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FDUC – DOI 2017/2018

Dr. João Calvão da Silva

CAPÍTULO I – CONCEITO, ESTRUTURA E FUNÇÃO DA OBRIGAÇÃO

CONCEITO DE OBRIGAÇÃO – A OBRIGAÇÃO EM SENTIDO TÉCNICO

O Direito das Obrigações é o conjunto das normas jurídicas reguladoras das relações de
crédito, isto é, das relações jurídicas em que, ao direito subjetivo atribuído a um dos sujeitos

corresponde um dever de prestar, especificamente imposto, a uma determinada pessoa, sendo que é
esse dever que distingue a relação obrigacional de outros tipos de relações próximos desta (dos

direitos reais, por exemplo). Assim, o objeto fundamental do direito das obrigações consiste nos
deveres de prestação.

O termo obrigação é utilizado, tanto na linguagem corrente como na literatura jurídica, em

vários sentidos, sendo, assim, possível falar de um conceito amplo de obrigação e de um conceito
estrito de obrigação. É necessário distinguir obrigação em sentido técnico de certas figuras próximas:

DEVER JURÍDICO - O dever jurídico traduz-se na necessidade de observância de um certo


comportamento, a qual é imposta para satisfazer o interesse de outrem (que não o interesse da

pessoa sobre quem recai o dever) e à qual está associada a culminação de sanções. Ao dever jurídico
corresponde um direito subjetivo, que é o poder conferido pela ordem jurídica a certa pessoa de

exigir determinado comportamento de outrem, como meio de satisfação de um interesse próprio ou

alheio.

Exemplo: O inquilino está obrigado a pagar a renda ao Senhorio. Nesta situação está em
causa o dever jurídico, o qual está consagrado no artigo 1138º/a CC. O dever jurídico do inquilino

é estabelecido no interesse de outrem que é o senhorio, sendo que o senhorio tem um dever que
é um direito subjetivo – o poder de exigir.

Se o inquilino não cumprir a sua obrigação, vai haver sanções, tais como a resolução do
contrato, sendo que quem vai intentar essa ação e o senhorio.

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ESTADO DE SUJEIÇÃO - Um estado de sujeição corresponde à necessidade de suportar

inelutavelmente, na esfera jurídica da pessoa sujeita, determinados efeitos constitutivos, modificativos


e extintivos decorrentes do exercício do direito do outrem. Ora, compreende-se, assim, que há aqui

um ponto de conexão do estado de sujeição com o dever jurídico: o dever não é estabelecido no
interesse da pessoa sujeita (devedor), pois este direito é potestativo, ou seja, a sujeição tem como

contrapolo o direito potestativo e, o direito potestativo é tão forte que não é passível de violação.
Logo, a característica da sujeição comum ao dever jurídico é o facto de este ser estabelecido no

interesse de outrem, contudo, o dever jurídico pode ser violado e a sujeição não pode. Em suma,
enquanto o dever jurídico é passível de violação, acarretando, consequentemente, as devidas

sanções, já a sujeição – por corresponder ao exercício de um direito potestativo – não é passível de


violação, pelo que não comporta sanções.

Exemplo: o mandatário está obrigado a aceitar a revogação feita pelo mandante do


mandato. Neste caso, o termo obrigação está a ser utilizado como sinónimo de sujeição.

ÓNUS JURÍDICO - o ónus consiste na necessidade de observância de certo comportamento,


não por imposição da lei, mas como meio de obtenção ou de manutenção de uma vantagem para o

próprio onerado. Ao invés, o dever jurídico e a sujeição são estabelecidos no interesse dos titulares
do direito subjetivo e potestativo, respetivamente. O ónus é um meio de se alcançar uma vantagem

ou, pelo menos, de se evitar uma desvantagem. Corresponde àquilo que os autores designam por
dever livre, sendo que à sua inobservância não corresponde qualquer sanção.

Exemplo: o réu é obrigado a contestar os factos, contra ele aduzidos, pelo autor na petição

inicial. Neste caso, estão aqui realidades obrigacionais diversas, sendo que o termo obrigação está
a ser utilizado no sentido de ónus jurídico. Este é um ónus de processo civil: se o réu não contestar

os factos, que contra ele são alegados, pelo autor, na petição inicial, esses factos são dados como
provados. Posto isto, parece que há aqui uma situação muito próxima do dever jurídico, pois há

aqui uma sanção, contudo, esta é uma ideia errada. O ónus, ao contrário do dever e da sujeição, é
estabelecido no interesse do sujeito onerado.

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DIREITOS-DEVERES ou PODERES FUNCIONAIS: são direitos conferidos, não no interesse do

titular mas de outra pessoa, e que só são legitimamente exercidos quando se mantenham fiéis à
função a que estão adstritos. Ou seja, conferem ao respetivo titular o poder de exigir de outra pessoa

um determinado comportamento, o que os aproxima dos direitos de crédito. Contudo, distinguem-


se dos direitos subjetivos patrimoniais, pois o titular não é livre no seu exercício, tendo

obrigatoriamente de exercê-los e tendo de fazê-lo em obediência à função a que se encontra


adstrito.

OBRIGAÇÃO EM SENTIDO TÉCNICO

Diz-se obrigação a relação jurídica por virtude da qual uma (ou mais) pessoa pode exigir de

outra (ou outras) a realização de uma prestação: há um dever jurídico como dever de prestar, o qual
recai sobre o devedor, sendo que o interesse recai sobre outrem. Ora, o credor é titular de um direito

subjetivo que se chama direito de crédito, isto é, o dever de prestar tem como contrapartida o direito
de crédito do credor.

O conceito estrito está no artigo 397º CC, segundo o qual uma obrigação em sentido

técnico “é o vínculo jurídico pelo qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma
prestação”. Ao direito subjetivo de um dos sujeitos corresponde o dever jurídico de prestar,

caracterizando-se este dever por ser imposto no interesse de determinada pessoa e por ter como
objeto uma prestação.

A prestação é, assim, a conduta, a cuja realização uma pessoa se vincula perante outra e

mediante a qual dá satisfação aos interesses desta. A obrigação em sentido técnico abrange por isso
a relação no seu conjunto, que é composta, no lado ativo, pelo crédito e, no lado passivo, pelo

débito.

POR OUTRAS PALAVRAS, a obrigação em sentido técnico é o vínculo jurídico pelo qual
alguém fica adstrito a realizar uma determinada prestação (perspetiva do devedor, que é o sujeito

passivo da obrigação), ou pelo qual alguém pode exigir de outrem uma determinada prestação
(perspetiva do credor, que é o sujeito ativo da obrigação). Portanto, abrange a relação no seu
conjunto. O artigo 397º CC consagra a perspetiva do devedor, ou seja, a prestação é um

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comportamento do devedor, sendo que o fim natural da obrigação é o cumprimento, que representa

o meio normal de satisfação do interesse do credor, e o modo de extinção das obrigações.

A prestação consiste geralmente numa ação, contudo, pode também consistir numa
abstenção. Trata-se, portanto, de um comportamento – positivo ou negativo – do sujeito passivo

da relação obrigacional:

(1) nas obrigações, o dever de efetuar a prestação recai apenas sobre determinadas pessoas,
já que é um dever jurídico específico que recai sobre o seu património;

(2) porém, a prestação também pode consistir numa abstenção (“non facere”).

RELAÇÕES OBRIGACIONAIS SIMPLES E COMPLEXAS


É de salientar que o artigo 397º CC fornece uma visão simplista da relação obrigacional,

olhando apenas para os direitos e deveres que a integram. A intenção do legislador terá sido a de
descrever a estrutura da obrigação, através de um modelo explicativo pouco complexo. Ou seja, a

relação jurídica creditória é uma relação específica, entre pessoas determinadas – credor e devedor –,
sendo uma relação de colaboração/intersubjetiva. Contudo, a relação real é uma relação de

anonimato – relação passiva universal – e é este binómio entre o poder de exigir e o dever de prestar
que se traduz no vínculo jurídico. Este conceito de obrigação assenta na conceção romana de

“obrigatio”.
Em suma, este sentido estrito é sinónimo de obrigação simples que é um conceito

fundamental, contudo, já não é o único modo pelo qual se vê a obrigação porque a obrigação já
começou a ser perspetivada do ponto de vista germânico, recuperando-se o conceito de obrigação
em sentido complexo.

RELAÇÃO OBRIGACIONAL SIMPLES


Em geral, a relação obrigacional diz-se una/simples, quando compreende o direito subjetivo

atribuído a uma pessoa e o dever jurídico/estado de sujeição correspondente, que recai sobre a
outra.

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Exemplo: imagine-se que o estudante empresta um livro ao colega para este, durante quinze

dias, estudar determinada matéria. – desta situação, nasceu uma obrigação (relação obrigacional ou
creditória) simples: o direito subjetivo do autor do empréstimo de exigir a restituição do livro e o

correlativo dever jurídico do colega de efetuar a restituição da coisa emprestada.

Por outras palavras, a relação obrigacional simples é a relação jurídica que compreende o direito

subjetivo atribuído a uma pessoa e o dever jurídico ou estado de sujeição que recai sobre a outra.
Mas as próprias obrigações simples são dotadas de complexidade, logo, dentro delas, existem vários

tipos de deveres que gravitam em torno do dever principal de prestar a até do direito à prestação,
designadamente os:

 Deveres secundários que estão relacionados com uma forma de permitir a realização da
prestação, sendo que podem ser:

 Coadjuvantes – destinados a preparar ou a assegurar o cumprimento;

 Sucedâneos/substitutivos (exemplo: uma indemnização que substitui uma outra

prestação).

 Deveres acessórios/laterais/de conduta – são aqueles que permitem a satisfação do

interesse do credor, e que geralmente decorrem da lei, sendo que quando isso não acontece, a sua
fonte principal é a boa fé.

Porém, a relação obrigacional não é só uma relação simples: A relação obrigacional abrange uma

multiplicidade de vínculos jurídicos, de conteúdos e de naturezas diversas interligados entre si e


unificados por uma ideia ou por um fim comum: a realização do programa obrigacional amplamente

definido pelas partes. A obrigação passa a ser vista, então, como um processo, como uma entidade
notável. Compreende-se, assim, que se pode falar de uma relação obrigacional complexa que parte

do conceito de relação obrigacional simples.


Em suma, a relação jurídica em geral diz-se simples quando compreende o direito subjetivo

atribuído a uma pessoa e o dever jurídico ou estado de sujeição correspondente; e complexa


quando abrande o conjunto de direitos e de deveres ou estados de sujeição nascidos do mesmo

facto jurídico. Assim, falamos da relação jurídica obrigacional complexa ou em sentido amplo
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para designar o conjunto de vínculos jurídicos que nasce do mesmo facto e se conexiona tendo em

vista a mesma unidade de fim. (Exemplo: O comodato (obrigação simples) e a locação (obrigação
complexa) são figuras afins, ou seja, são contratos que permitem o gozo da coisa. Todavia, a locação

tem como contraprestação o pagamento da renda e o comodato não tem, logo, o que os distingue é
a obrigatio em si.

RELAÇÃO OBRIGACIONAL COMPLEXA

Analisando o contrato de compra e venda que é o mais vulgar negócio jurídico, verifica-se
que a relação de carácter obrigacional que dele provém é já uma obrigação complexa. Com efeito,

ao lado do dever jurídico de entrega da coisa devida (que recai sobre o vendedor) e do correlativo
direito subjetivo de exigir a entrega da coisa (atribuído ao comprador), há ainda, neste caso, o dever

jurídico de o comprador entregar o preço e o correspondente direito subjetivo de o vendedor exigir


o pagamento.

Porém, a complexidade da relação será ainda maior, quando se venham enxertar nela outros
direitos e deveres correlativos, tais como: direito à entrega de certos documentos; compensação de

despesas feitas com a realização do ato, etc.

Assim, podem ser, artificial ou abstratamente, isoladas, dentro da relação obrigacional

complexa, obrigações simples, o que é muito claro no caso das relações obrigacionais duradouras,
cujo desenrolar vai originando a criação de novas obrigações de forma sucessiva (é o caso dos

contratos de fornecimento de água, luz, etc.).

Portanto, a obrigação é uma relação complexa, pois é composta por vários atos logicamente
encadeados entre si.

OBRIGAÇÕES AUTÓNOMAS (ver infra)

Apesar de sermos obrigados a recorrer ao conceito de relação obrigacional complexa, o

conceito de relação simples do art. 397.º é significativamente operatório. Às obrigações que não
assentam num vínculo jurídico preexiste ou que pressupõem, na sua constituição, um vínculo de

carácter genérico (como a que recai sobre quem danificou coisa alheia) dá-se o nome de obrigações
autónomas.

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As obrigações não autónomas são as obrigações que, estando integradas em relações de

tipo diferente (direitos reais, de família ou de sucessões), pressupõem a existência de um vínculo


jurídico especial entre as partes. São exemplos de obrigações autónomas:

 Obrigação do comproprietário de concorrer para as despesas de conservação ou fruição da

coisa (art. 1411.º);


 Obrigação de prestar alimentos (art. 2009.º/1);

 Obrigação do herdeiro de cumprir, com as forças da herança, os legados feitos pelo testador
(art. 2068.º e segs.).

A questão que se levanta é a de saber se as obrigações não autónomas são obrigações em


sentido técnico, e se estão subordinadas ao mesmo regime das autónomas. Ora, a disciplina legal

das obrigações em geral considera deliberadamente as relações creditórias na sua natureza


intrínseca, abstraindo da sua fonte, pelo que as obrigações não autónomas não podem deixar se

conhecer obrigações em sentido técnico, aplicando-se-lhes o regime geral. O argumento histórico

concorre igualmente para a afirmação desta tese: apesar de a questão da autonomia ter sido
suscitada no decurso dos trabalhos preparatórios, o legislador não faz, no art. 397.º, alusão a este

requisito na definição de vínculo obrigacional, pelo que o terá omitido deliberadamente.

No entanto, o regime geral das obrigações não pode deixar de sujeitar a desvios impostos

pela natureza especial dos vínculos que precedem as relações não autónomas. Alguns destes desvios
estão expressamente consagrados na lei, de que são exemplos:

 A possibilidade de o comproprietário se eximir a obrigação de participar nas despesas da

coisa comum, renunciando ao seu direito a favor dos credores (art. 1411.º/1);
 A variabilidade do objeto da obrigação alimentícia (art. 2012.º);

 A indisponibilidade e impenhorabilidade do direito a alimentos (art. 2008.º/1 e 2);


 A separação de patrimónios ligada à satisfação de encargos da herança (art. 2070.º e 2071.º).

Fora dos desvios previstos na lei, o regime geral das obrigações poderá ainda sofrer outras

derrogações, sempre que se demonstre que a origem da obrigação não autónoma ou o seu fim não
se compaginam com a solução prescrita.

*Autonomia das obrigações -» Falada posteriormente

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ESTRUTURA DA OBRIGAÇÃO: ANÁLISE DA RELAÇÃO CREDITÓRIA

A relação obrigacional apresenta uma estrutura, sendo esta constituída por:

 Sujeito;

 Objeto;

 Vínculo;

 Garantia.

SUJEITOS: são o credor e o devedor.

 O credor tem o direito de crédito e o devedor é detentor do dever de prestar, ou seja, o


credor é o sujeito ativo da relação obrigacional, é o titular do interesse (patrimonial, espiritual ou

moral) que o dever de prestar visa satisfazer. Ser titular do interesse protegido significa, no fundo, o
seguinte:

 Ser o credor o portador de uma situação de carência ou de uma necessidade;


 Haver bens (coisas, serviços) capazes de preencherem tal necessidade;

 Haver uma apetência ou desejo de obter estes bens para suprimento da necessidade ou
satisfação da carência.

 Já o devedor é o sujeito passivo da relação obrigacional, que está adstrito ao cumprimento da


prestação.

Ora, isto significa que a cada um dos sujeitos corresponde uma determinada posição jurídica:
(1) o credor tem o direito de exigir a prestação – enquanto titular de um direito subjetivo, o

credor pode dispor dos meios coercitivos colocados ao seu dispor pela ordem jurídica para exigir o
cumprimento (voluntário ou judicial) da obrigação, ou pode também não o exigir, sendo que a tutela

do seu interesse depende da sua vontade, sem que, de tal, lhe advenha qualquer sanção;
(2) o devedor tem o dever de efetuar a prestação – o devedor ocupa, na relação obrigacional,

uma posição de subordinação jurídica, sendo que, se não cumprir pontualmente, é sobre ele que
recaem as sanções estabelecidas na lei.

Só o credor tem direito à prestação e esta só pode ser exigida ao devedor, logo, a obrigação tem
um carácter relativo, pois vincula apenas determinadas pessoas. Contrariamente, os direitos reais e os

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direitos de personalidade, enquanto direitos absolutos, valem em relação a um círculo indeterminado

de pessoas.

Quando se pensa numa relação obrigacional, fala-se de uma relação singular: credor – sujeito
ativo – e devedor – sujeito passivo –, ou seja, de cada lado da relação, há apenas uma pessoa.

Todavia, pode haver vários credores ou vários devedores – tratam-se de obrigações plurais –, sendo
que no primeiro caso há uma pluralidade ativa. Inversamente, pode haver uma pluralidade de

devedores, tratando-se de uma pluralidade passiva. Contudo, pode dar-se o caso de haver
obrigações plurais, simultaneamente, ativas e passivas, isto é, pode existir mais do que um credor e

mais do que um devedor.

Exemplo 1: obrigações solidárias (art. 512º/1 CC): são aquelas em que o credor pode
exigir a qualquer um dos devedores a realização de uma prestação, que exonera a

responsabilidade dos outros devedores; ou em que cada um dos credores pode exigir, por si só, a
realização integral da prestação, liberando o devedor para com todos eles.

Exemplo 2: obrigações conjuntas – são aquelas em que cada devedor paga a sua quota-
parte, ou em que cada credor apenas pode exigir a sua parte da prestação.

Em suma, por regra, pensa-se numa obrigação singular mas também pode haver obrigações
plurais. A propósito dos sujeitos, é de referir que, em regra, os sujeitos estão determinados no

momento da constituição da obrigação. Ora, o credor, normalmente, vai estar determinado, contudo,
pode haver situações em que, no momento em que surge a relação obrigacional, o credor ainda não

esteja determinado/identificado. Isto é possível, no entanto, a obrigação só será válida se o credor for
determinável, ou seja, o credor pode não estar determinado mas tem de ser determinável.

Assim, tem de haver condições/parâmetros que nos permitam saber quem vai exigir a
obrigação. Se o credor não for identificado, então a obrigação será nula. Estas obrigações são

obrigações de sujeito ativo indeterminado – artigo 511º CC.

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Exemplo: título ao portador e as promessas públicas – artigos 459º e ss. do CC. O título
incorpora um direito que é o direito de crédito, sendo que será credor quem o vier a possuir. O

mesmo acontece nas promessas públicas, por exemplo, através de anúncio público (num meio de
comunicação social) em que uma pessoa oferece uma recompensa a quem encontrar o seu animal

de estimação - ora, quem achar o animal de estimação será o credor, sendo uma pessoa
indeterminada. A promessa pública é um negócio unilateral.

PERSISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO, NÃO OBSTANTE A ALTERAÇÃO DOS SUJEITOS:

A existência de dois sujeitos é condição essencial à obrigação, enquanto relação inter-


subjetiva. Contudo, a permanência dos sujeitos originários do vínculo não é condição essencial à

persistência da obrigação. Assim, a obrigação pode persistir com todos os seus atributos
fundamentais (garantia, juros, contagem do prazo da prestação…) mesmo que mude um dos sujeitos

da relação ou mesmo ambos.


 Este é o caso da transmissão das obrigações, designadamente da cessão de créditos,

da sub-rogação e da assunção de dívida, previstas no artigo 577º e ss. do CC.

 É também o que sucede na sucessão, quando há uma substituição de sujeitos –

determinada pela morte de um deles –, sendo que a relação obrigacional permanece, visto que o
herdeiro vai ocupar a posição jurídica que competia ao antigo titular. Assim, a obrigação não perde a
sua identidade pelo facto de o “de cuius” ser substituído, como credor ou devedor, na titularidade da
relação pelo seu sucessor.

OBJECTO: a prestação debitória. O objeto da relação obrigacional é a prestação devida ao


credor. Por outras palavras, é a prestação, que é um comportamento que o devedor deve adotar

para satisfazer o interesse do credor. A prestação consiste, em regra, numa atividade ou numa ação
do devedor (entregar uma coisa, realizar uma obra, dar uma consulta), mas também pode consistir

numa abstenção, permissão ou omissão (obrigação de não abrir estabelecimentos de certo ramo
de comércio na mesma rua ou na mesma localidade; obrigação de não usar coisa recebida em

depósito). A prestação é o núcleo da obrigação, o seu alvo prático.

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A prestação, de acordo com critérios diversos, pode tratar-se de:


 Quanto ao objeto – prestações de coisas VS prestações de facto;

 Quanto ao tempo – prestações instantâneas VS duradouras;

 Quanto ao tipo de prestação – prestações fungíveis VS prestações infungíveis/não fungíveis;

 Quanto à natureza do vínculo – obrigações naturais VS obrigações civis.

A PRESTAÇÃO DE COISA é aquela que, obviamente, se refere a uma coisa. Tendo principalmente
em vista as obrigações com prestação de coisas, é possível distinguir-se entre:

 Objeto mediato – consiste na própria coisa, em si mesma considerada, que é o objeto da


prestação;

 Objeto imediato – diz respeito a prestações que consistem na atividade devida, ou seja, no
comportamento de devedor, podendo estar-se perante uma obrigação de entrega, de dare

ou de restituir, isto é, existe uma obrigação de entregar, dar ou restituir uma coisa.

Exemplo: A obrigação de entregar os sapatos - A só pode usar os sapatos depois de B lhe entregar

os sapatos, sendo que o objeto imediato é o ato de entrega dos sapatos e o mediato são os sapatos.

PRESTAÇÃO DE ENTREGA: em Portugal, vigora o título que significa acordo. Compreende-se,

assim, que a prestação de entrega consiste na entrega de determinada coisa, quando vise apenas
transferir a posse ou detenção dela, para permitir o seu uso, guarda ou fruição. Se não se cumprir a

obrigação de entrega, está-se perante o incumprimento da obrigação de entrega.


 Artigo 1031º/a CC – obrigação de entregar a coisa locada através da colaboração que está na

prestação devida pelo devedor;


 Artigo 1038º/i CC – obrigação de restituir a coisa ao locador;

 Artigo 879º/b), c) CC – obrigações que decorrem do contrato de compra e venda que é a


obrigação de entregar a coisa e a obrigação de entregar o preço.

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PRESTAÇÃO DE DAR: Há certos casos em que o domínio ou a constituição de um direito real


depende, por força da lei ou da convenção das partes, do ato de entrega da coisa. Ou seja, há uma

obrigação de dar, quando a prestação visa constituir ou transferir um direito real definitivo sobre a
coisa. Exemplos típicos de prestação de dar são:

 A entrega da coisa feita pelo mutuante ao mutuário (art. 1144.º);


 A prestação de coisa feita pelo mandatário ao mandante (art. 1181.º/1);

 E a entrega da coisa ao legatário feita pelo sucessor onerado nos casos previstos no art.
2251.º/2 CC.

PRESTAÇÃO DE RESTITUIR: ocorre quando, através dela, o credor recupera a posse ou detenção

da coisa, ou o domínio sobre coisa equivalente, do mesmo género e qualidade. São exemplos:
 A obrigação do locatário de restituir a coisa locada findo o contrato (art. 1038.º/i));

 A obrigação do comodatário de restituir a coisa comodada (art. 1135.º/h));


 E a obrigação do mutuário de restituir coisa equivalente, do mesmo género e qualidade (art.

1142.º).

NOTAS: De acordo com o artigo 408º/1 CC, que estabelece o princípio do consensualismo, a
constituição ou transferência de direitos reais (designadamente do direito de propriedade) opera-se,

em regra, por mero efeito do contrato. Nestes casos, a prestação de coisa, em que o contrato
transfere a propriedade para o adquirente, corresponde a uma simples obrigação de entrega que

tem como finalidade a transmissão da posse, pois a transferência do domínio já se obteve com a
mera celebração do contrato. Nos casos em que a transferência do direito real sobre a coisa

depende, por força da lei, ou por convenção das partes, do ato de entrega da coisa (caso do artigo
409º/1 CC, que permite a reserva da propriedade), então a prestação constituirá uma prestação de

“dare”, pois visa a transmissão de direito real.

 De acordo com os artigos 211º e 399º CC, pode haver PRESTAÇÃO DE COISA FUTURA, que

é entendida numa aceção ampla, a qual abrange: as coisas que ainda carecem de existência (coisas
futuras em sentido usual); e as próprias coisas já existentes, a que o disponente ainda não tem direito

no momento da declaração negocial, mas que conta vir a ter num momento posterior.
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Para fixar o regime da prestação da coisa futura é necessário conhecer a vontade das partes que

está na base da constituição da obrigação. Assim, quando a coisa futura, contra a expectativa dos
contraentes, não chega a existir ou vem a ser criada em quantidade inferior por causa não imputável

ao devedor:
 Em princípio, a obrigação extingue-se total ou parcialmente, ficando o credor desonerado

da contraprestação – arts. 795.º/1, 880.º/1 e 793.º/1.

 Se, porém, as partes tiverem atribuído ao contrato carácter aleatório, ou seja, se tiverem

negociado a própria chance da prestação, o risco da não existência definitiva da coisa


corre por conta do credor e o contrato é válido. O credor tem de pagar o preço ainda que

não se verifique a transmissão dos bens – art. 880.º/2.

As PRESTAÇÕES DE FACTO são aquelas cujo objeto se esgota num facto, ou seja, num
comportamento do devedor. A prestação de facto pode ser:

 PRESTAÇÃO DE FACTO POSITIVA: o comportamento a que está adstrito o devedor é um


facere, uma ação. São prestações de facto positivas típicas: a do mandatário no contrato de mandato
ou a do trabalhador no contrato de trabalho. Por outro lado, assumem especial configuração as
prestações de facto positivas emergentes dos contratos-promessa (arts. 410.º e segs.) e dos pactos

de preferência (arts. 414.º e segs). Ora, as prestações de facto positivo podem ser:
 Obrigações de facto material: por exemplo, a realização de uma empreitada (art. 1027.º)

– o devedor obriga-se à prática de determinados factos não jurídicos;

 Obrigações de facto jurídico: por exemplo, a emissão de uma declaração de vontade – o

devedor obriga-se à prática de determinados factos que têm efeito de direito.

Exemplo: Um professor tem o dever de dar aulas, sendo que a sua prestação se esgota
aquando da aula dada (prestação de facto positiva). É de salientar que não há lugar, na prestação de

facto, para o objeto imediato e mediato.

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 PRESTAÇÃO DE FACTO NEGATIVA: traduz-se num non facere, ou seja, numa abstenção,
omissão ou mera tolerância. Dentro desta categoria, podemos ter duas variantes distintas:

 Obrigação de abstenção (em sentido estrito): o devedor compromete-se apenas a não


fazer, ou seja, a não praticar certos atos (por exemplo, não abrir estabelecimento de

determinado ramo de comércio – obrigação de não concorrência).

 Obrigação de tolerância: o devedor compromete-se a tolerar que o credor pratique atos

a que, de contrário, não teria direito. É exemplo a obrigação do locatário de consentir, nos
termos do art. 1038.º/e), a realização das reparações urgentes do prédio.

PRESTAÇÃO DE FACTO DE TERCEIRO


Em princípio, a prestação de facto refere-se a um facto do devedor, contudo, o facto devido

pode reportar-se a factos de terceiro, isto é, admitem-se as promessas de facto de terceiro, desde

que a prestação do promitente corresponda a um interesse do promissário, digno de proteção legal


(art. 398.º/2). Todavia, tendo em conta que os contratos só produzem, em princípio, efeitos entre as

partes, naturalmente que a prestação de facto de terceiro não vincula o terceiro a quem se refere –
art. 406.º/2 CC. Por conseguinte, conclui-se que a promessa de facto de terceiro é, na verdade,

promessa de facto próprio: a de conseguir que o terceiro realize a prestação.


Conclusão: nestes casos, estar-se-á perante situações em que o devedor se obriga, para com

o credor, a obter uma ação ou inação, que não será sua, mas de um terceiro, ao qual é totalmente
estranha a relação obrigacional, pelo que ele não está vinculado.

E no caso de incumprimento? O compromisso, assumido pelo promitente, de conseguir o


facto de terceiro nem sempre reveste o mesmo sentido, de acordo com a intenção de contraentes. É

necessário averiguar a vontade das partes, no sentido de saber se a promessa de facto de terceiro se
reconduz a uma obrigação de meios ou a uma obrigação de resultados:

 Obrigação de meios: o promitente obriga-se apenas a despender os esforços razoavelmente


necessários para que o terceiro pratique o facto, sem assumir qualquer responsabilidade na

hipótese de este não cumprir. Em caso de incumprimento, o promitente não está obrigado a
indemnizar a outra parte.

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 Obrigação de resultados: o promitente garante a própria verificação do facto, obrigando-se

a indemnizar a outra parte se o terceiro, por qualquer razão, não cumprir.

A prestação pode ainda ser uma:


 PRESTAÇÃO FUNGÍVEL, o que significa que pode ser realizada por uma pessoa diferente

do devedor, sem prejuízo do interesse do credor (ex: pintar um muro);


 PRESTAÇÃO INFUNGÍVEL, o que significa que a prestação só pode ser realizada pelo

devedor, visto que ele não pode ser substituído no cumprimento por um terceiro, pois ao
credor interessam as características ou qualidades especiais do devedor, isto é, a sua

habilidade, o seu saber, o seu bom nome, etc. (ex: realizar uma intervenção cirúrgica).
NOTA: A distinção entre prestações fungíveis e infungíveis coloca-se no âmbito das

prestações de facto. As prestações de coisa são, em regra, fungíveis, quer a coisa seja fungível, quer
seja infungível (art. 207.º): para o credor, é indiferente quem entrega a coisa.

Exemplo: pense-se no devedor que se obriga a entregar um automóvel ao credor X. A coisa

é, neste caso, infungível – não podendo ser substituída – mas a obrigação em causa tem natureza
fungível porque, ao credor, é indiferente que o automóvel lhe seja entregue pelo devedor ou por

qualquer outra pessoa.

Relativamente a estas prestações, existem três tipos de fontes de infungibilidade:

 A natureza da prestação, a qual a torna infungível, pois a substituição do devedor por um


terceiro prejudicaria o credor.

 A lei, que pode definir que uma determinada prestação só pode ser realizada por
determinada pessoa.

 As próprias partes podem acordar expressamente que a prestação seja feita pelo devedor –
infungibilidade convencional.

Daqui, retira-se a seguinte conclusão: no Direito Civil, a regra é a da fungibilidade, artigo 767º:
no número 1º, o legislador considera que todo e qualquer terceiro pode cumprir a obrigação, tendo

ou não interesse no respetivo cumprimento, o que significa uma fungibilidade da obrigação. Todavia,
o número 2º ressalva duas exceções, consagrando a infungibilidade natural, isto é, fundada na

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natureza da obrigação, e a infungibilidade convencional, ou seja, aquela que expressamente se

tenha acordado que a prestação deve ser feita pelo devedor.


Para além destes casos de infungibilidade, há ainda a infungibilidade relativa, que ocorre

quando a substituição do devedor é possível, ainda que apenas em determinadas direções (exemplo:
escolhe-se um cirurgião A, mas admite-se que este possa ser substituído pelo B ou C).

Esta distinção acarreta determinadas consequências, a nível do:

 Regime da impossibilidade de cumprimento: nos casos da impossibilidade subjetiva de


prestação – impossibilidade relativa à pessoa do devedor – importa distinguir a impossibilidade

objetiva da impossibilidade subjetiva (artigo 791º CC):


 Impossibilidade objetiva: ocorre quando a prestação se torna irrealizável quer pelo devedor,

quer por qualquer outra pessoa. Nos termos do art. 790.º, quando há uma impossibilidade
objetiva não imputável ao devedor, a obrigação extingue-se.

 Impossibilidade subjetiva: a impossibilidade é relativa à pessoa do devedor, isto é, em si


mesma a prestação mantém-se possível, apenas não pode ser realizada pelo devedor. O

artigo 791.º diz-nos que, quando a prestação é fungível, a obrigação não se extingue, ou seja,
nestes casos, a consequência dependerá da natureza fungível, ou não, da prestação, uma vez

que, no primeiro caso, a obrigação poder-se-á cumprir, uma vez que o devedor pode ser
substituído por terceiro, não havendo extinção da obrigação; diferentemente, se estiver em
causa uma prestação infungível e, nomeadamente, se a substituição prejudicar o interesse do
credor, a impossibilidade subjetiva terá os mesmos efeitos da impossibilidade objetiva,

levando à extinção da obrigação.

NOTA: o facto de a prestação ser infungível não impede que o devedor possa ser coadjuvado por

auxiliares, sendo que deve haver uma criteriosa ponderação das circunstâncias em cada caso
concreto, no sentido de se garantir que o auxílio não lese os interesses do credor.

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REGIME DE INCUMPRIMENTO:
 Se a prestação tiver por objeto um facto fungível, o credor pode requerer, no processo de

execução, que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor, como prevê o artigo 828ºCC e,
por outro lado, o credor não pode recusar-se a aceitar a prestação, quando é realizada por um

terceiro.
 Se houver incumprimento de uma prestação de facto infungível, o credor apenas poderá

exigir o cumprimento do devedor, nos termos do artigo 817º CC e, se ele não cumprir, recebe uma
indemnização pelo prejuízo resultante do não cumprimento. Para além disso, o credor pode requerer

que o Tribunal fixe uma sanção pecuniária compulsória – prevista no artigo 829º-A CC –, a qual
corresponde ao valor que o devedor tem de pagar por cada dia de atraso no cumprimento da

prestação, logo, esta sanção visa forçar o devedor ao cumprimento, isto é, visa coagi-lo ao
cumprimento.

A sanção pecuniária compulsória está prevista no art. 829.º-A, limitando-se o seu âmbito de
aplicação às prestações de facto infungíveis – algo criticado pela doutrina, uma vez que se deveria
aplicar às obrigações em geral. A previsão da sanção pecuniária compulsória para as prestações

infungíveis justifica-se pois como o devedor não pode ser substituído sem prejuízo do credor, a lei
não encontra outra forma de satisfazer o interesse do credor interessado no cumprimento. A sanção

pecuniária compulsória visa coagir o devedor ao respetivo cumprimento, impondo ao obrigado uma
espécie de multa civil por cada dia que tarde a cumprir. Este valor reverte em parte para o Estado e

em parte para o credor, no entanto, a parte que reverte para o credor não o é a título

indemnizatório, sendo cumulável com uma eventual indemnização por mora ou incumprimento (n.º
3). A inserção sistemática deste artigo está incorreta, uma vez que deveria estar na área do

cumprimento forçado e não da execução específica.

Quanto ao tempo da sua realização, é possível distinguir entre PRESTAÇÕES INSTANTÂNEAS


e PRESTAÇÕES DURADOURAS.

As OBRIGAÇÕES INSTANTÂNEAS são aquelas em que o comportamento exigível do devedor

se esgota num só momento temporal ou num período de duração praticamente irrelevante.


Exemplo: Entrega de coisa certa; pagamento do preço numa só prestação.

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Já as OBRIGAÇÕES/PRESTAÇÕES DURADOURAS são aquelas em que o seu cumprimento se


protela no tempo, tendo a duração temporal da relação creditória uma influência decisiva na

conformação global da prestação, logo, estas prestações podem ser classificadas em:
 Obrigações fracionadas ou repartidas: obrigações cujo cumprimento se protela no tempo,

através de sucessivas prestações instantâneas mas em que o objeto já está previamente


determinado, sendo que se sabe, à partida, o valor total da prestação, que não depende da duração

da relação contratual. Assim, o tempo não influi na determinação do seu objeto; apenas se relaciona
com o modo da sua execução;

 Exemplo: preço pago a prestações; fornecimento de certas mercadorias a efetuar em


várias prestações.

 Obrigações duradouras em sentido estrito: a prestação vai-se difundindo, isto é, vai sendo
moldada ou conformada à medida que o tempo vai passando. Logo, é o tempo que tem influência

decisiva na fixação do objeto da prestação. Por sua vez, a doutrina distingue entre:
 Obrigações de execução continuada: são aquelas cujo cumprimento se prolonga

ininterruptamente no tempo. Exemplo: obrigação do senhorio de permitir o gozo da coisa.

 Obrigações reiteradas, periódicas ou de trato sucessivo: são aquelas que se renovam,

em prestações singulares sucessivas, em regra, ao fim de períodos consecutivos, sendo


que o tempo tem uma influência fundamental na determinação do respetivo objeto
(prestações periódicas – exemplo: as prestações do consumidor de água, luz, gás; o
pagamento da renda, etc.), sendo que também podem ser não periódicas (exemplo: fazer

reparações em certo móvel mas, só à medida que se vão tornando necessárias).

Em conclusão, nas obrigações duradouras, a prestação devida depende do fator tempo, que

terá influência decisiva na fixação do seu objeto; nas fraccionadas, o tempo não influi na
determinação do seu objeto, relacionando-se apenas com o seu modo de execução.

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Esta distinção tem relevo prático a nível do regime jurídico:


EFEITOS DA RESOLUÇÃO:

 No caso das obrigações duradouras em sentido estrito (contratos de execução continuada


ou periódica), quando há resolução do contrato (constitui uma forma de extinção das obrigações,

mediante declaração unilateral de uma das partes, por incumprimento da outra parte – artigos 432º
e ss. CC), esta tem, em regra, eficácia retroativa, como estabelece o artigo 434º/1 CC. No entanto,

nestes contratos, como consagra o 434º/2 CC, os efeitos retroativos não abrangem, em princípio, as
prestações já efetuadas, sendo que não há devolução, por uma questão de justiça material – ou seja,

não é materialmente impossível dar-lhe eficácia retroativa, mas, como as obrigações se encontram
idealmente ligadas às diversas frações de tempo, é possível dividir a sua duração, gozando, assim, as

prestações já efetuadas e as que devem ser realizadas no futuro de uma certa independência entre si.
Por outro lado, algumas das prestações realizadas podem constituir o correspetivo de benefícios

irreversíveis pela contraparte.


 Tratando-se de obrigações fracionadas, a resolução tem eficácia retroativa, abrangendo em

princípio todas as parcelas da prestação, incluindo as já efetuadas.

CONSEQUÊNCIAS DO NÃO CUMPRIMENTO:


 Nas obrigações fraccionadas, o artigo 781º CC estabelece a regra: quando não é cumprida

uma das prestações, o credor pode exigir o cumprimento total, ou seja, a totalidade das prestações,
o que leva ao vencimento antecipado de todas as outras, precisamente porque a formação ou

constituição destas não está dependente do decurso do tempo. Falamos, aqui, em perda do
benefício do prazo: as partes fixam um prazo mais amplo para o pagamento, em benefício do

devedor; deixando este de pagar uma das prestações, isto origina uma quebra de confiança,
legitimando a perda do benefício do prazo.

Nas prestações fraccionadas, o artigo 432º CC permite a resolução do contrato fundada na lei,
o que remete para o artigo 801º/2 CC, o qual permite a resolução, quando haja incumprimento. A

resolução do contrato é a forma de extinção do contrato em que há uma declaração unilateral de

uma das partes, por incumprimento culposo da outra parte. Isto significa que se pretende repor a
situação anterior à celebração do contrato.

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Ora, o artigo 802º/1 CC estabelece que, nos casos em que há um incumprimento parcial, em

regra, pode haver resolução do contrato – contudo, se, do ponto de vista do credor, o
incumprimento não tiver grande importância, não pode haver resolução do contrato, como prevê o

artigo 802º/2 CC.


Relativamente às prestações fraccionadas, há ainda que referir a exceção do artigo 934º CC:

estabelece que, no caso da compra e venda a prestações, quando há a falta de pagamento de uma
só prestação, não há vencimento antecipado das prestações, caso se preencham dois requisitos de

verificação cumulativa: (1) tem de haver a entrega da coisa ao comprador; (2) a prestação em falta
tem de ser inferior a 1/8 do valor total.

Em princípio, o legislador não admite a resolução do contrato de compra e venda, dado que este
é um contrato com eficácia translativa e a resolução tem efeitos retroativos – se com a resolução, a

propriedade se transferisse novamente para o credor, isto levaria a insegurança no tráfego jurídico.
Assim, nos termos do artigo 934º CC, nas situações de compra e venda a prestações, não há

resolução do contrato, se se verificarem três requisitos de verificação cumulativa:


 A coisa tem de ser vendida a prestações com reserva de propriedade – a reserva de

propriedade (409º CC) é uma cláusula que as partes apõem ao contrato, a qual produz
efeitos reais, permitindo ao alienante reservar para si o direito de propriedade, o que

significa que a propriedade só se vai transferir no futuro, dependendo das


circunstâncias que as partes definirem. A vantagem desta cláusula é que o credor

garante que a propriedade da coisa não sai da sua esfera jurídica;

 Tem de haver a entrega da coisa ao comprador;

 A prestação em falta tem de ser inferior a 1/8 do preço, ou seja, a falta de pagamento
de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço, não há resolução do

contrato.

No entanto, se não se cumprir um destes requisitos, pode haver resolução do contrato que tem,

em regra, efeitos retroativos, de acordo com o artigo 434º/1 CC, ou seja, cada uma das partes tem
de restituir aquilo que recebeu.

O artigo 886º CC estabelece que, se tiver sido transmitido o direito de propriedade


sobre a coisa e a coisa tiver sido entregue, o vendedor não pode resolver o contrato por falta

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de pagamento do preço. Mas há uma exceção: não será assim, quando houver convenção em

contrário, ou seja, quando as partes acordarem, elas podem resolver o contrato.


 Nas obrigações duradouras em sentido estrito, devido à sua estreita conexão com o

decurso do tempo, compreende-se que não existe um crédito formado em relação às prestações
futuras, logo o art. 781.º não se aplica. Daí que, a falta de pagamento poderá dar ao senhorio o

direito de indemnização previsto no art. 1041.º/1, mas não lhe confere o direito de exigir
imediatamente o pagamento das rendas correspondentes aos meses futuros.

CARACTERÍSTICAS DA OBRIGAÇÃO

A propósito da obrigação, importa compreender duas das suas características essenciais: (1) a
autonomia*; (2) e a patrimonialidade.

(1) No âmbito da autonomia, são de destacar as:


 As Obrigações Autónomas são aquelas que procedem do respetivo facto constitutivo, sem

que haja entre as partes uma prévia relação jurídica ou, caso exista essa pré-relação jurídica, essa
tenha natureza genérica. Deste modo, falar-se-á – no âmbito das obrigações autónomas – em

obrigações emergentes do contrato, que resultam do contrato promessa para os comitentes. Em


causa, está uma obrigação que procede do contrato que foi celebrado, pelo que a razão de ser da

obrigação reside no facto constitutivo. A propósito das obrigações autónomas de natureza genérica,
constata-se que em causa está uma obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade civil

extracontratual, uma vez que esta se funda na violação dos direitos absolutos, estando em causa uma
relação genérica. Neste sentido, a violação de um dever jurídico – passivo ou ativo – a obrigação

genérica gera uma obrigação de indemnizar.

 As Obrigações Não Autónomas ou Dependentes são aquelas que pressupõem a existência

de um vínculo jurídico de natureza especial entre as partes, pois estão integradas em relações de tipo
diferente: familiares, reais ou sucessórias. Assim, a obrigação carece de autonomia porque pressupõe

a existência prévia entre as partes de um vínculo especial de outra natureza (uma relação de
compropriedade, condomínio, de parentesco, de sucessão hereditária…).

