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Aula 3

Responsabilidade Civil
Não apenas os contratos são fontes de obrigações na esfera negocial reconhecida e
regulamentada pelo Direito; também são fontes de obrigações os atos ilícitos e
abusivos de direito.
Quanto à licitude, a hipótese se revela mais simples: serão ilícitos civilmente aqueles
atos vedados pelo ordenamento jurídico, vale dizer, não apenas aqueles que são
expressamente tipificados em nossa legislação (como, por exemplo, os ilícitos
criminais), como também aqueles outros que, mesmo não estando expressamente
descritos como atos típicos, antijurídicos e culpáveis com base no direito público,
ultrapassam a licitude na conduta em sede de direito privado.
Um acidente que cause um dano ao veículo de alguém não será necessariamente
tipificado como crime, porém o fato de ser imputável a uma determinada conduta do
autor, somado ao prejuízo sofrido pela vítima, farão incidir a obrigação de indenizar ou
de reparar o prejuízo – e essa é a essência própria da responsabilidade civil.
temos que a responsabilidade civil forma-se a partir da integração dos seguintes elementos,
que lhe são essenciais:

Ato ilícito praticado pelo dano sofrido pelo patrimônio da hipótese de incidência da obrigação de reparar os
autor vítima prejuízos patrimoniais

= responsabilidade civil

Para a configuração do ato ilícito civil não é necessário que esse ato também seja,
por exemplo, um ato criminalmente censurável (ou seja: um crime); tampouco será
necessário que o agente (aquele que pratica o ato) o faça com intenção de causar
prejuízo à vítima (hipótese de dolo); basta que tenha agido com negligência,
imprudência ou imperícia (portanto com culpa) para que a responsabilidade civil se
configure.
A segunda hipótese, do ato abusivo ou praticado com abuso de direito, pode num
primeiro momento ser considerada mais complexa dada a aparente subjetividade de
seu conceito; todavia, é de aplicação corriqueira no Direito. Age com abuso de
direito aquele que, mesmo praticando um ato que, a priori, é lícito, extrapola a
utilidade que este lhe teria, causando um prejuízo a outrem. Não deve haver direitos
potestativos em sociedade; o indivíduo não pode, sob pena da subversão das normas
de boa convivência, praticar os atos – mesmo aqueles considerados lícitos – até uma
extensão em que o benefício que venha a deles obter seja menor que o prejuízo que
sua prática eventualmente cause a terceiros, porque assim admitindo o Direito
estaria contrariando a própria lógica da civilidade nas relações sociais.
Ex: claro dessa regra é a definição da legítima defesa enquanto excludente de
ilicitude. Somente poderá ser considerado ato de legítima defesa para fins de
exclusão da ilicitude aquele praticado estritamente no limite do necessário para
repelir a agressão injusta ou para remover o perigo que ameaça o agente.
Extrapolar esse limite de utilidade, que é a margem da licitude na sua conduta,
significa agir criminosamente, praticar um ato ilícito, porque, mesmo que em
hipótese no início a sua atuação não poderia ser criminalizada, perdeu esse caráter
no exato momento em que o perigo cessa porque, aí, o agente não estava mais
agindo para defender-se, mas sim para agredir.
Ex: Exemplo clássico disso vemos quase diariamente na mídia nacional e
internacional. Imaginemos um cidadão que, ameaçado por um assaltante armado,
saca sua própria arma e dispara contra ele. Não estará praticando um ato ilícito (em
tese, evidentemente) exclusivamente enquanto age para evitar uma ameaça à sua
incolumidade física ou à sua vida (que é razoável supor ameaçadas pela arma do
assaltante); todavia, na hipótese de o agressor cair, desarmado, ao primeiro disparo,
aquele que se defendia não pode continuar disparando. No momento em que deixou
de haver perigo à sua vida ou à sua saúde cessou a excludente da ilicitude. Se o
agente prosseguir disparando, sem ser ameaçado (ou cessada a ameaça), estará
praticando um crime, que pode mesmo ser de homicídio.

