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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE

FACULDADE DE DIREITO

A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL

NAMPULA

2023
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE

FACULDADE DE DIREITO

ARSÉNIO DA CONCEIÇÃO NAZARÉ

AUGUSTA ANTÓNIO

BEMVINDA MÁRIO

ROSÁRIO QUINTANA

A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL

NAMPULA

2023
Lista de abreviaturas

Al.- Alínea

Art.º.- Artigo

Ed.- Edição

CC- Código Civil

N.º- Número

Ob. Cit.- Obra citada

Vol.- Volume

P- Página

Segs.- Seguintes
Introdução

O presente trabalho da cadeira de Direito das Obrigações I, cingir-se-á na


responsabilidade civil, concretamente a responsabilidade civil extracontratual não
olvidando da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, na
responsabilidade pelo risco e a responsabilidade por factos lícitos.

Numa primeira instância, a responsabilidade civil consiste na imposição legal a quem


causa danos ou prejuízos a uma pessoa de colocar o lesado na situação que estaria se
não tivesse ocorrido a ofensa. Esta reconstituição da situação em que o ofendido estaria
sem a ofensa deve em princípio ter lugar mediante a uma reconstituição natural. Quando
esta não for possível, insuficiente ou excessivamente onerosa, a reposição do lesado na
posição que estaria sem o facto lesivo tem lugar mediante uma indemnização em
dinheiro.

Tomando em atenção que a responsabilidade civil constitui fontes das obrigações,


todavia, baseadas no princípio do ressarcimento dos danos, em dá origem a obrigação
de indemnizar os danos sofridos por outrem.

O presente trabalho tem como objectivos:

Objectivo Geral:

 Analisar todos os tornos da responsabilidade extracontratual;

Objectivos Específicos:

 Compreender as modalidades da responsabilidade civil extracontratual;

Este trabalho é de extrema importância, pois, como estudantes de Direito é


imprescindível que estejamos dotados de conhecimentos, sobre o que constitui a
responsabilidade civil extracontratual, mormente as responsabilidades por factos ilícitos,
pelo risco e a responsabilidade por factos lícitos. O trabalho está organizado segundo as
normas de produção de trabalhos académicos adoptados pela Faculdade de Direito da
UCM.
1. A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL

Na vida social os comportamentos- acções ou omissões- adoptadas por uma pessoa


causam muitas vezes prejuízos a outrem. O devedor não executa ou executa
defeituosamente a prestação a que está adstrito; o condutor de um veiculo atropela um
transeunte; um individuo destrói coisa de outrem. Em casos deste tipo, cuja variedade é
inesgotável, põe-se o problema de saber quem deve suportar o dano verificado.1

A palavra responsabilidade tem sua origem no latim, concretamente do verbo


respondere. Ela tem como ideia fulcral o acto de responder por alguma coisa, a ideia
responsabilidade civil vem do princípio de que aquele que causar dano a outrem deve
responder pelos danos causados.2

Fontes das obrigações baseadas no princípio do ressarcimento dos danos

Os factos geradores de responsabilidade extracontratual integram-se no âmbito das


fontes das obrigações, constituindo a modalidade mais representativa depois do
contrato.

Estamos com efeito no domínio das fontes das obrigações, visto que daqueles factos
nasce um vínculo creditório- a obrigação de reparar os danos, ou seja, a obrigação de
indemnização. E como fonte autónoma deverá considerar-se, do mesmo modo, a
violação de uma obrigação, uma vez também então o agente, ou seja o devedor, fica
constituindo em responsabilidade, devendo indemnizar os prejuízos sofridos pelo
credor?

