grupos contra certas decisões que a maioria dos cidadãos pode
querer tomar, mesmo quando essa maioria age em nome daquilo que é considerado o geral ou
o interesse comum (DWORKIN apud BALEEIRO, 2005, p. 37).

2.7 O princípio da Interpretação Conforme a Constituição


Mais do que um princípio, cuida-se aqui, nas palavras de Inocêncio Mártires Coelho
(2010, p. 179-180), de "instrumento situado no âmbito do controle de constitucionalidade e
não apenas uma simples regra de interpretação", e "uma diretriz de prudência política ou, se
quisermos, de política constitucional".
Esse princípio/instrumento deve ser utilizado quando uma norma apresentar um
"espaço de decisão", comportando diversas interpretações, umas compatíveis com a
Constituição e outras não. Frente a esta situação, o intérprete deve escolher o sentido da
norma que melhor se compatibilize com o padrão constitucional, com seus princípios e
objetivos e com os direitos e garantias fundamentais.
De toda forma, esse princípio/instrumento hermenêutico não deve ser utilizado a fim
de gerar interpretação contrária a texto expresso de lei, ou quando da norma não puder ser
extraída nenhuma interpretação em conformidade com a Constituição. Isso significaria
permitir que o Judiciário atuasse como legislador positivo, o que é vedado, como visto, por
outro princípio hermenêutico, qual seja, o da Exatidão Funcional, que deve ser aplicado
simultaneamente ao da Interpretação Conforme.
Esse princípio tem ampla aplicabilidade em inúmeras situações que envolvem matéria
tributária, especialmente quando o intérprete e o legislador, desavisados, buscam dar a lei
interpretação que não se compadece com a Constituição. Algumas dessas situações serão
analisadas ao longo desse trabalho, logo após a exposição dos principais métodos de
interpretação apresentados pela moderna hermenêutica constitucional.
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3.Os métodos da Moderna Hermenêutica Constitucional


Os principais métodos de interpretação constitucional defendidos pela Moderna
Hermenêutica são: 1) Método Tópico-Problemático; 2) Método Hermenêutico-Concretizador;
3) Método Científico-Estrutural e 4) Método Normativo-Estruturante.
Refletindo sobre eles, relembra o professor Inocêncio Coelho (2010, pp. 159-160) que embora
disponham de nomes próprios, em rigor não constituem abordagens hermenêuticas
autônomas, mas simples concretizações ou especificações, no âmbito do direito
constitucional, do método da compreensão como ato gnosiológico comum a todas as ciências
do espírito.

3.1 O método Tópico-Problemático


O método tópico-problemático de interpretação constitucional tem por pressupostos:
1) que a Constituição é um sistema aberto de normas, o que significa dizer que cada uma das
normas constitucionais admite interpretações distintas, que podem variar no tempo; 2) que um
problema é uma questão que admite, também, respostas distintas; 3) que a tópica é uma
técnica de pensar a partir do problema.
Inegável, para os defensores desse método, que a hermenêutica clássica (que busca a
verdade inerente ao texto da lei – mens legis ou mens legislatoris) não é capaz de lidar com
essa nova visão da Constituição, como dotada de estruturas abertas, que exigem soluções
direcionadas a problemas específicos.
Esse método, segundo Hesse, citado por Misabel Derzi (2005, p. 30), requer do
intérprete, pois, uma atividade de concretização, ou de "reconstrução do Direito aplicável ao
caso, à luz do padrão constitucional e através de um procedimento argumentativo e
racionalmente controlável" (PEREIRA, 2007, p. 164).
O intérprete deve, primeiramente, analisar o problema e extrair deste os pontos-chave
(seus principais aspectos). Com base nestes aspectos, deve buscar a norma aplicável, e ver
qual (ou quais) das interpretações possíveis, extraídas do programa normativo abarcado por
aquela, melhor se adequam ao problema. Deve fazer isso de forma justificada, demonstrando
que o referido programa-normativo da norma [04] a ser concretizada contém a valoração e a
ordenação de elementos aptos a solucionarem o problema.
Como observa o professor Inocêncio Mártires Coelho (2010, p. 162), diante das
premissas levantadas pelos aplicadores deste método, a Constituição mostra-se, aqui,
enquanto objeto hermenêutico, muito mais problemática que sistemática, o que significa dizer
que ela abre espaço para dialogar com a comunidade hermenêutica. Em outras palavras, são
considerados válidos quaisquer argumentos racionais postos em confronto com as normas
constitucionais, de modo que a tese interpretativa final será aquela composta pelo melhor
argumento.
Como a comunidade hermenêutica que dialogará com o texto constitucional não deve
ser formada apenas pelas instâncias oficiais da interpretação (poderes constituídos), mas por
toda a sociedade que vive a norma (a chamada "sociedade aberta dos intérpretes da
Constituição", propugnada por Peter Häberle) esse método de interpretação representa uma
forma de resguardar e legitimar a Constituição, pois o resultado da interpretação, que
decorrerá de um debate aberto e abrangente, será certamente mais facilmente acatado pela
comunidade, pois a esta terá sido dada a oportunidade de participar da formação da
interpretação definitiva.
Oxalá este método ganhasse força na interpretação das normas constitucionais
tributárias, que tanto dizem respeito à vida da comunidade, mas onde essa é não raro
esquecida ou ignorada, especialmente quando estão em jogo garantias do contribuinte.
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3.2 O método Hermenêutico-Concretizador


Esse método se assemelha ao tópico-problemático no ponto em que também considera
que o intérprete deve exercer uma atividade concretizadora ("reconstruir" o Direito no caso
prático, a partir de um procedimento argumentativo e racional, ao invés de procurar um
sentido "inerente" à norma). Porém, como observa Inocêncio Mártires Coelho (2010, p. 163)
diferencia-se daquele, por partir do pressuposto de que a leitura de
qualquer texto normativo, inclusive do texto constitucional, começa
pela pré-compreensão do intérprete/aplicador, a quem compete
concretizar a norma a partir de uma dada situação histórica, que outra
coisa não é senão o ambiente em que o problema é posto a seu exame,
para que ele o resolva à luz da Constituição e não segundo critérios
pessoais de justiça. (grifos no original)
Incorpora-se aqui o conceito de círculo-hermenêutico, resultante desse movimento de
ir-e-vir ocorrido no diálogo entre o intérprete e a norma. Esse conceito teve suas origens na
Antiguidade e foi propagado pela filosofia de Schleiermacher. A ideia básica aqui é a de que a
totalidade de uma lei, ou Código, ou a Constituição, só pode ser compreendida a partir da
compreensão de suas partes (artigos, títulos). Da mesma forma, as partes também só podem
ser compreendidas se houver a compreensão do todo, uma vez que a parte entendida fora do
contexto do conjunto textual leva a uma interpretação equivocada. Essas ideias traduzem o
que José Afonso da Silva (2007, p. 17) denomina "contexto intratexto", ou contexto no
interior do objeto a interpretar (no caso, o contexto constitucional).
Assim, o intérprete dialoga constantemente com o texto da Constituição, fazendo com
que seus pré-conceitos venham a auxiliar na construção do sentido da norma. A própria
norma, por sua vez, também atua sobre a compreensão do intérprete, fazendo-o modificar
seus preconceitos, na medida em que revela novas possibilidades significativas por aquele não
avistadas inicialmente.
Resulta disso que o resultado do diálogo intérprete/texto é uma interpretação cada vez
mais densa, adequada, coerente, pois que construída após uma refletida análise do todo e das
partes textuais, agregados ao entendimento do intérprete. Por isso, alguns autores entendem
que o círculo hermenêutico seria, na verdade, uma espiral hermenêutica, que caminha sempre
"adiante", permitindo a evolução da compreensão.
O professor Inocêncio Mártires Coelho (2010, p. 163) menciona que seria difícil para
este método produzir resultados "razoavelmente consistentes [...], porque a pré-compreensão
do intérprete, enquanto tal, distorce desde logo não somente a realidade, que ele deve captar
através da norma, mas também o próprio sentido da norma constitucional [...]".
A estas considerações, cumpre opor as ponderações de Joel Weinsheimer, citado por
Rodolfo Viana Pereira (2007, p. 39-40), que afirma que o juiz, ao interpretar, não pode fixar
seu entendimento fora da lei (no caso, a Constituição), porque ele também se sujeita a ela, em
sua vida privada e em seus julgamentos.
Assim, tal qual acontece na chamada discricionariedade administrativa, o juiz, ainda
que trazendo seus preconceitos para o processo interpretativo, deverá extrair, ao final, uma
interpretação que possa ser enquadrada nos limites impostos pela própria Constituição, sem
afrontar seus princípios, fundamentos e objetivos.

3.3 O método Científico-Espiritual


Para os adeptos deste método, capitaneado por Rudolf Smend, a Constituição deve ser
vista como um instrumento de integração em sentido jurídico-formal, político e sociológico.
O direito constitucional, por sua vez, é visto como a positivação da realidade espiritual da
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sociedade. Como essa realidade espiritual é dinâmica e se renova continuamente, também


assim deve ser vista a Constituição que, ao fim, é instrumento de regulação daquela realidade.
Constituição, Estado e Direito são fenômenos culturais que dependem de integração recíproca
para se verem realizados na prática.
Por estas razões, a própria natureza das normas constitucionais exige que sua
interpretação seja flexível, aberta, extensiva, independentemente de qualquer ordenação
expressa nesse sentido. O intérprete deve buscar os valores intrínsecos à norma constitucional
(seu conteúdo axiológico), tendo sempre em consideração que aquelas normas foram
cunhadas para servirem de instrumento de regulação de conflitos e de construção e
preservação da unidade social. Cada órgão da soberania estatal deve ser analisado não apenas
de acordo com a teoria da repartição dos poderes, mas segundo sua participação no sistema
integrativo em que se constitui o Estado.
Eventuais excessos do esforço integracionista podem (e devem) ser evitados, como
nos lembra Inocêncio Mártires Coelho (2010, p. 166), reafirmando-se a dignidade humana
como premissa antropológica do Estado de Direito e valor fundante da experiência ética. A
este valor, acrescente-se, como o faz José Afonso da Silva (2007, p. 16) os demais princípios e
objetivos elencados nos artigos 1º e 3º da Lei Maior, que formam a concepção básica da
Constituição.

