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Direitos Fundamentais

Questões conceptuais
José Pina Delgado
Prof. Graduado de Teoria do Direito &
Direito Público – Departamento de Direito
e de Estudos Internacionais
Conceito de DF
• Posições jurídicas activas essenciais em relação aos poderes
públicos que são reconhecidas pela Constituição aos
indivíduos que integram uma comunidade política.
Elementos:
1. Subjectividade – diz respeito aos indivíduos precipuamente (ainda que
reflexamente pode ser estendido a entidades não-pessoais, como
Igrejas, associações, etc) – difere assim das chamadas garantias
institucionais, do direito dos povos e dos direitos de minorias culturais
2. Verticalidade – Estabelecem uma relação primordial entre o indivíduo e
o Estado (poderes públicos) apresentando, a este nível, diferenças com
os direitos da personalidade que operam em relações horizontalizadas
3 - Actividade – Porque atribuem ao indivíduo uma posição activa face aos
poderes públicos. O indivíduo torna-se credor de um comportamento
determinado por parte dos poderes públicos que poderá consubstanciar-se
numa acção ou numa omissão. Distingue-se, deste modo, dos deveres
fundamentais em que o Estado é que é o credor de um comportamento do
indivíduo
4 - Juridicidade – são direitos positivos, o que significa que são postos em
documentos jurídicos ou deriváveis ou reconhecíveis através de
estruturas que criam com competência para tal. No pólo oposto
estariam os denominados direitos humanos que têm uma presenã e
uma força enquanto tal meramente moral. Isso não impede que o
mesmo direito seja um direito moral e um direito positivo, desde que
sejam estabelecidos pelos mecanismos de criação de normas de cada
uma dessas esferas. Não é, pois, de se estranhar que a maioria dos
direitos fundamentais são também direitos humanos (vida; integridade
pessoal, liberdades), com a excepção dos chamados direitos de
pertença.
5 -Essencialidade – pretendem proteger aquilo que é mais inerente ao ser
humano, que faz parte da sua natureza enquanto pessoa livre, igual e
detentora de dignidade (difere, assim, por exemplo, dos direitos da
personalidade ou dos interesses difusos) (essencialidade pela natureza) ou
aquilo que o legislador constituinte entende conferir a um cidadão ou a
indivíduos que estão debaixo de sua jurisdição, mesmo que, por hipótese,
não seja incontornável para a existência de uma pessoa (garantias de não-
extradição ou de não perda da nacionalidade) (essencialidade pela vontade).
6. Nacionalidade – são direitos previstos pelo ordenamento jurídico de Estados
soberanos ou entidades com poderes soberanos (organizações de integração
regional) diferindo, deste modo, dos direitos humanos e dos direitos
internacionais de protecção da pessoa humana, que apesar de
subjectivados, têm na sua base, normas universais ou internacionais. A
diferença entre os direitos fundamentais e os direitos internacionais da
pessoa não impede um identidade material entre um e o ourtro, nem que
um se projecte sobre o outro, mormente o internacional sobre o doméstico
(art. 17 (1); 29 (2), etc.)
7. Constitucionalidade – Para além de estarem previstos no direito interno
dos Estados estão na própria Lei Fundamental do Estado ou são legitimados
através delas. A primeira situação é evidente porque os sistemas de direitos
fundamentais são delineados a partie da Constituição. Trata-se de
necessidade inultrapassável destinada a garantir o estatuto especial deste
tipo de direitos, sem o qual os efeitos para os quais foram criados não se
produziriam. Esta constitucionalidade poderá explícita ou implícita.
Há casos de sistemas, como o de Cabo Verde, que permitem que direitos não
previstos na Constituição se tornem parte do sistema. Porém, nesta situação,
a base de legitimação sempre deverá ser encontrada no texto constitucional
Neste prisma, os direitos fundamentais são distintos dos direitos da
personalidade, que, apesar da subjectividade e nacionalidade, estão previstos
pelo Direito Privado dos Estados, portanto infra-constitucional
O Conceito de Sistema de Direitos
Fundamentais
• Interligado, mas distinto, é o conceito de sistema de direitos
fundamentais, que implica na existência de uma estrutura
concatenada de normas tendo por objecto, directo ou
indirecto, este tipo de direitos.
• Um Sistema de Direitos Fundamentais corresponde a um
conjunto de normas de direitos fundamentais, sobre direitos
fundamentais e referentes a realidades afins aos direitos
fundamentais que resultam da Constituição de uma
Comunidade Política
• A faceta mais relevante desta definição é que o Sistema de
Direitos Fundamentais não é composto só por normas de
direitos fundamentais, ou seja, que prevêm as tais posições
jurídicas essenciais, mas também por outros tipos de normas.
• As normas de direitos fundamentais são aquelas que estabelecem esses
direitos, sendo necessário estabelecer-se uma diferença entre uma norma
de direitos fundamentais e uma disposição de direitos fundamentais, já
que esta pode incluir mais de um direito fundamental ou mesmo nenhum.
Veja-se, e.g., o artigo 28 da nossa Constituição (faz menção a dois direitos
fundamentais distintos, o direito à vida e o direito à integridade pessoal) e
o artigo… não faz menção a nenhum.
• Isto porque várias normas do sistema limitam-se a fazer referência aos
direitos fundamentais como objecto, ou porque estabelecem um quadro
orgânico para o seu funcionamento ou procedimentos a eles relacionados
ou autorizações para os limitar, regras para a sua interpretação ou para a
sua identificação ou incorporação, etc.
