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Sebenta D. Obrigações II
ou social que correspondam a um dever de justiça ex: Uma dívida prescrita. Alguém
que recebe uma quantia de dinheiro de outra pessoa, devia ter devolvido o
dinheiro, mas não devolve. O devedor devia ter observado o dever de justiça
subjacente e devolver o que lhe foi prontamente emprestado; as obrigações
naturais não se podem extinguir por prescrição, uma vez que as consequências
desta correspondem precisamente em transformar uma obrigação civil em natural.
Existe uma discussão doutrinária sobre a natureza jurídica das obrigações naturais:
- Relações de Facto - Guilherme Moreira: são como a posse em matéria de direitos
reais, relações de facto que derivam de certos efeitos jurídicos, e designadamente o
de que sendo voluntariamente cumpridas não se pode pedir a restituição do que
haja pago, produzindo efeitos correspondentes aos que resultam das obrigações;
Jaime Gouveia: A obrigação natural será, pois, o próprio dever moral, cuja prática
realizada pelo devedor, a lei em certos casos, atribui efeitos jurídicos;
- Dever Oriundo de Outras Ordens Normativas - Antunes Varela: as obrigações
naturais são deveres oriundos de outras ordens normativas (ética imperativa),
apenas relevantes para o direito se forem deveres de justiça
- Obrigações Jurídicas (cuja lei não permite executar) - Menezes Cordeiro: pelo
artigo 404º a disciplina geral das obrigações civis aplica-se às naturais: logo estas
são jurídicas, ainda que de vínculo mais frágil;
- Dever de Justiça - Menezes Leitão: A obrigação natural não constitui uma
verdadeira obrigação jurídica, na medida em que nela não existe um vínculo
jurídico por virtude do qual uma pessoa fique adstrita para com outra à realização
da prestação (397º). A existência de um dever moral e social corresponde a um
dever de justiça, não basta para se considerar subsistente na obrigação natural um
vínculo jurídico, ao negar-lhe a faculdade de exigir judicialmente o cumprimento;
Sem a faculdade de exigir o cumprimento, o direito de crédito não tem conteúdo
podendo nunca considerar-se como um valor no ativo patrimonial do credor;
Obrigações Genéricas: aquelas em que o objeto da prestação se encontra
determinado apenas quanto ao género, ou seja, a prestação encontra-se
determinada apenas por referência a uma certa quantidade, mas não está ainda
concretamente determinada (artigo 539º) - exemplo: obrigação de entrega de 20
garrafas de vinho. A obrigação genérica implica naturalmente que tenha que
ocorrer um processo de individualização de espécies do mesmo dentro do género.
É a chamada escolha (nos termos do artigo 400º), que pode caber a ambas as
partes. A regra é a de que a escolha cabe ao devedor (nos termos do artigo 539º).
Mas terá o devedor absolutamente livre de escolha? Poderá por exemplo, escolher
o vinho de pior qualidade aquando da entrega?
O professor Menezes Cordeiro responde a esta questão dizendo que o devedor
deverá ser obrigado a entregar uma coisa de qualidade média, invocando o regime
da integração dos negócios jurídicos, segundo a boa fé (239º), como referência.
O professor Menezes Leitão acrescenta que, a partir do artigo 400º, resulta de que
a prestação deve ser realizada segundo juízos de equidade, implica que esta deve
ser adequada à satisfação do interesse do credor.
Qual é o momento em que tem lugar a transferência de propriedade, sobre as
coisas que vão servir para o cumprimento da obrigação (importância para efeitos
de risco)? Na obrigação genérica a transferência da propriedade não pode ocorrer
no momento da celebração do contrato (408º.1). A transmissão da propriedade
ocorre no momento da concentração da obrigação, quando a obrigação passa de
genérica a específica, não se exigindo que essa concentração seja conhecida de
ambas as partes.
A lei portuguesa consagra a “Teoria da Entrega” (540º), que refere que enquanto a
prestação for possível com coisas do género estipulado não fica o devedor
exonerado pelo facto de terem perecido aquelas com que se dispunha a cumprir,
consagrando a irrelevância da escolha para efeitos da concentração da obrigação
genérica. Se o devedor continua a ter que entregar coisas do mesmo género,
significando que a obrigação genérica ainda não se concentrou, ocorrendo apenas
com o cumprimento. É esse o momento da transferência da propriedade da
propriedade sobre as cosias objeto da obrigação genérica (408º.2), a transmissão
da propriedade sobre coisas genéricas exige a sua concentração que normalmente
apenas ocorre mediante a entrega pelo devedor (artigo 540º). As exceções a esta
regra encontram-se no artigo 541º.
Concluímos que no nosso direito, a concentração da obrigação genérica, quando a
(escolha que compete ao devedor) apenas se dá no momento do cumprimento,
podendo até lá o devedor revogar escolhas que anteriormente tenha realizado; já
quando a escolha compete ao credor ou a terceiro, a nossa lei adota a teoria da
escolha do artigo (542º), que uma vez realizada passa a ser irrevogável. A escolha
por parte do credor ou pelo terceiro concentra imediatamente a obrigação, desde
que declarada respetivamente ao devedor ou a ambas as partes.
Obrigações Alternativas: Consistem também em modalidades de prestações
indeterminadas, que se caracterizam por existirem duas ou mais prestações de
natureza diferente, em que o devedor se exonera com a mera realização de uma
delas, que por escolha, vier a ser designada (543º). Só constituem obrigações
alternativas aquelas que pressupõem uma escolha entre prestações. exemplo: Se o
devedor se obriga a entregar ao credor o barco X ou automóvel Y cumpre a
obrigação se entregar qualquer um destes objetos (apenas uma é concretizável
através da escolha). Na falta de determinação em contrário, a escolha pertence ao
devedor (543º.2) podendo também competir a terceiro (549º). A escolha tem que
se verificar entre uma ou outra das prestações, não sendo permitido, que aquele a
quem incumbe a escolha decida realizá-la entre parte de uma prestação ou parte
de outra (544º). Não é permitida ao devedor a posterior revogação da escolha
efetuada, uma vez que após a realização da escolha, só é exonerado efetuando a
prestação escolhida. A escolha é igualmente irrevogável quando compete ao credor
outras várias. Se abranger mais do que 2 sujeitos, tendo assim uma pluralidade de
devedores, fala-se em obrigação plural.
Obrigações conjuntas ou parciárias: cada um dos devedores só está vinculado a
prestar ao credor ou credores a sua parte na prestação e cada um dos credores só
pode exigir do devedor ou devedores a parte que lhe cabe. exemplo: A, B e C
obrigam-se a entregar a D a quantia de 900 euros, D apenas poderá exigir de A que
lhe entregue 300 euros, ou seja a sua parte da dívida.
Obrigações solidárias: Nelas qualquer um dos devedores está obrigado perante o
credor a realizar a prestação integral (artigo 512º).
Características:
- Identidade da prestação em relação a todos os sujeitos da obrigação;
- Extensão integral do dever de prestar ou do direito à prestação em relação
respetivamente a todos os devedores;
- A solidariedade dos devedores só existe quando resulte da lei ou da vontade das
partes (513º).
Solidariedade passiva (a realização da prestação integral por um dos
devedores libera todos os outros devedores em relação ao credor-512º):
As fontes não têm todas a mesma importância. As fontes mais importantes são a
responsabilidade civil e os contratos, sendo as formas mais comuns de surgimento das
obrigações. Em relação às outras, a lei restringe a aplicação dos negócios unilaterais e o
enriquecimento sem causa a situações excecionais – art. 457º e 474º, e a gestão de
negócios a uma situação também específica e de verificação rara – 464º. Assim, o Prof.
admite ser necessário distinguir entre as fontes das obrigações que derivem da
autonomia privada, das que não derivem- Esta é a orientação dogmática mais
adequada.
Resultantes da autonomia privada:
Contratos: negócios jurídicos bilaterais através dos quais as partes, por acordo
mútuo, e no exercício da sua autonomia privada estabelecem, entre si próprios,
vínculos jurídicos, entre os quais as relações jurídicas obrigacionais – 405º e ss.
Negócios jurídicos unilaterais: as obrigações podem ainda resultar de negócios
jurídicos unilaterais, onde apenas uma das partes, no exercício da sua
autonomia privada, estabelece para si mesma uma autovinculação através da
constituição da relação jurídica obrigacional – 457º
Não resultantes da autonomia privada:
Também fora desta há a constituição de obrigações, que neste caso não resultam de
negócios jurídicos, mas constituindo sim obrigações legais, ou seja, situações em que a
lei atribui a determinados pressupostos de facto, o efeito jurídico da constituição de
uma obrigação, a qual surge por isso sem ter por base qualquer autovinculação das
partes nesse sentido:
Responsabilidade Civil: será a obrigação de indemnização – art. 562º e ss, e
nesta cabe em primeiro lugar a responsabilidade delitual, onde alguém, através
de uma conduta ilícita e culposa causa danos em bens juridicamente protegidos
de outrem – 483º e ss.; cabe também nesta, a responsabilidade obrigacional
(ou contratual), quando alguém causa danos a outrem através da violação do
vínculo obrigacional – 798º e ss. Temos também situações intermédias que não
se integram em nenhuma das duas, como a responsabilidade pré-contratual –
art. 227º. Para além disto, admite-se ainda que a obrigação legal de indemnizar
resulte ainda, não de um facto ilícito e culposo, mas antes de uma situação de
risco específica que a lei, por uma razão de justiça, faz suportar por outrem que
não o lesado: responsabilidade pelo risco – 499º e ss. Finalmente, a obrigação
de indemnização. Por fim, temos ainda casos em que a obrigação pode derivar
de a lei atribuir, em contrapartida da autorização conferida a alguém para
sacrificar bens juridicamente protegidos de outrem, uma indemnização pelo
prejuízo sofrido pelo lesado: responsabilidade pelo sacrifício ou factos lícitos –
art. 81º/2 e 339º/2º.
