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PARTE I

CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO

Definição de obrigação
O Direito das Obrigações encontra-se regulado no livro II do Código Civil.

397º CC- Obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para
com outra à realização de uma prestação

As obrigações são situações jurídicas que têm como conteúdo a vinculação de uma
pessoa em relação a outra à adoção de uma determinada conduta em benefício da
última.

O conceito de “obrigação” também pode ser visto num sentido amplo, abrangendo qualquer
vínculo jurídico entre duas pessoas:
- sujeição: consiste na necessidade de suportar as consequências jurídicas correspondentes
ao exercício de um direito potestativo

No estado de sujeição não há possibilidade de violação da sujeição. Contudo, a


obrigação é violável, mesmo que o devedor tenha de acarretar a sanção de
indemnização (art. 798º) ou da execução do seu património (art. 817º).

- ónus: consiste na necessidade de realizar certo comportamento para beneficiar de uma


situação favorável

Enquanto a obrigação é um dever jurídico, quem tem o ónus não tem nenhum dever,
pelo que o seu não acatamento não é considerado ilícito, havendo apenas uma perda
ou não obtenção de uma vantagem.

- dever jurídico genérico: consiste na situação em que se encontram os sujeitos


relativamente aos titulares de direitos absolutos

Na obrigação existe uma relação jurídica entre o credor e o devedor. Já os direitos


absolutos são direitos sem relação.

Objeto e características do Direito das Obrigações


O Direito das obrigações goza das características do Direito Privado, que são a liberdade e a
igualdade, fazendo com que os sujeitos de relações obrigacionais tenham os mesmos
poderes e possam fazer tudo o que a lei não proíbe. Contrariamente, o Direito Público rege-
se pelas características de competência e autoridade, podendo somente praticar os atos que
a lei lhe dá competência.

A diferenciação entre o Direito Privado e o Direito Público tem reflexos na motivação dos
sujeitos, pois que no Direito Público as motivações são sempre relevantes, enquanto no
Direito Privado as motivações não têm relevância.
Normalmente, refere-se que a diferenciação entre o Direito das Obrigações e o Direito das
Coisas passa pelo facto de que o primeiro abrange a transmissão dos bens e o segundo o
domínio estático dos bens. Porém, deve-se dizer mais precisamente que o Direito das Coisas
abrange a regulação de relações jurídicas já existentes, ao passo que o Direito das
Obrigações se refere à regulação de fenómenos futuros.

O Direito das Obrigações abrange, essencialmente:


- circulação de bens

São abrangidas todas as situações das quais resulte alteração na ordenação jurídica
dos bens através de negócios jurídicos: transmissão dos direitos reais (ex.: compra e
venda- art. 874º ss.); concessão de gozo de bens alheios (ex.: comodato- art. 1129º
ss.); fenómenos de transmissão de créditos e dívidas (ex.: cessão de créditos- art.
577º ss.)

- prestação de serviços

Esta realidade é abrangida através do contrato de prestação de serviços (art. 1154º


ss.), que tem três modalidades: - mandato (art. 1157º ss.)
- depósito (art. 1185º ss.)
- empreitada (art. 1207º ss.)

- instituição de organizações

Relativamente a esta realidade temos o contrato de sociedade civil (art. 980º ss.)

- sanções civis para comportamentos ilícitos e culposos

Estas sanções civis consistem na obrigação de indemnizar os danos causados.

O Código Civil distingue a responsabilidade civil delitual (art. 483º ss.) da


responsabilidade civil obrigacional (art. 798º ss.), consoante esteja em causa a
violação de uma situação jurídica absoluta ou uma violação de obrigações.

- compensação por danos, despesas ou pela obtenção de um enriquecimento

Danos: abrangida pela responsabilidade pelo risco (499º ss.); não é vista como tendo
uma natureza sancionatória

Despesas: abrangida pela gestão de negócios (art. 464º ss.); tutela as atuações
realizadas sem autorização em benefício de outrem
Enriquecimento: abrangida pelo instituto do enriquecimento sem causa (art. 473º
ss.) visa determinar a compensação dos enriquecimentos obtidos injustamente à
custa de outrem

CAPÍTULO II
PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

O princípio da autonomia privada


Autonomia privada e o negócio jurídico
A autonomia, em sentido literal, consiste na possibilidade de alguém estabelecer as próprias
regras. Contudo, as regras jurídicas caracterizam-se pela generalidade e abstração, pelo que
não podem ser criadas por privados. Com isto, o que os privados criam são comandos, que
só vigoram para si.

