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Sebenta D. Obrigações II

Direito das Obrigações II (Universidade de Lisboa)

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Direito das Obrigações II


Margarida Pereira – TB
2020/2021

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II – 2020/2021 MARGARIDA RODRIGUES PEREIRA

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Princípios gerais do Direito das Obrigações


 Princípio da autonomia privada: possibilidade que alguém tem de adotar a
conduta que quiser, estabelecendo as suas próprias regras para tal, ou seja, a
possibilidade de escolher os efeitos jurídicos que advêm das suas ações e se irão
repercutir na sua esfera jurídica – permissão genérica de produção de efeitos
jurídicos (Menezes Cordeiro). É um espaço de liberdade, pois desde que sejam
respeitados certos limites, as partes podem desencadear os efeitos que pretendem.
Esta autonomia privada não se confunde com um direito subjetivo, já que neste há
um certo bem que é objeto de um direito subjetivo, sendo feita a sua atribuição a
uma só pessoa – permissão normativa específica de aproveitamento de um bem
(MC), só o titular do direito tem permissão para beneficiar das utilidades que
aquele bem lhe traz (bens de personalidade, como o nome, a imagem etc). É assim
a liberdade de produção de efeitos jurídicos que se irão repercutir na esfera dos
sujeitos que os produzem, através de um instrumento jurídico específico: o negócio
jurídico. Devemos assim recordar a distinção entre facto jurídico – facto que produz
efeitos jurídicos independentemente de qualquer autonomia ou vontade humana
(facto jurídico strictu sensu) e atos jurídicos – atos que desencadeiam efeitos
jurídicos por meio da vontade humana. Os atos jurídicos por sua vez dividem-se
consoante a maior ou menor liberdade que exista para produzir os efeitos
queridos, distinguindo-se assim entre atos jurídicos simples e negócios jurídicos.
Nos primeiros há apenas liberdade de celebração, e nos segundos há liberdade de
celebração e estipulação – as partes podem decidir celebrar o negócio ou não,
assim como podem estipular o seu conteúdo e efeitos jurídicos. Os negócios
jurídicos são assim a forma preferencial de exercício da autonomia privada,
dividindo-se entre unilaterais e multilaterais (contratos), sendo nestes últimos que
encontramos as obrigações, por excelência: as partes têm liberdade de celebrar
contratos, de selecionar o tipo negocial, entre os tipos legalmente consagrados,
misturando regras dos contratos tipificados ou mesmo celebrar contratos atípicos,
e também incluir no contrato as cláusulas que lhes aprouverem – art. 405º/1 e 2.
Apenas em determinados casos legalmente previstos podem os negócios
unilaterais dar origem a obrigações, com aceitação do beneficiário da promessa
unilateral– 457º
A liberdade contratual concebida pela autonomia privada pressupõe a absoluta
igualdade entre as partes, sendo que têm de estar de acordo quanto aos efeitos
jurídicos produzidos nas respetivas esferas jurídicas – tem de haver consenso
(232º). É a possibilidade conferida pela ordem jurídica às partes de autorregularem
a sua relação com a outra em termos vinculativos para ambas, através de:
- Liberdade de celebração: faculdade de celebrar ou não o contrato, podendo
propor ou não a sua celebração e aceitar ou rejeitar a mesma, assim como decidir
com quem celebrar;
- Liberdade de seleção do tipo contratual: as partes não estão limitadas aos
contratos tipificados, pelo que podem livremente escolher os contratos que

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entenderem de entre estes ou de entre contratos atípicos ou inominados sem


qualquer regime;
- Liberdade de estipulação: faculdade de estabelecer os efeitos jurídicos
produzidos pelo contrato, ou seja, o conteúdo do contrato por mútuo acordo. Esta
liberdade pode ser exercida no momento de celebração do contrato ou
posteriormente, através de aditamentos ou modificações no contrato já celebrado.
Podemos ainda incluir a liberdade de extinguir, por mútuo acordo, o contrato
através da celebração do respetivo distrate ou revogação, total ou parcial – art.
406º/1, sendo que a extinção do contrato anterior resulta de um contrato extintivo,
cabendo às partes determinar não só se o querem fazer, mas também como
proceder à extinção do contrato anteriormente celebrado.
Em conclusão, a autonomia privada no seio do DO leva a uma supletividade
tendencial das suas regras, segundo ML, ou seja, a importância dada à autonomia
privada implica que as leis devam ceder perante a decisão das partes, sendo que só
excecionalmente se encontram regras imperativas.
Restrições à liberdade contratual (restrições à autonomia privada)
Apesar de ser um princípio fundamental das Obrigações, não pode aceitar-se
genericamente que todo e qualquer contrato seja sempre efetivamente baseado na
livre determinação de ambos os sujeitos, pois tal só sucede se as partes estiverem
vinculadas de forma idêntica à celebração do contrato, o que raramente acontece
devido aos condicionalismos da atual ordem económica, que fazem com que
celebremos contratos para obter satisfação das nossas necessidades, sendo que
esta dependência económica não se verifica em relação à outra parte. Assim, esta
desigualdade económica faz com que a autonomia privada e liberdade contratual
sejam por vezes meramente formais, já que uma das partes se encontra
constrangida ou “obrigada” à celebração do negócio, para satisfação das suas
necessidades. Deste modo, deverá existir uma ambivalência da liberdade contratual
na atual sociedade económica, na medida em que esta existe, mas deverá ser
disciplinada de modo a proteger a liberdade contratual da parte mais fraca, sendo
esse o motivo de existirem restrições à autonomia privada:
- Restrições à liberdade de celebração: uma restrição à liberdade de celebração
será uma obrigação de celebração de um contrato, quando uma das partes ou
ambas estão vinculadas por obrigação à celebração de contrato com a outra parte,
podendo esta – o credor, exigir a celebração do contrato – 817º. O não
cumprimento da obrigação constitui, por isso, um ilícito obrigacional, que gera
obrigação de indemnização. Assim, nessa situação a liberdade de celebração
apenas existe para a parte que não esteja adstrita ao cumprimento da obrigação,
sendo por isso a única que pode exigir a celebração do contrato ou renunciar ao
mesmo, ou seja, renunciar ao cumprimento da obrigação por parte de quem a ela
está vinculado, tendo o devedor de corresponder às solicitações do credor,
perdendo a sua liberdade de celebração. Sabemos que com base na sua autonomia

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privada as partes podem obrigar-se a celebrar um contrato – art. 410º sgs.,


podendo nesses casos considerar-se essa obrigação como livremente assumida,
não se perdendo a liberdade de celebração, no entanto, há casos em que é a lei
que impõe a celebração de contratos, encontrando-se assim a autonomia privada
restringida em virtude de evitar abusos de uma das partes, que pelo seu maior
poder económico tenha facilidade em constranger a outra parte a aceitar celebrar
um negócio em condições contratuais desvantajosas para si;
- Restrições à liberdade de estipulação (contratos submetidos a regime
imperativo): a liberdade de estipulação prevê logicamente a liberdade de
celebração, já que quando a parte não é livre de celebrar o contrato, também não é
de determinar o seu conteúdo e o tipo negocial, sendo que uma limitação à
liberdade de celebração implica limitação à liberdade de estipulação. No entanto, é
possível haver limitações à liberdade de estipulação, sem que existam na liberdade
de celebração, sendo tal o que se sucede quando a lei determina imperativamente
o conteúdo dos contratos, limitando mais uma vez a liberdade contratual de forma
a evitar que a parte mais fraca seja prejudicada – função corretiva do legislador.
Esta intervenção corretiva verifica-se aquando da imposição de uma disciplina
contratual rígida em certos contratos, quando estes relevem para a satisfação de
determinadas necessidades de uma das partes, que se encontra na dependência
económica da sua celebração, vendo-se forçada a aceitar condições injustas, pois se
as recusasse, tal impedia a celebração do contrato. São exemplos o contrato de
trabalho e de arrendamento, sendo que no primeiro o trabalhador é dependente
da celebração desse contrato para prover à sua subsistência, e no segundo é
dependente para ter habitação em condições dignas, sendo que em qualquer um a
parte mais forte pode ditar as condições contratuais que a parte mais fraca se verá
forçada a aceitar por não poder simplesmente abdicar da celebração do contrato.
 Princípio do ressarcimento de danos: quando, em razão de justiça, um dano deva
ser suportado por outra parte que não o lesado, ou seja, transferem-se os danos da
esfera do lesado, para a esfera de quem o Direito considera justo que os suporte –
constituição de obrigação de indemnização, através da qual se reconstitui a
situação que existiria se não tivesse ocorrido o ato lesivo – 562º. É importante ter
em conta que não basta a injustiça do dano para haver indemnização, já que é
necessário aceitar as eventuais injustiças decorrentes da vida em geral (uma das
partes pode ficar em desvantagem no contrato sem haver obrigação de
indemnização). No entanto, a situação será diferente quando haja lugar a
imputação de danos – quando o Direito considera que para além de haver um
dano, se justifica que o mesmo passe da esfera do lesado para o responsável pelo
mesmo, que está mais adequado à sua suportação – responsabilidade civil por
imputação do dano, mediante a constituição de uma obrigação de indemnização
(483º ss.) Tradicionalmente, a responsabilidade civil só teria lugar por via da culpa
do lesante , ou seja, o lesado apenas teria direito à indemnização se demonstrasse
a culpa do lesante - 487º/1, no entanto, o rigor do regime tem vindo a ser
atenuado, consagrando-se a ideia de que a imputação de danos poderia dispensar

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a culpa do lesante e assentar na criação de riscos ou pelo sacrifício, quando se


sacrifiquem bens alheios para benefício próprio. Há assim 3 tipos de imputação de
danos:
- Imputação por culpa: a responsabilidade baseia-se numa conduta ilícita e
censurável por parte do agente, que justifica que este deva suportar os danos
criado na esfera da outra parte, resultantes da sua conduta. Assim, esta
responsabilidade tem uma função reparatória e sancionatória, na medida em que
repara os danos causados e sanciona o agente que adotou a conduta danosa,
violando a norma de conduta.
- Imputação pelo risco: o seu fundamento é a justiça distributiva, segundo as
teorias do risco-proveito; risco profissional e risco de autoridade. Segundo a
primeira, aquele que tira proveito de uma situação deve também suportar os
prejuízos que dela possam eventualmente resultar; de acordo com a segunda,
aquele que exerce uma atividade ou profissão que seja eventualmente fonte de
riscos, deve suportar os prejuízos que dela advenham para terceiros. Na terceira,
sempre que alguém tenha poderes de autoridade relativamente a condutas alheias,
deve também suportar os prejuízos que daí resultem.
- Imputação pelo sacrifício: situação em que a lei admite que seja sacrificado um
direito pertencente a outrem, atribuindo, contudo, uma indemnização ao lesado
para compensação desse sacrifício, de ter perdido esse direito. Neste caso aplica-se
a justiça comutativa.
 Princípio da restituição do enriquecimento injustificado: princípio de proibição do
enriquecimento injustificado à custa de outrem – 473º/1 CC. Assim, sempre que
alguém enriqueça à custa de outrem sem causa justificativa, tem de restituir aquilo
que injustamente ganhou. Há várias normas no DO que se podem justificar com
este princípio
 Princípio da boa fé: existe num sentido subjetivo, como o estado de ignorância em
que o agente não sabe estar a lesar direitos de outrem; ou em sentido objetivo,
como os deveres comportamentais e regras de conduta a ter, com referência ao
bom pai de família ou homem médio de normal diligência (é este o sentido mais
primacialmente relevante no DO). Sendo a obrigação o vínculo que obriga alguém a
adotar determinada conduta em benefício de outrem, há regras de
comportamento que, sendo adequadamente respeitadas, proporcionam a
satisfação do direito de crédito mediante pagamento da prestação por parte do
devedor, sem que disso resultem danos para ambas as partes. Acontece que por
vezes a realização da prestação por parte do devedor, não acontece, não
satisfazendo o direito de crédito, ou se acontece, vem com danos para o credor, tal
como poderá acontecer que o credor poderá causar prejuízos ao devedor, que
advêm do pagamento da prestação. Justamente por estes motivos, a lei estabelece
as tais regras comportamentais – deveres de boa fé, para ambos os sujeitos da
relação obrigacional, visando a integral satisfação dos interesses do credor e evitar
que a realização da prestação provoque danos quer ao credor, quer ao devedor. O

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princípio da boa fé objetiva encontra-se em 5 institutos, que visam deveres


acessórios de proteção, informação e lealdade:
- Responsabilidade pré-contratual (227º/1): estabelecem-se deveres de proteção
recíprocos, de forma a evitar danos na esfera da outra parte; deveres de
informação, de forma que ambas as partes disponham de informação
esclarecedora e possam fazer uma escolha o mais informada possível, e deveres de
lealdade, de onde surge o dever de não romper inesperada e injustificadamente
com o negócio a celebrar
- Integração dos negócios (239º): é com recurso aos deveres acima mencionados
que se faz a integração de lacunas negociais.
- Abuso de direito (334º) e resolução ou modificação dos contratos por alteração
das circunstâncias (437º): manifestação específica da boa fé, pois consiste em
considerar ilegítimo o exercício de certas posições jurídicas, ou seja, na proibição
do abuso de direito, quando este é contrário à boa fé. Na alteração das
circunstâncias é ilegítimo que as mesmas se alterem profundamente após a
celebração do contrato, em contrariedade às expectativas das partes.
- Complexidade das obrigações (762º/2): estes deveres valem também para a fase
de cumprimento das obrigações
A boa fé divide-se, segundo Menezes Cordeiro, entre:
- Tutela da confiança: exige-se um conjunto de pressupostos para que a confiança
tenha tutela jurídica: situação de confiança; uma justificação para essa confiança;
um investimento nessa confiança (consistente no facto de a destruição da situação
de confiança gerar prejuízos graves para o confiante); imputação dessa confiança
ao responsável pela sua criação
- Materialidade subjacente: avaliar as condutas não apenas de acordo com a sua
conformidade aos deveres da boa fé, mas também de acordo com as suas
consequências materiais, para efeitos de averiguação e tutela dos valores em jogo
no contrato.
 Princípio da responsabilidade patrimonial: consiste na possibilidade de o
credor, em caso de incumprimento da obrigação do devedor, poder executar o
património deste para obter a satisfação do seu crédito, ou seja, há uma
sujeição do património do devedor para com o poder de execução do credor.
Efetivamente, a ordem jurídica não poderia permitir que que o credor tivesse o
seu direito à prestação, e consequentemente que o devedor tivesse o dever de
prestar, sem assegurar de alguma forma a realização desse direito de crédito,
daí o disposto no art. 817º, que nos diz que o credor tem o direito de exigir o
cumprimento da prestação, se o devedor não a cumprir voluntariamente, e se
esta ainda for possível de realizar, sendo que se não for, em virtude de facto
imputável ao devedor, o credor apenas poderá reclamar direito de
indemnização, sendo que este já não se identifica com o direito de crédito

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inicial, mas sim com o fundamento da responsabilidade civil imputável ao


devedor por incumprimento obrigacional.

Para MC, o regime da responsabilidade patrimonial tem 3 postulados:


- Sujeição à execução de todos os bens do devedor: art. 601º CC, refere que pelo
cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor. Ainda assim, a
responsabilidade patrimonial não é ilimitada, pois temos casos em que os bens do
devedor não são suscetíveis de penhora, ou seja, são bens que por
desempenharem uma função essencial à subsistência ou dignidade do devedor, a
lei não permite a sua execução para satisfação do direito de crédito. Outra exceção
será o regime de separação de patrimónios, em que a lei prevê a sujeição de certos
bens do devedor a um regime próprio de responsabilidade por dividas, ou seja, o
devedor tem um património autónomo do património principal, havendo uma
atribuição de preferência aos credores do património autónomo, em relação a
outros credores do devedor; no estabelecimento da responsabilidade subsidiária
dos bens do devedor dos bens do devedor que não entram nesse património
autónomo pelas obrigações do mesmo; e na consagração da irresponsabilidade dos
bens do devedor que não entram no património autónomo pelas obrigações que
sobre este recaiam. Pode haver ainda limitação da responsabilidade patrimonial
por convenção das partes, se estas assim o determinarem – art. 602º e 603º. Em
cada um destes casos verificamos a diminuição da responsabilidade patrimonial do
devedor, pelo que o credor apenas pode executar alguns dos seus bens
- Só e apenas dos bens do devedor: apenas estes podem ser objeto de execução,
sendo esta a regra geral, que apenas encontra exceção no art. 818º, que nos diz
que o direito de execução de património por parte do credor poderá incidir sobre
património de terceiro, quando seja este a responder pela dívida, ou quando é
constituída uma garantia pessoal – ex: fiança, 627º, ou real sobre os bens do
terceiro – ex: penhor, 666º e 667º; ou ainda quando haja lugar a impugnação
pauliana dos bens do devedor para terceiro, quando esta transmissão diminua
dolosa e ilegitimamente o património do devedor (diminuição da garantia
patrimonial), impedindo a satisfação do direito de crédito do credor – 610º e sgs.
- Estando os credores em pé de igualdade: ou seja, não há hierarquização dos
créditos, consoante sejam mais antigos ou mais recentes, conferindo ambos o
direito à execução do património do devedor. Assim, em caso de o devedor não ter
património suficiente para satisfazer todos os créditos, não há, em princípio,
hierarquização dos credores, salvo o disposto no nº2 do art. 604º, sendo que se
não existirem essas causas de preferência entre os créditos, o património do
devedor deverá ser dividido, para que todos os créditos sejam pagos
proporcionalmente – concurso de credores.
Concluindo, a principal consequência que retiramos do regime da responsabilidade
patrimonial será a de que o credor não tem, em princípio, qualquer garantia segura

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de que o seu crédito possa ser satisfeito através da execução do património do


devedor, quando este não cumpra a obrigação, já que inerente ao património deste
há um duplo risco: possibilidade de o devedor, por ação ou inação fazer diminuir o
seu património; ou quando outros credores se antecipam, com o mesmo poder de
execução, no exercício deste poder e penhoram primeiro os bens. Ainda assim, há
também duas formas de contornar este duplo risco: quanto ao risco de diminuição
do património do devedor, poderá ser evitado através de concessão aos credores
da possibilidade de reagir contra ações ou omissões do devedor de onde possa
resultar a diminuição do seu património – meio de conservação da garantia geral
de obrigações, podendo declarar a nulidade dos atos (605º), a impugnação
pauliana (610º), o arresto (619º) e a ação sub-rogatória (606º); quanto ao risco de
outros credores se anteciparem na execução, tal só poderá ser acautelado dando
ao credor que pretende evitar esse risco outras garantias para além do direito à
execução do património do devedor – garantias especiais das obrigações, que
podem ser pessoais, no caso de se fazer outra pessoa responder pela dívida que
não o devedor – ex: fiança, 627º; ou podem ser reais, quando o credor obtém um
direito real de garantia sob um determinado bem, permitindo-lhe fazer a sua
execução, através do penhor, hipoteca etc – 604º/2, caso em que este crédito
prevalecerá, à luz do 604º/2, sobre os restantes credores comuns.
Em conclusão, o princípio da responsabilidade patrimonial consiste em que a
pessoa que está incumbida da obrigação, por assumi-la, responde pelo seu não
cumprimento com todos ou parte dos bens que fazem parte do seu património.
Embora esta responsabilidade e a própria dívida sejam diferentes, encontram-se,
na medida em que quem assume o cumprimento de uma obrigação, assume
também a responsabilidade, e consequentemente, o risco de perder o seu
património em consequência de ação executiva dos credores. Normalmente é uma
responsabilidade ilimitada, mas pode ser limitada em certos casos, estando sempre
dependente da conservação do património do devedor e da não antecipação de
outros credores. Para evitar isto é possível constituir garantias especiais,
acrescendo à responsabilidade patrimonial uma responsabilidade de outrem
(garantias pessoais) ou se constitui junto à responsabilidade patrimonial geral, uma
responsabilidade material sobre bens determinados, dando ao titular dessa
garantia material primazia sobre os demais credores, independentemente da
pertença ou não deste bem ao devedor.
Distinção entre Direitos de Crédito e Reais
O critério utilizado para distinguir direitos reais e direitos de crédito é o critério do
objeto:
Direitos Reais: são direitos sobre as coisas;
Direitos de Crédito: direitos a prestações (ou seja, a uma conduta do devedor)
Outra distinção pronta é a de que:

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Direitos de Crédito: caracterizam-se por necessitar da mediação ou colaboração do


devedor para ser exercido. O credor necessita assim da colaboração do devedor
para satisfazer o seu interesse;
Direitos Reais: o credor não necessita da colaboração de ninguém para exercer o
seu direito, já que o seu direito incide direta e imediatamente sobre uma coisa;
Modalidades de Prestações
-Fungível / Não Fungível: fungível é aquela que pode ser realizada por outrem que
não o devedor (767º.1), é infungível quando só o devedor pode realizar a
prestação, não sendo permitida a sua realização por terceiro, sendo que a
substituição do devedor prejudicará o credor ou só possa mesmo ser realizada pelo
devedor.
- Instantâneas / Duradouras: as instantâneas são aquelas cuja execução ocorre
num único momento, já as duradouras são aquelas cuja execução se prolonga no
tempo, em virtude de terem por conteúdo ou um comportamento prolongado no
tempo ou uma repetição sucessiva de prestações isoladas por um período do
tempo. A realização global das duradouras dependem sempre do decurso de um
período temporal, durante o qual a prestação deve ser continuada ou repetida,
podendo dividir-se entre prestações: continuadas (não sofrem qualquer
interrupção, como no fornecimento de eletricidade) e periódicas (sucessivamente
repetidas em períodos de tempo, como o pagamento de juros);
-Resultado / Meios: nas prestações de resultado, o devedor vincular-se-ia
efetivamente a obter um resultado determinado, respondendo por incumprimento
se esse resultado não fosse obtido. Nas prestações de meios, o devedor não estaria
obrigado à obtenção do resultado, mas apenas a atuar com a diligência necessária
para que esse resultado seja obtido.
-Divisível / Indivisível: há divisibilidade sempre que a prestação possa ser
fracionada, sem prejuízo para o credor.
- Determinadas / Indeterminadas: resulta dos artigos 280º/400º, que a prestação
enquanto objeto da obrigação, não necessita de se encontrar determinada no
momento da conclusão do negócio, bastando que seja determinável. As primeiras
são aquelas em que a prestação se encontra completamente determinada no
momento da constituição da obrigação. As segundas são aquelas em que a
determinação da prestação ainda não se encontra realizada.

Modalidades das Obrigações


Obrigações Naturais: previstas no artigo 402º. O que as caracteriza é a não
exigibilidade judicial da prestação, resumindo-se a sua tutela jurídica à
possibilidade de o credor conservar a prestação espontaneamente realizada. Não
podem ser convencionadas livremente pelas partes no exercício da sua autonomia
privada. Só poderão admitir-se obrigações com base em deveres de ordem moral

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ou social que correspondam a um dever de justiça ex: Uma dívida prescrita. Alguém
que recebe uma quantia de dinheiro de outra pessoa, devia ter devolvido o
dinheiro, mas não devolve. O devedor devia ter observado o dever de justiça
subjacente e devolver o que lhe foi prontamente emprestado; as obrigações
naturais não se podem extinguir por prescrição, uma vez que as consequências
desta correspondem precisamente em transformar uma obrigação civil em natural.
Existe uma discussão doutrinária sobre a natureza jurídica das obrigações naturais:
- Relações de Facto - Guilherme Moreira: são como a posse em matéria de direitos
reais, relações de facto que derivam de certos efeitos jurídicos, e designadamente o
de que sendo voluntariamente cumpridas não se pode pedir a restituição do que
haja pago, produzindo efeitos correspondentes aos que resultam das obrigações;
Jaime Gouveia: A obrigação natural será, pois, o próprio dever moral, cuja prática
realizada pelo devedor, a lei em certos casos, atribui efeitos jurídicos;
- Dever Oriundo de Outras Ordens Normativas - Antunes Varela: as obrigações
naturais são deveres oriundos de outras ordens normativas (ética imperativa),
apenas relevantes para o direito se forem deveres de justiça
- Obrigações Jurídicas (cuja lei não permite executar) - Menezes Cordeiro: pelo
artigo 404º a disciplina geral das obrigações civis aplica-se às naturais: logo estas
são jurídicas, ainda que de vínculo mais frágil;
- Dever de Justiça - Menezes Leitão: A obrigação natural não constitui uma
verdadeira obrigação jurídica, na medida em que nela não existe um vínculo
jurídico por virtude do qual uma pessoa fique adstrita para com outra à realização
da prestação (397º). A existência de um dever moral e social corresponde a um
dever de justiça, não basta para se considerar subsistente na obrigação natural um
vínculo jurídico, ao negar-lhe a faculdade de exigir judicialmente o cumprimento;
Sem a faculdade de exigir o cumprimento, o direito de crédito não tem conteúdo
podendo nunca considerar-se como um valor no ativo patrimonial do credor;
Obrigações Genéricas: aquelas em que o objeto da prestação se encontra
determinado apenas quanto ao género, ou seja, a prestação encontra-se
determinada apenas por referência a uma certa quantidade, mas não está ainda
concretamente determinada (artigo 539º) - exemplo: obrigação de entrega de 20
garrafas de vinho. A obrigação genérica implica naturalmente que tenha que
ocorrer um processo de individualização de espécies do mesmo dentro do género.
É a chamada escolha (nos termos do artigo 400º), que pode caber a ambas as
partes. A regra é a de que a escolha cabe ao devedor (nos termos do artigo 539º).
Mas terá o devedor absolutamente livre de escolha? Poderá por exemplo, escolher
o vinho de pior qualidade aquando da entrega?
O professor Menezes Cordeiro responde a esta questão dizendo que o devedor
deverá ser obrigado a entregar uma coisa de qualidade média, invocando o regime
da integração dos negócios jurídicos, segundo a boa fé (239º), como referência.