Existem ainda as relações obrigacionais legais:
critério nenhum, mas sim seguindo a enumeração legal e “arrumando” as figuras não
previstas na lei através da sua proximidade a um contrato.
Modalidade de Contratos
Forma
Não Formais - regra geral há uma desnecessidade de qualquer forma especial para a
celebração do contrato, admitindo-se que as declarações das partes podem ser
exteriorizadas de qualquer meio.
Formais - são excecionais todas as disposições que exigem sob pena de nulidade, a
adoção de uma forma especial para a declaração negocial.
Modo de Formação
- Misto strictu sensu: contratos em que é usada uma estrutura própria de um tipo
contratual para preencher uma função típica de outro tipo contratual. ➥exemplo:
alguém vender uma casa pelo preço de 1000 € (o preço é tão baixo que é meramente
simbólico).
- Complementares: aqueles em que são adotados os elementos essenciais de um
determinado contrato, mas aparecem acessoriamente elementos típicos de outros
contratos. ➥exemplo: venda de um automóvel com a obrigação acessória de o
vendedor realizar a manutenção do veículo.
Nos contratos mistos qual o regime que deve ser aplicado? (uma vez que as partes, ao
reunirem no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios total ou parcialmente
negociados na lei, provocam sempre um conflito de regimes legais potencialmente
aplicáveis).
→ Almeida Costa: faz apelo aos critérios de integração dos negócios jurídicos (239º),
mas em primeiro lugar deve ser averiguada a possibilidade de aplicação analógica da
disciplina de algum / alguns contratos típicos, o que corresponderá à teoria da
analogia; → Menezes Cordeiro: perante um contrato misto, devemos indagar, com
recurso ao sentido objetivo do conjunto, à finalidade comum das partes e às valorações
envolvidas, qual o centro de gravidade a relevar. Na presença de contratos mistos cujo
tipo básico contrarie normas imperativas, temos: - ou que se recorra ao método da
combinação, de modo a assegurar a aplicação da parte injuntiva; ou se cai na nulidade,
por contrariedade à lei (280º.1 e 294º), salva a hipótese de conversão (293º).
Mais relevante será a vontade das partes. Ao confecionar um contrato misto, poderão
ter visado, muito simplesmente o afastamento das normas típicas que não lhes
conviesse. A vontade contratual deve, pois, ser respeitada, apenas com uma
prevenção: a de que não deve ser contrariada pelo conjunto, que prevalece, salvo vício
na conformação ou na exteriorização da vontade.
União de Contratos
Ao contrário de nos contratos mistos, na união de contratos a celebração conjunta de
diversos contratos, unidos entre si. Esta permite que cada contrato mantenha a sua
autonomia, possibilitando a sua individualização face ao conjunto.
Formas:
→União Externa: ligação entre os diversos contratos resulta apenas da circunstância de
serem celebrados ao mesmo tempo.
→União Interna: apresentam-se ligados entre si por uma relação de dependência, na
altura da sua celebração uma das partes estabelece que não aceitaria celebrar um dos
contratos sem o outro.
→ União Alternativa: partes declaram pretender ou outro contrato, consoante ocorrer
ou não verificação de determinada condição.
Os contratos preliminares
Denominam-se contratos preliminares aqueles cuja execução pressupõe a celebração
de outros contratos, adquirindo especial relevância o contrato-promessa – 410º e ss, e
o pacto de preferência – 414º, onde se verifica, respetivamente, uma assunção da
obrigação de celebração de um futuro contrato, e da obrigação de dar preferência a
outrem na celebração de um contrato futuro.
Contudo, temos também situações em que falta a efetiva vinculação a uma obrigação,
mesmo que as partes assumam determinados compromissos durante a fase de
negociações, sendo isto o que MC chama de contratação mitigada, ou seja, as partes já
constituíram vínculos entre si, mas em vista a uma futura negociação. Serão estes os
casos de cartas de intenção – expressão da intenção de celebração de um contrato
futuro, sem assunção de obrigação nesse sentido, acordo de negociação – definição
dos parâmetros em que devem decorrer as negociações, expressando intenção de os
prosseguir, acordo de base – as partes referem o acordo existente sobre os pontos
essenciais do contrato, embora ainda tenham de existir negociações com vista a
acertar questões complementares, acordo-quadro – numa negociação que envolve
múltiplos contratos, as partes estabelecem um acordo comum a todos eles, e
protocolo-complementar – celebração de uma convenção acessória de um
determinado contrato, para o complementar.
Assim, se dos compromissos acima referidos não resultar a assunção da obrigação de
contratar, a responsabilidade só pode ser estabelecida com base na CIC – 227º, sendo
que estes compromissos servem para acentuar a confiança já estabelecida. Sempre
que já exista uma obrigação de contratar assumida pelas partes, estamos já no âmbito
do contrato promessa, que pode ter por objeto outro contrato promessa, caso em que
se aplica a execução específica do contrato, em caso de frustração.
O contrato promessa
É a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar um novo contrato, ou seja, é um
contrato preliminar de outro contrato, que por sua vez será o contrato
definitivo/prometido. O contrato-promessa caracteriza-se pelo facto de o seu objeto
ser a obrigação de contratar, podendo ser relativa a qualquer outro contrato.
São cada vez mais comuns pois, em muitas situações as partes iniciam as negociações
para a celebração de um contrato e chegam a acordo sobre a mesma, mas não podem
(ou não querem) celebrá-lo naquele momento. Assim, em vez de celebrarem o
contrato definitivo, comprometem-se a celebrá-lo, assumindo uma obrigação nesse
sentido.
Ainda que o objeto do contrato-promessa seja a obrigação de celebrar o contrato
prometido, estes são autónomos, uma vez que o contrato promessa tem,
normalmente, eficácia obrigacional, enquanto o prometido poderá ter eficácia real -ex:
compra e venda, transmite-se o direito real de propriedade.
Execução Específica
A lei admite a execução específica da obrigação de vir a contratar, consistindo esta na
substituição do devedor no cumprimento, obtendo o credor a satisfação do direito de
crédito, por via judicial. Neste caso, a execução específica consistirá em o tribunal
emitir uma sentença que produza os mesmos efeitos jurídicos da declaração negocial
que não foi realizada, operando-se assim a constituição do contrato definitivo. A
execução específica da obrigação de contratar está prevista no art, 830º, que nos diz
que o não cumprimento da promessa atribui à outra parte o direito a recorrer à
execução específica. A referência da lei a “não cumprimento” deve ser entendida em
sentido amplo, uma vez que para haver execução específica basta que exista mora do
se não ocorrer a entrega do sinal convencionado pelas partes, este não chega a ser
constituído, apenas uma promessa a ele respeitante.
Como já dito anteriormente, constituído o sinal, a propriedade do mesmo é adquirida
por quem o recebe, ainda que, em caso de cumprimento, este possa ser obrigado a
restituí-lo, se não for possível a sua imputação à prestação devida; se for possível, a
coisa objeto de sinal fica definitivamente no património de quem recebeu o sinal. Em
caso de incumprimento, há lugar à aplicação dos efeitos penais do sinal, que passam
pela perda do mesmo (se for quem o deu que incumpriu) ou pela restituição em dobro
(se foi quem o recebeu que incumpriu).
O sinal tem um campo de aplicação privilegiado nos c-promessa, visto que à luz do art.
440º, num contrato, se um dos contraentes entregar ao outro coisa que coincida, no
todo ou em parte com a prestação devida, é essa entrega havida como antecipação
total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue
o caráter de sinal. Deste modo, podemos concluir que a entrega de uma datio rei por
uma das partes, na altura de celebração do contrato ou em data posterior, não implica
presunção da constituição obrigatória de um sinal, sempre que se verifique
coincidência entre a datio feita e a obrigação a que aquela parte está adstrita. Nesta
situação entende-se sim que o que se visou com a datio foi antecipar o cumprimento
da obrigação, e não a constituição de sinal. Assim, se as partes quiserem que essa
prestação entregue tenha caráter de sinal, têm de lhe atribuir especificamente essa
natureza – ex: se alguém comprar um automóvel, comprometendo-se a pagar o preço
posteriormente e a entregar logo determinada quantia ao vendedor, considera-se que
apenas adiantou parte do pagamento que deve.
