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Introdução ao Estudo do Direito

Profa. Dra. Ranielle Caroline de Sousa

Unidade II – Teoria da norma e do


ordenamento jurídico
2.1. TEORIA DA NORMA JURÍDICA
Conteúdo

01 02 03
Direito como regra As proposições As prescrições e as
de conduta prescritivas prescrições jurídicas

04 05 06
Atributos da Classificação das Espécies
norma jurídica normas jurídicas normativas
01
Direito como regra de conduta

O estudo do direito a partir de um ponto de vista normativo


considera o direito como conjunto de regras ou normas de conduta

A história humana pode ser estudada do ponto de vista normativo


Vivemos cercados de regras de conduta
O mundo normativo é vário e múltiplo
Além das regras jurídicas existem regras religiosas, morais, sociais,
costumeiras...

São regras diferentes. Mas, todas são proposições que tem a finalidade
de influenciar o comportamento dos indivíduos e grupos
Um elemento característico da experiência jurídica é a
normatividade.

É um ponto de partida legítimo, mas existem outros

 Direito como instituição: organização social


 Direito como relação: intersubjetividade

Para Bobbio, o aspecto normativo é uma condição necessária e


suficiente.
02
As proposições prescritivas
O ponto de vista pelo qual Bobbio propõe estudar a norma jurídica é
pelo seu aspecto formal.

É um estudo da forma jurídica, mas não é uma


proposta formalista.

A norma é uma proposição que possui


estrutura lógico-linguística.

Que tipo de proposição é a norma jurídica?


Do ponto de vista formal uma norma é uma proposição.

Proposição é um conjunto de palavras que possuem um significado em sua


unidade
Quantos anos você tem?

- Além disso, é necessário distinguir uma proposição de seu enunciado.

Enunciado é forma gramatical e linguística pela qual um determinado


significado é expresso
Mário ama Maria Maria é amada por Mário Quero uma limonada

O que interessa ao jurista, quando interpreta uma lei, é o seu significado: a


norma é a preposição e não o enunciado.
O enunciado normativo, que ganha grafismo na forma de texto
jurídico, ainda não é a totalidade da norma, que somente será
plena, quando a norma jurídica estiver em momento de decisão
sobre os seus sentidos e conteúdos.

E, temporalmente, normas jurídicas atuam de forma a transitar


entre presente/passado /futuro.

Norma jurídica
Passado Presente Futuro

Recolhe experiência do Age no presente sobre os Prevê hipoteticamente


passado fatos/atos que recaem situações concretas
sob a sua vigência futuras
As normas jurídicas pertencem à categoria geral das proposições
prescritivas.

A linguagem tem três funções fundamentais:


 Descritiva: linguagem científica (fazer conhecer)
 Expressiva: linguagem participativa / poética (fazer participar)
 Prescritiva: linguagem normativa (fazer fazer)

A função prescritiva, própria da linguagem normativa, consiste em dar


comandos, conselhos, recomendações, advertências, influenciar o
comportamento alheio e modificá-lo.
A norma jurídica não descreve!

- A norma jurídica visa modificar comportamentos e não informar


(função)

- A norma jurídica não pressupõe consentimento do seu destinatário,


mas execução (destinatário)

- A norma jurídica não é valorada como falsa ou verdadeira, ela é


avaliada pelos seus aspectos formais (validade, vigência e eficácia) e
em seu aspecto material (justiça)

E, caso o comportamento prescrito não seja seguido a consequência é a


sanção.
A norma jurídica não é a única que prevê proposições prescritivas

- Prescrições morais
- Prescrições médicas
- Prescrições gramaticais
- Prescrições jurídicas

Como distingui-las?
Em relação ao sujeito ativo e passivo: imperativos autônomos e
heterônomos

Em relação a forma: imperativo categórico e hipotético

Em relação a obrigatoriedade: comando (obrigação) e conselho


03
As prescrições e as prescrições jurídicas
As proposições que compõem um ordenamento jurídico pertencem à esfera da
linguagem prescritiva.
- Bobbio afasta teorias imperativas exclusivistas
O direito não é apenas imperativo negativo (comandos de não fazer), em contraste
com a moral que seria formada de imperativo positivo (comandos de fazer)
O direito é formado por normas imperativas e positivas (cooperação e liberdade)
- Bobbio também afasta teorias mistas
O direito não é formado por normas imperativas e permissivas
Direito e dever são faces de uma mesma moeda (uma norma permissiva
pressupõe uma norma imperativa).
O que diferencia as normas jurídicas das normas morais e das normas
sociais?

