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Menezes Leitão
Direito das Obrigações II
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Inês Godinho Turma A 2019/2020
Volume I
A Complexidade Intra Obrigacional e os deveres acessórios de conduta
Um dos sentidos que se poderá atribuir à obrigação, sendo esse mais amplo, é o que abrange
todo o conjunto de situações jurídicas geradas no âmbito da relação entre o credor e o devedor.
Assim, a realidade da obrigação abrange:
“Relação Obrigacional Complexa”: Expressão que a doutrina utiliza para fazer referência ao facto
de a obrigação não poder ser reconduzível estruturalmente apenas aos elementos do direito de
crédito e do dever de prestação, mas incluir também um conjunto de situações jurídicas que se
unem num fim que é a realização do próprio interesse do credor, sendo este o fim da obrigação.
Esta conceção tem especial relevância em casos específicos como nas relações contratuais
duradouras.
Modalidades de obrigações
Obrigações naturais: o artigo 402º define estas obrigações, sendo possível perceber que estas
se caracterizam pela não exigibilidade judicial da prestação, resumindo-se a sua tutela jurídica à
possibilidade de o credor conservar a prestação espontaneamente realizada (403º). Assim,
exclui-se a repetição do indevido presente no artigo 476º, salvo no caso de o devedor não ter
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capacidade para realizar a prestação. Nesse sentido, se o devedor tiver capacidade para realizar
a prestação e a efetuar espontaneamente, isto é, sem coação1 (403º/2).
As obrigações naturais não podem ser convencionadas pelas partes, visto que isso equivaleria a
que o credor renunciasse ao direito de exigir o cumprimento, o que é afastado pelo artigo 809º.
Exemplos de obrigações naturais: obrigações prescritas (304º/2-com a diferença das outras por
não poder ser invocada oficiosamente pelo tribunal), o jogo e aposta (1245º) e o pagamento ao
filho de uma compensação pela obtenção de bens para os pais (1895º/2).
O artigo 404º apresenta que se aplica às obrigações naturais o regime das obrigações civis em
tudo o que não se relacione com a realização coativa da prestação, salvas das exceções da lei.
Ainda assim, não lhes é aplicado o regime de fontes das obrigações, nem a possibilidade de
estipulação de garantias ou do regime do cumprimento e não cumprimento (isso é incompatível
com a exigência de espontaneidade do cumprimento da obrigação) e, por outro lado, não se
podem extinguir por prescrição.
São relações de facto, isto é, é o próprio dever moral, a cuja prática realizada pelo
devedor, a lei, em certos casos, atribui efeitos jurídicos →Guilherme Moreira e Jaime
Gouveia.
São obrigações jurídicas imperfeitas, sendo o que explica a não repetição do indevido o
facto de a divida existir realmente, embora não tenha plena eficácia jurídica por lhe
faltar algum requisito previsto na lei →José Tavares e Antunes Varela
São obrigações jurídicas, sendo o seu regime diverso das restantes por a lei não permitir
a sua execução →doutrina dominante: Manuel de Andrade, Vaz Serra, Almeida Costa,
Menezes Cordeiro, seguindo a tese de José Tavares.
São um dever oriundo de outras ordens normativas que, pelo facto de corresponder a
um dever de justiça, leva a que o direito atribua causa jurídica às atribuições
patrimoniais realizadas espontaneamente em seu cumprimento. O artigo 403º/1
funciona como uma tutela da aquisição pelo credor natural, em consequência da
prestação, à qual se atribui assim causa jurídica. Nas obrigações naturais não existe um
vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fique adstrita para com outra à
realização da prestação (397º). A lei nega ao credor a tutela jurídica desse direito ao
afastar-lhe a faculdade de exigir judicialmente o cumprimento e, visto que essa
faculdade integra o conteúdo do direito de crédito e dele não é conceptualmente
separável, não pode considerar-se uma verdadeira obrigação jurídica. Nas obrigações
civis o cumprimento da obrigação não aumenta o património do credor, contudo, nas
obrigações naturais, não havendo a faculdade de exigir o cumprimento, o direito de
crédito não tem conteúdo, não se podendo considerar como um valor no ativo
patrimonial do credor, sendo o cumprimento da obrigação um incremento do
património do credor à custa do património do devedor. O regime aproxima as
obrigações naturais às doações e afasta-as das obrigações civis. Nas obrigações naturais
não existe um direito primário à prestação, como direito de crédito, existindo apenas
um reconhecimento pela lei de uma causa jurídica à prestação realizada
espontaneamente. Ou seja, a lei reconhece que o cumprimento da obrigação natural é
1Exclui-se o erro ou o dolo do credor natural. Galvão Teles afirma que não há restituição mesmo que exista um erro
quanto à coercibilidade do vínculo.
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Prestações de Coisa: são aquelas cujo objeto consiste na entrega de uma coisa, dizendo
respeito ao fornecimento de bens. A atividade do devedor pode ser distinguida da coisa,
visto que esta última existe independentemente da sua conduta. O interesse do credor
verifica-se normalmente em relação à coisa e não à conduta do devedor, no entanto, o
direito de crédito incide sobre a conduta do devedor, exigindo-se sempre a mediação
da atividade do devedor para o credor obter o seu direito. Subdivide-se em prestação
de coisa presente e prestação de coisa futura- as coisas futuras são definidas no artigo
211º, havendo no entanto que atender a uma definição mais ampla apresentada por
Galvão Teles: “bens futuros são aqueles que, não tendo existência, não possuindo
autonomia própria ou não se encontrando na disponibilidade do sujeito, são objeto de
negócio jurídico na perspetiva de aquisição futura dessas características”. As obrigações
que tenham como prestação coisas futuras são em alguns casos proibidas pela lei, ainda
que o artigo 399º admita genericamente a sua possibilidade.
Prestações de Facto: são aquelas que consistem em realizar uma conduta de outra
ordem, dizendo respeito à realização de serviços. Nestas, não é possível distinguir a
conduta do devedor e a realidade que exista independentemente dessa conduta, tendo
o direito do credor como objeto a prestação do devedor. Podem ser subdivididas em
prestações de facto positivo (o devedor deverá praticar uma ação) ou prestações de
facto negativo (o devedor deverá praticar uma omissão, subdividindo-se esta naquelas
situações em que o devedor não deva realizar certa conduta (prestação de non facere)
ou naquelas em que deve tolerar a realização de uma conduta por outrem (prestações
de pati)). Pode ainda ser subdivididas em prestações de facto material (o devedor
pratica uma conduta puramente material, não destinada a produzir efeitos jurídicos) e
em prestações de facto jurídicas (a conduta do devedor tem como objetivo a produção
de efeitos jurídicos).
