Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Mestre em Direito
Praia, 2007
TÍTULO: ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
e outros escritos jurídicos
AGRADECIMENTOS ……………………………...…………….……...... 7
ABREVIATURAS …………………………………………....…………..... 9
I
Estudos doutrinários
II
Estudos de política e sociologia pró-legislativa
III
Jurisprudência Comentada
O Autor.
ABREVIATURAS
ESTUDOS DOUTRINÁRIOS
e outros escritos jurídicos 13
Sumário:
RAZÃO DE ORDEM
1
Estudo elaborado em 1993 e publicado nos estudos em homenagem ao Professor Doutor
Manuel Gomes da Silva, Coimbra Editora, 2001, pp 1057 e segs. Procedeu-se apenas à
actualização da legislação portuguesa.As disposições legais citadas sem indicação da
procedência respeitam ao Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado
pelo Decreto-lei nº 63/85, de 14 de Março, com as alterações introduzidas pela Lei nº
45/85, de 17 de Setembro; Lei nº 114/91, de 3 de Setembro e Decreto-Lei nº 334/97, de 27
de Novembro.
14 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
I. INTRODUÇÃO
2 Com maior rigor diríamos “obra literária e artística”, já que autor da obra intelectual, visto
independentemente do contexto em que se insere, refere-se quer às obras que constituem
descobertas quer àquelas que representam criações do espírito.
3 Ou como se exprime DAMBACH, aquele de cuja actividade intelectiva resulta uma obra
(in Funfzig Gutachten ecc.pp. XXVII e 55, cit. por TOMASO BRUNO, Diritti d’autore,
Digesto Italiano, vol. IX, pp. 644, Milão, 1898-1901).
4 Non agit sed facit – explica TITO CARLETTI (in Enciclopédia Jurídica Italiana, vb, autore,
vol. I, parte V, Milão, 1904, pp. 701). Todavia, nem sempre a lei respeita o princípio
da verdade intelectual no estabelecimento da paternidade sobre a obra. O próprio art.
27º admite nos seus termos que outras entidades que não o criador intelectual possam
reclamar direito de autor sobre a obra criada por outrem. Cf. art. 14º sobre a obra de
encomenda, por conta de outrem ou em cumprimento de dever funcional. Recentemente
a lei francesa nº 85-660 de 3 de Julho de 1985, que modificou a Lei sobre o Direito de Autor
nº 57-298, de 11 de Março de 1957 preceituou que os software criados pelo trabalhador no
âmbito de uma relação de trabalho subordinado pertencem ao empregador, incluindo o
próprio direito moral, podendo contudo estabelecer-se uma convenção em contrário (cf.
Serafino Gatti, in La Tutela Giuridica del software, Rivista del Diritto Comerciale e del Diritto
Generale delle Obligazioni, jan.-abr. 1987, nº 1-2/3-4, pp. 26)
5 O preceito do art. 27º nº 1 é cronologicamente anterior ao do art. 11º que lhe é uma
consequência. O art. 27º pertence à estática e o art. 11º à dinâmica do direito de autor.
16 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
2. OS PROGRAMAS DE COMPUTADOR
ou para obter um resultado determinado, seja qual for a sua forma de expressão ou fixação
– e as suas versões sucessivas ou derivadas, mas também toda a documentação técnica e
os manuais para uso do programa. A protecção tem a duração de cinquenta anos, está
vedada a reprodução sem o consentimento do autor, mas este não poderá opor-se a que
o cessionário titular do direito de exploração realize ou autorize a realização de versões
sucessivas do programa. Estes direitos podem ser objecto de inscrição no Registo de
propriedade Intelectual.
10 O seu inventário poderá fazer-se a partir de OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito de Autor
e direitos conexos, lições…, Lisboa, 1989/90, pp. 143 e segs. Les Nouveaux moyens de
reproduction – Trabalho da Associação HENRI CAPITANT, tomo XXXVII, 1986, pp 353
e segs.; ETTORE GIANNANTONIO, Il valore guiridico del documento elctronico, Rivista
del Diritto Comerciale e del Diritto generalle delle obligazioni, ano 1986, nº 9-10/11-12,
Setembro-Dezembro, pp 261 e segs.; CARLO ROSSELO, I contrati di manutenzione del
software, Rivista del Diritto Comerciale …, ano 1986, nº 9-10/11-12, Setembro-Dezembro,
pp 311 e segs.; VINCENZO FRANCESCHELLI, ob. cit., pp. 371 e segs. Este último autor
apresenta uma síntese da situação doutrinária em vários países relativamente ao tema
em análise, considerando que nos EUA Computers and Law é hoje um novo ramo de
direito privado em pleno desenvolvimento.
11 É esta a solução da lei francesa 85-660, de 3 de Julho de 1985 e bem assim da lei espanhola
22/87, de 11 de Novembro, a qual parece harmonizar-se com a directriz do Conselho das
Comunidades de 12 de Abril de 1989 que serviu de base ao projecto de lei nº 396/V, da
autoria do deputado António Raposo. Sobre os termos deste projecto, cfr. O. Ascensão,
Direito de Autor…, pp. 180 e segs.
mesmo que a situação jurídica regulada pelo direito moral é ela própria
anterior às situações jurídicas sobre as quais intervém o direito patrimo-
nial de autor. Não é debalde que se afirma que o direito ao inédito é o
primeiro direito que se constitui com a criação intelectual. Interesses eco-
nómicos terão justificado a protecção do direito patrimonial antes do di-
reito moral, mas isto não invalida o facto de mesmo antes desse reconhe-
cimento encontrarmos ao longo da história exemplos claros de exercício
do direito pessoal de autor, independentemente do seu reconhecimento
legal. Assim, diz-se que o poeta VIRGILIO autorizou a seus amigos que
destruíssem o poema Eneida que ele considerava inacabado e não tivera
tempo de aperfeiçoar antes de morrer16. DESCARTES, perante o terror da
condenação de GALILEU pela defesa do heliocentrismo, manteve inédito
Le Monde, escrito em 1629, porém, publicado postumamente em 166417 e
MONTESQUIEU por razões que desconhecemos terá destruído o original
da História de Luís XI18.
Quanto seja do nosso conhecimento, a manifestação mais antiga do
reconhecimento legal do direito pessoal de autor encontra-se num PAR-
TI publicado em VENEZA, em 1545, no qual se reconhecia aos autores
ou seus parentes mais próximos o poder de consentirem na impressão e
venda de livros, sob pena de serem destruídos e os contraventores puni-
dos com prisão e multa19. Todavia, só a partir de 1800, e não obstante a
histórica declaração da natureza real do direito de autor, a jurisprudência
francesa foi chamada a pronunciar-se sobre situações não patrimoniais
relacionadas com o direito de autor, tendo logrado impedir violações do
direito ao inédito, como no caso de ANATOLE FRANCE versus LEMERRE,
do direito de modificação, como foi no caso F. JAMMES versus BOUILLOT
ou mesmo do direito de retirada20.
16 Referido por STIG STRÖHMHOLM, cit. por BRUNO HAMES, in O Direito Moral De Autor,
Revista Interamericana de Direito Intelectual, Julho/Dezembro de 1978, pp. 101.
17 Segundo PHILADELPHO, Mundo teria sido destruído por DESCARTES, mas a
circunstância de ter sido publicado após a morte do cientista leva-nos a considerar que a
obra terá sido simplesmente mantida inédita, ainda que em termos de possibilitar a sua
reconstituição.
18 Citados por PHILADELPHO, ob. cit., pp. 67.
19 D. JUAN GUIMENEZ BAYO y D. LINO RODRIGUEZ-ARIAS BUSTAMANT, in Autor
(derecho de), Nueva Enciclopédia jurídica, tomo III, Barcelona 1951, pp. 136.
20 Sobre os diferentes casos em que a jurisprudência foi chamada a pronunciar-se cfr.
PEREZ SERRANO, in El derecho moral de los autores, Anuário de Derecho Civil, tomo II,
e outros escritos jurídicos 21
29 Ob. cit., pp. 1035. O Dr. SÁ E MELO também se preocupa em explicar esta terminologia
(ob. cit., pag. 121), mas fá-lo no âmbito do direito à integridade da obra, o que constitui
um erro de sistemática, na medida em que esta parte do preceito legal, e bem assim
a expressão que lhe segue – e ainda que os tenha alienado ou onerado – respeita não
apenas ao direito à integridade da obra, mas a toda a relação entre o direito pessoal e o
direito patrimonial de autor.
30 PIOLA, ob. cit., pp. 36.
31 A expressão não corresponde nem ao texto do art. 55º do CDA de 1966, nem ao texto
da Convenção de Berna. O Código de 1966 referia-se apenas à alienação e o texto da
Convenção de Berna refere-se à cessão que já constava da proposta italiana. Mas,
enquanto este texto dizia “e não obstante toda a cessão”, o texto da Convenção passou
a referir “mesmo após a cessão”, substituição que, segundo PIOLA, foi feita para evitar
entrar na questão de saber quais os efeitos contratuais sobre o exercício do direito moral,
especialmente no que respeita à integridade da obra (ob. cit. pp. 1036). A substituição
da palavra “cessão” pela expressão “alienação e oneração” terá sido ponderada pela
circunstância de que no direito português toda a cessão é alienação, mas nem toda a
alienação é cessão. Além disso, a alienação tem um conteúdo jurídico diferente do da
oneração, sendo certo que há igualmente situações de oneração do direito patrimonial
de autor em que os interesses pessoais deste necessitam de ser salvaguardados.
32 Não era porém esta a formulação da lei Italiana de 1925 que permitia ao autor intentar
acção a todo o tempo para a defesa dos seus direitos de carácter pessoal (l’autore há in
ogni tempo azione…).
e outros escritos jurídicos 25
5. TERMINOLOGIA
33 Ob. cit. pp. 121. Como se explica no Guia da Convenção de Berna relativo à protecção
das Obras Literárias e Artísticas (Acta de Paris, 1971, Genebra, 1960 nota ao art. 6º -bis,
alínea 1, pp. 47) esta precisão tende a proteger o autor contra si mesmo, quer dizer, a
evitar que as contrapartidas financeiras permitam que o direito moral se torne imoral.
34 De harmonia com a tese defendida por PAUL HERVIEU na Conferência de Berlim de
1908. Cf. NICOLAS PEREZ SERRANO, ob. cit., pp. 11.
35 Cf. PHILADELPHO AZEVEDO, ob. cit., pp. 22 e 34.
36 SERRANO, ob. cit., pp. 10. No mesmo sentido P. AZEVEDO, ob. cit., pp. 34; BRUNO
JORGE HAMMES, ob. cit., pp. 101. Todavia, WALTER DE MORAIS advoga a ideia de
que a expressão direito moral foi uma criação dos tribunais franceses, nomeadamente
uma decisão do Tribunal de Lion, datada de 1845 em que LOCARDAIRE usou a formula
“personalidade moral” para fundamentar a protecção do autor (in Direito Patrimonial
do autor, Revista Interamericana de Direito Intelectual, Jul.-Dez. de 1978, vol. 1, pp.
119). Não deixa de ser verdade que a jurisprudência se antecipou quer à consagração
legislativa, quer à consagração doutrinária do conceito de direito moral de autor. Mas
aqui somos forçados a distinguir entre a paternidade do conceito e a paternidade da
26 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
expressão direito moral. Quanto a esta última parece haver unanimidade em atribui-la a
MORILLOT, mas a disputa sobre a paternidade do conceito parece dever estabelecer-se
entre a doutrina alemã e a jurisprudência francesa.
37 Esta é a tese defendida por HUARD e BRANDT, entendendo este último que o conceito
(não a expressão) já era referida nas obras de KÖHLER e GIERKE (citado por N. P.
SERRANO, ob. cit., pp 11). No mesmo sentido ADOLF DIETZ, citado por BRUNO
HAMMES, ob. cit., pp. 101.
38 AMADEO GIANNINI, in Opere protette, opere non protette, utilizzationi libere, Rivista del
Diritto Commerciale…, anno LVIII (1960), prima parte, pp. 341. Cfr. também ALMEIDA
SANTOS, Ensaio…, pp. 85.
39 Ob. cit., pp. 8 e em certa medida ADRIANO DE CUPIS que parece aceitar a critica
segundo a qual a expressão direito moral (ou pessoal) seria pouco feliz, mas admite que
podemos conservar o seu uso, tendo sempre presente que ela é equivalente ao direito à
paternidade intelectual – in Os direitos da Personalidade, tradução de Adriano Vera Jardim
e Miguel Caeiro, Lisboa, 1961, pp. 312 e 313.
40 O. ASCENSÃO, Direito Autoral, Lisboa 1989, pp. 71.
e outros escritos jurídicos 27
escultóricas. Todavia, esta construção parece ficar aquém da expressão propriedade intelectual,
ao reduzir a dimensão da obra literária e artística ao aspecto material pelo que não parece ser o
melhor caminho a seguir. Não obstante este aspecto da matéria estar fora do âmbito do trabalho
a que nos propusemos, é nosso entendimento que a expressão DIREITO DE AUTOR
é a que melhor corresponde a este ramo de direito. Com efeito, se o objecto imediato
deste direito é toda a obra intelectual que constitua uma criação literária ou artística,
traduzida num complexo de situações de sentido material e espiritual, pressupõe, como
já dissemos, uma actividade – actividade intelectual. Por isso, houve quem admitisse
a sua regulamentação pelo Direito do Trabalho (cfr. os arts. 570º e segs. do Código de
Seabra que o disciplinavam como “Trabalho Literário e Artístico”, solução ainda hoje
vigente no direito italiano – cf. a este propósito PIOLA-CASELLI, ob. cit., pp. 677). Mas
reclama igualmente a ideia de propriedade, não a propriedade da ideia em si mesma,
nem tão pouco do suporte em que a obra foi materializada (corpus mechanicum), mas a
propriedade da própria criação, pela sua objectividade, não obstante a sua imaterialidade.
Se a estes dois aspectos juntarmos o elemento pessoalidade e procurarmos determinar o
seu denominador comum, verificamos que todos estes aspectos estão abarcados por um
ramo de direito, cuja denominação toma como referência principal a pessoa à volta de
quem gravitam, ou seja, o autor. DIREITO DE AUTOR é pois a denominação que melhor
corresponde ao conteúdo deste ramo de direito.
54 Deve igualmente discutir-se se se trata de um direito no verdadeiro sentido do termo
ou de uma mera faculdade. Sem nos preocuparmos com a questão da estrutura deste
direito, o paralelo com o direito de propriedade é-nos útil para a compreensão do
fenómeno. O direito de propriedade também se analisa nos poderes de usar-fruir-
dispor, igualmente referidos como faculdades mas nem por isso perdem a sua qualidade
de direitos menores que integram o direito principal. O mesmo acontece no direito de
autor, pelo que o direito pessoal pode ser referido, indiferentemente, seja como direito
seja como faculdade (no mesmo sentido, Prof. O. ASCENSÃO, Direito Autoral, pp.321).
55 Descritivas são igualmente as definições legais (cfr. art. 6º-bis da Convenção de Berna e
art. 56º do CDADC).
56 Citado por BRUNO HAMMES, ob. cit. pp. 100.
57 Ob. cit. pp. 695.
e outros escritos jurídicos 31
a) – INALIENABILIDADE.
b) – IRRENUNCIABILIDADE.
c) – IMPRESCRITIBILIDADE.
65 Não há unanimidade na doutrina sobre este ponto. SÁ E MELO admite que é de uma
verdadeira renúncia que se trata (ob. cit., pp. 120) e parece ser esta igualmente a opinião
de ULMER, para quem irrenunciável é apenas um saldo do direito moral, na medida em
que podem opor-se-lhe convenções em sentido contrário (cit. por BRUNO HAMMES,
ob. cit., pp. 105).
66 Direito Autoral, pp. 54 e 55. Este ponto de vista foi vigorosamente criticado por SÁ
E MELO, com o argumento subtil de que ao apresentar o relatório à empresa o autor
exerce o seu direito de divulgação (inédito) – o parêntese é nosso – de que é afinal o
único titular (ob. cit., pp. 120, nota 193). Mas este autor entra em contradição, pois parece
concordar com DE SANCTIS no sentido de que a publicação de uma obra com carácter
confidencial não faz quebrar o ineditismo desta (ibidem, pp. 67 e 68).
36 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
67 Parece ser esta a posição dominante na doutrina. O carácter perpétuo do direito de autor
chegou a ser defendido na doutrina jurídica portuguesa por nomes ilustres como LOPES
PRAÇA, DIAS FERREIRA e CUNHA GONÇALVES (O. ASCENSÃO, Direito de Autor…,
pp. 16) e veio a ser consagrado no Decreto nº 13 725, de 3 de Julho de 1927, em cujo
preâmbulo se desenvolveu vigorosa fundamentação que hoje serviria para justificar, não
o direito pessoal de autor como direito subjectivo, mas o interesse público na defesa das
obras literárias e artísticas. Na doutrina estrangeira, e a favor do carácter perpétuo do
direito pessoal de autor, pode ver-se JOSÉ LUIZ LACRUZ BERDEJO, in El exercício “post
mortem auctoris” del aspecto moral de la propriedad intelectual, TEMIS, Revista de Ciência
y Técnica Jurídicas, nº 1, 1962, pp. 36 e segs. Para uma critica desta posição, ver, O.
ASCENSÃO, ob. loc. cit. e Direito Autoral, pp. 190.
68 No mesmo sentido, Prof. O. ASCENSÃO, Direito de Autor…, pp. 196.
e outros escritos jurídicos 37
69 In Direito de Tradução e Direitos do Tradutor na Lei Portuguesa, Separata do BMJ Nº 275, PP.
6 E 10, Lisboa, 1978. Esta opinião veiculada pelo referido Prof. tomou como referência a
legislação sobre o direito de autor anterior ao código actual. Mas a nosso ver ela mantêm-
se válida.
70 Parece haver uma contradição entre a formulação do art. 11º e a do art. 27º, nº 3. Mas
deve notar-se que esta última disposição tem valor interpretativo. Fixa uma regra do
jogo.
71 Sobre a questão de saber se a atribuição de titularidade do direito de autor inclui o
direito pessoal, ver infra direito à paternidade da obra.
38 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
portância. Outro tanto não se poderá dizer do CDADC em que o termo ge-
nuinidade aparece ao lado do termo integridade. A lei fala predominante-
mente em integridade e genuinidade, utilizando a forma copulativa, mas
outras vezes – e esta é a situação prevista no art. 198º, al. b) – utiliza a for-
ma disjuntiva: integridade ou genuinidade. Das duas formas – e sendo certo
que uma é autónoma da outra – apenas podemos extrair a consequência
de que no primeiro caso há um elo de ligação e identidade funcional entre
as duas palavras e, no segundo, um elo de ligação e disjuntividade entre
elas. Assim, as formas copulativa e disjuntiva utilizadas pelo legislador
não nos levam a nenhuma conclusão, na medida em que, quer se fale em
“integridade e genuinidade” ou em “integridade ou genuinidade”, ex-
primindo no primeiro caso uma ideia de associação e no segundo uma
ideia de separação, os dois termos mantêm a sua individualidade, não se
podendo dizer se uma coisa é ou não o resultado da outra.
Se tomarmos essa individualidade como ponto de partida e tendo
em conta o valor etimológico destas palavras, poder-se-ia considerar que
a integridade respeitaria à forma externa da obra e a genuinidade à forma
interna da obra. Uma obra íntegra seria uma obra completa em toda a sua
dimensão, sem qualquer mutilação. Uma obra genuína seria uma obra
pura na sua essência criativa, tal como foi concebida e revelada pelo autor.
Mas se adiantarmos neste raciocínio verificamos que a integridade poderá
ser referida quer à forma interna quer à forma externa da obra. Basta pen-
sar nas acções de mutilação. Mutilar uma obra não é apenas cortar ou des-
truir uma ou mais das suas partes. Mutilar é também truncar ou deturpar
a mensagem transmitida pelo autor. Neste sentido invade a forma interna
da obra, pervertendo a sua genuinidade. Foi, aliás, em ambos os sentidos
que o termo integridade foi utilizado na Convenção de Berna (art. 6º bis)
quer no CDA de 1966 (art. 55º).
Se integridade inclui genuinidade, então tudo parece fazer inclinar,
afinal, no sentido de que não há um direito à genuinidade da obra diverso
do direito à integridade desta. Falaremos apenas em direito à integridade
da obra.
Prossegue o art. 56º, nº 1: “… opondo-se à sua destruição, a toda e
qualquer mutilação, deformação ou outra modificação da mesma…”. As
acções de mutilação e deformação da obra são tratadas pela lei como ac-
ções de modificação da mesma, por isso se reúnem na única categoria de
modificações da obra. Da parte enunciada do dispositivo legal resultará
um direito à modificação da obra? Resulta seguramente um direito à não
modificação da obra como pressuposto da acção destinada a impedir que
se produzam alterações na obra não desejadas nem consentidas pelo au-
tor. Mas o direito à não modificação é a antítese do direito à modificação,
40 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
202º); o direito à integridade da obra (art. 198º b)); e o direito ao nome (art.
198º, b) e 201º), mas em nenhuma disposição sanciona a violação do direi-
to de modificação, que pode traduzir-se quer em obstáculos apresentados
por terceiros com vista a impossibilitar o autor de alterar a sua própria
criação, quer em alterações introduzidas por terceiros na obra sem o con-
sentimento do autor. O primeiro aspecto não foi contemplado no capítulo
da violação do direito pessoal de autor, e, quanto ao segundo (a vertente
negativa do direito de modificação) está abrangido pelas normas que re-
gulam a violação do direito à integridade da obra.
Mas, apesar disso, não esgotámos todas as possibilidades de contra
argumentação. Poder-se-ia ainda referir que aquele fundamento tem em
conta apenas os aspectos penais e contra-ordenacionais da violação do
direito pessoal de autor, com exclusão dos aspectos civilísticos e admi-
nistrativos dessa violação, podendo acontecer que na sua faceta positiva
a violação ou direito de modificação seja objecto de uma sanção civil, que
mais não seja com fundamento no art. 483º, do CC. Mas este contra argu-
mento apenas parece confirmar o carácter não autónomo do direito de
modificação, pois a violação do direito à paternidade da obra, de que o
direito de modificação, na sua faceta positiva, é decorrência, é não apenas
susceptível de uma sanção penal, mas também civil, como aliás acontece
com todas as faculdades que integram o direito pessoal de autor.
Tudo leva pois a considerar que o direito de modificação não tem
autonomia no quadro das prerrogativas pessoais concedidas ao autor
pelo CDADC75.
Nesta ordem de considerações podemos perguntar: reconhecerá a
lei um direito ao inédito? Em várias disposições o CDADC se refere a situa-
ção da obra inédita e fixa determinados aspectos do seu regime. Assim, o
art. 50º isenta da penhora e arresto as obras inéditas, salvo se o autor tiver
revelado por actos inequívocos o seu propósito de divulgar ou publicar
a obra, além de toda uma série de disposições destinadas a garantir o
inedetismo. Embora possa ser objecto de contrato (art. 85º), é vedado ao
empresário na representação cénica dá-la a conhecer antes da primeira re-
presentação (art. 116º). Nas artes plásticas, gráficas e aplicadas só o autor
pode expor ou autorizar outrem a expor publicamente as suas obras de
75 SÁ E MELO é igualmente desta opinião, mas admite que a faceta positiva do direito de
modificação é uma decorrência do direito de retirada (ob. cit., pp. 128). A retirada seria um
mais em relação à modificação. Julgamos que as coisas não se põem neste pé. Há algo de
mais subtil. A retirada faz cessar a divulgação ou publicação da obra, mas nada tem de
criativo, no que se traduz o direito de modificação. O que se pode dizer é que a retirada
permite ao autor deslocar a obra para a sua esfera privada, possibilitando-lhe o exercício
de um outro direito, qual seja, o direito à modificação.
42 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
arte (art. 157º, nº 1), direitos cuja violação acarreta uma sanção de natureza
penal (art. 195º, nº 2, b)).
Este conjunto de faculdades e proibições estabelecidas à volta do
inedetismo da obra permite-nos concluir pelo reconhecimento ao autor de
um verdadeiro direito ao inédito.
De igual modo, tendo em conta a multiplicidade de disposições que
se referem ao nome do autor e às funções que este desempenha na obra
literária e artística, não carece de demorada justificação que a lei reconhe-
ce ao autor um direito ao nome literário ou artístico. Mas aqui é igualmente
questionável se este direito terá autonomia no quadro da regulamentação
legal estabelecida ou se será uma mera decorrência do direito à paterni-
dade da obra.
No passado defendemos a opinião negativa, considerando que o
nome ou a menção de designação seria uma mera decorrência do direito
à paternidade da obra. É o pai de uma obra literária ou artística quem a
cria, sendo o nome ou a menção de designação o meio de identificar essa
relação de paternidade estabelecida entre a obra e o seu autor.
A questão que hoje se nos põe é a de saber se o nome terá unica-
mente esta função identificadora que o subordina ao direito à paternidade
da obra, ou, além disso, a lei lhe reserva outras funções. A análise das
diversas disposições do CDADC que regulam o nome literário e artístico76
permitiu-nos concluir que, não obstante a importância dessa função, a lei
conserva ao nome uma outra atribuição não menos importante que é a de
estabelecer o status de autor de obra literária ou artística, entendendo-se
como tal toda a honra e reputação social reconhecidas ao autor em virtude
das suas produções intelectuais. O nome literário e artístico é tratado pela
lei como um verdadeiro património pessoal do autor à volta do qual gra-
vitam interesses os mais díspares, o que justifica a distinção entre o direito
ao nome e o direito à paternidade da obra.
O nome é uma menção, ao passo que a paternidade é uma relação.
O nome identifica o autor como sujeito de direitos e obrigações, enquanto
criador da obra literária ou artística. Por isso, não se esgota na aposição do
nome à obra. A defesa do direito ao nome é a defesa do status de cientista,
historiador, jurista… com a dimensão e reputação social granjeada e reco-
nhecida pelo círculo de especialistas da área do autor ou pela comunidade
em geral.
76 Cfr. as seguintes disposições do CDADC: arts. 14º, nº 3; 16º; 17º; 19º; 27º, nº 2; 28º a 30º;
33º, nº 2; 60º, nº 3; 76º, nº 1, a); 97º; 115º, nº 4; 134º; 142º; 154º; 160º; 161º; 167º; 168º, nº 2;
171º; 180º; 205º; 210º; 215º, b); e 216º.
e outros escritos jurídicos 43
77 Não é este o elenco admitido pelo Dr. SÁ E MELO que identifica quatro faculdades
contidas no direito pessoal de autor: o direito de divulgação: o direito de retirada; o
direito de reivindicar a paternidade da obra; e o direito à integridade e genuinidade da
obra. Todavia, este autor não demonstra como chega a esta conclusão (ob. cit., pp. 61 e
segs).
78 Cfr. art. 29.º n.º 1 in fine que teve como fonte o art. 22.º n.º 3 do CDA de 1966. Este
foi aliás um dos argumentos em que o legislador de 1927 se baseou para atribuir
carácter perpétuo à propriedade literária, artística e científica. Cfr. o preâmbulo do
Decreto 13 725, de 27 de Maio de 1927.
79 Embora alguns doutrinadores identifiquem as duas figuras, a verdade e que não são
44 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
de que tomou posição definida sobre a forma pela qual a obra deverá ser
explorada economicamente. Não nos parece que seja lícito impor ao autor
em beneficio do credor pignoratício uma forma de exploração económica
da obra que ele considere inadequada, tendo em conta o estado em que se
encontra a preparação da obra (83).
Vejamos agora quais os pressupostos de aplicação do art. 50.º Do
seu n.º 1 resulta o princípio geral de que a obra inédita não pode ser pe-
nhorada ou arrestada, quando incompleta, salvo se tiver sido oferecida
pelo autor. Portanto, a lei deixa no livre critério do autor decidir se deter-
minada obra sua inédita pode ser penhora ou arrestada. Quando faltar
esse consentimento a penhora ou o arresto não são permitidos, sob pena
de violação do direito ao inédito e aplicação das sanções cominadas na
lei. Todavia, se a regra é esta para as obras inéditas incompletas, outra é
a regra para as obras já publicadas ou divulgadas em que a lei dispensa o
consentimento do autor para a penhora ou arresto. É o que resulta da lei-
tura dos arts. 46.º e 47.º: a lei estende o regime das obras já publicadas ou
divulgadas às obras inéditas, ainda que incompletas, quando o autor tiver
revelado por actos inequívocos o seu propósito de as divulgar ou publi-
car. O sentido da lei é o de que a manifestação de vontade de divulgar ou
publicar a obra inédita incompleta faz cessa a necessidade de protecção
do inedetismo da obra.
Resta saber se, ainda neste caso, o autor poderá exercer o direito de
retirada. Sem prejuízo do que diremos quando nos ocuparmos deste di-
reito pessoal de autor, julgamos que a posição afirmativa pode em alguns
casos esvaziar-nos de sentido o penhor ou o arresto, mas não podemos
prescindir da aplicação do ar. 61.º, segundo o qual em caso de penhora os
direitos morais de autor não são afectados (n.º 1).
Outro requisito exigido por lei para a penhora de obras inéditas é o
consentimento para a penhora ou arresto de obras literárias e artísticas. A
penhora segue o regime normal regulado nos arts.666.º a 685º do Código
Civil e 821.º e segs. do CPC. A necessidade do consentimento do autor
para a penhora ou arresto de obras inéditas prende-se com o estado de
privacidade em que a obra se encontra com o autor. Tendo o autor mani-
festado, por actos inequívocos, o seu propósito, justifica que seja tornado
extensivo às obras inéditas ou incompletas o regime das obras já publica-
das ou divulgadas.
83 Os arts. 61.º n.º 1 e 68.º n.º 3 confirmam esta nossa afirmação. Do conteúdo do primeiro
podia ser-se levado a entender que, porque o arrematante pode promover a publicação,
então poderá escolher a forma de o fazer. Mas não é assim. O legislador teve o cuidado
de se referir à obra penhorada e “publicada”, donde resulta determinada a forma de
utilização.
e outros escritos jurídicos 47
88 A distinção terá sido introduzido na doutrina civilista por ÜLMER. Cfr. WILHELM
NORDEMANN e outros, ob.cit.pp.54.
50 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
reito privado comum, pois poderá consistir numa doação, num contrato
de mútuo ou no cumprimento de uma obrigação. São as relações autor
– entidade financiadora; autor – entidade beneficiadora; autor - entidade
financiadora – entidade beneficiadora que requerem a intervenção do di-
reito de autor. Isto é, a intervenção do direito de autor é requerida pela
presença do autor na relação, mas para qualquer das situações inventa-
riadas a lei apresenta solução nos arts. 13.º e 14.º. As primeiras duas si-
tuações têm solução individualizada nestes dois artigos, cuja aplicação
conjugada é requerida quando uma das partes seja plural. Num primei-
ro momento a solução deverá resultar dos termos do contrato. Mas se
este for omisso quanto à titularidade do direito de autor fica desde logo
excluída a possibilidade de a entidade financiadora adquirir direitos de
autor sobre ela e recorre-se às presunções estabelecidas no art. 14.º para
a determinação da titularidade entre o criador intelectual e a entidade
que beneficia da obra. Se o nome do criador intelectual não vier mencio-
nado no local destinado para o efeito segundo o uso universal, entende-se
que o direito de autor pertence à entidade por conta de quem a obra é
feita, podendo esta presunção ser ilidida mediante prova em contrário.
Diferente é a outra situação por nós configurada de a obra já se
mostrar concluída e, a pedido do autor, uma entidade subsidia ou finan-
cia a sua publicação ou divulgação ou a adquire para satisfação dos seus
interesses. A obra está concluída e o autor mantém-na inédita. Poderão,
neste caso, ser acordados direitos de autor sobre a obra, incluindo direitos
pessoais? O art. 13º parece apontar em sentido afirmativo, desde que a
convenção obedeça a forma legal, ou seja, a forma escrita. Mas quer pa-
recer-nos que, neste caso, a convenção sobre a titularidade só abrange os
direitos de natureza patrimonial, com exclusão dos direitos de natureza
pessoal, pois, o direito de autor já se mostrava constituído na esfera jurí-
dica do seu criador intelectual.
A transmissão do direito pessoal constituiria violação ao disposto
no art. 56.º n.º 2 que os declara inalienável.
Pretendem, contudo, alguns autores que a atribuição do direito de
autor a entidade diversa do seu criador intelectual envolve sempre, em
todos os casos, apenas direitos de natureza patrimonial, com exclusão do
direito pessoal (89), dado o carácter inalienável deste. Que pensar desta
solução?
89 Neste sentido FRANCISCO REBELO, ob. Cit., s. 67; SÁ E MELO, ob. Cits., pp. 120. Na
doutrina estrangeira, PUGLIATTI, GRECO, DE SANCTIS, todos citados por DE CUPIS,
que também adere a esta posição (ob. Cit., 234).
e outros escritos jurídicos 51
90 Em sentido contrário, AULETTA, citado por DE CUPIS, ob. cit. pp. 334. nota 56.
91 Ob cit, pp. 173 e 174.
92 ARMINDO RIBEIRO MENDES, vb. Renúncia. Enc. Lus. Brás. De Cult., Vol. 16 col. 315.
93 Vb. Repúdio, in Enc. Lus. Brás. De Cult.vol 16. col. 369 e 370.
94 Ibidem. Por vezes a doutrina identifica a renúncia ao repúdio. Como ensina o Prof.
CASTRO MENDES, (ob. Cit., pp. 54 e 55), a renúncia toma diversos nomes consoante
e outros escritos jurídicos 53
95 Todavia, como observa DE SANCTIS (in Autore ‘diritto di’, Enciclopedia del diritto,
vol. IV, pp. 393) há situações de conhecimento da obra por terceiros que não constiuem
publicação, como seja a circulação de um manuscrito entre especialistas para se obter
um juízo sobre a obra, ou a exibição de uma obra cinematográfica ou televisiva, frente a
um grupo de convidados. Nestes casos, não há lugar à extinção do direito ao inédito, não
obstante a obra ser conhecida de terceiros. Assim, as eventuais interferências na obra
susceptíveis de a desvirtuar, constituem violação não apenas do direito ao inédito, mas
também do direito à integridade da obra.
96 Esta parece ser a ideia expressa por PIOLA CASELLI, para quem o direito à integridade
não atinge a obra no seu conteúdo intelectual, mas sim quando seja reproduzida,
difundida, executada, adaptada ou de outro modo utilizada (ob.cit., pp. 695). Cf.,
igualmente, neste sentido, ALain LE TARNEC, ob.cit., pp. 36 e 37.
e outros escritos jurídicos 55
97 Este ponto é discutido na doutrina estrangeira em face da formulação do art. 6.º - bis
da Convenção de Berna que se refere a modificações prejudiciais à honra e reputação
do autor, diversamente do art. 56.º em análise. Sobre os termos da controvérsia, cfr.
WILHELM NORDEMANN e outros autores, ob. Cit., pp. 88 e segs.
56 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
100 Cfr. IVAN CHERPILLOD e FRANÇOIS DESSEMONTET, in Les Droits de l’auteur, Das
Architektenrecht (Le droit de l’architecte), Suisse, 1986, pp. 316.
101 Ibidem.
102 Ibidem.
103 Não parece ser esta a interpretação avançada pelo Prof. OLIVEIRA ASCENSÃO para
o art. 27.º da lei brasileira que contém a mesma doutrina do art. 60.º da lei portuguesa.
Para este autor prevaleceria sempre o interesse do proprietário, sendo apenas relevante
que o arquitecto não fique com o seu nome ligado a uma obra que lhe repugna (Direito
Autoral, pp. 187).
e outros escritos jurídicos 61
que aconteceu em vários artigos do código foi substituída na Lei n.º 45/85, de 17 de
Setembro por “obra divulgada ou publicada”, de âmbito mais abrangente. Nesta
mesma perspectiva foi suprimida a fórmula analítica do art. 58.º do CDA de 1966 –
retirar a obra de circulação, fazer cessar a sua exploração, recolher a edição, suspender a
autorização para a representação e execução – pelas formulação genérica – fazer cessar
a perspectiva utilização, seja qual for a modalidade desta – igualmente de conteúdo
mais abrangente.
108 Assim, também, DE SANCTIS, ob. Cit., pp. 415.
109 Esta é a opinião de KLAUER, cit. Por PEREZ SERRANO, ob.cit., pp. 20.
110 A expressão do Prof. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Autoral, pp. 80.
121 In de L’ exercice du droit moral de l’ auteur ou de l’artiste sur son oeuvre, d’ après la jurisprudence
française, Revue Critique de Législation et de jurisprudence, LXXVIIe année, Paris 1937,
pp. 128.
122 Neste sentido, DE SANCTIS, ob. cit., pp. 413.
123 Para maiores desenvolvimentos cfr. PIOLA CASELLI, ob. cit., pp. 569;
O. ASCENSÃO, Direito Autoral, pp. 72 a 74; 132 e 133; DE SANCTIS, ob. cit., pp. 413;
e outros escritos jurídicos 67
CONCLUSÃO
CLAUDE COLOMBE, ob. Cit., pp. 226 e segs.; PERRAUD-CHARMANTIER, ob. cit., pp.
128 e segs.; LUIZ BERDEJO, ob. Loc. Cit.
68 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
bastante forte, não obstante a sua natureza pessoal. Esta parece ser igual-
mente a nota que nos dá o direito de sequência, porém, em percentagem
diferente. Aqui parece ser predominante o elemento patrimonial relativa-
mente ao aspecto pessoal, que apesar de tudo está presente.
Foi esta comunicabilidade permanente entre a vertente patrimonial
e a vertente pessoal do direito de autor que nos fez inclinar para uma es-
trutura monista deste direito.
Mas, esta análise permitiu-nos igualmente concluir que o direito
de autor não é um direito real, caracterização que deixaria de fora um
aspecto importante do conteúdo do direito de autor, precisamente aquele
que foi objecto do nosso estudo, ou seja, o direito pessoal de autor. Pela
mesma razão, julgamos que o direito de autor não é um direito de perso-
nalidade, nem se integra no direito do trabalho.
O que podemos aqui perguntar é se teremos forçosamente que,
incluir o direito de autor em uma das categorias tradicionais, se não se
conceberão figuras jurídicas que acolhem traços característicos de dois ou
mais institutos, de tal modo que, partindo da sua estrutura, seja de todo
impossível determinar a sua natureza, sem que tenhamos que sacrificar
uma ou outra das possíveis opções.
Este parece ser o caso do direito de autor que, ao compatibilizar
elementos de natureza patrimonial e elementos de natureza pessoal, com
uma existência autónoma de qualquer das referidas categorias, aponta ne-
cessariamente para um instituto, cuja natureza é diversa da dos institutos
que estão na sua génese, ou para uma natureza híbrida, resultante da fu-
são da natureza dos institutos em presença.
BIBLIOGRAFIA
- Opere protette, opere non protette, utilizationi libere, in Rivista del Diritto
Commerciale e del Dirito Generale delle obbligazioni, ano LVIII (1960),
primeira parte, pp.340 e segs.
GONÇALVES, Luis da Cunha – Tratado de Direito Civil, vol. IV, Coimbra,
1931.