No âmbito das obrigações não autónomas, vigora o princípio da actualização.


Para que possa ser validamente constituída uma obrigação, será exigível que essa obrigação
seja autónoma? A autonomia constitui um requisito da obrigação?
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Atendendo aos artigos 397º e 398º do CC, não é feita nenhuma alusão relativamente à

exigibilidade da autonomia numa obrigação, constatando-se que esta não é um elemento essencial
da obrigação. Importa compreender que se trata de uma questão com relevo prático uma vez que,

tanto às obrigações autónomas como não autónomas, se aplica o regime geral das obrigações. Por
outras palavras, significa isto que não há entre nós uma exigência legal de autonomia das

obrigações. Não obstante, por vezes, pode acontecer que um regime específico implique
derrogações/desvios ao regime geral das obrigações, por força da especificidade da relação que

gera a obrigação [a título de exemplo, os artigos 2008º e 2070º CC]. Deste modo, fala-se em “lex
specialis derogat legi generali”, uma vez que, havendo normas especiais, há uma derrogação do
regime geral.
(2) No que concerne à questão da patrimonialidade, para que a obrigação se constitua de forma

válida, a prestação deve obedecer a determinados requisitos: possibilidade, licitude e


determinabilidade. Porém, os autores vêm a discutir se também não se deveria incluir, nestes

requisitos de validade da obrigação, a patrimonialidade, desde já, pelo interesse que reveste quanto
à estrutura da obrigação. Há muitos autores que, de facto, incluem a patrimonialidade da prestação

entre os requisitos de validade de obrigação.


Por outro lado, alguns autores entendem que a patrimonialidade da prestação se define através

do interesse do credor – é necessário que o interesse do credor seja de carácter patrimonial,


suscetível de avaliação económica ou patrimonial, para que haja uma verdadeira obrigação jurídica.

Os autores fundam o seu raciocínio sobre a hipótese de o devedor não cumprir espontaneamente.
Já outros autores, como Galvão Telles, afirmam que o interesse do credor pode não revestir

natureza económica ou patrimonial: a prestação é que necessita de possuir valor económico, de ser
suscetível de avaliação pecuniária.

Nenhuma das posições doutrinárias referidas se afigura aceitável, e qualquer delas se pode
considerar afastada pelo direito português vigente.

Quando insistem no requisito do patrimonialidade, como pressuposto da validade da obrigação,


os autores fundam o seu raciocínio sobre a hipótese do devedor não cumprir espontaneamente, isto

é, partem da ideia de que a única sanção ao alcance da justiça, capaz de assegurar a obrigatoriedade

do vínculo é a execução forçada do património do devedor, que só é possível se a prestação tiver


valor pecuniário, pois é este valor que orienta o fim da execução.

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Todavia, há que fazer dois reparos a este raciocínio:

 A execução forçada não se propõe necessariamente a obter a realização coativa da prestação


estipulada ou fixada por lei; ou seja, as mais das vezes, a ação executiva visa apenas compensar o

credor dos danos causados com o não-cumprimento da obrigação (indemnização por equivalente).
E, assim, como o comércio jurídico atribui certo valor económico a prestações que satisfazem puros

interesses ideais, também as partes podem fixar, direta ou indiretamente, o valor da compensação
patrimonial que o devedor tenha de entregar ao credor, no caso de não cumprir a prestação de

carácter não patrimonial, como ressarcimento dos danos por este sofridos.

 A execução indireta ou por equivalente não é a única forma através da qual pode revelar-se a

coercibilidade do dever de prestar. O carácter vinculativo do dever pode refletir-se em outros


aspetos:

a) a execução específica, ou seja, a possibilidade dos tribunais, a requerimento do credor,


procederem à apreensão de coisa devida;

b) a ação direta expressa na possibilidade do credor se apropriar, pela força, da coisa prestes
a ser destruída;

c) o emprego de outros meios coercitivos [diferentes da execução indireta] predispostos pela


lei ou pelos interessados para assegurar o cumprimento de deveres de carácter não patrimonial,

como seja, a resolução da liberalidade onerada com encargos [modo] ou a resolução do contrato em
geral;

d) a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias;

e) recurso aos procedimentos cautelares, etc.

Afastados os embaraços que, em tese, se poderiam opor à sua coercibilidade, a questão


fundamental quanto às prestações de conteúdo não patrimonial consiste, assim, em saber se só as

prestações de conteúdo económico ou patrimonial merecem a tutela do direito, ou se esta deve,


pelo contrário, estender-se também às próprias prestações de conteúdo não patrimonial.
A doutrina responde hoje, em sentido afirmativo, à questão da validade das obrigações de
prestação não patrimonial, com fundamento na proteção que merecem alguns deveres de conteúdo

não patrimonial estipulados entre as partes e na função disciplinadora da vida social atribuída ao
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direito, que não se pode confinar aos valores de pura expressão económica. A própria lei responde

exemplarmente a esta questão no art. 398.º/2: “a prestação não necessita de ter valor pecuniário,
mas deve corresponder a um interesse do credor, digno de proteção legal”. Não se exige a

patrimonialidade, mas apenas:


 Que a prestação corresponda a um interesse real do credor;

 Que esse interesse seja digno de proteção legal.

Nas prestações patrimoniais, não se levantam quaisquer dúvidas quanto à sua validade; nas

restantes, para que sejam válidas, estes dois critérios terão de ser respeitados e explicitados. Com a
imposição destes dois requisitos, a lei quis:

 Afastar as prestações que correspondam a um mero capricho do credor;

 Excluir as prestações que, podendo ser dignas de outros complexos normativos como a
religião, a moral, os usos sociais, etc. não merecem a tutela específica do direito.

Em suma, a prestação pretende satisfazer uma necessidade séria e razoável do credor, que

justifique socialmente a intercessão dos meios coercitivos próprios do direito.

VÍNCULO JURÍDICO COMO NÚCLEO CENTRAL DA RELAÇÃO


Como se opera a ligação entre os sujeitos da obrigação e a prestação debitória, que forma o

objeto dela? Através do vínculo que a ordem jurídica estabelece entre o credor e o devedor, ou seja,
a relação obrigacional configura um vínculo que a ordem jurídica estabelece entre o credor e o

devedor.
É através do vínculo jurídico que se opera a ligação entre os sujeitos da obrigação e a

prestação debitória. Este vínculo é constituído pelo enlace dos poderes conferidos ao credor com os
correlativos deveres, impostos ao titular passivo da relação, que forma o núcleo central da relação

obrigacional. Deste modo, o vínculo estabelecido entre o devedor e o credor constitui o elemento
verdadeiramente irredutível da relação, sendo que nele reside o cerne do direito de crédito.

A composição interna deste elemento relaciona-se com os principais poderes e deveres que
advêm da obrigação para cada um dos sujeitos. Por conseguinte, os três elementos que integram o
vínculo existente entre os sujeitos da relação são (1) o direito à prestação; (2) o dever correlativo de
prestar; (3) a garantia.

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(1) Direito (do credor) à prestação: a relação de subordinação estabelecida entre os titulares
da relação traduz-se no poder, juridicamente tutelado, que o credor tem de exigir a prestação, no

dever que recai sobre o devedor que tem de efetuá-la e na sanção aplicável ao devedor
inadimplente ou em mora, a requerimento do credor lesado.

Este direito de exigir a prestação pode ser exercido extra-judicialmente, mediante interpelação

do devedor; ou judicialmente, como prevê o artigo 805º CC. Se o devedor cumprir voluntariamente
a prestação, o credor pode retê-la a título de cumprimento e não a título de liberdade. Se o devedor

não cumprir, e o credor estiver munido de um título executivo, isto é, de um documento que
constitua um mínimo de prova sobre o seu direito de crédito, poderá intentar uma ação executiva. É

de salientar que apenas o credor é o titular da tutela do seu interesse, sendo que ele é que decide
como fazê-lo e se quer ou não fazê-lo.

É com base no título executivo que se instaura a execução forçada, a qual pode revestir
diversas formas, consoante a natureza da prestação em dívida: a execução para pagamento de

quantia certa, para entrega de coisa certa ou para prestação de facto:


 Tratando-se de uma prestação de coisa certa (ex: entrega de um prédio, automóvel, etc.), o

tribunal procurará apreendê-la, usando a força, se necessário, para a entregar ao credor;


 Tratando-se de prestação de facto fungível, o tribunal pode, a requerimento do credor,

mandar realizá-la por outrem à custa do devedor.


 Se a prestação tiver por objeto certa quantia em dinheiro ou um facto não fungível, no caso

de não se encontrar no património do devedor a soma devida, ou se houver mesmo necessidade de


pagar a realização da prestação de facto fungível por terceiro, a execução tem de seguir outro

caminho. Há que sacrificar os bens do devedor necessários para, com o dinheiro da sua alienação, se
pagar a indemnização devida a credor pelo prejuízo derivado do não cumprimento ou para pagar as

despesas com a prestação de facto fungível. Neste caso, a execução atravessa três momentos
fundamentais:

I. Penhora dos bens do devedor: a penhora consiste na apreensão, pelo tribunal,

dos bens considerados necessários para cobrir, através do seu valor, a indemnização devida,
retirando esses bens da disponibilidade do devedor e afetando-os aos fins próprios da

execução. A apreensão, em princípio, goza de eficácia absoluta (art. 819 CC).


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II. Venda judicial dos bens penhorados: através da venda judicial, o Estado

(representado pelos tribunais) prescinde da vontade do proprietário para alienar os bens e, à


custa da alienação forçada, obter o dinheiro necessário aos fins da execução.

III. Pagamento aos credores: esse dinheiro será finalmente distribuído pelos
credores, até ao limite do montante dos seus créditos. Porém, em qualquer estado do

processo, quer o executado, quer terceiro, têm a faculdade de extinguir a execução, pagando
a dívida exequenda e as custas de ação (art. 916º CPC).

Para além disto, existe outra possibilidade: caso estejam em causa duas obrigações recíprocas
que tiveram origem no mesmo contrato bilateral e que sejam o correspetivo uma da outra, qualquer

dos credores pode compelir o outro contraente a cumprir, recusando a entrega da sua prestação

enquanto este não o fizer – exceção do não cumprimento do contrato (art. 428º CC e ss.).
Ora, todas estas soluções evidenciam os vários aspetos em que se desdobra o poder do

credor relativamente à prestação. Em suma, o credor não é apenas o portador subjetivo do interesse
tutelado. Ele é o titular da tutela do interesse, é o sujeito das providências em que a proteção legal se

exprime. Portanto, como afirma Manual de Andrade, o credor tem o poder de exigir a prestação, tem

direito à prestação.
(2) Dever de prestação: é correspondente, no pólo oposto da relação obrigacional, ao direito

à prestação. Ou seja, é a necessidade imposta pelo direito ao devedor de realizar a prestação. Trata-
se, assim, de um dever jurídico, sendo que cabe ao devedor realizar a prestação, sob a cominação

das sanções aplicáveis à inadimplência. Trata-se de um dever de prestar e não:


 De um ónus: a prestação não é o meio de obter uma vantagem, cuja realização é deixada ao

arbítrio do devedor; ao invés, é o instrumento de satisfação de um interesse alheio, a que o devedor


fica adstrito por força da lei, sob pena de incorrer em determinadas sanções.

 De um simples dever ditado pelos usos sociais: nas obrigações, a prestação é tratada como
cumprimento de dívida.

 De um puro dever moral ou social, como aqueles deveres de justiça que, sancionados pela

ética ou pelos usos sociais, servem de base às obrigações naturais: estas, precisamente porque não
nascem sob o signo do direito e apenas são por ele reconhecidas, não são judicialmente exigíveis,

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tendo o seu cumprimento, em certos aspetos, um tratamento que fica a meio termo entre o regime

do pagamentos e das liberalidades.

 De deveres provenientes das relações de cortesia ou de obsequiosidade;

 Não se confundindo com os deveres de carácter pessoal existentes nas relações familiares.

As sanções que exprimem a juridicidade do dever de prestar, tornando-o exigível, são aquelas

que já foram referidas a propósito do direito à prestação.


Nas relações obrigacionais derivadas dos contratos como a compra e venda, a locação, o

contrato de trabalho, etc., há prestações principais que definem o tipo ou o módulo da relação (por
exemplo, a entrega de coisa vendida por parte do vendedor e a entrega do preço por parte do

comprador; a cedência do gozo temporário da coisa; o pagamento da remuneração correspondente


ao exercício de uma atividade; etc.), sendo que, a par destes deveres principais, podem surgir, na

relação obrigacional, outros poderes que se denominam deveres secundários/acidentais de


prestação. Dentro desta categoria, encontram-se os:

 Deveres Acessórios de Prestação Principal, destinados a preparar o cumprimento ou a


assegurar a perfeita execução da prestação;

 Deveres relativos às Prestações Substitutivas ou Complementares da Prestação Principal:


podem consistir no dever de indemnizar os danos moratórios ou o prejuízo resultante do

cumprimento defeituoso da obrigação;

 Deveres compreendidos nas operações de liquidação das relações obrigacionais duradouras.

Além disso, a par dos deveres secundários de prestação e dos direitos subjetivos

correspondentes, nascem, a cada passo, para uma e outras partes, direitos potestativos [resolução,
denúncia, anulação, etc], exceções, ónus e expectativas, que se inserem na relação obrigacional. Esta,

como verdadeira relação complexa, a todos absorve e incorpora no mesmo processo.


Distintos dos deveres primários e dos deveres secundários, são os deveres acessórios de

conduta que, não interessando diretamente à prestação principal, são essenciais ao correto
processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra, na medida em que ela deve

ocorrer entre contraentes que agem corretamente, honestamente e de boa fé nas suas relações

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recíprocas. Logo, podem decorrer da lei ou da boa fé. A sua violação pode levar à indemnização dos

danos causados à outra parte.

Exemplo: O locatário tem como dever principal de prestação o pagamento da renda (artigo

1038º/a) CC). Mas tem, ainda, além de outros, o dever de avisar imediatamente o locador, sempre

que tenha conhecimento de vícios na coisa.

Trata-se de um dever que não respeita diretamente, nem à prestação, nem à correta realização

da prestação debitória (principal). Todavia, interesse ao normal desenvolvimento da relação locatária,


nos termos em que ela deve processar-se entre contraentes que agem honestamente e de boa fé

nas suas relações recíprocas.


Com efeito, de um modo geral, pode dizer-se que, nas relações obrigacionais bilaterais (onde os

deveres acessórios mais avultam), cada um dos contraentes tem o dever de tomar todas as
providências necessárias (razoavelmente exigíveis) para que a obrigação a seu cargo satisfaça o

interesse do credor da prestação.


O artigo 762º CC consagra um dever geral de agir de acordo com a boa fé, segundo o qual, no

cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, as partes devem


agir de boa fé. Isto significa que os deveres acessórios de conduta estão intrinsecamente ligados ao

dever geral de boa fé.


Ora, é certo que todo o dever de prestação se traduz num dever de conduta; mas nem todos os

deveres de conduta são deveres de prestação (principal ou secundária). A distinção entre os deveres
(primários ou secundários) de prestação e os deveres acessórios de conduta reflecte-se, desde

logo, em dois aspetos:


 Possibilidade dos deveres acessórios de conduta surgirem antes (ou independentemente) de

se ter constituído a relação obrigacional de onde decorre (ou viria a decorrer) o dever de prestação;

 Possibilidade dos deveres acessórios de conduta terem, como titular ativo, pessoas estranhas

à relação donde nasce o dever de prestação;

 A generalidade dos deveres acessórios de conduta não dá lugar à ação judicial de

cumprimento, própria dos deveres de prestação. Mas a sua violação pode obrigar à indemnização
dos danos causados à outra parte ou dar mesmo origem à resolução do contrato ou sanção análoga.

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 Os deveres acessórios de conduta tanto recaem sobre o devedor, como afetam o credor, a

quem incumbe evitar que a prestação se torne desnecessariamente mais onerosa para o obrigado e
proporcionar ao devedor a cooperação de que ele razoavelmente necessite, em face da relação

obrigacional, para realizar a prestação devida.

CONCLUSÃO:

Entre o direito à prestação e o dever de prestar há uma relação normal de correspondência –


o cumprimento do dever de prestar, satisfazendo o interesse do credor, extingue o direito à

prestação. Por outro lado, a satisfação do interesse do credor é o efeito normal do cumprimento do
dever que recai sobre o obrigado. Todavia, esta relação pode falhar, num duplo aspeto:

I. Há várias formas de extinção do direito do credor, para além do cumprimento do dever de


prestar (ex: prescrição, confusão, novação, dação em cumprimento, etc.).
II. O devedor pode ficar desonerado do dever de prestar, ou cumprir mesmo esse dever, sem
que seja exercitado o direito do credor à prestação (ex: consignação em depósito declarada

válida por decisão judicial, arts. 841.º e 846.º).

GARANTIA
A lei não se limita a impor um dever de prestar ao obrigado e a atribuir ao credor o correlativo

direito de prestação. Igualmente, ela procura assegurar a realização coativa da prestação, nos casos
em que há incumprimento, até que o devedor se decida a cumprir, através da ação creditória que
permite realizar a pretensão do credor. Ou seja, como é proibida a atuação direta do credor –
proibição legal da auto-defesa (art. 1º CPC) –, abre-se ao lesado o recurso à ação dos tribunais: o

elemento que mais carácter de juridicidade imprime ao vínculo entre o credor e o devedor (ao poder
de exigir do primeiro; e ao dever de prestar, do segundo) é, precisamente, a ação creditória, através

da qual se exercita a pretensão do credor.


Assim, a ação creditória, prevista no artigo 817º CC, permite ao credor exigir judicialmente o

cumprimento da obrigação e executar o património do devedor, caso ele não cumpra a obrigação
voluntariamente – é, portanto, uma ação de cumprimento e de execução.

Do ponto de vista do devedor, a garantia traduz-se na responsabilidade do seu património (dos


bens que o compõem) pelo cumprimento da obrigação, e na consequente sujeição dos bens que o

integram aos fins específicos da execução forçada. Ora, se o credor tem o direito de agredir o

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património do devedor, quando ele não cumpre, é porque o património responde previamente pela

obrigação.

O fim da execução consiste em proporcionar ao credor a realização do interesse que a prestação


visava facultar-lhe ou uma satisfação tão próxima quanto possível desse interesse, através da

indemnização do prejuízo causado pelo não cumprimento.


Como os bens do devedor respondem igualmente perante todos os credores, diz-se que o

património do devedor é a garantia comum dos credores, como estabelece o artigo 604º CC, uma
vez que, não existindo causas legítimas de preferência, todos têm o direito de serem pagos

proporcionalmente.
Ora, tendo a garantia um valor fundamental para a exequibilidade prática da obrigação, a lei

faculta aos credores os meios de conservação da garantia patrimonial, que visam permitir-lhes reagir
contra certos atos que possa vir a diminuir o património ou impedir o aumento do seu valor. Estes

meios estão previstos nos artigos 605º e ss. CC, sendo eles:
 A declaração de nulidade de atos praticados pelo devedor;

 A sub-rogação do credor ao devedor;


 A impugnação;

 O arresto.

ESTRUTURA DA OBRIGAÇÃO: A NATUREZA JURÍDICA DA OBRIGAÇÃO

A natureza jurídica da relação obrigacional remete para a essência da relação creditória. A


obrigação tem sido concebida, pela maior parte dos autores, como um direito do credor a um

comportamento do devedor, ou seja, como um direito à prestação.


Há, porém, quem a defina como:

 Um poder do credor sobre a pessoa do devedor;


 Um poder do credor sobre os bens ou o património do devedor;

 Uma relação, não entre pessoas, mas entre dois patrimónios.


Num aspeto diferente, há quem considere a ação creditória como parte integrante da relação

obrigacional, ao lado do poder substantivo de exigir a prestação, enquanto outros a concebem como
um quid exterior à relação substantiva obrigacional. Entre os primeiros, os sequazes da doutrina

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clássica tratam a obrigação como uma relação unitária, ao passo que os partidários da célebre

teoria alemã do débito e da responsabilidade a decompõem numa dupla relação.

A OBRIGAÇÃO COMO PODER DO CREDOR SOBRE A PESSOA DO DEVEDOR


Esta teoria foi elaborada por Savigny como uma reação contra as teorias que, rompendo com

a orientação clássica, pretendiam deslocar o centro de gravidade da obrigação para o património do


devedor. Na linha desta conceção, a obrigação é uma forma especial de propriedade do credor, não

sobre toda a pessoa do devedor, mas sobre um dos seus atos. Defende-se, portanto, que o credor
tem um poder sobre o devedor. Esta tese é facilmente rejeitada:

 Desde logo, esta tese esquece a vontade do devedor que, embora sujeita a medidas
coercitivas, assume um valor decisivo na obrigação – é o instrumento essencial de ligação entre o

direito do credor e a prestação a que o devedor se encontra adstrito.


 Não dá nenhuma explicação lógica para o poder de agressão do património do devedor.

 O credor, quando o devedor não cumpre espontaneamente, não pode atuar sobre a pessoa
física do obrigado, para o forçar a realizar a prestação devida.

Para que, em bom rigor, se pudesse falar na propriedade do credor sobre um ato do devedor,
seria necessário que ele dispusesse de um poder imediato e absoluto sobre tal ato, o que não se

concebe quanto à relação debitória, uma vez que o devedor está vinculado ao credor não como
objeto de um poder deste, mas como sujeito de um dever correlativo ao direito do credor.

A OBRIGAÇÃO COMO PODER DO CREDOR SOBRE OS BENS/PATRIMÓNIO DO DEVEDOR:

Numa posição diametralmente oposta da anterior, os autores consideram a obrigação como


um poder do credor sobre os bens (objeto da prestação) ou património do devedor. Logo, estes

autores já não entendem a obrigação como um poder sobre a pessoa do devedor, enfatizando-se a
vertente patrimonial em detrimento da vertente pessoal. Ora, desde que a realização da prestação

depende da vontade do devedor, não faz sentido – afirmam os partidários desta concepção – falar
de um direito do credor à prestação, uma vez que esta depende da vontade do devedor. Perante o

dever de prestar, o credor não goza de mais que uma pura expectativa do cumprimento e, só a falta

deste, traz à superfície, através dos meios coercitivos facultados ao credor, o verdadeiro substractum
jurídico da obrigação. Por outras palavras, o poder de agressão que o sistema jurídico concede ao

credor não se dirige à ação ou omissão devidas, tendo antes por objeto os bens compreendidos no
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património do devedor. É um poder que apenas se mostra, em toda a sua pujança, quando o

devedor não cumpre voluntariamente.


Esta doutrina também não se encontra isenta de críticas, confundindo a substância da

prestação com as medidas subsidiariamente cominadas para o caso do não cumprimento:


 Se o tal poder do credor sobre os bens do devedor visa apenas retratar a execução forçada do

património deste, o conceito de obrigação começaria por não abranger a grande massa das
obrigações que nascem, vivem e se extinguem, sem necessidade de recorrer à ação creditória ou a

qualquer dos meios que funcionam como seus auxiliares.


 Se pretende abranger não só os casos de execução forçada mas também os de cumprimento

espontâneo, a noção peca por não se adaptar àquelas obrigações cuja prestação consiste num facere
ou num non facere. Nesses casos, tal como naqueles em que a prestação de dar e entregar carece de

valor pecuniário, não há quaisquer bens no património do devedor sobre os quais incida o direito do
credor. Aliás, mesmo nas próprias obrigações de dar, entregar ou restituir em que a prestação tenha

por objeto coisa determinada, o vínculo não pode ser definido como um poder do credor sobre os
bens do devedor porque, à semelhança do que sucede com o direito real, o crédito confere ao seu

titular um poder direto e imediato sobre a coisa, refletindo-se em dois atributos do direito real: a
preferência e a sequela.

 A preferência significa que o direito afasta todos os outros direitos posteriormente


constituídos, que sejam suscetíveis de colidir com ele; assim é que o credor hipotecário ou

pignoratício afasta todos os outros credores comuns, bem como os credores com garantia
sobre a mesma coisa, mas posterior à hipoteca ou ao penhor, enquanto o seu crédito não

estiver plenamente satisfeito.


 A sequela consiste na faculdade de o titular invocar o seu direito sobre a coisa, onde quer

que ela se encontre, isto é, mesmo que ela tenha sido transmitida a terceiro após a
constituição do direito. O credor hipotecário pode invocar o seu direito sobre os bens

hipotecados, mesmo que estes tenham sido transmitidos para terceiro por quem constitui
a garantia.

Ora, sabe-se de antemão que o direito de crédito não goza de nenhuma dessas prerrogativas.

Portanto, é possível afirmar que esta teoria confunde o direito de crédito com a sua sanção.
 A prova de que a substância da obrigação consiste no direito à prestação e no correlativo

dever de prestar, e não no direito de agressão do património do devedor, encontra-se, desde logo,
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na lei [artigo 790º CC] quando considera o devedor desonerado; quando a prestação se torna

impossível por razão que lhe não seja imputável, embora, no seu património, continuem a existir
bens suscetíveis de execução; por outro lado, a impossibilidade originária da prestação gera a

nulidade da obrigação, sem embargo de, no património do devedor, existirem bens capaz de
satisfazer indiretamente o interesse do credor.

A OBRIGAÇÃO COMO RELAÇÃO ENTRE PATRIMÓNIOS

Esta doutrina explica-se como uma reação contra a tese que via na obrigação um vínculo de
sujeição pessoal do devedor, vendo antes na obrigação uma relação entre patrimónios – quando se

constitui a obrigação, o devedor efetuaria uma alienação de bens do seu património, cuja eficácia
fica apenas dependente da faculdade que ele tem de resgatar os valores alienados mediante o

cumprimento voluntário da prestação. Portanto, as relações jurídicas obrigacionais consistiam em


trocas ou transmissões de bens que operam os seus efeitos sobre o património dos interessados.

Ou seja, coloca-se o acento tónico no património do devedor (que deve ao património do


credor), o que significa que, tanto o credor como o devedor são meros representantes do elemento

garantístico – o património.
Estes autores exageraram o alcance do fenómeno da despersonalização, ou seja, esta

doutrina não pode ser aceite como uma representação conceitual exata do vínculo obrigacional.
Posto isto, para além das críticas à posição anterior que são também aqui válidas, pode dirigir-se

ainda as seguintes críticas:


 Ao reduzir a obrigação a um nexo entre dois patrimónios, não atende a que esta, como toda a

relação jurídica, postule a existência de dois sujeitos – a verdade é que, a circunstância de os sujeitos
mudarem com extrema frequência nalguns tipos especiais de obrigações, serve para mostrar que não

é essencial à obrigação a persistência dos mesmos sujeitos mas não demonstra, de modo nenhum,
que seja dispensável a existência dos sujeitos. Aliás, são os sujeitos quem dispõe dos meios de tutela

concedidos pelo direito.

 São os sujeitos, como elemento soberano da relação, quem dispõe dos meios de tutela, quem

pode exigir o cumprimento da obrigação, aceitar coisa diferente da devida, modificar


convencionalmente a prestação, etc, realizando todos estes atos fora das limitações inerentes ao

instituto da representação, porque se trata de gerir em nome próprio interesses próprios.

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 Converter patrimónios em sujeitos da relação, e os seus titulares em meros representantes de

bens, é, não só desvirtuar o sentido da obrigação, como subverter a função do Estado e do direito
positivo em face da pessoa humana.

Importa agora atender a duas doutrinas que encaram a relação obrigacional, tendo em conta o
relevo que a ação creditória desempenha na estrutura obrigacional: a doutrina germânica –

DOUTRINA DO DÉBITO E RESPONSABILIDADE – e a DOUTRINA CLÁSSICA – defendida por nós.

OBRIGAÇÃO COMO RELAÇÃO COMPLEXA, INTEGRADA POR DOIS ELEMENTOS: O DÉBITO E A


RESPONSABILIDADE

Esta doutrina decompõe a obrigação em dois elementos distintos: o débito, que consiste no
dever de prestar, na necessidade de observar determinado comportamento; e a responsabilidade,
que se traduz na sujeição dos bens do devedor ou do terceiro aos fins próprios da execução, isto é,
traduz-se na relação de sujeição que pode ter por objeto, tanto a pessoa do devedor, como uma

coisa ou complexo de coisas do devedor ou de terceiro.


O DÉBITO é definido como uma relação de carácter pessoal entre credor e devedor. Sobre o

titular passivo da relação obrigacional recai um dever jurídico – o dever de prestar –, cujo reflexo
mais saliente está na exclusão da condictio indebiti, uma vez que ele cumpra. O credor é que já não

goza de um direito, mas de uma simples expectativa, quanto à prestação: não de uma pura
expectativa de facto, mas expectativa jurídica, consubstanciada na soluti retentio. Não há, porém,
dentro da relação, um poder de exigir conferido ao credor, visto lhe faltar o direito de proceder
judicialmente contra o devedor; há apenas a confiança dele em que o devedor cumpra, por ser

juridicamente devida a prestação.


A RESPONSABILIDADE é tida como um direito real de garantia e, dentro das garantias reais,

como um direito de penhor, que incidiria, não sobre os bens do devedor, mas sobre o património
como uma universalidade. Assim, procuram os autores conciliar o poder que o devedor conserva de

alienar os seus bens com o direito que o credor tem de agredir o património do inadimplente e com
os meios que a lei lhe concede para, independentemente da ação executiva e do vencimento da

obrigação, conservar a garantia patrimonial.

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Exemplos:

 OBRIGAÇÕES NATURAIS: constituem o exemplo típico da relação de débito desprovida da


relação de responsabilidade, visto o respetivo credor, que tem direito à prestação, não gozar da ação

creditória, ou seja, conferem ao credor um poder de pretender e não um poder exigir judicialmente
uma obrigação. Por exemplo, refira-se um contrato de jogo-aposta que gera obrigações naturais: o

credor não pode exigir judicialmente o pagamento da aposta.

 FIANÇA, PENHOR OU HIPOTECA CONSTITUÍDOS POR TERCEIRO: haveria igual dissociação

entre o débito, que incide sobre o devedor, e a responsabilidade, que recai ou viria a recair sobre
terceiros.

A falta de coincidência entre o objeto do débito e o montante da responsabilidade verifica-se nos


casos de débito em que a responsabilidade abrange só uma parte do património do devedor e

naqueles em que, pelo contrário, a responsabilidade excede o montante do débito. Assim, no caso
da herança (exemplo típico de património autónomo ou separado), não há dúvida que o herdeiro

sucede nas dívidas do falecido: todavia, por elas não responde todo o património do novo devedor,
mas apenas os bens que o sucessor recebeu do finado (cfr. art. 2071.º)

No caso da solidariedade passiva, dá-se o fenómeno inverso: cada um dos devedores responde
perante o credor pelo cumprimento integral da obrigação, conquanto deva apenas uma quota parte

da prestação, como se verifica no domínio das relações (internas) entre os devedores.

Posto isto, são tecidas críticas a esta tese, uma vez que não há necessidade de desmembrar a

relação creditória:
 Não é necessário recorrer ao expediente teórico do desmembramento da obrigação em duas

relações distintas (débito e responsabilidade) para explicar conceitualmente os dados facultados pelo
sistema jurídico.

 As OBRIGAÇÕES NATURAIS não provam, a favor da tese da dualidade, pela razão simples
de que não são verdadeiras obrigações jurídicas, nem sequer deveres jurídicos: trata-se de meros

deveres morais ou sociais juridicamente relevantes, que se não caracterizam apenas pela falta de
ação creditória.

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 A FIANÇA, destinada a garantir a dívida já existente, não pode ser considerada como um caso
de responsabilidade sem débito, mas antes como um caso típico de obrigação acessória. Ou seja, o

fiador não é apenas responsável; é também devedor, embora acessoriamente.

 No caso da HIPOTECA OU DO PENHOR constituído por terceiro, não é correta a afirmação

de que a responsabilidade esteja num lado (património do devedor) e a dívida noutro (na titularidade
do devedor). O devedor, além de sujeito do dever de prestar, responde também pelo cumprimento

da obrigação com todos os seus bens suscetíveis de penhora [artigo 601º CC]. É certo que, estando
o cumprimento da dívida assegurado por meio da garantia real, a penhora deve principiar, pelos

bens a que a garantia se refere. Mas isso não impede que, pertencendo a terceiro os bens
hipotecados ou dados em penhor, os bens do devedor continuem a responder ilimitadamente pelo

cumprimento da dívida e possam ser sacrificados na ação executiva. Quanto ao terceiro, não pode
dizer-se que ele seja devedor, nem que responda pessoalmente pelo cumprimento, uma vez que a

responsabilidade se limita à coisa hipotecada ou dada em penhor e cessa, quanto a ele, logo que
aliene a coisa

 Quanto À RESPONSABILIDADE DO HERDEIRO, também não há nela uma dissociação do


débito e da responsabilidade. A separação de patrimónios temporariamente imposta por lei para

salvaguardar as legítimas expetativas dos credores da herança conduz logicamente à solução de o


herdeiro suceder nos débitos do de cuius, tal como eles existiam na titularidade deste.

 No caso da SOLIDARIEDADE PASSIVA, também não é exata a afirmação de que a


responsabilidade de cada um dos devedores excede o montante do seu débito. Cada um dos

devedores responde perante o credor comum pelo cumprimento integral da prestação, precisamente
porque é devedor, não apenas da sua quota, mas da prestação total. Assim se explica, aliás, que a

sentença favorável obtida por qualquer deles contra o credor, baseada em fundamentos comuns,
aproveite a todos os outros (art. 522.º). No domínio das relações internas o fenómeno é semelhante:

cada um deles deve ao credor de regresso a sua quota parte, e por essa dívida respondem, como
todas as demais, todos os bens penhoráveis do devedor.

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 A teoria do débito e da responsabilidade oferece uma imagem defeituosa, imperfeita, do

direito à prestação e do correlativo dever de prestar. Limitando praticamente todos os efeitos


jurídicos da primária relação de débito à exclusão da condictio indebiti, por parte do devedor, e à

concessão da soluti retentio, por parte do credor, os autores reduzem a posição deste a uma simples
expectativa ou fidúcia jurídica, e a do devedor a um simples estado de pressão psicológica, a uma

pura necessidade moral ou racional ou a um dever livre.

Para concluir, pode afirmar-se que:

 A responsabilidade não pode constituir-se sem uma dívida, ainda que futura ou condicional;

 A responsabilidade não persiste depois de extinto o débito correlativo;

 A responsabilidade (ação creditória) integra o direito à prestação, como principal sustentáculo


do poder de exigir conferido ao credor.

 “A responsabilidade só encontra justificação através da ideia prévia do dever jurídico. É-se


responsável porque se deve ou se deveu alguma coisa. A responsabilidade é, por conseguinte,

uma forma de sanção do não cumprimento do débito, que é um ato antijurídico” – Diez-
Picazo.

O que verdadeiramente acontece é que quando o credor interpela o devedor, não o faz em

atitude de pura expectativa de cumprimento espontâneo. A interpelação do devedor tem o sentido


natural de uma exigência, ou seja, a reclamação do cumprimento subentende-se que é feita sob a

cominação dos meios coercitivos predispostos pela ordem jurídica para tutela da obrigação, entre os
quais, a ação creditória e a resolução do contrato. São estes os meios que emprestam maior força ao

vínculo, não devendo, por isso, ser desintegrados da obrigação, sob pena de ficar desvirtuado o
sentido das posições do credor e do devedor. De outro modo, nem sequer será logicamente possível

distinguir entre a situação do devedor e a do terceiro, estranho à relação. Se também este tem, tal
como o devedor, a faculdade de efetuar a prestação; se também a ele, uma vez realizada a

prestação, a lei recusa a condictio indebiti; se o próprio credor não pode, em princípio, recusar a
prestação de terceiro, nada nos permitiria afinal, dentro da relação de débito, destrinçar a posição de

um e outro.

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TEORIA CLÁSSICA: A OBRIGAÇÃO COMO DIREITO PESSOAL E COMO RELAÇÃO UNITÁRIA


A teoria clássica, adotada por ANTUNES VARELA, é aquela que reconduz a essência da

obrigação a um comportamento pessoal do devedor, ou seja, o seu objeto é a ação ou omissão a


que o titular passivo da relação se encontra adstrito. Para além disto, a relação obrigacional é

também uma relação unitária, ou seja, que envolve todas as facetas que reveste o poder do credor e,
correlativamente, o dever do obrigado numa unidade ontológica.

Quando a prestação debitória consiste numa prestação de coisa, o direito do credor tem por
objeto imediato ou direto a atividade do obrigado (translação do domínio sobre a coisa, a entrega

ou a restituição dela) e não a própria coisa, em si mesma considerada: trata-se de um direito à


prestação e não de um direito sobre o objeto da prestação. Deste modo, está explicado que a

obrigação se extinga, quando a prestação debitória se torne impossível, por causa não imputável ao
devedor [artigo 790º CC], apesar do devedor ter eventualmente bens no seu património por onde

responder, e que a impossibilidade originária da prestação gere a nulidade do negócio jurídico


[artigo 401/1º CC].

A ação creditória (como simples sanção, como momento subsidiário da relação, e não como
elemento principal desta) converte a expectativa do credor num verdadeiro direito, fortalecendo

decisivamente o seu poder de exigir a prestação. É certo que constituem aspetos diferentes: o poder
de exigir, por um lado, e a ação creditória, por outro. A própria ação creditória pode revestir

diferentes configurações: pode destinar-se a obter a prestação devida (execução específica ou


mediante restituição natural); ou o ressarcimento do dano causado pelo não cumprimento (execução

por equivalente). Mas, saliente-se, nenhuma destas circunstâncias impede que o poder de exigir a
prestação e a ação creditória sejam peças integrantes do mesmo sistema.

Esta doutrina clássica vem, então, afirmar que todas as facetas que revestem o poder do
credor e, correlativamente, o dever do obrigado são elementos do mesmo processo, parcelas da

mesma unidade global. Verdadeiramente, apesar da tendência de considerar a obrigação como uma
relação simples, ela terá de ser pensada como sendo complexa, como um verdadeiro processo que

se desenrola no tempo. Só a conceção unitária da relação obrigacional se mostrar capaz de retratar

aquilo que se chama a unidade ontológica da obrigação.

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A FUNÇÃO DA OBRIGAÇÃO
A obrigação não constitui um fim em si mesma. Ela é apenas um meio, um instrumento

técnico-jurídico, criado por lei ou predisposto pelas partes, para a satisfação de certo interesse.
O interesse do credor – assente na necessidade ou situação de carência de que ele é

portador e na aptidão da prestação para satisfazer tal necessidade – é que define a função da
obrigação. Com efeito, a função consiste na satisfação do interesse concreto do credor,

proporcionada através do sacrifício imposto ao devedor pelo vínculo obrigacional.


O interesse do credor está fora da estrutura da obrigação, isto é, trata-se de um elemento

exterior à estrutura da relação obrigacional. Ora, sendo algo exterior, é fundamental o momento
constitutivo da obrigação e o momento extintivo da obrigação, uma vez que, extinguindo-se o

interesse do credor, extingue-se a obrigação. Este interesse do credor exerce uma influência decisiva
em múltiplos aspetos:

 Desde logo, para que a obrigação se constitua validamente, é necessário que a prestação
corresponda a um interesse do credor digno de proteção legal [artigo 398º/2 CC];

 O mecanismo natural de extinção da obrigação é o cumprimento, porém sendo a prestação


fungível e não havendo convenção em contrário, se um terceiro quiser realizar a prestação em lugar

do devedor, a lei não só o autoriza a fazê-lo, como impõe ao credor o dever de a receber [artigo
767º/1-2 CC]. O credor só pode recusar a prestação na falta de acordo que exclua a intervenção de

terceiro ou quando a substituição do devedor por este o prejudique;


 Se o interesse objetivo do credor na prestação desaparecer por causa superveniente, a

obrigação extingue-se porque, suprimida a necessidade que servia de fundamento a tal interesse,
cessa a razão de ser do vínculo obrigacional.

É ainda pelo interesse do credor que a lei manda pautar a resolução de alguns problemas
delicados:

 Para saber se a prestação é ou não fungível, há que provar que a substituição do devedor por
um terceiro é contra a vontade do credor, sendo que, assim, não haverá fungibilidade;

 Para determinar se a impossibilidade de cumprimento deve considerar-se temporária ou

definitiva [792º/1 e 2 CC] e se a impossibilidade parcial da prestação, proveniente de causa não


imputável ao devedor, há-de ou não ser equiparada à impossibilidade total [793º/2 CC];

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 Para delimitar os casos em que a mora do devedor equivale à falta definitiva de cumprimento

[a mora corresponde a um atraso, que possibilita um cumprimento da obrigação fora de tempo, o


que se revela possível porque subsiste o interesse do credor, o que significa que, caso deixe de haver

interesse a mora passa a incumprimento definitivo – artigo 808º/1 e 2 CC];


 Para fixar os termos em que a impossibilidade parcial da prestação, imputável ao devedor, não

legitima a resolução do negócio [artigo 802º CC];


 Para calcular o montante da indemnização a que o credor tem direito, no caso de a obrigação

não ser cumprida [artigo 566º/2 CC], visto esse montante ser determinado em função dos interesses
concretos que a inadimplência veio frustrar.

CAPÍTULO II - AS OBRIGAÇÕES E AS OUTRAS CLASSES DE RELAÇÕES JURÍDICAS


AS OBRIGAÇÕES E OS DIREITOS REAIS

O conhecimento da estrutura e da função das obrigações facilita o confronto que interessa


promover entre as relações de crédito e as relações jurídicas de outro tipo, destacando-se, neste

âmbito, os direitos reais.


Os termos correntes da distinção entre as duas classes de relações estão longe de ser aceites

por todos os autores. Por um lado, não faltam autores que, destacando o elemento real ou
patrimonial da garantia, acabam por converter a obrigação num direito real sobre o património do

devedor.
Por outro lado, na esteira de WINDSCHEID, impugnam a conceção clássica do direito real

como um poder do titular sobre a coisa, com o fundamento de que não se concebem relações entre
pessoa e coisa, pois que, a relação jurídica seria sempre uma relação entre pessoas, um vínculo

intersubjetivo. Significa, portanto, que WINDSCHEID defende uma conceção personalista do direito
real que, consequentemente, aproxima os direitos reais dos direitos de crédito.

Elevando-se esta conceção às próprias obrigações, constata-se que, ou há relações


obrigacionais fortes – que correspondem aos direitos reais, por ser direta a relação que estabelecem

entre o titular e todas as restantes pessoas (terceiros) – ou há relações obrigacionais fracas – que
correspondem aos direitos de crédito, porque a relação se estabelece diretamente apenas entre o

credor e a pessoa ou pessoas adstritas à prestação, sendo os terceiros somente obrigados a respeitar
o direito do credor, não impedindo nem perturbando o seu exercício.

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FDUC – DOI 2017/2018
Assim o direito real é concebido por muitos autores como o vínculo estabelecido entre o

titular da res e todas as outras pessoas, sobre as quais recairia a obrigação passiva universal.
 Traço mais saliente da respetiva distinção: as obrigações são direitos relativos, enquanto os

direitos reais são direitos absolutos!

Os direitos de crédito e os direitos reais distinguem-se, antes demais, de acordo com um critério
referente aos efeitos:

 Por um lado, os direitos reais valem erga omnes, têm uma eficácia absoluta, são direitos de
soberania sobre a coisa, isto é, o seu titular tem um direito que é oponível a todos os membros da

comunidade jurídica. Por outro lado, os direitos de crédito, operando só inter partes, são direitos
com eficácia relativa que apenas vinculam pessoas determinadas (ou determináveis – artigo 511º CC)

que são os sujeitos da relação, sendo que valem, em princípio, somente a favor do credor contra o
devedor.