Autonomia privada- possibilidade de alguém estabelecer os efeitos jurídicos que se iram


repercutir na sua esfera jurídica

A autonomia privada não se confunde com o direito subjetivo.


Menezes Cordeiro refere que a autonomia privada é uma “permissão genérica de produção
de efeitos jurídicos”, enquanto o direito subjetivo é uma “permissão normativa específica de
aproveitamento de um bem”.

O direito subjetivo é uma permissão normativa específica, pois só o titular do direito tem a
permissão de beneficiar das utilidades que certo bem produz.

A produção de certos efeitos jurídicos depende de um instrumento jurídico específico que é


o negócio jurídico.

Facto jurídico- todo o facto que produz efeitos jurídicos

Factos jurídicos stricto sensu- não resultam de qualquer comportamento humano


voluntário

Atos jurídicos- aqueles em que existe um comportamento humano voluntário

Atos jurídicos simples- existe liberdade de celebração, pois os seus efeitos


resultam imperativamente da lei

Negócios jurídicos- existe liberdade de celebração e de estipulação; estes


ainda se dividem em negócios jurídicos unilaterais e bilaterais

Quanto à constituição de obrigações, a lei atribui primazia aos contratos, referida no artigo
405º, havendo liberdade de celebração e de estipulação. Já nos negócios jurídicos unilaterais
só podem dar origem a obrigações em certos casos, pois o artigo 457º refere que a
promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos por lei.
Normalmente, a simples promessa unilateral, sem que tenha ocorrido uma aceitação do seu
beneficiário, é irrelevante.

A liberdade contratual e os seus conteúdos


A liberdade contratual admite:
- liberdade de celebração

Esta é a faculdade atribuída às partes da celebração, ou não, de um contrato.

- liberdade de seleção do tipo negocial

Consiste nas partes não estarem limitadas aos tipos negociais reconhecidos pelo
legislador, podendo escolher contratos inominados (o legislador ignora essa
categoria) ou atípicos (não foi estabelecido nenhum regime).

- liberdade de estipulação

Esta é a faculdade de estabelecimento dos efeitos jurídicos do contrato.

A liberdade de estipulação pode ser exercida no momento da celebração do contrato


ou posteriormente.

Ainda se deve incluir a liberdade de extinguir o contrato, através da celebração do respetivo


distrate (contrato extintivo) ou revogação.

O relevo que é dado à autonomia privada neste ramo, significa que as regras estabelecidas
por lei devam ceder perante a decisão das partes. Apenas excecionalmente se encontram
regras imperativas.

Restrições à liberdade contratual


Generalidades
Naturalmente, existiria uma igualdade absoluta entre as partes. Contudo, atualmente, essa
igualdade jurídica não tem correspondência no plano económico, pois em certos contratos
uma das partes tem maior força económica e maior domínio de informação do que a outra
parte.

Assim, a ordem jurídica necessita de tutelar a parte mais fraca, impondo restrições pontuais
à liberdade contratual.

Restrições à liberdade de celebração


Uma das restrições à liberdade de celebração é a obrigação de celebração do contrato.
Neste caso, uma das partes pode estar vinculada à celebração do contrato com a outra
parte, exigindo, esta última, a celebração ou a obtenção da sentença que produza os
mesmos efeitos que o contrato prometido.
Se não houver celebração do contrato, então estamos perante um ilícito obrigacional,
gerando uma obrigação de indemnização.
De maneira a evitar abusos de uma das partes, por ter maior poder económico (em caso de
situação de monopólio), podendo levar a outra parte a aceitar condições contratuais
desvantajosas, se lhe fosse permitido recusar livremente a celebração de contratos.

Restrições à liberdade de estipulação


É possível ocorrerem limitações à liberdade de estipulação, permanecendo a liberdade de
celebração. Isto acontece quando a lei determina imperativamente o conteúdo dos
contratos, limitando a liberdade de estipulação das partes a certos aspetos não essenciais.

Esta sucede, pois a autonomia privada por vezes pode ser insuscetível de obter um equilíbrio
adequado das prestações do contrato.