O critério da resposta à violação

Se uma lei científica não é observada – descarte


Se uma lei moral não é observada – consciência/comportamento
Se uma lei jurídica não é observada - sanção

Sanção moral: apenas interior


Sanção social: externa, mas não institucionalizada
Sanção jurídica: externa e institucionalizada
Para Bobbio, a norma jurídica é uma proposição prescritiva cuja
execução é garantida por uma sanção externa e institucionalizada.

Para além de Bobbio, Habermas, em Direito e democracia, define


norma jurídica como “expectativa de comportamento generalizado
temporal, social e objetivamente”

Art. 5º, inciso III, da CF/88: “Ninguém será submetido a tortura nem a
tratamento desumano ou degradante”.

Art. 186 do Código Civil “Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Os textos normativos visam direcionar objetiva e logicamente
a ação social, indicando se determinando comportamento é
permitido; é proibido; é obrigatório; é facultado.

Podemos, então, avançar para conceituar a norma jurídica enquanto uma


norma social que prescreve um comportamento exigível, a partir de
abstração das condutas sociais, imputando consequências à ação
social, por meio de estímulos (sanções premiais ou punitivas), através
da autoridade competente.
A norma jurídica vive, permanentemente, a tensão entre validade e
facticidade.

Validade Facticidade

Universalidade; abstração; formalidade; Historicidade; fenomenicidade;


generalidade; impessoalidade; mutabilidade; singularidade;
atemporalidade. subjetividade.

As normas são lançadas para se As normas jurídicas são lançadas para


estabilizarem no quadro de um sistema produzirem efeitos, de forma a afetar
jurídico-positivo específico vidas e relações humanas em sociedade
04
Atributos da norma jurídica
Os atributos das normas jurídicas são suas características fundamentais.

Há vários tipos de atributos das normas jurídicas, que irão permitir “ler” e
“descrever” suas características fundamentais, quais sejam:

1) atributos éticos;
2) atributos políticos;
3) atributos históricos;
4) atributos sociais; e
5) atributos jurídicos. / técnico jurídicos
ATRIBUTOS ÉTICOS
Os atributos éticos valorizam a dimensão ético-moral da norma jurídica, e
o que se coloca em discussão é a validade moral da norma jurídica

Sob o aspecto ético uma norma pode ser:

- Arbitrária: se a norma é fruto do arbítrio, da força, da coerção, de um indivíduo ou grupo


dominante, e moralmente injustificável;

- Convencional: se a norma está adequada às convenções sociais, e exige aquilo que se


encontra assentado nos costumes sociais predominantes, sendo moralmente justificável
dentro da moral convencional;

- Universalista: se a norma estabelece um horizonte utópico concreto que amplia o


horizonte de atuação da ação social, sendo moralmente justificável de acordo com
princípios ou exigências de uma moral universal.
ATRIBUTOS POLÍTICOS
Os atributos políticos valorizam a dimensão da qualidade do processo de
pactuação política para o surgimento da norma jurídica

Sob o aspecto político uma norma pode ser

- Autoritária: se a norma jurídica é fruto de decisão solipsista, imposta, a despeito da


vontade popular;

- Democrático-representativa: se a norma jurídica é fruto de participação


representativa, e se encontra escorada na cultura da representação político-parlamentar,
onde a vontade popular é mediada por representantes eleitos, dentro de instituições
democráticas;

- Democrático-participativa: se a norma jurídica é fruto de processos participativos,


abertos, plurais, incluindo métodos de inclusão, participação, especialmente dos
afetados, na produção legislativa do texto da norma jurídica
ATRIBUTOS HISTÓRICOS
Os atributos históricos valorizam o grau de inovação histórica e/ou ruptura
conceitual promovida pela norma jurídica

Sob o aspecto histórico uma norma pode ser

- Retrógrada : se, ao revogar o marco normativo anterior, estabelece o retrocesso de


entendimento, de regulamentação ou de interpretação da matéria regulada, deixando
falhas técnicas, morais ou jurídicas, não existentes na regulamentação anterior;

- Estabilizadora: se, apesar de não trazer inovação histórica, ou maior transformação,


não estabelece o retrocesso, mas apenas a função de suprir a necessidade de
regulamentação da matéria, estabilizando o momento histórico;