3.4 O método Normativo-Estruturante


A premissa básica deste método é a de que existe uma vinculação estreita entre o
programa normativo e o âmbito normativo, ou seja, entre o comando do texto e os fatos que
ele pretende regular. Tal conexão se dá de tal forma que Friedrich Müller, citado por
Inocêncio Mártires Coelho (2010, p. 167), afirma que a normatividade (atributo dos comandos
jurídicos, segundo clássica doutrina) não é produzida pelo seu texto, resultando de dados
extralinguísticos, como os fatores sociais.
Ainda, aqui se entende que um caso concreto não é regulamentado pelo teor literal de
uma norma constitucional, mas sim pela atuação dos órgãos estatais (legislativos, executivos e
do Judiciário) – cujas decisões são elaboradas com a ajuda da doutrina, dos precedentes, do
direito comparado – e pelo direito consuetudinário, o que demonstra que os cultores desse
método também são adeptos da teoria da concretização das normas. O teor literal da norma é
só um dos aspectos a serem levados em consideração pelo aplicador na interpretação da
Constituição, sendo que o aspecto mais importante é aquele constituído pelas relações
jurídicas diárias, pelos casos concretos sobre os quais a norma pretende incidir, pelo que
Friedrich Müller denomina "âmbito normativo" (MÜLLER apud PEREIRA, 2007, p. 166) [05]
e Miguel Reale, "situação normada" (REALE apud MENDES; COELHO; BRANCO, 2010,
p. 168) [06].
Claro fica, pois, a diferenciação que os cultores desse método fazem entre norma e
texto da norma. Aquela é bem mais ampla, por abarcar os fatos contidos no âmbito normativo
e não dedutíveis do programa normativo. Como se verá adiante, a consideração dessa
realidade fática que circunda o texto da norma é de suma importância na interpretação do
direito constitucional tributário, especialmente no que diz respeito aos direitos e garantias
fundamentais do contribuinte.

4 Conclusão: Uma nova forma de interpretar a Constituição


A análise dos princípios e métodos da chamada Moderna Hermenêutica Constitucional
demonstra que o que se busca, cada vez mais, na interpretação da Constituição, é que ela
forneça subsídios para a solução dos casos concretos que muitas vezes não encontram
resposta pela aplicação simplista do texto constitucional, ou mesmo pela aplicação dos
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métodos tradicionais de hermenêutica, que acreditam ser possível ao intérprete buscar uma
suposta "vontade da lei" (mens legis) ou ainda, o que é pior, a "vontade do próprio legislador"
(mens legislatoris).
Aliás, a doutrina hermenêutica há muito já afirma que a lei não tem espírito, sendo
este exclusividade dos homens (o que parece lógico). Por isso, e considerando que são os
homens e as relações jurídicas das quais participam diariamente que servem de inspiração
para a criação e modificação das leis (e da própria Constituição), nada mais correto que se
permitir que essas relações jurídicas possam também ser valoradas no momento de aplicação
das mesmas leis e da Constituição.
A figura de um legislador (no caso, constituinte) onividente não mais se sustenta frente
às mudanças frenéticas ocorridas no âmbito das relações sociais. Em sendo assim, dois
caminhos se fazem possíveis ao intérprete do Direito: pelo primeiro, ele se mantém firme nos
tradicionais métodos de interpretação das leis e da Constituição, buscando um sentido
predeterminado na norma e fechando os olhos para a realidade social que não se encontra
estritamente regrada; e, se for necessário, aguarda a criação de novas leis e (r)emendas
constitucionais, estas normalmente elaboradas ao sabor da ocasião política (e em prejuízo da
segurança jurídica e de outros valores tão caros a um, assim chamado, Estado Democrático de
Direito); pelo segundo, ele busca novas formas de interpretar o direito posto, utilizando-se de
novos métodos e cânones hermenêuticos, a fim de, como sugerem várias das propostas da
Moderna Hermenêutica Constitucional, "concretizar" o Direito, reconstruindo-o diante do
problema concreto e com base no padrão constitucional, permitindo, ainda, que a "sociedade
aberta dos intérpretes" tenha voz ativa nesse processo de concretização, legitimando, cada vez
mais, a própria Constituição, que foi erigida como documento fundamental "pelo" povo e
"para" o povo, titular absoluto do poder (artigo 1º, parágrafo único da Carta Magna).
É nesse contexto que se encaixa a afirmação de Inocêncio Mártires Coelho (2010),
quando discorre sobre as diretrizes para uma interpretação estrutural dos modelos jurídicos.
Diz o autor:
Pois bem, em razão dessa nova compreensão da experiência
normativa, operaram-se radicais mudanças nos domínios da
hermenêutica jurídica, abandonando-se os antigos métodos e critérios
de interpretação – que aprisionavam o aplicador do direito à estrita
literalidade da lei, para se adotarem pautas axiológicas mais amplas e
flexíveis, não raro indeterminadas, que permitissem aos operadores do
direito ajustar os modelos jurídicos às necessidades de um mundo
cada vez mais complexo e, por isso, cada vez menos propício a toda
forma de arrumação.
Não se está aqui advogando tese de que os intérpretes teriam liberdade para dizer qual
o conteúdo da norma, promovendo verdadeiras mutações constitucionais pela via da
interpretação criativa, em detrimento da segurança jurídica e da separação dos poderes. Isso
seria negar o próprio princípio da exatidão funcional, tão caro aos cultores da Moderna
Hermenêutica. A interpretação constitucional deve estar sujeita a limites, pois a interpretação
que promove mudança radical no sentido da norma por certo equivale à inadmissível criação
de uma nova norma pelo intérprete, pela "lei do menor esforço".
O que se defende é a possibilidade de uma atuação mais integrada entre o intérprete e
a sociedade; uma aproximação maior entre a interpretação oficial e a vida quotidiana, dos
fatos que circundam a Constituição, exercendo influência sobre suas normas.
Mas, como garantir que o processo decisório desenvolvido nesses termos seria racional (ou
não)? Como seria medida essa racionalidade? A resposta nos é dada por Rodolfo Viana
Pereira (2007, p. 170), que afirma que um processo decisório será racional sempre que
Direito 78
Hermenêutica Jurídica
Profª Dra. Eliane Iunes Vieira.

[...] consciente do caráter dialógico da compreensão, não estabelece


um padrão prévio de verdade, mas admite que a possibilidade de sua
correção advém da necessidade de inclusão dos diferentes pontos de
vista no processo decisório.
Ou seja, a interpretação será racional sempre que for realizada após o intérprete
analisar as peculiaridades do caso concreto (o problema); permitir a discussão de tais
peculiaridades com a comunidade hermenêutica (que se expande além dos intérpretes
oficiais); e, posteriormente, por meio de uma decisão estritamente motivada, demonstrar
como superou os argumentos e teses contrários apresentados, para chegar naquela que
considerou a interpretação mais adequada para o caso concreto sub judice.
Deve-se lembrar que os membros do Poder Judiciário, principais intérpretes das leis e
da Constituição e responsáveis pela última palavra interpretativa, não são, em nosso sistema,
eleitos pelo povo. A legitimidade de suas funções decorre, portanto, de uma atuação séria,
escorreita, transparente e plenamente justificável (e justificada) em face das diretrizes
constitucionais. Como afirma Sanchís, citado por Pereira (2007, p. 170),
se o Poder Judiciário não deve ser controlado pela eletividade de seus
membros, como garantia da própria constitucionalidade, deve ser
controlado em seu exercício: não na designação, mas no
comportamento" [07] (SANCHÍS apud PEREIRA, 2007, p. 170 - grifos
no original).
Enfim, somente quando se permitir que a sociedade participe da definição dos
contornos da Constituição que ela vive em seu dia a dia; e quando os juízes e demais
aplicadores do direito compreenderem, de fato, que a Constituição é algo muito mais
complexo e dinâmico do que o texto oficial cravado no papel se poderá afirmar que vivemos
num verdadeiro Estado Democrático de Direito e, no que diz respeito aos assuntos tributários,
que vivenciamos uma sólida cidadania fiscal.

5. Referências Bibliográficas
BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. ed. rev. e compl. à luz da
Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional nº 10/1996. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição –
contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes.
Porto Alegre: Fabris, 1997.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 19.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito
Constitucional. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24.ed. São Paulo: Atlas, 2009.
PEREIRA, Rodolfo Viana. Hermenêutica Filosófica e Constitucional. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 5.ed. São Paulo: RT, 1989.
______. Comentário Contextual à Constituição. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

Notas
1. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina,
1998, p. 1050-1051.
2. KOMMERS, Donald P. Der Geichheitssatz: Neuere Entwicklungen in Verfassungsrecht der USA und
der Bundsrepublik Deutschland. In: Der Gleichheitssatz im modernen Verfassungsstaat. Symposium
zum 80 Geburtstag von Gerhard Leibholz. Baden-Baden, Nomos Verlagsgesellschaft, 1981.
3. DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press,
1977.
Direito 79
Hermenêutica Jurídica
Profª Dra. Eliane Iunes Vieira.
4. Mais detalhes sobre os conceitos de programa-normativo, âmbito normativo, norma jurídica e norma-
decisão, conforme a doutrina de Friedrich Müller, podem ser encontrados em PEREIRA, Rodolfo
Viana. Hermenêutica Filosófica e Constitucional. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 165-166.
5. MÜLLER, Friedrich. Discours de La méthode juridique. Trad. Oliver Jouanjan. Paris: Presses
Universitaires de France, 1996.
6. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 594.
7. SANCHÍS, Luis Prieto. Ideologia e interpretación jurídica. Madrid: Tecnos, 1993, p. 126.

Após a leitura do texto, os alunos devem responder:

1. Explique o que é o princípio da Unidade da Constituição.

2. Explique o que é o princípio da Concordância Prática (Harmonização).

3. Explique o que é o princípio da Exatidão Funcional (Justeza/Conformidade


Funcional).

4. Explique o que é o princípio do Efeito Integrador (Eficácia Integradora).

5. Explique o que é o princípio da Força Normativa da Constituição.

6. Explique o que é o princípio da Máxima Efetividade da Constituição.

7. Explique o que é o princípio da Interpretação Conforme a Constituição.

8. Explique o que é o método Tópico-Problemático.

9. Explique o que é o método Hermenêutico-Concretizador.

10. Explique o que é o método Científico-Espiritual.

11. Explique o que é o método Normativo-Estruturante.

8. A Hermenêutica e a Interpretação do Direito.


9. Modos de Integração do Direito.
9.1. Analogia.
9.2. Costumes.
9.3. Princípios Gerais de Direito.
9.4. Equidade.

- Introdução
Direito 80
Hermenêutica Jurídica
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Conforme abordado na unidade 1, a norma jurídica sempre necessita de interpretação, uma


vez que a clareza de um texto legal, em geral, é relativa. Determinado dispositivo pode ser
claro em sua aplicação aos casos mais imediatos, mas pode ser duvidoso quando se aplica a
outros casos não previstos inicialmente.