• Na dimensão material esses direitos fundamentais adquirem três feições
principais; ou são direitos, liberdades e garantias individuais; direitos,
liberdades e garantias participação política; direitos económicos, sociais e
culturais e direitos de grupos vulneráveis
1. Por sua vez, os direitos, liberdades e garantias, que são posições jurídicas
destinadas a preservar esferas individuais contra intervenções abusivas dos
poderes públicos, subdividem-se logicamente entre:
a) direitos, que implicam na protecção de uma realidade estável (vida,
integridade pessoal; privacidade);
b) liberdades, a protecção de esferas de acção, por isso mais dinâmicas, e
c) garantias que servem para adensar a protecção do núcleo essencial de
direitos fundamentais particularmente importantes (proibição da pena
de morte como meio de protecção do direito à vida; proibição da tortura
em relação à integridade pessoal, etc).
2. Direitos políticos, que são posições jurídicas que habilitam o indivíduo a
participar da governação da sua Comunidade Política
3. Direitos económicos, sociais e culturais: posições jurídicas essenciais
destinadas a promover a intervenção do Estado em prol do bem-estar do
indivíduo, sub-dividem-se em:
a) Direitos económicos, se essas posições jurídicas estiverem relacionadas a
actividades económicas (produtoras de bens ou serviços);
b) Direitos Sociais, quando relacionados a existência material social do
indivíduo sem dimensão produtiva
c) Direitos culturais, se for o caso de aspectos intangíveis de valorização pessoal
através do acesso ao saber e ao conhecimento comunitariamente produzido
4. Grupos vulneráveis: categoria mais recente, consubstanciando-se em posições
jurídicas reforçadas de protecção contra ou de promoção de intervenção
destinada a proteger de forma mais eficaz integrantes de grupos que, por motivos
naturais ou culturais, têm uma maior susceptibilidade de poderem não usufruir
das suas posições jurídicas gerais ou que estas são ineficazes para lhe garantir um
equilíbrio de poder social pretendidos pelas normas de direitos fundamentais
A forma das normas de direitos fundamentais:
princípios e regras
Uma norma é um enunciado deôntico,
portanto uma forma de comunicar um dever-ser
jurídico, uma conduta determinada pelo Direito.
No entanto, as normas poderão ter texturas
diferentes, dependendo da vontade do próprio
legislador e dos efeitos que ele pretende criar
com a norma em causa.
No quadro dos direitos fundamentais essas normas
podem assumir duas formas diferentes,
princípios e regras, uma descoberta que em larga
medida se deve à teorização
feita por grandes filósofos do direito e publicistas
como o recentemente falecido Professor
Ronald Dworkin (NYU) e o Prof. Robert Alexy (Kiel).
• De acordo com esta teorização, os princípios seriam normas de textura aberta,
nos termos de Hart, que indicariam um comportamento determinado, mas
não os meios para o cumprimento das suas determinações, distinguindo-se
das regras por estas serem de tudo ou nada, ou seja, determinarem não só o
comportamento determinado, mas também o meio para o cumprimento das
determinações
• Com uma norma com uma textura de princípio pretende-se sobretudo
recobrir situações indeterminadas e dinâmicas que podem globalmente
encaixar-se sob o objecto e os fins da norma criada pelo legislador, atendendo
que este, como dizia Hart, tem uma actividade, que chamou de ‘ignorância
dos factos’ marcada pela imprecisão e pelo desconhecimento, logo
confrontado com a sua própria incapacidade para antecipar todas as situações
relevantes.
• Evidentemente, em tais sistemas, de forma relativa, o legislador (constituinte)
atribui a função de acompanhar esses desenvolvimento a entidades que
aplicam essas normas a situações concretas.
• Os regimes processuais e alguns administrativos são sobretudo compostos
por regras, enquanto que, normalmente os constitucionais são compostos
por um número muito grande de princípios, algo que se estende para o
sistema de direitos fundamentais, no entanto com algumas ressalvas;
tanto as garantias fundamentais, como os dispositivos organizatórios e
processuais (designadamente as garantias judiciais/meios de tutela) são
regras; o que ocorre é que as normas de direitos fundamentais (que os
estatuem) são normas formatadas como princípios e só conseguem
cumprir o papel para o qual foram criadas por serem construídas
enquanto princípios .
• Para além dos direitos fundamentais ou de normas referentes a direitos, o
sistema de direitos fundamentais pode conter realidades análogas aos direitos
fundamentais, nomeadamente as garantias institucionais, deveres
fundamentais e direitos de minorias culturais:
• As garantias institucionais seriam mecanismos fundamentais de protecção
que são conferidas a certas estruturas sociais ou económicas imprescindíveis à
vida da Comunidade Política.
• Deveres fundamentais – São prescrições previstas pela Constituição de uma
Comunidade Política para pessoas debaixo de sua jurisdição com o intuito de
proteger valores públicos básicos.
• Direitos de minorias culturais – Posições jurídicas essenciais de entidades
unidas pela mesma identidade étnica dos seus integrantes garantidas pela
Constituição de uma Comunidade Política. Exemplos (Canadian Charter of
Rights and Freedoms “Art. 27. This Charter shall be interpreted in a manner
consistent with the preservation and enhancement of the multicultural heritage of
Canadians”; Complementarmente ver José Pina Delgado, A teoria dos direitos culturais
de minorias de Kymlicka, https://iscjs.academia.edu/JosePinaDelgado)

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