A resposta é negativa. A obrigação de indemnização neste caso não é uma obrigação


nova, nascida da obrigação preexistente. É a obrigação, modificada quanto ao seu
objecto. A relação obrigacional mantém-se a mesma. Continua a radicar na fonte donde
originariamente provém – o contrato, o negocio unilateral, etc. a obrigação violada não
se extingue para dar origem a outra, muito pelo contrario, ela transforma-se. Ou a
prestação primitiva se conserva possível e com interesse para o credor, apenas havendo
atraso no cumprimento (mora debitoris), e o vinculo amplia-se passando a

1
PINTO, Carlos Alberto da Mota, Monteiro, António Pinto, Pinto, Paulo Mota. Teoria Geral do Direito
Civil, 4ᵃ ed.2ᵃ reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2012. P.128.
2
CONSTANTINO, Gilberto Bogaio, Lições Elementares de Teoria Geral do Direito Civil, Escolar
Editora, Maputo, 2021. P.38-39.
compreender, além dessa prestação, a indemnização pelos danos resultantes de atraso
(indemnização moratória). Ou a prestação se impossibilita ou perde interesse para o
credor, sempre por facto imputável ao devedor, e aprestação primitiva é substituída pura
e simplesmente pela indemnização (que neste caso diz-se compensatória). Em qualquer
das hipóteses, não temos diante de nós uma obrigação anterior, ampliada com o dever
de indemnizar ou consubstanciada nele. Esse dever é apenas um elemento que acresce
ao conteúdo da obrigação ou em que este se transmuda.3

Categorias da responsabilidade extracontratual

a) Os casos mais frequentes e mais característicos de responsabilidade


extracontratual são aqueles em que ela emerge de acto ilícito. Alguém prática
um acto ilícito, violando um direito de outrem (entende-se um direito de
natureza não creditória) ou qualquer disposição legal destinada a proteger
interesses alheios. Fica obrigada a indemnizar o lesado, pelos danos resultantes
da violação. Isto, em princípio, desde que aja com dolo ou mera culpa
(responsabilidade subjectiva). Poderá todavia ter obrigação de indemnizar
independentemente de culpa (responsabilidade objectiva) se a lei,
excepcionalmente assim, o estatui. Tal é a doutrina enunciado no art. 483 do CC.
b) Concede-se por outro lado, que a lei imponha responsabilidade mesmo a quem
pratique um acto lícito.

Trata-se de acto que a lei consente por considerar justificado em atenção a natureza do
interesse que visa satisfazer. Mas desse acto resulta prejuízo para outrem. E a lei
considera de justiça que o titular daquele interesse, podendo embora realizar o acto, não
deixe contudo de indemnizar o terceiro pelos danos que lhe cause. Pensemos no estado
de necessidade (art. 339 do CC). É lícita acção de quem destruir ou danificar coisa
alheia com o fim de remover o perigo actual de um dano manifestamente superior, quer
do agente, quer do terceiro.

c) E concede-se, ainda, que alguém responda pelos prejuízos doutrem em atenção


ao risco criado pelo primeiro, mesmo que este proceda sem culpa ou até
licitamente e mesmo que, inclusive, os danos não provenham do acto seu e sim
de acontecimento natural ou de acto de terceiro ou do acto do próprio lesado.

3
TELLES, Inocêncio Galvão, Direitos das Obrigações, 7.ᵃ ed. Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra,
2010. P. 214
d) Temos assim, em resumo, três categorias de responsabilidade extracontratual:
 Responsabilidade por acto ilícito;
 Responsabilidade por acto lícito;
 Responsabilidade pelo risco.4

2. Responsabilidade Civil por Factos Ilícitos


2.1. Pressupostos genéricos da
responsabilidade por factos ilícitos

O art. 483 do CC vem estabelecer uma cláusula geral de responsabilidade subjectiva,


fazendo depender a constituição da obrigação de indemnização da existência de uma
conduta do agente (facto voluntário), a qual representa a violação de um dever imposto
pela ordem jurídica (ilicitude), sendo o agente censurável (culpa), a qual tenha
provocado danos (dano), que sejam consequência dessa conduta (nexo de causalidade)
entre o facto e o dano.

Surgem assim, os seguintes pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por


factos ilícitos:

1) Facto voluntário do agente;


2) Ilicitude;
3) Culpa;
4) Dano;
5) Nexo de causalidade.5
2.1.1. Facto Voluntário do Agente

O elemento básico da responsabilidade é facto do agente. Um facto dominável ou


controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana, pois só
quanto a factos dessa índole têm cabimento a ideia da ilicitude, o requisito da culpa e a
obrigação de reparar o dano nos termos em que a lei a impõe.6

4
TELLES, Inocêncio Galvão, Direitos das Obrigações, 7.ᵃ ed. Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra,
2010. P. 215 segs.