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O professor Menezes Leitão acrescenta que, a partir do artigo 400º, resulta de que
a prestação deve ser realizada segundo juízos de equidade, implica que esta deve
ser adequada à satisfação do interesse do credor.
Qual é o momento em que tem lugar a transferência de propriedade, sobre as
coisas que vão servir para o cumprimento da obrigação (importância para efeitos
de risco)? Na obrigação genérica a transferência da propriedade não pode ocorrer
no momento da celebração do contrato (408º.1). A transmissão da propriedade
ocorre no momento da concentração da obrigação, quando a obrigação passa de
genérica a específica, não se exigindo que essa concentração seja conhecida de
ambas as partes.
A lei portuguesa consagra a “Teoria da Entrega” (540º), que refere que enquanto a
prestação for possível com coisas do género estipulado não fica o devedor
exonerado pelo facto de terem perecido aquelas com que se dispunha a cumprir,
consagrando a irrelevância da escolha para efeitos da concentração da obrigação
genérica. Se o devedor continua a ter que entregar coisas do mesmo género,
significando que a obrigação genérica ainda não se concentrou, ocorrendo apenas
com o cumprimento. É esse o momento da transferência da propriedade da
propriedade sobre as cosias objeto da obrigação genérica (408º.2), a transmissão
da propriedade sobre coisas genéricas exige a sua concentração que normalmente
apenas ocorre mediante a entrega pelo devedor (artigo 540º). As exceções a esta
regra encontram-se no artigo 541º.
Concluímos que no nosso direito, a concentração da obrigação genérica, quando a
(escolha que compete ao devedor) apenas se dá no momento do cumprimento,
podendo até lá o devedor revogar escolhas que anteriormente tenha realizado; já
quando a escolha compete ao credor ou a terceiro, a nossa lei adota a teoria da
escolha do artigo (542º), que uma vez realizada passa a ser irrevogável. A escolha
por parte do credor ou pelo terceiro concentra imediatamente a obrigação, desde
que declarada respetivamente ao devedor ou a ambas as partes.
Obrigações Alternativas: Consistem também em modalidades de prestações
indeterminadas, que se caracterizam por existirem duas ou mais prestações de
natureza diferente, em que o devedor se exonera com a mera realização de uma
delas, que por escolha, vier a ser designada (543º). Só constituem obrigações
alternativas aquelas que pressupõem uma escolha entre prestações. exemplo: Se o
devedor se obriga a entregar ao credor o barco X ou automóvel Y cumpre a
obrigação se entregar qualquer um destes objetos (apenas uma é concretizável
através da escolha). Na falta de determinação em contrário, a escolha pertence ao
devedor (543º.2) podendo também competir a terceiro (549º). A escolha tem que
se verificar entre uma ou outra das prestações, não sendo permitido, que aquele a
quem incumbe a escolha decida realizá-la entre parte de uma prestação ou parte
de outra (544º). Não é permitida ao devedor a posterior revogação da escolha
efetuada, uma vez que após a realização da escolha, só é exonerado efetuando a
prestação escolhida. A escolha é igualmente irrevogável quando compete ao credor

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ou a terceiro (549º+542º). Se alguma das partes não realizar a escolha no tempo


devido a lei prevê a devolução desta faculdade à outra (542º.2+548º+549º).
As obrigações alternativas têm um regime especial em sede de impossibilidade da
prestação, quando esta se verifica antes de a escolha ter ocorrido.
Devemos distinguir entre várias modalidades de impossibilidade:
→ Casual (não é imputável a nenhuma das partes- 545º) exemplo: Se o devedor se
comprometeu a entregar ao credor o carro X ou barco Y e este último naufraga em
virtude de um temporal, é o devedor que tem que suportar esse prejuízo, devendo
entregar ao credor o carro X.
Imputável a uma das partes:
→ Imputável ao Devedor (previsto no artigo 546º, ele deve efetuar uma das
prestações possíveis ou indemnização pelos danos de não ter realizada a prestação
que se tornou impossível);
→Imputável ao Credor (aplica-se à situação o disposto no artigo 547º) Se a escolha
pertencer:
- Ao credor: considera-se a obrigação por cumprida, sendo que o mesmo ao
impossibilitar culposamente uma das prestações, deve ser equipara à situação de
ele a escolher;
- Ao devedor: a obrigação considera-se por cumprida a menos que o devedor
prefira realizar outra prestação e ser indemnizado pelos danos que haja sofrido;
- Impossibilidade de ser imputável a uma das partes e a escolha caber a terceiro:
Antunes Varela - se a impossibilidade é imputável ao devedor (546º), a escolha
incumbe a terceiro. Será o terceiro a escolher entre realizar uma das prestações
possíveis ou pedir uma indemnização pelos danos. O terceiro não poderia optar
pela resolução do contrato. quando a impossibilidade for imputável ao credor
(547º), caberá igualmente ao terceiro escolher considerar cumprida a obrigação ou
determinará ao devedor que realize a prestação possível e peça indenização pelos
danos resultantes de não ter sido realizada a prestação que se tornou impossível;
Menezes Cordeiro - quando a obrigação se torna impossível, o terceiro perde a
faculdade de realizar a escolha, uma vez que ele só pode escolher entre 2
prestações possíveis e não entre uma prestação e uma indeminização. Se a escolha
pertencer a terceiro e a impossibilidade for imputável ao devedor deve passar a ser
o credor a escolher a prestação possível, a indeminização ou a resolução do
contrato (546º). Se for imputável ao credor, deverá passar a ser o devedor a
escolher entre considerar cumprida a obrigação ou realizar a prestação (547º);
Menezes Leitão - Quando as partes deferem a escolha a terceiro, fazem-nos
exclusivamente para efeitos de determinação da prestação (400º) e não para

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exercer os direitos que lhes competem quando a outra parte culposamente


impossibilita a realização da prestação.
Obrigações Pecuniárias: têm dinheiro por objeto, visando proporcionar ao credor o
valor que as respetivas espécies monetárias possuam. Isto são requisitos
cumulativos, como por exemplo: se se entregarem notas para integrar uma coleção,
isto não será uma obrigação pecuniária.
Modalidades:
- Quantidade (artigo 550º, tem por objeto uma quantidade de moeda com curso
legal no país);
Dois princípios reguladores:
Curso legal (o cumprimento das obrigações pecuniárias deve ser realizada apenas
com espécies monetárias a que o Estado reconheça função liberatória genérica.
Tem sempre por objeto uma quantia de unidades monetárias, devendo o
cumprimento ser realizado com espécies, ou seja, moedas/notas);
Nominalismo monetário (proporcionar ao credor o valor correspondente às
espécies monetárias entregues, que possa ser utilizado como meio geral de troca);
10 por exemplo: tendo em conta o fenómeno inflação / deflação, o artigo 550º,
prevê que o cumprimento das obrigações pecuniárias se faz pelo valor nominal da
moeda no momento do cumprimento. Se for moeda específica (situações em que a
obrigação pecuniária é convencionalmente limitada a espécies metálicas ou ao
valor delas - artigo 552º); se for moeda estrangeira (aquelas em que a prestação é
estipulada em relação a espécies monetárias que têm curso legal apenas no
estrangeiro- artigo 558º);
Obrigações de Juros: correspondem à remuneração da cedência ou diferimento da
entrega de coisas fungíveis por um certo lapso de tempo. Os juros representam
assim uma prestação devida como compensação ou indemnização pela privação
temporária de uma quantidade de coisas fungíveis denominada de capital e pelo
risco de reembolso desta.
Indeterminação e pluralidade das partes na relação obrigacional
Indeterminação do credor: No artigo 511º é referido que o credor não pode ficar
determinado no momento em que a obrigação é constituída. A indeterminação
temporária do credor pode resultar de se aguardar a verificação de um
determinado facto futuro e incerto; exemplo: alguém oferecer 100 euros a quem
encontrar objeto X.
Pluralidade de partes na relação obrigacional
Outro critério de classificação das obrigações reside número de sujeitos que
participa na relação obrigacional. A obrigação pode abranger várias pessoas com

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outras várias. Se abranger mais do que 2 sujeitos, tendo assim uma pluralidade de
devedores, fala-se em obrigação plural.
Obrigações conjuntas ou parciárias: cada um dos devedores só está vinculado a
prestar ao credor ou credores a sua parte na prestação e cada um dos credores só
pode exigir do devedor ou devedores a parte que lhe cabe. exemplo: A, B e C
obrigam-se a entregar a D a quantia de 900 euros, D apenas poderá exigir de A que
lhe entregue 300 euros, ou seja a sua parte da dívida.
Obrigações solidárias: Nelas qualquer um dos devedores está obrigado perante o
credor a realizar a prestação integral (artigo 512º).
Características:
- Identidade da prestação em relação a todos os sujeitos da obrigação;
- Extensão integral do dever de prestar ou do direito à prestação em relação
respetivamente a todos os devedores;
- A solidariedade dos devedores só existe quando resulte da lei ou da vontade das
partes (513º).
 Solidariedade passiva (a realização da prestação integral por um dos
devedores libera todos os outros devedores em relação ao credor-512º):

- Relações externas: em relação ao credor a solidariedade caracteriza-se


por uma maior eficácia do seu direito que se pode exercer integralmente
contra qualquer um dos devedores (512º.1+ 519º.1);
- Relações Internas: entre os devedores caracteriza-se pelo facto de o
devedor que satisfazer a prestação acima da parte que lhe competir adquirir
um direito de regresso sobre os outros devedores pela parte que lhes
compete (524º);

 Solidariedade Ativa (a realização da prestação integral por um dos credores


libera o credor no confronto com todos os credores-512º/ Embora o credor
que recebeu mais do que lhe compete esteja obrigado a satisfazer aos
outros a parte que lhe compete esteja obrigado a satisfazer aos outros a
parte que lhes cabe no crédito comum- 533º):

- Relações externas: em relação aos credores, apenas um deles pode exigir


por si só a prestação integral, liberando-se o devedor perante todos com a
realização da prestação a qualquer um dos credores (512º.1). O devedor
pode escolher o credor solidário a quem realiza a prestação, enquanto não
tiver sido judicialmente citado por um credor cujo crédito se encontre
vencido (528º.1);

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- Relações Internas: caracteriza-se pelo facto de o credor cujo direito foi


satisfeito além da parte que lhe competia na relação ter a obrigação de
satisfazer aos outros a parte que lhes cabe no crédito comum;

Obrigações Plurais Indivisíveis: as obrigações conjuntas pressupõem a divisibilidade da


prestação, já que se a prestação for indivisível não seria impossível exigir apenas uma
parte dos devedores, sem prejuízo para o interesse do credor (artigo 535º) - exemplo:
se A, B e C se comprometeram a entregar um automóvel a D, o credor não poderá
exigir apenas de um deles a realização de uma parte da prestação, uma vez que essa
situação implicaria a destruição do automóvel.
Características:
- A lei refere que se se verificar a extinção da obrigação em relação a algum ou alguns
dos devedores, o credor não fica inibido de exigir a prestação dos restantes obrigados,
contanto que lhes entregue o valor da parte que cabia ao devedor ou devedores
exonerados (536º);
- Quanto à impossibilidade da prestação por facto imputável a algum ou alguns dos
devedores, a lei dispõe que outros ficam exonerados (537º); exemplo: A destrói
culposamente o automóvel, só ele deverá ser sujeito à indemnização perante
impossibilidade culposa (809º.1)
Se a obrigação for indivisível com pluralidade de credores a lei refere que qualquer um
deles tem o direito de exigir a indemnização por inteiro.

Fontes das Obrigações


As suas diversas classificações
Sendo a obrigação um efeito jurídico, tem na sua origem um facto jurídico que a
desencadeia. As categorias de factos jurídicos que produzem a constituição do vínculo
obrigacional são denominadas por fontes das obrigações.
Posição ML: Há uma notável dificuldade de elaboração de uma classificação de fontes
das obrigações devido à heterogeneidade de situações que as obrigações abrangem,
unificação esta que não resulta de uma proximidade entre os factos jurídicos
constituintes das obrigações, mas sim da proximidade entre os efeitos jurídicos por
eles criados - a semelhança de se criarem sempre vínculos obrigacionais. Por isto
mesmo, o nosso CC não consagra qualquer sistematização científica das fontes das
obrigações, apenas fazendo uma enumeração:
 Contratos – 405º ss.
 Negócios unilaterais – 457º e ss.
 Gestão de Negócios – 464º e ss.
 Enriquecimento sem causa – 473º e ss.
 Responsabilidade Civil – 483º e ss.

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As fontes não têm todas a mesma importância. As fontes mais importantes são a
responsabilidade civil e os contratos, sendo as formas mais comuns de surgimento das
obrigações. Em relação às outras, a lei restringe a aplicação dos negócios unilaterais e o
enriquecimento sem causa a situações excecionais – art. 457º e 474º, e a gestão de
negócios a uma situação também específica e de verificação rara – 464º. Assim, o Prof.
admite ser necessário distinguir entre as fontes das obrigações que derivem da
autonomia privada, das que não derivem- Esta é a orientação dogmática mais
adequada.
Resultantes da autonomia privada:
 Contratos: negócios jurídicos bilaterais através dos quais as partes, por acordo
mútuo, e no exercício da sua autonomia privada estabelecem, entre si próprios,
vínculos jurídicos, entre os quais as relações jurídicas obrigacionais – 405º e ss.
 Negócios jurídicos unilaterais: as obrigações podem ainda resultar de negócios
jurídicos unilaterais, onde apenas uma das partes, no exercício da sua
autonomia privada, estabelece para si mesma uma autovinculação através da
constituição da relação jurídica obrigacional – 457º
Não resultantes da autonomia privada:
Também fora desta há a constituição de obrigações, que neste caso não resultam de
negócios jurídicos, mas constituindo sim obrigações legais, ou seja, situações em que a
lei atribui a determinados pressupostos de facto, o efeito jurídico da constituição de
uma obrigação, a qual surge por isso sem ter por base qualquer autovinculação das
partes nesse sentido:
 Responsabilidade Civil: será a obrigação de indemnização – art. 562º e ss, e
nesta cabe em primeiro lugar a responsabilidade delitual, onde alguém, através
de uma conduta ilícita e culposa causa danos em bens juridicamente protegidos
de outrem – 483º e ss.; cabe também nesta, a responsabilidade obrigacional
(ou contratual), quando alguém causa danos a outrem através da violação do
vínculo obrigacional – 798º e ss. Temos também situações intermédias que não
se integram em nenhuma das duas, como a responsabilidade pré-contratual –
art. 227º. Para além disto, admite-se ainda que a obrigação legal de indemnizar
resulte ainda, não de um facto ilícito e culposo, mas antes de uma situação de
risco específica que a lei, por uma razão de justiça, faz suportar por outrem que
não o lesado: responsabilidade pelo risco – 499º e ss. Finalmente, a obrigação
de indemnização. Por fim, temos ainda casos em que a obrigação pode derivar
de a lei atribuir, em contrapartida da autorização conferida a alguém para
sacrificar bens juridicamente protegidos de outrem, uma indemnização pelo
prejuízo sofrido pelo lesado: responsabilidade pelo sacrifício ou factos lícitos –
art. 81º/2 e 339º/2º.
Existem ainda as relações obrigacionais legais:

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 Gestão de negócios (464º e ss): situação específica de alguém – o gestor, de ter


decidido efetuar determinada atividade por conta e no interesse de outrem – o
dono do negócio, sem para tal estar autorizado, através da imposição de
obrigações específicas para o gestor, para assegurar a adequada tutela dos
interesses do dono do negócio, e a este último, para compensar o primeiro das
despesas e prejuízos que suportou.
 Enriquecimento sem causa (473º e ss): a lei acolhe um princípio geral de
proibição de enriquecimento injustificado à custa de outrem, cuja restituição
manda realizar – 473º/1. Esta é a definição genérica, que mas concretiza-se em
várias situações típicas: realização de prestação sem causa jurídica, intervenção
em bens ou direitos alheios, realização de despesas de que outrem tira
proveito…
Para ML, a melhor forma de agrupar as fontes das obrigações será agrupá-las de
acordo com o princípio jurídico a que respeitam. Assim:
Fontes de obrigações baseadas no princípio da autonomia privada:
 Contratos
 Negócios unilaterais
Fontes baseadas no princípio do ressarcimento de danos:
 Responsabilidade por factos ilícitos e culposos:
- Responsabilidade delitual/extra-obrigacional
- Responsabilidade obrigacional/contratual
- A “terceira via” da responsabilidade civil
 Responsabilidade pelo risco
 Responsabilidade pelo sacrifício
Fontes baseadas no princípio da proibição do enriquecimento injustificado:
 Enriquecimento por prestação
 Enriquecimento por intervenção
 Enriquecimento por realização de despesas de que outrem beneficia
 Enriquecimento por desconsideração de património
Situações específicas de fontes de obrigações não baseadas em princípios gerais:
 Gestão de negócios
 Relações contratuais de facto
 Outras situações de facto
Com esta sistematização de ML não concorda MC, com o argumento de que o
enriquecimento sem causa não é um princípio e de que a responsabilidade contratual
relevaria antes da autonomia privada e não do ressarcimento de danos, assim como a
última categoria demonstra a insuficiência dos princípios para explicar. Assim, discorda
da sistematização de acordo com o critério de arrumação de ML, não optando por

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critério nenhum, mas sim seguindo a enumeração legal e “arrumando” as figuras não
previstas na lei através da sua proximidade a um contrato.

Fontes das obrigações baseadas no princípio da autonomia privada


O contrato
Os negócios jurídicos são distinguidos entre:
- Unilaterais (possuem apenas uma parte);
- Contratos (possuem duas ou mais partes)
O professor Antunes Varela define contrato como um acordo vinculativo, assente sobre
2 ou mais declarações de vontade contrapostas, mas perfeitamente harmonizados
entre si, que visam estabelecer uma regulamentação unitária de interesses.
Por parte deve-se entender não uma pessoa, mas antes um interesse, o que poderia
implicar que duas ou mais pessoas constituírem uma única parte, quando tivessem
interesses comuns, daí a exigência precisamente da estipulação contratual.
Menezes Cordeiro faz uma distinção entre negócios unilaterais e contratos, baseado
num critério dos efeitos que venham a ser desencadeados:
→ Baseado nos efeitos que venham a ser desencadeados: no negócio unilateral os
efeitos não diferenciam as pessoas que eventualmente neles tenham intervindo, pois
neles há apenas uma pessoa, uma declaração um interesse”.
→Contratos: os efeitos diferenciam duas ou mais pessoas, isto é: fazem, surgir a cargo
de cada interveniente, regras próprias que devam ser cumpridas e possam ser violadas
independentemente uma das outras.
O professor Menezes Leitão apresenta uma distinção basead a na necessidade de
apenas uma ou mais declarações negociais, sendo que por exemplo as doações 14
seriam um contrato pois exigem duas ou mais declarações negociais para a sua
efetivação (940º). Não são os efeitos do negócio que permitem distinguir os contratos
dos negócios unilaterais, mas antes o seu modo de formação.

Modalidade de Contratos
Forma
Não Formais - regra geral há uma desnecessidade de qualquer forma especial para a
celebração do contrato, admitindo-se que as declarações das partes podem ser
exteriorizadas de qualquer meio.
Formais - são excecionais todas as disposições que exigem sob pena de nulidade, a
adoção de uma forma especial para a declaração negocial.
Modo de Formação

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Reais Quod Constitutionem- aqueles cuja celebração se exige a tradição ou entrega da


coisa de que são objeto.
Consensuais- aqueles em que é dispensada a entrega.
Tem vindo a ser discutido na doutrina se a exigência de tradição da coisa para a
constituição de certos contratos não poderia ao abrigo da autonomia privada ser
dispensada. O prof. Menezes leitão diz que só se pode colocar relativamente às
situações em que a referência à tradição aparece apenas na descrição do tipo legal, já
que sempre que a lei exige imperativamente a tradição para a constituição do contrato,
é claro que as partes não as podem dispensar. A exigência de tradição tem uma clara
função útil de não permitir que a execução do contrato ocorra numa fase posterior à da
declaração negocial, exigindo que a execução do contrato se manifeste precisamente
nessa declaração negocial.
Efeitos
- Obrigacionais e Reais:
→ Obrigacionais (criação de direitos de crédito e obrigações, sendo a sua eficácia sobre
a esfera jurídica das partes imediata);
→ Reais (pode suceder que a sua eficácia não seja imediata, o que sucede sempre que
não estejam preenchidos, no momento da celebração do contrato, os 15 requisitos
necessários para que o contrato dê origem a uma situação jurídica de natureza real).
Regra geral a transmissão de direitos ocorre por mero efeito do contrato (408º.1). A
transmissão da propriedade no momento da celebração do contrato apenas ocorre
relativamente a coisas que já possuam os requisitos necessários para sobre elas ser
constituído um direito real. Ex: Em relação às coisas futuras a transferência da
propriedade é diferida para um momento posterior ao da celebração do contrato
(408º.2).
- Cláusula de Reserva e Propriedade: ocorrendo a transferência da propriedade da
celebração do contrato no momento desta celebração, a transmissão dos bens é
facilitada em prejuízo dos interesses do alienante. Daí resultou uma cláusula de reserva
de propriedade (409º), convenção pela qual o alienante reservar para si a propriedade
da cosia, até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte, ou até à
verificação de qualquer outro evento. A cláusula de reserva da propriedade pode ser
celebrada em relação a quaisquer bens (mas a lei dispõe que, no caso de bens imóveis
ou sujeitos a registo só a cláusula constante do registo é oponível a terceiros (409.2) A
cláusula implica que por acordo entre vendedor e comprador, a transmissão da
propriedade fique diferida para o momento do pagamento integral do preço. A função
é a de defender o vendedor das eventuais consequências do incumprimento do
comprador. A posição jurídica do comprador relativamente à coisa a partir do
momento em que é celebrada a cláusula de reserva de propriedade, sendo sustentado
por alguns a “condição suspensiva”.

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Sinalagmáticos ou não sinalagmáticos


Esta denominação surge de o facto de as obrigações forem recíprocas para ambas as
partes ou não, ficando assim ambas simultaneamente na posição de credores e
devedor.
➥O professor Menezes Cordeiro diz que num contrato há adstrição a cargo de ambas
as partes, mesmo nos não sinalagmáticos (ou nos gratuitos), os contratos produzem os
seus efeitos perante as duas partes, as quais devem respeitá-los. Em certas
circunstâncias apenas uma das partes fica vinculada (a outra irá dispor do direito
potestativo de desencadear para ambas as partes efeitos contratuais), isto sucede na
promessa unilateral (411º) em que uma das partes fica vinculada a ter de celebrar o
contrato definitivo, enquanto a outra pode decidir se quer ou não uma promessa. è
claramente diferente da sinalagmaticidade: um contrato não sinalagmático fixo um
regime relevante entre as partes, sem inserir, uma delas na posição potestativa de tudo
desencadear, podendo depender da mera vontade uma das partes.
➥O professor Menezes Leitão diz, porém, que esta classificação não se justificará, ao
dizer que se só uma das partes tem uma obrigação ou dizer que uma parte está
vinculada é a mesma coisa (no exemplo do contrato-promessa unilateral parece-nos
clara a inexistência de sinalagma, pois só uma das partes tem a obrigação de celebrar o
contrato definitivo).
Os contratos sinalagmáticos opõe-se assim aos não sinalagmáticos, que podem ser
unilaterais, em que apenas uma das partes assume uma obrigação ou bilaterais
imperfeitos em que uma das partes assume uma obrigação, mas a outra apenas realiza
uma prestação em circunstâncias eventuais. Reconduz-se à existência de obrigações
recíprocas para ambas as partes do contrato ou apenas a uma delas. Exemplo: Compra
e venda onde se pode vislumbrar a existência de obrigações para ambas as partes: a
obrigação de entrega da coisa para o vendedor e a obrigação de pagamento do preço
para o comprador.
Sinalagmáticos funcionais: nexo entre as duas obrigações tem a consequência de uma
interdependência entre as duas prestações que se deve manter durante toda a vida do
contrato, estabelecendo-se por isso que uma prestação não deve ser executada sem a
outra.
Aspetos do regime:
- Exceção de não cumprimento do contrato (cada uma das partes pode recusar a sua
prestação enquanto a outra não efetuar a que lhe cabe- 428º);
- Resolução por incumprimento (o contraente fiel pode resolver o contrato se a outra
parte incumprir a sua obrigação -801º.2);
- Caducidade do contrato sinalagmático por impossibilidade (impossibilitação de uma
das prestações e determina a restituição da outra - 795º1).
Contratos Onerosos e Gratuitos

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→Oneroso: implica atribuições patrimoniais para ambas as partes exemplo: compra e


venda
→Gratuito: implica atribuições patrimoniais para apenas uma delas - exemplo: doação
Existe, no entanto, a possibilidade um contrato ser simultaneamente oneroso e
gratuito, neste caso o contrato a favor de terceiro em que o promitente que realiza a
prestação de terceiro não recebe de qualquer contrapartida deste, mas pode vir a
recebê-la do promissário.
Dentro dos contratos onerosos encontramos:
Contrato Comutativo - quando as ambas as atribuições patrimoniais se apresentam
como certas;
Contrato Aleatório - quando pelo menos uma das atribuições patrimoniais se
apresenta como incerta que quando à sua existência, quer quanto ao seu conteúdo (ex:
contratos de jogo e aposta)
Nominados e Inominados
Contrato nominado - quando a lei reconhece como categoria jurídica através de um
nomen iuris.
Contrato inominado- quando a lei não o designa através de um nomen iuris, não o
reconhecendo, assim nas suas categorias contratuais.
Típicos e Atípicos
Contrato Típico- quando o seu regime se encontra previsto na lei.
Contrato Atípico- quando o seu regime não se encontra previsto na lei.
Contratos Mistos
Contrato Misto - aquele que reúne em si regras de dois contratos total / parcialmente
típicos, assumindo-se como um contrato atípico por não corresponder integralmente a
nenhum tipo integral regulado por lei (resulta da adoção de regras de dois ou mais
contratos típicos).
Categorias:
- Múltiplos: partes estipulam que uma delas deve realizar prestações correspondente a
dois contatos típicos distintos, enquanto a outra realiza uma única contraprestação
comum. ➥exemplo: Se alguém vender um automóvel a outrem e simultaneamente
comprometer a conduzi-lo.
- Duplo: contratos em que uma parte se encontra obrigada a uma prestação típica de
tipo contratual, enquanto a contraparte se encontra obrigada a uma contraprestação
típica oriunda de outro tipo contratual. ➥exemplo: Alguém arrenda uma casa contra a
obrigação da outra parte de realizar serviços de limpeza de prédio.

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- Misto strictu sensu: contratos em que é usada uma estrutura própria de um tipo
contratual para preencher uma função típica de outro tipo contratual. ➥exemplo:
alguém vender uma casa pelo preço de 1000 € (o preço é tão baixo que é meramente
simbólico).
- Complementares: aqueles em que são adotados os elementos essenciais de um
determinado contrato, mas aparecem acessoriamente elementos típicos de outros
contratos. ➥exemplo: venda de um automóvel com a obrigação acessória de o
vendedor realizar a manutenção do veículo.
Nos contratos mistos qual o regime que deve ser aplicado? (uma vez que as partes, ao
reunirem no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios total ou parcialmente
negociados na lei, provocam sempre um conflito de regimes legais potencialmente
aplicáveis).
→ Almeida Costa: faz apelo aos critérios de integração dos negócios jurídicos (239º),
mas em primeiro lugar deve ser averiguada a possibilidade de aplicação analógica da
disciplina de algum / alguns contratos típicos, o que corresponderá à teoria da
analogia; → Menezes Cordeiro: perante um contrato misto, devemos indagar, com
recurso ao sentido objetivo do conjunto, à finalidade comum das partes e às valorações
envolvidas, qual o centro de gravidade a relevar. Na presença de contratos mistos cujo
tipo básico contrarie normas imperativas, temos: - ou que se recorra ao método da
combinação, de modo a assegurar a aplicação da parte injuntiva; ou se cai na nulidade,
por contrariedade à lei (280º.1 e 294º), salva a hipótese de conversão (293º).
Mais relevante será a vontade das partes. Ao confecionar um contrato misto, poderão
ter visado, muito simplesmente o afastamento das normas típicas que não lhes
conviesse. A vontade contratual deve, pois, ser respeitada, apenas com uma
prevenção: a de que não deve ser contrariada pelo conjunto, que prevalece, salvo vício
na conformação ou na exteriorização da vontade.
União de Contratos
Ao contrário de nos contratos mistos, na união de contratos a celebração conjunta de
diversos contratos, unidos entre si. Esta permite que cada contrato mantenha a sua
autonomia, possibilitando a sua individualização face ao conjunto.
Formas:
→União Externa: ligação entre os diversos contratos resulta apenas da circunstância de
serem celebrados ao mesmo tempo.
→União Interna: apresentam-se ligados entre si por uma relação de dependência, na
altura da sua celebração uma das partes estabelece que não aceitaria celebrar um dos
contratos sem o outro.
→ União Alternativa: partes declaram pretender ou outro contrato, consoante ocorrer
ou não verificação de determinada condição.

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Os contratos preliminares
Denominam-se contratos preliminares aqueles cuja execução pressupõe a celebração
de outros contratos, adquirindo especial relevância o contrato-promessa – 410º e ss, e
o pacto de preferência – 414º, onde se verifica, respetivamente, uma assunção da
obrigação de celebração de um futuro contrato, e da obrigação de dar preferência a
outrem na celebração de um contrato futuro.
Contudo, temos também situações em que falta a efetiva vinculação a uma obrigação,
mesmo que as partes assumam determinados compromissos durante a fase de
negociações, sendo isto o que MC chama de contratação mitigada, ou seja, as partes já
constituíram vínculos entre si, mas em vista a uma futura negociação. Serão estes os
casos de cartas de intenção – expressão da intenção de celebração de um contrato
futuro, sem assunção de obrigação nesse sentido, acordo de negociação – definição
dos parâmetros em que devem decorrer as negociações, expressando intenção de os
prosseguir, acordo de base – as partes referem o acordo existente sobre os pontos
essenciais do contrato, embora ainda tenham de existir negociações com vista a
acertar questões complementares, acordo-quadro – numa negociação que envolve
múltiplos contratos, as partes estabelecem um acordo comum a todos eles, e
protocolo-complementar – celebração de uma convenção acessória de um
determinado contrato, para o complementar.
Assim, se dos compromissos acima referidos não resultar a assunção da obrigação de
contratar, a responsabilidade só pode ser estabelecida com base na CIC – 227º, sendo
que estes compromissos servem para acentuar a confiança já estabelecida. Sempre
que já exista uma obrigação de contratar assumida pelas partes, estamos já no âmbito
do contrato promessa, que pode ter por objeto outro contrato promessa, caso em que
se aplica a execução específica do contrato, em caso de frustração.

O contrato promessa
É a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar um novo contrato, ou seja, é um
contrato preliminar de outro contrato, que por sua vez será o contrato
definitivo/prometido. O contrato-promessa caracteriza-se pelo facto de o seu objeto
ser a obrigação de contratar, podendo ser relativa a qualquer outro contrato.
São cada vez mais comuns pois, em muitas situações as partes iniciam as negociações
para a celebração de um contrato e chegam a acordo sobre a mesma, mas não podem
(ou não querem) celebrá-lo naquele momento. Assim, em vez de celebrarem o
contrato definitivo, comprometem-se a celebrá-lo, assumindo uma obrigação nesse
sentido.
Ainda que o objeto do contrato-promessa seja a obrigação de celebrar o contrato
prometido, estes são autónomos, uma vez que o contrato promessa tem,
normalmente, eficácia obrigacional, enquanto o prometido poderá ter eficácia real -ex:
compra e venda, transmite-se o direito real de propriedade.

