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Teórica, 18/09/2018

Aula não foi lecionada.

Orientação Tutorial, 19/09/2018


Apresentação.

Prática, 20/09/2018
Aula não foi lecionada.

Orientação Tutorial, 24/09/2018


Aula lecionada em lugar da aula de Direitos Reais.

A responsabilidade civil traduz-se na obrigação de ressarcir um dano causado a


alguém. A responsabilidade civil é obrigacional ou contratual quando resulta de uma obriga-
ção e há já um vínculo obrigacional entre as partes. Estamos na presença da responsabilidade
civil extra obrigacional ou extracontratual quando a mesma resulta da violação de um direito
absoluto.
Esta última forma de responsabilidade civil pode apresentar uma de três formas. A res-
ponsabilidade pela prática de factos ilícitos, prevista no n.º 1 do art. 483.º é uma responsabili-
dade subjetiva que assenta na culpa, ou seja, no juízo de censura do agente (n.º 2 do art.
483.º). Temos este tipo de responsabilidade aquando da violação de direitos absolutos, com a
violação de regras de proteção de interesses alheios e no caso do abuso de direito (art. 334.º).
A responsabilidade civil extracontratual pelo risco encontra-se prevista no n.º 2 do art.
483.º. Esta é, por seu turno, uma responsabilidade objetiva que não assenta na culpa e pres-
cinde da ilicitude do comportamento. A ilicitude pode incidir sobre o comportamento ou sobre
o resultado, traduzindo-se na violação do direito de outrem. Esta responsabilidade não prescinde,
como dito, da ilicitude do resultado. A responsabilidade civil extra contratual pelo risco não pode
ser objeto e aplicação analógica (art. 11.º), o que significa que apenas existe nos casos ex-
pressamente previstos, isto é, do art. 499.º a 509.º. Existe, assim, a responsabilidade do comi-
tente (art. 500.º e 501.º), a responsabilidade pelos danos causados por animais (art. 502.º), a
responsabilidade causada por veículos (art. 503.º) e a responsabilidade pela instalação de ener-
gia elétrica ou gás (art. 509.º).
O art. 500.º estabelece no seu n.º 3 que “o comitente que satisfizer a indemnização tem
o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, exceto se houver também
culpa da sua parte”. Significa isto que responde independentemente de culpa sua, isto é, de
culpa própria.
Ao n.º 2 do art. 570.º (“se a responsabilidade se basear numa simples presunção de
culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar”)
devemos fazer uma interpretação enunciativa. Assim, este preceito aplica-se quer às presunções
de culpa quer às situações de risco.
O n.º 1 do art. 487.º determina que “é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da
lesão, salvo havendo presunção legal de culpa”.
Teórica, 25/09/2018
A responsabilidade civil tem por função o ressarcimento de danos. Assim, prende-se
com a produção de danos. A expressão latina in damne significa, literalmente, tornar sem dano.
Se determinado comportamento, mesmo que reprovável e até ilícito, não gerar danos, não há
responsabilidade civil.

A responsabilidade civil encontra-se dividida em três modalidades: a responsabilidade


por culpa, a responsabilidade pelo risco e a responsabilidade pelos atos lícitos.
Na responsabilidade por culpa (art. 483.º) alguém culposamente viola um direito
subjetivo – ou, em determinados casos, não cumpre um contrato –, sendo que esse alguém é
suscetível de ser responsabilizado. Há, nesta responsabilidade, um juízo de desvalor relativa-
mente ao agente.
Mas a responsabilidade civil não exige sempre esse juízo de desvalor. Na responsabi-
lidade pelo risco (art. 499.º e seguintes) temos uma regra de repartição dos incômodos,
sendo que quem beneficia das comodidades fica a cargo dos incômodos – ubi commoda ibi
incomoda. Por exemplo, se um carro é danificado durante a construção de um prédio, é o comi-
tente que responde pelo dano. Esta responsabilidade não prescinde da ilicitude da conduta,
só que quem vai responder não tem culpa (recebe os benefícios da conduta).
A responsabilidade por factos lícitos prescinde da ilicitude. Estamos, neste caso, a
compensar o sacrifício de alguém. Podemos até ter uma indemnização pelo sacrifício.

Funções
Em primeiro lugar, a responsabilidade civil tem por função a reparação e ressarcimento
dos danos, no caso da responsabilidade pelo risco e pelos atos lícitos.
Na primeira modalidade, a responsabilidade por culpa, podemos questionar se a função
da responsabilidade é preventiva ou punitiva. Há autores que defendem a segunda opção,
utilizando os arts. 494.º, 497.º n.º 2 e 570.º como fundamentos. Mas a responsabilidade civil, da
forma que está pensada, não visa punir.

Delimitação da responsabilidade civil em delitual (ou extracontratual) e obrigacional (ou


contratual)
Na responsabilidade civil delitual, também designada por extracontratual, não existe
vínculo contratual entre as partes, estando prevista no art. 483.º e seguintes.
A responsabilidade civil obrigacional, igualmente conhecida por contratual, tem a ver
com o incumprimento das obrigações. O seu regime retira-se do art. 798.º e seguintes.
Existe uma terceira via de responsabilidade, quando mesmo que não exista contrato es-
tamos muito perto. É a chamada responsabilidade civil pré-contratual.

Estas são diferentes ou são a mesma forma de responsabilidade? No caso da obrigação


de indemnização as regras são iguais em ambas (art. 562.º e seguintes). Mas, excetuando de-
terminados casos pontuais, são diferentes as regras, bem como as responsabilidades. Vejamos
algumas dessas diferenças.
1. Na responsabilidade contratual existe uma presunção de culpa, tal como determina o
art. 799.º (“incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento
defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”), havendo portanto uma inversão do
ónus da prova. Na responsabilidade extracontratual não há presunção de culpa (art.
487.º n.º 1 – “é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo
presunção legal de culpa”).
2. São, ainda, diferentes os prazos de prescrição. A responsabilidade extracontratual tem
um prazo de 3 anos (art. 498.º – “o direito de indemnização prescreve no prazo de três
anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe com-
pete...”). À responsabilidade contratual aplicam-se as regras gerais, previstas no art.
309.º (“o prazo ordinário da prescrição é de vinte anos”) e seguintes, o que significa que
o prazo da prescrição é de 20 anos.
3. Para além disso, refere-se a responsabilidade por atos de terceiros. No caso da res-
ponsabilidade extracontratual aplicamos o disposto no art. 500.º. Na responsabilidade
contratual, é aplicável o art. 800.º.
4. Quanto à pluralidade de responsáveis, estabelece o art. 497.º (“se forem várias as
pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade”) que a respon-
sabilidade extracontratual é solidária. Ora, a responsabilidade contratual só existe
quando a obrigação incumprida já gerasse solidariedade.

Orientação Tutorial, 26/09/2018


Na responsabilidade civil contratual e na responsabilidade civil extracontratual o regime
da obrigação de indemnizar é comum, estando previsto no art. 562.º. Tal como dispõe o refe-
rido artigo, privilegia-se a restituição natural. Quando esta não é possível, opera-se uma resti-
tuição em dinheiro (art. 566.º).

A responsabilidade extracontratual reveste 3 formas: responsabilidade por factos ilíci-


tos (art. 483.º n.º 1), responsabilidade pelo risco e responsabilidade por factos lícitos (ou pelo
sacrifício).
A responsabilidade por factos ilícitos é a responsabilidade regra porque assenta na
culpa. Esta impõe 5 requisitos, que são os mesmos que a responsabilidade contratual (art. 798.º
e seguintes) exige. São eles:

− facto voluntário;
− ilicitude;
− culpa;
− nexo de causalidade (art. 563.º);
− dano.
Importa referir que sem dano não há responsabilidade civil. Na responsabilidade penal
ou criminal, pelo contrário, o agente será punido pela tentativa, o que significa que, em determi-
nados casos, existe responsabilidade mesmo que não exista dano.
A culpa, no caso da responsabilidade por factos ilícitos, assenta, regra geral, em ações,
embora também possa resultar de omissões. Na responsabilidade contratual a regra é a omis-
são, sendo que existe responsabilidade quando o devedor não cumpre o contrato ou o faz de
forma defeituosa.
A ilicitude traduz-se, em termos gerais, na contrariedade à lei. No caso da responsabili-
dade extracontratual a ilicitude prende-se com a violação de direitos absolutos. Já a respon-
sabilidade contratual visa proteger o lesado da violação do negócio jurídico ou contrato, isto
é, da violação de um direito relativo ou de crédito.
O terceiro requisito, a culpa, pode ser avaliado em diversas perspetivas. Refere-se, em
primeiro lugar, a graduação da culpa, que pode consubstanciar mera culpa (ou negligência) ou
pode constituir dolo.
Em segundo lugar, aponta-se a imputabilidade, estabelecendo o art. 488.º no seu n.º 2
que “presume-se falta de imputabilidade nos menores de sete anos”. Também os arts. 489.º e
491.º tratam da imputabilidade.
Por fim, temos a prova da culpa. Na responsabilidade por factos ilícitos a regra encontra-
se no art. 487.º n.º 1, o qual estabelece que o lesado tem que fazer a prova. São exceções o
art. 491.º, 492.º, 493.º e 503.º n.º 3, nos quais existe uma presunção de culpa. Na responsabili-
dade contratual presume-se a culpa do devedor (art. 799.º n.º 1).
Na responsabilidade contratual devemos utilizar os termos credor e devedor. Na respon-
sabilidade extracontratual temos o lesado e o agente ou lesante.
A responsabilidade contratual é a mais vantajosa para o lesado. Nesta, a prescrição
está submetida ao prazo geral do art. 309.º, isto é, 20 anos. Já a responsabilidade extracontra-
tual prescreve em 3 anos, tal como estabelece o art. 498.º.
Na primeira a prova cabe ao lesado (art. 487.º n.º 1). Na segunda é o lesado que tem
de provar que não teve culpa (art. 799.º n.º 1).
Importa, ainda, aferir o regime da responsabilidade por terceiros. Na responsabilidade
extracontratual aplicamos o art. 500.º, o qual estabelece 3 requisitos que restringem a sua apli-
cação: obrigação de indemnizar; o comissário tem que ter uma relação de comissão com o co-
mitente; exercício de funções de subordinação. À responsabilidade contratual aplicamos o art.
800.º, o qual é de uma aplicação mais alargada.
Por fim, importa analisar as diferenças no que se refere à pluralidade passiva. A regra
na responsabilidade extracontratual é a da solidariedade (arts. 497.º, 500.º n.º 3 e 507.º). Já na
responsabilidade contratual a regra é o de ser aplicado o regime da conjunção. Na solidariedade
é importante a graduação da culpa, já que a responsabilidade é repartida com base nela.

CASO PRÁTICO 1
No dia 25 de setembro, A decidiu oferecer um jantar aos seus amigos e, para tal,
dirigiu-se ao seu talho habitual, propriedade de B, onde comprou vários quilos de carne
que cozinhou.
No dia seguinte, A sentiu-se mal, tendo de receber tratamento hospitalar, em con-
sequência do mau estado da carne. O mesmo aconteceu a C e D, os amigos que jantaram
em sua casa.
A, C e D sofreram fortes enjoos e cólicas que os deixaram prostrados e os impos-
sibilitaram de trabalhar durante uma semana.
A, C e D pretendem ser indemnizados pelos danos sofridos.
Quid iuris?

B viola o contrato celebrado com A (art. 483.º n.º 1) e viola igualmente o seu direito à
integridade física (art. 798.º). Estamos, aqui, perante um concurso de responsabilidades, o
qual pode ser debatido em três vertentes:

− o lesado devia poder, dentro das caraterísticas da responsabilidade, utilizar aquelas que
entendesse.
− o lesado devia ter a possibilidade de ser escolher aleatoriamente o que entende.
− a posição dominante é a da chamada teoria da consunção (ou da absorção). Privilegia-
se a responsabilidade contratual, porque é a autonomia da vontade o princípio basilar
das obrigações. A responsabilidade contratual absorve a responsabilidade extra-
contratual.
Entre A e B temos, portanto, responsabilidade contratual.
Entre C e D e A não existe uma relação obrigacional. Assim, aplica-se aqui a responsa-
bilidade extracontratual. A prova incumbe, como visto, aos lesados. Ora, estes não vão provar
a culpa de A porque a mesma não existe. Assim, devem procurar responsabilizar B, através do
mecanismo do n.º 1 do art. 483.º.

Os danos patrimoniais são indemnizáveis nos termos do art. 562.º. O art. 566.º fixa o
critério, que é a designada por teoria da diferença. Os danos não patrimoniais estão previstos
no art. 496.º. Neste caso não há critério, sendo determinados pela discricionariedade do juiz.
A função geral ou principal da responsabilidade civil é o ressarcimento do dano. Tem,
portanto, uma função reparadora. A responsabilidade por factos ilícitos para além disso tem
uma função reparada e preventiva.

Prática, 27/09/2018
CASO PRÁTICO 1 – Resolução
A comprou a B a carne estragada, tendo-a servido a C e a D. Temos, nesta hipótese
prática, danos patrimoniais, com a conta hospitalar e os dias que A, C e D faltaram ao trabalho,
e danos não patrimoniais, que consistem nas dores sentidas por eles.

Vejamos, em primeiro lugar, os danos sofridos por A. Entre este e B existe uma relação
jurídica obrigacional proveniente do contrato de compra e venda entre eles celebrado. Aplica-se,
como visto, a teoria da consunção, o que significa que a responsabilidade extracontratual é con-
sumida pela responsabilidade contratual (art. 798.º e seguintes).
Para saber se existe ou não responsabilidade temos que aferir se estão preenchidos os
5 requisitos da mesma. Será o cumprimento defeituoso do contrato que constitui o facto volun-
tário nesta primeira hipótese. Como ilicitude aponta-se a violação do direito de crédito de A re-
sultante do contrato. Como estamos perante um caso de responsabilidade contratual, presume-
se a culpa de B, tal como estabelece o n.º 1 do art. 799.º. O nexo de causalidade existe pela
teoria da causalidade adequada (art. 563.º) – em abstrato, o facto danoso deve ter como resul-
tado provável o resultado. Como dito acima, temos danos patrimoniais e não patrimoniais. Assim,
B vai ter que indemnizar A nos termos do art. 562.º e seguintes e do n.º 1 do art. 496.º.

Segue-se a análise dos danos sofridos por C e D. Foi A que serviu a refeição. Não há,
aqui, relação jurídica contratual prévia, o que significa que estamos perante um caso de respon-
sabilidade extracontratual (art. 483.º n.º 1).
Neste caso, o facto voluntário traduz-se no facto de a refeição ter sido servida. A ilicitude
prende-se com a violação do direito à integridade física de C e D, um direito absoluto. O art. 487.º
determina que são os lesados – C e D – que têm que provar a culpa do lesante – A. Ora, não o
conseguirão fazer visto que A não tem culpa. Assim, não há responsabilidade civil por factos
ilícitos de A para C e D.

Vejamos, por fim, a relação entre C e D com B. Não há, também aqui, relação jurídica
obrigacional prévia, o que significa que o caso cai no campo da responsabilidade extracontratual
(art. 483.º n.º 1).
Temos, nesta hipótese, um facto voluntário por ação, que será a comercialização da
carne em mau estado. Como ilicitude aponta-se a violação do direito absoluto à integridade física
de C e D. C e D têm que provar a culpa de B (art. 487.º n.º 1). O comportamento de B é censu-
rável. Neste caso, estamos perante negligência. Refere-se que apenas no caso do art. 494.º é
que o dolo pode alterar a medida da responsabilidade. Verifica-se, também aqui, o nexo previsto
no art. 563.º. Os danos sofridos serão os mesmos que vimos acima, os danos patrimoniais e não
patrimoniais. Desta forma, B vai ter que indemnizar C e D nos termos do art. 562.º e seguintes e
do art. 496.º n.º 1.

Teórica, 02/10/2018
A responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos culposos encontra-se
prevista no art. 483.º e assenta em 5 pressupostos: facto, ilicitude, culpa, dano e o nexo de
causalidade entre facto e dano.

O facto é um facto voluntário, e não intencional – o que significa que não é necessário
o dolo. A responsabilidade civil tem sempre na sua base uma conduta da pessoa que vai ser
obrigada a indemnizar. Tem que haver voluntariedade, mas não se exige que o agente tenha
capacidade de exercício de direitos (capacidade civil). São exceções o art. 488.º, o qual se
refere ao incapacitado de entender e querer, e 489.º.
Excluem-se os factos naturais produtores de danos, os quais não dependem da von-
tade humana e são por ela incontroláveis, como será o caso de um terramoto, inundações ou um
ciclone.
Em geral, a conduta consiste numa ação (positiva). As omissões (ou faltas de cuidado)
também dão origem a obrigações de reparar danos. É o que estabelece o art. 486.º, ao determi-
nar que “as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independen-
temente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de
praticar o ato omisso”.
São exemplos o 491.º, 492.º e 493.º. Estas – isto é, os casos de omissão – são as situ-
ações de exceção. O art. 486.º refere um dever que não foi cumprido. Tal pode resultar da lei
(como é o caso das responsabilidades parentais) ou do negócio jurídico (como sucede com a
babysitter).
A doutrina tem discutido muito: se o contrato é nulo parece que deixou de existir um
dever jurídico. O dever de garante existe na responsabilidade criminal e não na responsabilidade
civil. A doutrina tem tentado alargar o âmbito ou conceito da responsabilidade por omis-
são. No âmbito da autonomia privada afigura-se razoável equiparar ao negócio jurídico certos
casos que podemos qualificar como relações contratuais de facto. Por exemplo, o contrato
de babysitting que é nulo. Tais contratos geram confiança nas partes, o que vai evitar que a
pessoa recorra a outro meio que pudesse evitar o resultado danoso.
Também ocorre nas situações em que alguém é a única pessoa com capacidade
para evitar o dano (art. 10.º n.º 2 CP).