HAMMES, Bruno Jorge – O direito Moral do Autor, in Revista Interamerica-
na de Direito Intelectual, Julho/Dez. de 1978, vol. 1 n.º 2, pp. 98 e segs.
NEVES, Armindo Ribeiro – vb. Renúncia. Enciclopédia Luso Brasileira de
Cultura, vol. 10, col. 369 e 370.
MORAIS, WALTER – Direito patrimonial do Autor, in Revista Interamerica-
na de Direito Intelectual, Julho/Dez. de 1979, vol. 1 n.º 2, pp. 117 e segs.
NORDEMANN, Wilhelm e outros – Droit d’auteur International et Droits
voisins, dans les pays de langue allemand e les états membre de la Communauté
Européene, Bruxelles, 1983.
TARNEC, Alain le – Manuel Juridique et pratique de la Propriété Littéraire et
Artistique, Paris 1956.
Pereira, António Maria – Direito de Autor in POLIS. Enciclopédia VERBO
da Sociedade e do Estado, vol. 2, cols. 382 e segs., Lisboa 1984.
PIOLA-CASELLI, Eduardo Piola e outros – Diritto d’autore, in Novissimo
Digesto Italiano, vol. V, pp. 669 e segs.
PLAISANT, R. – Les convention relatives au droit moral de l’auteur, in Hom-
mage a HENRI DEBOIS, Études de Propriete intelectuelle, Paris, 1974, pp. 63
e segs.
REBELLO, Luis Francisco – Código do Direito de Autor e dos direitos conexos,
anotado, Lisboa 1985.
SÁ E MELO, Alberto de – O direito pessoal de autor no ordenamento jurídico
português, Lisboa, 1989.
DE SANCTIS, Valério – Diritti di autore, in Enciclopedia del Diritto, vol.
IV, pp. 378 e segs.
SANTOS, António de Almeida – Ensaio sobre o direito de autor, in Boletim
da Faculdade de Direito de Coimbra, ano 1954, vol. XI, pp. 83 e segs.
SERRANO, NICOLAS PEREZ – EL Derecho Moral de los Autores, in Anua-
rio de Derecho Civil, Tomo II, Fasc. I, Jan.-Mar. 1949, pp. 7 e segs.
ZENO – ZENCOVICH, Vincenzo – Norme sulla concorrenza sleale e tutela
dei programmi per elaboratore electronico, in Rivista del Diritto Commerciale
e del Diritto generale delle Obligazioni, ano 1987, pp. 361 e segs.
e outros escritos jurídicos 71
Sumário:
1. INTRODUÇÃO
(*) Estudo realizado em 1993 e publicado na Revista da Ordem dos Advogados (Portugal)
Ano 53, II Abril-Junho, 1993 pp. 251 e segs.
72 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
124 Até ao séc. XIII a solução dos conflitos de leis foi dominada ou pela aplicação global
da lex fori, (cfr. neste sentido Gonzaléz CAMPOS, Les Liens entre compétence judiciaire et
la compétence legislative en Droit International Privé, Rec. Cours, 1977, III, tome 156, 1980,
pp. 248) defendida, entre outros, por AZON, KAROLOUS DE TOCCO e ACURSIO, ou
pela aplicação da lei considerada mais justa. Segundo E. M. MEIJERS (Droit International
Privé, Rec. Cours, 1934, III, tome 49, pp. 592 e segs) JACOBVS BALDVINVS veio romper
com esta tradição considerando necessário distinguir entre “[…] o costume que diz
respeito ao processo e o costume que diz respeito à decisão do processo”. No que
respeita ao primeiro é necessário seguir o costume do juiz; no que concerne ao segundo
deve seguir-se o costume do lugar onde o contrato foi celebrado. Esta distinção, que
surgia como reacção à aplicação cega da lei do foro, não logrou de imediato grande
aceitação, sendo certo que a doutrina e a jurisprudência permaneceram durante muito
tempo orientadas pelo ponto de vista de ACURSIO. A sua importância posterior foi,
todavia, de tal modo que valeu ao seu autor o titulo de pai da ciência moderna de
direito internacional privado. Sobre estes aspectos ver MEIJERS, ob. cit. pp. 595-596.
Cfr. igualmente ARMAND LAINÉ (in Introduction au Droit International Privé, tomo I,
paris, 1888, pp. 166); JEAN MICHEL (in La prescription libératoire en Droit International
Privé, Paris, 1911, pp. 27); WERNER GOLDSCHMIDT (in Sistema y Filosofia del Derecho
Internacional Privado, Buenos Aires, tomo III, segunda edição, pp. 51).
125 Segundo CLAUDIA MORVIDUCCI (in la legge competente a regolare l’ammissibilitá dei
mezzi di prova nel diritto internazionale privato italiano, RDIPP, anno XIII, nº 4, ottobre-
diciembre, 1977, pp. 733-734) BALDO, na sua glosa à margem da Lei Cunctus Populus
(“a primeira constituição do titulo Summa Trinitate do Código de Justiniano” – JEAN
MICHEL, ob. cit. pp. 14) já havia solucionado o problema da lei aplicável à matéria
da prova no sentido de reconduzir as normas sobre a admissibilidade da prova à litis
decisio e as normas sobre a assumpção da prova à litis ordinatio. Como veremos adiante,
é este ainda grosso modo o procedimento dominante em Portugal (cfr. VAZ SERRA in
Provas – Direito Probatório Material – BMJ nº 110, pp. 151 e segs).
e outros escritos jurídicos 73
2. COLOCAÇÃO DO PROBLEMA
126 O tema é tratado na doutrina sob diferentes títulos. Sob o título proposto tratou-o DE
NOVA num estudo a que não tivemos acesso L’onere della prova in diritto internazionale
privato, cit. por CLAUDIA MORVIDUCCI, in Prova (dir. int. priv.) Enc. Del. Dir.,
vol. XXXVII, pp. 172. Mas utilizam-se igualmente os títulos Le regime dés Preuves en
Droit International Privé Français, ROGER PERROT, Atti del III Congresso Internazionale
di Diritto Processuale Civile (Venezia 12 a 15 de Abril de 1962), Milão 1969, e ainda Les
Conflits de Lois en Matiére de Preuve, ANDRÉ HUET, Paris, 1965, ou em língua inglesa
Conflict of Law in the Field of evidence… LARS WELAMSON, atti… cit., pp. 88 e segs.
127 Na terminologia de JOSEPHUS JITTA igualmente adoptada pela doutrina portuguesa.
Cfr. entre outros, BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado,
Coimbra, 1974, pp. 10 a 12; RUI MANUEL GENS DE MOURA RAMOS que situa
em JITTA, com a sua distinção tripartida de situações nacionais, situações relativamente
internacionais e situações absolutamente internacionais, o aparecimento da tendência
impressionista (free law school) em Direito Internacional Privado (cf. o seu Direito
Internacional Privado e Constituição – Introdução a uma análise das suas relações, Coimbra,
1991, pp. 44 e segs.).
128 Cfr. HUET, ob. cit.pp. 14; GIORGIO BALLADORE PALIERI in L’ ammissibilitá dei
mezzi di prova nel diritto internazionale privato, Atti…cit. pp. 165 e segs.
74 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
129 Cfr. MARIE-LAURE NIBOYET-HOEGY, L’action en justice dans les rapports internationaux
de droit prive, Paris, 1986.
130 O problema da prescrição em Direito Internacional Privado (DIP) é igualmente um
dos temas mais antigos desta disciplina, porém prenhe de actualidade. Os pioneiros
do DIP já lhe faziam referência. Dele se ocuparam autores como BARTOLO, BALDO,
GUILLAUME DURANT, JACQUES DE REGYGNY, PIERRE DE BELEPERCHE,
CINUS, ALBERIC ROSATE, JEAN FABRE, todos citados por JEAN MICHEL in
La prescription libératoire…cit., pp. 15 e segs. e muitos outros. Sobre este ponto ver
igualmente E. M. MEIJERS, in Droit International Privé, Rec. Cours, 1934, III, tome 49,
pp. 592 e segs. O tema terá sido objecto de estudo por parte dos comentadores da
glosa Quod si boniensis escrita à margem da lei Cunctos populus (MICHEL ob. loc. Cit.).
ULRICH HUBER (1636-1694) ocupou-se desta matéria em mais do que um lugar. Foi
objecto do capítulo VII da sua obra De conflictu legum de que existe uma tradução
portuguesa realizada no Seminário de Direito Internacional Privado da Faculdade de
Direito da Universidade Católica do Rio de Janeiro, dirigida pelo prof. Dr. HAROLDO
VALLADÃO, Rio de Janeiro, 1951, obra que por sua vez constitui o Titulo III da Parte II
das Proelectionum Juris Civiliis Secundam Institutiones et Digesta Justiniani, Leipzig, 1707
– cfr. o prefácio do Prof. VALLADÃO à tradução portuguesa, pp. 3 e 4 – e também
na obra Jurisprudência Universa, como se refere M. MERLIN, in Répertoire Universel et
Raisonné de Jurisprudence, tome douziéme vb. Prescription Sect. I, III, Paris, MDCCXXX,
pp. 692. Também VOET se ocupou do tema em mais de um lugar. Cfr. MERLIN (ob.
loc. Cit.). O tema foi posteriormente retomado por JOSEPH STORY ) in Commentaires
on the Conflict of Law, London, 1841, pp. 830 e segs.) e M. F. C. DE SAVIGNY (in Traité
de Droit Romain, vol. 8, tradução francesa de M. CH. GUENOUX, Paris, 1851, pp. 269 e
segs.).
É abundante a bibliografia sobre os conflitos de leis em matéria de prescrição. Além dos
textos já referidos ocorre-nos citar ainda M. MERLIN, Recueil Alphabétique des Questions
de droit qui se presente plus fréquentemment dans les tribunaux, tome premier, vb. Appel,
pp. 324 e segs., quatriéme édiction, Paris MDCCXXVII; tome deuxiéme, quatriéme édiction,
vb. Communaux (bien), pp. 347 e segs., Paris MDCCXXVII; tome, quatriéme édiction, vb.
Garantie), pp. 512 e segs., Paris MDCCXXVIII; tome sixiéme, édiction, vb. Prescription, pp.
323 e segs., Paris MDCCXXIX; e bem assim as obras de M. TROPLONG Comentaire sur la
prescription, Bruxelles, 1843, pp. 24 e segs; JEAN MICHEL La prescription libératoire en
Droit International Privé; P. ARMINJON, L’usucapion et la prescription extinctive en Droit
e outros escritos jurídicos 75
International Privé, in Mélange ANTOINE PILLET, Paris, MCMXXIX, pp. 19 e segs; CARLO
CERRETI, Legge regolatrice della prescrizione estintiva, RDP, vol. IV, 1934, parte seconda,
pp. 67 e segs.; ROGER DAYANT, Prescription civile, Repertoire de Droit international, tome
II, Paris, 1969, pp. 615 e segs.; ANDREA GIARDINA, La prescrizione in tema di vendite
internazionali: la convenzione promossa delle Nazioni Unite, in RDIPP, anno XI-n.3, Luglio-
Settembre 1975, pp. 465 e segs.; JEAN MICHEL, Extrait du repertoire de Droit International,
Paris, 1931; RICARDO MONACO, L’efficacia della legge nello spazio (Diritto Internazionale
Privato), Torino, 1954, pp. 91 e segs.; MAXIMILEN PHILONENKO, De la prescription
extintive en Droit International Privé, Journal du Droit International, 63e année, 1936, Janvier-
Fevrier, 1936, pp. 259 a 283; 513 a 546; GIUSEPPE PUGLIESE, La prescrizione estintiva,
Parte segonda, terza edizione, Torino, 1914, pp. 727 e segs.
Além das obras referidas, o tema aparece praticamente em todas as obras de carácter geral.
Porém, esta abundância de literatura estrangeira sobre o tema é contrastada com a escassez de
literatura portuguesa dedicada especificamente aos problemas de conflitos de leis em matéria
de prescrição. Quanto pudemos apurar a questão é estudada apenas em obras gerais ou em
estudos que versam problemas de qualificação e ordem pública. Cfr., a este respeito, ISABEL
DE MAGALHÃES COLLAÇO, in Da qualificação em Direito Internacional Privado, Lisboa,
1964, pp. 231 e segs.; A. FERRER CORREIA, in Direito Internacional Privado, Enc, POLIS,
vol. 2, cols. 468 e segs. e também em Lições de Direito internacional Privado, Coimbra, 1973,
pp. 285-286; JOÃO BAPTISTA MACHADO, Lições…cit. pp. 138 e 357.
Refira-se igualmente que a própria jurisprudência não se revelou muito estimulante a este
propósito, sendo certo que apenas apurámos um único caso em que ela se ocupou dos conflitos
de leis sobre esta matéria (cfr. Ac. da RL, de 10 de Outubro de 1978, publicada na Colectânea
de Jurisprudência, ano III, 1978, 2º vol. pp. 1338 e 1339, sob o titulo transporte marítimo
– contrato de fretamento – prescrição e caducidade – normas de conflitos – reenvio para a lei de
um terceiro estado).
Para uma tentativa de reconduzir a solução dos conflitos de leis em matéria de prescrição à teoria
da Governamental interest analysis de BRAINERD CURRIE cfr. GARY L. MILHOLLIN in
Interest analysis and conflicts between statutes of limitation, The Hastings Law Journal, vol. 2,
Septembre 1975, pp. 33 e segs.
76 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
tas categorias.
As tentativas de solução do problema têm sido variadas, como tere-
mos oportunidade de dar a conhecer ao longo deste estudo. O seu interes-
se teórico é grande, mas maior ainda é o seu interesse prático, particular-
mente em ordens jurídicas como a americana, suíça e argentina, em que o
problema se apresenta com uma dupla faceta: põe-se a nível de questões
puramente internas, em virtude do princípio vigente nos EUA segundo o
qual o Tribunal aplica, nas situações interlocais, o direito substancial de
cada Estado federado e o direito processual da federação, principio que
na Suiça e na Argentina ganha uma formulação inversa, ou seja, cada Es-
tado federado ou cada cantão aplica o direito substancial da federação às
situações que estejam em contacto com mais do que um Estado federado
ou mais do que um cantão. Mas põe-se igualmente nas situações inter-
nacionais, sejam as relativamente internacionais, sejam as absolutamente
internacionais, por virtude do princípio de que o tribunal do foro aplica
as suas próprias regras processuais, com exclusão portanto das normas
processuais estrangeiras.
Um interesse menor apresenta o problema nos ordenamentos ro-
mano – germânicos a nível das questões puramente internas. Na ausên-
cia de disposições legais transitórias que regulem a aplicação das normas
processuais no tempo, é pelo critério de distinção entre normas substanti-
vas e normas processuais que se resolvem os problemas daí decorrentes,
em virtude da regra segundo a qual as normas substantivas se regem pelo
principio tempus regit actum e as normas processuais pelo da aplicação
imediata. A este nível a distinção apresenta também interesse quanto à
aceitação de determinadas espécies de recurso, como o recurso de revista
e, em certa medida, o da apelação. Mas o interesse maior da distinção
põe-se, tal como nos direitos anglo-saxónicos, a nível das questões inter-
nacionais, em particular relativamente àqueles institutos sobre os quais é
duvidosa a sua natureza se substancial ou processual.
A doutrina e a jurisprudência dos países submetidos a um e outro
sistema dão-nos notícia de um sem número de situações que a todo o mo-
mento põem à prova a fragilidade dos critérios de distinção entre as duas
classes de normas. Seria fastidioso enumerá-los aqui, por isso remetemos
para a literatura, aliás abundante sobre esta matéria131. Contudo, não vem
131 ANDRÉ HUET, ob. cit. pp. 42 e segs.; R. H. GRAVESON, in Conflict of law – Private
International Law, 7ª edição, Londres, 1974, pp. 594 e segs.; WOLFF, in Private
International Law, 2ª edição, Oxford, 1950, pp. 227 e segs.; R. H. GRAVESON, in Cases
on the conflict of law, Londres, 1949, pp. 445 e segs.; J. H. C. MORRIS, in Cases on Private
International Law, 4ª edição, Oxford, 1968, pp. 515 e segs.; The American Law Institute,
Restatement of the Law second Conflict of Law 2d, St. Paul, 1934, pp. 698 e segs. e ainda a
edição de 1971, pp. 349, entre outros.
e outros escritos jurídicos 77
133 Este principio vem da Idade Média e exprime-se igualmente nos seguintes brocardos:
da mihi factum, dabo tibi jus; la cour sait le droit. Cfr. CYRILLE DAVID in La loi étrangére
devant le juge du fond, Paris, 1965, pp. 7, 202 e 203; MANUEL DE ANDRADE, Noções
elementares de processo civil, Coimbra, 1979, pp. 195. Sobre o principio, ver igualmente
MIAJA DE LA MUELA, in Derecho Internacional Privado, vol. I, 2ª edição, Madrid, 1954,
pp. 369 e segs. Em particular, no confronto deste princípio com o direito estrangeiro,
ver ALESSANDRO TOMASI DI VIGNANO, in Lex fori e diritto straniero, Padova, 1964,
pp. 51 e segs.
134 Cfr. GIOVANNI VERDE, in Prova (dir.proc.civ), Enciclopedia del Diritto, vol. XXXVII,
pp. 623, segundo o qual neste ponto o processo é dominado pelo principio do
inquisitório.
135 Segundo VERDE há a necessidade de excluir o texto da lei do âmbito da disponibilidade
das partes a fim de conservar a actividade jurisdicional o carácter de função pública e
de assegurar o prosseguimento do objectivo de certeza e igualdade de tratamento (ob.
cit. pp. 623).
e outros escritos jurídicos 79
136 É o critério dominante, mas apresenta algumas excepções (cfr. sobre este ponto MIAJA
DE LA MUELA, ob. cit. 1º vol. 2ª edição, Madrid, 1954, pp. 372). Esta proeminência
das partes resulta, como explica MORELLI, do facto de muito frequentemente elas
terem melhor conhecimento desse direito que o tribunal (cit. por MIAJA, ob. cit. pp.
371), afirmação que se nos afigura prenhe de significado já que normalmente as partes
têm em conta, na regulação dos seus interesses, o direito aplicável à situação concreta,
quando não são elas próprias a fazer a escolha da lei aplicável (cfr. art. 41º do CC).
Todavia, não cremos que seja válida para o ordenamento jurídico português a opinião
de MORELLI, segundo a qual a actividade das partes no conhecimento do direito
estrangeiro teria carácter subsidiário (cit. por MIAJA ob. loc. cit). Neste ordenamento,
a posição de subsidiariedade caberia eventualmente ao juiz (cfr. art. 348º, nº 1, in
fine), mas apesar disso estamos em crer que devem ser consideradas actividades
concorrenciais de mesmo sinal, destinadas a esclarecer o tribunal sobre a lei aplicável
ao caso sub judice.
137 Neste sentido, o legislador português não acolheu a posição doutrinária que defende
uma postura absolutamente passiva por parte do juiz, quanto ao conhecimento e prova
do direito estrangeiro (cfr. sobre este ponto MIAJA, ob. cit. 370). Sobre a questão nos
países socialistas cfr. FRANCO FLORIO, in La codificazione del diritto internazionale
privato e processuale in Cecoslovacchia, Milão, 1967, pp. 169 e segs.
138 Cfr. CYRILLE DAVID, ob. cit. pp. 156 e 202. As únicas excepções consentidas dizem
respeito ao direito consuetudinário ou local que seguem o mesmo regime da lei
estrangeira (art. 348º, CC)
139 Com esta solução o legislador português resolveu uma questão assaz controvertida na
doutrina, em particular entre aqueles que defendem que o direito estrangeiro deve ser
tratado como uma questão de direito e aqueles que pretendem tratá-lo como uma questão
de facto. Os defensores da primeira tese advogam com fundamento, uns na presunção de
identidade do conteúdo da lei estrangeira, outros no seu eventual carácter excepcional,
80 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
Por isso, não podemos afirmar com MIAJA que o direito estran-
geiro não está compreendido no princípio iura novit curia140. Esta relação
de pertença existe141, porém com a diferença de que, admite o legislador,
que, não obstante o esforço de investigação, o tribunal conclua no sentido
da impossibilidade de determinar o conteúdo da lei aplicável. Neste caso,
atenua-se o comando em que o princípio se traduz e, em virtude da im-
possibilidade de pronúncia de um non liquet, possibilita-se a aplicação das
regras do direito comum.
a aplicação da lex fori, contrariamente aos partidários da tese contrária que defendem,
neste caso, a absolvição do réu, por falta de determinação do conteúdo da lei aplicável.
Sobre este ponto, e para maiores desenvolvimentos, cfr. MIAJA, ob. cit. pp. 372 a 374;
CYRILLE DAVID, ob. cit. pp. 158 e segs.
140 Ob. cit. pp. 369. A posição da doutrina sobre esta matéria pode sintetizar-se na fórmula
de que admitem a aplicação do princípio iura novit curia ao direito estrangeiro aqueles
que o consideram como questão de direito e recusam essa mesma aplicação aqueles
que o interpretam como questão de facto.
141 Ver neste sentido ALESSANDRO TOMMASI DI VIGNANO, ob. cit. pp. 64.
142 As Ord. Afon. falavam em cousa de feito, que as Ord. Man. e Fil. substituíram pela
expressão “cousa que consista em feito”. Mas a alteração mais significativa parece ter
sido feita na última parte do preceito, pois quando as Ord. Afon. pareciam estabelecer
a sanção da invalidade por alegações de direito – “seu depoimento nam valerá nada” – as
ordenações subsequentes substituíram esta sanção pela da ineficácia – tal depoimento
nam terá effeito algum”.
143 Cfr. Ord. Afon. Liv. III, Tit. 58, 11 e 12. Salvas algumas alterações formais, este texto
não sofreu alterações nas ordenações subsequentes. Cfr. Ord. Man. Liv. III, Tit. 40, 9 e
10, e Ord. Fil. Liv. III, Tit. 53, 8 e 9.
e outros escritos jurídicos 81
que respeita ao direito comum escrito, pois se a parte não estava obrigada
a fazer a respectiva prova, tal significa que sobre o tribunal impendia a
obrigação do seu conhecimento. Mas, dos mesmos textos parece resultar
igualmente que o princípio não era extensivo ao direito estrangeiro e ao
que hoje se chamaria direito local ou consuetudinário, que eram tratados
como as demais questões de facto, pelo que deveriam ser alegados e pro-
vados pelas partes. É esta, aliás, a nota que nos dá o Prof. ALBERTO DOS
REIS, segundo a qual a solução antiga era a de tratar o direito estrangeiro
como puro facto144.
c) O CPC DE 1939
O art. 2406º do CC de 1867 coexistiu até 1961, data em que foi apro-
vado o novo CPC, com o art. 521º do CPC de 1939, que introduziu no orde-
namento jurídico português uma nova filosofia relativamente à recepção
e prova do direito estrangeiro, estabelecendo a obrigatoriedade da prova
da sua existência e conteúdo, apenas quando o tribunal o desconheça, mas
impondo ao mesmo tempo ao juiz o dever de, oficiosamente, procurar
obter, por todos os meios ao seu alcance, o respectivo conhecimento.
Esta disposição transitou para o CPC de 1961 (art. 517º), mas o DL
47 690, de 19 de Julho de 1967, que visou a adaptação do CPC ao novo
CC, entretanto entrado em vigor, procedeu à sua eliminação149, certamen-
te pela consideração da natureza substancial e não processual destas re-
gras150. Não analisaremos esta disposição legal por corresponder no seu
essencial ao regime previsto no CC de 1966, a cuja análise procederemos
de seguida.
151 Sobre este ponto ver ALBERTO DOS REIS, Código…, vol. III, pp. 305; WERNER
GOLDSCHMIDT, Derecho Internacional Privado, Alberti, 1970, pp. 502.
152 Ob. cit. pp. 47 e segs. Este autor apresenta uma lista considerável de nomes como
MAURY, WOLFF, CHESHIRE, ROMANO, UDINA, MORELLI, MONACO, AGO,
ARANGIO RUIZ, CARNELUTTI, ANDRIOLI, RAAPE e BROGGINNI, todos
defensores da natureza fáctica do direito estrangeiro.
153 Derecho Internacional Privado, 2ª edição, Madrid, 1976, pp. 264.
154 In Derecho Internacional Privado, Parte geral, 3ª edição, pp. 396.
155 Valem aqui os ensinamentos do Prof. OLIVEIRA ASCENSÃO, in Direito Autoral,
Lisboa, 1989, pp. 70.
156 Ver neste sentido, Dicey and Morris in Conflict of Law 1980, pp. 1206; GOODRICH,
Handbook… pp. 238 e segs.; A. E. ANTON, Private International Law, Edinburg, 1967,
pp. 565, entre outros. Cf. igualmente LEONEL PEREZNIETO CASTRO, in Derecho
Internacional Privado, México, 1981, pp. 234, segundo o qual desde a famosa decisão
Mostyn vs. Fabrigas, de 1774, é esta a teoria que vem sendo seguida pela doutrina
inglesa. Ver ainda BAPTISTA MACHADO, Lições…, pp. 246. CYRILLE DAVID
admite, contudo, que esta afirmação deve ser recebida com alguns ajustamentos, na
medida em que, quando da consideração do direito estrangeiro como facto resultam
mais inconvenientes do que vantagens, a Common Law deixa de o tratar como facto
84 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
161 Cf. neste sentido MAGALHÃES COLLAÇO, in Lições de Direito Internacional Privado,
policopiadas, sem data, pp. 581; BAPTISTA MACHADO, Lições…, pp. 248.
162 Esta solução terá sido adoptada na sequência de uma dúvida que se pode considerar
universal nos ordenamentos romano-germânicos, qual seja o da possibilidade de
recurso por violação da lei estrangeira. Ver sobre este ponto MACHADO VILELLA,
ob. cit. 264 e segs. A solução é controversa em Itália (cfr. DI VIGNANI, ob. cit. pp. 45
e segs.) e também na Alemanha, pronunciando-se favorável ao recurso VON BAR,
(cit. por VIGNANI, ob. loc. cit.). O legislador português refutou, por conseguinte, uma
ideia defendida por muitos autores (cfr. CARRILO SALCEDO, ob. cit. pp. 260 a 263)
segundo a qual o direito estrangeiro se encontraria numa posição de inferioridade
relativamente ao direito do foro (norma indígena – como se exprime SALCEDO).
Esta ideia que, como reconhece este autor, não tem sido aceite pela generalidade da
doutrina, encontra forte oposição em autores como FERRER CORREIA que defendem
o princípio da paridade de tratamento entre o direito nacional e o direito estrangeiro (in
Direito Internacional Privado – alguns problemas, Coimbra, 1989, pp. 163). Na verdade,
não deixa de ser notável mesmo em autores como SALCEDO e BATIFFOL a fragilidade
da ideia de superioridade do direito do foro, que parece constituir um remanescente
da teoria da cortesia (cf. J. PINTO RUIZ, in Derecho Internacional Privado, Nueva Enc.
Jur., Barcelona, 1950, pp. 50 e segs.). Se dentro do seu âmbito de competência o direito
estrangeiro tem os mesmos atributos que a lei do foro (SALCEDO, ob. cit. pp. 261) e
se a sua aplicação resulta da escolha da própria norma de conflito do foro, tal significa
que é a própria lei do foro a considerar a norma estrangeira como melhor colocada para
resolver a questão sub judice. E nem se pode dizer que, neste particular, a lei do foro
se abdica do seu “direito” de aplicação ao caso concreto – no que se traduziria a ideia
86 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
168 Em apoio deste ponto de vista cremos poder invocar a opinião de GIOVANNI VERDE,
segundo a qual a actividade probatória da parte não condiciona a do juiz, nem em
sentido negativo (quando as partes não fornecem as provas, nem procuram fornecê-
las, o juiz pode providenciá-las ex oficio), nem em sentido positivo (a prova oferecida
pela parte e o seu acordo sobre o conteúdo da norma não exime o juiz do dever de
controlá-la) (ob. cit. pp. 623).
169 Alguns autores falam em “competência dos tribunais e a forma do processo” –
ALBERTO DOS REIS, Processo Ordinário e Sumário, vol. 1º, 2ª edição, Coimbra, 1928,
pp. 41; outros apenas em “forma do processo – MACHADO VILELLA, Tratado… pp.
88 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
a sua sede nas doutrinas estatutárias da idade Média170 que nos legaram
a conhecida distinção entre a litis ordinatio e a litis decisio. Como obser-
vam alguns autores171, o princípio foi objecto de acolhimento em algumas
legislações nacionais, nomeadamente no Código Civil italiano de 1865 (Tit.
Prel. Art. 10º), no Código Civil brasileiro de 1916 (intr. art. 15º), no Código
Bustamante de 1928 (art. 314º), no Código Civil italiano de 1942, (art. 27º) e
bem assim em alguns tratados internacionais, nomeadamente o Tratado de
Montevideo, de 11 de Janeiro de 1889, sobre processo civil, a Convenção de
Haia relativa ao processo civil, assinada a 17 de Junho de 1905 e a Conven-
ção Relativa ao Processo civil, concluída em Haia a 01.03.1954172, que visou
Haia que visou actualizar e alargar o âmbito subjectivo da Convenção de 1954. Esta
Convenção encontra-se em vigor na ordem jurídica portuguesa. Cfr. a este respeito
FERRER CORREIA e A. PINTO, ob. cit, pp. 616. Para uma análise desta Convenção ver
LUIGI FUMAGALLI in Problemi di Conflito tra Convenzione dell’Aja del 18 de Marzo 1970
e leggo locale: il caso aerospatiale” – Riv. dir. int.priv. e proc. ano XXIII, nº 4, Out.-Dez.,
1987, pp. 709 e segs.
173 Ob. cit. vol. i, Pp. 75.
174 Neste sentido, GOLDSCHMIDT, Derecho…, pp. 441; CHESHIRE, in Private International
Law, Oxford, 1958, pp. 649; MANUEL DE ANDRADE, segundo o qual o interesse
público é o interesse dominante no processo (Noções… pp. 52) e ainda CHIOVENDA,
para quem a lei processual pertence ao direito público porque regula mais ou menos
imediatamente uma actividade pública, mas tem uma posição especial que deriva da
intercomunicação contínua entre o interesse público e o interesse privado (Instituzioni
di Diritto Processuale Civile, vol. I, Napoli, 1933, pp. 66). Embora os conceitos de
interesse público e ordem pública não sejam sinónimos, atente-se na observação
do Prof. ALBERTO DOS REIS (in Processo Ordinário… pp. 42), segundo a qual, se a
aplicação da lex fori se fazia a princípio a titulo de lei de ordem pública, a tendência
actual (1928) – o parêntese é nosso – é para considerar a lex fori como a lei normalmente
competente para estabelecer o regime internacional da acção judiciária. Cfr. igualmente
GOLDSCHMIDT, Sistema… pp. 8 e segs., que apesar de aceitar como válidos todos
estes fundamentos e bem assim o argumento de BUSTAMANTE, segundo o qual o
verdadeiro motivo da territorialidade está na ordem pública internacional, admite que
o fundamento essencial da aplicação da lex fori está no carácter fungível das formas
processuais. É a fungibilidade do processo que explica que cada tribunal aplique a
sua própria tramitação. Ver ainda WOLFF, Private International Law, 2ª edição, Oxford,
1950, pp. 226; E.A.ANTON, in Private International Law, Edinburgh, 1967, pp. 541.
175 MANUEL DE ANDRADE, Noções…, pp. 52.
176 Neste sentido CHESHIRE, Private…, 5ª edição, pp. 649 e 650, e ainda 6ª edição, pp.
581. Segundo este autor os litigantes estrangeiros não podem esperar ocupar perante
um tribunal inglês lugar diferente do dos litigantes nacionais. Cfr. igualmente SATTA,
in Diritto Processuale Civile, Padova, 1981, pp. 258; ELIO FAZZALARI (in Efficacia della
legge processuale nel tempo, Riv. Trim. Dir. e proc. civ. Dez. 1989, ano XLIII, nº 4, pp. 893)
que também invoca o principio em defesa da aplicação imediata da lei nova.
90 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
5. EXCEPÇÕES E LIMITAÇÕES
183 Sobre a distinção entre preasumptio juris e a preasumptio hominis cfr. ROBERTO
REGGI, in Presunzioni (dir. rom.), Enc. Del Dir. vol. XXXV, pp. 257, para quem as
preasumptiones hominis são “mere argumentazioni vinculative soltanto per la loro forza
di virosimiglanza”, contrariamente às preasumptiones juris em que a autoridade para a
determinação do facto incerto decorre das normas jurídicas. Ver igualmente FRANCO
CORDOPATRI, in Presunzioni (dir. proc. civ.), Enc. Del Dir. vol. XXXV, pp. 296. Sobre a
distinção entre preasumptiones júris et de jure e preasumptiones juris tantum ver por todos
REGGI, ob. cit. pp. 256 e 260, que a faz nos termos tradicionais de admissão ou não de
prova em contrário. Para um desenho das principais construções doutrinárias sobre
presunções, ver JORGE FONSECA, in Prova por Presunções, Revista do Ministério da
justiça (caboverdiana), ano 9º, jan./jun., 1984, nº 22, pp. 122 e segs.
184 “That a man intends the natural consequences of his act”, conforme a definição de
SCOTT, Private International law, London, 1972, 327.
185 A esta conclusão poderia igualmente ter chegado ANSELMO DE CASTRO ao discorrer
sobre a aplicação no tempo das normas que respeitam ao direito probatório material,
onde estabeleceu a distinção entre as provas que se formam no próprio processo e as
demais provas, considerando que, quanto àquelas se aplica imediatamente a lei nova
(ob. cit. vol. I, pp. 65). Esta lógica deveria levar o autor a aplicar a lei nova às presunções
naturais e, do ponto de vista da aplicação da lei no espaço, a lex fori.
186 Ob. cit. pp. 327.
187 Handbook of the Conflict of Law, 4ª edição, pp. 150.
e outros escritos jurídicos 93
188 JOSEPH STORY, LL.D., in Commentaries on the Conflict of Law,cit. 1883, pp. 851.
189 ALBERIC ROLIN, in Principies du Droit International Privé, Tomo III, Paris, 1897, pp. 50 e segs.
190 Ob. cit. Livro II, pp. 230 e 231. No mesmo sentido JULES VALERY (in Manuel de
Droit International Privé, Paris, 1914, pp. 753 e 754) que, sem operar qualquer distinção
entre presunções juris e presunções hominis, opina igualmente no sentido de que as
presunções devem reger-se pela lei que regula a substância da relação sub judice,
pois seria ilógico separar um direito das presunções instituídas a seu favor, ou pelo
contrário aplicar a um direito criado por uma lei estrangeira as presunções admitidas
pela lei francesa.
94 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
191 Esta é igualmente a opinião de GOLDSCHMIDT, in Sistema…, pp. 19 e 20. Este ponto
de vista é igualmente defendido pelo autor em Derecho Internacional Privado, cit. pp.
442. A tese é partilhada por FOELIX, BROCHER, LAURENT, WEIS E VON BAR,
todos citados por GOLDSCHMIDT, in Sistema…, pp. 20. Cfr. também neste mesmo
sentido J. H. C. MORRIS in Dicey and Morris in Conflict of Law, que, seja na edição
de Londres de 1967, pp. 1100 a 1102, seja na edição de Londres, 1980, vol. 2º, pp.
1189 e 1190, defende o ponto de vista expresso, mas admite que é duvidoso que as
rebuttable presumptions tenham natureza material ou substancial. Concorda, contudo,
que, por estarem estritamente ligadas à existência de direitos substantivos devem ser
caracterizadas como rules of substance. Neste mesmo sentido, ver ainda ROBERT A
LEFLAR in American Conflicts Law, 1959, pp. 296 a 299; ANDRE HUET, ob. cit. pp. 82
e 83 e, sobretudo, 154 e segs. Neste sentido, se pronuncia também ROGER PERROT,
que advoga a aplicação da lex causae às presunções legais seja qual for a sua natureza,
pela razão de que ambas repousam em ilações da lei, ambas realizam uma deslocação
do objecto da prova e são postas por razões de natureza substantiva. A estas razões
teóricas acresce uma razão prática resultante do facto de a distinção entre as duas
modalidades de presunções legais ser bastante ténue na medida em que existe entre
elas as chamadas presunções relativa que, embora admitindo prova contrária, não
podem ser abaladas senão em determinados casos e mediante certos meios de prova
(in Le regime des Preuves en Droit International Preive Français, Atti del III Congresso
Internazionale di Diritto Processuale Civile (Veneza, 12 a 15 de Abril, 1962), Milão, 1969, 19
e 20 a 22). Ver igualmente BAPTISTA MACHADO, in Sobre a aplicação no tempo do novo
Código Civil, Coimbra, 1968, pp. 274, que, raciocinando sobre a aplicação no tempo das
normas sobre a prova admite, com RUBIER e LEVEL, que as presunções legais, sejam
juris et de júris, sejam juris tantum, se regulam pela lei vigente ao tempo da verificação
dos actos ou factos aos quais vão ligadas, estabelecendo, contudo, relativamente às
presunções legais (simples) uma ressalva quando se refiram a pressupostos de uma
situação jurídica inteiramente nova, que – deixa implícito – se regem pela lei nova. Na
lógica deste entendimento cremos poder admitir ser o ponto de vista do autor a tese da
natureza material das presunções legais e, em consequência, no plano da eficácia das
leis no espaço, a da aplicação da lex causae.
192 Em sentido contrário, cfr. GUILIO DIENA que se insurge contra a distinção entre
praesuntiones juris e praesuntiones hominis para efeitos de determinação da lei que
rege intrinsecamente a relação jurídica a que a prova se refere (in Principi di Dirito
Internazionale, 2ª edição, Milão-Roma-Napoli, pp. 403.) e também BROCHER, citado
por ANDRE HUET, ob. cit. pp. 82, nota 28. Este autor pode ter alterado o seu ponto de
e outros escritos jurídicos 95
7. O ÓNUS DA PROVA
ternacional Privado que a matéria tem sido estudada, mas não tem faltado
quem se interrogue sobre as razões deste proceder194, pois a questão inte-
ressa, como ficou demonstrado, não apenas ao DIP, mas também a toda
a problemática da aplicação das leis no tempo. Daí que também é usual
cuidarem os processualistas desta matéria, como teremos oportunidade
de verificar nas páginas que se seguem.
Uma doutrina de relevante importância sobre a distinção entre
normas substantivas e normas processuais tem sido desenvolvida pelos
anglo-saxónicos, dentro da qual cremos poder operar a separação entre
aqueles autores que defendem um critério prático de distinção entre as
duas classes de normas – estes são em maioria; aqueles que optam por
um critério teórico a partir do qual estabelecem a distinção em causa; e
por fim aqueles que opinam por uma posição negativa, considerando des-
necessária a distinção. Esta classificação que acabámos de propor pode
ser mesmo considerada a postura da doutrina em geral relativamente à
problemática da distinção entre normas substantivas e normas processu-
ais, a que cabe acrescentar uma outra que poderíamos chamar eclética ou
híbrida, que partindo de um critério teórico, admite todavia a existência
de uma zona cinzenta onde seria difícil ou até impossível a distinção.
Vamos passar em revista estas diversas posições doutrinárias que
para facilidade de compreensão chamaremos a) critério negativista; b) cri-
tério prático; c) critério teórico.
a) Critério negativista.
b) Critério prático.