- contratos submetidos a um regime imperativo

Há uma imposição de uma disciplina contratual rígida em certos contratos.

Estes contratos justificam-se, pois para a satisfação de certas necessidades sociais


elementares há uma parte que se encontra na dependência económica da sua
celebração (ex.: contrato de trabalho; contrato de arrendamento para habitação)

A lei ainda procura assegurar uma estabilidade suficiente, limitando ou excluindo as


possibilidades da parte mais forte proceder à sua denuncia.

- clausulas contratuais gerais

Estas consistem em situações típicas em que uma das declarações negociais se


caracteriza pela:
- pré-elaboração: uma das partes elabora a sua declaração negocial
previamente à entrada de negociações
- generalidade: a declaração negocial é aplicada genericamente a
todos os seus contraentes
- rigidez: os contraentes só têm a possibilidade de aceitar ou rejeitar,
não podendo discutir o conteúdo do contrato

Menezes Cordeiro ainda as caracteriza pela:


- desigualdade entre as partes: uma das partes
tem uma posição social ou económica mais
relevante
- complexidade: todas as questões estão
reguladas a um nível jurídico, não acessível a
leigos
- natureza formularia: constam de formulários,
com letra reduzida e litura difícil, que o
aderente não examina detalhadamente
A impossibilidade de uma das partes não poder exercer a sua liberdade de
estipulação leva a efeitos perversos. Assim, a lei tem de intervir, restringindo a
liberdade de estipulação através de dois vetores:
- evitar a introdução no contrato de clausulas que a outra parte não se apercebeu

Concretizado pela referência de que as clausulas contratuais gerais se incluem


nos contratos mediante a sua aceitação (art. 4º LCCG), ficando excluídas as
clausulas não aceites especificamente pelo contraente.

Ainda há uma exigência de cumprimento de três situações: comunicação das


clausulas contratuais gerais à outra parte (art. 5º LCCG); prestação de
informação sobre os aspetos obscuros nelas compreendidos (artº 6º LCCG);
inexistência de estipulações específicas de conteúdo distinto (artº 7º LCCG)

Normalmente, o incumprimento destas exigências leva a uma exclusão das


clausulas contratuais gerais. Contudo, pode haver a anulação do contrato, no
caso dessa exclusão levar a uma indeterminação insuprível de elementos
essenciais ou a um desequilíbrio das prestações gravemente atentatório da
boa-fé.

Em relação às duas primeiras situações, há a possibilidade de o utilizador das


clausulas contratuais gerais ter de indemnizar a outra parte, no caso desta
sofrer danos.
Menezes Cordeiro defende que este dever de indemnizar terá como fonte
apenas a disposição do artigo 227º.

- impedir o surgimento de clausulas iníquas ou abusivas

Este concretiza-se através da proibição de certas clausulas contratuais gerais.

A proibição desdobra-se em três campos:


- disposições comuns por natureza

Há uma proibição de todas as clausulas contratuais gerais contrárias à


boa-fé. Ou seja, são proibidas todas as clausulas contratuais gerais que
atendem contra os valores fundamentais do direito.

O artigo 16º LCCG fornece alguns critérios para a aplicação desta


proibição:
a) excluídas todas as clausulas contratuais gerais que ponham em
causa uma situação de confiança justificadamente criada na outra
parte
b) afastamento de todas as clausulas que sejam contrárias ao objetivo
que as partes visaram com o contrato

- relações entre empresários ou profissionais liberais ou entre uns e outros


As proibições das cláusulas contratuais gerais que a lei vem a instituir
em relação a estes são menores, pois a possibilidade de um
empresário negociar as clausulas de um negócio é muito maior do que
a de um consumidor.

Clausulas iníquas (art. 18º LCCG)- a lei considera-as nulas


Clausulas abusivas (art. 19ª LCCG)- a sua proibição depende de um
juízo sobre o quadro contratual padronizado

- relações com os consumidores finais

Este campo também é relativo a todas as outras relações que não se


enquadrem na última.

Neste caso, além de todas as proibições acima referidas, todas as


proibições presentes nos artigos 21º LCCG e 22º LCCG.

A proibição das clausulas contratuais gerais concretiza-se através de duas vertentes:


- declaração de nulidade

Esta está prevista no art. 24º LCCG, remetendo para as regras gerais.