A ilicitude pode revestir duas formas. Assim, a conduta só é ilícita quando é violado um
direito de outrem ou uma disposição destinada a proteger alguém.
Temos uma violação de direitos de outrem quando são violados direitos subjetivos
– nomeadamente os direitos reais e os direitos de personalidade, os quais são direitos absolu-
tos.
Há ainda ilicitude com a violação de um preceito da lei tendente à proteção de inte-
resses alheios. Esta não visa apenas a proteção de um interesse público, mas também protege
um interesse privado. É exemplo o Código da Estrada.
A invocação deste fundamento requer a verificação de 3 requisitos ou pressupostos:

− a lesão dos interesses dos particulares corresponde à ofensa de uma norma legal;
− tem que se tratar de interesses que sejam efetivamente protegidos pela norma;
− necessário que a lesão ocorra no bem jurídico ou no interesse privado que a lei
tutela.
É pacífico na doutrina que da violação do abuso de direito (art. 334.º) também resulta
uma situação de responsabilidade civil, de obrigação de indemnizar.
Nos arts. 484.º e 485.º a situação é mais complicada. No art. 484.º existe uma dúvida em
considerar a ilicitude: tem de haver imputação de um facto (não bastam alusões vagas e gerais);
a regra consiste na irrelevância da veracidade ou falsidade do facto; tem que haver, nas circuns-
tâncias concretas, uma afetação do crédito ou reputação da pessoa visada.
O art. 485.º refere no seu n.º 2 a obrigação de indemnizar. Essa é possível quando: o
agente assuma a responsabilidade; quando haja crime; quando alguém tinha o dever legal de
informar.
Nestas duas normas podemos falar dos pure economic loss (danos puramente econó-
micos).

Orientação Tutorial, 03/10/2018


Caso Prático 2
No dia de Carnaval, Jorge participava, com os amigos, num jogo de futebol. No
decurso do jogo, Jorge acabou por fraturar um dedo da mão em virtude de uma disputa
da bola com Nuno.
Toldado pela dor, Jorge pega na “bandeirola de canto” e intenta agredir Nuno.
Tiago, para evitar a agressão, envolve-se num confronto físico com Jorge, acabando por
lhe fraturar uma perna.
Quando Jorge jazia inanimado no chão, Tiago, completamente descontrolado, con-
tinuava a bater-lhe com um pau.
Eis que, para socorrer o marido, Sofia atinge Tiago com um disparo de uma pistola.
Quid iuris?

Vejamos, em primeiro lugar, a relação entre Nuno e Jorge. Como não há relação contra-
tual entre eles estamos dentro da responsabilidade civil extracontratual (art. 483.º e s.). Não
sendo o facto lícito ou danoso, será um caso de responsabilidade por factos ilícitos. São 5 os
requisitos desta forma de responsabilidade: facto voluntário, ilicitude, culpa, nexo de causalidade
e dano.
Temos, na hipótese concreta, um facto voluntário visto que existe ação. Este é voluntário
porque dominável pela vontade humana. Refere-se que o facto não é intencional - embora tal
não seja relevante para a vontade. Há ilicitude pois Nuno violou um direito absoluto de Jorge, o
direito à integridade física.
Há causas de exclusão da ilicitude, as quais justificam o ato. São elas a ação direta
(art. 336.º), a legítima defesa (art. 337.º), o estado de necessidade (art. 339.º) e o consentimento
do lesado (art. 340.º). Este último pode ser expresso (por exemplo, uma assinatura para uma
intervenção cirúrgica) ou tácito (por exemplo, aquele que se entende que as pessoas dão em
atividades que por si só se consideram um risco, como as atividades desportivas), previsto no
n.º 1, ou presumida (quando o lesado não está em condições de emitir consentimento, como
sucede com a necessidade de operação após um acidente de automóvel), referido no n.º 3. O
n.º 2 refere-se, por exemplo, à venda de órgãos.
Temos, no caso, uma causa de exclusão da ilicitude (art. 340.º n.º 1). Assim, não há
obrigação de indemnizar.
Vejamos agora a relação de Jorge e Nuno. Também aqui podemos ter uma relação de
responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, se preenchidos os requisitos.
Temos um facto voluntário e existe ilicitude. Há, também, culpa e o nexo de causalidade entre o
facto e a culpa verifica-se. Não há, no entanto, dano - visto que é apenas uma tentativa de agres-
são. Deste modo, não há responsabilidade civil.

Vejamos, agora, a primeira relação entre Tiago e Jorge. Podemos ter, aqui, uma situação
de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos. Há um facto voluntário, a agressão.
Para além disso, o comportamento é ilícito, já que há a violação do direito à integridade física de
Jorge. Opera, no entanto, na hipótese uma causa de exclusão da ilicitude: a legítima defesa de
terceiro (art. 337.º n.º 1). Esta consiste numa atitude defensiva contra uma agressão, ilícita e
atual - tem que ser iminente, ocorrer no momento. Estão, deste modo, preenchidos os requisitos
da legítima defesa, pelo que não há responsabilidade.

Segue-se a segunda relação entre Tiago e Jorge. Também aqui podemos ter uma situ-
ação de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos. Há facto voluntário (a agressão)
e ilicitude, já que não há aqui legítima defesa. Já não há ameaça ou agressão ilícita atual - temos
uma violação ao direito à integridade física. Existe culpa, ou seja, o facto é imputável. O lesado
tem que provar a culpa (art. 487.º n.º 1), sendo aferido se a situação é dolosa ou intencional.
Existe, sem dúvida, o nexo de causalidade. E há dano. Assim, temos responsabilidade. Tiago
tem que indemnizar Jorge nos termos do art. 562.º e seguintes.

Vejamos, por fim, a relação entre Sofia e Tiago. Temos o disparo de uma arma, e, por-
tanto, uma ação danosa. Há ilicitude, já que é violado o direito à integridade física de Tiago.
Podemos ter aqui uma situação de legítima defesa (art. 337.º n.º 1). A agressão é ilícita (primeiro
pressuposto) e iminente (segundo pressuposto). Mas a legítima defesa exige proporcionalidade,
a qual se afere ou pelos meios empregues ou pelo resultado. O n.º 2 leva-nos a afirmar que a
situação de excesso de legítima defesa teria que ser questionada. Se a considerássemos des-
culpável a ação seria lícita. Se fosse não fosse desculpável não há lugar a legítima defesa e
Sofia responde pelo art. 483.º n.º 1.

Prática, 04/10/2018
Troca de aula.

Teórica, 09/10/2018
Será facto voluntário aquele que é objetivamente controlável e evitável pela vontade.

Por exemplo, as normas de supervisão bancária não se enquadram na segunda forma


de ilicitude – norma legal destinada à proteção de interesses alheios –, mas as normas de pro-
teção do consumidor já o são.
Quanto à indemnização pela violação das regras da não concorrência ou concorrência
leal, uma lei de 2018, que transpôs uma diretiva europeia de 2014, atribui a indemnização aos
consumidores que sejam afastados por estas – também são indemnizados os concorrentes.
Há outras situações que geram ilicitude e, portanto, obrigação de indemnizar. É o caso
do art. 334.º, o qual prevê o abuso do direito e dos arts. 484.º e 485.º.
A ofensa ao crédito (art. 484.º) resulta da diminuição da confiança na capacidade e von-
tade de uma pessoa para cumprir as suas obrigações. Será ofensa à reputação o ato que afeta
o prestígio da pessoa visada ou o bom conceito em que a pessoa é tida no meio social onde vive
ou exerce a sua atividade.
Refere-se que a 2.ª parte do art. 485.º só funciona no caso da responsabilidade extra-
contratual.

Há situações em que se exclui a ilicitude de facto, as chamadas causas de exclusão da


ilicitude, as quais são prova de que não estão verificados os pressupostos da responsabilidade
civil.
Temos duas cláusulas gerais: o regular exercício de um direito, do qual é exemplo o
art. 1349.º; ou quando estamos a cumprir um dever jurídico, como será o caso de os bombeiros
utilizarem a água de determinada pessoa para apagar um incêndio.
Temos, ao lado destas, cláusulas particulares, que são específicas no sentido de ser
necessário provar a verificação dos seus pressupostos. Estão previstas do art. 336.º ao art. 339.º.
O art. 336.º (“é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito,
quando a ação direta for indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios
coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito, contanto que o agente não
exceda o que for necessário para evitar o prejuízo”) prevê a ação direta, a qual se trata de uma
autotutela dos direitos.
Estamos, neste caso, a defender direitos que são nossos, direitos próprios. A ação direta
só é admitida quando o Estado não esteja capaz de resolver o problema e tutelar o direito.
Assim, tem que ser ultima ratio, acrescendo a ideia de proporcionalidade. A ação direta não é
lícita quando não respeita a proporcionalidade e quando se sacrificam interesses superiores ao
que está a ser alvo de proteção. Neste podemos tomar a iniciativa.
O art. 337.º (“considera-se justificado o ato destinado a afastar qualquer agressão atual
e contrária à lei contra a pessoa ou património do agente ou de terceiro, desde que não seja
possível fazê-lo pelos meios normais e o prejuízo causado pelo ato não seja manifestamente
superior ao que pode resultar da agressão”) refere-se à legítima defesa.
Neste caso, não temos que fazer um juízo imediato, visto que a legítima defesa é uma
reação. Deve estar em causa uma agressão atual, a qual tem que ser presente ou iminente,
que não é possível ou praticamente impossível impedir. Neste caso, não tem que ser necessari-
amente proporcional. Há uma maior tolerância relativamente ao lesante.
O art. 338.º (“se o titular do direito agir na suposição errónea de se verificarem os pres-
supostos que justificam a ação direta ou a legítima defesa, é obrigado a indemnizar o prejuízo
causado, salvo se o erro for desculpável”) refere a legítima defesa putativa. Aqui mantém-se a
obrigação de indemnizar, exceto se o erro for desculpável.
O art. 339.º (“é lícita a ação daquele destruir ou danificar coisa alheia com o fim de re-
mover o perigo atual de um dano manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro”)
prevê o estado de necessidade. Trata-se aqui da proteção do agente ou terceiro, sendo neces-
sária a existência de um dano manifestamente superior (a proporcionalidade é importante).
Podem ser lícitos os atos praticados em estado de necessidade que protejam interesses pesso-
ais.
O art. 340.º (“o ato lesivo dos direitos de outrem é lícito, desde que este tenha consentido
na lesão”) trata da questão do consentimento do lesado. Deste modo, podemos renunciar à
tutela que a lei nos concede. Este consentimento tem que ser prévio à lesão. Se for posterior
trata-se de uma renúncia às pretensões indemnizatórias.
Este consentimento é aplicado, em regra, em desportos que podem causar danos – en-
tende-se que tacitamente se consente. Há quem entenda que o consentimento só resulta do jogo
normal, isto é, daquele que é praticado dentro das regras do jogo.
O n.º 3 estabelece uma presunção de vontade, sendo aplicado, por exemplo, nas inter-
venções médicas cirúrgicas.

Refere-se que a ilicitude é encarada do ponto de vista objetivo.

Dentro dos pressupostos da responsabilidade civil segue-se a imputação do facto ao


agente, isto é, a culpa. A responsabilidade civil tem, em geral, a culpa como base. Esta será
uma responsabilidade subjetiva. Sem culpa estamos perante um caso de responsabilidade
objetiva ou pelo risco.
Na culpa temos um desvalor que a ordem jurídica dá à conduta do agente, há um
juízo de censura.
Quem podemos censurar? Os imputáveis, isto é, as pessoas com capacidade natural
para prever os efeitos e medir o valor dos atos que praticam e para se determinarem de acordo
com o juízo que façam acerca deles. Estamos aqui na presença de duas ideias: a capacidade
(intelectual e emocional) e a liberdade (de determinação), isto é, a capacidade volitiva.
O art. 488.º estabelece no seu n.º 2 que a lei presume inimputabilidade dos menores
de 7 anos. Mas é possível a indemnização por pessoa não imputável por razões de equidade
(art. 489.º).
Qual o juízo de desvalor que a ordem jurídica faz à conduta? Podemos ter dolo ou mera
culpa (ou negligência).
No dolo temos a representação do resultado dano e a intenção de o produzir (ou,
se não existir, vou pelo menos conformar-me com a produção daquele resultado).
Existem três graduações do dolo: o dolo direto – o agente age com intenção de provar
o dano; o dolo necessário – quero um determinado resultado, mas sei que para o ter é neces-
sário provocar um dano. Mesmo assim, quero-o pois necessário para atingir a finalidade; o dolo
eventual – este não se confunde com o dolo necessário, no qual sei que vou provocar um de-
terminado dano. No dolo eventual não tenho à partida a representação de que vai ocorrer o dano,
o qual é meramente possível. Se acontecer, quero esta conduta.
A mera culpa também é culpa, mas o juízo de desvalor é diferente: há um desleixo,
uma imprudência, uma ineptidão. O resultado deve-se à falta de cuidado do agente. Há uma
omissão da diligência exigível ao agente, a qual pode ser consciente ou inconsciente.
É muito raro a nossa lei distinguir o dolo da negligência. Fá-lo no art. 494.º.
Quando tratamos dos deveres de negligência estamos a falar do homem em concreto ou
do homem médio? A culpa mede-se em abstrato – sendo utilizado o critério do homem médio.
O lesado tem que provar a culpa do autor da lesão, o facto constitutivo do nosso
direito à indemnização (art. 342.º n.º 1 e 487.º), salvo presunções legais de culpa (art. 350.º
n.º 2), as quais geram a inversão do ónus da prova. Nas presunções de culpa (art. 491.º, 492.º
e 493.º) o lesado tem que provar os pressupostos da ação, ilicitude, dano e nexo de causalidade,
mas não prova a culpa. Aqui, ao contrário do que sucede numa situação de responsabilidade
objetiva, há culpa.

Orientação Tutorial, 10/10/2018


Nuno viu a sua máquina de cortar relva destruída em virtude de um descuido do
seu vizinho Jorge, a quem a emprestara.
Nuno comunicou a Jorge que pretende a reparação dos danos, sendo que este
afirma que não ia indemnizar porque era por natureza uma pessoa descuidada e também
porque uma hora após ter danificado a máquina um automóvel ter abalroado o muro do
seu jardim e destruído tudo o que ali se encontrava.
Quid iuris?

Entre N e J não existe qualquer vínculo contratual, pelo que podemos estar perante uma
situação de responsabilidade civil extracontratual (art. 483.º e seguintes). Temos, neste caso,
danos patrimoniais (art. 562.º e seguintes). O art. 566.º prevê aquela que é designada por teoria
da diferença.
Importa aferir a verificação dos pressupostos daquela forma de responsabilidade. Temos
um facto voluntário já que este é evitável e controlável pelo comportamento humano. Refere-se
que este não tem que ser intencional.
Existe, para além do facto, ilicitude, já que foi violado um direito subjetivo e absoluto de
N, o direito de propriedade.
A culpa consiste na imputação do facto ao agente, consubstanciada num juízo de des-
valor em relação ao mesmo. Para existir culpa temos que ter imputabilidade, a qual consiste no
querer (elemento volitivo) e entender. J, sendo maior de 7 anos e não se encontrando numa
situação de inimputabilidade temporária, é imputável. Temos, ainda, que considerar a graduação
da culpa, a qual se divide em dolo ou negligência. Em regra esta distinção não é relevante. É
exceção o caso do art. 494.º.
No caso temos negligência, já que há uma omissão da diligência do agente. Estabelece
o n.º 2 do art. 487.º que a culpa se mede em abstrato, pelo critério do homem médio. A prova
incumbe, tal como estabelece o art. 487.º, ao lesado.
Existem presunções de culpa, as quais estão referidas no art. 491.º a 493.º, 503.º n.º 3
e 799.º n.º 1. Nestes casos, há uma inversão do ónus da prova, o qual passa a caber ao lesante.
O art. 491.º estabelece na sua parte final: "ou que os danos se teriam produzido ainda
que tivesse cumprido". Por exemplo, A tem um cão. B, seu vizinho, envenena-o, sendo que o
veneno produz efeitos em 4 horas. Esta será a causa virtual. C, por seu turno, dá um tiro ao cão,
que morre de imediato. Esta é a causa real. Assim, será C que vai ser responsabilizado.
Esta é a relevância negativa da causa virtual, que só se aplica nos casos previstos no
Código (art. 491.º, 492.º e 493.º n.º 1). A causa virtual vai retirar a responsabilidade, mas não
pode ser utilizada para deslocalizar a responsabilidade de um agente para outro. Pode sê-lo
quando estamos perante causas naturais, como será o caso de um sismo ou inundações.
No caso concreto, a causa virtual seria o carro. Mas não se aplica a relevância negativa
da causa virtual ao caso.