Prestações Fungíveis: são aquelas em que a prestação pode ser realizada por outrem
que não o devedor, podendo assim este fazer-se substituir no seu cumprimento. O
artigo 767º/1 determina que a regra geral é as prestações serem fungíveis. As
prestações fungíveis permitem ao credor a possibilidade de execução especifica da
obrigação, isto é, o credor pode obter a realização da prestação de qualquer pessoa e
não apenas do devedor, podendo requerer ao tribunal que determine a realização da
prestação por outra pessoa às custas do devedor: pode requerer que a coisa lhe chega
entregue (827º), requerer a realização por outrem da atividade que o devedor se tinha
comprometido a realizar (828º), no caso de realização de uma atividade jurídica, o
tribunal pode emitir uma sentença com os mesmos efeitos do contrato prometido
(830º).
Prestações Infungíveis: são aquelas em que só o devedor pode realizar a prestação, não
sendo permitida a sua realização por terceiro. O artigo 767º/2 apresenta as situações
em que as prestações serão infungíveis: quando a substituição do devedor prejudica o
credor (infungibilidade natural-ex. pintor famoso contratado para fazer um quadro que
é feito pelo seu aprendiz, o que diminui o valor do quadro) ou quando as partes tenham
expressamente acordado que a prestação só pode ser realizada pelo devedor, quando
naturalmente a prestação não é infungível (infungibilidade convencional). A
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2 Acórdão Relação de Coimbra (5/7/2005): “A destrinça, no âmbito de um contrato de prestação de serviços, entre
uma obrigação de meios e uma obrigação de resultado, decorre de no primeiro caso o devedor se obrigar apenas a
usar de determinada diligência e não propriamente a fazer obter um certo resultado, distinção essa que releva no
âmbito do ónus da prova relativa à culpa.
Enquanto na primeira situação cabe ao credor fazer a demonstração em juízo de que a conduta do devedor não foi
conforme com as regras de atuação que, em abstrato, viriam a propiciar a produção de um determinado resultado,
na segunda situação a simples constatação de que certa finalidade não foi alcançada ( prova do incumprimento ) faz
presumir a censurabilidade ético-jurídica da conduta do devedor, podendo este, todavia, provar o contrário.
Tal distinção, porém, não tem razão de ser à luz do nosso direito, onde apenas há a considerar a prestação de
resultados, uma vez que só estes interessam ao credor – artigoº 398º, nº 2, do C. Civil. - , havendo apenas que saber
a natureza do resultado procurado, nas suas muitas graduações, pelo que cabe sempre ao devedor o ónus da prova
de que realizou a prestação ou de que a falta de cumprimento não procede de culpa sua.”.
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No artigo 541º a lei admite certos casos em que a obrigação se concentra antes
do cumprimento:
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exigir indemnização pelos danos de não ter sido possível realizar a prestação
tornada impossível ou resolver o contrato. Segundo o artigo 547º, sendo a
impossibilidade imputável ao credor: se a escolha se pertencia, a obrigação tem-
se como cumprida, visto que a atitude do credor, ao impossibilitar uma das
prestações, deve ser equiparada à situação de ele a escolher; se a escolha
pertencia ao devedor, a obrigação também se considera cumprida, a menos que
o devedor prefira realizar outra prestação e ser indemnizado dos danos que haja
sofrido. E nos casos em que a impossibilidade é imputada a uma das partes e a
escolha caiba a um terceiro? Antunes Varela considera que se for imputável ao
devedor, o terceiro pode escolher entre realizar uma das prestações possíveis
ou pedir indemnização pelos danos resultantes, não podendo resolver o
contrato (é uma faculdade exclusiva do credor). Se a impossibilidade for
imputável ao credor, o terceiro pode escolher entre considerar cumprida a
obrigação ou determinar que o devedor realize a prestação possível e peça
indemnização pelos danos. Menezes Cordeiro discorda, considerando que
quando ao obrigação se torna impossível, o terceiro perde a faculdade de
realizar a escolha, visto que apenas pode escolher entre duas prestações e não
entre uma prestação e uma indemnização. Assim, quando haja impossibilidade
imputável a uma das partes e a escolha cabe ao terceiro, a escolha passa a caber
às partes. Menezes Leitão concorda com este pensamento, visto que as partes
escolhem o terceiro para efeitos de determinação da prestação e não para
exercer os direitos que lhes competem quando a outra parte culposamente
impossibilita a realização da prestação. Por outro lado, o pedido de
indemnização envolve um juízo sobre os danos sofridos, que só a parte está em
condições de o fazer.
As obrigações alternativas não se confundem com as obrigações com faculdade
alternativa, onde a prestação já se encontra determinada, mas se dá ao devedor
a faculdade de substituir o objeto da prestação por outro (ex. 558º- o credor só
pode exigir do devedor a entrega de moeda estrangeira, mas o devedor pode
cumprir com moeda com curso legal no país). Ao contrário das obrigações
alternativas, em que o direito do credor abrange duas prestações em
alternativa, aqui o direito abrange apenas uma prestação, ainda que a outra
parte tenha a faculdade de a substituir.
Obrigações Pecuniárias: obrigações que têm dinheiro por objeto, visando proporcionar
ao credor o valor que as respetivas espécies monetárias possuam (a obrigação visa
proporcionar ao credor o valor do dinheiro), sendo estes requisitos cumulativos. Podem
subdividir-se em 3 modalidades:
Obrigações de quantidade (550º): é a categoria mais importante e
consistem nas obrigações que têm por objeto uma quantidade de moeda
com curso legal no país (em Portugal é o euro). O regime das obrigações
pecuniárias de quantidade é regido por dois princípios: princípio do curso
legal (o cumprimento das obrigações pecuniárias deve realizar-se apenas
com espécies monetárias a que o Estado reconheça função liberatória
genérica, cuja aceitação é obrigatória para os particulares. O objeto da
obrigação deverá ser uma quantia de unidades monetárias que nesse
momento tenham curso lega, ou seja, possam desempenhar a função da
entrega de dinheiro que consiste em permitir ao credor a receção de um
valor correspondente às espécies monetárias, em virtude da possibilidade
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O contrato normalmente é um negócio jurídico bilateral, podendo ser também multilateral (ex.
contrato de sociedade). Segundo o autor, o contrato é o resultado de uma ou mais declarações
negociais contrapostas, mas integralmente concordantes entre si, de onde resulta uma unitária
estipulação de efeitos jurídicos, pressupondo assim uma proposta e uma aceitação, resultando
destas um consenso sobre todas as clausulas.
Modalidades de Contratos:
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momento (796º/1). Contudo, o direito real apenas pode ser constituído sobre
coisas presentes determinadas e autonomias de outras coisas, sendo que se não
estiverem preenchidos estes requisitos, a transferência da propriedade ocorre
num momento posterior ao da celebração do contrato (408º/2). Quanto a
coisas futuras (do 211º e coisas absolutamente futuras, isto é que ainda não
existem ao tempo da declaração negocial), a transferência ocorre no momento
da aquisição da coisa pelo alienante. Quanto a coisas indeterminadas, a
transferência ocorre quando a coisa é determinada com conhecimento de
ambas as partes, excetuando-se deste regime as obrigações genéricas. Quanto
a coisas ligadas a outras (frutos naturas e partes componentes ou integrantes)
a transferência ocorre no momento da colheita ou da separação. Nestes três
casos, a transmissão da propriedade continua a ser um efeito do contrato, sem
necessitar de qualquer segundo ato a praticar pelo alienante.