Tanto na primeira como na segunda possibilidade acima mencionadas serão os


seguintes os elementos essenciais estruturantes da responsabilidade civil: ato
ilícito ou abusivo de direito praticado pelo agente, o dano sofrido pela vítima
e a hipótese de incidência, que é o vínculo, o liame entre o ato ilícito e o
dano, fundamental para a criação da hipótese de incidência da obrigação de
indenizar.
A responsabilidade civil impõe o estabelecimento da obrigação de indenizar; é
o caso clássico de obrigação decorrente de uma decisão judicial, posto que
necessariamente decorre de uma sentença.

Esferas da reparabilidade na responsabilidade civil

Sabemos que a responsabilidade civil constitui a obrigação de indenizar;


todavia, essa definição se revela insuficiente para a mensuração de sua
abrangência. A obrigação de indenizar é a regra genérica que engloba algumas
vicissitudes cuja análise, ainda que em síntese, se faz necessária.
A finalidade essencial da responsabilidade civil é a restauração das coisas ao
estado em que se encontravam antes da verificação do evento danoso. Isso
quer dizer que se o dano sofrido pela vítima consistir no resultado de um
acidente automobilístico de que resulte a simples destruição de uma lanterna
de seu veículo, retornar as coisas ao estado anterior – o que em Direito se
chama status quo ante – significa simplesmente substituir a lanterna quebrada
por outra de mesmas especificações.
Porém, o dano pode ser de natureza diversa, como, por exemplo, pode
decorrer da morte causada pelo agente. Nessa hipótese – da morte – é
evidente que não se poderá fazer com que as coisas retornem ao estado em
que estavam antes do dano. Essa impossibilidade não importa admitir que o
prejuízo sofrido pela vítima vá ficar sem qualquer satisfação de parte do
direito privado.
por exemplo, o dano moral – uma matéria em jornal
imputando à vítima a prática de um crime socialmente
infamante como, por exemplo, a prática de pedofilia Nessas
hipóteses, em que a bem da verdade o prejuízo é inestimável, de impossível
valoração, porque o dano foi infligido a uma esfera imaterial da personalidade
da vítima, dar-se-á a indenização, que é a forma de se estabelecer uma
medida de ressarcimento, de conforto para a vítima, ao mesmo tempo em que
impõe uma censura, uma punição ao agente.

Dimensões do ser integral

A culpa na responsabilidade civil

Há dois sistemas de responsabilidade civil: aquele que independe da


verificação da culpa na atuação do agente e o que dela depende para a
configuração da hipótese de obrigação de indenizar.
Ao primeiro sistema denominamos de sistema da responsabilidade civil
objetiva, ou responsabilidade civil legal, porque essa responsabilidade nasce
da lei ou de qualquer ação do agente que cause o dano à vítima,
independentemente de sua culpa ou dolo.
São exemplos dessa modalidade de responsabilidade civil aquela do patrão ou
comitente pelo ato de seu preposto ou empregado, que decorre de dispositivo
do Código Civil, a responsabilidade civil do transportador pelo dano causado
ao transportado (que deflui da lei e do contrato de transporte, que é um
contrato de adesão, nos moldes já anteriormente analisados), a
responsabilidade civil do Estado pelos eventuais acidentes nucleares e,
finalmente, a responsabilidade baseada nos dispositivos do Código de Defesa
do Consumidor, que impõe, independentemente da verificação de
culpabilidade, a obrigação de indenizar ao fornecedor, ao fabricante e ao
vendedor, nas relações de consumo.
O conceito de culpa é um dos mais debatidos, historicamente, no Direito. Em
linhas gerais podemos conceituá-la como sendo o ato cometido com
imprudência, negligência ou imperícia pelo agente, que cause danos a
outrem.
Negligência, imprudência e imperícia são qualidades de atuação
eminentemente subjetivas e, para a sua avaliação, o Direito se vale, uma vez
mais, do paradigma do homem médio, também chamado bonus pater famílias –
ou bom pai de família, do Direito Romano – para, segundo o seu modelo, e
numa interpretação analógica (como já anteriormente pudemos analisar),
aferir se a conduta do agente foi, de fato e tendo por base o usual entre os
membros da sociedade, permeada pela culpa e, portanto, se incidirá
obrigação de indenizar.

Importante destacar que a culpa possui gradações, sendo a primeira delas a


denominada culpa levíssima e a mais grave o dolo.

