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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Justice is the first virtue of social


institutions, as truth is of systems of thought.
A theory however elegant and economical
must be rejected or revised if it is untrue;
likewise laws and institutions no matter how
efficient and well-arranged must be
reformed or abolished if they are unjust.

John Rawls in “A Theory of Justice”

Por Luís Pedro Dias


Coimbra, 2022/2023
BREVE NOTA INTRODUTÓRIA

O presente documento abraça uma síntese dos conteúdos programáticos da disciplina


de Direito das Obrigações II da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, lecionada
pelo Exmo. Professor Doutor Filipe Miguel Cruz Albuquerque Matos, realizado por Luís Pedro
Dias no ano letivo de 2022/2023. Além disso, cumpre notar o imprescindível contributo da
bibliografia recomendada para o estudo destas matérias, sendo certo que haverá, ao longo do
presente documento, a reprodução dos ensinamentos dos prezados autores, não havendo
qualquer intuito de arrogar o presente documento à qualidade de bibliografia, se não como um
próprio meio de sistematização dos próprios conteúdos. Haverá, sempre que possível, a
referência às páginas das presentes obras, sem prejuízo das que faltem por mero esquecimento.
A saber, então:

ANTUNES VARELA, João de Matos – Das Obrigações Em Geral, Vol. I, Almedina


ANTUNES VARELA, João de Matos – Das Obrigações Em Geral, Vol. II, Almedina

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CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO

1. Delimitação e enquadramento sistemático

O presente instituto encontra-se regulado no art. 443.º e ss CC, expressamente previsto


na lei, não só no seu regime (por isso, típico) como na sua admissibilidade. Nestes, estamos
perante um contrato que produz não apenas efeitos inter partes, mas relativamente a
terceiros – portanto, não tem eficácia meramente relativa (aliás vd 406.º/2 CC “Em relação a
terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos especialmente previstos na lei”). Por isso, a
regra é a de eficácia meramente relativa dos contratos, configurando a eficácia quanto a
terceiros a exceção. Por isso, encontramos aqui uma erosão da regra geral, ou seja, temos uma
relação contratual com uma estrutura algo complexa (trilateral), pois os seus efeitos se
estendem a terceiros. Encontramos, por isso, o promitente e o promissário, bem como aquele
terceiro em cuja esfera jurídica se vão produzir os efeitos do contrato (o terceiro é estranho à
relação contratual, mesmo que ele venha a aceitar o benefício que foi criado a seu favor, ele
nunca é parte do contrato). Fica investido na titularidade de um direito, mas não é parte no
contrato, ante são o promitente e o promissário.
O contrato a favor de terceiro é aquele em que uma das partes – o promitente – se
obriga a realizar uma prestação a favor de terceiro, à custa ou por conta do promissário.
É imprescindível que o benefício a favor de um terceiro tenha fonte ou origem no contrato, por
isso, um nexo indissociável entre o contrato e o direito ou benefício que é criado a favor
de terceiro (v.g. criação de um direito ou extinção de um determinado encargo).
Contudo, importa explicar o que significa ser “à custa ou por conta do promissário”:
desde logo, consubstancia a ideia de que é o promissário propicia os meios ou as condições
materiais para que o promitente realize o benefício – razão pela qual há uma entre promitente
e promissário relação de cobertura ou de provisão. Podemos encontrar uma outra relação –
a relação de valuta – a relação entre o promissário e o terceiro. Note-se que é o promissário
que cria o benefício para o terceiro, ainda que só seja concretizado mediante a intervenção do
promitente. É nessa relação de valuta que encontramos as razões justificativas para atribuição
do benefício a terceiro por parte do promissário. V.g. um contrato de seguro de vida é um
exemplo típico de contrato a favor de terceiro. Importa dizer que os terceiros são beneficiários
de um direito de crédito que podem exigir diretamente do promitente (que se obriga a
efetivar a prestação). Esse direito de crédito é a prestação principal, crédito esse estabelecido
em favor de terceiro.

A, tomador do seguro, celebra com B, seguradora, um contrato de seguro, nos termos do qual fica
definido que se A, tomador do seguro, ou se o seu primo C, vierem a falecer, nessa circunstância serão
beneficiados da prestação convencionada os seus descendentes E, F e H. Se morrer A ou se morrer C,
o E, o F e o H, beneficiários que são terceiros, podem vir exigir diretamente a prestação convencionada
a B, à seguradora, apesar de não serem partes no contrato, sendo titulares de um direito de crédito.
Numa nota em termos de técnica de seguradora, A é tomador do seguro e é segurado, sendo que C, seu
primo, não sendo parte do contrato, mas é segurado igualmente, uma pessoa que vê o seu risco coberto,
mas não é um terceiro beneficiário. Para o que nos importa em termos obrigacionais, a relação de
cobertura é entre o tomador de seguro e a seguradora, e a relação de valuta é entre o promissário, B,
com E, F e G, os terceiros.

2. Contrato a favor de terceiro e figuras próximas

Como vimos, o direito de crédito que assiste aos terceiros permite-lhes exigir
diretamente do promitente a prestação. Contudo, note-se o caso em que dois filhos acordam
com uma cabeleireira que a sua mãe irá beneficiar dos serviços dessa senhora, mas quem indica

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o dia da semana ou quem, eventualmente desmarca a ida ao cabeleireiro nessa semana, são os
filhos – há um acordo entre os filhos e a cabeleireira de prestação de serviços com efeitos
relativamente a terceiros, mas o terceiro, in casu, não tem direito de exigir a prestação da
cabeleireira, mas não é titular de um direito de crédito que possa exigir diretamente ao
promitente, sendo que aqui são os filhos titulares desse direito, a contraparte da relação
negocial. Chama-se a este contrato, um contrato autorizativo de prestação a terceiro. Para
haver um contrato a favor de terceiro é necessário um direito de crédito do terceiro em favor
do promitente.
Outro contrato típico, é o contrato de arrendamento que sendo celebrado entre o
senhorio e o arrendatário, acaba também por produzir efeitos relativamente a terceiros. Repare-
se num caso em que um casal que tem filhos. As partes no contrato são o senhorio e o
arrendatário, porém, se o contrato é celebrado com o marido, o titular do direito ao
arrendamento é este e não a sua mulher (sem prejuízo de transmissão desse direito v.g. em caso
de morte). Nesse imóvel passam a habitar os filhos ou quem eles entenderem, num contrato
com efeitos reflexos a terceiros. Naturalmente eles são beneficiários meramente reflexos sem
qualquer direito a crédito (por isso, os contratos com efeitos reflexos).
Encontramos ainda o contrato com eficácia de proteção para terceiros, figura surgida
na doutrina germânica, estudada entre nós por Sinde Monteiro. Há quem lhes chame um “filho
menor” do contrato a favor de terceiro. Nestes contratos, estende-se relativamente a terceiros
ao contrato os efeitos de deveres secundários ou deveres de conduta (e não os efeitos principais,
mas decorrentes da boa fé), que uma vez violados por uma das partes, podem conferir uma
indemnização aos terceiros estranhos ao contrato, que vejam a sua posição jurídica prejudicada
por essa mesma violação.

Imaginemos que um antiquário, vendedor de obras de arte, celebra um contrato com um técnico de arte
para que este ateste a autenticidade e qualidade das peças que vende. Surge uma peça que o técnico
identifica como datada do séc. XIX., mas realmente, veio a constatar-se que essa mesma peça é uma de
meados de séc. XX. Acontece que houve um contrato de compra e venda dessa peça entre o antiquário
e um cliente que a adquire como sendo uma do séc. XIX. Naturalmente, se comprou uma peça do séc.
XX como sendo do séc. XIX, há problemas contratuais, havendo meios da relação contratual que
permitem ao comprador reagir contra o vendedor.

A doutrina germânica que neste tipo de situações, o terceiro, estranho ao contrato entre
o perito de arte e o antiquário (ou vendedor), poderá dirigir a sua pretensão indemnizatória
diretamente ao perito de arte, pois este, quando deu o seu parecer (num dever de informação,
que não deixa de ser de conduta), não tinha o conhecimento (mas deveria ter) que aquela
informação poderia ter impacto relativamente a um círculo mais ou menos amplo de clientes
que estabelecessem relações negociais com a sua contraparte. Quando assim seja, acaba por se
estender os efeitos da relação contratual relativamente aos terceiros, i.e., não detém o direito
de exigir uma prestação principal ao técnico de arte, mas se forem atingidos por um parecer
erróneo dele, podem ter direitos indemnizatórios em face deste. Este contrato com eficácia de
proteção para proteção para terceiro, levanta alguns problemas, justamente com saber que, se
atribuirmos um direito de indemnização a terceiro, fundado nesta relação, se aplicamos as
regras da responsabilidade contratual ou a da extracontratual. Sinde Monteiro entende
não podermos responder a esta questão aprioristicamente, chegando-se à conclusão que é uma
“terra de ninguém jurídica”.

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3. A aceitação do benefício e a possibilidade de revogação pelo promissário nos contratos
a favor de terceiro

Foi dito há pouco que o terceiro não sendo parte do contrato, é estranho a esta relação
contratual, porém, quando é aceite o benefício (o promissário cria o benefício a favor de
terceiro, mas este tem de ser aceite, havendo possibilidade de renúncia), se o aceitar, não tem
a qualidade de parte, mas fica titular do direito, desde o momento em que ele é constituído e
não do momento da aceitação, ou seja, o contrato a favor de terceiro cria automaticamente o
direito na esfera jurídica do terceiro. Até ao momento da aceitação, o promissário, que criou o
benefício pelo promitente, pode livremente revogar a prestação. Vd art. 447.º CC + 448.º/1
(“a promessa é revogável enquanto o terceiro não manifestar a sua adesão”) – o promissário
pode livremente revogar a prestação enquanto o beneficiário não aderir. Aceitando, porém, a
prestação é irrevogável.

4. Meios de defesa do promitente para se exonerar da realização da prestação

O promitente quando lhe é exigido o cumprimento pelo terceiro, pode invocar perante
o terceiro, certos meios de defesa para se exonerar da realização da prestação, mas esses meios
de defesa que invoca só podem ser meios de defesa inscritos na relação contratual que
existia entre ele e o promissário vd. 449.º CC – ou seja, só pode invocar perante o terceiro
vícios, defeitos ou anomalias inscritos na relação entre o promitente e o promissário. Não pode
invocar vícios atinentes a outra relação contratual que ele tenha celebrado com o promissário.

No caso do seguro de vida, A tomador e seguradora B, imaginemos que A celebrou também com B um
seguro de multirriscos de condomínio e de responsabilidade civil automóvel. São relações entre as
mesmas partes. Imaginando que há um vício no contrato de responsabilidade civil automóvel, a
seguradora não pode arrogar-se dos meios de defesa presentes nessa relação, para outra relação
contratual, não sendo esses oponíveis a terceiros.

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CONTRATO PARA PESSOA A NOMEAR

1. Enquadramento sistemático, delimitação e regime

Este vem regulado no art. 452.º e ss CC, nos termos do qual, “ao celebrar o contrato,
pode uma das partes reservar o direito de nomear um terceiro que adquira os direitos e
assuma as obrigações provenientes desse contrato” (n.º 1). “A reserva de nomeação não é
possível nos casos em que não é admitida a representação ou é indispensável a
determinação dos contraentes (n.º 2)”
Estes contratos celebram-se para acautelar interesses da pessoa a nomear ou mesmo por
razões tributárias (para haver apenas uma transmissão cuja cobrança surtirá efeitos diferentes
do que havendo caso haja duas transmissões).
Por isso, tratamos de um contrato com cláusula de pessoa a nomear, nos termos do qual
uma das partes celebra um contrato reservando a qualidade de parte a favor de outra
pessoa, um terceiro, mas na eventualidade dessa pessoa, o nomeado (“electus”) não aceitar a
nomeação, ela assumirá definitivamente a qualidade de parte.
Isto não é um contrato a favor de terceiro, visto que aí o terceiro, assumindo o
benefício, ainda não toma a posição de parte, algo que aqui difere, precisamente porque se o
electus aceitar a nomeação, ele torna-se parte.
Também não configura um fenómeno de representação ou mandato, através da qual
esse terceiro tenha conferido poderes para que a parte intervenha no contrato em nome do seu
interesse, pelo que os efeitos do contrato só são adquiridos pelo terceiro se ele ratificar a
nomeação.
Se o terceiro ratificar a nomeação, ele passa a ser titular de direito de obrigações
com eficácia retroativa ao momento da celebração do contrato.
Nos termos do art. 453.º CC, “a nomeação deve ser feita mediante declaração por
escrito ao outro contraente, dentro do prazo convencionado ou, na falta de convenção,
dentro dos cinco dias posteriores à celebração do contrato” (n.º 1). Ademais, “a declaração
de nomeação deve ser acompanhada, sob pena de ineficácia, do instrumento de ratificação
do contrato ou de procuração anterior à celebração deste”. Isto é, é necessário, para que a
nomeação seja eficaz, que o terceiro a venha a ratificar, sob pena de ineficácia relativamente
ao terceiro, passando a ser um contrato válido e eficaz entre as partes.

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NEGÓCIOS UNILATERAIS

Tratamos daqueles negócios em que surgem obrigações por meio de uma declaração
unilateral – alguém se vincula a uma obrigação em virtude de uma declaração negocial que
proferiu. Há uma espécie de auto-vinculação, ao contrário do que se passa com a lei, onde há
uma hetero-vinculação, e essa é a regra das fontes voluntárias das obrigações. Agora, se
dissermos que podem ser criadas obrigações através da declaração unilateral de alguém, então
estamos a admitir a criação de direitos ou de obrigações através de negócios unilaterais.
Então, um negócio unilateral é aquele em que apenas intervém uma parte (significa
o suporte de um interesse) e esse interesse pode ser partilhado com uma multiplicidade de
pessoas (podemos ter um negócio pluripessoal mas, ainda assim, unilateral) – porque um
negócio unilateral é, como dissemos, o suporte de um interesse.
A questão dos negócios unilaterais e da sua admissibilidade levanta algumas problemas
porque constitui uma derrogação à regra de que as obrigações se constituíam por via de
contratos. Deste modo, os grandes obstáculos à admissibilidade em termos gerais dos
negócios unilaterais são, desde logo, i) a ideia de que se podem criar direitos e obrigações
independentemente ou contra a vontade dos seus destinatários – este argumento não é
decisivo porque se se cria uma obrigação por força da declaração unilateral de alguém, se o
destinatário não os quiser aceitar, tem sempre o instrumento da recusa desse mesmo direito que
é criado na sua esfera jurídica -, ii) mas também a ideia de que o declarante (autor da
declaração e que se vincula por força dessa) ficar irremediavelmente vinculado na sequência
dessa declaração negocial por si proferida quando mais tarde acabe por se retratar ou
querer desvincular-se dessa mesma vinculação que assume. Face a estas todas considerações
que se prendem com a segurança no tráfego jurídico, diz-se no art. 457.º que os negócios
unilaterais só são fontes de obrigações nos casos especialmente previstos na lei – uma clara
manifestação do princípio da tipicidade. Então, não podemos dizer que são fontes gerais de
obrigações, mas tão-só nos casos especificamente tipificados na lei – v.g. testamento,
enquanto manifestação ilustrativa de um negócio unilateral; esse é um negócio unilateral, sendo
certo que o testamento é livremente revogável – nota, a doação não é um negócio unilateral,
porque para ser validamente concluída tem que haver aceitação pelo donatário, portanto, um
mútuo consentimento dado pela necessidade de aceitação da liberalidade.
No art. 459.º temos um exemplo típico de um negócio unilateral, a promessa pública
de uma prestação, aquele que mediante anúncio público se obriga a realizar uma prestação,
i.e., todo aquele que através de um meio público de informação, a quem se encontrar em
determinada situação, fica vinculado à realização de uma prestação, independentemente da sua
aceitação (v.g. a promessa da realização de prestação em caso de procura de animal de
estimação desaparecido).
Porém, temos duas figuras no art. 458.º que levantam dúvidas: i) promessa de
cumprimento; ii) reconhecimento de dívida. V.g. alguém que assina um papel nos termos do
qual promete entregar a B a quantia de 5.000 euros ou, nesse, reconhece-se devedor de 5.000
a B. Em rigor, não se tratam de negócios unilaterais. É certo que existe uma declaração
unilateral mas esta declaração não cria um direito a favor de B, portanto, não é fonte de
obrigações, ainda que crie uma situação de aparência. Criam, porém, uma presunção ilidível
da existência duma relação fundamental (ou subjacente) da qual emerge um direito. V.g.
quando A diz que é devedor de 5.000 euros a B, cria a aparência de que houve uma relação
jurídica subjacente entre eles fundamental, que há-de ter criado o dever de pagar tal quantia. O
que esta declaração cria é uma presunção da existência de uma relação prévia – relação
fundamental ou subjacente entre A e B - que terá criado essa obrigação. E desta não resulta
imediatamente o direito de A em favor de B. É, note-se, uma presunção ilidível ou afastável
mediante prova em contrário. No fundo, aquele que fez a declaração tem contra si esta

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presunção, podendo afastá-la, dizendo que afinal aquela dívida não existe porque o contrato
que a gerou é inválido ou ineficaz ou porque a situação de responsabilidade civil v.g.
extracontratual, que fez surgir o direito, já prescreveu. Nesta hipótese, ele afasta a presunção
da existência da relação obrigacional ou do direito que daí advinha, mas importa reter que a
declaração por si mesma não cria o direito. Isto assume importância prática, porque o credor,
em termos gerais, do ónus da prova (342.º CC) tem de provar os elementos constitutivos do
seu direito e aqui ele já não tem que provar a existência da relação fundamental, porque ela se
presume – há aqui um grande aligeiramento das exigências do ónus da prova que por regra
recaem sobre o credor; cabe aqui ao devedor, que fez a declaração, sobre inexistência da relação
fundamental.
Assim, os negócios unilaterais surgem por via de uma declaração unilateral, tendo por
base a vontade, mas a vontade só cria obrigações quando tem respaldo legal (só produz efeitos
nos casos previstos na lei) – este princípio da tipicidade coloca esta fonte num tertium genus.

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GESTÃO DE NEGÓCIOS

1. Delimitação e enquadramento sistemático

Estamos, desde logo, perante uma fonte legal de obrigações. Nos termos do art. 464.º,
“dá-se a gestão de negócios, quando uma pessoa assume a direcção de negócio alheio no
interesse e por conta do respectivo dono, sem para tal estar autorizada”.
A este propósito, ANTUNES VARELA fala da parábola do bom samaritano, porque
subjacente à intervenção do gestor não deixam de estar em causa razões de solidariedade,
porém, se há uma boa intenção de quem atua, temos também que ver que essa intervenção é
não autorizada. Ora, por um lado, a intervenção não é autorizada, mas por outro lado, faz-se
face à perda irremediável de um certo bem, numa patente intenção de solidariedade (acautela-
se, por isso, o interesse e vontade de outrem, do dono do negócio). De qualquer forma, nem
sempre a gestão surge do nada (“do bom samaritano”), podendo haver um contacto prévio das
partes, não sendo esse legitimador de tal intervenção.

2. Pressupostos

Assim, para surgirem obrigações é necessário estarem preenchidos os pressupostos


legais cumulativamente: desde logo, i) uma intervenção em negócio alheio; ii) que essa
intervenção seja realizada por conta do dono do negócio (isto é, de harmonia com o interesse
e a vontade do dono do negócio); iii) com falta de autorização para a celebração desse
negócio. Portanto, há gestão de negócio quando alguém intervém sem autorização na esfera
jurídica de outrem, atuando em conformidade com o interesse e a vontade desse.

2.1. Intervenção em negócio alheio

Em primeiro lugar, i) intervir na esfera jurídica de outrem significa poder praticar


uma pluralidade de atos, quer sejam atos jurídicos, quer sejam negócios jurídicos, quer
sejam atos materiais. Diz-se que o legislador utilizou a expressão “negócios alheios” em
sentido amplo, sendo sinónimo o assunto e interesse alheio. Apela Antunes Varela ao
entendimento dessa correspondência ou sinonímia, traduzindo-se a intervenção em “negócio
alheio” na prática de atos materiais, de negócios jurídicos ou na prática de simples atos
jurídicos. A verdade é que não deixa de estar em causa um ato ilícito, daí que a lei estabeleça
pressupostos que acautelam a posição de quem tem o interesse alheio para cuidar. Portanto,
compreendemos a expressão “negócio” em sentido lato, como “assunto” de teor económico, e
não do âmbito de atos pessoais. Por outro lado, de referir que se exige uma dupla dimensão
de alienidade (objetiva e subjetiva): objetiva, porque o negócio tem de ser objetivamente
alheio, portanto, realmente alheio; subjetiva, pela consciência de que o negócio é alheio.

2.2. Por conta do dono do negócio

Em segundo, nos termos da lei, ii) a atuação do gestor tem ainda de ser por conta do
dono do negócio (“gestor gestido”), isto é, o gestor quando intervém deve fazê-lo por
referência à vontade do dono do negócio, precisamente visando transferir os resultados da sua
atuação para a esfera jurídica do dono do negócio. Assim, quando o gestor atua não quer
assumir os efeitos da gestão, mas que estes sejam suportados pelo dono do negócio.
Por conseguinte, não haverá gestão de negócios quando alguém intervém na esfera
jurídica de outrem em benefício próprio, por isso, uma falsa gestão de negócios, por tudo o

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que vimos supra, o que pode levar problemas de responsabilidade civil ou mesmo de
enriquecimento sem causa, consoante os casos.
Também não haverá gestão de negócios nos casos de gestão de negócio alheio julgado
próprio – o sujeito julga que o negócio é próprio mas afinal o negócio é alheio. Pensemos no
caso em que alguém manda arranjar uma mota sinistrada que julga ser do filho menor, mas que
afinal pertence a um terceiro. Neste caso, isto não configura gestão de negócios, porque ele
atua sem intenção de transferir os resultados da sua atuação para a esfera jurídica alheia. Em
termos práticos, nesta situação fazem-se despesas e, como tal, levantam-se problemas, pois não
se aplicam as regras da gestão de negócios.
Ora, para resolver estas situações temos de recorrer ao art. 472.º CC que nos diz que ou
há aprovação da gestão de negócios pelo dono da mota e aplicam-se as regras da gestão,
mormente as regras do art. 468.º e 469.º, ou não se aplicam porque não há aprovação e então
esse gestor apenas terá a possibilidade de reaver o que despendeu através do instituto do
enriquecimento sem causa (art. 473.º e ss).
Vejamos ainda o art. 470.º/1 que diz que a gestão não dá direito a qualquer
remuneração porque é animada pelo espírito de solidariedade, salvo se corresponder ao
exercício da atividade profissional do gestor (v.g. ele era dono de uma oficina de reparação
de motas, face ao exemplo supramencionado. Então quando a atividade do gestor não
corresponde à sua atividade profissional normal então não há direito a remuneração).

Importa distinguir aprovação e ratificação. A aprovação é um juízo genérico de concordância (que se


reporta quer a atos materiais quer a atos jurídicos quer a negócios jurídicos) emitido pelo dono do
negócio relativamente à atuação do gestor, com as consequências do 468.º e 469.º CC. Por outro lado,
a ratificação diz respeito a um juízo específico de concordância emitido pelo dono do negócio
relativamente aos negócios jurídicos (não abrange os atos materiais nem os atos jurídicos) celebrados
pelo gestor em nome do dono do negócio e em virtude disso, os efeitos do negócio produzem-se na
esfera jurídica do dono do negócio (o dono do negócio está a chamar a si os efeitos do negócio jurídico),
portanto, é a chamada a gestão representativa, ou seja, é aquela gestão em que o gestor quando
intervém, fá-lo em nome do dono do negócio, identifica perante terceiro o nome da pessoa em cuja
esfera jurídica está a atuar v.g. contratar um empreiteiro para a pessoa x ou pessoa y. Não se aplica a
ratificação à gestão não representativa, onde o gestor atua em nome próprio, não identifica a pessoa
do dominus negotii.

Se houver ratificação do negócio em que celebrei com o empreiteiro para concertar o muro do vizinho,
não há problemas práticos, porque havendo ratificação, o vizinho assume as obrigações diante o
empreiteiro. Porém, se o dono do negócio não ratificar, cria-se um problema, porque se atua em nome
do dono do negócio. Então, o problema resolver-se-á em nome do enriquecimento sem causa (473.º)
havendo um enriquecimento à custa do terceiro empreiteiro. Tudo isto encontramos no art. 471.º que
nos remete para o art. 268.º relativo à representação sem poderes, que nos diz que ou se ratifica ou não
se ratifica. No caso da gestão não representativa, veja-se in fine 471.º, aplicam-se as regras relativas ao
mandato sem representação, no art. 1180.º CC.

Também não haverá gestão de negócios nos casos de gestão de negócio próprio
julgado alheio – alguém intervém na esfera jurídica de quem julga pertencer a outrem, mas
afinal o negócio é seu (v.g. confrontações entre propriedades rústicas; nessa hipótese, não
haverá gestão de negócios por falta do requisito do negócio alheio, ficando as despesas por sua
conta, sem que tal levante problemas).

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2.3. Intervenção não autorizada

Em terceiro lugar, iii) a intervenção na esfera jurídica do dono do negócio tem de


ser ainda não autorizada, não podendo haver uma autorização negocial ou legal (v.g. se
um pai atuar ao abrigo dos poderes parentais, não haverá gestão pois haverá uma representação;
ou se houver procuração; havendo, porém, um excesso na atuação ao abrigo da procuração, tal
já configura uma gestão de negócios).