Por exemplo: o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a adoção de uma criança
por um casal homossexual.

Ou seja, com o tempo e a evolução da sociedade, podem surgir casos que não se
enquadrem nas normas.

- Dessa forma, a hermenêutica jurídica fornece os métodos e princípios que devem ser
adotados para que o operador do Direito busque a solução que atenda aos interesses da
sociedade.

 O direito deve acompanhar a evolução cultural. Necessariamente, o ordenamento


jurídico deve interagir com os acontecimentos sociais, visando a buscar a realização
das reais necessidades humanas.

 No estudo do Direito, as doutrinas e teorias jurídicas só têm sentido se estiverem


vinculadas às condicionantes sociais e políticas de determinada época.

 Não há como cultivar o Direito, isolando-o da vida. Principalmente em nossa época,


visto que a sociedade atual se caracteriza pela rápida mobilidade, determinada pelo
progresso científico e tecnológico, pelo crescimento econômico e industrial, pelas
novas concepções sociais e políticas e por modificações culturais.

 A interpretação das normas jurídicas deve levar em conta os fins para os quais foram
criadas, os precedentes históricos que levaram a sociedade a exigir a sua criação,
bem como a harmonização com as novas necessidades que as mudanças da sociedade
passem a exigir.

9. Modos de Integração do Direito.

- Conceito de lacuna da lei: A lacuna da lei é a inexistência de uma norma jurídica


aplicável a um caso concreto. Ou seja, é um vazio legal sobre determinado evento. Ex:
casamento homossexual.

A lacuna caracteriza-se quando a lei é omissa ou falha em relação a determinado caso.


Ou seja, essa lacuna ou falha revela que o sistema normativo não se aplica a todos os fatos
da vida social (logicamente, no momento da criação da lei, é impossível prever todos os
fatos e a evolução da sociedade).

A constatação da existência da lacuna ocorre no momento em que o aplicador do direito


vai exercer a sua atividade e não encontra no corpo das leis um preceito que solucione o
caso concreto (ou seja, não há um dispositivo legal que se aplique a determinado caso
concreto). Neste instante, constata-se a existência de uma lacuna.
Direito 81
Hermenêutica Jurídica
Profª Dra. Eliane Iunes Vieira.

Assim, quando o juiz não consegue descobrir uma norma jurídica para decidir determinado
caso, deve servir-se de outros meios para a solucioná-lo, uma vez que todo caso concreto
posto à apreciação do Judiciário não pode deixar de ser apreciado e resolvido.

O procedimento para preenchimento de lacunas da lei é conhecido como Integração.

Porém, a própria lei põe à disposição do aplicador do direito, os meios dos quais pode se
utilizar para o preenchimento da lacuna existente.

Conforme disposição constante do artigo 4º da Lei de Introdução às normas do Direito


Brasileiro – Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (ainda em vigor)43:

Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com
a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Assim, vamos esclarecer,

9.1 Analogia:
 é aplicar a um caso não previsto em lei uma disposição legal prevista para um
caso semelhante, ou ainda

 consiste em aplicar a um caso não previsto de modo direto ou específico, uma


norma jurídica prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso não
contemplado.

9.2 Costume:
 é uma norma social que deriva da longa prática uniforme, geral, constante e
repetida de dado comportamento sob a convicção de que corresponde a uma
necessidade de determinada sociedade.

 São regras não escritas que a sociedade entende como aplicáveis.


Por exemplo: A lei do cheque (Lei nº 7.357/1985) não prevê a existência de
cheque pré-datado, mas o cheque pré-datado é um costume da nossa sociedade.
Então, como resolver juridicamente problemas envolvendo cheque pré-datado?
Atualmente, a jurisprudência entende, com base no Código de Defesa do
Consumidor (Lei nº 8.078/1990), que o comerciante que recebe o cheque pré-
datado tem o dever de respeitar o prazo acordado.
Se o cheque for depositado antes do prazo e, disso, resultar em prejuízo para o
consumidor, o comerciante terá o dever de indenizá-lo44.

9.3 Princípios Gerais de Direito

43
Originalmente, chamava­se Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, mas a partir da Lei nº 12.376/2010,
passou a se chamar Lei de Introdução à normas do Direito Brasileiro.  
44
No mesmo sentido, se o cheque pré-datado for depositado pelo comerciante antes do prazo e acabar
devolvido por falta de fundos, isso não caracteriza crime.
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- Princípios Gerais de Direito São normas (escritas ou não) de cunho genérico, que
condicionam e norteiam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação,
quer para a elaboração de novas normas.

Exemplos de princípios gerais do direito:

 “a lei deve dar a cada um o que é seu”;


 “a lei não pode permitir o enriquecimento ilícito”;
 “todos devem ser tratados como iguais perante a lei;
 “aos acusados em geral devem ser assegurados o contraditório e a ampla
defesa”;
 “quem exercitar o próprio direito não estará prejudicando ninguém”;
 “a pessoa deve responder pelos próprios atos e não pelos atos alheios”;
 “deve ser mais favorecido aquele que procura evitar um dano do que
aquele que busca realizar um ganho”;
 “ninguém deve ser responsabilizado mais de uma vez pelo mesmo fato”;
 “nas relações sociais se deve tutelar a boa-fé e reprimir a má-fé”; etc...

 Miguel Reale destaca que toda a experiência jurídica, e a legislação que a integra,
tem por base os princípios gerais de direito. Portanto, os princípios gerais de
direito são considerados como o alicerce do ordenamento jurídico.

 Clóvis Beviláqua considera os princípios gerais de direito como tendo caráter


universal, ditados pela ciência e pela filosofia do direito.

- Então, o juiz, quando se depara com uma lacuna legal (ou seja, verifica que
determinado caso concreto não está previsto na legislação), deve decidir com base na
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

- Deve-se esclarecer que é necessário realizar a integração nesta ordem:

 Analogia - primeiro verifica se há alguma disposição análoga;

 se não houver casos análogos, é necessário pesquisar os costumes;

 caso não encontre nos costumes a solução, é necessário pesquisar os


princípios gerais de direito, utilizando um dos princípios para solucionar o
caso.

9.4 – Equidade

- Equidade significa apreciação, julgamento justo, respeito à igualdade de direito de cada um,
Direito 83
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Profª Dra. Eliane Iunes Vieira.

que independe da lei positiva, mas de um sentimento do que se considera justo, tendo em vista
as causas e as intenções, virtude de quem ou do que (atitude, comportamento, fato etc.)
manifesta senso de justiça, imparcialidade, respeito à igualdade de direitos, correção, lisura na
maneira de proceder, julgar, opinar etc.; retidão, equanimidade, igualdade, imparcialidade.

- Limongi França cita a

[...] metáfora de Aristóteles utilizada para diferençar a justiça da


equidade. Dizia o filósofo que a primeira corresponderia a uma régua
rígida, ao passo que a outra se assemelharia a uma régua maleável,
capaz de se adaptar às anfractuosidades do campo a ser medido. Sem
quebrar a régua [...], o magistrado, ao medir a igualdade dos casos
concretos, vê-se por vezes na contingência de adaptá-las aos
pormenores não previstos e, não raro, imprevisíveis pela lei, sob pena
de perpetrar uma verdadeira injustiça e, assim, contradizer a própria
finalidade intrínseca das normas legais.

Ou seja, de acordo com metáfora de Aristóteles a Justiça se assemelha


a um régua rígida (inflexível), enquanto que a equidade seria uma
régua maleável (flexível), adaptada a certas situações não previstas na
lei. O exemplo seria o entendimento que é possível a união de pessoas
do mesmo sexo e a adoção de filho por casal homossexual.
Direito 84
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Anexo

Texto: O Princípio da Equidade: por uma nova exegese


Por Maria Fernanda Dias Mergulhão45

I – Princípio da Equidade: histórico e aplicabilidade

Equidade, no vernáculo, possui significado correspondente à “disposição de


reconhecer igualmente o direito de cada um.[1] Aplicar a justiça àquele caso em concreto, ou
“justiça do caso em concreto,” são formas de identificar a equidade no Direito Civil brasileiro.
Platão[2] e Aristóteles[3], nos primórdios da civilização, deixaram estudos,
verdadeiros legados, sobre o alcance da expressão “equidade”. De muito, já se registrara a
preocupação com o amplo poder deferido ao aplicador da norma ao julgar por equidade.
Aristóteles aprimorou os conceitos apresentados por Platão apresentando sua definição
de equidade, segundo a qual equidade consiste em “uma mitigação da lei escrita por
circunstâncias que ocorrem em relação às pessoas, às coisas, ao lugar ou tempos.” [4]
Limongi França explicita:
É conhecida a metáfora de Aristóteles utilizada para diferençar a justiça da equidade.
Dizia o filósofo que a primeira corresponderia a uma régua rígida, ao passo que a
outra se assemelharia a uma régua maleável, capaz de se adaptar às anfractuosidades
do campo a ser medido. Sem quebrar a régua (que em latim é regula, ae, do mesmo
modo que regra), o magistrado, ao medir a igualdade dos casos concretos, vê-se por
vezes na contingência de adaptá-las aos pormenores não previstos e, não raro,
imprevisíveis pela lei, sob pena de perpetrar uma verdadeira injustiça e, assim,
contradizer a própria finalidade intrínseca das normas legais. [5]
Historicamente, colhe-se do Direito Romano a Codificação Justiniana como um
grande marco na aplicação da equidade, eis que conferia poderes ao juiz para decidir por
equidade em preferência ao jus strictum. No direito medieval, Santo Tomás de Aquino
desenvolveu o conceito de equidade proposto por Aristóteles sob o viés cristão. Legou ao
mundo a obra intitulada “Suma Teológica”[6]
Digno de registro, porque aplicada de forma angularmente distinta do sistema adotado
no Brasil (o Civil Law), tem-se a equidade aplicada nos Estados Unidos e Inglaterra. Nesses
países de sistema da Common Law, a equidade é aplicada em larga escala e tem força de
“precedente” para futuros julgados. Indiretamente, portanto, a equidade tem força de lei no
denominado “julgado precedente”.
No primitivo estágio da civilização humana- o estado natural-, a equidade era presente
em todas as decisões, eis que a correspondência ação e reação se via sentir face o efeito
punitivo, correcional, de castigo, que se impingia em condutas desaprovadas por aquele meio
social.
Sucede, porém, que o conceito de equidade era aberto, e por demais amplo gerando, não raro,
injustiças porque não se tratava de regra de exceção, mas de aplicação em todos os casos,
irrestrita e ordinariamente.
Nas novas civilizações, como se havia de esperar, o sistema ruiu dando ensejo à