Daqui, decorrem determinadas consequências: (exemplo explicativo) se o Sr. A adquirir a


propriedade de uma coisa móvel ou imóvel, o seu direito impor-se-á:

 A todos os adquirentes posteriores, a quem o antigo proprietário transmita o domínio ou


conceda outro direito real sobre a coisa;

 A todos os titulares de qualquer direito pessoa de gozo sobre a coisa (comodatários,


arrendatários, etc.);

 Aos credores do antigo proprietário, tendo o adquirente o direito de exigir a separação da


coisa perante a massa falida ou insolvente, no caso de o alienante vir a cair em falência ou

insolvência;

 A todos os possuidores ou detentores da coisa (1311º CC);

 A quem quer que se apodere da coisa, a danifique, a use em seu proveito ou conteste o

direito do titular, isto é, a qualquer terceiro que se queira imiscuir, perturbando o gozo ou usufruto
da coisa.

Ora, esta é a conclusão que se extrai, não só dos preceitos que diretamente contrapõem a
eficácia real à eficácia puramente obrigacional de certas convenções (artigos 413º e 421º/1 CC), mas
também da afirmação feita no artigo 1305º CC.

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FDUC – DOI 2017/2018
Desta forma, constata-se que o direito real é um direito oponível a relações que possam entrar

em conflito com a titularidade do direito de propriedade (por exemplo) – direito com eficácia erga

omnes. Ao invés, o direito de crédito tem uma eficácia inter partes, sendo que o credor só pode
exigir a prestação ao devedor, pois só o devedor está obrigado perante o credor: consequentemente,

o direito do credor só se opõe ao respetivo devedor.

EXEMPLO: A promete vender o seu carro a B e B promete comprar a A, o que significa que este
é um contrato preparatório de um outro contrato definitivo. Se o contrato-promessa tiver eficácia

meramente obrigacional [regra], significa isso que o direito do promitente, comprador, ou vendedor,
tão-só pode ser oposto à contraparte [A obrigou-se a vender o seu carro a B, tendo esta promessa

efeitos meramente obrigacionais]. O promitente, comprador, pode exigir o seu direito àquele que se
prometeu a vender. Suponha-se que A, na data prevista para a celebração do contrato, não quer

vender a B, porque decidiu vender a C: incumprimento do contrato promessa. Se vendeu a C não


pode dizer que vende a B, por não se poder transmitir direitos que não se tem. Neste caso, B tão-

apenas se poderá opor o direito a A, pretendendo obter uma indemnização, uma vez que o direito a
obter o cumprimento do contrato de compra e venda já não é possível. Ao invés, se o contrato tivesse

eficácia real, o direito passaria a ter efeitos relativamente a terceiros, pelo que seria possível a efetiva
celebração do contrato de compra e venda.

REFLEXOS DA EFICÁCIA ABSOLUTA DOS DIREITOS REAIS: O DIREITO DE

PREFERÊNCIA/PREVALÊNCIA E O DIREITO DE SEQUELA


A eficácia absoluta dos direitos reais, traduzida na sua procedência erga omnes, pressupõe

dois corolários:
1º. DIREITO DE PREFERÊNCIA/PREVALÊNCIA [prior tempore potior iure]: o titular do direito

real tem a faculdade de fazer prevalecer o seu direito sobre todas as situações juridicamente
constituídas que tenham por base a coisa, desde que esta seja incompatível com o uso ou gozo da

coisa. A prevalência pode valer também relativamente às situações jurídicas constituídas


anteriormente, e não só em relação às que se constituem posteriormente. Contudo, esta ideia de

prevalência nunca se poderia aplicar aos direitos de crédito, uma vez que a ideia subjacente nesses é
o concurso dos credores.

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FDUC – DOI 2017/2018
A preferência, sendo um efeito normal do direito real, não é, todavia, um efeito privativo desta

categoria de relações: a preferência está consagrada no artigo 407º CC em relação aos direitos
pessoais de gozo incompatíveis, constituídos sobre a mesma coisa. Isto quer dizer que o direito de

prevalência corresponde ao princípio “priori tempore potior iure”, segundo o qual o direito real
primeiramente constituído é o direito real que prevalece sobre todos os outros que, posteriormente,

venham a ser constituídos: “primeiro no tempo, primeiro para o Direito”. Por isso é que o artigo 407º
CC consagra a prevalência do direito real – primeiramente constituído –, no caso de direitos

pessoais de gozo incompatíveis constituídos sobre a mesma coisa.

EXEMPLO: O Sr. A deve a vários credores e constitui várias hipotecas sobre o mesmo prédio,

gerando-se, assim, vários direitos reais de garantia – ora, o que prevalece é o direito do primeiro
credor, logo, só se restar dinheiro é que poderá ser satisfeito o crédito dos restantes credores.

Assim, o direito posterior só se torna eficaz depois de ter sido satisfeito integralmente o direito
anterior (artigo 713º CC).

Em suma, esta supremacia plena, fundada na prioridade temporal, é incontestada no domínio


dos direitos reais de garantia. Sendo possível e até frequente a coexistência de dois ou mais direitos

da mesma espécie sobre a mesma coisa, o direito posterior só se torna eficaz depois de
integralmente satisfeito o direito anterior.

NOTA: se o direito real recair, porém, sobre coisa imóvel ou sobre móveis sujeitos a registo, o
princípio da prioridade temporal, na constituição do direito tem que ser adaptado às regras de

inscrição dos direitos no registo. Portanto, é possível afirmar-se que o instituto do registo (baseado
em preocupações de segurança jurídica) confere uma exceção à regra da prevalência.

Porém, a preferência não deixa de afirmar-se ainda quanto aos direitos reais de gozo: se

A, proprietário, constituir um usufruto a favor de B e, algum tempo decorrido, um outro em


benefício de C, ainda na vigência do primeiro, o segundo só vale – em princípio – depois de extinto

o inicialmente constituído. Uma vez constituído um direito sobre certa coisa, o sujeito que
participou ou consentiu na sua constituição não pode já constituir validamente um direito
incompatível com esse sobre a mesma coisa.

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2º. DIREITO DE SEQUELA: o direito de sequela traduz-se na faculdade conferida ao titular do


direito real de fazer valer o seu direito sobre a coisa, onde quer que ele se encontre. Assim, ele tem o

direito de perseguir a coisa, onde quer que ela se encontre, mesmo que aquela tenha sido
posteriormente adquirida por um terceiro.

Este direito também não se aplica aos direitos de crédito, visto que estes são tão-só
oponíveis à contraparte, determinada.

Excecionalmente, há direitos de crédito que acompanham a coisa, como é o caso do direito do


arrendatário [artigo 1057º CC] – este direito é uma prerrogativa do direito de sequela, uma vez que, a

título de exemplo, A arrenda um apartamento a B, sendo B arrendatário e, na sequência do contrato


de arrendamento, A decide vender a B o apartamento – à partida o direito de gozo sobre a coisa iria
cair, mas o direito ao arrendamento mantém-se, sendo, por isso, uma manifestação de sequela,
porque o direito de crédito acompanhou a transmissão de propriedade, deixando de se opor a A, mas

passando a opor-se a um terceiro.

O direito de sequela tem igual aplicação aos restantes direitos reais, quer de gozo, quer de
garantia, quer de aquisição: se A, locatário ou mandatário, alienar abusivamente coisa pertencente a

B, este poderá reivindicá-la, quer do adquirente, quer do eventual subadquirente, sem necessidade
de destruir previamente o negócio de alienação.
EXCEPÇÃO: de acordo com os artigos 243º e 291º CC, se o terceiro adquirente estiver de boa
fé, é derrogado ou neutralizado o direito de sequela, sendo que o seu titular já não pode seguir a

coisa.

EFEITOS DA OBRIGAÇÃO EM RELAÇÃO A TERCEIROS


Dado que a obrigação não é um direito de soberania como os direitos reais, ou seja, não é um

poder sobre a coisa, mesmo quando tenha por objeto a prestação de uma res, não representa um
poder sobre o devedor ou sobre qualquer comportamento objetivado do obrigado. Portanto, a

obrigação é, essencialmente, o poder de exigir uma prestação que apenas recai sobre o devedor e,

por isso, se considera um direito relativo. Porém, a relatividade essencial do direito de crédito não
obsta a que:

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FDUC – DOI 2017/2018
 A lei considere excecionalmente oponíveis a terceiros algumas relações que, na sua essência,

são relações obrigacionais.


A lei pode, efetivamente, para satisfazer determinados interesses relevantes, impor ou permitir

a oponibilidade a terceiros de relações que são, na sua estrutura, de carácter obrigacional, por
assentarem fundamentalmente num dever de prestar e no correlativo direito à prestação.

EXEMPLO: A relação locatícia, embora seja uma relação intrinsecamente obrigacional (artigos

1031º, 1032º e 1034º CC), não deixa de ser oponível (pelo locatário) ao terceiro adquirente do direito
(normalmente, de propriedade), com base no qual o contrato foi celebrado (artigo 1057º CC) – se A,

dono de certo imóvel, o arrendar a B e, em seguida, o vender a C, o locatário B poderá opor o seu
direito (relativo) a C, apesar de não ter contratado com ele.

Fenómeno paralelo ocorre com a promessa de alienação de imóvel ou móvel (sujeito a


registo) que goze de eficácia real: A promete vender certo prédio a B, atribuindo os contraentes

eficácia real à promessa [artigo 413º CC]. Imaginemos que, apesar disso, A vende ou doa, mais tarde,
o mesmo imóvel a C ou constitui uma hipoteca a favor do credor D. B continuará a poder exigir de A a

realização do contrato prometido, logo que tenha realizado ou se mostre em condições de efetuar a
sua contraprestação. E, conquanto o direito de B contra A seja, na sua estrutura, de carácter

obrigacional, ele é oponível a C e D (ou a quaisquer futuros adquirentes da coisa), porque os efeitos
da aquisição da coisa pelo credor retroagem à data do registo da promessa.

 A relação de crédito, na sua titularidade, constitua um valor absoluto e, como tal, oponível a

terceiros.

 Os terceiros possam intervir ou colaborar na relação creditória: a prestação pode ser efetuada

por terceiro; há contratos a favor de terceiro e há terceiros a quem a relação obrigacional


reflexamente abrange através dos deveres de conduta.

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FDUC – DOI 2017/2018

DOUTRINA DA EFICÁCIA EXTERNA DAS OBRIGAÇÕES


De acordo com a posição do curso, os direitos reais têm uma eficácia absoluta e as obrigações

têm eficácia relativa, ou seja, vinculam apenas as partes. Isto quer dizer que o credor não pode exigir
a prestação devida senão do obrigado. Mas todo o terceiro que tivesse conhecimento da relação

creditória seria (juridicamente) obrigado a respeitá-la, não lhe sendo lícito induzir o devedor a faltar
ao cumprimento, celebrar com ele negócio que o impedisse de cumprir, nem destruir ou danificar a

coisa devida. A responsabilidade extracontratual abrangeria, deste modo, não apenas a violação dos
direitos absolutos em geral, e dos direitos reais e de personalidade, em especial, mas também a

infração dos direitos de crédito cometida por terceiros.


Ora, esta tendência foi colocada em causa pela Doutrina Da Eficácia Externa Das
Obrigações. Com efeito, esta doutrina germânica defendia que os direitos de crédito podiam gozar,
além do seu efeito nuclear inter partes, de efeitos relativamente a terceiros. Ou seja, além do seu

efeito relativo, os direitos de crédito podem ter efeitos face a terceiros, desde que estes tenham

conhecimento da relação de crédito na qual se vão imiscuir.


Para tal, é necessário que se verifiquem determinados requisitos:

1º. Para que o direito de crédito passe a ser oponível a terceiros, é necessário o conhecimento
deste por parte do terceiro, da relação creditória na qual se vai imiscuir, o que equivale a uma

presunção de má-fé, pois, se a conhecia, deveria respeitá-la – elemento subjetivo.

EXEMPLO: Existe, entre A e B, uma relação creditória, sendo que A é credor de B, podendo

exigir-lhe a prestação. Todavia, C, terceiro, vai intrometer-se na relação, sendo ele um estranho a essa
mesma relação. Esse, com o seu comportamento, vai impedir o cumprimento da obrigação por parte

de B – violará o direito do credor, A. No entanto, para que o efeito do direito do credor seja oponível
a C é necessário que C tivesse conhecimento da relação creditória prévia entre A e B.

2º. A situação do terceiro cúmplice: o terceiro tem de cooperar com o devedor na


destruição do direito do credor ou na inviabilização do exercício do seu direito ou ainda quanto à
impossibilidade de exercer o direito de prestar – requisito objetivo.

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FDUC – DOI 2017/2018
EXEMPLO: A é trabalhador no restaurante B. entretanto, é contratado para exercer a sua atividade
no restaurante C. Ora, o restaurante B deixou de contar com a prestação de trabalho de A, todavia,

havia uma relação contratual, existindo danos, uma vez que o restaurante C inviabilizou A de cumprir
a sua prestação para com o restaurante B.

 Segundo a teoria tradicional, o restaurante B apenas pode pedir indemnização a A, pois é ele
que deve a prestação.

 Porém, de acordo com a teoria da eficácia externa das obrigações, o restaurante B pode
pedir a indemnização a um terceiro, já que se trata de um terceiro cúmplice, desde que tivesse

conhecimento de que A exercia a sua prestação para o restaurante B.

3º. Tem de haver um ataque ao substrato do crédito, que pode ser dirigido:
 Ao objeto da obrigação. [Exemplo: A, comerciante, obrigou-se a entregar a B 100kg de

batatas. No dia acordado para se efetuar o transporte de batatas, C destrói as batatas que iam ser
entregues a B, inviabilizando o cumprimento da obrigação].

 À pessoa do devedor. [Exemplo: A não pode entregar os 100kg de batatas porque C o


submete a cárcere privado, impossibilitando-o de realizar a prestação].

 Segundo a doutrina da eficácia externa das obrigações, desde que C tivesse


conhecimento de que A tinha de cumprir a obrigação, o direito do credor pode ser

imposto a C.

NOTA: Nos direitos reais, independentemente do conhecimento, há sempre eficácia em


relação a terceiros. Já nos direitos de crédito, só há eficácia externa, em relação a terceiros, quando

tiverem conhecimento da relação creditória na qual se imiscuíram.


Deste modo, o problema da eficácia externa das obrigações é, em primeiro lugar, um

problema de responsabilidade civil, na medida em que se pretende saber se se pode requerer uma
indemnização a um terceiro, que tenha colaborado ou permitido, o incumprimento do negócio

jurídico por parte do devedor. Em Portugal a posição que domina diz que não é possível a
compensação por parte do terceiro. No entanto, houve uma posição contrária, nomeadamente, por

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FDUC – DOI 2017/2018
parte do Dr. Santos Júnior que defendeu esta doutrina, com base em alguns argumentos pautados

em quatro artigos do Código Civil:


I. Artigo 483º: qualquer pessoa pode responder, bastando, para tal, que seja titular de

determinado direito, independentemente de ser absoluto ou relativo;

II. Artigos 413º e 421º, que estabelecem a eficácia real do pacto de preferência e do contrato

promessa, no caso de bens móveis ou imóveis sujeitos a registo, sendo que, quando as partes
registam o pacto de preferência ou contrato promessa, o direito do preferente ou do promissário

passa a ter efeitos em relação a terceiro.

III. Artigo 794º que defende que é permitida a reação contra terceiro.

Exemplo: A e B celebraram um contrato de compra e venda através do qual B devia entregar


(transferência material da propriedade da coisa) X, sendo A, por mero efeito do contrato, proprietário

da coisa. Neste sentido, imagine-se que B tinha que entregar um jipe, tendo C destruído esse mesmo
– mantendo-se B como devedor da entrega da coisa, que é já de A (porque não houve reserva de

propriedade)] – neste sentido, A, credor, pode substituir-se a B – devedor – e exigir, contra o terceiro,
uma indemnização/compensação pela danificação do jipe. Em suma, o credor prejudicado pode

insurgir-se contra o terceiro, ao abrigo do disposto no artigo 794º do CC.

IV. Artigo 495º/3: estabelece que, no caso de morte ou lesão corporal do devedor de alimentos,

se o direito de crédito tiver eficácia meramente relativa, o credor não pode exigir os alimentos a um
terceiro que provoque a lesão. Contudo, ele pode pedir uma indemnização a esse terceiro que

provocou a lesão e o incumprimento da relação obrigacional, uma vez que há um ataque ao


substrato de crédito na pessoa do devedor.

Exemplo: suponha-se que A tem para com B um dever de prestação de alimentos, sendo B
credor dessa mesma prestação. Se um terceiro, neste contexto, matar o devedor, o credor, B, pode

exigir uma compensação a esse terceiro. No entanto, importa mencionar, neste contexto, que a
teoria da eficácia externa só consagra a responsabilização de terceiro, quando este tenha

conhecimento da relação contratual. – a este propósito se compreende o porquê de o Dr. Santos


Júnior não defender que o artigo 495º/3 constitui também uma plasmação da teoria da eficácia
externa, uma vez que nunca se poderia afirmar que está, nesse artigo, presente a teoria da eficácia

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externa, por não ser possível saber, muitas vezes, quem é a pessoa que presta alimentos, o que

invalida o cumprimento do requisito do conhecimento por parte do terceiro que lesa o devedor.

Porém, os defensores deste artigo (enquanto manifestação da teoria da eficácia externa)

afirmam que esta norma se trata de uma exceção à exigência do conhecimento por parte do terceiro,
portanto, a regra é de que o credor, em termos gerais, não pode pedir indemnização ao terceiro.

[Atendendo ao caso em questão, de acordo com a teoria da eficácia externa, ter-se-ia que saber se
havia conhecimento, por parte de C, da relação obrigacional de crédito. Assim, se conhecesse,
haveria lugar à indemnização; diferentemente, se não conhecesse, não teria que proceder ao
ressarcimento de uma compensação].

Em conclusão, tem o terceiro que interferir [1], e conhecer [2] – requisitos cumulativos
Em suma, o problema, a este propósito, não é o da pertinência da indemnização, mas, antes, o

de quem terá que pagar essa mesma, daí relacionar-se diretamente com o instituto da
responsabilidade civil.

Neste contexto, deverão os argumentos apresentados pela doutrina da eficácia externa


ser considerados válidos?

À luz do direito positivo, segundo esta doutrina, o terceiro pode responder, nos termos do
artigo 483º do CC – na ótica dos autores defensores desta teoria, o artigo não distingue se em

causa poderão estar direitos absolutos ou relativos, o que significa que, mesmo que em causa esteja
um direito relativo, aplicar-se-á o artigo.

De seguida, atendendo aos artigos 413º e 421º, constata-se, segundo aqueles autores, que
houve acolhimento da doutrina da eficácia externa pelo legislador, uma vez que, tratando-se de

artigos relativos ao contrato-promessa e ao pacto de preferência, ambos estão sob a epígrafe


«eficácia real».

Ainda, outro artigo que serve de argumento à doutrina da eficácia externa é o 794º –
possibilidade que o credor tem de reagir contra terceiro, se este destruiu uma coisa que o devedor

devia entregar. Além dos artigos já referidos, ter-se-á que referir, ainda, o artigo 495º/3, todavia,
releva, a este propósito, a opinião do Dr. Santos Júnior, concretamente em relação ao requisito da

exigência de conhecimento da relação obrigacional, por parte do terceiro [Note-se que,


verdadeiramente, não se consegue saber/conhecer, em concreto, quem é o credor, ou quem

poderão ser os credores, dessa prestação, podendo ser o cônjuge, os filhos, entre outros]. Neste
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sentido, aquele autor não inclui o artigo 495º/3 no elenco dos artigos que refletem um acolhimento

da eficácia externa da relação obrigacional, por não se poder verificar, em relação a ele, o
conhecimento por parte do terceiro. Porém, os autores que, ainda assim, defendem a inclusão do

artigo nos argumentos desta conceção, sustentam a sua defesa alegando que se trata de uma
situação que consagra uma exceção ao requisito do conhecimento.

A posição do curso refuta todos estes argumentos, defendendo a TEORIA TRADICIONAL, que
entende que não há eficácia externa da relação obrigacional, logo, entende que o terceiro não está

obrigado a indemnizar o credor, ainda que tenha inviabilizado o cumprimento de determinada


prestação.

Esta teoria apresenta várias razões no sentido de não haver eficácia externa:

I. Numa perspetiva dos princípios, se se defendesse a doutrina da eficácia externa das


obrigações, a solução não seria favorável ao tráfego jurídico negocial, pois era suscetível de colidir de

modo excessivo com a liberdade negocial e de iniciativa económica dos terceiros, limitando-a, ou
seja, com o princípio da liberdade contratual, estabelecido no artigo 405º CC: é impossível saber-se

que contratos prévios é que determinada pessoa pode já ter celebrado, por vigorar o princípio da
liberdade contratual.

II. Do ponto de vista das normas positivas, o artigo 406º/2 CC consagra o princípio da eficácia
relativa dos contratos, segundo o qual o contrato só produz efeitos em relação a terceiros nos
casos especialmente previstos na lei, designadamente nos artigos 443º e ss. CC: o contrato a favor
de terceiro e o contrato de seguradora, em que o beneficiário é um terceiro que vai ser investido de

um direito de crédito, ou seja, produzem-se efeitos em relação a um terceiro.

III. Além das razões já referidas, se se aceitasse a teoria da eficácia externa, haveria uma dilatação

da responsabilidade excessiva, uma vez que qualquer pessoa, só por ter conhecimento da relação
contratual, poderia ser responsabilizada.

Deve, ainda, atender-se aos seguintes artigos:


 483º CC: só se aplica aos direitos absolutos, embora a letra da lei não seja indicativa. No

entanto, há duas ordens de fatores que demonstram que o legislador só quis tratar os direitos
absolutos: (1) fator histórico porque este artigo baseou-se, essencialmente, no congénere do CC

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alemão que só menciona direitos absolutos; (2) e, ainda, o fator sistemático, visto que, para os

direitos relativos, se aplica o artigo 798º CC.

 413º e 421º CC: aqui ocorre uma falácia, porque, se houvesse eficácia externa em todas as

obrigações, não faria sentido o legislador mencionar a eficácia externa a propósito destes dois
contratos. Isto significa que estes artigos nada têm a ver com a eficácia externa: eles apenas

possibilitam que o beneficiário da coisa real tenha direito à coisa, objeto do contrato prometido.

Exemplo: A prometeu vender a B um andar. Se, entretanto, A vender a um terceiro, B tão-

apenas pode pedir uma indemnização a A. Porém, se resolverem atribuir eficácia real ao contrato, B
continua com o direito a exigir que o contrato seja celebrado consigo, mantendo-se B o proprietário

do andar, tendo registado. Assim, o problema aqui não é de eficácia externa – não pede indemnização
a um terceiro –, estando em causa tão-só a titularidade do andar.

 794º CC: aqui também não há eficácia externa, ou seja, o credor não pode reagir contra
terceiro. O que pode fazer é substituir-se ao seu devedor e exigir de terceiro aquilo que o devedor

poderia exigir. Se houver eficácia externa, o credor pode reagir contra terceiro.

Exemplo: A e B celebraram um contrato de compra e venda de um carro, todavia houve

aposição de uma cláusula de reserva de propriedade. Todavia, antes da entrega, houve destruição do
carro; nessa altura, B continua a ser o proprietário do carro, logo, será ele quem poderá pedir uma

indemnização ao terceiro; diferentemente, se não houver cláusula de reserva de propriedade, A


poderá substituir-se a B e exigir indemnização ao terceiro que danificou a coisa.

Em suma, havendo cláusula de reserva de propriedade, não pode nunca o credor do direito de
entrega da coisa, exigir uma indemnização ao terceiro. Na hipótese de não haver cláusula de reserva

de propriedade, entendem os críticos que está em causa uma sub-rogação/substituição ao devedor,


pelo que não se verifica qualquer eficácia externa, uma vez que o credor da entrega da coisa passa a

ocupar a posição do, em relação a ele, devedor, ficando sub-rogado ao seu direito.

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 495/3: este artigo consagra uma exceção à eficácia externa, por estarem em causa despesas
essenciais. Ora, é uma exceção porque não se prevê o requisito da exigência do conhecimento.

Há outra situação extrema que leva à indemnização por parte de terceiro: EXEMPLO – A

celebra um contrato com B e um concorrente de A (C) celebra um contrato com B de forma a


prejudicar A, vinculando-se a pagar-lhe a indemnização. Há, aqui, um exercício abusivo de direito,
uma vez que se está a prejudicar pessoas já vinculadas, dando lugar a uma indemnização (há uma
indução da perda de contrato, porque alguém convence o devedor a não cumprir o contrato para
fazer um novo contrato).
Ora, de acordo com a teoria da eficácia externa, B poderia pedir uma indemnização a C, caso C

conhecesse a relação contratual. Já seguindo a conceção tradicional, não haveria responsabilidade


por parte de C, a não ser que C tivesse atuado abusivamente, ou seja, houvesse abuso de direito por

parte de C.
Daqui, conclui-se que o terceiro pode ser responsabilizado se incorrer em abuso do direito, como

prevê o artigo 334º CC, sendo que, aquele que violar de forma excessiva os limites impostos pelos
bons costumes, isto é, os limites ético-juridicamente impostos pela comunidade jurídica, no exercício

da liberdade contratual, deve ser responsabilizado diretamente perante o credor, estando em causa a
responsabilidade extracontratual com fundamento no abuso do direito.
Em suma, para que haja abuso do direito por parte do terceiro que adquira coisa sujeita à
preferência de outrem, por exemplo, não basta que ele tenha conhecimento do direito do preferente;

é preciso que, ao exercer a sua liberdade de contratar, ele exceda manifestamente os limites
impostos pela boa-fé. Resumidamente, há, então, duas formas de indemnização por parte do

terceiro: artigo 495º/3 CC e abuso de direito.

OUTRAS DIFERENÇAS ENTRE OS DIREITOS DE CRÉDITO E OS DIREITOS REAIS


A distinção entre os direitos reais e os direitos de crédito passa por outros dois aspetos:

 Para alguns autores, o critério que distingue os direitos de crédito dos direitos reais é um
critério estrutural, sendo que a principal diferença reside na circunstância de o direito de crédito ser

um direito à prestação, que só é realizável através do devedor, estando em causa uma relação de

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cooperação, visto que o devedor tem de contribuir para a realização do crédito do credor, isto é, tem

de realizar a prestação. Já o direito real configura uma relação de poder de uma pessoa sobre uma
coisa, ou seja, o direito real é um poder direto e imediato sobre a coisa, não existindo necessidade de

mediação, ou seja, a pessoa não necessita de ninguém para fruir do seu bem. Ora, como estabelece
o artigo 1305º CC, o titular do direito tem o poder de fruir, gozar, usar e dispor da coisa de um

modo pleno e exclusivo.


Apesar de vários autores negarem aos direitos reais a natureza de poder sobre a coisa, uma vez

que toda a relação jurídica é uma relação entre sujeitos, Antunes Varela defende a conceção clássica,
segundo a qual os direitos reais consistem em autênticos poderes de soberania, isto é, direitos sobre

os bens.
 Já a conceção personalista dos direitos reais nega a classificação baseada no critério

estrutural, sendo que há autores que consideram que não pode haver relações entre pessoas e
coisas, pois o Direito regula as relações entre pessoas. Assim, há autores que consideram que existe

uma relação entre o titular do direito e todas as outras pessoas, que têm uma obrigação de non
facere, e que não há verdadeiramente um direito real mas apenas direitos de crédito mais fortes, os
quais impõem esta obrigação de abstenção; e direitos de crédito mais fracos que seriam os outros
direitos de crédito. Portanto, ser titular de um direito real implicaria um dever de abstenção por toda

a comunidade. [como já foi referido, esta tese é rejeitada no nosso ordenamento jurídico, uma vez
que é defendida a teoria da afetação dos bens, segundo a qual todas as vantagens e utilidades que

um bem é suscetível de propiciar pertencem, de acordo com o respetivo conteúdo de afetação ou


destinação, ao respetivo titular, ainda que ele não esteja disposto a usar esse bem, já que existe uma

relação de domínio sobre o mesmo].


Há, ainda, outro aspeto distintivo que interessa relevar:

 É de destacar o facto de os direitos reais se encontrarem subordinados ao princípio da


tipicidade ou numerus clausus, estabelecido no artigo 1306º CC, segundo o qual só é permitida a

constituição ou modificação de direitos reais nos casos expressamente previstos na lei.

Assim, a lei só reconhece e admite os direitos reais criados por via legal, com o conteúdo que

esta lhe confere, logo, se o direito real não corresponder ao tipo legal, está-se a criar uma obrigação
e não um direito real.

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O direito de propriedade é o direito-mãe que é elástico. Isto significa que a criação de outros

direitos reais, para além do de propriedade, implica restrições a este. Assim, o direito de propriedade
inclui os poderes de usar, fruir e dispor, que podem ser limitados, comprimindo-se assim o direito de

propriedade e criando-se através desta limitação os restantes direitos reais, que são direitos menores
ou limitados. Extinguindo-se estes direitos, o direito de propriedade volta a expandir-se. Existem,

ainda, os direitos reais de garantia, que visam garantir os direitos de crédito (ex: penhor); e
finalmente os direitos reais de aquisição - ex: direitos legais de preferência, nos quais a lei atribui a

dadas pessoas o poder de preferir numa dada aquisição sobre todos os terceiros que nela estejam
interessados.

Todas as outras limitações do direito de propriedade têm carácter obrigacional, cabendo na


segunda parte do art. 1306º CC.

Portanto, o que justifica o princípio da tipicidade dos direitos reais são as seguintes razões:
(1) a adoção deste princípio justifica-se pelo facto de os direitos reais terem eficácia absoluta

(erga omnes), o que possibilita a produção de efeitos em relação a terceiros;


(2) por outro lado, também criar-se-iam situações de insegurança jurídica, se se permitisse que os

interessados regulassem os direitos reais;


(3) a organização da propriedade é matéria de interesse e ordem pública, que o Estado procura

regular diretamente no seu sistema legislativo.


Daí que, a lei estabeleça expressamente quais são os direitos reais e respetivos termos.

Já em relação aos direitos de crédito, como têm eficácia meramente inter partes, vigora o
princípio da liberdade contratual, previsto no artigo 405º CC, sendo que as partes são livres de

constituírem as figuras jurídicas que pretenderem. No entanto, há uma exceção: há situações em


que só há obrigação, se o legislador as reconhecer, ou seja, vigora a tipicidade – é o caso dos

negócios unilaterais, como prevê o artigo 457º CC, e os casos da responsabilidade objetiva, como
estabelece o artigo 483º/2 CC.

Os direitos de crédito extinguem-se por prescrição, quando não forem exercidos durante o
período de tempo fixado na lei. Os direitos reais podem extinguir-se pelo não uso, aplicando-se-lhes

as regras da caducidade (artigo 298º/1 e 3 CC).

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FDUC – DOI 2017/2018

AFINIDADES
Também há afinidades ou pontos de contacto entre os direitos reais e as obrigações:

 Fonte comum: quer as obrigações, quer os direitos reais podem nascer, no nosso sistema
jurídico, por mero efeito do contrato. O artigo 408º/1 CC estabelece o princípio da consensualidade,

segundo o qual os direitos reais (ex: direito de propriedade) se constituem ou se transmitem por
mero efeito do contrato. Assim, salvo as situações em que é exigida uma forma, basta o consenso de

declarações de vontade para que o efeito real se produza (para que a propriedade se transmita). Se
não houver entrega da coisa ou do preço, gera-se uma situação de incumprimento, contudo, o efeito

real já se operou, pois é um contrato consensual.

NOTA: o comodato não é um contrato consensual, pois, para ser verdadeiramente cumprido, é
preciso o ato da entrega.

 A violação dos direitos reais cria obrigações entre o titular do direito violado e o autor da
lesão [483 e ss]; há direitos reais (de garantia) destinados a assegurar o cumprimento de obrigações

[656, 666, 686, 733 e 744]; os direitos de crédito podem servir de base, por meio de aquisição
derivada constitutiva, à constituição de direitos reais, como sucede no penhor, usufruto ou na

penhora de créditos [684 e 1463];


 Obrigações reais e ónus reais: diz-se obrigação real a obrigação imposta, em atenção a

certa coisa, a quem for titular desta. A pessoa do obrigado é determinada pela titularidade da coisa,
ou seja, é obrigado quem for titular de direito real. E como a obrigação existe por causa da res, ao

devedor é, algumas vezes, concedida a faculdade de libertar-se do vínculo obrigacional, renunciando


ao seu direito real a favor do credor. Exemplos: 1411, 1424, 1428, 1472 e 1567/4.

Os ónus reais são também obrigações, geralmente de prestação periódica, inerentes a certa
coisa que acompanham a sua transmissão. A diferença está em que, quanto às obrigações reais, o

titular da coisa só fica vinculado às obrigações constituídas na vigência do seu direito, enquanto nos
ónus o titular da coisa fica obrigado mesmo em relação às prestações anteriores, por suceder na

titularidade de uma coisa a que está visceralmente unida à obrigação. Sendo a prestação exigida a

quem é titular da coisa no momento em que a obrigação se constitui, este responde pelo
cumprimento com todos os seus bens; se for reclamada do adquirente posterior, ele responderá

apenas à custa do valor da coisa onerada, que garante o cumprimento da obrigação. Para que haja
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verdadeiramente ónus real e não um direito real de garantia será preciso que o titular da coisa seja

sujeito passivo duma obrigação [1]; se encontre vinculado à realização de uma prestação [2] e não
seja apenas titular duma coisa cujo valor assegura o cumprimento da dívida de outrem [3]. E para

que haja ónus, e não mera obrigação, é necessário que a coisa, em função da qual o onerado deve,
sirva de garantia à obrigação.

AS OBRIGAÇÕES E OS DIREITOS DE FAMÍLIA

A diferença entre as obrigações e os direitos de família passa pelos seguintes pontos:


 As relações de família integram-se numa instituição social – a família –, cujos fins exercem uma

vincada influência no seu regime jurídico. É esta a única diferença entre as obrigações e as
obrigações de carácter patrimonial nascidas no âmbito das relações familiares: os deveres familiares

são exclusivos da instituição familiar e não pertencem ao comércio jurídico.

 Enquanto nos direitos de crédito, o dever de prestar é estabelecido no interesse do credor; já

nos direitos de família, há interesses da própria instituição familiar que estão acima dos interesses do
credor. É o caso das responsabilidades parentais, que são poderes-deveres ou poderes funcionais,

sendo que o seu exercício está vinculado a um interesse superior – o da criança.

AS OBRIGAÇÕES E OS DIREITOS SUCESSÓRIOS


Não há, entre as obrigações e as relações jurídicas correspondentes, integradas no fenómeno

sucessório, nenhuma diferença de estrutura: do ponto de vista da estrutura, nos direitos sucessórios
há um poder de exigir e um dever de prestar, sendo que a obrigação “mortis causa”, que nasce do

fenómeno sucessório, não é diferente das obrigações “inter vivos” que se relacionam com os direitos
de crédito.

Distinguem-se pela sua finalidade, sendo que as obrigações resultantes das sucessões são
dirigidas à prossecução dos interesses familiares, designadamente a continuidade das relações

jurídicas patrimoniais, encabeçadas na pessoa do falecido (artigo 2024º CC).


O confronto entre as obrigações e as relações sucessórias resume-se nos seguintes pontos:

 Há, nas relações sucessórias, a par das obrigacionais, muitas outras relações de tipo diferente;

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 As obrigações enquadradas nas sucessões têm o seu regime geral fixado no livro das

obrigações;

 Uma vez concluído o processo de sucessão, as obrigações compreendidas na herança

retomam o regime normal das obrigações.

CAPÍTULO III: FONTES DAS OBRIGAÇÕES


CONTRATOS: GENERALIDADES

A fonte da obrigação é o facto jurídico de onde nasce o vínculo obrigacional. Trata-se da


realidade que dá vida à relação creditória: o contrato (ou seja, a compra, locação, sociedade, etc.), o

negócio jurídico unilateral (testamento, anulação, revogação unilateral do contrato ou a resolução), o


facto ilícito (homicídio, injúria) ou lícito donde nasce a obrigação.

A sistematização que preponderou na doutrina, durante todo o período medieval, e ainda nas
primeiras codificações do século XIX, foi a classificação quadripartida de origem justinianeia: os

contratos [1], os quase-contratos [2], os delitos [3] e os quase-delitos [4].


[1] Os contratos, previstos nos artigos 405º e ss. CC – esta é uma fonte voluntária –, eram e

continuam a ser, hoje, a fonte principal das obrigações, embora deles possam nascer também
relações de outro tipo.

[2] Os quase-contratos compreendem os factos voluntários lícitos, que não eram


considerados contratos por lhes faltar um elemento essencial (o intento de constituir uma obrigação

– segundo a conceção do direito romano clássico) mas que criavam obrigações para o respetivo
autor ou para terceiro (inclui-se a gestão de negócios e pagamentos dos indivíduos).

[3] Os delitos são constituídos pelos factos ilícitos extracontratuais, de carácter intencional.
[4] Os quase-delitos abrangiam os factos ilícitos praticados com mera culpa ou negligência.

Existem dois tipos de fontes:

(1) fontes voluntárias, que são aquelas que resultam da vontade das partes;
(2) fontes legais, que são aquelas que nascem da lei. A fonte tem uma importância especial

na vida da obrigação, uma vez que a obrigação tem um conteúdo variável, consoante a fonte de
onde procede.

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O CONTRATO – A FONTE PRINCIPAL DAS OBRIGAÇÕES


O contrato é um acordo vinculativo, que assenta sobre duas ou mais declarações de vontade

(oferta ou proposta, de um lado; aceitação, do outro) contraditórias mas perfeitamente


harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma regulamentação unitária dos interesses.

É de salientar algumas notas referentes ao regime dos contratos:


 O contrato não é integrado por dois negócios jurídicos unilaterais; antes cada uma das

declarações (proposta e aceitação) é emitida com vista do acordo. O Código Civil de 1966 não
destacou os contratos numa secção particular, ao contrário do BGB; no entanto, dentro do regime da

declaração negocial, referem-se expressamente aos contratos os artigos 227º a 235º CC.

 Sendo o contrato formado por duas declarações, coloca-se o problema de saber qual o
momento da sua perfeição. O artigo 224º parece consagrar a doutrina da receção: o contrato está
perfeito quando a resposta – contendo a aceitação – chega à esfera de ação do proponente, isto é,

quando o proponente passa a estar em condições de a conhecer, ou quando a conhecer,

efetivamente, se este momento foi anterior.

 A proposta do contrato é irrevogável depois de recebida pelo destinatário ou de ser

dele conhecida (artigo 230º CC).

 Uma proposta contratual só existirá se for suficientemente precisa, se dela resultar a

vontade de o seu autor se vincular e houver consciência de se estar a emitir uma verdadeira
declaração negocial.

CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS

A mais importante classificação dos contratos é a que se faz entre contratos unilaterais e
contratos bilaterais: (1) os contratos unilaterais geram obrigações apenas para uma das partes

(exemplos: doação e mútuo; (2) os contratos bilaterais ou sinalagmáticos geram obrigações para as
partes, sendo que as obrigações estão ligadas entre si por um nexo de causalidade e

correspetividade (exemplos: compra e venda e locação). Todavia, podem existir contratos bilaterais
imperfeitos: nestes, há inicialmente apenas obrigações para uma das partes, surgindo eventualmente
mais tarde obrigações para a outra parte, em virtude do cumprimento das primeiras e em dados
termos. Exemplos: mandato e depósito (quando gratuitos).

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Esta distinção revela alguma importância prática:

 A exceção de não cumprimento do contrato (artigo 428º CC) é privativa dos contratos
bilaterais;

 Já no concerne à faculdade de resolução com fundamento em inadimplemento ou mora, ou


condição resolutiva tácita, prevista no artigo 801º/2 CC, esta pode ter lugar em alguns contratos

unilaterais (artigos 1140º e 1150º CC).


 Nos contratos bilaterais imperfeitos, não há lugar nem à exceção de não cumprimento, nem à

condição resolutiva tácita.

Posto isto, compreende-se que houve uma profunda evolução relativamente ao conceito de

contrato vigente no direito romano clássico. Atualmente, entende-se que:


 Por um lado, o conceito de contrato restringiu-se: enquanto os jurisconsultos romanos

englobavam, na designação de contrato, todos os atos voluntários geradores de uma obrigação,


quer se tratasse de um ato bilateral, quer unilateral, a doutrina e as legislações modernas consideram

essencial ao contrato o acordo bilateral [mútuo consenso – duorum vel plurium consensos] dos
contraentes;

 Por outro lado, registou-se uma notável ampliação: os romanos limitavam o contrato aos atos
destinados a constituir uma obligatio, ao passo que os códigos modernos estenderam o conteúdo
possível do acordo contratual a outros aspetos da relação obrigacional e a outras classes de relações

jurídicas.
Assim sendo, o Código Português vigente é um exemplo de ampliação do conceito, embora não

defina expressamente a figura do contrato, contudo, não restam dúvidas de que, além de admitir a
constituição de obrigações com prestação de carácter não patrimonial (artigo 398º/2 CC), considera

expressamente como contratos o casamento (artigo 1577º CC) – do qual brotam relações
essencialmente pessoais –, bem como o pacto sucessório (artigos 1701º, 2026º e 2028º CC), que é

fonte de relações mortis causa.


Por conseguinte, o contrato pode ser, hoje, não só fonte de obrigações (da sua constituição,

transferência, modificação ou extinção), mas de direitos reais, familiares e sucessórios. O contrato é


essencialmente um acordo vinculativo de vontades opostas mas harmonizáveis entre si.

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PRINCÍPIO VOLUNTARISTA: este princípio remete para a ideia de que o contrato, enquanto
fonte normal das obrigações, repousa fundamentalmente sobre o acordo das partes, o qual só veio a

consolidar-se com o triunfo do liberalismo. Há três correntes de pensamentos que contribuíram


decisivamente para a formação deste novo conceito:

 Canonistas: a sua contribuição deveu-se ao facto de pregarem o dever moral de fidelidade à


palavra dada, apelando a uma conceção de consenso, enquanto base formativa do próprio

contrato;

 Contribuição da Escola Jusracionalista: estes colocaram a liberdade individual no centro

ideológico de todo o sistema jurídico, afirmando a supremacia da vontade esclarecida do


Homem entre as forças criadoras do Direito;

 Voluntarismo Jurídico: foram estimulados pelas necessidades de uma burguesia triunfante,

interessada em desembaraçar o comércio jurídico dos obstáculos sociais, que


desnecessariamente entorpeciam o seu desenvolvimento.

CONCEPÇÃO NORMATIVISTA: alguns estudiosos vêem, no contrato, o acordo de vontade dos


contraentes, gerador de obrigações ou de outros efeitos jurídicos. Outros consideram o contrato

como a relação jurídica emergente do acordo. E, finalmente, há outros que, por força do acordo,
disciplinam o conflito de interesses suscitado pelas partes. E alguns dos autores que colocam o

acento tónico do contrato no regulamento de interesses instituídos pelo acordo equiparam, de facto,
o contrato às normas jurídicas. Deste ponto de vista, o contrato seria, essencialmente, um ato

normativo. E, sendo o contrato o expoente da autonomia privada, as partes podem criar as normas
reguladoras dos seus conflitos de interesses.