Clausula de reserva de propriedade (409º): convenção pela qual o alienante
reserva para si a propriedade da coisa, até ao cumprimento total ou parcial das
obrigações da outra parte, ou até à verificação de qualquer outro evento. Esta
pode ser celebrada quanto a quaisquer bens, mas no caso de bens imóveis ou
móveis sujeitos a registo é necessário o registo para ser oponível a terceiros
(409º/2). Esta clausula tem como objetivo devedor o vendedor de eventuais
consequências do incumprimento e não permitir ao vendedor o a continuação
de gozo sobre o bem. Em caso de incumprimento por parte do comprador, o
vendedor continua a poder resolver o contrato (801º/2). A conservação da
propriedade impede os credores do comprador de executarem o bem. A partir
da entrega, o comprador fica integralmente investido nos poderes de uso e
fruição da coisa, servindo a manutenção da propriedade no vendedor apenas
para assegurar a recuperação do bem, quando haja incumprimento. Assim, o
risco deverá correr por conta de quem beneficia do direito, sendo esse o
comprador, que deverá responder pela perda ou detioração. O comprador com
o negócio passa a ter uma expectativa jurídica de aquisição do bem, oponível a
terceiros- expectativa real de aquisição.
➢ Contratos Sinalagmáticos e Não Sinalagmáticos:
Contratos Sinalagmáticos: originam obrigações recíprocas para ambas as partes,
ficando ambas simultaneamente na posição de credores e devedores. O
surgimento de cada prestação aparece ligado ao surgimento da outra, que se
apresenta como sua contraprestação. Este nexo entre as duas prestações
denomina-se de sinalagma genético, que leva a que se imponha uma
interdependência entre as prestações: uma não deve ser executada sem a outra
e se uma das prestações se impossibilitar a outra também se deve extinguir-
sinalagma funcional- cada uma das partes pode recusar a sua prestação
enquanto a outra não efetuar o que lhe cabe ou não oferecer o cumprimento
simultâneo (428º- exceção de não cumprimento do contrato); o contraente fiel
pode resolver o contrato se a outra parte incumprir a sua obrigação (resolução
por incumprimento- 801º/2); impossibilidade de uma das prestações extingue
o contrato e determina a restituição da outra (caducidade do contrato
sinalagmático por impossibilidade- 795º/1). O sinalagma surge da exigência de
justiça comutativa que veda o desequilibro contratual que seria gerado pela
realização de apenas uma das prestações, sem que a outra fosse igualmente
realizada.
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ou complementares (as partes estipulam que uma delas deve realizar prestações de
contratos típicos distintos e a outra realiza uma prestação comum); contratos de tipo
duplo ou germinados (uma parte se obriga a uma prestação típica de um contrato e a
outra se vincula a uma prestação típica de outro contrato); contratos mistos em sentido
estrito, cumulativos ou indiretos (é usada a estrutura típica de um tipo contratual para
preencher uma função típica de outro tripo contratual); e contratos complementares
(são adotados elementos essenciais de um determinado contrato, mas aparecem
acessoriamente elementos típicos de outro ou outros contratos). Qual é o regime que
lhes deve ser aplicado, uma vez que há um conflito de regimes legais potencialmente
aplicáveis? Surgiram 3 teorias para resolver o problema: teoria da absorção, que
defende que o conflito deve ser resolvido pela opção a favor de um único regime
contratual, sendo o que se pudesse considerar predominante o que absorvia os
restantes regimes contratuais; teoria da combinação, que defende que o conflito deve
ser resolvido com a aplicação combinada dos dois regimes; teoria da analogia, que
sustenta que o contrato misto deve considerar-se como totalmente atípico, não sendo
regulado por nenhum tipo contratual, havendo, portanto, uma lacuna, a ser resolvida
através da integração analógica. Doutrina: Galvão Teles defende que os contratos
múltiplos e germinados deveriam reger-se pela teoria da combinação e os cumulativos
e complementares pela teoria da absorção; Antunes Varela considera que só perante
cada caso concreto é que se poderá escolher aplicar a teoria da absorção ou da
combinação; Menezes Cordeiro considera que deverá existir uma aplicação preferencial
pela teoria da absorção, admitindo subsidiariamente o recurso à combinação e analogia
quando a aplicação da teoria da absorção seja afastada por normas injuntivas, vontade
das partes em contrário ou se torne inviável; Menezes Leitão considera que se deve
afastar logo em principio a teoria da analogia, pois isso desvirtua a natureza do contrato
misto, que passa a ser considerado como um contrato totalmente atípico, o que não
corresponde à sua natureza, visto que é só uma junção de vários contratos típicos.
Importa observar a solução ditada pela lei nestas situações: 1065º, 1066º e 1028º, de
onde é possível retirar um critério geral: sempre que na economia do contrato misto, os
elementos pertencentes a um dos contratos assumirem preponderância, deve ser
aplicado essencialmente o regime desse contrato (teoria da absorção). Porém, se não
for possível estabelecer essa preponderância, a solução deve ser a aplicação simultânea
dos dois regimes (teoria da combinação). Neste sentido, parece que na maioria dos
casos a teoria de Galvão Teles se adequa, mas terá de se ter em conta casos em que tal
não é tão certo e evidente.
➢ União de Contratos: verifica-se a celebração conjunta de diversos contratos, unidos
entre si. Esta união poderá ser externa, quando a ligação entre os contratos resulte
apenas da circunstância de serem celebrados ao mesmo tempo, já que as partes não
estabeleceram qualquer nexo de dependência entre os contratos. Poderá ser também
interna, quando os contratos se apresentam ligados entre si por uma relação de
dependência, sendo que na altura da sua celebração um das partes estabeleceu que não
aceitaria celebrar um dos contratos sem o outro. Essa dependência poderá ser unilateral
ou bilateral, se apenas um dos contratos depende do outro ou se os contratos são
dependentes entre si. Nesta união, a validade e vigência de um ou de ambos ficará
dependente da validade e vigência do outro. A união pode ainda ser alternativa, quando
as partes declaram pretender ou um ou outro contrato, consoante ocorrer ou não a
verificação de determinada condição. A verificação dessa condição implica a produção
de efeitos de um dos contratos e ao mesmo tempo exclui a produção de efeitos do
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outro. Os contratos encontram-se unidos ocasionalmente e essa união vai ser resolvida
a favor de permanência apenas de um dos contratos.
Contratos Preliminares: são aqueles contratos cuja execução pressupõe a celebração de outros
contratos. Assume especial relevo o contrato-promessa e o pacto preferência, nos quais se
verifica, respetivamente, a assunção da obrigação de celebração de um futuro contrato, ou da
obrigação de dar preferência a outrem na celebração de um contrato futuro. Por vezes, ocorrem
situações em que não há uma efetiva vinculação a uma obrigação, apesar de as partes
assumirem certos compromissos durante a fase de negociações- contratação mitigada.