45
  Disponível em: http://genjuridico.com.br/2017/07/21/o­principio­da­equidade­por­uma­nova­exegese/. 
A autora é Doutora em Direito, Mestre em Direito Penal e graduada em Direito. Promotora de Justiça titular 
do Ministério Publico RJ. Professora. Membro honorário do Instituto dos Advogados Brasileiro, membro 
associada à Academia Brasileira de Direito Civil e professor da Fundação Escola Superior da Defensoria 
Pública do Estado do Rio de Janeiro. Autora da obra Indenização Integral na Responsabilidade Civil pela 
editora Atlas.
Direito 85
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existência do estado legal, do estado da legalidade. Neste, a equidade era exceção, e só


poderia ser aplicada se prévia e disposta pelo legislador. A estabilidade das relações sociais,
assim, passou a ser mais perene, como consequência natural não se antecipando à errada
conclusão de que todos os julgamentos realizados por equidade são insatisfatórios por não
prescindirem da formação cultural e humanística de seu aplicador.
Locke a frente de seu tempo, já registrava:
Embora o Estado de Natureza tenha tal direito (de a ninguém se sujeitar), a fruição
do mesmo é muito incerta e está constantemente exposta à invasão de terceiros
porque, sendo todos reis tanto quanto ele, todo homem igual a ele, e na maior parte
poucos observadores da equidade e da justiça, a fruição da propriedade que possui
nesse estado é muito insegura, muito arriscada. Estas circunstâncias obrigam-no a
abandonar uma condição que, embora livre, está cheia de temores e perigos
constantes; e não é sem razão que procura de boa vontade juntar-se em sociedade
com outros que estão unidos, ou pretendem unir-se, para a mútua conservação da
vida, da liberdade e dos bens a que chamo de propriedade. [7]

II – A equidade valor e a equidade integrativa


A preocupação em entender o real significado da expressão “equidade” é por demais
válida, já que desde sua gênese foi concebida como verdadeiro conceito aberto e impreciso
por natureza. Valoração sob os mais diversos ângulos- cultural, histórica, econômica, dentre
vários outros aspectos-, se torna imperiosa, reconhecendo-se, também, que cada pessoa possui
uma valoração própria, ainda que irmanada em uma comunidade relativamente homogênea.
Partindo dessa realidade indubitável, há orientações no sentido de que a equidade não seja
veículo para a proteção de interesses menores e escusos, destoando, por completo, do fim
almejado na sua utilização.
Carlos Maximiliano, em grande contribuição doutrinária, identifica os fins da
equidade:
Não se recorre à Equidade senão para atenuar o rigor de um texto e o interpretar de
modo compatível com o progresso e a solidariedade humana; jamais será a mesma
invocada para se agir, ou decidir, contra prescrição positiva clara e prevista. Esta
ressalva, aliás, tem hoje menos importância do que lhe caberia outrora: primeiro,
porque se esvaneceu o prestígio do brocardo– in claris cessat interpretatio; segundo,
porque, se em outros tempos se atendia ao resultado possível de uma exegese e se
evitava a que conduziria a um absurdo, excessiva dureza ou evidente injustiça, hoje,
com a vitória da doutrina da socialização do Direito, mais do que nunca o
hermeneuta despreza o fiat justitia, pereat mundus- e se orienta pelas consequências
prováveis da decisão a que friamente chegou. [8](grifos do autor)
Não há como deixar de reconhecer que, in abstracto, é impossível prever todas as
condutas que mereçam tratamento legal, e consequentemente venham a ser disciplinadas pelo
Direito. Aliás, em qualquer ordenamento jurídico essa tentativa, se feita, será fadada ao
insucesso porque o ser humano, por essência mutante, revelará uma nova condição ou
particularidade, que não prevista anteriormente. Assim, se torna imperiosa a utilização da
equidade como forma de fazer justiça a casos particularizados.
No ordenamento jurídico vigente a equidade não está prevista nos artigos 4º e 5º da
Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei n. 4657, de 04 de setembro de 1942), hoje
acertadamente denominada Lei de Introdução das Normas de Direito Brasileiro.[9] [10]
A investigação se torna necessária para identificar, no ordenamento jurídico, a base
legal que dá sustentáculo à equidade no direito civil brasileiro.
A dificuldade não é definir os exatos contornos do que é equidade, mas demonstrar
quando e por que deve ser aplicada em um sistema normativo, a exemplo do brasileiro, o
Civil Law.
Acredita-se que a dificuldade esteja centrada em conceber a equidade sob as formas
Direito 86
Hermenêutica Jurídica
Profª Dra. Eliane Iunes Vieira.

em que pode se revestir, visto ser possível assumir a forma integrativa[11] e, também, a
forma valorativa[12].
Silvio Venosa sintetiza a noção de equidade valor nesta precisa lição:
Tratamos aqui da equidade na aplicação do Direito e em sua interpretação, se bem
que o legislador não pode olvidar seus princípios, em que a equidade
necessariamente deve ser utilizada para que a lei surja no sentido da justiça. A
equidade não é só o abrandamento da norma em um caso concreto, como também
sentimento que brota no âmago do julgador. Como seu conceito é filosófico, dá
margem a várias concepções.(…). Entendamos, porém, que a equidade é antes de
mais nada uma posição filosófica; que cada aplicador do direito dará uma valoração
própria, mas com a mesma finalidade de abrandamento da norma. Indubitavelmente,
há muito de subjetivismo do intérprete em sua utilização. [13] (grifos nossos)
A forma valorativa é ampla e se apresenta sob diversos aspectos, a exemplo dos
conceitos vagos e indeterminados, tal como na aplicação da lei segundo os fins sociais a que
se destina. Portanto, a valoração judicial estará imbuída e valorada por equidade, sem se dizer,
no nosso sistema, que o julgamento foi realizado aplicando-se a equidade. Aqui a equidade é
equidade valor, ou utilizada sob a forma valorativa.
Importante o registro de Fux ao tratar, em verdade, da equidade valor:
Substancialmente, o juiz ao decidir o mérito, deve adotar a “solução que reputar
mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem
comum.” Nesse particular, a lei, utilizando-se de conceitos juridicamente
indeterminados, autoriza o juiz a inverter o velho silogismo e adotar a solução justa
para depois vesti-la com a regra legal aplicável à luz da equidade e das exigências
do bem comum, Assim, o juiz deve levar em consideração não apenas a letra da lei,
senão ambiente em que ela vai ser aplicada, amoldando-a às novas realidades, sem
contudo estar autorizado a decidir contra legem, Essa regra in procedendo funciona
com plenitude quando há lacunas na lei.[14] (grifos nossos)

Quanto à equidade integrativa, ensina Sergio Cavalieri Filho – verbis : “Segundo


Aristóteles, a equidade tem uma função integradora e outra corretiva. A primeira tem
lugar quando há vazio ou lacuna na lei, caso em que o juiz pode usar a equidade para
resolver o caso, sem chegar ao ponto de criar uma norma, como se fosse o
legislador. Essa equidade integradora ou supridora de lacuna permite ao juiz,
partindo das circunstâncias do caso específico que está enfrentando, chegar a uma
conclusão, independentemente da necessidade de criar uma norma. Deve o juiz
procurar expressar, na solução do caso, aquilo que corresponda a uma idéia de
justiça da consciência média, que está presente na comunidade. Será, em suma, a
justiça do caso concreto, um julgamento justo, temperado, fundado no sentimento
comum de justiça. Aquilo que o próprio legislador diria se tivesse presente; o que
teria incluído na lei se tivesse conhecimento do caso.
O Ministro Ruy Rosado, citado por Direito e Cavalieri, fala-nos da equidade corretiva:
[...] Mas essa equidade, a que se refere Aristóteles na Ética a Nicômaco, é a
equidade corretiva, aquela que o juiz vai aplicar quando tiver a necessidade de
afastar uma injustiça que resultaria da aplicação estrita da lei. E é essa equidade,
penso eu, que se refere o legislador quando, nesse artigo 944, parágrafo único, diz
que o juiz poderá, quando o grau de culpa for pequeno e a extensão do dano for
muito grande, fazer uma correção para não aplicar a regra que diz que a indenização
há de corresponder à extensão do dano (artigo 944, caput); pode o juiz afastar essa
disposição para adequar uma indenização que seja mais justa em razão do grau da
culpa do agente- é uma equidade corretiva.[15]
Deve-se pontuar: o sistema brasileiro não admite a utilização irrestrita da equidade
integrativa, mas admite, irrestritamente, a aplicação da equidade valor.
Qualquer que seja a denominação que a equidade venha a se revestir, forçoso
reconhecer “que cada aplicador do direito dará uma valoração própria, mas com a mesma
finalidade de abrandamento da norma. Indubitavelmente, há muito de subjetivismo do
Direito 87
Hermenêutica Jurídica
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intérprete em sua utilização, como outrora registrado.”[16]