195 Ver neste sentido FRANK, cit. por DENTI, ob. cit. pp. 168; CHAMBERLAYN e
MORGAN, cits. por GOODRICH, ob. cit. pp. 142, nota 1, e 143, nota 5; Cook, cit. por
GOLDSCHMIDT, sistema…, pp. 51, além do próprio DENTI, ob. loc. cit.
196 In Vers la solution du probléme de qualifications, e tb F.RIGAUX, ambos citados por
ANDRÉ HUET in Conflits de lois em matiére de preuve, cit. pp. 13.
197 F.RIGAUX, cit. por HUET, ob. loc. cit. pp. 13.
198 Ob.loc.cit.
199 Neste sentido, GOODRICH, Handbook…, pp. 142.
200 Cfr. a este propósito, CHESHIRE, ob. cit. pp. 585 e segs; GRAVESON, Private…, pp.
594 e segs; ROBERT A.LEFLAR, ob. cit. pp. 109 e segs; MORRIS, ob. cit. pp. 1089 e
segs.
98 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
c) Critério teórico.
202 Para maiores desenvolvimentos, cfr. FRANCO FIORO in La Codificazione del Diritto
Internazionale Privato e Processuale in Cecoslocacchia, Milão, 1967, pp. 160 e segs.
203 Neste sentido FRAGISTAS e ESPERSON, ambos citados por HUET, ob. cit. pp. 15,
nota 11. Esta parece ser igualmente a posição de JULIAN VERPLAETSE, que opina
pela impossibilidade de se traçar uma linha entre substância e processo, apenas factível
de um modo arbitrário, com referência ao propósito da norma (in Derecho Internacional
Privado, Madrid, 1954, pp. 632).
204 Assim, TULIO LIBEMAN, in Dir. Proc. Civ. Novíssimo Digesto Italiano, vol. V, pp.
1009; ANDRE HUET, ob. cit. pp. 16; LA CHINA, ob. cit. pp. 412; VAZ SERRA in Provas
(direito probatório material), BMJ, nº 110, pp. 66.
205 HUET, ob. cit. pp. 16
206 Neste sentido, LA CHINA, ob. cit. pp. 412. Cfr. igualmente VAZ SERRA ob. cit., pp.
66, que observa que em Portugal o regime material das provas se encontra parte no
Código Civil, parte no Código de Processo Civil e parte no Código de Notariado, sem
contar – acrescentamos nós – com a imensidão de leis avulsas que amiúde contêm
normas disciplinadoras da matéria relativa à prova.
207 TULIO, ob. loc. cit.
208 Private International law, Londres, 1972, pp. 325.
100 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
judicial material)209.
O critério de GOLDSCHMIDT reconduz-se, pois, funcionalmente,
à noção tradicional de processo como sequência de actos210 ou como con-
junto de actos que hão-de praticar-se em juízo na propositura e desenvol-
vimento da acção211. Com efeito, se o processo é uma sequência de actos,
por extrapolação deve concluir-se que a norma processual é aquela que se
destina a regular os actos processuais, mas esta solução, se é parcialmen-
te válida, revela-se em contrapartida insuficiente para caracterizar todas
as normas de natureza processual. Certamente por isso GOLDSCHMIDT
tem necessidade de introduzir uma correcção no seu critério, consideran-
do de natureza material as normas dirigidas ao juiz sobre o conteúdo e
administração da sentença.
Em critica não especificamente dirigida a GOLDSCHMIDT, LA
CHINA pronuncia-se desfavorável a este entendimento, por inexacto e re-
dutível do processo a uma sequência de actos. Para este autor não apenas
as normas que regulam uma sequência de actos têm natureza processual,
mas também todas aquelas que disciplinam a capacidade, a representa-
ção, a legitimidade processual, o litisconsórcio, a competência, o titulo
executivo, as intervenções processuais212, enfim, normas que regulam não
apenas os actos das partes mas também os pressupostos da sua presença
em juízo, a competência e os actos dos tribunais.
Mas se é verdade que o processo não se traduz apenas numa se-
quência de actos, questionamos se para o efeito que temos em vista, ou
seja, a aplicação da norma processual no espaço, não devemos partir do
critério goldschmidtiano, na linha, aliás, do que aconselha o próprio LA
CHINA, como forma de não se perder na análise.
Uma outra proposta da doutrina sobre a distinção entre normas
substantivas e normas processuais é a que nos é apresentada por ALO-
RIO213 que define as normas de direito substancial como aquelas “che se
209 In Derecho…, pp. 441 e 442. Na linha deste entendimento cfr. igualmente BAPTISTA
MACHADO, Sobre a aplicação no tempo…, pp. 273.
210 C. MENDES, Direito processual…, pp. 39.
211 MANUEL DE ANDRADE, ob. cit. pp. 13.
212 Ob. cit. pp. 412. Infrutuoso è poi – explica – ragionare sulla processualitá in se, quasi
metafísica natura della norma, isolabile e perceptibile per assenza di riferimenti e colegamenti
concreti e normativi.
213 Não tivemos acesso directo à doutrina deste autor exposta na sua obra Per una teoria
dell’oggetto dell’acertamento judiciale in Jus, 1955. A sua tese é-nos apresentada em
segunda mão por VITTORIO DENTI, ob. cit. pp. 165 e segs.
e outros escritos jurídicos 101
sua aplicação no espaço, seria regulado pela lex fori, mas a jurisprudência
veio demonstrar que o problema não podia ser assim simplificado, como
viria a revelar-se a aplicação das normas sobre o ónus da prova, as pre-
sunções legais juris tantum e as presunções hominis.
Cremos todavia que a maior parte da doutrina faz hoje a distin-
ção entre um direito probatório formal e um direito probatório material, sendo
direito probatório formal o que corresponde a ordinatiriae litis e direito
probatório material o que corresponde a decisoriae litis218. Quanto ao di-
reito probatório formal os autores são concordes em afirmar a sua natu-
reza processual e vice-versa no que respeita ao direito probatório mate-
rial. Deve, porém, notar-se que estes conceitos não são mais do que um
modo diferente de exprimir a separação entre normas substantivas e normas
processuais, pelo que falar-se em normas da ordinatoriae litis e normas da
decisoriae litis, ou em normas substantivas e normas processuais, em right
e remedy, ou ainda em direito probatório material e direito probatório formal,
não altera os dados do problema, na medida em que sempre se colocará
a questão de saber se determinados institutos como o ónus da prova se
integram em um ou outro dos termos da dicotomia.
Como já foi referido, em Inglaterra as provas pertencem a um ramo
do direito que não é nem substantivo nem processual, solução que, con-
tudo, não dispensou a busca de um critério de separação entre o right e o
remedy, nem matou a controvérsia sobre a natureza jurídica das normas
sobre a prova. O mesmo se dirá da construção goldschmidtiana – direito
judicial material (materielles justizrecht)219 – que, se levantou a questão da
autonomia sistemática do direito probatório relativamente a outros ramos
de direito, aliás, aplaudida por alguns autores220, nenhuma contribuição
trouxe para a solução do problema da natureza jurídica das normas sobre
prova, tanto assim que aqueles autores que reconhecem em GOLDSCH-
e) Posição adoptada.
221 No mesmo sentido SATTA, ob. cit. pp. 258 e 259, para quem a acção tem um carácter
substancial por isso se rege pela lei reguladora da relação sub judice, mas admite que
a questão de fazer valer a acção em juízo tem sempre um conteúdo processual, por
isso deve ser regulada pela lei do processo, isto é, as condições de exercício da acção
regulam-se pela lei do processo. Uma similitude deste entendimento poderá encontrar-
se em CASTRO MENDES, Direito Processual…, pp. 197. Cf. igualmente CHIOVENDA,
Institutioni…pp. 65. LA CHINA também se interroga sobre se a norma que limita a
acção do Ministério Público só aos casos previstos na lei é de natureza processual ou
substancial, para demonstrar como “il giuoco delle sfumature e degli entrecci e abbastanza
complesso” (ob. cit. pp. 412).
104 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
222 Cfr. a este respeito GOLDSCHMIDT, Sistema… pp. 52. Segundo este autor também
o Estado de New Hampshire não permite à mulher accionar o marido. Para maiores
desenvolvimentos cfr. Restatement…, edição de 1934, pp. 724 e segs.
223 Ver o caso Hanse v. Dixon citado por GOLDSCHMIDT Sistema… pp. 53; e WOLF,
Private…, pp. 236 e 237; GRAVESON, ob. cit. pp. 594;
224 Cfr. GOLDSCHMIDT, ob. loc. cit..
225 O caso Leroux v. Brown (1852) é disso um exemplo (cf. entre outros Dicey and Morris
The Conflict…, pp. 1185).
e outros escritos jurídicos 105
a) Tese Processual.
226 Ambos citados por VAZ SERRA, ob. cit. pp. 151.
227 No mesmo sentido se pronunciaram os Profs. PAULO CUNHA e MANUEL DE
ANDRADE, ambos citados por VAZ SERRA, ob. cit. pp. 152, notas 162 e 165. Confirma-
se o ponto de vista de Prof. M. DE ANDRADE (ob. cit. pp. 193), embora seja peremptório
em afirmar que as provas pertencem ao direito processual porque se destinam a formar
a convicção do juiz. Teremos oportunidade de apreciar este ponto de vista, na medida
em que nem todos os autores estão de acordo com a afirmação apresentada em termos
tão absolutos. Ver desde já e em sentido contrário VAZ SERRA, ob. cit. pp. 65.
228 In Prova (filosofia), Enc. Dir. Vol. XXXVII, pp. 525.
229 Neste sentido ver MICHELI, ob. cit. pp. 184 e segs.; MANUEL DE ANDRADE, que,
todavia, no que respeita ao ónus da prova, admite a sua natureza substantiva por se
encontrar mais próximo da relação jurídica material (ob. cit. pp. 193).
230 Neste sentido VAZ SERRA, segundo o qual a prova não se destina só a formar a
convicção do juiz: a prova destina-se também a formar a convicção de outras pessoas
ou entidades, pois os direitos são susceptíveis de exercício extra judicial, além de que a
prova pode servir igualmente para dar aos interessados uma segurança mais ou menos
completa nos seus direitos (ob. cit. pp. 65). É que – considera este autor – certos meios
de prova como a confissão têm grande atinência com o direito substantivo. Saber por
exemplo se a confissão é um negócio jurídico, se deve ser impugnado por vícios do
consentimento, que capacidade deve ter o confitente, etc. são problemas cuja resolução
e outros escritos jurídicos 107
poderá ser feita no campo do direito substantivo com maior adequação que no direito
processual (ob. cit. pp. 67).
231 Neste sentido SATTA, cuja posição teremos oportunidade de apreciar quando
tratarmos da tese da natureza substancial das regras sobre o ónus da prova sob. cit. pp.
186).
232 Neste sentido afigura-se-nos pertinente à aplicação das leis nos espaço a observação de
M. BACH feita em sede da aplicação das leis no tempo, segundo a qual o problema da
aplicação das leis deve repostar-se à conduta e aos actos das partes a quem as normas
são aplicadas e não à actividade das autoridades que aplicam as mesmas normas (cit.
por JACQUES HERON, in Étude struturale de l’application dela loi dans le temps (a partir
du droit civil), Rev. Trim. Droit Civ., nº 2 Abr-jun. 1986, ano 84, pp. 315). O risco da
confusão – explica HERON – resulta do facto de certas regras requererem a intervenção
do juiz: assim uma sanção penal ou um divórcio não podem ser pronunciados senão
pelo tribunal. Todavia, o juiz não é o destinatário da norma; o seu papel é apenas o de
a aplicar; estritamente falando não é senão o destinatário da regra de direito público
que o ordena a aplicar a norma de direito material (ob. loc. cit.).
108 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
ser o caso do direito português. Além disso, como observa o Prof. VAZ
SERRA a prova destina-se a formar a convicção de outras pessoas, que
não apenas a do juiz.
Um outro argumento trazido pela tese da natureza processual do
ónus da prova é de que as regras sobre a prova estão intimamente ligadas
ao processo, na medida em que é no âmbito e na decorrência do processo
que as partes produzem as suas provas. A necessidade de prova pôr-se-ia
em face da existência de contestação que conduz necessariamente a uma
instância judicial. Neste sentido as provas apareceriam como incidentes
do processo235.
Também este argumento não é consistente, razão por que tem sido
facilmente rebatido pela doutrina. Como observa o mesmo HUET, não
é exacto, tal como no argumento anterior, dizer-se que o problema das
provas se põe principalmente num processo em tribunal. Põe-se igual-
mente fora do tribunal longe de toda a contestação236. Basta pensar nas
inúmeras situações em que os cidadãos são chamados a fazer prova das
suas pretensões, independentemente de processo ou de contestação237. Se
A é pai de uma criança e pretende fazer o respectivo registo, a necessi-
dade de preservar a fé pública obriga a que o conservador dos registos
lhe exija a apresentação de testemunhas, para confirmar essa paternidade,
sob pena de ser recusado o registo. Do mesmo modo, se A se reclama her-
deiro de B e pretende fazer uma habilitação notarial, não há contestação,
não há processo, mas apesar disso, deve demonstrar através das certidões
de nascimento e de óbito, acompanhado de quatro testemunhas de que é
sucessível de A. O mesmo se passa com as justificações notariais, e, como
refere HUET, nas variadas situações em que se é chamado a fazer prova
do estado civil.
Outros argumentos apresentados pelos partidários da tese proces-
sual gravitam à volta destes dois que julgamos fundamentais238.
de um sistema de prova legal. Mas admite este autor que o sistema francês de provas é
um sistema misto, que conjuga elementos dos dois sistemas referidos (ob. cit. pp. 19 e
20).
235 Neste sentido MICHELI, ob. cit. pp. 183; BEAUCHET, cit por HUET, ob. cit. pp. 22.
236 Ob. cit. pp. 23.
237 Ob. cit. pp. 23. Este ponto de vista é vigorosamente criticado por MICHELI, com o
argumento de que o ónus da prova não tem fora do processo um significado técnico-
jurídico. Destinando-se a convencer o juiz, a regra do ónus da prova teria como
principal função evitar a arbitrariedade nas decisões. Fora do processo a regra do ónus
da prova não teria este alcance (ob. cit. pp. 189 e 190).
238 ZITELMAN admite que a regra sobre o ónus da prova teria natureza processual na
110 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
b) Tese substantiva239.
medida em que a sua aplicação ocorre ope judicis (cit. por MICHELI, ob. cit. pp. 182).
MAYER por sua vez deduz a natureza processual da norma sobre o ónus da prova
pelo facto de que a repartição se adapta somente a processos de tipo dispositivo e não
a procedimentos inquisitórios (cit. por MICHELI, ps 187, nota 1), ponto de vista que
é contestado pelo próprio MICHELI, na medida em que o critério de repartição não é
logicamente incompatível com maiores poderes de indagação do juiz.
239 Fala-se igualmente em tese de natureza material ou tese civilista (ANSELMO DE
CASTRO, ob. cit. vol. I, pp. 67), mas esta última terminologia afigura-se-nos duvidosa,
pois envolve a opção no sentido de que o direito processual civil não é direito civil,
opção sobre a qual não há unanimidade na doutrina (cf. CASTRO MENDES, Direito
Processual…, vol. I, pp. 142, nota 2).
240 Donde resultaria a possibilidade de celebração de convenções sobre a prova, maxime
sobre o ónus da prova (cfr. VAZ SERRA, ob. cit. pp. 102 e segs.). Neste particular
tem interesse referir a posição de NIKISCH que admite as convenções sobre a prova
na medida em que as partes se encontram na situação de criar ou influenciar os
pressupostos para a aplicação de uma norma jurídica material – cit. por VAZ SERRA,
ob. cit. pp. 103, nota 54.
241 In Diritto Processuale Civile, Padova, 1981,pp. 186 e segs.
242 Sobre a aplicação no tempo…, pp. 273 e segs.
243 Ob. cit. pp. 193. Ver no mesmo sentido CLAUDIA, segundo a qual aqueles autores que
aderem à qualificação substancial devem fazer uma evidente excepção para as normas
relativas à assunção e à gestão processual das provas (ob. cit. pp. 696).
e outros escritos jurídicos 111
c) Posição adoptada.
10. QUALIFICAÇÕES
253 Ver neste sentido JULIAN VERPLEATSE, in Derecho Internacional Privado, Madrid,
1954, pp. 633, segundo o qual a decisão sobre o que seja adjectivo ou material será
tomada sempre em conformidade com a lei espanhola; GOODRICH, ob. cit. pp. 143;
DI VIGNANO, ob. cit. pp. 203 e segs..
254 Para uma síntese destas teses cf. DI VIGNANO, ob. cit. pp. 200 e segs..
255 In Direito Internacional privado – alguns problemas, cit. pp. 160 e segs.
114 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
que pertence, faz uma clara opção pela qualificação das normas jurídicas
segundo a tese lege causae. Aliás, a qualificação lege causae parece ser a que
resulta do comando contido no artº 15º do C.C.
257 Para uma síntese desta problemática cfr. MICHELI, ob. cit. pp. 196 e segs..
258 Ver neste sentido PERROT, segundo o qual o ónus da prova não pode depender do
lugar onde o processo se desenvolve, porquanto um devedor de má fé poderia deslocar
intencionalmente o seu domicilio com a única intenção de se furtar às regras que lhe
são desfavoráveis (ob. cit. pp. 18).
259 Cfr. GIOVANNI MARIA UBERTAZZI, in Limiti all’ execuzione in Itália di provedimenti
stranieri concernenti mezzi di prova, Riv. Dir. Int. Priv. E Proc., ano IX, 1973, pp. 395 e
segs..
116 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
prova por ordálio260, cuja aplicação seria arredada em favor de outros ins-
trumentos de solução. Mas o problema poderá eventualmente colocar-se
relativamente a outros ordenamentos jurídicos em que a decisão sobre o
facto incerto não assenta no sistema de repartição do ónus da prova, mas
partindo do grau de verosimilhança ou de probabilidade que permita ao
juiz considerar o facto como provado ou não261.
Uma experiência deste tipo poderá ser encontrada nos países escan-
dinavos e sobretudo na Suécia, por mérito de PER OLOF EKELOF e PER
OLOF BOLDING262 que fazem recurso a fórmulas matemáticas e a métodos
estatísticos para determinar o grau de probabilidade da existência ou ine-
xistência de determinado facto263. Na fórmula de EKELOF, o facto é presu-
mível, verosímil, provável, ou certo, ou inverosímil ou impossível, conso-
ante o grau de probabilidade, que poderá ir de até 75% ou mais de 50%, até
100%, conforme o ponto de vista264. Questão que se poderá colocar é até que
ponto a ordem jurídica portuguesa, em contacto com aqueles ordenamen-
tos, aceitará o recurso a métodos de decisão sobre o facto incerto, que lhe
são desconhecidos. A questão torna-se mais pertinente se se tiver em consi-
deração que estes esquemas de solução afastam um princípio fundamental
de avaliação das provas, que é o convencimento do juiz265, essencial para
ordens jurídicas como a portuguesa. Estamos em crer, contudo, que este
método de avaliação das provas não exprime um princípio de ordem públi-
ca internacional do Estado português, por forma a não poder ser afastado
pela norma de direito estrangeiro que seria a normalmente competente266.
260 Cfr. HUET, ob. cit. pp. 27 e 28. No mesmo sentido COOK, citado por GOODRICH, ob.
cit. pp. 143, nota 5.
261 Cfr. SALVATORE PATTI, in Libero convincimento e valutazione delle prove, Riv. Dir.
Proc. ano XL (segunda série) nº 3, Julho-Setembro, 1985, pp. 498.
262 Ambos citados por PATTI, ob. cit. pp. 500.
263 PATTI, ob. cit. pp. 499.
264 Para maiores desenvolvimentos cfr. PATTI, ob. cit. pp. 501 e segs.. Ver igualmente a
formula de BOLDING, mais simplificada que a de EKELOF em PATTI, (ob. cit. pp. 502).
Resta saber como conciliar os esquemas propostos com as situações de contraprova
do facto. Assim, se A prova 60% do facto e B em contraprova 40%, em compensação
recíproca, resulta que este mesmo facto só está provado em 20%, já que 40% foi anulado
em contraprova. Haverá ainda neste caso prova do facto, embora A tenha provado
60%, se em compensação recíproca A não atingiu o limite do provável?
265 PATTI, ob. cit. pp. 498.
266 O sentimento geral parece ser de facto o de que as normas sobre o ónus da prova não
são de ordem pública. Neste sentido, HUET, segundo o qual seria exagerado declarar
sistematicamente contrária à ordem pública uma lei estrangeira a pretexto de admitir
um meio de prova não regulado pelo direito francês (ob. cit. pp. 28). Mais adiante
e outros escritos jurídicos 117
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
- ALBERTO DOS REIS, José: Código de Processo Civil anotado, vol. III,
Coimbra, 1985, pp. 304 e segs. - Processo Ordinário e Sumário, vol. I,
Coimbra, 1928, pp. 32 e segs.
- ANDRADE, Manuel A. Domingos: Noções elementares de Processo Ci-
vil, Coimbra, 1979.
- ANSELMO DE CASTRO, Artur: Direito Processual Civil, vol. I, Coim-
bra, 1981.
- ANTON, E.A.: Private International Law, Edinburgh, 1967.
- BALARINO, Tito: Diritto Internazionale Privato, Padova, 1982.
- BATIFOL, Henri: Droit International Privé, Paris, 1970, pp. 420 e segs.
- BOBIO, Norberto: Norma Giuridica, Novissimo Digesto Italiano, vol. XI,
pp. 336.
- DE CASTRO, Amílcar: Direito Internacional Privado, 3ª edição, Rio de
Janeiro, 1977.
- CASTRO, Leonel Pereznieto: Derecho Internacional Privado, México,
1981, pp. 233 e segs.
- CHESHIRE, G.C.: Private International Law, Oxford, 1957, pp. 649 e
segs. Private International Law, 6ª edição, Londres, 1965.
- CAMPOS, Gonzalés: Les Liens entre compétence judiciaire et la compe-
tence législative en Droit International Privé, Rec. Cours, 1977, III, tome
156, 1980.
- LA CHINA, Sérgio: Norma (dir. proc. civ.), Enciclopedia del Diritto.
- CATELLANI, E.L.: Il Diritto Internazionale Privato e i suoi recenti pro-
gressi, vol. 1º, Torino, 1883, pp. 825 e segs.
- CHIOVENDA, Giuseppe: Institutioni di Diritto Processuale Civile, Na-
poli, 1933, vol. I, pp. 64 e segs.
- CORDEIRO, António Menezes: Norma Jurídica, Enc. Polis, vol. 4, cols.
669 e segs.
- CORDOPATRI, Franco: Presunzioni (dir. proc. civ.), Enc. Del Dir. vol.
XXXV.
- DAVID, Cyrille: in La Loi Étrangére devant le juge du fond, Paris, 1965.
- DENTI, Vittorio: La natura giuridica delle norme sulla prova nel proces-
si civile in Atti dell VIII Convegno Nazionale (Pavia, 23-26 Maggio, 1968)
Milão, 1971, pp. 159 e segs.
(pp. 36 a 40) admite expressamente que as normas sobre prova não são de ordem
pública. Ainda que o sejam no plano interno não são de ordem pública internacional.
Este mesmo ponto de vista parece resultar do art. 345º, nº 2, in fine, CC, relativo às
convenções sobre provas, segundo o qual se as determinações legais quanto á prova
tiverem por fundamento razões de ordem pública a convenção é nula em quaisquer
circunstâncias. Estas razões parecem ser de ordem pública interna e não de ordem
pública internacional.
118 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
Sumário
2. O CÓDIGO DE HAMMURABI
269 Assinala Truyol SERRA que a tendência para o domínio do universo conhecido,
levada à máxima violência, é talvez o traço mais saliente da política assíria. Por volta
de 1100 a.C. Teglat-Falasar (Tiglat Pileser) I auto-proclama-se poderoso Rei das Quatro
Regiões a quem Assur e os grandes deuses havia ordenado que dilatasse as fronteiras
do seu país - História da filosofia do Direito e do Estado - Das origens à Baixa Idade Média,
tradução portuguesa de Henrique Barrilaro RUAS, Lisboa, 1985, pp. 30.
270 John GILISSEN in Introdução Histórica ao Direito, tradução portuguesa de A.M.
e outros escritos jurídicos 123
HESPANHA, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1986, pp. 58. Este Código foi
descoberto nas escavações arqueológicas levadas a cabo pelo investigador egípcio
Jacques de MORGAN, em 1902, e está hoje depositado no Museu do Louvre, em Paris.
Não parece corresponder inteiramente à verdade a afirmação feita na Encarta (doc.
elec.) segundo a qual o Código teria sido descoberto por uma equipa de arqueólogos
franceses (in vb Hammurabi, Code of – Microsoft (R) Encarta). Tratou-se, sem dúvida, de
uma missão arqueológica francesa, mas J. de MORGAN tinha nacionalidade egípcia.
Sobre o Código de HAMMURABI e a sua importância para a história do direito, ver
Frederico Lara PEINADO, in Código de Hammurabi, Madrid, 1986; Emanuel BOUZON
in Código de Hammurabi, 4ª edição, Petrópolis, 1987; A. Truyol SERRA, in História da
Filosofia do Direito e do Estado, Tradução portuguesa de Henrique Barrilaro RUAS,
Lisboa, 1985, pp. 27 e segs; Edward McNall BURNS, in História da Civilização Ocidental,
Tradução portuguesa de Lorival Gomes MACHADO e outros, Portalegre, 1974, pp. 84-
85; M. Augusto RODRIGUES, in HAMURÁBI, Enc. VERBO, vol. 9, cols. 1531 a 1533.
271 Lê-se no epílogo do Código cf., por todos, BOUZON, ob. cit. pp. 222-223.
272 Atente-se nesta brilhante passagem do Epílogo do Código de HAMMURABI: depois
de afirmar o rigor das suas palavras “minhas palavras são escolhidas, minha obra não tem
igual; só para o tolo elas são vazias” assegura que quem as seguir será conduzido à glória
e será como ele, um rei de justiça. Mas “se esse homem não respeitar as minhas palavras que
escrevi em minha estela, desprezar minhas maldições, não temer as maldições dos deuses, anular
o direito que promulguei e revogar as minhas palavras, alterar os meus estatutos, apagar o meu
nome escrito e escrever o seu nome (ou) por causa destas maldições mandar um outro (fazer)
esse homem, seja ele rei, senhor, governador ou qualquer outra pessoa chamada com um nome,
que o grande Anum, o pai dos deuses, aquele que pronunciou o meu governo, tire-lhe o brilho da
realeza, quebre o seu ceptro, amaldiçoe o seu destino” - cf.. BOUZON, ob. cit. pp. 224.
273 No prólogo do Código a estela KALAN (Anv. I, 7) é traduzida, ora por país, ora por
universo. cf. Lara PEINADO, ob. cit. pp. 3, nota 4.
124 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
274 O termo não é traduzido por BOUZON que lhe empresta, contudo, o sentido de
“cidadão livre na estrutura social babilónica”. Lara PEINADO tradu-lo por “senhor” e
explica que o Código de HAMMURABI o utiliza em três acepções distintas: “–-pessoa
nobre pertencente a uma classe superior; b)-indivíduo livre e c)-homem de qualquer
classe, seja escravo ou rei”. Considera igualmente que a sociedade babilónica estava
dividida em três classes: os awilum; os muskenu (homens semi-livres e subalternos e os
wardu, os escravos)– ob. cit. pp. 6 nota 100.
275 Cf. Mcnall BURNS ob. cit. pp. 84.
276 PEINADO caracteriza estes casamentos como “matrimónios mistos” mas o autor
parece ter em mente a divisão social na Babilónia (ob. cit. pp. 29).
277 Cf. BOUZON, ob. cit. pp. 33.
278 Cf. parágrafo 32. O mercador referido neste artigo poderá ser estrangeiro.
e outros escritos jurídicos 125
3. THORA OU PENTATEUCO
4. DIREITO GREGO
293 O Pacto da Lei reconhecia-lhe um direito a alimentos: “E o sábado da terra tem de servir-
vos de alimento, para ti e para teu escravo, e para tua escrava, e para teu trabalhador contratado
e para o colono e os que residem contigo como forasteiros”( Lev. 25:6). Para maiores
desenvolvimentos, ver Ajuda ao Entendimento da Bíblia..., vol. 4º. vb. Residente forasteiro,
pp 1428 e segs.
294 Note-se que nas leis mosaicas a propriedade da terra pertence a Jeová (Lev. 25:23).
295 Ex. 21:2 “Caso compres um escravo hebreu será escravo por seis anos, mas no sétimo sairá
como alguém liberto, sem custo”
296 Lev. 25:8 e segs “E tens de contar para ti sete sábados de anos, sete vezes sete anos e os dias
dos sete sábados de anos têm de somar para ti quarenta e nove anos. ... Nesse ano deveis tornar
cada um à sua propriedade”. (Lev. 25:13). Tratava-se de um ano de Festa à semelhança
do Ano Sabático em que a terra permanecia em poisio. No Ano do Jubileu “há perdão
geral e dá-se um reajuste da riqueza, no sentido de manter a maior igualdade possível”
Ver sobre este ponto: Lara PEINADO, ob. cit. pp. 40; Ajuda ao entendimento da Bíblia...
vb Jubileu.
297 Deut. 7:1.
298 Um importante estudo sobre os conflitos de leis no direito grego deve-se a Hans
e outros escritos jurídicos 129
LEWALD: Conflits de lois dans le monde grec et romain, estudo inicialmente publicado
em Atenas (1946) e republicada após a morte do autor na Revue Critique de Droit
International Privé, 1968, pp. 419 e segs e 615 e segs. LEWALD reuniu diversos
documentos que vieram demonstrar que na Grécia e Roma antigas os legisladores e
magistrados não só foram muitas vezes colocados perante problemas de conflitos de
leis, como apontaram uma solução para tais conflitos, seja de ordem formal, como de
ordem material, mas, como refere este autor, a obra de referência sobre esta matéria
é devida a Ludwig MITTEIS, intitulada Reichsrecht und Volksrecht (1891). Todavia, a
importância do trabalho de LEWALD é reconhecida por um grande nomes do Direito
Romano Vicenzo ARANGIO-RUIZ que tece os maiores elogios à obra de quem ele
chama LEWALD DI BASILEA - Sul Problema della doppia citttadinanza nella Repubblica e
nell’impero romano, Scritti giuridici in onere di Francesco CARNELUTTI, vol. IV pp. 65
e segs.
299 Cfr. Truyol Y SERRA, Genèse et Fondements spirituels de l’idée d’une communauté univeselle
- De la civitas maxima stoïcienne à la civitas gentium moderne, Lisboa, 1958, pp. 23 e
segs.
300 Politicamente desunidos, mas espiritualmente ligados pelo “ mesmo sangue, a mesma
língua, templos dos deuses e sacrifícios comuns, bem como os hábitos e costumes” -
Heródoto (sec. VIII a.C.) - cit. por M. H. Rocha PEREIRA, VERBO - Enciclopédia Luso
- brasileira de cultura, vb. Grécia - Grécia Antiga, vol. 9, col. 976.
301 Cf.. Tito FULGENCIO, Synthesis de Direito Internacional Privado (Theoria-Jurisprudência-
Convenções) Rio de Janeiro, 1937, pp. 15.
130 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
302 Segundo PHILLIPSON (The international law and custom of ancient Greece and Rome,
1911, I) o estrangeiro que casava com uma mulher ateniense era vendido como escravo,
confiscando-se-lhe todos os bens, um terço dos quais se destinava ao denunciante; se
um ateniense casava com uma estrangeira era castigado com multa de 1000 dracmas”
cit. por Federico de Castro y Bravo, La doble nacionalidad, pp. 92, nota 50.
303 Tito FULGENCIO, ob. loc. cit. .
304 Ágora “era o centro de reunião nas cidades gregas, servindo de mercado, de local de
encontro, de manifestações religiosas e cívicas e de assembleias políticas” – Enciclopédia
Fundamental VERBO, vb. Ágora.
305 O direito de submeter os bárbaros à escravidão tem os seus fundamentos na filosofia
aristotélica.
306 A expressão é de TRUYOL Y SERRA, Genèse et fondements... pp. 24.
e outros escritos jurídicos 131
307 Um exemplo de regulação dos conflitos de leis pela via material vem referido em Hans
LEWALD. Reporta-se à Carta concedida pelo Rei Antígona à cidade grega de Teos.
Segundo esta Carta os habitantes de Labedos, na Ásia Menor, deveriam abandonar
a sua Pátria e estabelecer-se em Teos. De entre as medidas programáticas fixadas
pelo Rei Antígona, as duas cidades passariam a reger-se pelas mesmas leis, no caso,
emprestadas à cidade vizinha de Kos, para uso provisório - In Conflits de lois dans le
monde grec et romain, cit., pp. 423-424.
308 Cf. LEWALD, Conflits de lois..., pp. 423-424 ; Yanguas MESSÍA, in Derecho Internacional
Privado..., pp. 58. Num desses tratados de reciprocidade ficou estabelecido que se
um cidadão de uma das cidades cometer um delito na outra deverá ser julgado na
sua pátria e segundo a lei desta. Embora este tratado visasse em particular acções
criminais, encontramos aqui, certamente, uma das mais antigas soluções em matéria da
lei reguladora da responsabilidade extracontratual: aplicação da lei da nacionalidade.
Além de resolver um conflito de leis em matéria de responsabilidade extra-contratual,
o tratado resolve igualmente um conflito de jurisdições, atribuindo a competência
ao tribunal da nacionalidade do réu. cf. Arangio-RUIZ, Sul problema della doppia
cittadinanza..., pp. 65, nota 2.
309 Cfr. Hans LEWALD, ob. cit. pp. 426; José de Yanguas MESSÍA, in Derecho Internacional
Privado, pp. 59.
310 Ver sobre este ponto Vicenzo ARANGIO RUIZ, Sul problema della doppia cittadinanza...,
pp. 67.
132 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
5. DIREITO ROMANO
mas sim num direito privado intersocial romano, fórmula que teria um sentido mais
amplo que a expressão DIP. Neste sentido Carlos Sanchez del Río y Peguero, in Manual
de Derecho Romano (Zaragoza, 1940), apud José Antonio Pastor RIDRUEJO, in Sobre la
existência de un Derecho Internacional Privado en Roma, TEMIS, 1967, pp. 143.
315 Citado por RUIZ, ob. cit. pp. 545. O Professor José de Yanguas MESSÍA continuou a
sustentar este ponto de vista em Derecho Internacional Privado, Parte General, Madrid,
1971, pp. 59 e segs.
316 Para uma análise profunda deste problema são de particular importância trabalhos
desenvolvidos Edoardo VOLTERRA. Ver os seus estudos sobre o matrimonio (dir. rom.)
in Noviss. Dig. Ital. vol. X, e, com particular interesse, o estudo sobre o mesmo tema
na Enc. Diritto, vol. XXV e, com particularíssimo interesse, o capítulo sobre a união
conjugal de peregrinos.
134 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
317 “O peregrino é o homem livre que não é provido nem do direito de cidade, nem do
direito latino, sem ser inimigo público. Torna-se peregrino ou por nascimento, ou pela
perda do direito de cidade. Há duas grandes categorias de peregrinos: os provinciais
e os povos independentes, situados fora das fronteiras romanas. Estes povos são
também aliados a Roma por tratados que protegem os seus nacionais. [...] Resultavam
os peregrinos das anexações que, por conquista, ou por tratado de submissão, mais ou
menos disfarçada, faziam os Romanos, conseguindo submeter à autoridade do império
as populações de regiões sempre mais extensas, sem dar-lhes a qualidade de cidadãos,
nem obrigá-los à escravidão”: CÉSAR DA SILVEIRA, ob. cit. vol. II, vb. Peregrinus.
318 LOUZZATTO, ibidem.
319 Cf.. Truyol y SERRA, in História do Direito Internacional Público... pp. 28.
320 Os Pactos de Hospitalidade, esse instituto que, como temos vindo a verificar, vigorou
praticamente em todos os direitos da antiguidade clássica e se descaracterizou na sua
natureza inicialmente privada e familiar para passar a ser um instituto de carácter
público, encontraram igualmente expressão na Península Ibérica. J. A. NOGUEIRA dá
notícia de dois Pactos de Hospitalidade e Aliança celebrados entre povos indígenas do
Norte da Península, cujos termos são os seguintes:
“No dia [...] do ano em que foram cônsules M. L. Craso e L. Pisão, a gentilidade dos Desoncos,
pertence à gente dos Zoelas, e a gentilidade dos Trídiavos, pertence à mesma gente dos Zoelas,
renovaram o seu antigo pacto de hospitalidade e todos se receberam uns aos outros em
fidelidade e clientela, tanto na sua como na dos seus descendentes. Fizeram-no em Arausa, filho
de Bleceno, e Turaio, filho de Cloucio, e Docio, filho de Elesio, e Magilo, filho de Cloucio,
e Bodecio, filho de Burral, e Elesio, filho de Clutamo, através de Avieno, filho de Pentilo,
magistrado dos Zoelas. Feito em Curunda”.
“No dia [...], sendo cônsules Glabrio e Hómulo, a mesma gentilidade dos Desoncos e a
gentilidade dos Trídiavos receberam na mesma clientela e aliança Semprónio Perpétuo Orniaco,
pertencente à gente dos Avolgigoros, e António Arquio, da gente dos Cabruagenigos. Fizeram-
no Lucio Domicio Silo e Lúcio Fávio Severo em Astorga”. in As instituições e o Direito -
História de Portugal (origens - 1245) dirigida por José Hermano SARAIVA, publicações
ALFA, Lisboa, 1983, vol. I, pp. 402.
e outros escritos jurídicos 135
mais, definida pelo respectivo tratado321 que muitas vezes apontava para
uma solução formal. Sabe-se, por exemplo, que, o tratado celebrado entre
Roma e Cartago previa a regulação recíproca das controvérsias entre ro-
manos e cartagineses mediante a aplicação de suis legibus uti, respectiva-
mente, na Sicília e em Cartago, para os romanos, e em Roma, para os car-
tagineses322 . O critério acolhido neste tratado é, portanto, o da aplicação
da lei da nacionalidade (critério formal) independentemente do conteúdo
material desta lei.
Com o desenvolvimento do comércio tornou-se imperiosa a ne-
cessidade de um maior reconhecimento de direitos aos estrangeiros. Um
primeiro procedimento terá sido o recurso a uma actio ficticia, baseada
numa fictio civitatis, a favor dos peregrinos323. Mas em 241 a.C. foi criado
em Roma o praetor peregrinus, magistrado com poderes para regular as
relações dos peregrinos entre si e entre estes e os romanos. O praetor pe-
regrinus aplicava fundamentalmente dois corpos de normas: tratando-se
de peregrinos da mesma nacionalidade as relações entre estes podiam ser
reguladas suis legibus uti; tratando-se, porém, de peregrinos de diversa na-
cionalidade ou de relações entre peregrinos e cidadãos romanos, seriam
reguladas por um corpo de normas a que se convencionou chamar jus
gentium, por oposição ao jus civile324.