Suponhamos que A, pai de C, deixa a cargo de B, ama, o seu filho de 9 anos. C causa
um incêndio no jardim que se propaga à casa de D e destrói os tapetes persas deste que estão
a secar no jardim. C é o agente direto. Temos um facto e ilicitude, sendo que C é imputável (pois
é maior de 7 anos). É imputável, mas é menor. Assim, o art. 491.º aplica-se a A (art. 483.º n.º 1,
486.º e 491.º), sendo que esta presunção será iludida, e aplica-se a B (art. 483.º n.º 1, 486.º e
491.º), a qual responde nos termos do art. 483.º n.º 1.
Supondo agora que houve um incêndio que destrói as casas da região, B poderá provar
nos termos do art. 491.º que mesmo que tivesse exercido o seu dever de vigilância a coisa ficaria
sempre destruída.
Prática, 11/10/2018
Numa festa em casa de Sofia, Jorge, em estado de grande exaltação, agride Nuno
e este, para se defender, utiliza uma valiosa jarra de Sofia com a qual bate em Jorge, par-
tindo-a.
Quid iuris?

Temos que analisar, nesta hipótese prática, três situações: a agressão de Nuno a Jorge,
a agressão de Jorge a Nuno e o facto de Jorge ter quebrado a jarra de Sofia.
Em todos estes casos estamos perante uma eventual situação de responsabilidade civil
extracontratual (art. 483.º), já que não existe qualquer relação jurídica entre os intervenientes.
Existem danos não patrimoniais no primeiro e segundo caso (art. 496.º) e danos patrimoniais no
terceiro (art. 562.º).

Vejamos, em primeiro lugar, a relação entre Jorge e Nuno. Como sabemos, para haver
responsabilidade e, por esse motivo, obrigação de indemnizar, é necessária a verificação de 5
pressupostos: facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade.
Temos, na hipótese, um facto voluntário, isto é, um comportamento voluntário dominável
pela vontade humana. O facto consiste, neste caso, numa ação. Há ilicitude, já que há a violação
de um direito absoluto de Nuno, o direito à integridade física. A culpa existe porque o facto é
imputável ao agente (art. 488.º n.º 2 a contrario), sendo que temos dolo, já que Jorge atua com
intenção. A culpa afere-se, tal como estabelece o n.º 2 do art. 487.º, segundo o critério do homem
médio, o que significa que é aferida objetivamente. O art. 487.º estabelece que é o lesado que
tem de provar os danos. Temos, como dito, danos. Por fim, verifica-se o nexo de causalidade
(art. 563.º). Deste modo, há responsabilidade, o que significa que Jorge tem a obrigação de
indemnizar Nuno (art. 483.º e 562.º e seguintes).

Vejamos, agora, a relação entre Nuno e Jorge. Temos, mais uma vez, um facto voluntário
que se traduz numa ação do agente. Existe, também aqui, a violação do direito absoluto à inte-
gridade física do lesado. Pode, porém, operar aqui uma causa de exclusão da ilicitude: a legítima
defesa (art. 337.º). São requisitos desta figura a existência de uma ação defensiva face a uma
agressão atual e ilícita, não havendo possibilidade de recurso aos meios de defesa coercivos em
tempo útil. No caso, não há desproporcionalidade, visto que há uma equiparação de interesses
– já que o direito é o mesmo. Podemos questionar se os meios seriam proporcionais. Se o forem,
há legítima defesa, a qual exclui a ilicitude e, portanto, a obrigação de indemnizar. Se o meio for
considerado desproporcional, o excesso só será desculpado nos casos do n.º 2. Mesmo que
consideremos a legítima defesa não proporcional, há aqui uma causa de exclusão da culpa: o
medo invencível.

Vejamos, por fim, a relação entre Nuno e Sofia. Temos, na hipótese, um facto voluntário,
o qual se prende com a destruição da jarra. Há ilicitude, já que é violado o direito de propriedade
de Sofia, um direito absoluto. Temos, no entanto, uma causa de exclusão da ilicitude: o estado
de necessidade (art. 339.º). Os pressupostos deste – proteção do agente ou terceiro, sendo
necessária a existência de um dano manifestamente superior – estão verificados. Estabelece o
n.º 2 do art. 339.º que há obrigação de indemnizar. Pode-se aplicar um juízo de equidade quando
a origem do estado de necessidade não é somente imputável ao agente, o que obriga a que a
indemnização a Sofia fosse repartida entre Jorge e Nuno.
Teórica, 16/10/2018
O dolo corresponde à representação das circunstâncias e ao querer do resultado.

O quarto pressuposto da responsabilidade civil é o dano, o qual pode ser classificado


como o ponto nuclear da responsabilidade civil. O dano é o prejuízo ou a ofensa de bens ou
interesses alheios protegidos pela ordem jurídica.
O dano divide-se em várias categorias.
Temos, em primeiro lugar, os danos patrimoniais e os danos não patrimoniais. Os danos
patrimoniais são aqueles que são suscetíveis de avaliação pecuniária. Refletem-se no patri-
mónio do lesado, sendo que incidem sobre interesses de natureza material ou económica.
Nos danos não patrimoniais, também designados por danos morais, estamos a falar
de valores de ordem espiritual ou moral. É exemplo o sofrimento associado à agressão física.
Refere-se que o mesmo comportamento pode gerar estes dois tipos de dano. Assim,
podem coexistir e resultar do mesmo facto. Há ordens jurídicas que não os distinguem, como
sucede na Itália, que defende antes a existência do dano existencial.
Os danos não patrimoniais levantam duas questões. A primeira questão é a seguinte:
são ou não verdadeiramente indemnizáveis, no sentido de ficar in demne? O que fazemos,
deixamo-los sem compensação? Isso seria injusto. Os danos não patrimoniais não visam tornar
in demne, mas tornar mais leve o caminho a percorrer: temos uma compensação.
Qual o limite da indemnização? Até que ponto a ordem jurídica pode tutelar estes da-
nos? O art. 496.º n.º 1 determina “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não
patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. Temos uma ideia de gravi-
dade, sendo a indemnização decidida pelo tribunal em concreto. Esta ideia exclui os peque-
nos desgostos, bem como a sensibilidade anómala.
Existe indemnização pelo dano morte. É pacífico a existência desta indemnização. Por
exemplo, A mata B. Este tem direito a uma indemnização. Os seus herdeiros recebem essa, que
é parte do património do B, a título sucessório.
O art. 496.º n.º 2 (“por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimo-
niais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros
descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou
sobrinhos que os representem”) não se refere ao dano da vítima, mas às pessoas que convi-
viam com ela. Este dano tem relevância autónoma. São eles o cônjuge e filhos e outros ascen-
dentes; na falta destes, os pais e ascendentes; e, por fim, os irmãos ou sobrinhos.
O n.º 3 foi acrescentado em 2010. Tivemos, antes disto, dois acórdãos. No primeiro um
senhor tinha sido vítima de crime violento. O sofrimento causado à unida era de tal ordem que
não se devia fazer distinção entre casado e unido de facto. O segundo afirma que a lei distingue
entre unido de facto e o cônjuge. Refere apenas as pessoas com quem o de cujus tinha vínculos
de sangue.
Estabelece o n.º 3 que “se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização
previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que viva com ela e
aos filhos ou outros descendentes”. Atualmente, não é um direito sucessório, é um direito das
pessoas.
Como se fixa a indemnização? O n.º 4 estabelece que “o montante da indemnização é
fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias re-
feridas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais
sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos
números anteriores”.
Ao art. 496.º devemos articular o art. 493.º-A (“no caso de lesão de animal, é o respon-
sável obrigado a indemnizar o seu proprietário ou os indivíduos ou entidades que tenham proce-
dido ao seu socorro pelas despesas em que tenham incorrido para o seu tratamento, sem preju-
ízo de indemnização devida nos termos gerais”), o qual consagra a indemnização pelo dano
não patrimonial pela perda do animal de companhia.
O n.º 2 estabelece que “a indemnização prevista no número anterior é devida mesmo
que as despesas se computem numa quantia superior ao valor monetário que possa ser atribuído
ao animal”.
O n.º 3 (“no caso de lesão do animal de companhia de que tenha provindo a morte, a
privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua capacidade
de locomoção, o seu proprietário tem direito, nos termos do n.º 1 do artigo 496.º, a indemnização
adequada pelo desgosto ou sofrimento moral em que tenha incorrido, em montante a ser fixado
equitativamente pelo tribunal”) estabelece que só há indemnização em caso de morte ou pri-
vação de órgão ou membro – caso contrário há apenas dano patrimonial. O leque de indemni-
zação devia ser mais amplo.

Distinguem-se os danos emergentes dos lucros cessantes, prendendo-se a distinção


com a configuração do prejuízo. Os danos emergentes são aqueles que já estão fixados e que
compreendem a perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado.
Os lucros cessantes referem-se ao benefício que o lesado deixou de obter em con-
sequência da lesão (acréscimo patrimonial forçado).
Por exemplo, um carro destrói parte de um restaurante. Será dano emergente aquele
que deriva da destruição e lucro cessante o que o restaurante terá por não trabalhar.

O dano positivo (ou de cumprimento) não se confunde com o dano negativo (ou de con-
fiança). Estamos aqui a falar de responsabilidade contratual. O dano positivo tem a ver com o
não cumprimento do contrato. Por exemplo, uma agência de telecomunicações corta o ser-
viço. O lesado será colocado na situação em que estaria se o contrato fosse cumprido.
O dano negativo resulta da confiança e tem lugar quando os contratos são invalida-
dos ou resolvidos (destruídos com eficácia retroativa). Visa colocar o lesado na situação em
que estaria se não tivesse celebrado o contrato.

O quinto e último requisito da responsabilidade é o nexo de causalidade, o qual está


previsto no art. 563.º, que estabelece que “a obrigação de indemnização só existe em relação
aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Este tem a ver com a ligação entre o facto e o dano. O dano tem que resultar do facto
praticado pelo agente. Só nesse caso é que há indemnização.
Esta norma tem colocado dúvidas na doutrina. A doutrina dominante defende a teoria
da causalidade adequada: não se exige que o dano não tivesse sido causado se não fosse o
facto, mas que o facto seja adequado a causar o dano. Por exemplo, A atropela B, que morre
com uma infeção hospitalar.
Hoje em dia há uma doutrina que a substitui pelo nexo de imputação. Este acaba com
a ilicitude. Em vez de estarmos à procura da causalidade adequada, temos que procurar o nexo
de imputação, isto é, se o dano causado pode ser imputado à conduta.

Responsabilidade por factos lícitos


Nesta não se aplica o pressuposto da ilicitude. A culpa pode não ser necessária,
sendo que aqui não há o juízo de desvalor.
Existe responsabilidade civil por factos lícitos quando alguém ofende, em benefício de
um direito ou interesse juridicamente protegido, e mediante a prática de ato lícito, um di-
reito ou interesse de outrem.
Temos 3 pressupostos:

− tem que prejudicar interesse ou direito alheio;


− é necessário existir a prática de ato lícito;
− essa deve existir para proteger interesse ou direito próprio.
Na responsabilidade por factos lícitos há uma permissão normativa.
Pode acontecer em situações de responsabilidade extracontratual e contratual. São
exemplos do primeiro caso o estado de necessidade (art. 339.º n.º 2), a responsabilidade por
escavação (art. 1348.º n.º 2) e a passagem forçada (art. 1349.º).
Na responsabilidade contratual prende-se com a possibilidade que alguém tem de pôr
fim ao contrato. É exemplo o art. 1229.º, que refere a desistência do dono da obra (o qual paga
os danos emergentes e os lucros cessantes), a revogação do mandato (art. 1172.º) e o art. 1792.º
n.º 2 (divórcio com base nas alterações das faculdades mentais do cônjuge).

Orientação Tutorial, 17/10/2018


Troca de aula com D.P.C.E.R.

Prática, 18/10/2018
A, doente mental internado num hospital, consegue iludir um enfermeiro e foge.
Vai a um bar e envolve-se numa agressão com B, o dono, agredindo-o e destruindo uma
série de objetos. Ao ser agredido, B defendeu-se pelo que A também ficou ferido.
Quem podem A e B acionar com vista à reparação dos danos?

Temos, na hipótese prática, danos patrimoniais e danos não patrimoniais. Não existindo
qualquer relação jurídica entre as partes em causa, estamos perante uma eventual situação de
responsabilidade extracontratual (art. 483.º e seguintes).

Entre A e B temos uma agressão e a destruição de objetos propriedade deste. O facto


voluntário constitui, neste caso, uma ação, sendo que temos um comportamento dominável pela
vontade humana. No que diz respeito à ilicitude, devemos apontar a violação de dois direitos
absolutos de B: o direito de propriedade e o direito à integridade física. A culpa afere-se, como
sabemos, em dois aspetos: a imputabilidade e a graduação. Considerando a alteração efetuada
ao n.º 2 do art. 488.º, devemos aplicar ao caso o n.º 1, do qual retiramos que é inimputável quem
não tem capacidade de querer e de entender.
Sendo B inimputável, responde o enfermeiro nos termos do art. 489.º (o qual é excecio-
nal) ou 491.º, que estabelece uma presunção de culpa. Este prevê uma inversão do ónus da
prova, o qual passa a caber ao lesante. Ou consegue ilidir a presunção ou responde, se não o
conseguir, pelos arts. 483.º n.º 1, 486.º e 491.º.
Para além disso, responde o hospital pelo risco (art. 500.º). São três os requisitos: que
exista uma relação de comissão entre o comitente e o comissário; o comissário tem que estar no
exercício das suas funções; tem que haver uma obrigação de indemnização por parte do comis-
sário. Estes (enfermeiro e hospital) respondem solidariamente, tal como determina o art. 497.º
n.º 2. Há um direito de regresso do hospital ao enfermeiro (art. 500. º n.º 3).

Vejamos agora a relação entre B e A. Temos, também aqui, um facto voluntário por ação
(a agressão). A ilicitude existe, já que é violado um direito absoluto de A, o direito à integridade
física. Pode, no entanto, operar aqui uma causa de exclusão da ilicitude: a legítima defesa (art.
337.º). Para tal, têm que estar preenchidos os seguintes pressupostos: a agressão deve ser atual
e ilícita; não pode haver a possibilidade de recorrer aos meios coercivos estaduais a tempo de
salvaguardar o direito; a ação do agente deve ser proporcional. Questiona-se se poderia haver
aqui uma situação de excesso de legítima defesa, já que A é inimputável. Ora, não o haverá,
sendo que o excesso de legítima defesa se afere pelos meios e resultados. O critério do homem
médio determina que o agente deve evitar, em situações deste gênero, retaliar e afastar-se. Na
hipótese, isso não seria possível sem uma maior destruição do bar por parte de A. Assim, consi-
dera-se a defesa legítima, pelo que não existe aqui uma obrigação de indemnizar.

Importa analisar ainda a relação entre A e o hospital. Se estivermos perante um hospital


privado, temos uma relação jurídica obrigacional em virtude de um contrato de prestação de
serviços, pelo que a eventual responsabilidade seria contratual (art. 798.º e seguintes). Se o
hospital for público está em causa uma função do estado social de prestar um serviço, pelo que
estaremos perante uma situação de responsabilidade extracontratual. O art. 491.º aplica-se aos
danos sofridos por A?

Teórica, 23/10/2018
Responsabilidade pelo risco ou objetiva
Na responsabilidade pelo risco não há dolo ou mera culpa. Não há aqui o juízo do
desvalor. Estas pessoas criam risco especial, potencialmente gerador de danos: como têm as
vantagens, também ficam com os encargos.
Verificamos se as pessoas obtiveram vantagem ou puderam obtê-la, sendo responsabi-
lizadas. Não vamos indagar se existe culpa. Não é que a existência de culpa seja irrelevante. Se
houver vários responsáveis, a repartição da indemnização dependa da culpa (art. 500.º n.º 3,
501.º e 507.º n.º 2).
Estabelece o art. 570.º que se houver culpa do lesado pode haver uma repartição da
indemnização. O art. 508.º e 510.º estabelecem os limites da responsabilidade objetiva. Se hou-
ver culpa, podemos “fugir” destes limites. Não significa que não possamos responsabilizar sub-
jetivamente alguém.

O art. 500.º (“aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, indepen-
dentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia tam-
bém a obrigação de indemnizar”) prevê a responsabilidade do comitente pelos atos pratica-
dos pelo seu comissário. Por exemplo, A está a arranjar o jardim de B e destrói a cerca e C.
Responde B, independentemente da culpa. Este tem um direito de regresso sobre o lesante.
O n.º 2 (“a responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo
comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função
que lhe foi confiada”) estabelece que tem que haver um âmbito de confiança de uma determinada
atividade, ainda que o lesante tenha agido contra as determinações do comitente.
São os seguintes os requisitos:
1. Que exista uma relação de comissão. Traduz-se num vínculo de autoridade e submis-
são correspetivas. Exige-se que uma pessoa tenha encarregue outra, gratuita ou onero-
samente, de uma comissão ou serviço consistindo num ato isolado ou numa atividade
duradoura. O que é importante é que o comissário se encontre numa relação de subor-
dinação ou dependência quanto a este último, de maneira a que ele possua o direito não
só de dar-lhe ordens ou instruções precisas sobre a finalidade e os meios de execução
da comissão, mas também de fiscalizar diretamente o seu desempenho. É exemplo a
relação de trabalho. Não excluímos que haja iniciativa do comissário. Quem não é co-
missário? Os advogados, médicos, empreiteiros. Nestes casos não há relação comi-
tente-comissário.
2. Sempre que recai sobre o comissário a obrigação de indemnizar. A doutrina entende
que a responsabilidade do comissário pode ser por atos lícitos. Nesses casos, é o comi-
tente que responde perante o lesado.
3. No exercício da função que lhe foi confiada. Pode ser um nexo instrumental, desde que
caiba no nexo da comissão. Não exclui que haja responsabilidade do comitente por fac-
tos ilícitos. Será também responsabilizado por ato próprio.
O comitente pode ter 3 culpas:

− Culpa na escolha do comissário (in elegendo);


− Culpa quanto às instruções ou ordens que deu (in instruendo);
− Culpa na fiscalização da atividade do comissário (in vigilando). Se não o faz, há uma
falha.
O n.º 3 do art. 500.º (“o comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir
do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, exceto se houver também culpa da sua
parte; neste caso será aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 497.º”) estabelece que o comitente
que paga a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso. Tem direito de
regresso sobre o funcionário, sendo que tem a responsabilidade de ser o garante do paga-
mento da indemnização que o comissário deve pagar ao lesado. Quando temos só culpa do
comitente paga ele. O art. 497.º n.º 2 aplica-se quando a culpa é dos dois.