5
LEITÃO, Luís Manuel de Menezes, Direito das Obrigações, vol. I, Almedina, Coimbra, 2000. P.254
segs.
6
VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I 10.ᵃ Ed., Almedina, Coimbra, 2012.
P.527
Efectivamente, tratando-se de uma situação de responsabilidade civil subjectiva, esta
nunca poderia ser estabelecida sem existir um comportamento dominado ou dominável
pela vontade, que possa ser imputado a um ser humano e visto como expressão da
conduta de um sujeito responsável. Não se exige, porém, que o comportamento do
agente seja intencional ou sequer que consista numa actuação, bastando que exista uma
conduta que lhe possa ser imputada em virtude de estar sob controlo da sua vontade.
Não são, por isso, factos voluntários, por estarem fora do controle da sua vontade, os
acontecimentos do mundo exterior causadores de danos (queda de raios, tremores de
terra, ciclones). Mas mesmo fenómenos respeitantes ao agente podem não constituir
factos voluntários sempre que ao agente falte a consciência ou não possa exercer
domínio sobre a sua vontade. Não envolve, por isso, responsabilidade civil, a situação
de o agente de o agente destruir um vaso de porcelana precioso, porque cai sobre ele
em consequência de uma síncope cardíaca, ou foi submetido a coacção física (vis
absoluta) para esse efeito. Se existir algum domínio da vontade já pode, porém, haver
responsabilidade como na hipótese da descrição do vaso ter resultado de um gesto
brusco do agente.7

Via de regra, a conduta do agente constitui um facto positivo ou acção, que viola um
dever jurídico de não intromissão na esfera jurídica de outra pessoa, titular do
correspondente direito absoluto (por exemplo, injúria, ofensa corporal, apropriação ou
danificação de uma coisa alheia). Mas também um facto negativo ou omissão pode
ocasionar danos.

A nossa lei civil toma posição no art. 486 do CC. Nele se declara que «as simples
omissões dão lugar à obrigação de reparar os donos, quando, independentemente dos
outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de
praticar o acto omitido».

Esta norma reclama cuidada atenção. Propendemos para uma compreensão ampla da
demasiado restrita, as omissões tão-só geram responsabilidade civil, desde que, além
dos restantes requisitos legais- se verifique um requisito especifico: que existe o dever
jurídico da prática do acto omitido. Entre aqueles requisitos gerais, conta-se o nexo de
causalidade, isto é, que o acto omitido tivesse seguramente ou com a maior
probabilidade obstado ao dano (art. 563 do CC).8
7
LEITÃO, Luís Manuel de Menezes, ob. Cit. P. 255
8
COSTA, Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, 9ᵃ ed., Almedina, Coimbra, p-511
O facto voluntário do agente pode revestir duas formas: a acção (art. 483 do CC) e a
omissão (art. 486 do CC). Tratando-se de uma acção, a imputação da conduta ao agente
apresenta-se como simples. Já no caso da omissão essa imputação ao agente exige algo
mais: a sua oneração com um dever especifico de praticar o acto omitivo.
Efectivamente, se existir um dever genérico de não levar os direitos alheios, já não
existe um correspondente de dever genérico de evitar ocorrência de danos para outrem,
uma vez que a sua instituição multiplicaria exponencialmente as ingerência na esfera
jurídica alheia.

Ilícito intencional e meramente culposo

Os factos ilícitos classificam-se em intencionais e meramente culposos: os primeiros são


praticados com o intuito (directo ou indirecto) de causar dano (dolo); ao passo que, nos
segundos, há apenas imprudência ou negligência do seu autor.9

2.1.2. A ilicitude

o facto voluntário que lesa interesses alheios só obriga a reparação havendo ilicitude-
consiste na infracção de um dever jurídico.

2.1.2.1. Formas de ilicitude

O n.°1 do art. 483 do CC fixa o princípio geral da matéria. Aí se indicam as duas


formas essenciais de ilicitude: a) violação de um direito de outrem; b) violação de
preceito legal tendente à protecção de interesses alheios.