Diferentemente se passa em sede de contrato-promessa, onde a prestação realizada
pelo promitente comprador nunca pode ser coincidente com a prestação a que fica
adstrito, visto que no contrato promessa se instituem apenas obrigações de prestação
de facto jurídico – celebrar o contrato definitivo, logo, a entrega de uma coisa nunca
significa cumprimento, daí que nunca se possa considerar essa quantia como
antecipação do cumprimento. Por este motivo, excluímos a aplicação do art. 440º. No
entanto, estipula o art. 441º o contrário, resultando desta norma que a entrega de
quantias em dinheiro pelo promitente comprador ao promitente vendedor constitui
presunção da estipulação de sinal, mesmo que as quantias entregues sejam a título de
antecipação do cumprimento. Isto é assim porque a obrigação de pagamento só surge
com a celebração do contrato prometido, no entanto, ainda que a sua antecipação na
fase do contrato promessa tenha por referência uma obrigação ainda não existente, tal
não chega para elidir a presunção de ter sido estipulado sinal, ainda que esta seja uma
presunção ilidível com a produção de prova em contrário – 350º/2. Trata-se, porém, de
uma prova difícil de efetuar, visto que a não estipulação de sinal seria um facto
negativo, e já vimos que a atribuição de título distinto para a prestação não é suficiente
para afastar a presunção. Caso, porém, as partes consigam demonstrar que a quantia
entregue não tem natureza de sinal, valerá esta como antecipação do cumprimento de
verificar a situação do 808º, tal como nos diz o 442º/3; quanto à tese da indemnização,
apesar de a opção por esse direito ao aumento poder ocorrer em caso de simples
mora, não tem por isso natureza moratória, já que não é cumulável com a exigência de
cumprimento, antes se extinguindo com o mesmo. No entanto, é também duvidoso
que aqui tenhamos uma indemnização causada por danos causados com o
incumprimento definitivo, visto que a atribuição do direito não depende de prova de
danos sofridos, nem os toma como referência, apenas toma em consideração a
valorização de um bem, que ainda se encontra no património do promitente vendedor.
Para além disto, a indemnização por incumprimento foi expressamente convencionada
em montante certo, através da estipulação do sinal, sendo assim claro que o direito ao
aumento do valor da coisa não tem natureza indemnizatória, ou seja, este regime tem
como justificação a restituição do enriquecimento injustificado. Assim, perante uma
situação em que o promitente-vendedor realizou a tradição da coisa, mas enriqueceria
à custa do promitente-comprador através da restituição do sinal em dobro, a lei vem
determinar que a valorização da coisa possa ser atribuída ao comprador, de forma a
não haver enriquecimento injustificado, em alternativa à indemnização convencionada.
O art. 442º/4 vem dispor que o sinal funciona como fixação antecipada da
indemnização devida, em caso de não cumprimento do c-promessa, pelo que a parte
lesada não poderá reclamar outras indemnizações para além das previstas nesta
disposição. Contudo, note-se que se admite estipulação em contrário, caso em que a
estipulação de sinal funcionará como limite mínimo da indemnização, o que não
impede por isso a parte lesada de reclamar uma quantia superior se demonstrar que
sofreu danos mais elevados. Deve referir-se que esta norma apenas exclui outras
indemnizações resultantes do incumprimento do c-promessa, ou seja, se o contraente
faltoso não cumprir a obrigação de restituição do sinal em dobro, pode ser-lhe aplicada
uma outra indemnização pela mora ou incumprimento definitivo.
O direito ao aumento do valor da coisa, como sabemos, só existe quando haja sinal, de
modo que o promitente fiel tenha uma alternativa face ao incumprimento por parte do
promitente faltoso: exigir o sinal em dobro ou o aumento do valor da coisa.
Naturalmente não faria sentido que o direito de retenção se reportasse ao crédito da
restituição do sinal em dobro, uma vez que este pode existir não havendo traditio e,
portanto, sem haver direito ao aumento do valor da coisa, sendo certo que o único
crédito que se reporta à coisa entregue é o do aumento do valor da coisa. Assim, o
direito de retenção apenas se refere ao crédito do aumento do valor da coisa (e por
isso também não a uma restituição do sinal em singelo ou à restituição do preço
eventualmente pago). Daqui podemos inferir que o direito de retenção só te conexão
com o direito ao aumento do valor da coisa, único crédito resultante do
incumprimento que tem relação direta com a coisa a reter.
O pacto de preferência
O pacto de preferência encontra-se previsto nos art. 414º e sgs. do CC, sendo definido
como a convenção segundo a qual alguém assume a obrigação de dar preferência a
outrem na venda de determinada coisa. A lei apenas refere os casos de preferência de
venda, mas a figura do pacto de preferência é mais geral, uma vez que o art. 423º
remete para a assunção desta obrigação de preferência em relação a outros contratos,
com ela compatíveis, que não tenham cariz intuitu personae - contratos realizados
levando-se em consideração a pessoa com quem se contrata, sendo que só esta pode
cumprir a prestação e satisfazer o direito de crédito.
É, à semelhança do contrato promessa, um contrato preliminar de outro contrato, no
entanto, no pacto de preferência, o obrigado à preferência não se obriga a contratar,
apenas a escolher alguém como contraente, no caso de decidir contratar, se esse
alguém lhe oferecer as mesmas condições que conseguiu negociar com um terceiro, ou
seja, é o contrato mediante o qual alguém assume a obrigação de escolher outrem
como contratante, nas mesmas condições negociadas com terceiro, no caso de decidir
contratar. Assim, é um contrato unilateral, visto que apenas quem assume a obrigação
de contratar com outrem se vincula, ficando a outra parte – o titular da preferência,
livre de exercer ou não esse direito.
Forma do pacto de preferência
Encontra-se sujeito, segundo o art. 415º, ao mesmo regime do contrato promessa –
art. 410º/2º, o que significa que a regra geral é a de que não é exigida forma especial
para a sua validade, sendo a única exceção a situação de, se para a celebração do
contrato preferível – aquele para o qual se assume a obrigação de preferência, a lei
exigir documento autêntico ou particular, caso em que se exige documento particular
para o pacto de preferência se poder celebrar validamente. O art. 410º/3, assim, não
tem aplicação, na medida em que por ser um contrato unilateral, apenas terá de ser
assinado, quando necessário, pelo obrigado à preferência (no caso de preferências
recíprocas, serão referentes a objetos diferentes, pelo que teremos antes dois pactos
preferência, sendo que se ambos constarem do mesmo documento e se for exigida
forma especial, ambos devem assinar, contudo, a falta da assinatura de um, não
prejudica a constituição da obrigação do outro).
Direitos de preferência com eficácia real
Normalmente, a celebração do pacto de preferência apenas atribui ao seu beneficiário
um direito de crédito contra o obrigado à preferência, pelo que, em princípio, não pode
ser oponível a terceiros, é relativo.
A lei admite, contudo, que seja atribuída ao direito de preferência, eficácia real, desde
que, respeitando a bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, as partes expressamente
o estipulem, celebrem o pacto de preferência por escritura pública ou documento
particular autenticado, ou, quando não seja exigida forma especial para o contrato
preferível, por documento particular com assinatura do obrigado, referindo a entidade
emitente, data e número do seu documento de identificação, e procedam à respetiva
inscrição no registo – requisitos de forma e publicidade do art. 413º, segundo o art.
421º/1. Por vezes a lei concede a certos titulares de direitos reais ou pessoais de gozo
sobre determinada coisa, a preferência na venda ou dação em cumprimento da coisa
objeto desse direito – ex: o comproprietário – art 1535º, sendo estes casos de
preferências legais, que têm sempre eficácia real, pelo que quem dela disfruta pode
sempre opor o seu direito de preferência a terceiros.
Coloca-se a questão de saber se, convencionando as partes a eficácia real do pacto de
preferência, como proceder em caso de conflito deste com direitos legais de
preferência que outro adquirente possa ter sobre a mesma coisa? A lei vem esclarecer,
no art. 422º, que o direito convencional de preferência não prevalece contra os direitos
legais de preferência, pois tal seria atribuir às partes possibilidade de afastarem direitos
legalmente atribuídos.
A obrigação de preferência
A lei regula genericamente o regime da obrigação de preferência nos art. 416º a 418º,
remetendo ainda para estes os casos de preferências legais.
Relativamente à forma de proceder no cumprimento da obrigação de preferência, diz-
nos o art. 416º que, querendo o obrigado vender a coisa objeto do pacto, deverá
comunicar tal intenção ao titular do direito, ou seja, o projeto de venda e as cláusulas
do respetivo contrato. Depois de receber esta comunicação, deve o titular do direito
exercê-lo dentro de 8 dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a um
prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar um prazo mais longo.
Este artigo suscita a discussão da doutrina.
- União de contratos (art. 417º): hipótese da venda da coisa juntamente com outras,
por um preço global. Trata-se de uma situação de união entre diversos contratos de
compra e venda;
- Contratos mistos (art. 418º)
União de contratos (art. 417.º) – refere-se à hipótese de venda de uma coisa
juntamente com outras, por um preço global. Trata-se de uma situação de união entre
diversos contratos de compra e venda, pela estipulação de um preço comum para
várias coisas vendidas simultaneamente. Nesse caso, haverá que distinguir entre união
interna e externa. Sendo externa a união de contratos, há apenas uma estipulação
comum do preço, sem qualquer dependência entre os vários contratos, pelo que nada
impede o titular de exercer a preferência pelo preço que for atribuído
proporcionalmente à coisa. Já essa união for interna, existe dependência entre os
diversos contratos, pelo que o exercício da preferência pelo titular afetaria toda a união
de contratos, o que justifica que se permita ao obrigado exigir que a preferência se faça
em relação a todas as coisas vendidas. Exige-se para tal que a quebra da união interna
acarrete prejuízos objetivamente apreciáveis para uma das partes.