Em alguns dispositivos de Lei, e de forma aleatória, não são raros os exemplos de
equidade como forma integrativa, autorizada, no seu âmago, pelo legislador.[17] Há, porém,
dispositivo genérico, no Código de Processo Civil, autorizando a aplicação da equidade,
segundo condições ali especificadas- verbis: Artigo 127- O juiz só decidirá por equidade nos
casos previstos em lei. [18](grifos nossos)
Extrai-se do comando normativo transcrito que a equidade é admitida no direito civil
brasileiro de forma excepcional e através de lei autorizativa, lei autorizativa prévia.
Imperioso não confundir o comando normativo previsto no artigo 127 do Código de
Processo Civil, cuja significação é clara, com o comando normativo previsto no artigo 5º da
LRNB- Lei de Introdução às Normas de Direito Civil Brasileiro[19], eis que a aplicação do
direito atendendo “aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” não se
constitui como expressão sinônima à equidade, salvo na concepção que externou-se quanto à
equidade valor, com aplicação irrestrita a quaisquer hipóteses em que determinado caso, in
concreto, demande integração ou interpretação pelo aplicador do direito.[20]
Em outras palavras: não é razoável concluir, no sistema codificado atual, como
também no sistema pretérito, que equidade é previsão genérica por ser valor diretamente
imanente do conceito magno de Justiça. Em um discurso prefacial, seria colhido amplo
convencimento porque, de fato, equidade está umbilicalmente ligada ao conceito de Justiça e,
consequentemente, seria admissível aplicar a equidade todas as vezes que o caso demandasse
integração judicial para “melhor atender o que se espera de Justiça…” Referida conclusão se
reveste de ampla inversão da lei, de valores, de direito e da filosofia aplicáveis ao estudo da
equidade.
A melhor doutrina esclarece:
No direito moderno, às vezes o legislador, querendo evitar o casuísmo, admite que o
juiz profira a sua decisão à vista da espécie, e assim faça a justiça que o caso
concreto reclama. É por aí que a noção de equidade se avizinha da justiça pura,
afeiçoando a decisão à norma não elaborada, mas presente na consciência do
julgador. Em tais circunstâncias este fica investido da faculdade de aplicar a norma
que estabeleceria se fosse legislador (Código de Processo Civil, art.127). Fora dos
casos em que é expressamente autorizado a assim decidir, o emprego dela só é
tolerado com caráter excepcional, pois que a própria norma já contém os
temperamentos que a equidade natural aconselha, e não pode servir de motivo ou
desculpa à efetivação das tendências sentimentais ou filantrópicas do juiz.[21]
Silvio Rodrigues elucida:
Em rigor, o juiz não pode julgar por equidade, pois a solução nela baseada só é
admissível quando a lei expressamente o permitir (CPC, art.127). De modo que, ante
a hipótese figurada no exemplo, ou o juiz julga procedente a ação e condena o
agente causador do dano ao pagamento da indenização integral, ou então, se
entender que a indenização representa castigo excessivo para culpa tão ligeira, terá
de julgar improcedente a ação. Isso porque lhe é vedado fixar a indenização pela
metade, ou em outra proporção, uma vez que não está autorizado a julgar por
equidade. [22] (grifos nossos)
Nessa quadra, reitere-se o registro no sentido de que a equidade não está presente no
artigo 5º da LRNB porque ali há uma recomendação genérica de atendimento do bem comum,
como também não está prevista no artigo 4º do mesmo diploma normativo porque não se
constitui em analogia, costume ou princípio geral do direito.
Não se desacredita que existam afirmações no sentido de que a equidade estaria
presente no artigo 4º da LRNB, [23]como forma de integração de lacuna, por ser princípio
geral de direito, o que é um equívoco.
O dissenso doutrinário sobre as funções da equidade é apontado por Ricardo Fiuza e
Regina Beatriz Silva:
Direito 88
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Maria Helena Diniz (Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, São
Paulo, Saraiva, 1994, p.158) aponta que o art.5º da Lei de Introdução está a
consagrar a equidade como elemento de adaptação e integração da norma ao caso
em concreto, explicando que a equidade se apresenta como a capacidade que a
norma tem de atenuar o seu rigor, adaptando-se ao caso sub judice. Nessa sua nova
função, a equidade não pretende quebrar a norma, mas ampliá-la às circunstâncias
sociovalorativas do fato concreto no instante de sua aplicação. Afinal, repete-se a
veneranda definição de Aristóteles, de que equidade é a justiça do caso em concreto.
[24]
Com efeito, dado o caráter excepcional que deve revestir sua aplicação, em respeito ao
sistema da tripartição de funções estatais[25], a equidade deve ser aplicada quando, de forma
expressa, em texto normativo, for autorizada.
Em verdade, também, que a equidade é valoração advinda da filosofia e, sob esse
caráter, isto é, como valor, pode e deve permeiar todos os princípios gerais do direito[26], o
que não significa concluir, porém, que poderá ser adotada amplamente, como forma
integrativa de lacunas do direito, já que não é princípio geral do direito, mas valor que lhe dá
suporte filosófico tão-somente.
Agostinho Alvim, integrante dos primeiros debates do anteprojeto do atual Código
Civil, apresenta ensinamento interessante acerca da equidade, classificando-a em equidade
legal e equidade judicial, o que acredita-se equivaler ao que aqui se denominou,
respectivamente, equidade integrativa e equidade valor. Ensina o mestre:
[...]a equidade distingue-se em equidade judicial e equidade legal. O primeiro caso
seria aquele em que o juiz, na hipótese de haver permissão legal (expressa ou
implícita), aplica a melhor solução ao caso concreto, resultando numa “justiça
perfeita”. No segundo caso – equidade legal – a justiça seria “aproximada”, pois
ocorre quando o próprio legislador minudencia a regra geral, especificando diversas
hipóteses de incidência da norma. Haveria uma aproximação ao caso concreto, mas
não uma justiça perfeita”.
Confiram-se as suas próprias palavras: “A lei que recomenda a equidade, explícita ou
implicitamente, de maneira a descer até a individuação, tal lei permite ao juiz a revelação do
direito. Mas, como o termo ‘legislador’, aplicado ao juiz não lhe dá arbítrio absoluto, deve ele
ter em vista o sistema legislativo e a moral positiva (moral que impera em dado tempo e
lugar) para deste modo revelar o que ‘descobriu’, mas nunca o que haja ‘criado’
arbitrariamente.”[27]
No Código de Processo Civil de 1939, a equidade estava prevista no artigo 114 com a
seguinte redação: “Quando autorizado a decidir por equidade, o juiz aplicará a norma que
estabeleceria se fosse julgador.”

III – A Equidade no direito atual – substitutiva, integrativa e interpretativa.


Exsurge do citado comando normativo, à primeira vista, maior amplitude deferida ao
julgador na aplicação da norma. Nesse sentido, Paulo de Tarso Sanseverino apresenta sua
contribuição:
Assim, a equidade, no direito atual, aparece com três funções básicas: a)
substitutiva; b) integrativa; c) interpretativa. Na sua função substitutiva, atribui
excepcionalmente poderes ao juiz para decidir com liberdade, afastando-se das
normas legais e declarando a solução justa para o caso (CPC/39, art.114). Na sua
função integrativa, a equidade constitui um instrumento posto caso a caso pela lei à
disposição do juiz para especificação em concreto dos elementos que a norma de
direito não pode resolver em abstrato. Finalmente, em sua função interpretativa,
busca estabelecer um sentido adequado para regras ou cláusulas contratuais em
conformidade com os critérios de igualdade e proporcionalidade.[28]
Direito 89
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Com a revogação do artigo 114 do CPC/39 pelo artigo 127 do CPC/74 46, conclui-se
que, no direito processual civil brasileiro, a equidade substitutiva deixou de existir. O artigo
127 do CPC/74 se traduz na idéia de equidade integrativa. Entretanto, o festejado doutrinador
acredita, que embora rara, ainda vigorante a equidade substitutiva- verbis: “A aceitação da
equidade substitutiva é muito rara, pois representa uma quebra no sistema, gerando
insegurança jurídica. Na maioria das hipóteses previstas no CC/2002, o legislador faz uso da
equidade na sua função integrativa(…).”[29]
Apesar das distintas nomenclaturas utilizadas, concebe-se a identidade dos conceitos.
Assim, equidade corretiva, equidade integrativa e equidade legal possuem a mesma definição,
qual seja, são nomenclaturas que redundam no mesmo significado: permissivo legal ao
aplicador do direito à utilização da equidade para complementar o conteúdo normativo da Lei
o que, in abstracto, por opção, ou real impossibilidade, o legislador não previu. Não
comunga-se, assim, da posição segundo a qual equidade integrativa e integridade corretiva
integrariam gêneros distintos, posto que ao integrar é possível corrigir; integrar é gênero do
qual correção é espécie e, no sistema jurídico-brasileiro só poderá ocorrer se houver prévia e
expressa previsão legal.
Frise-se: a equidade valor, ou equidade judicial, não pode ser confundida com a
equidade integrativa porque enquanto uma informa outros princípios de hermenêutica, esta
apresenta outro conteúdo normativo à norma; corrige. Assim, se supre lacuna, integrando, ou
se supre, corrigindo, não se trata de equidade valor, ou judicial porque vai muito mais além. O
aplicador do direito se investe de função legislativa, para aquele caso em concreto, e, por tal
razão, sua aplicação deve ser extraordinária, antecedente e expressa.
Em síntese: o sistema jurídico brasileiro admite a equidade valor porque não é sistema
normativo absolutamente fechado às valorações e interpretações necessárias à melhor
adequação da justiça ao caso concreto. Contudo, a equidade integrativa, que complementa a
norma abstrata, só pode ser aplicada se, e quando, o legislador prever, in abstracto (artigo 127
do CPC). Apenas nessa hipótese.[30] Do contrário, haverá inversão da ordem legal e, em
última análise, arbítrio, o que deverá ser, sempre, rechaçado pelos operadores do direito.[31]
Com maestria , alerta Caio Mário da Silva Pereira:
É, porém, arma de dois gumes. Se, por um lado, permite ao juiz a aplicação da lei de
forma a realizar o seu verdadeiro conteúdo espiritual, por outro lado pode servir de
instrumento às tendências legiferantes do julgador, que, pondo de lado o seu dever
de aplicar o direito positivo, com ela acoberta sua desconformidade com a lei. O juiz
não pode reformar o direito sob pretexto de julgar por equidade, nem lhe é dado
negar-lhe vigência sob fundamento de que contraria o ideal de justiça. A observância
da equidade, em si, não é um mal, porém a sua utilização abusiva é de todo
inconveniente. Seu emprego há de ser moderado, como temperamento do rigor
excessivo ou amenização da crueza da lei. [32]

IV – Aspectos dogmáticos e legais inerentes à equidade em cotejo com a praxe forense