CRÍTICAS A ESTA CONCEPÇÃO

I. As regras nascidas das cláusulas contratuais, destinadas a regular pontualmente os interesses


concretos dos dois contraentes, não podem ser equiparadas às normas jurídicas, que visam

disciplinar conflitos de uma generalidade mais ampla;

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II. Enquanto as normas jurídicas podem, em princípio, ser alteradas por nova lei, com eficácia

retroativa, o mesmo não sucede com as cláusulas contratuais, cuja interpretação e integração
devem sempre ser realizadas à luz do direito vigente na data da conclusão do contrato;

III. Repugna reconhecer aos simples particulares o poder de criarem normas jurídicas, usurpando
as funções próprias das câmaras legislativas;

O contrato é uma autorregulamentação de interesses, vinculando uma questão concreta e partes


determinadas e há regras muito diferentes perante um contrato e uma norma jurídica.

Deste modo, já é possível destacar três características fundamentais da relação contratual, que se
traduzem em três elementos constitutivos do contrato:

1º. O elemento fundamental do contrato é o mútuo consenso: para haver contrato é essencial
haver consenso entre as partes e a consciência das partes quanto ao sentido das declarações, sendo

indispensável um acordo das vontades das partes que cubra todos os pontos da negociação, como
prevê o artigo 232º CC. Logo, se as declarações de vontade das partes, apesar de opostas, não se

ajustarem uma à outra, não há contrato porque falta o mútuo consentimento.

Exemplo: se A quer vender o apartamento do 1º andar e B declara querer comprar o do 10º

andar, há dissenso entre as partes e o contrato não chega a formar-se se a resposta do


destinatário da proposta contratual não for de pura aceitação, haverá que considerá-la, dada a

vontade do proponente, como rejeição da proposta recebida ou como formulação de nova


proposta, até se alcançar o pleno acordo dos contraentes (artigo 233º CC).

2º. Existência de declarações de vontade contrapostas: o contrato visa satisfazer vontades das

partes animadas por interesses contraditórios.

Exemplo: no contrato de compra e venda, o comprador pretende satisfazer uma necessidade


com o bem e o vendedor pretende obter liquidez.

Assim, é possível distinguir o contrato de outras situações jurídicas em que declarações de

vontade, todavia, que se orientam no mesmo sentido, pois são estabelecidas no mesmo interesse.
Ora, se as declarações de vontade são declarações, mas caminham no mesmo sentido, refletindo

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interesses paralelos, não há contrato mas ato coletivo ou acordo, como sucede com as várias pessoas

que se reúnem para formar uma associação ou para constituir uma fundação.

3º. Vinculatividade jurídico-negocial do acordo: o contrato é um acordo vinculativo, sendo que,


quando as partes chegam a um mútuo acordo têm o propósito de colocar esse acordo sobre a

alçada do Direito, ou seja, de lhe atribuir efeitos jurídico-negociais, para poderem convocar os meios
de tutela do Direito no caso de incumprimento. Deste modo, é possível distinguir o contrato dos

acordos de cavalheiros (por exemplo), nos quais não há o propósito de estabelecer uma
vinculatividade jurídico-negocial.

AS RELAÇÕES CONTRATUAIS DE FACTO

O tráfego jurídico-moderno tem suscitado um conjunto de relações obrigacionais que não


correspondem ao modelo tradicional de encontro de uma proposta e de uma aceitação, isto é, vai-se

prescindir da declaração de aceitação de uma das partes, ou, então, não vai haver proposta. Ora,
estariam, aqui, em causa relações contratuais de facto, não nascidas do negócio jurídico, e assentes

em puras atuações de facto.


HAUPT, autor alemão, apontava a existência de três categorias de relações:

1º. As relações obrigacionais em que ainda não está cumprido o contrato – obrigações
emergentes no período pré-contratual. Ou seja, trata-se das relações nascidas do simples contacto
social entre as pessoas, antes da celebração, ou independentemente, até, da celebração de qualquer negócio
jurídico (casos típicos de culpa in contrahendo, geradores de responsabilidade na preparação e formação do
contrato).

2º. Subsistência de obrigações no âmbito dos contratos ineficazes (art. 289.º);

3º. Relações jurídicas “de massas” – está em causa a contratação standardizada com base

nas cláusulas contratuais gerais, em que há uma proposta e uma aceitação, embora o aderente não
tenha qualquer influência no conteúdo do contrato em questão (exemplo: parques de

estacionamento remunerados em que não há nenhuma declaração de vontade do utente, todavia,


haverá, perante a situação criada, uma subordinação da sua parte ao regime jurídico das relações

contratuais).

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Com efeito, este autor remete estas obrigações para a categorias das relações contratuais de

facto. Mas pergunta-se: será necessário criar uma figura diferente das relações contratuais habituais?
Não existirão soluções, no nosso ordenamento jurídico, para estas categorias?

A resposta é sim. Existem soluções no nosso ordenamento jurídico que permitem dar resposta
às dúvidas suscitadas por Haupt, o que significa que não é necessário recorrer a uma figura especial,

distinta do contrato, como seja a das relações contratuais de facto.


1º. Esta primeira situação pode ser explicada através do instituto da RESPONSABILIDADE

PRÉ-CONTRATUAL, em que há uma obrigação sem haver deveres principais de prestação, isto é,
sem haver contrato. Isto sucede porque o PRINCÍPIO DA BOA FÉ estende-se, não apenas à

execução do contrato [art. 762º/2 – ao cumprimento da obrigação e ao exercício do correlativo


direito de crédito], mas também ao período da preparação e formação do contrato (artigo 227º/1

CC).

2º. Neste caso, é de referir que as categorias da nulidade e da anulabilidade permitem explicar

certos efeitos relativos ao regime da invalidade, que é um regime dúctil, que se pode adequar às
partes para justificar a subsistência das obrigações.

3º. Já no que concerne à formação do contrato sem declaração de aceitação, esta figura
resulta das declarações negociais tácitas, previstas no artigo 217º CC, sendo que há factos que

permitem concluir que faríamos uma declaração expressa, tratando-se de uma forma igualmente
válida de expressar a vontade.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DISCIPLINA LEGISLATIVA DOS CONTRATOS

O contrato, mais do que uma fonte das obrigações, como negócio bilateral que é, pode
considerar-se em certo sentido a fonte natural das relações de crédito: tendo estas um sujeito ativo e

um sujeito passivo e, sendo certo que, nem sequer um benefício deve, em regra, ser atribuído a
quem quer que seja contra a sua vontade, é segundo a vontade de ambos os titulares (através do

acordo contratual) que o vínculo, em princípio, há-de ser constituído. Ora, quer na sua génese
teórica, quer na vida prática, as obrigações e os contratos entrelaçam-se. Isto significa que, no

âmbito das obrigações, os efeitos do contrato interessam enquanto fonte de relações jurídicas
creditórias.

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Com efeito, os princípios fundamentais em que assenta toda a disciplina legislativa dos

contratos são os seguintes:


I. Princípio Da Autonomia Privada, que atribui aos contraentes o poder de fixarem, em termos

vinculativos, a disciplina que mais convém à sua relação jurídica. Ora, este princípio, na área
específica dos negócios bilaterais ou plurilaterais, tem concretização na liberdade contratual, que é

um princípio estrutural e fundamental. A liberdade contratual está estabelecida no artigo 405º CC,
tendo três dimensões fundamentais:

 a liberdade de celebrar ou de não celebrar contrato;

 a liberdade de fixar o conteúdo do contrato, dentro dos limites da lei, de acordo com a sua
vontade, sendo que as partes podem celebrar contratos diferentes dos prescritos no Código

ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver (art. 405.º);

 a liberdade de escolha do co-contratante.

Portanto, a autonomia privada traduz-se na faculdade reconhecida às partes de fixarem

livremente, segundo a sua vontade, a disciplina vinculativa dos seus interesses. Porém, a autonomia
privada é um princípio bem mais dilatado do que a liberdade contratual, uma vez que ainda

compreende a liberdade de associação (para a constituição de pessoas coletivas), a liberdade de


tomar deliberações nos órgãos colegiais, a liberdade de celebrar acordos que não são contratos

(aqueles que abundam na vida da sociedade conjugal) e a liberdade de praticar numerosos atos
unilaterais (passar procuração, perfilhar, anular, revogar, etc.) que necessitam da tutela do Direito.

II. Princípio Da Confiança (pacta sunt servanda) afirma que a conduta de cada uma das partes

cria na contraparte a expectativa de esta vai atuar de acordo com o convencionado. Este princípio
manifesta-se através de vários corolários:

 Artigo 227º CC: há uma tutela da confiança logo no período pré-contratual, sendo que
durante as negociações as partes devem agir de acordo com as regras da boa fé;

 Artigo 762º/2 CC: também no exercício dos direitos e no cumprimento das obrigações que
resultam do contrato, as partes devem atuar em harmonia com as exigências resultantes da
boa fé;

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 O princípio da pontualidade do cumprimento das obrigações [pacta sunt servanda], segundo

o qual, por força do contrato, se criam expectativas de que as obrigações se venham a


cumprir nos exatos termos em que foram acordadas e que, por isso devem ser pontualmente

cumpridas.

Em suma, é a proteção da legítima expectativa criada pelo recebimento da proposta contratual

no espírito do destinatário, que explica a irrevogabilidade dela pelo proponente durante o período
razoavelmente reservado à reflexão e decisão deste (artigo 230º CC). Ou seja, a regra do pacta sunt

servanda explica, por sua vez, a força vinculativa do contrato: doutrina válida em matéria de
interpretação e integração dos contratos (artigos 236º, 238º, 239º e 217º CC) e a regra de

imodificabilidade do contrato por vontade unilateral de um dos contraentes (artigo 406º CC).

III. Princípio Da Justiça Comutativa/Da Equivalência Das Prestações: este princípio tem
particular importância no âmbito dos contratos bilaterais (que geram direitos e obrigações para

ambas as partes) e, dentro destes, destacam-se os contratos onerosos, nos quais as partes
pretendem que surjam prestações que sejam equivalentes, correspetivas, ou seja, pretendem um

certo equilíbrio. Ou seja, entre as prestações deve haver uma justiça, uma equivalência – esta
equivalência é principalmente subjetiva, já que atende à vontade das partes. Mais uma vez, este

princípio está na base de várias disposições importantes: a anulação ou modificação de negócios


usurários (arts. 282º e segs.), direito à redução do preço no caso de venda de coisas defeituosas (art.
913.º); direito de resolução ou modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias em
que as partes fundaram a decisão de contratar (artigo 437º CC).

PRINCÍPIO DA LIBERDADE CONTRATUAL

O preceito basilar que continua a servir de trave-mestra da teoria dos contratos é o da


liberdade contratual. A liberdade contratual consiste na faculdade que as partes têm, dentro dos

limites da lei, de fixar, de acordo com a sua vontade, o conteúdo dos contratos que realizarem; de
celebrar contratos diferentes dos prescritos no CC; ou de incluir, nestes, as cláusulas que lhes

aprouver (artigo 405º CC). Desta forma, as partes são livres, ao contratar, na medida em que podem
seguir os impulsos da sua razão sem estarem, sempre, literalmente vinculadas às normas legais.

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Depreende-se que, a regra fundamental, no âmbito da liberdade contratual, é a livre fixação do

conteúdo dos contratos.


A liberdade contratual é um corolário da autonomia privada, concebida como o poder que os

particulares têm de fixar, por si próprios, a disciplina juridicamente vinculativa dos seus interesses. A
autonomia privada, no fundo, está limitada ao âmbito de autorregulamentação dos interesses

concretos e contrapostos das partes, mediante acordos vinculativos.


Apesar de a lei só prever, no seu artigo 405º CC, a liberdade de fixação do conteúdo do

contrato, entende-se que está implicitamente consagrada, no mesmo artigo, a liberdade de


contratar, que consiste na faculdade reconhecida às pessoas de criarem entre si, guiadas pela sua

própria razão, acordos destinados a regular os seus interesses recíprocos


[NOTA: liberdade positiva – celebrar ou não um contrato; liberdade negativa – ninguém é

obrigado a celebrar contrato contra a sua própria vontade]. Depois de livremente se decidir a
contratar, ainda, existe a liberdade de escolha do bloco contratante: cada parte tem a liberdade de

escolher a contraparte que é mais idónea para prosseguir os seus interesses.


Qualquer destas liberdades há-de respeitar os limites traçados na lei, quanto à capacidade

negocial, à forma excecionalmente prescrita para certos atos, à defesa da moral pública e dos bons
costumes, ou à imposição de certos tipos ou modelos contratuais.

EM SUMA

A liberdade de contratar envolve, nos dois termos da expressão, a junção de duas ideias de
sinal oposto: por um lado, através do termo liberdade, exprime a faculdade de os indivíduos

formularem sem limitações as suas propostas e decidirem, sem nenhuma espécie de coação externa,
sobre a adesão às propostas que outros lhes apresentem; por outro lado, a liberdade reconhecida

às partes aponta para a criação do contrato. E o contrato é um instrumento jurídico vinculativo e a


liberdade de contratar é, por conseguinte, a faculdade de criar sem constrangimentos um

instrumento objetivo, um pacto que, uma vez concluído, nega a cada uma das partes a possibilidade
de se afastar (unilateralmente) dele – pacta sunt servanda. É, portanto, no sentido complexivo

resultante destas considerações – livre criação de um ato vinculativo para cada um dos contraentes –

que deve ser entendida a liberdade de contratar.

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LIMITAÇÕES À LIBERDADE CONTRATUAL


A liberdade contratual é suscetível de sofrer limitações nas suas três vertentes:

I. Limitações à liberdade de celebrar ou de não celebrar contrato – Dever de contratar:


Existem múltiplos casos em que as pessoas têm o dever jurídico de contratar, desde que se

verifiquem determinados pressupostos. Quando assim seja, a pessoa que se recusa a contratar
pratica um ato ilícito.

 Promessa negocial do contrato: acontece quando uma das partes ou ambas hajam assumido
previamente, em contrato-promessa, a obrigação de celebrar determinado contrato. Quando existe

uma convenção dessa natureza, o promitente já não é livre de contratar, tem o dever de fazê-lo, sob
pena de a contraparte poder exigir judicialmente o cumprimento da promessa ou a indemnização

pelo dano proveniente da violação desta. No fundo, cria para as partes uma obrigação de prestação
de facto jurídico positivo. Esta é uma limitação voluntária.

 Todavia, pode haver limitações legais, como é o caso do seguro obrigatório da


responsabilidade civil automóvel: o artigo 4º do DL nº 291/2007 estabelece que, quem tem um

automóvel é obrigado a celebrar um contrato de seguro automóvel.

 Dever de contratar relativo a serviços públicos: são também obrigadas a contratar, em

certos termos, as empresas concessionárias de serviços públicos, sempre que o ato constitutivo de
concessão lhes não permitam recusar a celebração do contrato, sem especial causa justificativa. Ou

seja, o facto de estas atividades respeitarem a bens essenciais à vida dos cidadãos justifica que a
entidade concessionária não possa recusar a celebração do contrato com qualquer utente que

preencha os requisitos de utilização de serviço fixados nos respetivos regulamentos.

 Profissões de exercício condicionado: por força de lei expressa, existem restrições incidentes

sobre pessoas que desempenham profissões liberais, tais como os médicos que, por força das regras
deontológicas, não podem, salvo caso de força maior, recusar a prestação de assistência aos socorros

de extrema urgência a um doente; imposição semelhante recai sobre advogados e solicitadores.

Por vezes, não há um dever de contratar, todavia, há uma necessidade de consentimento,


assentimento ou aprovação de outrem: certas pessoas necessitam do consentimento ou do
assentimento de outrem para que o contrato seja válido; já outras pessoas, para que haja a

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FDUC – DOI 2017/2018
consumação da validade do contrato livremente celebrado entre as partes, estão dependentes da

aprovação de certa entidade.


É o caso dos cônjuges que necessitam do consentimento um do outro, para alienarem bens; do

inabilitado, que necessita de autorização do curador para atos de disposição entre vivos; e dos
representantes legais de certos incapazes, que necessitam de autorização do tribunal para a

realização de certos atos jurídicos.


II. Limitações à liberdade de escolha de outro contraente

Depois de se decidir livremente a contratar, a pessoa goza, ainda, da faculdade de escolher


livremente a pessoa com quem vai realizar o contrato – são exemplos típicos (do interesse que

reveste a escolha do outro contraente) os contratos de mandato, empreitada, sociedade e o contrato


de casamento.

Mas também, neste domínio, existem limitações à liberdade contratual:


 Limitações resultantes da vontade das partes – os pactos de preferência, mediante os quais

um dos contraentes (o obrigado à preferência) se compromete a escolher o outro (em


condições de igualdade) como sua contraparte, na hipótese de se ter decidido a realizar

determinado contrato;

 Limitações provenientes diretamente da lei, onde se destacam os chamados direitos legais de


preferência e as limitações impostas pelas normas que reservam, para certas categorias

profissionais, a realização de determinados tipos de prestação de serviços.

Os direitos legais de preferência têm uma eficácia limitativa da liberdade contratual ainda mais

forte do que a resultante dos pactos de preferência: enquanto estes possuem, em regra, mera
eficácia relativa ou obrigacional, os direitos legais de preferência gozam de eficácia real [erga

omnes].

Exemplo1: Perante um pacto de preferência em C, na eventualidade de vender a sua casa, terá de


dar preferência ao senhor Y. Embora tenha recebido propostas de terceiros, como o Sr. Y tem

preferência, C perdeu a sua liberdade de escolha – A partir do momento em que se celebra um contrato
de pacto de preferência, perde-se a liberdade de escolha. Porém, não se perde a liberdade de celebrar
ou não contrato, porque se C nunca quiser vender a sua casa, nunca perderá essa tal liberdade de
escolha, mantendo-se sempre a liberdade de celebrar ou não contrato.

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Exemplo2: Imagine-se que C tem um apartamento X, celebrando com o senhor A um contrato de

pacto de preferência em que, caso C quisesse vender o apartamento, essa venda seria feita a A. No
entanto, o apartamento X está arrendado à senhora B. Portanto, na eventualidade de C querer vender o

apartamento, apesar de ter um pacto de preferência com o senhor A, terá de dar preferência à senhora
B. Porquê? Porque quando há um conflito entre preferência legal e preferência convencional,

prevalecerá a legal, através da aplicação do artigo 422º CC.

III. Limitações à livre fixação do conteúdo dos contratos

A liberdade de modelação do conteúdo do contrato desdobra-se sucessivamente: (1) na


possibilidade de celebrar qualquer dos contratos típicos ou nominados; (2) na faculdade de aditar a

qualquer desses contratos as cláusulas que melhor convierem aos interesses prosseguidos pelas
partes; (3) na possibilidade de se realizar contratos distintos dos que a lei prevê e regula.

Entre os fins visados pelas restrições destacam-se o de assegurar a correção com que as partes
devem agir na preparação e execução dos contratos; o de garantir a justiça nas relações entre as

partes; o de proteger a parte que dentro da relação contratual se considera económica ou


socialmente mais fraca; e o de preservar a integridade de certos valores essenciais à vida de relação.

Todas estas restrições encontram-se englobadas genericamente no artigo 405º CC: “dentro dos
limites da lei”. Concretamente, estes limites abrangem:

 Os requisitos do objeto do negócio jurídico, previstos nos artigos 280º e seguintes, e que
se relacionam com a ordem pública e com os bons costumes. Já o artigo 398º/2 CC refere-se ao

objeto da prestação incluída na relação obrigacional que não necessita de ter valor pecuniário, mas
há-de corresponder a um interesse do credor, digno de proteção legal. Assume, ainda, especial

relevo a proibição da exclusão ou limitação convencional da responsabilidade, qualquer que seja o


grau de culpa do devedor [artigos 800º/2 e 809º CC]; a proibição da doação de coisas futuras [942º

CC], bem como, os pactos sucessórios [946º/1; 2028º/2] e ainda a proibição da subordinação do
casamento ou da perfilhação a termo ou condição [1618º/2 e 1852º CC].

 Os contratos-normativos e os contratos-coletivos, cujo conteúdo, fixado em termos

genéricos, se impõe como um padrão que os contraentes são obrigados a observar nos seus
contratos individuais de natureza correspondente (exemplo: CCT).

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FDUC – DOI 2017/2018
 As normas imperativas que se refletem no conteúdo dos contratos: umas, aplicáveis à

generalidade dos contratos ou a certas categorias de contratos; outras, privativas de certos contratos
em especial. Entre as primeiras normas avulta o princípio da boa-fé, pelo qual se deve pautar a

conduta das partes, tanto no cumprimento da obrigação, como no exercício do direito


correspondente (artigo 762º/2 CC). Este preceito ético-jurídico reflete-se em toda a economia do

contrato e durante todo o período da sua execução, vinculando os contraentes – não ao mero
cumprimento formal dos deveres de prestação que recaem sobre eles – mas à observância de um

comportamento que não se desvie da ideia fundamental de leal cooperação, a qual está na base do
contrato.

Entre as segundas, oportuno é enumerar as que fixam a duração máxima ou a duração mínima de
certos contratos (artigos 1025º e 1240º); as que limitam ou condicionam as causas de resolução do

contrato e as que determinam a responsabilidade dos contraentes por certos vícios contratuais (artigos
898º, 908º e 912º/1 CC).

AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS COMO LIMITAÇÃO À LIBERDADE CONTRATUAL


A massificação das relações de prestação de serviços deu origem a uma nova forma de

contratar, através de contratos pré-formulados que se destinam a servir de modelo, com um


conjunto de cláusulas que os clientes não estão em condições de discutir, restando-lhes apenas

aceitar ou não o contrato. Este fenómeno justificou-se por uma racionalização da técnica de
contratação, ou seja, por exigências de simplificação e racionalização de custos, de eficiência, de

celeridade e de segurança na contratação.


Ora, as limitações derivadas das cláusulas contratuais gerais dizem respeito a cláusulas

negociais previamente elaboradas por uma das partes, destinadas a serem incluídas numa
multiplicidade indeterminada de concretas relações individuais que venham a ser constituídas entre o

predisponente e o adquirente. Assim, estas cláusulas têm de ter três características:


 Pré-formulação: têm de ser formuladas previamente. Não é necessário ser o utilizador a

formular, ele próprio, as cláusulas que utiliza; de facto, o que muitas vezes sucede é que são
associações representativas que recomendam as cláusulas – falamos aqui da existência de um pré-

recomendante. Se as cláusulas não resultarem de negociação, são pré-elaboradas, logo está


preenchida esta característica.

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FDUC – DOI 2017/2018
 Imodificabilidade (Rigidez): o aderente ou contraparte do utilizador não tem qualquer

possibilidade de modificar o conteúdo do contrato, ou seja, a cláusula é apresentada na sua versão


final;

 Generalidade: destinam-se a fazer parte de uma série de contratos, ou seja, são elaboradas
com a intenção de servirem de modelo a vários contratos individuais, determinados ou

determináveis.

Esta técnica de contratar significa uma restrição de facto à liberdade contratual, uma vez que está

em causa uma forma de fixação unilateral do contrato, pois uma das partes impõe e a outra limita-se
a aceitar ou não, sem possibilidade de negociar o conteúdo das cláusulas do contrato. Trata-se,

assim, de uma liberdade residual que, na prática, na maior parte das vezes, não existe, pois, se a
pessoa não aceitar as condições, pode não ter acesso ao serviço.

Isto significa que, mesmo nas hipóteses em que não exista monopólio, a liberdade de rejeitar o
contrato pode não ser real.

Portanto, esta restrição à liberdade contratual representa o perigo de não atender


convenientemente aos interesses da contraparte, prevalecendo os interesses da parte que tem o

poder de modelar.
O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais encontra-se consagrado no Decreto-Lei

446/85 de 25 de Outubro, sendo que este permitiu o estabelecimento de limites ao poder do


utilizador das cláusulas contratuais gerais.

O artigo 1º do DL 446/85 estabelece o seu âmbito de aplicação objetivo, o qual, então, se


prende com: as cláusulas contratuais gerais, como já havia sido referido; e os contratos de adesão.

É necessário proceder a uma distinção entre as cláusulas contratuais gerais e os contratos de


adesão: todos os contratos que contêm cláusulas contratuais gerais são contratos de adesão, todavia,

nem todos os contratos de adesão contêm cláusulas gerais. A noção de contrato de adesão é mais
ampla.

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OS CONTRATOS DE ADESÃO COMO LIMITAÇÃO DE FACTO À LIBERDADE CONTRATUAL -


DECRETO-LEI Nº 446/85

Na sua formação teórica tradicional, o contrato é normalmente precedido de uma livre discussão
entre os pactuantes sobre o teor da cláusula, sendo pressuposto do debate prévio entre os

contraentes a igualdade jurídica das partes.


À medida, porém, que o poder económico dos grupos se foi fortalecendo com o

desenvolvimento do capitalismo e a oferta dos produtos em massa se foi alargando, começaram a


surgir e a multiplicar-se no comércio jurídico os casos em que a lex contractus é praticamente

elaborada por um dos contraentes, sem nenhum debate prévio acerca do seu conteúdo. Ao outro
contraente fica apenas, na prática, a liberdade de aceitar ou não o contrato que lhe é facultado, mas

não a de discutir a substância das soluções nele afirmado.


Assim, o contrato de adesão é aquele em que um dos contraentes – o cliente, consumidor – não

tendo a menor participação na preparação e redação das respetivas cláusulas, se limita a aceitar o
texto que o outro contraente oferece ao público interessado. Ou seja, os contratos de adesão são

celebrados com contraentes similares, sendo que são pensados só para um sujeito, mas podem vir a
ser aplicados a uma generalidade de pessoas.

Deste modo, compreende-se que determinadas empresas, em vez de discutirem caso por caso o
conteúdo dos contratos que celebram com os seus clientes, preferem adotar determinados padrões

que utilizam na generalidade dos seus contratos – seja porque a empresa tem o monopólio da
atividade que explora, seja porque igual atitude é tomada por todas as empresas concorrentes – e os

particulares, necessitados de celebrar o contrato, são forçados, pelas circunstâncias, a aceitar o


modelo que de certo modo lhes é imposto. Os particulares (aderentes) são apenas livres de aderir ao

modelo que lhes é oferecido pelos predisponentes, ou de o rejeitar. Por conseguinte, não há aqui a
livre discussão entre as duas partes, que salutarmente costumava preceder a fixação do conteúdo do

contrato.
NOTA: a limitação à liberdade contratual quanto à fixação do conteúdo dos contratos existe tão-

só no domínio dos factos. No plano da lei, nada há que impeça os particulares e as empresas

seguradoras, por exemplo, de fixarem livremente as cláusulas do contrato de seguro ou de se


afastarem dos modelos de negociação usualmente seguidos.

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O artigo 1º/2 do Decreto-Lei alarga o âmbito de aplicação aos contratos de adesão. Para haver

um contrato de adesão, as notas que têm de existir são as de pré-formulação e rigidez,


independentemente de o conjunto de cláusulas se destinar ou não a fazer parte de uma

generalidade de contratos. A maioria dos contratos de adesão contém cláusulas contratuais gerais,
mas pode acontecer que os contratos de adesão se destinem a regular apenas um contrato na sua

individualidade, o que tem igualmente o perigo de apresentar um clausulado que a parte não pode
modificar ou negociar (imodificabilidade) e que pode não ter devidamente em conta os interesses da

contraparte.
O contrato de adesão, pelo facto de ter características específicas, não deixa de ser um

verdadeiro contrato, logo é necessário que exista uma proposta e uma aceitação. Mas só se aceita
conscientemente uma coisa que se conheça e em relação à qual haja informação, daí o legislador ter

imposto um conjunto de regras ao nível da informação e comunicação para que as cláusulas se


considerem incluídas, em nome da transparência e publicidade (art. 4.º).

Do ponto de vista do âmbito subjetivo, este regime aplica-se:


 Nas relações com os consumidores finais – artigo 20º, sendo que lhes aplicam as listas de

proibição da sua secção e as da secção das relações entre empresárias.


 Nas relações entre empresários e outras entidades equiparadas entre si – artigo 17º.

Ora, sendo as cláusulas contratuais gerais dotadas de rigidez, pré-formuladas e destinando-se a

vários destinatários, é certo que possuem certas vantagens, nomeadamente:


 A celeridade contratual;

 O tratamento igualitário, uma vez que as mesmas cláusulas são potencialmente aplicáveis a
todas as pessoas, dentro do mesmo tipo de circunstâncias;

 Como não há negociações, os custos de transação são nulos;

 A segurança jurídica no tráfego jurídico, pois já se sabe, à partida, quais são as cláusulas.

Contudo, há riscos de: (1) desconhecimento das cláusulas; (2) possibilidade de inserção de

cláusulas abusivas. Por conseguinte, este decreto veio combater precisamente as cláusulas abusivas:
o facto de os modelos ou formulários de alguns destes contratos incluírem numerosas cláusulas, de

carácter técnico, que regulavam minuciosamente vários aspetos, levava a que o contraente subscritor

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FDUC – DOI 2017/2018
das cláusulas não chegasse, em muitos casos, a aperceber-se da existência ou do alcance de algumas

delas. Além disso, havia que considerar a possibilidade de os representantes, agentes ou comissários
da empresa, interessados em realizar o maior número possível de contratos, aliciarem o cliente com

interpretações tendenciosas das cláusulas negociais capazes de afastarem a sua adesão.


Daí que, o legislador português tenha criado este decreto de forma a combater as cláusulas

abusivas, desvantajosas para o aderente. Assim sendo, o legislador, desde logo, impõe na fase pré-
contratual:

 Deveres de esclarecimento, que decorrem do pedido do cliente, sendo que a informação


prestada deve ser adequada, tendo em conta o perfil do próprio destinatário e as particulares

circunstâncias do caso, ou seja, tem de se otimizar a posição da contraparte e não apenas


informá-la – artigo 6º;

 Deveres de comunicação: é um dever que decorre sem pedido do cliente, o que significa que

este deve ser cumprido logo de imediato, isto é, aquando da celebração do contrato. Este
dever visa garantir que a contraparte tenha conhecimento das cláusulas do contrato – artigo

5º;

Nota: como estabelece o artigo 5º/2, a comunicação não isenta o aderente de usar da comum
diligência que qualquer destinatário deve ter para captar a informação. Exige-se, da parte do

destinatário, um ónus de aceder a esse conhecimento, sendo que o predisponente pode exonerar-se,
alegando que cumpriu o seu dever de informação e que o destinatário não usou a normal diligência

para aceder a essa informação.


Ora, tendo em conta estes deveres:

 De acordo com o artigo 8º/a) e b), as cláusulas cujos deveres de comunicação ou informação
não forem cumpridos ou forem mal cumpridos, são excluídas do contrato e consideradas nulas como

prevê o artigo 24º - este é um controlo de inclusão. De acordo com o artigo 9º/1, em regra, os
contratos mantêm-se, vigorando, nas partes afetadas, as normas supletivas; ou, então, recorre-se às

regras da integração. Contudo, como prevê o artigo 9º/2, o contrato será nulo, se essas normas
eram essenciais, sendo que a sua falta provoca um profundo desequilíbrio das prestações, à luz da
boa fé.

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 Há ainda um CONTROLO DE INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS, o qual permite criar

soluções protetoras para o aderente. Estão em causa as cláusulas ambíguas, e o legislador, no artigo
11º/1 estabelece que as cláusulas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal,

quando colocado na posição de aderente real. O artigo 11º/2 estabelece que, na dúvida, prevalece o
sentido mais favorável ao aderente – trata-se de um certo desvio à teoria da impressão do

destinatário, estabelecida no artigo 236º CC, no sentido da proteção da parte contratual mais fraca.

 Por último, há um controlo de inserção que visa saber quais as cláusulas que foram

comunicadas e objeto de esclarecimento. Se isso não acontecer, ou seja, se a cláusula for inesperada,
essa cláusula ficará excluída do contrato.

CONTROLO DE CONTEÚDO

Até agora, o controlo imposto pela lei foi um controlo meramente formal. Porém, na prática,
as mais das vezes, a adesão formal não assenta numa análise cuidada do conteúdo material das

cláusulas ou condições negociais, daí a lei vir impor igualmente restrições ao nível do conteúdo.

O controlo de conteúdo traduz-se numa tutela do legislador. Se uma cláusula for abusiva, essa
vai ser considerada nula (cominação para uma dúvida de uma cláusula) sendo decretada pelo

tribunal. CALVÃO DA SILVA diz que existem listas negras (cláusulas absolutamente proibidas) e
listas cinzentas (cláusulas relativamente proibidas). O aderente pode declarar nulidade, ou pedir que

a cláusula seja considerada nula através da ação inibitória.


Portanto, o controlo de conteúdo é, por natureza, um controlo de conformação e não um

controlo de exercício, ou seja, está em causa o conteúdo da cláusula enquanto tal e não a sua
particular projeção na situação individual ou o resultado da sua aplicação no contexto do caso de

espécie.
 No artigo 15º vem, desde logo, prevista uma cláusula geral de controlo: são proibidas (e,

logo, nulas – artigo 12º) todas as cláusulas atentadoras da boa fé (em sentido objetivo). Na aplicação
da boa fé, como critério e princípio geral de controlo do conteúdo, o art. 16.º manda ponderar os

“valores fundamentais do direito”, relevantes em face da situação considerada, em especial a


confiança suscitada nas partes e o objetivo que as partes visam atingir negocialmente. Um destes

valores fundamentais é precisamente a justiça contratual – é em nome da justiça contratual que se


coloca este princípio da boa fé, a fim de evitar que, tendo em conta o fim contratual e a legítima

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confiança das partes, as cláusulas sejam abusivas, dando origem a um desequilíbrio significativo entre

os direitos e as obrigações das partes.


 A cláusula geral de controlo da boa fé é classificada como uma espécie de fim último, uma vez

que, para além dela, as cláusulas estão sujeitas a listas de cláusulas proibidas – arts. 18º, 19º, 21º e
22º. Como tal, é possível haver cláusulas contratuais gerais que, ainda que não estejam na lista de

cláusulas proibidas, são passíveis de serem consideradas nulas por violarem a cláusula geral do 15º,
que funciona nestes termos como um último crivo, “última ratio”.

Seguindo este entendimento:


 Fez-se menção expressa e minuciosa aos tipos de cláusulas, cuja inserção passou a ser

proibida, ao nível das condições gerais da contratação de uma empresa ou grupo de empresa,
nuns casos com possibilidade de valoração concreta das circunstâncias, noutros sem essa

possibilidade de valoração. Portanto, há cláusulas gerais absolutamente proibidas, quando


enquadradas em relações entre empresários ou entidades equiparadas [artigos 15º e 18º], a par

de outras que, pela sua gravidade menor, se consideram apenas relativamente proibidas ou
proibidas até certo limite [artigo 19º] – “quadro negocial padronizado”, nas palavras do Dr. Menezes

Cordeiro.

 Também nas relações entre produtores e consumidores finais, a Lei distingue entre
cláusulas contratuais gerais absolutamente proibidas e cláusulas relativamente proibidas [artigos 21º

e 22º], consoante a maior ou menor gravidade do abuso contido nas cláusulas gerais destacadas nas
diversas alíneas dessas duas disposições, sendo certo que as cláusulas relativamente proibidas

apenas existem em determinados tipos ou categorias negociais, quando e na medida em que


infrinjam o respetivo quadro negocial padronizado.

 Cláusulas absolutamente proibidas, artigo 18º (aplicação geral):

 As primeiras quatro alíneas dizem respeito à exclusão ou limitação da responsabilidade


civil, extracontratual e contratual.

 As restantes alíneas visam evitar a derrogação do direito comum pelo utilizador em


detrimento do aderente.

 Cláusulas absolutamente proibidas, artigo 21º (aplicação a consumidores):

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 As alíneas a) a d) visam proteger a confiança do aderente na entrega do bem

pretendido.

 Destaca-se a alínea d), que proíbe cláusulas que excluam os deveres que recaem sobre
o utilizador em resultado de vícios da prestação, ou estabeleçam, nesse âmbito, reparações ou

indemnizações pecuniárias predeterminadas, visando salvaguardar ao consumidor os direitos


primários à reparação ou substituição da coisa e à redução do preço ou resolução do contrato

(direitos irrenunciáveis).

 As alíneas e) e h) visam evitar a derrogação do regime comum em prejuízo do

consumidor.

 Cláusulas relativamente proibidas, artigo 19º (aplicação geral):


 As alíneas a) e b) proíbem cláusulas que estabeleçam “prazos excessivos” para a

aceitação ou rejeição de propostas, e para o cumprimento, sem mora, das obrigações.

 A alínea c) proíbe cláusulas que consagrem cláusulas penais “desproporcionais” aos

danos a ressarcir (afastando-se do regime comum, que só permite a redução equitativa da


cláusula penal manifestamente excessiva, art 812.º CC). A cláusula penal define o montante

indemnizatório que uma parte terá de pagar à outra no caso de incumprimento do contrato.

 Cláusulas relativamente proibidas, artigo 22º (aplicação aos consumidores):

 Perpassa nestas cláusulas o propósito de assegurar que o consumidor possa


efetivamente receber o bem ou serviço contratado, não tendo de cingir-se à indemnização,

em aplicação do princípio geral e natural do cumprimento.

CONCLUSÃO
As cláusulas absolutamente proibidas, previstas nos artigos 18º e 21º, constituem as listas

negras e, relativamente a elas, o juiz está vedado a uma ponderação, ou seja, não pode ponderar se
estas cláusulas são ou não nulas: tem de declará-las nulas, pois elas são proibidas em toda e

qualquer circunstância.
As cláusulas relativamente proibidas, previstas nos artigos 19º e 22º, constituem as listas

cinzentas, sendo que o juiz pode ponderar, no caso concreto, se a cláusula se justifica ou não, se

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apresenta carácter abusivo ou não, podendo avaliar qual a modalidade negocial onde estas cláusulas

vão ser incluídas e também as concretas circunstâncias do caso. Depois, determina quais são as
cláusulas proibidas – assim, o juiz determina o quadro negocial padronizado.

Este controlo ocorre geralmente após o contrato estar concluído, contudo, se integrar
cláusulas proibidas, elas são declaradas nulas por força do artigo 24º.

NOTA: Controlo Processual

 Ação inibitória;
 Sanção pecuniária compulsória;

 Registo nacional das cláusulas abusivas (art. 34º);

Do ponto de vista processual, existem dois tipos de controlo:

(1) O controlo concreto ou incidental: tem em vista excluir a cláusula daquele concreto
contrato já celebrado. Este controlo surge no âmbito de um litígio, de uma ação judicial, na qual é

suscitado este incidente.

(2) A um sistema de fiscalização ex post de controlo incidental contrapõe-se a fiscalização ex

ante do controlo abstrato. Está aqui em causa a AÇÃO INIBITÓRIA que é uma figura, através da
qual, se pretende obter, por decisão judicial preventiva, a proibição de cláusulas contratuais com

certo conteúdo antes de serem incluídas em qualquer contrato singular efetivo (artigo 24º e ss. do
DL). Por outras palavras, a ação inibitória corresponde à interdição judicial de determinada cláusula, a
qual não está dependente da sua efetiva inclusão em contratos singulares, bastando que contrarie as
proibições legais estabelecidas, o que significa, consequentemente, que aquela interdição pode ser

declarada sem que o utilizador tenha feito dela um uso indevido.

LEGITIMIDADE PROCESSUAL
Quem pode propor esta ação?

 Têm legitimidade ativa as entidades do art. 26.º – legitimidade coletiva.


 Todavia, a Lei 24/96 (Lei de Defesa do Consumidor) veio também atribuir a possibilidade aos

consumidores lesados de intentarem esta ação – arts. 13.º e 21.º. Está aqui em causa a figura
da substituição processual – os legitimados agem em nome próprio, logo não se trata de

representação, mas para a defesa de interesses de outrem.

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OUTRAS NOTAS PROCESSUAIS:


 Contra quem deve ser proposta esta ação? Contra todas as entidades que utilizem ou

recomendem as cláusulas gerais ou eventualmente cláusulas semelhantes, ou seja, pode-se


demandar os simples recomendantes – art. 26.º.

 É competente o tribunal de comarca no lugar em que o utilizador tenha a sua sede ou centro
de atividade – art. 27.º/1. Se o autor quisesse propor ações contra várias entidades, poderia ser

forçado a intentar ação nos vários tribunais das suas sedes – isto não só desincentivaria o recurso a
estas ações, como poderia gerar decisões contraditórias; pelo que a lei veio evitar este problema

permitindo uma coligação de réus ainda que esta viole as regras de competência territorial. A
entidade pode demandar a ação contra várias entidades que predisponham e utilizem ou

recomendem as mesmas cláusulas, ou cláusulas substancialmente idênticas, num único lugar – art.
27.º/2.

 Encontramos na lei outros indícios de que o legislador pretendeu facilitar o recurso a esta
ação, art. 29.º: a forma de processo é a sumária; são ações isentas de custas judiciais; o valor é

sempre 1 cêntimo a mais do que a alçada da Relação, permitindo recurso até ao Supremo.

CONTEÚDO E EFICÁCIA DA SENTENÇA INIBITÓRIA


A decisão que proíba as cláusulas contratuais gerais deve especificar o âmbito de proibição,

designadamente pela referência concreta do seu teor e a indicação do tipo de contratos a que a
proibição se reporta (art. 30.º/1). O legislador mantém assim a regra da eficácia relativa do caso

julgado, o que significa que a sentença produz apenas efeitos perante o demandado (daí a
importância da coligação prevista no art. 27.º/2). Outros predisponentes de cláusulas iguais ou

semelhantes não demandados são terceiros perante os quais o caso julgado não produz efeitos.
Todavia, ainda que isto seja verdade, a doutrina tem alertado para o facto de se permitir aqui

uma eficácia ultra partes, ainda que limitada – art. 32.º/2. Se houve uma ação e o tribunal condenou
certas entidades na proibição de utilização destas cláusulas, a decisão é apenas oponível aos

demandados; apesar disso, se as entidades continuarem a utilizar as cláusulas, um contraente que

venha a ser afetado pode fazer apelo à decisão embora não tenha participado no processo. O
contraente do demandado que seja prejudicado pode fazer apelo à decisão judicial a todo o tempo
e em seu benefício, nas ações individuais que venha a deduzir, mediante pedido da declaração
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incidental de nulidade contida na decisão inibitória – neste sentido, há aqui uma eficácia para fora

dos próprios intervenientes no processo, embora com carácter limitado.


Isto não valerá no caso da ação coletiva, já que, uma vez proposta ação inibitória por uma

associação de defesa dos consumidores, pelo Ministério Público ou pelo Instituto do Consumidor,
não podem as demais entidades com legitimidade ativa intentar as suas ação: a ação preventiva é

una, com a eficácia do caso julgado a estender-se a todos os colegitimados para a apreciação do
mesmo pedido e causa de pedir (o Ministério Público, o Instituto do Consumidor e uma associação

de defesa do consumidor são consideradas como a mesma parte ativa, ou seja, há identidade se
sujeito para efeito de repetição da causa e exceção do caso julgado).

SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA

Tratando-se de uma obrigação de facto infungível (a obrigação de não utilização ou não


recomendação é uma obrigação de prestação de facto negativo, que é sempre infungível), a

sentença pronunciada na ação inibitória pode ser seguida de sanção pecuniária compulsória (art.
829º-A CC). Esta sanção é um meio indireto de constrangimento decretado pelo juiz, a pedido do

credor, para que o devedor cumpra a obrigação e respeite a injunção judicial.