3. Deveres do gestor

Como vimos, terá de ser uma atuação de acordo com o interesse e vontade de outrem.
Se o gestor o fizer de acordo com a vontade do dono do negócio (465.º, al. a) o gestor deve
conformar-se com o interesse e vontade real e presumível do dono do negócio, fazendo uma
gestão regular, sempre que esta não seja contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva
dos bons costumes, sob pena de gestão culposa (remissão art. 466.º/2).
Ora, o interesse e a vontade, à partida, diríamos ser o mesmo, porém, não raras as
vezes há uma dissociação entre elas (interesse objetivo e vontade subjetiva). Pensemos no caso
em que, no âmbito agrícola, o cultivo de milho ser mais favorável ao terreno, mas que, porém,
a vontade do dono corresponde ao cultivo de batatas nesse mesmo terreno. Ora, nesse
confronto, o gestor deve atuar de acordo a vontade, quando ela seja conhecida ou
cognoscível e quando ela seja lícita. Porém, quando a vontade for ilícita, o interesse
prevalece, configurando uma exceção à ideia de que, em regra, prevalece a sua vontade.
De todo o modo, deve ainda ser avisado o dono do negócio logo que possível, feita a
gestão que se justifica, porque o dono do negócio pode ter interesse em assumir ele próprio a
atuação ou indicar diretrizes para esse efeito (465.º, al. b).
Além do mais, deve o gestor prestar ao dono do negócio todas as informações
relativas à gestão (al. d), assim como entregar-lhe tudo o que tenha recebido de terceiros
no exercício da gestão ou o saldo das respetivas contas, com os juros legais, relativamente
às quantias em dinheiro, a partir do momento em que a entrega haja de ser efetuada (al. e).
Também deve o gestor prestar contas, findo o negócio ou interrompida a gestão, ou
quando o dono as exigir (al. c). Nos termos do art. 466.º, o gestor responde perante o dono
do negócio, tanto pelos danos a que der causa, por culpa sua, no exercício da gestão, como
por aqueles que causar com a injustificada interrupção dela (n.º 1). Considera-se culposa
a actuação do gestor, quando ele agir em desconformidade com o interesse ou a vontade,
real ou presumível, do dono do negócio (n.º 2)

4. Deveres do dono do negócio

Quanto aos deveres do dono do negócio, teremos de distinguir as situações em que há


uma aprovação e esta inexiste, sendo certo que a aprovação é um ato discricionário.
Havendo aprovação, como um juízo de concordância com a atuação do gestor (469.º
CCivil), tal implica a renúncia ao direito de indemnização pelos prejuízos causados ao
dono do negócio (v.g. não pedir a indemnização por lhe ter partido o parapeito), assim como
o reconhecimento dos efeitos do art. 468.º, designadamente o reembolso das despesas
indispensáveis e a indemnização dos prejuízos que hajam sido sofridos pelo gestor
(468.º/1).
Não havendo aprovação, resta ao gestor provar que a gestão é regular, gestão essa
que foi exercida de acordo com a vontade e interesse do dono do negócio (diferente de irregular,
em termos de desconformidade entre a atuação e interesse e vontade do dono do negócio).
Sendo provada regular, rege o art. 468.º/1, na medida em que haverá reembolso das

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despesas e indemnização dos prejuízos que haja sofrido o gestor – relembre-se que quando
há aprovação da gestão, nos termos do art. 469.º o dono do negócio renúncia ao direito de
indemnização pelos danos devidos a culpa do gestor, pelo que não havendo aprovação, ele não
renuncia à mesma). Sendo irregular (v.g. uma janela partida), a figura que se convoca é a
figura do enriquecimento sem causa nos termos do art. 468.º/2, tendo o dono do negócio
apenas de restituir aquilo com que se viu enriquecido.
Há um outro dever do dono do negócio autónomo patente no art. 470.º, do qual resulta
que não há qualquer direito a remuneração do gestor, salvo se tal corresponda ao exercício
da atividade profissional daquele (n.º 1 in fine).
Se houver um negócio celebrado com um terceiro, no âmbito de relações externas,
(sendo certo que tal poderá ser firmado mediante atos materiais e/ou atos jurídicos) há que
fazer uma distinção (vd 471.º) – se o gestor atuou no âmbito da gestão representativa ou não
representativa, pois se geram efeitos diferentes. Uma gestão representativa corresponde à
situação em que o gestor atua em nome do dono do negócio (sendo certo que não tem
poderes para tal). Se não for representativa, significa que o gestor atuou em nome próprio.
Na gestão representativa implica que o terceiro saiba que não celebra o negócio com a
pessoa com a qual negoceia. Sendo uma gestão representativa, aplicamos o art. 268.º CCivil.
Não havendo representação, faz-se uma remissão para o mandato sem representação no art.
1181.º CCivil.
Na gestão representativa, tratamos do regime do art. 268.º que consagra o regime da
representação sem poderes, na medida em que quando alguém celebra negócios em nome de
outrem sem poderes para tal, o negócio é ineficaz se não for pelo dono do negócio ratificado,
situação em que passa a ser eficaz. Na gestão não representativa, nos termos do art. 1181.º, o
gestor é obrigado a transmitir para o mandante, os direitos adquiridos (o legislador não refere
mas exige-se um assentimento do dono do negócio).

5. A apreciação da culpa na responsabilidade do gestor

Importa agora notar como se avalia a culpa para aplicação do regime de


responsabilidade do gestor (466.º), dividindo-se a doutrina.
De um lado, encontramos alguns autores i) convocando o critério de apreciação em
abstrato, onde se atende à conduta de uma pessoa medianamente prudente, diligente e
razoável, segundo o art. 487.º/2. De outro, encontramos o ii) critério de apreciação em
concreto, o que significa que se confronta a conduta do agente com a conduta que ele
normalmente adota (se ele for normalmente zeloso, se for normalmente desastrado). Na senda
de ANTUNES VARELA, a doutrina entende que se justifica a aplicação do regime da culpa em
concreto, por figurar mais benéfico para o gestor. O art. 466.º/2 é irrelevante nesta matéria,
sendo uma tentativa de auxílio do legislador que não surte grande efeito.

12
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA

1. Enquadramento sistemático, delimitação e fundamentos

O enriquecimento sem causa (também designado de enriquecimento injusto ou


locupletamento à custa alheia) consubstancia uma fonte legal de obrigações. A fonte é
precisamente a obrigação de restituir, porém, também corresponde a um princípio geral do
Direito, no sentido de que este pretende evitar enriquecimentos injustificados. Esta figura vem
regulada no art. 473.º e ss CCivil, estabelecendo-se situações particulares nos arts. 475.º, 476.º
a 478.º do referido diploma.
Nos termos do art. 473.º, “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de
outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou” e, no seu n.º 2, “a
obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que
for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de
existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.
O credor da obrigação de restituir é a pessoa à custa de quem o enriquecimento se deu;
o devedor, aquela que injustamente se locupletou à custa dele.
Poder-se-á estranhar a existência de situações de enriquecimento sem causa, criadas à
sombra do direito constituído. Por um lado, se não há causa capaz de justificar a transmissão
de valores materiais que um ato jurídico opera entre dois patrimónios, a solução mais lógica
consistiria em declarar nulo ou anular o ato e permitir, através dos efeitos próprios da
invalidade, a plena reconstituição da situação anterior. Por outro, se não existir fundamento
para a invalidade do ato ou para a responsabilidade civil do agente, não se descobre desde logo
qualquer razão para que seja agredido o património do enriquecido, já que qui iure suo utitur
nemini facit iniuriam – “quem usa de direito seu, a ninguém faz injúria”.
Sucede que nem sempre é materialmente possível ou economicamente aconselhável o
puro regresso à situação anterior ao ato jurídico que gerou o enriquecimento injustificado.

A, pensando erroneamente que certos móveis antigos lhe pertencem, os manda restaurar, gastando
montante elevado no restauro. Averiguado o erro que laborou, pode não ser materialmente possível a
destruição do restauro, e ser, no entanto, justo que o dono, a ficar com a coisa, compense A do valor que
se locupletará à custa dele, ou que A, se a propriedade da coisa lhe for atribuída, compense o dono em
termos análogos (vd. artigo 1336.º/2 do Código Civil).1

Por outro lado, fora das situações materiais de facto consumado, há casos em que
nenhum obstáculo de ordem material ou económica se oporia à reconstituição anterior ao ato,
mas em que tal solução colidiria com a solução imposta por outras razões, nomeadamente,
pela necessidade de acautelar a segurança das transações, de tutelar a boa-fé das pessoas ou
de salvaguardar as legítimas expetativas das partes ou de terceiros.
Nestas circunstâncias, a única forma criteriosa de sanar o conflito entre as exigências
da boa fé, da certeza do direito ou da segurança do comércio jurídico, por um lado, e os
postulados fundamentais da justiça comutativa, por outro, consiste em respeitar a validade
(consistência) do ato jurídico e em corrigir, pelos meios adequados (obrigação de restituir
imposta ao enriquecido), a situação injusta, o efeito ou o resultado económico insustentável
criado pelo ato jurídico.

1
Para mais exemplos ilustrativos desta hipótese, cfr. pg. 472-473 in ANTUNES VARELA, João de Matos
– Das Obrigações em Geral, Vol. I

13
A, credor de B, transmite por cessão (artigo 577.º) o seu crédito a C. Quando assim seja, a cessão deve
ser comunicada ao devedor para que o obrigado saiba a quem deve efetuar a prestação. Não tendo sido
feita a comunicação, B pagou a A. Para proteger a boa fé do devedor, a lei considera-o desonerado,
dando o pagamento por bem feito (artigo 583.º/2), apesar de ter sido efetuado a quem na altura já não
era credor (mas, meramente, credor aparente). Evidentemente, não se pode deixar de reagir contra o
enriquecimento injusto que A obteve à custa de C, cujo crédito sobre B se extinguiu mediante
pagamento feito àquele.

Ainda, uma hipótese de A, fiador, haver pago a dívida, não ter avisado B, o devedor do pagamento, e
ter dado aso, deste modo, a que o obrigado, por erro, efetuasse um segundo pagamento a C, seu credor.
Também neste caso, em atenção à boa-fé do devedor e a culpa do fiador, se considera o segundo
pagamento (efetuado ao credor aparente) como bem feito e se confere ao fiador o direito de repetir, isto
é, «pedir de volta» (ao abrigo dos princípios do enriquecimento sem causa) quanto pagou ao credor
(artigo 645.º/1/2).2

Do mesmo modo, A vende certo imóvel a B, que não regista a aquisição. Entretanto, A aliena a mesma
coisa a C, que procede, por sua vez, ao seu registo. Apesar de ter adquirido a coisa de quem já não tem
direito sobre ela, a aquisição de C é válida por força dos princípios que regem a instituição do registo,
em homenagem à segurança do comércio jurídico. O que não pode, porém, persistir, por violação dos
princípios da justiça comutativa, é o enriquecimento obtido por A à custa de B, recebendo pela segunda
vez o preço da mesma coisa.

O enriquecimento injusto pode dar lugar: i) ação de restituição ou obrigação de restituir,


quando o enriquecimento se já tenha verificado; ii) ou, exceção do enriquecimento sem causa,
para evitar que ele se verifique.
As situações de enriquecimento injusto, que a obrigação de restituir se destina a sanar
ou compensar, provêm muitas vezes de um negócio jurídico, em regra celebrado entre aquele
que enriquece e a pessoa à custa da qual o enriquecimento é obtido. Assim sucede nos contratos
bilaterais, em que uma das prestações já tenha sido efetuada, quando a outra se tornou
impossível (artigo 795.º/1), nomeadamente.
Outras vezes, porém, o enriquecimento provirá de um ato jurídico não negocial, como
o pagamento, ou de simples ato material, como os que integram a cada passo a gestão de
negócios, realizados pela pessoa lesada.
P ara abranger todos estes atos (portanto, negócios jurídicos, atos não negociais e atos
materiais), relembrando que só podem interessar à obrigação de restituir quando criem uma
vantagem de caráter patrimonial para o respetivo destinatário, dir-se-ia que o campo de
aplicação do enriquecimento sem causa reside nas atribuições patrimoniais.
Desde que a atribuição patrimonial pressupõe que a vantagem patrimonial obtida por
uma das partes procede de um ato praticado pela outra, fácil é verificar que o enriquecimento
sem causa transcende, em diversos aspetos, o domínio das atribuições patrimoniais.
Segundo M. Andrade, atribuições patrimoniais enquanto atos mediante os quais uma
pessoa (atribuinte) aumenta o património de outra (atribuído) à sua custa – enriquecendo-a
portanto com sacrifício próprio – qualquer que seja a forma por que este resultado se produz.
Primeiro, porque há casos em que o enriquecimento do devedor provém de um ato de
terceiro.

2
Para mais exemplos ilustrativos desta hipótese, cfr.. pg. 474-475 in ANTUNES VARELA, João de
Matos – Das Obrigações em Geral, Vol. I.

14
Nos casos do pagamento efetuado pelo devedor ao credor aparente, quer no caso da cessão não
notificada, quer no caso do cumprimento anterior, por parte do fiador, não levado ao conhecimento do
devedor.

O accipiens (credor) enriquece à custa do cessionário, no primeiro caso, do fiador, no segundo, por
virtude de um ato praticado, não pelo empobrecido, mas por terceiro – o solvens (devedor).

Segundo, porque em inúmeros casos a vantagem obtida pelo beneficiado procede de


ato por ele próprio praticado. É o que se verifica, nomeadamente, nas hipóteses de intromissão
nos direitos ou em bens jurídicos alheios.

A bebe os licores de B, que por engano lhe foram entregues.

É no intuito de abranger todas estas situações, mediante as quais uma pessoa obtém
certa vantagem patrimonial à custa de outra, independentemente da natureza e da origem do
ato de onde elas procedem, que os autores apontam as deslocações patrimoniais como base ou
pressuposto de todo o enriquecimento sem causa.
Deslocação patrimonial enquanto ato por virtude do qual se aumenta o património de
alguém à custa de outrem, seja qual for a forma por que o aumento se opera.
Porém, a expressão que se adota não significa que o enriquecimento se traduza
forçosamente numa deslocação de valores do património do lesado para o património do
enriquecido, e que o direito à restituição consista num simples direito de recuperação material,
ou seja, num mero retorno ao património do credor de valores que de lá saíram indevidamente.
Muitas vezes assim sucederá; mas há casos em que tal se não verifica, por exemplo, quando o
enriquecimento nasce de ato praticado por terceiro (nomeadamente, nos casos de pagamento
efetuado por terceiro, dívida validamente cumprida perante credor aparente) ou quando
consiste na poupança de uma despesa (seja nos casos de instalação em casa alheia, ou naqueles
em que efetua uma prestação de alimentos a quem, erroneamente, se julga ser o próprio filho;
entre outros).
No caso de cumprimento efetuado por terceiro, nos termos do artigo 478.º, a deslocação
patrimonial consiste na liberação do devedor à custa da prestação efetuada pelo solvens, sendo
certo que a restituição a cargo do enriquecido deixa intacta esta prestação. No caso do
cumprimento junto do credor aparente, a deslocação viciada assenta na prestação efetuada pelo
devedor; é esta prestação que a restituição atinge, não para a reconduzir ao património donde
ela saiu, mas ao do terceiro lesado (seja ele o cessionário ou o fiador, que perderam o direito
que tinham sobre o devedor). Tratando-se da poupança de uma despesa, a deslocação
patrimonial consiste na subtração a um encargo que outrem indevidamente teve de suportar; a
restituição far-se-á mediante a imposição de uma nova obrigação (a cargo do beneficiado), cujo
objeto visa compensar o encargo indevidamente suportado pelo empobrecido.
Sumariamente, tratamos de situações em que alguém se aproveita de bens alheios e cria
uma situação de empobrecimento para a contraparte. Normalmente, não haverá culpa, pelo que,
havendo, poderá haver lugar ao instituto da responsabilidade civil.

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2. Pressupostos gerais

Pense-se em alguém que, sem culpa, realiza bem feitorias num terreno alheio, pensando que melhoraria
o seu terreno. Nesse caso, alguém se vê enriquecido à custa de outrem. Tratamos de situações em que
alguém se aproveita de bens alheios e cria, de certa forma, uma situação de empobrecimento para a
outra parte.

Preceitua o art. 473.º que para estarmos perante o enriquecimento sem causa,
necessitam de estar verificado três pressupostos cumulativamente: i) enriquecimento; ii) à
custa de outrem; iii) que não haja causa justificativa. Haverá ainda que acrescentar outros
pressupostos.

2.1. Enriquecimento

Em primeiro lugar, estamos perante um enriquecimento patrimonial – de referir que


é uma noção estrita, pois que nos referimos apenas quanto a um enriquecimento patrimonial,
portanto, não se comportando aqui qualquer noção de enriquecimento moral.
Este enriquecimento patrimonial pode repercutir-se de várias maneiras, seja num
aumento do ativo, seja mediante redução do passivo, mesmo no uso ou consumo de coisa
alheia ou no exercício de direito alheio, quando estes atos sejam suscetíveis de avaliação
pecuniária, ou ainda mediante uma poupança de despesas,

Alguns exemplos: quanto à primeira ocasião, o preço de alienação de coisa alheia; lucro da edição de
obra alheia ou da representação de peça alheia; quanto à segunda, cumprimento efetuado por terceiro,
na errónea convicção de estar obrigado a efetuá-lo; quanto à terceira, a instalação em casa alheia, ou o
consumo de bebidas pertencentes a outrem; quanto à última ocasião, a alimentação do descendente de
A por B, que erroneamente julga tratar-se do seu filho.

A vantagem patrimonial de que se trata pode ser objetiva e isoladamente considerada,


ou antes ser medida através da projeção concreta do ato na situação patrimonial do
beneficiário. No primeiro caso, falam os autores do enriquecimento real; no segundo, os do
enriquecimento patrimonial, sendo este dado pela diferença entre a situação em que o
beneficiário se encontra (situação real) e aquela em que estaria, se não fora a deslocação
patrimonial operada, hipoteticamente.

No exemplo de instalação em casa alheia, o enriquecimento real será dado pela renda normal do prédio:
A ocupou indevidamente uma casa, durante um ano, sendo a renda normal da mesma de 200 euros por
mês; o enriquecimento real será de 2400 euros. O enriquecimento patrimonial é dado pelo valor da
renda que o beneficiário estaria disposto a pagar, ou teria de pagar, se não fora o aparecimento do prédio
que ocupou e a convicção errónea de poder ocupá-lo sem despesa: será de 1200, se o ocupante não
estivesse disposto a pagar mais do que a renda de 100 euros por mês, no caso de ter de procurar casa.

Do mesmo modo, no exemplo da pessoa a quem por engano são entregues as bebidas destinadas a outra,
o enriquecimento real medir-se-á pelo valor dos artigos consumidos; o enriquecimento patrimonial
determinar-se-á pelo preço dos produtos que a pessoa estaria disposta a adquirir, ou pelo preço que teria
de dar, se não fora o engano devido.

Na fixação do enriquecimento patrimonial influi não só o conhecimento dos encargos


que o beneficiário estaria disposto a assumir ou teria realmente de suportar, sem a
deslocação operada (situação hipotética), mas também a utilização que ele efetivamente

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tiver dado à vantagem adquirida até ao momento em que se determina o montante do
benefício (situação real atual).
O montante do enriquecimento será um, se a vantagem adquirida se consolidou no seu
património; será outro, se ele a consumiu, no todo ou em parte, com um trem de vida superior
ao que teria noutras condições.

2.2. Enriquecimento à custa de outrem

Em segundo, tem de haver uma correlação entre o enriquecimento e o


empobrecimento. A correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduzir-se-á,
em regra, no facto da vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício
económico correspondente suportado pelo outro. Correlação entre enriquecimento e
empobrecimento – um sujeito enriquece porque o outro empobrece.

No caso de pagamento feito ao cedente, depois de efetuada, mas não notificada a cessão, ou feito ao
credor depois de o fiador já haver cumprido, mas sem avisar o devedor. À vantagem obtida pelo cedente
com a nova prestação corresponde a perda do direito de crédito do cessionário sobre o devedor, tal com
a vantagem alcançada pelo credor com a segunda prestação tem como efeito a perda do direito de crédito
correspondente que o fiador adquirira por sub-rogação sobre o devedor.

O valor que entra no património do enriquecido é o mesmo que sai do património do


empobrecido. Mas nem sempre, porém, as coisas se passam nos mesmos termos, isto é, nem
sempre a obtenção da vantagem de alguém à custa de outrem se exprime no
empobrecimento correlativo do património do lesado.
Por isso, nalguns casos isso é evidente, noutros será mais difícil perceber em que é que
consiste o empobrecimento.
Vejamos o caso de um sujeito que durante os meses de inverno resolve utilizar uma casa
de férias de verão de outra pessoa. Ora, o proprietário não deu autorização para a utilização do
sujeito deste bem imóvel. Aqui falamos de um aproveitamento de bens alheios, no qual o sujeito
enriqueceu porque não teve de pagar renda. Portanto, há sempre uma atribuição patrimonial
que representa uma vantagem para o patrimonial para o sujeito que se vê enriquecido.
No exemplo que acabámos de apresentar, a pessoa vê-se empobrecida (não obstante
uma casa arejada ser até vantajoso) não em termos pecuniários, mas num empobrecimento
normativo.
Ora, para este empobrecimento normativo contribuiu a teoria da afetação dos bens
ou destinação que nos dita nos direitos absolutos, fica reservado ao titular o direito de explorar
economicamente as utilidades do bem, isto é, nos direitos reais ou de propriedade intelectual,
a possibilidade de explorar esse direito fica reservado ao titular daquele, não sendo um terceiro
que afere dessa possibilidade. Portanto, tudo isto assenta num dever geral de não ingerência de
terceiros na ligação do titular com a res, obra, patente ou invento, servindo tais direitos para o
respetivo titular o seu aproveitamento económico, uso, fruição, consumo ou alienação, na
estrita medida de que tudo quanto estes bens sejam capazes de tender ou produzir pertence, em
princípio, de acordo com o conteúdo da destinação ou afetação de tais direitos, ao respetivo
titular. É por isso, que nos permite concluir que nestes casos de ingerência em direitos
absolutos, o empobrecimento do sujeito resulta do facto do titular do direito ficar privado de
entender como deve explorar o seu direito, empobrecendo juridicamente em força da
privação dessa possibilidade.
Podemos ainda convocar, face à noção de enriquecimento à custa de outrem, a matéria
relativa quanto ao valor do empobrecimento. não podendo, nesse sentido, deixar de configurar
uma apreciação subjetiva, a que se contrapõe uma objetiva, razão pela qual existem duas

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ideias a este propósito: a) enriquecimento real: valor objetivo dos bens (ou de mercado); e,
por sua vez, de b) enriquecimento patrimonial: impacto do valor desses bens no património
do enriquecido, tendo em consideração a situação atual e a situação em que ele estaria se não
tivesse havido aquela transferência patrimonial.

São entregues caixas de uísque num apartamento, quando não seriam dirigidas àquele sujeito. Aqui, o
acréscimo patrimonial, em termos objetivos era o valor das garrafas. Porém, de acordo com um critério
de enriquecimento patrimonial, tal corresponderia uma avaliação subjetiva, no sentido de que
analisamos o impacto no sujeito que se vê enriquecido – no limite, se o sujeito não bebe uísque, o
acréscimo seria de zero.

Na realidade, tem havido uma prevalência doutrinal e jurisprudencial quanto ao


enriquecimento patrimonial, sob pena de injustiça bastante. No caso de ingerência de bens
alheios, também não podemos deixar de pensar no empobrecimento do sujeito. No nosso
exemplo, o sujeito foi empobrecimento porque não determinou o destino económico do bem,
porém, haverá que aferir do valor do empobrecimento: será o da renda ou, eventualmente, o
que teria querido se quisesse arrendar – a tendência é de privilegiar o segundo critério.

2.3. Sem causa justificativa

Em terceiro lugar, importa dizer que este enriquecimento não pode ter causa
justificativa, ou porque nunca a tenha tido ou porque, a tendo inicialmente, entretanto a haja
perdido.
Podemos dizer, em termos gerais, que não há causa justificativa quando, na realidade,
o direito face à ordenação substancial (ou dominial) dos bens indicaria que o bem estaria noutro
património. Em certos bens, temos de recorrer à ordenação do direito para entender quem pode
ser intitulado de um poder de domínio sobre os bens (por isso, quem são os proprietários de
determinados bens). É esta resposta jurídica que nos permite chegar a essa conclusão.

2.3.1. A causa do enriquecimento – delimitação conceptual

O que é a causa do enriquecimento? É um dos conceitos mais difíceis de precisar entre


os autores, dada a extrema variedade de situações em que se tem de aplicar. A lei civil não a
definiu, limitando-se cautelosamente a facultar ao intérprete algumas indicações capazes de
auxiliarem a sua formulação pela doutrina e pela jurisprudência.
Desde logo, a noção de causa do enriquecimento varia consoante a natureza jurídica do
ato que lhe serve de fonte.
i) Causa da prestação. Casos em que a deslocação patrimonial se opera mediante uma
prestação. A entrega a B certa coisa para cumprimento de uma obrigação. Se a obrigação não
existe, seja porque nunca foi constituída ou porque já se extinguiu, diz-se que a prestação carece
de causa. Conforme o artigo 476.º/1: “que for prestado com a intenção de cumprir uma
obrigação pode ser repetido, se esta não existia no momento da prestação”
A causa do enriquecimento, sempre que este provém de uma prestação, é, deste modo,
a relação jurídica (neste caso, de crédito) que a prestação visa satisfazer, portanto, o fim
imediato da prestação. Idêntico conceito serve para explicar o tratamento jurídico dos casos até
certo ponto paralelos do pagamento feito pelo devedor ao cedente, depois de efetuada a cessão,
mas antes de aquele a conhecer, e do pagamento feito pelo devedor ao credor, depois de o fiador
haver pago, mas sem avisar o devedor. Tanto num caso como no outro, a prestação recebida
pelo credor carece de causa, porque a relação jurídica que ela visava extinguir já não existia na
titularidade do accipiens, desde que a cessão e o pagamento feito pelo fiador produzem

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imediatamente os seus efeitos nas relações entre cedente e cessionário, por um lado, e entre
credor e fiador, por outro.
ii) Causa da obrigação. Mas a obrigação que a prestação visa satisfazer, nos casos do
tipo que acabam de ser tratados, tem também a sua causa, portanto, o seu fundamento, que
varia consoante a natureza da fonte da relação de crédito.
Se a obrigação tem caráter negocial (porque procede de uma venda, um arrendamento,
um empréstimo ou uma troca), a causa dela consiste no fim típico do negócio em que se integra.
Quando esse fim falha por qualquer razão, as obrigações resultantes do negócio ficam sem
causa. Se a venda é nula por falta de forma, ambas as obrigações, a do vendedor e a do
comprador, carecem de causa; se é anulada por incapacidade do vendedor, é a obrigação (de
entrega do preço) do comprador que não tem causa.
Como no nosso direito privado os negócios têm por via de regra natureza causal, o fim
típico do negócio faz parte integrante do seu conteúdo (o objeto), portanto, a causa é uma causa
interna e os vícios a ela inerentes geram a nulidade ou a resolução de todo o negócio. Porém,
o mesmo não sucede quando o vício da situação consiste num facto posterior à conclusão do
negócio (por exemplo, quando, num contrato bilateral, a inviabilidade do fim provenha da
impossibilidade superveniente de uma das prestações), quando se trate de negócios abstratos.
Nestes, porque a lei põe de lado a causa do negócio na fixação do seu regime, os vícios atinentes
a esta não exercem influência sobre a validade do negócio, e apenas se refletem na obrigação
de restituir fundada no enriquecimento injusto.
iii) Causa das restantes deslocações patrimoniais.
Há, porém, muitos casos em que a situação de enriquecimento não provém de uma
prestação do empobrecido ou de terceiro, nem de uma obrigação assumida por um outro, mas
de um ato de intromissão do enriquecido em direitos ou bens jurídicos alheios ou de atos de
outra natureza, inclusivamente de atos materiais, praticados pelo devedor ou por terceiro
(gestão de negócios). Tome-se como exemplo o caso da acessão industrial (artigo 1333.º e ss.).
Embora haja razões que justifiquem a atribuição do domínio sobre o todo a um deles,
não há fundamento que justifique o enriquecimento deste à custa do outro, ou seja, o resultado
económico da atribuição.
O enriquecimento é injusto porque, segundo a ordenação substancial dos bens aprovada
pelo Direito, ele deve pertencer a outro.
Esta é a diretriz que importa seguir em todos os casos restantes, para saber se um
enriquecimento criado por determinados factos assenta ou não numa causa justificativa.
Quando o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceite
pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se, pelo
contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o
enriquecimento carece de causa.
Tem, desde modo, causa justificativa o enriquecimento proveniente da usucapião, visto
a lei entender que, não obstante a falta de título válido de aquisição, a posse prolongada da
coisa justifica a titularidade do direito e a consolidação do respetivo valor na esfera jurídica do
possuidor.
A falta de causa de atribuição patrimonial terá de ser não só alegada como provada, de
harmonia com o princípio geral estabelecido no artigo 342.º, por quem pede a restituição do
indevido. Não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais do ónus probandi, que não se
prove a existência de uma causa da atribuição; é preciso convencer o tribunal da falta de causa.

