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EFICÁCIA EXTERNA DOS CONTRATOS

 Princípio da eficácia relativa dos contratos


✓ Eficácia inter-partes – nos termos do art. 406º, n.º 2, do CC, o contrato, em regra, só produz efeitos
entre os contraentes. Relativamente a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos
especialmente previstos na lei.
 Casos em que a lei estende a eficácia dos contratos a terceiros:
✓ Contratos com eficácia de protecção de terceiros. Ex.: No contrato de arrendamento, o agregado
familiar, empregados domésticos e hóspedes do arrendatário gozam de protecção jurídica
decorrente do contrato. Em caso de danos em virtude de ruina do locado por falta de obras de
conservação imputáveis ao senhorio, este fica obrigado a indemnizar não só o inquilino, mas as
pessoas acima enunciadas;
✓ Contratos a favor de terceiro – contratos em que as partes atribuem um benefício a um terceiro - art.
443º e ss do CC
EFICÁCIA EXTERNA DOS CONTRATOS
 Fora dos casos previstos na lei, a doutrina questiona se os contratos têm ou não uma eficácia
externa, isto é, se é possível ou não responsabilizar um terceiro que tenha colaborado
dolosamente para o incumprimento de uma obrigação.

 Casos paradigmáticos:
✓ Contrato-promessa: A promete vender um imóvel a B. C, não obstante ter conhecimento da promessa
de venda celebrado por A, incita-o a vender-lhe o imóvel, levando A a incumprir o contrato celebrado
com B. Pode C ser responsabilizado por B pelo incumprimento da promessa por parte de A?
✓ Pacto de preferência: E, mesmo sabendo que D tinha a obrigação de dar preferência a C na venda de
um imóvel, instiga D a vender-lhe o bem, sem notificar C para preferir, violando aquele o pacto de
preferência. Pode C exigir uma indemnização da E pelos danos decorrentes da violação do seu direito
de preferência, por ter colaborado no incumprimento de D?
✓ Contrato de trabalho: G, que acabara de celebrar um contrato de trabalho com F, é instigado por D
para ir trabalhar com ele, violando assim o acordo celebrado com F. Pode este exigir a
responsabilidade de D por ter colaborado na violação do contrato de trabalho por parte de G?
EFICÁCIA EXTERNA DOS CONTRATOS
 A doutrina clássica e mais conservadora afasta de todo a teoria de eficácia externa dos
contratos, sublinhando que a obrigação tem uma eficácia relativa – só ao devedor pode o
credor exigir o cumprimento e, por conseguinte, também a responsabilidade pelo
incumprimento. Entretanto, nos casos mais gravosos mesmo a doutrina conservadora acaba
por aceitar a responsabilização de terceiros com fundamento no abuso de direito (art. 334º do
CC) – caso de Almeida Costa, Antunes Varela, Vaz Serra, entre outros;
 Os autores que defendem a eficácia externa dos contratos em termos mais amplos sustentam a
sua tese no art. 490º do CC, referente à responsabilidade dos instigadores e auxiliares.
Defendem que todos têm o dever de respeitar e não lesar o direito de crédito alheio e que a
comparticipação de terceiro no incumprimento do contrato tem tutela delitual, determinando a
obrigação de indemnizar por parte do devedor, solidariamente com o terceiro – Galvão Telles,
Menezes Cordeiro, Pessoa Jorge, entre outros.
CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO
Noção:
Contrato pelo qual um dos contraentes (Promitente) atribui, por conta do outro (Promissário), um
benefício patrimonial a terceiro estranho à relação contratual (Beneficiário). Uma das partes se obriga,
perante e por conta da outra, a realizar uma prestação a favor de terceiro estranho ao negócio – art.
443º, n.º 1, do CC.
 Terá de resultar claramente do contrato a intenção de as partes atribuirem um benefício a terceiro;
 A prestação ou o benefício a favor de terceiro pode ser (art. 443º, n.º 2, do CC):
✓ Direito de crédito
✓ Cessão de crédito
✓ Constituição ou transmissão de um direito real
✓ Liberação de uma dívida
CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO
Exemplos:
 António celebra um contrato de seguro de vida com a Garantia a favor do filho, nos termos do
qual quando aquele morrer, a Garantia fica obrigada a pagar um determinado montante
(indemnização) ao filho de António.
 Berta e Carlos celebram um contrato de compra e venda de um carro a favor de Ester, filha de
Carlos.
 Ana celebra um contrato com Bento, nos termos do qual aquela se obriga a dar preferência ao
irmão de Bento na venda de uma vivenda.
 Maria promete a Joana que venderá o seu automóvel ao Filipe, pai de Joana, no prazo de dois
meses.
CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO
 Partes do contrato a favor de terceiro:
✓ Promitente – aquele que assume a obrigação de realizar a prestação
✓ Promissário – aquele a quem a promessa é feita e por conta do qual a prestação é
realizada