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Apesar desta autonomia, a lei consagra no art. 410º/1 o princípio da equiparação, ou


seja, sujeita o contrato-promessa ao mesmo regime do prometido, dando-se assim
uma extensão do regime do definitivo ao promessa, sujeitando-se o segundo às
mesmas regras do primeiro – ex: se a lei proíbe a venda a filhos e netos – art. 877º,
também é proibido um contrato promessa entre filhos e netos. Este princípio conhece
duas exceções: as disposições relativas à forma e as disposições que pela sua razão de
ser não se devam considerar extensivas ao promessa. Quanto à primeira, significa que
as regras de forma não são extensíveis ao promessa, logo, pode este ser menos solene
do que o contrato prometido que tem por objeto; quanto à segunda, implica o
afastamento de todas disposições relativas ao contrato-prometido, justificadas em
função da configuração deste e que não se harmonizem com a sua natureza – ex: as
perturbações da prestação no contrato de compra e venda não se estendem ao
contrato-promessa, daí que embora a venda de bens alheios seja nula, pelo art. 892º, o
contrato-promessa de venda de bens alheios é válido, já que apenas está em causa a
obrigação de contratar, e não ainda a obrigação de transmitir o direito real de
propriedade, não se exigindo ao promitente-vendedor qualquer legitimidade para tal,
visto que esta só é necessária para a alienação ou oneração de direitos reais, mas não
para a constituição de obrigações; da mesma forma, o art. 879º refere que a compra e
venda tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa, a obrigação
da tradição da coisa pelo vendedor, e do pagamento do respetivo preço pelo
comprador, contudo, nenhum destes efeitos se estende ao c-promessa, pois dele
apenas decorre a obrigação de vir a celebrar o contrato de compra e venda. Para além
disto, se é impossível vender simultaneamente o mesmo bem a duas pessoas, já não é
impossível existirem dois contratos-promessa diferentes e incompatíveis sobre o
mesmo bem, pois apenas se dá a constituição de dois direitos de crédito, que como
sabemos, não se hierarquizam entre si pela data de constituição – 604º/1.
Modalidades de contrato promessa
Pode ser unilateral ou bilateral, consoante apenas uma das partes se vincule à
celebração do contrato prometido, ou ambas.
Exemplo de bilateral: A promete vender o bem x a B, que se compromete a comprar-
lho.
Exemplo unilateral: A promete a alguém vender-lhe o bem Y, mas a outra parte não se
compromete a comprar-lho, sendo livre de o fazer
Forma do contrato promessa
Como dito anteriormente, a forma do contrato promessa é precisamente uma das
exceções não abrangidas pelo princípio de equiparação presente no art. 410º/1, logo, o
c-promessa segue o regime geral da liberdade de forma – 219º.
Contudo, temos a exceção do art. 410º/2, que nos diz que quando exigido por lei
documento autêntico ou particular para celebrar o contrato prometido, esse
documento é também exigido para o contrato promessa, bastando, porém, o

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documento particular (ainda que o contrato prometido exija documento autêntico) -


ex: a lei exige para o contrato compra e venda a escritura pública ou documento
particular autenticado – 875º, pode ser objeto de contrato-promessa por simples
documento particular. O art. 410º/2 refere ainda que o tal documento tem apenas de
ser assinado pela parte que se vincula à celebração do contrato definitivo, ou seja, se
unilateral, apenas tem de ser assinado pelo promitente, se bilateral, por ambos.
Discute-se a necessidade de assinatura em caso de promessa unilateral remunerada,
mas ML entende que apenas terá de ser assinado pela parte que assume a obrigação
de contratar, uma vez que apenas esta parte incorre na obrigação de contratar.
Questão controversa é saber se um c-promessa bilateral assinado por um só
promitente pode ser válido como c-promessa unilateral, permitindo a subsistência do
vínculo obrigacional para quem o assinou.
A doutrina divide-se entre:
- Tese da transmutação automática para promessa unilateral: segundo esta, caso
faltasse a assinatura de uma das partes num contrato promessa bilateral, ele valeria
automaticamente como promessa unilateral, contudo, esta tese foi já posta de parte
pela jurisprudência;
- Tese da nulidade total: veio também a ser sufragada pelo STJ numa segunda fase,
passando a defender-se que a falta da assinatura de uma das partes é elemento
essencial para a forma do contrato promessa bilateral, atentando contra a natureza
sinalagmática do contrato, pelo que segundo esta tese, a invalidade da obrigação de
uma das partes afetaria igualmente a outra, uma vez que o sinalagma genético não
pode ser válido apenas com metade, não se ponderando por isso hipóteses de redução
ou conversão. A tese foi defendida por GT até 1986.
- Tese da conversão: defendida por Antunes Varela e posteriormente também por GT,
com argumentos que partem do pressuposto de que seria injusto e desfavorável não
permitir o aproveitamento do negócio, pelo que tal poderá ser feito com recurso ao
mecanismo da conversão (e não da redução), já que a redução pressupõe, como nos
diz o art. 292º, uma nulidade parcial do negócio, e o contrato promessa bilateral com
assinatura de uma das partes em falta apresenta-se como totalmente nulo, por falta da
forma exigida por lei. Por outro lado, a natureza sinalagmática do contrato promessa
bilateral torná-lo-ia radicalmente diferente do contrato promessa unilateral, que não
reveste a natureza sinalagmática. Assim, para fazer o aproveitamento, não se estaria
perante um aproveitamento parcial, mas sim perante a transformação do mesmo num
negócio de tipo, ou de conteúdo diferente, situação sujeita ao art. 293º. Finalmente,
em face do regime da redução, cabe à parte interessada na invalidade total do negócio
alegar e provar que este não teria sido concluído sem a parte viciada (neste caso, sem
uma das assinaturas das partes), quando o correto seria antes que este ónus recaísse
sobre a parte interessada no aproveitamento do negócio.
- Tese da redução: defendida por Almeida Costa e Ribeiro de Faria, com argumentos
que assentam em que, se no contrato promessa a lei só exige a assinatura para a

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declaração negocial do contraente que se vincula à promessa, a nulidade por falta de


forma neste contrato será parcial, se apenas um dos contraentes não o assinar, o que
justifica a aplicação do regime da redução – 292º, sendo este, para além do mais, o que
melhor tutela os interesses da parte que pretende o aproveitamento do negócio,
apenas afastando esta solução quando se demonstre que a vontade hipotética das
partes iria em sentido contrário ao aproveitamento.
O Prof. MC adota uma posição intermédia, considerando que, sendo uma promessa
unilateral visceralmente diferente da promessa bilateral, a falta de uma das assinaturas
nunca poderia levar a apenas uma invalidade parcial, mas sim a uma invalidade total,
pelo que só a conversão poderia salvar o negócio. No entanto, MC reconhece também
que a redução é, de facto, a que melhor salvaguarda os interesses do contraente
vinculado, pelo que propõe uma aplicação conjunta dos dois preceitos, remetendo
ainda, com base no art. 239º, para a boa fé, como forma de encontrar a solução mais
justa.
A jurisprudência maioritária tem vindo a decidir a favor da tese da redução – Ac. RP
18/12/1995 em CJ 20 (1993); Ac. STJ 25/03/1993 em CJ- STJ 1 (1993) e Ac. STJ
9/1/1997 em BMJ 463 (1997). Pelo contrário, em favor da conversão temos Ac. STJ
16/12/1999 em BMJ 492 (2000).
O Prof. ML adota a tese da redução como preferível, uma vez seguido o entendimento
de que se deverá procurar aproveitar como contrato promessa unilateral o contrato
promessa bilateral a que falte uma das assinaturas, devendo adotar-se a solução que
dê mais abertura a essa possibilidade, que é a tese da redução. Para além disto, a tese
da conversão não permite salvaguardar a articulação do contrato promessa com o
regime do sinal, caso este tenha sido constituído, já que, pretendendo-se que o
contrato bilateral é totalmente nulo e apenas se pode converter em promessa
unilateral em tal caso, então essa conversão não poderia abranger a convenção de sinal
bilateral, visto o contrato bilateral ter sido considerado nulo. Já a tese da redução, por
considerar a falta de assinatura de uma das partes como uma invalidade parcial,
permitira manter a sanção do sinal em relação à parte que permanecesse vinculada à
celebração do contrato definitivo, o que parece para ML a solução mais adequada,
visto que afastar os direitos atribuídos pelo art. 442º seria um grande prejuízo para o
promitente fiel. Finalmente, ML considera que não será problemático qualificar a
situação como invalidade parcial, uma vez que, ainda que seja uma invalidade formal,
esta é divisível em relação às duas partes, já que o art. 410º/2 admite que, em caso de
contrato promessa unilateral, a assinatura das partes é apenas necessária para se
constituir a obrigação de contratar por uma delas, adquirindo a outra parte o direito à
celebração do contrato definitivo sem ter de assinar o contrato promessa, pelo que se
assim é no c-promessa unilateral, não se vê o porquê de a solução não poder valer para
o bilateral, considerando-se, em virtude da falta de uma das assinaturas, como
formalmente válida a assunção de uma das obrigações e formalmente inválida a
assunção de outra, o que representa claramente uma invalidade meramente parcial do
contrato, sendo que a partir daí, saber se essa se comunica ou não a todo o contrato

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depende da aplicação do art. 292º, e não de uma posição concetualista acerca da


natureza sinalagmática do contrato em questão. Quanto ao art. 410º/3, este não faz
uma exigência de forma, uma vez que não se revela por esta via qualquer vontade
negocial, tratando-se apenas de formalidades, exigidas para uma validade plena do
negócio, estabelecidas para que seja possível um controlo notarial ou equiparado dos
contratos promessa relativos a edifícios ou frações autónomas, por forma a evitar a sua
celebração em casos de construção clandestina, impondo-se por isso, para tutela do
interesse do promitente adquirente, o reconhecimento presencial das assinaturas e a
certificação no documento da licença de construção ou utilização. Caso estes requisitos
não sejam cumpridos, ocorrerá a invalidade do contrato, ainda que esta só possa ser
invocada pelo promitente adquirente, a menos que seja provocada por sua culpa
exclusiva, caso em que o promitente alienante também a pode invocar. Daqui resulta
ainda que a referida invalidade não pode ser invocada por terceiros, nem conhecida
oficiosamente pelo tribunal – solução expressamente consagrada por dois assentos: no
domínio do DL 236/80 de 18 de julho, respetivamente o assento nº15/94 de 28 de
junho de 1994, e o assento nº3/95 de 1 de fevereiro de 1995. Assim, a omissão destas
formalidades não constitui uma verdadeira nulidade, sujeita ao regime do art. 286º,
mas antes uma situação de invalidade mista estabelecida no interesse do promitente
adquirente em evitar a aquisição a aquisição de um imóvel clandestino, daí que possa
invocar essa invalidade a todo o tempo (admitindo-se qua é uma nulidade sanável,
após a posterior obtenção da licença).
Transmissão dos direitos e obrigações emergentes do contrato promessa
O art. 412º vem esclarecer que os direitos e obrigações emergentes do contrato
promessa, que não sejam exclusivamente pessoais, se transmitem por morte aos
sucessores das partes – nº1, ficando a transmissão entre vivos sujeita às regras gerais –
nº2. Daqui depreendemos que a lei não reconhece, em princípio, um caráter intuitu
personae ao contrato promessa, ou seja, não tendo de ser um contraente específico a
celebrar o contrato, nada impede que em caso de morte de uma das partes, o
cumprimento da obrigação respetiva seja exigido aos herdeiros, ou seja requerido por
estes. Caso, porém, o contrato tenha sido celebrado em consideração específica da
pessoa do outro contraente, será já um contrato intuitu personae, impedindo assim a
transmissão por morte, ao abrigo do art. 2025º.

Execução Específica
A lei admite a execução específica da obrigação de vir a contratar, consistindo esta na
substituição do devedor no cumprimento, obtendo o credor a satisfação do direito de
crédito, por via judicial. Neste caso, a execução específica consistirá em o tribunal
emitir uma sentença que produza os mesmos efeitos jurídicos da declaração negocial
que não foi realizada, operando-se assim a constituição do contrato definitivo. A
execução específica da obrigação de contratar está prevista no art, 830º, que nos diz
que o não cumprimento da promessa atribui à outra parte o direito a recorrer à
execução específica. A referência da lei a “não cumprimento” deve ser entendida em
sentido amplo, uma vez que para haver execução específica basta que exista mora do

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devedor, devido ao facto de o credor manter interesse na prestação, tendo direito à


mesma.
A execução específica deixa de ser possível a partir do momento que há
impossibilidade definitiva do cumprimento, como no caso em que o bem que se
prometeu vender já tenha sido alienado a um terceiro. Neste caso, a sentença judicial
não poderia produzir os efeitos de um contrato definitivo válido, pois seria já uma
venda de bens alheios nula - 892º. Tal aplica-se mesmo que o registo de venda a
terceiro somente ocorra após o registo da ação de execução específica, uma vez que
até à decisão da ação de execução específica continua a haver apenas um direito de
crédito, que não prevalece sobre os direitos reais que o terceiro adquiriu, mesmo que
registado. Esta é a posição de ML, com a qual discordam Galvão Telles e MC, no
entanto, o Prof. ML afirma que tal posição seria atribuir eficácia real a todos os
contratos promessa sujeitos a execução específica em que a ação fosse registada, e
sabemos que assim não o é, devido ao regime do art. 413º. Assim, a execução
específica do contrato promessa sem eficácia real, nos termos do art. 830º, não é
admitida em casos de impossibilidade de cumprimento por o promitente-vendedor ter
transmitido o seu direito real de propriedade sobre a coisa objeto do contrato
prometido antes de registada a ação de execução específica, ainda que o terceiro
adquirente não haja obtido o registo de aquisição antes do registo de ação de
execução, pois o registo da ação não confere eficácia real à promessa.
Há ainda duas situações em que é expressamente excluída a execução específica do
contrato-promessa:
1 – A existência de convenção em contrário (sinal ou cláusula penal);
2 – A execução específica ser incompatível com a natureza da obrigação assumida
Relativamente à primeira situação, a possibilidade da execução específica da obrigação
de contratar não se apresenta como imperativa, pelo que as partes podem derrogá-la
através de convenção. Tal sucede no caso de as partes constituírem sinal ou
estipularem uma penalização para o incumprimento – 830º/2, por se presumir que,
nessa situação, as partes pretendem que em caso de incumprimento a obtenção da
indemnização convencionada e não a execução específica, ainda que esta presunção
seja ilidível com prova em contrário – 350º/2, nada impedindo que possam
convencionar a aplicação dos dois regimes (execução e sinal/penalização) podendo o
credor optar pela alternativa que lhe seja mais conveniente.
Contudo, tal acontecerá imperativamente na situação prevista no 830º/3, ou seja, nas
promessas do art. 410º/3 – relativas à constituição ou transmissão de direito real sobre
edifício ou fração autónoma dele, já construído, em construção ou a construir – o
direito à execução específica não pode ser afastado pelas partes, ou seja, nunca podem
atribuir a um sinal ou cláusula penal o efeito de afastar a execução específica.
Relativamente à segunda situação, existem casos em que a execução específica se
apresenta incompatível com a obrigação assumida, por exemplo, nos contratos

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promessa relativos a contratos reais quoad constitutionem (exigem a tradição da


coisa), não é possível decretar a execução específica, uma vez que o tribunal não
consegue substituir-se ao promitente na tradição da coisa.
A lei procura ainda resolver dois problemas com a execução específica:
830º/4 – situação de o bem objeto do contrato prometido, ter sido prometido como
supostamente livre de encargos ou ónus, mas na verdade se encontrar hipotecado.
Nesse caso, a execução específica não iria por si só proteger o adquirente, que ficaria
sujeito a ver o bem posteriormente executado para pagamento da dívida ao credor
hipotecário. Por isso, admite-se neste art. 830º/4 que, na ação de execução específica
seja simultaneamente pedida a condenação do promitente faltoso na quantia
necessária para expurgar a hipoteca, conseguindo-se assim a sua extinção, sem
prejuízo para o beneficiário da promessa, que consegue também a ação de execução.
830º/5 – situação em que o promitente faltoso (comprador) pode invocar a exceção de
não cumprimento do contrato, caso em que a ação improcede, se este não consignar
em depósito no prazo que lhe for fixado pelo tribunal. Pretende-se com esta norma
evitar que quando o promitente faltoso beneficie da exceção de não cumprimento –
428º, viesse o tribunal a emitir a sentença de execução específica, que determina a
transmissão da propriedade da coisa objeto do contrato prometido, sem assegurar que
o promitente faltoso (vendedor) venha a receber a prestação a que tem direito. Vem-se
acautelar a posição do promitente-vendedor contra o qual seja proferida a ação de
execução específica, ou seja, o depósito prévio assegura que o promitente faltoso
continua a beneficiar da proteção conferida pelo sinalagma funcional, caso a ação de
execução proceda.

Articulação do contrato-promessa com o sinal


Este consiste numa cláusula acessória dos contratos onerosos, mediante a qual uma
das partes entrega à outra, pela ocasião de celebração do contrato, uma coisa fungível,
que pode ser de natureza diversa da obrigação contraída.
O sinal funciona no c-promessa como fixação das consequências do incumprimento,
uma vez que, se a parte que constituiu o sinal deixou de cumprir a sua obrigação, a
outra parte tem o direito de fazer sua a coisa entregue como sinal; por outro lado, se o
incumprimento veio de quem recebeu o sinal, tem este o dever de devolver o sinal em
dobro – 442º/2.
Contudo, em caso de cumprimento do contrato, a coisa entregue será imputada na
prestação devida, valendo como princípio do pagamento devido, ou então será
restituída, caso a imputação à prestação devida não seja possível.
O sinal representa um caso de datio rei – entrega da coisa (transferência da
propriedade de determinada pecunia ou de outras coisas igualmente fungíveis), visto
que transmite a sua propriedade com uma função confirmatória-penal, sendo assim
simultaneamente um contrato real quoad effectum e quoad constitutionem, visto que

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se não ocorrer a entrega do sinal convencionado pelas partes, este não chega a ser
constituído, apenas uma promessa a ele respeitante.
Como já dito anteriormente, constituído o sinal, a propriedade do mesmo é adquirida
por quem o recebe, ainda que, em caso de cumprimento, este possa ser obrigado a
restituí-lo, se não for possível a sua imputação à prestação devida; se for possível, a
coisa objeto de sinal fica definitivamente no património de quem recebeu o sinal. Em
caso de incumprimento, há lugar à aplicação dos efeitos penais do sinal, que passam
pela perda do mesmo (se for quem o deu que incumpriu) ou pela restituição em dobro
(se foi quem o recebeu que incumpriu).
O sinal tem um campo de aplicação privilegiado nos c-promessa, visto que à luz do art.
440º, num contrato, se um dos contraentes entregar ao outro coisa que coincida, no
todo ou em parte com a prestação devida, é essa entrega havida como antecipação
total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue
o caráter de sinal. Deste modo, podemos concluir que a entrega de uma datio rei por
uma das partes, na altura de celebração do contrato ou em data posterior, não implica
presunção da constituição obrigatória de um sinal, sempre que se verifique
coincidência entre a datio feita e a obrigação a que aquela parte está adstrita. Nesta
situação entende-se sim que o que se visou com a datio foi antecipar o cumprimento
da obrigação, e não a constituição de sinal. Assim, se as partes quiserem que essa
prestação entregue tenha caráter de sinal, têm de lhe atribuir especificamente essa
natureza – ex: se alguém comprar um automóvel, comprometendo-se a pagar o preço
posteriormente e a entregar logo determinada quantia ao vendedor, considera-se que
apenas adiantou parte do pagamento que deve.
Diferentemente se passa em sede de contrato-promessa, onde a prestação realizada
pelo promitente comprador nunca pode ser coincidente com a prestação a que fica
adstrito, visto que no contrato promessa se instituem apenas obrigações de prestação
de facto jurídico – celebrar o contrato definitivo, logo, a entrega de uma coisa nunca
significa cumprimento, daí que nunca se possa considerar essa quantia como
antecipação do cumprimento. Por este motivo, excluímos a aplicação do art. 440º. No
entanto, estipula o art. 441º o contrário, resultando desta norma que a entrega de
quantias em dinheiro pelo promitente comprador ao promitente vendedor constitui
presunção da estipulação de sinal, mesmo que as quantias entregues sejam a título de
antecipação do cumprimento. Isto é assim porque a obrigação de pagamento só surge
com a celebração do contrato prometido, no entanto, ainda que a sua antecipação na
fase do contrato promessa tenha por referência uma obrigação ainda não existente, tal
não chega para elidir a presunção de ter sido estipulado sinal, ainda que esta seja uma
presunção ilidível com a produção de prova em contrário – 350º/2. Trata-se, porém, de
uma prova difícil de efetuar, visto que a não estipulação de sinal seria um facto
negativo, e já vimos que a atribuição de título distinto para a prestação não é suficiente
para afastar a presunção. Caso, porém, as partes consigam demonstrar que a quantia
entregue não tem natureza de sinal, valerá esta como antecipação do cumprimento de

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uma obrigação futura, devendo ser imputada na prestação devida, ou restituída


quando tal não seja possível.
O regime do art. 442º
Verificámos já que a lei faz distinção entre o regime do sinal aplicado genericamente a
todos os contratos, ou ao contrato promessa. O art. 442º, porém, não o faz, cabendo-o
à doutrina.
O 442º/1 refere-se ao regime do sinal em geral, indicando o seu funcionamento em
caso de cumprimento da obrigação, visto que neste caso o sinal é imputado na
prestação devida, quando coincidente com esta. Se for impossível a imputação, por a
coisa entregue não coincidir com a prestação devida, o sinal terá de ser restituída. Esta
restituição ocorrerá também em caso de impossibilidade de prestação por facto não
imputável a qualquer das partes, visto que também aqui deixa de haver causa
justificativa para a conservação do sinal.
O 442º/2 1ª parte refere-se também ao regime geral do sinal, em caso de
incumprimento. Nesse caso, se o incumprimento for de quem constituiu o sinal, este é
perdido em favor da contraparte, sendo que se for esta última (quem recebe o sinal) a
incumprir, tem de restituir o sinal em dobro. A lei não refere a hipótese de
incumprimento imputável a ambas as partes, mas parece-nos que deverá haver a
restituição do sinal, visto que ambas teriam nessa situação direito à indemnização da
contraparte, ou seja, as obrigações extinguir-se-iam por compensação – 847º, ficando
apenas em falta a restituição do sinal.
Já no art. 442º/2 2ª parte, deixa-se de falar do sinal em geral, para falar no caso de
contrato-promessa, prevendo a lei que, se houver tradição da coisa a que se refere o
contrato prometido, o promitente adquirente pode optar, em lugar da restituição do
sinal em dobro, por receber o valor atual (e objetivo) da coisa, ao tempo do
incumprimento, com a dedução do preço convencionado, acrescido do sinal e da parte
do preço que tenha sido paga. Esta solução tem explicação histórica, na medida em
que na década de 80 estava-se num período de forte inflação e especulação
imobiliária, pelo que a demora dos processos de execução específica levava
naturalmente a que deixasse de haver correspondência económica entre o preço
estipulado para o contrato definitivo e a valorização posterior que os imóveis sofriam,
tornando assim platónica a sanção da restituição do sinal em dobro, uma vez que,
geralmente, a valorização que a coisa prometida sofria compensava o pagamento do
sinal em dobro como indemnização, fazendo com que os promitentes-vendedores se
sentissem tentados a incumprir os contratos-promessa , já que os ganhos que
obtinham com a venda da coisa no mercado pelo seu valor atual e objetivo seria muito
superior à indemnização por incumprimento da promessa.
Tal situação seria particularmente injusta no caso de já ter havido tradição da coisa a
que se refere o contrato prometido, visto que quando tal aconteça o contrato já estará
total ou pelo menos parcialmente executado antes da sua celebração efetiva,
funcionando esta como mera formalização de algo já consolidado no plano dos factos.

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O promitente adquirente sofreria assim graves danos, se visse posteriormente


frustrada a aquisição de um bem que já tivera recebido, e que eventualmente já tenha
pagado integralmente, sem conseguir receber uma indemnização adequada, sendo
que o promitente vendedor obteria um enriquecimento injustificado, beneficiando
com um facto ilícito. Por esta situação surge a solução do art. 442º/2 2ª parte, ou seja,
o que o promitente fiel pode exigir será a valorização que a coisa obteu entre o
momento da celebração do contrato promessa e o momento do incumprimento,
subtraindo-se a este o valor convencionado pelas partes, e ainda acrescendo o valor do
sinal e da eventual antecipação do pagamento.
Exemplo: se A promete vender a B e este comprar-lhe uma casa por 50.000€, pagando
logo 25000 como sinal e sendo feita tradição da coisa.
Uma querela quanto a esta norma será saber se a exigência do aumento do valor da
coisa a que se refere o contrato-prometido, pressupõe que tenha sido constituído sinal
ou se basta apenas a tradição da coisa. MC defendeu que deve ser exigida a
constituição de sinal, uma vez que, quando este não se constitui, a tradição da coisa
para o promitente comprador apresenta-se como um ato de mera tolerância do
promitente vendedor, não havendo razão para que o promitente comprador seja
prejudicado por esse ato. Galvão Telles discorda, no sentido de que o aumento do valor
da coisa tem lugar mesmo que não tenha sido estipulado sinal, já que não haveria
motivo para se aplicar este regime quando o sinal exista, em alternativa a este. ML
concorda com MC, na medida em que o regime do art. 442º/2 pretende evitar, nos
casos em que houve tradição da coisa, que o funcionamento tradicional do sinal se
torne uma “sanção” platónica para o promitente vendedor, em virtude de a inflação ter
alterado o valor objetivo da coisa em relação ao preço convencionado, tornando-se
assim um enriquecimento injustificado. Trata-se, portanto, de uma regra excecional,
destinada a corrigir um funcionamento desvirtuado do sinal, não podendo ser aplicada
fora desse campo. Assim, se não houver estipulação de sinal, a questão altera-se
totalmente: primeiro, o promitente-comprador não fica limitado a uma indemnização
pré convencionada – o sinal em dobro, podendo exigir a execução específica do
contrato – 830º/1 e 2, assim como uma indemnização em via dos prejuízos causados
com o incumprimento – 798º, não havendo motivo para lhe dar também o direito ao
aumento do valor da coisa. Para além disto, a tradição da coisa por parte do
promitente-vendedor, não se apresentou sequer como contrapartida da constituição
do sinal, foi um ato gratuito, de favor ou mera tolerância, não se vendo também neste
ato uma justificação para atribuir esse direito ao promitente comprador.
O art. 442º/3 vem referir que o contraente não faltoso pode, em alternativa ao
disposto no 442º/2, requerer a execução específica do contrato, nos termos do art.
830º. Esta é também uma disposição exclusiva dos contratos promessa, sendo a
redação do artigo algo defeituosa, uma vez que dela parece resultar que o contraente
não faltoso tem sempre a opção de recorrer à execução específica em alternativa ao
sinal, mas em vista do art. 830º, sabemos que nem sempre é assim. Ora, constituindo-
se sinal, presume-se que as partes efetuam uma estipulação contrária à execução