A natureza e origem do jus gentium são ainda uma questão em aber-
to entre os romanistas. LUZZATTO chama a atenção para a tautologia
que consiste em considerá-lo uma criação do praetor peregrinus325. Trata-
ps 545, que não contesta esta opinião. António TRUYOL Y SERRA, Genèse et fondements
spirituels de l’idée d’une communauté universelle - De la civitas maxima stoïcienne à la civitas
gentium moderne, pp. 34. cf.. ainda A. MARQUES DOS SANTOS, Direito Internacional
Privado Lisboa, (1997), pp. 62.
326 Neste sentido BETTI, cit. por Mário BRETONE, in História do Direito Romano... pp.. 105.
327 Cf.. LUZZATTO, ob. cit. pp. 933: “os contratos consensuais que constituem de longe
o núcleo mais importante e, do ponto de vista da elaboração jurisprudencial, um dos
mais desenvolvidos institutos do jus gentium, não encontram paralelo em nenhum dos
direitos do mundo mediterrânico”.
328 “Na realidade tudo deixa supor que os mercadores romanos e estrangeiros que
estipulavam uma compra e venda em Éfeso ou em Rodes, em Roma ou em Alexandria,
considerassem o vínculo independentemente da tutela magistratural. As coisas não se
passavam diferentemente com os contratos do jus gentium. O próprio pretor, quando
insere no seu édito os juizos de boa-fé que lhe dizem respeito, sabe que se refere a
uma experiência que é já entendida, pelo menos numa certa medida, como jurídica; a
confirmação e não a criação. Por outro lado, naquela experiência agiam valores que
eram largamente difundidos. [ ...] A sua dimensão é mediterrânica, não citadina ou
local e a cultura dentro da qual se desenvolve é a helénica” - BRETONE, História...
pp. 105. No mesmo sentido se pronuncia Giovanni PUGLIESE, in Istituzioni di Diritto
Romano, Torino, 1994, pp. 52-53, reconhecendo que, embora o jus gentium seja direito
romano, aplicado pelos magistrados romanos, nos tribunais romanos, “encontra o
seu alimento nos institutos considerados comuns a todos os povos ou em institutos
seguramente de origem estrangeira”.
e outros escritos jurídicos 137
329 “Jus gentium est, quo gentes humanae utúntur ( Dig. 1,1,1,4) cit. por SILVEIRA, vb. Jus
gentium.
330 “Jus gentium est quod naturalis ratio inter omnes homines constituit” ( Dig.. 1,1,,9) : direito
das gentes é o que a razão natural estabeleceu entre todos os homens: cit. por SILVEIRA,
vb. Jus gentium.
331 “Omnes popoli, qui legibus et moribus reguntur, partim suo proprio, partim comuni omnium,
hominum iure utuntur: nam quod quisque populus ipse sibi ius constituit, id ipsus proprium
est vocaturque ius civile, quasi ius proprium civitatis; quod vero naturalis ratio inter omnes
homines constituit, id apud omnes populus peraeque custoditur vocaturque ius gentium, quasi
quo iure omnes gentes utuntur. Populus itaque romanus partim suo proprio, partim comuni
omnium hominum iure ititur – Dig. I.I.9 – passagem citada por Gabrio LOMBARDI in vb
Jus gentium, Noviss. Dig. Italiano.
332 Os romanos terão recolhido esta ideia em ARISTÓTELES que defendia a existência
de um direito comum aos vários povos ou à socidade dos homens, direito este mais
justo, eticamente melhor, porque fundado na natureza (PUGLIESE, Istituzioni... 53).
No mesmo sentido, SILVEIRA: “a concepção de um direito universal foi pressentida
pelos gregos (Sófocles, Demóstenes, Aristóteles). Xenofonte fala a este respeito de um
direito não escrito comum a todos os homens” (in Dicionário... vb. Jus gentium). A ideia
de comunidade no mundo grego é ainda admitida por LEWALD. Ao discorrer sobre
o sentido da referência contida nalguns tratados celebrados entre as cidades gregas,
conforme à qual as controvérsias entre cidadãos gregos oriundos de diversa cidade
deveriam ser reguladas “segundo as leis”, sem indicar qual fosse o direito aplicável,
LEWALD admite que esse direito resulta da semelhança entre os diversos direitos
das numerosas comunidades helénicas, donde resultam vários princípios como
pertencentes não ao ordenamento desta ou daquela cidade, mas de uma espécie de
direito comum grego in Conflits de lois dans le monde grec et romain, pp. 421. Cf. ainda
Vicenzo ARRANGIO-RUIZ, in Sul problema della doppia cittadinanza nella Repubblica e
nell’imppero romano, pp. 65. SILVEIRA considera que CÍCERO se tornou o eco dessas
doutrinas: est enim vera lex recta ratio naturae congruens. Nec erit alia lex Romae, alia
Athenis, alia nunc alia posthac, sed et omnibus gentibus et omni tempore uma lex et sempiterna
et immutabilis (De Rep. III, 22)”: in Dicionário... vb. Jus gentium.
138 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
333 “Aluvião. “Chama-se aluvião ao acréscimo paulatino feito nas propriedades ribeirinhas,
seja de lôdo terroso, que as águas dos rios depositam ao longo das suas margens, seja
de parte do leito, quando a corrente das águas muda de uma margem para outra”
- César DA SILVEIRA, in Dicionário ..., vol. I, vb. alluvio. GAIO confirma que se trata
de um instituto do direito das gentes: “quod per alluvionem agro nostro flumen adicit, id
iure gentium nobis adquíritur (GAIO Dig. 41, 1, 7, 1) - cit. por SILVEIRA, ob. loc. cit.. Cfr.
igualmente Faustino Gutiérrez-Alviz y ARMARIO, in Diccionario de Derecho Romano,
tercera edición, Madrid, 1982, vb. alluvio. Este direito tem ainda hoje acolhimento nas
ordens jurídicas modernas. Sobre o regime do aluvião no actual direito português, ver
artºs. 1327º e segs do CC.
334 A traditio consiste numa forma não solene de transferir a propriedade em virtude da
entrega da coisa com intenção de transferi-la - ARMARIO, ob. cit. pp. 671, vb. traditio.
Assumiu várias modalidades: traditio corporális; traditio cartea; traditio ficta; traditio
brevi manu; traditio ad incerta personam; traditio ex justa causa. Sobre estas diferentes
modalidades da traditio, ver SILVEIRA, ob. loc. cit. e ARMARIO, ob. loc. cit.
335 Consiste no preço, no contrato de compra e venda romano. Ver SILVEIRA, ob. cit. vb.
Numerata pecunia.
336 “Estipulação é uma fórmula verbal, com a qual o que é interrogado responde que há de
dar ou há de fazer o que se lhe interrogou” [...] “Modo solene e formalizado de contrair
uma obrigação” - SILVEIRA, ob. cit. vb. stipulatio. Para maiores desenvolvimentos
sobre esta figura, ver este autor e ainda ARMARIO, ob. cit. vb. stipulatio e as respectivas
variantes.
337 Instituto pelo qual um cidadão podia prometer a outro cidadão dar, fazer ou não fazer
alguma coisa - PUGLIESE, Instituzioni ... pp. 53. O instituto da sponsio-stipulatio revela,
ao lado do foenus nauticum, a interpenetração recíproca de institutos especificamente
romanos com institutos estrangeiros. A sponsio-stipulatio é um instituto do jus civile
tornado acessível aos estrangeiros, passando, portanto, a integrar o jus gentium. A
foenus nauticum é um instituto do direito grego. Mas o jus gentium não integrava apenas
institutos do direito privado, mas também institutos do direito público, como por
exemplo, “as regras consuetudinárias sobre relações de guerra e paz” - PUGLIESE,
ob. loc. cit - donde se pode partir para concluir que o actual Direito das gentes, Direito
Internacional Público, encontrou também alí a sua génese, sofrendo o jus gentium
uma espécie de bifurcação: jus gentium privatum e jus gentium publicum. Utiliza esta
terminologia referindo-se ao jus gentium publicum, como Direito Internacional Público
e ao jus gentium privatum como Direito Internacional Privado, FOELIX, in Traité de Droit
International Privé ou du conflit des lois des differentes nations, cit., vol. I, pp. 1-2.
338 Contrariamente à stipulatio, a acceptilatio consiste num modo de extinção ipso jure
das obrigações contraídas por via da stipulatio. Trata-se de uma pergunta feita ao
credor no sentido de saber se o devedor cumpriu a obrigação a que o credor responde
afirmativamente: assim, ARMARIO, ob. cit., vb Acceptilatio.
e outros escritos jurídicos 139
339 Sobre todos estes aspectos, ver BRETONE, História... pp. 99-100.
340 Este ponto de vista não parece oferecer objecção entre os autores. Segundo Edoardo
VOLTERRA a pratica de celebração de casamentos em Roma iure peregrinorum foi
adoptada pelos gregos, egípcios, hebreus, fornecendo os papiros greco-egípcios ampla
documentação a este respeito, particularmente a partir dos estudos efectuados por
MONTEVECCHI Ricerche di sociologia nei documenti dell’Egitto greco-romano (1936).
Para maiores desenvolvimentos sobre este ponto, ver o mesmo Edoardo VOLTERRA,
in Matrimónio (diritto romano), Enc. Dir., vol. XXV, pp. 774 e segs.
341 Ver, por todos, VOLTERRA, in Matrimonio (diritto romano) Enc. Dir., vol. XXV, pp. 774.
O reconhecimento de Pilos como civitas libera et immunis permitiu a LEWALD admitir
que os cidadãos romanos ficariam submetidos nessa cidade, em todas as suas relações
às leis da mesma. Mas Arangio-Ruiz considera que em questões como legitimidade dos
filhos, extensão da patria potestas, forma interna e externa dos testamentos deveriam ser
disciplinadas pelas leis romanas - Sul problema della doppia cittadinanza... pp. 66. “Parece
absurdo - assegura - que numa cidade submetida à hegemonia romana um cidadão
romano pudesse ser condenado à morte por um juiz local.” - Ibidem.
140 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
342 In Matrimonio (diritto romano) Enc. Jur., vol. XXV, pp. 775. O autor não nos informa
sobre o desfecho deste caso. Podemos, todavia, concluir que ao deferir para uma das
partes a demonstração do carácter legítimo ou ilegítimo do casamento, o juiz se recusa
a resolver a questão prévia, que consiste em saber quem é pai, para efeitos de suceder
ao filho, pelo direito romano, resolvendo-a de acordo com o direito nacional (mais
provável, em atenção à última parte do texto transcrito) ou o direito local. Também não
nos esclarece sobre a nacionalidade dos interessados. Mas a circunstância de utilizar
duas palavras gregas, αγραφος e εγγραφος faz crer que se trataria de cidadãos gregos
ou, pelo menos, de um matrimónio celebrado segundo o direito grego. Cf.. ainda M.
FOELIX , Traité..., pp. 8.
343 VOLTERRA refere-se ainda a um édito do Prefeito Servus Sulpicius Similis que
reconhece a aplicabilidade de normas locais respeitantes ao matrimónio e ao regime
patrimonial dos cônjuges no Egipto, por parte dos magistrados romanos (cf. pp. 774,
nota 114).
344 Para maiores desenvolvimentos sobre este ponto ver VOLVERRA, Matrimonio Enc.
Dir., pp. 775-776.
e outros escritos jurídicos 141
345 Neste sentido, WILLMAN, cit. por VOLTERRA, Matrimonio (dir. rom.) Enc. Dir., pp.
776, nota 121.
346 Para maiores desenvolvimentos, cf. VOLTERRA, ob. cit. na nota anterior.
347 Fragmenta V,4, cit. por D’ANGELI, La famiglia di fatto, pp. 36, nota 47.
348 Cf.. EDOARDO VOLTERRA in vb Concubinato, Novss. Dig. Ital. pp. 1052. O conubium
era um importante instrumento de política social que visava garantir a estratificaçäo
da sociedade romana. Sobre este ponto cf. Gaetaneo SCIASCIA in A prova da causa do
erro no matrimónio Romano e o casamento putativo, in RFDSP, 1950,vol. XLV, pp. 370 e
segs..(SCIASCIA, ob. cit. pp. 370).
349 Neste sentido, Edoardo VOLTERRA, in Concubinato (dir. rom.) Novss. Dig. Ital., e
ainda Conubium, Novss. Dig. Ital.
142 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
350 Cf.. LUZZATTO, ob. cit. pp. 933. Segundo este autor a concessão do conubium dumtaxat
cum singulis singulos é geralmente contido nos diplomata militaria com o fim de ratificar
o matrimónio celebrado entre militares e peregrinos.
351 In Estudos de Direito Visigótico, Coimbra, 1948, pp. 234.
352 Cf. Giorgio LURASCHI, in La questione della cittadinanza nell’ultimo secolo della repubblica,
Studia et Documenta Historiae et Juris, vol. LXI, 1995, pp. 17 e segs.
e outros escritos jurídicos 143
353 O autor segue neste ponto LEWALD, in Sul problema della doppia citadinanza.., pp. 67.
354 O Édito de Tolemeo Evergete II, reproduzido num papiro da Vila de Tebtynis, de
118 a.C. regulou expressamente a convenção entre pessoas de diversa nacionalidade:
se um contrato entre um grego e um egípcio estiver escrito na língua grega, compete
ao tribunal grego julgar as questões que se colocarem em torno do mesmo contrato;
se estiver escrito na língua do país (demótica) a competência é do tribunal indígena
- cit. por Arangio-Ruiz, Sul problema della doppia citadinanza... ob. cit. pp. 67. Segundo
este autor, o mesmo critério se seguiu na idade imperial: “como são escritos em latim
todos os negócios de direito da família e de herança pertencentes aos romanos e
porquanto nos poucos contratos cujas partes sejam romanas ou uma parte seja romana
se tenha pretendido aplicar o direito imperial, o uso do grego é sintoma de que a parte
eventualmente romana tenha pretendido ater-se na convenção ao costume local”. ob.
cit. pp. 67.
355 Ob. cit. pp. 66. O autor admite a aplicação em Roma de três categorias de normas: “um
regime do estado e capacidade das pessoas, ditado por uma lei que podemos chamar
lei nacional; um regime de propriedade imobiliária, regulado pela lei territorial e um
regime para os contratos”: ob. cit. pp. 67.
144 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
6. CONCLUSÃO
356 Para maiores desenvolvimentos sobre este ponto, ver Jean-Louis FERRARY, in
Patroni et accusateur, pp. 18 e segs.
357 LUZZATTO, ob. cit. pp. 933.
358 Neste sentido, BONFANTE apud V. CÉSAR DE SILVEIRA, in Dicionário de Direito
Romano, S. Paulo 1957, vol. I, vb. Alógrafo.
e outros escritos jurídicos 145
razão, normas estas que se diferem das do jus civile, direito da cidade,
privativo dos cidadãos romanos.
Os magistrados romanos aplicaram direito estrangeiro e reconhe-
ceram efeitos daí decorrentes, tais como direitos matrimoniais, de filiação,
direitos sucessórios, nomeadamente em matéria de validade de testamen-
tos, e outros efeitos decorrentes seja de direitos locais, seja de direitos
nacionais. Esses jurisconsultos recorreram igualmente a ficções jurídicas
(fictio civitatis) para reconhecer certos direitos a estrangeiros, celebraram
tratados que adoptaram soluções formais (por exemplo, aplicação da lei
da nacionalidade) e ocuparam-se de questões complexas com afinidades
com institutos hoje conhecidos, tais como a questão prévia ou o conflito mó-
vel.
Foi igualmente a partir dos textos do Direito Romano que os ju-
risconsultos dos séculos XII e XIII se inspiraram para construir o Direito
Internacional Privado moderno e terá sido, certamente, a partir dos mes-
mos textos, em particular do jus gentium que SAVIGNY retomou a ideia
de comunidade de direito359, donde partiria para construir as suas teses sobre
a regulação das relações privadas internacionais. Dos Romanos há ainda
uma outra conclusão que se nos afigura importante retirar em benefício
do DIP: a flexibilidade com que foram tratadas as questões privadas inter-
nacionais. Como se sabe, em Roma os processos judiciais caracterizavam-
se por um formalismo apertado, formalismo esse que não era observado
na aplicação do jus gentium360.
Parece, assim, poder afirmar-se, com justiça, que, se é certo que os
jurisconsultos romanos não adoptaram um sistema de solução dos confli-
tos de leis, tal como hoje o conhecemos, a verdade é que foi em Roma que
se lançaram as sementes que séculos mais tarde germinariam e viriam a
dar lugar ao aparecimento da primeira escola de DIP - a conhecida Escola
Estatutária de Direito Internacional Privado.
359 Este ponto de vista é sustentado por ARMARIO: “ Por detrás do jus gentium - explica
- parece estar uma ideia de comunidade de direitos. Segundo LOMBARDI trata-se
do direito que a razão natural estabelece entre todos os homens ou o direito que
usam todas as nações . (G.1,1.I.1,2,1. D.1,1,1,4. 2-5, 9.D.25,2,25. D.19,2,1.).” - Faustino
GUTIÉRREZ-ALVIZ Y ARMARIO , in Diccionario de Derecho romano, Tercera edictión,
Madrid, 1982, vb. jus gentium.
360 “O jus gentium tem sobre o jus civile uma vantagem técnica inegável dado que está
livre do rigorismo formal da Lei das XII Tábuas. [...] o praetor peregrinus está dotado
de uma ampla liberdade de interpretação...” Truyol y SERRA, Genése..., pp. 34. cf..
ainda ª MENEZES CORDEIRO Da Boa fé no Direito Civil, Coimbra, 1984, vol. I, pp. 95
e segs.
146 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
e outros escritos jurídicos 147
Sumário:
1. A DIMENSÃO CULTURAL
361 . Para uma perspectiva histórica sobre este ponto de vista, cf. Ruy de ALBUQUERQUE
e Martim de ALBUQUERQUE, in História do Direito Português, Lisboa, 1999, Pedro
Ferreira, pp. 215 e segs.
362 Veja-se no caso português a especialidade fixada relativamente às regiões autónomas.
Estas podem expedir decretos legislativos regionais em matéria de interesse específico
148 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
2. A DIMENSÃO HISTÓRICA
A Carta Régia
371 A modalidade terá tido uma origem religiosa onde se regista uma identidade de
objectivos, diferenciando-se apenas quanto ao grau de vinculação e à natureza das
normas transmitidas. Veja-se as Cartas de S. Paulo aos Coríntios, aos Romanos, aos
hebreus...
372 Cf. Carta do Infante D. Henrique doando a D. Afonso V a temporalidade das Ilhas de Cabo
Verde e dos Açores, e à ordem de Cristo a sua espiritualidade, in História Geral de Cabo Verde,
corpo documental, vol. I, Lisboa, Cabo Verde, 1988, pp. 13 e segs.
373 Cf. História Geral de Cabo Verde... cit. (corpo documental), pp. 15 e segs.
374 Cf. Carta Régia de 12 de Junho de 1466 que concedeu aos moradores da Ilha de
Santiago autorização para comerciarem na costa da Guiné, História Geral de Cabo Verde,
cit, pp. 19 e segs.
375 Veja-se a Carta Régia de 30 de Setembro de 1469 que concedeu privilégio a dois
castelhanos, Joham de Lugo e Pero de Lugo, mercadores para o comércio de urzela nas
ilhas de Cabo Verde (História Geral de Cabo Verde, cit. pp. 23 e segs). Como ensinam Ruy
de ALBUQUERQUE e Martim de ALBUQUERQUE, in História do Direito Português,
Lisboa, 1999, Pedro Ferreira, pp. 201, a Carta de Privilégios assumiu várias modalidades,
tais como, carta de liberdade de uma população (Charta libertatis ou liberationis), Carta
de Doação (charta donationis) e Carta de Franquia (Charta franquitatis).
376 Cf. Carta Régia de 6 de Agosto de 1472, concedendo perdão a Joham Rodriguez que
e outros escritos jurídicos 151
O Alvará
fora degredado para as ilhas de Cabo Verde (História Geral, cit., pp. 29 e segs.)
377 Foi por Carta Régia de 20 de Outubro de 1620 que se procedeu à comutação do degredo
das mulheres para o Brasil, ordenando que o mesmo degredo se fizesse para as ilhas de
Cabo Verde e para S. Tomé.
378 Cf. Carta Régia de 28 de Novembro de 1472 que nomeou escudeiro Sebastiam
Gonçalluez (História Geral... cit. pp. 35 e segs).
379 Cf. Carta Régia de 9 de Abril de 1473, fazendo mercê a Rodrigo Afonso da capitania de
metade da Ilha de Santiago (in História Geral.... cit. , pp. 37 e segs).
380 Cf. Carta de legitimação de Isabel, filha de João Vidal, datada de 15 de Setembro de
1501 – in História Geral de Cabo Verde... cit., pp. 127.
381 Cf. Marcelo CAETANO, in Carta Constitucional, Enciclopédia VERBO, vol. 4, cols.
1191-1193.
382 O termo Carta continua a apresentar interesse jurídico. Em direito internacional muitos
instrumentos receberam o qualificativo de cartas. A título exemplificativo chamou-se
Carta Social Europeia, adoptada em Estrasburgo, a 3 de Maio de 1996, entrada em vigor
a 1 de Julho de 1999, que inclui o catálogo dos direitos dos trabalhadores, das crianças
e das famílias ou a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Cf. http://www.
cartadeidiritti.net/light/carta/files/chartePT.pdf. São ainda utilizadas as fórmulas
carta rogatória e carta precatória.
383 Cf. Ruy de ALBUQUERQUE, in Alvará, Enc. VERBO, vol I, cols. 1537 e segs. Para
a compreensão histórica da figura, cf. ainda Henrique Martins GOMES, in Alvará,
Dicionário Jurídico da Administração, Coimbra, 1965, pp. 373 e segs e bibliografia ali
citada.
152 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
Tit. XX, § 5: “... Mandamos que aquelas cuosas que por nós ouverem de passar,
cujo efecto aja de durar huu anno, nom se faça por Aluaraes, mas todas se façam
por Cartas Patentes, que comecem por D. Manuel...” A norma foi retomada
pelas Ordenações Filipinas Livro II, Tit. XL que apenas substituiu “que co-
mecem por D. Manuel” por “que comecem por Dom Filippe”. Em qualquer
dos casos a sanção pela inobservância era a da nulidade dos Alvarás - “se-
jam nenhuns” - responsabilizando-se o escrivão pelos prejuízos causados.
Como observa o Professor Ruy de ALBUQUERQUE, a separação
entre as duas modalidades não foi muito respeitada, verificando-se situa-
ções em que a Alvarás se aditou a referência “para valer como Carta de Lei”.
Veja-se, a este propósito, o Alvará de 15 de Junho de 1714 que ampliou a
Lei de 23 de Agosto de 1672, fixando o prazo do protesto das letras em 15
dias, a contar do seu vencimento384. Esta é, certamente, uma medida que
não se destina a durar um ano.
O Alvará mais antigo de que dá notícia o Corpo Documental da
História Geral de Cabo Verde data de 15 de Outubro de 1473 e foi subs-
crito pela Infanta D. Beatriz (Briatiz). Nele se ordenava aos moradores da
Ilha de Santiago para que obedecessem ao Frei João, frade da Ordem de
S. Domingos, que tinha sido nomeado vigário da parte da Ilha de que era
capitão Rodrigo Afonso385. Foi também por Alvará de 10 de Dezembro de
1643 que se ordenou que os escravos idos da Guiné para as ilhas de Cabo
Verde pagassem nestas ilhas os seus direitos386.
O alvará podia, pois, conter uma ordem387, conceder uma autoriza-
ção ou licença388, impor uma obrigação389 ou uma proibição390 conceder um
384 Cf. Boletim do Conselho Ultramarino, 1º volume da legislação antiga (1446-1754), pp. 392.
385 In História Geral de Cabo Verde ..., cit. pp. 43.
386 Cf. Boletim do Conselho Ultramarino, 1º volume da legislação antiga (1446-1754), pp.
262.
387 Como seja o Alvará de 22 de Dezembro de 1643 que ordenou que todos os papéis
oficiais do Ultramar fossem remetidos para o Conselho Ultramarino. Cf. Boletim do
Conselho Ultramarino, 1º volume da legislação antiga (1446-1754), pp. 259.
388 Foi por Alvará de 8 de Agosto de 1618 que se autorizou a lavra das minas de S. Paulo e
S. Vicente, no Brasil. Cf. Boletim do Conselho Ultramarino, 1º volume da legislação antiga
(1446-1754), pp. 213.
389 O Alvará de 20 de Dezembro de 1647, já referido, que impôs aos escravos o pagamento
de direitos em Cabo Verde, constituía uma excepção do Alvará de 10 de Dezembro do
mesmo ano, que estabelecia a regra de que os direitos dos escravos se pagassem no
lugar donde saiam. Cf. Boletim do Conselho Ultramarino, 1º volume da legislação antiga
(1446-1754), pp. 261.
390 Por Alvará de 8 de Fevereiro de 1711 foi proibida a entrada de navios estrangeiros
nos portos Ultramarinos e foi igualmente por Alvará de 27 de Março de 1721 que se
e outros escritos jurídicos 153
A Portaria Régia
396 Cf. Boletim do Conselho Ultramarino, 2º volume da legislação antiga (1755-1834), pp.
62.
397 Cf. Carta de 15 de Julho de 1857 confirmando e ratificando a Convenção celebrada em
3 de Junho de 1836 com o Governo dos Países Baixos, sobre a recíproca admissão de
Cônsules nas respectivas colónias ou a Carta de 6 de Fevereiro de 1860 de ratificação
e confirmação do Tratado de 21 de Fevereiro de 1857 sobre a continuação do exercício
do Real Padroado no Oriente ou ainda a Carta de 18 de Agosto de 1860 de confirmação
e ratificação do Tratado de demarcação e troca de algumas possessões portuguesas e
neerlandesas no Arquipélago de Solor e Timor, concluído em 20 de Abril de 1859 entre
Portugal e os Países Baixos.
398 Cf. Carta de Lei de 4 de Fevereiro de que aprovou o Tratado de Paz, Amizade e
Comércio celebrado entre Portugal e Japão, de 3 de Agosto de 1860.
e outros escritos jurídicos 155
399 Para maiores desenvolvimentos, ver, sobre este ponto, Pedro Soares MARTINEZ, in
História Diplomática de Portugal, 2ª. Edição, Verbo, Lisboa, 1992, pp. 498-499.
400 Sobre este Ultimatum, Cfr. Soares MARTINEZ, ob. cit. pp. 507-510; A. H. De OLIVEIRA
MARQUES, in Nova História da Expansão Portuguesa (o império africano- Introdução) vol.
XI (1890-1930), coordenação de A. H. DE OLIVEIRA MARQUES, pp. 62-67. Para uma
Leitura do texto do Ultimatum, cfr.na mesma obra Olga Iglésia NEVES, in O império
Africano – Moçambique, pp. 471-472 bem como a resposta portuguesa. Cf. ainda, Mário
MOUTINHO, in O indígena no pensamento colonial Português, Edições Universitárias
Lusófonas, Lisboa 2000. Este Ultimatum veio, como se sabe, na sequência das
pretensões de Portugal em ligar a costa ocidental de Angola à costa oriental de
Moçambique, conforme o chamado Mapa Cor-de-Rosa (cfr. Soares MARTINEZ, ob. cit.
pp. 505-507) o que implicaria uma expansão das possessões ultramarinas portuguesas.
Estas pretensões desagradaram profundamente a Inglaterra que tinha igualmente
interesse nesses domínios cobiçados por Portugal. Assim, logo que teve conhecimento
de que a Coroa Portuguesa havia iniciado expedições com vista à ocupação, a Coroa
inglesa deu a Portugal menos de 24 horas para mandar retirar as suas tropas das
possessões ocupadas. Na reunião do Conselho de Estado português que se seguiu
achou-se mais prudente acatar as pretensões da Inglaterra para evitar um confronto
armado. Sobre as repercussões do Ultimatum inglês em Cabo Verde, cfr. João Nobre de
OLIVEIRA, in A Imprensa Cabo-verdiana, Macau, 1998, pp. 84-85 e, em particular, 139-
140. Estas repercussões terão sido, fundamentalmente, de duas ordens: por um lado,
o desenvolvimento de um sentimento anti-britânico que, no dizer do autor “levará os
cabo-verdianos a apoiarem, sem reservas, todos os inimigos da Inglaterra e sentirem-se felizes
com os golpes que estes desferirem ao leão britânico” e, por outro, a diminuição do respeito
devido à Coroa portuguesa, certamente, pelo facto de ter cedido nas pretensões da
Inglaterra. Esse desrespeito contribuiu para o reforço do ideal republicano em Cabo
Verde, logo, anti-monárquico e teve igualmente repercussões nacionalistas. Terá sido
nessa altura que surgiram as primeiras vozes a reclamar a independência de Cabo
Verde. Para maiores desenvolvimentos, cfr. o mesmo João Nobre de OLIVEIRA, ob.
loc. cit. .
156 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
A Portaria Ministerial
O Diploma legislativo
Colónias, por via de regra, com o voto do Conselho do Governo (artº. 30º,
31º).
De acordo com a Carta Orgânica do Império Colonial português, apro-
vada pelo Decreto-Lei nº. 23:228, de 15 de Novembro de 1933, que entrou
em vigor no dia 1 de Janeiro de 1934, os actos legislativos do Governador
assumiam a forma de diploma legislativo ou portaria e estavam sujeitos à pu-
blicação no Boletim Oficial da Colónia (cfr. Artº. 31º). O diploma legislativo
era a forma adequada para todos os actos legislativos do Governador re-
lativos a matérias exclusivamente respeitantes à Colónia e não atribuídas
especialmente nem à Assembleia Nacional, nem ao Ministro das Colónias
(artºs. 42º a 44º e 49º da Carta Orgânica)403. A portaria ou portaria provincial
era o acto legislativo regulamentar.
*
* *
403 A fórmula dos diplomas legislativos vinha regulada na Carta Orgânica do Império
Colonial Português. Cf. Artº. 9º do Decreto-Lei nº. 23.228, de 15 de Novembro de
1933.
404 Como é sabido, uma lei revogada não é, necessariamente, uma lei ineficaz, pois, continua
a fazer sentir os seus efeitos relativamente aos factos e situações que ocorreram durante
o período da sua vigência - Cf., por todos, José de Oliveira ASCENSÃO, Introdução ao
Estudo do Direito, 10ª edição, Almedina, 1997, pp. 452.
158 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
3. REGIME ACTUAL
Generalidades
405 Na Constituição Portuguesa a disposição fundamental sobre esta matéria é o artº. 169º
que tem por epígrafe “forma dos actos”, adoptando as formas Lei constitucional, Lei
orgânica, Lei, Moção e Resolução. Note-se, porém, que este artigo só se ocupa da forma
dos actos da Assembleia da República. No que respeita aos actos do Presidente da
República e do Governo ocorre referir com GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA
que a Constituição portuguesa não define a forma dos actos do Presidente da República.
Mas tendo em conta o artº. 122º-2/d) devem revestir a forma de decreto todos os actos
do Presidente da República com eficácia externa (in Constituição da República portuguesa
anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, pp. 583, anotação V ao artº. 136º).
No que respeita à forma dos actos do Governo na CRP, atente-se ao artº 201º que lhe
atribui competência para fazer decretos-leis em matéria não reservada à Assembleia
da República e em matéria de reserva relativa da Assembleia da República, mediante
autorização desta e, bem assim, para desenvolvimento dos princípios das bases gerais
dos regimes jurídicos contidos em leis. Atente-se, igualmente, no artº. 115º da CRP, cujo
nº. 6 estabelece a forma de decreto regulamentar para os regulamentos do Governo.
406 Cf. artº. 203º que confere ao Governo competência para aprovar actos normativos
sobre a sua própria organização e funcionamento; artº. 255º nos termos do qual “revestem
a forma de decretos presidenciais os actos normativos do Presidente da República, que nos termos
da Constituição não devam revestir outra forma”; artº. 259º que define os regulamentos como
“actos normativos praticados pelo Governo e demais entidades públicas no exercício de funções
administrativas”; artº 259º/5, nos termos do qual “revestem a forma de regimento os actos
normativos reguladores da organização e funcionamento dos órgãos colegiais...”. No artº.
258º a CR parece identificar acto legislativo com acto normativo. Diz, com efeito, “nenhuma
lei pode criar outras categorias de actos legislativos, nem atribuir a actos normativos de
outra natureza poder para interpretação autêntica ou integração das leis, bem como para
modificar, suspender ou revogar qualquer acto legislativo”. A expressão sublinhada
– actos normativos de outra natureza – parece estar referenciada a categoria de actos
legislativos, o que permitiria identificar acto legislativo e acto normativo.
e outros escritos jurídicos 159
tucionais que tanto podem ter uma natureza política, como uma nature-
za administrativa” e que, por isso, se enquadrariam na categoria de actos
normativos411. Este critério permitiria validar a opção feita pelo legislador
constitucional entre actos legislativos, por um lado, e actos normativos,
por outro.
O critério merece, todavia, reparos. Ao fundar-se na competência
administrativa para caracterizar os actos normativos e ao enquadrar neles
os decretos presidenciais, parece atribuir maior valor à vertente administra-
tiva dos actos do PR em detrimento da função política. Todavia, as fun-
ções constitucionais do Presidente da República são predominantemente
de natureza política o que torna refractária a inclusão dos decretos presi-
denciais, através dos quais os referidos actos são praticados, na categoria
actos normativos na acepção administrativa que lhe foi emprestada.
A doutrina constitucionalista inclui os decretos presidenciais entre os
actos com força afim da força de lei. Como ensina Jorge MIRANDA, para
além dos actos com forma e força de lei, há actos que recebem eficácia de
lei-formal412. Entre eles estariam os decretos do Presidente da Repúbli-
ca, particularmente, os de declaração do estado de sítio ou do estado de
emergência (artº. 134º/2/h)) e os de nomeação dos membros do Governo
(artº. 134º/2/al. e))413, embora reconheça a tais actos um sentido legisla-
tivo menor414.
Um outro critério proposto por Wladimir BRITO para a distinção
entre actos legislativos e actos normativos é o critério da promulgação. No
dizer do autor a promulgação “acentua a ideia de que todos os actos le-
gislativos são actos cuja regularidade constitucional da sua feitura, legiti-
midade e competência constitucional do órgão que os emitiu tem de ser
certificada pela via da promulgação e só ficam perfeitos depois desta pre-
sidencial intervenção e permite afirmar que nenhum acto pode ser qualifi-
cado como acto legislativo se não for obrigatória a sua promulgação pelo
Presidente da República”415.
Todavia, é o próprio autor que, mais uma vez, assaca uma dificul-
dade a este critério. Ele não explica, na verdade, porque é que tendo sido
catalogado o Decreto Regulamentar como acto normativo, a Constituição
imponha, do mesmo passo, que este tipo normativo esteja sujeito a pro-
411 Ob.loc.cit.
412 In Funções, Órgãos e Actos do Estado..., cit. pp. 339 e segs.
413 In Funções..., cit., pp. 340.
414 In Funções..., cit. pp. 344.
415 In Da Feitura das Leis..., cit. pp. 18-19.
e outros escritos jurídicos 161
mulgação pelo Presidente da República (artº. 134º nº. al. b)). O decreto re-
gulamentar retira, pois, cientificidade ao critério.
Não podemos, porém, censurar Wladimir BRITO. O objectivo do
autor é o de salvar a dicotomia constitucional entre actos legislativo, por
um lado, e acto normativo, por outro, que, como bem observa, vem da
primeira versão da Constituição de 1992.
Pela nossa parte, propomos uma abordagem mais radical. Sabemos
que a distinção entre lei e norma é feita por uma certa doutrina416, mas
não tem o sentido que pretendeu emprestar-lhe o legislador constitucio-
nal. Uma das vias desta distinção é a interpretativa ou exegética. Ou seja,
através da interpretação da lei, descobre-se a norma nela contida. Por isso,
se diz que a interpretação é um processo de descoberta da norma jurídica.
Oliveira ASCENSÃO diz a este propósito: “A actividade que nos permite, a
partir da fonte, chegar à regra que ela alberga é a interpretação”. E mais adiante:
“há de característico a exteriorização de que se parte ser uma fonte e o resultado
que se procura atingir ser uma norma”417. Ora, se a lei é a fonte de direito, a
norma contida na mesma lei e que se revela através de um processo inter-
pretativo não pode ser diversa da lei que lhe dá origem.
Esta circunstância identifica as categorias lei e norma e, consequen-
temente, as categorias acto legislativo e acto normativo.
Assim, entendemos que a classificação constitucional deve ser des-
prezada, seguindo o ponto de vista tradicional no sentido de que não com-
pete ao legislador (maxime ao legislador constitucional) fazer qualificações
jurídicas. Somos da opinião de que o legislador deve ter uma posição neu-
tral face a construções que apenas compete à ciência jurídica desenvolver
e consolidar. Quando a posição do legislador comprometer esta possibili-
dade deve ser rejeitada, em nome do interesse da ciência jurídica418.
Outra dificuldade que a classificação coloca diz respeito ao regimen-
to. Dentro da sua competência organizativa interna compete aos órgãos
colegiais aprovar regimentos. A Constituição refere-se a regimentos de
419 Cf. artº. 171º/a) e 256º/4 para a AN e artº. 203º/1 para o Governo. A Constituição
prevê o Regimento do Conselho da República elaborado e aprovado por este (artº.
250º/2).
420 In Da Feitura..., pp. 16.
e outros escritos jurídicos 163
Os decretos Presidenciais
421 Cf. artigo 255º (Decretos presidenciais) “Revestem a forma de decretos presidenciais
os actos normativos do Presidente da República, que nos termos da Constituição não
devam revestir outra forma”. A revisão constitucional de 1999 introduz, todavia, duas
alterações nesta matéria, uma formal, outra de fundo. No plano formal, enquanto
na versão de 1992, os Decretos presidenciais constavam da alínea c) do artº. 292º,
quanto ao regime de publicação, na versão de 1999, estes decretos passaram para a
alínea a) do artº. 264º, criando a ilusão de conferir maior importância aos actos do
Presidente da República. No plano substancial, tal como os demais actos legislativos,
a falta de publicação dos decretos do Presidente da República, passou a ser cominada
com o vício da ineficácia jurídica, em vez do vício da inexistência jurídica que afectava
os actos legislativos. Regista-se, assim, um considerável enfraquecimento da sanção
jurídica aplicada, alteração esta criticável. Atente-se ainda no disposto no artº. 137º
da Constituição relativo à promulgação e referenda. Este artigo comina com a pena de
inexistência jurídica a não promulgação pelo Presidente da República das leis, decretos
legislativos, decretos-lei e decretos regulamentares (artº. 134/2/al.b)). O vício da
inexistência jurídica afecta ainda os actos do Presidente da República que devam ser
praticados sob proposta ou depois de ouvido o Governo, quando não tenham sido
referendados pelo Primeiro Ministro. A CR comina ainda de inexistência jurídica,
os seguintes actos do Presidente da República: marcação de eleições (artº. 97º/2;
dissolução da Assembleia da República sem o parecer favorável do Conselho da
República (artº. 142º/2). Note-se, aliás, que apenas os actos do Presidente da República
são cominados pela Constituição pelo vício da inexistência que é o mais grave dos
vícios do acto jurídico, pois, afecta-o enquanto realidade ontológica.