O art. 501.º (“o Estado e demais pessoas coletivas públicas, quando haja danos causa-
dos a terceiro pelos seus órgãos, agentes ou representantes no exercício de atividades de gestão
privada, respondem civilmente por esses danos nos termos em que os comitentes respondem
pelos danos causados pelos seus comissários”) refere-se à responsabilidade do Estado pelos
atos de gestão privada. Estamos a falar de atos de gestão privada, não se confundindo com os
atos de gestão pública, regulados na Lei 67/2007, de 3 de dezembro. Será ato de gestão privada
o arrendamento de um prédio ou a compra de mobiliário, ou seja, tudo o que não seja o exercício
de poderes públicos.

O art. 502.º (“quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais responde pelos
danos que eles causarem, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua
utilização”) prevê os danos causados por animais. No art. 493.º temos uma presunção de culpa
da pessoa obrigada à vigilância do animal, remetendo para a responsabilidade objetiva. O art.
502.º trata de uma responsabilidade sem culpa. Aqui ninguém violou nomeadamente o dever de
vigilância. Entende-se por perigo especial aquele que é caraterístico ou típico dos animais,
variando com a natureza destes.

O art. 503.º trata dos danos causados por veículo de circulação terrestre. Quem res-
ponde? Os contratos de seguro são contratos pelos quais transferimos a nossa responsabilidade.
Independentemente de quem vai pagar temos que saber quem é responsável. O artigo
refere-se a duas pessoas: a quem tem a “direção efetiva de qualquer veículo de circulação ter-
restre e o utilizar no seu próprio interesse”. A responsabilidade objetiva não é do condutor, mas
de quem tiver o poder de facto e o utilizar em proveito próprio. O n.º 3 refere-se àquele “que
conduzir o veículo por conta de outrem”. Há uma presunção de culpa do condutor, que tem
que a ilidir.
A titularidade não é o fator relevante (podemos ter locatário, adquirente, etc.). Quanto ao
interesse, pode ser patrimonial ou não patrimonial, pode não ser exclusivo, mas tem que ser um
interesse próprio. Também não tem que ser um interesse lícito.
O n.º 2 estabelece que “as pessoas não imputáveis respondem nos termos do art. 489.º”.
Do n.º 3 (“aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar,
salvo se provar que não houve culpa da sua parte; se, porém, o conduzir fora do exercício das
suas funções de comissário, responde nos termos do n.º 1”) retiramos que se há culpa e não há
relação de comissão, o dono do veículo não é responsabilizado.
O art. 504.º (“a responsabilidade pelos danos causados por veículos aproveita a tercei-
ros, bem como às pessoas transportadas”) trata do beneficiário da responsabilidade.
O n.º 2 (“no caso de transporte por virtude de contrato, a responsabilidade abrange só
os danos que atinjam a própria pessoa e as coisas por ela transportadas”) refere o contrato
oneroso. Neste caso, abrange só os danos da pessoa (não há aqui responsabilidade objetiva
pelos danos não patrimoniais – é necessário provar os pressupostos da responsabilidade por
factos ilícitos) e as coisas por ela transportadas.
O n.º 3 (“no caso de transporte gratuito, a responsabilidade abrange apenas os danos
pessoais da pessoa transportada”) refere o transporte gratuito. A responsabilidade abrange,
neste caso, apenas os danos pessoais da pessoa transportada.
O n.º 4 (“são nulas as cláusulas que excluam ou limitem a responsabilidade o transpor-
tador pelos acidentes que atinjam a pessoa transportada”) estabelece que são nulas as cláusulas
restritivas ou limitativas quanto à pessoa. Aquelas que se prendem com a coisa são válidas.
O art. 505.º estatui que “sem prejuízo do disposto no artigo 570.º, a responsabilidade
fixada no n.º 1 do artigo 503.º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado
ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”.
O caso fortuito tem a ver com qualquer risco inerente ao funcionamento das coisas ou
mecanismos que o agente utiliza. Por exemplo, um pneu que rebente, a quebra de direção, uma
paragem cardíaca. Estes não estão excluídos pelo art. 505.º, ainda temos responsabilidade obje-
tiva. Exclui-se a força maior, a qual é estranha ao funcionamento do veículo, como por exemplo
um furação. Não há responsabilidade objetiva, mas pode, em certos casos, haver responsabili-
dade por factos ilícitos.
A responsabilidade objetiva só existe nos casos previstos na lei e no circunstancialismo
previsto na lei. Se não há responsabilidade objetiva pode responder por factos ilícitos.

Orientação Tutorial, 24/10/2018


Teste de avaliação contínua.

Prática, 25/10/2018
Correção do teste.

Prática, 29/10/2018
Troca de aula com D.R.
Jorge tem uma empresa que se dedica à importação, com instalações em Matosi-
nhos.
Incumbiu o seu funcionário, Nuno, de ir entregar uma mercadoria a Felgueiras.
Já em Felgueiras, o veículo conduzido por Nuno e o veículo conduzido por Sofia,
proprietária do mesmo, colidem por causa que não ficou apurada.
Sabendo que ambos os veículos sofreram danos, quem responde e em que termos
pelos mesmos?

Vejamos, primeiramente, a responsabilidade de Nuno. O facto prende-se, na hipótese,


com o embate. Temos ilicitude, já que há a violação do direito de propriedade de Sofia – neste
caso, só é ilícito o resultado, e não o comportamento. Em relação à culpa, Nuno e imputável pois
é maior de 7 anos (art. 488.º n.º 2). Neste caso, temos a presunção de culpa do n.º 3 do art.
503.º. Assim, Nuno responde pelos danos, salvo se provar que não tem culpa. Não estando
provadas as causas do acidente, Nuno não consegue iludir a presunção. Se não responder por
factos ilícitos não responde de todo. Temos danos patrimoniais (art. 562.º) e verifica-se, no caso,
o nexo de causalidade (art. 563.º). Neste caso, há responsabilidade por factos ilícitos (art. 483.º).

Vejamos agora a responsabilidade de Sofia. O facto e a ilicitude são os mesmos. Sofia


é imputável. Aqui não há um juízo de censura, ou seja, não há culpa. Podemos, então, estar
perante uma situação de responsabilidade pelo risco ou objetiva. O art. 503.º estabelece no seu
n.º 1 dois requisitos: que tenha a direção efetiva, ou seja, o poder de facto (significa que lhe
incumbe zelar pelo bom funcionamento do veículo, por forma a evitar que daí resultem danos
para terceiros); a utilização no seu interesse.

Vejamos, por fim, a eventual responsabilidade de Jorge. Este pode responder pelo art.
500.º, como comitente, e pelo art. 503.º n.º 1, pois sendo proprietário do veículo responde sempre
pelo risco. O primeiro estabelece três requisitos: a existência de uma relação de comissão, que
o comissário esteja no exercício de funções e que a obrigação de indemnizar recaia sobre o
comissário. Verifica-se a obrigação de indemnizar pois, como visto, Nuno não consegue iludir a
presunção.

Estabelece o n.º 2 do art. 497.º, o n.º 2 do art. 507.º e os n.ºs 1 e 2 do art. 570.º que a
responsabilidade pelo risco se encontra numa posição inferior à responsabilidade por culpa pre-
sumida, que por sua vez se encontra numa posição inferior à responsabilidade por culpa provada
de factos ilícitos.
Assim, a responsabilidade pelo risco é consumida pela responsabilidade por factos ilíci-
tos. Sofia não responde. Será Nuno e Jorge, enquanto comitente, que respondem pelos danos.
Este tem um direito de regresso sobre aquele.

Teórica, 30/10/2018
Na responsabilidade objetiva o agente responde independentemente de culpa. Esta só
existe, como visto, nos casos previstos na lei.
No caso de haver culpa do comitente, este responde por factos ilícitos culposos.
Como referido, o art. 504.º exclui o elenco do art. 496.º.
O art. 506.º trata da colisão de veículos, estabelecendo uma repartição de culpas (n.º
1 – “se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um
deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na pro-
porção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos; se os danos
forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pes-
soa por eles responsável é obrigada a indemnizar”).
O n.º 2 estipula que “em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de
cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condu-
tores”. Este preceito limita a sua aplicação aos casos em que não há culpa de nenhum dos
condutores. O legislador presume, como visto, que a culpa é igual (n.º 2). Só se um produzir
danos é que é obrigado a indemnizar.
O contrato de seguro é um contrato pelo qual transferimos a nossa responsabilidade. A
lei impõe essa transferência. É assim para que não seja o meu património a responder pelos
danos, mas que a segurada seja a responsável pelos mesmos. A seguradora só responde se o
agente for responsável. Se estivermos perante um caso de responsabilidade objetiva não opera
o contrato de seguro.

O art. 503.º refere os danos indemnizáveis: “danos provenientes dos riscos do próprio
veículo, mesmo que este não se encontre em circulação”. Assim, excluem-se todos os danos
que sejam estranhos ao veículo.

O art. 508.º refere os limites da responsabilidade. O art. 508.º n.º 1 estabelece que “a
indemnização fundada em acidente de viação, quando não haja culpa do responsável, tem como
limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel”. Este
preceito remete para o art. 12.º do DL 291/2007, de 27 de agosto, o qual estabelece como mon-
tante mínimo 1.200.000€ para os danos corporais e 600.000€ para os danos patrimoniais. Re-
fere-se que se houver culpa não há limites de indemnização, a qual abrange todos os danos
causados.

O art. 507.º (“se a responsabilidade pelo risco recair sobre várias pessoas, todas respon-
dem solidariamente pelos danos, mesmo que haja culpa de alguma ou algumas”) trata da plura-
lidade de responsáveis. O n.º 2 (“nas relações entre os diferentes responsáveis, a obrigação
de indemnizar reparte-se de harmonia com o interesse de cada um na utilização do veículo; mas,
se houver culpa de algum ou de alguns, apenas os culpados respondem, sendo aplicável quanto
ao direito de regresso, entre eles, ou em relação a eles, o disposto no n.º 2 do art. 497.º”) vale
no âmbito das relações internas.

O art. 509.º (“aquele que tiver a direção efetiva de instalação destinada à condução ou
entrega da energia elétrica ou do gás, e utilizar essa instalação no seu interessem responde
tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da eletricidade ou do gás, como pelos
danos resultantes da própria instalação, exceto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo
com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação”) trata dos danos causa-
dos por instalações de energia elétrica ou gás.
O n.º 2 (“não obrigam a reparação os danos devidos a causa de força maior; considera-
se de força maior toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa”)
refere-se a coisas estranhas e independentes ao uso da coisa.
Temos duas empresas: as empresas com quem contratamos a compra da energia elé-
trica, isto é, a empresa comercializadora (como é o caso da EDP); e a empresa que distribui e
fornece a energia àquelas, ou seja, a gestora da rede (EDP Distribuição). É o distribuidor que
é responsável, e não o comercializador.
O art. 510.º estabelece um limite, remetendo para o art. 508.º.

Responsabilidade civil contratual


Esta forma de responsabilidade tem a ver com a existência de uma obrigação e com
o seu incumprimento. Quando temos uma situação de não cumprimento de uma obrigação?
Sempre que a prestação debitória não foi efetuada em termos adequados.
A lei regula ao lado desta a impossibilidade superveniente do cumprimento (art. 790.º e
seguintes).
O incumprimento pode dever-se a facto do devedor, de credor, terceiro, circunstância
fortuita, circunstância de força maior ou da lei. O incumprimento só abrange, por regra, o facto
imputável ao credor.
Quanto ao resultado podemos ter:

− Não cumprimento definitivo: existe quando a prestação que ficou por efetuar na altura
exata não mais poderá sê-lo, pois tornou-se para sempre irrealizável, mercê da sua
impossibilidade material ou da perda do interesse do credor. Se não se provar a
impossibilidade ou perda do interesse, há mora. É o caso do vestido de noiva que fica
pronto no dia seguinte ao casamento.
− Atraso no cumprimento: temos um retardamento no cumprimento que gera danos
indemnizáveis, mas não o incumprimento do contrato. A mora pode ser do devedor, mas
também há casos de mora do credor (como sucede com o senhorio que recusa receber
a renda).
− Cumprimento defeituoso: temos deficiências ou irregularidades que produzem da-
nos ao credor. Sucede, por exemplo, com a falta de entrega do documento único do
automóvel. Há doutrina que considera que aqui não há sequer a entrega do veículo.

Orientação Tutorial, 31/10/2018


Suponha agora que A e B, ambos proprietários, colidem por causas que não fica-
ram apuradas e ambos os veículos sofrem danos.

Neste caso não há responsabilidade contratual, visto que não existe qualquer relação
jurídica entre as partes. Não se aplica aqui a presunção de culpa do n.º 3 do art. 503.º, não
havendo, portanto, culpa. Estamos, deste modo, perante uma situação de responsabilidade pelo
risco.
O facto voluntário prende-se com a condução do automóvel. Temos, na hipótese, ilicitude
não do comportamento, mas um desvalor do resultado. Esta responsabilidade prescinde da
culpa. Temos danos patrimoniais e está verificado o nexo.
Verificados os pressupostos, recaímos no art. 503.º. Ambos os condutores estão a res-
ponder pelo risco. Estão verificados os dois requisitos deste artigo: direção efetiva e interesse.
O n.º 2 do art. 506.º determina que, na colisão de veículos, e em caso de dúvida, consi-
dera-se igual a contribuição. Assim, a responsabilidade será repartida por A e B em termos
iguais.
Podemos ter riscos inerentes ao veículo, à pessoa ou à via de circulação.

Teórica, 06/11/2018
Quando o devedor deve cumprir de determinada maneira e não o faz há responsabi-
lidade civil contratual.
O princípio básico encontra-se previsto no art. 798.º (“o devedor que falta culposamente
ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”), segundo
o qual o devedor que falta culposamente ao cumprimento de uma obrigação é responsável
pelos prejuízos causados ao credor.
O art. 799.º (“incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento
defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”) estabelece uma presunção de culpa do
devedor. Há aqui uma inversão do ónus da prova.
O n.º 2 (“a culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil”) dispõe que
a apreciação da culpa é feita nos termos gerais da responsabilidade civil, ou seja, segundo o
n.º 2 do art. 487.º, o qual apela ao critério do bom pai de família – que é, como sabemos, um
critério objetivo.