No artigo 13º nº1 LCCG é previsto que o aderente pode optar pela
manutenção do contrato, quando algumas das clausulas forem nulas. Assim,
estas irão ser substituídas pelas normas supletivas aplicáveis.

A lei interdita, ao aderente, a possibilidade de anular totalmente o contrato,


pois se não optar pela manutenção do contrato, vigora o regime da redução
dos negócios jurídicos.
O artigo 292º refere que não há possibilidade de redução do negócio, caso se
mostre que este não teria sido concluído se as partes tivessem previsto a
invalidade destas clausulas. Assim, a única hipótese de haver uma nulidade
integral do negócio seria o predisponente demonstrar que a manutenção do
contrato conduziria a um desequilíbrio das prestações gravemente
atentatório da boa-fé.

- ação inibitória

- contratos pré-formulados

Quando estão em causa consumidores, as proibições da LCCG devem aplicar-se a


todos contratos pré-formulados.

O princípio do ressarcimento dos danos


O fenómeno da imputação de danos ocorre sempre que a lei considera existir um dano
injusto para o lesado, mas também uma razão de justiça que justifica que esse dano seja
transferido para outrem.
Responsabilidade civil- situação de alguém que tem de suportar o dano que outrem sofreu

Com o tempo, desenvolveu-se a ideia de que a imputação de danos podia dispensar a culpa
do lesante, surgindo a responsabilidade pelo risco.

Responsabilidade pelo risco- criação de riscos específicos de que outrem tira proveito ou
que pode controlar

Existem três títulos de imputação de danos:


- imputação por culpa: a responsabilidade baseia-se numa conduta ilícita do agente,
justificando que deva ser este a suportar os danos
- imputação pelo risco: há uma conceção de justiça distributiva, segundo as
doutrinas:
- risco-proveito: aquele que tira proveito de uma situação também deve
suportar os danos
- risco profissional ou de atividade: quem exerce uma profissão que seja fonte
de riscos deve suportar os prejuízos
- risco de autoridade: sempre que alguém tenha poderes de autoridade
relativamente a condutas alheias, deve suportar os prejuízos que daí resultem

- imputação pelo sacrifício: a lei permite, em homenagem a um valor superior, o


sacrifício de um bem ou direito pertencente a outrem, atribuindo uma indemnização
ao lesado

O princípio da restituição do enriquecimento injustificado


Este princípio encontra-se consagrado no artigo 473º nº1 CC, ou seja, é um princípio em
forma de norma.

Sempre que alguém enriqueça à custa de outrem sem causa justificativa tem que restituir
aquilo com que enriqueceu.

Principio da boa-fé
Pode-se falar em dois sentidos da boa-fé:
- subjetivo: ignorância de estar a lesar os direitos alheios
- objetivo: regra de conduta

A lei estabelece deveres de boa-fé para ambas as partes da relação obrigacional, de maneira
a permitir o aproveitamento integral da prestação, em termos da satisfação do interesse do
credor, mas também evitar que a realização da prestação provoque danos ao credor ou ao
devedor.

O princípio da boa-fé encontra-se em cinco institutos:


- responsabilidade pré-contratual (art. 227º nº1)
- integração dos negócios (art. 239º)
- abuso do direito (art. 334º)
- resolução ou modificação dos contratos por alteração das circunstancias (art. 437º nº1)
- complexidade das obrigações (art. 762º nº2)

Podem-se classificar como deveres acessórios de proteção, de informação e de lealdade.

A boa-fé pode ser dividida em dois postulados:


- tutela da confiança

Exige-se um conjunto de pressupostos para que a confiança tenha tutela jurídica:


- situação de confiança
- justificação para essa confiança
- investimento de confiança
- imputação da situação de confiança

- primazia da materialidade subjacente

Estas consiste em avaliar as condutas pela sua conformidade com os comandos


jurídicos, mas também de acordo com as suas consequências materiais.

Este realiza-se pelos seguintes vetores:


- conformidade material das condutas
- idoneidade valorativa: apropriado
- equilíbrio no exercício das posições

O princípio da responsabilidade patrimonial


Este consiste no credor, em caso de não cumprimento, executar o património do devedor
para obter a satisfação dos seus créditos.