Apesar da dogmática inerente à equidade, enquanto valor, ser muito clara, e bem
sedimentada, a equidade enquanto instrumento hábil a suprir lacunas provoca verdadeira
confusão, em todos os planos, principalmente nos foros em geral.
Constata-se, facilmente, em rápida pesquisa de arestos civis, a utilização da equidade,
sob diversos prismas, objetivando apresentar justiça àquela hipótese em comento, à revelia de
toda à dogmática aplicada na equidade enquanto instrumento para suprir lacunas, excepcional,
e extraordinária ao comando legal previsto no artigo 4º da LRNB.[33]
Assim, ora seu comando é confundido com o artigo 5º da LRNB-Lei n.12.376/10- para
46
  A Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, instituiu o Novo Código de Processo Civil e revogou o CPC 
de 1974..
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legitimar a ampla e irrestrita aplicação da equidade a várias situações concretas, ora seu
comando é confundido com o teor de um princípio geral do direito para legitimar sua
aplicação com base no artigo 4º do mesmo diploma normativo. Em ambas situações afere-se
erro do exegeta.
Já ensinava Washington de Barros Monteiro:
Contudo, não é sempre que o magistrado pode se socorrer da equidade, que,
modernamente, está no próprio direito e não fora dele. Ele só pode fazê-lo quando
expressamente autorizado pelo legislador. “O juiz só decidirá por equidade nos casos
previstos em lei” (Cód.Proc.Civil, art.127). Sem autorização legal explícita, porém,
não pode o julgador, motu próprio, servir-se da inspiração social da equidade; se ele
se ativesse às suas concessões pessoais, teria consagrado a equidade cerebrina,
merecedora de tantas censuras, por ser indumentária vistosa com que o arbítrio se
disfarça nos pretórios. (grifos nossos)[34]
Em outra passagem, o festejado doutrinador registra o que restava consolidado nos
Tribunais:
A jurisprudência tem assentado a seguinte orientação: a) diante de texto expresso,
descabe a invocação à equidade; b) a equidade, como ideal ético de justiça, deve entrar na
formação mesma da lei. Não pode, porém, o juiz modificar a lei sob cor de humanizar e
inspirar-lhe os influxos da equidade. Só está autorizado a decidir por equidade na ausência da
lei; c) a equidade recomenda-se quando o texto legal não propicia clara exegese; mas ela não
pode ser invocada para inutilizar e revogar preceito claro de lei, ou condições e normas
livremente aceitas pelas partes;d)a equidade não pode ser invocada para enfrentar exigências,
quer ditadas por necessidade da vida coletiva, quer estabelecidas pelos interesses superiores
do Estado, expressamente consignadas pelo mandamento legal.[35](grifos nossos)
O Direito Português, em vanguarda, optou por estabelecer limites à equidade:
Valor da Equidade. Os tribunais só podem resolver segundo a equidade: a) Quando
haja disposição legal que o permita; b)Quando haja acordo das partes e a relação
jurídica não seja indisponível;c) Quando as partes tenham previamente
convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis à cláusula
compromissória”.[36]
Anseia-se que a equidade seja corretamente aplicada, isto é, que seja aplicada de forma
excepcional, tão-somente quando a lei expressamente autorizar a sua aplicação. É como se
fosse o Estado-legislador, convencido de que não haveria, abstratamente, condições de prever
todas as situações, delegando essa tarefa ao aplicador, mas sempre de forma expressa, e em
caráter excepcional.
Visto isso, reafirma-se que o sistema civil brasileiro não admite a aplicação do
Princípio da Equidade Integrativa (corretiva/legal) irrestritamente devendo ser prevista,
expressamente, pelo legislador.

Referências Bibliográficas:
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CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por Equidade no Código Civil. 2ªed. São Paulo. 2ªed. ed.
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CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. 3ªed.São Paulo:ed.Atlas. 2011.
DIREITO, Carlos Alberto Menezes e CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao Novo Código Civil. vol.
XIII.Rio de Janeiro:ed.Forense.2004.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da Lingua Portuguesa.
FIUZA, Ricardo e SILVA, Regina Beatriz (coords) Tavares da. Código Civil Comentado. 8ªed. São Paulo:
ed.Saraiva. 2012.
FRANÇA, R.Limongi. Hermenêutica Jurídica.2ª ed. São Paulo: ed.Saraiva. 1988.
FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: ed.Forense. 2001.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – parte geral. São Paulo:ed.Saraiva. 2012.
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MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ªed. Rio de Janeiro: ed.Forense. 2003.
OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni in SAMPAIO, José Adércio Leite (coord). Jurisdição Constitucional e
Direitos Fundamentais. Belo Horizonte:ed.Del Rey. 2003.
PEREIRA,Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil-v.I..5ª ed. Rio de Janeiro: editora Forense.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Responsabilidade Civil. v.4. 20ª edição. São Paulo: Saraiva. 2008.
SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da Reparação Integral. São Paulo: ed.Saraiva:São Paulo.
SILVA,Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa.São Paulo:ed.Saraiva.1974.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. parte geral. São Paulo:ed.Atlas. 2001.
Notas:
[1].FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da Lingua Portuguesa.
[2] Citando Hélio Tornaghi, averba Milton Paulo: “Historicamente, a equidade, segundo Tornaghi, sugiu na
Grécia com Platão que havia se preocupado com a necessidade de corrigir, por meio da epieKeia, as injustiças
decorrentes da rigidez apresentada pela norma geral, especialmente o direito escrito.” CARVALHO FILHO,
Milton Paulo de. Indenização por Equidade no Código Civil. 2ªed. São Paulo:ed.Atlas.2003.p.19.
[3] Aristóteles legou ao mundo a grande obra sobre equidade denominada “Ética a Nicômaco.”
[4] ARISTÓTELES apud CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por Equidade no Código Civil.
2ªed.São Paulo:ed.Atlas.2003.p.27.
[5] FRANÇA, R.Limongi. Hermenêutica Jurídica.2ª ed. São Paulo: ed.Saraiva. 1988.p.71.
[6] Na parte relacionada à equidade colhe-se da importante obra: “Como dissemos, quando tratamos das leis, os
atos humanos que as leis devem regular, são particulares e contingentes e podem variar ao infinito. Por isso não é
possível instituir nenhuma lei que abranja todos os casos; mas os legisladores legislam tendo em vista o que
sucede mais frequentemente. Contudo, é contra a igualdade da justiça e contra o bem comum, que a lei visa
observá-la em certos casos determinados. Assim, a lei determina que os depósitos sejam restituídos, porque tal é
justo na maioria dos casos; mas pode acontecer que seja nocivo, num dado caso. Por exemplo, se um louco, que
deu em depósito uma espada, a exija no acesso da loucura, se alguém exija o depósito para lutar contra a pátria.
Nesses casos, e em outros semelhantes, é mau observar a lei estabelecida: ao contrário, é bom, seguir o que
pedem a idéia da justiça e utilidade comum. E a isso se ordena a epieiqueia, a que nós chamamos equidade.”
(grifos nosso) CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por Equidade no Código Civil.2ªed.São
Paulo:ed.Atlas.2003.p.23.
[7] LOCKE, John apud OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni in SAMPAIO, José Adércio Leite(coord).
Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte:ed.Del Rey. 2003. p. 222.
[8] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ªed. Rio de Janeiro: ed.Forense. 2003.
Pp.142/143.
[9] Artigo 4º- Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito.
Artigo 5º- Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
[10] Lei n. 12.376, de 30/12/10
[11] Com clareza e profundidade que lhe são peculiares, acerca da função integrativa no Princípio da Equidade,
ensina Sérgio Cavalieri- verbis: “Segundo Aristóteles, a equidade tem uma função integradora e outra corretiva.
A primeira tem lugar quando há vazio ou lacuna na lei, caso em que o juiz pode usar a equidade para resolver o
caso, sem chegar ao ponto de criar uma norma, como se fosse o legislador. Essa equidade integradora ou
supridora de lacuna permite ao juiz, partindo das circunstâncias do caso específico que está enfrentando, chegar
a uma conclusão, independentemente da necessidade de criar uma norma. Deve o juiz procurar expressar, na
solução do caso, aquilo que corresponda a uma idéia de justiça da consciência média, que está presente na
comunidade. Será, em suma, a justiça do caso concreto, um julgamento justo, temperado, fundado no sentimento
comum de justiça. Aquilo que o próprio legislador diria se tivesse presente; o que teria incluído na lei se tivesse
conhecimento do caso. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. 3ªed.São
Paulo:ed.Atlas. 2011.pp.51-52.
[12] Referindo-se, à equidade valor, embora não a apresentando expressamente sob essa nomenclatura, apresenta
a boa doutrina o conceito e circunstâncias desta espécie de equidade: “(…)Mas até que vença a lei injusta, a lei
que já não mais traduza o direito porque já deixou de atender às necessidades sociais do meio, a equidade atua
em caráter supletivo, amoldando a norma à realidade, buscando fazer com que, não obstante a letra da lei, seu
espírito não seja relegado ao oblívio, como diria Orozimbo Nonato na sua linguagem de clássico.É a equidade
atuando sobre o juiz, na sua exegese da norma.O direito não se estratifica nem se fossiliza nas suas disposições
formais, diz-se. Ele deve evoluir com a vida.E quando mudam as condições do meio por influência de fatores
vários: políticos, econômicos, históricos, etc., a lei terá de evoluir também, embora guardando, no mais das
vezes, a antiga roupagem, literal, das suas disposições.Não se poder parar no tempo, O trabalho do hermeneuta é,
sobretudo, nas épocas de transição, um trabalho de equidade.É verdade inconteste, como afirmou São Paulo em
Direito 92
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sua epístola aos coríntios, que “littera occidit spiritus autem vivicat”.Summus jus, summa injuria.E para Paulo, o
jurisconsulto romano, “nos ex regula jus sumatur, sed ex jure quod est regula Fiat”. Ou como lembra Condorelli,
o direito, certamente, é uma realidade ideal, mais alta e mais profunda que a da simples regra, à qual, muita vez,
se pretende circunscrevê-lo, seccionando o de sua verdadeira fonte, de fonte autêntica que lhe confere dignidade
e autoridade.” SILVA,Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa.São Paulo:ed.Saraiva.1974.pp.160-161.
[13] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil-parte geral. São Paulo: ed.Atlas. 2001. p.47.
[14] FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: ed.Forense. 2001. pp.479-480
[15] Ruy Rosado apud DIREITO, Carlos Alberto Menezes e CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao Novo
Código Civil. vol. XIII.Rio de Janeiro:ed.Forense.2004.pp.334/335.
[16] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. parte geral. São Paulo:ed.Atlas. 2001. p.47.
[17] CÓDIGO CIVIL 2002 e Código de Processo Civil- artigo 127
Artigo 944- A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único- se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir,
equitativamente, a indenização.
[18] No Código de Processo Civil de 1939, o mesmo princípio era previsto no artigo 114-verbis: “Quando
autorizado a decidir por equidade, o juiz aplicará a norma que estabeleceria se fosse legislador.”
[19] Lei n.12.376, de 30/12/10- Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro derrogando à antiga expressão
oriunda do Decreto-Lei n.4657, de 04 de setembro de 1942: “Lei de Introdução ao Código Civil”
[20] Crê-se que a posição de Carlos Roberto Gonçalves é no sentido de apontar o artigo 5º da LRNB como
equidade valor, a qual aqui também se adota. Verbis: “A equidade está ínsita no artigo 5º da Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro, quando este recomenda ao juiz que atenda, ao aplicar a lei, aos fins sociais a que
ela se destina, adequando-a às exigências oriundas das mutações sociais, e às exigências do bem comum.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro -parte geral. São Paulo:ed.Saraiva. 2012. p.77.
[21] DE PAGE apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v.I. Rio de Janeiro: Gen-
editora Forense. 2010.p.63.
[22] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Responsabilidade Civil. v.4. 20ª edição. São Paulo: Saraiva. 2008.p
p.188
[23] Nesse sentido, cuja discordância já foi manifesta, posiciona-se Maria Helena Diniz: “Do que foi exposto
infere-se a inegável função da equidade de suplementar a lei, ante as possíveis lacunas. No nosso entender, a
equidade é elemento de integração, pois consiste, uma vez esgotados os mecanismos previstos no art.4º da Lei de
Introdução ao Código Civil, em restituir à norma, a que acaso falte, por imprecisão de seu texto ou por
imprevisão de certa circunstância fática, a exata avaliação da situação a que esta corresponde, a flexibilidade
necessária à sua aplicação, afastando por imposição do fim social da própria norma o risco de convertê-la num
instrumento iníquo.” (grifos nosso) DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil brasileira
Interpretada.12ªed.São Paulo:ed.Saraiva. 2007.p.141.
[24] FIUZA, Ricardo e SILVA, Regina Beatriz (coors) Tavares da. Código Civil Comentado. 8ªed. São Paulo:
ed.Saraiva. 2012.pp.48-49.
[25] Artigo 2º da Constituição da República em vigor: São Poderes da União, independentes e harmônicos entre
si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
[26] Artigo 4º da Lei n.12.376/10- LRNB- Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. (grifo nosso)
[27] ALVIM, Agostinho. Da equidade, in Revista dos Tribunais, vol. 797, mar. 2002, pp. 767-770.
[28] SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da Reparação Integral. São Paulo: ed.Saraiva:São
Paulo. p.91.
[29] ______. Princípio da Reparação Integral. São Paulo: ed.Saraiva:São Paulo. p.92.
[30] Muito apropriada a síntese de Carlos Roberto Gonçalves: “ Fora dos casos expressamente previstos, o juiz
não pode julgar por equidade. Se a lei não dispõe, expressamente, que a culpa ou o dolo podem influir na
estimativa das perdas e danos, o juiz estará adstrito à regra que manda apurar todo o prejuízo sofrido pela vítima,
em toda a sua extensão, independentemente do grau de culpa do agente. E, ainda que o resultado se mostre
injusto, não estará autorizado a decidir por equidade. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil.
14ª ed. São Paulo: ed.Saraiva.2012.p.569.
[31] A jurisprudência do STJ bem sintetizou a questão: “(…) a proibição de que o juiz decida por equidade, salvo
quando autorizado por lei, significa que não haverá de substituir a aplicação do direito objetivo por seus critérios
pessoais de justiça. Não há de ser entendida, entretanto, como vedando se busque alcançar a justiça no caso
concreto, com atenção ao disposto no art.5º da Lei de Introdução.” RSTJ 83/168.
[32] PEREIRA,Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil-v.I..5ª ed. Rio de Janeiro: editora Forense.
1992. p. 57.
[33] Artigo 4º da Lei n.12.376/10- LRNB- Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
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analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
[34] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. parte geral. São Paulo: ed.Saraiva. 1996.p.44
[35] ______. Curso de Direito Civil. parte geral. São Paulo:Ed.Saraiva. 1996.p.45
[36] Código Civil Português- Decreto-Lei n. 47344, de 25 de novembro de 1966, artigo 4º
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10. Antinomias Jurídicas.