Essas gradações serão relevantes no momento da fixação do objeto da


indenização ou do montante a ser estabelecido como obrigação de indenizar;
é evidente – e até mesmo uma questão de lógica – que aquele agente que
eventualmente tenha causado um prejuízo à vítima por mera imprudência
(como, por exemplo, o motorista que causa leve acidente automobilístico
porque estava distraído e não freou em tempo hábil, colidindo com a traseira
do veículo à sua frente) praticou um ato muito menos reprovável que aquele
outro que causou idêntico prejuízo, porém agindo deliberadamente (como,
por exemplo, se o agente colide propositalmente, com a intenção de causar
danos ao veículo do autor).
Portanto, a motivação do agente também importará para a apreciação da
incidência ou não da obrigação de indenizar e para o estabelecimento do
montante que comporá o seu objeto – também
denominado quantum indenizatório, ou seja, o valor a ser adimplido como
compensação, indenização ou reparação à vítima pela prática do ato ilícito
que lhe tenha causado prejuízo.
Abrangência e natureza da responsabilidade civil

A responsabilidade civil é de natureza privada e abrange a reparação ou a


indenização dos danos ou prejuízos causados à vítima que estejam
compreendidos nessa esfera do Direito – ou seja, é inteiramente díspar e
independente de outras modalidades obrigacionais estipuladas pela lei, como
a responsabilidade criminal, ou a responsabilidade fiscal ou tributária, por
exemplo.
E isso se dá em razão da própria constituição, da própria natureza e dos
elementos que formam ou integram as esferas da personalidade em planos
privados, civis ou de direito civil, para usarmos algumas das definições
empregadas doutrinariamente.
A hipótese de incidência da obrigação de indenizar que constitui a
responsabilidade civil se assenta em um dano que surja de uma violação à
esfera da personalidade compreendida em sua matéria, o que, por exclusão
ou residualmente, compõe-se de todas aquelas que não se limitam a
obrigações de outra natureza.
Exemplo clássico e bastante ilustrativo é a responsabilidade criminal: decorre
de uma norma jurídica de direito público, que é a norma penal e, por essa sua
própria natureza, será sempre interpretada restritivamente, ao contrário de
como se interpreta a responsabilidade civil.

A natureza jurídica da norma penal leva à natureza da constituição do ato ilícito que
a vulnera. O ato ilícito da responsabilidade criminal é o crime, que, como já vimos
anteriormente, será o ato típico, antijurídico e reprovável – portanto, é considerado
restritivamente, somente se configura naquelas hipóteses previstas na norma penal
e, portanto, é inteiramente diverso do ato ilícito civil, que possui natureza inerente
ao direito privado.
Portanto, se o agente comete uma lesão corporal, praticou contra a sua vítima um
ato ilícito criminal e também necessariamente um ato ilícito civil. Inobstante isso, a
responsabilidade civil independe da criminal e a propositura de uma das ações (a
ação penal ou a ação de indenização) não implica necessária ou obrigatoriamente a
propositura da outra – mesmo com a propositura da ação penal e a posterior
condenação do agente, a vítima não estará obrigada a propor a ação civil decorrente
do mesmo ato.

claro que o ato ilícito civil não pode ser considerado necessariamente um
crime, porque, como já vimos, a interpretação que se opera para a sua
verificação é inteiramente distinta da que se realiza em sede criminal, dada a
própria disparidade entre as naturezas dos atos e dos procedimentos que
apuram as responsabilidades.
Da mesma forma se dá com outras modalidades obrigacionais, como também,
por exemplo, a hipótese de incidência da responsabilidade tributária, também
de direito público e em que uma das partes, necessariamente, será o Estado
representado por alguma de suas esferas de Poder Público (Federal, Estadual
ou Municipal).

A matéria de competência tributária também possui natureza e procedimento


próprios, inteiramente independentes da responsabilidade civil e,
necessariamente, a propositura de uma ação não depende da propositura da
outra.

A Responsabilidade Civil do Estado

Assim como os cidadãos, o Estado também poderá ser sujeito passivo da


hipótese de incidência da obrigação de indenizar na esfera da
responsabilidade civil.
Pela sua própria natureza (o Estado é uma pessoa jurídica de direito público
interno), a responsabilidade do Estado decorrerá de lei que a determine (via
de regra, na modalidade objetiva, como na hipótese da atividade nuclear) ou
de ato de seu preposto, que, na hipótese, é o agente público, quando na
prática da sua função pública.

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