Com efeito, o artigo 33º prevê a possibilidade do tribunal fixar uma sanção pecuniária

compulsória, mas esta apenas pode ser pedida e decretada depois da violação da obrigação ocorrida
pós-trânsito em julgado da sentença. A ser assim, esta sanção não passaria de uma verdadeira multa,

uma sanção repressiva, quando o carácter preventivo da sanção determina que esta deva ser
aplicada pelo tribunal logo na própria sentença. No entanto, CALVÃO DA SILVA entende que o

artigo 33º/2 se encontra revogado pelo art. 10.º/2 da Lei de Defesa do Consumidor, que
estabelece que “a sentença proferida em ação inibitória pode ser acompanhada de sanção pecuniária

compulsória” (lei posterior derroga lei anterior).


Por último, saliente-se que as decisões tomadas na ação inibitória são decisões sujeitas a

registo (artigo 34º).


Este preceito diz que devem as decisões ser enviadas no prazo de 30 dias para um serviço,

que veio a ser fixado pela Portaria 1093/95, de 6 de Setembro: Gabinete de Direito Europeu do

Ministério da Justiça. O registo destas decisões serve duas finalidades:


 Pode, de alguma forma, servir de precedente judicial, pois os juízes tendem a consultar as

proibições já decretadas no julgamento dos casos.


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FDUC – DOI 2017/2018
 Tem um certo efeito preventivo no sentido da não utilização de cláusulas proibidas, pois a

publicidade do registo é uma publicidade negativa, que as empresas querem evitar.

Pode acontecer que, entre a propositura da ação e a sentença, sejam as cláusulas integradas em

contratos individuais, pelo que a lei dá a possibilidade de requerer uma providência cautelar, a
inibição provisória da utilização das cláusulas que estão a ser apreciadas (art. 31º).

Por fim, resta dizer que o Decreto-Lei nº 220/95 de 31 de Agosto veio alterar o DL 446/85,
transpondo para a ordem interna a Directiva de 93/13/CEE relativa às cláusulas abusivas nos

contratos celebrados com os consumidores.


O DL 446/85 de 25 de Outubro introduziu no ordenamento jurídico português o regime da

fiscalização judicial das cláusulas contratuais gerais. Em regra, foi um diploma bem aceite, sendo que
a sua eficácia prática tem crescido. Entretanto, surgiram as orientações comunitárias da Directiva nº

93/13/CEE, do Conselho, que impôs a adaptação das leis nacionais aos seus princípios – objectivo
básico deste diploma.

 Assim, ficou expresso que a ação inibitória abrange tanto as proibições exemplificadas nos
artigos 18º-22º, como quaisquer outras que contrariem o princípio geral da boa fé, a que se referem

os artigos 15º-16º.

 O valor máximo da sanção pecuniária compulsória, fixado pelo artigo 32º, foi elevado para o

dobro da alçada da Relação. Confere-se maior amplitude de decisão ao tribunal e assegura-se, ao


longo do tempo, uma atualização automática desse quantitativo.

 Entre outras medidas

Em suma, a revisão empreendida reflete a devida transposição da diretiva comunitária mas sem

desconsideração pela realidade portuguesa, já contemplada no texto legislativo que a precedeu.


Aliás, em boa verdade, operou-se apenas a uma remodelação de parte dos preceitos nele contidos.

A técnica correta da transposição de uma diretiva não se reconduz à sua mera reprodução, visto
que se impõe integrá-la adequadamente no ordenamento jurídico de cada Estado-Membro.

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FDUC – DOI 2017/2018

A RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL, A CULPA IN CONTRAENDO E O PRINCÍPIO DA BOA-


O problema da responsabilidade pré-contratual está intrinsecamente ligado à eventual


responsabilidade dos contraentes pela sua deficiente conduta ao longo do período da preparação do

contrato.
É um instituto que surge no espaço germânico, nos finais do século XIX, ligado a Ihering que,

a propósito do problema da nulidade dos contratos por divergência insanável entre a vontade real e
a vontade declarada, levantou a questão de saber se o contraente deve ou não responder pelos

danos, culposamente causados à contraparte pela celebração de um contrato que vem a ser
declarado nulo. Ora, isto surgiu a propósito dos negócios ineficazes ou inválidos, em que há uma

obrigação de reparar os benefícios de alguém. Portanto, este instituto da responsabilidade pré


contratual tem de resultar num dano para uma das partes e é a existência da obrigação para as

partes, antes mesmo do contrato, que levanta a questão da responsabilidade pré-contratual. Por
outras palavas, a tese da responsabilidade pré-contratual assenta na exclusiva ideia de que o simples

início das negociações cria entre as partes deveres de lealdade, informação e esclarecimento, dignos
da tutela do direito.

Ihering lançou os fundamentos que podem surgir obrigações antes da celebração do contrato
mas, saliente-se o facto de este autor prever a responsabilidade pré contratual restritivamente: só

para negócios que viessem a culminar em ineficazes ou inválidos.


Atualmente este instituto tem um âmbito mais amplo, abrangendo as hipóteses de Ihering e,

fundamental e paradigmaticamente, a chamada rutura injustificada ou ilegítima das negociações.

Exemplo: A, interessado em vender o prédio que possui em Cascais, marca com B, residente

em Coimbra e interessado em comprá-lo, uma visita ao local, para daí a 15 dias. Na semana seguinte
vende o prédio a C, mas não cuida de avisar a B, que no dia aprazado se desloca de Coimbra a

Cascais. Imaginemos também que B podia ter tido a oportunidade de ter comprado outra casa, e só
não a comprou, porque tinha a expectativa de comprar esta casa.

Haverá responsabilidade de A pelas despesas que B efetuou? Em caso afirmativo, que espécie

de responsabilidade? Qual o seu fundamento legal e dogmático?


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FDUC – DOI 2017/2018
 Temos aqui negociações que se frustram. Este problema reside nesta mesma questão: por um

lado, A não é obrigado a celebrar um contrato com B, porque se está na fase de negociações, isto é,
A que entrou em negociações com B, pode também fazê-lo com C, D, E… desde que não se tenha

comprometido com qualquer uma das contrapartes. Logo, se houver puro período negocial as partes
conservam a sua liberdade contratual.

Do ponto de vista da responsabilidade pré-contratual, há que fazer sempre um balanceamento


entre dois princípios: a liberdade contratual (artigo 405º CC), em que, se se perspetivar o negócio

segundo este princípio, a resposta será a da irresponsabilidade de quem rompe as negociações; e o


artigo 227º CC que impõe a subjugação à exigência da boa-fé. Portanto, para além das exigências

que se encontram ou em diálogo, ou em contraposição com as exigências da liberdade contratual,


tem-se, por outro lado, o princípio da boa-fé.

Em síntese, as partes são livres mas têm de se orientar pelas exigências da boa-fé porque, se as
partes romperem as negociações através de uma rutura ilegítima ou injustificada, nesse momento,

poderá haver responsabilidade pré-contratual.


A boa fé, enquanto princípio objetivo, impõe às partes uma atuação honesta, correta e leal –

boa fé em sentido objetivo. Já a boa fé em sentido subjetivo traduz-se num estado de espírito
juridicamente relevante, ao qual o ordenamento jurídico faz associar a produção ou faz corresponder

a paralisação de determinados efeitos jurídicos. Ora, a nível do Direito das Obrigações, a conduta
que releva é aquela que se encontra de acordo com os ditames da boa fé, isto é, de uma conduta

correta, honesta e leal.


A boa fé atua em dois momentos fundamentais:

1º. No período pré-contratual, ou seja, na fase das negociações em que ainda não há contrato –
artigo 227º CC;

2º. Na fase de cumprimento dos contratos – artigo 762º/2 CC.

O artigo 227º CC consagra a tese da responsabilidade civil pré-contratual pelos danos


culposamente causados à contraparte tanto no período das negociações, como no momento

decisivo da conclusão do contrato, abrangendo, por conseguinte, a fase crucial da redação final das
cláusulas do contrato celebrado por escrito.

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FDUC – DOI 2017/2018
É de salientar que a responsabilidade das partes não se circunscreve, como sucedia na tradicional

teoria da culpa in contraendo, à cobertura dos danos culposamente causados à contraparte pela
invalidade do negócio. A responsabilidade pré-contratual, com a amplitude do artigo 227º, abrange

os danos provenientes da violação de todos os deveres (secundários) de informação, esclarecimento


e de lealdade em que se desdobra o espectro negocial da boa-fé. Ora, a boa fé é mais relevante na

fase pré-contratual, pois, é nesta fase, que surgem os deveres acessórios de conduta. Atualmente, há
um sentido positivo de boa fé, sendo que as partes devem ter uma atitude de colaboração, de

cooperação.
Por isso é que, se estes deveres não forem cumpridos, geram responsabilidade civil pré-

contratual. Ou seja, a lei, além de indicar o critério pelo qual se deve pautar a conduta de ambas as
partes, aponta concretamente a sanção aplicável à parte que, sob qualquer forma, se afasta da

conduta exigível: a reparação dos danos causados à contraparte/obrigação de indemnização da


contraparte.

Cada vez mais, os negócios são de formação progressiva. Na formação dos negócios é tolerado o
dollus bonus, isto é, são toleradas determinadas façanhas socialmente aceites, sendo que cada uma
das partes acautela os seus próprios direitos e cada uma deve descobrir, por si, os elementos
relevantes para a conclusão do contrato. Assim, o dever de informação que possa surgir é imposto

de acordo com as circunstâncias do caso concreto, à luz da boa fé, sendo importante determinar se a
informação é ou não importante para a vontade de contratar.

Porém, a lei não se limita a proteger a parte contra o fracasso da expectativa de conclusão do
negócio, cobrindo-a, de igual modo, contra outros danos que ela venha a sofrer. Por outro lado,

embora uma das vertentes da boa-fé abranja a cobertura das legítimas expectativas criadas no
espírito da outra parte, o artigo 227º não aponta deliberadamente para a execução específica do

contrato, no caso de a conduta ilícita da parte ter consistido na frustração inesperada da conclusão
do contrato. A lei respeita, assim, até ao derradeiro momento da conclusão do contrato (artigo

232º), salvo se houver contrato-promessa (artigo 830º), um valor fundamental, transcendente do


direito dos contratos – a liberdade de contratar.

O princípio da liberdade contratual dá a hipótese às partes de escolherem celebrar ou não o

contrato. Existe, portanto, uma liberdade negativa de não concluir contratos. Assim, à partida, quem
rompe as negociações não é responsável, pois só há responsabilidade se essa rutura for

acompanhada de violação de deveres de conduta [exemplo: já houve a antecipação de uma quantia


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FDUC – DOI 2017/2018
de dinheiro; já houve despesas de valor avultado; já se tinha reduzido a escrito as cláusulas do

contrato]. Ora, vai haver responsabilidade quando já existam elementos de negociação que
permitem criar a expectativa na contraparte de que o negócio vai ser celebrado.

Se há uma rutura abusiva de negociações, isto é, se uma das partes, após ter criado um clima de
confiança na outra, que lhe permitiu acreditar que o contrato iria ser celebrado, rompe o negócio

sem avisar previamente a contraparte, viola deveres de conduta, o que suscita a existência de
responsabilidade pré-contratual, o que decorre da boa fé.

Com efeito, é o concreto decurso das negociações que vai fazendo com que surjam estes deveres
de conduta, os quais apenas assumem relevância autónoma no momento em que são violados,

gerando responsabilidade pré-contratual, nos termos do artigo 227º CC e a obrigação de


indemnizar a contraparte, nos termos dos artigos 562º e ss. CC.

Por conseguinte, há responsabilidade pré-contratual em três situações:


(1) Casos em que há rutura abusiva das negociações;

(2) Casos em que as negociações resultaram na celebração de um contrato inválido (nulo ou


anulável);

(3) Casos em que as negociações resultaram na celebração de um contrato desvantajoso, isto é,


num contrato válido mas gerador de prejuízos para as partes, em virtude de um comportamento

pré-contratual (geralmente por falta de informação).

COMO SE CALCULA ESSA INDEMNIZAÇÃO?


A determinação exata da indemnização, devida pela parte que viola o princípio da boa fé,

depende obviamente da natureza do dever acessório de conduta infringido. Se a falta da parte fez
com que a outra tivesse realizado uma deslocação que noutras circunstâncias não faria, são as

despesas dessa deslocação inútil que o faltoso tem de cobrir. Se, em consequência dessa falta, a
outra parte quebrou um braço ou uma perna, são os prejuízos resultantes desse acidente que a

pessoa em falta tem de reparar.


A Doutrina entende que se deve indemnizar o interesse contratual negativo, ou seja, o lesado

deve ser colocado na posição em que estaria se não tivesse confiado validamente na conclusão do
contrato. Assim, a indemnização inclui, nos termos do artigo 564º CC:

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FDUC – DOI 2017/2018
 os danos emergentes: os prejuízos que atingem bens, já existentes na esfera do lesado, no

momento em que começam as negociações;


 os lucros cessantes: as oportunidades geradas, isto é, as vantagens patrimoniais que ainda

não integravam a esfera jurídica do lesado mas que, com toda a probabilidade, viriam a integrá-la.

Em conclusão, tudo isto leva a concluir que o artigo 227º CC impõe às partes o dever jurídico de
agir de boa fé no período das negociações e não há razões para não considerarmos legal ( ex lege) a

relação jurídica que se estabelece entre as partes, antes da conclusão do contrato, logo que elas
iniciam as relações tendentes à sua preparação.

O PRINCÍPIO DA BOA FÉ EM RELAÇÃO A TERCEIROS

Quando alguém transmite uma propriedade sem ser o seu titular, viola-se o princípio nemo
plus iuris. O proprietário da coisa tem o direito real, ou seja, tem direito de sequela e, onde quer que
a coisa se encontre, ele poderá ir buscá-la, mesmo que ela se encontre na posse de um terceiro. Se
assim é, quando alguém adquire algo sem ter legitimidade e o proprietário vem buscar a coisa, o

terceiro tem de abrir mão dela porque o proprietário tem direito de sequela. Mas, e quando o
terceiro se encontra de boa-fé?

O terceiro, que tiver adquirido um bem de boa fé, vai afastar o direito de sequela porque o
terceiro desconhecia por completo a situação. Note-se que está aqui uma boa-fé no seu sentido

subjetivo: estado de espírito juridicamente relevante em função do qual a lei faz associar
determinados efeitos jurídicos positivos ou negativos. A boa fé objectiva está prevista no artigo 227º

e 762º/2 e não é um estado de espírito, mas sim, um princípio fundamental que impõe às partes
uma atuação honesta, correta e leal. A boa fé é violada quando são violados estes deveres de

conduta. O sentido negativo da boa fé consagra que as partes devem abster-se de qualquer conduta
que possa lesar as legítimas expectativas da contraparte – marcada pelo propósito de não prejudicar

outrem. Porém, com o desenvolvimento dogmático em torno deste princípio, com a interpretação do
direito social, passou a afirmar-se o seu sentido positivo: uma ideia de colaboração, de entreajuda

entre as partes, devendo ser animadas com o propósito de cooperar, onde se inclui os deveres

laterais de informação, colaboração, notificação, etc.


Estes deveres não se encontram aprioristicamente definidos (exemplo: não se sabe, quando se

entra em negociações com a contraparte, aquilo que vai ser informado, logo, os deveres de conduta
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FDUC – DOI 2017/2018
só irão surgir no decurso das negociações, à medida do seu desenvolvimento e tendo em conta as

exigências da boa fé objetiva.


Portanto, a emergência dos deveres de conduta está dependente do contrato se desenrolar e

do desenvolvimento das negociações, à luz das exigências da boa-fé. Contrariamente, quanto aos
deveres de prestação principal, já se sabe aquilo que se encontrar quando é assumida a relação

contratual.
Como os deveres laterais não estão pré-determinados só se dá conta do seu surgimento

quando eles não foram acatados. Por isso é que não se pode falar de uma realização coativa, da
realização de uma execução específica desses deveres acessórios tal como eles são porque não estão

pré-definidos. Portanto, a única consequência que anda associada a estes é a indemnização através
da responsabilidade pré-contratual.

Como dito anteriormente, indemniza-se o interesse contratual negativo. Já o interesse


contratual positivo não vai ser indemnizado, pois, em regra, este decorre do cumprimento de um

contrato já celebrado: coloca-se o credor na situação em que se encontraria se o contrato tivesse


sido validamente cumprido, ou seja, relaciona-se com a responsabilidade contratual [na

responsabilidade pré-contratual o contrato ainda não chegou a ser celebrado].

CONTRATOS TÍPICOS (NOMINADOS) E CONTRATOS ATÍPICOS (INOMINADOS)


A disciplina dos contratos reparte-se por três lugares distintos:

(1) Em primeiro lugar, na Parte Geral do Código, encontram-se reguladas as normas dos
negócios jurídicos em geral (arts 217º e ss.), que valem naturalmente para os mais importantes

negócios jurídicos – os contratos.

(2) Em seguida, no livro das obrigações, encontram-se as regras gerais aplicáveis ao comum

dos contratos ou a certas categorias de contratos (arts 408º e ss.).

(3) Finalmente, ainda dentro desse livro, encontram-se as disposições reguladoras dos

contratos em especial.

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FDUC – DOI 2017/2018
Os contratos em especial correspondem aos chamados contratos típicos. Dizem-se

contratos típicos ou nominados os que, além de possuírem um nome próprio (nomen iuris), que os
distingue dos demais, constituem objeto de uma regulamentação legal específica. Ou seja,

correspondem às espécies negociais mais importantes no comércio jurídico (exemplos: compra e


venda; doação; a sociedade; a locação; o mandato; o depósito, entre outros). Relativamente a estes

contratos, a disciplina específica traçada na lei corresponde a um tríplice objetivo do legislador:

1. Por um lado, por se tratar de acordos negociais mais vulgarizados na prática, a lei pretende
auxiliar as partes e os tribunais, fixando subsidiariamente a disciplina jurídica aplicável aos pontos em

que, não obstante a importância que revestem, as convenções redigidas pelas partes são frequentes
vezes omissas;

2. Por outro lado, a lei aproveita o esquema negocial típico do contrato nominado para, a
propósito do conflito de interesses particulares subjacentes a cada um deles, fixar as normas

imperativas ditadas pelos princípios básicos do sistema.


3. Por fim, na disciplina de cada contrato típico figuram, ainda, as normas dispositivas, que

constituem o núcleo das disposições reguladoras desse contrato.

Distintos destes contratos, são os chamados contratos atípicos ou inominados que as partes,
ao abrigo do princípio da liberdade contratual, criam fora dos modelos traçados e regulados na lei.

Como, todavia, através deste princípio, a lei permite, não só a criação de contratos diferentes dos
previstos no Código Civil, mas também a inclusão, nos contratos previstos, das cláusulas que melhor

aprouverem aos interessados, importa saber quando é que as cláusulas aditadas pelas partes
respeitam ainda o tipo contratual fixado na lei e quando é que essas cláusulas, pelo contrário,

envolvem já o abandono dos tipos negociais legalmente previstos, com a consequente formação de
um contrato atípico.

Por forma a responder a tal questão, torna-se necessário conhecer o esquema essencial de
cada contrato típico: sabe-se que todo o contrato nominado possui, efetivamente, uma função

económico-social própria, que se reflete numa estrutura jurídica privativa (por exemplo, a causa hoc

sensu da compra e venda é a transmissão de um direito mediante um preço.


Por outras palavras, sempre que na convenção celebrada entre as partes se instale um dos

esquemas ou modelos previstos na lei [1] e as cláusulas acrescentadas pelas partes não destruam o
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FDUC – DOI 2017/2018
núcleo essencial do seu acordo, nem lhe aditem qualquer outro dos esquemas legalmente

autonomizados [2], o contrato continuará a pertencer ao tipo correspondente a esse esquema.


Quando assim não sucede, a convenção negocial das partes será tida em conta como um

contrato atípico ou inominado.

FONTES DAS OBRIGAÇÕES: CONTRATOS MISTOS


Dentro da vasta categoria dos contratos atípicos, é de salientar a existência de contratos

mistos. O contrato misto é um contrato, no qual se reúnem elementos de dois ou mais negócios,
total ou parcialmente regulados na lei. Isto sucede porque as partes, como os seus interesses o

impõem, celebram, por vezes, contratos com prestações de natureza diversa ou com uma articulação
de prestações diferente da prevista na lei, mas encontrando-se ambas as prestações ou todas elas

compreendidas em espécies típicas diretamente reguladas na lei.


O artigo 405º/2 refere-se expressamente a esta possibilidade, querendo destacar a

importância desta categoria de contratos. Este artigo não tem outra finalidade que não seja a de
referir, explicitamente, esta categoria dos contratos, visto a sua admissibilidade estar já contida no

princípio geral proclamado pelo número anterior.

Exemplo1: A cede em locação a B, mediante uma renda global, um prédio urbano para

habitação e um prédio rústico para exploração agrícola ou arrenda apenas o prédio urbano, mas
obrigando-se o arrendatário à prestação de determinados serviços, além da renda estipulada –

misturam-se no contrato celebrado elementos do arrendamento para habitação com elementos do


arrendamento rural.

Exemplo2: C, tio de D, vende um prédio ao sobrinho; mas, para o compensar das


liberalidades feitas a outros sobrinhos, irmãos de D, convenciona um preço muito inferior ao valor

real do prédio, no intuito de o beneficiar gratuitamente com o arranjo negocial entre eles concertado
– misturam-se elementos da compra e venda com cláusulas de doação.

Exemplo3: Um turista inscreve-se num cruzeiro pelo Mediterrâneo, obrigando-se a empresa

organizadora a dar-lhe transporte, alojamento e alimentação – associam-se elementos do contrato


de locação com elementos do contrato de transporte, de prestação de serviços, etc.

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FDUC – DOI 2017/2018
Portanto, os contratos mistos distinguem-se de figuras próximas, que também resultam da

autonomia das partes, em que há dois ou mais contratos que conservam a sua autonomia, ou seja,
são independentes entre si. Compreende-se, assim, que nos contratos mistos há várias realidades

contratuais que se ligam entre si e que não são autónomas. Ora, as figuras afins ao contrato misto
são as seguintes: junção, união e coligação de contratos. Ou seja, o contrato misto distingue-se, por

natureza, quer da simples junção, quer da união/coligação de contratos, os quais são contratos
baseados de dois ou mais contratos que, sem perda da sua individualidade, se acham ligados entre si

por certo nexo.

A JUNÇÃO DE CONTRATOS: o vínculo que prende estes contratos é puramente exterior ou


acidental, como quando provém do simples facto de terem sido celebrados ao mesmo tempo (entre

as mesmas pessoas) ou de constarem do mesmo título. Ou seja, aqui acontece que as relações
contratuais autónomas estão ligadas pela simples circunstância dos contratos serem realizados num

mesmo sítio, nessa mesma localidade.

Exemplos: A manda comprar um relógio e manda consertar um outro ao mesmo relojoeiro;

certa empresa encomenda um projeto moroso a determinados arquitetos, ao mesmo tempo que
lhes arrenda as instalações onde eles vão trabalhar; José arrenda um local para Pedro instalar um

restaurante e vende-lhe ao mesmo tempo móveis e louças que tinha noutro restaurante seu.

Quando assim seja, como os contratos são, não só distintos, mas também autónomos, aplicar-
se-á a cada um deles o regime que lhe compete.

A COLIGAÇÃO DE CONTRATOS: sucede que os contratos, embora mantendo a sua

individualidade, estão ligados entre si, segundo a intenção dos contraentes, por um nexo funcional
que influi na respetiva disciplina. Já não se trata de fim nexo exterior ou acidental, mas de um vínculo

substancial que pode alterar o regime normal de um dos contratos ou de ambos, em virtude da
relação de interdependência que eventualmente se crie entre eles. Por outras palavras, nestes casos,

existem duas ou mais modalidades contratuais autónomas mas ligadas entre si por um vínculo/nexo

funcional, o que implica que um contrato possa ter interferência na disciplina jurídica do outro
contrato.

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FDUC – DOI 2017/2018
A relação de dependência (bilateral ou unilateral), assim criada entre os dois ou mais

contratos, pode revestir as mais variadas formas. Pode um dos contratos funcionar como condição,
contraprestação ou motivo do outro; pode a opção por um ou outro estar dependente da verificação

ou não verificação da mesma condição; muitas vezes, um deles constituirá a base negocial do outro.
Portanto, uma relação contratual é causa de surgimento da outra; celebrar um contrato está

dependente de uma condição se realizar ou não, determinando que o regime de um dos contratos
influa na vida de outro contrato, logo, um surge por causa do outro; um surge em alternativa do

outro.

Exemplo: uma entidade patronal celebra, com uma companhia de seguros, um contrato de
seguro de saúde, no qual serão beneficiários os trabalhadores da sua empresa.

Neste caso, há dois vínculos contratuais: o do contrato de seguro, que liga a seguradora e a

empresa que vai assumir o seguro, o qual é celebrado por existir um vínculo entre a empresa e os
seus trabalhadores que resulta do contrato de trabalho. O mesmo contrato de trabalho levou à

celebração do contrato de seguro, embora sejam contratos distintos. Ora, se houver a cessação do
contrato de trabalho, o contrato de seguro extingue-se também.

Em suma: compreende-se que há uma certa dependência entre os contratos coligados,

criados pelas cláusulas acessórias ou pela relação de correspetividade ou de motivação estabelecida


entre eles.

Porém, nem as cláusulas acessórias, nem o nexo de correspetividade ou de motivação que


prendem um dos contratos ao outro, destroem a sua individualidade.

Pelo contrário, os contratos mistos são aqueles em que num único contrato se integram
elementos de dois ou mais contratos, total ou parcialmente regulados na lei. Assim, têm de

preencher dois requisitos:


1º. Tem de estar em causa um só contrato, isto é, os outros tipos contratuais perdem a sua

autonomia, sendo “absorvidos” num único tipo contratual.

2º. Os elementos ou prestações têm de ser de dois ou mais contratos típicos.

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FDUC – DOI 2017/2018

Exemplo: uma pessoa decide fazer um cruzeiro e celebra um só contrato com a empresa de
cruzeiros – este é um contrato onde há prestação de transporte (elementos do contrato de

transporte); de alimentos (elementos do contrato de prestação de serviço); se quiser guardar jóias, há


elementos do contrato de depósito, etc., sendo que todos estes contratos estão regulados na lei, ou

seja, são típico, contudo, neste caso, está em causa um contrato misto.

Pode, portanto, afirmar-se que no contrato misto há a fusão, num só negócio, de elementos
contratuais distintos que, além de perderem a sua autonomia no esquema negocial unitário, fazem

simultaneamente parte do conteúdo deste.


 Como distinguir entre a fusão e a união? O problema de maior delicadeza na qualificação

jurídica e na fixação do regime destas espécies negociais de múltiplas prestações consiste em saber
se nelas existem dois ou mais contratos substancialmente correlacionados entre si (união), ou se há,

pelo contrário, um só contrato atípico, de diversas prestações (fusão). Esta questão pode ter relevo
prático, nomeadamente na aplicação do artigo 292º CC [princípio redução para os casos de

nulidade parcial do negócio] e do artigo 232º CC [que só considera o contrato concluído quando
houver acordo das partes sobre todas as cláusulas que o integram].

Este é um problema de interpretação de cada contrato em concreto, determinando a vontade das


partes e o grau de interdependência dos vários elementos contratuais que o integram. Para que as

diversas prestações a cargo de uma das partes façam parte de um só e o mesmo contrato, e não de
dois ou mais contratos, é necessário que elas integrem um processo unitário e autónomo de

composição de interesses.
Todavia, existem alguns critérios orientadores:

 Critério da unidade ou pluralidade da contraprestação – se às diversas prestações a cargo


de uma das partes corresponder uma prestação única (una ou indivisível) da outra parte, será de

presumir, até prova em contrário, que elas quiseram realizar um só contrato, possivelmente de
carácter misto.

 Critério da unidade ou pluralidade do esquema económico subjacente à contratação – se


houver um esquema ou acerto económico unitário, de tal modo que a parte obrigada a realizar

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várias prestações as não queira negociar separada ou isoladamente, mas apenas em conjunto (é o

caso típico da viagem em cruzeiro), será de presumir que estamos perante um contrato misto.

Ora, nos contratos mistos tem particular relevância o princípio da liberdade contratual (artigo
405º CC), principalmente a sua vertente de liberdade de fixação do conteúdo dos contratos.

Dentro dos contratos mistos, existem três modalidades, sistematização que provém da doutrina
alemã:

 Contratos Mistos Combinados: são contratos em que a prestação global de uma das partes
se compõe de duas ou mais prestações integradoras de contratos típicos diferentes, enquanto a

outra se vincula a uma contraprestação unitária. Ou seja, estão em causa cláusulas de tipos
contratuais diferentes. [Exemplo: contrato realizado entre o campista e a entidade titular do parque

de campismo].

 Contratos Mistos de tipo duplo: uma das partes obriga-se a uma prestação de certo tipo

contratual, mas a contraprestação do outro contraente pertence a um tipo contratual diferente.

[Exemplo: A cede a B uma casa para habitação em troca da prestação de serviços, que integra o
contrato de trabalho].

 Contratos Mistos em sentido estrito: um contrato serve de meio ou instrumento de


realização de um outro, isto é, utiliza-se uma forma contratual para obter finalidades de outro

contrato.

É o caso da doação mista, em que o contrato que serve de instrumento é o contrato de compra e
venda. A doação mista é o contrato em que, segundo a vontade dos contraentes, a prestação de um

deles (em regra, a transmissão de coisa) só em parte é coberta pelo valor da contraprestação, para
que a diferença de valor entre ambas beneficie gratuitamente o outro contraente.

Relativamente aos contratos mistos, desde logo, levanta-se um problema básico: se na mesma
realidade contratual se cruzam tipos contratuais diferentes, coloca-se a pergunta de saber qual o

regime que será aplicado a cada contrato. Portanto, a fixação do regime destas espécies híbridas tem
dado lugar a hesitações na jurisprudência e divergências de orientação na doutrina.

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Assim, a Doutrina aponta três conceções:

 Teoria Da Absorção: é necessário saber qual é, entre as diversas prestações reunidas no


contrato misto, aquela que prepondera dentro da economia do negócio, pois este tipo contratual

dominante absorveria os restantes elementos na qualificação e na disciplina do negócio. O regime do


contrato equivale ao regime da prestação principal, com as devidas adaptações. Ora, por via da

interpretação contratual e de acordo com o artigo 236º CC, define-se qual das prestações se revela
preponderante. Portanto, segundo esta doutrina, é o regime correspondente a essa prestação

preponderante que deve disciplinar o contrato misto – artigo 1028º/3 CC.

 Teoria Da Combinação: outros autores, com o fundamento de quem nem sempre é possível

determinar o elemento principal do contrato e de que não se justifica a extensão indiscriminada do


seu regime a todo o contrato, tentam harmonizar as normas aplicáveis a cada um dos elementos

típicos que integram o contrato. Procura-se, assim, respeitar ao máximo o regime de cada um dos
elementos do contrato, uma vez que este deve não só valer para os contratos típicos, mas também

para as espécies em que cada um destes elementos se instala. Assim, os regimes aplicáveis
combinam-se, sendo que se aplicam os vários regimes jurídicos – artigo 1028º/1 CC [parte do

princípio de que há uma relevância equilibrada do conjunto de prestações]. A disciplina legal de cada
contrato típico não se justifica apenas nos casos que integram todos os seus elementos constitutivos,

mas também, nas espécies em que, cada um destes elementos se instala, embora só para fixar o
regime próprio desses elementos isolados. Segundo Hoeniger, há uma relação abstracta entre os
vários elementos singulares, isoladamente considerados de cada negócio nominado e as normas
jurídicas correspondentes.

 Teoria Da Aplicação Analógica: outros autores, finalmente, considerando os contratos mistos


como espécies omissas na lei, apelam para o poder de integração das lacunas no negócio, que o

sistema confere ao julgador. A tese de Schreiber, ao considerar os contratos mistos como espécies
omissas, parte da ideia de que o regime de cada contrato típico deve ser considerado como uma

síntese, uma unidade orgânica, e não como o somatório de regras acumuladas ao lado umas das
outras. Portanto, caberá ao juiz, de harmonia com os princípios válidos para o preenchimento das

lacunas dos contratos, que compete fixar o regime próprio de cada espécie.

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A SOLUÇÃO ADOTADA

O primeiro passo a dar consiste em saber se, na lei, há qualquer disposição que especialmente se
refira aos contratos mistos: pode bem suceder que a lei fixe ainda critérios para a regulamentação

dos contratos que reúnam em si elementos pertencentes a dois ou mais desses negócios típicos.
Assim acontecerá, por exemplo, na locação. Para a locação com vários fins, o artigo 1028º estabelece

algumas regras que, embora partam da ideia da combinação, não deixam de introduzir-lhe
limitações fundadas na vontade real ou presumível dos contraentes ou na finalidade global do

contrato. Assim, prevendo a hipótese de uma ou mais coisas serem locadas para fins diferentes,
manda a disposição do 1028º/1 aplicar, em princípio, a cada um dos fins, o regime legal que lhe

compete. Logo, é a consagração, na área da locação, da teoria da combinação como regime regra.
Importa referir que caso o contrato sofra nulidade, anulabilidade, bem como a própria resolução,

relativa a um dos fins, não afetará a parte restante da locação, salvo se não for possível fazer sem
arbítrio a discriminação das coisas ou das partes da coisa correspondentes às várias finalidades.

Portanto também está subjacente, nesta exceção, o pensamento da aplicação analógica. Quanto ao
1028º/3, este consagra, mas só para os casos excecionais dos arrendamentos mistos em que haja a

notória subordinação de um dos fins a outro da locação, a teoria da absorção.


Portanto, a regra em princípio, como há diversos tipos contratuais na mesma realidade contratual,

será aplicar a cada tipo o regime específico, ou seja, combinando-se. Quer isto dizer que o critério
legal enunciado pelo artigo 1028º CC, a propósito da locação com vários fins, deve considerar-se

extensivo aos contratos mistos em geral.


Esta será a regra se não se chegar à conclusão que, dos vários tipos contratuais, há um regime

contratual dominante face aos outros. Saber qual é o tipo contratual preponderante e aquilo que é
acessório é uma tarefa difícil. Por vezes não se aplica nenhum dos regimes correspondentes aos tipos

contratuais que estão cruzados nessa relação contratual unitária. Não se aplica porque a realidade
contratual que surge é de tal modo original, que não se enquadra, escapando aos vários tipos. Ou

seja, não permite invocar nenhum regime típico que está inserido nessa unidade. Nesse caso, aplicar-
se-á a analogia. COMO? Confrontando a realidade original com as realidades paralelas e, aquela que

for a mais próxima, será aquela a aplicar.

Pode, todavia, suceder que os termos da convenção revelem que, em lugar de uma justaposição
ou contraposição dos diversos elementos contratuais, existe entre eles um verdadeiro nexo de

subordinação. O que as partes quiseram foi celebrar um contrato típico ao qual juntaram, como
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cláusula acessória, um ou vários elementos próprios de uma outra espécie contratual. Entende

Larenz, porém, que os contratos em que a prestação acessória tem uma importância subordinada, ao
lado da prestação fundamental correspondente a um contrato típico, não constituem ainda contratos

mistos, visto nada impedir que, no contrato típico, as partes introduzam aditamentos ou alterações,
sem quebra da sua identidade. Portanto, nestes casos, o regime dos elementos acessórios só será de

observar, na medida em que não colida com o regime da parte principal, fundamental ou
preponderante do contrato.

A DOAÇÃO MISTA

Diz-se doação mista, o contrato em que, segundo a vontade dos contraentes, a prestação de um
deles (em regra, a transmissão de uma coisa) só, em parte, é coberta pelo valor da contraprestação,

para que a diferença de valor entre ambas beneficie gratuitamente o outro contraente. Note-se que
a tese da separação não pode ser aceite, tendo em conta que o contrato é, sob certo aspeto, um

negócio gratuito e, sob um outro, um negócio oneroso, mas sob qualquer das perspetivas, ele é
globalmente, e não parcelarmente, considerado.

Com efeito, a doação mista faz-se através da compra e venda; esta, mediante a redução
intencional de um dos seus elementos fundamentais – o preço – é assimilada pela doação. Se,

posteriormente, houver fundamento para revogar a liberalidade por ingratidão do donatário, a forma
correta de efetuar a revogação é desfazer-se a doação: como esta consistiu na realização da venda, a

destruição dela operar-se-á mediante a restituição da coisa, por um lado, e a correspondente


restituição do preço, por outro.

Vaz Serra entende, porém, que deve ser concedido à parte beneficiada o direito de optar pela
conservação da coisa em seu poder, completando o preço. A solução parece defensável, nos termos

dos artigos 248º e 437º/2 CC, salvo nos casos em que, das declarações dos contraentes ou das
circunstâncias do contrato, se depreender que a outra parte não teria alienado a coisa, se não fora a

intenção de efetuar a liberalidade.

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CONTRATOS COM EFICÁCIA REAL E A RESERVA DE PROPRIEDADE (Art. 409.º)


Os direitos reais transmitem-se por mero efeito dos contratos, como prevê o artigo 408º CC,

que consagra o princípio da consensualidade, segundo o que o mero consenso entre as partes faz
com que se transmitam os direitos reais, ou seja, a propriedade transfere-se imediatamente por mero

acordo das partes, sem necessidade da traditio (= entregar).


Deste modo, os contratos com eficácia real são aqueles, para cuja perfeição, basta o consenso

das partes, não sendo necessário qualquer ato material de entrega. Considera-se que o efeito de
transferência da propriedade se opera por meio do sistema de título, o que significa que basta o

título para que se transmita o direito real. Esta situação tem efeitos práticos, em termos de regime
jurídico: o adquirente, na compra e venda, fica automaticamente titular do direito de propriedade,

que é um direito real.

EXEMPLO: A vende a B, no dia 1 de Novembro, uma coisa determinada e não a entrega


imediatamente a B porque ele não a pode receber logo. Se, entretanto, C danificar a coisa vendida

ou, ele próprio, proceder à venda desse bem a D, B pode exigir uma indemnização pelos prejuízos e
reivindicar a coisa. Por outro lado, se a coisa estivesse em casa de A e fosse destruída pelas cheias,

seria B a suportar o risco pela destruição, uma vez que é ele o proprietário (artigo 796º/1 CC). Por
fim, se houver uma declaração de invalidade do negócio jurídico, a propriedade da coisa retorna ao
vendedor, uma vez que já tinha sido transmitida por efeito do contrato.

Para que a reserva de propriedade tenha efeitos em relação a terceiros, tratando-se de coisas
imóveis ou de coisas móveis sujeitas a registo, é necessário que o direito emergente da cláusula

tenha sido inscrito no registo. Tendo a alienação por objeto coisas móveis não sujeitas a registo, a
reserva vale, mesmo em relação a terceiros, por simples convenção das partes.

Para concluir, entende-se, no âmbito da reserva de propriedade, que há uma venda que não
produz um efeito translativo normal. Esta venda com reserva de propriedade é, de sobremaneira,

entendida como uma garantia para o vendedor.

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DISTINÇÃO DA VENDA COM CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA (art. 886.º)

Diferente da reserva de propriedade é a cláusula resolutiva prevista no art. 886.º. Pelas regras
gerais do cumprimento das obrigações, se, uma vez transmitida a propriedade da coisa, o adquirente

não pagar o preço, o alienante pode apenas exigir o pagamento do preço; persistindo o
incumprimento, há direito à resolução do contrato por incumprimento grave, com o efeito retroativo

de restituição da coisa (art. 801.º/2). Quer isto dizer que não há direito à resolução do contrato pelo
não pagamento do preço.

No entanto, o art. 886.º admite “convenção em contrário”, ou seja, há uma reserva do direito
de resolução de contrato, que é uma cláusula resolutiva expressa que não opera automaticamente,
exigindo uma declaração do titular do direito da resolução em como se vai exercer o mesmo. Nesta
medida distingue-se da reserva de propriedade, que opera automaticamente. Apesar de, na prática,

visarem resultados semelhantes, são figuras distintas.

O CONTRATO-PROMESSA

De acordo com o artigo 410º/1 CC, o contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se

obriga a celebrar certo negócio jurídico [NOTA: apesar de o artigo referir apenas a "contrato",
devemos estender a noção para abranger também os negócios unilaterais]. O contrato-promessa
frequentemente precede um contrato, seja de eficácia real, seja de eficácia meramente obrigacional,

mas pode igualmente preceder um negócio unilateral. Do contrato-promessa nasce uma obrigação
de prestação de facto positivo, que consiste na emissão de uma declaração negocial correspondente

ao negócio prometido ou definitivo. Por isso é que o contrato-promessa já é um contrato, o que o


distingue das meras obrigações contratuais, nas quais ainda não há um contrato.

Assim sendo (tópicos):


 A promessa pode ser bilateral, quando ambos os contraentes se comprometem a celebrar

futuramente o contrato (exemplo: C pretende obter o arrendamento de uma casa de praia e D está
disposto a arrendar-lha. Mas, como ainda faltam alguns meses até ao verão, pode convir-lhes mais

efetuarem entre si um contrato-promessa de arrendamento, entregando o promitente arrendatário


determinada importância como sinal.);

 Todavia, há casos em que só um dos contraentes está disposto a vincular-se, e ao outro


interessa compreensivelmente o estabelecimento desse vínculo – é o caso do contrato-promessa

unilateral ou promessa unilateral (exemplo: A está disposto a vender a B uma jóia por determinado
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preço, sendo que B não sabe se poderá comprar mas interessa-lhe, por fundadas razões, vincular,

desde já, o proprietário da coisa para a hipótese de o contrato lhe convir;


 Ao contrato a cuja futura realização as partes, ou apenas uma delas, ficam adstritas, dá-se o

nome de contrato prometido. Logo, existe o contrato-promessa e o contrato prometido, o qual


provém do facto de as partes se obrigarem, no futuro, a celebrar um outro contrato, isto é, há a

obrigação de emitir uma declaração negocial;


 A obrigação assumida por ambos os contraentes ou por um deles, se a promessa for apenas

unilateral, tem, assim, por objeto uma prestação de facto positivo. E o direito correspondente
atribuído à outra parte traduz-se numa verdadeira pretensão.

Podem ainda admitir-se:

 O contrato-promessa do qual nasça a obrigação de contratar com terceiro (pactum de


contrahendo com tertio): uma das partes não assume a obrigação de contratar, mas indica
expressamente o terceiro titular do direito à celebração do contrato definitivo diretamente com a
outra parte (arts. 433º e ss. CC). Exemplo: A assume perante B a obrigação de vender a C (promessa

de venda a favor de terceiro).


 O contrato-promessa para pessoa a nomear (arts. 452º e ss. CC), quer relativamente à

própria promessa, quer com referência à obrigação de celebrar o contrato prometido ou definitivo:
 Na primeira hipótese, por exemplo, o promitente-comprador reserva o direito de

nomear um terceiro que adquira os direitos e assuma as obrigações provenientes desse


contrato. Se houver designação, a pessoa nomeada adquire esses direitos e assume

essas obrigações; não havendo, o contrato produz efeitos em relação ao promitente-


comprador que não se fez substituir (art. 455º). Ocorre aqui uma cessão da posição

contratual, sendo que a celebração do contrato promessa com cláusula de reserva do


direito de nomeação de terceiro traduz um consentimento prévio da outra parte (art.

424º).
 No segundo caso, verifica-se a inserção no contrato-promessa (sobretudo no de

compra e venda) de cláusula que prevê a conclusão do contrato definitivo por pessoa a

nomear, ou seja, o promitente-comprador reserva a nomeação de terceiro, que


assumirá a obrigação de comprar, ou reserva a nomeação de terceiro para o momento

da conclusão do contrato definitivo - caso da venda feita a terceiro.