2.4. Caráter subsidiário da obrigação de restituir

Estes são os requisitos previstos no art. 473.º CC. De todo o modo, não são os únicos
requisitos, como dissemos. No art. 474.º preceitua-se que “não há lugar à restituição por

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enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou
restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”
Por isso, importa atender à natureza subsidiária da obrigação, isto é, não pode estar
em causa outro meio para obter a restituição, pode a lei negar a restituição ou atribuir-lhe outros
efeitos. Isto significa que muitas vezes não se pode proceder à restituição, por haverem outros
meios, o legislador não a permitir ou haverem outros efeitos.
Portanto, se há outro meio mediante o qual haverá restituição, é esse o meio o
convocado. Mas que outros meios o permitem?
Desde logo, um contrato declarado nulo ou a própria resolução de um contrato,
essa ação tem efeitos retroativos, com deveres de restituição, portanto, o pedido de restituição
é feito não por força do enriquecimento sem causa mas pelas regras da nulidade, anulabilidade
ou da resolução. É isso que decorre do art. 289.º CC – tanto a declaração de nulidade como a
anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que foi prestado, ou
se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente Veja-se também o art. 433.º,
a propósito da resolução do contrato.
Outro meio chamado à coação, será a responsabilidade civil, porém, o dano pode não
esgotar todo o valor do enriquecimento, então subsidiariamente, por vezes, nas ações de
responsabilidade civil pode haver um pedido com fundamento em enriquecimento sem causa
(casos de não correspondência da reparação do dano e do enriquecimento em questão). Para
esse efeito, o meio tem de ser ainda eficaz, importando atender, desde logo, aos casos de
prescrição.
Estatui ainda o art. 474.º CC no sentido de que por vezes se nega o direito à
restituição, como nos casos de usucapião ou quanto à prescrição do crédito; mais
interessante é a situação são os casos dos sujeitos que realizam benfeitorias úteis, podendo
o demandado proceder ao levantamento destas, convocando o art. 1273.º, que nos fala dessa
possibilidade. Não se coloca um caso de enriquecimento sem causa, porque entendemos haver
outra solução, como já sabemos.

2.4.1. Natureza subsidiária não implica natureza residual

Apesar de se prever a natureza subsidiária do enriquecimento sem causa isso não


implica natureza residual no nosso ordenamento, tanto mais havendo normas que
remetem expressamente para o instituto do enriquecimento sem causa. Vejamos o caso do
art. 468.º/2, também do art. 472.º, assim como no regime das bem-feitorias, no art. 1273.º/2,
também o art. 495.º CCivil.
Toda esta enunciação revela que o legislador remete diretamente para o regime do
enriquecimento sem causa. ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA entendiam que esta poderia
ser uma remissão de duas formas: in totum, por isso, para todo o seu regime; ou específica
para a obrigação de restituir, prevista especificamente no art. 479.º CC.

2.5. Caráter direto e imediato do enriquecimento

Outro pressuposto não especificado, na esteira de ANTUNES VARELA, embora não


acolhida por toda a doutrina, seria o de que, na base da doutrina alemã, se deveria ainda
cumprir a ideia de que o enriquecimento tivesse caráter direto e imediato, portanto, que
não houvesse um ato jurídico de permeio.
Vejamos o caso de um arrendatário contrato um empreiteiro para obras num prédio que
tomou de arrendamento. Nesta senda, fica o arrendatário insolvente, sendo que quem enriquece
é o senhorio, contudo, há uma relação contratual que permite que o empreiteiro só pode pedir
o valor das obras ao arrendatário, por falta de caráter direto do enriquecimento.

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Ora, apesar do legislador nada se pronunciar, a doutrina na senda de ANTUNES VARELA
considera que só pode haver enriquecimento sem causa se este for direto e imediato.

2.6. Casos específicos de enriquecimento sem causa: a repetição do indevido e a falta do


resultado previsto

Desde logo, preceitua o art. 476.º que, “sem prejuízo do disposto acerca das obrigações
naturais, o que for prestado com a intenção de cumprir uma obrigação pode ser repetido, se
esta não existia no momento da prestação”.
Na fixação do regime do pagamento do indevido, a lei distingue três hipóteses:

a) o cumprimento de obrigação inexistente;


b) o cumprimento de obrigação alheia, na convicção errónea de se tratar de dívida
própria (subjetivamente indevido);
c) o cumprimento de obrigação alheia, na convicção errónea de se estar vinculado ao
cumprimento dela, perante o devedor.

A simples leitura do artigo 476.º, relativo à primeira hipótese, mostra que três requisitos
são necessário para que se possa exigir, nesse caso, a repetição do indevido: i) que haja um
ato de cumprimento, ou seja, uma prestação efetuada com a intenção de cumprir uma
obrigação; ii) que a obrigação não exista; iii) que não haja sequer, por detrás do
cumprimento, um dever de ordem moral ou social, sancionado pela justiça, que dê lugar
a uma obrigação natural.
Não se exige, para o efeito, o erro do solvens (devedor) no ato do cumprimento.
Por conseguinte, o facto do autor do cumprimento ter dúvidas sobre a existência da
obrigação ou estar mesmo seguro da sua inexistência não obsta à repetição do indevido, desde
que a prestação tenha sido efetuado com a intenção de a cumprir, e não com o intuito de fazer
uma liberalidade ao accipiens (credor). Ainda que haja por detrás um animus donandi, não será
caso de dar por excluída a condictio in debiti, uma vez que a doação, como contrato que é,
exige a aceitação da outra parte. E a própria abdicação do direito à restituição ou repetição do
indevido só releva através do contrato de remissão (artigo 863.º). A intenção solutória pode, à
primeira vista, parecer inconciliável com outro estado de espírito que não seja o erro acerca da
existência da obrigação. Mas não é assim: o auto do cumprimento pode ter efetuado a prestação
apenas à cautela, com receio das consequências da mora, mas na intenção de se esclarecer mais
adiante sobre a existência da obrigação; ou pode tê-lo feito somente para evitar os incómodos
e despesas de um litígio com o credor, ou até a simples discussão com este acerca da existência
do débito.
Como vimos, o referido preceito diz-nos que nesse caso que a prestação realizada pode
ser repetida (pedida de volta).
Pensemos no caso de alguém que pensa erroneamente que era devedor, porque inexistia
esse crédito ou o crédito já foi cumprido. Como atentamos no artigo, só não poderá pedir de
volta caso se tratem de obrigações naturais, que embora não são exigíveis (art. 402.º), são
devidas (ainda que a título de ordem moral ou social).
Estatui o n.º 2 que “a prestação feita a terceiro pode ser repetida pelo devedor
enquanto não se tornar liberatória nos termos do artigo 770.º”.
O n.º 3 estatui “a prestação feita por erro desculpável antes do vencimento da obrigação
só dá lugar à repetição daquilo com que o credor se enriqueceu por efeito do cumprimento
antecipado”. A prestação existe, só que ainda não venceu; diz-se, então, que só dá lugar a
repetição com aquilo que enriqueceu com base no pagamento antecipado.

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Outro caso é o da situação em que surge uma prestação tendo em vista um
resultado que não se verifica. Aqui convocamos o art. 475.º, que dispõe que “também não há
lugar à restituição se, ao efectuar a prestação, o autor sabia que o efeito com ela previsto era
impossível, ou se, agindo contra a boa fé, impediu a sua verificação”.
Nitidamente, quer o art. 476.º e do 475.º estão estipulados em favor aos enriquecidos
de boa fé.
No art. 477.º e no art. 478.º temos disposições relativas aos casos em se cumpre uma
obrigação alheia com a convicção que é própria.
Dispõe o art. 477.º que “aquele que, por erro desculpável, cumprir uma obrigação
alheia, julgando-a própria, goza do direito de repetição, excepto se o credor, desconhecendo
o erro do autor da prestação, se tiver privado do título ou das garantias do crédito, tiver deixado
prescrever ou caducar o seu direito, ou não o tiver exercido contra o devedor ou contra o fiador
enquanto solventes”. No n.º 2 temos que “quando não existe o direito de repetição, fica o autor
da prestação sub-rogado nos direitos do credor”.
Pensemos no caso de um padrasto que pensa que está obrigado a custear despesas ao
enteado. Tanto não está obrigado, que se trata de um erro desculpável, sendo possível pedir de
volta o valor que se atribui ao credor.
No art. 478.º diferentemente, “aquele que cumprir obrigação alheia, na convicção
errónea de estar obrigado para com o devedor a cumpri-la, não tem o direito de repetição
contra o credor, mas apenas o direito de exigir do devedor exonerado aquilo com que este
injustamente se locupletou, excepto se o credor conhecia o erro ao receber a prestação”. Ou
seja, não se pode exigir o valor ao credor mas ao real devedor que ficou exonerado.

2.7. Objeto da obrigação de restituir

Por último, cumpre notar ainda a regra especial quanto ao cálculo do objeto a restituir
(479.º). Dispõe o referido preceito que “a obrigação de restituir fundada no enriquecimento
causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição
em espécie não for possível, o valor correspondente. No seu n.º 2. “a obrigação de restituir
não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos
referidos nas duas alíneas do artigo seguinte”.
Ou seja, quer o preferido significar se restitui tudo aquilo que o sujeito se viu
enriquecido à custa de outro, tendo de saber se não houve fatores de enriquecimento que advém
dos próprios bens ou capacidade do sujeito que gerou o enriquecimento.
Importa por isso notar que: a) se o valor do enriquecimento corresponde ao valor do
empobrecimento, é isso restituído; b) sendo o valor do enriquecimento superior, porém,
porque há muitos fatores que geram o enriquecimento, importa notar que só vamos restituir o
valor que corresponde ao enriquecimento obtido à sua custa; c) pode ainda acontecer que
o empobrecimento fique acima do enriquecimento (v.g. o caso das bem-feitorias); aqui o
valor do enriquecimento é tido como limite máximo (cfr 479.º/2).
Por outro lado, poderá haver um tratamento não privilegiado em casos de má fé,
ou seja, situações em que o enriquecido seja tido como alguém que não deve ser protegido,
nos termos do art. 480.º: “o enriquecido passa a responder também pelo perecimento ou
deterioração culposa da coisa, pelos frutos que por sua culpa deixem, de ser percebidos e
pelos juros legais das quantias a que o empobrecido tiver direito, depois de se verificar
algumas das seguintes circunstâncias: a) Ter sido o enriquecido citado judicialmente para
a restituição; b) Ter ele conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento ou da falta
do efeito que se pretendia obter com a prestação.
Importa notar a obrigação de restituir nos caso de alienação gratuita que, nos termos
do art. 481.º “tendo o enriquecido alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, fica o

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adquirente obrigado em lugar dele, mas só na medida do seu próprio enriquecimento” –
portanto, atendemos à situação económica desse adquirente.

2.8. Prescrição do enriquecimento sem causa

Preceitua o art. 482.º que “o direito à restituição por enriquecimento prescreve no


prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que
lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver
decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento”
Falamos do prazo de prescrição ordinária que corresponde a 20 anos, a propósito de
aplicação simultânea deste.

Questões importantes para exame relativos a esta matéria: requisitos do enriquecimento sem
causa; enriquecimento real e patrimonial; objeto da obrigação de restituir e da obrigação real;
natureza subsidiária da obrigação de restituir.

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RESPONSABILIDADE CIVIL

Tratamos de outra fonte legal de obrigações, concretamente de indemnizar, como já a


concebemos noutras matérias.

1. Enquadramento histórico

Surge-nos sempre que haja alguém condenado a indemnizar o dano causado a outrem,
verificados que estejam vários pressupostos, responsabilidade civil essa que se distingue de
outros tipos de responsabilidade jurídica. Desde logo, do âmbito de responsabilidade penal,
desde logo por servirem funções diferentes; pelo facto de a responsabilidade civil existir
necessariamente um dano concretamente verificado na esfera de um sujeito; por outro lado, a
responsabilidade penal está associada ao direito público; entre outras diferenças. Porém, não
significa que não hajam círculos de sobreposição. Além disso, distingue-se da responsabilidade
disciplinar, que resulta sobretudo de uma tentativa de restabelecer a qualidade de serviços ou
da ordem hierárquica.
Sendo uma fonte legal de obrigação de indemnização, nem sempre existiu. O sujeito
que lesava um bem v.g. um escravo de outra pessoa; sujeitava-se à vingança do sujeito lesado;
um regime que só foi ultrapassado por progressos paulatinos civilizacionais; com a lei de
Talião, em primeiro, e depois com a Lei das XII Tábuas. O princípio da responsabilidade civil
era conotado com considerações morais. De todo o modo, a dada altura essa vinculação à
ilicitude foi-se atenuando, surgindo até casos de responsabilidade objetiva (sem culpa) – em
regra, ela assenta na culpa, porém, pode haver responsabilidade objetiva nos termos do 483.º/1,
que aponta para os casos previstos na lei. Pensou-se na necessidade de criar esses casos de
responsabilidade sem culpa, em que o dano surgia por força de um risco não controlado
potenciado por um determinado sujeito.
O último passo, talvez o mais vincado, com a figura do seguro da responsabilidade
civil, que permite uma socialização dos riscos, por via de atenuação da responsabilidade moral
do lesante, pois sabe a priori que o dano que causa é transferido para a seguradora. O seguro
existe para suportar a consequência da condenação – se o lesante, foi condenado, o seguro
cobre tal montante.

2. O instituto e pressupostos

Dentro da responsabilidade civil encontramos a) contratual e a b) extracontratual. Na


verdade, deveríamos falar de responsabilidade obrigacional e não obrigacional, cuja ressalva é
importante, pois se houver a violação de obrigação legal urge a responsabilidade obrigacional
(contratual) (798.º). A responsabilidade extraobrigacional (extracontratual) pela violação de
direitos absolutos.
Os seus pressupostos estão elencados no art. 483.º CC, artigo base da responsabilidade
civil (convocada “nos termos gerais”). Este diz-nos que “aquele que, com dolo ou mera culpa,
violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger
interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”,
i.e., daqui se retiram os pressupostos, de acordo com a nossa tradição, que são 5: i) prática de
um facto; ii) ilícito; iii) haja responsabilização do agente, portanto, culpa; iv) haja um nexo de
ligação do facto ao dano; v) haja um dano (elemento crucial, objeto da obrigação de
indemnizar). Apesar de não desenvolvermos isto autonomamente, esta matéria não é insensível
às funções da responsabilidade civil.

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Este tem uma função compensatória, compensando os danos que alguém causou a
outrem; por outro lado, podem existir traços de uma função sancionatória o que resulta v.g.
por se exigir um ato ilícito, culposo do agente, estando, por isso, a obrigação de indemnização
conexionada com um pressuposto de culpa. Em Portugal, nos danos não patrimoniais resulta
claramente essa função sancionatória. Além destas funções, a função compensatória e
sancionatória, encontramos uma função, geralmente falada, preventiva, no sentido em que o
agente que há determinados comportamentos que geram responsabilidade, que, por isso os
evitará. Por outro lado, fala-se ainda acessoriamente, por influência do direito alemão, da
função de reconhecimento de direitos, sublinhando a importância de alguns direitos, como a
violação de direitos de personalidade. São estas diversas funções que vamos vendo
reconhecidas, sendo certo que também, amiúde, se fala numa função de justiça distributiva, por
força da inexistência de uma neutralidade política.

3. Distinção entre responsabilidade civil extracontratual e contratual

Como já vimos, não é indiferente falar de responsabilidade contratual e extracontratual.


Em relação às suas diferenças de regime, em termos substanciais, por um lado temos a violação
de direitos obrigacionais e, por outro, de direitos absolutos (v.g. personalidade, propriedade,
etc.). É certo que importará também atender às diferenças entre os regimes, sendo certo que a
consequência será a mesma: a obrigação de indemnização que, no direito português, conhece
um regime unitário, nos termos do art. 562.º e ss, i.e., sempre que falamos de responsabilidade
civil recorremos a esse regime geral.

3.1. Capacidade (ou pessoa do responsável)

Por um lado, quanto à pessoa do responsável, temos quem poderá ser responsabilizado
extracontratualmente ou contratualmente.
Em termos de responsabilidade extracontratual, encontramos uma regra bastante
diferente da regra da imputabilidade penal, que resulta do que é dito no art. 488.º: é responsável
extracontratualmente (delitualmente) o sujeito que for imputável, imputabilidade essa que
se compreende por uma dupla capacidade: a capacidade de compreender os seus atos e de
moldar o seu entendimento em face dessa compreensão – portanto, a capacidade de
reconhecer que os seus atos são incorretos e a capacidade de conformar o seu comportamento
face a esse entendimento, portanto, uma capacidade volitiva).
Diz-nos o art. 488.º/1 que “não responde pelas consequências do facto danoso quem,
no momento em que o facto ocorreu, estava, por qualquer causa, incapacitado de
entender ou querer, salvo se o agente se colocou culposamente nesse estado, sendo este
transitório”. No seu n.º 2 presume-se a falta de imputabilidade nos menores de sete anos.
Até 2018, essa presunção atingia as pessoas interditas por anomalia psíquica, tendo sido
substituído pelos maiores acompanhados, sendo certo que tal presunção não os abrange pois
muitos maiores acompanhados são-no por virtude de debilidades físicas.
Porém, pode haver responsabilidade dos inimputáveis excecionalmente, nos termos
do art. 489.º (“Se o acto causador dos danos tiver sido praticado por pessoa não imputável,
pode esta, por motivo de equidade, ser condenada a repará-los, total ou parcialmente, desde
que não seja possível obter a devida reparação das pessoas a quem incumbe a sua vigilância”).
Além de ser excecional, esta possibilidade é subsidiária, porque só existe se não for possível
responsabilizar os vigilantes do sujeito inimputável. Este artigo permite a responsabilização
da criança, se não for possível responsabilizar os vigilantes, por motivos de equidade (489.º).
Além disso é excecional porque se configura aqui um regime excecional quanto ao cálculo da
indemnização, dizendo-se no n.º 2: “a indemnização será, todavia, calculada por forma a não

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privar a pessoa não imputável dos alimentos necessários, conforme o seu estado e condição,
nem dos meios indispensáveis para cumprir os seus deveres legais de alimentos”, isto é, apesar
da circunstância de inimputabilidade, a obrigação de indemnização que resulta da sua atuação
não pode privar a pessoa não inimputável dos alimentos de que carece.
Se houver pluralidade de lesantes, no âmbito de uma responsabilidade civil
extracontratual, os lesantes respondem solidariamente (significa que o lesado por reagir
contra qualquer um deles, pedindo a indemnização, nos termos do art. 497.º). O direito de
regresso está previsto no art. 497.º, existindo na medida das culpas, em que o grau de culpa é
determinante.
Em matéria de responsabilidade contratual, só pode ser responsabilizado quem tiver
celebrado um contrato válido e, por conseguinte, responde contratualmente quem detiver
responsabilidade de exercício (18 anos). Por isso, à partida só respondem maiores de 18 anos,
pelo que no caso da responsabilidade extracontratual pode responder mesmo, por exemplo,
uma criança de 10 anos.
Se houver pluralidade de lesantes, no âmbito desta responsabilidade civil
contratual, encontramos a disposição geral da solidariedade do art. 513.º, em que a
solidariedade existe apenas se resultar da lei ou por convenção das partes, sem a qual
haverá responsabilidade conjunta.

3.2. Delimitação e âmbito

A responsabilidade extracontratual é aquela que impõe uma obrigação de


indemnizar, verificados que estejam todos os pressupostos que já vimos, portanto, em que são
ressarcidos os danos causados a terceiros, porquanto esteja em causa a violação de direitos de
outrem, que entendemos serem os direitos absolutos (reais e de personalidade). No âmbito
desta, está subjacente a ela uma nota de anonimato, isto é, não há entre o titular do direito
violado e o agente que lesa o direito uma relação jurídica prévia de natureza específica. É por
isso, uma relação de exclusão porque, como sabemos, os direitos absolutos têm uma eficácia
erga omnes, que implicam uma obrigação de abstenção. O que está em causa é a violação do
direito absoluto e, para efeitos do ordenamento jurídico, não existe uma relação jurídica
específica. Por isso, não há uma relação de natureza prévia e quando ela existe, é de natureza
genética – a nota importante é a do anonimato.
Por sua vez, a responsabilidade civil contratual é a que resulta da violação de direitos
relativos (direitos de crédito, que podem advir de contratos, negócios unilaterais ou da lei).
Certo é que a maior parte dos direitos relativos resultam de contratos, mas não necessariamente,
uma vez que podem advir direitos relativos de negócios unilaterais (v.g. testamento) ou mesmo
da lei. Assim, há um programa prévio de natureza específica que liga credor e devedor, que
pressupõe uma relação de cooperação ou colaboração.

A violação do dever de indemnizar decorrente da responsabilidade civil extracontratual gera


responsabilidade civil contratual – parece uma antinomia. Para emergir a responsabilidade civil
extracontratual tem de haver a violação de um direito absoluto e verificados os demais pressupostos,
surge a obrigação de indemnizar; ora, a obrigação de indemnizar impõe um dever de prestar que recai
sobre o agente, tal como um direito de crédito a favor do lesado. Esse dever de prestar assenta num
binómio exigir/prestar – é, por isso, um direito de crédito. A partir do momento que surge a obrigação
de indemnizar, deixa de haver o anonimato característico da responsabilidade civil extracontratual,
passando a haver um dever relativa face ao outro, e uma vez violado tal direito de crédito, surge
responsabilidade contratual.

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3.3. O problema da culpa ao nível da responsabilidade civil

A propósito da culpa, a lei diz que quando está em causa responsabilidade civil
extracontratual, o ónus da prova da culpa incumbe ao lesado que é credor da indemnização
(487.º/1). A regra geral em matéria de ónus da prova da culpa cabe ao lesado (342.º/1) – aquele
que invoca o direito tem de provar os elementos constitutivos do seu direito (facto ilícito, culpa,
dano e nexo de causalidade). A relação de anonimato é quebrada com a prática do facto ilícito,
mas como não havia nenhuma relação antes além de uma relação de natureza genética, faz
sentido que seja ao lesado que incumba provar os pressupostos da responsabilidade civil.
Diferentemente, na responsabilidade civil contratual o ónus da prova da culpa recai
sobre o devedor (799.º/1). Quando há presunção legal de culpa, há uma inversão do ónus da
prova, pelo que, não havendo presunção legal de culpa, a regra é de que o ónus da prova da
culpa incumbe ao lesado. De todo o modo, aqui, na responsabilidade contratual, o devedor tem
contra si uma presunção legal de culpa, isto é, se nada se disser, presume-se culpado o devedor,
como resulta do art. 799.º/1. Sendo certo que é uma presunção ilidível, mas se não for afastada,
presume-se culpado. Há, por isso, um programa prévio de natureza obrigacional entre devedor
e credor, presumindo-se culpado o devedor, derrogando-se a regra geral, invertendo-se as
regras do ónus da prova.
A culpa é um juízo de censura dirigido a alguém que podia e devia ter agido de outra
maneira e, nessa perspetiva, torna-se muito difícil a sua prova. Por isso, no âmbito contratual
justifica-se a ajuda significativa que surge com a presunção legal de culpa.

3.4. O prazo de prescrição

Na responsabilidade civil extracontratual aplica-se um prazo de prescrição de três


anos (498.º/1), que começa a contar a partir do momento em que o lesado tem conhecimento
do seu direito à indemnização.
No âmbito da responsabilidade civil contratual estabelece-se um prazo de prescrição
ordinária (que se aplica quando não há outra prescrição) de vinte anos (309.º).
Esta diferenciação explica-se pela relação de anonimato de um lado e, de outro, de
colaboração, naturalmente que no âmbito da primeira, é desejável que o lesado esclareça aquilo
que até ao momento inexistia e passou a existir pelo alegado ilícito. Diferentemente será no
âmbito de responsabilidade civil contratual, pois existe já uma relação prévia estabelecida entre
as partes.

3.5. As cláusulas de limitação e de exclusão da responsabilidade civil

A existência destas cláusulas é admissível no âmbito da responsabilidade civil


contratual através de acordo prévio entre devedor e credor (800.º), mas já não no universo da
responsabilidade civil extracontratual.
Isto concebe-se nestas circunstâncias pela existência de uma relação prévia de
cooperação nos casos de responsabilidade civil contratual, onde as partes, na prática, se
conhecem, sendo por isso admitidas estas cláusulas.

3.6. O problema dos ressarcimento dos danos não patrimoniais

Os danos não patrimoniais traduzem-se numa ofensa de bens insuscetíveis de


avaliação pecuniária que não têm repercussão no âmbito do património do credor.
Sublinhando que esta não será já um elemento distintivo como outrora, pois já não tem
relevo como detinha. Porém, dizia-se que na responsabilidade extracontratual se admitia o

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ressarcimento de danos não patrimoniais, o que não acontecia na responsabilidade civil
contratual.
Esta matéria está regulada no art. 496.º e, em termos de sistematização, encontra-se na
secção da responsabilidade civil extracontratual (pelo Código de 1966), sendo certo que a
responsabilidade contratual se encontra a partir do art. 799.º. O presente argumento de índole
sistemática deu aso a uma divergência entre os autores, nos termos que já vimos e, ainda que o
argumento já apresentado não fosse decisivo, ANTUNES VARELA avançava ainda outro
argumento em seu favor, a saber: entendia, pois, que a lógica contratual seria uma de um
programa prévio de natureza específica que não é uma à qual esteja inerente o surgimento desse
tipo de prejuízos não patrimoniais, já que o que estaria em causa seria o binómio exigir e
prestar; como tal, as partes têm de cumprir o programa e assumir os riscos inerentes ao
programa; isto difere da lógica extracontratual.
Outra doutrina, porém, alertou para o facto de haver certos contratos que, como
sabemos, fazem surgir direitos relativos, mas também se materializam em relações
contratuais duradouras que implicam uma particular confiança entre as partes, desde
logo, v.g. contrato de trabalho, contrato de arrendamento, de seguro; onde, em todos eles, a
relação pessoal duradoura de confiança é campo propício ao surgimento de danos não
patrimoniais. Porém, uma certa jurisprudência pode não atribuir valores indemnizatórios tão
altos como nas relações extracontratuais, atenta a diferença assinalada por ANTUNES VARELA.
Parece, porém, que este raciocínio não deve ser feito quanto aos contratos
especulativos, onde as partes devem assumir o risco (v.g. contratos swap).

4. A responsabilidade civil extracontratual

4.1. Pressupostos

4.1.1. Conduta

Em primeiro lugar, implica um facto voluntário como comportamento do agente


(ação ou omissão) dominada ou controlável pela vontade humana. A regra na
responsabilidade civil extracontratual é, na base da responsabilidade, estar uma ação; no âmbito
da responsabilidade civil contratual a regra é a existência de uma omissão. Contudo, pode
acontecer que hajam comportamentos positivos ou negativos em qualquer um dos âmbitos. Se
na base da responsabilidade civil extracontratual temos a violação de direitos absolutos,
que implicam uma relação de exclusão (pelo dever de abstenção), tal é violado, agindo; na
responsabilidade civil contratual encontramos, por regra, uma omissão, porque a
generalidade dos deveres que resultam das relações obrigacionais geram deveres de prestar
(facere), cuja violação se dá por uma omissão. Porém, falemos de exceções: podem haver
prestações negativas emergentes de relações obrigacionais (v.g. obrigações de não concorrência
do direito comercial), violadas através de uma ação; por outro lado, na responsabilidade civil
extracontratual a lei pode exigir, excecionalmente, do agente um dever de ação sob pena de
responsabilidade por omissão (486.º, uma forma de ilicitude especial). Tem, ainda, de ser um
comportamento controlado ou controlável pela vontade humana, não se exigindo um facto
intencionalmente querido, pelo que para haver facto voluntário, se bastando pelo facto de ser
dominado ou dominável pela vontade – se fôssemos demasiado exigentes com a intenção
voluntária, correríamos o risco de afastar da responsabilidade civil boa parte dos
comportamentos dos agentes, sobretudo os de negligência inconsciente. A negligência traduz-
se na violação de deveres de cuidado (ou de diligência), não deixando de haver culpa. Afastam-
se, por isso, os factos naturais, não domináveis ou controláveis pela vontade, em o agente
atua por força da pressão de uma força natural ou força física irresistível (v.g. vendaval que nos

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impele a chocar contra um carro, danificando-o). Também são excluídos certos
comportamentos do agente em que este não é suscetível de controlar a sua vontade (v.g.
sonambulismo). Nós consideramos que este é um pressuposto da responsabilidade civil
extracontratual, mas há certos autores de Lisboa que entendem que o facto voluntário não deve
ser visto como um pressuposto autónomo por ser uma espécie de esquizopressuponente que
está subjacente e previamente a toda a problemática e que não merece autonomia face aos
demais requisitos3.