Em princípio, a responsabilidade contratual é subjetiva, o que significa que temos uma


responsabilidade com culpa. Existem, no entanto, alguns desvios a assinalar.
Apesar de ser uma responsabilidade subjetiva com base na culpa, o legislador consa-
grou alguns desvios objetivistas, em que há responsabilidade sem culpa. É o caso do art. 800.º
(“o devedor é responsável pelo credor pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas
que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio
devedor”) – esta é quase uma responsabilidade pelo risco, embora estes respondam em nome
do credor. Aqui não se exige uma relação comitente-comissário.
A outra exceção é a seguinte: o incumprimento não culposo não pode, em algumas situ-
ações, obrigar o devedor a indemnizar. O devedor não fica exonerado do dever de indemnizar
quando prometeu o cumprimento “haja o que houver”.
Distinguem-se três modalidades de obrigações: as obrigações de meios, as obrigações
de resultado e as obrigações de garantia.
Na obrigação de meios o devedor apenas se compromete a desenvolver prudente e
diligentemente certa atividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar
que o mesmo se produza. É o caso da responsabilidade médica.
O devedor fica exonerado quando a obrigação se torne impossível e a impossibilidade
seja objetiva ou subjetiva. Temos impossibilidade da prestação (circunstâncias que surgem após
vinculação das partes), a qual pode ser objetiva, quando se estende a qualquer pessoa (art.
790.º), ou subjetiva, quando respeita apenas à pessoa do devedor (art. 791.º) – é o caso do
cantor que ia dar concerto e fica sem voz. Extingue-se a obrigação e não há obrigação de in-
demnizar os danos, ou seja, não há responsabilidade pelo não cumprimento.
Àquelas contrapõem-se as obrigações de resultado. Aqui o devedor compromete-se a
um certo efeito útil, estando vinculado a consegui-lo. Esta vinculação pode resultar da lei ou do
próprio contrato. O devedor só fica exonerado nas situações de impossibilidade objetiva (art.
790.º), e já não nas de impossibilidade subjetiva.
Na obrigação de garantia o devedor vai ainda mais longe: vai assumir o risco de não
verificação do efeito pretendido. Mesmo que haja impossibilidade objetiva nunca fica exonerado.
Este é o outro desvio (responde “haja o que houver”).
1. Incumprimento definitivo
O incumprimento definitivo gera a obrigação de indemnizar ao credor nos termos do
art. 798.º, o qual remete para o art. 801.º n.º 1 (“tornando-se impossível a prestação por causa
imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da
obrigação”), que trata da impossibilidade culposa, sendo estas situações equiparadas àquelas.
O devedor tem ainda direito à resolução do contrato (art. 801.º n.º 2 – “tendo a obriga-
ção por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do seu direito à indemnização,
pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por
inteiro”). Deve ser um contrato bilateral, o qual gera obrigações para ambas as partes.
A resolução está prevista no art. 432.º e seguintes. Implica que as partes restituam aquilo
que receberam. É equiparada nos seus efeitos à nulidade (art. 434.º), já que é retroativa. A re-
solução implica uma falta de cumprimento culposo.
A doutrina discute: se resolver o contrato tenho direito a indemnização? A lei diz que sim.
Que danos são estes? Há quem diga que a indemnização é pelo interesse contratual positivo
e há quem alegue que é pelo interesse contratual negativo. Almeida Costa defende o segundo,
afirmando que se está a indemnizar o dano pela confiança, ou seja, o que a pessoa perdeu por
não negociar com outra.
Se o incumprimento tiver escassa importância não podemos resolver o contrato. Para
tal, tem que tornar inexigível ao credor a continuação do contrato.
O art. 803.º (“é extensivo ao caso de impossibilidade imputável ao devedor o que dispõe
o artigo 794.º”) trata do commodum da representação ou cômodo representativo. É uma sub-
rogação no património do devedor, é algo que substitui o objeto originariamente devido.
Estabelece o art. 794.º que “se, por virtude e facto que tornou impossível a prestação, o
devedor adquirir algum direito sobre certa coisa, ou contra terceiro, em substituição do objeto da
prestação, pode o credor exigir a prestação dessa coisa, ou substituir-se ao devedor na titulari-
dade do direito que este tiver adquirido contra terceiro”. Por exemplo, A manda fazer uma obra
de arte. Fornece os materiais. Por culpa do devedor há um incêndio. A vai ter direito à indemni-
zação, que substitui a obra de arte.

2. Mora do devedor
Temos, como visto, um retardamento no cumprimento da prestação (art. 804.º n.º 1
– “a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor”).
Subsiste a possibilidade futura de cumprir a obrigação – ainda não há incumprimento definitivo.
São requisitos:

− a exigibilidade do crédito. Quando é que se torna exigível? O art. 805.º estabelece a


regra: quando haja interpelação do devedor para o cumprimento. O n.º 2 prevê os casos
em que ocorre mora independentemente de interpelação.
− a liquidez (n.º 3 – “se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido,
salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsa-
bilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a
menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número”).
Quando há mora podemos ter que indemnizar os danos, mas o credor não pode re-
solver o contrato – só o pode fazer se esta se tornar em incumprimento definitivo.

Vejamos agora os efeitos da mora.


1. Indemnização dos prejuízos o credor (com eventuais juros e despesas administrati-
vas) – art. 804.º n.º 1.
2. Gera uma responsabilidade pelo risco na deterioração ou perda da coisa (art. 807.º
– “pelo facto de estar em mora, o devedor torna-se responsável pelo prejuízo que o cre-
dor tiver em consequência da perda ou deterioração daquilo que deveria entregar,
mesmo que estes factos lhe não sejam imputáveis”).
3. O terceiro efeito tem a ver com o art. 808.º, o qual refere que “se o credor, em conse-
quência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada
dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os
efeitos não cumprida a obrigação”. Este pode levar ao incumprimento definitivo. A perda
do interesse do credor é sempre apreciada objetivamente.

Vejamos agora os efeitos reflexos da mora, ou desvios:

− O art. 781.º (“se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de
realização de uma delas importa o vencimento de todas”) refere a perda do benefício
do prazo. Por exemplo, A celebra com B um contrato de compra e venda a pagar em 10
prestações, de 1.000€ cada, no dia 1 de cada mês. Na falta de uma, passa a dever a
totalidade.
No Código Civil temos um desvio a esta regra, previsto no art. 934.º, o qual estabelece
que só há lugar à perda do benefício do prazo quando falte uma prestação que exceda
1/8 do preço ou, entenda a doutrina, na falta de mais do que uma prestação.
− DL 133/2009 trata dos contratos de crédito ao consumo. O art. 20.º deste diploma
prevê uma regra especial: só há perda do benefício do prazo na falta de duas presta-
ções sucessivas que excedam 10% do montante do crédito. Acresce a necessidade
de o credor ter, sem sucesso, concedido ao devedor um prazo suplementar de 15 dias.
− O DL 74-A/2017 trata do crédito à habitação. No art. 27.º deste a proteção ao consu-
midor é maior, estabelecendo dois requisitos: falta de pagamento de 3 prestações su-
cessivas; concessão pelo mutuante de um prazo suplementar mínimo de 30 dias.
Nestes casos não funciona a perda do benefício do prazo, mas mantem-se o resto: mora
e obrigação de indemnizar os prejuízos causados e ainda, caso necessário, a perda do interesse
do credor e a resolução do contrato.

Quando é que se extingue a mora? Com a satisfação do direito ou interesse do credor


(“purgação da mora”) ou se houver acordo com o credor, fixando-se para mais tarde o cum-
primento da obrigação.

Orientação Tutorial, 07/11/2018


O veículo conduzido por Tiago, motorista ao serviço de Nuno, despistou-se em
virtude do súbito rebentamento de um pneu.
Em consequência do despiste, o veículo embateu contra a montra da ourivesaria
de Sofia, partindo o vidro protetor da mesma. Tiago fraturou uma perna e Jorge, a quem
dera boleia, foi projetado para fora do veículo, por ter a porta do seu lado mal fechada,
tendo fraturado um pulso.
No meio da confusão, Joaquim aproveitou para furtar joias da ourivesaria e Geno-
veva, uma senhora idosa, assustada com tanto barulho, teve um ataque cardíaco, de que
só veio a recuperar no hospital.
Quem e em que termos vem a responder pelos danos causados?
Vamos analisar, primeiramente, os danos sofridos por Sofia em virtude do embate do
veículo conduzido por Tiago contra a montra do seu estabelecimento. Tiago será comissário e
Nuno é o comitente. Tiago consegue ilidir a presunção do art. 503.º n.º 3, pelo que não responde
por factos ilícitos (art. 483.º). Para se aplicar o n.º 1 daquele preceito têm que estar preenchidos
dois requisitos: que o agente tenha a direção efetiva do veículo e que se trate de uma condução
no próprio interesse. Ora, não estando preenchidos os requisitos, também não se aplica o art.
503.º n.º 1. Tiago não responde como comissário e Nuno também não responde como comitente
pois falta o requisito da obrigação de indemnizar por parte do comissário - significa isto que
também não se aplica o art. 500.º. Nuno é proprietário. Assim, e por aplicação do art. 503.º n.º
1, podemos afirmar que este tem a direção efetiva (isto é, o poder de facto) e o interesse. Deste
modo, Nuno paga os danos sofridos por Sofia pela aplicação da responsabilidade pelo risco.
Refere-se que será o seguro a pagar tais danos.

Em relação ao furto das joias de Sofia por Joaquim, estamos perante uma situação de
responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (art. 483.º e seguintes). O facto voluntário
prende-se com o furto. No que concerne à ilicitude, temos a violação do direito de propriedade.
Como sabemos, a culpa deve ser analisada em diversas vertentes: sendo maior de 7 anos, Jo-
aquim é imputável (art. 488.º n.º 2 a contrario); relativamente à graduação da culpa, podemos
apontar o dolo, já que o agente conhece e quer a realidade típica; a prova da culpa incumbe ao
lesado, nos termos do art. 487.º n.º 1. Temos, na hipótese, danos patrimoniais (art. 562.º e se-
guintes) e está verificado o nexo de causalidade (art. 563.º). Assim, Joaquim responde por via
da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.

Quanto a Tiago, o condutor, é tratado como terceiro. Como visto, o responsável pelo
acidente é Nuno (pelo risco). Em abstrato, aplicam-se os arts. 503.º n.º 1 e 504.º n.º 1. Na hipó-
tese concreta, corresponderia a um acidente de trabalho.

Vejamos agora os danos sofridos por Jorge. Da articulação do art. 483.º n.º 1 e 503.º n.º
3 percebemos que quando Tiago lhe dá boleia não está no exercício de funções. Caímos, então,
na 2.ª parte do n.º 3 do art. 503.º, o qual estabelece que o lesante responde nos termos do art.
503.º n.º 1. Devemos atender ao disposto no n.º 3 do art. 504.º, que dispõe que apenas são
indemnizáveis os danos pessoais.
Importa ter em atenção o facto de Jorge ter fechado mal a porta. O art. 570.º aplica-se a
factos ilícitos com culpa provada. Ora, Tiago está a responder pelo risco. O n.º 2 estabelece que
Jorge não ia ser indemnizado, determinando o art. 572.º que a sua culpa teria que ser provada.
O art. 505.º aplica-se quando apenas há culpa do lesado.

Quanto a Genoveva, não há nexo de causalidade. O art. 563.º assenta no conceito de


probabilidade e verosimilhança, não sendo o barulho do acidente causa provável de um ataque
cardíaco de terceiro.

Relativamente aos danos sofridos por Nuno, no que se refere ao carro, refere-se que foi
ele que causou o facto, não existindo indemnização dos danos próprios por ele causados.

Tiago, conduzindo um automóvel que o seu amigo Nuno lhe emprestara, despis-
tou-se e foi embater numa camioneta que circulava em sentido contrário, conduzida por
Jorge, motorista ao serviço da empresa proprietária.
A camioneta transportava 5 touros bravos para uma praça onde se ia realizar uma
tourada.
Em consequência do acidente, um dos animais soltou-se e atacou Sofia, a quem
Tiago momentos antes tinha dado boleia, provocando-lhe ferimentos graves.
Ambos os veículos ficaram danificados.
Diga quem responde pela reparação dos danos.

Prática, 08/11/2018
Em relação a Jorge temos uma presunção de culpa (art. 483.º n.º 1 e 503.º n.º 3), a qual
será ilidida porque foi Tiago que lhe bateu. Este não responde como comissário, desde logo
porque não está preenchido o requisito da obrigação de indemnizar. Assim, o comitente – a
empresa – também não responde pelo art. 500.º. João não responde pelo risco (art. 503.º n.º 1)
porque não tem o poder de facto nem conduz no seu próprio interesse. A empresa comitente
responde pelo risco, nos termos do art. 503.º n.º 1.

Tiago responde pelo art. 503.º n.º 1, visto que tem o poder de facto sobre o veículo e
conduz no seu próprio interesse – por via do contrato de comodato, o qual constitui um contrato
de curta duração, que leva a que aquele responda como proprietário. Nuno responde como pro-
prietário, porque verificados os requisitos do art. 503.º n.º 1 – embora não tenha o interesse
material, tem um interesse espiritual, ou seja, retira benefício da sua utilização. Respondem so-
lidariamente, tal como estabelece o art. 507.º. Pode haver um acerto de contas nos termos do
art. 507.º n.º 2.

Em relação aos danos sofridos por Sofia, Jorge tem contra ele a presunção do art. 493.º
n.º 1, a qual será ilidida. Será a empresa a responder, por aplicação do art. 502.º.

Teórica, 13/11/2018
Cumprimento defeituoso
Neste caso houve cumprimento, sendo que o dano resulta de vícios, deformidades,
falta de qualidade ou deficiências da prestação efetuada. A prestação foi realizada, mas não
como se impunha. Assim, não coincide com o conteúdo do programa obrigacional.
O art. 762.º n.º 1 estabelece que “o devedor cumpre a obrigação quando realiza a pres-
tação a que está vinculado”.
Estamos, aqui, a falar num vício qualitativo na prestação. Se for um vício quantitativo
estamos a falar no cumprimento integral da prestação (art. 763.º).
O art. 799.º menciona o cumprimento defeituoso. No Código Civil o legislador vai criando
regimes específicos de cumprimento defeituoso, pelo que temos que ver a diferente sanção
a aplicar nos vários contratos.

Na compra e venda temos duas hipóteses: a compra e venda de bens onerados, pre-
vista no art. 905.º e seguintes, e a compra e venda de coisas defeituosas, referida no art. 913.º
e seguintes.
Na compra e venda de bens onerados temos uma coisa com um vício de direito. Deste
modo, compramos algo que tem um ónus ou limitação que excede os limites normais.
Na compra e venda de coisa defeituosa temos um vício de facto, que tem a ver com as
próprias coisas defeituosas.

Como se ataca este cumprimento defeituoso no caso da compra e venda de bens one-
rados?
O comprador tem direito à anulação do contrato, que vai ser destruído porque se con-
siderou que a vontade tinha sido viciada por erro ou por dolo – isto é, por viciação da vontade
(art. 905.º – “se o direito transmitido estiver sujeito a alguns ónus ou limitações que excedam os
limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, o contrato é anulável por erro ou dolo,
desde que no caso se verifiquem os requisitos legais da anulabilidade”).
Tem ainda direito à convalescença do contrato (art. 906.º – “o vendedor é obrigado a
sanar a anulabilidade do contrato, mediante a expurgação dos ónus ou limitações existentes”),
caso possível, porque em algumas situações é possível convalescer o contrato – por exemplo,
quando compra uma coisa hipotecada, paga a dívida, levantando a hipoteca.
Para além disso, tem direito a indemnização, a qual abrange duas coisas:

− a indemnização pela resolução (anulação do contrato por erro ou dolo) – art. 908.º (“em
caso de dolo, o vendedor, anulado o contrato, deve indemnizar o comprador do prejuízo
que este não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada”) e 909.º (“nos
casos de anulação fundada em simples erro, o vendedor também é obrigado a indemni-
zar o comprador, ainda que não tenha havido culpa da sua parte, mas a indemnização
abrange apenas os danos emergentes de contrato”);
− e a indemnização pelo não cumprimento da obrigação de convalescença (art. 910.º
– “se o vendedor se constituir em responsabilidade por não sanar a anulabilidade do
contrato, a correspondente indemnização acresce à que o comprador tenha direito a
receber na conformidade dos artigos precedentes, salvo na parte em que o prejuízo foi
comum”).
Temos um outro direito: a redução do preço (art. 911.º – “se as circunstâncias mostra-
rem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço infe-
rior, apenas lhe caberá o direito à redução do preço, em harmonia com a desvalorização resul-
tante dos ónus ou limitações, além da indemnização que no caso competir”). Para tal, exige-se
demonstração de que o comprador tivesse comprado os bens na mesma, mas por preço inferior.

No caso da compra e venda de coisa defeituosa, estabelece o art. 913.º (“se a coisa
vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou
não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele
fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo
quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes”) que se aplica o regime
anterior.
Neste caso também temos indemnização por erro ou dolo, mas a convalescença não
existe – aqui é obrigação de reparação ou substituição da coisa (art. 914.º – “o comprador
tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coia ou, se for necessário e esta tiver natureza
fungível, a substituição dela; mas esta obrigação não existe, se o vendedor desconhecia sem
culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece”). Há uma hierarquia, sendo aquela
a primeira, e só depois havendo lugar à substituição.

O Código Civil aplica-se apenas nas relações entre profissionais ou entre particulares.
Se for relação de consumo é aplicável o DL 67/2003, o qual também prevê a redução do preço.

Estabelece o art. 957.º (“o doador não responde pelos ónus ou limitações do direito trans-
mitido, nem pelos vícios da coisa, exceto quando se tiver expressamente responsabilizado ou
tiver procedido com dolo”) que será uma responsabilidade atenuada porque a doação é um
contrato gratuito. Assim, só há responsabilidade quando se tiver expressamente responsa-
bilizado ou houver dolo na prestação. Sucede o mesmo com o art. 1134.º (“o comodante não
responde pelos vícios ou limitações do direito nem pelos vícios da coisa, exceto quando se tiver
expressamente responsabilizado ou tiver procedido com dolo”).

Em relação ao cumprimento defeituoso do arrendamento temos o art. 1032.º (“quando


a coisa locada apresentar vício que lhe não permita realizar cabalmente o fim a que é destinada,
ou carecer de qualidades necessárias a esse fim ou asseguradas pelo locador, considera-se o
contrato não cumprido”), o qual determina que em caso de cumprimento defeituoso da obrigação
do locador se considera o contrato não cumprido.
O art. 1031.º especifica as obrigações do locador, às quais corresponde o pagamento da
renda – trata-se de uma obrigação sinalagmática.

O art. 1207.º define o contrato de empreitada, estabelecendo que “empreitada é o con-


trato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um
preço”, regulando o seu cumprimento defeituoso o art. 1218.º e seguintes.
O dono da obra tem o ónus de verificar a obra, podendo aceitar ou não (art. 1218.º n.º
1 – “o dono da obra deve verificar, antes de a aceitar, se ela se encontra nas condições conven-
cionadas e sem vícios”).
Temos duas hipóteses quando aceita: ou aceita com reserva ou aceita sem reserva,
caso em que o empreiteiro fica desresponsabilizado pelos defeitos (art. 1219.º – “o emprei-
teiro não responde pelos defeitos da obra, se o dono a aceitou sem reserva, com conhecimento
deles”).