Contratos mistos (art. 418.º) - refere-se apenas aos contratos mistos complementares,
o que justifica que se questione se é possível exercer a preferência em relação aos
outros tipos de contratos mistos. Em relação aos contratos múltiplos ou combinados
(transmissão de um bem com um a principal de prestação de serviços, a título oneroso)
ou aos contratos de tipo duplo ou geminados (transmissão de um bem como
contrapartida de uma prestação de serviços), não nos parece possível o exercício da
preferência, uma vez que o contrato efetivamente realizado não corresponde ao
contrato em relação ao qual se concedeu a preferência. Já quanto aos contratos mistos
cumulativos ou indiretos (venda com preço a favor), é claramente admissível o
exercício da preferência, uma vez que foi efetivamente celebrado um contrato em
relação ao qual se concedeu a preferência, mesmo que no caso concreto as partes
tenham utilizado a sua estrutura contratual para fins distintos dos que lhe são típicos.
Só em relação aos contratos complementares, em que ao contrato típico se acrescenta
uma prestação acessória típica de outro contrato (compra e venda com uma obrigação
acessória de prestação de serviços pelo comprador), o art. 418.º permite o exercício da
preferência, determinando que essa prestação acessória deve ser compensada em
dinheiro. Caso, essa prestação acessória não seja avaliável em dinheiro, é excluída a
preferência, a menos que seja lícito presumir que, mesmo sem a prestação estipulada,
o contrato não deixasse de ser celebrado. A lei considera que a estipulação de
prestações acessórias não avaliáveis em dinheiro torna o contrato celebrado distinto do
contrato em relação ao qual se concedeu a preferência, daí que seja excluída a
preferência, salvo se essa prestação não tiver grande importância para a decisão de
contratar do obrigado. Há, ainda, um caso em que à estipulação da prestação acessória
não se reconhece qualquer efeito, que é a hipótese de ela ter sido convencionada para
afastar a preferência. Neste caso, o preferente pode sempre exercer a preferência,
nunca tendo que compensar essa prestação, mesmo que ela seja avaliável em dinheiro
(art. 418.º, nº2).
depósito do preço devido, ainda que o preferente deva, no caso de ficar também
sujeito às mesmas despesas com a escritura e na medida em que o ficar, reembolsar ao
terceiro as despesas por ele suportadas, sem o que haveria enriquecimento sem causa.
Outra questão levantada pela ação de preferência prende-se como problema da
simulação de preço (art. 240.º e ss). Efetivamente, as partes no intuito de enganar
terceiros podem por acordo celebrar um negócio que não corresponda à sua
verdadeira vontade. Essa simulação pode passar pela indicação de um preço superior,
no intuito de defraudar o próprio exercício da preferência, ou inferior, no intuito de
evitar o pagamento dos impostos de transmissão. Como realizar o exercício de
preferência numa situação deste género? Se o preço declarado para a transmissão é
superior ao preço efetivamente praticado, nenhumas dúvidas existem no sentido de
que o titular da preferência deve exercê-la pelo preço real. Efetivamente, nesse caso o
negócio simulado é nulo (art. 240º/2), sendo válido o dissimulado (art. 241.º), pelo que
a preferência é naturalmente exercida em relação ao negócio válido. Se o preço
declarado para a transmissão é inferior ao preço efetivamente praticado, a questão
torna-se mais complexa, parecendo que a lei vedaria aos simuladores a possibilidade
de exigir que a preferência seja efetuada pelo preço real. Com efeito, o preferente
sustentasse com base no negócio nulo, pelo que a preferência só poderia ser afastada
através da invocação dessa nulidade. Só que o art. 243.º, n.º1 proíbe a arguição da
nulidade proveniente da simulação por parte dos simuladores contra terceiro de boa
fé, constituindo a boa fé na ignorância da simulação ao tempo em que foram
constituídos os respetivos direitos (art. 243.º, n.º2). Por outro lado, a lei é
extremamente restritiva em relação à prova da simulação, uma vez que exclui o recurso
à prova testemunhal (art. 394.º, n.º2), bem como às prestações judiciais (art. 351.º), o
que restringiria em termos práticos a possibilidade de os simuladores demonstrarem
com êxito a simulação, sustentando Antunes Varela que a lei vedaria aos simuladores
exigir que a preferência seja exercida com base no preço real. Contra esta
interpretação pronunciou-se Menezes Cordeiro. Sustenta-se que o não permitir aos
simuladores exigir que a preferência seja realizada pelo preço real, equivale a autorizar
um enriquecimento ilegítimo do preferente à custa dos simuladores. Com efeito,
interpreta -se o art. 243.º, n.º2, não considerando a situação do preferente neste caso
como a de um terceiro de boa fé, inicialmente com o argumento de que o seu direito
de adquirir por determinado preço só se constituiria com a sentença que julgasse
procedente a ação de preferência, posteriormente, com o argumento de que o
preferente não faz qualquer investimento de confiança, que justifique a sua tutela
através da boa fé.
A jurisprudência tem-se orientado nesse sentido. As dificuldades de prova levantadas
pelo art. 394.º, n.º2, a esta solução têm sido torneadas através da defesa de uma
interpretação restritiva desta disposição, segundo a qual bastaria um princípio de prova
documental para logo se admitir a sua complementação através de testemunhas. A
jurisprudência tem seguido essa orientação, aceitando para o efeito inclusivamente 24
escrituras de retificação. Para além disso, tem-se admitido a possibilidade de os
simuladores serem ouvidos através de depoimento de parte. Para o Prof. Menezes
doutrina, sempre que alguém possui coisas ou exerce uma atividade que se
apresentam como potencialmente suscetíveis de causar danos a outrem, tem
igualmente o dever de tomar as providências adequadas a evitar a ocorrência de
danos, podendo responder por omissão se não o fizer – ex: se um ramo cai de uma
árvore seca e provoca danos a outrem, o proprietário da mesma é responsável por não
a ter cortado; se uma criança dispara uma arma de caça e causa danos, o proprietário
da arma pode ser responsabilizado por a ter deixado em sítio acessível à criança. As
coisas ou atividades perigosas que se encontram no âmbito do controlo do sujeito,
delimitam assim um campo específico de imputação, onde a ocorrência de danos o
sujeita à responsabilidade por omissão.
A ilicitude
Nem sempre a previsão da ilicitude aparece tipificada a nível legislativo, nos diversos
sistemas de responsabilidade civil.
O legislador português optou claramente pela via do sistema alemão, de cláusulas
gerais limitadas, ou seja, há uma enunciação legislativa dos bens jurídicos tutelados, há
uma tipificação das posições jurídicas cuja lesão pode envolver responsabilidade civil.
Ora, no nosso direito, é estabelecida uma cláusula geral limitada no art. 483º,
correspondente a um somatório do 823 I e II do BGB, que se reportam a
responsabilidade do agente pelos danos causados se este, com dolo ou negligência,
lesou ilicitamente a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade ou outro direito (note-se
que a diferente para o nosso 483º é que este se reporta a todo e qualquer direito
subjetivo, e não apenas a alguns direitos como enunciados no art. do BGB), e aos casos
de o agente ter violado culposamente uma lei dirigida à proteção de outrem.
Temos, por isso, uma exigência expressa de ilicitude do facto praticado pelo agente,
que nos termos do art. 483º pode consistir na violação de direitos subjetivos alheios,
ou de disposições legais destinadas a proteger esses interesses alheios. Surgem ainda
noutros locais previsões específicas de comportamentos ilícitos – 334º, 335º, 484º e
485º.
A ilicitude aparece sempre configurada como um juízo de desvalor atribuído pela
ordem jurídica. Resta saber se esse juízo de desvalor se refere ao comportamento do
agente – teoria do desvalor do facto, ou se, pelo contrário, se refere ao próprio
resultado – teoria do desvalor do resultado.
A teoria do desvalor do resultado foi durante muito tempo maioritariamente
defendida, sendo que de acordo com esta, o desvalor do resultado causado e obtido
pela ação preenche logo o requisito da ilicitude, sendo o agente responsabilizado se o
seu comportamento é culposo. A solução foi, no entanto, posteriormente posta em
causa na medida em que qualificaria como ilícitos comportamentos perfeitamente
conformes ao tráfego, apenas porque seriam causalmente adequados a produzir
aquele resultado que foi produzido. Ora, se o agente atuou conforme as regras do
tráfego, parece incorreto considerar presente o requisito da ilicitude, mesmo que possa
ser excluída por caso de justificação, só porque esse comportamento conduziu ao
b) Cumprimento de um dever;
c) Legítima defesa;
d) Ação direta;
e) Estado de necessidade;
f) Consentimento do lesado
Exercício de um direito
A primeira causa de justificação baseia-se no exercício de um direito, considerando-se
que, se alguém tem um direito subjetivo e o exerce, não deve responder pelos danos
daí resultantes para outrem, de acordo com o brocardo qui suo iure utitur nemini facit
iniuram – ex: se alguém tiver uma licença de caça poderá caçar num determinado
terreno em que tal lhe seja permitido, sem que o seu proprietário possa reclamar
indemnização pelas peças de caça abatidas.