O regime do princípio da responsabilidade patrimonial pode ser estabelecido através de três


postulados principais:
- sujeição à execução de todos os bens do devedor

Normalmente, a responsabilidade patrimonial é ilimitada, estendendo-se a todos os


bens do devedor. Contudo, existem duas exceções:
- os bens do devedor não são suscetíveis de penhora:
tratam-se de bens que desempenham uma função
essencial à subsistência ou dignidade do devedor
- situação da separação de patrimónios: quando certos
bens do devedor estão sujeitos a um regime próprio de
responsabilidade por dívidas

A limitação ainda pode ocorrer por convenção das partes.

Esta limitação pode ser:


- positiva: alguns credores só podem executar alguns bens do devedor, mas não
ocorre para a generalidade
- negativa: a lei exclui certos bens do devedor do poder de execução da generalidade
dos seus credores
- só dos bens do devedor

Existem situações em que há bens de terceiro a responder pela divida, que sucede
sempre que tenha sido constituída uma garantia pessoal ou real abrangendo bens de
terceiro, ou ainda tenha sido impugnada paulianamente a transmissão de bens do
devedor para terceiro.

- estando os credores em pé de igualdade

Esta regra implica que não haja uma hierarquização entre os direitos de crédito pela
ordem da sua constituição, sendo que os créditos mais antigos e os mais novos têm
todos a mesma possibilidade de executar o património do devedor.
Assim, no caso do património do devedor não ser suficiente para pagar a todos, os
credores dividem proporcionalmente esse património.

O duplo risco de não satisfação do direito de crédito pode ser evitado por duas vias:
- risco de variação do património do devedor: possibilidade dos credores reagirem
em casos de omissão ou ação do devedor que levem a uma diminuição do seu
património (declaração de nulidade- art. 605º; ação sub-rogatória- art. 606º;
impugnação pauliana- art. 610º; arresto- art. 619º)

- risco de outros credores se anteciparem na execução do património: atribuem-se


certas garantias:
- pessoais: fazer responder outra pessoa pela divida
- reais: o credor obtém um direito real de garantia, que lhe permite
ser pago à frente dos demais credores

PARTE II
CAPÍTULO I
CONCEITO, ESTRUTURA E COMPRENSÃO DA OBRIGAÇÃO

Generalidades
O direito de crédito tem como objeto a prestação, ou seja, o comportamento que o devedor
está vinculado a adotar em benefício do credor.

Contudo, ninguém pode ser coagido fisicamente a realizar uma prestação. Assim, o credor
apenas pode proceder à execução do património do devedor (art. 827º ss.) ou uma
indemnização pelos danos sofridos com a não realização da prestação (art. 798º ss.)

Com isto, temos duas realidades a tomar em consideração como possíveis objetos do direito
de crédito:
- a prestação: conduta do devedor
- o património: bens do devedor
A discussão sobre o objeto do direito de crédito leva a diferentes conceções.

Teorias personalistas
Segundo estas teorias, o direito de crédito é um vínculo pessoal, tendo como objeto uma
conduta do devedor.

Essas teorias podem agrupar-se nas seguintes:


- o crédito como um direito sobre a pessoa do devedor
- o crédito como um direito à prestação do devedor

O crédito como um direito sobre a pessoa do devedor


Esta era solução tradicional do Direito Romano, em que se configurava o direito de crédito
como representando um direito de domínio sobre uma pessoa.
Era vista como uma sujeição da pessoa do devedor ao credor, que tinha o direito de o
reduzir à escravidão se não cumprisse a obrigação.

Atualmente, o Direito Moderno já não permite uma atuação direta sobre a pessoa do
devedor, pelo que a execução para satisfação do direito de crédito apenas se pode fazer
sobre os bens e não sobre a pessoa do devedor.

Próxima desta conceção, outra é a que caracteriza que o direito de crédito representa um
domínio sobre uma atuação de prestação do devedor.
A liberdade de atuação do devedor seria excluída e submetida à vontade do credor, que
exerceria um direito de domínio sobre essa atuação.

Esta tese foi objeto de várias críticas, pois a atuação é uma expressão direta da
personalidade, logo não pode ser separada para constituir objeto de um direito de domínio
de outrem.

O crédito como um direito à prestação (teoria clássica)


De acordo com esta tese o direito de crédito consiste na faculdade de exigir de determinada
pessoa a realização de determinada conduta (prestação) em benefício de outrem.
A conduta não pode ser coercivamente exigida, mas como corresponde a um valor
patrimonial, permite a execução do património do devedor para ressarcimento do credor.