Orientação Tutorial, 14/11/2018


Os automóveis de Nuno e Jorge, conduzidos pelos próprios, colidiram, não se
tendo apurado a causa do acidente.
O acidente provocou danos avultados em ambos os veículos, e em Tiago, a quem
Nuno tinha dado boleia.

1. Quem será responsável e em que moldes pelos danos causados nos veículos?

Não há aqui qualquer presunção de culpa. Tanto Nuno como Jorge têm a direção efetiva
do veículo, ou seja, o poder de facto sobre o mesmo, e conduzem no seu próprio interesse, pelo
que respondem pelo risco, nos termos do art. 503.º n.º 1.
Não estando apuradas as causas, não sabemos se e quem tem culpa. Assim, e por
aplicação do art. 506.º n.ºs 1 e 2, considera-se igual a repartição da culpa e da indemnização.

2. Se o veículo de Nuno fosse conduzido pelo seu funcionário em exercício de


funções, não tendo sido apurada a causa do acidente, quem responderia pelos danos cau-
sados?

Neste caso, Jorge responde igualmente pelo risco, tal como dispõe o art. 503.º n.º 1.
No que concerne ao funcionário, existe uma presunção de culpa (art. 503.º n.º 3), a qual
este não consegue ilidir. Assim, o funcionário responde por factos ilícitos, nos termos do art.
562.º e seguintes.
Nuno pode responder como proprietário (art. 503.º n.º 1) ou como comitente (art. 500.º).
Só responde pelo art. 500.º se verificados os três requisitos que esse preceito impõe: a existência
de uma relação de comissão, que o comissário esteja no exercício das funções que lhe foram
incumbidas e que sobre este recaia a obrigação de indemnizar. Deste modo, Nuno responde
como comitente, nos termos do art. 500.º.
A responsabilidade de Nuno será consumida pela responsabilidade dos outros dois in-
tervenientes, a qual será repartida entre o funcionário e Nuno, tal como dispõe o n.º 2 do art.
507.º e o art. 497.º. O comitente terá sobre o comissário um direito de regresso (art. 500.º n.º 3).
Em relação ao veículo de Nuno, será ele a pagar os danos.
No que se refere ao transporte de Tiago, refere-se que o funcionário não está no exercí-
cio de funções, pelo que se lhe aplica o art. 503.º n.º 1, por remissão da 2.ª parte do n.º 3. Este
responde, portanto, pelo risco. Estabelece o art. 504.º n.º 3 que apenas são indemnizáveis os
danos pessoais.

3. Pressuponha agora que no caso da alínea anterior ficou demonstrado que Tiago
sofreu danos em virtude de ir sem cinto de segurança. Terá direito a ser indemnizado?

Nesta hipótese, há culpa do lesado (art. 570.º), a qual deve ser provada, tal como se
retira do art. 572.º. Ao fazer uma interpretação enunciativa do art. 570.º n.º 2, exclui-se a obriga-
ção de indemnizar, pois o lesado responde por culpa provada, que absorve aquela. Não se aplica
aqui o art. 505.º pois não há culpa do lesado.

Se estivermos numa situação de responsabilidade por factos ilícitos não podemos aplicar
o art. 504.º.
Os riscos do veículo a que se refere o art. 503.º n.º 1 prendem-se com o funcionamento,
com a pessoa do condutor e com as vias de circulação.

Suponha que A, funcionário de D, vai em excesso de velocidade e embate no veí-


culo de B, que está parado num semáforo. Ambos os veículos sofreram danos. A trans-
portava C, seu amigo, o qual parte o pulso e os óculos. C não levava o cinto de segurança.

B responde como proprietário do veículo, pelo art. 503.º n.º 1, já que tem o poder de facto
e o interesse na condução do veículo.
A responde pelo art. 483.º n.º 1, visto que existe culpa provada.
Prevalece o art. 483.º e D responde pelo risco como comitente, tendo direito de regresso
sobre o comissário (art. 503.º n.º 3).
Em relação a C, A responde pelo art. 483.º – mais uma vez, porque tem culpa. O comi-
tente não responde pelo art. 503.º n.º 1, pois não tem o interesse, nem pelo art. 500.º, já que A
não está no exercício das suas funções. Será tudo indemnizado – danos materiais e pessoais –
porque estamos no âmbito da responsabilidade por factos ilícitos.
C ia sem cinto. Podemos, portanto, ter aqui um caso de culpa do lesado (art. 570.º n.º
1), devendo esta ser provada, tal como estabelece o art. 572.º. A indemnização a pagar pode
ser reduzida pelo art. 494.º, porque se trata de negligência.

Prática, 15/11/2018
Troca de aula com D.R.

Teórica, 20/11/2018
Exclusão da responsabilidade do devedor pelo não cumprimento
Temos exclusão da responsabilidade quando o devedor falta ao cumprimento de uma
obrigação, mas fá-lo legitimamente.
O art. 428.º (“se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumpri-
mento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação
enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”)
prevê a exceção de não cumprimento do contrato.
Quando é que se aplica? Nos contratos bilaterais, ou seja, nos contratos em que haja
obrigações para ambas as partes. Existe o sinalagma genético, quando uma das obrigações
nasce como correspetiva da outra, e o funcional. O legislador permite que, quando os prazos
de cumprimento são iguais e uma das partes não tenha cumprido, a outra fique a aguardar
o cumprimento.
No contrato de arrendamento à obrigação de proporcionar o gozo da coisa do senhorio
(art. 1031.º) contrapõe-se a obrigação de pagamento da renda (art. 1038.º al. a).
Quando é que podemos aplicar o art. 428.º? Por exemplo, o senhorio não realiza as
obras e o arrendatário não paga a renda – não estão em sinalagma. Só podemos não cumprir
se a outra parte incumprir e existir o sinalagma.
Por exemplo, o empreiteiro não cumpre a sua prestação. O dono da obra pode não pagar
enquanto aquele não continuar a obra.

O art. 754.º prevê o direito de retenção, o qual é uma garantia real, estabelecendo que
“o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, es-
tando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela
ou de danos por ela causados”. O art. 755.º prevê alguns casos em que existe aquele direito.

O art. 787.º (“quem cumpre a obrigação tem o direito de exigir quitação daquele a quem
a prestação é feita, devendo a quitação constar de documento autêntico ou autenticado ou ser
provida de reconhecimento notarial, se aquele que cumpriu tiver nisso interesse legítimo”) refere-
se ao direito à quitação, o qual é um direito de exigir o recibo.
O n.º 2 estabelece que “o autor do cumprimento pode recusar a prestação enquanto a
quitação não for dada, assim como pode exigir a quitação depois do cumprimento”.

Refere o art. 841.º a consignação em depósito, a qual tem a ver com a mora do credor.
Causas de não cumprimento não imputáveis ao devedor
Temos, em primeiro lugar, a impossibilidade da prestação. Estabelece o art. 790.º (“a
obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao de-
vedor”), bem como o art. 791.º (“a impossibilidade relativa à pessoa do devedor importa igual-
mente a extinção da obrigação, se o devedor, no cumprimento desta, não puder fazer-se substi-
tuir por terceiro”), que a obrigação se extingue. É uma impossibilidade verdadeiramente por
razões objetivas, não se incluindo aqui as situações em que se torne extremamente oneroso a
realização da prestação.
A lei permite atenuar estas situações, tal como sucede com o art. 762.º.

O art. 437.º prevê a resolução ou modificação do contrato por alteração das cir-
cunstâncias, estabelecendo que “se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de
contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do con-
trato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações
por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos
próprios do contrato”. Este mecanismo é de difícil aplicação prática.
Para tal, é necessário que a circunstância em que as partes contrataram se modifi-
que. Por exemplo, o contrato de telecomunicação não se funda em circunstâncias particulares.
Deve ainda apelar-se aos limites da boa fé – no caso anterior, se a empresa está a cumprir, o
facto de exigir o mesmo preço não afeta a boa fé. Para além disso, não pode estar coberta
pelos riscos próprios do contrato, o que significa que tem que ser uma alteração anormal que
não esteja coberta por aqueles.

Aponta-se ainda a mora do credor (art. 813.º e seguintes – “o credor incorre em mora
quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou
não pratica os atos necessários ao cumprimento da obrigação”). O credor, que devia receber
a prestação, não a recebe. Por exemplo, o senhorio recusa o recebimento da renda. Pode fazê-
lo, mas não sem motivo legítimo. Como sabemos se o é ou não?
Entretanto, o devedor faz uma consignação em depósito (art. 841.º – “o devedor pode
livrar-se da obrigação mediante o depósito da coisa devida, nos casos seguintes: quando o cre-
dor estiver em mora”), a qual é efetuada na Caixa Geral de Depósitos, que vai salvaguardar a
sua posição e livrar-se de inconvenientes futuros de provar que só não cumpriu porque o
devedor não deixou.
No final do litígio, a renda é entregue. Em regra, após decisão judicial pode levantar o
dinheiro. Se o fizer antes considera-se que aceitou o cumprimento (art. 846.º – “a consignação
aceita pelo credor ou declarada válida por decisão judicial libera o devedor, como se ele tivesse
feito a prestação ao credor na data do depósito”).
O art. 815.º estabelece que “a mora faz recair sobre o credor o risco da impossibilidade
superveniente da prestação, que resulte de facto não imputável a dolo do devedor”.
O art. 816.º dispõe que “o credor em mora indemnizará o devedor das maiores despesas
que este seja obrigado a fazer com o oferecimento infrutífero da prestação e a guarda e conser-
vação do respetivo objeto”.

Obrigação de indemnizar
A obrigação de indemnizar é comum às duas formas de responsabilidade, estando
prevista no art. 562.º e seguintes. A obrigação de indemnizar visa reparar ou compensar um
dano.
São fontes:

− o não cumprimento definitivo,


− a mora,
− o cumprimento defeituoso,
− a violação de um direito subjetivo ou norma destinada a proteger interesses privados,
− o facto lícito
− e o mero risco.

• Sujeitos da obrigação
O sujeito passivo é a pessoa a quem se imputa, nos termos da lei, o facto constitu-
tivo da responsabilidade. Normalmente trata-se de um facto próprio, sendo que são limitados
os casos em que responde pelo facto de outrem (art. 491.º, 500.º e 501.º).
O sujeito ativo é o terceiro titular do direito ou interesse violado (art. 495.º e 496.º).

• Danos compreendidos na indemnização


A lei impõe a reparação dos prejuízos. Qual a medida da reparação? Quais os danos
indemnizáveis, causados pelo ato que gera responsabilidade? Vamos excluir qualquer conceito
de causalidade natural ou filosófica. Temos várias doutrinas que pretendem dar solução a este
problema.
Segundo a doutrina da equivalência ou das conditio sine qua non consideram-se
prejuízos causados por um facto todos aqueles que não se teriam produzido se esse facto,
embora concorrente com outras causas, não houvesse sido praticado.
Esta doutrina põe em destaque aspetos importantes. Em primeiro lugar, exclui a respon-
sabilidade quando se demonstre, em face das circunstâncias concretas, que o prejuízo se daria
quer o facto danoso se verificasse quer não.
Em segundo lugar, esta teoria também destaca a responsabilidade humana pelas forças
naturais resultantes de uma ação sua. Consideram existir uma demasiada extensão da respon-
sabilidade, tentando delimitá-la com a culpa. Não funciona para a responsabilidade objetiva nem
por factos lícitos.

Esta foi rejeitada pelas doutrinas seletivas, as quais defendem que, dentro das causas,
vamos ver qual a condição relevante para gerar a obrigação de indemnizar.
Temos a doutrina da última condição ou da causa próxima e a doutrina da causa
eficiente, que é aquela condição que foi proeminente, mais eficaz para o resultado.
Estas doutrinas trouxeram um contributo positivo ao problema, a distinção entre danos
diretos ou imediatos dos danos indiretos ou mediatos, mas todas elas têm um defeito de
base: é difícil estabelecer uma diferença objetiva ou essencial entre causa e condição.

Temos ainda a doutrina da causalidade adequada. Considera-se como causa de um


prejuízo a condição que, em abstrato, se mostre adequado a produzi-lo. Parte-se de uma
equivalência das condições mas deixa de se verificar essa correspondência quando, de acordo
com a experiência comum e com as circunstâncias do caso, não se possa afirmar, em termos de
probabilidade que o facto originaria normalmente o dano.
É necessário que o facto tenha sido em concreto condição sine qua non, mas tam-
bém que constitua em abstrato, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua
produção.
Deve fazer-se um juízo ou prognóstico a posteriori de adequação abstrata, atendendo-
se em primeiro lugar às circunstâncias cognoscíveis à data do facto por uma pessoa normal e
ainda às circunstâncias efetivamente conhecidas do agente.
Deve admitir-se uma formulação mais ampla da doutrina da causalidade adequada para
a responsabilidade por factos ilícitos culposos do que para a responsabilidade por atos lícitos.
No âmbito da responsabilidade pelo risco também devemos ter uma consideração mais
restrita, sendo que só devem ser indemnizáveis os danos que cabem no âmbito do risco. Se
estiverem fora desse não são indemnizáveis.
A doutrina da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade da condição no
sentido de que esta haja só por si determinado o dano. Não se impõe que o nexo causal entre
facto e dano se apresente direto ou imediato, podendo ser indireto ou mediato. A doutrina da
causalidade adequada não exige expressamente a previsibilidade do dano, mas o facto consti-
tutivo da responsabilidade. Em abstrato é que vamos ver se o facto é adequado a produzir o
dano.

• Causa virtual ou hipotética


Fala-se em causalidade interrompida ou interrupção do nexo causal quando um facto,
que é a causa virtual, adequado a provocar determinado dano não chega todavia a ocasi-
oná-lo porque, entretanto, um outro facto, que é a causa operante, autónomo do primeiro, e
independentemente dele, produziu o mesmo resultado danoso (por exemplo, uma senhora, a
ir para o hospital com o braço partido, morre em acidente na ambulância).
A esta figura contrapõe-se uma outra: a figura da causalidade antecipada ou prema-
tura, que se verifica quando o dano provocado por certo facto se teria produzido mais tarde
em consequência de outro (por exemplo, empurra uma senhora, a qual ia morrer de AVC). É
resolvido em determinadas situações com a indemnização parcial.
Não há relevância da causa virtual. Quando é que há relevância negativa? Quando
é que consegue afastar a responsabilidade pela causa real? Só nos casos previstos na lei:

− arts. 491.º, 492.º e 493.º – existe um denominador comum: encontra-se numa situação
de responsabilidade agravada;
− art. 616.º n.º 2, referente à impugnação pauliana, que traduz a possibilidade que o credor
tem para impugnar esses atos de disposição gratuita do devedor, que deve estar de má
fé, a qual terá que ser provada; Por exemplo, A tem muitas dívidas e sabe que não vai
conseguir pagar. Para fugir ao pagamento, resolver alienar o seu património, doando-o
aos filhos.
− arts. 807.º n.º 2 e 1136.º n.º 2 – são situações de mora em que há um agravamento da
responsabilidade, já que estes sujeitos são responsáveis pelo risco.

Se houve responsabilidade nos termos do art. 563.º há obrigação de indemnizar.

Orientação Tutorial, 21/11/2018


Troca de aula.
Prática, 22/11/2018
Troca de aula.

Teórica, 27/11/2018
O art. 562.º estabelece que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir
a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Prevê,
portanto, uma ideia de reparação. Este preceito é um indício muito forte de que o que a respon-
sabilidade civil pretende é reparar danos.
Que danos é que vamos compensar? Se pensarmos em causalidade natural não há
limites. Vamos tratar de uma causalidade jurídica. O art. 563.º implica uma causalidade direta:
o facto não é condição, é causa do resultado.
Como sabemos o que é a causa? Temos aqui uma ideia de probabilidade feita a priori,
estando consagrada no art. 563.º.

O art. 564.º fala dos danos indemnizáveis, prevendo o seguinte: “o dever de indemnizar
compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em
consequência da lesão”. Por exemplo, A tem um acidente. Serão indemnizáveis os danos patri-
moniais e os lucros cessantes, sendo que podemos ter danos futuros – são todos considera-
dos na indemnização.
Os danos são, em princípio, indemnizáveis ao lesado, salvo em alguns casos exce-
cionais, como sucede com o art. 496.º n.ºs 2 e 3 e o art. 495.º n.º 2.
Esta ressalva levanta alguns problemas. A sofreu danos, ficando impossibilidade de con-
tinuar a vida sexual. Terá a sua cônjuge direito à indemnização? O tribunal numa situação con-
siderou que sim, noutra que não.
A sofreu um acidente, deixando de poder cuidar de si mesmo, tendo a sua cônjuge que
ficar como sua cuidadora. Tem direito a indemnização?

Formas de cálculos de indemnização


Temos duas formas básicas:

− restituição natural ou indemnização em forma específica dos interesses lesados.