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específica – 830º/2, só podendo assim recorrer-se à execução caso a presunção de


constituição de sinal seja ilidida pelas partes, ou caso se esteja perante a situação do
art. 830º/3, onde é imperativo recorrer-se à execução específica. Assim, o que o 442º/3
nos quer dizer é que a execução específica é possível, haja ou não tradição da coisa a
que se refere o contrato prometido, desde que não exista constituição de sinal e tal
não possa ser ilidido. A 2ª parte do 442º/3 prevê ainda que se o contraente não faltoso
optar por exigir o dinheiro referente ao aumento do valor da coisa + valor acordado +
sinal, como expressa o 442º/2, pode o contraente faltoso opor-se a tal, oferecendo-se
para cumprir a promessa, salvo o disposto no art. 808º. Esta é uma solução defendida
por MC, que consiste em admitir que a oferta do cumprimento da promessa, por parte
do promitente faltoso, paralisasse o direito do promitente fiel, ao aumento do valor da
coisa, qualificando a figura como “exceção do cumprimento do contrato promessa”,
dado que este cumprimento, neste caso, corresponderia a uma situação jurídica ativa
suscetível de paralisar um direito da contraparte, ou seja, uma exceção. ML concorda
com a solução legislativa, pois conforme se explicou, a atribuição do aumento do valor
da coisa ou do direito destina-se a evitar que o promitente faltoso venha obter um
enriquecimento injustificado, em virtude de facto ilícito – incumprimento da obrigação
de contratar. Deve, porém, admitir-se que esse cumprimento, ainda que tardio, da sua
obrigação, possa paralisar esse direito, uma vez que então já não se justifica atribuir-
lhe essa sanção e o direito de promitente comprador nunca deixou de ser o direito à
celebração do contrato prometido.
Contudo, a redação do artigo suscitou alguma discussão na doutrina, questionando-se
se, em virtude da admissão que uma oferta posterior do cumprimento, salvo o art.
808º, paralise o direito ao aumento do valor da coisa, não se teria passado a exigir
apenas uma situação de mora no cumprimento para determinar a perda do sinal ou a
sua restituição em dobro, ou a alternativa do aumento do valor da coisa ou do direito
ou se, pelo contrário se continuaria a exigir o incumprimento definitivo da obrigação
para a constituição desses direitos. Efetivamente, o art. 808º refere-se aos casos em
que a mora se transforma em incumprimento definitivo, pelo que, ao ressalvar-se o art.
808º no art. 442º/3, tal faria pressupor que o incumprimento definitivo ainda não se
poderia ter verificado. Ora, sendo a previsão dessa norma a opção pelo aumento do
valor da coisa, o que aparece no 442º/2 como alternativa à restituição do sinal em
dobro, pareceria que todos estes efeitos seriam consequência da simples mora no
cumprimento. A solução de que para aplicação do art. 442º/2 bastaria a ocorrência de
mora no cumprimento foi defendida por Antunes Varela e MC; já no sentido de se
continuar a exigir uma situação de incumprimento definitivo pronunciam-se GT. Outros
autores defendem ainda posições intermédias, como Almeida Costa, que veio
considerar que o novo regime legal acrescentaria ao 808º um novo caso de
transformação da mora em incumprimento definitivo, que seria a exigência do sinal em
dobro, ou do aumento do valor da coisa, a qual constituiria já uma declaração tácita de
resolução do contrato-promessa. Januário Gomes defende que se deveria distinguir
entre os dois casos previsto no 808º, ou seja, para a mora se transformar em
incumprimento, exigindo-se previamente à restituição do sinal em dobro ou aumento

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do valor da coisa, a outorga ao devedor de um prazo suplementar de cumprimento,


podendo este, mesmo após este cessar, ainda cumprir a obrigação, caso houvesse
opção pelo valor da coisa, a menos que houvesse uma perda de interesse por parte do
credor.
O Prof. ML refere, tomando posição, que o art. 442º/3 é uma norma específica sobre o
regime do contrato promessa, não podendo de ele extrair-se conclusões sobre o
funcionamento do regime do sinal em geral, previsto nos art. 442º/1 e 2. Assim,
quanto ao sinal em geral, ML concorda que seja necessário o incumprimento definitivo,
exigido por lei, uma vez que seria uma sanção excessiva e desproporcionada que um
simples atraso no cumprimento – mora, legitimasse a outra parte exigir as sanções
correspondentes à perda do sinal ou à sua restituição em dobro (é também isto que
permite distinguir o sinal da cláusula penal, que apenas pode ser exigida com o
incumprimento definitivo, a menos que estabelecida pelas partes para o atraso na
prestação – 811º/1. Assim, sendo esta a interpretação correta a fazer para o sinal, não
se vê justificação para aplicar uma solução diferente para o contrato promessa – a da
restituição do sinal em dobro em caso de simples mora, pois tal seria absurdo,
nomeadamente em casos de esquecimento de meros dias, que a outra parte pudesse
conservar definitivamente o sinal ou exigir a sua restituição em dobro. Assim, a única
solução correta é exigir, para obtenção destes efeitos, a transformação da mora em
incumprimento definitivo, de acordo com os requisitos do 808º, ou seja, perda de
interesse objetiva na prestação, ou fixação de um prazo suplementar de cumprimento.
Mas, contudo, já na opção de se poder exigir o aumento do valor da coisa (+ valor
convencionado + sinal), este pode ocorrer em caso de simples mora, valendo esta
como renúncia do promitente comprador a desencadear o mecanismo do sinal, uma
vez verificado o incumprimento definitivo por perda de seu interesse na prestação.
Efetivamente, neste caso, o promitente vendedor que, caso venha a incumprir
definitivamente a obrigação não pode indemnizar através do sinal, tendo ainda a opção
de cumprir a obrigação, a menos que se venha a verificar o incumprimento definitivo
por perda de interesse do promitente adquirente ou ultrapassagem do prazo
suplementar de cumprimento que o mesmo estabeleceu – 808º, caso em que terá
sempre de pagar o valor correspondente ao aumento da coisa ou do direito, sendo
assim um caso de purgação da mora e não de “exceção de cumprimento do contrato”
como diz MC. Em conclusão, a perda do sinal por parte do promitente faltoso, por
obrigação de o restituir em dobro, exige o incumprimento definitivo da sua parte –
442º/2; já a opção, por parte do promitente adquirente pelo pagamento do aumento
do valor da coisa, na medida em que admita ainda um cumprimento posterior, pode
ocorrer em caso de simples mora, vindo esta também no art. 442º/3.
Cabe então questionar qual a natureza deste direito ao aumento do valor da coisa ou
do direito reconhecido ao promitente comprador que recebeu a tradição da coisa ou
do direito, em caso de incumprimento da outra parte. ML acredita não se poder
atribuir a natureza de sanção compulsória, visto que que se assim fosse, ele extinguir-
se-ia sempre que o devedor se dispusesse a cumprir, e tal não acontece no caso de se

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verificar a situação do 808º, tal como nos diz o 442º/3; quanto à tese da indemnização,
apesar de a opção por esse direito ao aumento poder ocorrer em caso de simples
mora, não tem por isso natureza moratória, já que não é cumulável com a exigência de
cumprimento, antes se extinguindo com o mesmo. No entanto, é também duvidoso
que aqui tenhamos uma indemnização causada por danos causados com o
incumprimento definitivo, visto que a atribuição do direito não depende de prova de
danos sofridos, nem os toma como referência, apenas toma em consideração a
valorização de um bem, que ainda se encontra no património do promitente vendedor.
Para além disto, a indemnização por incumprimento foi expressamente convencionada
em montante certo, através da estipulação do sinal, sendo assim claro que o direito ao
aumento do valor da coisa não tem natureza indemnizatória, ou seja, este regime tem
como justificação a restituição do enriquecimento injustificado. Assim, perante uma
situação em que o promitente-vendedor realizou a tradição da coisa, mas enriqueceria
à custa do promitente-comprador através da restituição do sinal em dobro, a lei vem
determinar que a valorização da coisa possa ser atribuída ao comprador, de forma a
não haver enriquecimento injustificado, em alternativa à indemnização convencionada.
O art. 442º/4 vem dispor que o sinal funciona como fixação antecipada da
indemnização devida, em caso de não cumprimento do c-promessa, pelo que a parte
lesada não poderá reclamar outras indemnizações para além das previstas nesta
disposição. Contudo, note-se que se admite estipulação em contrário, caso em que a
estipulação de sinal funcionará como limite mínimo da indemnização, o que não
impede por isso a parte lesada de reclamar uma quantia superior se demonstrar que
sofreu danos mais elevados. Deve referir-se que esta norma apenas exclui outras
indemnizações resultantes do incumprimento do c-promessa, ou seja, se o contraente
faltoso não cumprir a obrigação de restituição do sinal em dobro, pode ser-lhe aplicada
uma outra indemnização pela mora ou incumprimento definitivo.

Direito de retenção ao promitente que obteve tradição da coisa


A situação de um beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito
real, que obteve a tradição da coisa a que se refere o c-promessa é ainda
complementada, como forma de garantia, com o art. 755º/f), ou seja, com o direito de
retenção dessa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra
parte – o promitente faltoso, nos termos do art. 442º. Assim, não terá apenas o direito
de crédito à celebração do contrato prometido, mas também um direito real de
garantia oponível erga omnes que justifica que possa conservar a posse da coisa até
ver satisfeito o seu crédito. Note-se que os créditos referidos nesta disposição são
apenas a restituição do sinal em dobro e o direito ao aumento do valor da coisa, e não
a indemnização geral por incumprimento, prevista no art. 798º. Daqui resulta que o
direito de retenção pressupõe para além da tradição da coisa, a estipulação de sinal,
pois caso este não tenha sido constituído, a tradição apresenta-se como mero ato de
tolerância, não havendo assim razão para penalizar o promitente vendedor através da
atribuição à parte contrária de uma garantia como esta.

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O direito ao aumento do valor da coisa, como sabemos, só existe quando haja sinal, de
modo que o promitente fiel tenha uma alternativa face ao incumprimento por parte do
promitente faltoso: exigir o sinal em dobro ou o aumento do valor da coisa.
Naturalmente não faria sentido que o direito de retenção se reportasse ao crédito da
restituição do sinal em dobro, uma vez que este pode existir não havendo traditio e,
portanto, sem haver direito ao aumento do valor da coisa, sendo certo que o único
crédito que se reporta à coisa entregue é o do aumento do valor da coisa. Assim, o
direito de retenção apenas se refere ao crédito do aumento do valor da coisa (e por
isso também não a uma restituição do sinal em singelo ou à restituição do preço
eventualmente pago). Daqui podemos inferir que o direito de retenção só te conexão
com o direito ao aumento do valor da coisa, único crédito resultante do
incumprimento que tem relação direta com a coisa a reter.

Eficácia real do Contrato Promessa


A lei admite no art. 413º/! a possibilidade de atribuição de eficácia real ao c-promessa,
quando esta respeitar a bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, desde que as partes
o declarem expressamente e procedam ao seu registo – art. 6º Código Registo Predial.
Está sujeito a forma mais solene, pois é exigida escritura pública ou documento
particular autenticado, a menos que a lei não exija essa forma para o contrato
prometido, caso em que basta um simples documento particular ou o reconhecimento
das assinaturas de quem se promete a contratar – 413º/2.
Cumpridos estes requisitos, o c-promessa adquire eficácia real, o que significa que o
direito à celebração do contrato definitivo prevalecerá sobre todos os direitos reais que
não tenham registo anterior ao registo da promessa com eficácia real. Exemplo: Se A se
promete a vender, por certo preço, um imóvel a B e este promete comprá-lo, tendo a
promessa eficácia real por terem sido cumpridos os requisitos, se depois da promessa
mas antes da celebração do contrato definitivo de compra e venda, A vender o imóvel
a C e este registar a aquisição (todos os direitos reais carecem de registo para que
possam ser oponíveis erga omnes), o direito real de B prevalece sobre o de C, visto que
foi registado anteriormente. Diferentemente, se não tivesse sido dada eficácia real à
promessa em questão, esta teria apenas eficácia obrigacional, logo, se A vendesse a C,
e este de boa fé registasse a aquisição, B nada poderia fazer, visto que os direitos reais
prevalecem sobre os de crédito, apenas poderia exigir a A uma indemnização pelo
incumprimento do c-promessa.
A doutrina tem vindo a discutir a natureza do direito do beneficiário da promessa com
eficácia real, e qual a forma de poder exercer esse direito. A posição defendida por
Galvão Telles, O.A e Menezes Cordeiro, é de que se trataria de um direito real de
aquisição, para outra, como Antunes Varela, Almeida Costa e Pessoa Jorge, será antes
um direito de crédito sujeito a um regime especial de oponibilidade a terceiros. Tal
discussão advém do facto de a lei não ser clara na forma como obter o cumprimento
da promessa em caso de alienação a terceiros. Antunes Varela e Almeida Costa
defendem que a forma de conseguir este cumprimento será através da execução
específica, com recurso à restituição por via da nulidade por venda de bens alheios

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(Antunes Varela) ou considerando ineficaz a aquisição pelo terceiro (Almeida Costa).


Segundo O.A a execução específica não deverá ser feita contra o promitente faltoso,
mas sim contra o terceiro. Menezes Cordeiro defende que a forma adequada seria
através de uma ação de reivindicação adaptada contra o terceiro, como possuidor da
coisa – art. 1315º. Por fim, Menezes Leitão discorda de qualquer destas posições, visto
que a execução específica contra o faltoso faz pouco sentido quando o bem já não é
seu; contra o terceiro coloca o problema de este não se ter obrigado a celebrar
qualquer contrato com o beneficiário da promessa, faltando assim um pressuposto
essencial da sua aplicação; a reivindicação contra o terceiro suscita a dificuldade de ser
uma ação destinada a reconhecer um direito real e reclamar a restituição da coisa que
é seu objeto, não tendo assim natureza constitutiva, enquanto o exercício da eficácia
real teria de revestir essa natureza, uma vez que através dela se procede a uma
aquisição potestativa do direito real. Assim, ML defende que o exercício da eficácia real
é uma ação judicial atípica, de natureza declarativa constitutiva, que deveria ser
intentada tanto contra o faltoso como contra o terceiro em litisconsórcio, destinada a
fazer prevalecer o direito de aquisição do promitente comprador sobre o do terceiro.

O pacto de preferência
O pacto de preferência encontra-se previsto nos art. 414º e sgs. do CC, sendo definido
como a convenção segundo a qual alguém assume a obrigação de dar preferência a
outrem na venda de determinada coisa. A lei apenas refere os casos de preferência de
venda, mas a figura do pacto de preferência é mais geral, uma vez que o art. 423º
remete para a assunção desta obrigação de preferência em relação a outros contratos,
com ela compatíveis, que não tenham cariz intuitu personae - contratos realizados
levando-se em consideração a pessoa com quem se contrata, sendo que só esta pode
cumprir a prestação e satisfazer o direito de crédito.
É, à semelhança do contrato promessa, um contrato preliminar de outro contrato, no
entanto, no pacto de preferência, o obrigado à preferência não se obriga a contratar,
apenas a escolher alguém como contraente, no caso de decidir contratar, se esse
alguém lhe oferecer as mesmas condições que conseguiu negociar com um terceiro, ou
seja, é o contrato mediante o qual alguém assume a obrigação de escolher outrem
como contratante, nas mesmas condições negociadas com terceiro, no caso de decidir
contratar. Assim, é um contrato unilateral, visto que apenas quem assume a obrigação
de contratar com outrem se vincula, ficando a outra parte – o titular da preferência,
livre de exercer ou não esse direito.
Forma do pacto de preferência
Encontra-se sujeito, segundo o art. 415º, ao mesmo regime do contrato promessa –
art. 410º/2º, o que significa que a regra geral é a de que não é exigida forma especial
para a sua validade, sendo a única exceção a situação de, se para a celebração do
contrato preferível – aquele para o qual se assume a obrigação de preferência, a lei
exigir documento autêntico ou particular, caso em que se exige documento particular

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para o pacto de preferência se poder celebrar validamente. O art. 410º/3, assim, não
tem aplicação, na medida em que por ser um contrato unilateral, apenas terá de ser
assinado, quando necessário, pelo obrigado à preferência (no caso de preferências
recíprocas, serão referentes a objetos diferentes, pelo que teremos antes dois pactos
preferência, sendo que se ambos constarem do mesmo documento e se for exigida
forma especial, ambos devem assinar, contudo, a falta da assinatura de um, não
prejudica a constituição da obrigação do outro).
Direitos de preferência com eficácia real
Normalmente, a celebração do pacto de preferência apenas atribui ao seu beneficiário
um direito de crédito contra o obrigado à preferência, pelo que, em princípio, não pode
ser oponível a terceiros, é relativo.
A lei admite, contudo, que seja atribuída ao direito de preferência, eficácia real, desde
que, respeitando a bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, as partes expressamente
o estipulem, celebrem o pacto de preferência por escritura pública ou documento
particular autenticado, ou, quando não seja exigida forma especial para o contrato
preferível, por documento particular com assinatura do obrigado, referindo a entidade
emitente, data e número do seu documento de identificação, e procedam à respetiva
inscrição no registo – requisitos de forma e publicidade do art. 413º, segundo o art.
421º/1. Por vezes a lei concede a certos titulares de direitos reais ou pessoais de gozo
sobre determinada coisa, a preferência na venda ou dação em cumprimento da coisa
objeto desse direito – ex: o comproprietário – art 1535º, sendo estes casos de
preferências legais, que têm sempre eficácia real, pelo que quem dela disfruta pode
sempre opor o seu direito de preferência a terceiros.
Coloca-se a questão de saber se, convencionando as partes a eficácia real do pacto de
preferência, como proceder em caso de conflito deste com direitos legais de
preferência que outro adquirente possa ter sobre a mesma coisa? A lei vem esclarecer,
no art. 422º, que o direito convencional de preferência não prevalece contra os direitos
legais de preferência, pois tal seria atribuir às partes possibilidade de afastarem direitos
legalmente atribuídos.
A obrigação de preferência
A lei regula genericamente o regime da obrigação de preferência nos art. 416º a 418º,
remetendo ainda para estes os casos de preferências legais.
Relativamente à forma de proceder no cumprimento da obrigação de preferência, diz-
nos o art. 416º que, querendo o obrigado vender a coisa objeto do pacto, deverá
comunicar tal intenção ao titular do direito, ou seja, o projeto de venda e as cláusulas
do respetivo contrato. Depois de receber esta comunicação, deve o titular do direito
exercê-lo dentro de 8 dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a um
prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar um prazo mais longo.
Este artigo suscita a discussão da doutrina.

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Resulta da norma que a forma correta de cumprir a obrigação de preferência é fazendo


a comunicação ao para preferência ao titular do direito, contudo, não especifica a
forma específica para esta comunicação, nem para o posterior exercício do direito, o
que implica que possa ser efetivamente feita pela via verbal – art. 219º. ML critica esta
solução, especialmente pelo facto de o prazo para exercício do direito ser tão curto.
Resulta, em primeiro lugar, desta norma que a forma adequada de cumprir a obrigação
de preferência é efetuar uma comunicação para preferência. A lei não exige, porém,
uma forma específica para essa comunicação, nem para o posterior exercício do
direito, o que implica que ela possa ser inclusivamente verbal, ao abrigo do art. 219º.
Isto é uma solução muito criticável de iure condendo, ainda mais que sendo tão curto o
prazo para o exercício do direito a determinação do cumprimento da obrigação e do
eventual exercício ou caducidade do direito tornam-se de difícil demonstração em
tribunal, quando deveria prevalecer neste âmbito uma certeza absoluta. Não admira,
por isso, que as partes quase sempre optem por fazer estas comunicações por escrito,
como forma de se precaverem para a hipótese de posterior discussão judicial da
questão;
Por outro lado, ao se referir ao projeto de venda e às cláusulas do respetivo contrato,
parece claro que a comunicação de preferência tem que estabelecer por preferência a
existência de um contrato preferível, não podendo ser considerada como comunicação
para preferência a emissão de propostas contratuais ou de convites a contratar. Assim,
caso o titular da preferência rejeite uma proposta contratual ou convite a contratar não
perde, por isso, o seu direito de preferência, mesmo que o contrato preferível tenha
exatamente o mesmo conteúdo que a proposta ou convite rejeitados.
Tendo obrigatoriamente que ter por preferência um contrato preferível, parece claro
que a comunicação para preferência não pode ser realizada logo que o obrigado se
encontre na situação de “querer vender”, ao contrário do que parece resultar do art.
416º/1. Exigir-se-á antes uma negociação com terceiro, com o qual sejam acordadas as
cláusulas a comunicar, designadamente preço e condições de pagamento. A
comunicação para preferência ter, porém, que ser efetuada antes da celebração de um
contrato definitivo com o referido terceiro, pois no caso contrário já teria ocorrido o
incumprimento da obrigação de preferência.
- Outra discussão discutida na doutrina é a de determinar o conteúdo da comunicação
para preferência. Ao se referir não apenas ao projeto de venda, mas também as
cláusulas do respetivo contrato, a lei esclarece que não basta indicar os elementos
gerais do negócio, mas que terão igualmente que ser comunicadas todas as
estipulações particulares acordadas, que sejam relevantes para a decisão de exercício
da preferência.
- A lei não esclarece ainda outra questão que é a de que é a de se a comunicação para
preferência deve conter o nome do terceiro, com o qual foram negociadas as condições
comunicadas. Existem diferentes posições doutrinárias quanto a este tema:

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- OLIVEIRA ASCENSÃO: a lei apenas faz referência a cláusulas do contrato, e o nome do


terceiro não se pode considerar abrangido por essa referência, pelo que este não teria
que ser indicado na comunicação para preferência;
- GALVÃO TELLES + MENEZES CORDEIRO: o princípio da boa-fé impõe que o nome do
terceiro tenha que ser obrigatoriamente indicado na comunicação para preferência;
- PIRES DE LIMA/ ANTUNES VARELA: uma posição intermédia; o nome do terceiro não
tem genericamente que ser indicado na comunicação para preferência, devendo sê-lo
nas situações em que o não exercício da preferência implique que fiquem a subsistir
relações jurídicas entre o terceiro e o titular da preferência, de que seriam exemplos a
situação do comproprietário e do arrendatário.
- MENEZES LEITÃO: o nome do terceiro adquirente, desde que esteja determinado, tem
que ser sempre indicado na comunicação para preferência, havendo que mencionar a
situação de indeterminação no caso contrário. Efetivamente, a função do pacto de
preferência é permitir que o titular da preferência possa optar por contratar com o
obrigado, em igualdade de condições com as que este conseguiu numa negociação
com um terceiro. Daí que, se a comunicação não indicar o nome do terceiro, não há
qualquer hipótese de o titular da preferência verificar a veracidade das condições
comunicadas, não fazendo qualquer sentido que ela fosse exercer a preferência nessa
situação.
Efetuada a comunicação para preferência, o titular tem que exercer o seu direito no
prazo de 8 dias, salvo se o pacto de preferência o vincular a um prazo mais curto, ou se
o obrigado lhe assinalar um prazo mais longo. Uma vez exercida a preferência, ambas
as partes perdem a liberdade de decidir celebrar ou não o contrato, praticando um
facto ilícito se voltarem atrás com a sua decisão. A natureza desse ilícito dependerá,
porém, da forma observada para a comunicação e exercício da preferência, uma vez
que o legislador infelizmente não as sujeitou a forma especial.
Com a comunicação e exercício da preferência, ambas as partes formulam uma
proposta de contrato e respetiva aceitação, que em princípio deveria implicar sem mais
a celebração do contrato definitivo, desde que estejam preenchidos os seus requisitos
de forma. Quando tal não suceda, essas declarações poderão ainda valer como
promessas de contratar, caso tenha sido observada a respetiva forma, o que permitirá
o recurso à execução específica prevista no art. 830º, em caso de não cumprimento. Se
nem sequer essa forma for observada, haverá responsabilidade pré-contratual, nos
termos do art. 227º, subsistindo a obrigação de preferência, que só é definitivamente
incumprida com a celebração do contrato incompatível com um terceiro.
O direito de preferência só surge caso o obrigado tome a decisão de celebrar o
contrato em relação ao qual tenha concedido a preferência, não havendo
incumprimento da obrigação de preferência se o obrigado celebrar um contrato de
natureza diferente do contrato preferível, mesmo que esse contrato implique a não
celebração em definitivo do contrato preferível. Há, no entanto, 2 hipóteses que a lei
considerou poderem ainda justificar a manutenção da preferência:

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- União de contratos (art. 417º): hipótese da venda da coisa juntamente com outras,
por um preço global. Trata-se de uma situação de união entre diversos contratos de
compra e venda;
- Contratos mistos (art. 418º)
União de contratos (art. 417.º) – refere-se à hipótese de venda de uma coisa
juntamente com outras, por um preço global. Trata-se de uma situação de união entre
diversos contratos de compra e venda, pela estipulação de um preço comum para
várias coisas vendidas simultaneamente. Nesse caso, haverá que distinguir entre união
interna e externa. Sendo externa a união de contratos, há apenas uma estipulação
comum do preço, sem qualquer dependência entre os vários contratos, pelo que nada
impede o titular de exercer a preferência pelo preço que for atribuído
proporcionalmente à coisa. Já essa união for interna, existe dependência entre os
diversos contratos, pelo que o exercício da preferência pelo titular afetaria toda a união
de contratos, o que justifica que se permita ao obrigado exigir que a preferência se faça
em relação a todas as coisas vendidas. Exige-se para tal que a quebra da união interna
acarrete prejuízos objetivamente apreciáveis para uma das partes.
Contratos mistos (art. 418.º) - refere-se apenas aos contratos mistos complementares,
o que justifica que se questione se é possível exercer a preferência em relação aos
outros tipos de contratos mistos. Em relação aos contratos múltiplos ou combinados
(transmissão de um bem com um a principal de prestação de serviços, a título oneroso)
ou aos contratos de tipo duplo ou geminados (transmissão de um bem como
contrapartida de uma prestação de serviços), não nos parece possível o exercício da
preferência, uma vez que o contrato efetivamente realizado não corresponde ao
contrato em relação ao qual se concedeu a preferência. Já quanto aos contratos mistos
cumulativos ou indiretos (venda com preço a favor), é claramente admissível o
exercício da preferência, uma vez que foi efetivamente celebrado um contrato em
relação ao qual se concedeu a preferência, mesmo que no caso concreto as partes
tenham utilizado a sua estrutura contratual para fins distintos dos que lhe são típicos.
Só em relação aos contratos complementares, em que ao contrato típico se acrescenta
uma prestação acessória típica de outro contrato (compra e venda com uma obrigação
acessória de prestação de serviços pelo comprador), o art. 418.º permite o exercício da
preferência, determinando que essa prestação acessória deve ser compensada em
dinheiro. Caso, essa prestação acessória não seja avaliável em dinheiro, é excluída a
preferência, a menos que seja lícito presumir que, mesmo sem a prestação estipulada,
o contrato não deixasse de ser celebrado. A lei considera que a estipulação de
prestações acessórias não avaliáveis em dinheiro torna o contrato celebrado distinto do
contrato em relação ao qual se concedeu a preferência, daí que seja excluída a
preferência, salvo se essa prestação não tiver grande importância para a decisão de
contratar do obrigado. Há, ainda, um caso em que à estipulação da prestação acessória
não se reconhece qualquer efeito, que é a hipótese de ela ter sido convencionada para
afastar a preferência. Neste caso, o preferente pode sempre exercer a preferência,

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nunca tendo que compensar essa prestação, mesmo que ela seja avaliável em dinheiro
(art. 418.º, nº2).