- Antinomia: contradição entre duas proposições filosóficas igualmente críveis, lógicas ou


coerentes, mas que chegam a conclusões diametralmente opostas, demonstrando os limites
cognitivos ou as contradições inerentes ao intelecto humano; contradição entre quaisquer
princípios, doutrinas ou prescrições; posição ou disposição totalmente contrária; oposição;
contradição real ou aparente entre leis, ou entre disposições de uma mesma lei, o que dificulta
sua interpretação.

- Antinomia jurídica é uma contradição real ou aparente entre normas dentro de um sistema
jurídico, dificultando-se, assim, sua interpretação e reduzindo a segurança jurídica no
território e tempo de vigência daquele sistema.

- Segundo Norberto Bobbio: “A situação de normas incompatíveis entre si é uma das


dificuldades frente as quais se encontram os juristas de todos os tempos, tendo esta situação
uma denominação própria: antinomia. Assim, em considerando o ordenamento jurídico uma
unidade sistêmica, o Direito não tolera antinomias”.

 Quando há conflito entre normas jurídicas é importante destacar:

o quando existe um conflito entre regras, aplica­se a mais adequada (estes casos
envolvem hierarquia de normas que é um tema a ser estudado em Controle de
Constitucionalidade). 

Ou seja, devem ser adotados os seguintes critérios práticos:

a) Critério Cronológico: Existindo duas normas incompatíveis, prevalece a norma
posterior.   Este   critério   é   anunciado   pelo   brocardo   jurídico:  lex   posterior
derogat legi priori (lei posterior derroga – é o mesmo que abolir ou alterar ­ a
lei posterior). Ou seja, a eficácia da lei no tempo é limitada ao prazo de sua
vigência, que começa com a sua publicação e perdura até a sua revogação.
Assim, a lei só começa a produzir seus efeitos após entrar em vigência e deixa
de produzi­los depois de revogada. 
Como ensina Norberto BOBBIO, “Do princípio de que a lei só tem eficácia
durante a vigência, resulta que nenhuma lei pode aplicar­se a fatos anteriores
(nenhuma lei tem efeito retroativo). O único caso de retroatividade permissível
é da lei penal favorável ao réu.”

b) Critério   Hierárquico:   Este   critério   também   chamado   de  Lex   superior  é


inspirado na expressão latina  lex superior derogat legi inferiori  (lei superior
derroga – é o mesmo que abolir ou alterar ­ a lei inferior). Assim, na existência
de   normas   incompatíveis,   prevalece   a   hierarquicamente   superior.
Direito 95
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Contrariamente, uma norma inferior revogar uma superior é inadmissível.

c) Critério da Especialidade: Conhecido também por  Lex specialis, é originário
do princípio de direito romano de que  lex specialis derogat legi generali (lei
especial derroga – é o mesmo que abolir ou alterar ­ a lei geral, ou seja uma
determinada lei específica sobre determinado tema prevalece sobre uma lei de
caráter mais genérico). 
Dessa forma, se as normas incompatíveis forem uma geral e a outra especial,
prevalece a especial.

o No tocante aos princípios, quando há um conflito entre os mesmos, a solução é
ponderá­los. 
 Por exemplo: qual princípio é mais importante, o direito à vida
ou à liberdade?
Ou   seja,   a   família   pode   impedir   um   tratamento   de   um   filho
menor alegando liberdade religiosa? E se a falta do tratamento
vier a causar a morte da criança?
O juiz pode decidir mandar fazer o tratamento, uma vez que o
direito   à   vida   é   mais   importante   que   o   direito   à   liberdade
religiosa (a vida é mais importante que a liberdade).
Vale frisar que, neste caso, um princípio não deixa de existir, ou
seja,  ele  não  some  do ordenamento  jurídico.   Há apenas  uma
ponderação entre os princípios em conflitos.

11. Hermenêutica e Aplicação do Direito.

- A função do Estado é promover o bem comum de toda a sociedade. A finalidade do Direito é


alcançar a paz social. Ao Estado cabe o exercício da função jurisdicional, exercida pelo Poder
Judiciário. Ao juiz compete aplicar o direito a casos concretos que lhe são apresentados, para
realizar e manter a paz e harmonia social.

- A aplicação do direito não se resume a um método simples. O juiz deve estar em sintonia
não somente com o direito, mas também com a evolução da sociedade. Deve, antes de tudo,
ter o julgador um profundo conhecimento da natureza humana.

- A propósito, de acordo com o Decreto-Lei nº 4657/42 – Lei de Introdução às normas do


Direito Brasileiro,

Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela
se dirige e às exigências do bem comum.

- Ou seja, deverá pesquisar quais são as finalidades sociais da lei e as exigências da sociedade
Direito 96
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(o bem comum)47.

- Acrescente-se que o juiz não pode se recusar a aplicar o direito sob a alegação de inexistir
norma jurídica cabível para o caso.

- Todos têm o direito de procurar o Poder Judiciário para defender seus interesses e o Estado
tem o dever de prestar a tutela jurisdicional adequada, seja ela favorável ou desfavorável ao
postulante (ou seja, dar uma sentença favorável ou desfavorável).

- Diante disso, ainda que não exista norma jurídica aplicável ao caso concreto, o juiz deve
servir-se de outros meios para manter a paz social, valendo-se, então, dos métodos de
integração da norma jurídica, tais como a analogia, o costume e os princípios gerais do
direito.

12. Interpretação e Aplicabilidade das Normas Constitucionais e dos Tratados


Internacionais.

- INTRODUÇÃO

O tema interpretação da Constituição pertence à esfera da Hermenêutica Jurídica.

Tudo que estudamos sobre Hermenêutica Clássica é aplicável ao processo de interpretação da


constituição (seja a Constituição Federal de 1988 ou qualquer das Constituições Estaduais).

Para interpretarmos a constituição não basta ficarmos restritos ao texto. Ou seja, interpretar a
constituição significa:

 compreender o conteúdo, o alcance e a interligação dos seus diversos dispositivos.

- A interpretação constitucional é de importância fundamental, porque:

 a Constituição é superior hierarquicamente às demais normas jurídicas (leis, medidas


provisórias decretos, resoluções, portarias) – a Constituição Federal é superior à todas as
normas; e

 todas as normas jurídicas estão relacionadas a algum tema previsto na Constituição


Federal/1988, portanto com ela devem estar de acordo. Caso a norma contrarie algum
aspecto da Constituição, será considerada inconstitucional.

- MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

47
Por exemplo, o ECA tem a finalidade de proteger a criança e o adolescente, assim toda decisão que envolva
a aplicação do ECA não pode contrariar essa finalidade.
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Há diversos métodos de interpretação constitucional que são complementares. A doutrina e a


jurisprudência adotam, em geral, os seguintes métodos:

 Método jurídico – também chamado de método hermenêutico clássico, parte da premissa


de que a Constituição é, para todos os efeitos, uma lei. Portanto, interpretar a Constituição
é interpretar uma lei, a chamada tese da identidade. Usam-se, aqui, as regras tradicionais de
hermenêutica:

a) literal,
b) lógica
c) sistemática,
d) histórica e
e) teleológica (finalística).

 Método tópico-problemático-

Tendo em vista que diversos artigos da constituição são genéricos e amplos (por exemplo,
os direitos sociais: a educação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a providência
social ...), acaba por ampliar as possibilidades de interpretação.

Assim, por este método, a interpretação deve procurar resolver problemas concretos.