Neste caso remove-se o dano, por exemplo, entregando a coisa. Também pode ocorrer
para os danos não patrimoniais – por exemplo, alguém injuria A e depois pede desculpa.
− Indemnização em dinheiro ou indemnização por equivalente. Esta é possível:
quando a reposição natural não é possível, quando não compensa todos os danos ou
quando a ordem jurídica não a admite porque a considera demasiado onerosa para o
devedor.
Entrega-se uma quantia em dinheiro que corresponde ao dano de cálculo ou abstrato,
aos prejuízos sofridos.
Do n.º 1 do art. 566.º (“a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição
natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente
onerosa para o devedor”) retiramos que a lei dá primazia à restituição natural.
É possível escolher? A resposta é negativa. O legislador quando estabeleceu este prin-
cípio procurou um equilíbrio entre o credor e o devedor, pelo que aquele não pode optar pela
indemnização em dinheiro. Sendo possível, a restituição natural é um direito do devedor, o le-
sante.
O n.º 2 do art. 566.º estabelece que “sem prejuízo do preceituado noutras disposições,
a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado,
na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não exis-
tissem danos”. Nas situações em que a prova não é possível, o tribunal decide segundo a equi-
dade (n.º 3 – “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativa-
mente dentro dos limites que tiver por provados”).
Temos ainda a indemnização em renda. Em vez de se entregar um montante único ao
lesado, determina-se que este vai receber um montante mensal (art. 567.º – “atendendo à natu-
reza continuada dos danos, pode o tribunal, a requerimento do lesado, dar à indemnização, no
todo ou em parte, a forma de renda vitalícia ou temporária, determinando as providências neces-
sárias para garantir o seu pagamento”).
Para além desta regra geral, existem casos em que o tribunal vai julgar pela equi-
dade: art. 494.º – a lei permite que haja uma redução da indemnização; art. 339.º n.º 2; art. 489.º;
art. 570.º; disciplina convencional da responsabilidade.

A concausalidade traduz-se numa situação de responsabilidade solidária e existe


nos arts. 497.º e 507.º.
A culpa do lesado está referida no art. 570.º. Verificam-se todos os pressupostos da
responsabilidade civil, mas também há culpa – dolo ou negligência – do lesado. Por exemplo, A
compra um medicamente na farmácia fora de validade. Não há dever de cuidado de verificar se
está dentro do prazo de validade. É uma culpa em sentido técnico. Se não houvesse lesante, se
o lesado fosse lesante, aplicava-se-lhe os pressupostos da responsabilidade civil? Só se aplica
a norma em caso afirmativo.

Convenção disciplinadores da responsabilidade civil


As partes podem convencionar sobre a obrigação de indemnização. Estas conven-
ções são admitidas no nosso ordenamento jurídico nos termos gerais dos contratos, ou seja, o
art. 405.º, o qual estabelece a liberdade contratual para disciplinarem os efeitos, estando sujeitos
aos limites da lei – não podem ser contrárias à lei, nem usurárias, entre outros. Estas abrangem
a responsabilidade e extracontratual.
Podem ser de limitação, de agravamento ou de exclusão da responsabilidade.
Nas convenções de limitação temos um abrandamento da obrigação de indemnizar,
o qual pode ocorrer a um de dois níveis: ao nível dos pressupostos da obrigação de indemnizar
– por exemplo, só há responsabilidade se agir com dolo; ao nível dos efeitos – limitada a uma
determinada quantia.
Em princípio, são válidas, a não ser que sejam expressamente proibidas – é o caso do
art. 504.º n.º 4 –, nem podem ser contrárias a outros princípios da ordem pública. Por exemplo
nos contratos em massa, um dos elementos do contrato fica muito desprotegido. Tem que atuar
o regime geral das cláusulas contratuais e o art. 280.º.
As cláusulas de agravamento são cláusulas utilizadas na responsabilidade contratual.
As partes vão acordar, por exemplo, um quantitativo mínimo da indemnização ou que o devedor
responde independentemente de culpa. Também temos um agravamento ao nível dos pres-
supostos e dos efeitos.
É caso da exclusão da responsabilidade o art. 809.º, o qual dispõe que “é nula a cláusula
pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas
divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do devedor, salvo o disposto no n.º
2 do artigo 800.º”. Em cada situação temos que interpretar um contrato e ver se estamos perante
uma cláusula de exclusão da responsabilidade ou se é uma delimitação do objeto do contrato
– por exemplo, o que os parques de estacionamento e os autocarros da Arriva estabelecem
quanto a não responderem por eventuais furtos.
E se for verdadeiramente uma cláusula de exclusão da responsabilidade ela é sempre
nula? Em princípio é, pois assim o estabelece o art. 809.º.
Não se confunde com a cláusula de exclusão da indemnização. Esta não é nula. Ape-
sar de uma das partes não ter direito à indemnização, tem direito a tudo o resto: resolução
do contrato, a exigir o seu cumprimento, exceção de não cumprimento, direito de retenção, direito
a promover execução específica e a sanção pecuniária compulsória (art. 829.º-A).
Para aquela ser possível tem que ser adaptável à situação de culpa leve. Não se inclui
o dolo e a culpa grave.
O regime das cláusulas contratuais gerais (art. 18.º als. c) e d) só considera nulas as
cláusulas que excluam a responsabilidade em situações de dolo ou culpa grave. Parece ser de
admitir as cláusulas de exclusão da responsabilidade em situações de culpa leve, sendo que a
limitação não é da responsabilidade, consistindo numa cláusula de exclusão da indemnização.

Cláusula penal
A cláusula penal encontra-se prevista no art. 810.º e seguintes, estando estipulada só
para a responsabilidade contratual. É a estipulação em que num negócio jurídico as partes
fixam o montante da indemnização para o caso do seu incumprimento. Não exclui que ha-
vendo responsabilidade civil se tenham que verificar os pressupostos, mas quando se chega ao
dano não os vamos calcular, sendo aplicado o montante da cláusula penal.

Quando é que pode funcionar?

− incumprimento definitivo, sendo que podemos ter cláusula penal para o não cumpri-
mento total do contrato ou tão-só para a infração de uma das suas cláusulas (parcial);
− mora;
− cumprimento defeituoso.

Qual a função da cláusula penal? Tem 3 funções:


1. Pode ter uma função compensatória porque ela consiste numa fixação antecipada da
indemnização (função normal).
2. Função coercitiva: ela pressiona o devedor ao cumprimento porque, na falta deste,
autoriza o credor a exigência alternativa de uma consequência mais gravosa.
3. Pode ter uma função puramente compulsória. As partes podem querer que a cláusula
penal acresça à execução específica.

A cláusula penal tem caráter acessório (art. 810.º n.º 2 – “a cláusula penal está sujeito
às formalidades exigidas para a obrigação principal, e é nula se for nula esta obrigação”), o qual
não impede que a cláusula penal seja celebrada num momento do contrato ou em momento
posterior, tendo que o ser antes do dano. A cláusula penal tem um valor fixo. A lei trata-a como
uma liquidação antecipada dos danos que as partes acordam livremente.
É uma figura próxima do sinal. Temos, desde logo, uma diferença formal. A constituição
do sinal envolve a própria entrega da coisa em que o mesmo se analisa. O sinal tem natureza
de multa, traduzindo-se no direito de arrependimento ou possibilidade de desistência do contrato.
A sua função é a de permitir a desistência – tem uma função positiva.
Ambos são meios fortemente coercitivos na realização das prestações (função de pre-
venção) e ambos têm logo o montante liquidado.
O art. 811.º estabelece que “o credor não pode exigir cumulativamente, com base no
contrato, o cumprimento da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se
esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrá-
rio”, ou seja, salvo se for devido a mora. O n.º 2 dispõe que “o estabelecimento da cláusula
penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a con-
venção das partes”. O n.º 3 tem a ver com os danos excedentes: “o credor não pode em caso
algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da
obrigação principal”.
O art. 812.º é uma norma absolutamente excecional, dispondo que “a cláusula penal
pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente ex-
cessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário”. São
vários os fatores a ter em consideração pelo tribunal: danos previstos ao tempo de conclusão do
contrato e efeito prejuízo sofrido pelo credor; situação económico-social das partes; vai verificar
em concreto qual é a função da cláusula penal. Nestes casos o tribunal vai reduzir o montante
da indemnização.
O n.º 2 do art. 812.º aplica-se quando há cumprimento parcial do contrato e a cláusula
penal prevê o incumprimento total. Em tais, “é admitida a redução nas mesmas circunstâncias,
se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida”.

Orientação Tutorial, 28/11/2018


Teste de avaliação contínua.

Prática, 29/11/2018
Jorge estava interessado em adquirir um cavalo. Para tal foi à quinta de Nuno,
conhecido criador, onde, por sugestão deste, foi experimentar o cavalo.
Quando estava a ser montado por Jorge o animal assustou-se com um trovão e
deu um coice num automóvel de Tiago, um outro cliente de Nuno.
1. Tiago quer ser indemnizado. Quid iuris?

2. Pressuponha que Jorge chegou a entendimento com Nuno para a aquisição do


cavalo e ficou convencionado que o animal seria entregue na casa de Jorge no dia
seguinte. Nessa noite o animal morre em virtude de um ataque cardíaco fulmi-
nante. Quid iuris?

3. Pressuponha ainda que o cavalo não morreu e que passados 15 dias Nuno ainda
não entregou o cavalo. Face ao sucedido, Jorge pretende desvincular-se. Poderá
fazê-lo?

4. No termo das negociações com Jorge, Nuno vendeu-lhe o cavalo, desconhecendo


que o mesmo morrera no dia anterior. Quid iuris?
Estamos, neste caso, perante uma impossibilidade originária, a qual é, tal como consta
do art. 401.º, nula (arts. 286.º e 289.º), já que falta um dos elementos da prestação, a possibili-
dade (art. 280.º).

A obrigação de meios (arts. 790.º, 791.º e 795.º) não se confunde com a obrigação de
resultado, na qual não há cumprimento.
O incumprimento pode ser imputável, nos termos dos arts. 799.º n.º 1 e 800.º, havendo
neste caso responsabilidade. Pode ocorrer por três motivos:

− Cumprimento defeituoso.
− Mora (atraso no cumprimento) – arts. 804.º, 805.º e 807.º (mora do devedor) e art. 813.º
e seguintes (mora do credor). Esta pode ser convertida em incumprimento definitivo de
dois modos:
• Interpelação admonitória (art. 808.º n.º 1), a qual deve conter dois elementos:
a fixação de um prazo razoável, mas supletivo, para cumprimento; a determina-
ção da cominação em que o devedor incorre se persistir no incumprimento.
• Perda do interesse (art. 808.º n.º 2) – este afere-se objetivamente e não de-
pende de comunicação.
− Incumprimento definitivo, o qual pode ter uma das seguintes consequências:
• Resolução: arts. 801.º n.º 2 e 432.º e seguintes. Esta tem efeitos retroativos (art.
434.º) e é irrevogável (art. 230.º). Há neste caso lugar à indemnização pelo inte-
resse contratual negativo, o qual abrange os lucros cessantes e os danos emer-
gentes. Temos uma indemnização pelos danos que o credor não teria sofrido se
não tivesse contratado.
• Manutenção do contrato (art. 798.º), a qual pressupõe que a parte cumpra a
sua obrigação. Há aqui lugar à indemnização pelo interesse contratual positivo.
São causas legítimas de incumprimento: a exceção de não cumprimento (art. 428.º
e seguintes) e o direito de retenção (art. 754.º e seguintes).
O incumprimento não imputável é aquele que é imputável a terceiro ou a causa de força
maior e pode decorrer de uma impossibilidade originária (arts. 401.º, 280.º, 286.º e 289.º) ou
de uma impossibilidade superveniente, a qual pode ser:

− Absoluta e definitiva, caso em que o contrato caduca. Relativamente ao devedor pode


ser objetiva (art. 790.º n.º 1) ou subjetiva (art. 791.º). Ao credor aplica-se o art. 795.º ou
o art. 796.º, nos casos em que houve transmissão do direito de propriedade.
− Temporária (art. 792.º).
− Parcial (art. 792.º).
Nestes dois últimos casos o cumprimento depende do interesse do credor, o qual é
aferido objetivamente (art. 808.º n.º 2).
A doutrina defende que também se pode aplicar o art. 808.º n.º 1 à mora do credor.

Teórica, 04/12/2018
Troca de aula.

Orientação Tutorial, 05/12/2018


1. Tiago quer ser indemnizado. Quid iuris?
O proprietário responde pelo risco, nos termos do art. 502.º.

2. Pressuponha que Jorge chegou a entendimento com Nuno para a aquisição do


cavalo e ficou convencionado que o animal seria entregue na casa de Jorge no dia
seguinte. Nessa noite o animal morre em virtude de um ataque cardíaco fulmi-
nante. Quid iuris?
Nuno não consegue cumprir a sua prestação. Temos contra ele uma presunção de culpa
(art. 799.º n.º 1), a qual este consegue ilidir. Assim, o facto não lhe é imputável.
Temos uma impossibilidade superveniente, a qual é objetiva, absoluta, total e definitiva.
O art. 790.º n.º 1 dispõe que a obrigação se extingue e o devedor fica desonerado.
Em relação ao credor, a regra consta do art. 795.º: o credor também fica desonerado,
tendo direito a exigir a prestação efetuada. Existe, no entanto, uma exceção, quando há lugar à
transmissão da propriedade. Quando tal ocorre, dá-se a transmissão do risco, o qual passa a
correr por conta do credor. Assim, Jorge tem que pagar o preço devido.

3. Pressuponha ainda que o cavalo não morreu e que passados 15 dias Nuno ainda
não entregou o cavalo. Face ao sucedido, Jorge pretende desvincular-se. Poderá
fazê-lo?
Não temos, na hipótese, elementos para aferir a existência de culpa, pelo que, por apli-
cação do n.º 1 do art. 799.º, se presume a culpa de Nuno. Trata-se, portanto, de um incumpri-
mento imputável. Não há nada que indicie a perda do interesse nem a impossibilidade do cum-
primento, pelo que estamos perante uma situação de incumprimento temporário (ou mora).
Jorge pode converter a mora em incumprimento definitivo e assim resolver o contrato
(art. 432.º e seguintes). Deve fazê-lo através de uma interpelação admonitória, fixando um prazo
supletivo e estabelecendo a cominação (art. 808.º n. 1).

Prática, 06/12/2018
B é proprietário de um edifício que está em risco de ruína. Contrata um gabinete
de arquitetura e engenharia para elaborarem um plano que permita a demolição do edifício
sem danos colaterais. Enquanto que o gabinete estuda o processo, B recebe uma pro-
posta irrecusável e vende o edifício.
O gabinete de arquitetura é credor do preço e devedor do projeto. O proprietário do edi-
fício é credor do projeto e devedor do preço. A prestação que se tornou impossível foi a do
primeiro, a obrigação de apresentar o projeto – aquilo para o qual foi contratado deixou de ser
possível – sendo-o por causa que não lhe é imputável. Nos termos do art. 790.º n.º 1, o devedor
fixa exonerado da sua prestação.
Por aplicação do disposto no n.º 2 do art. 795.º, e porque a impossibilidade ocorreu por
culpa do credor, B vai ter que pagar o preço.

A vende a B um veículo com reserva de propriedade até integral pagamento. B


comprometeu-se a levantar o veículo no dia 2 de fevereiro. No dia 1 de fevereiro o stand
de A é assaltado e o veículo em questão é furtado, aparecendo destruído uns metros mais
à frente. B, que pagou 10.000€ pelo veículo, comprometendo-se a pagar o restante até 2
meses depois, tem conhecimento que A irá receber da companhia em que o veículo se
encontrava segurado 25.000€. Haverá hipótese de B vir a receber ele essa quantia?
A não consegue cumprir a obrigação de entrega do veículo, sendo que consegue ilidir a
presunção do art. 799.º, porque o incumprimento se deve a causa que não lhe é imputável. Te-
mos uma impossibilidade objetiva (art. 790.º n.º 1), sendo que o devedor fica exonerado da sua
obrigação.
Em relação a B, não aplicamos o art. 796.º pois não houve lugar à transmissão da pro-
priedade – há reserva de propriedade (art. 409.º). Aplicamos aqui a 2.ª parte do n.º 3 do art.
796.º, o qual estabelece que o risco corre por conta do adquirente. B não tem, portanto, que
pagar. Este pode receber o valor a pagar pela seguradora, tendo para tal que efetuar a sua
prestação (art. 794.º).
O commodum de representação tem dois requisitos: não pode ter havido transferência
da propriedade; o credor tem de efetuar a sua prestação.

A adquire a B 6 cadeiras. Quando B se dirige para as entregar tem um acidente de


viação e 3 ficam destruídas.
A consegue ilidir a presunção. Temos uma impossibilidade parcial (art. 793.º e 763.º). O
n.º 2 daquele remete para o art. 808.º n.º 2, sendo que a perda de interesse se afere objetiva-
mente.

A é taxista e acorda com B ir buscá-lo a casa às 9h da manhã para o levar a uma


consulta médica. Porque apanhou a estrada cortada, chegou às 9h10. B diz que não tem
interesse porque é uma pessoa pontual e exige que os outros também o sejam, tendo-o
mandado embora.
Estamos perante uma impossibilidade não imputável, a qual é temporária (art. 792.º).
Neste caso não há perda de interesse – embora subjetivamente possamos considerar que sim,
objetivamente não há lugar àquela.