Nesta primeira alínea- violação de direitos subjectivos- incluem- se tipicamente as


ofensas de direitos absolutos, de que constituem exemplos os direitos reais (arts. 1251
ss) e os direitos de personalidade constantes do art. 70 e seguintes do CC.

A matéria de violação dos direitos de créditos não se encontra aqui contemplada, pois,
como sabemos, o legislador ocupou-se dela em lugar à parte como decorre do art. 798
seguintes. Insiste-se, porém, na proximidade de regimes da responsabilidade contratual
e da extracontratual.

Já na segunda alínea do n.°1 do art. 483 do CC é dirigida à violação de disposições


legais destinadas a proteger interesses alheios. Tem-se agora em conta a ofensa de

9
Idem p-506
deveres impostos por lei que vise a defesa de interesses particulares, sem se confira,
correspectivamente, quaisquer direitos subjectivos.

Para além da previsão geral da responsabilidade civil subjectiva no art. 483 do CC,
estendida a omissão pelo art. 486, encontram-se dispersas pelo Código diversas
previsões delituais que permitem estabelecer tipos delituais específicos, para além das
categorias gerais de ilicitude. Entre ele salienta-se nomeadamente o abuso de direito
(art. 334), a não cedência reciproca em caso de conflitos de direitos (art. 335), a ofensa
do crédito e do bom nome (art. 484 do CC) e a prestação de conselho, recomendações e
informações (art. 485 do CC).10

2.1.2.2. Exclusão da ilicitude. Causas


justificativas do facto danoso

Trata-se daquelas circunstâncias que, por tirarem ao facto que ocasionou o dano da
ilicitude, excluem a responsabilidade civil. O próprio n.°1 do art. 483 do CC pressupõe
a possibilidade de violação lícita de direitos de outrem ou de normas dirigidas a proteger
interesses alheios, o que corresponde à intervenção de uma causa justificativa.

Existem, desde logo, duas causas gerais, sem disciplina expressa na lei civil, que
afastam a ilicitude: o regular exercício de um direito e o cumprimento de um dever
jurídico. Ao lado destas, encontram-se certas causas especiais justificativas do facto,
que se consagra a propósito do exercício e tutela dos direitos (arts. 334 e segs.): a acção
directa, a legítima defesa, o estado de necessidade e o consentimento do lesado.11

2.2.3. A culpa

A ideia de culpa está no cerne da imputação delitual, isto é, mandar que alguém, através
de uma indemnização, suporte os danos primeiros ocorridos numa esfera jurídica alheia.
A culpa permite, na verdade, dar dois passos:

 Formular o juízo geral de legitimidade no despojar, alguém, de alguns dos seus


bens (ou quiçá, de todos) e entrega-los a outrem;
 Decidir quem merece sofrer esse tratamento e quem é beneficiário.12

10
LEITÃO, Luís Manuel de Menezes, ob. Cit. P-264
11
COSTA, Mário Júlio de Almeida, ob. Cit. P- 522
12
CORDEIRO, António Menezes, Tratado de Direito das Obrigações VII, Almedina, Coimbra, 2014. P-
459
Nexo de imputação do facto ao lesante (culpa). Para que o facto ilícito gere
responsabilidade é necessário que o autor tenha agido com culpa. Não basta reconhecer
que ele procedeu objectivamente mal. É preciso, nos termos do art. 483 do CC, que a
violação ilícita tenha sido praticada com dolo ou mera culpa.

Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação
ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade
e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter
agido de outro modo.13

Ao prever que o agente tenha actuado ´´com dolo ou mera culpa´´ (n.°1 do art. 483 do
CC) a lei exige ainda a culpa como pressuposto normal da responsabilidade civil,
considerando excepcional os casos de responsabilidade sem culpa (n.°2 do art. 483).14

A responsabilidade civil assenta na culpa, ou seja, ela exige a culpa do agente. A culpa
consiste no facto de o agente se ter posto em contradição com a ordem jurídica sendo-
lhe esta sua conduta imputável por ser censurável. A obrigação de indemnizar funda-se
na responsabilidade pessoal pelos seus próprios actos e pelos prejuízos daí resultante.
Pelo que a lei tem em vista a responsabilidade da pessoa individualmente defendida. É
com base desta ideia que foi concedido o princípio geral do n.°1 do art. 483, que
consagra a doutrina da responsabilidade subjectiva, cabendo neste contexto ao lado a
prova da culpa ao abrigo do n.º 1 do art. 483.