Porém, face à crescente funcionalização dos direitos subjetivos, esta esta causa de
justificação deve ser entendida em termos restritivos. Assim, há que salientar não só as
limitações do exercício dos direitos subjetivos pelos institutos do abuso de direito –
334º e da colisão de direitos – 335º, mas também o facto de que a existência de um
direito subjetivo não impede a oneração do agente com deveres de segurança no
tráfego, os quais se destinam precisamente a evitar a ocorrência de danos – ex: o
caçador que pode caçar no terreno, não deixará de responder pelos danos em coisas
ou pessoas que possa provocar em virtude de não ter tomado as precauções
necessárias. Daí que, como refere Pessoa Jorge, desta causa de justificação apenas
resulte que o titular não tem de indemnizar prejuízos que, causados embora pelo
exercício do seu direito, representem a frustração de interesses que, precisamente ao
conceder esse direito, a lei postergou.
Cumprimento de um dever
Vigorando para o sujeito o dever de adotar determinada conduta, este pode ser
forçado a acatá-la ainda que para tal tenha de infringir outros deveres relativos a
posições jurídicas alheias, e cuja infração normalmente traria consigo a ilicitude do
facto. Nessa situação está-se perante o que se denomina como conflito de deveres, que
deve ser resolvido dando preponderância ao dever que se considere de natureza
superior – ex: um médico que disponha de nº limitado de unidades paras transfusões
de sangue pode, em caso de excessivos sinistrados, optar por privilegiar os doentes de
maior risco, sem que atue ilicitamente ao fazê-lo.
Contudo, para haver exclusão de ilicitude é necessário que o dever seja efetivamente
cumprido, não bastando a simples colisão, ou seja, se em caso de conflito de deveres o
agente opta por não cumprir nenhum, será naturalmente responsável pelo
incumprimento dos dois. Para além disto, é necessário que a impossibilidade de
cumprimento dos dois deveres não resulte de culpa anterior do agente, não deixando
de haver responsabilização nesse caso – ex: se as unidades de sangue não existem no
hospital por o médico se ter esquecido de as solicitar, responderá pelos danos
causados.
É necessário que a agressão seja atual e contrária à lei. Por atual entende-se iminente
ou em execução, o que exclui desta causa de justificação de ilicitude uma atitude
tomada em vista de castigar agressões passadas ou de se antecipar quanto a agressões
futuras, e que não são por isso iminentes. Por contrária à lei entende-se a exigência do
caráter ilícito da agressão, ou seja, quaisquer lesões lícitas de direitos do agente não
admitem recurso à legítima defesa – ex: não é permitido ao agente a defesa se estiver
a ser preso em consequência de mandato judicial, ou se a própria agressão de que está
a ser alvo seja ela própria uma ação de legítima defesa.
Outro requisito é a impossibilidade de recorrer aos meios normais, ou seja, caso o
agente pudesse parar a agressão, apelando, por exemplo, a um polícia que se
encontrasse próximo, naturalmente não lhe seria permitida a defesa. Porém, já lhe
seria permitida se o recurso aos meios normais se revelasse incompatível com a
dignidade do agente, impondo-lhe, por exemplo, a fuga à agressão. Efetivamente, o
agente não é obrigado, perante uma agressão, a adotar atitudes humilhantes para si
próprio, como a fuga, quando pode fazer cessar a agressão com recurso à defesa. A
fuga já parece, porém, impor-se se a agressão provier de alguém inimputável – ex: uma
criança menor, uma vez que esta pessoa não atenta contra a dignidade do agente e a
eventual defesa, como matar ou agredir a criança, apresentar-se-ia como totalmente
desproporcionado.
Por fim, exige-se que o prejuízo causado não seja manifestamente superior ao que
pode resultar da agressão, ou seja, a defesa que o agente faz da sua dignidade, embora
possa exceder a lesão que lhe seria provocada pela agressão, tem de corresponder, em
termos de racionalidade a esta, não podendo ser desproporcionada – ex: não seria
lícito que alguém abatesse a tiro alguém que estaria a apenas a injuriar outrem, ou
matar quem estivesse a cometer furto, mas já seria permitida a defesa se a agressão
pretender causar ofensas corporais graves, como matar ou violar.
A lei prevê ainda que o ato possa ser justificado, ainda que haja excesso de legítima
defesa, desde que este excesso (desproporcionalidade da defesa face à agressão em
questão) seja provocado por perturbação ou medo não culposo do agente – 337º/2.
ML considera que nesses casos não estaremos perante uma causa de exclusão da
ilicitude – uma vez que não é lícito ao agente atuar em excesso de legítima defesa,
estaremos sim perante uma causa de exclusão de culpa, consistente no medo do
agente.
Ação direta
Vem igualmente ser consagrada como causa de exclusão de ilicitude – 336º.
Sendo uma atitude ofensiva, os seus pressupostos são bastante mais restritivos do que
os da legítima defesa. São estes:
- Estar em causa a realização ou proteção de um direito subjetivo do próprio agente;
- Ser impossível recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais;
- A atuação do agente seja indispensável para evitar a inutilização prática do seu direito
- O agente não exceda o que for necessário para evitar esse prejuízo do seu direito;
- O agente não sacrifique interesses superiores aos que a sua atuação visa assegurar ou
realizar
A ação direta só pode ser realizada quando estiver em causa um direito subjetivo do
próprio agente, não parecendo possível a sua utilização relativamente a direitos de
terceiros. A lei admite a sua utilização face a direitos reais como a propriedade, por
exemplo, assim como a outros direitos de gozo. Já os direitos de crédito, não podem
ser tutelados pela ação direta, não sendo lícito ao credor, com recurso à força, obrigar
o devedor a cumprir a prestação.
Exige também a impossibilidade de recorrer, em tempo útil, aos meios coercivos
normais. Esta impossibilidade não tem, contudo, de ser absoluta, bastando que, face
ao tempo de resposta habitual do meio coercivo a que se teria de recorrer, seja
previsível que não se conseguisse realizar ou assegurar o próprio direito – ex: é possível
a subtração ao ladrão do objeto por este furtado, se chamando a polícia, este se
pusesse em fuga.
Pressupõe ainda que o direito ficasse inutilizado, do ponto de vista prático, sem essa
atuação do agente destinada a realizá-lo ou assegurá-lo, ou seja, que sem essa ação o
agente perdesse o direito ou deixasse de o poder exercer.
No entanto, a ação direta está ainda condicionada pelo facto de o agente não poder
exceder o que for necessário para evitar o prejuízo. Toda e qualquer atuação do agente
que não possa, por isso, justificar-se pelo fim de evitar a ocorrência de danos para o
agente será, por isso, ilícita.
Por último, está excluída a ação direta sempre que implique para outrem maiores
prejuízos do que os que se pretendia evitar para o agente, ou seja, impõe-se mais uma
vez o requisito de a ação do agente não ser desproporcional.
Apenas verificados estes pressupostos é possível recorrer à ação direta, que a lei refere
como a apropriação, destruição ou danificação de uma coisa, na eliminação da
resistência irregularmente oposta ao exercício do direito, ou noutro ato análogo –
336º/2. Assim, qualquer destes atos pode implicar a ocorrência de danos para outrem,
contudo, verificados os pressupostos, há irresponsabilização do agente que os pratica,
pois é afastada a ilicitude do facto.
Estado de necessidade
Outra das causas de justificação da exclusão de ilicitude, prevista no art. 339º.
Ao contrário do que acontece na legítima defesa, este apenas justifica o sacrifício de
bens patrimoniais, quando o agente pretenda remover um perigo de um dano
manifestamente superior, a ocorrer na sua própria esfera ou de terceiro, ainda que em
certos casos tal imponha uma obrigação de compensar os danos sofridos pelo lesado –
A culpa
Ao prever que o agente tenha atuado “com dolo ou mera culpa” – 483º/1, a lei exige
ainda a culpa como pressuposto normal da responsabilidade civil, considerando
excecionais os casos de responsabilidade sem culpa – 483º/2.
Tradicionalmente a culpa era definida em sentido psicológico, ou seja, era o nexo de
imputação do ato ao agente, considerando-se que esta existia sempre que o ato
resultasse da sua vontade, sendo-lhe psicologicamente atribuível. Esta conceção tem,
porém, vindo a ser substituída por uma definição de culpa em sentido normativo, ou
seja, como um juízo de censura ao comportamento do agente.
A culpa é assim definida como o juízo de censura ao agente por ter adotado a conduta
que adotou, quando de acordo com o comando legal, estaria obrigado a adotar
conduta diferente. É assim, em sentido normativo, uma omissão de diligência que seria
exigível ao agente de acordo com o padrão de conduta que a lei impõe e que é
esperado. Nesta medida, a culpa será o juízo de desvalor atribuído pela ordem jurídica
ao facto voluntário praticado pelo agente, visto como axiologicamente reprovável.