4.1.2. Ilicitude: cláusula geral de ilicitude do art. 483.º CCivil

Quanto à ilicitude, em matéria extracontratual, surge quando há a violação de direitos


de outrem (483.º). Encontramos duas variantes da ilicitude extracontratual no texto da lei,
sendo certo que consideramos que existem três variantes: previstas no art. 483.º/1, i) violação
dos direitos de outrem; ii) violação de disposição legal destinada a proteger interesses
alheios (também comummente designadas de normas legais de proteção) e, ainda, iii) o caso
do abuso do direito (334.º). As duas grandes variantes da ilicitude estão previstas no art. 483.º,
as primeiras enunciadas, sendo o abuso do direito uma última clausula de sindicância do
ilícito (só se recorre a esta em última análise).
Quanto à violação de direitos de outrem, nestes não se incluem os direitos
potestativos, não sendo passíveis de violação (“desencadear determinados efeitos que
inevitavelmente se projetam na esfera jurídica de ourem”). Todavia, o legislador utilizou a
fórmula aberta de “direitos de outrem” razão pela qual a Escola de Lisboa com MENEZES
CORDEIRO que defendem a tutela delituoso do direito de crédito - a violação de direitos
relativos, há responsabilidade contratual e não responsabilidade extracontratual. São autores
que, por isso, entendem que “direitos de outrem” são todos os direitos subjetivos (sejam
absolutos ou relativos). Para nós, só aqui incluímos a violação de direitos absolutos, entre
outros elementos. O anteprojeto de VAZ SERRA firmava que a responsabilização do terceiro
perante o credor só seria admissível em casos excecionais (designadamente de abuso do
direito).
Quanto às normas legais de proteção de interesses alheios, desde logo, há aqui dois
aspetos a considerar: quanto à norma legal; quanto aos interesses alheios protegidos pela
norma legal. Em primeiro lugar, entende-se por norma legal não o conceito de norma em
sentido estrito, portanto um ato normativo emanado pelo órgão com competência
expressa para tal, mas o sentido de critério normativo, mas uma disposição aplicável a
um número indeterminado de pessoas e número indefinido de situações, portanto um
critério geral e abstrato, seja uma lei mas até outros diplomas provenientes do direito
administrativo (posturas, portarias ou regulamentos). Quanto aos “interesses alheios”, são
normas destinadas a proteger interesses particulares de modo direto e imediato, que
podem pertencer quer ao direito privado quer ao direito público. O legislador quando
elaborou aquela norma de caso pensado (intencionalmente) tem que pretender proteger uma
certa categoria de interesses dos particulares, o que releva sobretudo em âmbito de direito
administrativo. Uma norma de direito público tem como fim principal proteger interesses da
coletividade mas se ela proteger interesses coletividade mas reflexamente (indiretamente)
interesses dos particulares, ela não é uma norma legal de proteção.

3
Questão dúbia é relativamente aos casos de coação física (onde a imposição física tenha de ser de tal modo
irresistível que não permita o controlo da sua vontade) e coação moral (porque há sempre possibilidade de adotar
um comportamento diverso), sendo certo que nos casos de coação moral o agente não será responsabilizado não
por falta de comportamento voluntário, mas pela ilicitude.

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Normas sobre separação de poderes, que são do interesse dos particulares, beneficiando-os
reflexamente. Porém, ele não pensou diretamente nos interesses dos particulares, mas na coletividade.

Portanto, só há norma legal de proteção quando ela protege os interesses dos particulares
de maneira direta e imediata (v.g a norma que impõe a vacinação obrigatória). Portanto, não
estão em causa direitos subjetivos absolutos ou relativos, pelo que as normas de proteção
de interesses de outrem não conferem aos particulares o concreto poder de exigir ou
pretender. Para haver ilicitude ainda na segunda variante, têm de estar ainda preenchidos
determinados requisitos: a) delimitação ou determinação por via interpretativa do círculo
de interesses protegidos pela norma - para saber se houve violação, a primeira tarefa é saber
os interesses protegidos pela norma; b) em segundo, é ainda necessário que à violação de
normas corresponda a violação dos interesses particulares protegidos, ou seja, não basta
que haja violação da norma mas identificar também interesses dos particulares que
tenham sido atingidos; c) que o dano recaia no círculo de interesses protegidos pela
norma, ou, o dano há-de ser uma concretização típica da violação dos interesses dos
particulares previstos pela norma. O agente só pode ser responsabilizado pelos danos que
foram consequência da prática daquele facto, e aqui tem de haver um nexo entre a violação das
disposições que protegem os interesses da norma e o concreto dano. V.g. se considerarmos que
o fim da norma é ver e ser visto, então o dano da morte de quem circulava ao seu lado, não
recai sobre o interesse protegidos pela norma; porém, se o objetivo da norma tutelava também
o interesse de permitir que aqueles que são circulam na via vejam também outros utentes que
acompanham ou estejam ao lado de quem circula em violação dessas normas legais, então aí o
dano já recai no círculo de interesses protegidos pela norma, pois a falta de iluminação não
permitiu a quem circulava no sentido contrário, ver aquele que circulava ao seu lado. Esta tarefa
de averiguar do fim da norma é fundamental, pois o agente só vai ressarcir os danos que
correspondem a uma violação típica dos interesses protegidos pela norma.

A proibição de se circular sem as luzes ligadas a certo ponto do dia, para que se veja e seja visto.
Havendo homicídio, poderia haver responsabilidade pela violação da norma cujos interesses estavam
diretamente protegidos pela norma.

Numa zona industrial era exigido que em certos postos de tensão elétrica, os fios de eletricidade
ficassem a uma certa distância do solo. Norma essa que visava evitar o contacto direto dos camiões com
os fios de tensão elétrica. Imaginemos que numa determinada zona industrial a empresa que procede à
instalação desses não respeitou a distância legal do chão ao poste - nessa concreta situação, há uma
violação da norma legal, uma criança decide trepar o poste e há danos provocados a essa mesma criança.
O dano recai no círculo de proteção dos interesses protegidos pela norma? Não, pois não é a
materialização típica dos interesses protegidos pela norma, pois o que se visava com a norma prendia-
se com o tráfego de camiões.

Quanto ao abuso do direito, há violação de direito absoluto quando se violam os


limites pela boa fé, bons costumes, fim económico social e direito. Quanto à primeira
variante, dizemos que há ilicitude quando há violação de um direito absoluto (real ou
personalidade). Pela identificação da violação do direito, admitimos de imediato a existência
do ilícito. Depois podem haver causas de exclusão de ilicitude. Esta é a nossa perspetiva ou
tradicional. Todavia há quem entenda que para admitir a existência da ilicitude não basta
identificar a existência do resultado (do dano), sendo necessário sobretudo naquelas ações em
que o dano não decorre direta e imediatamente da conduta do agente, saber se o agente violou
deveres de conduta, prevenção e de diligência (dizer isto é dizer algo diferente daquilo que
vimos). Entrar nesse juízo, é entrar já culpa ao tentar saber se o agente podia e/ou devia ter
atuado de outra maneira, entrando numa concepção de ilicitude que já não é ilicitude de

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resultado mas ilicitude da conduta (que mistura elementos de ilicitude com elementos da
culpa). Esta concepção da ilicitude da conduta não beneficia particularmente ou mais
tutela a posição jurídica dos lesados, porque para provar o requisito da ilicitude não basta ao
lesado provar a ocorrência do resultado, já que se exige, nesta visão das coisas, que o agente
violou os deveres de conduta (ou prudência) que pode ser particularmente mais difícil.

4.1.2.1. Ilicitude: formas especiais de ilicitude do art. 484.º, 485.º e 486.º CCivil

No art. 483.º/1 CCivil, o legislador indica duas variantes de ilicitude – violação de


direitos de outrem (que para nós, são direitos absolutos); norma legal de proteção; e a terceira
no abuso do direito -, mas, seguidamente a esse artigo, nos seguintes, consagram-se formas de
ilicitude especiais. Portanto, temos uma cláusula geral de ilicitude no art. 483.º e depois três
tipos de ilícito especiais no art. 484.º, 485.º e 486.º do CCivil. No art. 484.º temos os factos
ofensivos ao bom nome e ao crédito. No art. 485.º a responsabilidade por conselhos,
recomendações e informações. No art. 486.º temos a responsabilidade por omissões.
O art. 484.º responsabiliza o agente que divulga factos ofensivos ao bom nome e ao
crédito de outrem4. Não obstante, aqui só se responsabiliza o agente i) que divulgue factos,
não o que divulgue juízos de valor; seguidamente, ii) é preciso que haja divulgação ou
transmissão de factos perante terceiros (que supõe um meio público, suscetível de fazer
chegar a informação a terceiros); desta feita, não se incluem as afirmações de facto direta e
imediatamente dirigidas ao destinatário (não é esse o objetivo da tutela do artigo) – no
direito penal a distinção entre ofensa conhecida por terceiros e ofensa diretamente dirigida a
outro, configuram dois crimes diferentes, a difamação e a injúria; assim, por meio deste juízo
comparativo, o art. 484.º só abrangeria a divulgação de factos perante terceiros, e não as
diretamente dirigidas ao destinatário; contudo, estes pressupostos levantam um problema,
limitando o âmbito de aplicação do artigo: se só se aplica às afirmações de facto, como iriamos
distinguir os juízos de facto e os juízos de valor? Ora, os factos são suscetíveis de ser
comprovados pela realidade histórica, acompanhados por serem concretos, pelo que os juízos
de valor são baseados na realidade, mas supõem uma margem de elaboração crítica,
insuscetíveis de sere comprovados de e pela realidade; assim, os factos podem usufruir de
uma aspiração de verdade, pelo que os juízos de valor aspiram a uma presunção de justeza
(com base em certas visões da vida). Se os factos têm uma presunção de verdade e outros de
justeza, será mais ofensivo, naturalmente, a exposição de factos, pois esses, na sua crueza,
têm uma possibilidade de ser provados. Assim, o legislador selecionou, dentro do objeto da
liberdade de expressão, a específica conduta relativa aos factos dada a sua potencialidade
ofensiva, pois que atentam contra o bem jurídico protegido neste balanço – de um lado, a
liberdade de expressão que, se atingir o bom nome e o crédito além das limitações permitidas
a estes, poderá desencadear responsabilidade nos termos deste artigo. Porém, no âmbito do art.
483.º tanto pode ser responsabilizado o agente pela divulgação de factos como pela divulgação
de juízos de valor, assim como, ao abrigo desse preceito, tanto são incluídos aqueles factos
publicamente divulgados, como aqueles factos que são direta e imediatamente transmitidos ao
visado – isto permite-nos concluir que o art. 483.º tem um âmbito normativo mais amplo
que o art. 484.º quanto aos aspetos da liberdade de expressão. Em rigor, o valor tutelado no
art. 484.º é a liberdade de informação, enquanto sub-modalidade da liberdade de
expressão.
Quanto aos bens que se tutelam, fala-se do bom nome e do crédito. Entendemos que
o bom nome e o crédito são objetivações ou manifestações do direito à honra (enquanto

4
Este artigo, assim como o art. 485.º levantam um problema prévio: será que tenha feito sentido o legislador
consagrar estes ilícitos especiais depois de ter consagrado uma cláusula geral de ilicitude como é a do art. 483.º?

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direito-mãe mais abrangente, onde se filiam um conjunto de expressões, sendo uma delas o
bom nome e o crédito). Bom nome e crédito correspondem à reputação social (prestígio que
desfrutamos no meio social em que vivemos) – uma conceção da honra exterior ou da honra
objetiva (e por contraposição a estas, a honra subjetiva e a honra interior) – v.g. se a pessoa se
sente diminuída mas tal não encontra razão de ser na sua honrosidade social, tal não
desencadeia responsabilidade; porém, ao abrigo do art. 483.º responsabilizam-se todas essas
manifestações de honra.
É neste sentido que poderíamos questionar a razão de ser do art. 484.º. Todavia,
havendo várias razões para o surgimento deste artigo, a mais premente prende-se com a
discussão em torno da classificação de determinados direitos de personalidade como sendo
direitos subjetivos; outra razão para o surgimento deste direito prende-se com a distinção
entre o bom nome e o crédito, sendo o crédito uma reputação social com contornos
especiais que dependem do setor de atividade onde o titular do crédito se move, onde cuja
reputação poderá ser mais ou menos valorada (v.g. comerciante foi sentenciado por não ter
cumprido um contrato; tal afeta o seu comércio, mas tal não o afeta do ponto de vista social).
Tratamos, pois, de círculos diferentes e, tratando-se de bens imateriais da personalidade,
sem colocar em causa a natureza, estes têm uma certa repercussão material; ora, o crédito,
sendo um bem de personalidade imaterial, em certos domínios específicos pode ter uma
repercussão económica autónoma. Assim, a honorabilidade social não se confunde com o
crédito e esta dimensão autónoma do último, acaba por ter relevância que pode expressar-se
quantitativamente de forma autónoma.
A exceptio veritatis (“a exceção da verdade”) coloca a questão de saber se o agente só
é responsável quando divulga factos contrários à verdade. Ora, se aceitarmos esta exceção,
dizemos que ela funciona como causa de exclusão da ilicitude do art. 484.º - a verdade exclui
a responsabilizado. Esta posição é defendida por PESSOA JORGE. Porém, ANTUNES VARELA
entende que mesmo divulgando factos verdadeiros se pode ser responsável por ofensas ao
bom nome e ao crédito, posição também acolhida por FILIPE ALBUQUERQUE, na medida em
que pode haver uma desproporção entre a gravidade da notícia e o impacto desta. Isto sem
prejuízo da primeira conceção, ser a que mais tutela a liberdade de expressão.
O art. 485.º fala da responsabilidade por recomendações, conselhos e informações.
Nesta, a regra é a de irresponsabilidade, regra que já advém do velho instituto do mandato
romano – aquele que dá conselhos, não responsabiliza aquele que os dá, nem vincula aquele
que os recebe; em nome da tutela da liberdade de informação, quem dá conselhos por norma
não é responsável, nem obriga aquele que os recebe, a segui-los. Por regra, estes conselhos não
correspondem a atividades onerosas. Porém, hoje temos atividades remuneradas com base em
recomendações, conselhos e informações. Isto levava-nos a distinguir o que é a recomendação,
a informação e o conselho. A informação, por regra, é neutra, correspondendo ao que é
informado na e pela realidade histórico social. Por outro lado, o conselho e a recomendação já
detêm um aspecto crítico-valorativo por detrás. Entre a recomendação e o conselho há também
traços de maior vinculatividade, no sentido do destinatário destes.
Se estabelecermos uma regra de responsabilidade por recomendações, conselhos e
informações, o que seria prejudicial para o tráfego jurídico, daí que no art. 485.º, como a regra
subjacente é a irresponsabilidade (“mesmo que haja negligência da sua parte”), encontramos
um conjunto de pressupostos nesse mesmo artigo (485.º/2): a obrigação de indemnizar existe
quando i) se tenha assumido responsabilidade pelos danos; ii) quando haja o dever jurídico
legal ou negocial de dar aquela recomendação, conselho ou informação; iii) tem de haver ainda
negligência ou intenção de prejudicar ou que se tenha praticado um facto punível.
Este art. 485.º levanta um problema que se prende com os danos no património ou
danos puramente patrimoniais. Ora, não é um artigo que tenha muito relevo no âmbito dos
direitos absolutos que são tutelados no âmbito da primeira variante da ilicitude (direitos

32
subjetivos absolutos). Por regra, das más informações, conselhos ou recomendações não
resultam ofensas aos direitos absolutos. Contudo, SINDE MONTEIRO apela ao exemplo de
alguém numa montanha onde estão dois a fazer ski, perguntando qual é o melhor caminho a
seguir, dizendo o primeiro um caminho onde se encontrava uma ravina, caso no qual um mau
conselho levou à ofensa num direito absoluto (ainda que a regra não seja essa). A regra é a
origem de danos patrimoniais, as quais não estão, em regra, ligadas à violação de direitos
absolutos. Ninguém pode invocar um direito subjetivo ao património, pelo que o direito não
tutela o nosso património contra perdas patrimoniais (se queremos proteger o nosso património
v.g. celebramos contratos de seguro, cuja tutela é contratual e não extracontratual; o contrato
com eficácia com proteção para terceiro é outra via de tutela de interesses patrimoniais).
Quanto ao art. 486.º, consta a regra no âmbito da responsabilidade civil
extracontratual, é a da responsabilidade por ação (por violação de deveres de omissão), todavia,
quando existir um dever de agir, seja legal ou negocial, o agente viola-o quando omite. As
simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos quando, independentemente de
outros requisitos legais, havia o dever de praticar o ato omitido. Esta norma é excecional
porque se quer proteger a liberdade geral de ação em ode ao funcionamento do tráfego jurídico,
ao passo que a existência como regra de deveres de ação levaria ao estabelecimento da
responsabilidade por ação como regra, o que poderia colocar em causa a nossa liberdade de
atuação inerente ao tráfego jurídico.

4.1.2.2. Ilicitude: causas de exclusão da ilicitude

Se houver uma causa de exclusão do ilícito, não há responsabilidade do agente. Vejamos


a ação direta (336.º), a legítima defesa (337.º), o estado de necessidade (339.º) e o
consentimento do ofendido (340.º). Em qualquer uma destas situações, temos meios de
autotutela do direito, resquícios de justiça privada, em que para efetivar o direito, os
particulares recorrem à própria força (e, como sabemos, em regra, o monopólio do uso da força
cabe ao Estado) – situações estas excecionais, dependendo da observância de certos
pressupostos ou requisitos. Estes meios de autotutela do Direito padeciam do problema dos
excessos do uso da força, permitindo que a Justiça auxiliasse os mais forte em prejuízo dos
mais fracos, daí que o princípio do Talião tenha contribuído face às exigências de
proporcionalidade da atuação.
Na ação direta (336.º) aplica-se o uso da força do particular para efetivar um
exercício de um direito como forma de remover um obstáculo que se coloca ao exercício
desse direito. Os obstáculos, por regra, de ordem material, são removidos pelos próprios meios
do particular para evitar a inutilização do seu direito, porquanto a sua alternativa fosse
recorrer aos meios coercitivos normais (tribunal) que poderia inviabilizar a tutela e determinar
a perda irremediável do direito.

É o caso de um arrendatário que precisa de uma chave para entrar em casa, a partir do momento que o
contrato de arrendamento se encontra em vigor, e o senhorio não entregou a chave; não se recorrerá ao
tribunal para esse efeito, podendo-se arrombar a porta, desde que não se causem danos desnecessários
para evitar o seu prejuízo.

A ação direta pode constituir na apropriação, destruição ou deterioração de uma coisa, desde
que em respeito pelo princípio da proporcionalidade.
A legítima defesa (337.º) detém pressupostos relativos à agressão e relativos à defesa.
A agressão deve ser i) atual: por isso, uma ameaça de ataque não legitima à prática de uma
ação em sede de legítima defesa – há apenas o receio de haver uma agressão. Se a agressão já
foi, por outro lado, consumada, também não pode haver legítima defesa, pois supõe a agressão

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em curso – nesses casos, pode recorrer aos meios coercitivos normais para o funcionamento do
instituto da responsabilidade civil. A agressão deve ainda ii) ser ilícita (e não tem de ser
culposa) – se estivermos a ser agredidos por um inimputável ou um menor, ele não pode ver
ser-lhe dirigido um juízo de censura ético-jurídico, o que, ainda assim, não inviabiliza a
legítima defesa. Quanto à defesa, esta tem de ser i) atual, ii) necessária (não haja outro meio
para evitar a consumação daquele mal, escolhendo o meio mais adequado assim como ter em
conta uma ideia de proporcionalidade, patente na ponderação entre os bens atingidos e os
agredidos para evitar a consumação do mal). O diálogo é sempre entre quem ataca e quem se
defende, isto é, o agente que atua em legítima defesa atua contra quem perpetua o ataque.
No estado de necessidade (338.º), o agente para afastar um perigo que recai sobre
a sua pessoa, sobre o seu património ou de terceiro, o agente pode atingir, destruir e
danificar bem pertencente a terceiro, afastando o mal superior.

Alguém tem uma edição rara dos Lusíadas debaixo do braço e, entretanto, começa a chover. Há um
perigo que recai sobre o património e, em face desse, vendo alguém com um guarda-chuva enquanto
vestia um casaco de pele de marca, retira-lhe o chapéu, causando prejuízos a esse terceiro.

Há aqui um conflito de interesses a propósito dos bens que se pretende defender e aqueles que
são sacrificados. Seria o casaco de pele de marca da senhora bem superior em relação à edição
rara dos Lusíadas? Estando em causa um juízo de proporcionalidade, só será excluído o ilícito
quando o bem sacrificado é de valor inferior em relação àquele que se pretende salvaguardar.
Portanto, a legítima defesa é exercida contra quem perpetua o ataque, pelo que aqui atinge-se
um terceiro. Cumpridos estes requisitos, não há qualquer direito a indemnização. Porém,
veja-se o art. 339.º/2 que nos permite aferir da responsabilização do agente no nosso exemplo,
por violação dos seus deveres de diligência. Tivesse ele levado o guarda-chuva e ainda assim
não fosse suficiente para salvaguardar a edição d’Os Lusíadas, aí estaria afastada por completo
a ilicitude.
Quanto ao consentimento (340.º), o ato deixa de ser ilícito em virtude do lesado
autorizar a prática do facto lesivo ou danoso. O consentimento pode ter diversas formas,
podendo ser expresso (manifestado de forma clara e inequívoca) ou consentimento tácito
(deduzir-se de um comportamento concludente de forma inequívoca), mas também hipotético
(porque não foi expresso nem tácito) ou presumido (porque de acordo com os interesses do
lesado, daquela que seria a vontade do paciente na eventualidade de lhe ter sido colocada a
questão a propósito daquela intervenção, este teria prestado o seu consentimento; isto também
se baseia num certo privilégio terapêutico). Em nome do direito de autodeterminação, no
âmbito dos atos médicos, temos o regime do consentimento informado, em que os médicos
não podem atuar sem o consentimento do lesado – longe as ideias de “paternalismo clínico”.

A propósito do consentimento tácito, veja-se o âmbito de certas atividades desportivas v.g. boxe; há um
consentimento tácito, porquanto se saiba que não se vão receber festinhas.

Lembrando sempre que a operatividade dos meios de justificação assentam sempre na


proporcionalidade dos bens em confronto.

4.1.3. Culpa

A responsabilidade civil extracontratual (ou delitual, subjetiva ou por culpa) tem na


base o pressuposto da culpa.
Por outro lado, o art. 483.º/2 estatui que só há responsabilidade objetiva (em que o
agente responde independentemente de culpa) só existe nos casos especialmente previstos na

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lei e, como tal, esta tem de estar tipificada, sendo, por isso, uma responsabilidade excecional.
Entenda-se “lei” num sentido amplo, como compreendendo o Código Civil (mormente, os
casos dos arts. 500.º, 501.º, 502.º, 503.º e 509.º) mas também legislação avulsa (v.g.
responsabilidade civil do produtor, regulada no DL 383/89).
A culpa propriamente dita é um juízo de censura dirigido ao agente que podia e
devia ter atuado de outra maneira (daí que se designe de responsabilidade subjetiva).
Distingue-se, por isso, da ilicitude, tal como a concebemos, (uma ilicitude de resultado, e não
ilicitude de conduta), que configura um requisito de dimensão objetiva, como contrariedade da
atuação do agente com os preceitos da ordem jurídica.

4.1.3.1. Culpa: “quem podia ter atuado de outra maneira”

Ora, quanto à culpa, como vimos, só é suscetível de um juízo de censura quem “podia
atuar de outra maneira”, que nos remete para o conceito de imputabilidade.
O imputável, para este efeito, é aquele que é passível de um juízo de censura,
caracterizando-se por aquele que tem capacidade de discernimento e liberdade de
determinação. A capacidade de discernimento é o elemento intelectivo (ou cognitivo) da
imputabilidade, pelo que a liberdade de determinação constitui o elemento volitivo. A
capacidade de discernimento (elemento intelectivo ou cognitivo) é aquele que é apto a
compreender o sentido dos comandos da ordem jurídica, distinguindo o que é lícito de ilícito,
mas tal dimensão intelectiva ou cognitiva não basta. Exige-se simultaneamente uma liberdade
de determinação (elemento volitivo), uma capacidade/aptidão para conformar ou para
orientar a sua conduta de acordo com a avaliação que fez dos comandos da ordem jurídica que
lhe eram dirigidos.
No art. 488.º/2 presume-se a falta de inimputabilidade nos menores de sete anos,
presunção esta ilidível (tantum iuris), presunção que o beneficia. Se o lesado quiser imputar-
lhe responsabilidade é este que tem que ilidir a presunção de inimputabilidade, ou seja, provar
a capacidade de discernimento e de determinação do menor de sete anos, ou seja, que aquele é
imputável (e não inimputável).
Note-se que todos aqueles que no momento da prática do ato não detenham a liberdade
de discernimento e de determinação são também considerados inimputáveis.
Nos termos do art. 489.º, excecionalmente podemos ter a responsabilidade de
inimputáveis. Vejamos algumas hipóteses infra.
Em primeiro, vejamos os casos de actio libera in causa. Suponhamos que um sujeito
se auto coloca numa situação de incapacidade (v.g. sob o efeito de álcool), para que no
momento da prática do facto não detivesse a liberdade de discernimento e de determinação.
Ora, nestas atuações (as actio libera in causa), em que o agente se autocoloca voluntariamente
na situação, o agente é ainda imputável e suscetível de ser responsabilizado, sob pena de
proteger o infrator.
Outro caso de responsabilização de inimputáveis prende-se com um juízo de equidade
(e não de acordo com o direito estrito, segundo o qual não seriam responsabilizados).
Suponhamos que há um inimputável, um indivíduo detentor de uma determinada fortuna e o
lesado padece de dificuldades económicas. Nesta situação, tecnicamente o inimputável não
deve ser responsabilizado, mas do ponto de vista da justiça material, seria uma injustiça não o
responsabilizar, por isso, nestas hipóteses, com fundamento na equidade (e não com base no
direito estrito, com base no qual seria inimputável), é possível responsabilizar o inimputável.
Todavia, o montante indemnizatório a atribuir não poderia colocar o inimputável numa situação
de difícil do ponto de vista económico (489.º/2 in fine) – não pode ser o inimputável privado
dos meios necessários para se poder bastar e cumprir os seus deveres legais de alimentos.