Situações destas serão as cartas de intenção (expressão da intenção de celebração de um
contrato futuro, sem assunção de uma obrigação nesse sentido), acordo de negociação
(definição dos parâmetros em que devem decorrer as negociações, expressando a intenção de
as prosseguir), acordo de base (as partes referem o acordo existente sobre os pontos essenciais,
embora as negociações prossigam para acertar questões complementares), acordo-quadro (as
partes numa negociação que envolve múltiplos contratos estabelecem um enquadramento
comum a todos eles, podendo as partes fazer isto para contratos futuros) e o protocolo-
complementar (consiste na celebração de uma convenção acessória de um determinado
contrato, visando a sua complementação). Se de um desses compromissos não resultar a
assunção de uma obrigação, a responsabilidade será com base apenas na culpa in contrahendo
(227º).
Contrato-Promessa
O artigo 410º apresenta que o contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a
celebrar novo contrato. Este é um contrato preliminar do contrato definitivo. O contrato-
promessa tem como objeto uma obrigação de contratar/ celebrar um outro contrato, a qual
pode ser relativa a qualquer outro contrato. O objeto da obrigação neste contrato é a emissão
de uma declaração negocial (prestação de facto jurídico). Caracteriza-se normalmente por ter
uma eficácia meramente obrigacional, mesmo que o contrato definitivo tenha eficácia real.
Segundo o critério de equiparação o contrato-promessa segue em princípio o regime do
contrato definitivo. Contudo, este princípio é sujeito a duas exceções: (1) as disposições relativas
à forma, permitindo-se que ao contrato-promessa seja atribuída uma forma menos solene do
que a que seria exigida ao contrato definitivo; (2) disposições que pela sua razão de ser não
devam considerar-se extensivas ao contrato-promessa, afastando todas as disposições que
sendo atribuídas ao contrato prometido, por se justificarem atendendo à sua configuração, não
se harmonizam com a natureza do contrato-promessa (ex. efeitos do artigo 879º). Nada obsta a
que se celebre dois contratos-promessa incompatíveis sobre o mesmo bem, uma vez que há
apenas a constituição de dois direitos de crédito, os quais não se hierarquizam entre si pela data
da constituição, mas antes concorrem simultaneamente sobre o património do devedor
(604º/1).
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Forma do Contrato-Promessa: este contrato segue o regime geral que se baseia na liberdade de
forma (219º). Contudo, o artigo 410º/2 apresenta que quando a lei exige um documento,
autêntico ou particular para o contrato prometido, é também exigido um documento para o
contrato promessa, bastando um contrato particular (ainda que seja exigido para o contrato
prometido um autêntico). Esse documento tem apenas de ser assinado pela parte que se vincula
à celebração do contrato definitivo. Mesmo no caso de contrato promessa bilateral parece que
apenas o promitente é que tem de assinar (Antunes Varela e Galvão Teles contra por
considerarem que é um contrato-promessa bilateral, visto que existe vinculação de ambas as
partes). Importa não esquecer o artigo 410º/3 que apresenta um conjunto de formalidades
exigidas em certos contratos promessa como forma de evitar a celebração desses em casos de
construção clandestina, impondo-se , no interesse do promitente adquirente, o reconhecimento
presencial das assinaturas e certificação no próprio documento, da existência de licença de
utilização ou construção. Quando isto não é cumprido, ocorre invalidade do contrato-promessa
que só poderá ser invocada pelo promitente adquirente, a menos que seja provada por sua culpa
exclusiva. Assentos de 1994 e 1995 consagraram que a invalidade não pode ser invocada por
terceiros, nem conhecida oficiosamente pelo tribunal, sendo uma invalidade mista, podendo só
promitente adquirente invocar a invalidade a todo o tempo (podendo ser a nulidade sanável,
mediante posterior obtenção de licença- acórdão 2008 STJ), admitindo-se que essa invocação
possa ser limitada com base no abuso de direito (acórdão 1998 STJ)
O que acontece com um contrato-promessa bilateral que seja assinado apenas por um dos
promitentes? Subsiste válido como promessa unilateral, permitindo a subsistência da obrigação
daquele que assinou ou não? A doutrina divide-se, podendo ser apresentadas as seguintes
posições:
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3 Não esquecer assento de 1989 do STJ, com força obrigatória geral na altura, que fixa que a falta de assinatura leva
à nulidade, mas pode considerar-se válido como contrato-promessa unilateral desde que essa tivesse sido a vontade
faz partes. Este levou a inúmeras divergências na doutrina.
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pode ser afastado pelas partes, nem estas podem estipular convenções contrárias à execução),
podendo as partes afastá-lo através por exemplo, de constituírem sinal ou estipularem uma
penalização para o incumprimento (830º/2), visto que se entende que no caso de
incumprimento apenas querem a indemnização e não a execução especifica. Esta presunção é
ilidível por prova em contrário, nada impedindo que as partes estabeleçam ambos os regimes,
podendo o credor escolher o que lhes for mais conveniente; e no caso de a execução especifica
ser incompatível com a natureza da obrigação assumida, como por exemplo, nos casos de
contratos reais quoad constitutionem, pois o tribunal não se pode substituir à parte na tradição
da coisa, ato cuja espontaneidade se pressupõe, ou o contrato de trabalho, devido ao caráter
pessoal da prestação. Nestes casos, o incumprimento do contrato-promessa apenas pode gerar
indemnização por via da responsabilidade contratual.
Da execução especifica podem surgir 2 problemas: hipótese de o bem ter sido prometido vender
livre de ónus ou encargos, mas encontrar-se presentemente hipotecado: admite-se que na ação
da execução especifica seja simultaneamente pedida a condenação do promitente faltoso na
quantia necessária para expurgar a hipoteca (830º/4); hipótese de o promitente faltoso poder
invocar a exceção de não cumprimento: a ação improcede se ele não consignar em depósito a
sua prestação no prazo que lhe foi fixado pelo tribunal (830º/5), para evitar que, nos casos em
que o promitente faltoso beneficia da exceção de não cumprimento, por as partes
convencionarem que o pagamento do preço ocorre antes ou no momento da celebração do
contrato definitivo, o tribunal viesse através da sentença transmitir a propriedade da coisa sem
que o pagamento preço fosse realizado. Assim, com o depósito prévio da prestação assegura-se
que o promitente faltoso continua a beneficiar da proteção conferida pelo sinalagma funcional,
mesmo que a ação de execução especifica seja julgada procedente.
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valor, podendo o bem ser executado pelo credor hipotecário em relação ao valor remanescente
(MC concorda com esta doutrina).