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FUNÇÃO PREPARATÓRIA E DE SEGURANÇA


O contrato-promessa é dos contratos celebrados com maior frequência, uma vez que serve

múltiplos interesses e exigências práticas dos operadores económicos. Tem uma dupla função - uma
função preparatória e uma função de segurança.

 Tem uma função preparatória, pois, através dele, os contraentes fixam o conteúdo do futuro
contrato e obrigam-se a celebrá-lo, sem, contudo, procederem à sua imediata conclusão.

 E tem uma função de garantia, pois assegura certeza e segurança à celebração do contrato
definitivo, já que, na linha do princípio pacta sunt servanda, os contratos são para cumprir,

havendo regras e sanções para o incumprimento do contrato-promessa.

Conclui-se que o contrato-promessa é um verdadeiro contrato, distinto do negócio subsequente,


em qualquer caso um contrato preliminar ou preparatório do negócio definitivo, um contrato de

segurança ou de garantia do negócio prometido.


O contrato-promessa integra-se num período pré-contratual, contudo, já é um contrato

jurídico-vinculativo, sendo que obedece às regras contratuais, isto é, têm de estar preenchidos os
elementos essenciais: a capacidade das partes, o objeto tem de ser determinado ou determinável,

etc., pois quando houver lugar à celebração do contrato prometido, este vai ser muito similar ao
contrato-promessa.

[o preço pode não estar previsto pelas partes, sendo que tal pode ser suprimido pelo artigo 883º
CC, que constitui uma solução supletiva, que preenche a ausência de vontade negocial das partes

nesse sentido. Assim, o contrato pode não estar completo mas pode vir a sê-lo, de acordo com as
regras de integração e com as regras supletivas do CC].

EM SUMA:

O contrato-promessa situa-se entre a fase pré-contratual e o contrato definitivo. Há contrato-


promessa apenas quando os contraentes tenham querido obrigar-se à conclusão de certo (futuro)

contrato – o contrato definitivo/contrato prometido. Logo, no contrato-promessa, as partes

obrigam-se a contratar; no contrato definitivo, as partes querem que o mesmo produza os efeitos
finais.

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O contrato-promessa pode ser bilateral ou unilateral: no primeiro, a obrigação de celebrar o

contrato futuro é das duas partes, ambas promitentes; no segundo, só um dos contraentes se vincula
a contratar – promitente único, ficando o promissário livre de concluir ou não o contrato definitivo.

Ainda assim, a promessa unilateral é sempre um contrato que se aperfeiçoa com a aceitação do
promissário.

EFICÁCIA REAL DA PROMESSA


Em princípio, o contrato-promessa goza apenas de eficácia obrigacional inter partes, de

acordo com o princípio da relatividade dos contratos (artigo 406º/2 CC). Todavia, a lei faculta às
partes a possibilidade de atribuir eficácia real à promessa de transmissão ou constituição de direitos

reais sobre bens imóveis, ou bens móveis sujeitos a registo (artigo 413º CC). Tratando-se este de um
caso excecional, a lei subordina a atribuição de eficácia real à verificação cumulativa de três
requisitos:
1º. Declaração expressa: a declaração da atribuição da eficácia real não pode ser tácita – tem

de ser expressa, por meio direto de manifestação da correspondente vontade (artigo 217º CC) de
tornar a promessa oponível a terceiros com eficácia absoluta.

2º. Forma: a promessa tem de ser solenizada:

 Por escritura pública ou documento particular autenticado, se o contrato prometido


exigir igual forma (artigo 875º CC).

 Por documento particular, em todos os negócios prometidos não sujeitos a forma


(artigo 219º CC) – ex: compra e venda de veículos automóveis – ou, em todos os

negócios não sujeitos a escritura pública (caso dos bens móveis sujeitos a registo, para
cuja transmissão e oneração apenas é exigida a forma escrita).

3º. Registo: a promessa deve ser inscrita no registo respetivo (para a promessa de bens
imóveis, art. 2º/1/f) do Registo Predial; para a promessa de bens móveis sujeitos a registo, art.

11º/1/h) do Código de Registo de Bens Móveis).

Verificados os três pressupostos, os direitos de crédito nascidos do contrato-promessa vêem a


sua eficácia ampliada perante terceiros, graças ao registo efetuado e correspondente publicidade

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(art. 5º Código de Registo Predial), com primado sobre todos os direitos (pessoais ou reais) relativos

ao mesmo objeto, não registados anteriormente.


Os direitos do promissário são direitos de crédito tal e qual como os que derivam do

contrato-promessa meramente obrigacional, mas com a particularidade de valerem em relação a


terceiros (artigo 406º/2 CC) por efeito da inscrição no registo e correspondente publicidade. Ora, do

contrato-promessa decorrem apenas direitos de créditos, os quais, porém, por efeito da inscrição da
promessa no registo, são oponíveis a terceiros. Por isso mesmo é que a aquisição feita por terceiro

será ineficaz – ineficácia relativa – em relação ao promissário, que pode exigir o cumprimento
específico do seu direito à celebração do contrato prometido, nos termos do artigo 830º CC.

FIGURAS PRÓXIMAS

Desde logo, nem sempre é fácil, na prática, saber se estamos perante negociações, um
contrato-promessa ou um contrato definitivo. Tratar-se-á, obviamente, da questão de interpretação

das declarações de vontade das partes, a resolver segundo a conhecida doutrina da impressão do
destinatário (art. 236.º e segs.).

As negociações contratuais são a atividade instrumental da conclusão de um contrato


(podendo anteceder também o contrato-promessa), na qual as partes devem agir segundo a regra

da boa fé (art. 227.º). Mas através destas negociações as partes não assumem a obrigação de
celebrar o contrato, isso é, nas negociações as partes frequentemente redigem e acordam quais

serão os elementos essenciais do contrato, conteúdo, esse, que integrará o futuro contrato se este
vier a ser celebrado (o contrato apenas fica concluído quando houver acordo sobre todas as

cláusulas, art. 232º).


Ora, o contrato-promessa situa-se entre a fase pré-contratual e o contrato definitivo, e apenas

se pode dizer que há contrato-promessa quando as partes tenham querido obrigar-se à celebração
do contrato definitivo.

Assim, nem sempre é fácil distinguir o contrato-promessa unilateral de algumas figuras


próximas:

 Pacto de opção: é um contrato tendente à celebração de um contrato futuro, distinguindo-se

do contrato de promessa uma vez que para a conclusão do contrato definitivo é suficiente a
manifestação da vontade do beneficiário, sem necessidade de nova declaração da contraparte. Ou

seja, desde logo, uma das partes fica vinculada ao conteúdo acordado, reservando-se à outra parte o
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direito de opção de concluir o contrato, se assim entender. Ora, se quiser concluir o contrato, ele fica

logo concluído, não sendo necessário que haja uma manifestação de vontade da outra parte: basta a
declaração de aceitação.

Exemplo: A vende a B determinadas mercadorias, segundo certas condições, dando a B a

possibilidade de vir a aceitar esse contrato, se aceitar as condições impostas – ora, se B não quiser
celebrar o contrato, não surge nenhuma responsabilidade, pois ele não assumiu nenhuma

obrigação.

Já na promessa unilateral de venda, o promitente vendedor já se vinculou e o promissário tem

direito, no futuro, à celebração do contrato definitivo, ou seja, tem um direito de crédito a exigir do
promitente vendedor a emissão de uma declaração negocial, pois foi a isso que ele se obrigou

(prestação de facto positiva. Em suma, da promessa unilateral deriva para o não-promitente uma
verdadeira pretensão à celebração do contrato prometido; do pacto de opção deriva um direito

potestativo à aceitação da proposta contratual emitida e mantida pela parte.

 Quer no pacto de preferência (artigos 414º ss.), quer na promessa unilateral, só uma das
partes se encontra vinculada, isto é, só surge obrigação para uma das partes. Todavia, na promessa

unilateral de venda, o promitente obriga-se, no futuro, a emitir uma declaração negocial de venda
para que o contrato seja celebrado. Já no pacto de preferência, o obrigado à preferência perde a

liberdade de escolha do co-contratante mas conserva a liberdade de celebrar ou de não celebrar


contratos. Logo, é um contrato que faz nascer a obrigação de escolher outrem como contraente, no

caso do obrigado à preferência se decidir, livremente, a contratar.


 Venda a retro, artigo 917º e ss. CC: dá ao vendedor a faculdade de resolver o contrato por

meio de simples notificação judicial, sem necessidade de nova declaração do vendedor.


 A promessa unilateral também não se confunde com a proposta contratual: a proposta

contratual está sujeita a revogação do proponente (artigos 228º/2 e 230º CC) e, nesta, prescinde-se
de nova manifestação de vontade do proponente para que o contrato se aperfeiçoe. Além disso,

enquanto a promessa unilateral assenta sobre um contrato consumado, a proposta é uma simples

declaração de vontade emitida por uma das partes que só se converte em contrato com a aceitação
do outro contraente.

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O PRINCÍPIO DA CORRESPONDÊNCIA/EQUIPARAÇÃO
O artigo 410º/1 CC consagra o princípio da equiparação do contrato-promessa ao

contrato prometido, o que significa que, ao contrato-promessa se aplicam as normas do contrato


prometido. Assim, o regime jurídico do contrato definitivo é aplicável ao contrato promessa.

Das regras dos contratos em geral aplicáveis ao contrato-promessa destacam-se as relativas à


liberdade contratual (405º CC), à liberdade de forma (219º CC), à capacidade, aos vícios de vontade,

aos requisitos do objeto – possibilidade, legalidade, licitude, determinabilidade (280º CC),


correspondência a um interesse sério do credor, digno de proteção legal (398º CC) – à interpretação,

ao cumprimento, à mora, ao incumprimento, etc.


É de salientar que, no contrato-promessa, devem estar presentes os requisitos do contrato

definitivo, com um conteúdo, nos seus elementos essenciais, de tal modo preciso que não torne
necessárias ulteriores negociações. Portanto, o contrato-promessa deve definir ou fixar os pontos

sem os quais o contrato definitivo, seria inválido, se imediatamente concluído, por inteterminidade ou
indeterminabilidade do objeto, apenas podendo ficar em branco elementos suscetíveis de serem

subsequentemente preenchidos por acordo das partes ou pelo tribunal mediante recurso às regras
da integração.

Todavia, o princípio da correspondência encontra duas exceções:

1º. SUBSTÂNCIA: constitui uma exceção ao princípio da correspondência as normas do

contrato prometido que, pela sua razão de ser, não devam considerar-se extensivas ao contrato-

promessa (art. 410.º/1, in fine). Para tal, é necessário analisar uma dada norma do contrato
prometido e apurar a sua ratio.
A nível exemplificativo, são inaplicáveis à promessa de venda, por não transmitir a propriedade, as

seguintes normas:
 Normas da compra e venda relativas à eficácia real translativa (art. 879.º/a)), e subsequente

distribuição do risco (art. 796.º) ou afastamento do direito de resolução do contrato por falta de
pagamento do preço (art. 886.º).

 Normas relativas à proibição de venda de coisa alheia (art. 892.º e 939.º). Como a promessa
de venda não tem eficácia real, é totalmente ineficaz perante o verdadeiro proprietário da coisa; e
nada impede o promitente de obter a coisa necessária a realização do negócio. O mesmo se diga em

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relação à venda de coisa comum por um só dos comproprietários (arts. 1405.º e 1408.º), que carece

do consentimento dos restantes proprietários.


 Normas relativas à venda de imóveis feita por um dos cônjuges, em que se exige o

consentimento do outro (art. 1682.º-A). Esta regra não se aplica à promessa de venda de um imóvel
por um dos cônjuges, uma vez que nada impede que venha posteriormente a obter o consentimento

necessário do outro cônjuge. O mesmo se diga em relação à promessa de venda a filhos ou netos
feita sem o consentimento dos outros filhos ou netos, em que é inaplicável o art. 877.º.

Estes dois últimos exemplos referem-se à promessa de facto de terceiro, pela qual o promitente
se vincula a obter uma prestação de facto de terceiro – contrato válido à luz da liberdade contratual

e uma vez que, em última instância, a promessa de facto de terceiro se reconduz a uma verdadeira
promessa de facto próprio (a de conseguir a coisa ou o consentimento necessário). Esta doutrina
encontra afloramento na locação de coisa alheia (arts. 1032.º e 1034.º). Se o promitente não
conseguir a prestação de facto de terceiro, haverá incumprimento do contrato-promessa por

impossibilidade subjetiva, culposa ou não consoante o alcance da promessa. A existência ou não

de responsabilidade indemnizatória depende do grau de vinculação do promitente:


 Se este tiver assumido uma obrigação de meios, obrigando-se apenas a fazer o que estivesse

ao seu alcance no sentido de adquirir a coisa alheia ou obter o consentimento necessário, e se provar
que procedeu às diligências adequadas, não haverá responsabilidade civil pelos danos sobrevindos

(arts. 798.º e 801.º).


 Se o promitente tiver assumido uma obrigação de resultados, assegurando ao promissário a

celebração do contrato prometido, haverá lugar à responsabilidade civil (mas não à execução
específica, uma vez que o contrato não vincula o terceiro).

2º. EXCEPÇÃO DA FORMA - ANÁLISE DO ARTIGO 410º/2 CC

Validade do contrato-promessa unilateral e bilateral constante de documento assinado pelo


promitente ou pelos promitentes

A regra do contrato-promessa é a da consensualidade ou liberdade da forma (art. 219º CC). No


entanto, o artigo 410º/2 vem estabelecer certas exceções ao princípio da equiparação, ou seja, casos
em que a forma exigida para o contrato-promessa não equivale à forma exigida para o contrato
prometido. Assim, nos termos do artigo 410º/2 CC, compreende-se que:
105
FDUC – DOI 2017/2018
 Se o contrato prometido for um contrato consensual, para o qual a lei não exija qualquer

forma, também o contrato-promessa será um contrato consensual.


 Se o contrato prometido for um contrato formal, o contrato-promessa tem de constar de

documento particular assinado pelo promitente ou promitentes, consoante seja unilateral ou


bilateral. Logo, se for exigida a assinatura das duas partes e faltar uma das assinaturas, há nulidade

do contrato por vício de forma (artigo 220º CC).


 Se a forma exigida para o contrato prometido for o documento particular, é esta a forma do

contrato-promessa. A exceção ao princípio da equiparação está nos casos em que a lei exigir para o
contrato prometido a forma mais solene – documento autêntico (escritura pública ou documento

particular autenticado) –, caso em que basta, no contrato-promessa, a forma de documento


particular.

O artigo 413º CC permite que as partes atribuam eficácia real ao contrato-promessa, para que o

contrato possa produzir efeitos em relação a terceiros. Deste modo, para haver eficácia real da
promessa, esta deve constar de escritura pública ou documento particular autenticado. Mas só se

pode atribuir eficácia real a promessas de dois tipos: (1) à de alienação de bens imóveis; (2) à de
alienação de bens móveis sujeitos a registo.

NOTA: de acordo com o princípio da consensualidade, para a venda de automóvel não é


necessária escritura pública ou documento particular autenticado, sendo que basta o mero acordo

verbal para que se transmita a propriedade. Ora, neste caso, há uma exceção à exceção da forma,
pois, para o contrato-promessa, está a exigir-se mais forma do que para o contrato definitivo.

PROMESSA UNILATERAL COM CONTRAPRESTAÇÃO: O PREÇO DA PROMESSA OU PREÇO DE

IMOBILIZAÇÃO
Pode haver promessas unilaterais remuneradas ou com preço de imobilização, isto é,

promessas em que só uma das partes se obriga (o promitente-vendedor), sendo que a contraparte é
livre de contratar ou não. Contudo, o promitente-vendedor pode conseguir que o promissário lhe dê

uma contrapartida remuneratória, pois ele, durante um determinado período de tempo, fica com o
bem imobilizado sem o poder vender.
Está aqui em causa o preço de imobilização que não é um sinal, logo, não se lhe aplica o
regime do sinal, visto que o promissário não assumiu qualquer obrigação, sendo que se trata de uma

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simples contrapartida pela temporária imobilização do bem. Isto porque o sinal pressupõe uma

obrigação prévia que, no caso do preço de imobilização não existe. Para além disto, esta quantia não
é dada a título de contraprestação (de pagamento do preço), pois não há obrigação.

CALVÃO DA SILVA prefere a terminologia “preço de imobilização” ou “preço da promessa”.

Mais do ressarcimento de um eventual prejuízo sofrido pelo promitente, a contrapartida pecuniária a


pagar é o preço ou compensação da vantagem por este proporcionada ao beneficiário da promessa.

Ou seja, ao celebrar a promessa unilateral de venda, o promissário adquire um direito de crédito à


conclusão do contrato definitivo, que passa a fazer parte integrante seu património, suscetível de

constituir objeto de penhora e de comércio jurídico. É este valor patrimonial que o promitente
concede ao beneficiário, não gratuitamente, mas a título oneroso, contra o pagamento da prestação.

Apesar de não haver uma sinalagmaticidade perfeita entre as duas prestações, mas antes uma
sinalagmaticidade imperfeita e de segundo grau (a obrigação de vender é a obrigação principal),

podemos dizer que a obrigação de vender não existiria sem a estipulação da contrapartida, daí ser
preferível a expressão “preço da promessa”.

Como o promissário não se obrigou, é uma promessa unilateral, todavia, coloca-se aqui uma
questão relativa à forma exigida para o contrato-promessa unilateral acompanhado de indemnização

de imobilização: NECESSITA ESTE, PARA SER VÁLIDO, DA ASSINATURA DE AMBAS AS PARTES,


OU BASTA A ASSINATURA DAQUELA QUE SE VINCULA A CONTRATAR?

Para ANTUNES VARELA, apesar de apenas uma das partes se obrigar a contratar, a outra
também se obriga ao pagamento de uma contraprestação pecuniária, sem a qual a outra parte não

quereria contratar. Assim, deverá ficar sujeito aos mesmos requisitos formais que o contrato-
promessa bilateral, sendo necessária a assinatura de ambas as partes.

Porém, CALVÃO DA SILVA rejeita esta doutrina: na promessa unilateral de venda de coisa
imóvel acompanhada da indemnização de imobilização, como o beneficiário não promete comprar e

a forma é imposta por causa da obrigação de adquirir, a redução a escrito da sua declaração de
vontade não é necessária. Os perigos, os riscos, a irreflexão que a lei quer precaver com a imposição

de forma referem-se exclusivamente ao promitente-vendedor.

Ora, de acordo com o artigo 410º/2 CC, só é necessária, numa promessa unilateral, uma
assinatura. Isto porque a quantia entregue não pode ser entendida como ato de vinculação negocial,

tendo de ser vista como um ato material.


107
FDUC – DOI 2017/2018
Se o beneficiário que entregou a quantia decidir celebrar o contrato, no futuro, o preço que já

entregou, integra-se no preço final. Se o beneficiário não quiser celebrar o contrato, perde o preço
de imobilização.

O promitente-vendedor pode fixar um prazo para o promissário decidir se quer ou não


comprar; passado esse prazo, pode vender a coisa a outra pessoa. Assim, neste caso, o preço de

imobilização não cobre um prejuízo mas a susceptibilidade de ocorrer um prejuízo.


Se o promitente-vendedor, na altura prevista, não quiser celebrar o contrato, entra em

incumprimento, sendo que apenas tem de restituir a quantia em singelo ou poderia ser forçado a
cumprir.

O artigo 411º CC prevê que, se não for fixado prazo, no caso de a promessa vincular apenas
uma das partes, o Tribunal pode fixar um prazo, a pedido do promitente-vendedor.

CONTRATO-PROMESSA BILATERAL ASSINADO POR UMA DAS PARTES

A promessa bilateral, contrato em que dois contratantes se vinculam à celebração do contrato


definitivo, deve ser exarada em documento assinado por ambas as partes, nos casos abrangidos pelo

art. 410.º/2. Porém, não raras vezes apenas uma das partes assina, normalmente o promitente -
vendedor. Qual o valor do contrato nesta hipótese? Faltando um requisito de forma, a consequência

é a nulidade por vício de forma (art. 220.º).


Todavia, a doutrina e jurisprudência não são unânimes quanto a saber se o caso é de nulidade parcial

ou total – CALVÃO DA SILVA entende que o caso deve ser resolvido em sede do art. 292.º, logo

estamos perante uma nulidade parcial.


Efetivamente, se legalmente o contrato-promessa pode ser bilateral ou unilateral e à validade
deste basta a assinatura da parte que se obriga a contratar, não é de excluir a priori, automática e

sistematicamente, a possibilidade do contrato querido como bilateral valer como promessa unilateral
do promitente que assina (à validade deste basta a assinatura da parte que se vincula), pois a não

obediência à forma atinge só a declaração negocial do outro contraente. Significa isto que, em
abstrato, o contrato-promessa bilateral assinado apenas por um dos promitentes é objetivamente
divisível em partes. O que, por um lado, constitui argumento decisivo contra a tese da nulidade total
de plano, necessária e sistemática, e contra a colocação da questão em sede de conversão do
negócio jurídico, que tem como pressuposto justamente a nulidade total (art. 293.º); por outro,

mostra como o problema é de redução, instituto que tem no carácter unitário e na divisibilidade
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FDUC – DOI 2017/2018
(material e objetiva) do negócio jurídico os requisitos ou pressupostos para a sua aplicabilidade (art.

292.º).

NOTAS:
I. CONVERSÃO (artigo 293º CC): aqui, a parte contaminada afeta a parte sã, o que gera a

nulidade total do negócio jurídico, o que significa que não se produzem quaisquer efeitos. Apesar
disto, há a possibilidade de transformar o contrato nulo num contrato válido, sendo que a parte

interessada tem de provar a vontade hipotético-conjetural das partes.

II. REDUÇÃO (artigo 292º CC): nesta situação, a parte contaminada não afeta a parte sã,

logo, há uma nulidade parcial. Por conseguinte, há o aproveitamento imediato da parte do


contrato que é válida, sendo que a parte assinada mantém-se e a promessa é automaticamente

reduzida à parte válida, transformando-se a promessa bilateral numa promessa unilateral. Ora,
parte-se da ideia de que há uma divisibilidade objetiva e subjetiva do negócio jurídico:

 A divisibilidade objetiva parte do princípio de que a promessa é divisível em duas partes –


uma de venda e uma de compra. Como tal, a parte inválida não atinge a parte sã, sendo que se

pressupõe que a parte que se vinculou aceita a manutenção do contrato.

 A divisibilidade subjetiva: a redução de uma promessa bilateral a uma promessa unilateral

da parte que assinou, não constitui um obstáculo insuprível, nem inviabiliza a que, no futuro, se
celebre um contrato definitivo, pois não há nada que impeça que isso suceda. Ora, a parte que se

vinculou pode não querer ficar vinculada sozinha, tendo de provar que não teria concluído o
contrato sem a parte viciada. [No ordenamento jurídico português, defende-se que existe uma

presunção legal de redução do negócio jurídico].

Mas o problema não tem só esta etapa. Há que perguntar ainda pela segunda parte da
questão, a questão da divisibilidade subjetiva: no critério intencional das partes, o contrato-promessa

bilateral assinado por um só dos promitentes poderá valer como promessa unilateral? Não se oporá

à divisibilidade, in casu, a sinalagmaticidade querida pelos contraentes?

109
FDUC – DOI 2017/2018
A resposta não pode desprender-se da natureza preliminar e preparatória do contrato-

promessa nem dos critérios legais vazados nos artigos 292.º e 239.º, artigo este a ter em conta já que
o problema é de integração do negócio jurídico:

 Da primeira, para não deixarmos de ligar a reciprocidade (instrumental) das prestações


dos promitentes à sinalagmaticidade (final) do contrato definitivo que preparem e em última

instância querem concluir – aspeto fundamental, porquanto este pode ser validamente firmado
apesar da nulidade parcial daquele, sem desequilíbrio prestacional e, portanto, sem qualquer prejuízo

para o interesse final do promitente unilateralmente vinculado, que pode obter a fixação judicial do
prazo para o promissário exercer o seu direito creditório, sob pena de caducidade; dos segundos, a

fim de não violarmos a lei, aplicando princípios que o legislador deliberadamente não consagrou.
 Ora, nos termos do art. 292.º, a nulidade parcial não determina a invalidade de todo o

negócio jurídico, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.
Corresponde isto a significar que a solução de princípio contida no art. 292.º é a da redução, a da

presunção de divisibilidade subjetiva do negócio jurídico, com a invalidade parcial a constituir regra e
a invalidade total a exceção. Facto que implica uma consequência extremamente importante, relativa

ao onus probandi , visto que as presunções legais invertem este (art. 350.º/1): a parte que pretende a
nulidade de todo o negócio é que tem de alegar e mostrar que este não teria sido concluído sem a

parte viciada.

Assim, na hipótese de o promitente-vendedor querer invalidar todo o contrato-promessa, por


o promitente-comprador não o ter assinado (é este o caso sistematicamente submetido à apreciação

dos tribunais), tem de alegar e mostrar que o não teria concluído sem que o outro contraente

tivesse assumido a obrigação de comprar. Se não o fizer, o contrato será válido como promessa

unilateral de venda, com o beneficiário a ter o direito creditório à celebração do contrato prometido
ou ao dobro do sinal no caso de não cumprimento definitivo da obrigação de vender. Rejeita-se,

deste modo, a posição do Supremo Tribunal de Justiça, expressa no Acórdão de 7 de Fevereiro de


1985:

 O Tribunal veio consagrar a tese da validade parcial, invertendo assim a sua jurisprudência (a
tese seguida desde o Acórdão de 26 de Abril de 1977 era a da nulidade necessária e automática).
 Porém, a nulidade do contrato apenas daria lugar à redução se a parte interessada na

manutenção do contrato provar que o teria concluído mesmo sem a parte nula. O Tribunal afastou
110
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assim a presunção de divisibilidade consagrada no Código Civil, aproximando-se da solução da lei

alemã, que consagra uma presunção de divisibilidade. CALVÃO DA SILVA critica esta solução, uma

vez que está a violar a solução de princípio do art. 292.º: a partir do momento em que se permite

a redução do negócio, não há fundamento válido para não aplicar as regras do Código Civil.

 De resto, a solução do sistema jurídico português, mais simples e mais lógica, posto que
obriga o contraente interessado na nulidade total a invoca-la e a mostrar e fazer valer os seus

próprios interesses, provando que sem a parte inválida não teria celebrado o contrato. Para além
disto, a solução portuguesa serve o princípio da conservação do negócio jurídico, ou seja, a exigência

de estabilidade e segurança contratual requerida pelo complexo comércio jurídico em cadeia,


próprio da coeva economia, exigência melhor servida – e, com ela, a proteção do terceiros de boa fé

– pela redução como solução de princípio do que pela nulidade total.

Porém, mais das vezes o promitente-vendedor não tem interesses legítimos em arguir a nulidade

total, ou seja, a invocação da nulidade total pode não passar de um pretexto para se subtrair às

consequências do incumprimento da promessa, bem mais gravosas do que as da nulidade:


enquanto que esta tem eficácia retroativa, determinando a restituição de tudo aquilo que se recebeu,

o incumprimento pode, por exemplo, obrigá-lo a restituir o sinal no dobro. Assim, o exercício do

direito à nulidade total pelo promitente-vendedor seria de má fé e constituiria um claro abuso do


direito, combatido pela redução imperativa. O promitente-vendedor não tem qualquer interesse
legítimo, digno de tutela, na invocação da nulidade. Como este se trata de um problema de
integração do negócio jurídico, a boa fé intervém aqui a título corretivo.

E se for o promitente-comprador a querer invocar a nulidade? Poderá sempre fazê-lo?


 Sendo a regra a da nulidade invocável por qualquer interessado, o promitente-comprador
interessado na não celebração do negócio pode fazê-lo. Teremos assim a redução do contrato -

promessa bilateral em promessa unilateral de venda, que o promitente-vendedor pode ainda assim
querer fazer valer. Neste caso, o promitente-comprador não tem o dever de comprar (embora a lei

permita ao vendedor obter a fixação judicial de um prazo para que ele exerça o seu direito).

 Todavia, o promitente-comprador não poderá arguir a nulidade quando tal configure uma

situação de abuso do direito: ou seja, quando a inobservância da assinatura tenha sido


deliberadamente preparada por ele, ou quanto todo o seu comportamento subsequente à conclusão
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FDUC – DOI 2017/2018
do contrato-promessa tenha sido, apesar de conhecer o vício, do cumprimento da cláusulas nele

inserido (por exemplo, entregando as várias prestações escalonadas de sinal). Em casos desta
natureza, o promitente-vendedor deve ter a possibilidade de afastar a invocação da nulidade pelo

promitente-comprador, opondo a exceptio doli generalis ou o venire contra factum proprium.

A questão do contrato-promessa bilateral ou recíproco assinado apenas por uma das partes foi

entretanto objeto do assento do Tribunal de Justiça, de 29 de Novembro de 1989, que veio


adiantar: “o contrato-promessa bilateral de compra e venda exarado em documento assinado apenas

um dos contraentes é nulo, mas pode considerar-se válido como contrato-promessa unilateral, desde
que essa tivesse sido a vontade das partes”.
 O assento veio consagrar a tese da posição do problema em sede de redução do negócio
jurídico, afastando quer a tese da nulidade total automática e sistemática, quer a tese da conversão.
No entanto, ao afirmar que a parte interessada na validade parcial é que terá o ónus da prova,
afasta-se do regime geral da redução consagrado no art. 292.º: a sinalagmaticidade da promessa

assinada apenas pelo promitente afasta, segundo o assento, a presunção legal da redução,
incumbindo ao promitente-comprador interessado a alegação e prova da validade parcial (caindo
uma vez mais na solução do Código alemão).

 CALVÃO DA SILVA pronunciou-se pela inconstitucionalidade do assento – uma vez


reconhecido o problema como de redução, não podem os tribunais furtar-se à lei, aplicando uma

solução contrária à do art. 292.º. Tendo sido declarada a inconstitucionalidade dos assentos, este
valeria como acórdão uniformizador da jurisprudência no sentido da redução do contrato-promessa

bilateral assinado apenas por uma das partes a contrato-promessa unilateral.


 O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1993 veio precisamente

esclarecer que o assento deveria ser interpretado no sentido de consagrar a tese da nulidade parcial
e redução do negócio, que será todavia nulo se o contraente que o subscrever provar que o contrato

não teria sido celebrado sem a parte viciada (art. 292.º).

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 AINDA NO QUE TOCA À FORMA DO CONTRATO-PROMESSA: ARTIGO 410º/3 CC


O artigo 410º/3 foi aditado ao texto originário pelo Decreto-Lei n.º 236/80, impondo, para os

contratos-promessa nele previstos, dois requisitos adicionais de forma: o reconhecimento presencial


das assinaturas, e a certificação, pelo notário, da existência da licença de utilização ou de construção

do edifício.
O artigo 410º/3 CC estabelece um regime especial, diferente do regime geral do artigo 410º/2

CC. Assim, este preceito apenas se aplica quando o contrato prometido preencha três requisitos:
 Seja um contrato oneroso;

 Transmita ou crie direitos reais (não bastando a transmissão ou criação de direitos pessoais de
gozo);

 O objeto do contrato seja um edifício ou fração autónoma dele, já construído, em construção


ou a construir.

O artigo 204º/2 CC apresenta uma noção de prédio que o Dr. Antunes Varela considera muito
restritiva, pois só abrange o que está no solo e as construções nele existentes, sendo que não abarca

os prédios considerados no solo. Ora, o legislador pretender qualquer realidade: quer o prédio, quer
um edifício em construção.

Ora, como já foi referido, para estes contratos-promessa, é exigida uma forma adicional, sendo
que têm de se verificar dois requisitos:

 Tem de haver um reconhecimento presencial das assinaturas, por um notário ou advogado,


da parte ou das partes que se vinculam, consoante seja unilateral ou bilateral.

 Tem de haver uma certificação da existência e respetiva licença de utilização ou construção.

O legislador veio estabelecer estes requisitos formais especiais mais alargados, de modo a tutelar

a parte que está na posição de maior fragilidade perante uma parte contratual mais forte, ou seja, o
promitente-comprador para que seja acautelado na sua reflexão, antes de celebrar estes negócios,

tendo consciência da sua relevância. Para além disso, visa a proteção de um interesse de ordem
pública: o combate à construção clandestina.

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FDUC – DOI 2017/2018

INVALIDADE CORRESPONDENTE À OMISSÃO DAS FORMALIDADES


Na versão original do artigo, a omissão destes requisitos só era invocável pelo promitente-

vendedor no caso de ter sido o promitente-comprador que diretamente (ou seja, intencional e
deliberadamente) lhe deu causa; na versão atual, o promitente-vendedor pode invocar a omissão

destes requisitos quando a mesma tenha ido culposamente causada pela outra parte – parte final do
artigo 410º/3. O propósito legislativo foi o de facilitar ao promitente-vendedor a invocação da

sanção correspondente à omissão dos requisitos formais prescritos, podendo fazê-lo quando esta se
deva a uma conduta negligente da outra parte.

Ora, de acordo com o artigo 220º CC, a nulidade pode ser invocada a todo o tempo por
qualquer uma das partes e também por terceiros. Contudo, como já se entendeu, o artigo 410º/3 CC

estabelece que, à partida, o promitente-vendedor só pode invocar a omissão dos requisitos quando
esta tenha sido causada com culpa pelo promitente-comprador, sendo que basta que tenha sido

causada com negligência (não é preciso dolo).


Já o promitente-comprador, à partida, pode invocar sempre a nulidade, exceto nos casos em

que há uma situação de abuso de direito (venire contra factum proprio), isto é, quando esta seja
causada por ele – artigo 334º CC. Isto sucede para proteger o promitente-comprador, pois é a parte

contratual mais débil, sendo que, à partida, quem provocaria estes vícios seria o promitente-
vendedor, já que impende sobre ele o dever de promover o cumprimento e a observância dos

requisitos, designadamente: o de providenciar a licença de construção ou utilização; e cabe-lhe


também recolher a assinatura do promitente-comprador e assegurar o reconhecimento presencial

respetivo.
Com efeito, o legislador visa tutelar os consumidores, sobretudo, numa área socialmente

muito sensível que é a de aquisição de habitação. Ora, se é o promitente-comprador que causa esta
omissão dos requisitos, cessam as razões de proteção e o promitente-vendedor já pode invocar esta

nulidade, pois trata-se de uma situação de abuso do direito.


Assim, não estando em causa interesses gerais da sociedade e do comércio jurídico mas tão-

só do promitente-comprador, a invalidade não deve ser invocável por terceiros nem oficiosamente

conhecida pelo tribunal. Assim, está-se perante um caso de anulabilidade, que só pode ser invocada
pela pessoa, no interessa da qual foi estabelecida. Contudo, ela pode ser invocada a todo o tempo,

sendo que esta é uma característica da nulidade. Assim, tratar-se-ia de uma situação de nulidade mas
114
FDUC – DOI 2017/2018
atípica. A nulidade não pode ser arguida por um terceiro, visto que o objetivo é proteger o

promitente-comprador.
Quando há tradição (entrega) da coisa – a que se refere o contrato-promessa –, o artigo

755º/1, f) CC estabelece que há direito de retenção até à retribuição dos créditos que lhe são
devidos, ou seja, o promitente-comprador pode reter a coisa. De acordo com o artigo 759º/2 CC,

este direito prevalece sobre a hipoteca, mesmo que tenha sido anteriormente constituída.
Ora, neste caso, a possibilidade de invocação de invocação da nulidade por terceiros, poderia

conduzir à invalidade do negócio, o que faria ceder o direito do promitente-comprador face ao seu
direito, subvertendo a intenção de proteção do promitente-comprador (exemplo: o Banco poderia

invocar a invalidade para fazer prevalecer a sua hipoteca e, assim, o promitente-comprador perdia o
seu direito de retenção).

REJEIÇÃO DA TESE DA NULIDADE INVOCÁVEL POR TERCEIROS E DE CONHECIMENTO

OFICIOSO
Qual a sanção correspondente à inobservância dos requisitos formais prescritos? Tratando-se

de requisitos formais, a doutrina e jurisprudência entenderam unanimemente que o problema seria


de nulidade do contrato-promessa (art. 220.º). Por conseguinte, começou igualmente a ser

entendido que se aplicaria integralmente o regime geral de nulidade, com a exceção da legitimidade
do promitente – vendedor para a arguir, prevista na parte final do artigo – exceção que motivou a

classificação da nulidade como uma nulidade mista.

CALVÃO DA SILVA tem opinião diferente: a preocupação fundamental deve ser a de adaptar o

regime da invalidade contido na parte final do art. 410.º/3 ao fim da norma, não devendo a
sanção ir para além deste fim. Assim, é necessário saber qual a ratio legis das formalidades previstas
no art. 410.º/3:

 Argumento da «ratio legis» : os requisitos formais prescritos visam a tutela dos promitentes -
compradores, sobretudo numa zona socialmente muito sensível, que é a da aquisição de habitação
própria, evitando que estes, por falta de preparação e por estarem perante promitentes-alienantes

profissionais, sejam vítimas de abuso, injustiças e imoralidades. O n.º 3 do art. 410.º tem, assim, em
vista proteger o promitente-comprador contra os inconvenientes resultantes da promessa de
alienação e aquisição de edifícios clandestinos.

115
FDUC – DOI 2017/2018
 Argumento da ordem pública de proteção ou ordem pública social: a ordem pública de
proteção opõe-se à ordem pública de direção, através da qual os poderes públicos realizam certos

objetivos de interesse geral e dirigem a economia nacional. Estes formalismos integram a ordem
pública de proteção, cujo objetivo é a de tutelar os consumidores, ou seja, a parte considerada

contratualmente mais débil. O legislador, em face dos abusos contratuais, imoralidades e injustiças
de que eram vítimas, na conjuntura económica, os promitentes – compradores de edifícios, veio em

auxílio destes, instituindo um controlo notarial, por julgar os promitentes-adquirentes impreparados


e incapazes de sozinhos defenderem os seus interesses.

Assim, não estando em causa interesses gerais da sociedade e do comércio jurídico mas tão-só

do promitente-comprador, a invalidade não deve ser invocável por terceiros nem oficiosamente

conhecida pelo tribunal.

 Invocabilidade por terceiros: um banco que goze de hipoteca sobre uma casa objeto de
contrato prometido não deve poder invocar a invalidade do art. 410.º/3 para deste modo afastar a

prevalência do direito de retenção que o legislador concede ao promitente-comprador que obteve a


traditio da casa (art. 759.º/2). A concessão do direito de retenção ao beneficiário da promessa foi
introduzida pela reforma de 1980 (DL 236/80); enquanto que a sua prevalência sobre hipoteca

anteriormente registada, alargando-se o âmbito desta proteção em nome da defesa do consumidor,


foi estabelecida pela de 1986 (DL 379/86). Ora, a arguição da invalidade por terceiros subverteria a

finalidade destas reformas e das formalidades prescritas para a proteção do promitente-comprador.


O mesmo se passaria com o conhecimento oficioso pelo tribunal.

 Invocabilidade pelo promitente-vendedor: a circunstância de estarem em causa formalidades


constitutivas da ordem pública de proteção faz com que a invocação da nulidade seja em princípio
reservada ao destinatário da proteção. É este o ensinamento da civilística francesa, segundo a qual,

no domínio da ordem pública de proteção, o direito de arguir a invalidade deve ser denegado
aquele contra quem a proteção tenha sido instituída. Assim, a lei não concede ao promitente-

vendedor o direito de invocar a invalidade decorrente da omissão das formalidades, porque o


presume culpado da celebração do contrato nessas circunstâncias e entende que não pode

prevalecer-se de uma disposição da proteção da outra parte. A lei presume que a omissão destes
requisitos é da responsabilidade do promitente-vendedor, pois é a ele que cabe assegurar o seu

116
FDUC – DOI 2017/2018
cumprimento: se não o fizer, a lei impede-o de arguir a invalidade decorrente dessa omissão, a

não ser que prove que esse incumprimento foi culpa da outra parte.

 A lei expressamente confere ao promitente-vendedor a faculdade de invocar a omissão


quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte – o que poderá ocorrer

frequentemente na inobservância do reconhecimento presencial respetivo.


 Todavia, em bom rigor, sempre que a omissão de formalidades se impute ao

promitente - comprador, a sanção adequada será a de denegar-lhe a arguição da invalidade, e não a


de reconhecer legitimidade ao promitente-vendedor, uma vez que este não precisa de proteção. Esta

faculdade concedida ao promitente-vendedor tem sentido em alternativa ao direito de conservação


do contrato: o promitente-vendedor deve ter a possibilidade de preferir o cumprimento e execução

específica da promessa. Assim, quando a falta do reconhecimento presencial se deva


deliberadamente ao promitente-comprador (e quando este tenha comportamentos que levem o

promitente-vendedor a confiar na manutenção do contrato, como o pagamento das prestações do

sinal), a este deve ser recusada a arguição da omissão através da figura do abuso do direito, uma
vez que esta excederia manifestamente os limites impostos pela boa fé (proibição do venire contra

factum proprium) e pelo fim social e económico desse direito. O abuso do direito é de conhecimento
oficioso pelo tribunal, tratando-se de um princípio supremo do Direito.

ADOPÇÃO DA TESE DA NULIDADE ATÍPICA

Compreende-se que está em causa uma invalidade com regime especial, o que leva Calvão
da Silva a defender que se trata de uma nulidade atípica:

 NULIDADE: o Dr. Calvão da Silva propende para a nulidade e não para a anulabilidade, uma
vez que a lei quer proteger o melhor possível o promitente-comprador, recusando automaticamente

os efeitos a que o contrato-promessa tende. É este elemento da exclusão da produção de efeitos,


ipso iure, sintónico com o escopo legal, que nos leva a dizer tratar-se de nulidade, já que, o carácter
automático é elemento essencial, indefetível, estrutural e diferenciador da nulidade. A nulidade é
invocável a todo o tempo.

 ATÍPICA: trata-se de uma nulidade atípica por ser invocável, não por qualquer interessado,
mas apenas pelo promitente-comprador – aproximando-se nesta medida do regime da

anulabilidade. É assim nula a cláusula pela qual o promitente-comprador renuncia antecipadamente

117
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ao direito de a inovar, para o proteger da sua própria inexperiência e inadvertência. E ainda por

dever ser passível de sanação ou convalidação, ou seja, é uma nulidade sanável. Pense-se, por
exemplo, na superveniente legalização da construção ou na ulterior apresentação da licença e no

posterior reconhecimento das assinaturas dos promitentes.

Diferentes são as formalidades relativas à forma imposta pelo artigo 410º/2 CC, que já integra a

ordem pública de direção, logo a invalidade correspondente à sua omissão constitui uma nulidade
típica, oficiosamente conhecida pelo tribunal e de que se pode prevalecer qualquer interessado. Já o

regime que melhor se adequa às finalidades das formalidades previstas no artigo 410º/3 é o da
nulidade atípica, próxima da anulabilidade, própria da ordem pública de proteção, de que se pode

prevalecer apenas o protegido.

Hoje, já há jurisprudência uniforme neste sentido – o Supremo Tribunal de Justiça acolheu a tese
do DR. CALVÃO DA SILVA, nos assentos de 28 de Junho de 1994 e 1 de Fevereiro de 1995, que hoje

funcionam como acórdãos uniformizadores de jurisprudência. Quanto à doutrina, ainda continua a


haver autores, nomeadamente ALMEIDA COSTA, que quanto à questão da falta de licença, como

está em causa o interesse público de combate à construção clandestina, o tribunal deve ser admitido
a conhecer oficiosamente a invalidade. Todavia, contra isto pode argumentar-se que não é

necessário desproteger o promitente-comprador para proteger o interesse público, este pode – e


deve – proteger-se no momento da celebração do contrato e não antes.