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4.1.3.2. Culpa: “quem devia ter atuado de outra maneira” e a adoção do critério da culpa
em abstrato

Quanto ao “devia ter atuado de outra maneira” leva-nos para os critérios de


apreciação da culpa. O nosso CCivil no art. 487.º/2 estabelece um critério de apreciação da
culpa em abstrato, que recorre à figura do bom pai de família. Para esse efeito, temos de
confrontar esse critério, com o critério da culpa em concreto.
Na culpa em abstrato, o decidente para saber se o agente devia ou não devia ter atuado
de outra maneira, compara a conduta do agente no momento da prática do facto (que lhe é
submetida à apreciação) com a conduta que teria sido adotada naquelas circunstâncias pelo
bom pai de família, o Homem médio, normalmente prudente, diligente e sagaz. Quando
houver divergência, o agente deveria ter atuado de outra maneira e, por isso, é culpado.
Além disso, na culpa em concreto, confronta-se a conduta do agente no momento
da prática do facto, com o tipo de conduta que o agente normalmente adota. Não adotámos
o critério da culpa em concreto, pois seria suscetível de provocar grandes injustiças, porque
v.g. se fosse apreciada a conduta de alguém que normalmente é bastante diligente, na mais
pequena falha no caso concreto, poderia ser considerado culpado; v.g. um sujeito normalmente
desleixado, não seria considerado culpado com um determinado desleixo (seria o benefício do
infrator). Esta culpa em concreto chegou a ser proposta relativamente à responsabilidade
contratual, ideia que não é desprovida de sentido, atenta a relação prévia específica entre as
partes, suas qualidades e aptidões, mas assim não foi. O art. 799.º/2 CCivil estatui que a culpa
é apreciada nos termos aplicados à responsabilidade civil, ou seja, remete para o art. 487.º/2,
nos termos da culpa extracontratual.
Aceitamos, por isso, o critério da culpa em abstrato. O decidente tem, por isso, de
comparar a atuação concreta do agente e a conduta assumida pelo homem médio naquela
conduta. Porém, para saber se o agente se colocou na bitola do homem médio, temos dois
critérios alternativos (compatíveis com a culpa em abstrato) que adiante veremos.
De um lado, o critério da i) culpa como deficiência da vontade (um critério que atende
sobretudo ao esforço que o agente realizou para se colocar nesse padrão médio de diligência;
ou seja, para corrigir as suas imperfeições ou inaptidões; se o decidente chegar à conclusão que
o agente fez um esforço significativo para corrigir as suas imperfeições para se colocar na bitola
do homem médio, então, de acordo com este critério, o agente não é considerado como
culpado);
Por outro lado, o critério da ii) culpa como deficiência da conduta (de acordo com
este critério, mais exigente que o prévio, não basta, para desresponsabilizar o agente, que o
agente se tenha esforçado por corrigir as suas imperfeições, imperícias ou inaptidões, pois se o
agente, apesar do esforço, não atingir a bitola do homem médio, o que esse agente deve fazer
é abster-se de agir; porque se o agente, com os seus esforços de correção, não conseguir atingir
a bitola da diligência média, o que deve fazer-se é abster-se de agir; se não se abstiver de agir,
é culpado).
Apesar de qualquer um dos critérios apresentados ser possível em matéria de culpa em
abstrato, adotámos o critério da culpa como deficiência da conduta, em homenagem ao
princípio da confiança na atuação dos outros, na esteira de ANTUNES VARELA. Há quem
entenda que a adoção deste critério é demasiado exigente, porque o é de tal modo, que cria uma
espécie de “cripto-culpa” que aproxima a responsabilidade subjetiva da responsabilidade
objetiva.

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V.g. um médico aposentado, antigo cirurgião, e tem um amigo seu que precisa de ser operado; para o
efeito da operação, adquire novos instrumentos cirúrgicos, estuda os novos métodos da cirurgia,
assegurando ao amigo que fez de tudo para se colocar na bitola do médio médico cirurgião; porém, a
operação correu mal; há aqui um problema de culpa; de acordo com o critério da culpa como deficiência
da vontade, ele não seria culpado, dados os seus esforços; de acordo com o critério da culpa em concreto,
deveria ter-se abstido de operar.

Nesta perspetiva, podemos dizer que este critério da culpa como deficiência da conduta é o que
adotamos. Porém, em casos como os da responsabilidade civil médica, há a tendência para
contemporizar o critério da culpa como deficiência da conduta com exigências do critério da
culpa como deficiência da vontade, atendendo a determinados estados objetivos (v.g. a idade
do agente, força física deste, resistência psíquica) fatores esses para não alcançar um juízo de
culpa que de outra forma não se chegaria.

4.1.3.3. Culpa: modalidades

No art. 483.º/1 encontramos enunciada o dolo e a negligência (“mera culpa”) (uma


culpa mais objetiva, pela violação de deveres de diligência ou de cuidado). No dolo,
encontramos o dolo direto, necessário e eventual. Na negligência encontramos a negligência
consciente e a negligência inconsciente.
Em primeiro, no dolo direto, o agente prefigura mentalmente o resultado danoso e quer
efetivamente, por meio da sua conduta, alcançar o resultado (v.g. alguém que quer vingar-se
do seu inimigo; no dia seguinte, ao vê-lo, ataca-o).
No dolo necessário, o agente prefigura o resultado danoso não como consequência
direta e imediata da sua conduta, mas quer adotar uma conduta e sabe de antemão que se atuar
dessa forma, vai necessariamente provocar o resultado danoso (v.g. A é dono de um terreno e
para aceder àquele terreno com a brevidade de que necessita, terá que passar por um terreno
que está antes do dele; fazer o percurso por onde tinha a servidão de passagem, implicaria
outros prejuízos que ele não pretendia obter; sabe, por isso, que no atalho, destruirá as culturas
do seu vizinho; é uma consequência necessária para vislumbrar o seu terreno em tempo que
considera útil).
No dolo eventual, o agente prefigura o resultado danoso como uma consequência
meramente eventual (ou possível), e o agente atua porque não confia na não produção do
resultado (EDUARDO CORREIA e a dupla negativa). Por isso, o agente conforma-se com o
resultado.
Quanto à negligência consciente (figura bastante próxima com o dolo eventual), o
agente prevê o resultado danoso (tal como no dolo eventual) (figura mais grave da negligência)
de modo meramente possível ou eventual e, do ponto de vista volitivo, atua porque confia na
não produção do resultado (v.g. alguém vai a conduzir um veículo e ao fundo da rua há uma
rotunda onde estão a circular; entretanto, o agente pensa que se não reduzir a velocidade,
possivelmente atropela aquelas pessoas, de forma eventual (dolo eventual); diferente seria, caso
o agente considerasse que, com toda a probabilidade, o dano não se produziria, tal figuraria
uma hipótese de negligência consciente, não havendo uma adesão propriamente ao resultado,
mas uma imprudência manifesta).
Na negligência inconsciente (forma menos grave de negligência) o agente não prevê
o resultado danoso, nem como possível ou eventual, não prevê de todo, mas deveria ter
previsto se tivesse usado da diligência devida (isto é, se tivesse cumprido os seus deveres de
diligência, deveria ter previsto) (v.g. alguém, fumador compulsivo, vai a fumar um charuto, e
atira o cigarro junto à berma da estrada, onde se encontra um terreno cheio de erva seca; ora,

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ele não previu que poderia causar um incêndio, mas deveria ter previsto se tivesse usado da
diligência devida).
A distinção entre o dolo e negligência tem importância prática, sobretudo, a propósito
do art. 494.º CCivil, que nos remete para a função preventiva ou sancionatória da
responsabilidade civil. Aqui, diz-se que o juiz pode graduar o montante indemnizatório
tendo em conta o nível ou a modalidade da culpa correspondente à atuação do agente. Por
isso, pode fixar o montante de indemnização inferior ao dano apenas nas hipóteses de
negligência. Dizer isto, é assumir que a responsabilidade civil também tem uma função
sancionatória ou preventiva (não a sua função primordial, que como sabemos corresponde à
função ressarcitória ou reparatória, que resulta do art. 562.º CCivil, subjacente à ideia de
reparação in integrum, no sentido de que se coloque o lesado na situação em que ele se
encontraria caso não tivesse ocorrido o facto lesivo; à partida, o montante da indemnização
corresponderia ao montante do dano ou prejuízo; realça-se a situação real atual em face da
situação hipotética ou virtual atual, em que ele estaria em que o dano não tivesse ocorrido), na
medida em que, havendo a possibilidade do juiz diminuir o montante da indemnização
abaixo do dano nos casos de negligência, a culpa tem uma importância determinante
(sendo certo que tal não consubstancia a sua função primordial, como acima já dissemos).

4.1.3.4. Culpa: ónus da prova

Na responsabilidade civil extracontratual, face à responsabilidade civil contratual, há


uma distinção fundamental: na extracontratual, é o lesado que tem de provar a culpa do
lesante (487.º/1), enquanto que na responsabilidade civil contratual, há uma presunção de culpa
que cabe ao devedor, tendo ele de provar que não procede de culpa sua (799.º/1). Como vemos,
então, o art. 487.º/1 é uma objetivação do art. 342.º CCivil.
Porém, ressalva o art. 487.º/1, os casos em que existam presunções legais de culpa,
casos em que se inverte o ónus da prova da culpa.
Quanto às presunções legais de culpa da responsabilidade civil extracontratual,
encontramo-las 491.º, 492.º e 493.º CCivil. Temos ainda o art. 503.º/3, mas trata-se de uma
presunção legal de culpa com contornos especiais (objetiva, relativa aos acidentes de viação).
Esta presunção de culpa, como a concebemos, na senda de ANTUNES VARELA, é uma mera
presunção de culpa, ou seja, não se presumem os outros pressupostos da responsabilidade civil
(ilicitude e causalidade), diferentemente do que entende MENEZES CORDEIRO que entende
tratar-se de uma presunção ampla (não apenas de culpa, mas de ilicitude e causalidade), posição
que refutamos desde logo pela letra da lei.
O art. 491.º trata da presunção legal de culpa que recaem sobre os vigilantes no âmbito
de uma relação de incapacidade natural (sobre os inimputáveis). Este tem dois pressupostos
fundamentais: i) tem de haver uma relação de vigilância determinada por incapacidade
natural (aquele que não tem naturalmente liberdade de discernimento ou de determinação,
desde logo, os menores de 7 anos v.g. infantários; porém, isto não se aplica aos internamentos
psiquiátricos, mediante a presunção; também não se aplica a inferiores hierárquicos, pois não
é incapaz natural); ii) o vigiado tem de causar danos a terceiros; se o vigiado causa danos a
ele próprio, não se aplica a presunção do 491.º. É sobre o vigilante sobre o qual recai a
presunção de modo a que, se há algum dano que é causado pelo vigiado a um terceiro, à partida,
a culpa é do vigilante, dada essa presunção, a não ser que o vigilante ilida a presunção legal.
Isto significa que estas presunções legais de culpa5 (todas elas) são relativas, isto é, ilidíveis
mediante prova em contrário.

5
Encontramos presunções legais de culpa relativas, portanto, ilidíveis mediante prova em contrário e, por outro
lado, presunções legais de culpa absolutas, em que não são suscetíveis de ser afastadas.

38
Além disso, tanto para o art. 491.º, como para o art. 492.º e 493.º/1 (e não já para o
493.º/2), importa notar as duas formas através das quais se podem ser afastadas as
presunções: i) ou o vigilante demonstra efetivamente que não teve culpa (isto é, que
cumpriu o dever de vigilância), uma presunção que serve uma função preventiva com base em
dados da experiência; ii) ou o através da invocação da relevância negativa (que afasta a
presunção de culpa e não a culpa, tendo sempre o lesado, de acordo com as regras gerais, a
possibilidade de culpar a culpa do lesado) da causa virtual, que está consagrada nestes arts.
491.º, 492.º e 493.º/1, na medida em que, ainda que o agente tivesse cumprido os seus
deveres de vigilância da forma devida, os danos ter-se-iam produzidos igualmente
(admite-se que nestas hipóteses, mesmo assim, ele tenha possibilidade de ilidir a presunção de
culpa); com rigor, a causa virtual consiste no facto hipotético ou real que teria produzido
o dano, caso o dano não tivesse sido causado pelo facto que efetivamente o produziu.
Falamos de relevância negativa da causa virtual, que afasta a presunção de culpa (não a culpa),
que recaía sobre o autor da lesão. Agora, importa tal não responsabiliza positivamente o autor
em sede de causa virtual. A expressão do art. 491.º in fine que consagra esta solução: “salvo se
mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido
ainda que o tivessem cumprido”. No art. 492.º encontramos “com a diligência devida, não
se teriam evitado os danos”. No art. 493.º/1 “que os danos se teriam igualmente produzidos
ainda que não houvesse culpa sua”.
Questiona-se, porém, se não podemos aplicar esta solução ao art. 493.º/2 e 503.º por
via analógica. Contudo, a resposta é negativa, porquanto se trate de uma norma excecional e,
como decorre do art. 11.º, as normas excecionais não permitem uma aplicação analógica.
Ademais, não decorre do art. 493.º, mas existe outra via para afastar a responsabilidade,
que surge por força do art. 570.º/2, isto é, se a responsabilidade se basear numa simples
presunção de culpa, havendo culpa do lesado, na falta de exposição de contrário, exclui o dever
de indemnizar. Isto reside na ideia de que o sujeito pode não ter culpa, mas que simplesmente
não conseguiu afastar a presunção, patente numa situação de indefinição. Assim, a culpa do
lesado afastaria a responsabilidade.
Não conseguindo provar que foi diligente, que não houve causa virtual nem que o
lesado procedeu com culpa, então a culpa ainda é presumida.
Assim, o art. 492.º fala-nos da presunção legal relativamente a danos causados por
edifícios que ameacem ruir (sobre quem tenha sobre si essa vigilância).
No art. 493.º/1 encontramos a presunção que recai sobre quem tenha o dever de
vigilância de coisas móveis ou imóveis, ou a vigilância de animais.
No art. 493.º/2 encontramos, diferentemente, a presunção de culpa sobre quem exerce
atividades perigosas por si mesma (por sua natureza) ou pelos meios utilizados. A
jurisprudência entende um âmbito bastante específico de “atividades perigosas”. Um ac. do
STJ, de 9/12/2008 que a atividade médico-cirúrgica, era uma atividade perigosa, levando à
aplicação do preceito do art. 493.º/2, relativo, em concreto, a uma operação ao abdómen.
Porém, nas conclusões, considerou genericamente que a atividade médico-cirúrgica, qualquer
que ela seja, seria uma atividade perigosa. Houve, porém, quem considerasse críticas a tal
entendimento.
Como já vimos, nem para o art. 493.º/2 nem para o art. 503.º/2 se prevê a relevância
negativa da causa virtual, de modo a afastamento da presunção de culpa já para si enunciada
supra.

4.1.4. Dano

Sem dano, inexiste responsabilidade civil. Desde logo, pelo consagrado no art. 494.º
na sua finalidade ressarcitória em primeiro e, acessoriamente, uma função preventiva ou

39
sancionatória. Todavia, as exigências preventivas têm vindo gizado um universo onde cuja
importância tem vindo a incrementar v.g. responsabilidade civil ambiental, onde a projeção do
dano ultrapassa o plano puramente individual. Nessa perspetiva, há já quem, a propósito desta
responsabilidade ambiental, admita certas teorias em que se deva falar de responsabilidade civil
sem dano, reforçando-se, por esta via, a função preventiva da responsabilidade civil. Não nos
esqueçamos, porém, que a responsabilidade civil, por natureza, é excecional, sendo o grande
princípio de que, quem suporta os danos, é quem os sofreu – causo sentit dominus -, a não ser
que na base do dano tenha existido uma conjunta do agente que reúna o facto ilícito, culposo,
danoso e devidamente causal.

4.1.4.1. Dano: delimitação

Dano configura o prejuízo efetivamente suportado pelo lesado e causado ao lesado, seja
na sua pessoa ou no seu património (dano real). Deste conceito de dano real, podemos
contrapor o dano de cálculo, ou seja, o quantitativo pecuniário em que consubstancia esse
prejuízo real.
A propósito do dano, temos a distinção entre danos patrimoniais e danos não
patrimoniais. Em primeiro, o dano patrimonial é aquele prejuízo que tem repercussão
patrimonial (negativa, claro) na esfera jurídica patrimonial do lesado. Por outro lado, o dano
não patrimonial configura uma ofensa insuscetível de valorização patrimonial (ou
pecuniária). Por vezes podemos encontrar esta afirmação que não está inteiramente correta:
“ofensa num bem insuscetível de avaliação pecuniária”; porém, não tem de ser apenas uma
ofensa num bem insuscetível de avaliação pecuniária. Um dano não patrimonial como a v.g.
dor, desgosto ou sofrimento, porém, o que caracteriza esta distinção é o concreto tipo de dano
(ou prejuízo), não propriamente o tipo de bem atingido. Na verdade, se dissermos que o dano
não patrimonial é somente aquela ofensa em bem imaterial (que por regra é mas não
necessariamente), acabamos por restringir exacerbadamente a nossa definição, tornando-a
incompleta.
V.g. destruição da jarra de família de um sujeito; é uma ofensa num bem material;
contudo, foi suscetível de provocar um dano não patrimonial, como a dor, desgosto e
sofrimento.
V.g. A divulga uma notícia difamatória de B; B, atingido no seu crédito e seu bom nome
(484.º).
Deste modo, não podemos proceder a uma identificação entre tipo de dano e tipo
de bem atingido. Assim, podemos ter danos não patrimoniais decorrentes de ofensas a
bens de ordem patrimonial (v.g. jarra de família), como podemos ter danos patrimoniais
decorrentes de ofensas a bens imateriais (não patrimoniais, v.g. o bom nome).
O critério geral estabelecido no art. 496.º, a propósito dos danos não patrimoniais, no
qual estatui que só são ressarcidos os danos não patrimoniais que pela sua gravidade
mereçam a tutela do Direito. Esta é uma regra geral para todos os danos não patrimoniais,
desde que estes revistam duas características: i) graves (gravidade objetiva, reconhecido
pela ético-jurídica dominante, no sentido postulado pela jurisprudência e doutrina) e, também,
ii) merecedores da tutela do Direito (porquanto hajam ofensas particularmente graves para o
lesado, no âmbito do trato social e moral, mas que não tenham relevância específica para o
Direito).
Há autores (MARIA MANUEL VELOSO) que entendem que essa referência ao
merecimento da tutela do Direito é redundante, porquanto baste a ideia da gravidade objetiva
já exposta.
No ordenamento alemão e no ordenamento italiano, encontramos os danos não
patrimoniais sujeitos a um princípio da tipicidade, não sendo admitido o ressarcimento de todo

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e qualquer dano imaterial. O nosso legislador, porém, permite, em termos amplos, o
ressarcimento de qualquer dano não patrimonial desde que grave e merecedor da tutela do
Direito, sem prejuízo de algumas reservas.
Questão discutida é a de se admitir o ressarcimento do dano não patrimoniais por força
da incompatibilidade da natureza heterogénea entre o bem concretamente violado e a quantia
que representa a sua violação (pela sua difícil quantificação). Admitindo o ressarcimento dos
danos não patrimoniais, poderia ser um meio de fazer comércio em torno de bens de ordem
espiritual.
Quanto ao obstáculo de que, estando em causa bens insuscetíveis de valor patrimonial,
a resposta que devemos servir é a de que a própria quantia pecuniária é suscetível de
propiciar vantagens de ordem imaterial (ou espiritual) e, não sendo uma verdadeira
indemnização, ela corresponde a uma compensação.

4.1.4.2. Dano: o dano não patrimonial da morte (ou perda da vida)

Como já dissemos, o art. 496.º/1 temos o critério geral dos danos não patrimoniais,
sendo certo que as suas alíneas seguintes se referem ao dano da morte.
Dispõe o n.º 1 que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não
patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
A propósito do dano da morte, vamos distinguir vários tipos de danos: a) o dano da
morte autonomamente considerado (o dano da perda da vida); b) os danos sofridos pelo
de cujus entre o momento da prática do facto lesivo e o momento da morte; c) danos
sofridos pelos familiares conviventes do de cujus (n.º 2 e 3, só essas têm indemnização pelo
dano da morte, danos esses mencionados no n.º 4, ou seja, os danos que são atendíveis).
Hoje é pacífico que, pelo dano da morte autonomamente considerado (o dano da
perda da vida) há direito a compensação. A questão não foi, outrora, pacífica, como adiante
veremos. Neste propósito, ANTUNES VARELA dá conta de uma discussão jurisprudencial de
acórdãos do STJ de 1969 e de 1971, um a admitir e outro a recusar o problema da compensação
do dano da perda da vida.
Porém, um problema não resolvido prende-se com a titularidade do direito à
compensação. O momento em que a pessoa perde a vida, é com a cessação da sua
personalidade jurídica e, como tal, há autores que consideram não fazer sentido adquirir-se a
titularidade de um direito num momento em que já não há personalidade jurídica, portanto,
condições do ponto de vista do ordenamento jurídico para a aquisição de direitos (por faltar o
pressuposto prévio da personalidade jurídica).
Há quem diga, porém, que tal circunstância não é decisiva para afastar a
admissibilidade do direito à compensação. Neste aspecto, há orientações em dois sentidos:
De um lado, quem entenda (VAZ SERRA e CALVÃO DA SILVA) que o de cujus adquire
o direito e o transmite por via sucessória, com contornos especiais.
De outro, quem considere (ANTUNES VARELA) que o direito é adquirido iure
proprium, pelos familiares conviventes a quem lei atribui legitimidade para adquirir a
indemnização (n.º 2 e 3).
Dispõe o n.º 2 que “por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não
patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou
outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos
irmãos ou sobrinhos que os representem”. E o n.º 3 que “se a vítima vivia em união de facto,
o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto,
à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes”.
Isto, porém, pode ter importância prática, pelo que, na ótica da primeira conceção,
haverão repercussões em matéria fiscal se houver lugar a imposto sucessório. Se adotarmos a

41
segunda conceção, então o direito não estará sujeito a qualquer tributação. Note-se que esta
dúvida não se levanta quanto aos danos da dor, a que se refere o n.º 4 (este n.º distingue os
danos sofridos pela vítima e danos sofridos pelas pessoas com direito a indemnização).
Dispõe o n.º 4 que “o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal,
tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de
morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como
os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores”.
Quanto aos danos sofridos pela vítima entre a data da prática lesiva e o momento
da morte, estes só fazem sentido quando a morte não é instantânea, havendo um período em
que o de cujus sobrevive (patrimoniais e não patrimoniais). Aqui também se discute a
legitimidade para pedir os mesmos danos.
Quanto aos danos sofridos pelos próprios familiares, são danos próprios, claro que
está que não são transmitidos. Vejam-se os n.º 2 e 3, mas também o n.º 4.

4.1.4.3. Dano: o dano patrimonial da morte

Quanto aos danos patrimoniais em caso de morte, convocamos o art. 495.º, que nos diz
no seu n.º 1, que “no caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a
indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do
funeral”.
Quanto ao seu n.º 2, “neste caso, como em todos os outros de lesão corporal, têm direito
a indemnização aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares,
médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou
assistência da vítima”.
No seu n.º 3 preceitua-se “Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir
alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação
natural”.

4.1.4.4. Danos: compensação dos danos não patrimoniais dos conviventes

Tratamos concretamente das situações não de morte, mas naquelas cujo facto lesivo se
traduz numa incapacidade absoluta permanente do lesado (v.g. tetraplegia; o problema de um
facto lesivo que gera, por exemplo, uma situação de impotência).
A lei não fala em incapacidade absoluta permanente. Substancialmente, em abstrato,
há situações de incapacidade absoluta permanente que se arrastam durante muito tempo, e a
pessoa assiste à degradação progressiva da pessoa do lesado. Ora, questionam os autores se
não podem estas situações se equiparar à morte.
Na verdade, poderemos considerá-las equiparáveis, e, por vezes, até mais penosas. Há,
nesse sentido, um acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ de 2014, que admite
a compensação por dano não patrimoniais no caso de incapacidade absoluta permanente.
Isto levanta alguns problemas: no fundo, seriam ressarcidos tais danos nos termos do
artigo 496.º/4, precisamente um ressarcimento por danos próprios sofridos pelos familiares.
Tratamos de danos próprios (angústia, sofrimento dos familiares), mas eles não deixam de ser
danos próprios que têm a sua origem no facto lesivo que provoca a incapacidade absoluta
permanente do lesado. Então, pela incapacidade absoluta permanente, o lesado tem direito à
compensação por danos não patrimoniais, do terceiro que lhe causou esse dano. Depois, a
questão é saber se os familiares conviventes terão ou não direito à compensação por danos não
patrimoniais que sofrem.
Há quem os configure como danos próprios, mas podemos questionar se não deixarão
de ser também danos reflexos, porque são desgostos e sofrimentos que encontram origem num

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outro dano, que é o dano sofrido pelo lesado. E isto pode levar ao problema da duplicação da
indemnização pelo mesmo facto lesivo, se os considerarmos danos reflexos.
Há autore que, para afastar este problema, dizem que não são danos reflexos, mas que
são danos próprios. Este raciocínio quanto ao dano absoluto permanente faz-se quanto ao
dano sexual, nomeadamente, quando se trata de cônjuge ou unido de facto.
FILIPE ALBUQUERQUE MATOS considera esta problemática como um dano reflexo,
porém, quando assumiu tal posição não estava em vigor a lei que aprovou o novo estatuto
jurídico dos animais (Lei 8/2017), que confere um direito à compensação por danos não
patrimoniais ao proprietário do animal de estimação em caso de morte ou de privação
importante de órgão ou membro do animal ou afetação grave e permanente da capacidade de
locomoção do animal, artigo 493.º-A/3 (“no caso de lesão de animal de companhia de que tenha
provindo a morte, a privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente
da sua capacidade de locomoção, o seu proprietário tem direito, nos termos do n.º 1 do artigo
496.º, a indemnização adequada pelo desgosto ou sofrimento moral em que tenha incorrido,
em montante a ser fixado equitativamente pelo tribunal”).
Nestas ocasiões é concedida uma compensação por dano não patrimonial ao
proprietário do animal. Resolveu-se, assim, uma questão que se discutia na doutrina há muito.
ANTUNES VARELA já discutia se o dono de uma égua de estimação tinha ou não direito
à compensação pelo dano não patrimonial causado pela morte daquela. Claro que há desgosto
ou sofrimento, porém, é uma gravidade objetiva merecedora da tutela. Tal estaria ligado ao
problema de saber se os animais eram coisas ou não.
A perspetiva tradicional vai no sentido de considerar o animal como uma coisa.
Contudo, o artigo 201.º - B, introduzido pela Lei 8/2017, preceitua que os animais são
considerados seres vivos dotados de sensibilidade e merecedores de tutela jurídica, mas para
certos efeitos não deixa de haver a consideração do animal como coisa, desde logo porque o
artigo 201.º-D diz-nos que, na ausência de legislação especial, aplica-se aos animais a
legislação relativa às coisas, desde que não seja incompatível com a sua natureza.
Portanto, no sentido da perspetiva tradicional, entendia-se que danos não patrimoniais
provocados pela lesão em coisa, podiam não ter gravidade objetiva. Hoje, não se encontra em
discussão, encontrando-se previsto na lei.
Nos casos das lesões aos animais previstas na lei, dá direito a compensação, nos termos
do artigo 493.º-A/3.
Deveriam, porém, estar previstos no artigo 496.º, uma vez que preceitua o 493.º uma
presunção de culpa das atividades perigosas, não fazendo sentido estar a incluir um artigo no
âmbito de uma temática que não é a correta. Seria somente lógico que o artigo 496.º tratasse
de toda esta problemática, que efetivamente não trata.
Isto levanta um problema: será que, automaticamente, em caso de morte, lesão ou
afetação grave permanente se atribui direito à compensação pro danos não patrimoniais?
A solução terá sempre de passar pelo art. 496º/1. Claro que se houver morte do animal,
ninguém duvida que tenha direito à compensação o seu proprietário. Porém, a privação grave
e permanente da capacidade de locomoção, terá de passar pelos requisitos do artigo 496.º.
Poderá haver interpretações diferentes, mediante um argumento sistemático. A lei diz
claramente que considera um direto a uma compensação por dano não patrimonial por morte,
perda de importante órgão do animal ou perda grave e permanente de capacidade de locomoção
do animal. Porém, é uma questão discutida na doutrina.
Em face desta evolução do sistema, FILIPE ALBUQUERQUE MATOS considera que já
que se justifica a compensação por danos não patrimoniais no caso da incapacidade permanente
e absoluta que resulta da pessoa, se à lesão do animal se atribui direito à compensação pelo
dano não patrimonial, então os animais seriam “mais” que as pessoas.