Eficácia Real do Contrato-Promessa: a lei permite que se atribua eficácia real ao contrato-
promessa, no caso de a promessa respeitar a bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo, e
se as partes declararem expressamente a atribuição de eficácia real e procederem ao seu registo
(413º/1). Este tipo de contrato-promessa está sujeito a uma forma mais solene: escritura pública
ou documento particular autenticado, a menos que não seja exigida essa forma para o contrato
prometido, caso em que basta um simples documento particular com reconhecimento de
assinatura. A eficácia real significa que o direito à celebração do contrato definitivo prevalecerá
sobre todos os direitos reais que não tenham registo anterior ao registo da promessa com
eficácia real. Qual a natureza do direito de beneficiário da promessa com eficácia real? Galvão
Telles, Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro defendem que se trata de um verdadeiro direito
real de aquisição. Antunes Varela, Almeida Costa e Pessoa Jorge consideram que se trata de um
direito de crédito, sujeito a um regime especial de oponibilidade a terceiros, que admite a
anotação prévia no registo de certos direitos de crédito sobre imóveis para permitir que não
sejam afetados em caso de posteriormente serem praticados atos de disposição sobre esses
bens. Esta discussão advém do facto de a lei não estabelecer o que acontece e qual a forma de
obter o cumprimento da promessa com eficácia real em caso de ocorrer a venda do prédio a
terceiros: Antunes Varela considera que deve estabelecer-se da mesma forma a exceção
especifica contra o obrigado, aplicando-se ao terceiro o regime da venda de bens alheios,
permitindo exigir imediatamente a restituição do bem devido à nulidade da venda; Oliveira
Ascensão considera que se deverá interpor-se uma ação de execução especifica contra o
terceiro; Menezes Cordeiro considera que se deveria fazer uma reivindicação adaptada contra
o terceiro (1315º). O obrigado tem a titularidade do bem quando o vende, só sendo esta venda
posta em causa quando a eficácia real é exercida, tendo de se excluir a aplicação do regime de
venda de bens alheios. A execução especifica contra o obrigado também não faz sentido porque
ele não é já o dono do bem. A execução especifica contra o terceiro falha na questão de não
existir qualquer obrigação de este celebrar o contrato com o beneficiário da promessa. A ação
reivindicativa não se aplica aqui visto que esta se destina a reconhecer um direito e reclamar a
restituição da coisa que é sue objeto (1311º/1), não tendo natureza constitutiva, o que é
necessário aqui, visto que a eficácia real permite a aquisição potestativa do direito real. O
exercício da eficácia real corresponde a uma ação declarativa constitutiva, (eventualmente
cumulável com um pedido de restituição, a instaurar em litisconsórcio necessário contra o
promitente e o terceiro adquirente) destinada a fazer prevalecer o direito de aquisição do
promitente sobre o do terceiro.
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que já tinha sido paga. Para que tal aconteça é necessário ou não a constituição do sinal?
Menezes Cordeiro considera que sim, visto que se não existir um sinal, a tradição da
coisa é um ato de mera tolerância do promitente vendedor, não podendo este ser
prejudicado por isso. Galvão Teles considera que o aumento do valor da coisa tem lugar
mesmo que não tenha sido estipulado sinal. Menezes Leitão considera que é exigido a
constituição do sinal, visto que o objetivo da norma é evitar que o funcionamento do
sinal se torne numa sanção platónica para o promitente vendedor- tem como objetivo
corrigir o funcionamento desvirtuado do sinal, e sendo uma norma excecional com esse
propósito não pode ser aplicada sem este. Pense-se, não existindo sinal, o promitente
comprador pode utilizar a execução especifica e ainda uma indemnização que cobra
todos os prejuízos causados com o incumprimento, não ficando limitado ao valor do
sinal convencionado. Por outro lado, se não existe sinal, o ato de tradição foi de mera
tolerância e gratuito visto que não constitui uma contrapartida da constituição do sinal.
O artigo 442º/3 primeira parte refere-se ainda ao regime especifico do sinal no contrato-
promessa, não permitindo em alternativa do sinal a execução especifica, mas já em face
do artigo 830º/2 se presume que a constituição do sinal se afigura como uma
estipulação contrária à execução especifica, só podendo isto ser afastado se a execução
for imperativa ou se as partes ilidirem a presunção. Assim, o artigo só pretende
apresentar que a execução especifica é possível haja ou não haja a tradição da coisa a
que se refere o contrato-prometido. O artigo 442º/3 segunda parte apresenta que o
promitente faltoso pode paralisar o direito ao aumento do valor da coisa ou do direito
pela outra parte oferecendo-se para cumprir a promessa- exceção do não cumprimento
do contrato-promessa- salvo o disposto no artigo 808º (que se refere aos casos em que
a mora se transforma em incumprimento definitivo).A perda do sinal ou a sua restituição
em dobro pressupõem o incumprimento definitivo, mas a opção pelo aumento do valor
da coisa, na medida em que admita ainda um posterior cumprimento, pode ocorrer em
caso de simples mora (Menezes Cordeiro e Antunes Varela concordam, mas não Galvão
Telles que exige o incumprimento definitivo nesta última parte). Qual a natureza do
direito ao aumento do valor da coisa? Antunes Varela considera que é uma sanção
pecuniária compulsória (esta deveria extinguir-se sempre que o devedor se dispõe a
cumprir, o que não acontece nos casos do 808º); Galvão Telles considera que é uma
indemnização compensatória, mas a atribuição do direito não depende da prova de
quaisquer danos sofridos nem nunca os toma como referência e a indemnização por
incumprimento é definida através da estipulação do sinal, a qual não é derrogada;
Menezes Leitão considera que serve de fundamento a este direito a restituição do
enriquecimento injustificado, visto que o promitente vendedor iria enriquecer pela
valorização da coisa, pagando em dobro o sinal (com um valor simbólico
comparativamente aos ganhos). O artigo 442º/4 apresenta que no caso de se fixar o
sinal, salvo disposição em contrário, não haverá lugar a qualquer outra indemnização, o
que mostra o sinal como fixação antecipada de indemnização. Se for estipulado em
contrário, o sinal funcionará como limite mínimo da indemnização. Este artigo não exclui
a indemnização decida por não cumprir a obrigação de restituição do sinal em dobro.