INCUMPRIMENTO DO CONTRATO-PROMESSA

NOTA: SÓ SE COLOCA O PROBLEMA DO INCUMPRIMENTO SE O CONTRATO FOR VÁLIDO,


POIS, SE NÃO FOR VÁLIDO, NÃO HÁ VINCULAÇÃO

Há incumprimento quando o promitente não celebra o contrato prometido, isto é, quando


não emite a declaração negocial. Por conseguinte, pode haver recurso a:

 Meios indemnizatórios, quando existe um incumprimento definitivo – esta situação ocorre,


quando o devedor não cumpriu a prestação no tempo devido e já não pode cumprir mais porque,

ou o prazo era absolutamente essencial, ou porque o credor já não tem interesse. Os meios
indemnizatórios estão ligados à resolução do contrato, que é uma forma de extinção da relação
contratual que dá lugar à indemnização (artigo 562º CC).

118
FDUC – DOI 2017/2018
 Execução específica, quando existe uma situação de mora ou um incumprimento temporário

– esta situação ocorre quando o contrato ainda pode vir a ser cumprido, pois houve um atraso na
realização da prestação mas o devedor ainda a pode realizar, uma vez que o credor ainda mantém

interesse no cumprimento. Portanto, o contrato definitivo ainda pode ser cumprido.

REGIME DO SINAL

O sinal, previsto no artigo 442º CC, traduz-se na entrega de uma quantia ou de uma coisa
fungível, ainda que a título de antecipação e princípio de pagamento.

O sinal pode ser:


 Sinal confirmatório: funciona como uma prova, para o exterior, da celebração do contrato,

visando reforçar o vínculo negocial e o cumprimento das obrigações assumidas.

 Sinal penitencial: o sinal é penitencial quando, através dele, as partes quiseram reservar (para
uma ou para ambas) a faculdade de retratação ou de recesso do contrato. É o “preço do

arrependimento” do incumprimento do contrato.

É a liberdade contratual que molda o carácter do sinal, cabendo ao tribunal apurar se as partes
quiseram um sinal confirmatório ou penitencial. Este é um problema de interpretação da vontade das

partes. Porém, em caso de dúvida, o sinal deve ter-se como confirmatório, só devendo valer como
penitencial quando tal resulte expressamente da lei (artigo 830º/2 CC) ou de uma inequívoca

vontade das partes. Ou seja, as partes é que sabem, elas é que qualificam, em princípio deduz-se das

suas declarações a natureza que tem o sinal. E quando não se deduz das suas declarações o que é

que nós devemos pensar? Na generalidade dos contratos, e também deveria ser assim no contrato

promessa, o sinal deve ter-se como confirmatório - porque essa função é que melhor se coaduna
com os princípios em matéria contratual, nomeadamente a pacta sunt servanda (os contratos são

para ser cumpridos) portanto quando as partes os celebram é com a intenção de os cumprir, e
entregam determinada quantia para confirmar esse mesmo cumprimento. E também com outras

regras que nós lidamos em matéria de não cumprimento, nomeadamente a do art. 809º CC que diz
que o credor não pode renunciar antecipadamente aos direitos/garantias decorrentes do não

cumprimento. No fundo, estar a estabelecer um sinal penitencial à partida será o renunciar


antecipadamente a uma das garantias do cumprimento, nomeadamente à execução específica -
nesse sentido diríamos que se as partes nada disserem devemos presumir que ele é confirmatório e

119
FDUC – DOI 2017/2018
não penitencial. Mas o legislador não fez isso relativamente ao contrato-promessa, e veio

presumir que o sinal tem natureza penitencial. E nós retiramos isso do art. 830º/2 CC quando

diz que é excluída a execução específica quando exista sinal ou convenção em contrário. Ou
seja, o sinal no contrato-promessa funciona como uma convenção contrária à execução específica -

em princípio, nos contratos-promessa sinalizados está desde logo afastada a execução específica do
mesmo (a execução específica é a celebração do negócio definitivo contra a vontade do promitente

faltoso). Assim o legislador no art. 830º/2 CC vem dizer que se existe sinal se presume que as partes
quiseram essa mesma exclusão da execução específica. Mais uma vez se trata de uma presunção

relativa (mas não deixa se ser uma presunção).


Isto só não será assim nos contratos do art. 410º/3 CC. Nestes casos nem a convenção expressa

das partes pode afastar a execução específica - esta tem natureza imperativa.
O sinal confirmatório, dirigindo-se a reforçar o vínculo negocial e a garantir o cumprimento das
obrigações, integra-se na regra geral do pacta sunt servanda. Já o sinal penitencial significa uma

renúncia prévia ao direito de pedir o cumprimento, e o nosso sistema jurídico consagra a regra da
irrenunciabilidade prévia deste direito (artigo 809º CC).

O sinal confirmatório tem uma dupla função:

1. Coerção ao cumprimento – o sinal visa reforçar o vínculo contratual, o sinal constitui indireta
medida de coerção ao cumprimento do contrato. O accipiens vê no sinal uma garantia e um reforço

da obrigação do tradens; enquanto este sente, com o desapossamento da coisa que entrega, razão
para sentir a pressão ao cumprimento.

2. Determinação prévia da indemnização em caso de incumprimento – se a finalidade


coercitiva falhar, ainda assim ele determina previamente o quantum indemnizatório,
independentemente do montante ou até da existência de dano efetivo. Não se pode aplicar aqui o

enriquecimento sem causa, dada a subsidiariedade desta figura.


[NOTA: quem constitui o sinal é o tradens e quem o recebe é o accipiens].

No CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA, presume-se que toda a quantia


entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor tem a natureza de sinal, ainda que a
título de antecipação ou princípio de pagamento do preço (artigo 441º CC). O que sucede

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FDUC – DOI 2017/2018
normalmente, na prática, é que o promitente-comprador, ao entregar, na celebração do contrato-

promessa, uma quantia pecuniária, antecipa a entrega parcial ou total do preço, ao mesmo tempo
que as partes qualificam a referida entrega como sinal – “entrega como sinal e princípio de

pagamento”.
Isto significa que, no contrato-promessa de compra e venda, é uma presunção ilidível que a

quantia que se entrega é sempre um sinal. Se se tratar de uma promessa unilateral de compra,
também se deve aplicar esta presunção, pois entende-se que a ratio legis do artigo pretende

abranger também estas situações, ou seja, todas as promessas celebradas no âmbito da compra e
venda – sejam unilaterais ou bilaterais. Se assim não fosse, não se poderia aplicar o regime do sinal

mas apenas o do preço de imobilização que é menos benéfico.


Nos demais contratos, a existência de sinal não é presumida – art. 440º CC. Assim, a entrega

por um dos contraentes ao outro de coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que
fica adstrito é havida como antecipação total ou parcial do cumprimento (se for parcial, falamos em

começo do cumprimento; se for total, em antecipação do cumprimento), salvo se as partes


expressamente lhe atribuírem carácter de sinal.

O REGIME DO SINAL (artigo 442º CC)

O Decreto-Lei 379º/86 veio dar nova redação aos artigos 442º e 830º CC, relativos ao sinal e
à execução específica do contrato-promessa. Ora, apesar de o artigo 442º disciplinar o regime geral

do sinal para todos os contratos, o legislador introduziu, no nº 2, segunda parte, e no nº 3, uma


regulamentação específica para o contrato-promessa, o que é criticado pelo Dr. Calvão da Silva –

seria preferível separar as regras do regime geral e do especial.

REGIME DO SINAL EM CASO DE CUMPRIMENTO – ART. 442º/1


Quando haja sinal, presumido (art. 441º) ou convencionado (art. 440º), a coisa entregue deve

ser imputada na prestação devida, ou restituída, quando a imputação não for possível – art. 442º/1.
Assim:

 No caso de cumprimento tempestivo do contrato, a coisa entregue pelo tradens a título de

sinal deve ser deduzida automaticamente à prestação devida, sem a intervenção ativa do
accipiens. É o que sucede via de regra, traduzindo-se a coisa entregue numa quantia
pecuniária.
121
FDUC – DOI 2017/2018
 Se a coisa entregue a título de sinal não for uma quantia em dinheiro mas um bem de outra

natureza, pode não ser possível a sua imputação na prestação devida, pelo que se impõe a
restituição da coisa entregue como sinal para se evitar o enriquecimento injustificado do

accipiens.

Já em caso de incumprimento do sinal, o artigo 442º CC estabelece as suas consequências


distinguindo-se (1) o incumprimento imputável do (2) incumprimento não imputável.

(1) Caso de incumprimento imputável a um dos contraentes

O incumprimento imputável ocorre quando há um incumprimento culposa de uma ou de ambas


as partes.

O artigo 442º/1 CC – que se aplica a qualquer contrato – estabelece que, quando haja sinal, a
coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for

possível, como sucede quando o incumprimento não é imputável ao promitente devedor, é restituída
a quantia ao promitente-comprador.

Já o artigo 442º/2 CC estabelece que:

 Se quem constituir o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe for imputável,
então o promitente-vendedor tem a faculdade de fazer sua a coisa entregue, originando a perda do

sinal.

 Se o incumprimento é imputável ao accipiens, este é obrigado à restituição no dobro do que


recebeu. Havendo incumprimento, o outro contraente tem o direito a resolver o contrato com

eficácia retroativa (artigo 432º e segs.), sendo o accipiens obrigado a restituir aquilo que recebeu.
Ora, esta não seria nenhuma sanção – apenas a restituição no dobro pode configurar uma sanção

pelo incumprimento culposo.

 Mas, se houve a tradição da coisa (entrega do bem sem que haja a transferência de

propriedade), o promitente-comprador pode optar pela restituição no dobro ou tem direito ao valor
da coisa ou ao valor intercalar da coisa que é determinado objetivamente, sendo a diferença entre o
valor da coisa objetivamente determinado à data do incumprimento face ao preço da coisa

122
FDUC – DOI 2017/2018
convencionado no contrato-promessa; deve, ainda, haver a restituição do valor do sinal em singelo e

da parte do preço que tenha pago.

SANÇÃO AGRAVADA = VALOR DA COISA OBJECTIVAMENTE DETERMINADO NO MOMENTO DO


INCUMPRIMENTO – VALOR DA COISA AO TEMPO DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO-PROMESSA

+ SINAL EM SINGELO + PARTE QUE TENHA PAGO = VALOR INTERCALAR DA COISA

Esta sanção agravada só faz sentido quando há um aumento da valorização da coisa, sendo que

constitui uma alternativa ao dobro do sinal. Para que exista este meio de tutela, é preciso que haja
tradição da coisa, pois, em regra, a expectativa da pessoa é mais forte e mais séria quanto à

celebração do contrato.
Estes são dois meios de tutela alternativos e não cumulativos, logo, só pode ser escolhido um
deles.
O Dr. Calvão da Silva entende que o regime do artigo 442º/2, 2ª parte, é de aplicação genérica,

ou seja, aplicável a todos os contratos-promessa com tradição da coisa a que se refere o contrato

prometido, independentemente do objeto deste.


O Dr. Calvão da Silva também defende a tese do “aumento do valor da coisa”. No entanto, a

razão de ser da tese do Dr. Calvão da Silva prende-se com aquelas situações em que o preço
convencionado não corresponde ao valor objetivo da coisa – por exemplo, por se tratar de um preço

de favor ou afetivo. Aqui, a indemnização que o promitente tradens do sinal terá direito será apenas
o aumento do valor da coisa, determinado objetivamente – diferença entre o valor objetivo atual e o

valor objetivo ao tempo da celebração do contrato.

 Esta interpretação decorre da ratio legis do art. 442.º/2, parte final, que visa evitar um regime
desrazoável, que importe um injustificável enriquecimento do contraente insatisfeito. Assim, quando

o preço não corresponda ao valor objetivo da coisa no momento da celebração do contrato, deve-se
atender a este e não aquele; interpretação que é favorecida pela fórmula “aumento do valor” (e não

do preço).
 Não se argumente contra isto com as incertezas de fixar o valor objetivo da coisa, reportado à
data da promessa. Cabe à parte interessada afastar a presunção de que o preço estipulado traduz o
valor real da coisa, o que não será difícil de demonstrar com base nos critérios do art. 883.º.

123
FDUC – DOI 2017/2018
 Não se argumente ainda que o beneficiário da promessa não cumprida deve ser indemnizado

do prejuízo que a violação do contrato lhe causou, sendo este prejuízo medido pela diferença entre
o preço e o valor da coisa. No entanto, não é exato que assim seja – o n.º 4 estatui que não há lugar

a qualquer outra indemnização, ou seja, o aumento do valor não contém outros prejuízos. Só se
houver estipulação em contrário é que o promitente-comprador poderá ir buscar indemnização de

dano maior.

 Onde for de concluir pela inexistência da traditio rei, deve o tribunal condenar na restituição
do dobro do sinal recebido, se tiver sido pedido o valor da coisa – que pede o mais pede o menos,
considerando-se aquele pedido contido neste. A sentença condena em quantidade inferior e não em

objeto diverso daquilo que foi pedido, logo não atenta contra o princípio do pedido (art. 609.º/1 do
Código de Processo Civil).

 Existindo traditio, o credor pode pedir o dobro do sinal em vez do valor da coisa, mas neste
caso o tribunal apenas pode condenar o devedor na restituição do sinal em dobro e vice-versa. Isto é

o que decorre do igualmente do art. 609.º/1 do Código de Processo Civil.

ANÁLISE DO ART. 442.º/3: INADEQUAÇÃO DA REFERÊNCIA À EXECUÇÃO ESPECÍFICA (1ª


PARTE)

A primeira parte do artigo 442º/3 CC estabelece que, em qualquer dos casos previstos no
número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica do

contrato, nos termos do artigo 830º CC.


Este preceito é altamente criticado por CALVÃO DA SILVA:

 Desde logo, o legislador disse mais do que queria – a possibilidade de requerer a execução
específica não é própria de qualquer contrato (como dispõe o art. 442º/2, 2ª parte), mas apenas dos

contratos-promessa. Deve-se, assim, fazer uma interpretação restritiva deste artigo, o que significa,
por conseguinte, que a traditio rei (entrega da coisa) não constitui requisito da execução específica.

 Nos termos do artigo 830º/1 e 2 CC, o direito à execução específica existe na falta de
convenção em contrário, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida, sem
mais requisitos ou condições. Assim sendo, a referência à execução específica é meramente remissiva
para o artigo 830º, e é uma remissão meramente supérflua e dispensável.

124
FDUC – DOI 2017/2018
 Além disso, o recurso à execução específica (direito ao cumprimento) por parte do credor

só tem sentido quando perdure o interesse deste na execução possível, lançando mão deste
mecanismo para evitar o incumprimento definitivo. Sempre que haja incumprimento definitivo, não

tem cabimento a execução específica, recorrendo o credor à resolução do contrato com direito à
indemnização compensatória do artigo 442º CC. Ora, se o regime do sinal foi sempre concebido

para a hipótese de incumprimento definitivo, não é correto o legislador fazer qualquer referência à
faculdade de execução específica, cujo pressuposto é a mora, pelo que se deve ter como não escrita

a primeira parte do artigo 442º/3.

O artigo 442º/3, in fine, consagra que, se o contraente não faltoso optar pelo aumento do valor

da coisa, o contraente faltoso pode opor-se, invocando a exceção de cumprimento, ou seja,


oferecendo-se para cumprir a promessa, celebrando-se o contrato [EXPLICAÇÃO PÁGINA

SEGUINTE+ “REMISSÃO” PARA EXECUÇÃO ESPECÍFICA]

ANÁLISE DO ART. 442.º/3: INAPLICABILIDADE DO SINAL EM CASO DE MORA (2ª PARTE)


A segunda parte do art. 443.º/3 dispõe: “se o contraente não faltoso optar pelo aumento do

valor da coisa ou do direito, como se estabelece no número anterior, pode a outra parte opor-se ao
exercício dessa faculdade, oferecendo-se para cumprir a promessa, salvo o disposto no art. 808.º”.
O artigo 808.º fixa duas maneiras em converter uma mora em incumprimento definitivo:

 1ª parte: prova da perda do interesse na prestação, que o n.º 2 completa dizendo que esta é
apreciada objetivamente (não se podem aceitar caprichos), ou seja, a mora consubstancia uma perda

objetiva e razoável de interesse.


 2ª parte: fala-nos da interpelação admonitória. Interpelar é intimar para cumprir, fixando um

prazo razoável para o cumprimento com a cominação ou admoestação da sanção de que, findo o
prazo e persistindo o incumprimento, declara-se o incumprimento definitivo (não exige que seja feita

por escrito, mas deve-se fazê-lo para efeitos de prova). É necessária a verificação cumulativa de três
requisitos:
 Interpelação;
 Num prazo suplementar peremptório;

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FDUC – DOI 2017/2018
 Com a cominação de uma sanção – continuando o incumprimento, o contrato tem-se como

definitivamente não cumprido, sendo automaticamente resolvido pela parte, que depois não
pode vir requerer a execução específica do contrato – esta ação não procederá (apesar de

haver acórdãos minoritários que aceitam isto).

Este preceito parece aplicar o regime do sinal à mora – mas será assim? CALVÃO DA SILVA
começa por fazer uma análise de todo o art. 442.º:
 O n.º 3, 2ª parte, remete para o n.º 2 (“como se estabelece no número anterior)”. Porém, o

n.º 2 pressupõe o incumprimento definitivo do contrato-promessa, como decorre das fórmulas “se
quem constitui o sinal deixar de cumprir” e “se o não cumprimento for devido”. Também a obrigação

de restituir o sinal e a parte do preço que se tenha pago mostra que a faculdade de exigir o valor da
coisa anda ligada à resolução do contrato-promessa acompanhado de tradição da coisa.
 Esta ligação decorre ainda do preâmbulo do DL 238/80: “a indemnização devida por causa da
resolução do contrato...”.

 A mesma conclusão se pode retirar da primeira parte do n.º 3, uma vez que só relativamente

ao direito de resolução a execução específica é alternativa, pela qual o credor opta se ainda for
possível e útil o cumprimento. Assim, o promitente-comprador só opta pela execução específica no

caso de mora ou provisório inadimplemento; logo que haja incumprimento definitivo, não tem
cabimento a execução específica, recorrendo-se à resolução com a indemnização do art. 442.º.

 Do n.º 4 resulta claramente que o aumento do valor da coisa, a perda do sinal ou o


pagamento em dobro deste são a indemnização devida pelo não cumprimento.

 Nos termos do art. 442.º/1, no caso de cumprimento do contrato, o sinal não é cumulável
com ele, antes devendo ser imputado na prestação devida. Pelo que não cabe um sinal moratório

cumulável com o cumprimento, nem, portanto, a opção pelo valor da coisa.


 Não é de crer na sobreposição da tutela moratória e compensatória nos mesmos termos e no

mesmo artigo, e sobretudo que previsse a mesma sanção indemnizatória para ilícitos tão distintos.
Nem seria razoável a lei substituir-se às partes e julgar sempre suficientemente grave qualquer mora

no contrato-promessa sinalizado, a ponto de a ficcionar equiparada a incumprimento definitivo.


 A perda do sinal dobrado ou o valor da coisa ligados à simples mora não se apresentam como
sanção razoável e proporcionada num contrato preparatório como é o contrato-promessa, em que
fatores múltiplos (principalmente quando esteja em causa a construção de prédios) vão contra uma
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FDUC – DOI 2017/2018
resolução automática por simples atraso. Pelo que a opção pelo valor da coisa, alternativa ao dobro

do sinal, não pode ser transformada em mais uma simples interpelação do promitente-vendedor
para que cumpra. A oferta do cumprimento pode ter lugar enquanto o credor não perder o interesse

ou enquanto a mora não se converter em incumprimento por interpelação admonitória, não fazendo
por isso sentido a ressalva do art. 808.º.

 O próprio direito de retenção, concedido ao promitente-comprador, não tem sentido na


mora, uma vez que o beneficiário da promessa não está obrigado a entregar a coisa, sendo esta uma

consequência da resolução.

Do exposto pode-se concluir que a 2ª parte do art. 442.º/3 é anómala e contraditória com os
restantes números do mesmo artigo:

 Quando o credor recorre ao regime do sinal, já deve ter convertido a mora em

incumprimento definitivo e resolvido o contrato mediante interpelação admonitória ou

mediante declaração à outra parte (art. 808.º) – a simples mora não atribui direito à resolução,
pressuposto da indemnização compensatória do sinal dobrado ou aumento do valor da coisa. Logo,

não faz sentido dar ao contraente faltoso, quando demandado para pagar o aumento do valor da
coisa, a possibilidade de se opor a esta faculdade, cumprindo o contrato – com a resolução do

contrato, o devedor já não pode cumprir e o credor deixa de poder exigir o cumprimento. E também
não tem qualquer utilidade a ressalva do art. 808.º, visto que se aplica previamente ao regime do

sinal.
 As sanções do sinal dobrado e do aumento do valor da coisa estão associadas – não tem

lógica atribuir-lhes regimes diferentes, uma vez que este surge como atualização daquele, com os
mesmos pressupostos e requisitos.

 A opção pelo valor da coisa em caso de mora não teria qualquer interesse, dado que se
trataria de uma mera interpelação, envolvendo a renúncia ao dobro do sinal no caso de

incumprimento definitivo do promitente-vendedor. Para o credor, é preferível manter em aberto a


opção (dobro do sinal ou valor da coisa), pelo recurso a uma verdadeira interpelação admonitória.

O que levou o legislador a consagrar este preceito? Ora, a 2ª parte do n.º 3 do art. 442.º parece
ter recebido inspiração na doutrina de MENEZES CORDEIRO, segundo o qual, quando o promitente-

comprador exigisse o valor da coisa, o promitente-vendedor poderia “sempre oferecer-se para


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FDUC – DOI 2017/2018
cumprir o contrato-promessa, antecipando-se à execução específica”, já que aquele teria sempre

interesse no cumprimento da prestação nos casos de aquisição de habitação. O art. 808.º não
funcionaria previamente ao regime do sinal, já que este poderia operar assim que haja mora – “quem

exija uma indemnização correspondente ao valor da coisa terá de se contentar com a própria coisa”.
Havendo incumprimento definitivo, o promitente faltoso teria de ressarcir, para além do valor da

coisa, os demais danos emergentes e todos os lucros cessantes (algo que está expressamente
negado no n.º 4).

Esta doutrina foi refutada por VASCO XAVIER, uma vez que é possível, em situações de
incumprimento definitivo do promitente-vendedor, que seja legítimo à contraparte recusar a oferta

tardia da celebração do contrato prometido (mesmo nos contratos relativos à habitação). Foram
estas duas posições que o legislador tentou conciliar, porém estas são inconciliáveis – a possibilidade

de o promitente faltoso oferecer o cumprimento é precludido pelo incumprimento definitivo e pela


opção de resolução do contrato feita pelo promitente-comprador. Note-se que a resolução de um

contrato constitui um direito potestativo, logo os efeitos impõem-se inelutavelmente à contraparte.

Assim, CALVÃO DA SILVA defende que se deve fazer uma interpretação abrogante do art.
442.º/3, 2ª parte.

Apesar de a jurisprudência nunca o ter reconhecido, a verdade é que este artigo não é aplicado.

REGIME DO SINAL EM CASO DE INCUMPRIMENTO IMPUTÁVEL A AMBOS OS CONTRAENTES


O caso de não cumprimento bilateralmente imputável do contrato deve ser resolvido pela

compensação de culpas concorrentes, verificados os respetivos pressupostos (art. 570º). Se as culpas


dos dois contraentes forem iguais, a indemnização deve ser excluída, ficando apenas o accipiens

obrigado a restituir o sinal em singelo. O facto de o não cumprimento ser imputável, em igual
medida, a ambas as partes, não deve extinguir o direito de resolução de uma delas – a culpa não é

pressuposto do direito de resolução.


A restituição do sinal em singelo terá igualmente lugar, por força do artigo 289º, na hipótese

de imputável impossibilidade originária (art. 280.º), ou qualquer outra causa de nulidade ou


anulabilidade do contrato. Pode aqui intervir a responsabilidade pré-contratual, por culpa in
contrahendo (art. 227º), se a exclusão do dever de indemnização não resultar do art. 570.º.

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FDUC – DOI 2017/2018
REGIME DO SINAL EM CASO DE INCUMPRIMENTO NÃO IMPUTÁVEL A QUALQUER DOS

CONTRAENTES
O regime jurídico do artigo 442º/2 pressupõe um incumprimento devido ao tradens ou ao

accipiens do sinal. Assim, em causa de incumprimento devido a causa não imputável a qualquer dos
contraentes, os efeitos do sinal não se produzem. Quando a prestação se torne impossível por causa

não imputável ao devedor, a obrigação extingue-se (extinguindo-se também a do devedor, pela


interdependência das prestações sinalagmáticas) – logo, a eficácia do sinal extingue-se, uma vez que

este é acessório da obrigação principal. O accipiens deve restituir a coisa que lhe foi entregue como
sinal, a fim de evitar o enriquecimento sem causa, sem haver lugar a indemnização por falta de culpa.

A restituição do sinal em singelo terá igualmente lugar, por força do artigo 289º, na hipótese
de não imputável impossibilidade originária (art. 280.º), ou qualquer outra causa de nulidade ou

anulabilidade do contrato.

A EXECUÇÃO ESPECÍFICA
Começa-se por dizer que o pressuposto da execução específica é a mora, não o

incumprimento definitivo. Com efeito, se um dos promitentes não cumpre pontualmente, e o outro
intenta a ação de execução específica, é porque o credor considera, como simples atraso, a violação

do devedor e está ainda interessado na prestação. Ao invés, se este não tivesse mais interesse na
prestação, consideraria a violação como incumprimento definitivo e optaria pela resolução do

contrato.
Isto porque a execução específica equivale, em última instância e no plano funcional, à ação

de cumprimento: enquanto esta visa a condenação do devedor no cumprimento, aquela produz


imediatamente os efeitos da declaração negocial do faltoso. Através da sentença constitutiva prevista

no artigo 830º, que é uma sentença substitutiva da declaração negocial do promitente faltoso, o
credor obtém o cumprimento funcional da promessa, ou seja, o resultado prático do cumprimento.

Este efeito produz-se imediatamente e mesmo contra a vontade do promitente faltoso, sem ter de
recorrer à sentença de condenação nem ao processo executivo.

Em suma: a execução específica supõe que o cumprimento ainda é possível. Com a execução

específica é apenas cumulável uma indemnização moratória. A ação de execução específica permite
obter uma sentença judicial com eficácia constitutiva, na qual o Tribunal se substitui à declaração

negocial da parte faltosa e dá como concluído o contrato.


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FDUC – DOI 2017/2018
O artigo 830º CC estabelece três pressupostos que têm de se verificar para se aplicar a

execução específica:
1º. Mora: tem de haver um incumprimento temporário da prestação, um atraso, sendo que, se

as partes fixaram um prazo, há mora (como prevê o artigo 805º/2, a) CC); se as partes não fixaram
um prazo, é necessário que haja interpelação do devedor para cumprir judicial ou extrajudicialmente,

como prevê o artigo 805º/1 CC.

2º. Inexistência de convenção em contrário: as partes podem afastar a execução específica


por convenção expressa ou tácita. O artigo 830º/2 CC prevê que existe convenção em contrário

sempre que existir sinal ou tiver sido fixada uma pena: é uma presunção.
Ao entregar o sinal, presume-se que as partes quiseram afastar a execução específica, logo, reservar

o direito ao arrependimento (sinal penitencial). Assim, não só se presume que tem carácter de sinal
toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente vendedor (art. 441º), como

ainda esse sinal se presume penitencial no art. 830.º/2. CALVÃO DA SILVA critica severamente esta
opção:

 O direito de arrependimento não se coaduna com os princípios fundamentais do direito das


obrigações, como o são o pacta sunt servanda e a irrenunciabilidade prévia ao direito de exigir o

cumprimento das obrigações (art. 809.º).

 No contrato promessa já se admite como regra a possibilidade de as partes convencionarem a

exclusão da execução específica, num claro desvio ao regime geral do art. 809º.

Esta solução é exagerada, e se os promitentes querem reservar o direito de arrependimento,

deverão manifestar vontade inequívoca neste sentido. A natureza do sinal deve antes presumir-se
confirmatória, em conformidade com o início de cumprimento do contrato expressamente querido.

3º. A não oposição da natureza da obrigação assumida: tendo em conta que o juiz, na
declaração negocial, se substitui ao promitente faltoso, só pode haver execução específica quando a

natureza da obrigação assumida não se oponha à mesma, o que sucede:


 Nos contratos em que há uma natureza pessoal das prestações do promitente;

 Nos contraentes reais quanto à constituição (mútuo, depósito e comodato), em que não basta
o consenso, é necessário um ato material de entrega, tendo de haver traditio, sendo que o

Tribunal não pode substituir esse ato, pois é um ato estritamente pessoal.

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EXECUÇÃO ESPECÍFICA IMPERATIVA

Nos termos do art. 830.º/3, o direito à execução específica não pode ser afastado pelas

partes nas promessas a que se refere o art. 410.º/3. Pelo que a cláusula que exclua a execução é
nula, não valendo qualquer convenção em contrário, expressa ou tácita, incluindo-se nesta a

presunção legal do n.º 2. Nada obsta, porém, à renúncia após a violação da promessa ou atraso no
cumprimento. Fala-se aqui de uma execução específica imperativa.

Já a 2ª parte do art. 830.º/3 dispõe que o promitente faltoso pode requerer, na ação de
execução específica, a modificação do contrato por alteração das circunstâncias, ainda que esta seja
posterior à mora. Enquanto que a possibilidade de invocar a alteração das circunstâncias na execução
específica é geral e existe também nos casos do art. 830.º/1, por força do princípio da equiparação, a

possibilidade de modificação da promessa ainda que a alteração seja posterior à mora já se deve
considerar exclusiva das promessas do art. 410.º/3. Trata-se de uma exceção introduzida pela

reforma de 1986, por se mostrar “necessária ao relativo equilíbrio de posições das partes”. CALVÃO
DA SILVA não é sensível a esta argumentação, uma vez que não existem motivos sérios que

justifiquem este privilégio do promitente faltoso relativamente aos devedores.

REGISTO DA AÇÃO DE EXECUÇÃO ESPECÍFICA E DUPLA ALIENAÇÃO IMOBILIÁRIA


Nos termos do art. 3.º/1/a) do Código do Registo Predial, estão sujeitas a registo as “ações

que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a


extinção de” direitos reais sobre bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo. A ação de execução

específica tem por fim a celebração do contrato prometido – logo, tratando-se da promessa de
venda de imóveis, a ação de execução específica está sujeita a registo, uma vez que a celebração do

contrato definitivo pela sentença transfere a propriedade da coisa.


O registo da ação, feito nos termos do art. 53.º do Código de Registo Predial, é provisório

por natureza (art. 92.º/1/a) CRPred). Quando transitada em julgado, a decisão final está igualmente
sujeita a registo (art. 3.º/1/c) CRPred), sendo este feito por averbamento à inscrição da ação, nos

termos do art. 101.º/2/b). O legislador estabelece que “o registo convertido em definitivo conserva a
prioridade que tinha como provisório, o que significa que a publicidade se inicia com o registo da
ação, com a consequência da ineficácia perante o autor das transmissões da coisa registadas depois
do registo da ação. A prioridade do registo da sentença reporta-se ex lege à data do registo da ação.

131
FDUC – DOI 2017/2018

Assim, CALVÃO DA SILVA critica a posição firmada pelo STJ, no Acórdão 4/98: a execução
específica não é admitida no caso de impossibilidade de cumprimento por o promitente-vendedor

haver transmitido o seu direito real sobre a coisa antes de registada a ação, ainda que o terceiro
adquirente não haja obtido o registo da aquisição antes do registo da ação pois esta não confere

eficácia real à promessa. Com efeito, com o registo da ação, não se confere eficácia real à promessa,
ou seja, o direito de crédito do promitente-comprador é inoponível ao terceiro-adquirente do

promitente-vendedor. Porém, aplicando as regras gerais do registo, o registo da sentença favorável

ao promitente-comprador prevalece sobre o registo da aquisição de terceiro ao promitente-

vendedor feito depois do registo da ação, ainda que a venda tenha sido anterior. Ou seja, uma
vez registada a ação de execução específica, a alienação a terceiro da coisa objeto do contrato

prometido é ineficaz, pois tudo se passa como se tivesse sido o próprio promitente-vendedor a
alienar a coisa ao promitente-comprador na data do registo da ação: ao produzir os efeitos da

declaração negocial do faltoso, a sentença celebra o contrato definitivo de compra e venda e o seu
registo produz efeitos desde o registo da ação. Este mecanismo publicitário torna cognoscível a

terceiros a possibilidade de a titularidade registada a favor do réu vir a ser prejudicada pela
pretensão do autor, caso este obtenha ganho de causa. Por outro lado, não existe qualquer

impossibilidade de execução específica quando a venda a terceiro anteceda o registo da ação, como
defende o STJ, uma vez que a venda celebrada pela sentença prevalece nos termos em que vimos.

QUANTO À EFICÁCIA REAL: 413º CC


A eficácia real conduz a que o direito do promissário ou do promitente seja oponível a

terceiros – é, assim, um direito de crédito com eficácia ampliada.


Ora, se o promitente-vendedor estiver em incumprimento por ter vendido o bem a um

terceiro, a venda é inválida e não é oponível ao promitente-comprador, podendo haver execução


específica, pois o bem ainda se encontra na propriedade do promitente-vendedor (isto se houver

eficácia real!).
Se houver apenas eficácia obrigacional, a promessa não é oponível a terceiros, sendo possível
que um terceiro adquira a propriedade, logo, o promitente-vendedor já não pode vender a coisa ao

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FDUC – DOI 2017/2018
promitente-comprador, pois há falta de legitimidade da sua parte. Não pode, portanto, haver

execução específica, pois o Tribunal estaria a legitimar a venda de coisa alheia.


Contudo, têm surgido situações em que, não havendo eficácia real da promessa, a

jurisprudência tem considerado que pode haver execução específica nos casos em há venda a
terceiros. São hipóteses em que as ações de execução específica são suscetíveis de registo, assim

como a própria sentença de execução específica, quando se reporte a bens registados – se a ação de
execução específica tiver sido registada antes de o terceiro ter registado a aquisição do bem, sendo

que o terceiro adquiriu a propriedade antes do registo de ação, contudo, registou-a depois do
registo da ação de execução específica.

Ora, a sentença de execução específica retroage ao momento do registo de ação de executiva


específica, sendo que é como se a aquisição do bem tivesse operado à data do registo de ação de

execução específica.
O Dr. Calvão da Silva argumenta que se verifica uma situação de terceiros para efeitos de

registo, prevalecendo o direito primeiramente registado.


Nas promessas em que haja tradição de coisa e o promitente-comprador fez benfeitorias,

perante o incumprimento definitivo, se ele só tiver direito ao dobro do sinal, isso levaria a um
enriquecimento sem causa do promitente-vendedor, pois a coisa é-lhe devolvida. Assim, há o direito

ao valor das benfeitorias.


Perante um contrato-promessa bilateral, quando há o decurso do prazo e a declaração

antecipada de não cumprimento, isto é, o devedor, de forma inequívoca, esclarece o credor que não
está disposto a cumprir a prestação, esta declaração equivale a um incumprimento definitivo, o que

leva à aplicação dos meios indemnizatórios do artigo 442º/2 ou 3 CC, sendo que pode optar entre
o regime do sinal e a execução específica.

O DIREITO DE RETENÇÃO: artigo 755º/1, f) CC

O Decreto-Lei nº 236/80 veio conceder ao promitente-comprador, no caso de ter havido


tradição da coisa objeto do contrato definitivo, o direito de retenção sobre a mesma, pelo crédito

resultante do incumprimento (artigo 442º/2). Note-se que o direito de retenção, nos termos do

artigo 759º/2, prevalece sobre a hipoteca, ainda que anteriormente registada (logo, prevalece
também sobre o penhor).

O direito de retenção serve uma finalidade dupla:


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FDUC – DOI 2017/2018
1) Funciona como uma garantia – é um direito real de garantia.

2) Visa constranger o promitente-vendedor ao pagamento do crédito resultante do


incumprimento – por força da eficácia retroativa da resolução do contrato, o promitente-comprador

teria de restituir tudo o que lhe fora prestado; possuindo o direito de retenção da coisa, este constitui
um meio de coação fortíssimo ao cumprimento.

ÂMBITO E REQUISITOS DE APLICAÇÃO DO DIREITO DE RETENÇÃO

Para que o promitente-comprador seja titular do direito de retenção, é necessário que se


verifiquem os seguintes requisitos:

1. Traditio rei: goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou


constituição de direito real que obteve a tradição da coisa objeto do contrato prometido.
 Neste contexto, pode dizer-se que o titular do direito de retenção é o

beneficiário de qualquer contrato-promessa com traditio rei – coisa imóvel ou móvel, rústica
ou urbana, para habitação, comércio, etc. – e não só do contrato-promessa previsto no artigo

410º/3 CC. O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que não
obteve a tradição da coisa não goza de direito de retenção, daí que um dos pressupostos

necessários do direito de retenção é o de o devedor estar obrigado a entregar a coisa que


detém lícita e legitimamente a título de possuidor ou mero detentor à pessoa de que é,

simultaneamente, credor.
2. Crédito resultante do incumprimento: o que está em causa é o crédito (dobro do sinal,

valor da coisa ou indemnização convencionada nos termos do art. 442.º/4) derivada do

incumprimento definitivo, de que o direito de retenção constitui garantia acessória.

Quais os mecanismos jurídico-processuais de aplicação do direito de retenção? Desde logo, o


titular do direito de retenção pode:

 Usar das ações destinadas à defesa da posse (art. 670º/a) e arts. 758º e 759º/3);

 Executar a coisa retida (art. 675º e arts. 758º e 759º);

 Ser pago com preferência sobre os demais credores (art. 666º, por força dos arts. 758º e
759º);

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FDUC – DOI 2017/2018
 Recorrer aos embargos de terceiro, em caso de diligência ordenada judicialmente que não

acarrete a caducidade do seu direito.

A caducidade do direito de retenção ocorre em consequência da venda executiva (art. 824º/2): o


bem é transmitido livre dos direitos de garantia que o oneram. Esta é a forma de a lei proteger os

compradores nestas vendas forçadas, uma vez que o direito de retenção (ao contrário da hipoteca,
que é sujeito a registo) não tem qualquer forma de publicidade. Por outro lado, o artigo 824º/3 diz-

nos que o direito de crédito do promitente-comprador se transfere para o produto da venda – há


uma sub-rogação do objeto.

Assim, na hipótese de diligência judicial de que resulte a caducidade do direito de retenção, o


promitente-comprador não poderá embargar de terceiro para fazer valer o seu direito de retenção,

uma vez que este caducou (art. 824.º/2).

O PACTO DE PREFERÊNCIA
O pacto de preferência, previsto nos artigos 414º e seguintes, é o contrato pelo qual alguém

assume a obrigação de, em igualdade de condições, escolher determinada pessoa (a outra parte ou
terceiro) como seu contraente, no caso de se decidir a celebrar determinado negócio.

Os pactos de preferência são admitidos em relação à compra e venda (art. 414º), mas
também relativamente a todos os contratos onerosos em que faça sentido a opção por certa pessoa

sobre quaisquer outros concorrentes (art. 423º).


As condições em que adquire têm de ser iguais às de qualquer terceiro, simplesmente a

pessoa tem preferência mas relativamente às mesmas condições (preço, prazo de pagamento, etc),
ou seja, em igualdade de condições. Ora, isto só sucede na eventualidade de a pessoa se decidir a

vender. O obrigado à preferência não perde a sua liberdade de celebração mas perde a sua
liberdade de escolha do co-contraente, mas apenas se a pessoa decidir exercer o seu direito de

preferência.
Quanto à forma do pacto de preferência, o artigo 415º CC estabelece que se aplicam as

regras de forma do contrato-promessa, do artigo 410º/2 CC: vale a exceção ao princípio da


equiparação, pois para o pacto de preferência exige-se menos forma do que para o contrato
projetado, sendo que, se para o contrato projetado a lei exigir escritura pública ou documento
particular autenticado ou documento particular, o pacto de preferência tem de constar de

135
FDUC – DOI 2017/2018
documento particular assinado pela parte que se vincula, pois é unilateral. [NOTA: é de salientar que,

da estrutura do pacto de preferência, resultam algumas características fundamentais: para além de se


apresentar como unilateral, no sentido em que apenas uma das partes se vincula, permanecendo o

beneficiário livre de exercer ou não o direito que lhe assiste, há ainda que referir o exercício de uma
obrigação condicionada – o contraente obrigado a dar preferência só terá de o fazer, se vier a

projetar-se a realização do contrato em causa e se tal projeto for aceite].


Este contrato não inibe o obrigado à preferência de estabelecer negociações paralelas com

terceiros, para saber que condições é que vai comunicar ao preferente, sendo que tem de “auscultar
o mercado” para saber as condições de preço e outras, que qualquer terceiro lhe pode propiciar.

O artigo 416º CC estabelece que, quando decida vender a coisa que é objeto do pacto, o
obrigado à preferência tem de proceder à notificação, isto é, tem de comunicar ao preferente o

projeto de venda definitivo, uma proposta completa, precisa e concreta, que lhe permita conhecer as
condições, as cláusulas do contrato projetado, sendo que tem de ser uma comunicação completa

relativamente aos elementos essenciais do negócio. Ora, se ele vier a celebrar o contrato em
diferentes condições das comunicadas ao preferentes, há uma violação do direito do preferente,

logo, há incumprimento do pacto de preferência.


O artigo 416º/2 CC estabelece um prazo supletivo de oito dias para o preferente exercer o

seu direito de preferência, sob pena de caducidade, sendo que pode ser estabelecido num prazo
diferente pelas partes mais curto ou mais longo.

O direito do preferente é um direito de crédito e pode ser suscetível de violação se o obrigado


à preferência:

 Não notificar o preferente para o exercício do seu direito;

 Notificou o preferente e não aguardou o decurso do prazo supletivo ou do prazo que tenha

sido estabelecido;

 Notificou o preferente, aguardou o prazo mas as cláusulas notificadas foram diferentes das

que se verificaram no negócio que veio a concluir com terceiro;

 Notificou o preferente, ele manifestou a vontade de exercer o seu direito e o promitente não

respeitou essa vontade e vendeu a terceiro.

Todas estas situações representam casos de violação da preferência.

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FDUC – DOI 2017/2018
Nos casos em que há uma notificação de cláusulas diferentes das que se verificam no negócio

celebrado com terceiro, pode suceder que, a esta violação de preferência, esteja ligada uma situação
de simulação de preço na venda que foi feita a terceiro, havendo uma divergência intencional entre a

vontade e a declaração, sendo o preço real inferior ao preço declarado para afastar o preferente, ou
o preço declarado é inferior ao preço real por questões fiscais.