- Inovadora: se, ao ser editada, traz consigo inovação de institutos, entendimentos,


regras, parâmetros normativos, critérios, valores, de modo a inovar na regulação da
matéria.
ATRIBUTOS SOCIAIS
Os atributos sociais valorizam a análise de conjuntura que favoreceu a
gênese da norma

Sob o aspecto social uma norma pode ser:

- Artificial: se a norma jurídica é criada descolada de qualquer realidade, e em


desconexão com necessidades/demandas reais, com relação à matéria;

- Reflexiva: se a norma jurídica é criada sob forte pressão, como resultado de


necessidades extremas, sendo produto de um processo de crise ou forte demanda sobre
o legislador;

- Indutora: se a norma jurídica é criada em conexão com a realidade, antecipando


aspirações sociais reais e concretas, de forma planejada, evitando-se crises e desarranjos
sociais, sendo por si mesma indutora de transformação social.
ATRIBUTOS JURÍDICOS
Os atributos jurídicos das normas jurídicas são propriamente aqueles atributos
técnicos (validade; vigência; vigor; eficácia; justiça) .

De conformidade com este critério, a norma jurídica pode ser classificada como:

 Norma jurídica válida/ inválida - validade


 Norma jurídica vigente/ não vigente - vigência

 Norma jurídica dotada de vigor, ou ultrativa – vigor/ultratividade

 Norma jurídica eficaz/ ineficaz - eficácia


 Norma jurídica justa/injusta - justiça
Validade

Facticidade
Validade
Rito de pertencimento: a validade é entendida como pertencimento da norma
jurídica ao sistema jurídico.

Tem a ver com reconhecer que a norma jurídica foi formalmente estatuída, pelo
procedimento adequado, por autoridade competente, na forma da lei autorizadora
e ainda não foi revogada

A norma jurídica pode ser considerada inválida em caso de: erro de procedimento;
erro de prazo; erro de competência; e erro de forma.
A doutrina costuma afirmar que se considera o ato de criação de uma norma
jurídica um ato jurídico e, por isso, esse ato pode estar eivado de vício que,
conforme a gravidade, pode levar:

a) à inexistência da norma jurídica


b) à invalidade da norma jurídica

A cassação da validade de uma norma jurídica é um ato grave, pois retira seu
pertencimento do sistema jurídico, e pode ser feito:

Pelo Poder Executivo (controle externo e preventivo)


Pelo Poder Legislativo (controle interno e de autocorreção)
Pelo Poder Judiciário (correção externa)
Vigência

Circunscrição temporal da norma


Pressupõe-se que a norma, em primeiro lugar, tenha validade. E isso porque
a vigência é a medida temporal da validade, ou seja, a qualidade da norma
jurídica concernente à sua finitude temporal.

A vigência permite:
- A quantificação temporal do pertencimento da norma jurídica ao
sistema jurídico;

- A invocação da norma jurídica para seu uso e aplicação.


Vigência, publicação e esfera pública: a publicação é o marco para
a datação e cálculo da vigência normativa. E isso porque o princípio
da publicidade das normas jurídicas é de fundamental importância
para dar conhecimento geral e condições de uso às mesmas.

Por isso, o art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito


Brasileiro afirma: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando
que não a conhece”.
Vigência e vacatio legis: o início da vigência pode utilizar-se ou não de
tempo de vacância (vacatio legis), para que a sociedade possa conhecer a
norma jurídica.

Há várias hipóteses:
a) a norma jurídica menciona, geralmente em seu último artigo, que a vigência se
iniciará na data da publicação;
b) a norma jurídica nada diz sobre o início da vigência, caso em que se aplica a regra
geral do art. 1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: a lei começa a
vigorar em todo o país 45 dias depois de oficialmente publicada em território
nacional, e, em se tratando de vigência da lei no estrangeiro, 3 meses (art. 1º , § 1º);
c) a norma jurídica declara de forma expressa a data específica, ou o prazo específico,
de início de sua vigência
Revogação
A norma vigente perdura, a princípio, por tempo futuro
indeterminado, até que outra a modifique ou revogue, ou até
que o prazo de vigência definido pela lei temporária se
expire, situação da caducidade.

Art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “Não se destinando


à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue”.

A revogação é a retirada da validade e da vigência de uma norma jurídica.