Função do Sinal: para Galvão Telles o sinal não tem natureza penitencial, mas apenas
confirmatória-penal, já que a indemnização convencionada não funciona como preço
de arrependimento, mas antes como sanção por um ato ilícito (incumprimento); para
Menezes Cordeiro, o sinal tem função confirmatória-penal, pois dá consistência ao
contrato e funciona como uma indemnização (quando pode coexistir com a execução
especifica) e natureza penitencial quando funcione como preço de arrependimento
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Pacto de Preferência
Encontra-se previsto no artigo 414º sendo definido como “convenção pela qual alguém assume
a obrigação de dar preferência a outrem na venda de determinada coisa”. Apesar da alusão
especifica ao contrato de compra e venda, o pacto de preferência pode ser utilizado para
diversos contratos onerosos, desde que não tenham cariz intuitu personae (423º). No pacto
preferência o obrigado à preferência não se obriga a contratar, mas apenas a escolher alguém
como contraente, no caso de decidir contratar, se esse alguém lhe oferecer as mesmas
condições que conseguiu negociar um com terceiro. Assim, é a convenção pela qual alguém
assume a obrigação de escolher outrem como contraente, nas mesmas condições negociadas
com terceiro, no caso de decidir contratar. É um contrato unilateral preliminar de outro
contrato, visto que apenas uma das partes assume a obrigação ficando o titular da preferência
livre e exercer ou não o seu direito. A forma do pacto de preferência segue o regime do contrato
promessa, com exceção das formalidades do 410º/3 que não são exigidas (415º), sendo que,
como o negócio é unilateral, apenas o obrigado à preferência tem de assinar. A estipulação do
pacto em principio só atribui ao seu beneficiário um direito de crédito, contudo, a lei admite que
seja atribuída real ao pacto de preferência (421º), desde que, respeitando a bens imóveis ou
móveis sujeitos a registo, as partes explicitamente o estipulem, celebrem o pacto por escritura
pública ou documento particular autenticado, ou quando não seja exigida a forma para o
contrato prometido, por documento particular com assinatura do obrigado, referindo a
entidade emitente, data e número do seu documento de identificação, e procedam à respetiva
inscrição no registo. Preferências legais são o caso comproprietário, arrendatário e proprietário
de solo por exemplo, e caracterizam-se por ter sempre eficácia real, permitindo aos que dela
disfrutam exercer o seu direito de preferência, mesmo perante o terceiro adquirente. No artigo
422º apresenta-se que o direito convencional de preferência não prevalece contra os direitos
legais de preferência.
Obrigação de preferência (416º a 418º): este regime também se aplica aos direitos legais de
preferência. O artigo 416º apresenta a forma de cumprimento da obrigação de preferência: a
forma adequada de cumprimento é efetuar uma comunicação, não sendo exigível para essa nem
para o exercício posterior do direito uma forma especifica (219º), o que implica problemas de
prova em tribunal, sendo a prática a comunicação por escrito. Por outro lado, a comunicação
não pode ser considerada como a emissão de uma proposta contratual ou convites a contratar
(se o titular da preferência recusar a proposta ou convite não perde o direito de preferência,
mesmo que o contrato preferível tenha o mesmo conteúdo que a proposta ou convite; se vier a
ser celebrado o contrato em consequência dessa proposta ou convite, o direito de preferência
extingue-se por inutilidade), tendo a comunicação que ter uma referência a existência de um
contrato preferível. A comunicação não é realizada logo que o obrigado queira vender, pois
exige-se antes uma negociação com terceiro, devendo ser acordadas as clausulas a comunicar,
como o preço e condições de pagamento. Qual o conteúdo da comunicação para preferência?
A lei esclarece que não basta indicar os elementos gerais do negócio, mas que terão igualmente
de ser comunicadas todas as estipulações particulares acordadas, que sejam relevantes para a
decisão de exercício de preferência. Deverá a comunicação conter o nome do terceiro com qual
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Natureza da obrigação de preferência: a obrigação de preferência pode ser encarada como uma
obrigação de contratar, como obrigação de conteúdo negativo (não celebrar com mais ninguém
o contrato, em relação ao qual deu preferência, a não ser que o titular do direito de preferência
renunciar a essa), obrigação de conteúdo positivo (escolher o titular da preferência como
contraparte se quiser contratar), como uma sujeição (adquirindo o titular da preferência um
direito potestativo). Menezes Leitão considera que a obrigação de preferência é uma obrigação
de conteúdo negativo, visto que só há violação dessa quando é celebrado um contrato
incompatível com a preferência.
Este contrato vem regulado nos artigos 443º e seguintes e pode ser definido como o contrato
em que uma das partes (promitente) se compromete perante outra (promissário) a efetuar uma
atribuição patrimonial em benefício de outrem, estranho ao negócio (terceiro). Essa atribuição
patrimonial pode ser a realização de uma prestação, a liberação de uma obrigação, cessão de
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Regimes Especiais:
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apresenta que presume que a estipulação das partes é no sentido de que o terceiro só
adquire o direito com a morte do promissário (451º/1), mas que, se aquele falecer antes
deste, os seus herdeiros são chamados no lugar dele à titularidade da promessa
(451º/2)- estes são designados como beneficiários subsidiariamente. Estas presunções
são ilidíveis mediante estipulação contrária. Esta promessa é revogável, expressa ou
tacitamente, enquanto o promissário for vivo, independentemente da adesão do
terceiro.
Volume II
Cessão de Créditos
Prevista nos artigos 577º e seguintes, consiste numa forma de transmissão de créditos que opera
por virtude de um negócio jurídico, normalmente celebrado entre o credor e terceiro. O regime
de cessão de crédito não constitui um tipo negocial autónomo, mas antes uma disciplina de
efeitos jurídicos, que podem ser desencadeados por qualquer negócio transmissivo. A cessão
opera sem o consentimento ou qualquer colaboração do devedor.
Requisitos:
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Sub-rogação
Conceito (589º e seguintes): consiste na situação que se verifica quando cumprida uma
obrigação por terceiro, o crédito respetivo não se extingue, mas antes se transmite por efeito
desse cumprimento para o terceiro que realiza a prestação ou forneceu os meios necessários
para o cumprimento. Esta é, tal como a cessão, uma forma de transmissão do crédito, mas estas
figuras distinguem-se pois: cessão tem por base um negócio jurídico e sub-rogação resulta de
um ato não negocial que é o cumprimento, sendo a medida deste que determina a medida na
sub-rogação (593º/1); cessão tem como função assegurar a circulação jurídica dos créditos
enquanto que a sub-rogação visa antes compensar o sacrifício suportado pelo terceiro que
cumpriu uma obrigação alheia; a sub-rogação, como pressupõe o cumprimento de uma
obrigação alheia, é insuscetível de se verificar em relação a prestações futuras, ao contrário do
que vimos suceder com a cessão de créditos; na sub-rogação não existe a garantia de existência
e exigibilidade do crédito, limitando-se a ocorrer a transmissão para o sub-rogado dos direitos
que cabiam ao sub-rogante. A sub-rogação não deve ser confundida com o direito de regresso,
pois no direito de regresso não ocorre uma transmissão dos direitos do credor, surgindo um
direito novo em virtude de uma relação especial já existente entre o autor do pagamento e o
devedor.
Modalidades:
Sub-rogação pelo credor: está prevista no artigo 589º e esta verifica-se através da
declaração do credor, de que pretende que o terceiro que cumpre a obrigação venha
por virtude desse cumprimento, a adquirir o crédito. Pressupõe dois requisitos:
cumprimento da obrigação por terceiro e declaração expressa (embora não se exija
forma especial) anterior (para que a obrigação se transmita e não se extinga) do credor
a determinar a sub-rogação, sem os quais não se verifica.