Teorias realistas
Para as teorias realistas o direito de crédito é um direito sobre o património do devedor.

Estas teorias têm várias modalidades:


- o crédito como um direito sobre os bens do devedor
- o crédito como uma relação entre patrimónios
- o credito como um direito à transmissão dos bens do devedor
- o crédito como expectativa da prestação, acrescida de um direito real de garantia sobre o
património do devedor

O crédito como um direito sobre os bens do devedor


Esta qualifica o direito de crédito como um direito sobre os bens do devedor.
O crédito recai sobre todo o património do devedor.

Esta teoria nega a existência de um direito à prestação, pois, sendo incoercível, o


cumprimento da obrigação apresenta-se como um ato completamente livre, não sendo
objeto de um direito do credor.

O direito de crédito consiste na faculdade de executar o património do devedor.

O erro destas conceções realistas reside na circunstância de a faculdade de execução se


destinar a garantir o direito de crédito, não constituindo objeto desse mesmo direito.
Para sustentar esta afirmação, vejamos as seguintes hipóteses:
- a prestação pode ser de facto, ou até de facto negativo, em que o cumprimento não
consiste na entrega de bens do devedor, obtendo o credor a satisfação do seu direito
mediante a conduta deste

- se a prestação for originariamente impossível, o direito de crédito não se chega a constituir


(art. 401º nº1)

- aplicações de sanções ao devedor em caso de mora (art. 804º), incumprimento da


obrigação (art. 798º) ou a sua impossibilitação culposa (art. 801º)

- a inexistência de bens no património não impede de alguém assumir obrigações

O crédito como relação entre patrimónios


O direito de crédito transforma-se num vínculo entre patrimónios, sendo o credor e o
devedor meros representantes jurídicos dos seus bens.
Assim, não seria o devedor que deve ao credor, mas o património do devedor que deve ao
património do credor.

Esta conceção é falsa, pois os patrimónios são complexos de bens e as relações jurídicas
apenas se estabelecem entre pessoas.

O crédito como um direito à transmissão dos bens do devedor


Esta tese vê a obrigação como um processo de aquisição de bens, em que o fim da obrigação
seria sempre a aquisição da propriedade.

A diferença entre o direito de crédito e o direito real reside na circunstância de que o direito
real é exercido diretamente sobre a coisa, enquanto o direito de crédito haveria o fenómeno
da “propriedade indireta”, um direito à aquisição de bens do devedor.

Esta conceção encontra-se errada, pois a obrigação não envolve a transmissão ou sucessão
de bens, já que a prestação pode ser de facto, não possuindo valor económico.
Mesmo no âmbito das prestações de coisa, o que está em causa é a conduta do devedor
relativa à entrega da coisa, que é juridicamente distinta da transmissão da propriedade
sobre ela.
Na situação que o credor possa penhorar bens do devedor, estes são sujeitos a venda
executiva para pagamento, não ficando o credor proprietário destes bens.

O crédito como expectativa da prestação, acrescida de um direito real de garantia


sobre o património do devedor
É possível distinguir na obrigação duas relações fundamentais:
- o débito: corresponde a um dever do devedor, sendo um estado de pressão psicológica em
que o devedor se encontra, por existir um preceito que o manda realizar a prestação a
determinada pessoa; corresponde a uma expectativa legitima do credor, entendida como
um estado fidúcia jurídica (negócio que implica confiança) de receber a prestação pelo facto
de lhe ser juridicamente devida, mas que não corresponde a um direito que ele não pode
fazer valer se não for cumprida; existe uma expectativa

- responsabilidade: corresponde ao estado de sujeição; corresponde ao direito equivalente


ao direito daquele a quem seja devida uma prestação, que pode fazer valer essa sujeição,
com o fim de tornar provável a realização da prestação pelo devedor, no caso dela não ser
cumprida; existe um direito subjetivo

Teorias mistas
Para estas a obrigação tem por objeto a prestação e o património do devedor.

O débito seria o vínculo principal da obrigação, consistente no dever de efetuar a prestação,


enquanto a responsabilidade consistiria no vínculo de garantia, traduzido num estado de
sujeição do património do devedor ao credor.