A violação da obrigação de preferência


A indemnização por incumprimento em caso de simples eficácia obrigacional
A obrigação de preferência é definitivamente incumprida a partir do momento em que
o obrigado à preferência celebra com terceiro um contrato incompatível, sem efetuar
qualquer comunicação para a preferência ou se o titular tiver comunicado, dentro do
prazo, a intenção de exercer a preferência. Essa venda a terceiro provoca, assim,
incumprimento definitivo da obrigação de preferência, o que implicará que o titular da
preferência adquira o direito a uma indemnização por incumprimento (art. 798.º). Em
virtude de os direitos de crédito não prevalecerem contra direitos reais, estará vedada
ao obrigado reclamar a coisa do terceiro adquirente.
A ação de preferência em caso de haver eficácia real
Vimos que o direito de preferência pode gozar de eficácia real, o que sucederá sempre
que se trate de direitos legais de preferência, ou caso as partes atribuam essa
característica ao pacto de preferência, cumprindo os requisitos de forma e publicidade
para tal exigidos (art. 413.º aplicável por força do art. 421.º). Nesse caso, o titular da
preferência não possui apenas um direito de crédito à preferência, mas também um
direito real de aquisição, que pode opor erga omnes, mesmo a posteriores adquirentes
da propriedade. A lei esclarece neste caso que o processo adequado para o exercício
do direito de preferência é a denominada ação de preferência. Esta vem prevista no
art. 1410.º, a propósito da preferência do comproprietário, mas é extensível a qualquer
titular de direitos reais de preferência (art. 421.º, n.º2 e 1535.º, n.º2). Esta ação deve
ser intentada no prazo de seis meses a contar da data em que o titular da preferência
teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, tendo como condição de
procedência que ocorra o depósito do preço devido nos quinze dias posteriores à
propositura da ação. Uma dúvida que se colocou na doutrina diz respeito à
legitimidade passiva para a ação de preferência: Menezes Cordeiro: o obrigado à
preferência não seria, enquanto tal, parte legítima para a ação de preferência, só o
sendo caso o titular da preferência decida simultaneamente exigir uma indemnização.
A fundamentação apresentada para esta solução é a de que na ação de preferência se
discute unicamente se o bem é atribuído ao titular da preferência ou permanece na
propriedade já recebeu o preço que lhe era devido, nada mais tendo a ganhar ou a
perder. Antunes Varela: o Prof. Menezes Leitão concorda com ele. Efetivamente, o que
dá causa à ação de preferência é o incumprimento da obrigação de preferência por
parte do obrigado, não fazendo sentido que essa questão fosse apreciada sem que ele
seja chamado à ação (art. 3º do C.P.C.).
Outra questão que suscitou dúvidas residiu em determinar se o depósito do preço
devido exigido no art. 1410.º abrange apenas o preço propriamente dito, ou também
as outras despesas que, por lei, devem ficar a cargo do comprador como a sisa ou os
emolumentos notariais. A solução correta deve ser a de que apenas é exigido o

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depósito do preço devido, ainda que o preferente deva, no caso de ficar também
sujeito às mesmas despesas com a escritura e na medida em que o ficar, reembolsar ao
terceiro as despesas por ele suportadas, sem o que haveria enriquecimento sem causa.
Outra questão levantada pela ação de preferência prende-se como problema da
simulação de preço (art. 240.º e ss). Efetivamente, as partes no intuito de enganar
terceiros podem por acordo celebrar um negócio que não corresponda à sua
verdadeira vontade. Essa simulação pode passar pela indicação de um preço superior,
no intuito de defraudar o próprio exercício da preferência, ou inferior, no intuito de
evitar o pagamento dos impostos de transmissão. Como realizar o exercício de
preferência numa situação deste género? Se o preço declarado para a transmissão é
superior ao preço efetivamente praticado, nenhumas dúvidas existem no sentido de
que o titular da preferência deve exercê-la pelo preço real. Efetivamente, nesse caso o
negócio simulado é nulo (art. 240º/2), sendo válido o dissimulado (art. 241.º), pelo que
a preferência é naturalmente exercida em relação ao negócio válido. Se o preço
declarado para a transmissão é inferior ao preço efetivamente praticado, a questão
torna-se mais complexa, parecendo que a lei vedaria aos simuladores a possibilidade
de exigir que a preferência seja efetuada pelo preço real. Com efeito, o preferente
sustentasse com base no negócio nulo, pelo que a preferência só poderia ser afastada
através da invocação dessa nulidade. Só que o art. 243.º, n.º1 proíbe a arguição da
nulidade proveniente da simulação por parte dos simuladores contra terceiro de boa
fé, constituindo a boa fé na ignorância da simulação ao tempo em que foram
constituídos os respetivos direitos (art. 243.º, n.º2). Por outro lado, a lei é
extremamente restritiva em relação à prova da simulação, uma vez que exclui o recurso
à prova testemunhal (art. 394.º, n.º2), bem como às prestações judiciais (art. 351.º), o
que restringiria em termos práticos a possibilidade de os simuladores demonstrarem
com êxito a simulação, sustentando Antunes Varela que a lei vedaria aos simuladores
exigir que a preferência seja exercida com base no preço real. Contra esta
interpretação pronunciou-se Menezes Cordeiro. Sustenta-se que o não permitir aos
simuladores exigir que a preferência seja realizada pelo preço real, equivale a autorizar
um enriquecimento ilegítimo do preferente à custa dos simuladores. Com efeito,
interpreta -se o art. 243.º, n.º2, não considerando a situação do preferente neste caso
como a de um terceiro de boa fé, inicialmente com o argumento de que o seu direito
de adquirir por determinado preço só se constituiria com a sentença que julgasse
procedente a ação de preferência, posteriormente, com o argumento de que o
preferente não faz qualquer investimento de confiança, que justifique a sua tutela
através da boa fé.
A jurisprudência tem-se orientado nesse sentido. As dificuldades de prova levantadas
pelo art. 394.º, n.º2, a esta solução têm sido torneadas através da defesa de uma
interpretação restritiva desta disposição, segundo a qual bastaria um princípio de prova
documental para logo se admitir a sua complementação através de testemunhas. A
jurisprudência tem seguido essa orientação, aceitando para o efeito inclusivamente 24
escrituras de retificação. Para além disso, tem-se admitido a possibilidade de os
simuladores serem ouvidos através de depoimento de parte. Para o Prof. Menezes

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Leitão essa solução contraria frontalmente, e deforma artificiosa, a disposição do art.


394.º, n.º2, a pretexto de uma tutela da posição dos simuladores, cuja justificação se
apresenta como duvidosa. A lei quis evitar que, com base numa prova testemunhal de
conteúdo autêntico, na qual os terceiros confiam para exercer os seus direitos. Daqui
que não seja admitido que a confiança do terceiro na veracidade do negócio constante
do documento autêntico possa ser elidida com base na prova testemunhal. E, sendo
proibida a prova testemunhal, menos admissível ainda será a prestação de depoimento
de parte. Para além disso a celebração de escrituras de retificação parece ilegal, uma
vez que o art. 1410.º, n.º2, veda que a modificação ou distrate da alienação possa
prejudicar o exercício da preferência, não se vê como uma escritura de retificação,
alegando simulação, poderia ter esse efeito, já que tal equivaleria a deixar entrar pela
janela o que a lei quis evitar fechando essa porta. Finalmente, note-se que é condição
de procedência da ação de preferência que o preferente deposite o preço devido nos
quinze dias posteriores à interposição da ação (art. 1410.º, n.º1). Defender que o
preferente é obrigado a preferir pelo preço real, em caso de simulação, implicaria não
ter depositado o preço devido dentro do prazo legal, inviabilizando-se assim o exercício
da preferência, o que julgamos ser a solução que ninguém defenderá. Por outro lado,
não julgamos correto afirmar que não existe qualquer investimento de confiança por
parte do titular da preferência. Efetivamente, note-se que poucos dias após a
interposição da ação ele tem que depositar o preço devido, e para fazer o preferente
pode ter tido custos consideráveis. Ora, seria manifestamente iníquo que, tendo o
preferente feito o que a lei lhe exigia para procedência da ação de preferência, e
suporto despesas para que esse efeito, visse no fim improceder a respetiva ação, por
os simuladores virem, em contrariedade ao art. 243º/2, invocar a simulação do preço
que eles próprios tinham declarado em documento autêntico e em cuja exatidão o
preferente confiou. O Prof. Leitão adere à posição de que o titular da preferência pode
exercê-la pelo preço simulado.

Fontes das obrigações baseadas no princípio do ressarcimento de danos


Responsabilidade Civil
Denomina-se responsabilidade civil o conjunto de factos que dão origem à obrigação
de indemnizar os danos sofridos por outrem.
Pode ser denominada por responsabilidade por culpa, pelo risco, ou pelo sacrifício,
consoante o título de imputação que recorra para transferir o dano da esfera do lesado
para outrem.
A responsabilidade por culpa é a regra geral – art. 483º/1, sendo que a
responsabilização do agente pressupõe um juízo moral sobre a sua conduta, que leve a
uma censura do seu comportamento.
A responsabilidade pelo risco, admitida só nos casos previstos na lei – 483º/2 e 499º e
ss., prescinde do juízo de censura e desvalor moral exigido na responsabilidade por

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culpa, efetuando-se antes a imputação de acordo com critérios objetivos de


distribuição do risco – ex: a criação de perigo em resultado da prática de uma atividade
específica.
A responsabilidade pelo sacrifício prescinde também de um desvalor da conduta do
agente, sendo a imputação do dano baseada numa compensação ao lesado, pelo
sacrifício que suportou.
Estas classificações são importantes para esclarecer as funções da responsabilidade
civil: a responsabilidade pelo sacrifício desempenha exclusivamente funções de
reparação do dano; tal acontece também primordialmente na responsabilidade pelo
risco, no entanto, esta desempenha ainda limitadamente funções acessórias de
prevenção; no caso de responsabilidade por culpa, além da função principal da
reparação do dano, existe também a clara função preventiva e punitiva, que se
demonstra pela diminuição da indemnização em caso de negligência – 494º, pela
repartição da indemnização em função da culpa dos agentes, caso exista pluralidade de
responsáveis – 497º/2, pela redução ou exclusão de indemnização em caso de culpa do
lesado – 570º.
A responsabilidade civil classifica-se em responsabilidade delitual (extracontratual) e
responsabilidade obrigacional (contratual). Na responsabilidade delitual está em causa
a violação de deveres genéricos de respeito, de normas gerais destinadas à proteção de
outrem. Já a obrigacional resulta do incumprimento das obrigações. O nosso CC
distingue-as nos art. 483º e 798º, no entanto, sujeita a obrigação de indemnizar a um
regime unitário – 562º e ss.
Contudo, existem diferenças entre os dois regimes de responsabilidade:
- A culpa na responsabilidade obrigacional presume-se – 799º/1, mas não na delitual,
tendo o lesado o ónus da prova – 487º/1;
- A responsabilidade delitual tem prazos de prescrição mais curtos (3 anos) – art. 498º,
enquanto na responsabilidade obrigacional se aplica o prazo geral de prescrição (20
anos) – 309º e ss.
- O regime da responsabilidade por atos de terceiro é diferente – art. 500º vs. art. 800º
- Em caso de pluralidade de responsáveis na responsabilidade delitual, o regime
aplicável é o da solidariedade – 497º, ao passo que na responsabilidade obrigacional
tal só acontecerá se tal regime já vigorar na obrigação incumprida.
Tradicionalmente, considerar-se-ia que a responsabilidade delitual e a responsabilidade
obrigacional teriam naturezas diferentes, afirmando-se que a delitual originava deveres
primários de prestação e consequentemente, consiste numa fonte de obrigações, uma
vez que através dela surge pela primeira vez uma relação obrigacional legal – 483º CC.
Pelo contrário, a doutrina tradicional defendia que a responsabilidade obrigacional não
geraria deveres primários de prestação, mas apenas um dever secundário, uma vez que
haveria uma obrigação já existente, o cumprimento da prestação, ou seja, o dever de

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indemnizar seria sucedâneo a esse dever principal de prestação, em caso de


incumprimento – 798º, e paralelo em caso de mora do devedor – 804º (Posição
defendida por Paulo Cunha, Fernando Pessoa Jorge).
ML discorda desta posição, defendendo que há uma diferença entre a obrigação
constituída em caso de mora ou incumprimento e a obrigação de prestação
inicialmente violada, visto que a primeira tem um fundamento distinto: o princípio do
ressarcimento de danos, resultantes da violação do direito de crédito do credor
(confirma-se no art. 537º, que determina que numa obrigação indivisível com
pluralidade de devedores, se esta se tornar impossível por facto imputável a apenas
um deles, ficam os restantes exonerados, ou seja, todos têm o dever de prestar, mas
como esta obrigação só foi violada por um, apenas este fica adstrito ao ressarcimento
de danos). Defende-se assim que também a responsabilidade obrigacional é fonte de
obrigação, tal como a responsabilidade delitual, resultando da circunstância da
frustração do direito de crédito de outrem, sendo esta ilícita. No entanto, o dever de
prestar violado não se confunde com o dever de indemnizar originado em
consequência da violação do cumprimento, tendo este uma fonte autónoma: a
responsabilidade obrigacional.
A diferença entre responsabilidade delitual e obrigacional é que, enquanto a delitual
surge como consequência da violação de direitos absolutos, desligados de qualquer
relação intersubjetiva previamente existente entre lesante e lesado, a responsabilidade
obrigacional pressupõe já a existência de uma relação intersubjetiva, que
primariamente atribuía ao lesado um direito à prestação, surgindo como consequência
da violação de um dever emergente dessa relação específica.
Contudo, temos também uma terceira via da responsabilidade civil, nos casos onde
não existe um direito primário de crédito, mas a responsabilidade surge em
consequência da violação de deveres específicos, e não deveres genéricos de respeito.
Estes casos serão os de responsabilidade pré-contratual e pós-contratual pois,
efetivamente, tais deveres de boa fé não possuem uma tutela primária através da ação
de cumprimento, mas surgem no âmbito de uma relação específica entre as partes que
faz surgir deveres “extra” relativamente ao dever geral de respeito.

Responsabilidade Civil por factos ilícitos


Responsabilidade delitual
Pressupostos genéricos
O art. 483º vem estabelecer uma cláusula geral de responsabilidade civil subjetiva, ou
seja, faz a obrigação de indemnização depender da existência de uma conduta do
agente – facto voluntário, que represente a violação de um dever imposto pela ordem
pública – ilicitude, sendo o comportamento do agente censurável nesse sentido –
culpa, a qual tenha provocado danos – dano, sendo que esses danos serão
consequência dessa conduta – nexo de causalidade entre o facto e o dano.

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Os pressupostos da responsabilidade delitual são então:


- Facto voluntário do agente
- Ilicitude
- Culpa
- Dano
- Nexo de Causalidade
Examinemos sucessivamente cada um destes pressupostos:
O facto voluntário do lesante
Tratando-se de uma situação de responsabilidade civil subjetiva, esta nunca poderia ser
estabelecida sem existir um comportamento dominável pela vontade, que possa ser
imputado a um ser humano e visto como expressão da conduta do sujeito responsável.
Não se exige, porém, que o comportamento do agente seja intencional ou que consista
numa atuação, bastando que exista uma conduta que lhe possa ser imputada em
virtude de estar sob o controle da sua vontade. Não são por isso factos voluntários, por
estarem fora do controle da vontade do agente, os acontecimentos do mundo exterior
causadores de danos – tremores de terra, quedas de raios etc. Mas mesmo fenómenos
que, ainda que respeitantes ao agente, podem não constituir factos voluntários,
sempre que a este falte a consciência ou não possa exercer domínio sobre a sua
vontade – ex: não constitui responsabilidade civil a situação de o agente partir uma
peça de porcelana preciosa em virtude de cair sobre ela em consequência de uma
paragem cardíaca, ou em casos de coação física/moral. Se, porém, existir já algum
domínio da vontade, já pode haver lugar a responsabilidade, como na hipótese de a
destruição da peça de porcelana ter sido provocada por um ato brusco do agente.
O facto voluntário do agente pode revestir duas formas:
- Ação – art. 483º
- Omissão – art. 486º
Em caso de ação, a imputação da conduta ao agente apresenta-se como simples. Já no
caso de omissão, essa imputação exige algo mais: a sua oneração, ou seja, havia um
dever específico de praticar o ato omitido que não foi cumprido. Assim, para alguém
ser responsável por omissão, pelos danos sofridos por outrem, é exigido, para além dos
restantes pressupostos da responsabilidade civil delitual, um dever específico, que
torne um sujeito em particular garante da não ocorrência desses danos. Conforme
resulta do art. 486º, esse dever específico de praticar o ato omitido pode resultar de
um contrato, ou pode ser imposto por lei, como acontece em algumas disposições do
nosso CC – 491º, 492º e 493º. No direito alemão tem-se vindo a desenvolver a
doutrina dos “deveres de prevenção do perigo delituais” que permitiu alargar bastante
a responsabilidade delitual por omissão, para além dos casos legalmente típicos, tendo
esta sido posteriormente recebida no nosso direito, sendo que, de acordo com essa

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doutrina, sempre que alguém possui coisas ou exerce uma atividade que se
apresentam como potencialmente suscetíveis de causar danos a outrem, tem
igualmente o dever de tomar as providências adequadas a evitar a ocorrência de
danos, podendo responder por omissão se não o fizer – ex: se um ramo cai de uma
árvore seca e provoca danos a outrem, o proprietário da mesma é responsável por não
a ter cortado; se uma criança dispara uma arma de caça e causa danos, o proprietário
da arma pode ser responsabilizado por a ter deixado em sítio acessível à criança. As
coisas ou atividades perigosas que se encontram no âmbito do controlo do sujeito,
delimitam assim um campo específico de imputação, onde a ocorrência de danos o
sujeita à responsabilidade por omissão.
A ilicitude
Nem sempre a previsão da ilicitude aparece tipificada a nível legislativo, nos diversos
sistemas de responsabilidade civil.
O legislador português optou claramente pela via do sistema alemão, de cláusulas
gerais limitadas, ou seja, há uma enunciação legislativa dos bens jurídicos tutelados, há
uma tipificação das posições jurídicas cuja lesão pode envolver responsabilidade civil.
Ora, no nosso direito, é estabelecida uma cláusula geral limitada no art. 483º,
correspondente a um somatório do 823 I e II do BGB, que se reportam a
responsabilidade do agente pelos danos causados se este, com dolo ou negligência,
lesou ilicitamente a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade ou outro direito (note-se
que a diferente para o nosso 483º é que este se reporta a todo e qualquer direito
subjetivo, e não apenas a alguns direitos como enunciados no art. do BGB), e aos casos
de o agente ter violado culposamente uma lei dirigida à proteção de outrem.
Temos, por isso, uma exigência expressa de ilicitude do facto praticado pelo agente,
que nos termos do art. 483º pode consistir na violação de direitos subjetivos alheios,
ou de disposições legais destinadas a proteger esses interesses alheios. Surgem ainda
noutros locais previsões específicas de comportamentos ilícitos – 334º, 335º, 484º e
485º.
A ilicitude aparece sempre configurada como um juízo de desvalor atribuído pela
ordem jurídica. Resta saber se esse juízo de desvalor se refere ao comportamento do
agente – teoria do desvalor do facto, ou se, pelo contrário, se refere ao próprio
resultado – teoria do desvalor do resultado.
A teoria do desvalor do resultado foi durante muito tempo maioritariamente
defendida, sendo que de acordo com esta, o desvalor do resultado causado e obtido
pela ação preenche logo o requisito da ilicitude, sendo o agente responsabilizado se o
seu comportamento é culposo. A solução foi, no entanto, posteriormente posta em
causa na medida em que qualificaria como ilícitos comportamentos perfeitamente
conformes ao tráfego, apenas porque seriam causalmente adequados a produzir
aquele resultado que foi produzido. Ora, se o agente atuou conforme as regras do
tráfego, parece incorreto considerar presente o requisito da ilicitude, mesmo que possa
ser excluída por caso de justificação, só porque esse comportamento conduziu ao

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resultado – ex: um condutor de comboios da Fertagus que ia a conduzir corretamente,


mata um suicida que se coloca sobre a linha férrea; um fabricante de armas e
automóveis ser responsabilizado por danos causados por esses objetos, visto que neste
caso, uma eventual responsabilização subjetiva do agente dependeria de se este tinha
violado normas de segurança no fabrico desses produtos, o que implica uma avaliação,
lá está, do seu comportamento, e não do resultado.
Assim, estas objeções conduziram à defesa de um conceito de ilicitude assente num
desvalor do facto, posição que é hoje a doutrina maioritária comum, e que defende
que a ilicitude não se aufere em relação ao resultado, mas pressupõe antes uma
avaliação do comportamento do agente. De acordo com a doutrina da ação final, a
ilicitude é avaliada através da prossecução de um fim não permitido pelo Direito –
intenção de praticar a lesão no ilícito doloso; violação do dever objetivo de cuidado no
ilícito negligente. Não há, por isso, ilicitude sempre que o comportamento do agente,
apesar de representar uma lesão de bens jurídicos, não prossiga qualquer fim proibido
por lei – ex: intervenções médicas praticadas segundo as leges artis, que não são
consideradas ilícitas. Pode-se assim considerar que a lesão de bens jurídicos só é
imediatamente constitutiva de ilicitude no caso de o agente ter atuado com dolo. Já no
caso de atuações meramente negligentes, não se mostra suficiente a simples lesão de
bens jurídicos, tendo que lhe acrescentar a violação do dever objetivo de cuidado por
parte do agente.
A ilicitude por violação de direitos subjetivos
A primeira variante de ilicitude prevista no art. 483º/1, consiste na violação de direitos
subjetivos. Tem como característica especial o facto de, ao se exigir uma lesão de um
direito subjetivo específico, se limitar a indemnização à frustração das utilidades
proporcionadas por esse direito, não se admitindo assim nesta sede a tutela dos danos
puramente patrimoniais. Efetivamente, neste caso, a função não se reconduz à tutela
genérica do património do sujeito, mas antes à tutela das utilidades que lhe
proporcionava o direito subjetivo objeto de violação.
Atenta a proximidade do nosso direito com o alemão, que apresenta um cariz limitado
no sistema de responsabilidade delitual, já que tipifica apenas a violação do direito à
vida, corpo, saúde, liberdade, propriedade ou outro direito, limitação esta que tem
levado a doutrina a procurar aplicar a expressão “outro direito” a situações delituais
que não possam ser consideradas nem violação de normas de proteção, nem violação
dolosa dos bons costumes, surgindo assim construções de novos direitos subjetivos,
abrangidos por esta primeira variante de ilicitude.
Qual a aplicabilidade das tipificações do direito alemão no nosso ordenamento?
É evidente que são abrangidos por esta modalidade de ilicitude os direitos sobre bens
jurídicos pessoais como a vida, o corpo, a saúde e liberdade, cuja proteção em
dignidade constitucional – art. 24º e sgs CRP. A lesão de qualquer um destes bens é
sancionada assim com a indemnização pelos prejuízos causados.

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Também outros direitos absolutos, como os direitos reais e de autor se encontram


tutelados pela responsabilidade civil, havendo assim ilicitude sempre que o agente
venha a lesar alguma da sutilidades proporcionadas por esses direitos.
Já os direitos de crédito, não são abrangidos pelo art. 483º, já que a sua tutela apenas
se efetua nos termos da responsabilidade contratual – 798º, ou da cláusula geral de
abuso de direito – 334º, uma vez que são direitos relativos e não absolutos.
Há também ilicitude quando são violados direitos de personalidade, como o direito ao
nome e ao pseudónimo, à não divulgação de escritos confidenciais, à imagem, e à
intimidade privada. No direito alemão tem ainda vindo a ser defendida a existência de
um direito geral de personalidade, incidindo sobre aspetos da personalidade em globo,
que poderia ser tutelado pela responsabilidade civil. Essa construção pode entre nós
ser defendida atendendo à consagração da tutela jurídica da personalidade e moral no
art. 70º, e a previsão expressa de sua proteção pela responsabilidade civil – 70º/2,
sendo que a responsabilidade civil por lesão de direitos de personalidade tem vindo a
ter uma presença jurisprudencial importante.
A ilicitude por violação de normas de proteção
A outra variante de ilicitude presente no art. 483º/1 refere-se às disposições legais
destinadas a proteger interesses alheios, que podemos designar como normas de
proteção. São normas que, embora dirigidas à tutela de interesses de particulares,
quer exclusivamente, quer conjuntamente com o interesse público, não atribuem aos
titulares desses interesses um verdadeiro direito subjetivo, por não lhes atribuírem em
exclusivo o aproveitamento de um bem. Estão aqui incluídas as disposições do Direito
Penal e do Direito de Mera Ordenação Social – ex: a falsificação de documentos ou
violação de regras do Código da Estrada prejudica as pessoas que confiam na
veracidade do documento ou no correto comportamento dos restantes intervenientes
no tráfego, ou seja, ainda que não se possa dizer que existam direitos subjetivos com
este conteúdo, é possível haver lugar a indemnização com fundamento na violação de
uma norma destinada à proteção de outrem.
Também a violação de normas relativas à concorrência desleal, que se destinam a
proteger apenas interesses individuais e não a concorrência em geral, como sucede
com os atos suscetíveis de criar confusão com o estabelecimento ou os produtos
concorrentes, as falsas afirmações realizadas com o fim de desacreditar um
concorrente, as invocações ou referências não autorizadas, com o fim de beneficiar do
crédito ou da reputação de um nome/estabelecimento ou marca alheios, ou a
utilização de segredos negociais alheios, são também suscetíveis de se integrar nesta
categoria de ilicitude.
Esta categoria de ilicitude exige como pressupostos:
a) A não adoção de um comportamento, definido em termos precisos pela norma
que é violada e não acatada;

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b) Que o fim da imposição dessa norma seja efetivamente dirigido à tutela de


interesses particulares;
c) A verificação de um dano no âmbito do círculo de interesses tutelados por esta
norma
Exige-se assim, primeiramente, que alguém tenha desrespeitado determinado
comando jurídico, pois sem isto não há base para estabelecer o juízo de ilicitude. Não
basta, porém, que o desrespeito tenha sido por qualquer norma jurídica, exigindo-se
assim que o fim da norma desrespeitada consista especificamente na tutela de
interesses particulares, e não do interesse geral. Assim, se a norma se dirigir a proteger
o interesse público e só reflexamente a proteger interesses particulares, está
naturalmente excluída a possibilidade de um particular exigir uma indemnização,
estando estes casos excluídos desta vertente de ilicitude. Finalmente, exige-se que o
dano se verifique no círculo de interesses que a norma em questão visa tutelar, sendo
excluída a indemnização relativamente a outros danos, ainda que verificados em
consequência do desrespeito da norma, pois há casos em que os danos verificados em
consequência da não adoção da conduta devida nada têm a ver com o círculo de
interesses que a norma visa tutelar – ex: um motociclista que, conduzindo em excesso
de velocidade, provoca que o passageiro que transporta consigo sofra uma bronquite
devido à ação das correntes de ar. Não se pode estabelecer neste caso a
responsabilidade do infrator por esse dano, uma vez que as normas de limite de
velocidade do Código da Estrada não se destinam a prevenir esse dano.
Ao contrário do que acontece na categoria de ilicitude por violação de direitos
subjetivos, neste caso, é naturalmente admitida a indemnização de danos puramente
patrimoniais.
Tipos delituais específicos
Abuso de Direito (334º)
Vem estabelecer a ilegitimidade do exercício do direito sempre que o seu titular exceda
manifestamente os limites impostos pela boa fé. No âmbito da responsabilidade civil, a
previsão assume 2 funções: - limitar as possibilidades de exclusão da ilicitude por parte
de quem exerce um direito subjetivo próprio; - estabelecer o caráter ilícito dos
comportamentos que se apresentem como contrários aos vetores referidos;
- Não cedência em caso de colisão de direitos (335º) ➥ exemplo: Vários
comproprietários pretendem utilizar aos mesmo tempo a coisa comum; se não se
verificar essa cedência naturalmente que estará preenchido o requisito da ilicitude
para efeitos da responsabilidade civil.
- Ofensa ao crédito ou bom nome (484º) 38 Esta previsão abrange indistintamente a
afirmação ou difusão de quaisquer fatos sejam eles falsos ou verdadeiros?
→ Pessoa Jorge: desde que a divulgação não integrasse os pressupostos de um
previsão penal, não haveria responsabilidade pela divulgação de factos verdadeiros, já
que teria que se considerar ilícita a atividade das agências de informações.