Teórica, 11/12/2018
Vejamos agora os casos em que entre o lesante e o lesado há uma relação de proximi-
dade, mas não uma relação jurídica (responsabilidade contratual) ou a total inexistência de uma
relação contratual (responsabilidade extracontratual). São as chamadas zonas intermédias en-
tre a responsabilidade civil contratual e extracontratual. São elas:

− responsabilidade pré-contratual:
A quer comprar um automóvel no stand de B. Vai ao banco tratar do mútuo bancário.
Recebe a aprovação hoje (sendo que já teve despesas para a concessão de crédito) e
o dono do stand diz-lhe que vendeu ontem o automóvel.

− culpa post factum finitum (depois do facto acabado):


Por exemplo, J trespassa o seu restaurante a M. Aquele vai cozinhar para o restaurante
do outro lado da rua.

− contratos com eficácia de proteção para terceiros:


Sucede quando A habita num prédio arrendado a B, o qual celebrou com a empresa de
distribuição de eletricidade um contrato, tendo o arrendatário acordado ser ele a proce-
der aos pagamentos. Se houver um corte no serviço, A é o lesado. A empresa distribui-
dora não tem uma relação contratual com o lesado, mas não lhe é totalmente estranha.

− relação corrente de negócios.


É aquela que temos com um banco ou uma oficina.
Em nenhuma destas situações vamos aplicar um ou outro regime em bloco. Será criado
caso a caso, com base no art. 10.º. Estamos aqui a falar na terceira via da responsabilidade
civil.
1. Responsabilidade civil pré-contratual ou culpa na formação dos contratos
Esta consta do art. 227.º, o qual estabelece que “quem negoceia com outrem para con-
clusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo
as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.
Deste modo, há responsabilidade de indemnizar os danos culposamente causados pelo
contrato. Esta responsabilidade abrange a fase da negociação e do momento decisório (a
partir do momento em que uma das partes emite declaração negocial até à outra aceitar).
A lei impõe deveres de boa fé, estabelecendo que devemos atuar segundo aquela. Da
sua violação resulta a obrigação de indemnizar, mas a lei não diz a que título. Este dever de
atuar segundo a boa fé desdobra-se em quê? Temos três tipos de deveres: dever de informação,
de lealdade e de proteção.
A boa fé concretiza-se num dever de informação quanto às circunstâncias que podem
ser relevantes para a formação do consenso da outra parte. Por exemplo, A sabe que vai
ser instalada uma discoteca no prédio ao lado e vende a sua fração a B, não o informando.
A boa fé concretiza-se num dever de lealdade que implica evitar comportamentos que
se traduzam numa deslealdade, ou seja, a abstenção de comportamentos desleais, nomeada-
mente a rotura injustificada das negociações, quando a outra parte tenha adquirido justifica-
damente a confiança de que elas iriam conduzir à celebração do contrato.
Estamos aqui a proteger a confiança, princípio defendido na ordem jurídica, mas o qual
tem muitas limitações: é um valor que perde face a outros, como sucede com a justiça. Também
pode ceder perante a liberdade. A confiança não limita a outra parte na sua liberdade contratual.
Para haver aquela violação tem que ser uma rotura da confiança de tal forma grande que atente
contra a boa fé.
A boa fé concretiza-se ainda em deveres de proteção, que determinam que na fase
negocial se evite qualquer atuação suscetível de causa danos à outra parte, sejam eles pes-
soais ou patrimoniais.
Até agora a jurisprudência portuguesa só aceitou como geradora da obrigação de indem-
nizar a violação dos deveres de informação e de lealdade.
A culpa in contrahendo pode consistir em quê? Três situações:

− interrupção ou rotura das negociações, levando a que o contrato não se ve-


nha a celebrar.
− pode haver celebração do contrato, mas em termos tais que este venha a pade-
cer de invalidade ou ineficácia.
− podemos ter uma situação em que o contrato é válido e eficazmente celebrado,
mas de modo a que gere danos para a outra parte.
Por exemplo, A vende um bem como futuro, mas sabe que não vai conseguir transmiti-
lo. Temos responsabilidade pré-contratual que ocorre na formação do contrato. Sucede o mesmo
se não tem poderes de representação para o contrato.
Quais são os danos indemnizáveis? O que se vai tutelar é a confiança. Temos que ver
quais as utilidades juridicamente tuteladas.
O fundamento é a responsabilidade obrigacional ou extracontratual? Temos que verificar
em cada situação concreta as normas a aplicar. Em qualquer caso, a doutrina entende que se
aplica o art. 799.º, o qual prevê uma presunção de culpa do lesado. O art. 800.º também se
aplica, por exemplo, aos bancos, que são responsáveis pelos atos dos seus representantes.
O n.º 2 do art. 227.º (“a responsabilidade prescreve nos termos do artigo 498.º”) estabe-
lece que a prescrição da responsabilidade ocorre nos termos da responsabilidade extra-
contratual.

2. Culpa post factum finitum


No caso de ter sido criada uma relação de confiança que se pressupõe ser respeitada
após a extinção do vínculo obrigacional, não deixará de existir responsabilidade se uma das
partes trair a confiança da outra.
Aqui não estamos a falar da proibição da violação da cláusula de não concorrência (por
exemplo, estabelece que não concorre por 2 anos), mas dos casos em que nada foi convencio-
nado pelas partes. Temos a violação de um dever que já não é contratual.
Também aqui se rejeita a aplicação em bloco do regime da responsabilidade contratual
ou extracontratual. O tribunal verifica o que é mais adequado a aplicar em cada caso.

3. Contratos com eficácia de proteção para terceiros


Esta situação ocorre sempre que o terceiro apresente uma relação de proximidade
com o credor, pelo que se justificará a extensão em relação a ele do círculo de proteção do
contrato. Por exemplo, o funcionário ficou ferido porque houve um cumprimento defeituoso de
fornecimento de material para a empresa. Há uma responsabilidade contratual em relação ao
cumprimento do contrato e ao mesmo tempo um misto de relação de terceiro (empregado).

4. Relação corrente de negócios


Consiste numa situação que se verifica sempre que as partes estejam de tal forma
ligadas por vínculos contratuais que qualquer prestação realizada por uma delas à outra,
mesmo que não corresponda a qualquer dos contratos celebrados, toma por referência uma
vinculação específica entre as partes.
O que carateriza esta relação? Já existe um negócio jurídico entre as partes. Depois há
uma série de relações que se vão desenvolver e que não conseguimos, para algumas, reportá-
las a um negócio jurídico. Não se confunde com o contrato quadro, o qual dá origem a uma
multiplicidade de contratos autónomos. Esta relação negocial é caraterizada pela disponibili-
dade da parte de celebração de negócios jurídicos com a outra.
Também aqui vamos rejeitar a aplicação em bloco das responsabilidades contratual e
extracontratual. É pacífico na doutrina a aplicação do art. 800.º.

Orientação Tutorial, 12/12/2018


António vendeu a Celso um conjunto de bens por 2.000€, tendo-se estipulado que
a entrega seria efetuada no final do mês e o pagamento do preço teria lugar 2 meses de-
pois.
Antes da data fixada para a entrega A tomou conhecimento que Celso estava in-
solvente. Na data da entrega A comunica a C que só procederá à mesma se C pagar o
preço na mesma data. Quid iuris?

A celebrou com C um contrato de compra e venda (art. 874.º e seguintes), o qual produz
efeitos reais e obrigacionais (art. 879.º). O efeito real prende-se com a transmissão do direito de
propriedade, a qual se dá por mero efeito de contrato (art. 408.º n.º 1). Tanto a obrigação de
entrega da coisa (al. b) como a obrigação de pagamento do preço (al. c) são, no caso, obrigações
a prazo, pois a sua realização foi diferida no tempo e têm prazo definido.
A exceção de não cumprimento (art. 428.º) não é possível na hipótese, pois para tal o
prazo teria que ser o mesmo.
O art. 429.º remete para o disposto no art. 780.º, prevendo que possa haver lugar a
exceção de não cumprimento quando haja culpa insolvência do devedor. Assim, o credor pode
recusar legitimamente a entrega enquanto o devedor não pagar ou não demonstrar garantia de
que vai efetuar o pagamento.

Elias adquiriu a Francisco uma mobília de quarto. Foi estipulado que Elias iria le-
vantar a referida mobília no dia 14 de dezembro às 16 horas. No entanto, porque se distraiu
nas compras de natal, esqueceu-se do que combinara com o Francisco.
No dia seguinte, Francisco dolosamente e com o objetivo de receber o seguro pro-
voca um incêndio no seu armazém. A mobília de Elias ficou totalmente destruída. Terá
direito a ser indemnizado?

E celebrou com F um contrato de compra e venda (art. 874.º e seguintes). Há lugar, por
mero efeito de contrato, à transmissão da propriedade e do risco (arts. 879.º al. a), 408.º n.º 1 e
796.º).
Nesta hipótese, temos mora do credor (art. 813.º e seguintes), relativamente à obrigação
de entrega da coisa. Estabelece o art. 814.º que o devedor só responde pelos seus factos dolo-
sos. Assim, e porque provocou dolosamente o incêndio, vai ter que pagar a E. Também se aplica
esta regra a factos negligentes. Se for um facto natural aplica-se o art. 796.º n.º 1.

Prática, 13/12/2018
Sofia adquiriu na loja de Tiago um televisor. Ficou convencionado que o aparelho
seria entregue no prazo de 30 dias.
Temos entre Tiago e Sofia uma relação jurídica obrigacional complexa cuja fonte é um
contrato de compra e venda (art. 874.º e seguintes). Este tem por efeito a transmissão do direito
de propriedade e do risco (arts. 897.º al. a), 408.º n.º 1 e 796.º). A obrigação de entrega da coisa
(al. b) foi deferida no tempo, tratando-se, portanto, de uma obrigação com prazo determinado.
Este contrato encontra-se sujeito ao princípio da liberdade de forma (art. 405.º).

1. Poderá Sofia 10 dias depois de celebrado o contrato exigir a entrega do televisor?


Tal como dispõe o art. 779.º, o prazo tem-se estabelecido a favor do devedor. Assim, o
devedor pode oferecer antes a prestação, mas o credor não a pode exigir antes do prazo.

2. Suponha que a entrega fica diferida porque Sofia estava a fazer obras. Decorridos
10 dias e após término daquelas, pode Sofia exigir a entrega?
Resulta da hipótese que o benefício do prazo foi estabelecido a benefício do credor.
Assim, Sofia pode exigir o cumprimento.

3. Poderá Tiago desde logo exigir o pagamento do preço?


Pode, tal como dispõe a regra geral do art. 885.º, pois o preço deve ser pago no momento
e no lugar da entrega da coisa vendida. Só assim não será se as partes estipularem algo em
sentido diverso (n.º 2).
4. Pressuponha agora que passados 30 dias Tiago não entrega o televisor. O que
poderá Sofia fazer?
Estamos, aqui, perante uma situação de mora (art. 805.º n.º 2 al. a), a qual corresponde
a uma incerteza jurídica. Sofia pode fazer uso de uma interpelação admonitória (art. 808.º), de-
vendo estipular um prazo supletivo e a cominação (“sob pena de resolução”).

5. Imagine que Sofia comprou o televisor porque os filhos queriam ver o mundial.
Tiago não entregou a coisa.
Temos, neste caso, a perda do interesse do credor (art. 808.º n.º 1), a qual é aferida
objetivamente (n.º 2). Assim, Sofia pode resolver o contrato (art. 432.º e seguintes).

6. Tiago dirige-se a casa de Sofia para entregar a coisa e, em virtude de um acidente


de automóvel que não lhe é imputável, o televisor fica destruído. Quid iuris?
Porque temos uma impossibilidade superveniente não imputável, já que causada por
factos de terceiro – ocorre igualmente com factos naturais –, a obrigação do devedor extingue-
se, tal como estatui o art. 790.º n.º 1. Como este é um contrato quoad effectum, Sofia tem que
pagar o preço (art. 796.º n.º 1).
Assiste-lhe, porém, o direito a indemnização pelo valor da televisão, a exigir à seguradora
ou a quem é imputável ao acidente, nos termos da responsabilidade extracontratual.

Teórica, 18/12/2018
Responsabilidade civil do produtor
Com o aumento do consumo e do mercado são lançados produtos que não geram riscos,
tendo tais riscos que ser imputados a alguém, que vai ser responsabilizado.
Temos dois problemas. Por um lado, não temos uma relação contratual com o produtor.
Como é que provamos que o produto tem um defeito? Não temos conhecimentos nem meios de
prova. A efetivação da responsabilidade do produtor era muito difícil.
Transposição de uma diretiva de 1985, o DL 383/89 trata da responsabilidade decorrente
de produtos defeituosos. Este consagra uma responsabilidade objetiva do produtor, o qual
responde independentemente de culpa (art. 1.º – o produtor é responsável, independentemente
de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação”).
Há uma inversão do ónus da prova quanto ao dano. O produtor pode mostrar ao jul-
gador que o pedido é irrazoável.
Há solidariedade de responsáveis, sendo que podemos demandar quem der mais jeito
(art. 6.º – “se várias pessoas forem responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabili-
dade”). Refere-se que a intervenção de terceiros (por exemplo, o enfermeiro que administra
um medicamento estragado) não afasta a responsabilidade do produtor. O consumidor lesado
pode exigir a reparação pelo produtor.
O produtor não pode responder por todos os danos: a colocação no mercado já cria
riscos. Temos causas de exclusão da responsabilidade (por exemplo, o cumprimento das téc-
nicas em vigor), a estipulação de um limite máximo, bem como o prazo de prescrição de 3
anos e de caducidade de 10 anos.
O art. 3.º define produto, estabelecendo que “entende-se por produto qualquer coisa
móvel, ainda que incorporada noutra coisa móvel ou imóvel”.
O art. 2.º apresenta a noção de produtor: “produtor é o fabricante do produto acabado,
de uma parte componente ou de matéria-prima, e ainda quem se apresente como tal pela apo-
sição no produto do seu nome, marca ou outro sinal distintivo”.
O art. 4.º estabelece que “um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com
que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente
a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua
entrada em circulação”.
Determina o n.º 5 que não há responsabilidade quando “não pôs o produto em circula-
ção” (al. a). É excluída a responsabilidade se o produtor provar que, tendo em conta as circuns-
tâncias, se pode razoavelmente admitir a inexistência do defeito no momento da entrada do pro-
duto em circulação (al. b), bem como se provar que “não fabricou o produto para venda ou qual-
quer outra forma de distribuição com um objetivo económico, nem o produziu ou distribuiu no
âmbito da sua atividade profissional” (al. c). Há ainda exclusão da responsabilidade quando pro-
var “que o defeito é devido à conformidade do produto com normas imperativas estabelecidas
pelas autoridades públicas” (al. d), “que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos, no
momento em que pôs o produto em circulação, não permitia detetar a existência do defeito” (al.
e) e “que, no caso de parte componente, o defeito é imputável à conceção do produto em que foi
incorporada ou às instruções dadas pelo fabricante do mesmo” (al. f).
Sem prejuízo do concurso de terceiro para a produção de dano, o tribunal pode determi-
nar a diminuição ou exclusão da indemnização se houver culpa do lesado – a qual, indivi-
dualmente considerada, é suscetível de gerar obrigação de indemnização (art. 7.º – quando um
facto culposo do lesado tiver concorrido para o dano, pode o tribunal, tendo em conta todas as
circunstâncias, reduzir ou excluir a indemnização”).
Determina o art. 8.º que “são ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão
pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente
destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino”.

Orientação Tutorial, 19/12/2018


A Goodlife, empresa de contabilidade, adquiriu à sociedade Infoprogram um pro-
grama informático específico.
O contrato foi celebrado a 27 de fevereiro de 2016 e deveria estar a funcionar a 31
de março do mesmo ano, data a partir do qual a Goodlife contava com o programa para
implementar a prestação de um novo serviço aos seus clientes.
O preço ajustado foi de 10.000€, tendo sido pagos de imediato 2.500€ e ficando
acordado que o restante seria pago quando terminada a instalação do programa.
No dia 10 de abril, uma vez que o sistema informático ainda não estava funcional,
a Goodlife interpelou a Infoprogram, resolvendo o contrato e pedindo uma indemnização
de 25.000€ respeitante ao lucro que não vai obter em virtude do incumprimento do con-
trato e solicitou ainda o reembolso dos 2.500€ já entregues.

G celebrou com I um contrato de prestação de serviços, existindo entre estes uma rela-
ção jurídica obrigacional complexa, já que existem dois vínculos: G é devedor do preço e credor
da prestação; I é credor do preço e devedor da prestação.
Estamos perante uma situação de mora (art. 804.º e seguintes), visto que a prestação
ainda é possível – não se impõe um prazo absoluto ou imperativamente fixo – e existe interesse
do credor, o qual é aferido objetivamente (art. 808.º n.º 2).
G tem que converter a mora em incumprimento definitivo, sendo que para tal deve fazer
uso de uma interpelação admonitória (art. 808.º n.º 1, 2.ª parte). Deve, então, estabelecer um
prazo razoável e determinar qual a cominação. Ora, a empresa não deu o prazo razoável, pelo
que a interpelação feita não se considera uma interpelação admonitória, porque não cumpre os
requisitos legais.
Se a interpelação fosse eficaz, apenas poderia pedir uma indemnização pelo interesse
contratual negativo, isto é, as despesas que não teria tido se não tivesse contratado. Apenas
teria direitos aos 2.500€. Só teria direito aos 25.000€ se não resolvesse e cumprisse com a sua
prestação.

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