A imputabilidade como pressuposto da culpa, e o regime da responsabilidade dos
inimputáveis
No entanto, para que o agente possa ser efetivamente censurado pelo seu
comportamento, é sempre necessário que ele conhecesse ou devesse conhecer o
desvalor do seu comportamento e que tivesse podido escolher a sua conduta. Assim,
considera-se haver falta de imputabilidade quando o agente não tem a necessária
capacidade para entender a valorização negativa do seu comportamento, ou não tem
possibilidade de o determinar livremente. Sendo a imputabilidade um pressuposto do
juízo de culpa, o agente fica naturalmente isento de responsabilidade se praticar o
facto em estado de inimputabilidade – 488º/1, estado esse que se presume
automaticamente nos menores de sete anos de idade – 488º/2. A presunção pode,
contudo, ser ilidida, por força do art. 350º/2, se for possível demonstrar a capacidade
para entender ou querer do agente
No entanto, como vemos no art. 488º/1, a falta de imputabilidade não significa
exclusão de responsabilidade, ou seja, sempre o estado de incapacidade de entender a
desvalorização do seu comportamento seja transitória e seja devido a facto culposo do
agente – ex: quem causou um dano a outrem em virtude de ter ingerido substâncias
psicotrópicas, ou de se ter deixado adormecer enquanto conduzia, não deixa de
responder por esses danos, pois foi o próprio agente a colocar-se nessa situação.
Contudo, é de ressalvar que a responsabilidade continuará a ser excluída se a
inimputabilidade, mesmo que resultante de facto culposo do agente, seja definitiva –
ex: alguém sofrer lesões cerebrais por facto culposo seu, ainda que estas o tornem
inimputável, não fazendo sentido que esse facto culposo bastasse para responsabilizar
o agente por todos os danos que futuramente viesse a causar em estado de
inimputabilidade.
O art. 489º/1 admite ainda a possibilidade de, por motivos de equidade,
responsabilizar total ou parcialmente o inimputável pelos danos que este causar, total
ou parcialmente, desde que não seja possível obter esta reparação a partir das pessoas
responsáveis pela vigilância do inimputável. Por via do 489º/2, esta indemnização será
fixada por forma a não privar o inimputável dos alimentos que lhe são necessários,
conforme o seu estado e condição, nem de o privar dos meios indispensáveis para
cumprir possíveis deveres de alimentos que possa ter,
Esta norma levanta, segundo ML, algumas questões, visto que é manifesta a sua
subsidiariedade em relação à responsabilidade dos vigilantes, por via do art. 491º,
exigindo-se assim, para a aplicação da indemnização ao inimputável, que ou não exista
vigilante, ou que, mesmo existindo, o vigilante não seja responsável pela situação, ou
ainda, mesmo que exista vigilante e este seja responsável, não tenha meios para pagar
a reparação. Por outro lado, parece que esta norma pressupõe que a responsabilidade
apenas não tenha ocorrido em razão da inimputabilidade do agente, ou seja, terá este
que ter praticado um facto ilícito que seria considerado culposo se o seu autor fosse
imputável. Não parece por isso existir aqui uma situação de responsabilidade pelo
risco, mas sim uma responsabilidade baseada na ilicitude objetiva, em que por motivos
de equidade, se dispensa a imputabilidade como pressuposto da culpa.
O dolo e negligência
O art. 483º/1, ao fazer referência a “dolo e mera culpa” admite duas formas de culpa: o
dolo e a negligência.
O dolo, para efeitos de responsabilidade civil corresponde à intenção do agente de
praticar o facto. A negligência, contudo, já se verifica sem essa intenção, mas o
comportamento do agente não deixa de ser censurável em virtude da omissão de
diligência na sua conduta, a que estava legalmente obrigado.
A distinção entre ambos tem grande relevância no âmbito do direito penal, existindo
grande variação na medida das penas entre tipos penais dolosos e tipos penais
negligentes. Já no âmbito da responsabilidade civil, uma vez que a sanção para
atuações dolosas ou negligentes consiste sempre na obrigação de reparar os danos
sofridos – 483º, a distinção tem menos importância.
A distinção tem ainda relevância na medida em que, agindo com dolo, atua logo
ilicitamente, desde que viole algum direito subjetivo alheio ou um interesse objetivo de
uma norma de proteção – 483º/1. Se, porém, não existir atuação dolosa do agente, só
haverá ilicitude se o agente violar um dever objetivo de cuidado, na lesão de bens
jurídicos.
Tradicionalmente a doutrina aponta para 3 graus de dolo e 2 graus de negligência,
previstos nos art. 14º e 15º do CP:
Quanto à negligência:
- Negligência consciente: o agente, violando o dever de diligência a que estava
obrigado, representa a verificação do facto como consequência possível dessa conduta,
mas atua sem se conformar com a verificação da mesma
- Negligência inconsciente: o agente, violando o dever de diligência a que estava
obrigado, não chega sequer a representar a verificação do facto.
Em ambas as situações, o agente não deseja a verificação do facto, ainda que a
omissão do dever de diligência a que estava adstrito o torne responsável. No primeiro
caso, o agente chega a representar a possibilidade de se verificar o facto, mas essa
possibilidade é por ele afastada -ex: quem conduz violando as regras de trânsito fá-lo
com consciência e em admissão da possibilidade de provocar um acidente, mas
convence-se de que tal não acontecerá. No caso de negligência inconsciente, o agente
infringe o seu dever de diligência sem que tenha qualquer representação da verificação
do facto – ex: quando alguém viola as regras de trânsito, mas nem sequer equaciona a
possibilidade de provocar um acidente
Quanto ao dolo:
- Dolo direto: o agente quer a verificação do facto, sendo a sua conduta dirigida
diretamente a provocá-lo. É claríssima a intenção do agente ao praticar o facto – ex: o
agente pretende a morte da pessoa X, matando-a a tiro.
- Dolo necessário: o agente não dirige diretamente a sua atuação à verificação do
facto, mas aceita-o como consequência necessária da sua conduta. A intenção do
agente de provocar aquele facto não é tão clara, mas encontra-se igualmente presente
– ex: um indivíduo coloca uma bomba numa embaixada, com intuito de protestar
contra determinado país estrangeiro, pelo que sabe que inevitavelmente tal
comportamento vai levar à morte ou ferimentos graves de pessoas que se encontrem
no edifício, ou seja, a sua ação também deverá considerar-se intencional quanto a
essas lesões.
- Dolo eventual: o agente representa a verificação como consequência possível e atua,
conformando-se com a sua verificação. Pode facilmente confundir-se com a negligência
consciente, mas não deixa de existir distinção uma vez que a atuação do agente, não
visando o facto como consequência direta nem necessária da sua conduta, representa
uma conformação tão grande com a possibilidade da sua verificação, que chocaria
classificar a situação como mera negligência, mesmo que consciente. Imagine-se, por
exemplo, que a violação das regras de trânsito por parte do agente consiste em ele
entrar conscientemente na autoestrada a alta velocidade em contramão,
comportamento que toda a gente sabe que, salvo hipóteses excecionais, conduz
necessariamente a um acidente. Neste caso, se acontecesse um acidente, considerá-lo
mera negligência ofenderia o senso comum, pois dificilmente se poderia dizer que o
agente estava convencido de o seu comportamento nunca ir conduzir à verificação
daquele facto.
Há várias teorias sobre como distinguir negligência consciente e dolo eventual:
- Teoria da verosimilhança: a diferença reside no grau de probabilidade com que o
resultado é representado pelo agente, ou seja, há dolo eventual quando o agente
representasse o resultado como extremamente provável, e negligente no caso
contrário.
- Fórmula hipotética de Frank: há dolo eventual quando o agente, na hipótese de ter
considerado como certo o resultado da sua conduta, não tivesse adotado
comportamento diferente
- Fórmula positiva de Frank: há dolo eventual quando o agente, tendo previsto o
resultado da sua conduta como possível, conforma-se com esse resultado, não
alterando consequentemente o seu comportamento.
O Dano
O nexo de causalidade
A Responsabilidade Obrigacional
Encontra-se genericamente prevista no art. 798º, de onde resulta uma clara
equiparação dos pressupostos da responsabilidade obrigacional aos da
responsabilidade civil delitual, uma vez que também existe um facto voluntário do
devedor – “o devedor que”; cuja ilicitude resulta do não cumprimento da obrigação
–“falta… ao cumprimento da obrigação”, exigindo-se também a culpa –
“culposamente”, e o dano –“torna-se responsável pelos prejuízos” e o nexo de
causalidade entre o facto e o dano – “que causa ao credor”.
Esta posição é contestada pelo Prof. MC, que considera que o art. 799º/1, ao aludir a
uma presunção da responsabilidade do devedor, estaria o legislador a influenciar-se
pelo direito francês, que unifica os conceitos de culpa e ilicitude, ao contrário do que
se passa na responsabilidade delitual, influenciada pelo direito alemão e que as
distingue. Assim, haveria, na visão de MC, uma presunção de faute que consiste numa
presunção simultânea de ilicitude, culpa e nexo de causalidade entre o facto e os danos
causados.