◦ Em razão da evolução da sociedade, o carácter genérico de diversos artigos podem não


se aplicar diretamente a todos os novos problemas que surgem a cada dia – ex: crimes
pela internet (na época da CF/88 a internet ainda não estava tão desenvolvida e somente
pesquisadores tinham acesso a ela), etc... ;

◦ Neste método a interpretação da constituição é conduzida a um processo aberto de


argumentação entre os vários participantes (pluralismo de intérpretes – por exemplo
Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e/ou Ministros de tribunais
superiores) através da qual se tenta adaptar ou adequar a norma constitucional ao
problema concreto.

Os aplicadores/intérpretes servem-se de vários pontos de vista, sujeitos a opiniões pró ou


contra, a fim de chegar à interpretação mais conveniente para o problema.
Dessa forma, interpretar o texto constitucional a partir deste método (tópico-
problemático) merece sérias críticas, uma vez que pode não gerar resultados uniformes.

 Método científico-espiritual – também chamado de método valorativo ou sociológico.


Parte das seguintes premissas:

a) deve-se verificar quais são os valores que estão representado no texto constitucional (por
ex.:defesa da vida, defesa da liberdade individual, proteção ao meio ambiente, proteção ao
consumidor, à criança, ao adolescente, ao idoso, etc...);
b) procurar analisar o problema de acordo com os valores envolvidos na questão. Ou seja,
em face de um problema, deve-se perguntar quais valores são mais importantes a
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preservar: por ex.: entre a vida e a liberdade, deve prevalecer a defesa à vida – se a família
alega que não permite que o filho menor enfermo seja submetido a transfusão de sangue,
alegando liberdade religiosa, o Estado pode obrigar o tratamento médico para salvar a vida
- assim sacrifica-se a liberdade religiosa da família, em prol da vida, que é o valor mais
importante.

 Método jurídico normativo-estruturante –

O texto constitucional, em geral, revela apenas uma parte do que realmente significa.
Ou seja, o alcance dos dispositivos constitucionais ultrapassa o simples texto.
Para descobrir o verdadeiro alcance do texto constitucional é necessário uma busca ampla
sobre a sua repercussão nas diversas estruturas do Poder Estatal (Executivo, legislativo,
judiciário).
Por exemplo: a Constituição garante a liberdade de todos (art. 5º). Mas a interpretação
deste dispositivo requer, perante um caso concreto, a verificação do direito à liberdade
perante as estruturas do Estado:

▪ o Poder Executivo: deve garantir a todos o direito de ir e vir;

▪ o Poder Legislativo: pode restringir esse direito, por exemplo: se a pessoa estiver de
automóvel, deve respeitar as leis de trânsito que limita esse direito (ou seja, não se
pode fazer o quiser no trânsito);

▪ o Poder Judiciário: pode restringir a liberdade daquele que comete um crime (prisão
– restrição máxima).

Então, verifica-se que o direito à liberdade não é absoluto!

 Método hermenêutico-concretizador – a Constituição não tem como referência apenas o


texto, mas sim o texto e os fatos (sociais que estão em constante evolução),
concebendo a interpretação constitucional como concretização da norma.

Ou seja, na interpretação constitucional, segundo o método concretista, o intérprete


deve preencher, complementar e delimitar os preceitos constitucionais (o teor dos
diversos artigos), relacionando-os com problemas concretos da sociedade.

Interpretar não é apenas compreender ou extrair significações abstratas. Ao contrário,


interpretar significa adaptar os preceitos constitucionais aos fatos correntes (ou
concretos) da vida social. O ato de interpretar não pode se limitar à busca de um
sentido lógico, abstrato e gramatical do texto.

Assim a interpretação deve tornar concreto (adaptados à realidade) conceitos abstratos.


Por exemplo: a questão de pesquisas científicas/genéticas. O interprete deve buscar na
Constituição a concretização dos princípios que visem adequar as previsões
constitucionais à evolução da ciência.

O método hermenêutico-concretizador foi criado por Conrad Hesse que, a partir disso,
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desenvolveu um catálogo de princípios de interpretação, hoje ponto de referência


obrigatório da teoria da interpretação constitucional. São eles:

 Princípio da unidade da Constituição: O texto de uma Constituição deve ser


interpretado de forma a evitar contradições (antinomias) entre seus dispositivos e,
sobretudo, entre os princípios nela estabelecidos.

Exemplo:
Pelo art. 5.º, XXXV, da CF/88: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito” – ou seja,
o Poder Judiciário não pode se recusar a apreciar qualquer assunto.
Mas, pelo art. 217, § 1.º, da CF/88: “O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à
disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias de ordem
desportiva, regulada em lei”.
Assim, qualquer ação, com exceção das ações relativas à disciplina e competições
desportivas, poderá ser apreciada pelo Poder Judiciário.
As exceções expressas na CF/88 não representam contradição ou antinomias, porque a
constituição é única e não há contradição interna entre seus dispositivos – dessa forma,
sempre valem as exceções que estão expressas.
Ou seja, a CF/88 traça regras, mas prevê também exceções (não há incoerência nisso).

 Princípio do efeito integrador: consequência do princípio da unidade da Constituição,


o princípio integrador significa que, na resolução dos problemas jurídico-
constitucionais, deve dar-se preferência aos critérios ou pontos de vista que favoreçam
a integração política e social e o reforço da unidade política.

Por exemplo: A Constituição Federal estabelece que o menor (criança ou adolescente)


deve ter prioridade absoluta (art. 227).
O Estatuto do Idoso (Lei nº10.471/03) garante ao idoso (maior de 60 anos) prioridade
no andamento de processos judiciais.
Então: se houver dois processos judiciais, um envolvendo adolescente e outro um
idoso, qual deverá ser julgado primeiro?
Utilizando-se do princípio do efeito integrador, pode-se entender que, quando a CF/88
fala da prioridade absoluta da criança/adolescente está se referindo a temas ligados à
segurança/saúde/vida e não a questões processuais. Portanto, o idoso deve ter a
preferência neste caso, principalmente porque, em razão da idade, tem mais urgência
na solução do processo (porque, do contrário, corre o risco de não estar vivo quando o
processo chegar ao final).

 Princípio da máxima efetividade: ou princípio da eficiência ou princípio da


interpretação efetiva - significa que a interpretação da norma constitucional deve ser
no sentido de dar maior eficiência. Muito aplicado no âmbito dos direitos
fundamentais (art. 5º da CF/88).
Exemplo: O art. 5.º, caput, da CF/88 fala da inviolabilidade do direito à vida. Esse
Direito é assegurado aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país.
Por aplicação deste princípio (da máxima efetividade), tal direito, por óbvio, é
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conferido aos estrangeiros não residentes, também.


Ou seja, embora não esteja previsto expressamente, os estrangeiros não residentes
(turistas por exemplo) também têm a garantia da inviolabilidade da vida (esclarecendo
o Estado deve ser responsável pela preservação da vida de todos – um turista
estrangeiro tem direito de ser atendido pelo SUS, por exemplo).

 Princípio da justeza (no sentido de equilíbrio): ou da conformidade funcional,


estabelece que o juiz quando interpretar a Constituição não pode chegar a um
resultado que viole o esquema organizatório-funcional estabelecido pelo legislador
constituinte.
Exemplos: O juiz não pode alterar a repartição de funções estabelecidas pelo poder
constituinte, como por exemplo, determinar que o Poder executivo (seja prefeito,
governador ou Presidente da República) edite uma lei, visto que esta função é do
Poder Legislativo.

 Princípio da harmonização:
Quando houver valores jurídicos em conflito ou em concorrência, deve-se evitar o sacrifício
(total) de uns em relação aos outros.
É a ponderação (equilíbrio) entre princípios que devem ser compatibilizados para que a
harmonia social impere.
Exemplo: liberdade de comércio x exigência de farmacêutico responsável (direito à saúde).
Deve haver liberdade de comércio, mas também deve haver responsável legal quando os
produtos comercializados forem medicamentos, para segurança da população. Ou seja,
devem ser harmonizados esses dois princípios (deve haver equilíbrio).
Ou seja, qualquer um pode ter um estabelecimento comercial que venda remédios, mas terá
obrigatoriamente que contratar um farmacêutico responsável.

 Princípio da força normativa da Constituição:

Devem ser defendidos pontos de vista que contribuam para preservar a força e eficácia da
Constituição.
Assim, devem-se valorizar as soluções que possibilitem a eficácia e a aplicabilidade
permanente da Constituição (mesmo quando isso parecer desagradável).
É fundamental respeitar a Constituição mesmo naquelas situações em que a sua
observância revela-se desagradável – e até mesmo injusta.
Por exemplo: Mesmo um corrupto (ou qualquer tipo de criminoso), pelo artigo 5º, LXVIII
da CF/88, tem direito a habeas corpus quando estiver sendo ameaçado de sofrer violência
ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder em razão de
processo. Ou seja, deve-se defender sempre a Constituição, mesmo quando isso parecer
incoerente (por ex. Manter alguém em liberdade, quando todos gostariam de vê-lo preso).
A força da Constituição é a sua efetividade.

 Princípio da interpretação conforme a Constituição: esse princípio impõe que, no caso


de normas que admitem mais de uma interpretação, deve-se preferir a interpretação que
não contrarie outros dispositivos previstos na constituição – ou seja, a que seja mais de
acordo com os princípios estabelecidos na Constituição.
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Exemplo:
Exemplo: A Emenda Constitucional nº 20/1998 previa que o valor dos benefícios48 da
previdência social deveria ficar limitado ao teto da Previdência (em fev/2009 – o valor do
máximo pago pelo INSS era R$ 3.218,90).
Mas em relação à licença maternidade?
Por exemplo: uma mulher que ganhasse R$15.000,00/mês e entrasse em licença
maternidade deveria receber do INSS apenas R$3.218,90. E o restante deveria ser pago
pela empresa empregadora?

Entendeu-se que isso poderia provocar a restrição de vagas a mulheres em idade fértil,
porque as empresas evitariam o risco de ter que arcar com a diferença salarial. Nesse caso,
seria preferível contratar um homem para a função e ficar livre do problema.
Então, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que devia ser afastada a aplicação da
norma constitucional, prevista na Emenda Constitucional nº 20/1998 (que determinava que
todos os benefícios previdenciários ficariam limitados ao teto da previdência), no tocante à
licença-gestante. (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1946, de 03 de abril de 2003).
Portanto, o STF entendeu que o INSS deveria pagar o benefício equivalente ao salário
integral à mulher submetida a licença gestante (por 4 meses).

48
   São exemplos de benefícios da Previdência social: aposentadoria, auxílio doença, pensão por morte,
salário-maternidade, salário- família, etc..

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