164 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
426 Para uma crítica dos poderes do Presidente da República na Constituição cabo-verdiana, cf.
David Hopffer ALMADA, in A questão presidencial em Cabo Verde - uma questão de regime, Praia,
2002. A tese dominante do autor reside no desequilíbrio entre o regime de eleição directa do
presidente da República face à exiguidade dos poderes de que dispõe este órgão de soberania.
427 In Estudos sobre a Constituição (actos e funções...) ... cit., pp. 274-275.
166 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
A Lei Constitucional
A Lei
428 Excluímos, portanto, o artº. 171º/a) pelas razões que atrás referimos.
429 Sobre as leis reforçadas o estudo mais completo corresponde à tese de Carlos Branco
de MORAIS, As leis Reforçadas, Lisboa, 1998.
e outros escritos jurídicos 167
O Regimento (omissis)
Resolução da AN
O Decreto
O Decreto Legislativo
O Decreto-Lei
O Decreto regulamentar
430 Sobre o regime das autorizações legislativas, cf. Artº. 181º da Constituição.
431 In Constituição da República portuguesa anotada..., pp. 50~, anotação III ao artº. 115º.
170 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
A Portaria
O Despacho normativo
A Resolução do Governo
Regimento
Sistemática
2. Princípios subjacentes
432 No que respeita ao abuso do direito esta ideia já encontrou relevância jurisprudencial.
Cf. sobre este ponto Ac. do STJ de 11 de Novembro de 1999, Bol. do Min. da Just., 491,
214. Este acórdão fez aplicação do artº. 334º do CC numa situação de dívida fiscal em
que o Estado havia aceitado o pagamento a prestações, ao abrigo do chamado Plano
Mateus, mas veio posteriormente exigir o pagamento integral do crédito em acção
executiva. O Tribunal considerou que o Estado violou as regras da boa fé. Cf. ainda
Ac. da RP de 1 de Outubro de 1999, BMJ 480, 546; Ac. da RP de 9 de Novembro de 1999,
Col. de Jur., 1999, 5, 184; Ac. do STJ de 27 de Março de 2001, Col. de Jur., 2001, 1, 184. A
RL tomou sobre esta matéria posições divergentes. Em sentido contrário, cf. Ac. da RL
de 22 de Junho de 1999, Col Jur. 1999, III, 118; Ac. da RL de 22 de Fevereiro de 2000, in
Col. Jur. 2000, I, 123, tendo-se pronunciado no sentido favorável à inadmissibilidade
da reclamação o Ac. da RL de 14 de Abril de 1999, Col. Jur. 1999, II, 163. Alguns dos
acórdãos mencionados não fazem referência expressa à figura do abuso do direito.
176 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
integração das normas jurídicas, sem prejuízo, claro está, das disposições
específicas.
ARTIGO 334º
(Abuso do direito)
Anotação:
I - O direito atribui relevância aos actos abusivos. Esta relevância
pode ser civil, administrativa, fiscal433, criminal, substantiva ou proces-
sual434. Todos os ramos do direito dão relevância ao abuso, não apenas
enquanto conduta eticamente reprovável do titular de um direito, mas
também como actuação objectiva do sujeito que ponha em causa os fun-
damentos de atribuição do próprio direito. Fala-se, assim em abuso da
posição dominante; abuso de autoridade; abuso de confiança; abuso de
confiança fiscal; abuso do direito... Parece ser neste sentido que António
Lopes da SILVA definia o Abuso como “todo o acto exagerado por culpa, ma-
lícia ou erro, e que excede os limites do gozo dos direitos originários ou civis, ou
de autoridade pública, doméstica, ou administrativa, contra as disposições da Lei,
ditames da justiça ou da Boa razão”435.
O Código Civil de 1867 parecia não dar relevância aos actos abu-
433 Sobre este ponto, cf. José Luis Saldanha SANCHES, in Abuso de Direito em Matéria
Fiscal: alcance e limites, Ciência e Técnica Fiscal, nº. 398, pp. 13 e segs. O Ac. do STJ
de 11 de Novembro de 1999 ocupou-se da questão seguinte ilustrativa do abuso de
direito em matéria fiscal: um contribuinte celebrou com o Estado um acordo sobre o
pagamento em prestações de dívidas fiscais em atraso. Posteriormente veio o Estado
reclamar o pagamento integral do crédito, encontrando-se o contribuinte a cumprir
o acordado sobre o pagamento a prestações. O tribunal considerou que o Estado
excedera de modo excessivo os limites impostos pela boa fé e condenou-o por abuso
de direito. Cf. BMJ nº. 491, pp. 214 e segs.
434 Para uma relevância processual do abuso do direito, cf. Ac. do STJ de 11 de Abril 2000,
Ac. Dout. do STA, 471, 478.
435 In Repertório Jurídico, vol I, Coimbra 1886, pp. 7. Embora o autor use o vocábulo com
este conteúdo amplo, a verdade é que as decisões que utiliza no seu Repertório para
ilustrar situações de abuso, são fundamentalmente do foro criminal. Estas situações
são: abuso de autoridade, com relevância para um acórdão da Relação do Porto, de
11 de Agosto de 1876, relativo a abuso de poder cometido por um juiz; abuso de
confiança; abuso de funções religiosas e abuso de liberdade de imprensa.
De relevar, igualmente, uma posição da Revista de Legislação atinente às relações entre
e outros escritos jurídicos 177
439 Cf. deste autor a tese Abuso do Direito (reimpressão da edição de 1973), Coimbra,
Almedina, 1997.
440 #
Para um amplo desenvolvimento destas figuras, seja na sua génese, seja na sua aplica-
ção, cf. a tese do autor Da Boa fé no direito civil, vol II, Coimbra 1984, pp. 719 e segs,
retomado no seu Tratado de Direito Civil português, I Parte Geral, Tomo I - Introdução,
Doutrina Geral, Negócio Jurídico, Coimbra, Almedina, 1999, pp. 191 e segs e, em parti-
cular, 198 e segs.
441 Cf. Menezes CORDEIRO, Tratado..., pp 196.
442 6º Juízo Cível.
443 O carácter oficioso do conhecimento do abuso do direito é reconhecido, tanto pela
doutrina, como pela jurisprudência. Cf. Ac. do STJ de 25 de Novembro de 1999, Col. Jur.
1999, III, 124. Nesta situação o adquirente de um automóvel não havia cumprido uma
cláusula acessória do contrato, e o vendedor usou do direito de rescindir do contrato,
não obstante ter logrado a satisfação dos demais interesses decorrentes do contrato. O
tribunal considerou a rescisão abusiva e conheceu oficiosamente do abuso.
e outros escritos jurídicos 179
V - São, aliás, estes dois elementos que possibilitam ainda duas ma-
nifestações do abuso do direito, assentes no binómio supressio-surrectio.
444 Cf. neste sentido, Ac. do STJ, de 25 de Maio de 1999 (col. Jur. 1999, II, 116). Cf. ainda
Ac. da RL de 25 de Maio de 1999,
445 Cf. Parecer da PGR de 21 de Março de 1998.
446 Ac. da Relação de Évora, de 11 de Novembro de 1993 (col. Jur. V, 283).
180 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
447 Para maiores desenvolvimentos cf. MENEZES CORDEIRO, Tratado..., pp. 206.
448 Cf. MENEZES CORDEIRO, Tratado..., pp 205-206.
449 Proc.690/99 -3ªSecção, Ac. de 8/7/99 -2ª secção Cível (João Vaz) www.trp.pt.
450 MENEZES CORDEIRO parece referir incidentalmente a estas duas manifestações,
Tratado..., pp. 209 e 211.
e outros escritos jurídicos 181
Não é necessário que o abusador actue com dolo. Não necessita sequer de
ter consciência do carácter abusivo do seu acto. Basta que o seu acto seja
objectivamente abusivo. Cite-se, exemplificativamente, o Ac. do STJ de 8 de
Março 2000, segundo o qual para haver abuso de direito “não é necessária
a consciência de se atingir, com o exercício do direito, a boa fé, os bons
costumes ou o fim social e económico do direito exercido: basta que os
atinja451“.
ARTIGO 335º
(Colisão de direitos)
Anotação:
I - Dá-se a colisão de direitos quando o seu exercício provoca a
intersecção mais ou menos sobreposta de espaços de actuação de cada
direito. Abstractamente os direitos não se colidem453. A colisão dá-se no
momento do seu exercício. Verifica-se que a actuação do titular de um
direito invade, de modo lícito, o espaço lícito de actuação do titular de um
direito de igual ou diferente natureza. Coloca-se um problema de impe-
netrablidade.
453 A ordem jurídica é dotada de coerência interna, o que não significa que algumas
normas não poderão encontrar-se em situação de antinomia. Todavia, a ciência jurídica
foi elaborando ao longo dos tempos diversos mecanismos para superar tais situações,
restabelecendo a congruência. As fórmulas lei especial derroga a lei geral; a lei superior
derroga a lei inferior; a lei posterior derroga a lei anterior e a própria adaptação são algumas
das vias encontradas pela ciência jurídica para restabelecer a coerência interna entre
normas ou princípios em antinomia.
e outros escritos jurídicos 183
454 Cf. Ac. do STJ de 26 de Setembro de 2000, Col. de Jur., 2000, 3, 42.
455 Para maiores desenvolvimentos sobre este ponto, cf. CAPELO DE SOUSA, O Direito
Geral..., pp. 533 e segs.
456 Cf. Ac. do STJ de 22 de Outubro de 1998 que considerou o direito à integridade física
de natureza superior ao direito ao lazer e aos tempos livres (BMJ 480, 413); Ac. da RC
de 15 de Fevereiro 2000, que reconheceu a superioridade dos direitos da personalidade
sobre o direito da propriedade (Col. Jur. 2000, I, 23).
184 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
ARTIGO 336º
(Acção directa)
Anotação:
I - No princípio era a vindicta privada. Cada clã, tribo ou família
realizava a justiça pelas próprias mãos. A regra do talião olho por olho, den-
te por dente, era o único critério com base no qual este modelo de justiça se
realizava. Não atendia nem a critérios de culpa, nem a causas de justifica-
ção ou de exclusão, nem a nenhum outro critério atenuador da responsa-
bilidade que hoje caracteriza a justiça pública. Compreende-se, pois, que
tenha dado lugar a muitas situações de excesso. Por isso, o Estado tomou
sobre si o poder de realizar o direito, com a credibilidade garantida pela
ciência jurídica. Essa transferência não foi, todavia, total, pois há situações
em que a acção do Estado não é adequada para garantir uma tutela em
tempo útil.
457 Cf. a este propósito o Ac. da RL de 23 de Outubro de 1991 que considerou desculpável
o erro de um presumível proprietário que, em acção directa, removeu postes que foram
colocados em terreno contínuo à sua propriedade. O proprietário agiu na convicção
(errada) de que os referidos postos tinham sido instalados na sua propriedade. In
www.dgsi.pt/jtrl. Duvidámos da bondade destas decisão. O proprietário tem o dever
de diligenciar no sentido de conhecer os justos limites do seu direito de propriedade.
Desculpabilizar o erro nesta situação pode significar ofender o direito de propriedade
de outrem. Cf., sobre este ponto, CAPELO DE SOUSA, O Direito geral ..., pp. 439, nota
1185.
458 Cf., por todos, CAPELO DE SOUSA, O Direito geral..., pp. 438, nota 1175.
459 Cf. Pires de LIMA e Antunes VARELA, Código Civil anotado, vol. I, Coimbra Editora,
186 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
VII - A acção directa pode ter por conteúdo qualquer acto do titular do
direito que seja adequado para evitar a inutilização prática do direito. Pode
consistir na apropriação de uma coisa, sua destruição ou deterioração, assim
como pode traduzir-se na eliminação de resistência irregularmente oposta ao
exercício do direito (nº. 2 do artº. 336º). Abstractamente considerado, a acção
directa pode concretizar todas as actuações do titular do direito que, na falta
dos pressupostos da acção directa, só obteria com a intervenção dos meios
coercivos normais. Essas actuações correspondem, no plano processual, a
pretensões, tuteladas, neste particular, por acção própria.
Por recurso à força não se deve entender apenas o recurso à própria
força. Parece não estar afastada a possibilidade de o titular do direito poder
obter a cooperação de outras pessoas de modo a alcançar um nível óptimo
de força para assegurar ou realizar o próprio direito. Assim, um proprie-
tário que encontrar resistência ao exercício do seu direito de propriedade
por parte de um grupo de indivíduos parece não estar impossibilitado
de obter a cooperação de outro grupo de indivíduos, se se verificarem os
demais pressupostos de acção directa, para se manter ou restituir, desde
que a acção seja coordenada e dirigida pelo próprio proprietário461. Não
parece que a uma resistência colectiva irregularmente oposta ao exercício
de um direito, seja legalmente exigível uma acção individual.
ARTIGO 337º
(Legítima defesa)
Anotação:
I - A legitima defesa representa, ao lado da acção directa, o reco-
nhecimento de que o Estado não é uma entidade omnipresente. Em al-
gumas situações sem uma actuação do próprio titular do direito ou de
terceiros para a defesa da própria pessoa ou do seu património poderiam
ficar goradas as possibilidades de tutela dos direitos inerentes se a ordem
jurídica não reconhecesse ao seu titular ou a terceiros poderes de defesa
ou conservação perante agressão actual de outrem. Trata-se de uma for-
ma de auto-tutela perante situações de agressão.
em legitima defesa. A legitima defesa pode ser, pois, própria ou alheia. Es-
tão subjacentes a esta faculdade razões de ordem pública e de cooperação
de todos na prossecução da paz social.
A agressão é contrária à lei quando é proibida ou não autorizada
por uma norma jurídica. Daí decorre que a actuação da vítima que pro-
voque ou de algum modo incite à agressão torna esta justificada e, conse-
quentemente, lícita. Em tal caso, a defesa torna-se ilegítima.
mas, diferentemente desta, a lei não exige que na legítima defesa haja
uma proporcionalidade entre os meios empregues em legítima defesa e a
agressão. A ordem jurídica só reage negativamente face aos meios empre-
gues se forem manifestamente superiores aos meios utilizados na agressão
(v.gr. responder com um tiro de pistola a uma bofetada ou um soco). Co-
lhe, neste particular, a consideração de elementos psicológicos. É, aliás, a
consideração destes elementos psicológicos que justifica a legítima defesa
mesmo em situações de excesso (nº. 2), se esta for devido a perturbação
ou medo não culposo do agente. Note-se, todavia, que só se pode falar em
excesso de legítima defesa quando estejam preenchidos todos os pressu-
postos de legítima defesa, como acertadamente se decidiu no Ac. do STJ
de 19 de Novembro de 1998463
ARTIGO 338º
(Erro acerca dos pressupostos da acção directa
ou da legítima defesa)
Anotação.
I - Esta disposição regula a chamada legitima defesa ou acção direc-
ta putativa. Neste caso, quem actua em acção directa ou legítima defesa
age na suposição errónea de que a sua actuação está autorizada por lei.
Não é necessário que o erro respeite à totalidade dos pressupostos, quer
da acção directa, quer da legítima defesa. Basta que o agente actue em erro
quanto a um desses pressupostos. Esta consideração conforma-se com o
carácter cumulativo dos pressupostos quer da acção directa, quer da legí-
tima defesa.
ARTIGO 339º
(Estado de necessidade)
Anotação
I - O estado de necessidade tem relevância civil, criminal465, admi-
nistrativa466. O bem jurídico em perigo poderá pertencer a uma pessoa
pública ou privada. A lei tipifica algumas situações em que determinadas
pessoas ou entidades são autorizadas a actuarem em estado de necessidade.
Assim, em caso de incêndio o artº. 162º do Código Administrativo de 1940
autoriza as autoridades policiais e os comandantes dos corpos de bombei-
ARTIGO 340º
(Consentimento do lesado)
Anotação:
I - Na responsabilidade civil objectiva a culpa do lesado exclui a
responsabilidade468. Diferente da culpa do lesado é a situação em que o
mesmo consente, voluntária e conscientemente, na prática da lesão. Pode-
se, neste particular, falar de um consentimento informado, no sentido de
que o titular do direito conhece os perigos a que, pela sua actividade ou
actividade de outrem expõe o próprio direito, mas mesmo assim aceita o
risco inerente a essa actividade, ainda que envolva lesão.
468 Cfr. Ac. do STJ de 18 de Janeiro de 2001, Supremo Tribunal de Justiça, Col. de Jur.,
2001, 1, 70.
e outros escritos jurídicos 193
importa uma restrição mais ampla, qual seja a de tal limitação voluntária,
desta feita, traduzida no consentimento na lesão, não poder ser contrária
aos princípios da ordem pública, sob pena de nulidade (artº. 81º/1). Isto
significa que o titular do direito da personalidade pode, a todo o tempo,
revogar o consentimento, sem prejuízo de ser obrigado a indemnizar os
danos causados às legítimas expectativas da outra parte (81º/2).
A aplicação desta disposição requer fundadas cautelas. Sendo o
direito da personalidade um direito superior, não poderá ser arbitrada
nenhuma indemnização que leve o titular do direito a optar por sujeitar-
se à limitação do seu direito da personalidade. Também parece não ser de
arbitrar qualquer indemnização quando a revogação seja devida a medo,
pânico ou outra forma de descontrolo psíquico do titular do direito de-
corrente do estado de sujeição a que se colocou. Assim, se as condições da
casa do Big Brother se revelarem insuportáveis para um dos concorrentes,
este poderá cessar a todo o tempo a sua presença nessa casa, sem que
nenhuma indemnização seja devida à empresa exploradora do evento.
Todavia, parece já ser devida indemnização se a revogação se dever a
capricho ou mera leviandade de um dos concorrentes.
e outros escritos jurídicos 195
Sumário:
§1º Introdução:
1. O Tema. 2. A sua amplitude. §2º Pessoa e cida-
dania: 1. Os direitos da personalidade. 3. O direito
à identidade pessoal. 4. A clonagem. 5. A reserva
da vida privada. 6. A videovigilância. 7. O correio
electrónico. §3º Cidadania e trabalho: 1. O teletra-
balho. 2. A experiência portuguesa. Conclusão
§1º INTRODUÇÃO
1. O Tema
469 O termo sociedade de informação generalizou-se, mas contesta-se a sua utilização. Oliveira
ASCENSÃO, prefere sociedade de comunicação, mas não cremos que seja feliz a proposta.
Na verdade, todas as sociedades são sociedades de comunicação. O que as distingue da
sociedade actual que justifica o tema que nos propomos tratar é o aumento exponencial
do nível de comunicação que as novas tecnologias de informação e comunicação hoje
permitem.
470 Sobre as relações entre o Direito e a Sociedade de Informação apresentam real interesse,
entre outros, os estudos produzidos no quadro da Associação portuguesa do Direito
Intelectual, sob o título Direito da Sociedade da Informação, Coimbra Editora, Coimbra,
vols. I (1999), II (2001) e III (2002). Para uma síntese dos documentos produzidos no
quadro da União Europeia entre os anos de 1993 e o ano de 2000 relativos à importância
das tecnologias de informação, nomeadamente, para o mundo laboral, cf. Guilherme
Machado DRAY, in Estudos do Instituto do Direito do Trabalho (teletrabalho, sociedade
da informação e direito), vol. III, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 262 a 265. Cf. ainda
196 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
2. Sua amplitude
§ 2º
PESSOA E CIDADANIA
1. Os direitos da personalidade
4. A clonagem
478 O recurso aos testes genéticos em matéria de contrato de trabalho oferece a maior
complexidade comprovada na monografia dedicada ao tema por João Nuno Zenha
204 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
484 Sobre os casos relatados, cf. Code du Travail Dalloz, 1999, edição CD-Rom, consulte vie
privée. Cf. ainda Pierre KAYSER, in La protection de la vie privée par le droit..., pp. 265-266
com o relato de outras situações.
485 Cf. Pierre KAYSER, La protection..., pp. 266-267.
208 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
6. A videovigilância
486 - DR de 24-4-1997.
e outros escritos jurídicos 209
§ 3º
CIDADANIA E TRABALHO
1. O tele-trabalho
488 Maria Regina Gomes Redinha fala a este propósito de uma questão irresolvida,
a das relações entre o mercado de trabalho e as novas tecnologias de informação e
comunicação. Cf. o seu estudo Teletrabalho, in http://www.unicz.it/lavoro/REDINHA.
htm.
489 O termo não é ainda reconhecido por alguns dicionários electrónicos de língua
portuguesa como este que está instalado no computador.
490 Palma RAMALHO é peremptória em afirmar que o desenvolvimento recente do tele-
trabalho impede a sua delimitação precisa - in Da autonomia dogmática..., cit. pp. 559,
nota 302. É claro que a autora escrevia no ano 2000, mas não cremos que dessa data
a esta parte o desenvolvimento do tele-trabalho tenha permitido a modificação deste
ponto de vista.
491 A literatura sobre a matéria, embora em número significativo, é dominada por aspectos
ligados à sociologia laboral. Na literatura jurídica portuguesa recenseámos as seguintes
obras relativas ao tele-trabalho: para além do estudo já referido do mestre Guilherme
Machado DRAY, in Estudos do Instituto do Direito do Trabalho (tele-trabalho, sociedade da
informação e direito), cit..., abordam o tema Maria do Rosário Palma Ramalho, in Da
Autonomia Dogmática do Direito do Trabalho, Coimbra, Almedina, 2000, referindo-se a
aspectos pontuais da questão semeados ao longo de toda a tese, tais como, a relação
entre o tele-trabalho e a subordinação jurídica (pp. 88, nota 187 e pp. 596), o contributo
do tele-trabalho para o crescimento de situações laborais atípicas e, consequentemente,
para a diluição das fronteiras entre o trabalho dependente e o trabalho independente
(pp. 558, nota 301, 559, nota 302, 559, nota, 303, 560 e 561, nota 306) e, por último, a
problemática da ausência de disciplina legal do tele-trabalho; Pedro Romano Martinez,
e outros escritos jurídicos 211
499 Cf. Convenção para a protecção das Pessoas relativamente ao tratamento automatizado
de dados de carácter pessoal, aprovada para ratificação em Portugal pela Resolução
da Assembleia da República nº. 23/93, de 09 de Julho e ratificada pelo Decreto do
Presidente da República nº. 21/93, de 09 de Julho de 1993. Atente-se na rectificação nº.
10/93, publicada no Diário da República I-A, nº. 195, de 20 de Agosto de 1993.
500 Além da Lei de Protecção de Dados Pessoais, esta matéria conta em Portugal com um
número importante de intervenções legislativas, a saber: a matéria tem, como se sabe,
o seu assento constitucional no artº. 35º da Constituição da República que reconhece
o direito de acesso, rectificação e actualização dos dados pessoais de cada cidadão;
o direito de conhecer a finalidade por que tais dados são coligidos; a proibição de
tratamento de dados relativos a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária
ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étnica; o princípio do consentimento
do titular dos dados pessoais para a sua recolha e tratamento; o princípio da
não discriminação; a proibição do acesso de terceiros a dados pessoais, salvo em
casos excepcionais previstos na lei, entre outros. A Lei 67/98, de 26 de Outubro é
complementada pela Lei nº. 69/98, de 28 de Outubro que regulou o tratamento
dos dados pessoais e a protecção da privacidade no sector das telecomunicações,
transpondo a Directiva nº. 97/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15
de Dezembro de 1997. A jurisprudência e os órgãos de consulta já foram chamados a
pronunciar sobre esta matéria em vários momentos. Assim, no Ac. do STA de 13 de
Abril de 1997 discutiu-se o problema de divulgação de dados confidenciais constantes
do processo de notação dos funcionários, tendo o STA decidido no sentido de que o
acesso a tais dados deve ser restrito (salvo tratando-se do funcionário notado) e com a
especificação do fim a que o pedido se destina. Cf. http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/. No
mesmo sentido se pronunciou o Ac. do STA de 12 de Junho de 1997, considerando que
“Os dados constantes de um relatório clínico de terceiro, contendo informações sobre
doença ou lesões que padeça e o respectivo tratamento, são dados pessoais reservados,
cuja confidencialidade é imposta pela reserva da intimidade da vida privada“ - cf.
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/. No Ac. do STA de 9 de Outubro de 1996 discutiu-se
se, para efeitos de impugnação do concurso, os concorrentes interessados podiam
ter acesso aos dados pessoais dos demais. Parece-nos correcta a decisão tomada no
sentido de que tais dados poderão ser consultados pelos candidatos preteridos, para
efeitos de impugnação dos candidatos seleccionados. Cf. http://www.dgsi.pt/jsta.
nsf/. Cf. ainda Ac. do STA de 22 de Janeiro de 2003 no mesmo sítio. Sobre o tema, cf.
214 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
3ª Jornada Franco - Suiça de Dijon de 13-15 de Outubro de 1986, cf. Revue International
de Droit comparé, 39 ième année, nº. 3, Juillet-septembre, 1987 sob o lema La protection
des donnés personnelles.
501 Distingue-se das situações de tele-trabalho off line em que o tele-trabalhador recebe
previamente um conjunto de ordens e instruções com vista à execução da tarefa ou
função que executa e submete posteriormente à consideração do empregador. Cf.
Machado DRAY, in Teletrabalho..., pp. 269. Distinguem-se igualmente as modalidades
de teletrabalho ao domicílio, teletrabalho móvel, teletrabalho pendular e teletrabalho
offr shore, segundo Pascal ALIX, reconhecidas pelo Governo francês ((Rép. min. n°
28123 : JOAN Q, 12 juin 2000, p. 3570).
502 Cf. sobre este ponto Palma RAMALHO, Da Autonomia dogmática..., cit., pp. 559, nota
304; Guilherme DRAY, Teletrabalho..., cit., pp. 270.
e outros escritos jurídicos 215
tação de serviços504.
Por isso, não podemos concordar com um certo sector da dou-
trina italiana quando advoga a ideia de que só há tele-trabalho onde há
subordinação. António VISCOMI num estudo publicado no Studium Iuris,
1999, n. 10 e posteriormente reelaborado e republicado em forma electró-
nica505 reputa errado considerar como tele-trabalho “qualunque prestazione
o attività svolta, con supporto informatico, al di fuori dell’unità produttiva o am-
ministrativa. Se questa opinione fosse valida - prossegue - dovrebbe paradossal-
mente dedursi che ogni ipotesi di lavoro a distanza (anche quelle, a domicilio, ben
conosciute agli albori della rivoluzione industriale) sia da considerare come una
forma - più o meno arcaica - di telelavoro: esito, questo, del tutto paradossale“.
Para este autor só haveria tele-trabalho havendo subordinação jurídica.
Pode até ser desejável que assim seja e pode ser que o enquadra-
mento jurídico do tele-trabalho venha a evoluir no sentido de reservar a
denominação apenas para as situações em que haja subordinação jurídica.
Todavia, no estádio actual do enquadramento jurídico do fenómeno, com
uma ausência quase completa de regulamentação506, afigura-se-nos arris-
distinção. O Professor Raul Ventura escrevia que “não há trabalho exclusivamente material,
nem exclusivamente intelectual. Todo o esforço humano é dirigido pela vontade, para o
conseguimento de certas finalidades práticas, com o concurso de todas as faculdades humanas.
Nenhum trabalho, mesmo manual, deixa de ser um acto de inteligência e de vontade. Nenhum
trabalho, mesmo intelectual, pode prescindir de manifestações físicas” in “A Relação Júridica
de Trabalho”, nº 11. ( citado por A. Neto, in “Contrato de Trabalho, notas práticas”.) Os
Professores Pires de Lima e Antunes Varela completavam esta afirmação reconhecendo que a
distinção perdera interesse prático. “Todos passaram - dizem - a ser genericamente designados
por trabalhadores a pretexto de a todos subordinar os mesmos princípios fundamentais da
relação de trabalho, pelo que desapareceu praticamente o interesse que delas podia provir”. in
Código Civil Anotado, 2º, 416. Recentemente o Professor MENEZES CORDEIRO recuperou
o interesse da distinção, considerando que a clivagem entre empregado e assalariado deve ser
mantida, pelo interesse que tem para as situações de autonomia técnica e autonomia deontológica
( cf. Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1994, pp. 110). Sobre o trabalho
ao domicílio, cf. António Monteiro FERNANDES, Direito do Trabalho, Almedina Coimbra,
1999, pp. 151 e segs; Maria do Rosário Palma RAMALHO, Da autonomia Dogmática do
Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2000, pp. 637-638. O trabalho no domicílio deve, ele
próprio, distinguir-se do trabalho familiar, aquele que se realiza no quadro da família, despida
de subordinação jurídica (cf. MENEZES CORDEIRO, Manual..., pp. 530). Não pudemos
recensear nenhuma decisão relativa ao trabalho no domicílio.
504 O tele-trabalho enobrece a relação de trabalho pela aproximação que realiza entre o
contrato de trabalho e o contrato da prestação de serviço. Na verdade, no tele-trabalho
o trabalhador tem preocupações especiais com o resultado da sua actividade.
505 Cf. http://www.unicz.it/lavoro/VISCOMItelelavoro.htm.
506 A Itália parece ser o país do mundo onde a disciplina do telelavoro, e apenas com
relevância no âmbito da administração pública, ganhou maiores desenvolvimentos.
Sobre esta disciplina, cf. Machado DRAY, in Teletrabalho..., cit., pp. 279 a 281. Os
e outros escritos jurídicos 217
508 Cf. no mesmo sentido, Maria Regima Gomes REDINHA, Teletrabalho, cit.. que se
refere, a este propósito à plurilocalização ou à despacialização da empresa. Sobre a
relevância da empresa no direito laboral, cf., por todos, António Lemos Monteiro
FERNANDES, in Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 11ª edição, pp. 241 e segs;
509 Os problemas suscitados em torno da subordinação jurídica no quadro de uma
relação de tele-trabalho prendem-se, fundamentalmente, com o seu enfraquecimento.
O empregador fica limitado no exercício desse poder. Pela nossa parte entendemos
este enfraquecimento como um sintoma de evolução. Um dos perigos que têm sido
referidos a propósito do tele-trabalho prende-se com a possibilidade que ele cria de
transformação do lar conjugal em local de trabalho e, consequentemente, com a tentação
do empregador de se intrometer na vida pessoal e familiar do trabalhador. Pela
nossa parte entendemos que, neste particular, o tele-trabalho ao distanciar no espaço
a pessoa do trabalhador e a pessoa do empregador ou do seu representante, reduz
a dependência psicológica do trabalhador face ao empregador e, consequentemente,
aumenta a condição da pessoa do trabalhador. Note-se, por exemplo, que uma das
razões que levou o legislador a suprimir a admoestação verbal no quadro da Função
Pública foi precisamente o facto de esta espécie de sanção disciplinar envolver forte
proximidade entre o trabalhador e o empregador em termos que tem degenerado em
vias de facto.
510 Os estudos a que recorremos não fazem referência sobre este ponto. Todavia, em
ordens jurídicas complexas ou plurilegislativas, como seja o caso da Grã-Bretanha,
Espanha ou mesmo Portugal o tele-trabalho pode colocar problemas de conflitos
interlocais. Este carácter plurilegislativo da ordem jurídica portuguesa foi claramente
assumido pelo actual Código do Trabalho, aprovado pelo Decreto 51/IX, de 30 de
Maio 2003. Nos termos do artº. Artigo 4.º deste diploma na aplicação do Código do
Trabalho às regiões autónomas são tidas em conta as competências legais atribuídas aos
respectivos órgãos e serviços regionais; a fixação das condições de admissibilidade de
emissão de regulamentos de extensão e de condições mínimas compete às respectivas
Assembleias Legislativas Regionais; as regiões autónomas podem estabelecer, de
acordo com as suas tradições, outros feriados, para além dos fixados no Código do
Trabalho, desde que correspondam a usos e práticas já consagrados e podem ainda
regular outras matérias laborais de interesse específico, nos termos gerais. Esta norma
220 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
vem suprimir todas as dúvidas para quantos ainda tivessem de que Portugal é um
ordenamento jurídico plurilegislativo com as consequências que esta natureza lhe
empresta no plano da aplicação da lei dentro do seu espaço territorial. O principal
problema que esta natureza complexa do ordenamento jurídico português levanta
prende-se com a inexistência de normas de direito interlocal, pois, curiosamente,
Portugal previu regras que permitam ao julgador ultrapassar problemas de remissão
para ordenamentos jurídicos complexos estrangeiros, mas não previu quaisquer regras
destinadas a regular os conflitos internos. Uma via possível de solução desta lacuna
poderá ser ou a bilateralização das regras previstas no artº. 20º do Código Civil u a
sua aplicação analógica aos conflitos internos, dado que esta norma está pensada
para operar no quadro da ordem jurídica estrangeira. Os princípios que na ordem
jurídica portuguesa orientam a aplicação da lei no espaço poderão desempenhar,
neste particular, um papel relevante. No domínio das relações de trabalho dois desses
princípios se apresentam com particular importância: o princípio da conexão mais
estreita e o princípio da protecção da parte débil.
511 Os problemas de aplicação da lei no espaço, no plano internacional, suscitados
pelo tele-trabalho não foram ainda tratados pela doutrina. Eles se colocam sempre
que a actividade desenvolvida pelo trabalhador está sujeito, por força das regras de
competência internacional, à actuação de uma ou várias ordem jurídica estrangeira.
Uma ordem jurídica estrangeira pode ser chamada a regular uma situação de tele-
trabalho porque o tele-trabalhador se encontra domiciliado no seu território, desenvolve
parte ou a totalidade da sua actividade no espaço de actuação dessa ordem jurídica ou
simplesmente porque ao celebrar um contrato de tele-trabalho as partes entenderam
por bem submeter a regulação do contrato às normas dessa ordem jurídica. Uma
ordem jurídica pode reclamar a regulação de uma determinada relação jurídica de
tele-trabalho quando, não sendo competente, de acordo com os critérios de conexão
fixados nos termos anteriormente referidos, as suas normas auto-limitadas reclamem
a sua aplicação às situações em contacto com a mesma. Neste particular, o tele-trabalho
pode suscitar relevantes problemas de aplicação da lei no espaço, principalmente, na
modalidade de tele-trabalho nómada que poderá fazer actuar normas provenientes
de diversas ordens jurídicas, suscitando, por essa via, diversos graus de conflitos de
leis. Além das normas auto-limitadas a regulação do tele-trabalho pode condicionar
a intervenção da ordem pública internacional do Estado e problemas de competência
internacional. O tele-trabalho vem, pois, facilitar a constituição de situações jurídicas
plurilocalizadas, precisamente, porque plurilocaliza o conceito de empresa, na
expressão de REDINHA (Teletrabalho, cit).
A matéria da lei aplicável ao contrato de trabalho internacional está amplamente tratado pela
doutrina. Afigura-se-nos que ela está preparada para responder aos novos desafios suscitados
pelo tele-trabalho. Na doutrina jurídica portuguesa o estudo mais profundo sobre a o tema
corresponde à magistral tese de doutoramento de Rui Manuel Gens de MOURA RAMOS, Da
Lei aplicável ao contrato de trabalho internacional, Coimbra, Almedina, 1991. O tema encontra
ainda referências em obras gerais: cf. António Menezes CORDEIRO, in Manual de Direito do
Trabalho, Almedina, Coimbra, 1994, pp. 201 e segs, compreensivelmente desactualizado, mercê
da entrada em vigor da Convenção de Roma sobre a Lei aplicável às obrigações contratuais,
de 19 de Junho de 1980; Luis de Lima PINHEIRO, in Direito Internacional Privado, direito
de conflitos, parte especial, vol. II, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 202 e segs, entre
outros. No âmbito do II Curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho organizado pelo
Instituto do Direito do Trabalho, António Marques dos SANTOS publicou igualmente Alguns
e outros escritos jurídicos 221
2. A experiência portuguesa
515 O exercício de uma actividade laboral por estrangeiro em território português está
sujeito a particulares condicionalismos, hoje fixados pela Lei nº. 20/98, de 12 de Maio.
Assim, a prestação de trabalho por estrangeiros está sujeito a forma escrita (artº. 3º/1)
que deve respeitar um conjunto significativo de requisitos; está sujeito a depósito
na delegação ou subdelegação do Instituto do Desenvolvimento das Condições de
Trabalho (artº. 4º); a cessação do contrato está sujeito a comunicação igualmente ao
IDICT (artº 5º) e a violação destas normas está sujeita a severas sanções que poderão
atingir uma coima de 500.000$00 (2.500 €uros) por cada trabalhador. Os problemas que
o teletrabalho vem suscitar nesta matéria de contratação de estrangeiros prendem-se,
antes de mais, com a observância destas regras exorbitantes fixadas pela Lei nº. 20/98,
de 12 de Maio. A questão que se coloca é a de saber se o empregador está vinculado ou
não a observar estas condições de contratação do estrangeiro. Esta lei foi revogada pelo
Código do Trabalho (artº. 21º nº. 2, al,.j)) que, todavia, recebe, no essencial, o conteúdo
da Lei nº. 20/98, de 12 de Maio. Remete, igualmente, para legislação especial a fixação
de condições de contratação de estrangeiros (artº. 86º e segs deste Código). O Código
introduz, todavia, uma alteração relevante nesta matéria. A violação do princípio da
igualdade entre estrangeiros e nacionais constitui infracção grave (artº. 648º).
e outros escritos jurídicos 223
517 Cf. o seu Direito Internacional Privado, vol. I, Introdução e Direito de conflitos, Parte
Geral, Almedina, Coimbra, 2001, pp. 55-56. Sobre os princípios gerais de direito dos
estrangeiros, cf. este autor no II vol. desta obra, Direito Internacional Privado, Direito de
Conflitos, Parte especial, 2º edição, pp. 135 e segs.
226 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
518 cf. sobre este ponto, Pedro Romano MARTINEZ, in Relações empregador empregado...,
cit., pp. 194.
e outros escritos jurídicos 227
519 Sobre esta e outras definições de obra criada por computador, cf. José Alberto
VIEIRA, in Obras geradas por computador..., cit. , pp. 117 e segs.
520 Cf. José Alberto VIEIRA, ob. cit. pp. 118.
228 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
CONCLUSÃO
II
ESTUDOS DE POLÍTICA E SOCIOLOGIA
PRÓ-LEGISLATIVA
232 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
e outros escritos jurídicos 233
Sumário:
Introdução.
521 Este estudo foi realizado em 1994 e publicado em 2002 na Revista Direito e Cidadania.
234 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
522 Cf., entre outros, Emílio BETTI, in Teoria Geral do Negócio Jurídico, Tradução portuguesa
de Fernando de MIRANDA, Coimbra, 1969, tomo I, pp. 267 e segs e particularmente
273 e segs; Carlos Alberto de Mota PINTO, in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra 1976,
pp. 337339; Manuel A. Domingos de ANDRADE, in Teoria Geral da Relação jurídica,
Coimbra 1987, vol. II, pp. 134138.