A responsabilidade civil fundada na conduta culposa do lesante, permite ao lesado


provar os danos, individualizar o lesante e provar a culpa, fundamento deste o seu dever
de indemnizar pelos prejuízos sofridos. Todavia, por vezes torna-se difícil ou não
existem condições por parte do lesado fazer prova da culpa do lesante. Dai a lei prevê
para determinados factos danosos, uma inversão do ónus da prova ou uma presunção da
culpa do lesante (arts. 491, n.°1 do art.493, n.°1 do art.503).15

13
VARELA, João de Matos Antunes, ob. Cit. P-562
14
LEITÃO, Luís Manuel de Menezes, ob. Cit. P-278
15
CONSTANTINO, Gilberto Bogaio, ob. Cit. P.41
2.2.3.1. A inimputabilidade como pressuposto da culpa e o regime da
inimputabilidade dos inimputáveis

No entanto, para que o agente possa ser efectivamente censurado pelo seu
comportamento é sempre necessário que ele conhece ou devesse conhecer o desvalor do
seu comportamento e que tivesse podido escolher a sua conduta. Daí que se considere
existir falta de imputabilidade quando o agente não tem necessária capacidade para
entender a valorização negativa do seu comportamento ou de falta da possibilidade de o
determinar livremente. Sendo a imputabilidade pressuposto do juízo de culpa,
naturalmente que o agente fique isento de responsabilidade se praticar o facto em estado
de inimputabilidade (art. 488, n.°1), o que a lei presume que se verifica sempre que o
agente seja menor de sete anos ou interdito por anomalia psíquica (art.488, n.°).

Conforme resulta do n.° 1 do art. 488, a falta de imputabilidade não exclui, no entanto, a
responsabilidade, sempre que, sendo transitória, seja devida de um facto culposo do
agente. A lei admite ainda no n.°1 do art.489 do CC7+ a possibilidade de, por motivos
de equidade, responsabilizar total ou parcialmente o inimputável pelos danos que este
causar, desde que não seja possível obter a devida reparação das pessoas a quem
incumbe a sua vigilância, estabelecendo ainda que a fixação da indemnização não pode
privar o inimputável dos alimentos necessários conforme o seu estado e condição, nem
dos meios indispensáveis para cumprir os seus deveres de alimentos.16

2.2.4. O dano

a) Definição de dano

Conforme se referiu, da responsabilidade civil, resulta a obrigação de indemnizar os


danos sofridos pelo lesado. O dano apresenta-se por isso, como condição essencial da
responsabilidade. Por muito censurável que seja o comportamento do sujeito, se as
coisas correm bem e ninguém lesado, não poderá ele ser sujeito a responsabilidade civil.
Em termos naturalísticos, entende-se por dano a supressão de uma vantagem de que o
sujeito beneficiava. Essa noção não será, porém, suficiente para definir o dano em
termos jurídicos, já que as vantagens que não sejam juridicamente tuteladas são não
susceptíveis de indemnização. O conceito de dano terá por isso de ser definido num

16
LEITÃO, Luís Manuel de Menezes, ob. Cit. P.-278
sentido simultaneamente fáctico e normativo, ou seja, como a frustração de uma
utilidade que era objecto de tutela jurídica.17

Noção e espécies de dano

Na perspectiva de responsabilidade civil, cabe dizer-se, liminarmente, que dano ou


prejuízo é toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica.
Várias classificações procuram esclarecer as espécies e a natureza do dano. Distingue-se
entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, consoante sejam ou não susceptíveis
de avaliação pecuniária. Quer dizer, os primeiros, porque incidem sobre interesses de
natureza material ou económica, reflectem-se no património do lesado, ao contrário dos
últimos, que reportam a valores de ordem natural, ideal ou moral.18

Numa outra perspectiva, podemos encontrar danos emergentes e lucros cessantes. Em


relação aos danos patrimoniais costuma estabelecer-se uma classificação do Direito
Romano, em danos emergentes e lucros cessantes.