O Prof. ML não concorda com esta posição, defendendo que essa presunção de culpa
em nada se distingue daquela que encontramos na responsabilidade delitual – 491º,
492º, 493ç, 493º e 503º/3. Por outro lado, discorda que o art. 798º seja influenciado
pela faute francesa, não sendo o regime da responsabilidade obrigacional baseado
nesta, mas sim no conceito de inexecución, prevendo a lei que a responsabilidade
contratual tem lugar se o devedor não justificar que a inexecução da prestação não
provenha de uma causa estranha que não lhe possa ser imputada. A faute é assim
usada na doutrina francesa, que a utiliza para fazer a transposição do seu sistema
delitual para a responsabilidade obrigacional. Para além disto, ML defende existir no
art. 798º, tal como no 483º, uma clara distinção entre ilicitude e culpa, ou seja, entre o
incumprimento da obrigação e a censurabilidade do devedor ao incorrer nesse
incumprimento, a qual não é diferente da contraposição entre violação do direito
subjetivo e a culpa no art. 483º. Ao contrário do que se passa no sistema francês, o
devedor não necessita de provar que a inexecução resultou de uma causa estranha,
para se isentar da indemnização, bastando-lhe demonstrar que o seu comportamento
não é censurável de acordo com a diligência de um bónus pater famílias, o que
corresponde precisamente ao mesmo critério que vigora para a responsabilidade
delitual – 798º/2 e 487º/2, apenas muda o ónus probatório.
Assim, são efetivamente reduzidas as diferenças entre a responsabilidade obrigacional
e delitual, residindo a diferença essencial no ónus da prova, face à presunção de culpa
do devedor – 799º/1, embora tal suceda também em certas situações delituais. Para
além disto, na responsabilidade obrigacional são tutelados todos os prejuízos sofridos
e os benefícios que o credor deixou de ter pela não realização da prestação devida,
permitindo tutelar danos puramente patrimoniais – 798º. Contudo, se tal não acontece
no art. 483º, sucede noutras categorias de ilicitude delitual.
Por estes motivos, ML defende uma consideração unitária dos pressupostos da
responsabilidade civil delitual/subjetiva, na obrigacional.
A responsabilidade pré-contratual
A solução tradicional era a de que, antes da celebração do contrato, as partes não
adquiriam qualquer direito, uma vez que não se tinha verificado um válido exercício da
autonomia privada, ou seja, mesmo tendo-se iniciado negociações ou a emissão de
declarações negociais, não poderia tal conduzir a uma situação de responsabilidade.
Jhering veio a pôr em causa esta solução, concluindo que de um contrato nulo
poderiam igualmente surgir situações geradoras de responsabilidade. Resultando esta
de uma das partes vir a contratar sem as condições necessárias à validade do contrato,
induzindo em erro a outra parte. Ao entrar em negociações, as partes sairiam já do
círculo de deveres puramente negativo dos contactos extracontratuais, entrando já na
vinculação positiva da esfera contratual, tendo por isso que aplicar na contratação a
diligência necessária para evitar a ocorrência de danos – culpa na formação dos
contratos/culpa in contrahendo.
Atualmente este instituto torna-se imprescindível, uma vez que a evolução da
sociedade tornou cada vez mais complexo o processo de formação de contratos. Esta
complexidade da formação dos contratos vai criando sucessivas situações de confiança
nas partes, que seria inaceitável que não viessem a ser juridicamente protegidas
através da responsabilidade civil. É essa a função da responsabilidade pré-contratual
consagrada no art. 227º do CC. Este artigo ao referir-se aos preliminares e à formação
do contrato esclarece-nos que a responsabilidade pré- contratual abrange
simultaneamente a fase negociatória, que decorre desde o início das negociações até à
emissão da proposta contratual, e a fase decisória, que decorre desde a emissão da
proposta até à conclusão do contrato, com a respetiva aceitação. A lei não distingue os
tipos de contratos abrangidos, pelo que a responsabilidade contratual pode ser
aplicada a qualquer tipo de contratos, e não apenas aos obrigacionais.
A lei impõe a observância das regras da boa-fé em todo o processo de formação do
contrato, entendendo que o mero facto de se entrar em negociações é suscetível de
criar uma situação de confiança na outra parte, que deve ser tutelada mesmo sem ter
surgido qualquer contrato. Assim, caso essa situação de confiança venha a ser lesada,
com violação das regras da boa-fé, verifica-se um facto ilícito que constitui o lesante no
dever de indemnizar os danos sofridos pelo lesado. Naturalmente que a ilicitude do
facto deriva da violação de deveres acessórios de conduta, que neste caso surgem
antes da constituição do dever de prestar principal. Segundo MENEZES CORDEIRO, do
dever de atuar de boa-fé derivam três tipos de deveres pré- negociais:
- Deveres de proteção, que determinam que as partes na fase negocial devem evitar
qualquer atuação suscetível de causar danos à outra parte, sejam eles pessoais ou
patrimoniais.
- Deveres de informação, em especial quanto às circunstâncias que possam ser
relevantes para a formação do consenso da outra parte, e com especial intensidade
quando uma das partes se apresenta como mais fraca. Tem-se entendido, no entanto,
que o dever de informação só surge, quando a outra parte cumpriu o seu dever de
autoinformação, fazendo o que estava razoavelmente ao seu alcance para se
autoinformar.
- Deveres de lealdade, por forma a evitar comportamentos que se traduzam numa
deslealdade para com a outra parte, aqui se incluindo a própria rutura das negociações
quando a outra parte tinha adquirido justificadamente a confiança de que eles iriam
conduzir à celebração do contrato. Estes deveres são impostos em virtude do princípio
da boa-fé, correspondendo assim aos vetores deste princípio, como seja a tutela da
confiança e a primazia da materialidade subjacente, sendo neste caso primordial o
primeiro vetor.
É a violação desses deveres que gera a culpa in contrahendo, a qual, abrange
fundamentalmente três situações:
1) A interrupção ou rutura das negociações, levando a que o contrato não se venha a
celebrar;
2) A celebração do contrato em termos tais que este venha a padecer de invalidade ou
ineficácia;
3) A celebração válida ou eficaz do contrato, mas em termos tais que o modo como foi
celebrado gere danos para uma das partes.
Relativamente à rutura das negociações ela constitui um caso que tem vindo a ser
objeto de ampla discussão na doutrina. A maior parte dos autores salienta que não se
pode considerar as partes vinculadas a uma obrigação de concluir o contrato, apenas
pelo facto de terem entrado em negociações, aliás, as partes devem estar prevenidas
para a hipótese inversa. Apenas quando na outra parte tenha sido criada a confiança
justificada de que o contrato iria ser concluído e ocorre uma rutura de negociações
sem motivo legítimo é que se pode considerar ter ocorrido uma violação das regras da
boa-fé, único caso em que a responsabilidade pré-contratual se aplica. Cabe, porém,
perguntar quais os danos que devem ser indemnizados. Não se tendo constituído um
direito de crédito, por não se ter celebrado qualquer contrato, não parece possível que
o lesado possa reclamar os danos provenientes da não celebração do contrato
(interesse contratual positivo), uma vez que não tinha obtido qualquer direito prévio à
sua realização. Os danos indemnizáveis serão assim aqueles que a parte sofreu em
virtude da confiança que lhe tinha sido gerada pela outra parte (interesse contratual
negativo), como por exemplo despesas infrutíferas ou a perda de ganhos que de outra
forma teriam sido obtidos. De acordo com o Prof. MENEZES LEITÃO, a responsabilidade
pré-contratual situa-se num meio termo entre a responsabilidade contratual e a
responsabilidade delitual, uma vez que não resulta do incumprimento de uma
obrigação previamente assumida, nem da violação de um dever genérico de respeito
dos direitos absolutos, mas antes a deveres surgidos no âmbito de uma relação
específica entre as partes, que impõem a tutela da confiança no âmbito do tráfego
negocial. O regime aplicável deverá ser deverá ser construído a partir da aplicação de
normas da responsabilidade deltual ou contratual consoante o que se considerar mais
adequado à solução do caso. Em relação à culpa in contrahendo, o regime aplicável
será preponderantemente o da responsabilidade obrigacional, sujeitando-se, por isso,
à presunção de culpa prevista no art. 799º e ficando a responsabilidade por atos dos
auxiliares sujeita ao regime do art. 800º. Haverá, no entanto, a aplicação de algumas
soluções da responsabilidade delitual, uma vez que não se deverá aplicar à culpa in
contrahendo a exigência da capacidade negocial, e a lei manda expressamente aplicar
a regra da prescrição da responsabilidade delitual (art. 227º/2).
O risco consiste num outro título de imputação de danos, que se baseia na delimitação
de uma certa esfera de riscos pela qual deve responder outrem que não o lesado. Essa
esfera de riscos pode ser estabelecida através de diversas conceções que por vezes se
cumulam entre si. O nosso Direito veio adotar uma conceção restritiva da
responsabilidade pelo risco, consagrando taxativamente a sua admissibilidade apenas
nos casos previstos na lei (art. 483º/2), o que tem vindo a funcionar como um travão
ao desenvolvimento jurisprudencial neste domínio. Em face do Código, são
consideradas como situações de responsabilidade pelo risco a atuação das pessoas em
proveito alheio (arts. 500º e 501º) e a utilização de coisas perigosas, como animais (art.
502º), veículos (art. 503º e ss.) e instalações de energia elétrica e gás (arts. 509º e ss.),
havendo ainda a considerar outras situações constantes de diplomas especiais.
Face ao disposto no art. 483º/2, não é, no entanto, possível proceder à aplicação
analógica das disposições respeitantes à responsabilidade pelo risco.