523 Cf. Massimo SANSALE, in Il silenzio della Pubblica amministrazione nel diritto urbanistico,
Milano 1991, pp. 1 e segs; sobre WINDSCHEID ver Franz WIEACKER, in História do
Direito Privado Moderno, tradução portuguesa de António Manuel Botelho HESPANHA,
Porto 1980, pp. 509 e segs; John GILISSEN, in Introdução Histórica ao Direito, tradução
portuguesa de António Manuel HESPANHA e Manuel Luis Macaísta MALHEIROS,
Lisboa 1986, pp. 517 e segs.
e outros escritos jurídicos 237
524 Cit. por Pier Giorgio LIGNANI, in Silenzio Diritto Amministrativo, Enciclopedia Del
Diritto, vol. XLII, pp. 564, nota 13. Ver ainda Vincenzo TODARO, in Spunti innovativi
in materia di tutela contro il silenzio, in Rivista di Diritto Processuale Amministrativo,
anno X (1992) pp. 534 e segs, nota 1. Sobre a evolução histórica da doutrina do silêncio
em Itália, cfr. ainda L. DELPINO, in Diritto amministrativo, VII edizione totalmente
rifatta, (fonti, soggetti, atti, mezzi, beni, compiti, responsabilità, giustizia) Napoli, 1990, pp.
380.
525 Cf. artºs. 923º nº 2 do CC segundo o qual a proposta de compra e venda se considera aceite
se o comprador não se pronunciar dentro do prazo de aceitação; 1163º nos termos do qual
o silêncio do mandante por tempo superior àquele em que teria de se pronunciar vale
como aprovação da conduta do mandatário. Cf. igualmente artºs. 314º, 2266º nº 2; 2269º nº 2.
238 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
vo526, e a solução aceite em direito público que, como regra, fixa sentido
negativo ao silêncio da Administração. Esta solução é hoje unânime na
generalidade das legislações527.
526 Ver o artº. 1171º e o artº. 2263º: “Sendo legado o recheio de uma casa ou o dinheiro
nela existente, não se entende, no silêncio do testador, que são também legados os
créditos, ainda que na casa se encontrem os documentos respectivos” no que releva,
certamente, a ideia de protecção dos herdeiros legitimários e a necessidade de não
ultrapassar os estritos limites da vontade do de cujus). Afastamo-nos, assim da posição
de Hely Lopes MEIRELLES, segundo a qual o silêncio como regra é interpretado no
direito privado como “concordância da parte silente em relação à pretensão da outra
parte” ao passo que no “direito público nem sempre pode valer como aceitação ou
rejeição do pedido” in Direito Administrativo Brasileiro, 13º edição, 2º tiragem S. Paulo
(1988), pp. 77.
527 Cf. quanto ao direito português, artº. 53º do Regulamento do Supremo Tribunal
Administrativo, aprovado pelo Decreto nº. 41234, de 21 de Agosto de 1957, nos termos
do qual “os requerimentos ou petições que não obtenham despacho definitivo no prazo
de noventa dias a contar da sua entrega nas estações competentes, consideram-se, para
efeitos contenciosos, indeferidos”. Nos termos do § único deste mesmo diploma “se
posteriormente ao decurso dos noventa dias sem resolução recair no requerimento ou
petição que se presume indeferido despacho expresso de indeferimento, considerar-
se-á este confirmativo do indeferimento tácito, salvo se for fundamentado em factos
donde possa resultar a arguição de desvio de poder”. Admite-se que este artº. esteja
hoje revogado pelos artºs. 2º a 4º do DL nº. 265-A/77, de 17 de Junho. O artº 346º do
Código Administrativo, aprovado pelo DL nº 31:095, de 31 de Dezembro estabelecia
igualmente no seu parágrafo 1º que “a falta de deliberação dentro do prazo estabelecido
neste artigo (trinta dias) equivale, para efeitos de recurso contencioso, ao indeferimento
do requerimento apresentado”. Este artº foi revogado pelo artº 114º da Lei nº 79/77, de
25 de Outubro, conhecida por Lei das Autarquias Locais. A matéria foi disciplinada
pelo artº 82º do DL nº 100/84, de de 29 de Março que elevou aquele prazo para sessenta
dias. Hoje o regime jurídico do indeferimento tácito encontra-se disciplinado pelo artº
109º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pela Lei nº 32/91, de 20 de Junho
que prevê como prazo supletivo geral para a formação do acto tácito de indeferimento
noventa dias, admitindo, todavia, a possibilidade da existência de prazos especiais para
a formação do acto tácito. A este propósito ver artº. 175º do mesmo diploma. Quanto ao
direito italiano, cfr. artº 6º P.R. de 24 de Novembro de 1971, nº 1199, nos termos do qual
“Decorridos noventa dias a contar da data da apresentação do recurso sem que o órgão
perante o qual foi submetido tenha comunicado a sua decisão, o recurso se entende
como indeferido, para todos os efeitos legais e contra a decisão poderá ser intentado
recurso perante a autoridade judiciária competente ou recurso extraordinário perante
o Presidente da República. O direito italiano estabelece, contudo, prazos diversos para
a formação do acto tácito. Cfr. a título de exemplo o artº 8 da lei nº 426, de 11 de Junho
de 1971, que regula a inscrição na Câmara de Comércio, o qual estabelece o prazo de
sessenta dias para a formação do acto tácito. Quanto ao direito espanhol o artº 94 da Ley
de Procedimiento Administrativo estabelece: “quando se formula uma petição perante
a Administração e esta não notifica a sua decisão no prazo de três meses, o interessado
poderá denunciar a mora e, transcorridos três meses a contar da denúncia, poderá
considerar-se indeferida a sua petição para efeito de deduzir perante esta denegação
presuntiva o correspondente recurso administrativo ou jurisdicional, segundo proceda,
ou esperar a resolução expressa da sua petição”. Quanto ao direito francês a lei de 17 de
e outros escritos jurídicos 239
Julho de 1978 modificada pela lei de 11 de Julho de 1979 estabelece um prazo de quatro
meses decorridos os quais a petição do administrado se considera rejeitada. Quando ao
direito cabo-verdiano remetemos para o capítulo “o silêncio na legislação cabo-verdiana.
Para maiores desenvolvimentos ver Diogo Freitas do AMARAL, in Direito Administrativo,
vol. III, Lisboa, 1989, pp. 261 e segs; António Furtado dos SANTOS, in Dicionário Jurídico
da Administração Pública (Acto Administrativo), Coimbra 1965, pp. 126 e segs e em
particular 131 e segs; Guido LANDI in Il silenzo della Pubblica amministrazione aspetti
sostanziali e processuali, (Intoduzione al tema) Milano, 1985, pp. 37 e segs e em particular
46 e segs; Vincenzo TODARO, Spunti innovativi... cit., pp. 555 e segs; Pietro VIRGA, in
Diritto Amministrativo atti e ricorsi 2, Milano, pp. 43 e segs; Jose Ramon Parada VASQUEZ,
in Derecho Administrativo (parte general), Marcial Pons, pp. 92 e segs; Georges VEDEL,
Pierre DELVOLVÉ, in Droit Administratif, Paris, 1982, pp. 258; André de LAUBADÉRE
in Traité de Droit Administratif, neuvième édiction par Jean Claude VENEZIA et Yves
GAUDEMET, Tome I, Paris, 1984, pp. 575.
528 Ver neste sentido Hely Lopes MEIRELLES, in Direito Administrativo ..cit. pp. 77.
529 Para maiores desenvolvimentos cf.. Freitas do AMARAL,in Direito Administrativo...
cit. pp. 271 e segs; J. M.Sérvulo CORREIA, in Noções de Direito Administrativo I, Lisboa,
1982, pp. 395 e segs.
240 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
536 Cf., por todos, Freitas do AMARAL, in Direito Administrativo cit. vol. III, pp. 262-263.
537 Estas informações foram possíveis com o concurso das seguintes obras: L. DELPINO/
DE GIUDICE, Diritto Amministrativo... loc. cit; Aldo M. SANDULLI, in Manuale di Diritto
Amministrativo XIV edizione, Napoli, 1984, pp. 652 e segs e, em particular, 655;Guido LANDI,
in Il silenzio...(introduzione al tema)... cit. pp. 51 e segs; Aldo SANDULLI, in Il silenzio... cit
(il silenzio della publica amministrazione oggi: aspetti sostanziali e processuali) pp. 7071;
Giuseppe ABBRAMONTE, Il silenzio...cit (silenzio rifiuto e processo amministrativo), pp
145146; Francesco BRIGNOLA, in Il silenzio... cit. (il silenzio-assenso) pp. 285 e segs e em
particular 304 e segs.
244 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
538 Pense-se, por exemplo, no direito ao horário flexível reconhecido pela Lei nº º 4/84,
de 5 de Abril, regulamentada pelo DL nº 135/85, de 3 de Maio, conhecida por LEI DA
PROTECÇAO DA MATERNIDADE E DA PATERNIDADE. O exercício desse direito
depende do acordo entre o responsável do serviço e o funcionário interessado. Poder-
se-á considerar que se trata de um direito dependente de autorização ou aprovação?
e outros escritos jurídicos 247
antes dos referidos noventa dias e normalmente o fará visto que a autori-
zação para a acumulação de funções públicas em regra não requer muitos
actos instrutórios. Esta circunstância torna a norma do art. 108º nº 3 al. g)
praticamente inútil na medida em que as condicionantes em que se desen-
rola o processo de autorização para a acumulação de funções públicas e
privadas retiram-lhe toda a operacionalidade. O mesmo se dirá de outras
situações previstas no nº. 3 do referido art.. 108º, como seja a autoriza-
ção para laboração contínua e a autorização de trabalho nocturno. A isto
acresce o facto de toda a burocracia que se pretendeu aliviar com a norma
ser substituída por um outro mecanismo de travão ele também de ordem
burocrática qual seja a atitude intelectual mantida na convicção de que
naquela situação concreta a Administração não deve sequer preocupar-se
com o dever de resposta à pretensão do interessado, visto que, a termo
certo, essa mesma pretensão será deferida por força de lei. Este é um peri-
go que uma disciplina desse teor oferece, sem prejuízo do quanto se disse
a favor dessa mesma regulamentação. Compreende-se, todavia, a dificul-
dade de adopção de um prazo supletivo para a formação do acto tácito de
deferimento. Na verdade, assim como há pretensões cujo iter processual
em vista da sua resolução se esgota na prática de um único acto, logo
num mínimo espaço de tempo, outras há que requerem uma sequência
de actos, por vezes em número não previsível, cuja resolução perdura
por isso no tempo. O regime jurídico do deferimento tácito não pode ser
alheio a este aspecto dada a necessidade de assegurar à Administração
um prazo razoável para a apreciação e eventual decisão da pretensão
que lhe é submetida. Se o tempo necessário para a formação do acto tácito
positivo deve atender a esse prazo razoável, então o razoável, na falta de
norma expressa, para pretensões de diferente iter processual, é aquele que
atende à pretensão cuja resolução se esgota no maior número de actos.
Esta é a razão que determinou a fixação do longo prazo de noventa dias
para a formação do acto tácito positivo naquelas situações que o art. 108º
nº 3 enumera, onde ficam consumidas pretensões que poderiam ser consi-
deradas deferidas num prazo de 10 ou pouco mais dias.
Como veremos mais adiante, este problema poderá ser solucionado
ou estabelecendo diversos prazos para a formação do acto tácito positivo,
consoante a natureza da pretensão do particular, ou impondo a este o
ónus de colaborar na formação do acto tácito positivo. A primeira situa-
ção é comum nas legislações, e não é alheio ao pensamento do legislador
do CPA português, que atribuiu aos noventa dias natureza claramente
supletiva, ou seja, o referido prazo só opera na falta de norma em sentido
contrário. A segunda situação, algo inovadora, traduz-se em conceder ao
particular a possibilidade de, em certas matérias, e dentro dos limites que
a lei estabelecer, fixar à Administração o prazo dentro do qual a preten-
248 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
* * *
539 cf.. Ac. do Trib. Adm. da Índia de 6 de Janeiro de 1939 cit. por Jaime TOMÉ, in Notas
às Leis Fundamentais do Império Colonial Português, Luanda, 1940, pp. 569-570.
540 Cit. por TOMÉ, ob. loc. cit..
541 Sobre este ponto ver Marcelo CAETANO, in O Direito, ano 68º nº 4, pp. 114.
250 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
d) O DL 14-A/83, de 22 de Março.
e) O silêncio positivo.
Artº. 1º
Artº. 2º
prestada por nota ou ofício, telefone, telegrama, telex, telefax ou outro meio válido
de comunicação.
4. Quando o serviço público fizer uso do telefone ou outro meio de comu-
nicação não sujeito a registo e o particular manifestar interesse em que a mesma
informação lhe seja prestada por outro meio, proceder-se-á em conformidade, fa-
zendo referência ao meio, data e conteúdo da primeira comunicação.
Artº 3º
Art. 4º
Artº. 5º
Artº. 6º
Artº 7º
Artº 8º
Art. 9º
Artº 10º
Artº 11º
Artº. 12º
Art. 13º
Artº. 14º
Artº 15º
Artº 16º
1. Aquele que tiver a seu favor uma disposição legal que lhe reconheça al-
gum direito ou uma sentença judicial condenatória da Administração na prática
266 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
Art. 17º
Artº 18º
Artº 19º
Artº 20º
§ 1º. Generalidades
1. Introdução
2. Política Legislativa
1
Estudo publicado na Revista Direito do Urbanismo (Portugal) nº 10, 1999.
2
Sobre este ponto, cfr. o nosso Código de Terra, Livraria Saber, Praia, 2002.
272 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
3. Princípios orientadores
5. Elaboração
6. Medidas preventivas
gação a que se reporta a al. g) do mesmo preceito legal, temos que repor-
tar-nos ao artº. 20º, nos termos do qual serão submetidos à homologação
do Governo, através do Ministro da Administração Interna, os planos
directores municipais e os planos de desenvolvimento urbanístico das ci-
dades da Praia e do Mindelo (nº. 1). Quer o Plano de Desenvolvimento
Urbano quer o Plano Detalhado serão submetidos à aprovação do Minis-
tro da Administração Interna (nº. 2).
Todos estes preceitos devem hoje ser objecto de uma interpretação
actualista. A discriminação estabelecida na al. b) do referido artº. 20º no
sentido de submeter à aprovação do Governo os Planos de Desenvolvi-
mento urbanístico das cidades da Praia e do Mindelo e a homologação
dos demais planos de desenvolvimento ao Ministério da Administração
Interna parece violar o princípio da igualdade dos planos urbanísticos, pois
trata diferentemente realidades que são iguais perante a lei. Ao estabele-
cer esta diferente solução para planos de um e outro território, o referido
preceito parece atribuir um estatuto de menoridade ou pelo menos de
menor importância a certas partes do território nacional. Temos, portan-
to, a opinião de que o respeito pelo princípio da igualdade obriga que os
demais planos de desenvolvimento urbanístico, não só os das cidades da
Praia e Mindelo, devem ser objecto de homologação por parte do Gover-
no, enquanto órgão colegial, não sendo bastante a homologação do Mi-
nistério da Administração Interna. Esta solução legal coloca em diferentes
posições hierárquicas planos que a nível do ordenamento do território
municipal se encontram no mesmo grau, pois, daí resulta que os planos
de desenvolvimento urbanístico das cidades da Praia e Mindelo serão
aprovados por Decreto do Governo (artº 21º) e os planos de desenvolvi-
mento urbanístico das demais cidades e Vilas por Portaria do Ministro
da Administração Interna. E sendo certo que um Decreto do Governo
é formalmente de nível hierárquico superior à Portaria de um Ministro,
segue-se que a tramitação que conduz à sua aprovação pressupõe uma
maior intervenção do Governo e um maior cuidado na sua apreciação.
Refira-se igualmente que sendo a homologação, pela sua natureza,
um acto administrativo (cf. M. Galvão TELES que define a homologação
como a “concordância dada pelo orgão deliberativo a uma proposta de
resolução que lhe é submetida”, fazendo notar, todavia, que na prática
o termo é muitas vezes utilizado relativamente a actos que apresentam
a natureza de aprovação (in Homologação, Enc. Verbo, vol. 10, col. 434) é
infeliz a expressão legal segundo a qual “os planos serão submetidos à
homologação do Ministério da Administração Interna”. Na verdade os
ministérios não praticam actos administrativos. São os Ministros, enquan-
to responsáveis pelo departamento governamental, que praticam actos
278 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
DECRETO Nº.........../96.
Artº. 1º.
É homologado o Plano Director Municipal da Ilha da Boa Vista, que faz
parte integrante do presente diploma.
Prazo de vigência
veis. Sendo certo que a norma especial - no caso da área agrícola a conti-
da no artº. 12º) - derroga a norma geral (lex specialis derrogat lex generalis),
deve seguir-se que o que contará para efeitos de excepção aos limites à
edificabilidade em áreas agrícolas será o contido no artº. 12º e não o con-
tido no artº. 11º. Neste sentido, a disposição do artº. 12º nº. 2 al. b) é ilegal
porque viola o disposto no artº. 42º. nº. 2 da Lei nº. 85/IV/93.
Propomos assim a supressão da al. b) do nº. 2 do artº. 12º, deixando
que a excepção à proibição de construir em área agrícola decorra da apli-
cação do nº. 11º. proposto, até porque sendo imperativa a disposição do
nº. 2 do artº. 42º da Lei 85/IV/93 serão esses e apenas esses os limites que
poderão ser estabelecidos em regulamento.
vimento industrial da ilha no seu todo e não em concreto. Sendo Boa Vis-
ta uma ilha predominantemente agrícola e ao mesmo tempo redeada de
praias, suscita-se alguma dificuldade em definir uma área de concentra-
ção industrial. Dada a pequenez da ilha a ligação entre as áreas urbanas
e as áreas agrícolas não tem grandes soluções de continuidade, a ponto
de se poder definir à partida uma certa área como área de concentração
industrial. Mas o PDM poderá estabelecer certas condicionantes com vista
à implantação de estabalecimentos de natureza industrial.
Assim, afigura-se-nos que a implantação de quaisquer unidades
industriais deverá ser precedida de um estudo específico de localização, sem
o qual o Câmara ficará vinculada a não autorizar a implantação dessas
mesmas unidades.
A legislação em vigor obriga igualmente à realização de estudos de
impacte ambiental precedendo a instalação de qualquer unidade indus-
trial.
O PDM poderá tirar partido dessa obrigação legal, condicionando
igualmente a autorização ou licença camarária para a instalação de indús-
tria à aprovação do estudo de impacte ambiental.
Pensamos igualmente que o PDM deverá fixar certas obrigações
que orientarão o estudo específico de localização da unidade industrial:
não poderão atingir zonas de expansão urbana, nem zonas de desenvol-
vimento turístico, paisagístico, agrícola, silvo-pastoril e, devendo ser nas
suas proximidades, essas zonas deverão ser salvaguardadas com um cer-
to perímetro de protecção.
Nas zonas de localização industrial deverão ser igualmente estabe-
lecidas certas imposições, nomeadamente, a obrigação de plantar árvores
e a proibição de não cortar árvores.
Isto em conformidade, sugerimos a seguinte disposição:
a) - Infracções urbanísticas
a.2) - Contraordenações
b) - O ambiente
c) - aeroporto
Portaria nº …………/96
Ao abrigo do disposto no artº. 20º nº. 2 al. a) do Decreto nº. 87/90, de 13 de
Outubro ex vi do artº. 124º nº. 2 da Lei nº. 85/IV/93, de 16 de Julho;
Manda o Governo pelo Ministro da Justiça e Administração Interna:
Arº. 1º.
(homologação)
É homologado o Plano de Desenvolvimento Urbano da Vila de Sal-Rei,
ilha da Boa Vista, adiante designado por PDU Sal-Rei, anexo ao presente diploma
e dele faz parte integrante.
e outros escritos jurídicos 297
e a Jlha de sam Vicente e a Jlha Rasa e a Jlha Bramca e a Jlha de samta Luzia e a
Jlha de Santa(n)tonio que sã atraués do cabo Verde...” ( in História GERAL DE
CABO VERDE, Corpo Documental, vol. I, Lisboa (1988) pp. 15 e 17).
8. Omissões
1. Generalidades
Este regulamento beneficia do quanto temos vindo a referir relati-
vamente quer ao PDM, quer ao ao PDU Sal-Rei. É omisso no que respeita
a sanções e contém denominações que estão em desacordo com o patri-
mónio linguístico boa-vistense. No que concerne a sanções mantemos,
também quanto a ele, o que escrevemos sobre as omissões do PDM, refe-
rindo, todavia, que no caso particular dos planos urbanísticos detalhados
a resposta a um sistema repressivo poderá ser buscada através de uma
revisão do Código das Posturas do Município da Boa - Vista, sem prejuízo
da adopção de normas específicas destinadas a reprimir infracções aos
preceitos dos planos detalhados.
Muitas das deficiências de carácter formal já foram referidas a res-
peito dos planos anteriormente apreciados. Assim, o artº. 1º. padece dos
300 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
CONCLUSÕES GERAIS
VIII - Refira-se, a título marginal, que a actual lei que define as Ba-
ses do Ordenamento do Território Nacional carece de uma ampla regula-
mentação. Os regulamentos aprovados no quadro da Lei nº. 57/II/85, de
22 de Junho mostram-se claramente desactualizados e contêm disposições
que contrariam normas constitucionais. A Câmara Municipal da Boa Vis-
ta poderá, através da Associação de Municípios promover a regulamen-
tação dessa lei por forma a adaptar os actuais regulamentos à disciplina
urbanística hodierna.
====================
==========
DOCUMENTAÇÃO CONSULTADA:
A - LEGISLAÇÃO
B - BIBLIOGRAFIA
ANEXO
MODELO DE DELIBERAÇÃO
e a Jlha de sam Vicente e a Jlha Rasa e a Jlha Bramca e a Jlha de samta Luzia e a
Jlha de Santa(n)tonio que sã atraués do cabo Verde...”
Ilha de S. Cristóvão era, portanto, o nome atribuído à ilha da Boa
Vista, o qual gerou Baía de S. Cristóvão, nome atribuído inicialmente à
actual Baía de Sal-Rei e Praia de S. Cristóvão, modificado por via popular
para Praia de Jon Q’ston. É dever da Câmara e de todos os munícipes con-
tribuir para a preservação destas referências históricas e não deixar que,
levianamente, sejam substituidas por referências que nada têm a ver com
o passado histórico da Ilha da Boa Vista.
O PDM insere-se na política nacional de ordenamento do território
que por sua vez se filia na Política Nacional de Desenvolvimento, cujo
principal instrumento é o Plano Nacional de Desenvolvimento. O PDM
não é, portanto, um documento isolado pois o seu objectivo é reforçar a in-
tegração da ilha da Boa Vista no espaço nacional, promover o crescimento
harmonioso das localidades, fomentar o turismo, melhorar a acessibilida-
de e as condições de transporte, infraestruturas, abastecimento de água,
energia eléctrica, valorização paisagístico e ambiental, comércio, serviços,
trocas com o exterior etc. etc.
A melhor execução do PDM irá requerer o concurso de todos os
munícipes. O Plano estabelece restrições quanto às zonas de implantações
urbanísticas; quanto à altura das edificações; quanto às zonas onde não é
possível construir ou não é possível implantar construções, senão de uma
determinada característica; como impõe certas condutas no que respeita à
preservação do meio ambiente; conservação do património paisagístico;
utilização das áreas agrícolas, florestais, naturais, residuais, de ocupação
industrial, tudo condicionantes que irão afectar ou simplesmente limitar
o direito dos munícipes sobre a propriedade do solo, em particular, na
faculdade de construir, todavia em benefício do bem comum.
De harmonia com algumas normas quer do PDM quer do PDU Sal-
Rei a Câmara goza do direito de preferência na alienação dos terrenos
situados na área do plano pelo que deverão os interessados que queiram
alienar os seus terrenos situados dentro dessas áreas notificar os serviços
competentes da Câmara, antes da celebração de qualquer contrato pro-
messa ou definitivo com terceiros sobre os mesmos terrenos, para que a
Câmara possa exercer o seu direito de preferência. O não reconhecimento
à Câmara do direito acabado de mencionar envolve consequências para
os interessados, que poderão implicar com a própria validade do contrato
celebrado com terceiros.
Por isso, desde já se solicita a mais ampla colaboração dos muníci-
pes.
308 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
Sumário:
INTRODUÇÃO
(*) Estudo produzido em 1995 em jeito de apoio à reforma processual civil cabo-verdiana. O
novo Código do Processo Civil cabo-verdiano não foi ainda aprovado.
310 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
542 Cf. o seu Sociologia Jurídica, Coimbra, Almedina, 1979, tradução de Diogo Leite de
CAMPOS, pp. 423 e segs.
543 In Cabo Verde, Guiné e S. Tomé e Príncipe - Curso de extensão Univesitária (O julgamento
de questões gentílicas) 1965-1966, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas
Ultramarinas, pp. 649 e segs e, em particular, 675.
312 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
I
NOTA SOBRE A EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL
CIVIL EM CABO VERDE
ser dado a público, porém, na forma policopiada, mas desde então nunca
mais a publicação teve qualquer seguimento.
544 Cf. sobre este ponto R.C.Van CAENEGEM, in Civil Procedure (History of European Civil
Procedure), Encyclopedia of comparative law, vol. XVI, Chapter 2, pp. 2-51, Boston-Lancaster-
316 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
10. O Código de Processo Civil de 1939. Entre 1900 e 1940, ano em que,
como vimos, foi mandada vigorar nas províncias ultramarinas o Código
de Processo Civil de 1939, foram tomadas várias medidas relativas à legis-
lação processual civil e à organização judiciária. No plano da legislação
processual civil refira-se a extensão a Cabo Verde das sucessivas altera-
ções ao Código de Processo Comercial, a primeira operada pelo Decreto
de 26 de Maio de 1911 e tornado extensivo às ex-colónias pelo Decreto nº.
3558, de 1917 e a segunda em 1928 pelo Decreto nº. 15:623, de 22 de Junho,
tornada extensiva pelo Decreto 15:682, de 5 de Julho de 1928. Legislou-se
sobre o exercício da advogacia, de que cabe referir o facto curioso de proi-
bição dessa actividade aos Delegados do Procurador da República e man-
dou-se proceder a uma compilação de toda a legislação dispersa sobre o
processo civil e o processo comercial. Instituiu-se o processo sumário para
as falências de valor não superior a 50.000$00 e passou-se a admitir a dili-
gência da posse judicial avulsa, disciplinada pelo Decreto nº. 16:461, de 1 de
Tubingen, 1987).
e outros escritos jurídicos 317
II
O REGIME PROCESSUAL E SUBSTANTIVO EM VIGOR
III
PRESSUPOSTO DA REFORMA
PROCESSUAL CIVIL
bem assim a igualdade das partes, com todas as suas implicações, a nível
do contraditório, da produção da prova; da igualdade de armas e, em
rigor, da própria estrutura judicial, que deverá ser estabelecida por forma
a garantir esta igualdade. A parte débil é protegida e à parte vencida é
garantido o direito de recurso da decisão. Estes princípios repercutem-
se no processo executivo, na estrutura do processo, no modo de decidir,
com especial referência ao dever de fundamentação, por forma tal que
não cabe nos limites destas notas analisar.
Sumário:
1. INTRODUÇÃO
546 Ver, neste sentido, APRA, Philippe: Manual de Elaboração dos Planos Urbanísticos
– Análise das Etapas Administrativas e Técnicas, ANMCV, Praia, 2004.
547 Sobre a situação jurídica destes instrumentos internacionais, Cf. Geraldo ALMEIDA,
in Código da Terra..., pp. 109 e segs.
e outros escritos jurídicos 325
No domínio do Ambiente:
— Lei 86/IV/93, de 26 de Junho que aprova a Lei de Bases da Política
do ambiente e o respectivo regulamento aprovado pelo Decreto-Legislativo nº.
14/97, de 1 de Junho
No domínio do urbanismo:
— Lei nº. 85/IV/93, de 16 de Julho que aprovou a Lei das Bases do Orde-
namento do território e Planeamento Urbanístico, lei esta não regulamentada e
hoje pendente de revisão.
No domínio da construção:
— Decreto nº. 130/88, de 31 de Dezembro, que alterou o Regulamento
Geral de Edificações Urbanas.
No domínio do turismo:
— Lei nº 21/IV/91, de 30 de Dezembro, Suplemento B.O. nº52/91: esta-
belece os objectivos, princípios, meios, instrumentos básicos e políticas de desen-
volvimento turístico.
548 Cf. Geraldo da Cruz ALMEIDA, in Código da Terra, pp. 311 e segs.
326 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
No domínio da indústria:
— Decreto nº 157/90 de 22/12 - Estabelece a definição de actividade indus-
trial para efeitos de aplicação do Estatuto Industrial, e discrimina as actividades
que como tal podem ser consideradas.
IV. Para completar este quadro legal, dois grandes projectos encon-
tram-se em curso de discussão:
550 Sobre este conceito e o seu confronto com o direito de propriedade, cf. José de Oliveira
ASCENSÃO, in Direito do Urbanismo (urbanismo e o direito de propriedade), INA, pp 319
e segs.
551 A disciplina jurídica da matéria de expropriação por utilidade pública encontra
manifestações em Cabo Verde desde meados do século XIX. Ainda se encontram em
vigor as seguintes leis: Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, (BO nº 43 de 24 de Outubro
de 1953) que aprova o Regime de Expropriações por Utilidade Pública; Lei n.º 2063,
de 3 de Junho de 1953, (BO nº 43 de 24 de Outubro de 1953) que aprova o Regime
dos Recursos em matéria de Expropriações por Utilidade Pública; Lei n.º 2142, de 14
de Maio de 1969, (BO nº 33 de 12 de Agosto de 1972) que modifica o Processo Geral
de Expropriações Urgentes; Portaria n.º 425/72, de 3 de Agosto, (BO nº 33 de 12 de
Agosto de 1972): que estende às Províncias Ultramarinas, com alterações, a Lei n.º
2142, de 14 de Maio de 1969; Decreto n.º 332/72, de 23 de Agosto, (BO nº 27 de 7 de
Julho de 1973) que fixa normas a observar no caso de Expropriação Urgente requerida
pelo Estado, Autarquias Locais ou Serviços Autónomos; Decreto n.º 385/73, de 28 de
Julho, (BO nº 41 de 13 de Outubro de 1973) que regula o Pagamento de Indemnizações
por Expropriação; Portaria n.º 445/73, de 29 de Julho, (BO nº 27 de 7 de Julho de 1973)
que estende às Províncias Ultramarinas, com alterações, o Decreto n.º 332/72, de 23 de
Agosto e Portaria n.º 638/73, de 26 de Setembro, (BO nº 40 de 6 de Outubro de 1973)
que estende às Províncias Ultramarinas os artigos 1º a 6º do Decreto Lei nº 278/71 de
23 de Junho, sobre o regime de Expropriações por utilidade pública de Edificações
construídas sem Prévia Licença. Além destes instrumentos, a problemática da
expropriação por utilidade pública encontrou menção no Regulamento de Ocupação
de Terrenos (artº. 217º- expropriação do concessionário e artº. 237º - expropriação do
foreiro); na Lei dos Solos, aprovado pelo Decreto – Lei nº 576/70, de 24 de Novembro
de 1970, que introduziu o conceito de expropriação sistemática; na Lei das Bases do
Planeamento Urbanístico e do Planeamento do Território, aprovado pela Lei n.º 85/
IV/93 de 16 de Julho, diploma que nesta matéria, contém normas inconstitucionais,
além dos diplomas sobre as chamadas Zonas Turísticas Especiais.
e outros escritos jurídicos 331
552 Este ponto de vista é, aliás, reconhecido em documentos oficiais tais como o
PROGRAMA PARA O ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO no qual se lê “Os Planos
Urbanísticos elaborados, tiveram o mérito de contribuir para o desenvolvimento de muitas
cidades e vilas com uma certa harmonia e equilíbrio, permitindo o traçado e construção de infra-
estruturas básicas, de equipamentos colectivos e sociais, de serviços urbanos, de habitação e de
instalações de actividades económicas diversas” – DGOTH.
332 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
553 Para maiores desenvolvimentos cf. O nosso Código da Terra..., cit., pp. 30 e segs.
e outros escritos jurídicos 333
561 Cf. Artº. 4º. Ver sobre este ponto Celso FERNANDES In O papel do ordenamento do
território no desenvolvimento sustentável de Cabo Verde - em estreita articulação com o
ambiente., Praia, 2003.
338 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
4. AGENDA DA REFORMA
Passemo-las em revisão:
30. Reflectir sobre localização da futura ETAR da Praia que permita a reu-
tilização das águas tratadas para fins múltiplos, nomeadamente para a
agricultura, uma vez que a actual localização resultou de uma deficien-
te previsão do desenvolvimento e crescimento da Cidade da Praia.
31. Formular a aplicação políticas e programas de gestão integrada dos
recursos hídricos.
32. Reforço da cooperação regional e internacional em matéria de transfe-
rência de tecnologia e de financiamento de programas e projectos sobre
recursos hídricos.
33. Instaurar um ambiente atractivo para os investimentos públicos e pri-
vados destinados a melhoria dos serviços de abastecimentos de água e
saneamento.
34. Procurar consenso quantos as medidas a tomar, os meios de execução e
resultados a concretizar.
35. Procurar executar uma política de reabilitação de bairros degradados
ou irregulares por forma a permitir atracção das concessionárias dos
serviços públicos de água e saneamento e o incremento das ligações
domiciliárias;
36. Serem devidamente dimensionadas e localizadas as Zonas Industriais,
de modo a serem respeitados os requisitos essenciais para o desenvol-
vimento dessas unidades, nomeadamente espaço envolvente suficien-
tes para “superfícies livres” e para a expansão, sendo desejável que a
área mínima de 10 ha;
37. Primar pela melhoria da organização dos Parques Industriais para ga-
rantir a comercialização, a promoção e a gestão dos mesmos.
38. Preocupação de excessiva ocupação de praias, como a de santa Maria,
por Hotéis que se desenvolvem paralelamente e não perpendicular-
mente à linha da costa, preocupação que convém reter e ser exigida em
norma para certas situações.
de revisão, como seja a Lei dos Solos e a Lei da Expropriação por Uti-
lidade Pública, pelo que recomendou a aceleração desse processo de
elaboração. A propósito da lei de Uso do Solo, o Fórum recomendou
a clarificação de conceitos e uma tomada de posição quanto à oportu-
nidade de utilização de institutos relativos à cedência de terrenos pela
Administração, como a venda, o aforamento, o direito de superfície
e outros. No tocante à Lei de Bases de Ordenamento do Território e
Planeamento Urbanístico, recomendou a sua revisão imediata e a sua
compatibilização e integração com preocupações de sustentabilidade
ambiental e económica, pela introdução de orientações normativas re-
lativas, tanto às áreas protegidas, aos espaços com vocação agrícola,
florestal e pecuário, como aos espaços propícios ao desenvolvimento
turístico e industrial.
6. O Fórum considerou, ainda no concernente a legislação de enquadra-
mento da gestão da terra, que toda a disciplina das Zonas Turísticas
Especiais, carece de profunda adequação e alteração, por conter nor-
mas feridas de patente inconstitucionalidade, pelo que recomendou
expressamente que, com caracter de urgência, a legislação relativa às
Zonas Turísticas Especiais seja compatibilizada com os princípios cons-
titucionais que regulam o direito à propriedade privada, garantem a
separação de poderes, a autonomia do Poder Local, mas viabilizem o
Estado e a Administração desconcentrada do Estado a desenvolverem,
no quadro do Estado de Direito democrático, o turismo nacional, como
factor de promoção do desenvolvimento nacional e do progresso das
populações. O Fórum não rejeitou, pois, a existência das chamadas
Zonas Turísticas Especiais, que admitiu, mesmo, terem trazido alguns
benefícios, nomeadamente no que respeita à preservação de espaços
naturais e ao controlo e salvaguarda de implantações urbanístico-tu-
rísticas “selvagens”, mas condenou, em absoluto, o modo como a legis-
lação permite a sobreposição de competências, mesmo entre sectores
da própria Administração Central, e notoriamente no tocante ao Po-
der Local e, ainda, à forma de obtenção de terrenos para a prossecução
desses fins, com desrespeito pelos interesses e direitos adquiridos dos
cidadãos e das comunidades locais, estado de coisas esse que deve ser
revisto com urgência, em prol de um desenvolvimento turístico susten-
tável e participado.
7. Levando em linha de conta os enormes constrangimentos que a ausên-
cia de cadastro provoca ao nível do conhecimento do território para
efeitos de ordenamento, planeamento urbanístico, transformação, ges-
tão, clarificação do direito de propriedade, facilitação dos processos de
inscrição matricial e de registo predial, actualização dos rendimentos
tributáveis, entre outros, o Fórum recomendou que seja dado urgente
seguimento à elaboração da Lei de Bases do Cadastro e de uma Meto-
dologia Nacional de Cadastro Multifuncional da propriedade urbana
e rústica;
344 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
a) - O TERRITÓRIO
562 Sobre a interdisciplinaridade desta matéria, cf. Manuel da Costa LOBO, in Direito do
urbanismo (noções fundamentais. Conceitos técnicos. Habitação e seus espaços de vivência),
pp. 24.
563 As águas interiores podem ser marítimas e não marítimas. As águas interiores marítimas
são aquelas “que se situam entre as linhas de fecho naturais das embocaduras dos rios,
rias, lagoas, portos artificiais e docas e as linhas de base rectas”; as águas interiores
não marítimas são “todas as águas designadamente rios, estuários, rias, lagoas, portos
artificiais e docas, que se encontram para dentro das respectivas linhas de fecho
naturais e estão sob jurisdição das capitanias dos portos nos termos da legislação em
vigor, com excepção dos troços internacionais”.
564 O conceito de águas arquipelágicas tem a sua origem no artª 2º da Convenção das
Nações Unidas sobre o Direito do Mar, adoptado pela Assembleia Geral das Nações
348 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
Unidas em 28 de Julho de 1994 que parece estabelecer uma relação entre águas
interiores e águas arquipelágicas. Assim, o conceito de águas interiores parece estar
pensado para o caso dos Estados costeiros e o conceito de águas arquipelágicas para
o de caso de Estado arquipélago. Estabelecem, com efeito, a Convenção: “A soberania do
Estado costeiro estende-se além do seu território e das suas águas interiores e, no caso de Estado
arquipélago, das suas águas arquipelágicas, a uma zona de mar adjacente designada pelo nome
de mar territorial” – artº. 2º. Nº. 1 da CNUDM.
565 Mar territorial ou águas territoriais são “as que banham as costas de um Estado e
estão sujeitas à sua jurisdição até certo limite determinado pelo direito internacional”.
Tradicionalmente, o alcance do mar territorial era de 3 milhas contadas a partir da
baixa preia-mar.