 Terceiro/Beneficiário não é e nunca será parte do contrato;

 O Terceiro/Beneficiário adquire o direito à prestação independentemente de aceitação e


até de conhecimento. O direito nasce automaticamente do contrato sem necessidade de
um acto posterior, da declaração negocial do Beneficiário - art. 444º, n.º 1, do CC.
CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO
Distinção de figuras afins:
 Contrato em que o credor autoriza que a prestação seja entregue a um terceiro – art. 770º, al. a),
do CC. Neste caso terceiro não é titular de qualquer direito, apenas o cumprimento é feito
perante ele;
 Contrato celebrado através de representação com poderes – o representado fica de fora das
operações materiais, mas não é estranho ao contrato. É o efectivo contraente, o verdadeiro
titular da posição contratual. No contrato a favor de terceiro, este não é e nunca será parte;
 Contrato celebrado através de representação sem poderes – do contrato não nasce
directamente direitos para terceiro. O representado é parte do contrato, mas este só o vincula
com a ratificação;
 Contrato celebrado pelo mandatário sem representação – do contrato não nasce directamente
qualquer direito para o mandante. É necessário um acto posterior para transmissão dos direitos
do mandatário para o mandante. No contrato a favor de terceiro, o direito deste nasce
directamente do contrato, sem necessidade de se praticar um acto ulterior.
CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO
O contrato a favor de terceiro pressupõe uma relação de natureza triangular entre o Promitente,
Promissário e o Terceiro/Beneficiário:
 Relação de Cobertura ou de Provisão - relação entre o Promitente e o Promissário, que
subsidia, alimenta, dá cobertura ao direito conferido ao terceiro. Pode ter natureza vária. Ex.:
Contrato de compra e venda, contrato de seguro, doação, transporte, etc. O contrato a favor de
terceiro é um meio que o Promissário usa para fazer uma atribuição patrimonial indirecta a
terceiro;
 Relação de Valuta – relação entre o Promissário e o Terceiro/Beneficiário, que justifica o
benefício ou direito que lhe é atribuído;
 Relação de Execução – realização da prestação pelo Promitente perante o Beneficiário.
CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO

Terceiro/Beneficiário

Relação de valuta
Relação de execução Atribuição patrimonial indirecta

Promitente Promissário
Relação de cobertura ou de provisão
Contrato a favor de terceiro
CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO
É com base na relação de cobertura que se determinam os direitos de Terceiro, os direitos e obrigações
das partes, bem como os meios de defesa oponíveis a Terceiro por parte do Promitente. A invalidade do
contrato, a verificação de uma condição resolutiva ou a não verificação de uma condição suspensiva,
excepção de não cumprimento são alguns exemplos de meios de defesa relativamente à relação de
cobertura que o promitente pode invocar para não cumprir perante terceiro – art. 449º do CC;
Ex.: A e B celebram um contrato de compra e venda de uma automóvel a favor de C. A, vendedor, pode
invocar a excepção de não cumprimento, isto é, a falta de pagamento do preço por parte de B para
legitimar a não entrega da viatura a C.
O Promitente não pode invocar meios relativos à relação de valuta entre o Promissário e o Terceiro,
nem meios relativos a outra relação contratual que tenha com o Promissário.
Ex.: O A não pode invocar o facto de B ou C lhe dever dinheiro que lhes tinha emprestado para não
entregar o automóvel a C.
CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO

 O Promissário, enquanto parte contratual, tem direitos próprios, nomeadamente


direito de resolução, denúncia, indemnização ou reparação da coisa defeituosa, etc.
 O Promissário (a par de Terceiro/Beneficiário) também tem direito de exigir do
Promitente o cumprimento da prestação prometida, salvo convenção em contrário –
art. 444º, n.º 2, do CC;
 O direito de Terceiro nasce directamente do contrato, independentemente de
aceitação. No contrato com eficácia real, o efeito ocorre no momento da formação
do contrato – art. 444º, n.º 1, do CC;
 Terceiro pode aceitar ou rejeitar a promessa – art. 447º, n.º 1, do CC;
CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO
 Rejeição da Promessa
✓ Declaração mediante o Promitente, que deve comunicar ao Promissário, sob pena de ser
responsável perante este em caso de culpa (art. 447º, n.º 2, do CC);
✓ Liberdade de forma;
✓ Tem efeitos retroactivos – destruição do direito nascido na esfera jurídica do Terceiro/Beneficiário.
 Adesão à Promessa
✓ Declaração ao Promissário e ao Promitente – art. 447º, n.º 2, do CC;
✓ Forma livre;
✓ Declaração perante o Promitente para efeitos de mora;
✓ Declaração perante o Promissário, para efeitos de consolidação do direito na esfera jurídica de
Terceiro. Com a aceitação, o Promissário já não poderá revogar a promessa, nem alterar ou
perdoar unilateralmente a prestação.
CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO
 Enquanto o Terceiro/Beneficiário não aceitar a promessa perante o Promissário, este pode
revogar a promessa, mesmo que o Terceiro já tenha declarado a adesão ao Promitente –
art. 448º do CC;
 O direito de revogação da promessa pertence ao Promissário, salvo se a promessa for
feita no interesse também do Promitente (ex. mútuo oneroso), caso em que a revogação
fica dependente do consentimento deste;
 Nos casos de Promessa que tenha de ser cumprida após a morte de Promissário:
✓ Presume-se que o Terceiro só adquire o direito à prestação após a morte do
Promissário – art. 451º, n.º 1, do CC;
✓ A Promessa é revogável enquanto o Promissário for vivo - art. 448º, n.º 1, do CC;
✓ Se o Terceiro morrer antes do Promissário, os herdeiros daquele passam a ser os
titulares do direito.
CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO
Prestação em benefício de um conjunto de pessoas indeterminadas ou no interesse
público – art. 445º do CC
Exemplos:
 A doa um quadro à CMP para ser exposto a todos os praienses;
 A doa um edifício ao ICCA ficando esta obrigada a utilizá-lo para abrigar todas as crianças
que estejam ao seu cuidado;
 A constrói um jardim e doa à CMP com a condição de ficar disponível a todas as crianças da
cidade;
 A contrata um restaurante para distribuir refeições quentes aos sem abrigos durante a noite
de Natal;
O direito de reclamar o cumprimento da promessa é do Promissário, seus herdeiros e às
entidades competentes para defender os interesses em causa.
CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO
Promessa de exonerar o Promissário de uma dívida
Ex.: A obriga-se perante B a exonera-lo da dívida de 300.000$00 que este tem para com C.
 A doutrina entende que não estamos perante um verdadeiro contrato a favor de terceiro:
✓ Não se atribui a Terceiro qualquer benefício, na medida em que o crédito deste sobre o
Promissário já existia. Apenas o Promitente fica obrigado a exonerar o Promissário (a cumprir
a obrigação do Promissário perante Terceiro);
✓ Só o Promissário pode exigir do Promitente o cumprimento da promessa. O
Terceiro/Beneficiário não tem tal faculdade - art. 444º, n.º 3, do CC. No exemplo, apenas B
pode exigir que A cumpra a promessa. C não tem este direito.
BIBLIOGRAFIA

 João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volumes I, Almedina;


 Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I – Introdução, Da
Constituição das Obrigações, Almedina;
 Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina;
 Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, Coimbra Editora;

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