Não parece, porém, que qualquer destas características seja legalmente exigida
para caracterizar o conceito de comissão. Parece manifesto que a
responsabilidade do comitente não pode surgir em relação a toda e qualquer
prestação de serviços em sentido amplo. Necessário será que a função
praticada pelo comissário possa ser imputada ao comitente por os atos nela
compreendidos serem praticados exclusivamente no seu interesse e por sua
conta, ou seja, suportando ele as despesas e os ganhos dessa atividade. Essa
situação acontecerá no âmbito do contrato de trabalho (art.1152º), mas
também no contrato de trabalho (art.1157º) e noutras situações em que os
resultados da função confiada ao comissário se repercutem diretamente na
esfera do comitente. Já não haverá, porém, comissão nas situações em que
apesar de ser encomendado um serviço a outrem, esse serviço corresponda a
uma função autonomamente exercida pelo devedor a qual não lhe é por isso
delegada por um comitente. Estarão neste caso as prestações de serviços em
que a atividade é sempre imputada ao próprio devedor ainda que o resultado
dessa atividade seja objeto de uma prestação ao credor como no depósito
(art.1185º), empreitada (art.1207º) ou no contrato de transporte.
b) Prática de factos danosos pelo comissário no exercício da função que lhe foi
confiada, a razão deste requisito é clara: se a imputação ao comitente se
justifica por ele ter confiado ao comissário uma função que lhe cabia
desempenhar, não deve a sua responsabilidade extravasar da função que foi
efetivamente confiada funcionando esta assim como delimitação da zona de
riscos a cargo do comitente.
A doutrina tem realizado uma interpretação restritiva deste requisito,
considerando que a expressão “no exercício das funções”, exclui os danos
causados por ocasião da função, com um fim ou interesse que lhe seja
estranho, exigindo-se assim um nexo instrumental entre a função e os danos.
Para MENEZES LEITÃO, essa interpretação restritiva retiraria grande parte do
alcance à responsabilidade do comitente, e não tem suporte legal, já que a lei
apenas se refere ao causamento de danos no exercício da função, não exigindo
também que os danos sejam causados por causa desse exercício. Por outro
lado, incluem-se na responsabilidade os danos intencionais e os danos
causados em desrespeito das instruções, em relação aos quais seguramente se
poderia sempre falar de um desvio aos fins pelos quais foi conferida a comissão.
Bastará, por isso, para ML um nexo etiológico entre a função e os danos, no
sentido de que seja no seu exercício que os danos sejam originados.
Efetivamente, tirando o comitente proveito da função exercida pelo comissário,
é justo que responda por todos os danos que o comissário causa a outrem
enquanto exerce essa função. P.e., o empregado bancário que resolve burlar os
clientes do banco, naturalmente que se justifica que o banco responda como
comitente ao abrigo do art. 500º.
Note-se que, desde que no exercício da função, a responsabilidade do
comitente abrange também os atos intencionais do comissário ou praticados
Estes vêm previstos no art. 502º. Neste caso a lei determina a responsabilidade
pelo risco do utilizador de animais no seu próprio interesse, depois de no art.
493º/1, ter estabelecido em relação ao vigilante de animais uma
responsabilidade por culpa presumida. Naturalmente que nada impede a
cumulação das duas responsabilidades, caso em que os dois responderão
solidariamente perante o lesado.
− Primeiro requisito, utilização dos animais no próprio interesse, o que abrange
naturalmente o proprietário dos animais, mas também todos os titulares da
faculdade de utilização própria do animal como o usufrutuário, locatário,
comodatário ou o simples possuidor sendo que a utilização por estes excluirá a
responsabilidade daquele. No caso da locação, porém, parece que tanto o
proprietário como o locatário se poderão utilizadores no seu próprio, o primeiro
em virtude da perceção do preço locativo e o segundo em virtude da utilização
própria do animal;
− Segundo requisito, os danos resultem do perigo especial que envolve a
utilização do animal, restringindo-se assim a responsabilidade a uma zona de
riscos normalmente conexos com a sua utilização. Desta zona de risco não são
excluídos os casos de força maior (p.e., o cavalo que derruba alguém a fugir de
um incêndio) nem os factos de terceiro (como na hipótese de o animal ter sido
açulado por terceiro), ainda que nesta última hipótese possa concorrer também
a responsabilidade deste. Ocorrendo culpa do lesado (p.e., alguém,
desrespeitando um aviso vai fazer uma festa a um cão feroz), aplicar-se-á o
regime do art. 570º. Pelo contrário, estarão excluídos os danos que embora
causados pelo animalsão exteriores aos perigos da sua utilização. Assim, se
alguém sofre uma queda por se assustar ouvindo ladrar um cão preso, que não
tinha qualquer hipótese de o atingir não haverá qualquer responsabilidade do
dono do animal.
Beneficiários da responsabilidade:
A lei vem estabelecer que esta tanto aproveita a terceiros, como às pessoas
transportadas (art. 504/1), abrangendo assim tanto os que se encontravam fora
do veículo como dentro dele (ex: motorista).
No caso de transporte por virtude de contrato, no entanto, a responsabilidade
só abrange os danos que atinjam a própria pessoa e as coisas por ela
transportadas (art. 504/2).
No caso de transporte gratuito, a responsabilidade apenas abrange os danos
pessoais da pessoa transportada (art. 504/3). A lei vem ainda referir no art.
504º/4 que são nulas as cláusulas que excluem ou limitem a responsabilidade
do transportador pelos acidentes que atinjam a pessoa transportada, o que a
contrário parece permitir que no contrato as partes excluam ou limitem a
responsabilidade do transportador pelos danos que atingem as coisas
transportadas.
A responsabilidade do produtor
Um outro campo em que se verificou um grande alargamento da
responsabilidade pelo risco reside na responsabilidade do produtor pelos danos
causados por produtos defeituosos, cuja multiplicação na atual sociedade tem
demonstrado a inadequação da sua reparação através da responsabilidade
baseada na culpa. Efetivamente, segundo o modelo do Código Civil o
consumidor que viesse a ser lesado por esses produtos ver-se-ia forçado a
provar todos os pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, o facto ilícito, a
culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, art. 483º. O efeito
concreto consiste numa situação deste tipo: num acidente causado por um
eletrodoméstico ou doença após ingestão de alimentos enlatados, o
consumidor não apenas teria que provar o dano que sofreu, mas também a
causalidade decorrente da utilização ou consumo dos alimentos e ainda a culpa
do vendedor ou do produtor. Ora, para efetuar esta última demonstração, é
imprescindível o conhecimento do processo de fabrico ou da conceção técnica
dos produtos, o que o consumir habitualmente não possui. Consequentemente,
bastaria ao lesante adotar uma posição passiva no processo para quase de
certeza ver qualquer ação interposta por um consumidor lesado ser julgada
improcedente. Mas, ainda que, por hipótese, o consumidor conseguisse provar
todos os requisitos da ação, seguramente que não deixaria de ser confrontado
com o problema da culpa do lesado, uma vez que, mesmo demonstrados todos
os pressupostos da responsabilidade civil, dificilmente o juiz não se convenceria
da existência da culpa decorrente do lesado, pois, por exemplo, quem consome
um produto deteriorado, muitas vezes poderia aperceber-se dessas
deteriorações através de um exame atento desse produto. A lei considera como
defeituoso o produto quando este não oferece a segurança com que
legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias,
designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa
ser feita e o momento da sua entrada em circulação. Há, porém, um limite à
ressarcibilidade dos danos, já que apenas são ressarcíeis os danos resultantes
de morte ou lesão corporal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso,
desde que seja normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado
lhe tenha dado principalmente esse destino. Os chamados “danos patrimoniais
puros”, ou seja, os danos resultantes dos prejuízos sofridos com o
Formas de indemnização
O regime geral da obrigação de indemnização é referido no art. 562º que
prescreve que “quem estiver obrigado a reparar um dano é obrigado a
reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que
obriga à reparação”, acrescentando ainda o art. 566º/1, que “a indemnização é
fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não
repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o
devedor”
. Da articulação destas duas normas resulta uma clara primazia da
reconstituição in natura sobre a indemnização em dinheiro, o que quer dizer
que é primordialmente através da reparação do objeto destruído ou da entrega
de outro idêntico que se estabelece a obrigação de indemnização. Como atrás
se explicou, tal corresponde à defesa, no nosso direito, de uma conceção real
do dano. Haverá, porém, fixação da indemnização em dinheiro no caso de a
reconstituição natural não ser possível. Efetivamente, se o objeto destruído é
de impossível reparação e se, por ser de natureza infungível, não se admitir a
sua substituição por outro, a solução correta é a atribuição de indemnização em
dinheiro. Também haverá fixação da indemnização em dinheiro sempre que a
reconstituição natural não repare integralmente os danos. Efetivamente, nesse
caso, através da reconstituição natural não será obtida a satisfação do interesse
do credor, pelo que para se obter essa satisfação se terá que recorrer à
indemnização em dinheiro.
Parece, no entanto, que a indemnização em dinheiro deverá ser estabelecida
em complemento à reconstituição natural para eliminar os danos não
abrangidos por esta e não em sua substituição. Finalmente, ocorre a fixação da
indemnização em dinheiro sempre que a reconstituição natural seja
excessivamente onerosa para o devedor. Esta previsão deve ser interpretada
restritivamente sob pena de se pôr em causa o direito do lesado a dispor do seu