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Atentar no artigo 493.º-A/1, nos termos do qual, “no caso de lesão de animal, é o
responsável obrigado a indemnizar o seu proprietário ou os indivíduos ou entidades que tenham
procedido ao seu socorro pelas despesas em que tenham incorrido para o seu tratamento, sem
prejuízo de indemnização devida nos termos gerais”, solução semelhante à preceituada no art.
495.º/2 (“neste caso, como em todos os outros de lesão corporal, têm direito a indemnização
aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou
outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da
vítima”).
No dano da morte apenas se refere as pessoas do 496.º/2/3; atentar que o legislador na
consagrou um critério que poderia ter consagrado: o critério dos afetos, que Doutor Vaz Serra
previu no anteprojeto. Não considera, por exemplo, um primo direito que é mais afetado ao
falecido que o seu próprio avô, tendo este direito à compensação e não aquele, apesar de aquele
ficar mais afetado do que este. Na mesma lógica, um amigo próximo. Há uma presunção de
que os familiares são mais próximos entre si, contrariamente a um critério dos afetos.

4.1.4.5. Danos: os danos diretos e os danos indiretos

Uma outra classificação vê-se entre danos diretos e danos indiretos, com particular
relevo a propósito de um outro requisito da responsabilidade civil, conexionado com o requisito
do nexo de causalidade.
Os danos diretos (ou imediatos) são aqueles que decorrem imediatamente ou na
sequência da prática do facto lesivo, por isso, apelidados de diretos.
Os danos indiretos (ou reflexos) são aqueles que têm uma conexão mediata com a
prática do facto lesivo, por isso, apelidados de indiretos.
Isto levanta algumas dúvidas sobre a ressarcibilidade dos danos indiretos, dada a sua
ligação mais ténue com a prática do facto lesivo. Esta dúvida coloca-se em sede de
causalidade.

4.1.4.6. Danos: os danos patrimoniais – danos emergentes e lucros cessantes

Por um lado, os danos emergentes traduzem-se em prejuízos que atingem bens


integrantes do património (ou esfera patrimonial) do lesado.
De outro lado, os lucros cessantes são aquelas vantagens ou benefícios patrimoniais
que o lesado deixou de auferir na sequência da prática do facto lesivo, com os quais, com toda
a probabilidade, ele contaria (v.g. perda de clientela futura, na sequência da violação de um
direito absoluto).
A perda de chance, quanto aos lucros cessantes, suscita algumas dúvidas quanto à sua
admissibilidade em sede do seu ressarcimento. Como tal, a perda de chance consubstancia a
perda de expectativas (expectativas frustradas ou moradas) e ganhos de teor eventual
(poderiam ser eventualmente obtidos). V.g. alguém que concorre a um concurso público mas
que, por erro de um funcionário, a candidatura não é admitida.
V.g. o caso do bilhete de lotaria que não é registado pela loja que vendeu esse bilhete.
V.g. o caso do médico que não diagnostica no tempo duvido uma determinada patologia
de um doente que impede a realização dos respetivos tratamentos. Em todas estas
circunstâncias, o sujeito não sabe se vai auferir tal vantagem, mas perde a oportunidade de o
fazer, portanto, expectativas frustradas ou moradas. A grande questão é precisamente saber se
é ressarcível ou não a perda de chance.
Esta figura levanta problemas quanto à sua caracterização como dano, mas
também em matéria de nexo de causalidade para efeitos de ligação do dano ao caso.
Quanto ao dano, diante alguns autores a perda de chance é configurada como dano emergente,

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se considerarmos que a chance é um bem jurídico merecedor de tutela que estava no património
do lesado. É, porém, duvidoso que assim seja. Para efeitos de causalidade, a conceção que
acolhemos de causalidade, é a teoria da causalidade adequada, na medida em que não basta
que sem o facto não se tenha produzido o dano, sendo necessário que, em abstrato, o facto
seja idóneo a produzir o dano. É sempre necessária a conditio sine qua non, mas essa não é
suficiente. Ora, na perda de chance, este juízo não se consegue determinar.

4.1.5. O nexo de causalidade

Naturalmente, o agente não é responsável por todos os danos que sobrevenham


cronologicamente à prática do facto. Isso mesmo evidencia a expressão que o artigo 483.º/1
utiliza: “pelos danos resultantes da violação”; ou seja, não é por todos os danos que
sobrevenham à prática do facto, mas pelos que tenham uma ligação com a prática do facto.
Um nexo de causalidade traduz exatamente a seguinte ideia: um nexo de ligação entre o facto
e o dano. Por isso mesmo, a finalidade deste requisito é a delimitação ou circunscrição dos
danos ressarcíveis pelo agente
A matéria do nexo de causalidade evoluído bastante, até porque não foi fácil encontrar
na doutrina ao longo dos danos um critério que seja adequadamente delimitador em matéria de
responsabilidade. Assim, estudaremos vários critérios, nomeadamente, a doutrina da conditio
sine qua non e a doutrina da causalidade adequada, encontrando pelo período que media ambas
várias doutrinas ecléticas. Daremos conta de como a doutrina resolve este problema.

4.1.5.1. A conditio sine qua non

O primeiro marco que consideramos é a doutrina da conditio sine qua non, ou doutrina
da equivalência das condições. Esta doutrina do século XIX, inspirada pelos contributos
empirísticos, diz-nos que é causa do dano toda a condição sem a qual o dano não se teria
produzido. Ademais, quando haja mais do que uma condição sem a qual o dano não se teria
produzido, as condições consideram-se equivalentes entre si relativamente à produção do dano.

Se o automobilista atropelou mortalmente o peão, a morte deste pode ter resultado, não apenas do ato
de imperícia do condutor, mas também da constituição débil da vítima, da natureza do pavimento sobre
o qual esta foi projetada, da demora do seu transporte para o hospital, da falta de meios adequados para
o seu tratamento, da pouca prática do cirurgião que a operou, entre outros.

Do mesmo modo, se a falta de cumprimento de uma obrigação causar graves prejuízos ao credor, pode
o dano ter sido devido, não só à inadimplência do devedor, mas também à debilidade económica do
credor, ao conjunto de obrigações a seu cargo que se acumularam na mesma data, à falta de compreensão
dos seus credores, que não anuíram à moratória por ele solicitada, à multiplicidade das obrigações que
o devedor deixou acumular sobre o seu património, entre outros.

Os autores procuram distinguir, no acervo das circunstâncias que concorrem para a


produção do dano, entre aquelas sem cujo concurso o dano se não teria verificado e as outras,
que também contribuíram para o mesmo evento, mas cuja falta não teria obstado à sua
verificação.
As primeiras constituem, cada uma delas por si, verdadeira condição do dano. Embora
isoladamente nenhuma delas bastasse para desencadear o dano, muitos autores as consideram
como causa desse evento, na medida em que sem qualquer uma delas o dano se não teria
produzido. Causa é, então, toda a condição sem a qual o dano não se teria produzido.

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Assim, o não cumprimento da obrigação será considerado como causa de todos os
danos que o credor não teria sofrido, se não fora a inadimplência do devedor, sem embargo de
outras circunstâncias, porventura não imputáveis ao obrigado, terem concorrido também para
a verificação desses danos.
Da mesma forma, os danos sofridos pelo agredido serão considerados como efeito da
agressão, desde que não se tivessem verificado sem ela, conquanto outros fatores possam ter
colaborado também na sua produção.
A equiparação da causa jurídica a toda a condição do dano representou um avanço
na seleção dos danos sobrevindos ao facto constitutivo da responsabilidade. Limitou a
obrigação de indemnizar aos danos em cujo processo de causalidade interfere esse facto e,
dentro desses, àqueles que não se verificariam sem tal facto, afastando do âmbito da
indemnização muitos dos prejuízos temporalmente sobrevindos ao lesado, que seria injusto pôr
a cargo de outrem.
Porém, trata-se de um conceito manifestamente vasado nos moldes das ciências
naturais, sem atender às finalidades específicas do Direito, em geral, e do instituto da
responsabilidade civil, em particular. Por isso, não surpreende que conduza a resultados
práticos que nenhum autor hesite em repudiar.

Um motorista de táxi contratado para transportar um cliente, a certa hora, à estação do caminho de ferro,
falta ao cumprimento da obrigação. Por virtude disso, este é forçado a tomar um outro comboio, que
descarrila, provocando a morte de alguns passageiros. Ou seja, admitir-se-ia que a perda do comboio
que fez com que o cliente perdesse a oportunidade que tinha de realizar um negócio lucrativo, ou que
os ferimentos que daí adviessem para si, fossem imputados ao incumprimento da obrigação do motorista
do táxi.

Em qualquer dos casos, o facto ilícito do devedor ou do agente pode ser apontado como
condição do dano registado (morte do passageiro do táxi ou da vítima do acidente; a perda do
negócio). E, todavia, repugna ao sentimento comum de justiça incluir esse dano no balanço da
indemnização a cargo do responsável.
Portanto, pode-se concluir que é de tal modo extenso o processo de causalidade que
envolve os factos humanos, pelo contínuo encadeamento de acontecimentos, que a relação
causal de modo nenhum pode servir para delimitar, por si só, a zona de responsabilidade
do devedor ou do agente.
Não aderimos a esta doutrina, porém, não a repudiamos totalmente, tanto mais
que a doutrina da causalidade adequada parte da sua enunciação. Nomeadamente, esta
doutrina demonstra-se excessivamente responsabilizante para o agente, dado que parte de
uma análise em concreto da questão da causalidade. Em concreto, toda a condição sem a qual
o dano não se teria produzido é causa do dano. Se há um facto sem o qual o dano não se teria
produzido, ele será causa do dano. E se houver vários factos, eles serão equivalentes entre si,
o que significará uma excessiva responsabilização do agente.
Há quem diga que, para catalogar os resultados da responsabilização, o pai seria
responsável por todas as consequências danosas dos factos praticados pelos seus filhos. O pai
seria sempre responsável porque se não fosse o nascimento, o filho não teria praticado tais
consequências danosas. Não é razoável adotar tal entendimento, dado que o nascimento é um
facto natural, apenas relevando os factos juridicamente relevantes. Não é uma crítica certeira,
mas que pretende evidenciar o excesso de responsabilização desta doutrina.
Esta teoria diz-nos, ainda, que se houver várias condições, elas são equivalentes
entre si na produção do dano. Se assim é, e se são considerados equivalentes como premissa
de raciocínio, corremos o risco de não conseguir identificar a verdadeira causa do dano. Então,
não conseguindo fazê-lo, terá de se desresponsabilizar o agente.

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4.1.5.2. A doutrina da causalidade adequada

Como vimos, o conceito de causa para a conditio sine qua non é demasiado abrangente,
demasiado responsabilizante, tendo havido um esforço doutrinal de reformular esse mesmo
critério, tentando delimitar o círculo de danos ressarcíveis pelo agente, sendo esse o grande
objetivo da causalidade. Por isso, o critério a que se chegou foi o da causalidade adequada.
O problema da causalidade não está resolvido no âmbito legislativo, sendo certo que o
artigo 563.º se refere ao nexo causal, mas não nos vincula a qualquer conceção relativo a este,
carecendo de alguns entendimentos doutrinais. Postula o preceito que “a obrigação de
indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sorrido se
não fosse a lesão”.
MAFALDA MIRANDA BARBOSA entende que esta fórmula não vincula o interprete à
teoria da causalidade adequada, optando pela teoria nexo de imputação.
Houve um percurso doutrinal que se seguiu e, por conseguinte, se chegou à causalidade
adequada. Esta não rejeita completamente os contributos da conditio sine qua non, antes parte
dela. Assim, não basta que em concreto o facto seja causa do dano, é necessário que em
abstrato (de acordo com as regras normais da experiência e da vida) o facto seja idóneo ou
adequado para produzir o dano. Não basta que em concreto o facto seja causa do dano,
apesar de em concreto, ele ter desencadeado o processo causal, mas é necessário que em
abstrato, de acordo com as regras normais da experiência e da vida, o facto seja idóneo ou
adequado a produzir o dano.
Ao passar de uma avaliação em concreto para uma avaliação em abstrato do processo
causal, conseguiu-se o efeito pretendido: de maior delimitação do círculo de danos
ressarcíveis pelo agente. Não basta que aquele concreto facto tenha causado um concreto
dano; é necessário que o tipo de facto, que no caso concreto provocou o dano, seja adequado
para produzir o tipo de dano causado.
Quando passamos da análise do facto concreto e tentamos subsumir o facto
concreto numa categoria à qual ao tipo de facto ele pertence, fazemos juízos indutivos,
portanto, estamos a fazer uma apreciação em abstrato; a reconduzir ou a integrar aquele
concreto facto numa categoria abstrata à qual ele pertence, e o mesmo que fizemos quanto
ao facto, fazemos quanto ao dano.
E perguntamo-nos: este tipo de facto, que no caso concreto causou este tipo de dano,
podemos considerar que o tipo de facto foi idóneo a produzir este tipo de dano?
Através deste tipo de juízos indutivos, acaba-se por ter efeito de delimitação. Quer dizer
que há muitos danos que foram causados, mas que não foram consequência adequada daquele
tipo de facto. Em concreto, podem ter acontecido situações anómalas. É uma tendência para a
objetivação; conseguindo esse tipo de abstração consegue-se o efeito de delimitação.
O juízo de adequação é um juízo feito pelo decidente de acordo com uma prognose
póstuma, ou seja, o juiz aprecia a questão depois dos danos se terem produzido, porém, para
evitar a avaliação em concreto, ele deve colocar-se numa situação ex ante, isto é, deve
colocar-se na posição em que estaria o agente mediano e prever como é que no momento
da prática do fato seria ou não previsível a ocorrência daquele tipo de danos.
No fundo, situando-se no momento temporal da decisão do agente, momento posterior
à ocorrência dos factos, tem de deslocar-se mentalmente para trás no tempo colocando-se
na posição do agente médio para saber se o agente medianamente prudente, diligente e
responsável poderia prever ou não aquele tipo de dano, de acordo com as regras normais
da experiência e da vida (em abstrato).
Deixamos de entender “aquele concreto facto, aquele concreto dano”, mas “aquele
tipo de facto, aquele tipo de dano”. É um juízo de probabilidade, por esta razão, entendemos
que a formulação do artigo 563.º é mais próxima da causalidade adequada, «provavelmente»,

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sendo a utilização deste advérbio que, para os defensores da causalidade adequada, os leva a
admitir a consagração, neste artigo, da mesma teoria. Por outro lado, os defensores do nexo de
imputação defendem que esta formulação é inócua.

4.1.5.3 Contributos ecléticos

Entre uma e outra, houve várias tentativas doutrinais. Nomeadamente, a teoria da


condição mais próxima, a teoria da condição mais eficiente, e a teoria que exigia o requisito da
prefiguração culposa dos danos, que exigia a culpa do agente na prefiguração dos danos.
Começando pela terceira teoria previamente enunciada, a mesma exigia que no
requisito da causalidade se introduzisse o requisito da culpa, algo que rejeitamos. Os danos
teriam de ser previstos culposamente. Um dos pressupostos da responsabilidade por factos
ilícitos é a culpa, mas a culpa é reportada ao facto, não aos danos em geral. Esta doutrina
entende, por conseguinte, que é preciso haver culpa na prefiguração dos danos causados, a
todo o círculo de danos causados, algo que não defendemos.
Diferentemente, defendemos que o facto tem de ser culposo, mas ainda assim
quanto o agente pode responder por danos que ele teria pensado que não iria provocar.
Se dissermos que é preciso culpa relativamente a todos os danos causados, se não houver
prefiguração culposa relativamente a alguns danos, então nesse caso, o agente não será
responsável por eles – isto evidenciaria certas lacunas de “punibilidade” no sistema. Assim,
para nós, a culpa reporta-se ao facto e não aos danos. Há, ainda, aqui um problema, pois que
esta teoria não serviria em termos gerais, não sendo aplicável aos casos de responsabilidade
objetiva, não se exindo culpa.
Quanto à teoria da condição mais próxima, supõe-se que há várias condições em
concurso, na medida em que seria necessário que o juiz descobrisse aquela mais próxima do
dano. Esta teoria, tal como a teoria da condição mais eficiente, não foram aceites porque
fazem depender excessivamente a aplicação do critério a um juízo discricionário do juiz.
A grande discricionariedade poderia levar a um arbítrio perigoso na aplicação da justiça. Na
causalidade também há discricionariedade, apelando às regras normais da experiência e da
vida, sendo necessário fazer interpretação do que elas são, mas é um arbítrio amparado em
critérios mais delimitadores.

4.1.5.4. A doutrina da causalidade adequada e critérios complementares

A doutrina da causalidade adequada padece de algumas deficiências porém, sem


embargo dessa circunstâncias, consagrou grandes méritos. Portanto, a doutrina da causalidade
adequada, por se considerar que logrou um grande passo de maior delimitação face à conditio
sine qua non, para salvar o seu efeito útil, carece de aplicação de vários critérios
complementares, como desenvolveremos adiante.
É preciso i) ter em conta, não apenas o facto e dano individualmente considerados,
mas todo o processo causal, ver a questão da causalidade como um processo. Devemos ter
em conta o conjunto de circunstâncias ou de factos que intercorrem entre o facto desencadeador
do processo causal e o dano. Se atendermos isoladamente ao facto e ao dano, e não ao processo
causal, “perdemos o pé”.

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Alguém, na altura da Queima das Fitas, trava razões com outro estudante, do qual surgem lesões à sua
integridade física, tendo por isso ido para o hospital. Aqui, um médico que está meio bêbedo, em vez
de aplicar o medicamento X, aplica o medicamento Y, ficando o paciente pior, passando a sofrer danos
significativos na sua integridade física. Questiona-se agora se o estudante que agrediu o outro que foi
para o hospital será responsabilizado pelos danos que este passou a sofrer. Na verdade, o tipo de lesões
que praticou não é idóneo a produzir aquele tipo de dano. Entre o facto e o dano apareceu um médico
alcoolizado, e não é suposto um médico alcoolizado aparecer nas urgências. O médico deveria ter se
abstido de ir trabalhar, ainda que tivesse feito tudo no tratamento do paciente. Temos um comportamento
culposo do médico, uma circunstância que quebra o nexo causal.

Vai uma ambulância ao queimódromo, sendo as lesões as mesmas do caso anterior, mas a ambulância
encontra a aquela hora um congestionamento do trânsito na Casa do Sal. A ambulância teve de esperar
15 minutos, e neste período, o lesado tem uma hemorragia incontrolável, já não havendo nada a fazer,
quando chegou às urgências. Ficou com um grau de incapacidade que, à partida, não era previsível.
Aquele tipo de agressões, em abstrato, não era idóneo a provocar aquela incapacidade. Nesta segunda
hipótese, teremos de ver se em abstrato era ou não previsível que pudesse haver um congestionamento
de tráfego. E, in casu, era! A circunstância da ambulância ter empacado ali, e na sequência desta mesma
circunstância que medeia quando o facto ocorreu, não houve interrupção do nexo causal; o estudante
quando agrediu, na sua esfera jurídica, ainda devemos imputar esta circunstância que surgiu como que
não uma situação anómala; por outro lado, é ainda relativamente previsível no momento da prática do
facto.

Em segundo lugar, ii) o decidente deverá ter em conta as circunstâncias


efetivamente conhecidas ou cognoscíveis pelo agente no momento da prática do facto.
Assim, se as circunstâncias não forem conhecidas ou cognoscíveis, o agente não será
responsável. Isto é precisamente chamar à interação a culpa como critério complementar
importante. Note-se, porém, que se tratam somente de alguns critérios complementares que
resultam de alguma insuficiência da causalidade.

Há 70 anos seria vulgar um professor da primária ter uma régua. Supondo que um professor bate com
a cana no crânio da criança, sendo certo que esta já tendo sido operada, tinha o crânio sensível, pelo que
se lhe batessem ela poderia sofrer lesão grave. Em abstrato, a agressão ao crânio da criança não seria
normal e previsível que provocasse a lesão grave. A sua responsabilidade dependeria do conhecimento
do professor, nomeadamente, se os pais tivessem inscrito essa particularidade na ficha do estudante,
pelo que estando, se o professor tivesse usado da diligencia devida, teria obtido essa informação. Não
a sabendo, mas ser-lhe-ia exigível, nesta ocasião.

Por fim, iii) a culpa enquanto pressuposto da responsabilidade reporta-se ao facto


e não a todo o círculo de danos causados pelo agente. Não é preciso que o agente tenha
prefigurado culposamente todo o círculo de danos provocados. Esta ideia é uma que tem que
ver com a questão da ressarcibilidade dos danos indiretos ou danos reflexos.

Alguém vai na baixa da cidade e vê a montra de uma loja de um comerciante que é seu inimigo; uma tarde inverno,
chuvosa, e em que se prevê que vem vendaval; é previsível, de acordo com o tempo. A pessoa vai na baixa, tendo
desavenças com o seu competidor, e vê o paralelo solto, e diz “é hoje que acerto contas!”. Para esse efeito, pega
no paralelo e o objetivo dele é partir a montra e os objetos lá expostos, causando um prejuízo jeitoso, mas ainda
assim controlável. Porém, sendo um dia chuvoso, a água entra na loja do seu inimigo, provocando a destruição de
objetos dentro da loja e provocando o levantamento do soalho de madeira. Neste caso, estamos perante uma
extensão de danos que o agente não quis causar culposamente. O agente será responsabilizado por eles, se em
abstrato no processo causal aquele facto provocar aquele tipo de danos. Ora, quanto à montra e objetos expostos,
dizemos que se tratam de danos que diretamente decorreram do facto, portanto, danos diretos. Os outros derivaram
reflexamente do facto. Esta questão dos danos mediata ou reflexamente causados são apreciados não com o
requisito da culpa, mas com o requisito da causalidade (se é ou não provável esse tipo de danos).

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Deve questionar-se, para efeitos deste exemplo, se seria normal e idóneo que ao atirar
uma pedra naquelas condições meteorológicas se causasse uma enxurrada de água naquela loja.
O que é preciso que o facto seja culposo, e quanto à extensão dos danos é preciso analisá-las
de acordo com as regras da vida e da experiência.

4.1.5.5. Causalidade adequada e variantes

A causalidade adequada tem duas variantes: desde logo, uma formulação negativa e
uma formulação positiva.
Uma formulação negativa, que se aplica na responsabilidade for factos ilícitos,
responsabilidade por culpa. Nesta formulação negativa, para o agente ser responsável, basta
que o facto não seja de todo indiferente para produzir os danos, ou seja, o agente só não será
responsabilizado quando os danos se tiverem a ficado a dever à intervenção de circunstâncias
manifestamente anómalas ou extraordinárias.
Por outro lado, uma formulação positiva, que se aplica na responsabilidade objetiva.
Na formulação positiva, o agente só é responsável se o dano for uma consequência típica,
necessária ou incontestável da prática do facto.
Desde logo concluímos que é mais responsabilizante a causalidade na sua vertente
negativa, porque há culpa do agente aí, bastando uma probabilidade mínima, desde que o facto
não seja de todo em todo indiferente, salvo havendo alguma circunstância anómala ou
extraordinária. Na formulação positiva, por outro lado, como o agente responde
independentemente de culpa, entende-se a maior exigência para a sua responsabilização.
No artigo 503.º/1 e no artigo 502.º, quando o legislador se refere a riscos próprios da
conduta e a perigo especial de utilização do animal, consagra a formulação positiva.

50
RESPONSABILIDADE OBJETIVA

A regra, como sabemos, na responsabilidade civil, é a responsabilidade civil por factos


ilícitos.
Em Setembro de 2022 houve duas propostas de diretivas, no sentido de alterar o regime
de responsabilidade civil do produtor e outra para captar as regras da responsabilidade civil
extracontratual à inteligência artificial. A proposta da diretiva avança no sentido de considerar
a IA e os seus operadores, como uma responsabilidade por culpa, havendo quem considerasse
que fosse uma responsabilidade objetiva.

1. Definição e enquadramento sistemático

Responsabilidade objetiva é aquela em que o agente responde independentemente de


culpa. Porém, é um regime de responsabilidade civil excecional e carece de expressa previsão
legal, nos termos do art. 483.º/2 CCivil – “Só existe obrigação de indemnizar independentente
de culpa nos casos especificados na lei”.
Estas situações de responsabilidade objetiva, muitas vezes vêm com regras específicas que
delimitam a responsabilidade objetiva. Por exemplo, o art. 502.º que nos fala dos danos
causados por animais.
Importa não confundir responsabilidade objetiva com a responsabilidade pelo risco,
justamente porque a primeira é mais ampla do que a responsabilidade pelo risco. Desde logo,
porque a responsabilidade pelo risco é apenas um dos fundamentos possíveis da
responsabilidade objetiva.
Na verdade, podem haver casos de responsabilidade objetiva que não sejam
responsabilidade pelo risco, como a responsabilidade do comitente (500.º) e a
responsabilidade civil do produtor (DL 383/89). Também regulado fora do CCivil,
encontramos também a responsabilidade civil de detentores de aeronaves ou ultraleves, assim
domo os detentores de embarcações de recreio. Diferentemente, a responsabilidade por
acidentes de viação já consubstancia uma modalidade de responsabilidade objetiva pelo
risco, ou mesmo o caso de responsabilidade pelos danos causados por animais (502.º).
Outro aspecto importante é o facto do legislador estabelecer limites indemnizatórias,
atendendo ao facto do lesante responder sem culpa. Portanto, só responderá até um montante
de danos fixado pelo legislador (v.g. acidentes de viação). Vejamos o art. 508.º ou o art. 510.º
CCivil. Este último fator nem sempre aparece nos regimes de responsabilidade objetiva mas
há uma tendência para caso o legislador crie uma situação de responsabilidade objetiva, criar
também seguro obrigatório (v.g. veículos).

2. Responsabilidade objetiva do comitente (500.º)

Tratamos, rigorosamente, da responsabilidade objetiva do comitente por danos


causados pelo comissário a terceiros. Naturalmente, haverá responsabilidade do comissário,
mas aqui trataremos da responsabilidade objetiva do comitente, de acordo com o regime legal
firmado no art. 500.º.
O referido preceito dispõe no seu n.º 1 que “aquele que encarrega outrem de qualquer
comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde
que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar”. No seu n.º 2 que “a responsabilidade
do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que
intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada”.
Assim, para que o comitente possa responder objetivamente, tem de haver três
pressupostos de verificação cumulativa: i) a existência de uma relação de comissão (n.º 1 e

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2); ii) o facto praticado pelo comissário tem de ser praticado no exercício das suas funções
de comissário (n.º2); iii) por fim, tem de haver culpa do comissário.
Assim, consubstancia uma responsabilidade objetiva do comitente, como dissemos,
mas uma que tem na sua base uma responsabilidade subjetiva do comissário, porquanto se exija
um facto culposo do último.