O dano ou prejuízo emergente corresponde assim à situação em que alguém em


consequência da lesão vê frustrada uma utilidade que já tinha adquirido. O lucro
cessante corresponde àquela situação em que é frustrada a uma utilidade que o lesado
iria adquirir, se não fosse a lesão. O n.°1 do art.º. 564 do CC, numa forma que a
doutrina considera em geral pouco feliz, determina que ambos devem ser abrangidos
pelo dever de indemnizar. Em certos casos, no entanto, a lei determina que só haja
indemnização de danos emergentes como reza arts. 899 e 909 do CC.19

2.2.5. Nexo de Causalidade

Além do facto e do dano, exige-se que entre os dois elementos exista uma ligação: que o
facto constitua a causa do dano. Este último pressuposto da responsabilidade civil é
ainda enunciado no n.°1 do art. 483 do CC, que proclama o agente adstrito a indemnizar
«pelos danos resultantes da violação». Não há que ressarcir todos e quaisquer danos que
sobrevenham ao facto ilícito, mas tão-só os que ele tenha na realidade ocasionado, os
que possam considerar-se pelo mesmo produzidos como se pode depreender do art.563
do CC. O nexo de causalidade entre o facto e o dano desempenha, consequentemente, a

17
LEITÃO, Luís Manuel de Menezes, ob. Cit. P-294
18
COSTA, Mário Júlio de Almeida, ob. Cit. P- 542 ss
19
LEITÃO, Luís Manuel de Menezes, ob. Cit. P-296
dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de
indemnizar.20

3. Responsabilidade extracontratual pelo Risco

A culpa e a ilicitude, por regra, são requisitos da responsabilidade civil extracontratual


(n.°2 do art.482 do CC): surge a obrigação de reparar quando os danos ocasionados a
terceiro resultam de um facto ilícito imputável a conduta culposa. E a exigência da
culpa, além do mais, atribui a responsabilidade civil um valor educativo, estimulando a
atenção e a autovigilância das pessoas.

Mas não se desconhece, igualmente que, embora predomine o princípio da


responsabilidade subjectiva ou baseada na culpa, se sancionam situações, excepcionais
de responsabilidade objectiva ou pelo risco, quer dizer, independentemente de dolo ou
simples culpa da pessoa obrigada a reparação. Dispensa-se, pois, a culpa do agente ou
responsável.21

A responsabilidade pelo risco não se funda na razão do agente causador de danos, ter
cometido um facto ilícito, mas na ideia que o agente é obrigado a indemnizar por
virtude dos riscos respeitantes e resultantes da sua actividade, actividade essa que o
Estado não quer ver proibida, por ser socialmente útil e que, por isso mesmo, é lícita
todavia com cujo riscos também não quer ou não pode suportar.

Na responsabilidade pelo risco (objectiva) parte-se do raciocínio que quem tira


vantagens da sua actividade deve também arcar as desvantagens, ou seja, deve suportar
com os danos ocorridos, não se afigurando como justificável nem socialmente correcto
a sua deslocação para outros (ubi cómoda, ibi incomoda).22

Compreende-se que se alguém exerce uma actividade criadora de perigos especiais


possa responder pelos danos que ocasione a terceiros. Será como que uma contrapartida
das vantagens que aufere do exercício de tal actividade.

Conclui-se que a responsabilidade objectiva não depende da ilicitude e de culpa. Não


existe, portanto, o problema da sua alegação e prova. Aspecto diverso é o de nexo

20
COSTA, Mário Júlio de Almeida, ob. Cit. P- 554 ss
21
Idem pág.- 561
22
CONSTANTINO, Gilberto Bogaio, ob. Cit. P-41
casual entre o facto e o dano que resultou para o lesado. A sua demonstração,
obviamente, torna-se também necessária nesta forma de responsabilidade.23

3.1. Casos de Responsabilidade pelo


Risco

Razões de certeza e de segurança jurídica levam o legislador a especificar as actividades


perigosas que constituem fontes de responsabilidade. De resto, declaram-se «extensivas
aos casos de responsabilidade pelo risco, na parte aplicável e na falta de preceitos legais
em contrário, as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos» (art.
499° do CC).