A revogação da norma jurídica (lei revogada) em
face da inovatio legis (lei revogadora), retira a
validade e a vigência da lei anterior, e isso pode
se dar de duas formas:
1) quanto ao conteúdo:
- Revogação total
- Revogação parcial

2) quanto à forma:
- Revogação tácita:
- Revogação expressa:

§ 1º do art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “A lei posterior


revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela
incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que trata a lei anterior”.
A revogação tem efeito ex nunc, ou seja, retira a validade e a vigência daqui
para frente.
O art. 6º da LINDB dispõe que serão preservadas as situações que estiveram
sob a abrangência da lei anterior, tais como:

O direito adquirido (art. 6 º , § 2º: “Consideram-se adquiridos assim os


direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles
cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida
inalterável, a arbítrio de outrem”).

A coisa julgada (art. 6º , § 3º: “Chama-se coisa julgada ou caso julgado a


decisão judicial de que já não caiba recurso”)

O ato jurídico perfeito (art. 6º , § 1º: “Reputa-se ato jurídico perfeito o já


consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”).
Vigência e irretroatividade
A lei revogadora lança-se para colher casos futuros, por via de
regra, não colhendo situações passadas.

A irretroatividade, ou seja, a não incidência sobre situações passadas é a regra


geral.

Mas, o princípio da irretroatividade não é absoluto.


Art. 5º, XL da CF, dispõe que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o
réu
Vigência e represtinação

A repristinação corresponde à hipótese do retorno à validade


e vigência de uma lei revogada, caso a sua lei revogadora
seja ela também, posteriormente, revogada
Este é o comando do art. 2º , § 3º , da LINDB “Salvo
disposto em contrário, a lei revogada não se restaura por
ter a lei revogadora perdido a vigência”.
Vigor / Ultratividade

O conceito de vigor revela a força vinculante da norma jurídica, que


incidiu sobre as situações fáticas à época de sua validade e vigência,
e, assim, a imperatividade de sua incidência sobre casos concretos.

O vigor da norma jurídica é o atributo atinente à sua força vinculante


durante o período de sua validade e vigência.

Máxima: Toda norma jurídica que incidir sobre fatos à época de


sua vigência, pode ser invocada para decisão judicial.
Vigor e atividade judicial
Não é raro que decisões judiciais sejam proferidas muitos anos
após ocorridos os fatos.

Em sua atividade judicial, o juiz não deve se perguntar se a norma jurídica ainda
é válida à época da decisão judicial, mas se era válida e vigente à época da
ocorrência dos fatos.
Se a resposta for positiva, então o juiz poderá invocar o vigor da norma, à época
da decisão, que significa a sua ultratividade, para tornar inescapável a conduta à
época em que os fatos se encontravam sob a incidência da lei vigente à época.
Eficácia

Aqui se procura verificar a sua relação com o processo social de


geração de adesão dos comportamentos ao preceito normativo, pela
aceitação prática que produz e à produção de efeitos concretos,
reais, efetivos.

Máxima: Toda norma jurídica deve induzir condutas concretas em


sociedade.
Justiça

Aqui alcança-se o nível mais profundo de compreensão da norma


jurídica, na medida em que se alcança a fina relação entre legislador
e sociedade, e que tem a ver com a avaliação do conteúdo de justiça
nela contido.

Máxima: Toda norma jurídica deve traduzir anseios de justiça e


representar interesses legítimos de seus destinatários
05
Classificação das normas jurídicas
São vários os critérios de classificação:

a) Quanto ao sistema a que pertencem: nacionais, estrangeiras e de Direito uniforme;


b) Quanto à fonte: positivas, consuetudinárias e jurisprudenciais;
c) Quanto aos diversos âmbitos de validez: gerais e locais; de direito público e privado;
genéricas ou individuais;
d) Quanto à hierarquia;
e) Quanto à sanção: mais que perfeitas, perfeitas, menos que perfeitas e imperfeitas;
positivas ou negativas;
f) Quanto à exequibilidade: auto aplicáveis e dependentes de regulamentação

Etc.
06
Espécies normativas

- Normas constitucionais
- Emendas à Constituição (art. 59, I da CF):
- Leis complementares (art. 59, II da CF).
- Leis ordinárias (art. 59, III da CF).
- Leis delegadas (art. 59, IV da CF).
- Medidas Provisórias (art. 59, V da CF).
- Decretos legislativos (art. 59, VI da CF).
- Resoluções (art. 59, VII da CF).

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