2.1. A existência de uma relação de comissão

Em primeiro, tem de haver uma relação de comissão. A relação de comissão é uma


relação de dependência ou de subordinação, portanto, de supra-infra ordenação, de
comando e de obediência, por força do qual o comissário deve obediência ao comitente.
Aliás, podemos ver que na esfera jurídica do comitente existem vários tipos de poder:
desde logo, o poder de escolha do comissário (ainda que em certas situações, este possa ser
limitado); um poder de direção, mediante o qual instrui o comissário, definindo estratégias,
dando ordens; poder de controlar a conduta do comissário.
Como já pudemos dizer, o comitente responde objetivamente, independentemente de
culpa, contudo, e sem prejuízo disso, em concreto, pode haver culpa do comitente.
Quando, porém, há falha do comitente no exercício dos seus poderes,
designadamente culpa in diligendo (eu, comitente, escolho alguém inepto para o exercício das
funções), culpa in instruendo (eu, comitente, dou ordens erradas ao comissário) ou culpa in
vigilando (eu, comitente, não vigio propriamente o comissário), estas modalidades podem ter
importância no plano das relações internas. As relações internas, entre o comitente e o
comissário, opõem-se às relações externas, entre o comitente e o lesado e/ou também entre o
comissário e o lesado. A eventual culpa do comitente, como dissemos, releva apenas para as
relações internas e não as externas (porque aí responde objetivamente), precisamente para
efeitos de aplicação do n.º 3 do art. 500.º relativo ao direito de regresso entre comitente e
comissário, analisado na medida das culpas.
O lesado, assim, poderá pedir indemnização ao comitente ou ao comissário, ou a ambos
conjuntamente, mas o que caracteriza o regime da responsabilidade solidária, que aqui está
presente, é o lesado pedir o montante total da indemnização a um deles só - o fundamento da
responsabilidade objetiva do comitente é a ideia de garantia (teoria do garante), radica na
ideia de que o comitente intervém como um garante da posição do comissário perante os
lesados. É essa ideia defendida por CALVÃO DA SILVA que permite explicar a responsabilidade
objetiva do comitente (não pelo risco).
A doutrina tradicional, diferentemente, entendia que a responsabilidade objetiva do
comitente seria pelo risco, fundando-se na teoria francesa dos riscos (risk authorité), em que
quem beneficia da atividade de outrem deveria ser responsabilizado pelos danos que esse
outrem cause a terceiros.
Porém, como já dissemos, seguimos a teoria associada à garantia (solvabilidade), na
esteira de CALVÃO DA SILVA, precisamente porque consoante o sistema, nos termos do art.
500.º/3, “o comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissário
o reembolso de tudo quanto haja pago, excepto se houver também culpa da sua parte;
neste caso será aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 497.º”. Quer isto significar que o
comitente responde pelos danos perante o lesado e depois vê-lhe reconhecido um direito de
regresso perante o comissário daquilo que tiver sido pago ao lesado, analisado também na
medida das culpas.
Ora, se o fundamento da responsabilidade do comitente fosse o risk authorité, da
atividade de outrem que beneficia o comitente, não faria sentido ele poder exigir o reembolso,
porquanto lhe coubesse suportar o risco inteiramente. Este reembolso justifica-se pela ideia de
garantia. Para a responsabilidade objetiva, esta é pensada na ótica da vítima, que a liberta do

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ónus da prova da culpa, sendo que aqui, mesmo que haja culpa in diligendo, instruendo ou
vigilando, ele pode pedir a indemnização ao comitente, tendo um direito de regresso com base
nas culpas de que procederam o comitente e o comissário.
Um exemplo de uma relação de comissão, portanto, de supra-infra ordenação, é a
relação laboral que é tendencialmente duradoura.
Ademais, questiona-se da existência de relações de comissão do mesmo modo para
a prática de atos esporádicos ou isolados. Pensemos, por exemplo, no caso de alguém idoso
que contrata os serviços de outrem para o transportar a visitar o filho. Diferentemente, noutro
exemplo, eu celebro um contrato de empreitada, portanto, sou o dono da obra, tendo um
caderno de encargos integrando o conteúdo da relação contratual. Ora, não há, porém, uma
relação de comissão entre o dono da obra e o empreiteiro, mas há entre o empreiteiro e os
trabalhadores, porque o empreiteiro tem autonomia – aqui o critério decisivo é o da autonomia.
Este é também o problema do médico e da instituição em que este trabalha, em que o
médico tem de cumprir o exercício das leges artis. Um dos indícios que revelam a existência
de relação de comissão é a liberdade de escolha do comissário pelo comitente – que evidencia
o ius diligendo, desde logo, porque se a pessoa tiver liberdade de escolha em que trabalha para
si, é um indício de subordinação; porém, essa liberdade de escolha pode ser limitada, não sendo
tais limitações à liberdade de escolha incompatíveis com a relação de comissão (v.g limitação
de um proprietário de uma farmácia para a escolha dos seus empregados).

2.2. A prática do facto no exercício das funções

Além disso, o facto tem de ser praticado pelo comissário no exercício das funções de
comissão (n.º 2) – “A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado
pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da
função que lhe foi confiada.” Só por esses é que o comitente responde objetivamente.
Vejamos as seguintes distinções, apresentadas na senda de MANUEL DE ANDRADE:

a) factos praticados no exercício das funções;


b) factos praticados fora do exercício das funções;
c) factos praticados no quadro geral de competências do comissário;
d) factos práticos por ocasião do exercício das funções.

Quanto a) aos factos praticados no exercício das funções, são aqueles factos
praticados pelo comissário associado ao quadro normal de funções deste. Por estes não há
dúvida que o comitente é responsável objetivamente.
Quanto b) aos factos praticados fora do exercício das funções (remissão 503.º/3), não
deve o comitente responder por eles. Imaginemos que alguém no âmbito de uma relação de
comissão, dispõe de um carro para distribuir/vender certos produtos mas que, pelo fim-de-
semana leva sua namorada à praia, servindo exclusivamente os seus interesses pessoais.
Quanto c) aos factos praticados pelo comissário no quadro geral da sua
competência, estes correspondem a comportamentos que não são atos típicos do exercício
das funções, do seu organograma funcional, mas no tocante às funções que ele exerce, a
prática desses atos ainda podem encontrar uma certa justificação. Portanto, não são típicos
do exercício das suas funções, mas no quadro funcional ainda encontram nele algumas
justificações. Pensemos no caso de um funcionário do banco que recebe dinheiro, entrega
dinheiro, presta informações específicas nesse tipo de funções. Mas imaginemos, porém, que
alguém que lhe coloca uma questão sobre câmbio, sendo certo que ele enquanto funcionário da
caixa, não tem competência nessas funções. Imaginemos que ele presta uma informação errada
que causa prejuízos ao cliente em causa. Ora, este ato não é típico do exercício das funções,

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mas para o cliente, tendo em conta que a pessoa prestou a informação na qualidade de
funcionário do banco, suscitou uma confiança legítima no cliente, tendo em conta a função que
ele exercia. Nessa ótica, apesar de realmente não ser ao abrigo das suas funções, sabemos que
o funcionário do banco tem uma formação geral, podendo até ter conhecimento dessa função.
Pode, por isso, tal prática encontrar justificação no seu quadro geral de competência e
por esse tipo de atos já pode o comitente ser responsabilizado.
Quanto d) aos atos praticados por ocasião do exercício de funções, estes têm apenas
uma ligação espaço-temporal com as funções, meramente acessória. Imaginemos o caso em
que uma senhora de idade leva a carteira cheia de dinheiro, querendo depositar essa quantia,
mas não uma outra que também tinha. Em face disto, o funcionário do banco atento, furta a
senhora, sendo certo que tê-lo-ia feito noutro momento só que atendendo à economia
processual do furto, nesse momento foi mais fácil. Por esse tipo de atos, o comitente (banco)
não é responsável.
Assim, este segundo pressuposto, está plasmado no n.º 2 do art. 500.º

2.3. Culpa do comissário

Por fim, tem de haver culpa do comissário para haver responsabilidade objetiva
do comitente (500.º/1; “desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar” que
nos remete para a responsabilidade em termos gerais).
Todavia, alguns autores, não nós, defendem a abrangência dos casos em que o
comissário se tenha integrado no âmbito de responsabilidade objetiva, havendo também aí,
para esses, responsabilidade objetiva do comitente.
Além do mais, note-se que numa hipótese normal do art. 500.º, se alguém é lesado pelo
facto do comissário, quem tem de provar a culpa do comissário é o lesado.
Contudo, caso se trate de um acidente de viação no exercício das funções do comissário,
aplicamos o art. 503.º/3. Há uma relação de comissão na mesma, estabelecendo uma presunção
de culpa do comissário, já não tendo o lesado de provar culpa.

3. Responsabilidade do Estado e de outras pessoas coletivas públicas por atos praticados


pelos seus órgãos, agentes ou representantes (501.º), desde que sejam atos de gestão
privada

Nos termos do art. 501.º, “o Estado e demais pessoas colectivas públicas, quando haja
danos causados a terceiro pelos seus órgãos, agentes ou representantes no exercício de
actividades de gestão privada, respondem civilmente por esses danos nos termos em que
os comitentes respondem pelos danos causados pelos seus comissários”.
Ou seja, o art. 501.º faz aplicar os requisitos do art. 500.º. Há também uma relação de
comissão, mas do Estado e de outras pessoas coletivas públicas por atos praticados pelos seus
órgãos, agentes ou representantes (501.º), desde que sejam atos de gestão privada praticados
por eles.
Em regra, os órgãos, agentes, representantes de estado ou de pessoas coletivas públicas
não praticam atos de gestão privada, mas de gestão pública. Desta feita, um ato de gestão
privada é aquele em que o Estado através dos seus órgãos, agentes ou representantes,
atua despido do seu ius imperium, portanto, sem poderes de autoridade, v.g quando uma
Câmara Municipal compra a um particular um terreno, porque tem interesse naquela aquisição,
ele faz essa compra e venda como um outro qualquer particular.

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4. Responsabilidade de danos causados por animais (502.º)

Desde logo, tratamos de uma responsabilidade objetiva que se alicerça na


responsabilidade pelo risco. Dispõe, assim, o art. 502.º que “quem no seu próprio interesse
utilizar quaisquer animais responde pelos danos que eles causarem, desde que os danos
resultem do perigo especial que envolve a sua utilização”.
No fundo, o utilizador do animal no seu interesse, responde apenas pelos danos que
decorram do perigo especial da utilização do animal – é uma formulação positiva da teoria
da causalidade adequada, na medida em que o dano tem de ser uma concretização típica,
necessária ou específica da utilização do animal.
Quem utiliza o animal no seu interesse, por regra será o proprietário, mas pode
ser o comodatário, usufrutuário ou depositário. Este artigo 502.º tem particulares ligações
com o art. 493.º/1.º, porque este nos traz uma presunção de culpa que recai sobre quem tem
a seu cargo a vigilância de animais. Dispõe o art. 493.º que “quem tiver em seu poder coisa
móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da
vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem,
salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam
igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.
Há quem diga que estamos perante responsabilidade subjetiva agravada, porquanto
haja uma presunção legal de culpa que recai sobre essas pessoas (aí responsabilidade subjetiva
no âmbito de relações de vigilância), pelo que o art. 502.º estabelece uma responsabilidade
objetiva, não indo referido às hipóteses de vigilância, ante à utilização do animal no seu próprio
interesse.
Ora quem utilize o animal no seu interesse, por exemplo, para o exercício de uma
atividade profissional, ele não deixa também o dever de vigilância, podendo haver situações
que caem no âmbito normativo das duas normas, sendo que o lesado se pode socorrer de uma
ou outra, ou ambas as normas. Porém, se a situação está na intersecção das duas, escolherá
a situação que mais o beneficia, que dispensa a culpa, o art. 502.º, não correndo o risco
de ver a presunção de culpa ilidida do art. 493.º/1.
A utilização no seu interesse é possível por intermédio de outrem, mas aí colocar-se-ia
a responsabilidade objetiva pela comissão.
Pensemos nesta hipótese: dono de uma quinta que confia a guarda dos seus animais a
determinadas pessoas, nessa situação só releva o dever de vigilância, porque nesse momento
não exerce uma atividade profissional, não estando a servir-se dos animais, aplicando-se o art.
493.º/1.
Há aqui uma questão particularmente relevante, designadamente quando haja situações
em que alguém decide provocar o animal para a provocação do dano, numa ideia de
concorrência da culpa do lesado. Em certas situações, ou há uma situação de exclusão da
responsabilidade ou de concurso da responsabilidade, dependendo do caso concreto.

5. Danos causados por veículos (503.º e ss) – responsabilidade do detentor

Este artigo fala de um caso de responsabilidade objetiva pelo risco. Note-se que o
agente só responde pelos danos que sejam uma consequência previsível, em concreto os
“riscos próprios do veículo”. O art. 503.º só intervém como um caso de responsabilidade
objetiva quando os danos causados a terceiros, sejam riscos próprios do veículo. ALARCÃO
entendia um trinómio nesta matéria: os riscos ligados ao veículo enquanto máquina (v.g
como falha repentina de um sistema de travagem, rebentamento de um pneu, estilhaçar do
vidro, entre outros), riscos ligados ao condutor (desmaio, ataque cardíaco, entre outros, mas

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se a pessoa tiver uma depressão ou adormecer, isso implica já culpa, pois é um ato reprovável
na condução) e ligados ao meio de circulação.
Além disso, no art. 503.º/1 está definido quem é o responsável objetivamente - o
detentor, categoria doutrinal, quem tem a direção efetiva e o interesse próprio na
utilização do veículo de circulação terrestre. No art. 502.º só se fala no interesse e não na
direção efetiva, ainda que não seja incorreto falar de detenção do animal.
A direção efetiva do veículo traduz-se num poder de facto sobre o veículo (ou fonte
do risco) em função do qual surge a obrigação de manter o veículo em boas condições de
segurança e de conservação. Em regra, quem detém a direção efetiva é o proprietário, como
aliás, se presume. Ora, a direção efetiva não exige a existência de poderes jurídicos, portanto,
a propriedade, podendo ser detida pelo usufrutuário, o adquirente com reserva de propriedade
(hipótese em que o adquirente não fica titular do direito de propriedade, mas tem poder de facto
sobre o veículo, tendo a direção efetiva deste).
ANTUNES VARELA quanto à direção efetiva aponta para a imagem do “veículo das
mãos”, mas que não totalmente correta.
Quanto ao interesse próprio na utilização do veículo, este consubstancia um conceito
amplo. Tem a doutrina entendido que por “interesse próprio na utilização do veículo” tanto se
abrange o interesse egoístico, como o interesse altruístico. Por regra, só pensamos no
interesse egoístico (económico, de adquirir vantagens).
Porém, pode haver um interesse altruístico (situação do comodato, empréstimo não
remunerado de uma coisa não fungível, porque é o NOSSO automóvel; o que distingue o
comodato da locação, é que neste é um empréstimo não remunerado, pelo que na locação há a
contrapartida da renda; o comodatário, aquele que recebe o carro de empréstimo, e vai utilizar
o veículo, tem um interesse egoístico na utilização do carro, pelo que quem empresta o carro
sem receber nada em troca, tem um interesse altruístico; portanto, em certas situações ele pode
ser responsável). Então o interesse sem sentido amplo, abrange ambas as situações.
Assim, em termos de responsabilidade, no comodato, temos de distinguir o comodato
de curta duração ou de longa duração. O critério distintivo é o bom senso, não havendo uma
métrica rigorosa (v.g 1 ano é longa duração, sendo 10 dias, curta duração). Independentemente
de curta ou longa duração, ambos têm a detenção do veículo (interesse e direção efetiva
reunidos), estando a diferenciação do regime na duração deste.
Ora, se o comodato for de curta duração, quer o comodante, quer o comodatário são
responsáveis objetivamente nos termos do art. 507.º (norma excecional que diz que quando há
dois responsáveis pelo risco, a responsabilidade é solidária; nota - o artigo da responsabilidade
solidária para a responsabilidade subjetiva é o art. 497.º) porque ambas têm interesse e direção
efetiva, não bastando o tempo curto para que o comodante perca o poder de facto.
Diferentemente, se o comodato for de longa duração, ambos mantém o interesse
(tanto altruístico, como egoístico), mas a direção efetiva pertence apenas e tão somente ao
comodatário, porque este é aquele que passa a ter o poder de facto. Portanto, o responsável
objetivamente é o comodatário, não sendo responsável objetivamente o comodante, pois perdeu
a direção efetiva.
Numa relação de comissão quem tem detém a detenção do veículo (direção efetiva
e interesse), é sempre só o comitente, não tendo o comissário porque lhe falta o interesse (v.g
motoristas de longo trânsito). Daí que o 503.º diga “ainda que por intermédio do comissário”,
porque numa relação de comissão, o comissário atua por interesse do comitente. Aqui não se
realiza o exercício sociológico do interesse do condutor na prestação laboral para obtenção do
salário, interesse esse que não é imediato, mas meramente reflexo, não relevando para aqui.

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5.1. Danos causados por veículos (503.º e ss): problema do art. 503.º/3

A presunção que aqui vem referida não lhe vê aplicada a relevância negativa da
causa virtual para afastamento desta, precisamente porque não está lá expressamente
consagrada, sendo vedada a aplicação analógica porquanto se trate de uma situação excecional.
Aqui a presunção incide sobre o comissário, que a pode afastar, mas, como dissemos,
não pode aplicar a relevância negativa da causa virtual.
O art. 503.º estabelece uma modalidade de responsabilidade objetiva e pelo risco, vindo
o n.º 3 estabelecer uma presunção de culpa – que não deixa de nos colocar dúvidas, pois figura
numa hipótese de responsabilidade objetiva – que recai sobre o comissário.
Quando falámos no art. 500.º (responsabilidade objetiva do comitente), vimos que um
dos seus pressupostos é a culpa do comissário, tendo o lesado de provar a culpa do comissário.
Se houver, porém, um acidente de viação com o carro de empresa, aplica-se a presunção do art.
503.º n.º 3, não tendo o lesado de provar a culpa porque beneficia de uma presunção a seu
favor.
Se o acidente se dá no exercício das funções do comissário, então aplica-se a
presunção de culpa aqui referida. Se ele não está no exercício das funções, não se aplica a
presunção de culpa. Então a presunção só se dá quando o comissário está no exercício das
funções ou no quadro geral do exercício da sua competência.
Estando fora do exercício das suas funções ou por mera ocasião destas, nesta
hipótese a presunção de culpa não se aplica e ele, comissário, é detentor (pois se no
exercício das funções não é detentor por falta de interesse, agora, fora dessas funções, já adquire
o interesse) – vd 503.º/3 in fine.
Diferentemente, se o sujeito está no exercício das funções, aplica-se a presunção de
culpa, mas o comissário pode ilidir tal presunção, mas não mediante a relevância negativa da
causa virtual. Se ele afastar a presunção de culpa, responde o comitente como detentor
(responsabilidade objetiva) nos termos do art. 503.º/1, responsabilidade limitada pelo art. 508.º.
Se ele não ilide a presunção de culpa no exercício das suas funções, é tido como
culpado, respondendo com base na culpa. Responde o comitente solidariamente, e se assim é,
o lesado pode pedir a indemnização a um ou outro, intervindo o comitente como garante (nos
termos do art. 500.º). Aqui já não há a aplicação de limites, pois que apesar do comitente
responder objetivamente, ele responde com base num facto culposo do comissário.
Esta presunção de culpa é debatida acerca da sua constitucionalidade, pois faz uma
diferença de tratamento entre os condutores por conta de outrem e por conta própria, pois se
for por conta de outrem existe uma presunção de culpa, que altera a posição dos lesados. Há
quem entenda, porém, que o problema se resolvia se se aplicasse o art. 493.º/2 (danos causados
por atividades perigosas) mas houve um assento a dizer que a condução de automóveis não é
uma atividade perigosa, tendo, contudo, tal assento sido revogado, abrindo-se a discussão.
Porém, há razões para tratar diferentemente o que é desigual, diz ANTUNES VARELA que o
condutor por conta de outrem pode conduzir de forma mais “relaxada” pela circunstância de
conduzir carro de outrem, invocando também a circunstância da fadiga que intervém sobre o
condutor no exercício das suas funções. Ademais, o condutor por conta de outrem é especialista
da condução sendo, por regra, alguém com uma carga especial de experiência ou conhecimento
de condução, conseguindo mais facilmente ilidir a presunção de culpa em relação a um
condutor por conta própria.

5.2. Danos causados por veículos (503.º e ss): limites indemnizatórios do art. 508.º

Ele é detentor e responde objetivamente com uma responsabilidade civil limitada aos
limites indemnizatórios do art. 508.º CCivil. O limite máximo indemnizatório atualmente

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corresponde ao capital mínimo obrigatório de seguro, nos termos do art. 13.º do DL
291/2007.
Note-se que o art. 503.º aplica-se a veículos automóveis, não apenas motorizados, mas
também carroças, bicicletas ou motociclos (não aos barcos ou aviões). Mas se formos
detentores de uma bicicleta não podemos transferir a responsabilidade para a seguradora, pois
inexiste um regime de seguro obrigatório.
Como sabemos, a responsabilidade subjetiva não tem limites, pois implica um ato
censurável do agente. O legislador entende, porém que aqui e em sede de responsabilidade
objetiva responde independentemente de culpa e, por isso, estabelece limites nalguns casos,
vistos como um contrabalanço ou uma certa atenuação pelo rigor da responsabilidade objetiva.
Assim, se eu sofrer danos superior ao limite do capital mínimo obrigatório do seguro, esse
excesso não nos é ressarcido.

5.3. Danos causados por veículos (503.º e ss): causas de exclusão da responsabilidade
(505.º)

O art. 505.º merece uma leitura articulado com o art. 503.º, estabelecendo as causas de
exclusão da responsabilidade fundada no art. 503.º. Ora, são referidas três causas de exclusão
nesse preceito: i) acidente imputável ao lesado; ii) acidente imputável a terceiro; iii) causa
de força maior estranha ao funcionamento do veículo.
Desde logo, importa saber o sentido atribuído à expressão “imputável”, tratando-se
de acidente provocado ou causado pelo lesado ou pelo terceiro (em termos de
causalidade). Isto significa que esta expressão não tem um sentido de imputável em termos
técnico-jurídicos, porquanto signifique, nestes termos técnico-jurídicos, a capacidade de
discernimento e liberdade de determinação (488.º). V.g independentemente da presunção de
inimputabilidade dos menores de 7 anos (482º./2), há casos em que são estes que concorrem
para a produção do crime; porém, esta em termos técnico-jurídicos nunca teriam culpa;
portanto, não haveria exclusão da responsabilidade do detentor. V.g um carro à beira da estrada,
tendo o seu dono aberto o capô por se estar a incendiar, tendo um curioso posto a cabeça lá.
Assim, o termo imputável compreende causado ou provocado por. Há aqui uma
grande discussão, invocando a doutrina tradicional (ANTUNES VARELA) e, diferentemente, a
doutrina atualista (CALVÃO DA SILVA, SINDE MONTEIRO e VAZ SERRA).
A doutrina tradicional entendia o requisito “causado e provocado por” na
expressão imputável. Imaginemos que se tratava de uma pessoa imputável e que tem de facto
culpa no acidente – aqui, bastaria um qualquer grau de culpa para excluir o risco do
detentor do veículo, segundo a doutrina tradicional. Esta doutrina alicerçava-se na ideia de
que a posição do detentor do veículo é particularmente agravada porque é de responsabilidade
objetiva, respondendo independentemente de culpa, por isso, havendo um grau de culpa do
lesado ou de terceiro, ficando a responsabilidade do detentor automaticamente excluída.
A doutrina atualista (CALVÃO DA SILVA, SINDE MONTEIRO e VAZ SERRA) defende a
concorrência do risco do art. 503.º do detentor do veículo com a culpa do lesado e do
terceiro, portanto, em vez de defender a automática exclusão mas uma regra de concurso entre
a culpa de lesado ou de terceiro e a do detentor do veículo. Na prática, o lesado tem direito a
uma indemnização, porque a sua culpa não excluiu automaticamente o risco, podendo a
sua indemnização ser diminuída tendo em conta a culpa que ele teve para a ocorrência
dos danos, salvo que se deva o acidente exclusivamente ao lesado ou ao terceiro, hipótese
em que a responsabilidade objetiva do detentor é excluída. Esta doutrina é muito sensível
à ideia de que muitos acidentes provocados com culpa do lesado são provocados por uma culpa
diminuta, de pessoas vulneráveis, entendendo injusta a exclusão da responsabilidade do
detentor, a não ser, repetimos, que o acidente seja exclusivamente provocado pelo lesado.

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A favor desta solução resultou a circunstância do seguro ser obrigatório, coisa que não
acontecia no passado, o que significa que os danos do detentor hoje ficam a coberto do seguro.
Na responsabilidade civil do detentor, o seu art. 7.º/1 diz que quando um facto do lesado tiver
concorrido para o dano, pode o tribunal, tendo em conta as circunstâncias, reduzir ou excluir a
culpa (caso último onde a responsabilidade se deva na totalidade ao lesado)
O art. 570.º é uma peça chave do diálogo do art. 503.º e 505.º. Ora, o argumento
apresentado pela doutrina tradicional pautava-se pelo art. 570.º, no n.º 1 do qual estabelece um
concurso de culpa (do lesante e do lesado), dizendo que quando há uma culpa presumida do
lesante (ou seja, quando a culpa do lesante se baseia numa presunção de culpa) e quando há
culpa efetiva do lesado, a culpa efetiva do lesado ou de terceiro afasta a culpa presumida do
lesante. Ora, se a culpa efetiva exclui a culpa presumida, por maioria de razão, excluir-se-ia o
risco. Hoje, porém, entendemos que o regime do art. 570.º /1, relativo ao concurso, vale
não apenas para o concurso efetivo de culpas, mas para o concurso do risco com o da
culpa, a não ser que haja culpa exclusiva do lesado.
A nível jurisprudencial a grande viragem destas posições dá-se com um ac. STJ de
4 de Outubro de 2007, seguindo a orientação atualista com o apoio da doutrina
maioritária. Curiosamente esta decisão nasceu numa situação de colisão de veículos, regulada
por seu turno no art. 506.º CCivil, tendo resolvido o problema do concurso do risco com a
culpa, sem ter em conta a especificidade do caso concreta.

5.4. Colisão de veículos (506.º)

Se atentarmos o art. 506.º, quanto à colisão de veículos, reparamos que este é muito
pensado para o concurso de riscos, porquanto preceitue um pressuposto no qual nenhuma
das partes tenha culpa. A regra é a da proporcionalidade dos riscos – ou seja, somam-se os
danos que os veículos tiverem e depois atenta-se a proporção em termos da contribuição de
risco que teve cada um dos veículos.
V.g camião e carro, tendo o primeiro, atendendo à sua dimensão, um grau de risco muito
maior, tendo sido definido uma percentagem de 75% de riscos para o camião e 25% para o
dono do carro. Ora, o detentor do carro só tem de suportar 25% dos danos, assim como o dono
do camião só tem de suportar 75% dos danos. Temos de ter em conta que aquele que sofre
danos também pode ser responsável pelos danos causados no outro veículo. Assim, o dono do
veículo mais pequeno, apesar de ter apenas 25% de responsabilidade, ele contribuiu com 25%
para os danos, mas sofreu danos de 75%. Ou seja, o dono do veículo pesado vai ter que lhe dar
um montante, dos danos sofridos, que permita que ele fique só com uma quota de
responsabilidade de 25%.
Portanto, soma-se a globalidade dos danos e, em termos proporcionais, vê-se a
responsabilidade inerente aos riscos que cada um dos sujeitos contribuiu para a produção
dos danos, não podendo descurar que aquele que sofre os danos é simultaneamente coautor
dos danos que sofreu (patente na ideia de proporcionalidade).
Se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum
dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indemnizar.
Diz-nos o n.º 2 que na dúvida quanto à medida da participação do risco, diz-se que esta
provém igual de ambos os veículos.
Tudo isto se alicerça na ideia de risco, não na culpa, o que nos permite concluir que,
numa interpretação deste artigo, que se houver culpa de um dos sujeitos, ele será
integralmente responsável, aplicando-se o critério tradicional. SINDE MONTEIRO que
defendia o concurso do risco com a culpa, no âmbito do art. 506.º, tinha mais dificuldade de
admitir, mas a maioria dos autores aplicaria o critério da concorrência do risco com a culpa,
apesar da letra da lei não ser favorável a essa solução.