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→ Antunes Varela: considerou abrangida também aqui a divulgação de factos


verdadeiros já que este representa igualmente uma ofensa ao crédito ou do bom
nome;
→Menezes Cordeiro + Almeida Costa: embora a regra seja a irrelevância da veracidade
ou falsidade do facto, sempre que a difusão corresponda a interesses legítimos deve-se
admitir a exclusão da responsabilidade com base na exceptio veritatis.
→ Ribeiro de Faria: a divulgação de factos verdadeiros apenas deverá envolver a
responsabilização do agente se for efetuada dolosamente, pelo que a não se considerar
consagrada esta solução no 484º, não poderá admitir-se a inclusão no seu âmbito de
divulgação de atos verdadeiros.
- Responsabilidade por conselhos, recomendações e informações (485º):
A regra geral prevista no artigo 485º.1 é a irrelevância para efeitos de responsabilidade
civil ainda que tenha atuado com negligência. O artigo 485º.2 admite, porém, a
responsabilidade do autor pelos danos sofridos pelo seu repor em 3 situações:
Quando se haja assumido a responsabilidade pelos danos (assume a natureza
de uma garantia contra a ocorrência de danos na esfera do recetor caso, seja
adotado o comportamento indicado).
2- Quando exista um dever jurídico de dar o conselho, recomendação ou
informação e se tenha procedido com negligência ou intenção de prejudicar
(situações em que a lei impõe deveres jurídicos de prestação de informação ou
de aconselhamento | ex: deveres de informação relativos a valores mobiliários);
3- Procedimento do agente constitua facto punível
O que sucede se não se verificar qualquer destas 3 situações, mas o agentes
tiver atuado em dolo?
- Pessoa Jorge + Almeida Costa: a atuação dolosa do agente está igualmente
abrangida pela exclusão da responsabilidade prevista no artigo 485º.1;
- Menezes Cordeiro: sustenta que qualquer atuação dolosa envolve
necessariamente responsabilidade por parte do agente relativamente aos
danos causados pela informação falsa;

As causas de exclusão da ilicitude


A lei prevê que, para haver responsabilidade, a violação dos direitos subjetivos ou das
normas de proteção tem de ser realizada ilicitamente – 483º, admitindo assim a
possibilidade de essa violação ocorrer, mas licitamente. Tal ocorrerá sempre que o
agente tenha atuado no âmbito de uma causa de exclusão de ilicitude ou causa de
justificação da mesma, caso em que a ilicitude indiciada é, no caso concreto, excluída
em virtude de o agente se encontrar no âmbito de uma situação específica que produz
a justificação do facto.
Tradicionalmente, a doutrina admite as seguintes causas de justificação:
a) Exercício de um direito;

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b) Cumprimento de um dever;
c) Legítima defesa;
d) Ação direta;
e) Estado de necessidade;
f) Consentimento do lesado
Exercício de um direito
A primeira causa de justificação baseia-se no exercício de um direito, considerando-se
que, se alguém tem um direito subjetivo e o exerce, não deve responder pelos danos
daí resultantes para outrem, de acordo com o brocardo qui suo iure utitur nemini facit
iniuram – ex: se alguém tiver uma licença de caça poderá caçar num determinado
terreno em que tal lhe seja permitido, sem que o seu proprietário possa reclamar
indemnização pelas peças de caça abatidas.
Porém, face à crescente funcionalização dos direitos subjetivos, esta esta causa de
justificação deve ser entendida em termos restritivos. Assim, há que salientar não só as
limitações do exercício dos direitos subjetivos pelos institutos do abuso de direito –
334º e da colisão de direitos – 335º, mas também o facto de que a existência de um
direito subjetivo não impede a oneração do agente com deveres de segurança no
tráfego, os quais se destinam precisamente a evitar a ocorrência de danos – ex: o
caçador que pode caçar no terreno, não deixará de responder pelos danos em coisas
ou pessoas que possa provocar em virtude de não ter tomado as precauções
necessárias. Daí que, como refere Pessoa Jorge, desta causa de justificação apenas
resulte que o titular não tem de indemnizar prejuízos que, causados embora pelo
exercício do seu direito, representem a frustração de interesses que, precisamente ao
conceder esse direito, a lei postergou.
Cumprimento de um dever
Vigorando para o sujeito o dever de adotar determinada conduta, este pode ser
forçado a acatá-la ainda que para tal tenha de infringir outros deveres relativos a
posições jurídicas alheias, e cuja infração normalmente traria consigo a ilicitude do
facto. Nessa situação está-se perante o que se denomina como conflito de deveres, que
deve ser resolvido dando preponderância ao dever que se considere de natureza
superior – ex: um médico que disponha de nº limitado de unidades paras transfusões
de sangue pode, em caso de excessivos sinistrados, optar por privilegiar os doentes de
maior risco, sem que atue ilicitamente ao fazê-lo.
Contudo, para haver exclusão de ilicitude é necessário que o dever seja efetivamente
cumprido, não bastando a simples colisão, ou seja, se em caso de conflito de deveres o
agente opta por não cumprir nenhum, será naturalmente responsável pelo
incumprimento dos dois. Para além disto, é necessário que a impossibilidade de
cumprimento dos dois deveres não resulte de culpa anterior do agente, não deixando
de haver responsabilização nesse caso – ex: se as unidades de sangue não existem no
hospital por o médico se ter esquecido de as solicitar, responderá pelos danos
causados.

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Há uma situação específica de conflito de deveres que justifica ponderação especial: o


dever de obediência hierárquica. Para excluir a ilicitude a obediência terá de ser de
direito público, uma vez que o dever emergente do contrato de trabalho de obediência
às ordens emitidas pela entidade patronal não é naturalmente causa de justificação da
prática de condutas ilícitas, no entanto, já o será no caso de dever de obediência de
trabalhadores que exercem funções públicas ou militares. Assim o é, pois, neste caso
trata-se de deveres estabelecidos no âmbito de atividades de gestão pública, e cujo
acatamento por isso prevalece normalmente sobre a tutela de interesses privados. É de
notar que o art. 271º/3 da CRP expressamente determina a cessação do dever de
obediência sempre que o cumprimento das ordens e instruções do superior
hierárquico acarrete a prática de qualquer crime, o que impossibilita a exclusão de
ilicitude com base nesta causa de justificação em relação à prática de atos criminosos.
Para além disso, o 271º/2 da CRP exige ao funcionário que efetue previamente ao
superior hierárquico uma reclamação ou exija a comunicação escrita da ordem, tendo
este assim que manifestar alguma divergência em relação à ordem para poder fiar
isento da responsabilidade pelo seu acatamento.
Legítima defesa
Encontra-se prevista no art. 337º, recebendo igualmente consagração na CRP no art.
21º. Consiste numa atitude defensiva do agente que, estando a ser vítima de uma
agressão, põe termo à mesma pelos seus próprios meios.
Tem como pressupostos:
- Existência de uma agressão iminente
- Contra a pessoa ou património do agente ou terceiro
- Atualidade e contrariedade à lei dessa agressão
- Impossibilidade de recurso aos meios normais
- O prejuízo causado pelo ato de legítima defesa não seja manifestamente superior ao
que pode resultar da agressão
A legítima defesa pressupõe antes de mais nada uma agressão, que consiste numa
atuação finalisticamente dirigida à provocação de uma lesão para outrem. Como sendo
uma atuação finalística, corresponde necessariamente a uma conduta humana, o que
exclui a legitima defesa contra animais ou coisas inanimadas, salvo quando utilizadas
como instrumento de uma atuação humana para infligir essa mesma lesão a outrem.
A lei não distingue entre os tipos de lesão que podem ser visados pela agressão,
admitindo tanto lesões pessoais – vida, liberdade, honra etc, como patrimoniais –
propriedade, quer respeitantes ao agente, quer a terceiro, caso este em que se
constituirá uma gestão de negócios – art. 464º, a menos que tenha sido por este
autorizada.

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É necessário que a agressão seja atual e contrária à lei. Por atual entende-se iminente
ou em execução, o que exclui desta causa de justificação de ilicitude uma atitude
tomada em vista de castigar agressões passadas ou de se antecipar quanto a agressões
futuras, e que não são por isso iminentes. Por contrária à lei entende-se a exigência do
caráter ilícito da agressão, ou seja, quaisquer lesões lícitas de direitos do agente não
admitem recurso à legítima defesa – ex: não é permitido ao agente a defesa se estiver
a ser preso em consequência de mandato judicial, ou se a própria agressão de que está
a ser alvo seja ela própria uma ação de legítima defesa.
Outro requisito é a impossibilidade de recorrer aos meios normais, ou seja, caso o
agente pudesse parar a agressão, apelando, por exemplo, a um polícia que se
encontrasse próximo, naturalmente não lhe seria permitida a defesa. Porém, já lhe
seria permitida se o recurso aos meios normais se revelasse incompatível com a
dignidade do agente, impondo-lhe, por exemplo, a fuga à agressão. Efetivamente, o
agente não é obrigado, perante uma agressão, a adotar atitudes humilhantes para si
próprio, como a fuga, quando pode fazer cessar a agressão com recurso à defesa. A
fuga já parece, porém, impor-se se a agressão provier de alguém inimputável – ex: uma
criança menor, uma vez que esta pessoa não atenta contra a dignidade do agente e a
eventual defesa, como matar ou agredir a criança, apresentar-se-ia como totalmente
desproporcionado.
Por fim, exige-se que o prejuízo causado não seja manifestamente superior ao que
pode resultar da agressão, ou seja, a defesa que o agente faz da sua dignidade, embora
possa exceder a lesão que lhe seria provocada pela agressão, tem de corresponder, em
termos de racionalidade a esta, não podendo ser desproporcionada – ex: não seria
lícito que alguém abatesse a tiro alguém que estaria a apenas a injuriar outrem, ou
matar quem estivesse a cometer furto, mas já seria permitida a defesa se a agressão
pretender causar ofensas corporais graves, como matar ou violar.
A lei prevê ainda que o ato possa ser justificado, ainda que haja excesso de legítima
defesa, desde que este excesso (desproporcionalidade da defesa face à agressão em
questão) seja provocado por perturbação ou medo não culposo do agente – 337º/2.
ML considera que nesses casos não estaremos perante uma causa de exclusão da
ilicitude – uma vez que não é lícito ao agente atuar em excesso de legítima defesa,
estaremos sim perante uma causa de exclusão de culpa, consistente no medo do
agente.
Ação direta
Vem igualmente ser consagrada como causa de exclusão de ilicitude – 336º.
Sendo uma atitude ofensiva, os seus pressupostos são bastante mais restritivos do que
os da legítima defesa. São estes:
- Estar em causa a realização ou proteção de um direito subjetivo do próprio agente;
- Ser impossível recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais;

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- A atuação do agente seja indispensável para evitar a inutilização prática do seu direito
- O agente não exceda o que for necessário para evitar esse prejuízo do seu direito;
- O agente não sacrifique interesses superiores aos que a sua atuação visa assegurar ou
realizar
A ação direta só pode ser realizada quando estiver em causa um direito subjetivo do
próprio agente, não parecendo possível a sua utilização relativamente a direitos de
terceiros. A lei admite a sua utilização face a direitos reais como a propriedade, por
exemplo, assim como a outros direitos de gozo. Já os direitos de crédito, não podem
ser tutelados pela ação direta, não sendo lícito ao credor, com recurso à força, obrigar
o devedor a cumprir a prestação.
Exige também a impossibilidade de recorrer, em tempo útil, aos meios coercivos
normais. Esta impossibilidade não tem, contudo, de ser absoluta, bastando que, face
ao tempo de resposta habitual do meio coercivo a que se teria de recorrer, seja
previsível que não se conseguisse realizar ou assegurar o próprio direito – ex: é possível
a subtração ao ladrão do objeto por este furtado, se chamando a polícia, este se
pusesse em fuga.
Pressupõe ainda que o direito ficasse inutilizado, do ponto de vista prático, sem essa
atuação do agente destinada a realizá-lo ou assegurá-lo, ou seja, que sem essa ação o
agente perdesse o direito ou deixasse de o poder exercer.
No entanto, a ação direta está ainda condicionada pelo facto de o agente não poder
exceder o que for necessário para evitar o prejuízo. Toda e qualquer atuação do agente
que não possa, por isso, justificar-se pelo fim de evitar a ocorrência de danos para o
agente será, por isso, ilícita.
Por último, está excluída a ação direta sempre que implique para outrem maiores
prejuízos do que os que se pretendia evitar para o agente, ou seja, impõe-se mais uma
vez o requisito de a ação do agente não ser desproporcional.
Apenas verificados estes pressupostos é possível recorrer à ação direta, que a lei refere
como a apropriação, destruição ou danificação de uma coisa, na eliminação da
resistência irregularmente oposta ao exercício do direito, ou noutro ato análogo –
336º/2. Assim, qualquer destes atos pode implicar a ocorrência de danos para outrem,
contudo, verificados os pressupostos, há irresponsabilização do agente que os pratica,
pois é afastada a ilicitude do facto.
Estado de necessidade
Outra das causas de justificação da exclusão de ilicitude, prevista no art. 339º.
Ao contrário do que acontece na legítima defesa, este apenas justifica o sacrifício de
bens patrimoniais, quando o agente pretenda remover um perigo de um dano
manifestamente superior, a ocorrer na sua própria esfera ou de terceiro, ainda que em
certos casos tal imponha uma obrigação de compensar os danos sofridos pelo lesado –

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339º/2 – ex: o agente arromba um carro para transportar um ferido inconsciente ao


hospital, ou para evitar o atropelamento de um peão, desvia o seu carro e acaba por
embater noutro.
O estado de necessidade só se coloca se o sacrifício de bens patrimoniais for realizado
visando uma esfera jurídica distinta daquela ameaçada por um perigo manifestamente
superior – ex: se o carro arrombado pertencer ao próprio ferido, não estaremos
perante estado de necessidade, mas antes um consentimento presumido. Da mesma
forma, têm de ser sacrificados bens alheios, e não bens do próprio agente, assim, se o
agente se limitar, por exemplo, a destruir o próprio carro, já não teremos estado de
necessidade, mas antes gestão de negócios – 464º.
Consentimento do lesado
O art. 340º/1 apresenta ainda como causa de exclusão da ilicitude, o consentimento do
lesado.
Sendo a responsabilidade civil destinada à tutela de interesses privados e normalmente
disponíveis (nem todos), pode o seu titular renunciar a essa tutela. Assim, a existência
de consentimento retira ao ato lesivo a sua natureza ilícita.
Exige-se, no entanto, que os atos consentidos não se apresentem como contrários à lei
– proibição legal, ou aos bons costumes – 340º/2.
O consentimento do lesado pode ser expresso ou tácito, considerando-se tácito aquele
que resulte de um comportamento concludente do lesado – ex: a s lesões causadas
pela prática desportiva, nomeadamente de desportos perigosos como o boxe ou artes
marciais, é de considerar que a participação nas mesmas envolve uma aceitação tácita
e recíproca dos riscos de acidente, pelo que, desde que não existam atitudes dolosas e
sejam respeitadas as regras do jogo, será excluída a ilicitude da lesão, ou seja, sempre
que a lesão seja intencional, não ocorre a exclusão da ilicitude – ex: quando um dos
jogares viola as regras do jogo para atingir deliberadamente o adversário.
O art. 340º/3 equipara ao consentimento efetivo o consentimento presumido,
considerando que este ocorre sempre que a lesão se deu no interesse do lesado e de
acordo com a sua vontade presumível, referindo-se esta norma à gestão de negócios –
464º e ss.

A culpa
Ao prever que o agente tenha atuado “com dolo ou mera culpa” – 483º/1, a lei exige
ainda a culpa como pressuposto normal da responsabilidade civil, considerando
excecionais os casos de responsabilidade sem culpa – 483º/2.
Tradicionalmente a culpa era definida em sentido psicológico, ou seja, era o nexo de
imputação do ato ao agente, considerando-se que esta existia sempre que o ato
resultasse da sua vontade, sendo-lhe psicologicamente atribuível. Esta conceção tem,
porém, vindo a ser substituída por uma definição de culpa em sentido normativo, ou
seja, como um juízo de censura ao comportamento do agente.

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A culpa é assim definida como o juízo de censura ao agente por ter adotado a conduta
que adotou, quando de acordo com o comando legal, estaria obrigado a adotar
conduta diferente. É assim, em sentido normativo, uma omissão de diligência que seria
exigível ao agente de acordo com o padrão de conduta que a lei impõe e que é
esperado. Nesta medida, a culpa será o juízo de desvalor atribuído pela ordem jurídica
ao facto voluntário praticado pelo agente, visto como axiologicamente reprovável.
A imputabilidade como pressuposto da culpa, e o regime da responsabilidade dos
inimputáveis
No entanto, para que o agente possa ser efetivamente censurado pelo seu
comportamento, é sempre necessário que ele conhecesse ou devesse conhecer o
desvalor do seu comportamento e que tivesse podido escolher a sua conduta. Assim,
considera-se haver falta de imputabilidade quando o agente não tem a necessária
capacidade para entender a valorização negativa do seu comportamento, ou não tem
possibilidade de o determinar livremente. Sendo a imputabilidade um pressuposto do
juízo de culpa, o agente fica naturalmente isento de responsabilidade se praticar o
facto em estado de inimputabilidade – 488º/1, estado esse que se presume
automaticamente nos menores de sete anos de idade – 488º/2. A presunção pode,
contudo, ser ilidida, por força do art. 350º/2, se for possível demonstrar a capacidade
para entender ou querer do agente
No entanto, como vemos no art. 488º/1, a falta de imputabilidade não significa
exclusão de responsabilidade, ou seja, sempre o estado de incapacidade de entender a
desvalorização do seu comportamento seja transitória e seja devido a facto culposo do
agente – ex: quem causou um dano a outrem em virtude de ter ingerido substâncias
psicotrópicas, ou de se ter deixado adormecer enquanto conduzia, não deixa de
responder por esses danos, pois foi o próprio agente a colocar-se nessa situação.
Contudo, é de ressalvar que a responsabilidade continuará a ser excluída se a
inimputabilidade, mesmo que resultante de facto culposo do agente, seja definitiva –
ex: alguém sofrer lesões cerebrais por facto culposo seu, ainda que estas o tornem
inimputável, não fazendo sentido que esse facto culposo bastasse para responsabilizar
o agente por todos os danos que futuramente viesse a causar em estado de
inimputabilidade.
O art. 489º/1 admite ainda a possibilidade de, por motivos de equidade,
responsabilizar total ou parcialmente o inimputável pelos danos que este causar, total
ou parcialmente, desde que não seja possível obter esta reparação a partir das pessoas
responsáveis pela vigilância do inimputável. Por via do 489º/2, esta indemnização será
fixada por forma a não privar o inimputável dos alimentos que lhe são necessários,
conforme o seu estado e condição, nem de o privar dos meios indispensáveis para
cumprir possíveis deveres de alimentos que possa ter,
Esta norma levanta, segundo ML, algumas questões, visto que é manifesta a sua
subsidiariedade em relação à responsabilidade dos vigilantes, por via do art. 491º,
exigindo-se assim, para a aplicação da indemnização ao inimputável, que ou não exista

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vigilante, ou que, mesmo existindo, o vigilante não seja responsável pela situação, ou
ainda, mesmo que exista vigilante e este seja responsável, não tenha meios para pagar
a reparação. Por outro lado, parece que esta norma pressupõe que a responsabilidade
apenas não tenha ocorrido em razão da inimputabilidade do agente, ou seja, terá este
que ter praticado um facto ilícito que seria considerado culposo se o seu autor fosse
imputável. Não parece por isso existir aqui uma situação de responsabilidade pelo
risco, mas sim uma responsabilidade baseada na ilicitude objetiva, em que por motivos
de equidade, se dispensa a imputabilidade como pressuposto da culpa.
O dolo e negligência
O art. 483º/1, ao fazer referência a “dolo e mera culpa” admite duas formas de culpa: o
dolo e a negligência.
O dolo, para efeitos de responsabilidade civil corresponde à intenção do agente de
praticar o facto. A negligência, contudo, já se verifica sem essa intenção, mas o
comportamento do agente não deixa de ser censurável em virtude da omissão de
diligência na sua conduta, a que estava legalmente obrigado.
A distinção entre ambos tem grande relevância no âmbito do direito penal, existindo
grande variação na medida das penas entre tipos penais dolosos e tipos penais
negligentes. Já no âmbito da responsabilidade civil, uma vez que a sanção para
atuações dolosas ou negligentes consiste sempre na obrigação de reparar os danos
sofridos – 483º, a distinção tem menos importância.
A distinção tem ainda relevância na medida em que, agindo com dolo, atua logo
ilicitamente, desde que viole algum direito subjetivo alheio ou um interesse objetivo de
uma norma de proteção – 483º/1. Se, porém, não existir atuação dolosa do agente, só
haverá ilicitude se o agente violar um dever objetivo de cuidado, na lesão de bens
jurídicos.
Tradicionalmente a doutrina aponta para 3 graus de dolo e 2 graus de negligência,
previstos nos art. 14º e 15º do CP:
Quanto à negligência:
- Negligência consciente: o agente, violando o dever de diligência a que estava
obrigado, representa a verificação do facto como consequência possível dessa conduta,
mas atua sem se conformar com a verificação da mesma
- Negligência inconsciente: o agente, violando o dever de diligência a que estava
obrigado, não chega sequer a representar a verificação do facto.
Em ambas as situações, o agente não deseja a verificação do facto, ainda que a
omissão do dever de diligência a que estava adstrito o torne responsável. No primeiro
caso, o agente chega a representar a possibilidade de se verificar o facto, mas essa
possibilidade é por ele afastada -ex: quem conduz violando as regras de trânsito fá-lo
com consciência e em admissão da possibilidade de provocar um acidente, mas
convence-se de que tal não acontecerá. No caso de negligência inconsciente, o agente

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infringe o seu dever de diligência sem que tenha qualquer representação da verificação
do facto – ex: quando alguém viola as regras de trânsito, mas nem sequer equaciona a
possibilidade de provocar um acidente
Quanto ao dolo:
- Dolo direto: o agente quer a verificação do facto, sendo a sua conduta dirigida
diretamente a provocá-lo. É claríssima a intenção do agente ao praticar o facto – ex: o
agente pretende a morte da pessoa X, matando-a a tiro.
- Dolo necessário: o agente não dirige diretamente a sua atuação à verificação do
facto, mas aceita-o como consequência necessária da sua conduta. A intenção do
agente de provocar aquele facto não é tão clara, mas encontra-se igualmente presente
– ex: um indivíduo coloca uma bomba numa embaixada, com intuito de protestar
contra determinado país estrangeiro, pelo que sabe que inevitavelmente tal
comportamento vai levar à morte ou ferimentos graves de pessoas que se encontrem
no edifício, ou seja, a sua ação também deverá considerar-se intencional quanto a
essas lesões.
- Dolo eventual: o agente representa a verificação como consequência possível e atua,
conformando-se com a sua verificação. Pode facilmente confundir-se com a negligência
consciente, mas não deixa de existir distinção uma vez que a atuação do agente, não
visando o facto como consequência direta nem necessária da sua conduta, representa
uma conformação tão grande com a possibilidade da sua verificação, que chocaria
classificar a situação como mera negligência, mesmo que consciente. Imagine-se, por
exemplo, que a violação das regras de trânsito por parte do agente consiste em ele
entrar conscientemente na autoestrada a alta velocidade em contramão,
comportamento que toda a gente sabe que, salvo hipóteses excecionais, conduz
necessariamente a um acidente. Neste caso, se acontecesse um acidente, considerá-lo
mera negligência ofenderia o senso comum, pois dificilmente se poderia dizer que o
agente estava convencido de o seu comportamento nunca ir conduzir à verificação
daquele facto.
Há várias teorias sobre como distinguir negligência consciente e dolo eventual:
- Teoria da verosimilhança: a diferença reside no grau de probabilidade com que o
resultado é representado pelo agente, ou seja, há dolo eventual quando o agente
representasse o resultado como extremamente provável, e negligente no caso
contrário.
- Fórmula hipotética de Frank: há dolo eventual quando o agente, na hipótese de ter
considerado como certo o resultado da sua conduta, não tivesse adotado
comportamento diferente
- Fórmula positiva de Frank: há dolo eventual quando o agente, tendo previsto o
resultado da sua conduta como possível, conforma-se com esse resultado, não
alterando consequentemente o seu comportamento.

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A fórmula positiva de Frank parece ser a consagrada no CP – art. 14º/3 e é


efetivamente a melhor forma de resolver casos controversos – ex: mendigos que
mutilam crianças para melhor as explorarem através da caridade pública acabando por
causar a morte de algumas – dificilmente se poderia considerar isto como negligência.
A teoria da verosimilhança parece nestes casos de difícil aplicação, já que a maioria das
crianças até poderia sobreviver aos ferimentos. A fórmula hipotética falha
completamente, visto que se o agente soubesse que iria seguramente produzir-se
aquele resultado, manifestamente que alteraria o seu comportamento, já que não
tiraria qualquer benefício da morte das crianças. Já a fórmula positiva (com a qual ML
parece concordar) resolve a questão: o agente que pratica na vítima esse tipo de lesões
representa claramente a possibilidade de elas conduzirem à morte desta, e conforma-
se com essa verificação.
Dolo Eventual // Negligência Consciente: a diferença poderá residir no grau de
probabilidade com que o resultado é representado pelo agente, havendo dolo eventual
quando o agente representasse o resultado como extremamente provável e
negligência no caso contrário; - haverá dolo eventual se o agente, na hipótese de ter
considerado como certo o resultado da sua conduta não tivesse adotado
comportamento diferente;
Critérios de apreciação da culpa
O juízo de censura ao comportamento do agente pode ser feito de duas formas,
correspondentes a 2 critérios de apreciação da culpa:
- Apreciação da culpa em concreto: exigindo ao agente a diligência que ele põe
habitualmente nos seus próprios negócios ou de que é capaz
- Apreciação da culpa em abstrato: exige a lei ao agente a diligência padrão dos
membros da sociedade – diligência do homem médio (bonus pater famílias).
O CC atual define no art. 799º/2 que a o critério de apreciação de culpa na
responsabilidade obrigacional é comum à responsabilidade delitual, encontrando-se
formulado no art. 487º/2, onde se prevê que a culpa é apreciada, na falta de outro
critério legal, pela diligência de um bom pai de família, segundo as circunstâncias de
cada caso, ou seja, utiliza-se o critério de apreciação em abstrato, segundo a diligência
de um homem médio ou bom pai de família.
Este padrão abstrato não deixa de exigir uma análise das circunstâncias do caso e da
atividade em causa, visto que a diligência exigida a um profissional qualificado na sua
atividade não é a mesma que é exigida a um transeunte em passeio, assim como têm
de se ter em conta as situações de emergência.
Assim, em vários preceitos do CC é considerado relevante para efeitos da determinação
da obrigação de indemnizar, não apenas o estabelecimento da culpabilidade, mas
também a sua graduação. Tal sucede:

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- No art. 494º - considera-se que em casos de negligência do agente, a indemnização


pode ser fixada em montante inferior aos danos causados, tomando em consideração o
grau de culpabilidade, a situação económica do agente e do lesado e as demais
circunstâncias do caso. ML adverte, no entanto, que este preceito deveria ser utilizado
com prudência, quer na frequência com que é utilizado, quer na extensão da redução
que se faz da indemnização, visto que contraria o direito do lesado a um ressarcimento
integral, no entanto, e lamentavelmente, muito tem vindo a ser utilizado na
jurisprudência para justificar baixas indemnizações que se atribuem, que MC critica (e
bem).
- Pluralidade de responsáveis: quando há pluralidade de responsáveis – 490º, estes
respondem solidariamente pela indemnização – 497º/1, repartindo-se esta de acordo
com a medida das respetivas culpas, que se presumem iguais – 497º/2 e 507º/2;
- Concurso com a culpa do lesado: é necessária a ponderação de culpas de ambos, que
poderá determinar a concessão, redução ou exclusão da indemnização – 570º.
Vistos estes casos, é necessário averiguar como se estabelece esta graduação da
culpabilidade:
Em virtude do art. 487º/2, mantém-se com relevância a distinção entre culpa grave e
culpa leve, correspondendo a primeira a uma situação de negligência grosseira, em que
a conduta do agente só seria suscetível de ser realizada por uma pessoa especialmente
negligente, uma vez que a maioria das pessoas não procederia da mesma forma. Já a
culpa leve corresponde a uma situação em que a conduta do agente não seria
suscetível de ser praticada por um homem médio, correspondendo a sua atuação à
omissão dessa diligência, própria do bonus pater famílias.
Prova de culpa
Nos termos do art. 487º/1, incumbe ao lesado a prova de culpa do autor da lesão,
salvo existindo presunção legal de culpa. Assim, é regra geral na responsabilidade
extracontratual que corre por conta do lesado o ónus da prova de culpa do agente, só
adquirindo este ganho da causa se conseguir demonstrar em tribunal o caráter
objetivamente censurável da conduta deste.
Sendo esta prova difícil de realizar – probatio diabolica, este ónus a cargo do lesado
reduz em grande medida as suas possibilidades efetivas de obter indemnização.
Contudo, por vezes a lei estabelece presunções de culpa, casos em que se verifica uma
inversão do ónus da prova – 350º/1, que passa então a correr por conta do lesante, ou
seja, presume-se a culpa deste, ainda que estas sejam presunções ilidíveis – 350º/2,
sendo sobre ele que recai o ónus de provar que não teve culpa. Note-se que as
dificuldades em ilidir uma presunção legal de culpa tornam muito mais segura a
obtenção de indemnização pelo lesado.
Além da presunção de culpa prevista para a responsabilidade contratual – art. 799º/1,
o CC prevê ainda outras situações:

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- Danos causados por incapazes:


Danos causados pelos incapazes naturais (491º), estabelecendo uma presunção de
culpa das pessoas a quem incumbe, por lei ou negócio jurídico, a vigilância, que pode
ser ilidida através da demonstração de que cumpriram o seu dever de vigilância, ou
que os danos continuariam a verificar-se mesmo tendo este dever sido cumprido. A
responsabilização parte da presunção de não cumprimento do dever de vigilância, por
parte das pessoas sobre as quais este recai por lei – ex: os pais de um menor, por
negócio – ex: contrato de trabalho que tenha esse dever por objeto, ou indicada
através da prática de um facto danoso pelo incapaz natural (menor ou deficiente
físico/mental). Não se trata assim de uma responsabilidade objetiva, na medida em
que pode ser ilidida por prova em contrário.
Se o vigiado for considerado imputável (488º) e continuar a existir a responsabilidade
do vigilante, ambos responderão solidariamente (497º), visto que o a responsabilidade
do vigilante não pressupõe a inimputabilidade do vigiado, apenas a sua incapacidade
natural. Se o vigiado for inimputável, em princípio só o vigilante responderá (491º), só
se admitindo ação contra o vigiado, por motivos de equidade no caso de ser impossível
exigir responsabilidade ao vigilante (489º).
-Danos causados por edifícios ou outras obras:
O artigo 492º1, contempla a situação de responsabilidade em caso de danos causados
por ruína de edifícios ou obras, devido a vícios de construção ou defeito de
conservação, estabelecendo nesse caso uma presunção de culpa que recai sobre o
proprietário ou possuidor do edifício, presunção essa que, em caso de danos devidos
exclusivamente a defeitos de conservação, se transfere para a pessoa, obrigada por lei
ou negócio jurídico, a conservar o edifício ou obra – 492º/2. Como caso de culpa
presumida, admite-se a possibilidade de demonstrar que os danos continuariam a
verificar-se, mesmo que tivesse sido adotada a diligência devida
→Antunes Varela: A aplicação desta presunção de culpa depende da prova de que
existia um vício de construção ou um defeito de conservação no edifício ou obra que
ruiu deveria ser realizada pelo lesado.
→Menezes Leitão: Fazer recair esta prova sobre o lesado equivale a retirar grande
parte do alcance à presunção de culpa. Salvo no caso extraordinários (como nos
terramotos), a ruína de um edifício ou obra é um facto que indica só por si o
incumprimento de deveres relativos à construção/ conservação dos edifícios, não se
justificando por isso que recaia sobre o lesado o ónus suplementar de demonstrar a
forma como ocorreu esse incumprimento.
- Danos causados por coisas ou animais:
A culpa presumida por parte de que tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o
dever de vigiar bem como animais (493º). Pressupõe em face da perigosidade
imanente de certas coisas o surgimento de um dever de segurança no tráfego (como
paióis explosivos, depósitos de gasolina, máquinas industriais, árvores secas).