Podem ser intentados dois tipos de ações que constituem dois meios de tutela do preferente:
 Ação de simulação: tem de ser intentada contra o terceiro e contra o promitente; gera a

nulidade do negócio que determina a restituição da coisa na esfera jurídica do obrigado à


preferência, permitindo ao preferente exercer o seu direito de preferência, o qual pode ser invocado

a todo o tempo.
 Quando o preço real for superior ao preço declarado, o preferente tem de preferir pelo preço

real.
 Quando o preço declarado for inferior ao preço real – como é um terceiro de boa fé – ele vai

preferir pelo preço inferior, pois não lhe é oponível a nulidade de simulação quanto ao valor,
segundo alguns autores; já outros autores, consideram que ele deve preferir pelo preço real

que é superior, pois, caso contrário, estaria a enriquecer à custa do obrigado à preferência.
 Ação de preferência: quando o preferente quer efetivar o seu direito, o artigo 1410º CC

estabelece que dispõe do prazo de 6 meses a contar do conhecimento dos elementos essenciais
desse contrato.

No pacto de preferência também tem de se ter atenção ao facto de ter eficácia real:
 Se o pacto de preferência tiver eficácia real, o artigo 421º CC remete para o artigo 413º CC

que estabelece os requisitos para a atribuição de eficácia real, sendo que tem de se tratar de um bem
imóvel ou bem móvel sujeito a registo.

 A doutrina tradicional restringe a ação de preferência aos casos em que o pacto goza de
eficácia real, pois tem a publicidade garantida por registo, sendo o direito oponível a terceiros.

Através da ação de preferência, prevista no art. 1410.º, o preferente irá ocupar o lugar do terceiro, ou
seja, este é sub-rogado pelo verdadeiro preferente – a procedência da ação de preferência tem

como resultado a substituição do adquirente pelo autor, com efeito retroativo, no contrato
celebrado, tudo se passando como se o contrato tivesse sido celebrado entre o alienante e o
preferente. O prazo para intentar esta ação é de 6 meses a partir do conhecimento dos elementos

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essenciais da alienação, devendo o preferente depositar o preço do negócio nos 15 dias posteriores à

propositura da ação. Se a violação da preferência tiver sido precedida de promessa de venda ao


adquirente, mantém-se o prazo de 6 meses, porém, esta pode servir de objeto à ação quando o

alienante não se tiver reservado ou a lei não lhe conceder o direito de arrependimento.

Se o pacto de preferência tiver apenas eficácia obrigacional, há lugar a indemnização por perdas

e danos, ou seja, pelo interesse contratual negativo, sendo que ele vai ser colocado na posição em
que estaria, se não tivesse confiado na válida celebração do contrato (artigo 562º e ss. CC).

O artigo 422º CC estabelece que, em caso de conflitos entre direitos de preferência, prevalece
sempre o direito legal de preferência e decai o direito convencional de preferência, sendo que o

preferente só tem direito à indemnização.


Se o preferente registar a preferência, prevalece o seu direito de preferência sobre terceiros.

Assim, se há uma venda a terceiro, ele pode exercer a ação de preferência relativamente àquele
negócio. Se o terceiro já tiver vendido a outrem, o preferente já não pode exercer o seu direito de

preferência, o qual se esgota nessa alienação.


Já no caso de preferência legal, esta ressurge sempre que o adquirente venha a alienar a coisa.

 O artigo 417º/1 CC estabelece que o obrigado à preferência pode só estar disposto a vender
a coisa quando ela seja vendida conjuntamente com outras coisas por um preço global. Ora, quando

puder haver a separação do preço da coisa relativamente à qual há a preferência, o preferente pode
exercer o seu direito de preferência apenas relativamente a essa coisa, sendo que o seu preço tem de
ser definido proporcionalmente. Contudo, quando essa separação provocar um prejuízo muito grave,
o preferente só pode exercer a preferência relativamente à globalidade dos bens.

 O artigo 418º CC estabelece que, se para além do preço, é imposta uma prestação acessória –
que o preferente está em condições de satisfazer – se ela puder ser avaliada em dinheiro, ele tem de

pagar o respetivo montante. Se não for avaliável em dinheiro, é excluída a preferência, a não ser que
se comprove que a prestação acessória é fraudulenta.

 O artigo 418º/2 CC estabelece que se aprestação acessória for fraudulenta e tiver tido como
propósito afastar o preferente, ele não tem de a satisfazer.

 O artigo 419º CC refere-se à pluralidade de preferentes, distinguindo-se duas situações:

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I. Titularidade conjunta, 1ª parte: a preferência deve ser exercida conjuntamente por todos os

seus titulares, como no caso de dois ou mais herdeiros haverem sucedido ao titular de um direito de
preferência que os interessados consideraram transmissível por morte (art. 420.º). Nesse caso, se

algum dos interessados não puder ou não quiser usar da preferência, o direito dos restantes amplia-
se imediatamente a todo o objeto do pacto.

II. Titularidade disjuntiva ou sucessiva, 2ª parte:

 Titularidade disjuntiva: o direito pertence a vários titulares mas apenas pode ser
exercido por um deles. Se não chegarem a acordo, abrir-se-á uma licitação entre eles, a partir

do preço estipulado, revertendo o excesso a favor do alienante.

 Titularidade sucessiva: existe uma ordem de preferência entre os vários titulares, que

deve ser observada (se não prefere o primeiro, prefere o segundo, etc.).

FIGURAS PRÓXIMAS

O pacto de preferência não se confunde com:


 Contrato promessa: enquanto no contrato-promessa o promitente obriga-se a contratar, no

pacto de preferência o vinculado não se obriga a contratar, prometendo apenas, se contratar, preferir
certa pessoa a qualquer outro interessado.

 Venda a retro: a venda a retro assenta sobre uma cláusula resolutiva e implica a faculdade de
resolução da venda anterior por simples declaração de vontade do vendedor. O pacto de preferência

prevê a celebração de um contrato futuro, sobre o qual se exerce então o direito conferido ao titular
da preferência.

 Pacto de opção: consiste na declaração contratual de uma das partes num contrato em
formação, enquanto o pacto de preferência prevê a celebração de um eventual contrato futuro.

OS CONTRATOS
 Contratos Unilaterais: dizem-se unilaterais os contratos dos quais resultam obrigações só

para uma das partes. O contrato é sempre um negócio jurídico bilateral, visto nascer do enlace de
duas (ou mais) declarações de vontade contrapostas e ter assim sempre duas partes. Mas há

139
FDUC – DOI 2017/2018
negócios bilaterais – contratos – que só criam obrigações para uma das partes: doação, comodato,

mútuo, etc. Estes sãos os contratos unilaterais.


 Contratos Bilaterais: dos contratos bilaterais (ou sinalagmáticos), não só nascem obrigações

para ambas as partes, como essas obrigações se encontram unidas uma à outra por um vínculo de
reciprocidade ou interdependência. Fala-se em sinalagma genético para significar que, na sua raiz do

contrato, a obrigação assumida por cada um dos contraentes constitui a razão de ser da obrigação
contraída pelo outro. O sinalagma funcional aponta essencialmente para a ideia de que as

obrigações têm de ser exercidas em paralelo (visto que a execução de cada uma delas constitui, na
intenção dos contraentes, o pressuposto lógico do cumprimento da outra) e ainda pressupõe a ideia

de que a impossibilidade de realização de uma das prestações, repercute-se necessariamente no


ciclo vital da outra prestação. Portanto, conclui-se que o sinalagma liga entre si as prestações

essenciais de cada contrato bilateral, mas não todos os deveres de prestação dele nascidos. Porquê?
Por que existem os contratos bilaterais imperfeitos: aqueles que em princípio só geram deveres para

uma das partes, mas dos quais brotam acidentalmente deveres para a outra no desenvolvimento da
relação contratual, sem que entre as obrigações de um e outro dos contraentes se estabeleça,

todavia, o nexo psicológico-jurídico, próprio do sinalagma.


 Contratos Onerosos: diz-se oneroso o contrato em que a atribuição patrimonial efetuada por

cada um dos contraentes tem por correspetivo, compensação ou equivalente, a atribuição da mesma
natureza proveniente do outro. Para alcançar ou manter a atribuição patrimonial da contraparte,

cada contraente tem o ónus de realizar uma contraprestação.


 Contratos Gratuitos: é gratuito o contrato em que, segundo a comum intenção dos

contraentes, um deles proporciona uma vantagem patrimonial ao outro, sem qualquer correspetivo
ou contraprestação.

CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO

1. NOÇÃO

O contrato a favor de terceiro é o contrato pelo qual uma das partes (promitente) se obrigada

perante outra (promissário) a realizar uma prestação (de coisa ou de facto) a favor de terceiro,
estranho à relação contratual – art. 443.º. Algumas notas sobre os termos em que a lei admite este
contrato:

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FDUC – DOI 2017/2018
 Apesar de não estar previsto no Código de Seabra, o Código de 1966 veio admitir em termos

bastante amplos os contratos a favor de terceiro. O requisito estabelecido para a validade destes
contratos é paralelo ao que vigora para a constituição de qualquer obrigação: o promissário tem de

ter na prestação prometida ao terceiro um interesse digno de proteção legal, ou seja, um interesse
sério, atendível à luz da ordem jurídica, em atribuir o direito ao terceiro beneficiário. Este interesse

pode revestir carácter patrimonial ou não.


 O contrato a favor de terceiro pode ter eficácia meramente obrigacional (n.º 1) ou ainda

eficácia real (n.º 2) – através deste, as partes podem remitir dívidas e constituir, modificar, transmitir
ou extinguir direitos reais.

 Não é essencial a esta figura o carácter gratuito da vantagem proporcionada ao beneficiário.

Exemplos de contratos a favor de terceiro:


 A promete a B pagar a dívida de C;

 A promete a B dar de hipoteca uma sua casa a um empréstimo que C quer contrair junto do
banco;

 A celebra com B, companhia seguradora, um contrato de seguro de vida a favor de C.

2. FIGURAS PRÓXIMAS

 Contratos autorizativos de prestação a terceiro: são contratos cuja prestação principal se

destina a terceiro, mas sem que este adquira previamente, segundo a intenção dos contraentes e o
próprio conteúdo do contrato, qualquer direito de crédito à prestação. Não há nestes casos

nenhuma obrigação que o devedor assuma perante o terceiro destinatário. Ao contrário, no contrato
a favor de terceiro, os contraentes procedem com a intenção de atribuir, através dele, um direito de

crédito a terceiro. São exemplos de contratos autorizativos de prestação a terceiro:


 A compra na florista B um ramo de flores para ser enviado a C;

 A, lavrador, obrigado a fornecer 5 00 litros de azeite a um armazém C e não chegando


a sua produção, compra ao lavrador vizinho B a quantidade em falta, com a indicação
do armazém C para onde deve ser remetido.

 Contratos com eficácia de proteção em relação a terceiros (Bibliografia: CALVÃO DA SILVA,


Responsabilidade civil do produtor): os contratos com eficácia de proteção em relação a terceiros são
contratos com eficácia protetora ou proteção acessória para terceiros, ou seja, frente aos quais gera
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certos deveres de conduta ou deveres de proteção, fundando uma relação obrigacional secundária,
sem qualquer dever primário de prestação. Esta figura foi inicialmente criada pela jurisprudência
alemã a coberto do contrato a favor de terceiro, mas rapidamente se emancipou deste, na esteira da

distinção de STOLL entre obrigações de prestação e obrigações de proteção, sendo que aqui se
estendem a terceiros apenas obrigações de proteção e não de prestação. Os terceiros não têm, assim

nenhum direito à prestação principal nem direito ao cumprimento, distinguindo-se nesta medida do
contrato a favor de terceiro. São exemplos de contratos com eficácia de proteção para terceiros:

 A dá de arrendamento uma casa a B, pai de família. Em virtude de defeitos nela existentes,

ocorre um acidente que fere o inquilino e a sua mulher e filhos. Apesar de estes não serem
titulares da prestação principal, o dever acessório de manutenção da segurança do imóvel

(dever lateral integrante da obrigação do locador assegurar o gozo da coisa locada)


estende-se aos restantes familiares, que por isso também podem pedir uma indemnização

ao senhorio. Está por isso em causa um alargamento da responsabilidade contratual face a


pessoas que não são partes contratuais, devido à rigidez e desvantagem da
responsabilidade extracontratual.

Que terceiros são estes abrangidos no círculo de proteção? Tendo em conta que está
precisamente esse alargamento da responsabilidade, com afrontamento do princípio da relatividade

dos efeitos dos contratos, a jurisprudência e a doutrina alemã limitam este contrato a uma situação
de “contacto social”, caracterizada pelos três elementos seguintes:

 Proximidade dos terceiros da prestação devida ao credor.


 Interesse especial do credor em proteger os terceiros dos eventuais riscos resultantes da

prestação.
 Previsibilidade ou cognoscibilidade dos dois elementos anteriores, por parte do devedor, no

momento da conclusão do contrato.

3. O DIREITO À PRESTAÇÃO E O DIREITO A EXIGIR O CUMPRIMENTO

O contrato a favor de terceiro é, no seu aspeto instrumental, o meio de que o promissário se


serve para efetuar uma atribuição patrimonial indireta em benefício de terceiro. A relação entre o

promitente e o promissário é a relação que alimenta, subsidia ou cobre o direito conferido a terceiro,
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FDUC – DOI 2017/2018
sendo que é dela que o promitente tira cobertura para a atribuição a que fica adstrito – daí chamar-

se relação de cobertura. Já a relação estabelecida entre o promissário e o terceiro beneficiário é a


relação de valuta.
Como efeito imediato do contrato, o terceiro adquire o direito à prestação, independentemente
da sua aceitação ou conhecimento. Este direito coenvolve o poder de exigir o cumprimento do

contrato – é esta faculdade que dá ao direito à prestação a sua exequibilidade. Porém, a lei atribui

igualmente o poder de exigir o cumprimento do contrato ao promissário, que é um poder


instrumental e acessório, ao serviço do interesse fundamental do terceiro. A lei distingue assim,
devidamente, o direito à prestação e o poder de exigir o seu cumprimento:
 Art. 444.º/1: o terceiro adquire o direito à prestação, que inclui o direito de exigir o

cumprimento.
 Art. 444.º/2: o promissário pode “igualmente” exercer a faculdade de exigir o cumprimento,

para além do terceiro.

No entanto, quando se trate de promessa de exonerar o promissário de uma dívida que este
tenha com um terceiro, só o promissário pode exigir o cumprimento da promessa. Isto permite
distinguir o contrato a favor de terceiro da assunção de dívidas, em que o credor adquire o direito de
exigir do assuntor a realização da prestação devida (art. 595.º) – já na promessa de exonerar o

promissário de uma dívida deste para com um terceiro, o promitente obriga-se a pagar a dívida, mas
não a assume.

4. ADESÃO OU REJEIÇÃO DA PRESTAÇÃO PELO TERCEIRO

Vimos que o terceiro adquire direito à prestação como efeito imediato do contrato,
independentemente da aceitação ou até do conhecimento da celebração do contrato. Porém, nos

termos do art. 447.º, o terceiro pode aceitar ou rejeitar a promessa:

 A aceitação ou adesão deve ser comunicada ao promitente, uma vez que é sobre este que
recai o dever de cumprir, e ao promissário. A comunicação da adesão ao promissário justifica-se por

esta ter um efeito útil, a de precludir a revogação da promessa por parte do promissário. Assim,
enquanto que a adesão não for comunicada ao promissário, mesmo que o seja ao promitente, pode
aquele revogar a promessa; enquanto não for comunicada ao promitente, não incorrerá este em
mora, nem estará vinculado aos deveres secundários de conduta.
143
FDUC – DOI 2017/2018
 O terceiro pode também rejeitar o direito: embora a sua atribuição representa para o

beneficiário uma vantagem, entende-se que esta não deve ser imposta contra a sua vontade. O
direito de rejeitar é um direito potestativo do terceiro beneficiário, e destrói retroativamente os

efeitos da aquisição imediata do direito, reconstituindo a situação jurídica existente no momento


anterior à celebração do contrato. A rejeição faz-se mediante declaração ao promitente, uma vez que

é este que tem o dever de cumprir, devendo comunicá-la ao promissário. Se aquele, culposamente,

não o fizer, será responsável perante o promissário.

Algumas notas sobre a revogação – art. 448.º.


 A faculdade de revogação pode ser afastada por convenção em contrário.

 Se a prestação for para ser realizada post mortem, presume-se que só depois de o
promissário falecer é que o terceiro adquire o direito à prestação, logo a promessa é
revogável enquanto o promissário for vivo – art. 448.º/1 e art. 451.º.
 O direito de revogação pertence ao promissário (art. 448.º/2, 1ª parte); porém, se for feita em

benefício de ambas as partes, a revogação pressupõe o consentimento de ambos (2ª parte).


Exemplo: A, banco, promete a B que abre um crédito a favor de C. Como esta promessa é feita

igualmente no interesse do banco, a revogação por parte de B depende do seu acordo.

5. EXCEÇÕES OPONÍVEIS PELO PROMITENTE AO TERCEIRO

O promitente apenas pode opor ao terceiro, nos termos do art. 449.º, os meios de defesa
derivados do contrato, ou seja, da relação de cobertura. É o que sucede, por exemplo, se o contrato
for nulo ou anulável por carência de forma ou por falta ou vícios da vontade; se caducar por
verificação da condição resolutiva ou não verificação da condição suspensiva; se houver fundamento

para a exceção de não cumprimento – todos estes meios de defesa são oponíveis quer ao
promissário, quer ao terceiro.

O que o promitente não pode fazer é invocar os meios de defesa baseados em qualquer outra
relação entre ele e o promissário, ou na relação de valuta entre promissário e terceiro – é assim que

se deve ler o art. 449.º, 2ª parte. O direito à prestação está afetado pelos vícios genéticos do
contrato (entre promitente e promissário), sendo alheio a vícios de outras relações.

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6. PRESTAÇÃO EM BENEFÍCIO DE PESSOAS INDETERMINADAS

O destinatário da prestação estipulada nos contratos a favor de terceiro é, em regra, uma ou


mais pessoas determinadas; mas pode suceder, e acontece frequentemente nas liberdades modais

ou com encargos (o modo é uma cláusula acessória típica pela qual, nas doações e liberalidades
testamentárias, o disponente impõe ao beneficiário da liberalidade um encargo, ou seja, a obrigação

de adotar um certo comportamento no interesse do disponente, de terceiro ou do próprio


beneficiário – art. 963.º e 2244.º) que a prestação vise proteger um interesse público ou se destine a

um conjunto indeterminado de pessoas.


Por exemplo: doam-se certos quadros, mas com o encargo de o donatário os manter expostos ao

público; doa-se um prédio rústico com o encargo de o jardim continuar a ser utilizado pelas crianças
de uma certa localidade.

A natureza dos interesses favorecidos e a falta de pessoa determinada que zele pelo
cumprimento da prestação fazem com que a lei introduza certas especialidades no tratamento

jurídico:
 O direito de exigir o cumprimento pertence ao promissário e aos seus herdeiros (esta é a

regra geral), mas também às entidades competentes para a tutela dos interesses em causa – art.
445.º.

 Por outro lado, recusa-se a essas entidades, bem como aos herdeiros do promissário, o poder
de disporem da prestação, uma vez que esta não se destina a satisfazer o interesse particular deles,
mas o interesse ideal do doador e, nalguns casos, o interesse público – art. 446.º/1.
 Por último, atribui-se às entidades competentes e aos herdeiros do promissário o direito de

exigirem a indemnização devida, no caso de impossibilidade imputável ao promitente. Ponto é que o


montante indemnizatório ficará adstrito à realização do fim social, dos interesses vidados pelo doador.

CONTRATO PARA PESSOA A NOMEAR

1. NOÇÃO
O contrato para pessoa a nomear é o contrato em que uma das partes se reserva a faculdade

de designar uma outra pessoa que assuma a sua posição na relação contratual, como se o contrato
tivesse sido celerado com esta última – art. 452.º/1. Não há aqui nenhum desvio ao princípio da
eficácia relativa dos contratos: o contrato produz os seus efeitos apenas entre os contraentes que,

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enquanto não há a designação do amicus electus, são os outorgantes do contrato. Depois da

designação, o contraente passa a ser já não o outorgante, mas a pessoa designada – art. 455.º/1.

2. FIGURAS PRÓXIMAS
O contrato para pessoa a nomear não se confunde com:

 Negócio por meio de representante: segundo a vontade dos contraentes, produz


imediatamente os seus efeitos na esfera jurídica do representado, ao passo que o contrato para

pessoa a nomear começa por produzir os seus efeitos em relação ao interveniente no negócio, e
apenas pode vir a produzi-los na esfera jurídica de uma outra pessoa, que não figura no ato como

representado.
 Contrato a favor de terceiro: nem o promitente nem o promissário deixam de ser os únicos

contraentes, mesmo após a adesão do terceiro, não tendo este a categoria de contraente; neste
contrato, uma vez efetuada e aceite a nomeação, um dos intervenientes no contrato perde a

qualidade de contraente, desaparecendo da relação contratual e o terceiro nomeado ao abrigo da


cláusula especial, passa a figurar como contraente desde a celebração do contrato.

 Mandato sem representação: o mandatário não deixa de ser contraente em face dos
terceiros com quem negociou, mesmo depois de transferir para o mandante os direitos adquiridos

em execução do mandato; ao passo que, no contrato para pessoa a nomear, uma vez efetuada a
nomeação, os efeitos do negócio se encabeçam retroativamente na titularidade da pessoa nomeada.

3. REGIME JURÍDICO
Desde logo, a lei não admite a reserva de nomeação quando (art. 452.º/2):
 Não seja possível a representação – temos aqui uma espécie de representação.
 Seja indispensável a determinação dos contraentes.

Para que a declaração de nomeação seja eficaz, é necessário que se verifiquem os seguintes

requisitos – art. 453.º:

 A nomeação tem de ser feita por documento escrito;


 Dentro do prazo convencionado ou, na falta de convenção, dos cinco dias posteriores à

celebração do contrato;
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 E deve ser acompanhada do instrumento de ratificação do contrato ou de procuração

anterior ao contrato.

 Ratificação: tem de constar de documento escrito, art. 454.º/1, salvo se o contrato


tiver sido celebrado por documento mais solene, caso em que a ratificação tem de ter

forma igual à do contrato (art. 454.º/2 e 413.º).


 Procuração: também pode suceder que o terceiro nomeado, antes de um dos

contraentes ter celebrado o contrato, tenha passado uma procuração, caso em que esta
deve constar da declaração de nomeação.

Quais os efeitos da nomeação?

 Sendo a nomeação feita nos termos em que vimos, o terceiro ocupa o lugar de um dos
contraentes como se tivesse sido ele a celebrar o contrato. Isto significa que há uma eficácia

retroativa da declaração de aceitação – art. 455.º/1.


 Não sendo feita a declaração de nomeação nos termos legais, o contrato produz os seus

efeitos relativamente ao contraente originário, desde que não haja estipulação em contrário (n.º 2).
 Se o contrato estiver sujeito a registo, para que a designação da pessoa produza efeitos em

relação a terceiros, admite-se a inscrição originária em nome do contraente originário, com indicação
da cláusula para pessoa a nomear, e a inscrição subsequente em nome do interveniente, mediante o

averbamento adequado (art. 456.º).

4. NATUREZA JURÍDICA

1. Tese da representação: segundo alguns autores, o contrato para pessoa a nomear é uma
modalidade especial da representação, em que o dominus negotii é designado em data posterior, ou

seja, o titular do contrato seria representado “de modo anónimo”. Existem algumas semelhanças
entre a representação e o contrato para pessoa a nomear:

 Uma vez nomeada a pessoa, tudo se passa como se tivesse havido representação.
 Se a cláusula tem por trás uma procuração anterior, maiores são as afinidades com a

representação (embora se aproxime mais de um mandato sem representação).


 Não se admite a cláusula para pessoa a nomear nos casos em que não é admitida a
representação.

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Porém, o recurso à ideia da representação anónima não toca num aspeto fundamental da

cláusula: não só o contrato é celebrado em nome próprio, ou seja, não existe a contemplatio domini
característica da representação; como existe a possibilidade de o contrato se vir a consolidar na

titularidade do interveniente. Na representação os efeitos produzem-se diretamente na esfera do


representado ab initio, não há qualquer eficácia retroativa. Também não se aplica o preceito relativo

à representação sem poderes, art. 268.º.

2. Tese da condição: esta tese, mais certeira, defende que a cláusula para pessoa a nomear é
uma condição do contrato – de efeito resolutivo, quanto à titularidade do interveniente, e de efeito
suspensivo, quanto à aquisição da pessoa nomeada. No fundo, o contrato para pessoa a nomear
tem, quanto a uma das suas partes, dois sujeitos em alternativa: quando uma das partes se reserva o
direito de nomear, fica o contrato celebrado suspenso da aquisição pelo nomeado; quando há a
nomeação, esta nomeação tem um efeito resolutivo da aquisição pelo nomeante. Não havendo este
efeito resolutivo, o negócio mantém-se válido e eficaz entre os contraentes originários.

NEGÓCIOS UNILATERAIS
1. PRINCÍPIO DA TIPICIDADE

Nos negócios bilaterais, vale o princípio da liberdade contratual, e nos negócios unilaterais?
Deverá admitir-se livremente como fonte de obrigações? O art. 457.º dá-nos uma resposta: a

promessa unilateral de uma prestação só obriga (ou seja, só é fonte de obrigações) nos casos
previstos na leis, pelo que nos negócios unilaterais vale o princípio da tipicidade. Para ANTUNES

VARELA, a explicação deste princípio assenta no facto de não ser razoável manter alguém
irrevogavelmente obrigado perante outrem, com base numa simples declaração unilateral de

vontade, visto não haver conveniências práticas do tráfico que o exijam, nem quaisquer expectativas
do beneficiário dignas de tutela.

CALVÃO DA SILVA interpreta este princípio como assente no sistema da causalidade – o


nosso sistema é o da causalidade, não da abstração, o que significa que não devemos admitir
declarações abstratas, das quais não se saiba qual a causa material subjacente. Ao contrário do

direito alemão, que funciona num sistema de abstração, o ordenamento português quer sempre
saber qual a causa real dos efeitos jurídicos, sendo que a última ratio deste princípio podemos vê-la

no enriquecimento sem causa. Isto com exceção do Direito Comercial, no qual, em nome da
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circularidade dos títulos de crédito, se entra na abstração – os cheques, por exemplo, circulam

abstraindo da sua causa inicial, da primeira relação que lhe deu origem; caso contrário (por exemplo,
se a primeira compra e venda fosse nula e o cheque devesse ser restituído), não haveria fiabilidade

no cheque como meio de pagamento.


Assim, CALVÃO DA SILVA defende que se deve fazer uma interpretação restritiva deste artigo

de acordo com a sua racionalidade, expandido ao máximo a validade das promessas unilaterais. E a
interpretação restritiva é a que coincide com o princípio da causalidade: a promessa unilateral de

uma prestação não causada só obriga nos casos previstos da lei. É esta a ratio legis desta limitação,
posto que, a partir do momento em que uma promessa unilateral tem uma causa real, tem-se

controlo sobre ela.

2. PROMESSA DE CUMPRIMENTO E RECONHECIMENTO DE DÍVIDA


A promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida, previstas no art. 458.º, formam um

caso de promessa unilateral expressamente prevista na lei?


Por exemplo: A promete pagar 1000, ou reconhece ter uma dívida de 1000, perante B, sem

indicar a causa dessa promessa. Ora, a promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida não
constituem fonte autónoma de obrigações: a verdadeira fonte de obrigações é a relação
fundamental a que se referem (por exemplo, um negócio de compra e venda, em que A fica
obrigado a pagar 1000 a B). Estas criam apenas uma presunção da existência de uma relação

negocial ou extranegocial, que lhes está na base, por isso que se inverte o ónus da prova: B está
dispensado de provar a relação fundamental, que se presume até prova em contrário; mas se A ou

os seus sucessores provarem que a relação não existe, a promessa é inválida.

3. PROMESSA PÚBLICA
Assim, abstraindo dos negócios unilaterais instrumentais (ex: a resolução do contrato), o

Código apenas prevê e regula as promessas públicas. Diz-se promessa pública a declaração, feita
mediante anúncio, na qual o autor se obriga a dar uma recompensa ou gratificação a quem se
encontre em determinada situação ou pratique certo facto. O anúncio pode ser feito por intermédio
da imprensa, televisão, rádio, afixação em lugar público, etc., e tem geralmente o sentido de um
prémio ou recompensa pela prática de certo facto: por exemplo, a descoberta de um criminoso, a

entrega de um animal perdido ou o melhor aproveitamento numa escola. Não se confunde com as
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ofertas ao público a que se refere o art. 230.º/3, que são propostas negociais que, fazendo parte de

um contrato em formação ou em mera expectativa, só se aperfeiçoam com a aceitação da outra


parte, que completa o ciclo da formação contratual.

Notas sobre o regime da promessa pública:

 A constituição da obrigação prescinde da aceitação do credor, nascendo diretamente da


declaração do promitente (n.º 1).

 O promitente fica obrigado mesmo em relação aqueles que se encontrem na situação prevista
ou tenham praticado o facto sem atenderem à promessa ou na ignorância dela (n.º 2). A lei adere à

doutrina segundo a qual a promessa pública é fonte de uma obrigação sob condição, realizando-se a
prestação se se vier a verificar o acontecimento futuro e incerto, rejeitando a tese da proposta

contratual a incertos, segundo a qual a prática do facto previsto corresponderia a uma aceitação
tácita, que exigiria pelo menos o conhecimento da promessa.

 A promessa pública é revogável a todo o tempo; se tiver prazo, apenas se houver justa causa
– art. 460.º.

 Quando mais do que uma pessoa tenha praticado o facto ou tenha concorrido para a sua
prática, a lei manda dividir equitativamente a prestação, desde de que todas tenham direito à

prestação – art. 462.º.

Os concursos públicos, previstos no art. 463.º, são um tipo de promessa pública, na qual a
intenção normal do promitente é a de galardoar um ou alguns dos concorrentes.

GESTÃO DE NEGÓCIOS

1. NOÇÃO

A gestão de negócios caracteriza-se pela intervenção, não autorizada, das pessoas na

direção de negócio alheio, feita no interesse e por conta do respetivo dono. Com efeito, surgem na
prática diversas situações em que é necessário prover em lugar do titular do direito, a fim de evitar
graves prejuízos – é o que sucede no caso de a pessoa estar afastada e haver atos urgentes que

importa praticar para a defesa, conservação ou frutificação dos bens. O exemplo típico da gestão de
negócios é aquele que, carecendo o imóvel de reparação urgente numa altura em que o dono se

encontra ausente, um vizinho diligente encarrega o empreiteiro de efetuar a obra.


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A gestão de negócios tem de ser encarada num duplo aspeto:


 Por um lado, a intervenção do gestor, assente numa atitude solidária, tem uma utilidade

apreciável na conservação ou exploração de bens que, de outro modo, correriam o risco de perder-
se, deteriorar-se ou manter-se improdutivos, ou na realização de atos cuja omissão poderia acarretar

prejuízos irreparáveis.
 Por outro lado, a gestão nasce de um facto em princípio ilícito, dado tratar-se de uma

intromissão não autorizada na esfera jurídica alheia que, além de constituir um abuso, pode causar
prejuízo sério ao dono do negócio.

2. REQUISITOS

Para que haja gestão de negócios, é necessário que estejam verificados os seguintes três requisitos.
 Direção de negócio alheio: a expressão negócio não é aqui utilizada no seu sentido técnico-
jurídico, tendo antes o significado de assunto, interesse alheio. Esta expressão denota que a gestão

de negócios não se estende, em princípio, a todo o património do beneficiário, mas apenas a algum

ou alguns interesses isolados. Notas:


 A atuação do gestor tanto pode concretizar-se na realização de negócios jurídicos em

sentido estrito, como na prática de atos jurídicos não negociais, como ainda em simples
factos materiais.

 Este interesse tanto pode ser um interesse material como um interesse espiritual.
 Aqui cabem não só os atos relativos a bens pertencentes ao dono do negócio como os

atos que a este incumba realizar.


 Se estiverem em causa interesses próprios, que o agente erroneamente considere de

outrem, não chega a pôr-se nenhum dos problemas específicos da gestão. Se, pelo
contrário, estiverem em jogo interesses alheios, que o agente erroneamente supõe serem

seus, também não há gestão, uma vez que esta pressupõe a consciência e a vontade de
dirigir negócio alheio.
 Atuação no interesse e por conta do dono do negócio: é necessário que o gestor atue no
interesse, e ainda por conta, do dono do negócio, ou seja, que a sua intervenção decorra
intencionalmente em proveito alheio.

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 Não é necessário, note-se, que atue em nome alheio, como iremos ver. É, sim,

necessário que a atividade do gestor se destine a satisfazer um interesse alheio,


preenchendo uma necessidade de outra pessoa, e que aja por conta de outrem, ou

seja, na intenção de transferir para a esfera jurídica de outrem os proveitos e encargos


da sua intervenção – senão os efeitos jurídicos, pelo menos os efeitos práticos.
 Se o gestor agir no seu exclusivo interesse, falta um requisito essencial do espírito do
sistema, que é precisamente o de estimular a intervenção útil nos negócios alheios

carecidos de direção. É preciso distinguir duas situações:


O gestor age no seu interesse por supor erroneamente que o negócio lhe

pertence: aplicam-se as regras do enriquecimento sem causa.


O gestor age no seu interesse conscientemente: temos uma falsa gestão ou

gestão imprópria, em que o gestor gere negócio alheio com a intenção de carrear para o seu
património os proveitos da intromissão na esfera jurídica de outrem. Neste caso, aplicam-se as

regras da responsabilidade civil.

 Falta de autorização: a gestão pressupõe por fim a falta de autorização, ou seja, a

inexistência de qualquer relação jurídica entre o dono do negócio e o agente, que confira a este o
direito ou lhe imponha o dever legal de se intrometer nos negócios daquele. A gestão supõe,

portanto: a falta de mandato, de poderes voluntários, de poderes legais de representação ou


administração, etc. Havendo uma causa pela qual o agente esteja obrigado ou autorizado a intervir

no negócio alheio, os direitos e obrigações entre as partes são os derivados dessa relação. Se o
agente supuser erroneamente que tem o dever de intervir, aí já não há motivos para não se aplicar as

regras da gestão de negócios, uma vez que todos os seus requisitos essenciais estão preenchidos –
note-se que não é necessário que o dono do negócio ignore a intervenção do gestor.

3. RELAÇÕES ENTRE O GESTOR E O DONO DO NEGÓCIO

3.1 DEVERES DO GESTOR PARA COM O DONO DO NEGÓCIO

 Continuação da gestão: a gestão de negócios inicia-se por livre iniciativa do gestor, sendo
que, uma vez iniciada, o gestor não é livre de a interromper:

 A sua atuação pode criar compreensíveis expectativas.


 O início da gestão pode constituir um obstáculo para a intervenção de outras pessoas,

dispostas a levar a gestão a bom tempo.


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 Isto pode constitui uma vantagem, na medida em que afaste as intromissões fáceis e

precipitadas em assuntos alheios.

A nossa lei não impõe diretamente ao gestor o dever de prosseguir a gestão iniciada, todavia
consagra este dever de continuação indiretamente, ao responsabilizar o gestor pelos danos que

resultarem da injustificada interrupção da gestão (art. 446.º/1).

 Dever de fidelidade ao interesse e à vontade (real ou presumível) do dono do negócio: o

principal dever do gesto é o de obediência simultânea ao interesse e vontade do dono, art. 465.º/a).

Assim, o gestor responde pelos danos que causar, por culpa sua, no exercício da gestão, sendo que a
sua atuação se considera culposa sempre que agir em desconformidade com o interesse ou a

vontade, real ou presumível, do dono do negócio (art. 466.º/1 e 2). É de harmonia com o interesse,
objetivamente considerado, do dono do negócio, que a conduta do gestor deve ser apreciada, quer

para saber se a gestão é cabida, quer para determinar se ela, uma vez iniciada, é regularmente
cumprida:

 Estamos perante uma gestão irregular quando esta não satisfaça objetivamente o
interesse do credor.

 Havendo várias formas de satisfazer o interesse do dono, ao gestor cumpre escolher a


que melhor se adapta à sua vontade, Havendo dúvidas sobre esta vontade, o gestor

optará pela solução que melhor realize os interesses em causa.

Quanto ao padrão da atividade do gestor, a lei afastou-se da solução consagrada na legislação


francesa, aproximando-se dos modelos dos Códigos alemão, suíço e brasileiro. Quer isto dizer que o
gestor se deve orientar, não pelo padrão do homem médio, mas por aquilo que faria o dono do
negócio.
Quanto à capacidade e diligência com que o gestor deve agir, discute-se se o critério deve ser

objetivo, ou seja, baseado na diligência exigível quanto à administração de bens alheios, ou um


critério subjetivo, assente no grau de capacidade e diligência revelado pelo gestor na administração

dos seus próprios interesses. ANTUNES VARELA defende que se deve aceitar a tese da culpa in
concreto – pelo carácter espontâneo e altruísta da ação do gestor e pelos riscos a que
desnecessariamente se expõe, seria injusto exigir dele que pinha na direção de interesses alheios
maior zelo do que na gestão do seu próprio património.
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Como resolver um conflito entre o interesse e a vontade do dono? Note-se que a lei apenas

considera haver conflito quando a vontade seja contrária à lei ou ordem pública, ou ofensiva dos
bons costumes – art. 465.º/a). No entanto, podemos dizer que o gestor deve:

 Abster-se de praticar os atos que o dono do negócio não praticaria, por mais favoráveis que
sejam aos seus interesses;

 Abster-se de praticar o atos que o dono praticaria, mas que sejam condenados por uma
judiciosa ponderação dos seus interesses;

 Praticar os atos favoráveis que o dono só não queira realizar por ignorância de certos factos
conhecidos do gestor (art. 1162.º).

3) Outros deveres do gestor:

 Entrega dos valores detidos, art. 465.º/e): não só se incluirá aqui o produto de todas as

prestações devidas ao dono do negócio, mas também dos lucros que o gestor tenha arrecadado.

 Prestação de contas, art. 465.º/c): estas devem ser prestadas quando a gestão é finda ou
interrompida ou quando o dono as exigir.

 Aviso e informação o dono do negócio, art. 465.º/b) e d): impõe-se ainda ao gestor o dever
de avisar o dono do negócio, quando tiver possibilidade de o fazer, de que assumiu a gestão, para

que este possa prover como melhor entender, e ainda de lhe prestar todas as informações relativas à
gestão, para que o interessado possa acompanhar a sua evolução e tomar oportunamente as

providências que considerar necessárias.

3.2 DEVERES DO DONO DO NEGÓCIO PARA COM O GESTOR


A aprovação é o juízo global de concordância com a atuação do gestor, emitido pelo dono do

negócio, ou seja, é a declaração de que considera a gestão, no geral, conforme ao seu interesse e à
sua vontade.

Havendo aprovação da gestão (mesmo que esta não tenha correspondido ao seu interesse e
vontade!) resultam deste facto duas consequências, art. 469.º:

 Por um lado, cessa a responsabilidade do gestor pelos danos que eventualmente tenha
causado;
 Por outro lado, reconhece-se ao gestor o direito de ser reembolsado das despesas que fez,
com os respetivos juros, e de ser indemnizado do prejuízo que sofreu por causa da gestão.
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 A gestão não dá, porém, direito a ser remunerado, salvo se corresponder ao exercício da

atividade profissional que o gestor exerça (art. 470.º/1 e 2).

E se não houver aprovação? É aqui que se reflete a distinção entre gestão regular e gestão
irregular:

 Gestão regular: se se fizer prova da regularidade da gestão, ou seja, que o gestor agiu em
conformidade com o interesse e a vontade do dono, mesmo não havendo aprovação, ele terá os
mesmos direitos que lhe competiriam, no caso de a gestão ter sido aprovada: direito a reembolso

das despesas com juros e direito de ressarcimento dos danos sofridos.

 Gestão irregular: se a gestão tiver sido contrária ao interesse e vontade do dominus e este

não a tiver aprovado, o gestor só terá direito à restituição do valor com que o dono do negócio
injustamente se tiver enriquecido à sua custa, para além de responder pelos danos que haja causado,
já que agiu ilicitamente.

Note-se que a aprovação, como juízo global de valor sobre a atuação do gestor, distingue-se da
ratificação, que é a declaração de vontade pela qual alguém faz ou chama a si o ato jurídico
realizado por outrem em seu nome, mas sem poderes de representação. Pode haver:
 Aprovação sem ratificação: se o dono não quiser contestar os direitos atribuídos por lei ao

gestor, mas não se dispuser a chamar a si algum ou alguns dos negócios que celebrou em seu nome.
 Ratificação sem aprovação: se o dono quiser chamar a si os negócios que o gestor realizou

em seu nome, ou alguns deles, mas entender que este não respeitou a sua vontade ou não agiu em
conformidade com os seus interesses.

3.2 POSIÇÃO DO DONO DO NEGÓCIO EM FACE DE TERCEIROS

Se o gestor tiver realizado quaisquer atos jurídicos no âmbito da sua atividade, em que termos se
repercutem tais atos na esfera jurídica do titular dos interesses atingidos?

É necessário distinguir entre a gestão representativa, quando o gestor age em nome de outrem, e
a gestão não representativa, quando o gestor age em nome próprio.

 Gestão representativa, art. 471.º, 1ª parte: temos uma gestão representativa quando o gestor
celebra negócios jurídicos em nome do dono do negócio. O art. 471.º/1 manda aplicar a estes

negócios os princípios da representação sem poderes, art. 268.º: no fundo, temos aqui uma gestão,
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uma vez que o gestor não tem poderes jurídicos que o autorizem; e uma representação, uma vez

que atua em nome do dono. Qual o regime da representação sem poderes:


 O negócio será eficaz se for ratificado pela pessoa em cujo nome foi celebrado,

considerando-se a ratificação recusada se não for feita dentro do prazo que a outra parte
estabeleceu para o efeito.

 O negócio será ineficaz em relação ao dono, se não for por ele ratificado.

 Gestão não representativa, art. 471.º, 2ª parte: temos uma gestão não representativa
quando o gestor celebrar negócios em seu próprio nome. Neste caso, o regime é o do mandato sem

representação, art. 1180.º e segs. O mandato é uma modalidade do contrato de prestação de


serviços, aplicando-se o seu regime aos demais contratos de prestação de serviço (é o contrato

modelo). Note-se que a gestão representativa não é um mandato – este serve apenas para realizar
atos jurídicos, podendo ser um mandato com representação (existe a contemplatio domini) ou sem

representação (atua-se apenas no interesse e por conta de outrem). Qual o regime do mandato,
aplicável à gestão não representativa?

 Os efeitos do negócio aproveitam imediatamente ao gestor, ou seja, este fica vinculado pelos
atos que celebra, tudo se passando como se não tivesse havido gestão (ainda que esta seja

conhecida).
 No entanto, este tem a obrigação de transferir para o dono os direitos e obrigações que
adquiriu, o que se faz através de um segundo negócio.

4. GESTÃO DE NEGÓCIO ALHEIO JULGADO SEU (ART. 472.º)


Se alguém gerir negócio alheio, convencido de que esse assunto é seu, temos uma gestão de

negócio alheio julgado seu. Nestes casos, se houver aprovação do verdadeiro dono, aplicam-se as

regras da gestão de negócios; se não houver, aplicam-se as regras do enriquecimento sem causa – o
dono deve reembolsar a diferença entre as despesas que o vizinho efetuou e aqueles que ele

efetuaria. No entanto, se houver culpa na violação do direito alheio, serão aplicáveis as disposições
relativas à responsabilidade civil (n.º 2), ou seja, o aquele que geriu negócio alheio terá de

indemnizar o verdadeiro dono pelo prejuízo que causou com a gestão.

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