O credor tem, assim, dois direitos, o direito à prestação (direito pessoal) e um direito sobre o
património do devedor (direito real de garantia).

As doutrinas sustentando a complexidade do vínculo obrigacional


A obrigação é vista como um “organismo” que abrangeria um conjunto de créditos
individuais (deveres de prestação principais e acessórios) e direitos potestativos (sujeições,
como a resolução e a denuncia).

Pode-se falar em obrigação em sentido estrito (direito de crédito individual), mas também
em obrigação em sentido amplo (relação causal que existe entre o credor e o devedor), da
qual surge o direito de crédito e a obrigação.

Posição adotada
A obrigação é um vínculo pessoal entre dois sujeitos, através do qual um deles pode exigir
do outro a adoção de um determinado comportamento em seu benefício.

É esta a posição adota pelo legislador, que no artigo 397º consagra a teoria clássica.
Também é posição adotada pela maioria da doutrina, que entende o direito de crédito como
tendo como objeto a prestação, negando a existência de qualquer direito do credor sobre o
património do devedor.
A ação executiva representa a aplicação pelo Estado de uma sanção pelo incumprimento das
obrigações, assegurando-se a segurança jurídica ao direito de crédito.

Características das obrigações


A patrimonialidade
A patrimonialidade é a suscetibilidade de a obrigação ser avaliável em dinheiro, ou seja ter
conteúdo económico.

O atual Código Português refere que a prestação não necessita ter carater pecuniário (art.
398º nº2).

Hipóteses, sem cariz patrimonial, que estão excluídas por não corresponderem a um
interesse do credor:
- Antunes Varela: estão excluídas as prestações que correspondam a simples caprichos e
manias do credor; as prestações que correspondam a situações tuteladas por outras ordens
normativas (ex.: religião, moral e trato social)

- Menezes Cordeiro: se o objeto corresponder a situações originadas de outros complexos


normativos, não se constituem obrigações

A posição mais correta é a de Menezes Cordeiro, pois no caso de o interesse do credor


corresponder a uma mania ou capricho para uma generalidade das pessoas, não significa
que não tenha importância para o credor.

As situações em que a obrigação não reveste cariz patrimonial são raras, logo fala-se numa
patrimonialidade tendencial.
O direito de crédito consiste num ativo no património do credor, enquanto a obrigação é um
passivo do património do devedor. Isto é passível de ser ver no momento do vencimento,
em que a ação executiva permite a realização de dinheiro em substituição do objeto da
prestação, enquanto que, mesmo que o crédito não esteja vencido, este representa um ativo
do credor, podendo este transformá-lo e dinheiro através da sua cessão onerosa a terceiro
(art. 577º) ou da sua afetação a fins de garantia (art. 679º).

A mediação ou colaboração devida


O credor não pode exercer o seu direito direta ou imediatamente, necessitando da
colaboração do devedor para a satisfação do seu interesse.

A relatividade
Esta característica pode ser entendida em dois sentidos:
- prisma estrutural

O direito de crédito estrutura-se com base numa relação entre credor e devedor.

Apenas o devedor deve prestar e apenas dele pode o credor exigir que realize a
prestação.

- prisma de eficácia
O direito de crédito apenas é eficaz contra o devedor.

Existem três teorias:


- clássica: os direitos de crédito só podem ser violados pelo devedor; a solução é
retirada do artigo 406º nº2 e da distinção entre:
- responsabilidade delitual (483º): relativo à
violação de direitos absolutos, em que há
responsabilidade civil, tendo-se de indemnizar,
no caso de violação culposa de qualquer pessoa

- responsabilidade obrigacional (798º): relativo


à violação do direito de crédito, restringindo ao
devedor a responsabilidade obrigacional

- nacional: o dever geral que todos têm de não lesar os direitos alheios abrange os
direitos de crédito, havendo tutela delitual

- intermedia (adotada): não aceita a existência de um dever geral dos direitos de


crédito, mas admite uma oponibilidade a terceiros, através do princípio do abuso de
direito (art. 334º)

Autonomia
Considerar-se-ia a autonomia coo o facto de a obrigação ser reguladas pelo Direito das
Obrigações.
Contudo, assim estariam excluídas as situações estruturalmente obrigacionais, mas que
estão reguladas noutros ramos do Direito.
Com isto, a autonomia não deve ser considerada uma característica das obrigações.

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