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Normalmente a obrigação de vigilância recairá sobre o proprietário da coisa ou animal,


podendo, porém, recair sobre detentores onerados com essa obrigação, caso em que o
proprietário deixará de ser sujeito a responsabilidade.
- Danos resultantes de atividades perigosas:
O artigo 493º.2 presume a culpa daquele que causar danos a outrem no exercício de
uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios
utilizados. Constitui uma cláusula geral que necessita de um preenchimento valorativo
em relação à qualificação da atividade como perigosa
Causas de exclusão de culpa
A culpa pode ser excluída sempre que o agente se encontre em determinada situação
que afasta a possibilidade de a ordem jurídica estabelecer um juízo de censura em
relação ao seu comportamento.
- Erro desculpável
A atuação do agente resulte de uma falsa representação da realidade, que não lhe
possa, em face das circunstâncias, ser censurada (o artigo 338º reside sobre os
pressupostos da legítima defesa ou do estado de necessidade).
➥ exemplo: Alguém anda a ser perseguido numa floresta por um grupo de assaltantes
e na fuga depara com 2 homens armados que julga fazerem parte do grupo, pelo que
os resolve atingir os dois a tiro, vindo, porém, mais tarde a descobrir que esses dois
homens eram simples caçadores. Neste caso, ocorrerá a exclusão da culpa do agente,
uma vez que a sua reação é compreensível naquelas circunstâncias.
-Medo Invencível:
A atuação do agente tenha sido provocada por um medo que ele não conseguiu
ultrapassar, sem que tal lhe possa, em face das circunstâncias, ser censurado. Pode
surgir em resultado de atuações humanas (a coação psicológica por um terceiro), como
em resultado de fatores objetivos (perigo desencadeado por fenómenos naturais). No
entanto, se o perigo ameaçava um bem pessoal do agente ou terceiro e se não é
censurável ao agente não ter sido capaz de vencer o medo que o atingiu, a situação
representa uma causa de exclusão da culpa, o que justifica a ausência de
responsabilidade. O medo em causa de exclusão da culpa, diz respeito ao excesso de
legítima defesa.
- Desculpabilidade:
Embora não se verificando medo nem erro, em face das circunstâncias do caso não lhe
fosse exigível comportamento diferente.
➥ exemplo: Um médico que causa danos ao doente numa intervenção cirúrgica de
emergência, em virtude de num estado de emergência geral provocado por uma
catástrofe.

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Concurso da culpa do lesado


A culpa do lesante pode concorrer com a existência simultânea de culpa do lesado
(487º/2), como a omissão de diligência que teria levado um bom pai de família, nas
circunstâncias do caso. Tendo sido demonstrada a culpa do lesante (570º/1), no caso
de culpa do lesante não ter sido provada apenas presumida, a culpa do lesado salvo
disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar (570º/2). O regime da culpa do
lesado, demonstra que não sendo o juízo de censura exclusivamente estabelecido em
relação à conduta do lesante, não seria justificado obrigá-lo a indemnizar todos os
danos sofridos pelo lesado, havendo antes que efetuar uma ponderação de ambas as
culpas e das consequências que delas resultaram, sendo em função dessa ponderação
que se estabelecerá a indemnização. a existência de dolo do lesante exclui a
possibilidade de ponderação da culpa do lesado, uma vez que o 570º não estabelece
esse requisito.
➥ exemplo: Se alguém atingir outrem com uma faca, no intuito de lhe causar danos
corporais e os danos vêm ser consideravelmente agravados por o lesado se recusar a
tratar o ferimento, a agravação dos danos sofridos deve ser-lhe imputada e não ao
lesante. A lei estabelece equiparação entre a culpa do lesado e a culpa dos seus
auxiliares ou das pessoas de que ele se tenha utilizado (artigo 571º), evitando assim
que o juízo da culpa que pode recair sobre o lesado seja prejudicado pela interposição
da culpa de alguma destas entidades.

O Dano
O nexo de causalidade
A Responsabilidade Obrigacional
Encontra-se genericamente prevista no art. 798º, de onde resulta uma clara
equiparação dos pressupostos da responsabilidade obrigacional aos da
responsabilidade civil delitual, uma vez que também existe um facto voluntário do
devedor – “o devedor que”; cuja ilicitude resulta do não cumprimento da obrigação
–“falta… ao cumprimento da obrigação”, exigindo-se também a culpa –
“culposamente”, e o dano –“torna-se responsável pelos prejuízos” e o nexo de
causalidade entre o facto e o dano – “que causa ao credor”.
Esta posição é contestada pelo Prof. MC, que considera que o art. 799º/1, ao aludir a
uma presunção da responsabilidade do devedor, estaria o legislador a influenciar-se
pelo direito francês, que unifica os conceitos de culpa e ilicitude, ao contrário do que
se passa na responsabilidade delitual, influenciada pelo direito alemão e que as
distingue. Assim, haveria, na visão de MC, uma presunção de faute que consiste numa
presunção simultânea de ilicitude, culpa e nexo de causalidade entre o facto e os danos
causados.
O Prof. ML não concorda com esta posição, defendendo que essa presunção de culpa
em nada se distingue daquela que encontramos na responsabilidade delitual – 491º,

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492º, 493ç, 493º e 503º/3. Por outro lado, discorda que o art. 798º seja influenciado
pela faute francesa, não sendo o regime da responsabilidade obrigacional baseado
nesta, mas sim no conceito de inexecución, prevendo a lei que a responsabilidade
contratual tem lugar se o devedor não justificar que a inexecução da prestação não
provenha de uma causa estranha que não lhe possa ser imputada. A faute é assim
usada na doutrina francesa, que a utiliza para fazer a transposição do seu sistema
delitual para a responsabilidade obrigacional. Para além disto, ML defende existir no
art. 798º, tal como no 483º, uma clara distinção entre ilicitude e culpa, ou seja, entre o
incumprimento da obrigação e a censurabilidade do devedor ao incorrer nesse
incumprimento, a qual não é diferente da contraposição entre violação do direito
subjetivo e a culpa no art. 483º. Ao contrário do que se passa no sistema francês, o
devedor não necessita de provar que a inexecução resultou de uma causa estranha,
para se isentar da indemnização, bastando-lhe demonstrar que o seu comportamento
não é censurável de acordo com a diligência de um bónus pater famílias, o que
corresponde precisamente ao mesmo critério que vigora para a responsabilidade
delitual – 798º/2 e 487º/2, apenas muda o ónus probatório.
Assim, são efetivamente reduzidas as diferenças entre a responsabilidade obrigacional
e delitual, residindo a diferença essencial no ónus da prova, face à presunção de culpa
do devedor – 799º/1, embora tal suceda também em certas situações delituais. Para
além disto, na responsabilidade obrigacional são tutelados todos os prejuízos sofridos
e os benefícios que o credor deixou de ter pela não realização da prestação devida,
permitindo tutelar danos puramente patrimoniais – 798º. Contudo, se tal não acontece
no art. 483º, sucede noutras categorias de ilicitude delitual.
Por estes motivos, ML defende uma consideração unitária dos pressupostos da
responsabilidade civil delitual/subjetiva, na obrigacional.

A terceira via na responsabilidade civil


Podemos considerar a existência de uma nova categoria de responsabilidade civil,
entre a contratual e a delitual, que abrange a violação de deveres específicos, que
embora constituam um plus em relação à responsabilidade delitual, não chegam a
constituir obrigações, sendo assim situações de responsabilidade quase-obrigacional.
Efetivamente, as situações de vinculações específicas distintas do dever de prestar
suscitam problemas jurídicos próprios, que não podem ser resolvidos pela aplicação
em bloco do regime da responsabilidade obrigacional ou delitual, visto que entre estas
existe uma “zona cinzenta” baseada em deveres dos participantes no tráfego negocial
superiores aos deveres genéricos, cujo fundamento é a boa fé negocial, e não um
dever geral de respeito e diligência ou cumprimento de uma obrigação, pelo que as
situações abrangidas por esta responsabilidade gerariam deveres de proteção quer de
direitos ou bens jurídicos, quer de interesses puramente patrimoniais. Estes deveres
instituiriam uma relação unitária de proteção que vigoraria entre as partes desde antes
da celebração do contrato até após a sua extinção. Há então que atribuir a esta zona

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uma qualificação intermédia, sujeita a um regime específico, a descobrir caso a caso de


acordo com as regras da integração de lacunas – art. 10º.
Os institutos onde se poderá equacionar esta autonomização, quer da
responsabilidade obrigacional e da delitual são:
- A responsabilidade pré-contratual
- A culpa post pactum finitum
- O contrato com eficácia de proteção para terceiros
- A relação corrente de negócios

A responsabilidade pré-contratual
A solução tradicional era a de que, antes da celebração do contrato, as partes não
adquiriam qualquer direito, uma vez que não se tinha verificado um válido exercício da
autonomia privada, ou seja, mesmo tendo-se iniciado negociações ou a emissão de
declarações negociais, não poderia tal conduzir a uma situação de responsabilidade.
Jhering veio a pôr em causa esta solução, concluindo que de um contrato nulo
poderiam igualmente surgir situações geradoras de responsabilidade. Resultando esta
de uma das partes vir a contratar sem as condições necessárias à validade do contrato,
induzindo em erro a outra parte. Ao entrar em negociações, as partes sairiam já do
círculo de deveres puramente negativo dos contactos extracontratuais, entrando já na
vinculação positiva da esfera contratual, tendo por isso que aplicar na contratação a
diligência necessária para evitar a ocorrência de danos – culpa na formação dos
contratos/culpa in contrahendo.
Atualmente este instituto torna-se imprescindível, uma vez que a evolução da
sociedade tornou cada vez mais complexo o processo de formação de contratos. Esta
complexidade da formação dos contratos vai criando sucessivas situações de confiança
nas partes, que seria inaceitável que não viessem a ser juridicamente protegidas
através da responsabilidade civil. É essa a função da responsabilidade pré-contratual
consagrada no art. 227º do CC. Este artigo ao referir-se aos preliminares e à formação
do contrato esclarece-nos que a responsabilidade pré- contratual abrange
simultaneamente a fase negociatória, que decorre desde o início das negociações até à
emissão da proposta contratual, e a fase decisória, que decorre desde a emissão da
proposta até à conclusão do contrato, com a respetiva aceitação. A lei não distingue os
tipos de contratos abrangidos, pelo que a responsabilidade contratual pode ser
aplicada a qualquer tipo de contratos, e não apenas aos obrigacionais.
A lei impõe a observância das regras da boa-fé em todo o processo de formação do
contrato, entendendo que o mero facto de se entrar em negociações é suscetível de
criar uma situação de confiança na outra parte, que deve ser tutelada mesmo sem ter
surgido qualquer contrato. Assim, caso essa situação de confiança venha a ser lesada,
com violação das regras da boa-fé, verifica-se um facto ilícito que constitui o lesante no
dever de indemnizar os danos sofridos pelo lesado. Naturalmente que a ilicitude do

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facto deriva da violação de deveres acessórios de conduta, que neste caso surgem
antes da constituição do dever de prestar principal. Segundo MENEZES CORDEIRO, do
dever de atuar de boa-fé derivam três tipos de deveres pré- negociais:
- Deveres de proteção, que determinam que as partes na fase negocial devem evitar
qualquer atuação suscetível de causar danos à outra parte, sejam eles pessoais ou
patrimoniais.
- Deveres de informação, em especial quanto às circunstâncias que possam ser
relevantes para a formação do consenso da outra parte, e com especial intensidade
quando uma das partes se apresenta como mais fraca. Tem-se entendido, no entanto,
que o dever de informação só surge, quando a outra parte cumpriu o seu dever de
autoinformação, fazendo o que estava razoavelmente ao seu alcance para se
autoinformar.
- Deveres de lealdade, por forma a evitar comportamentos que se traduzam numa
deslealdade para com a outra parte, aqui se incluindo a própria rutura das negociações
quando a outra parte tinha adquirido justificadamente a confiança de que eles iriam
conduzir à celebração do contrato. Estes deveres são impostos em virtude do princípio
da boa-fé, correspondendo assim aos vetores deste princípio, como seja a tutela da
confiança e a primazia da materialidade subjacente, sendo neste caso primordial o
primeiro vetor.
É a violação desses deveres que gera a culpa in contrahendo, a qual, abrange
fundamentalmente três situações:
1) A interrupção ou rutura das negociações, levando a que o contrato não se venha a
celebrar;
2) A celebração do contrato em termos tais que este venha a padecer de invalidade ou
ineficácia;
3) A celebração válida ou eficaz do contrato, mas em termos tais que o modo como foi
celebrado gere danos para uma das partes.
Relativamente à rutura das negociações ela constitui um caso que tem vindo a ser
objeto de ampla discussão na doutrina. A maior parte dos autores salienta que não se
pode considerar as partes vinculadas a uma obrigação de concluir o contrato, apenas
pelo facto de terem entrado em negociações, aliás, as partes devem estar prevenidas
para a hipótese inversa. Apenas quando na outra parte tenha sido criada a confiança
justificada de que o contrato iria ser concluído e ocorre uma rutura de negociações
sem motivo legítimo é que se pode considerar ter ocorrido uma violação das regras da
boa-fé, único caso em que a responsabilidade pré-contratual se aplica. Cabe, porém,
perguntar quais os danos que devem ser indemnizados. Não se tendo constituído um
direito de crédito, por não se ter celebrado qualquer contrato, não parece possível que
o lesado possa reclamar os danos provenientes da não celebração do contrato
(interesse contratual positivo), uma vez que não tinha obtido qualquer direito prévio à
sua realização. Os danos indemnizáveis serão assim aqueles que a parte sofreu em

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virtude da confiança que lhe tinha sido gerada pela outra parte (interesse contratual
negativo), como por exemplo despesas infrutíferas ou a perda de ganhos que de outra
forma teriam sido obtidos. De acordo com o Prof. MENEZES LEITÃO, a responsabilidade
pré-contratual situa-se num meio termo entre a responsabilidade contratual e a
responsabilidade delitual, uma vez que não resulta do incumprimento de uma
obrigação previamente assumida, nem da violação de um dever genérico de respeito
dos direitos absolutos, mas antes a deveres surgidos no âmbito de uma relação
específica entre as partes, que impõem a tutela da confiança no âmbito do tráfego
negocial. O regime aplicável deverá ser deverá ser construído a partir da aplicação de
normas da responsabilidade deltual ou contratual consoante o que se considerar mais
adequado à solução do caso. Em relação à culpa in contrahendo, o regime aplicável
será preponderantemente o da responsabilidade obrigacional, sujeitando-se, por isso,
à presunção de culpa prevista no art. 799º e ficando a responsabilidade por atos dos
auxiliares sujeita ao regime do art. 800º. Haverá, no entanto, a aplicação de algumas
soluções da responsabilidade delitual, uma vez que não se deverá aplicar à culpa in
contrahendo a exigência da capacidade negocial, e a lei manda expressamente aplicar
a regra da prescrição da responsabilidade delitual (art. 227º/2).

A culpa post pactum finitum


Esta consiste na responsabilização das partes após a extinção do contrato pelos danos
causados à outra parte em consequência de comportamentos que lhe seriam vedados
por força da boa-fé. Efetivamente, após a extinção do contrato pode prolongar-se a
necessidade de observância de certas condições para que se mantenha a satisfação do
interesse do credor ou não resultem danos para as partes. A boa-fé impõe que, após o
cumprimento o devedor não venha retirar ou reduzir consideravelmente as vantagens
que o cumprimento proporcionou ao credor. Caso o venha fazer, justifica-se a
responsabilização pelos danos sofridos pela outra parte.
A responsabilização reside na violação dos deveres acessórios de boa-fé. Os deveres
acessórios que vigoram entre as partes por força do princípio da boa-fé podem manter-
se após a extinção do vínculo obrigacional, uma vez que a sua função extravasa da
simples realização do programa obrigacional. É o que acontecerá, por exemplo, se uma
das partes resolver após a extinção do contrato revelar os segredos industriais da outra
parte aos seus concorrentes; ou se após o trespasse de um estabelecimento decidir
abrir outro para fazer-lhe concorrência direta (violação de um dever de lealdade). A
base legal dos deveres de boa fé pós contratuais residirá no art. 239º do CC. Também
no caso de culpa post factum finitum, a situação de responsabilidade assim gerada não
é suscetível de se reconduzir, quer à responsabilidade contratual, quer à
responsabilidade delitual, havendo, portanto, que considerar esta situação igualmente
incluída nas hipóteses de responsabilidade civil, que não se deixam reconduzir a
nenhuma das situações tradicionais.

A responsabilidade pelo risco


O fundamento da imputação pelo risco

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O risco consiste num outro título de imputação de danos, que se baseia na delimitação
de uma certa esfera de riscos pela qual deve responder outrem que não o lesado. Essa
esfera de riscos pode ser estabelecida através de diversas conceções que por vezes se
cumulam entre si. O nosso Direito veio adotar uma conceção restritiva da
responsabilidade pelo risco, consagrando taxativamente a sua admissibilidade apenas
nos casos previstos na lei (art. 483º/2), o que tem vindo a funcionar como um travão
ao desenvolvimento jurisprudencial neste domínio. Em face do Código, são
consideradas como situações de responsabilidade pelo risco a atuação das pessoas em
proveito alheio (arts. 500º e 501º) e a utilização de coisas perigosas, como animais (art.
502º), veículos (art. 503º e ss.) e instalações de energia elétrica e gás (arts. 509º e ss.),
havendo ainda a considerar outras situações constantes de diplomas especiais.
Face ao disposto no art. 483º/2, não é, no entanto, possível proceder à aplicação
analógica das disposições respeitantes à responsabilidade pelo risco.

Casos de responsabilidade pelo risco


A responsabilidade do comitente
No art. 500º a lei vem estabelecer a situação da responsabilidade do comitente.
Comissão pode ser entendida num sentido lato, como tudo o que são atuações por
conta e no interesse de outrem.
A responsabilidade do comitente é uma responsabilidade objetiva pelo que não
depende de culpa sua na escolha do comissário, na sua vigilância ou nas instruções que
lhe deu. No entanto, essa responsabilidade objetiva apenas funciona na relação com o
lesado (relação externa), já que posteriormente o comitente terá na relação com o
comissário (relação interna) o direito a exigir a restituição de tudo quanto pagou ao
lesado, salvo se ele próprio tiver culpa, em que se aplicará o regime da pluralidade de
responsáveis pelo dano (art. 500º/3). Pode-se dizer, por isso, que esta responsabilidade
tem por função específica a garantia do pagamento da indemnização ao lesado, dada a
circunstância de os comissários serem pessoas normalmente desprovidas de
património suscetível de suportar o pagamento de elevadas indemnizações e, atuando
eles no interesse e por conta do comitente, deve caber a este garantir ao lesado a
indemnização. Em consequência, a lei atribui ao lesado uma pretensão direta contra o
comitente, em ordem a obter o ressarcimento dos danos causados pelo comissário,
que pode exercer isolada ou cumulativamente com a pretensão de indemnização que
adquiriu contra o comissário.
Temos, assim, um regime de responsabilidade objetiva do comitente pelos factos
danosos praticados pelo seu comissário que possui os seguintes pressupostos:
a) Existência de uma relação de comissão, a nossa doutrina tem vindo a
estabelecer a exigência de algumas características específicas na relação de
comissão tais como a liberdade de escolha do comissário pelo comitente e a
existência de um nexo de subordinação do comissário ao comitente.

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Não parece, porém, que qualquer destas características seja legalmente exigida
para caracterizar o conceito de comissão. Parece manifesto que a
responsabilidade do comitente não pode surgir em relação a toda e qualquer
prestação de serviços em sentido amplo. Necessário será que a função
praticada pelo comissário possa ser imputada ao comitente por os atos nela
compreendidos serem praticados exclusivamente no seu interesse e por sua
conta, ou seja, suportando ele as despesas e os ganhos dessa atividade. Essa
situação acontecerá no âmbito do contrato de trabalho (art.1152º), mas
também no contrato de trabalho (art.1157º) e noutras situações em que os
resultados da função confiada ao comissário se repercutem diretamente na
esfera do comitente. Já não haverá, porém, comissão nas situações em que
apesar de ser encomendado um serviço a outrem, esse serviço corresponda a
uma função autonomamente exercida pelo devedor a qual não lhe é por isso
delegada por um comitente. Estarão neste caso as prestações de serviços em
que a atividade é sempre imputada ao próprio devedor ainda que o resultado
dessa atividade seja objeto de uma prestação ao credor como no depósito
(art.1185º), empreitada (art.1207º) ou no contrato de transporte.

b) Prática de factos danosos pelo comissário no exercício da função que lhe foi
confiada, a razão deste requisito é clara: se a imputação ao comitente se
justifica por ele ter confiado ao comissário uma função que lhe cabia
desempenhar, não deve a sua responsabilidade extravasar da função que foi
efetivamente confiada funcionando esta assim como delimitação da zona de
riscos a cargo do comitente.
A doutrina tem realizado uma interpretação restritiva deste requisito,
considerando que a expressão “no exercício das funções”, exclui os danos
causados por ocasião da função, com um fim ou interesse que lhe seja
estranho, exigindo-se assim um nexo instrumental entre a função e os danos.
Para MENEZES LEITÃO, essa interpretação restritiva retiraria grande parte do
alcance à responsabilidade do comitente, e não tem suporte legal, já que a lei
apenas se refere ao causamento de danos no exercício da função, não exigindo
também que os danos sejam causados por causa desse exercício. Por outro
lado, incluem-se na responsabilidade os danos intencionais e os danos
causados em desrespeito das instruções, em relação aos quais seguramente se
poderia sempre falar de um desvio aos fins pelos quais foi conferida a comissão.
Bastará, por isso, para ML um nexo etiológico entre a função e os danos, no
sentido de que seja no seu exercício que os danos sejam originados.
Efetivamente, tirando o comitente proveito da função exercida pelo comissário,
é justo que responda por todos os danos que o comissário causa a outrem
enquanto exerce essa função. P.e., o empregado bancário que resolve burlar os
clientes do banco, naturalmente que se justifica que o banco responda como
comitente ao abrigo do art. 500º.
Note-se que, desde que no exercício da função, a responsabilidade do
comitente abrange também os atos intencionais do comissário ou praticados

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em desrespeito das instruções. Assim naturalmente que o comitente


responderá se o segurança de uma discoteca resolve intencionalmente agredir
quem lá pretendia entrar.

c) Desde que sobre o comissário recaia também a obrigação de indemnizar, a


doutrina diverge sobre se para a responsabilidade objetiva do comitente se
exige culpa do comissário ou se basta qualquer imputação ao comitente,
mesmo que a título de responsabilidade pelo risco ou por factos lícitos. No
sentido da primeira solução pronunciou-se, entre outros, ANTUNES VARELA. No
sentido da segunda pronunciou-se, entre outros, MENEZES CORDEIRO.
A interpretação da lei suscita fundadas dúvidas. O nº 1 do art. 500º refere que
para que o comitente responda pelos danos pelo comissário, é necessário que
sobre este recaia também a obrigação de indemnizar, parecendo admitir por
isso que além do nexo de causalidade entre a conduta do comissário e os danos
apenas se exige que o comissário responda por esses danos a qualquer título.
Mas o nº3 do art. 500º ao estabelecer o direito de regresso do comitente
parece pressupor a culpa do comissário, já que se estabelece que este direito se
exclui se ele tiver “também culpa”.
Para MENEZES LEITÃO, parece que a lei não exigirá uma demonstração efetiva
da culpa do comissário, bastando-se o art. 500º/1 com uma culpa presumida. Já
parece, porém, duvidosa a possibilidade de aqui serem abrangidas a
responsabilidade pelo risco ou por sacrifício praticado pelo comissário.
Efetivamente, nos casos de responsabilidade pelo risco, a lei quase sempre
exige um benefício próprio retirado da atividade (arts. 502º e 503º), que não
pode recair no comitente por intermédio do comissário. Na verdade, ou esse
benefício é retirado pelo comitente e então ele responde logo com base nas
referidas previsões de risco, ou compete antes ao próprio agente e está por
natureza excluída a existência de uma relação de comissão. Já na
responsabilidade pelo sacrifício o comitente pode responder como beneficiário
no caso de tirar proveito do ato (p.e., alguém manda um empregado seu
arrombar um carro pertença de outrem para o levar ao hospital), mas essa
responsabilidade resultará da aplicação dos critérios do art. 339º/2 e não do
art. 500º.
Para além disso, convém recordar que a lei estabelece a responsabilidade do
comitente apenas para garantia do pagamento de indemnização, uma vez que
depois cabe ao comitente direito de regresso integral sobre o autor do dano, a
menos que haja concorrência de culpas (art. 500º/3). Ora esse regime do
direito de regresso do comitente adequa-se muito mal aos outros títulos de
imputação que recaiam sobre o comissário, onde não se compreenderia qual o
critério para estabelecer esse direito de regresso, e mesmo que esse critério
fosse estabelecido, qual a razão para o comitente funcionar nesses casos como
garante da indemnização. Por isso, MENEZES LEITÃO adere à primeira solução.

Danos causados por animais


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Estes vêm previstos no art. 502º. Neste caso a lei determina a responsabilidade
pelo risco do utilizador de animais no seu próprio interesse, depois de no art.
493º/1, ter estabelecido em relação ao vigilante de animais uma
responsabilidade por culpa presumida. Naturalmente que nada impede a
cumulação das duas responsabilidades, caso em que os dois responderão
solidariamente perante o lesado.
− Primeiro requisito, utilização dos animais no próprio interesse, o que abrange
naturalmente o proprietário dos animais, mas também todos os titulares da
faculdade de utilização própria do animal como o usufrutuário, locatário,
comodatário ou o simples possuidor sendo que a utilização por estes excluirá a
responsabilidade daquele. No caso da locação, porém, parece que tanto o
proprietário como o locatário se poderão utilizadores no seu próprio, o primeiro
em virtude da perceção do preço locativo e o segundo em virtude da utilização
própria do animal;
− Segundo requisito, os danos resultem do perigo especial que envolve a
utilização do animal, restringindo-se assim a responsabilidade a uma zona de
riscos normalmente conexos com a sua utilização. Desta zona de risco não são
excluídos os casos de força maior (p.e., o cavalo que derruba alguém a fugir de
um incêndio) nem os factos de terceiro (como na hipótese de o animal ter sido
açulado por terceiro), ainda que nesta última hipótese possa concorrer também
a responsabilidade deste. Ocorrendo culpa do lesado (p.e., alguém,
desrespeitando um aviso vai fazer uma festa a um cão feroz), aplicar-se-á o
regime do art. 570º. Pelo contrário, estarão excluídos os danos que embora
causados pelo animalsão exteriores aos perigos da sua utilização. Assim, se
alguém sofre uma queda por se assustar ouvindo ladrar um cão preso, que não
tinha qualquer hipótese de o atingir não haverá qualquer responsabilidade do
dono do animal.

Danos causados por veículos


Danos causados por veículos de circulação terrestre:

Pressupostos da responsabilidade pelo risco: Art. 503º/1.