Sub-rogação pelo devedor: está prevista no artigo 590º e esta verifica-se através da
declaração do credor de que pretende que o terceiro que cumpre a obrigação adquira
o respetivo crédito, tendo a declaração de ser expressa e ser efetuada até ao
cumprimento. Esta sub-rogação é admitida por razões de ordem prática, na medida em
que se considerou merecedor de tutela o interesse do devedor em obter a intervenção
de terceiro em ordem de satisfazer o crédito reclamado, que sem a possibilidade da sub-
rogação dificilmente poderia ser conseguida. Por outro lado, o interesse dos garantes
não é prejudicada, pois as garantias acompanham o crédito.
Sub-rogação em consequência de empréstimo efetuado ao devedor: está presente no
artigo 591º e verifica-se quando o devedor cumpre a obrigação, mas efetua-a com
dinheiro ou outra coisa fungível emprestada por terceiro, sendo admitida a sub-rogação,
desde que haja declaração expressa, no documento de empréstimo (forma especial
exigida, para proteger os outros credores e terceiros garantes do prejuízo que poderia
ser causado, pois nesta situação a mera declaração posterior bastaria para converter o
mutuante num credor de uma obrigação extinta com as garantias de que ela
beneficiava), de que a coisa se destina ao cumprimento da obrigação e de que o
mutuante fica sub-rogado nos direitos do credor. Veja-se que Galvão Telles (apoiado por
Menezes Leitão) considera que a consequência do mútuo é a constituição de um direito
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de crédito sobre o devedor, não fazendo sentido que com a sub-rogação o terceiro fique
com dois créditos, e, portanto, a sub-rogação substitui o primeiro crédito pelo segundo.
Sub-rogação legal: a sub-rogação pode resultar da lei, independentemente de qualquer
declaração do credor ou do devedor. Esta está apresentada no artigo 592º/1 e verifica-
se sempre que o terceiro tiver garantido cumprimento ou estiver por qualquer causa
diretamente interessado na satisfação do crédito. O requisito geral nesta sub-rogação é
que o terceiro tenha interesse direto no cumprimento (tendo este que ser um interesse
próprio com conteúdo económico prático, não bastando um interesse meramente
jurídico, por isso, não há sub-rogação se o cumprimento seja realizado exclusivamente
no interesse do devedor ou quando o interesse do terceiro seja meramente moral ou
afetivo), o que sucede sempre que a não realização da prestação possa acarretar
prejuízos patrimoniais próprios, independentes das consequências do incumprimento
para o devedor, ou o cumprimento se torne necessário para acautelar o seu próprio
direito. O caso mais comum é o do terceiro ser garante da obrigação, pois a não
realização do cumprimento implica execução dos seus bens pelo credor. Assim, se o
terceiro for fiador do devedor ou constituir um penhor ou hipoteca sobre bens seus para
garantir o cumprimento, a lei determina a sub-rogação como efeito direto do
cumprimento. Outros exemplos serão os casos em que o terceiro é subarrendatário ou
casos em que um credor decida pagar a outro credor que tenha preferência no
pagamento, por forma a evitar uma execução em termos que consideraria
desvantajosos para si.
Efeitos da sub-rogação
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justifica-se defender que ela não o possa colocar em pior situação do que aquela em
que ele se encontrava antes, aplicando-se o regime do 585º por mera analogia, podendo
o devedor invocar contra o sub-rogado os meios de defesa que lhe era licito invocar
contra o credor com ressalva daqueles que provenham de facto posterior ao
conhecimento. Se a sub-rogação provir do próprio devedor, não pode este invocar
exceções que tinha contra o credor originário, a menos que tivesse comunicado a
exceção ao terceiro antes de ele proceder ao pagamento.
➢ Eficácia em relação ao devedor e a terceiros: aplicam-se à sub-rogação o regime dos
artigos 583º e 584º, devendo por isso, essa ser notificada ao devedor, ou por este aceite,
para que produza efeitos em relação a ele, sob pena de não lhe poder se oponível, a não
ser que seja demonstrado o seu conhecimento da sub-rogação. Por outro lado,
prevalece a sub-rogação que primeiro for levada ao conhecimento do devedor ou que
seja por este aceite. No entanto, na sub-rogação que provenha do devedor, faz pouco
sentido exigir notificação a este, visto que pode sempre provar-se que ele sabia.
Natureza da Sub-rogação: tese clássica que qualifica a sub-rogação como uma transmissão legal
do crédito baseada num ato jurídico não negocial que é o cumprimento. Normalmente, o
cumprimento por terceiro, leva à extinção da obrigação e exoneração do devedor. Contudo,
pode ocorrer uma circunstância que determine em lugar da extinção, a transmissão do crédito,
sendo essa circunstância na sub-rogação a declaração prévia do credor ou devedor, ou pelo
facto de o terceiro ter interesse direto na satisfação do crédito.
Assunção de Dívida
Consiste, segundo o artigo 595º, na transmissão singular de uma dívida através de negócio
jurídico celebrado com terceiro.
Modalidades:
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Os meios de defesa do novo devedor: o novo devedor não pode opor ao credor os meios de
defesa que resultem da relação entre ele e o novo devedor (assunção como ato causal por dela
resultar a proteção do credor contra quaisquer exceções derivadas da relação causal entre o
antigo e o novo devedor). O novo devedor, pode, contudo, opor ao credor os meios de defesa
derivados da relação entre ele e o credor. Os meios de defesa que o antigo devedor podia opor
ao credor, podem em princípio ser oponíveis pelo novo devedor ao credor (mesmo que o antigo
já tivesse invocado esses meios) mas o fundamento dessas exceções tem de ser anterior à
assunção de dívida e não podem constituir meios de defesa do antigo devedor.
Natureza da assunção de dívida: adesão à teoria da oferta ou teoria contratual, que considera
que a assunção de dívida teria como fonte um negócio trilateral, formado através da oferta
coletiva do primitivo devedor e do assuntor e de uma aceitação dessa oferta pelo credor.
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A posição contratual consiste na situação jurídica vasta que engloba o conjunto de direitos e
deveres, faculdades, poderes, ónus e sujeições que resultam para uma parte da celebração de
determinado contrato. A existência de uma posição contratual não importa que não se possa
transmitir isoladamente os créditos e as dívidas. A figura da cessão da posição contratual traduz-
se na transmissão da própria posição contratual globalmente considerada, isto é, situação
jurídica complexa de que era titular o cedente.
a) Subcontrato: sempre que alguém celebra determinado contrato com base na posição
jurídica que lhe advém de outro contrato do mesmo tipo, já previamente celebrado com
outrem. Um dos contraentes, com base na posição jurídica que lhe é atribuída por um
contrato já existente, contrata com terceiro um contrato com conteúdo total ou
parcialmente idêntico, de onde resultará necessariamente uma sua substituição total
ou parcial no exercido da referida posição jurídica, que passará a caber ao
subcontratante. Afasta-se da cessão da posição contratual porque a primitiva relação
do subcontrato se mantém inalterada, apenas se constitui um novo vínculo que se
coloca em relação ao anterior numa situação de dependência.
b) Adesão ao contrato: um terceiro vem a constituir-se parte numa relação contratual
existente entre duas pessoas, participando da posição jurídica já atribuída a uma delas,
sem que esta perca a titularidade dessa posição- aderente torna-se co-titular dos
créditos, instituindo-se uma pluralidade de sujeitos na relação obrigacional. É
necessário que o outro contraente dê, antes ou depois, o seu consentimento à adesão.