566 Fonte: João Pereira Silva, O ordenamento do território e a infra-estruturação...
e outros escritos jurídicos 349
b) - A POPULAÇÃO
Ano Efectivos
2005 475.947
2006 484.904
2007 494.105
2008 503.548
2009 513.221
2010 523.103
2011 533.231
2012 543.590
2013 554.145
2014 564.849
2015 575.647
2016 586.561
2017 597.512
2018 608.434
2019 619.249
2020 629.833
Concelho Urban
Total Urbano Rural Total Rural Total Urbano Rural Total Urbano Rural
o
Efectivos % % Efectivos % % Efectivos % % Efectivos % %
Cabo Verde 434 625 53,9 46,1 450489 55,3 44,7 475948 57,3 42,7 523103 60,7 39,3
Ribeira Grande 21 594 22,5 77,5 21510 22,5 77,5 21343 22,5 77,5 20924 22,5 77,5
Paul 8 385 21,4 78,6 8349 21,4 78,6 8280 21,5 78,5 8108 21,5 78,5
Porto Novo 17 191 44,8 55,2 17453 45,8 54,2 17861 47,4 52,6 18570 50,0 50,0
São Vicente 67 163 93,8 6,2 69837 94,2 5,8 74136 94,7 5,3 82127 95,7 4,3
São Nicolau 13 661 40,3 59,7 13535 40,9 59,1 13310 41,7 58,3 12816 43,0 57,0
Sal 14 816 89,8 10,2 15889 89,9 10,1 17631 89,9 10,1 20924 90,0 10,0
Boa Vista 4 209 48,1 51,9 4661 48,5 51,5 5398 49,0 51,0 6800 50,0 50,0
Maio 6 754 39,6 60,4 7042 40,7 59,3 7506 42,3 57,7 8370 45,0 55,0
Tarrafal 17 792 32,5 67,5 19168 32,6 67,4 21403 32,9 67,1 25632 33,3 66,7
e outros escritos jurídicos
Santa Catarina 50 024 14,5 85,5 51841 17,4 82,6 54757 21,8 78,2 60157 29,0 71,0
Santa Cruz 33 015 25,9 74,1 34223 27,4 72,6 36163 29,6 70,4 39756 33,3 66,7
Praia 106 348 89,5 10,5 112735 90,0 10,0 123078 90,7 9,3 142546 91,9 8,1
São Domingos 13 320 12,0 88,0 13523 12,6 87,4 13838 13,5 86,5 14385 15,0 85,0
São Miguel 16 128 30,9 69,1 16437 31,4 68,6 16922 32,0 68,0 17786 33,0 67,0
Mosteiros 9 535 4,1 95,9 9564 4,2 95,8 9706 4,3 95,7 9939 4,5 95,5
São Filipe 27 886 28,2 71,8 28043 30,5 69,5 28155 34,0 66,0 28248 39,8 60,2
Brava 6 804 27,4 72,6 6678 27,4 72,6 6462 27,4 72,6 6016 27,4 72,6
351
Anos de projecção
Grupos Etários
específicos 2000 2005 2010 2015 2020
Efectivos % Efectivos % Efectivos % Efectivos % Efectivos %
Infanto-Juvenil
0 9.407 2,2 14.739 3,1 15.022 2,9 14.884 2,6 15.508 2,5
1-4 55.015 12,7 64.225 13,5 69.878 13,4 75.139 13,1 76.956 12,2
Educação
4- 5 24.719 5,7 22.091 4,6 26.680 5,1 29.247 5,1 30.476 4,8
6-11 78.052 18,0 68.275 14,3 72.164 13,8 81.226 14,1 87.623 13,9
12- 17 68.828 15,8 77.584 16,3 69.165 13,2 68.489 11,9 79.233 12,6
Alfabetização
49.828 11,5 61.969 13,0 62.427 11,9 52.921 9,2 62.151 9,9
15- 24 86.806 20,0 109.396 23,0 122.118 23,3 113.316 19,7 113.349 18,0
15 e + 251.874 58,0 293.429 61,7 335.500 64,1 368.000 63,9 409.472 65,0
Maioridade
18 e + 220.218 50,7 255.030 53,6 298.597 57,1 336.341 58,4 370.822 58,9
Fecundidade
15- 49 201.582 46,4 240.775 50,6 275.024 52,6 295.370 51,3 324.313 51,5
Trabalho e Emprego
10-14 63.449 14,6 63.779 13,4 54.077 10,3 63.220 11,0 68.874 10,9
10- 64 288.073 66,3 328.381 69,0 362.945 69,4 406.820 70,7 451.449 71,7
15 - 64 224.624 51,7 264.602 55,6 308.868 59,0 343.600 59,7 382.575 60,7
População Idosa
60 e + 37.305 8,6 34.817 7,3 32.113 6,1 34.542 6,0 41.653 6,6
Fonte: INE
e outros escritos jurídicos 353
c) - AMBIENTE
— BOA VISTA
577 Cf. Plano Estratégico para o Desenvolvimento Turístico 2004-2015 – Ministério da Eco-
nomia, Crescimento e Competetividade, (inédito) pp. 34.
578 Cf. Plano Estratégico para o Desenvolvimento Turístico 2004-2015 – Ministério da Eco-
nomia, Crescimento e Competetividade, (inédito) pp. 35.
579 Cf. Plano Estratégico para o Desenvolvimento Turístico 2004-2015 – Ministério da Eco-
nomia, Crescimento e Competetividade, (inédito) pp. 35.
580 Cf. Plano Estratégico para o Desenvolvimento Turístico 2004-2015 – Ministério da Eco-
nomia, Crescimento e Competitividade, (inédito) pp. 36.
581 Cf. Plano Estratégico para o Desenvolvimento Turístico 2004-2015 – Ministério da Eco-
nomia, Crescimento e Competitividade, (inédito) pp. 37.
582 Cf. Plano Estratégico para o Desenvolvimento Turístico 2004-2015 – Ministério da
Economia, Crescimento e Competitividade, (inédito) pp. 38.
356 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
583 Cf. Plano Estratégico para o Desenvolvimento Turístico 2004-2015 – Ministério da Eco-
nomia, Crescimento e Competitividade, (inédito) pp. 38.
584 Cf. Plano Estratégico para o Desenvolvimento Turístico 2004-2015 – Ministério da Eco-
nomia, Crescimento e Competitividade, (inédito) pp. 40.
585 Cf. Plano Estratégico para o Desenvolvimento Turístico 2004-2015 – Ministério da Eco-
nomia, Crescimento e Competitividade, (inédito) pp. 40.
586 Cf. Plano Estratégico para o Desenvolvimento Turístico 2004-2015 – Ministério da Eco-
nomia, Crescimento e Competitividade, (inédito) pp. 40.
587 Cf. Plano Estratégico para o Desenvolvimento Turístico 2004-2015 – Ministério da Eco-
nomia, Crescimento e Competitividade, (inédito) pp. 42.
588 Cf. Plano Estratégico para o Desenvolvimento Turístico 2004-2015 – Ministério da Eco-
nomia, Crescimento e Competitividade, (inédito) pp. 43.
e outros escritos jurídicos 357
MAIO589
SAL590
589 Cf. Plano Estratégico para o Desenvolvimento Turístico 2004-2015 – Ministério da Eco-
nomia, Crescimento e Competitividade, (inédito) pp. 44 segs.
590 Cf. Plano Estratégico para o Desenvolvimento Turístico 2004-2015 – Ministério da Eco-
nomia, Crescimento e Competitividade, (inédito) pp. 49 segs.
358 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
SANTO ANTÃO
S. NICOLAU
SANTIAGO
S. VICENTE
SANTA LUZIA
e) - A divisão político-administrativa
- Concelhos de Paul
Em 1997 mandou-se proceder ao diagnóstico da situação existente
através de um estudo realizado pela empresa TECTOPLACA. Nada mais
se conhece sobre o planeamento urbanístico deste concelho.
- Porto Novo
Não dispõe de PDM nem de PDU. Em 1995 mandou-se elaborar um
estudo de diagnóstico com a inclusão de cenários, planos e regulamentos
relativos à Vila do Porto Novo, mas este estudo equivalente a um Plano
de Detalhe não chegou a ser submetido à aprovação.
- Ribeira Grande
Não dispõe nem de PDM, nem de PDU nem de PD. Em 1986
mandou-se proceder à elaboração da Planta da Vila de Ponta do Sol. Em
1999 fez-se um estudo sobre a preservação dos centros antigos e em 2002
sobre o loteamento da Vila de Ponta do Sol.
- Concelho de S. Vicente
Tanto o PDM como o PDU da Vila do Mindelo foram
mandados elaborar desde 1993, com a colaboração da TECTOPLACA.
Pressupostamente o PDM está em vigor desde 1995, mas desconhece-se
se obedeceu à tramitação legal. Nomeadamente, não terá sido submetido
à homologação.
- Concelho de S. Nicolau
Os estudos com vista à elaboração do PDM tiveram início desde
1993 com a colaboração da TECTOPLACA e IFH. Idênticos estudos foram
iniciados em 1984 com vista à elaboração do PDU.
362 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
- Concelho do Sal
O PDM está em curso de elaboração desde 1996, com a participação
da empresa ARCOTECH mas não foi até agora aprovado. Existe
igualmente um PDU para a Vila de Santa Maria e Espargos e um Plano de
Detalhe para a Vila de Santa Maria. Estes Planos também não foram até
agora aprovados.
- Concelho do Maio
O Município do Maio não mandou até à presente data elaborar o
seu PDM. O único estudo que dispõe, neste particular, diz respeito a um
diagnóstico mandado realizar em Março do ano 2000, com o apoio das
Canárias e da União Europeia, realizado pela Natura 2000. Trata-se de
um instrumento que define a zonagem do território em atenção ao seu
património natural. A Associação Nacional dos Municípios classifica este
documento como muito importante para a elaboração do PDM.
e outros escritos jurídicos 363
- Concelho da Praia
O PDM está em curso de elaboração desde o ano 2000. Já dispõe de
um estudo de diagnóstico; um estudo de cenários; planos e regulamentos,
mas não foi submetido a discussão, aprovação ou homologação. O PDU
da Praia encontra-se na mesma situação.
O Município dispõe de Planos de Detalhe relativamente aos
seguintes Bairros: Palmarejo, Palmarejo de Baixo, Achada de S. Filipe,
Cidadela, Terra Branca, Achada de Santo António, Novo Plateau, Cova
Minhoto, Caiada, Achada Grande Trás Industrial, Ribeira Achada Grande
trás, Achadinha, Várzea de Companhia e Nova Praia.
Existem igualmente estudos e Planos de Detalhe relativos às ZDTI
da Praia.
- Santa Catarina
Embora ainda não disponha do PDM, Trata-se de uma tarefa já
agendada e a ser realizada no mais curso espaço de tempo. Em 1992 foi
mandado elaborar um estudo incluindo diagnóstico, cenários, planos e
regulamentos, com vista ao PDU da Vila da Assomada, com a colaboração
do Gabinete Georgina MELO, mas este documento não chegou a ser
aprovado.
- Santa Cruz
Não tem PDM. Em 1992 Mandou-se proceder a um estudo com
vista ao PDU da Vila de Pedra Badejo, estudo esse que não foi concluído
e nem está aprovado.
- S. Domingos
Não tem PDM. O PDU das Vilas de Praia Baixo, S. Domingos,
Ribeira Chiqueiro, Milho Branco e Praia Formosa foi mandado elaborar
em 2003. Não foi concluído nem aprovado.
- S. Miguel
O PDM foi aprovado em 2002, mas não se sabe se foi sujeito a
homologação. Foi igualmente aprovado um PDU para a Vila da Calheta
desde essa data.
- Concelho de S. Filipe
Os estudos Com vista ao PDU foram mandados elaborar em
1991. Em 1996 foram elaboradas as cartas gráficas e regulamentos, tudo
com a colaboração da empresa ARCOTECH. Todavia, o PDM nunca foi
submetido à aprovação, nem chegou a entrar em vigor.
364 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
- Concelho da Brava
O Município da Brava não mandou até à presente data elaborar
o seu PDM. O único estudo que dispõe, neste particular, diz respeito a
um diagnóstico mandado realizar em 2002 relativamente à Vila de Nova
Sintra, o qual inclui planos e regulamentos.
Este estudo de diagnóstico não foi submetido a aprovação. A
Associação Nacional dos Municípios interroga-se sobre o seu valor jurídico.
Desconhecendo nós qual a tramitação seguida para a sua adopção, não
podemos emitir uma opinião segura sobre esta questão.
Mais refere o estudo levado a cabo pela Associação Nacional de
Municípios que a Assembleia Municipal votou um regulamento de
urbanismo aplicável a uma zona central da Vila de Nova Sintra, cujo valor
jurídico também suscita.
As assembleias Municipais podem votar regulamentos592, maxime
os regulamentos relativos à regulação de interesses locais. O seu valor
jurídico depende do seu conteúdo que desconhecemos. Se observarem
as leis gerais da República, como seja a Lei das Bases do Ordenamento
do Território e do Planeamento Urbanístico, nos seus parâmetros
fundamentais, tais regulamentos são válidos.
**
592 Cf. Geraldo da Cruz ALMEIDA, in A tipologia dos actos legislativos no direito constitucio-
nal cabo-verdiano, (nesta colectânea).
e outros escritos jurídicos 365
Fonte: DGOTH.
366 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
7. CARTOGRAFIA E CADASTRO
8. POLÍTICA LEGISLATIVA
594 Confronte-se com esta noção dada por João Pereira SILVA: “O ordenamento do terri-
tório consiste na procura de uma melhor distribuição da população e das actividades
económicas no território nacional de acordo com os recursos conhecidos e potenciais,
por forma a aumentar a riqueza nacional e o bem estar das populações” – in O ordena-
mento do território e a infra-estruturação, estudo inédito.
372 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
595 Direitos Reais, Lições coligidas po Álvaro MOREIRA e Carlos FRAGA, Coimbra, Al-
medina, 1971, pp. 155-156.
596 In Da usucapião de imóveis em Macau, RJM, nº. especial sobre A questão das terras
em Macau, (1997), pp. 411, reportando-se às achegas de que o conceito de usucapião
tem sido objecto a nível doutrinário. Este mesmo ponto de vista está presente no pen-
samento do autor em Direitos Reais (reprint), Lex, Lisboa, 1979, pp. 465-466.
e outros escritos jurídicos 373
IV
JURISPRUDÊNCIA COMENTADA
378 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
e outros escritos jurídicos 379
Sumário:
ANOTAÇÃO
605 Sobre estes dois fenómenos, cf. Maria do Rosário PALMA RAMALHO, in Da autono-
mia Dogmática do Direito do Trabalho, Almedina, 2000, pp. 581 e sgs.
606 Segundo KAYSER, “os questionários para efeitos de contratação não podem incluir
questões sobre a situação familiar do candidato a emprego, como seja a questão de sa-
ber se é solteiro ou casado, se vive em união livre ou se tem filhos” – La protection de la
vie prive – protection du secret de la vie prive, Presses Universitaires d’Aix-Marseille, Eco-
nómica, Paris, 1995, pp. 267. Nesta medida um tribunal francês considerou abusivo o
despedimento de um trabalhador pelo simples facto de ter anunciado ao empregador
o seu casamento. O tribunal considerou não existir nenhuma ligação entre o contrato
de trabalho e a situação familiar que o trabalhador pretendia constituir. Cf. Code du
Travail, Dalloz, 1999, edição CD-Rom, consulte vie privée. Isto não quer dizer que a
situação familiar do trabalhador não deva ser tomada em consideração para efeitos de
fixação das condições de execução do trabalho.
607 A ligação entre o direito ao trabalho e o direito ao descanso pode ser questionada. Para
a doutrina dominante trata-se de uma ligação necessária e até inquestionável. Para nós,
e outros escritos jurídicos 383
todavia, esta ligação não é isenta de vícios e objecções. Temo-la até por controversa,
algo abusiva, e, como tal, sujeita a ser repensada senão mesmo rejeitada (a denúncia
desta ligação entre trabalho e lazer é antiga. Cfr. Encyclopedia of Marxism, vb working
day - http://www.marxists.org/glossary/index.htm). O pensamento jurídico da doutrina
representativa e retratado nas diversas legislações, no que respeita ao direito ao re-
pouso concebe este direito como uma decorrência do direito ao trabalho: o direito ao
repouso é um direito de quem trabalhou, de quem trabalha ou de quem vai trabalhar.
Manifestações desta ideia encontram-se já no texto constitucional: A CRP concebe o
descanso semanal, o repouso e o lazer como direitos do trabalhador. O direito ao des-
canso é regulado não no capítulo relativo aos direitos, liberdades e garantias individuais,
mas no capítulo relativo aos direitos, liberdades e garantias do trabalhador. Em nenhum
outro momento a Constituição se ocupa da regulação deste direito. Do mesmo modo,
o dia de cada pessoa é pensado pela Constituição da República como dia de trabalho.
Por isso, se estabelece que cada trabalhador tem direito a um limite máximo da jornada
de trabalho. O próprio direito a férias é igualmente regulado no quadro dos direitos,
liberdades e garantias dos trabalhadores.
Os instrumentos internacionais e a legislação ordinária afinam-se pelo mesmo diapa-
são. Várias Convenções e Recomendações da Organização Internacional do Trabalho
ocupam-se da duração do trabalho (cf. Convenção sobre a duração do trabalho na indús-
tria (1919); no comércio e serviços (1930); nas minas de carvão (1935); nos transportes
por estrada (1939); nos trabalhos públicos (1936); na indústria têxtil (1937); vidreiros
(1935), do repouso (cfr. Convenção da OIT sobre o repouso na indústria (1921); nos
estabelecimentos comerciais (1921); e das férias (cf. Convenção da OIT sobre as férias
pagas (1936);, estabelecendo uma relação de causa-efeito entre estes direitos e o direito
ao trabalho. O mesmo se passa na legislação ordinária, quer da função pública, quer
laboral.
Há uma ideia de centralidade do trabalho que parece dar razão aos filósofos marxistas-
leninistas nas suas críticas sobre o carácter alienante do trabalho. Na verdade, tudo
parece passar-se como se a pessoa estivesse unicamente fadada ao trabalho e não mais
do que ao trabalho. Cf., sobre este ponto, Encyclopedia of Marxist, vb. Alienation - http://
www.marxists.org/glossary/index.htm. Esta ideia de alienação é referida igualmente por
Leôncio BASBAUM que, a este propósito refere: “Quando o homem se vê forçado, des-
de o aparecimento da propriedade privada, a trabalhar para sobreviver ou seja, vender
sua força de trabalho, isso não significa que ele deva dedicar parte da sua vida – 8 ou
10 horas de trabalho – a outro. Na realidade lhe entrega quase tudo. Às 8 ou 10 horas de
trabalho que gasta no local em que exerce a sua actividade, é preciso juntar as horas que
consome desde o levantar até chegar a local e mais outras tantas, do local de trabalho
até a volta ao seu lar. Como suas noites devem ser bem dormidas, para que possa no
dia seguinte vende a sua força de trabalho, sua hora de dormir está condicionada ao
facto de que deve dormir cedo. Toda sua vida familiar (da alimentação ao sono) passa
a girar na realidade em torno dessas 8 a 10 horas que vende ao patrão, o que significa
praticamente as 24 horas do dia” – in Alienação e Humanismo..., cit. pp. 24. Cf. ainda a
Encíclica do Concílio Vaticano II Gaudium et Spes (1965), referindo-se à escravidão do
homem pelo trabalho e à necessidade de adaptar o processo produtivo às necessidades
da pessoa e à sua forma de vida. Nº. 67. Esta Encíclica foi objecto de um ciclo de con-
ferências consubstanciadas numa monografia, destinada a celebrar os 20 anos da sua
existência, com edição a cargo da Rei dos Livros – cf. Comissão Nacional Justiça e Paz,
in Gaudium et Spes – uma leitura pluridisciplinar vinte anos depois, coordenação de Mário
PINTO, António Leite GARCIA e João SEABRA, Lisboa, 1988.
384 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
relativas aos direitos fundamentais, esta opção do Texto Fundamental obriga a aperfei-
çoamentos no interior da própria constituição e no âmbito da legislação ordinária.
Para uma análise próxima daquela que acabámos de desenvolver, cf. Pierre KAYSER,
in La protection de la vie privée par le droit... cit. pp.. 265, considerando que « o assalariado
é antes de mais um homem e tem o direito, a este título, a uma vida privada e a uma
vida pública independentes da sua vida profissional. Deve haver uma separação, um
fechamento entre a vida profissional do assalariado e a sua vida privada e pública”.
Admite, todavia, que esta separação não pode ser completa e este fechamento não
pode ser estanque, pois, o assalariado é também a este respeito um homem e um ho-
mem indivisível.
608 O Code du Travail francês tem uma disposição clara a este respeito: “as informações
solicitadas sob qualquer forma que seja a um candidato a um emprego ou a um assa-
lariado não podem ter como finalidade senão apreciar a sua capacidade de ocupar o
emprego proposto ou as suas aptidões profissionais. Estas informações devem apre-
sentar uma ligação directa e necessária com o emprego proposto ou com a avaliação
das aptidões profissionais” – Artº. L.120-2 e L. 121-6. Em França, discutiu-se a este
respeito se a omissão por um trabalhador, no momento da sua contratação, da sua con-
dição de padre podia constituir motivo de despedimento. O tribunal pronunciou-se
em sentido negativo, considerando que, tratando-se de um aspecto da vida privada do
trabalhador, não tinha nenhum dever de o revelar ao empregador. Revogou, portanto,
a decisão. Os tribunais franceses revogaram igualmente a decisão de um empregador
de despedir um trabalhador que no momento da contratação omitiu o facto de ter sido
objecto de uma condenação penal: o assalariado não tem a obrigação de dar conhe-
cimento ao empregador dos seus antecedentes criminais e o despedimento baseado
neste facto está ferido de ilicitude. Sobre os casos relatados, cfr. Code du Travail, 1999,
edição CD-Rom, consulte vie privée. Cf. ainda Pierre KAYSER, in La protection de la vie
privée par le droit..., pp. 265-266 com o relato de outras situações.
Neste particular, cobram real interesse três situações de particular gravidade: a situa-
ção dos toxicodependentes; dos seropositivos e o conhecimento que resulta do projecto
genoma humano. As questões que se colocam em torno destes casos são as seguintes:
a) pode uma empresa questionar um candidato a emprego sobre o uso de substâncias
psicotrópicas ou a sua seropisitividade? b) pode uma empresa realizar testes genéticos
com vista a averiguar se o candidato a emprego poderá vir a sofrer posteriormente de
alguma doença que o incapacite de prestar cabalmente as suas funções ou envolver a
empresa em responsabilidade?
No que respeita à seropositividade e à toxicodependência a doutrina francesa distingue
dois momentos fundamentais: o momento da contratação e o momento da execução do
contrato. No momento da contratação não pode o empregador questionar o candidato
a emprego sobre a sua eventual toxicomania ou seropositividade. Isso violaria o seu
direito à intimidade e à reserva da vida privada. Diferentemente, durante a execução
do contrato pode o empregador submeter a generalidade dos trabalhadores a exames
médicos para avaliar da sua robustez física para o exercício do cargo, devendo o mé-
dico opinar unicamente se o trabalhador se encontra apto ou inapto para o exercício
do cargo. Cf. Pierre KAYSER, La protection..., pp. 266-267. Sobre a questão de saber se
os indivíduos portadores de HIV podem obter atestado de robustez física para efeitos
de ingresso na função pública, ver. Parecer da PGR (Portugal) nº. 25/95, de 25 de Maio
que opinou, bem a nosso ver, em sentido afirmativo, considerando que “releva da
386 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
do artigo 32º/8 da CRP “ são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa
da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na
correspondência ou nas telecomunicações”. A vídeo-vigilância utilizada para fins que não
se inscrevem nos objectivos da organização empresarial é ilegal assim como é ilícita a
prova obtida por este meio. O foro íntimo e a vida privada constituem a reserva in-
frangível de todo o ser humano. Esta reserva permite-lhe ter o domínio de si próprio,
sem o qual perde a condição de pessoa. O direito à reserva não é concedido, mas ape-
nas reconhecido. Por este reconhecimento o direito extrai como consequência necessá-
ria a protecção da intimidade a qualquer preço, ainda que essa protecção redunde em
prejuízo ou violação de direitos de outrem, particularmente quanto se trata de direitos
de diferente valor e natureza. Esta ideia hoje presente em várias constituições (v. gr.,
CRP art.. 26º) representa uma evolução significativa do ponto de vista da protecção da
pessoa humana, que tem nesta matéria lugar primeiro e central. O direito atribui maior
valor negativo ao facto intromissão no foro íntimo e na vida privada de uma pessoa
para perscrutar as suas paixões da alma, do que o eventual prejuízo que o metediço
possa ter pelo conhecimento dessas paixões. A ilicitude da prova assim obtida é de pre-
ceito, e justifica, igualmente, as limitações, nomeadamente, em matéria de audiências
em processo criminal, cuja publicidade poderá ser restringida, senão mesmo excluída,
em nome da defesa da intimidade pessoal, familiar ou social das pessoas envolvidas.
Os interesses do empregador cedem, pois, perante o bem jurídico da pessoa humana,
o que não quer dizer que ao empregador esteja sempre e em todo o caso vedada a
utilização de quaisquer sistemas de vídeo-vigilância que, em alguns casos, podem até
constituir-se em factor de segurança dos trabalhadores, tendo sempre como limite o
dever de reserva da intimidade e da dignidade pessoal destes. Sobre este ponto, cf.
Pierre KAYSER, in La protection de la vie privé – protection du secret de la vie privé, cit.,
que a pp. 264 e segs desta obra se ocupa deste tema. Sobre a vigilância electrónica para
efeitos do disposto no art.. 201º do CPP, ver Lei portuguesa nº. 122/99, de 20 de Agosto
que a regula. Ver ainda a Convenção para a Vigilância de Pessoas Condenadas ou
Libertadas Condicionalmente, aberta à assinatura em Estrasburgo em 30 de Novembro
de 1964. Portugal aprovou esta Convenção para ratificação pela Resolução da Assem-
bleia da República nº 50/94, D.R. de 12 de Agosto.
e outros escritos jurídicos 391
Rivista Italianna di Diritto Del Lavoro, anno XXI, 2002, pp. 658 e segs.
e outros escritos jurídicos 395
621 Sobre situações legais de quebra do sinalagma, cf. PALMA RAMALHO, Da autonomia
dogmática... cit., pp. 777 e segs.
396 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
BASE I
– Utilização pelo trabalhador de equipamento da empresa para
acesso à Internet para fins pessoais
BASE II
– Correio electrónico em nome do trabalhador para fins
empresariais
1 - A entidade empregadora pode acordar com o trabalhador a
criação de correio electrónico em nome do trabalhador em sítio da empresa,
autónomo ou alojado, para fins exclusivos da actividade empresarial.
2 - O acordo do trabalhador em juntar o seu nome ou apelido ao
endereço electrónico deve ser dado de forma expressa e inequívoca e é
revogável a todo o tempo, sem prejuízo de dever indemnizar o empregador
pelos prejuízos que a revogação acarretar.
3 - A utilização pelo trabalhador para fins pessoais de correio
electrónico criado para fins exclusivos da actividade empresarial, constitui
infracção e co-envolve responsabilidade civil e disciplinar, punível
consoante o grau de culpa do trabalhador.
4 - A entidade empregadora ou outra pessoa em seu nome pode, a
todo o tempo, ter acesso a essa caixa de correio, conhecer o nome electrónico
de utilizador e a respectiva chave de acesso. Poderá também alterar estas
informações, ler a correspondência trocada, destruí-la, transferi-la para
outra pasta do mesmo computador ou computador remoto, assim como
realizar outras operações electrónicas, sem que tal acarrete qualquer
responsabilidade.
5 - A recusa pelo trabalhador em transmitir à entidade empregadora
as informações que lhe permitam ter acesso à caixa do correio constitui
infracção disciplinar.
398 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
BASE III
– correio electrónico misto
A DECISÃO
ANOTAÇÃO
626 Essa indemnização tem sido, por vezes, atribuída pelos tribunais. Cf. Ac. do STJ, de
19/02/1997, nos termos do qual “rescindido o contrato de trabalho sem observância
do aviso prévio de 60 dias, o trabalhador constitui-se na obrigação de pagar à entidade
patronal uma indemnização de valor igual à remuneração de base correspondente ao
período de aviso prévio em falta (artigos 38 e 39 do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de
Fevereiro)”. Esclarece este Acórdão que a entidade patronal não tem de deduzir pedi-
do reconvencional, bastando-lhe excepcionar a compensação, se pretende compensar
crédito seu com crédito do autor dentro dos limites deste. Cf. Ainda ac. Do STJ de
3/07/96 e Ac. Do STJ de 16/12/2000, entre outros. Sobre a rescisão com base na lei
dos salários em atraso, cf. Ac. Do STJ de 26/4/99 e de 23/03/2001, todos recolhidos
em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.
e outros escritos jurídicos 405
Sumário:
Prescrição de créditos laborais. Discriminação de
bens jurídicos. Inconstitucionalidade.
636 1
O Acórdão em questão encontra-se publicado no todo ou em parte em vários lugares.
Vem publicado no Diário da República II série, nº. 178, de 5 de Agosto de 1987; no
BMJ nº. 367, pp. 203 e segs e sumariado em http://www.dgsi.pt/. Anotação escrita
em 2002.
412 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
ANOTAÇÃO
§ 1º
Nota evolutiva
637 Cf. Tit. XX, Liv. IV da Ordenações Manuelinas. No que respeita ao início da prescri-
ção, estas Ordenações apresentavam uma particularidade curiosa relativamente aos
créditos a soldadas devidas a menor. O prazo de prescrição não se iniciava nem corria
enquanto não atingisse a maioridade (vinte e cinco anos).
638 A prescrição no regime jurídico das Ordenações interessou aos praxistas portugueses.
Cf. Ordenações Filipinas, Livros IV e V, FCG, notas aos Tit. XXIX e segs e as referências
ali citadas. Cf. ainda Coelho da ROCHA, Instituições de Direito Civil Portuguez, sexta
edição, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1886, pp. 357 e segs; Adriano Paes da
Silva VAZ SERRA, Prescrição e Caducidade, in BMJ nº. 105-106, pp. 82 nota 625.
639 Ver, neste sentido, José DIAS FERREIRA, in Código Civil português, Anotado, segunda
edição, vol. III, Coimbra 1902, pp. 48, anotação do artº. 1387º. Para obviar os inconve-
nientes relacionados com as dificuldades de prova nas acções por soldadas dos cria-
dos, esta disposição veio estabelecer como meio de prova o juramento do amo. Dias
FERREIRA lamentou que esta mesma solução não tivesse sido adoptada também no
serviço salariado, onde igualmente não é prática exigir recibos, à semelhança do que
acontece com o Código Civil francês e encontrava-se prevista no projecto do Código
414 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
644 Uma situação a considerar será a seguinte: A, trabalhador, presta a sua actividade por
tempo indeterminado a B, empregador, a quem já não satisfaz o trabalho de A. Acorda
com C, também empregador, no sentido de este propor a A melhores condições de
trabalho, aliciando-o a mudar para a sua empresa. A aceita, mas, antes de concluído o
período experimental, C prescinde dos seus serviços, invocando o nº. 4 do artº. 89º que
permite a qualquer das partes denunciar o contrato, durante o período experimental,
sem invocação do motivo nem aviso prévio. Nesta situação C nunca quis contratar A,
mas sim ajudar B a despedi-lo. Não há boa fé no comportamento de C, que não poderá
alegar, procedentemente, que a desvinculação durante o período experimental não dá
lugar a qualquer indemnização. Efectivamente assim é, mas na situação concreta não
opera a disposição que regula o período experimental, mas sim aquela que sanciona a
culpa na formação do contrato (cf. artº. 217º do CC). Esta situação suscita o problema
da repartição das responsabilidades entre o primeiro e o segundo empregador relati-
vamente ao trabalhador. Serão ambos responsáveis ou a responsabilidade recai uni-
camente sobre a pessoa do segundo empregador? Este é, naturalmente, responsável a
título de culpa na formação do contrato, mas não se pode esquecer que foi o primeiro
empregador que aliciou o segundo empregador, a propor ao trabalhador melhores
condições de contrato. Aliciou, pois, ao trabalhador a despedir-se. Esta conduta en-
volve responsabilidade, pelo que afigura-se-nos plausível responsabilizar o primeiro
empregador, solidariamente, com o segundo empregador na reparação devida ao tra-
balhador. Deve, todavia, notar-se que o princípio da culpa na formação do contrato
não visa apenas a protecção do trabalhador. Em 1964, o Bundesarbeitsgerichts (BAG)
julgou um caso de culpa na formação do contrato a favor do empregador por violação
das regras da boa fé da parte do trabalhador. Sobre este caso, cf. MENEZES CORDEI-
RO, in Tratado..., pp. 338.
645 Cf. o seu estudo Da Boa fé..., pp. 528 e segs e retomado em Tratado..., pp. 331 e segs.
e outros escritos jurídicos 417
§ 2º
Constitucionalidade do Regime
268.
651 Para uma crítica desta disposição, cfr. Arnaldo SÜSSEKIND, in Direito Constitucional
do Trabalho..., pp. 307-308.
e outros escritos jurídicos 419
Vejamos porquê.
653 11
Andou, pois, bem o Acórdão da RC de 25 de Junho de 1998 na caracterização que fez
do prazo de prescrição a que alude o artº. 38ª da LCT – in Col. Jur., III, pp. 72.
422 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
este não poderá extinguir-se pelo decurso do tempo. Esta consequência foi
retirada ao nível do trabalho intelectual mercê da ligação intrínseca entre
a obra e a personalidade do autor. A lei toma esta ligação por imutável.
Por isso, liga-lhe a característica da imprescritibilidade.
O trabalho intelectual (reportando-se a actividade) ou obra
intelectual ou propriedade intelectual (reportando-se a resultado) contém
a essência trabalho humano. É esta essência que deve ser alargada na
busca de perspectivas valorativas. Não se trata, claro está, de reconduzir
todo o trabalho humano à obra intelectual, pois, nem todo o trabalho
preenche, enquanto tal, os requisitos de protegibilidade, próprios da obra
literária ou artística ou da propriedade industrial654. Neste sentido, o
resultado do trabalho, mesmo subordinado, só é protegido enquanto obra
intelectual, se exprimir uma relação intrínseca e inextrincável entre a obra
e o seu autor. Todavia, se é certo que nem todo o trabalho representa,
neste sentido, obra intelectual, não é menos certo que todo o trabalho
exprime uma ligação com a pessoa que o realiza655 e é esta ligação impõe
um Direito do Trabalho, com autonomia relativamente aos demais ramos
do direito, e, consequentemente, uma dogmática própria do Direito do
Trabalho.
A consequência deste ponto de vista ao nível da disciplina legal
da prescrição dos créditos laborais, não implica, claro está, a adopção
de um regime de imprescritibilidade dos direitos daí decorrentes, pelas
razões já aduzidas, mas parece brigar frontalmente com dois aspectos
já referidos e que se encontram no centro das decisões comentadas: o
654 A protecção de uma obra, como obra intelectual, assenta nos requisitos de mérito e
originalidade. Pressupõe, pois, criação, sem a qual não se estabelece a paternidade sobre
a obra.
655 Emanuel MOUNIER, in Le personnalismo, PUF, 1949, pp. 100 refere-se a esta ideia nos
seguintes termos: “Sob o ângulo do agir a acção não visa principalmente edificar uma
obra exterior, mas formar o agente, sua habilidade, sua virtude, sua unidade pessoal.
Esta zona de acção ética tem o seu fim e a sua medida na autenticidade, nota fortemen-
te influenciada pelos pensadores existencialistas”. Sobre o trabalho como realização
pessoal, ver, também, Leite de CAMPOS, Lições de Direitos da Personalidade..., pp. 106.
LANGOIS diz a este respeito: “Há um modo particularmente humano de se relacionar
a pessoa com as coisas, e de actuar sobre elas imprimindo-lhe a universalidade do seu
espírito. O trabalho – todo o trabalho na sua dimensão de «arte» por assim dizer – ex-
prime a personalidade num objecto exterior” – In Doutrina Social..., pp. 196. Todavia,
a doutrina jurídica distinguiu, correctamente, a impressão espiritual que correspon-
da a criações do espírito e aquelas que não correspondem a criações do espírito. As
primeiras, regulou-as pelo Direito de Autor ou Direito da Propriedade Industrial; as
segundas, regulou-as pelo Direito do Trabalho, sem deixar de, através deste ramo do
direito, retirar as consequências necessárias da criação espiritual ocorrida no quadro
de uma relação de trabalho, maxime relação de trabalho subordinado.
e outros escritos jurídicos 423
Sumário:
Despedimento de mulher grávida. Inconstitucio-
nalidade.
ANOTAÇÃO
657 Cf., nomeadamente, a lei norueguesa - Act No. 4 of 4 February 1977 relating to Worker
Protection and Working Environment que, na verdade, limita o seu regime de protec-
ção unicamente aos aspectos de ordem biológica.
658 Sobre os países que ratificaram esta Convenção, consulte-se http://www.ilo.org/ilo-
lex/french/convdisp2.htm.
659 Cf. http://www.ilo.org/ilolex/french/convdisp2.htm
660 Sobre as ratificações a esta Convenção e bem assim a posição da Suécia, cf. http://
www.ilo.org/ilolex/french/convdisp2.htm.
e outros escritos jurídicos 427
Sumário:
1ª DECISÃO
***
***
2ª DECISÃO
direito pelas acções possessórias ou pelos outros meios adequados (artigo 1051.º
do CPC).
De todo o exposto, resulta que o meio de oposição por embargos, estabelecido
no artigo 929.º do Código de Processo Civil, não é extensivo à posse judicial avulsa,
pelo que ordeno se invista a exequente na posse efectiva do tracto de terreno em
litígio.
Custas pelos executados.
Praia, 23 de Março de 2006
Assinado Ilegível.
ANOTAÇÃO
Lda, por identidade de razão não poderia a CVC fazer a mesma invocação,
para negar à Britar, Lda o direito ao arrendamento. Do contrário, retirar-
se-ia sentido ao direito de sequela de que goza a posição jurídica do
arrendatário.
11. Além disso, não se pode deixar de tomar em consideração que
há 8 anos que a Britar Lda actua no terreno em causa, à vista de todos e
de boa fé, de forma pública e pacífica como um verdadeiro arrendatário.
Se as pessoas nestas condições adquirem o direito de propriedade, pelo
tempo, como não hão-de adquirir um direito menor, como seja direito ao
arrendamento, verificados os mesmos pressupostos?
13. Assim, do meu ponto de vista, à Britar, Lda deve ser reconhecido
um título, próprio ou em nome de outrem, que se conflitua com o título
de propriedade. Quem adquiriu uma propriedade tem direito à posse
material efectiva da coisa adquirida e pode obter tutela judicial contra
aquele que, estando em poder da coisa, impede a concretização desse
desiderato. Todavia, este direito do proprietário pode não proceder se
aquele que detém a coisa tem um título que legitima essa detenção.
A jurisprudência é uniforme no sentido de que não pode ser
concretizada a posse material efectiva de um imóvel a favor do adquirente
de uma propriedade em face de um contrato de arrendamento664.
664 Ver, neste sentido, Ac. do STJ (Portugal) de 6.7.1993, BMJ nº. 429, pp. 761; Ac. do STJ
(Portugal) de 19.10.1995, Col. Jur.; 1995, 3, 68; Ac. da RE de 1.7.1993, BMJ nº. 429, 909.
e outros escritos jurídicos 443
E note-se que ainda que a Britar, Lda seja tida como detentora em
nome alheio, como seria o caso se se interpretasse o substabelecimento
como sendo um mandato de representação das Construções Técnicas,
S.A. pela Britar, Lda, mesmo assim a jurisprudência tem entendido que
“não pode ser conferida a posse ao requerente [da posse judicial avulsa]
que prejudique aquele uso e fruição”665. Em tal caso, ao requerente da
posse judicial avulsa só pode ser conferida a posse jurídica e não a posse
material efectiva666.