Temos assim uma responsabilidade objetiva do utilizador de veículos, limitada
aos riscos próprios do veículo, responsabilidade essa que, em relação a veículos
a motor, reboques ou semi-reboques, a lei obriga a que seja previamente
garantida por um seguro de responsabilidade civil automóvel, sem o que o
próprio veículo não pode sequer circular. Antes de tudo a responsabilidade
recai sobre aquele que tiver a direção efetiva do veículo (o controle sobre o
veículo) de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que
por intermédio de comissário. Sempre que falte esse poder de facto, excluir-se-
á a direção efetiva, como no caso do proprietário a quem o veículo for furtado,
o cliente de táxi ou o aluno durante as aulas de condução. Apesar de se tratar
de um caso de responsabilidade objetiva, a lei parece exigir a imputabilidade do
agente, nos termos do art. 503/2, por considerar que os inimputáveis não estão
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em condições de exercer poderes de facto sobre o veículo. Estes responderão


apenas nos termos do art. 489. Já a expressão “o utilizar no próprio interesse,
ainda que por intermediário do comissário”, destina-se a excluir da
responsabilidade objetiva, prevista no art. 503/1, aqueles que conduzem o
veículo por conta de outrem (comissários), esclarecendo que nesses casos essa
responsabilidade objetiva recai antes sobre o próprio comitente. Relativamente
aos veículos abrangidos, a lei refere que são todos os de circulação terrestre,
nos quais se inclui expressamente não apenas a circulação rodoviária, mas
também a circulação ferroviária (art. 508/3). Em relação aos danos, abrangem-
se aqui não apenas todos os danos resultantes da circulação do veículo, quer
em via pública quer em recintos privados, mas também os danos causados pelo
veículo quando imobilizado.

Casos de exclusão da responsabilidade: Art. 505º.


A responsabilidade pelo risco é excluída sempre que o acidente seja imputável
ao próprio lesado. A expressão “imputável” não significará neste caso que seja
exigível a culpa do lesado, sendo, porém, necessário que a sua conduta tenha
sido a única causa do dano. Assim, os comportamentos automáticos, ditados
pelo medo invencível serão também determinantes da exclusão da
responsabilidade pelo risco. A lei não esclarece, porém, o que sucede havendo
concorrência da causalidade em relação ao dano entre o facto do lesado e a
condução do veículo. Se o lesado tiver atuado sem culpa, parece que a
responsabilidade pelo risco (ou culpa) do condutor do veículo não é excluída. Se
se verificasse a culpa concorrente do lesado com a culpa do condutor aplicar-
se-ia o regime do art. 570º. A questão principal reside na hipótese de não se
demonstrando a culpa do condutor, a culpa do lesado concorrer com o risco
próprio do veículo, não só porque aponta nesse sentido a redação abrangente
do art. 505, mas também porque, em face do art. 570/2, a culpa do lesado
exclui o dever de indemnizar em caso de culpa presumida, pelo que não faria
sentido que tão não sucedesse perante a responsabilidade pelo risco. Para além
disso, a responsabilidade será excluída sempre que o acidente seja imputável,
nos mesmos termos, a terceiro. Neste caso, a responsabilidade pelo risco do
condutor de veículos é excluída, podendo o terceiro responder, quer a título de
culpa pessoal, quer a outro título (ex: caso de o terceiro deixar escapar um
animal que utiliza no seu próprio interesse – art. 502 – ou cuja vigilância
assumiu – art. 493/1).
Caso haja culpa concorrente do condutor com a responsabilidade do terceiro,
ambos responderão solidariamente perante o lesado (art. 497 e ss). Finalmente
a responsabilidade pelo risco será excluída sempre que o acidente resulte de
causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo. Ex: se o veículo for
projetado por um ciclone ou arrastado por uma inundação.

Beneficiários da responsabilidade:

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A lei vem estabelecer que esta tanto aproveita a terceiros, como às pessoas
transportadas (art. 504/1), abrangendo assim tanto os que se encontravam fora
do veículo como dentro dele (ex: motorista).
No caso de transporte por virtude de contrato, no entanto, a responsabilidade
só abrange os danos que atinjam a própria pessoa e as coisas por ela
transportadas (art. 504/2).
No caso de transporte gratuito, a responsabilidade apenas abrange os danos
pessoais da pessoa transportada (art. 504/3). A lei vem ainda referir no art.
504º/4 que são nulas as cláusulas que excluem ou limitem a responsabilidade
do transportador pelos acidentes que atinjam a pessoa transportada, o que a
contrário parece permitir que no contrato as partes excluam ou limitem a
responsabilidade do transportador pelos danos que atingem as coisas
transportadas.

Limites da responsabilidade pelo risco: Art. 508º.


Uma vez que, o capital mínimo do seguro é, em geral, de 1 200 000€ por
acidente para os danos corporais, e de 600 000€ por acidente para os danos
materiais, os limites máximos de responsabilidade pelo risco, são,
respetivamente, 5 000 000€ e 1 000 000€.
Hipótese de ocorrência de responsabilidade por culpa:
A previsão da responsabilidade pelo risco nos acidentes causados por veículos
não dispensa a necessidade de se averiguar se existe ou não culpa do condutor
do veículo. Efetivamente, nesse caso, a sua responsabilidade rege-se pelas
regras gerais (art. 483), pelo que não estará sujeita a um limite máximo,
abrangendo antes todos os danos sofridos pelo lesado (arts. 562 e ss.).
A responsabilidade por culpa do condutor do veículo tem, porém, de acordo
com as regras gerais, que ser provada pelo lesado (art. 487/1), a menos que
possa considerar a condução de veículos inserida nalgumas das situações que
origine a presunção de culpa do agente.
Durante bastante tempo foi sustentada a doutrina de que a condução de
veículos consistiria numa atividade perigosa por sua própria natureza, o que nos
termos do art. 493/2, permitiria fazer recair sobre o condutor de veículos a
presunção de culpa, caso se verificassem acidentes. No entanto, foi fixada a
doutrina de que “o disposto no art. 493/2 não tem aplicação em matéria de
acidentes de circulação terrestre, interpretação que implica que na condução
de veículos o lesado só beneficie em geral, da responsabilidade pelo risco, já
que na obtenção de uma indemnização com base na culpa dependera da
possibilidade que tenha de provar a culpa do agente (art. 487/1). Encontra-se
consagrado na lei um caso de responsabilidade por culpa presumida do
domínio da condução de veículos, que corresponde à condução de veículos por
conta doutrem (art. 503/3). Desta norma resulta, em primeiro lugar, que o
comissário só é responsável pelo risco, nos termos do art. 503º/1, se conduzir o
veículo fora das suas funções de comissário, uma vez que só nessa situação se
encontra preenchido o requisito da utilização do veículo no interesse próprio.

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Em todos os outros casos, a responsabilidade pelo risco prevista nesta


disposição é atribuída ao comitente, que tem a direção efetiva do veículo e o
utiliza do seu próprio interesse, ainda que por intermédio do comissário.
No entanto, o art. 503/3, vem estabelecer uma presunção de culpa do
comissário pelos danos causados, o que permite ao comitente, caso o
comissário não vier a elidir essa presunção, exercer contra ele o direito de
regresso pela indemnização que tiver pagado ao lesado com fundamento na
responsabilidade pelo risco.
Discutiu-se, porém, na doutrina se o próprio lesado lidera com base numa
presunção demandar diretamente o comissário com fundamento na sua culpa
presumida. A maioria da doutrina defende que a presunção de culpa do art.
503º/3 tem alcance externo, ou seja, é eficaz perante o lesado. A lei faz assim
recair sobre o comissário, em lugar da responsabilidade pelo risco, uma
presunção de culpa, respondendo ele assim por todos os danos causados sem
qualquer limite, a menos que prove não ter atuado culposamente (art. 503/3).
A aplicação da presunção de culpa depende, no entanto, da demonstração da
existência de uma relação de comissão entre o condutor do veículo e o seu
proprietário, não se presumindo como comissário qualquer condutor não
proprietário do veículo.

Colisão de veículos: Art. 506º


A solução que resulta do art. 506º/1, é a de que se apenas um dos condutores
tiver culpa no acidente, deve ser ele a responder exclusivamente pelos danos
causados. Já se “nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a
responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos
veículos houver contribuído para os danos”, ou seja, havendo uma
concausalidade de ambos os veículos em relação aos danos sofridos, averiguar-
se-á se algum dos veículos causou mais danos que o outro, atribuindo-se ao seu
detentor a proporção correspondente na repartição da responsabilidade pelos
danos. Se, porém, “os danos forem causados somente por um dos veículos, sem
culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a
indemnizar”. Ou seja, se, independentemente da apreciação da culpa dos
condutores, apenas um dos veículos tiver causado os danos (como na hipótese
de um dos veículos ter embatido na parte traseira do outro), a responsabilidade
pelo risco só surge em relação ao causador dos danos. A lei estabelece ainda no
art. 506/2, como regra geral, a ideia de uma repartição igualitária dos danos.
Colocava-se a questão de determinar se, ocorrendo a colisão de veículos em
que um veículo era conduzido por um condutor por conta de outrem e o outro
por condutor que conduzia no seu próprio interesse, e não se provasse a culpa
de qualquer dos condutores, se deveria aplicar o critério da contribuição causal
do risco dos veículos para os danos, ou, pelo contrário, presumir culpado o
condutor por conta doutrem, ao abrigo do art. 503/3.
ML: a solução preferível seria a correspondente à primeira solução.
Efetivamente, a presunção de culpa do art. 503/3 faz todo o sentido, quando se

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trata de dispensar o lesado de provar a culpa do comissário, mas já nos parece


fazer muito pouco sentido, quando se trata de discutir os critérios de repartição
da responsabilidade entre dois condutores causadores dos danos. Para além
disso, o elemento sistemático que justifica a autonomização da facti species da
colisão de veículos no art. 506, parece apontar no sentido da não aplicação a
este caso da disposição do art. 503/3. Finalmente, a solução oposta pode
conduzir a situações iníquas como, por exemplo, perante um choque entre dois
veículos, um conduzido por um comissário no exercício das suas funções e
outro por um comissário em abuso delas, presume-se a culpa do primeiro para
isentar de responsabilidade o segundo.
A posição que veio a constituir jurisprudência uniformizadora no STJ foi, porém,
a que a presunção de culpa do art. 503/3 é aplicável há hipótese da colisão de
veículos referida no art. 506. Assim, no caso de ocorrer uma colisão de veículos
em que um dos condutores conduz o veículo por conta de outrem, já não se
aplicará a solução do art. 506º/2, presumindo-se a culpa do comissário na
verificação do acidente, nos termos do art. 503/3. Já no caso de ambos os
condutores conduzirem o veículo por conta doutrem, haverá uma concorrência
de presunções de culpa, pelo que, na ausência de outros elementos de prova,
se deverá considerar como igual a medida da culpa de ambos os condutores na
verificação do acidente.
Pode suceder que no âmbito de um acidente de viação surjam vários
responsáveis pelo dano. A lei vem resolver essa questão estabelecendo a
solidariedade dos vários responsáveis pelo dano, no art. 507/1. No caso de
pluralidade de responsáveis pelo risco, é aquele que tem maior interesse na
utilização do veículo que suporta a maior parte da indemnização, o qual será,
por exemplo, o locatário, no caso da locação de veículos. Havendo, porém,
culpa de algum dos responsáveis, como na hipótese de o locador não ter feito
no veículo as revisões que lhe competiam, competirá no fim a responsabilidade
exclusivamente a quem atuou com culpa. Assim, se foi o responsável culpado
que pagou a indemnização não terá qualquer direito de regresso. Se foi outrem,
poderá exercer o direito de regresso em relação ao responsável culpado pela
totalidade da indemnização.

Danos causados por outros veículos


A responsabilidade pelo risco por acidentes de veículos, prevista nos arts. 503º
e ss. do CC é limitada a veículos de circulação terrestre. Não deixa de existir, no
entanto, consagrada em legislação especial uma responsabilidade pelo risco em
relação a outros veículos, como sucede com as embarcações de recreio,
aeronaves e ultraleves. Já em relação aos navios, a regra continua a ser a
responsabilidade por culpa, ainda que se preveja uma 89 responsabilidade
objetiva do proprietário ou armador pelos danos causados por ações ou
omissões das pessoas que se encontrem ao serviço do navio

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Pluralidade de responsáveis pelo dano:


Pode suceder que no âmbito de um acidente de viação surjam vários
responsáveis pelo dano. A lei vem resolver essa questão estabelecendo a
solidariedade dos vários responsáveis pelo dano, no art. 507/1. No caso de
pluralidade de responsáveis pelo risco, é aquele que tem maior interesse na
utilização do veículo que suporta a maior parte da indemnização, o qual será,
por exemplo, o locatário, no caso da locação de veículos. Havendo, porém,
culpa de algum dos responsáveis, como na hipótese de o locador não ter feito
no veículo as revisões que lhe competiam, competirá no fim a responsabilidade
exclusivamente a quem atuou com culpa. Assim, se foi o responsável culpado
que pagou a indemnização não terá qualquer direito de regresso. Se foi outrem,
poderá exercer o direito de regresso em relação ao responsável culpado pela
totalidade da indemnização.

Danos causados pela utilização efetiva de instalações de energia


elétrica ou de gás
Uma outra causa de responsabilidade pelo risco, diz respeito aos danos
causados pelas instalações de energia elétrica ou do gás, artigo 509º/1. A
responsabilidade pelo risco é assim atribuída a quem tiver a direção efetiva de
uma instalação destinada à condução de energia elétrica ou do gás e utilizar
essa instalação no seu próprio interesse (art. 509º). Para MENEZES LEITÃO a
responsabilidade pelo risco restringe-se à condução ou entrega, pelo que não
abrange os riscos derivados da própria produção de energia. Efetivamente, não
só a lei não prevê expressamente a produção de energia, como também a
exclusão dessa produção ocorre igualmente do direito alemão, e justifica-se
porque uma instalação destinada à produção de gás ou energia elétrica não
envolve maiores riscos do que outras instalações industriais, não devendo assim
o seu regime ser diferenciado. Já a distribuição e entrega de energia elétrica e
gás envolve riscos específicos, justificando assim o seu tratamento através da
responsabilidade pelo risco. No entanto, se a instalação de produção proceder
igualmente à distribuição da energia, já poderá considerarse abrangida pelo art.
509º/1. É de notar que esta responsabilidade pelo risco é afastada se, ao tempo
do acidente, a instalação se encontrar a funcionar de acordo com as regras
técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação. Trata-se, por isso, de
uma formulação da responsabilidade pelo risco que corresponde praticamente
a uma situação de ilicitude imperfeita, uma vez que se o detentor demonstrar
que respeitou as regras técnicas e o dever de conservação da instalação deixa
de estar sujeito à responsabilidade. Da mesma forma, a responsabilidade é
afastada se os danos forem devidos a causa de força maior, considerando-se
como tal “toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da
coisa” (art. 509º/2). Considera-se, assim, força maior não apenas factos naturais
externos (por exemplo, um ciclone que derruba um poste de energia), mas
também factos do próprio lesado (electrocução derivada de o lesado ter

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decidido subir ao poste) ou de terceiro (derrube do poste elétrico em virtude de


escavações). Também os danos causados por utensílios de uso de energia,
como eletrodomésticos ou máquinas industriais, não são abrangidos por esta
categoria de responsabilidade (art. 509º/3). Por força da remissão do art. 510º
para o art. 508º, a responsabilidade pelo risco é sujeita aos mesmos limites do
que se encontra previsto para os acidentes por veículos terrestres. No entanto,
esses limites apenas funcionam em relação a cada lesado, não se verificando
igualmente uma limitação em função do número de lesados.

A responsabilidade do produtor
Um outro campo em que se verificou um grande alargamento da
responsabilidade pelo risco reside na responsabilidade do produtor pelos danos
causados por produtos defeituosos, cuja multiplicação na atual sociedade tem
demonstrado a inadequação da sua reparação através da responsabilidade
baseada na culpa. Efetivamente, segundo o modelo do Código Civil o
consumidor que viesse a ser lesado por esses produtos ver-se-ia forçado a
provar todos os pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, o facto ilícito, a
culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, art. 483º. O efeito
concreto consiste numa situação deste tipo: num acidente causado por um
eletrodoméstico ou doença após ingestão de alimentos enlatados, o
consumidor não apenas teria que provar o dano que sofreu, mas também a
causalidade decorrente da utilização ou consumo dos alimentos e ainda a culpa
do vendedor ou do produtor. Ora, para efetuar esta última demonstração, é
imprescindível o conhecimento do processo de fabrico ou da conceção técnica
dos produtos, o que o consumir habitualmente não possui. Consequentemente,
bastaria ao lesante adotar uma posição passiva no processo para quase de
certeza ver qualquer ação interposta por um consumidor lesado ser julgada
improcedente. Mas, ainda que, por hipótese, o consumidor conseguisse provar
todos os requisitos da ação, seguramente que não deixaria de ser confrontado
com o problema da culpa do lesado, uma vez que, mesmo demonstrados todos
os pressupostos da responsabilidade civil, dificilmente o juiz não se convenceria
da existência da culpa decorrente do lesado, pois, por exemplo, quem consome
um produto deteriorado, muitas vezes poderia aperceber-se dessas
deteriorações através de um exame atento desse produto. A lei considera como
defeituoso o produto quando este não oferece a segurança com que
legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias,
designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa
ser feita e o momento da sua entrada em circulação. Há, porém, um limite à
ressarcibilidade dos danos, já que apenas são ressarcíeis os danos resultantes
de morte ou lesão corporal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso,
desde que seja normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado
lhe tenha dado principalmente esse destino. Os chamados “danos patrimoniais
puros”, ou seja, os danos resultantes dos prejuízos sofridos com o

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inaproveitamento do produto não são, portanto, ressarcíveis no âmbito da


legislação.
O regime da responsabilidade do produtor não prejudica a aplicação da
responsabilidade decorrente de outras disposições legais, o que permite ao
lesado optar por outro regime de responsabilidade que se lhe apresente como
mais favorável.
Verifica-se a responsabilidade pelo sacrifício sempre que a lei preveja o direito à
indemnização a quem viu os seus direitos sacrificados em resultado de uma
atuação lícita destinada a fazer prevalecer um direito ou um interesse de valor
superior.
O caso mais importante em que a lei prevê uma responsabilidade pelo sacrifício
ocorre no estado de necessidade (art. 339º/2), em que é justificada a conduta
do agente que sacrifica bens patrimoniais alheios para evitar um perigo atual de
um dano manifestamente superior, quer do agente quer de terceiro. Neste
caso, a lei impõe imperativamente que o agente deva indemnizar o prejuízo
causado se o dano for provocado por sua culpa exclusiva. Nos outros casos,
admite-se, mas apenas como possibilidade, que o tribunal conceda uma
indemnização equitativa, condenando nela não só o agente como todos os que
tiraram proveito do ato ou contribuíram para o estado de necessidade. Assim,
no conhecido exemplo de alguém, para salvar uma pessoa, cujas roupas se
encontram a arder, apagar o fogo com um casaco de peles que tem à mão, o
agente só será necessária e exclusivamente responsável se tiver sido ele a
provocar o sinistro. Nos outros casos, a lei deixa ao prudente arbítrio do
julgador a opção entre deixar o lesado sem indemnização ou responsabilizar,
cumulativamente ou em alternativa, o agente, o beneficiário do ato, ou outrem
que tenha contribuído para a situação de perigo. Naturalmente que não se
pode aplaudir esta total ausência de regulação normativa, que se apresenta
como prejudicial à segurança jurídica. Uma outra situação de responsabilidade
pelo sacrifício ocorre ainda no caso previsto no art. 81º/2, em que se admite a
revogação de quaisquer limitações voluntárias aos direitos de personalidade em
ordem a permitir ao agente, em qualquer momento, o livre exercício da sua
personalidade, com obrigação, no entanto, de indemnizar as legítimas
expectativas da outra parte. Naturalmente que o direito geral de personalidade
tem valor superior ao de um simples direito de crédito, o que torna lícito o
sacrifício deste último, mas esse sacrifício deve ser compensado com uma
indemnização, sob pena de se pôr em causa a eficácia vinculativa desses
negócios. São ainda casos de responsabilidade pelo sacrifício as situações de
ingerência lícita em prédio alheio para captura de enxame de abelhas (art.
1322º), apanha de frutos (art. 1367º), reparações ou construções (art. 1349º),
etc. A lei, no único caso em que se prevê que o autor do sacrifício não seja o
seu beneficiário, deixa na discricionariedade do tribunal a determinação do
responsável pelo dano, ainda que o critério legal pareça orientar-se no sentido
do agente. MC entende que deveria ser antes sobre o beneficiário que deveria
recais essa responsabilidade, atribuindo-se-lhe, no entanto, o direito de

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regresso sobre aquele (o agente ou terceiro) que culposamente tenha dado


causa à situação.
Verifica-se a responsabilidade pelo sacrifício sempre que a lei preveja o direito à
indemnização a quem viu os seus direitos sacrificados em resultado de uma
atuação lícita destinada a fazer prevalecer um direito ou um interesse de valor
superior. O caso mais importante em que a lei prevê uma responsabilidade pelo
sacrifício ocorre no estado de necessidade (art. 339º/2), em que é justificada a
conduta do agente que sacrifica bens patrimoniais alheios para evitar um
perigo atual de um dano manifestamente superior, quer do agente quer de
terceiro. Neste caso, a lei impõe imperativamente que o agente deva
indemnizar o prejuízo causado se o dano for provocado por sua culpa exclusiva.
Nos outros casos, admite-se, mas apenas como possibilidade, que o tribunal
conceda uma indemnização equitativa, condenando nela não só o agente como
todos os que tiraram proveito do ato ou contribuíram para o estado de
necessidade. Assim, no conhecido exemplo de alguém, para salvar uma pessoa,
cujas roupas se encontram a arder, apagar o fogo com um casaco de peles que
tem à mão, o agente só será necessária e exclusivamente responsável se tiver
sido ele a provocar o sinistro. Nos outros casos, a lei deixa ao prudente arbítrio
do julgador a opção entre deixar o lesado sem indemnização ou responsabilizar,
cumulativamente ou em alternativa, o agente, o beneficiário do ato, ou outrem
que tenha contribuído para a situação de perigo. Naturalmente que não se
pode aplaudir esta total ausência de regulação normativa, que se apresenta
como prejudicial à segurança jurídica. Uma outra situação de responsabilidade
pelo sacrifício ocorre ainda no caso previsto no art. 81º/2, em que se admite a
revogação de quaisquer limitações voluntárias aos direitos de personalidade em
ordem a permitir ao agente, em qualquer momento, o livre exercício da sua
personalidade, com obrigação, no entanto, de indemnizar as legítimas
expectativas da outra parte. Naturalmente que o direito geral de personalidade
tem valor superior ao de um simples direito de crédito, o que torna lícito o
sacrifício deste último, mas esse sacrifício deve ser compensado com uma
indemnização, sob pena de se pôr em causa a eficácia vinculativa desses
negócios. São ainda casos de responsabilidade pelo sacrifício as situações de
ingerência lícita em prédio alheio para captura de enxame de abelhas (art.
1322º), apanha de frutos (art. 1367º), reparações ou construções (art. 1349º),
etc. A lei, no único caso em que se prevê que o autor do sacrifício não seja o
seu beneficiário, deixa na discricionariedade do tribunal a determinação do
responsável pelo dano, ainda que o critério legal pareça orientar-se no sentido
do agente. MC entende que deveria ser antes sobre o beneficiário que deveria
recais essa responsabilidade, atribuindo-se-lhe, no entanto, o direito de
regresso sobre aquele (o agente ou terceiro) que culposamente tenha dado
causa à situação.
A obrigação de indemnização é tratada nos arts. 562º e ss. como uma
modalidade das obrigações. Efetivamente, ela constitui uma categoria
autónoma de obrigações em virtude de possuir uma fonte específica (a

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imputação de um dano a outrem), ter um conteúdo próprio (prestação de


equivalente ao dano sofrido) e um particular interesse do credor (a eliminação
do dano que sofreu). Este especial conteúdo da obrigação de indemnização vai
implicar certas especialidades processuais na sua reclamação. Assim, em
primeiro lugar, a exigência da indemnização não implica uma determinação
exata do montante dos danos antes da propositura da ação, podendo ela ser
proposta sem essa indicação e, inclusivamente, no decurso dela, ser exigido um
aumento da indemnização se o processo vier a revelar danos superiores aos
inicialmente previstos (art. 569º). Mas também o próprio tribunal não necessita
de determinar o valor exato dos danos, para atribuir a indemnização podendo
esta ser estabelecida equitativamente, dentro dos limites que se tiverem como
provados (art. 566º/3). Caso não seja possível determinar logo o montante dos
danos, poderá a fixação da indemnização ser remetida para execução de
sentença, admitindo-se ainda nesse caso que o tribunal condene logo o
devedor, dentro do quantitativo que considere já provado.

Formas de indemnização
O regime geral da obrigação de indemnização é referido no art. 562º que
prescreve que “quem estiver obrigado a reparar um dano é obrigado a
reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que
obriga à reparação”, acrescentando ainda o art. 566º/1, que “a indemnização é
fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não
repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o
devedor”
. Da articulação destas duas normas resulta uma clara primazia da
reconstituição in natura sobre a indemnização em dinheiro, o que quer dizer
que é primordialmente através da reparação do objeto destruído ou da entrega
de outro idêntico que se estabelece a obrigação de indemnização. Como atrás
se explicou, tal corresponde à defesa, no nosso direito, de uma conceção real
do dano. Haverá, porém, fixação da indemnização em dinheiro no caso de a
reconstituição natural não ser possível. Efetivamente, se o objeto destruído é
de impossível reparação e se, por ser de natureza infungível, não se admitir a
sua substituição por outro, a solução correta é a atribuição de indemnização em
dinheiro. Também haverá fixação da indemnização em dinheiro sempre que a
reconstituição natural não repare integralmente os danos. Efetivamente, nesse
caso, através da reconstituição natural não será obtida a satisfação do interesse
do credor, pelo que para se obter essa satisfação se terá que recorrer à
indemnização em dinheiro.
Parece, no entanto, que a indemnização em dinheiro deverá ser estabelecida
em complemento à reconstituição natural para eliminar os danos não
abrangidos por esta e não em sua substituição. Finalmente, ocorre a fixação da
indemnização em dinheiro sempre que a reconstituição natural seja
excessivamente onerosa para o devedor. Esta previsão deve ser interpretada
restritivamente sob pena de se pôr em causa o direito do lesado a dispor do seu

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próprio património. Apenas quando a reconstituição natural se apresente como


um sacrifício manifestamente desproporcionado para o lesante e se deva
considerar abusiva por contrária à boa fé a sua exigência ao lesado, é que fará
sentido excluir o seu direito à reconstituição natural. A forma da determinação
da indemnização em dinheiro é estabelecida no art. 566º/2, que refere que
“sem prejuízo do estabelecido noutras disposições a indemnização em dinheiro
tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data
mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se
não existissem danos”. Trata- se da denominada teoria da diferença, nos termos
da qual se faz uma avaliação do dano em sentido patrimonial, mediante a
apreciação concreta das alterações verificadas no património do lesado. Para
apreciação destas alterações efetua-se uma comparação entre a situação
patrimonial atual efetiva do lesado e a sua situação patrimonial atual hipotética
se não existissem danos. A teoria da diferença tem, porém, uma aplicação
limitada, na medida em que o cálculo patrimonial que estabelece não é possível
a não ser estando em causa danos patrimoniais presentes. Não são assim
abrangidos nessa forma de cálculo nem os danos não patrimoniais, nem os
danos futuros. Mas, para além disso, a teoria da diferença não se aplica sempre
que o tribunal possa fixar a indemnização em montante inferior aos danos
causados (art. 494º e 570º), caso em que a fixação final da indemnização
dependerá de outros fatores que não a simples avaliação patrimonial do lesado.
Um outro caso em que a teoria da diferença falha diz respeito à situação dos
danos de natureza continuada. Assim, por exemplo, se alguém, em
consequência de uma lesão, vê reduzida a sua capacidade para prestar trabalho
ou para auferir outro tipo de rendimentos, é manifesto que o dano não fica
eliminado com a atribuição de um valor para cobrir a diferença entre a sua
atual situação patrimonial real e a sua situação patrimonial hipotética nesse
momento. Efetivamente, passado algum tempo voltará a haver diferença entre
essas duas situações patrimoniais. A solução apenas pode passar, assim, pela
atribuição de uma indemnização em renda vitalícia ou temporária, cabendo ao
tribunal determinar as providências necessárias para garantir o seu pagamento,
conforme prevê o art. 567º. Só dessa forma a fixação da indemnização
permitirá colmatar a perda continuada dos rendimentos pelo lesado. Nesse
caso, admite-se ainda que a fixação da indemnização seja modificada, caso
sofram alteração sensível as condições em que se baseou (art. 567º/2).
Efetivamente, é sabido que a perceção dos rendimentos pode ser afetada pela
conjuntura económica, pelo que também a indemnização, quando fixada sob a
forma de renda deve poder evoluir em função dessa conjuntura.

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