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5.5. Danos causados a terceiros

A responsabilidade por acidentes de aviação prende-se com a responsabilidade civil


extracontratual. Há situações em que os terceiros são facilmente identificáveis, porém, há um
problema que se prende com os sujeitos transportados, resolvido com o art. 504.º CCivil.
Se formos transportados num táxi, somos transportados, mas não é a título gratuito.
Assim, é diferente o regime para o transporte gratuito e para o transporte remunerado, nos
termos do art. 504.º. Ou seja, os transportados apesar de estarem no interior do carro eles são
terceiros, podendo ter direito a responsabilidade civil extracontratual. Porém, temos de ver
quem são terceiros para efeitos de danos. No seu n.º 2 e n.º 3 distingue o art. 504.º, a qualidade
de terceiro, primeiro, de terceiro nos transportados mediante contratos, e depois, quem é
terceiro para efeitos de transporte gratuito.
Para esta distinção, ANUNTES VARELA propõe o critério nos termos do qual, o
transporte é remunerado quando à prestação do transportador, corresponde uma
contraprestação do transportado (quando, no fundo, há um sinalagma), sendo gratuito
diferentemente quando à prestação do transportador não corresponde uma
contraprestação do transportado.
Se estivermos perante um transporte mediante contrato, nos termos do art. 504.º/2,
são ressarcíveis os danos causados na pessoa do transportado e nas coisas que ele
transporta.
Se estivermos perante um transporte gratuito, nos termos do art. 504.º/3, tem
direito ao ressarcimento dos danos na sua pessoa, mas não quanto aos danos materiais.
Isto compreende-se pelo facto de que nos transportes gratuitos o transportado beneficia
de um favor, não devendo fazer-se valer de um abuso de direito.
A partir do DL 14/96, aqui tratamos de responsabilidade objetiva, ou seja, o
transportado tem direito, em transporte gratuito, aos danos pessoais, no transporte mediante
contrato, aos danos pessoais e materiais, mas antes desta realidade, o transportado no transporte
gratuito, só teria direito a indemnização se provasse a culpa do transportador.
Quanto ao dano da morte, este configura um dano pessoal, mas se nós entendemos
que assim o é, então os familiares do art. 496.º/2 e 3, ficam afastados de qualquer indemnização.
Se entendermos, porém, um dano que é adquirido pelo de cujus e se transmite aos seus
conviventes nos termos do art. 496.º /2 e 3, então é passível de compensação (remissão “danos
não patrimoniais da morte”).

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RESPONSABILIDADE CIVIL DO PRODUTOR

1. Definição e enquadramento sistemático

Tratamos de responsabilidade objetiva, mas não pelo risco, numa ideia de tutela do
consumidor, não pensado exclusivamente para este, mas protege-o mais (art. 1.º do DL 383/89).
Há quem entenda que a responsabilidade do produtor não é uma autêntica
responsabilidade objetiva, por causa de uma causa de exclusão desta, no seu art. 5.º, al. e), que
nos fala dos riscos de desenvolvimento ou dos danos de desenvolvimento, entendendo
autores que há neste artigo um regime mitigado da culpa – nós, porém, entendemos que não.

2. Pressupostos

Os pressupostos da responsabilidade objetiva do produtor são: i) produtor; ii)


produto; iii defeito; iv) momento da entrada em circulação.

2.1. Produtor

Desde logo, quanto ao produtor (2.º), encontramos:

a) Produtor real – aquele que está previsto no art. 2.º/1, 1.ª parte, aquele que efetivamente
intervém no processo produtivo do produto acabado, parte componente ou matéria-
prima. V.g o caso de um avião; o produto acabado tal como ele surge, o avião, na maior
parte das vezes, o produtor de um produto final é uma espécie de montador de puzzle,
aquele que reúne, articulada e harmoniosamente as várias partes componentes; portanto,
podemos ter vários produtores de partes componentes; imaginemos que aquele que é o
produtor final, não compôs harmoniosamente as partes do avião; porém, podem também
surtir defeitos ao nível das partes-componentes ou da matéria-prima. O lesado poderia
pedir indemnização aos três solidariamente (art. 6.º). Nos termos do art. 497.º/1, 507.º e
6.º deste DL, a responsabilidade solidária. São todos produtores reais porque efetivamente
intervieram no processo produtivo do produto acabado, parte componente ou matéria-
prima.

b) Produtor aparente – aquele que aparece aos olhos do consumidor na qualidade de


produtor, porque apõe no produto o seu nome, marca ou sinal distintivo. É certo que o
produto pode ter sido produzido pelo produtor real, mas se ele não aparece aos olhos do
público como tal, o produtor vai ser tido como o produtor aparente, para o consumidor. O
produtor aparente só se poderia exonerar recorrendo a técnicas de marketing da
aparência, apresentando-se ao público na sua qualidade de distribuidor.

c) Produtor presumido – partindo-se de uma presunção e, dentro do qual, encontramos:

cc) Produtor absolutamente presumido (2.º/2, al. a) – o importador comunitário,


aquele que no âmbito de uma atividade económica, importa de países terceiros à
União Europeia e coloca esses produtos que importou a um país terceiro, numa
cadeira de distribuição na União Europeia. O produtor é tido quem adquire de país
terceiro, havendo uma presunção absoluta desse, para evitar que no mercado económico
europeu sejam colocados produtos de fraca qualidade, de modo que o que vale para os
importadores, vale também para os reimportadores comunitários – aqueles que

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fornecem matérias-primas e reimportam o produto final – também se consideram
produtores, apesar de não terem sido eles de facto a produzir os bens.
cd) Produtor relativamente presumido (2.º/2, al. b) – o fornecedor de produto que,
aos olhos do consumidor, pode ser tido como produtor, presunção esta relativa, ao
invés do importador ou reimportador comunitário que não pode afastar a presunção que
sobre si incide. Se comprarmos um produto na mercearia e o produtor não estiver
identificado, o produtor é tido como quem nos vende o produto, presunção esta
suscetível de ser afastada, nas condições: indicar na cadeia económica de
distribuição, qual foi o fornecedor precedente por escrito, no prazo de 3 meses (2.º,
2, al. b). Entende CALVÃO DA SILVA que a responsabilidade do fornecedor de produto
anónimo (o merceeiro) é subsidiária e coercitiva, primeiro porque a responsabilidade
dele só existe se ele não identificar o fornecedor precedente, em segundo porque é uma
arma para que ele indica e esclareça o adquirente de quem é o verdadeiro fornecedor.

2.2. Produto

Quanto ao produto (3.º), entende-se por produtor aquela coisa móvel, ainda que
incorporada noutra coisa móvel ou imóvel, perca essa coisa móvel ou não a sua autonomia no
conjunto onde vai ser integrada (v.g uma vivenda defeituosamente construída mas com bons
materiais, portanto, boas coisas móveis, partes componentes, como telhas ou janelas, não
importa responsabilidade civil do produtor pois que a coisa é imóvel; então, pode haver
responsabilidade mas não objetiva do produtor, mas do engenheiro, arquiteto, tratada em
termos gerais, uma responsabilidade delitual subjetiva).
Além disso, note-se que, nos termos do art. 13.º, a aplicação do regime da
responsabilidade civil do produtor (não importa aqui o exemplo da casa, pois aí não se
aplicaria) não fasta a responsabilidade civil decorrente das regras gerais, ou seja, se houver
um caso em que se aplique o regime da responsabilidade civil do produtor, tal não invalida o
regime da responsabilidade civil em termos gerais, ou seja, se o lesado preferir por uma delas,
pode livremente optar.

2.3. Defeito e momento da entrada em circulação

Quanto ao defeito (4.º), o que nos oferece este artigo é uma noção de defeito, mas não
os seus tipos. Ora, temos o a) defeito de conceção, b) defeito de fabrico, c) defeito de
formação e d) defeito de desenvolvimento. Antes disso, porém, devemos conceber o conceito
de defeito.
Nos termos do art. 4.º, o conceito de defeito assenta numa ideia de segurança com que
legitimamente podem contar os adquirentes do produto, uma segurança que o adquirente médio
pode contar daquele tipo de produto (utilidades, vantagens e benefícios que este pode
propiciar).
O que é importante compreender é que a pedra de toque do defeito é a ideia de
segurança, pois que antes deste diploma o que temos é o regime da responsabilidade civil por
coisas defeituosas (913.º e ss).
Ora, temos desde logo que a responsabilidade civil do produtor é extracontratual
por danos causados a terceiros, sendo o regime do 913.º um regime de responsabilidade civil
contratual, perante o adquirente. Ademais, aqui a ideia de defeito é a de segurança – falta de
segurança -, pelo que no art. 913.º e ss, a pedra de toque é a ideia de aptidão ou idoneidade da
coisa para o fim a que se destina. V.g adquire-se uma chupeta para um bebé, que não é
defeituosa e não cai no regime do art. 913.º porque é idónea ao fim a que se destina, só que ela

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foi produzida com uma substância que provoca alergias na cara do bebé, sendo assim defeituosa
nos termos do Decreto-Lei 383/89).
Além disso, o art. 4.º/2 releva pois que “não se considera defeituoso um produto pelo
simples facto de posteriormente ser posto em circulação outro mais aperfeiçoado” – as
coisas velhas e as coisas novas.
Para nós, tendo a segurança com que legitimidade se pode contar como a pedra de toque
da responsabilidade do produtor, esta há-de ser aferida pela bitola da segurança exigível pelo
momento da entrada da circulação do produto.
Pressuposto fundamental é esse momento em que o produtor lança livre e
conscientemente o produto numa cadeia económica de distribuição (não inclui, por isso,
uma venda por caridade).

Na indústria farmacêutica, está a ser preparado em fase de testes, um determinado químico; imaginemos
que são feitas experiências com ácidos perigosos e entretanto entra um terceiro no laboratório e essa
pipeta explode e os ácidos lançam-se à cara da pessoa e provocam queimaduras desse terceiro; não há
responsabilidade civil do produtor por esse defeito, pois nos encontramos na fase de testes, uma vez
que o produto não foi ainda lançado na cadeia económica de distribuição; poderia haver apenas lugar à
responsabilidade civil em termos gerais (ou mesmo do art. 493.º/2, se se for considerada uma atividade
perigosa). Imaginemos que o terceiro se tratava de um turista, coloca-se a questão da concorrência da
culpa do lesado, colocando-se a questão de saber se, no caso concreto, a mobilização do art. do 570.º/2,
que à partida excluiria a responsabilidade do lesante, mas que de acordo com a tese que defendemos do
concurso, pode haver lugar ao concurso de responsabilidades. Havendo concurso de culpas do lesado
e de terceiro, mobiliza-se o art. 7.º.

Além disso, justo pela consideração do momento em que o produtor lança livre e
conscientemente o produto numa cadeia económica de distribuição implica que o lançamento
do produto por um terceiro “larápio” não implica que o produtor seja tido como produtor,
pois que falha a exigência da colocação “livre e consciente”.
Além disso, as bitolas da segurança do produtor, vão referidas ao momento da
entrada em circulação do produto na cadeia económica de distribuição, sob pena de
aplicação retroativa desses novos critérios de segurança, o que não seria juridicamente
aceitável.
Para este efeito, o que está presente do art. 4.º/2 distingue-se do art. 5.º (casos de
exclusão de responsabilidade do produtor), concretamente na al. e), na qual encontramos os
defeitos de desenvolvimento que excluem a responsabilidade do produtor. Para isso,
vejamos os tipos de defeitos, começando por esse:

a) Defeitos de desenvolvimento (5.º, al. e) – exclui-se a responsabilidade do produtor quando


o produto é defeituoso no momento em que entra em circulação, só que tendo em conta os
standards que a segurança e técnica define, não é possível detetar o defeito, só mais tarde
se vem a detetar que o produto é defeituoso. A diretiva não obrigava os estados-membros a
exonerar ou a responsabilizar, foi uma opção legislativa portuguesa, porquanto hajam
outros ordenamentos jurídicos a não excluir a responsabilidade do produtor nesta matéria.
Ora, sendo Portugal um país pouco produtivo, isto colocaria um entrave à liberdade de
iniciativa e, além disso, mormente na indústria farmacêutica, poderia impedir a entrada de
fármacos importantes para a cura de certas doenças.

Assim, o momento da entrada em circulação é importantíssimo para efeitos de


exclusão da responsabilidade do produtor, pois se não entrar em vigor, não se
responsabiliza o produtor (5.º, al. a).

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Vendo os demais tipos de defeitos, encontramos também defeitos de conceção, de
fabrico e de informação.

b) Defeitos de conceção – o defeito de conceção é aquele que atinge o produto no momento


da conceção, a própria criação do produtor, o projeto deste. Por isso, atinge todos os
produtos assim concebidos.

c) Defeitos de fabrico – aqueles defeitos que ocorrem do fabrico, ou seja, do processo


produtivo desse produto, que normalmente podem ocorrer em certas linhas de produção,
de montagem, mas não têm de ocorrer em todas elas, porque se prende tudo com a fase de
execução da concretização do projeto. Nesse sentido, se o produtor tiver uma fábrica com
várias linhas de montagem e os vícios atingem apenas os produtos abrangidos em certas
linhas e não outras, então o defeito apenas é descoberto quando se procede à comparação
entre os produtos da linha afetada com os outros produtos.

d) Defeitos de informação – existem certos produtos que implicam um certo conhecimento,


de um know-how, daí que existam as bulas. Por isso, quando há informações falsas ou uma
falta de informação, temos um defeito de informação, que pode atingir todos os produtos.
Quanto a este defeito, este é aferido em função do momento da entrada em circulação,
devemos dizer que este tipo de defeito acompanha toda a vida do produto enquanto ele está
em circulação no mercado, porque a informação deve ser atualizada.

Já sabemos que quanto ao concurso de responsabilidade entre o produtor e o


lesado não há problemas, pois há esse concurso (7.º/1), porém, diferente acontece em face
de terceiros (n.º 2), pois a responsabilidade do produtor não é reduzida quanto a
intervenção de um terceiro tiver concorrido para o dano (diferente da realidade estabelecida
no art. 505.º, em que a culpa de terceiro releva efetivamente).
Além disso, quando há vários produtores responsáveis pelo dano, temos o caso da
responsabilidade solidária, nos termos do art. 6.º deste diploma.
V.g Imaginemos que temo sum fármaco com defeitos; um doente que vai ao hospital,
em que lhe é receitado esse fármaco e o farmacêutico, quando a receita lhe é apresentada, o
farmacêutico diz que, ao invés de 2 por dia, recomenda 5; há aqui a intervenção culposa de um
terceiro, isto não afasta a responsabilidade civil do produtor, nem sequer a reduz; o
farmacêutico não é produtor, por isso não responde pelo art. 7.º n.º 2; assim, o lesado vai pedir
o montante de indemnização de acordo com a regra geral da conjunção na medida da
responsabilidade de cada um deles, respondendo cada um deles objetivamente e o outro pela
culpa, atendendo também à importância do art. 13.º, que não veda a responsabilidade
decorrente de outras disposições legais.

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MODALIDADES DE OBRIGAÇÕES

Esta matéria estuda-se tendo em conta vários critérios, desde logo, o critério do vínculo
(onde se distinguem as obrigações naturais das civis), o critério dos sujeitos (solidárias e
conjuntas), quanto ao objeto (alternativas, genéricas e pecuniárias).

1. Critério dos sujeitos: responsabilidade conjunta; responsabilidade solidária

Quanto aos sujeitos, as obrigações singulares em que há um credor e um devedor,


podendo ter as obrigações plurais, podendo ser uma pluralidade ativa (vários credores) ou
uma pluralidade passiva (vários devedores), ou ambas, sendo nesse caso ativa e passiva.
Quanto temos uma obrigação plural passiva com vários devedores, a regra é da
responsabilidade ser conjunta, ou seja, havendo vários devedores, cada um dos devedores
responde pela sua quota de responsabilidade. Diferentemente, temos o regime excecional da
responsabilidade solidária, que só existe quando haja sido prevista por convenção das partes
ou por lei (de acordo com o art. 513.º) (v.g 497.º, 507.º e art. 6.º DL 383/89).

1.1. Responsabilidade solidária

No plano da responsabilidade solidária, o credor pode exigir um montante integral


da prestação a cada um dos devedores, e o devedor que realizar a prestação integral extingue
a obrigação (efeito extintivo recíproco comum), isto é, o devedor que paga integralmente a
prestação libera todos os outros devedores perante o credor comum. É isto que caracteriza a
obrigação solidária, não é apenas a possibilidade do credor exigir o montante integral da
prestação, mas também o efeito extintivo recíproco comum, o que significa que recebida a
prestação integral de um dos sujeitos, não pode exigir a prestação de outro dos responsáveis
solidariamente, sob pena de enriquecimento sem causa. Porém, teremos ainda de ver a medida
da responsabilidade de cada um dos sujeitos, podendo, para que apenas satisfaça perante o
credor aquilo a que estava efetivamente vinculado, tem de pedir o reembolso daquilo que
excedeu a sua quota de responsabilidade, aos demais devedores responsáveis solidariamente –
o direito de regresso (524.º), patente no plano das relações internas. No art. 516.º temos que,
não existindo uma efetiva repartição das quotas de responsabilidade, presume-se que a
participação nos créditos e dívidas é igual – presunção de igualdade de participação nas
dívidas. Além disso, nos termos do art. 519.º temos que, sendo o traço característico da
responsabilidade solidária a possibilidade de exigir a cada um a totalidade do seu crédito (sem
prejuízo de não optar por isso, não usufruindo aí da vantagem das responsabilidades solidárias),
o credor pode exigir o seu crédito extrajudicialmente ou judicialmente e, optando por esta
última via, exigindo a um dos devedores parte ou total cumprimento e não o obtiver, então
diz o art. mencionado que não pode demandar os demais pelo que tiver exigido do
primeiro, salvo se houver razão atendível (se o devedor estiver insolvente, risco de
insolvência ou dificuldades materiais práticas de obter dele por qualquer razão atendível de
obter a prestação).

1.1.1. Responsabilidade solidária: meios de defesa

Os devedores solidários quando demandados pelo credor, podem opor ao credor meios
de defesa, designadamente dois: meios de defesa comuns e meios de defesa pessoais
(514.º/1). Lembre-se que os meios de defesa se invocam nas relações externas (credor,
devedor), mas podem ter repercussões nas relações internas.

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Os meios de defesa pessoais são aqueles que são atinentes à pessoa dos devedores, por
exemplo, meios relacionados com as relações de cada um dos credores com cada um dos
devedores solidários.
Os meios de defesa comuns ou se reportam à fonte da obrigação ou se reportam à
pessoa do credor. Exemplos são, por exemplo, a mora do credor, ou um vício do negócio do
qual emana a obrigação.

1.1.2. Responsabilidade solidária: meios pessoais de defesa

Quanto aos meios pessoais de defesa, dividem-se em três tipos. Desde logo, os meios
pessoais de defesa que aproveitam ao devedor que o invoca (aquele a que o meio pessoal
respeita) e pode prejudicar os outros devedores solidários. Podemos ter meios pessoais de
defesa que aproveitem ao devedor que o invoca, que aproveitem aos outros devedores
solidários. Ainda, podemos ter meios pessoais de defesa que aproveitam ao devedor
solidário a que respeitam, não aproveita aos outros devedores solidários mas também não
os prejudica. Daqui surte consequências no plano das relações externas mas também internas.
Desde logo, os meios pessoais de defesa que aproveita ao devedor solidário que o
invoca e prejudica os demais temos, desde logo, os casos da incapacidade do devedor
solidário, um devedor solidário que seja incapaz e, se assim for, uma vez demandado pelo
credor, ele aproveita nas relações externas da sua incapacidade, ficando exonerado,
prejudicando os demais devedores solidários porquanto tenham de responder pela quota-parte
dela, não lhe podendo pedir o reembolso.
Quanto aos meios pessoais de defesa que aproveita ao devedor solidário que o
invoca, mas que também aproveita aos demais devedores solidários, temos os casos de
compensação e a remissão da quota. Quanto aos casos de compensação, quando o devedor
é titular de um crédito contra o credor (847.º e ss), pode invocar a compensação (v.g
imaginemos que A era credor de C em 100 EUR e C é credor de A em 100; quando A, credor,
vem pedir os 100 ao sujeito B, este pode pedir a compensação), pelo que, no plano das relações
internas, quando C extingue o crédito no plano das relações externas, C pode pedir a sua quota
a B. Quanto aos casos de remissão da quota, temos a remissão da quota que aproveita aos
demais devedores solidários, e a remissão da dívida, que não os aproveita nem prejudica. Na
remissão da quota, há um perdão da quota, em que o credor perdoa a quota-parte da dívida
dele, o que aproveita na medida da dívida aos outros. Na remissão da dívida assim não é, há
uma espécie de pacto de non petendo, isto é, entre credor e devedor respetivo, estabelece-se
um acordo nos termos do qual, o credor convenciona que não pede a dívida nas relações
externas àquele devedor em concreto (sem prejuízo do reembolso no âmbito das relações
internas).
Quanto aos meios pessoais de defesa que aproveita ao devedor solidário, não aos
demais devedores solidários mas também não os prejudica (não aproveita nas relações
externas, mas não prejudica no âmbito das relações internas), encontramos o caso da
prescrição e o caso da remissão da dívida (o tal pacto de non petendo). Quanto à prescrição
(521.º), trata-se de um meio pessoal de defesa, porquanto pode ter prescrito o prazo de 3 anos
quanto a um dos devedores e não quanto aos demais devedores, já que os prazos de prescrição
correm separadamente, podendo ter havido num deles uma suspensão ou interrupção – traduz-
se isso na circunstância de, no que suspendeu ou interrompeu o seu prazo de prescrição, de lhe
poder ainda exigir a dívida, mas não ao qual tal não aconteceu; porém, isto não aproveita aos
demais nas relações externas, pois têm de pagar ainda a prestação integral, mas não os prejudica
nas relações internas, porque têm sempre o direito de regresso ao devedor cuja dívida estava
prescrita. Além disso, se houver uma questão de insolvência de um dos devedores, isso não
é um meio de defesa, mas um risco suportado pelos demais devedores solidários e não

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pelo credor, isto é, se um devedor entra em insolvência, respondem os demais devedores
pela sua quota, não se traduzindo isso num prejuízo pelo credor – diferentemente, se a
obrigação for conjunta, o risco da insolvência é suportado pelo credor, ficando com esse
prejuízo.

1.1.3. Responsabilidade solidária: o caso julgado

O caso julgado entre o credor e um dos devedores não é oponível aos restantes
devedores, mas pode ser oposto por estes desde que não se baseie em fundamento que
respeite pessoalmente àquele devedor, isto é, se houver caso julgado favorável ao credor,
o credor não opor esse caso julgado aos demais devedores. Isto percebe-se porque há um
perigo de ter havido um conluio entre o credor e um dos devedores. Se o caso julgado for
desfavorável para o credor, isto é, se o credor tiver perdido a ação contra um dos devedores,
inexiste risco de conluio, então pode aí o outro devedor beneficiar do caso julgado, opondo-o
ao credor, não pagando, salvo se o caso julgado for fundado em motivos estritamente pessoais
do outro devedor.

2. Critério do objeto: obrigações genéricas

Obrigações genéricas são obrigações definidas pelo género e pela quantidade (vender
100L de vinho). Porém, imaginemos que um produtor de vinho do Porto vende a um
comerciante 100L de vinho do Porto da colheita de 1985, a obrigação continua sendo genérica,
pois que é o género do vinho do Porto com uma nota caracterizadora adicional (ser de 1985)
pela quantidade (100L).
A obrigação genérica, se é definida pelo género e quantidade, não versa pelo objeto
concretamente determinado, opondo-se à obrigação específica. Então, nalgum momento, a
obrigação tem de se tornar específica, momento esse que se chama de concentração, momento
importante previsto no art. 541.º, com as quatro causas de concentração: i) mora do credor,
ii) acordo das partes, iii) extinção do género em termos de restar apenas uma das coisas
nele compreendidas e iv) as hipóteses do art. 797.º do CCivil, que significam a entrega da
coisa em local diferente do lugar do cumprimento.
Na concentração a obrigação deixa de ser genérica e passa a ser específica, que conhece
um aspecto jurídico importantíssimo, pois que é nesse momento que se transmite a propriedade
da coisa. Nas obrigações genéricas temos uma derrogação do sistema de título do art. 408.º
em matéria de transferência de propriedade, pois a propriedade não se transmite aqui
por mero efeito do contrato, somente com a concentração – o que altera as regras gerais
do risco do perecimento da coisa, nomeadamente a regra do art. 796.º do CCivil que diz que
o risco do perecimento da coisa corre por conta do adquirente, sendo que aqui; ora, no âmbito
das obrigações genéricas, até à concentração quem suporta o risco é o alienante, vendedor,
pelo que a partir da concentração quem suporta o risco é o adquirente.

2.1. Obrigações genéricas: incumprimento

Quanto ao incumprimento do devedor, o incumprimento tem vários critérios: se é


imputável ao devedor e não imputável ao devedor. Esta distinção é quanto à causa do
incumprimento, pelo que sendo imputável, significa que ele tem culpa, algo que quando não
imputável, não há culpa do devedor. Quanto o incumprimento é imputável, o devedor é
responsabilizado, pelo que quando não é imputável, não é responsabilizado.
Causas não imputáveis dão-se pela impossibilidade absoluta de cumprimento e
não pela mera dificuldade de cumprir, ainda que seja muito oneroso.

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A impossibilidade pode ser objetiva (790.º) – nem o devedor nem outro consegue
realizar a prestação (v.g proibição legal num local a que se tinha obrigado a construir) – ou
subjetiva (791.º) – relativa ao devedor, que não pode cumprir. Portanto, a impossibilidade
subjetiva só desonera o devedor nas prestações infungíveis, pelo que a impossibilidade objetiva
é aquela que é necessária para exonerar nas prestações fungíveis, exonerando todos.
Quanto aos efeitos, temos a vertente incumprimento em mora (atraso no cumprimento,
mas pode cumprir mais tarde se o credor manter o interesse no cumprimento) incumprimento
definitivo (o devedor já não pode realizar a prestação porque o credor perdeu o interesse no
cumprimento) – note-se que esta perda de interesse é aferida de modo objetivo, nos termos do
art. 808.º CCivil – ou cumprimento defeituoso (o devedor cumpre mas cumpre mal, porque
não realiza a prestação de acordo com os ditames da boa fé, nomeadamente não cumpre os
deveres de conduta que lhe são exigíveis). Portanto, violando-se um dever de crédito, presume-
se a culpa nos termos do art. 799.º do CCivil, regra oposta ao art. 487.º, da responsabilidade
civil extracontratual.

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