Este conflito de títulos dirime-se, assim, a favor do titular do direito
ao arrendamento.
Tem-se discutido se o contrato de arrendamento pode ser apreciado
no quadro da acção especial de posse judicial avulsa. Como decidiu o
Ac. do STJ de Portugal de 17 de Maio de 2001667, contrariamente a uma
jurisprudência minoritária que opina no sentido de que a acção adequada
para se discutir a validade, subsistência e eficácia do contrato de
arrendamento é a acção de despejo, pelo que essa discussão não poderia
ocorrer no quadro de uma acção especial de posse judicial avulsa668, a
resposta deve ser afirmativa.
Como bem refere o STJ de Portugal nesse Ac. de 17 de Maio de
2001 “na acção de posse judicial avulsa, como em qualquer outra, o juiz
deve por imperativo legal conhecer de todas as questões que as partes
tenham submetido à sua apreciação, nomeadamente, a existência de
um contrato de arrendamento”, pois, o que se discute é a “existência e
validade de uma relação jurídica” que, quando devidamente titulada,
impede a concretização de uma pretensão jurídica, qual seja a posse
material e efectiva do imóvel, objecto do contrato de arrendamento, por
parte do proprietário.
14. Por esta mesma razão não podemos acompanhar a douta decisão
quando considera que “o meio de oposição de embargos, estabelecido no
artigo 929º do Código do Processo Civil não é extensivo à posse judicial
avulsa”. Para fundamentar este ponto de vista o meritíssimo juiz invocou
em seu favor o Acórdão do STJ de Portugal de 13 de Janeiro de 1959,
publicado no BMJ nº. 83 – 335. Ora, o sentido desta decisão foi há muito
ultrapassado. São hoje inúmeras as sentenças que hoje permitem a
665 Cf. Ac. do STJ de Portugal de 19.10.1995, Col. Jur., 1995, 3, 68.
666 Ver, veste sentido, Ac. da RE, de 1.7.1993, BMJ nº. 429, pp. 908.
667 In www.dgsi.pt
668 Ver, neste sentido, Ac. da RL. De 13 de Abril de 1977, Col. Jur. 11, 404.
444 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
Sumário:
ANOTAÇÃO
Artigo 37.º
(Transmissão de estabelecimento)
672 O carácter intuitu personae do contrato de trabalho foi tomado em consideração a pro-
pósito da transmissão de estabelecimentos na sentença do 8º Juízo do tribunal de Tra-
balho de Lisboa, de 26 de Junho de 1986, nos termos do qual “o contrato de trabalho é um
contrato celebrado “intuitu personae» pelo que a transmissão da posição contratual terá de ser
restringida às hipóteses expressamente consignadas na lei, e, assim, só por força da lei se poderá
admitir tal transmissão, sem o acordo ou consentimento expresso do trabalhador”. In Col. de
Jur., IV, 329.
448 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
673 Cf. D. Lgs. 2 fevereiro de 2001 n. 18, publicado na Gazeta Oficial de 21 fevereiro 2001,
n. 43 sobre “Attuazione della direttiva 98/50/CE relativa al mantenimento dei diritti dei lavo-
ratori in caso di trasferimento di imprese, di stabilimenti o di parti di stabilimenti” .
674 Art. 2112 (Mantenimento dei diritti dei lavoratori in caso di trasferimento d’azienda)
1. In caso di trasferimento d’azienda, il rapporto di lavoro continua con il cessionario ed
il lavoratore conserva tutti i diritti che ne derivano.
2. Il cedente ed il cessionario sono obbligati, in solido, per tutti i crediti che il lavoratore
aveva al tempo del trasferimento. Con le procedure di cui agli articoli 410 e 411 del
codice di procedura civile il lavoratore può consentire la liberazione del cedente dalle
obbligazioni derivanti dal rapporto di lavoro.
3. Il cessionario è tenuto ad applicare i trattamenti economici e normativi previsti dai
contratti collettivi nazionali, territoriali ed aziendali vigenti alla data del trasferimento,
fino alla loro scadenza, salvo che siano sostituiti da altri contratti collettivi applicabili
all’impresa dal cessionario. L’effetto di sostituzione si produce esclusivamente fra con-
e outros escritos jurídicos 451
676 htp://europa.eu.int/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexplus!prod!CELEXnumdo
c&numdoc=61991J0132&lg=PT
e outros escritos jurídicos 453
Sumário:
DECISÃO
Custas pela requerente, com taxa de justiça que fixo em ¼ (um quarto) do
correspondente valor da acção.
Registe e notifique.
Praia 21 de Abril 2004
O Juiz de Direito,
Assinado ilegível
ANOTAÇÃO
§ 1º
Introdução
679 Cf. Geraldo da Cruz Almeida, in Convenção de Roma de 19 de Junho de 1980 sobre a lei
aplicável às obrigações contratuais, Lisboa, 1999, pp. 27 e segs e em particular, 55 e segs.
680 Sobre este conceito, cf. Geraldo Almeida, Convenção de Roma..., pp. 40 e segs.
460 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
§ 2º
O exclusivo: breve configuração jurídica
681 Cf. Geraldo ALMEIDA, in Subsídios em torno dos direitos de cidadania na Sociedade da
Informação, Direito e Cidadania, ano VI nº. 19, pp. 231.
e outros escritos jurídicos 461
garantia dada pela Administração, com base nas regras da boa fé, de que
naquele sector de actividade, nenhum outro alvará será passado, sem que
tenha decorrido um certo prazo ou este prazo não tenha sido renovado.
§ 3º
O exclusivo da Cvtelecom: âmbito material
§4
O exclusivo da Cvtelecom: âmbito espacial
§ 5º
O exclusivo da Cvtelecom: âmbito temporal
§ 6º
Exclusivo: o encargo
III – Não interessa nesta anotação analisar cada uma das situações.
Duas delas, todavia, deverão ser chamadas à colação, pois, o regime dos
encargos a elas associado pode apresentar interesse para a melhor análise
da questão em apreço. Trata-se dos encargos associados à prestação dos
serviços de telefone, previstos na cláusula 10ª; dos encargos associados
à prestação do serviço comutado de transmissão de dados, previsto na
cláusula 13ª.
e outros escritos jurídicos 469
§ 7º
Análise da medida cautelar: legitimidade das partes
nossas leis para regular o caso, pelas razões que fiz notar no que respeita
à determinação da lei aplicável.
§ 8º
nulidade da decisão: falta de citação
§ 9º
Violação do Exclusivo: caracterização jurídica da voz sobre IP
683 Cf. Ac. do STJ (Portugal) de 29.4.1998, BMJ 476, pp. 335 e segs.
684 Ibidem.
e outros escritos jurídicos 473
§ 10º
A VoIP como serviço de telecomunicações
se numa lei anterior que lhe reconheça a competência para a sua prática.
A regra, aliás, em Direito Público é a de os órgãos da Administração
só poderem praticar aqueles actos para os quais têm competência legal,
contrariamente à regra dominante em Direito Privado segundo o qual
tudo o que não é proibido por lei é permitido.
O princípio da reserva de lei devia, pois, permitir ao juiz questionar
que lei conferiu à Administração o poder de atribuir exclusivos em matéria
do serviço público das telecomunicações, qual o alcance desse exclusivo e
se esse alcance atribuído está ou não em conformidade com a lei.
Esta verificação não foi feita. Aliás, nenhuma norma legal foi
invocada pelo juiz para demonstrar a existência de uma situação jurídica
de exclusivo. Mais: nenhuma norma legal foi invocada para sustentar as
pretensões da concessionária. O único apoio de que se serviu o juiz foi
o argumento carreado ao processo pela Concessionária requerente da
providência o que é compreensivelmente insuficiente.
Tudo se passou como se o argumento da concessionária requerente
não oferecesse contestação e tivesse, como parece que teve, valor de lei.
III – Deve-se, porém, afirmar que o juiz caiu num logro. Na verdade,
dos elementos colhidos pelo juiz para a decisão, vê-se que também a
concessionária requerente não cita nem a lei, nem o contrato em que se
funda o exclusivo, limitando-se a afirmá-lo, sem nenhum suporte legal. E
afirma-o de tal modo amplo que a afirmação se torna falsa.
Refere, com efeito: “a requerente é concessionária do serviço público
de telecomunicações em Cabo Verde” – afirmação parcialmente falsa,
pois, como ficou demonstrado atrás, nem a requerente é concessionária
de todo o serviço público de telecomunicações, como tanto a lei como
o próprio contrato de concessão admitem a possibilidade da existência
de outros operadores; e continua: “incluindo no âmbito da concessão
o exclusivo relativo ao serviço de telecomunicações entre Cabo Verde
e outros países” – afirmação também falsa, pois, como se demonstrou
igualmente o contrato de exclusivo cobre apenas algumas áreas do sector
das telecomunicações entre Cabo Verde e outros países.
Portanto, nem a requerente é a única concessionária possível em
matéria das telecomunicações em Cabo Verde, nem tem o exclusivo sobre
a totalidade das operações de telecomunicações em Cabo Verde. Há um
claro propósito ardiloso no modo como os fundamentos da pretensão são
apresentados ao tribunal. A má fé da concessionária afigura-se patente.
juiz por razões redobradas, pois, tratou-se de uma situação em que ele
decidiu o caso concreto sem ouvir a parte contrária. Ora, a não audição
da parte contrária, além de se tratar de uma situação excepcional, só
aceitável nas situações tipificadas na lei – portanto, a lei que permitia
afastar o contraditório tinha que ser mencionada e os fundamentos dessa
preterição claramente apresentados - tem ainda por efeito a dispensa de
colaboração de uma das partes na composição do litígio. Esta dispensa
de colaboração devia redobrar a diligência do juiz, nomeadamente, no
ponto de saber se a requerente era ou não titular do direito de exclusivo
invocado, para não correr o risco de emitir uma decisão injusta.
§ 11º
A VoIP como serviço de valor acrescentado
685 Cf., por todos, Ac. do STA (Portugal) de 24 de Abril de 1996, BMJ nº. 456, pp. 482.
476 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
§ 12º
Posição adoptada: a VoIP como um serviço de rede de pacotes
686 Por comutação de pacotes entende-se a “técnica de transmissão de dados que divide a in-
formação em envelopes de dados discretos, denominados pacotes. Desse modo, em caso de falha
durante a transmissão, a informação perdida afeta uma fração do conteúdo total, em vez de afe-
tar o todo. A estação receptora encarrega-se de montar os pacotes recebidos na seqüência correta
para reconstruir o arquivo ou sinal enviado” - Glossário das Tecnologias da Informação.
687 Cf. http://www.art-telecom.fr/publications/9telecom.htm#
688 Cf. http://voip.magoarte.com/voip-nikotel_en.htm
689 http://www.abafando.hpg.ig.com.br/ciencia_e_educacao/8/index_int_11.html
478 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
690 http://www.voip-belgium.be/index.php.
e outros escritos jurídicos 479
691 in www.monografias.com
e outros escritos jurídicos 481
§ 13º
A tecnologia IP e o exclusivo da Cvtelecom
692 A convergência tecnológica exprime a “tendência de união de várias tecnologias num úni-
co equipamento - por exemplo, palmtops e celulares, TVs e computadores etc. Também
pode significar, no âmbito da prestação de serviços, a transmissão de voz, dados, áudio e
vídeo - com e sem fio, por uma única operadora” – Glossário sobre tecnologia da informação.
482 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
III - Por isso, há dois aspectos que devem ser tidos em consideração:
a possibilidade que as companhias de telefones tradicionais têm de
utilizar a tecnologia IP e de nos fornecer um serviço a baixo custo,
fazendo passar a ilusão de que está a prestar-nos um serviço fundado na
tecnologia tradicional, cobrando, portanto, um valor de longe superior ao
valor real do serviço. Do meu ponto de vista, esta situação que é real, para
além de configurar abuso da parte da empresa fornecedora dos serviços
de telecomunicações, configura crime de burla punível pela lei penal
vigente.
§ 14º
Constitucionalidade do exclusivo
693 Cf.http://www.estado.estadao.com.br/colunistas/siqueira/2003/05/siquei-
ra030518.html
e outros escritos jurídicos 483
694 Cf., por todos, Ac. do STA (Portugal) Acs. Dout. do STA, 298, 1233.
695 Cf. o nosso estudo Tipologia dos actos legislativos na Constituição Cabo-verdiana de 1992,
NA, 2004 (Jornadas Parlamentares).
484 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
CONCLUSÕES
tem exclusivo sobre a rede de pacotes. Logo, não pode reclamar que a
prestação de um serviço de telefones fundado na tecnologia IP viola o seu
direito ao exclusivo.
VI
NOTAS DISPERSAS
488 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
e outros escritos jurídicos 489
696 Desconhecemos se o regime jurídico de habeas data se encontra ou não regulado. To-
davia, independentemente deste facto, é certo e seguro que alguns aspectos ligados à
utilização da Informática carecem urgente de medidas legislativas. Adiante retomare-
mos estes aspectos.
e outros escritos jurídicos 491
697 Cfr. Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967 que inseriu disposições desti-
nadas a regular, em tudo que não esteja previsto em leis especiais, a responsabilidade
civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos
actos de gestão pública e deu nova redacção aos artigos 366º e 367º e à alínea b) do §
1º do artigo 815º do Código Administrativo. Posteriormente a este diploma foi apro-
vado o Decreto-Lei nº 301/99, de 5 de Agosto que definiu níveis de responsabilidade e
actuação dos serviços e organismos públicos intervenientes no circuito da informação,
contabilização e administração das receitas do Estado.
e outros escritos jurídicos 493
- a lei e o regulamento;
- o silêncio administrativo e
- a prática administrativa.
Estes mecanismos são adequados a provocarem um esvaziamento
progressivo da constituição material.
a) - A omissão legislativa ocorre quando o Estado, tendo o dever
de legislar sobre determinada matéria, não legisla, com dolo ou mera
culpa. Quando a omissão corresponde à inobservância de uma norma
constitucional preceptiva estamos em face de uma inconstitucionalidade
por omissão. Quando a omissão corresponde ao incumprimento de uma
norma legal (por exemplo, um regulamento de que dependa a execução
de uma lei) estamos em face de uma ilegalidade.
A omissão legislativa, tal como a própria actividade legislativa698,
deveria envolver a responsabilidade do Estado, mas se quanto à actividade
legislativa não se suscitam dúvidas sobre essa responsabilização, já no
que respeita à omissão do dever de legislar podem suscitar-se dúvidas
fundadas. Desde logo se tomarmos em consideração o dever geral de
julgar consubstanciado no artº. 8º do Código Civil. Se o juiz não pode
abster-se de julgar alegando falta ou obscuridade da lei, então o juiz não
poderia condenar o Estado por falta de lei, ou seja, por omissão legislativa.
Por isso, as duas únicas tentativas que conhecemos, em Portugal,
de responsabilização do Estado por omissão legislativa resultaram
infrutíferas. No Acórdão da Relação de Lisboa, de 14 de Dezembro de
1995699, foi decidido que uma determinada norma do Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais deveria ser interpretada de forma lata por forma
a excluir a responsabilidade do Estado por omissão legislativa. No Ac.
do STJ de 30 de Outubro de 1996, já citado, decidiu-se que “só poderia
falar-se de um direito à emanação de normas onde houvesse o direito
de «exigir» uma actuação positiva do legislador, sendo que o direito à
legislação representaria uma violação do princípio da divisão de poderes e
uma «completa subversão da relação de força entre legislativo e judicial”.
O caso Aquaparque, pelo seu carácter mediático, poderá vir a tornar-se
no primeiro caso de condenação do Estado por omissão legislativa, mas
este caso ainda corre os seus trâmites apesar de já ter obtido uma decisão
favorável à tese da responsabilização do Estado700.
701 Nos termos do artigo 203º nº 2 al. b) da CR, “compete ainda ao Governo, no exercício
de funções legislativas fazer decretos legislativos em matérias relativamente reserva-
das à Assembleia Nacional, mediante autorização legislativa desta”.
702 Nos termos do artº. 203º nº. 1 “compete exclusivamente ao Governo, reunido em Con-
selho de Ministros, no exercício de funções legislativas, fazer e aprovar decretos-lei e
outros actos normativos sobre a sua própria organização e funcionamento.
500 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
703 Sob a epígrafe regime das autorizações legislativas, dispõe o artº. 181º da Constituição da
República: “
1. As leis de autorização legislativa só podem ter por objecto as matérias da competência
legislativa relativamente reservada da Assembleia Nacional e devem estabelecer o ob-
jecto, a extensão e a duração da autorização, que pode ser prorrogada.
2. As leis de autorização legislativa não podem ser utilizadas mais do que uma vez, sem
prejuízo da sua utilização parcelar.
3. As leis de autorização legislativa caducam com o termo da legislatura, com a dissolu-
ção da Assembleia Nacional ou com a demissão do Governo e podem ser revogadas
pela Assembleia Nacional.
4. O Governo deve publicar o decreto legislativo até ao último dia do prazo indicado na
lei de autorização, que começa a correr a partir da data da publicação desta.
5. As autorizações legislativas conferidas ao Governo na lei de aprovação do Orçamento
do Estado observam o disposto no presente artigo e, quando incidam sobre matéria
fiscal, caducam no termo do ano económico-fiscal a que respeitam.
e outros escritos jurídicos 501
704 No nosso estudo sobre a Tipologia dos Actos Legislativos... opinamos no sentido de esta
disposição ter carácter taxativo. Todavia, o facto de não fazer referência à competência
concorrente leva a concluir em sem tido diverso.
502 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
a) Impostos
705 Sobre as leis reforçadas o estudo mais completo corresponde à tese de Carlos Branco
de MORAIS, As leis Reforçadas, Lisboa, 1998.
e outros escritos jurídicos 503
706 Para maiores desenvolvimentos, cf. o nosso estudo A tipologia dos Actos Legislativos,
Jornadas Parlamentares, 2003, nesta colectânea.
504 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
b) Taxas
709 Dispõe este artigo: 1. Nos sessenta dias seguintes à publicação de qualquer decre-
to legislativo podem cinco Deputados, pelo menos, ou qualquer Grupo Parlamentar,
requerer a sua sujeição à ratificação da Assembleia Nacional para efeitos de cessação
de vigência ou de alteração. 2. A Assembleia Nacional não pode suspender o decreto
legislativo objecto do requerimento de ratificação.
506 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
I - OS FACTOS
I
O PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO.
SUA CONSAGRAÇÃO NO ACTUAL DIREITO PORTUGUÊS
714 DELPINO/DEL GIUDICE procuram temperar o rigor desta máxima observando que
ela operava em absoluto nas relações de direito público, o mesmo já não acontecendo
nas relações de direito privado, ob. cit. pp. 566.
715 Sobre este ponto cf. Diogo Freitas do AMARAL, in A responsabilidade da Administração
no Direito Português, Lisboa, 1973, pp. 10 e segs e ainda Estado, Enciclopédia Pólis,
vol. 2, cols. 1143 e segs e em particular, cols. 1147-1148.
716 Sobre este ponto e nomeadamente sobre os arestos que conduziram à afirmação do
princípio, em particular o caso Blanco ver, entre outros, Claude BLUMANN, in Régles
générales de la responsabilité de la puissance publique État et collectivités publiques Juris
Classeur Responsabilité Civile, 6, 1983, Fasc. 370, pp. 14; Jean RIVERO, in Direito Ad-
ministrativo, tradução portuguesa de Rogério Ehrhardt SOARES, Coimbra, 1981, pp.
307 e segs; Freitas do AMARAL, in Estado cit. cols. 1147. Sobre o conteúdo do ares-
to Blanco ver Georges VEDEL/Pierre DELVOLVÉ, in Droit Administratif, 8e édiction,
Paris, 1982, pp. 128 129. Para um resumo da evolução da responsabilidade civil do
Estado no Direito Português, cfr. José Luis da Silva Resende MOREIRA, in Da respon-
sabilidade da Administração Pública por actos ilícitos (no âmbito do exercício da actividade de
gesto pública), policopiado, Faculdade de Direito de Lisboa (1989), pp. 7 e segs.
717 Cf. artºs. 464º e 465º deste diploma.
718 Sobre estes aspectos cfr. Marcelo CAETANO, ob. cit. pp. 1220-1221.
e outros escritos jurídicos 509
II
ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE. SUA DISCIPLINA JURIDICA.
719 Cf. ainda a Portaria nº. 360/71, de 21 de Agosto, que obriga à prova de garantia de
responsabilidade civil por acidentes para concessão de licenças para obras.
720 Sobre a aplicabilidade directa do artº. 22º da CR, cf. Moreira da SILVA, ob. cit. pp. 29.
721 Ob. cit. pp. 1222. Sobre a distinção entre gestão pública e gestão privada existe uma
copiosa literatura. Cfr. a este respeito Georges VEDEL/Pierre DEVOLVÉ, in Droit
Administratif, cit. pp. 128; Jean RIVERO, in Direito Administrativo cit. pp. 189 e segs,
entre outros. O Tribunal de Conflitos tem vindo amiúde a pronunciar-se, sobre esta
matéria. Ver, por todos, o Ac. de 10 de Dezembro de 1987, publicado em Acórdãos
Doutrinários do STA, ano XXVII, nº 317, ps. 671 e segs e Ac. de 7 de Julho de 1988,
publicado nos Acórdãos Doutrinários do STA, ano XXVIII, nº 327, pp. 387 e segs.
510 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
referido Decreto-lei nº. 48.051, cujo art. 2º dispõe nos seguintes termos:
“O Estado e as demais pessoas colectivas públicas respondem
civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das
disposições destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de
actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou
agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse
exercício”722.
III
SUBSUNÇÃO DOS FACTO AO DIREITO
722 Cf. igualmente o artº. 3º quanto à responsabilidade dos titulares dos órgãos e dos
agentes. A doutrina é unânime no sentido de que o sistema acolhido neste diploma
corresponde ao francês, em que a responsabilidade dos titulares dos órgãos ou agentes
se encontrava limitada às situações em que tivessem agido com culpa. Este sistema foi
porém substituído pelo sistema anglo-americano “segundo o qual os funcionários ou
agentes do Estado devem ser inteiramente responsabilizados pelos actos praticados no
exercício das suas funções”. Neste sentido cfr. as. do STJ de 6 de Maio de 1986, publi-
cado no BMJ nº 357 (1986), pp. 392 e segs, nos termos do qual o DL nº. 48 051, de 21 de
Novembro de 1967 caducou na parte em que limitava a responsabilidade dos mesmos
titulares dos órgãos ou agentes.
e outros escritos jurídicos 511
IV
DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
a) - ILICITUDE
723 No sentido de que a acção judicial deve ser igualmente proposta contra o magistrado
que validou a prisão preventiva, cfr. Boaventura DUMANGANE, ob. cit. pp. 123.
724 Sobre este princípio cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Ci-
vil, Coimbra, 1989, pp. 195; Giovanni Verde in Prova (dir. proc. civ), Enciclopedia del
Diritto, vol. XXX, ps. 623. Em particular no confronto deste princípio com o direito
estrangeiro, ver Geraldo da Cruz ALMEIDA in O ónus da prova em direito internacional
privado (nesta colectânea, pp. 71 e segs.) Alexandro Tomaso DI VIGNANI, in Lex Fori
e diritto straniero, Pavoda, 1964, pp. 51 e segs.
512 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
Desde logo os artºs 25º, 27º, 28º, 32º nºs 2 e 6, todos da CR que reconhecem
o direito à integridade moral e física, proíbem a tortura e o tratamento
cruéis, degradantes ou desumanos, reconhecem o direito à liberdade e
segurança, proíbem a privação total ou parcial da liberdade, disciplinam
a prisão preventiva, asseguram a presunção da inocência até ao trânsito
em julgado da sentença de condenação e declaram nulas todas as provas
obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral
da pessoa. Resultam igualmente violados pelos referidos actos o art. 12º
da Declaração Universal dos Direitos do Homem DUDH725 que proíbe
intromissões arbitrárias na vida privada, na família, no domicílio e ataques
à honra e reputação e bem assim os artºs 9º e 11º que reafirmam o princípio
da presunção de inocência e proíbem a detenção e prisão arbitrárias.
Idênticas proibições resultam igualmente do Pacto Internacional sobre os
Direitos Civis e Políticos PIDCP726 e bem assim da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem CEDH727. A proibição de tais actos encontrou
ainda ampla consagração na legislação ordinária portuguesa que ora
sujeita a uma reparação de natureza penal, ora estabelece providências
extraordinárias, como a medida de habeas corpus, no caso de detenção
725 Cf. art. 16º nº 2 da CR que manda interpretar e integrar os preceitos constitucionais e
legais relativos aos direitos fundamentais de harmonia com esta Declaração. Cfr. Jorge
Miranda in Estudos sobre a Constituição (A Declaração Universal dos Direitos do Homem),
vol. I, Lisboa, 1977, pp. 180 e segs e ainda A Constituição de 1976 Formação, Estrutura,
Princípios fundamentais, Lisboa, 1978, pp, 180 e segs; J.J. Gomes CANOTILHO e Vital
MOREIRA, in Constituição da República portuguesa (anotada), 2ª edição, Coimbra, 1984,
vol. 1º, anotação ao art. 16º, pp. 158 e segs.
726 Sobre o conteúdo e a situação jurídica deste tratado ver Jorge Miranda in Direitos
do Homem, principais textos internacionais, Lisboa, 1989, pp. 31 e segs. Ver artºs 7º que
proíbe a tortura e tratamentos cruéis, inumanos ou degradantes; artº. 9º que reconhe-
ce o direito à liberdade e segurança e proíbe a prisão ou detenção arbitrária e o artº.
10º que, de forma positiva, obriga ao tratamento humano e ao respeito da dignidade
inerente à pessoa humana a todos os indivíduos privados da liberdade. Quanto ao
regime de recepção deste e outros instrumentos internacionais no direito interno por-
tuguês, ver artº. 8º da CR.
727 Sobre este texto ver Pinheiro FARINHA, in Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
anotada, Lisboa, 1980. Ver ainda Jorge MIRANDA, in Direitos do Homem, cit.pp. 209 e
segs. Cf. artºs. 3º que proíbe a tortura, penas e tratamentos cruéis e degradantes; artº. 5º
que reconhece o direito à liberdade e segurança; artº. 8º que obriga ao respeito da vida
privada e familiar e qualquer ingerência da autoridade pública no exercício desse direito.
Observe se que o artº F do Tratado de Maastricht que institui a Comunidade Europeia,
já ratificada por Portugal (10.12.92), estabelece que “a União respeitará os direitos fun-
damentais tal como os garante a Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do
Homem e das Liberdades Fundamentais...”. Quanto a este Tratado cfr. igualmente o artº.
130U. 1 e Tit. V, J 1.2..
e outros escritos jurídicos 513
ilegal (artº. 220º do CPP) com vista a reparar ou tornar efectivo o exercício
dos referidos direitos.
Vimos também que a detenção ou prisão preventiva ilegais
caracterizam esse tipo de ilicitude. Na verdade, tendo o A. sido detido
e preso preventivamente sob a alegação de ter furtado objectos de uma
casa contígua e tendo ficado provado posteriormente que nada furtou,
estes factos tornam a prisão preventiva manifestamente ilegal, podendo
fundar a indemnização prevista no artº. 225º do CPP728.
b) - CULPA
c) - PREJUIZO
d) - NEXO CAUSAL
V
DO DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
738 Cf. Menezes CORDEIRO, Direito das Obrigações cit. vol. II, pp. 335-336.
739 Cf. O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 26 de Setembro de 1991, in
Acórdãos Doutrinais, ano XXXII, nº 377, pp. 489 e segs e, em particular, 492-493.
740 Decisão de 31 de Janeiro de 1966, Apud Pinheiro Farinha, ob. cit. pp. 23.
516 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
VI
TRIBUNAL COMPETENTE
741 Decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de 22 de Junho de 1972, apud
Pinheiro Farinha, ob. cit. pp. 98.
742 No sentido do reconhecimento do direito à indemnização se orienta igualmente a ju-
risprudência do Conselho de Estado francês. Segundo Paulette Veaux FOURNERIE
“em caso de detenção provisória considerada abusiva o artº. 149 1 do CPP confia a
uma Comissão reunida junto do Tribunal de Cassação o papel de atribuir uma indem-
nização” in Régime de la réparation, Juris Classeur, responsabilité civile, Fasc. 2212, 11,
1990, pp. 3. Em França existe mesmo um Fundo de Garantia destinado a reparar as
vítimas de actos de terrorismo e outras infracções, que parece abranger as situações de
detenção e prisão ilegais.
743 No mesmo sentido, Maia GONÇALVES, ob. loc. cit. A jurisprudência não é uniforme
quanto ao Tribunal competente para conhecer do pedido de indemnização por acto li-
gado ao exercício da função jurisdicional. No sentido preconizado por nós e por Maia
GONÇALVES se pronunciaram os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de
10 de Dezembro de 1985, publicado em Acórdãos Doutrinais ano XXV, nº. 298 o qual
e outros escritos jurídicos 517
CONCLUSÃO
com base em tal escritura (cf. Ac. da RC de 17-3-1998, Col. Jur. 1998, 2,22).
Estes pressupostos são igualmente válidos quando o facto justificado
é a usucapião. Assim, se uma pessoa faz uma escritura de justificação
notarial alegando que adquiriu o prédio por usucapião, pelo simples
facto da justificação notarial ele não adquire o direito de propriedade. Só
adquire o direito de propriedade sobre o imóvel se conseguir fazer prova
dos elementos demonstrativos da aquisição por usucapião (cf. Ac. da
Relação do Porto de 8 de Maio de 2000). De igual modo a jurisprudência
portuguesa tem vindo a recusar valor jurídico à justificação notarial sobre
prédios que não estejam inscritos na matriz predial, particularmente
quando se trata de primeira inscrição. Assim, um acórdão da Relação de
Coimbra de 13 de Abril de 1999 diz o seguinte: “Em sede de justificação
notarial, pretendendo-se a primeira inscrição, atestante da dominialidade
do prédio, tem-se como razoável que a lei exija como condição essencial
a existência de inscrição matricial, certificativa da existência do prédio,
para efeitos de segurança e dignidade dos registos. IV – Por conseguinte,
deve considerar-se nula a escritura de justificação notarial a que se
procedeu para justificação de aquisição por usucapião do prédio omisso
na matriz, mesmo que feita a participação na repartição de finanças para
a sua inscrição. V – E por isso, deve o Conservador recusar o registo sob
apresentação de escritura solenizada nessas condições. VI – Não aproveita
ao justificante o facto de, em momento posterior, obter a inscrição matricial
do prédio registando”. Ou seja, não só é necessário a inscrição matricial
para efeitos de justificação notarial, mas não basta um registo matricial
actual. Mostra-se necessário que esse registo matricial preencha condições
tais que titulem a propriedade do imóvel.
As justificações notariais a que faltem os pressupostos legais são
nulas e de nenhum efeito. A nulidade é a mais grave forma de invalidade
dos actos jurídicos. Por isso, pode ser invocada a todo o tempo.
ANEXO
Decreto n.º 132/71 de 6 de Abril
§ 1º
§ 2º
§ 3º
744 O Ac. da Rel. de Lisboa de 11-3-1998 que diz a este propósito: “O facto de num acordo
colectivo de trabalho estar previsto que «ao trabalhador pode ser concedida, a seu pe-
dido, licença sem retribuição, por período determinado», autoriza a concluir com segu-
rança que a respectiva cláusula do acordo colectivo de trabalho não confere àquele um
direito potestativo ao gozo dessa licença. Não é legítimo, por isso, que o trabalhador
entre em regime de «licença sem retribuição» a partir de certa data por si escolhida, e
pelo período máximo fixado na cláusula do acordo colectivo de trabalho, limitando-se
a notificar a entidade patronal de que assim procedia por imperativos de ordem pesso-
al e familiar”. BMJ, 475, 762.
532 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
§ 4º
745 A. Menezes Cordeiro chama a atenção para esta precisão terminológica: “a suspensão
é, em si, um efeito jurídico, dependente da verificação de um facto: o facto suspensivo. A
suspensão distingue-se da licença que traduz apenas uma categoria de factos suspen-
sivos” – in Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1994, pp. 768.
e outros escritos jurídicos 533
Visto que grande parte dos direitos e deveres das partes na relação
de trabalho estão ligados à prestação efectiva do trabalho, determinare-
mos os direitos e deveres que se conservam, ficando os suspensos deter-
minados por exclusão de partes. Além disso, o importante para as partes
é conhecerem em cada momento quais os direitos e deveres que se conser-
vam para que possam acautelar o seu exercício ou a sua observância.
Também mencionaremos só os direitos e deveres do trabalhador,
sendo certo que, correspectivamente, ficam determinados os deveres e
direitos da entidade empregadora que se conservam.
748 Assim, o Ac. do S.T.J. (Portugal) de 3-7-1991 considerou que “constitui justa causa
de despedimento, a violação com dolo ou com culpa grave, por parte do trabalhador,
do dever de guardar segredo, ou dever de sigilo, quando a sua actividade profissional
estiver ligada a segredos industriais, ou de métodos de fabrico de objectos ou produ-
tos, se tais factos revelarem que se tornou impossível a subsistência da relação laboral”
- Acs. Dout. do STA, 360, 1421. Idêntica solução seria justificada relativamente ao tra-
balhador na situação de licença sem vencimento que violasse, com culpa grave, o dever
de sigilo relativamente a segredos industriais ou a métodos de fabrico.
e outros escritos jurídicos 535
749 Cf. neste sentido Ac. do S.T.J. de 1-4-1998, Acs. Dout. do STA, 442, 1343.
750 Ac. do Trib. Const. nº 474/89 de 12-7-1989 (P. 248/85) 12-Jul-1989, BMJ, 389, 214
751 www.dgsi.pt/jtrl.
536 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
§ 5º
retomar o serviço (artº. 66º nº. 5). Isso significa que a licença registada
produz o efeito particular do direito à conservação do lugar na empresa.
Decorre igualmente desse regime que, concluído o período de
licença, se o trabalhador não se apresentar para retomar o trabalho incorre
em faltas não justificadas e poderá ser despedido por abandono do lugar.
§ 7º
Portugal (22-25 de Outubro de 1996) Direito Bancário Privado, Coimbra Editora, 1997, pp.
23.
e outros escritos jurídicos 539
1. PRESSUPOSTOS
756 A argumentação jurídica com base no discurso racional foi desenvolvida nomeada-
mente por Robert ALEXY. Cf. a sua Teoria da Argumentação Jurídica – a teoria do discurso
racional como teoria da justificação jurídica, tradução portuguesa, por Zilda Hutchinson
Schild SILVA, S. Paulo Brasil, 2001.
757 Cf. Artº 721º do CPC.
542 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
764 Cf., entre outros, Acórdão de 15 de Janeiro de 1952 nos termos do qual “a ilegalidade
do acto condenatório não é fundamento de revisão, mas sim de recurso” – in Colecção
de Acórdãos Doutrinários do Conselho Superior de Disciplina do Ultramar – 1951-1952-1953,
Agência Geral do Ultramar, MCMLX, pp. 203 e segs. Em sentido semelhante, cfr. Ac.
do CSDU de 4 de Março de 1953, Colecção... pp. 379 e segs.
765 In Erro e Ilegalidade no acto administrativo, pp. 72, cit. por Marcelo CAETANO, ob. loc.
cit..
766 Ver, neste sentido, VITAL MOREIRA e GOMES CANOTILHO, Constituição da Repú-
blica portuguesa, anotada, 3ª edição, Coimbra Editora, 1993, pp. 176. Na tese destes
autores o direito à vida significa também o direito à sobrevivência e o direito a dispor
de condições de subsistência mínimas, integrando, designadamente, o direito ao traba-
lho.
546 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
3. FACTO NOVO
767 Deve, pois, estranhar-se que o actual Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes
da Administração Central, Regional e Local aprovado pelo Decreto-Lei nº. 24/84, de
16 de Janeiro, de ora em diante, EDFAACRL, tenha acolhido esta tese manifestamente
inconstitucional. Dispõe, com efeito, o nº. 3 do artigo 79º deste EDFAACRL que “a
simples alegação de ilegalidade, de forma ou de fundo, do processo e da decisão disciplinar não
constitui fundamento para a revisão”.
768 Adiante EDAAP.
e outros escritos jurídicos 547
4. LEGITIMIDADE
769 No sentido referido, ver Ac. do STJ (Portugal) de 22 de Outubro de 1998 que reza as-
sim: “são considerados novos factos ou novos meios de prova aqueles que não tenham
sido apreciados no processo que levou à condenação, embora não fossem ignorados
pelo arguido na ocasião em que se realizou o julgamento”.
548 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
5. TRÂMITES SUBSEQUENTES
6. EFEITOS
pena revista, até ao momento da sua revisão. Tais efeitos são complexos
e variam em atenção à condição jurídica do funcionário ou agente e das
modificações (ou modificações de modificações) que se produziram na
categoria profissional do funcionário em causa no decurso da aplicação
da pena revista.
A determinação desses efeitos impõe, pois, uma análise caso a
caso.
550 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
e outros escritos jurídicos 551
ÍNDICE IDEOGRÁFICO1
A B
Abuso do direito, 176 e segs. Baixo-Império, 141
Acção directa, 174, 184 Banco Central Europeu, 379 e segs.
Acceptilatio, 138 Bárbaros, 129
Ac. Grigorios Katsikas v. Angelos Barrigas de aluguer, 201
Konstantinidis, 451 Big brother, 191
Actio ficticia, 135 Boa fé, 138, 175, 177
Actio injuriarum, 19 Boa Razão, 176
Acto colonial, 156 Boa -Vista, 271, 300, 360, 355
Acto tácito, 233 e segs. Boletim do Conselho
Actos legislativos, 147, 158 Ultramarino, 154
Actos normativos, 160 Bom pai de família, 63
- do Governo, 168 Bona fides, 178
Adaptação, 180 Bons costumes, 176
Ágora, 130 Brasil, 177
Alienabilidade, 23 Brava, 364
Alluvio, 138 Bundesarbeitsgericht, 211
Alta Idade Média, 122 Burden of proof, 97
Alvará, 151
-de 10 de Dezembro de 1643, C
152 Cadastro industrial, 326
-de 15 de Junho de 1714, 152 Cadastro, 325, 339, 343, 366, 526,
-de Lei, 151 533,
-de loteamento, 245 Capitis deminutio, 113
Ambiente, 295, 325 Carta Constitucional, 151
American Bar Association, 310 Carta de Lei, 150, 151
Amicitia, 134 Carta Orgânica do Império
Anum, 123 Colonial português, 156
Apreciação da prova, 107 Carta Régia, 150
Assistência pública judiciária, 316 Carta Social Europeia, 151, 203
Autonomia Cartografia, 366
- da vontade, 529 Caso Longo, 237
- do Poder Local, 333 Charta donationis, 150
Awilum, 124 Charta franquitatis, 150
Charta libertatis, 150
1
Os números remetem para as páginas.
552 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
Z
Zumutbarkeit, 59
560 ESTUDOS DE DIREITO CABO-VERDIANO
e outros escritos jurídicos 561
ÍNDICE ONOMÁSTICO1
Y Z
YANGUAS MESSÍA, 133 ZENO – ZENCOVICH, 70
ZILDA HUTCHINSON, 541
ZITELMAN, 109