É nas regras imediatas que o Código Civil, indica algumas hipóteses de


responsabilidade pelo risco (arts. 500° e segs do CC). O art. 501° do CC aplica-se nos
casos de responsabilidade do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público
em actividade de gestão privada, quer dizer, nas situações que actua despido do seu ius
imperium. Este artigo nos remete para o regime da responsabilidade do comitente
previsto no art. 500° do CC, que estabelece um regime específico da responsabilidade
pelo risco. Nestes casos, o tribunal competente para dirimir os eventuais litígios é o
Tribunal Judicial (comum).24

Como decorre do referido preceito, para que se verifique a responsabilidade do


comitente impõe-se em primeiro lugar, a existência de uma relação de comissão, prática
de factos danosos pelo comissário no exercício das suas funções e a responsabilidade do
comissário.25

Dentro da responsabilidade pelo risco, podemos também encontrar as responsabilidades


por danos causados por animais (art.º 502 do CC), os danos causados por veículos (art.
503 do CC).26

Uma outra causa da responsabilidade pelo risco, diz respeito aos danos causados pelas
instalações de energia eléctrica ou do gás nos termos do art.º. 509 do CC.

23
COSTA, Mário Júlio de Almeida, ob. Cit. P- 562 ss
24
CONSTANTINO, Gilberto Bogaio, ob. Cit. P. 43
25
LEITÃO, Luís Manuel de Menezes, ob. Cit. P. 322-323
26
Idem p. 328 e segs.
4. A responsabilidade civil extracontratual por factos lícitos

Também se consagra, excepcionalmente, que a obrigação de indemnização resulte de


uma conduta lícita do agente. É o que acontece quando – na eventualidade de uma
pessoa ofender em beneficio de um direito ou interesse juridicamente protegido e
mediante a prática de um acto lícito, um direito ou interesse de outrem – a lei confira ao
lesado uma pretensão de indemnização contra o beneficiário.

Enquadram-se as situações em que a lei permite lesar a propriedade alheia, embora


comine o ressarcimento dos danos produzidos. Tal se verifica a obrigação de
indemnização que resulta dos actos praticados em estado de necessidade (n.°2 do art.
339 do CC) e a que resulta dos prejuízos causados em prédio de outrem nas hipóteses de
captura de enxames de abelhas (art. 1322/1 do CC), de instalações ou depósitos de
substâncias corrosivas ou perigosas (art.1347/2 e 3 do CC), escavações (art.1348/2), de
passagem forçada ou momentânea (art.1349/3 do CC), ou de frutos (art.1367 do CC).27

27
COSTA, Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, 9ᵃ ed., Almedina, Coimbra, p. 602-603
Conclusão
Referências Bibliográficas

Legislação:

 Código Civil de 1966, aprovado pelo Decreto-Lei n.°47 344, de 25 de Dezembro


e tornado extensivo às Províncias Ultramarinas pela Portaria Ministerial n.°22.
869, de 4 de Setembro.

Doutrina:

 COSTA, Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, 9ᵃ ed., Almedina,


Coimbra.
 CONSTANTINO, Gilberto Bogaio, Lições Elementares de Teoria Geral do
Direito Civil, Escolar Editora, Maputo, 2021.
 CORDEIRO, António Menezes, Tratado de Direito das Obrigações VII,
Almedina, Coimbra, 2014.

 LEITÃO, Luís Manuel de Menezes, Direito das Obrigações, vol. I, Almedina,


Coimbra, 2000.
 PINTO, Carlos Alberto da Mota, Monteiro, António Pinto, Pinto, Paulo Mota.
Teoria Geral do Direito Civil, 4ᵃ ed.2ᵃ reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra,
2012.

 TELLES, Inocêncio Galvão, Direitos das Obrigações, 7.ᵃ ed. Reimpressão,


Coimbra Editora, Coimbra, 2010.
 VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I 10.ᵃ Ed.,
Almedina, Coimbra, 2012.

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