Nesta figura ocorre a agregação de outro sujeito a uma posição que lhe é conservada,
não existindo uma transmissão.
c) Sub-rogação legal forçada (manifestações: 1057º CC e 285º CT): a transmissão é imposta
por determinação legal, que é independente de estipulação das partes.
(1) Contrato a estabelecer a transmissão celebrado entre cedente e terceiro: tem de existir
um negócio unitários que tem por objeto a transmissão da posição global em globo.
Note-se que esse negócio pode ser uma compra e venda, doação, sociedade (…),
devendo ser um negócio causal. Os elementos da cessão da posição contratual vão
definir-se consoante o tipo de negócio que lhe serve de base (425º).
(2) Consentimento a essa cessão por parte do outro contraente: para a cessão é exigido
que haja consentimento do outro contraente, antes ou depois da celebração do
contrato e da outra parte no contrato transmitido. O outro contraente pode dar
previamente o seu consentimento a toda e qualquer cessão, sendo esse irrevogável.
Ainda assim nesse caso, o negócio de transmissão só produz efeitos após a notificação
ou reconhecimento da transmissão da posição contratual pela outra parte no contrato
(424º/2). Como a transmissão da posição não ocorre sem o consentimento desse outro
contraente, deve considerar-se que a cessão é um produto de um contrato trilateral,
exigindo-se para a sua perfeição o concurso de três declarações negociais.
(3) Inclusão da referida posição contratual no âmbito dos contratos com posições
recíprocas: Menezes Leitão considera que não há razão para restringir a cessão da
posição contratual aos contratos bilaterais ainda não executados, sendo igualmente
admissível a sua celebração nos contratos unilaterais ou nos contratos bilaterais
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executados por uma das partes. Mesmo os contratos reais em que a entrega da coisa e
o efeito translativo do direito real já ocorreu, poderá ocorrer a cessão da posição
contratual, uma vez que o ato de disposição da posição contratual é naturalmente
diferente de um ato de disposição de direito real, até porque se mantém a posição
contratual de outras situações jurídicas, mesmo que ocorra a transferência do direito e
entrega da coisa.
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Natureza da cessão da posição contratual: teoria unitária, isto é, o crédito e a dívida não surgem
isoladamente no âmbito da posição contratual, mas antes esta constitui uma situação jurídica
complexa cuja transmissão constitui precisamente o objeto do negócio de cessão da posição
contratual. Dispõem-se a relação obrigacional complexa em bloco.
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A extinção das obrigações que resultam da autonomia privada verifica-se quando o negócio
jurídico que lhes serve de base é destruído, ou por negócio jurídico posterior (revogação,
resolução e denúncia), ou através de um facto jurídico em sentido estrito (caducidade) ou ainda
por um efeito conjugado dos dois (oposição à renovação)
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duradoura em que as partes não estipularam um prazo fixo de vigência. A denúncia não
é retroativa, limitando-se a extinguir o contrato para o futuro.
Caducidade: consiste na extinção do contrato em virtude da ocorrência de um facto
jurídico em sentido estrito. O exemplo mais comum é o decurso do tempo, na medida
em que um contrato com prazo de vigência, caduca passado esse período. Outros
exemplos serão a caducidade por verificação da condição resolutiva, a morte ou
extinção de uma das partes nos contratos intuitu personae e a extinção do objeto do
contrato. Apesar dos artigos 328º e seguintes se referirem à caducidade como forma de
extinção dos direitos, são igualmente aplicáveis à caducidade dos negócios jurídicos. A
caducidade ocorre de forma automática, resultando imediatamente do facto jurídico
que a desencadeia, não dependendo de declaração negocial das partes. É apreciada
oficiosamente pelo tribunal. Não tem, em princípio eficácia retroativa, apenas
determinando a extinção do negócio jurídico para o futuro, salvo a caducidade
resultante da verificação de uma condição resolutiva (276º) e o facto de as partes
estipularem eficácia retroativa da caducidade (330º/1).
Oposição à renovação: conjuga as figuras da caducidade (contrato previsto para um
certo período de tempo, sendo o decurso do tempo necessário para que ocorra a sua
extinção) de da denúncia (extinção, ainda assim fica dependente de uma declaração
negocial contrária à renovação, com as mesmas características que a denúncia) e
consiste na declaração de não renovação de um contrato, sendo de exercício livre, não
retroativa e que só pode ser exercida num certo período de lapso antes de ocorrer a
renovação do contrato (diferença com a denúncia que pode ser exercida a todo o
tempo).
A Prescrição
Podemos distinguir entre prescrição comum e prescrição presuntiva, sendo a primeira aquela
que se funda simplesmente no não exercício do direito durante um certo período, sendo esse
decurso que dá automaticamente a faculdade do devedor de recusar o cumprimento, enquanto
que a segunda é aquela que se funda na presunção de que, após um período, já se deve ter
verificado o cumprimento da obrigação (312º), visando dispensar o devedor de provar que já
efetuou o cumprimento. Estas últimas prescrições são destruídas pela confissão do devedor de
que ainda não realizou o cumprimento, só relevando extrajudicialmente se for efetuada em
documento escrito. A lei considera casos de confissão tácita: se o devedor se recusa a depor ou
prestar juramento no tribunal ou se praticar em juízos atos incompatíveis com a presunção de
cumprimento (ex. impugnação da existência de obrigação ou a invocação da compensação). Em
tudo o resto, aplica-se às prescrições presuntivas as regras da prescrição ordinária (315º). Os
artigos 316º e 317º apresentam-nos prescrições presuntivas de seis meses e de dois anos, tendo
estas como objetivo proteger o devedor que adquiram e pagam produtos e serviços fora da sua
atividade profissional (consumidores).
Regime: o artigo 300º apresenta imperativamente que são nulos os negócios jurídicos que
modifiquem os prazos legais de prescrição ou que facultem ou dificultem as condições em que
a prescrição opera os seus efeitos. O artigo 303º apresenta que a prescrição não pode ser
conhecida oficiosamente, tendo de ser invocada judicial ou extrajudicialmente para ser eficaz
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para a quem aproveita, o que significa que não atua automaticamente e, portanto, se não for
invocada, o devedor se for demandado judicialmente pelo credor, será obrigado pelo tribunal a
cumprir a obrigação. A prescrição é uma exceção peremptória, visto que extingue um direito de
crédito. Mas veja-se que, se o devedor cumprir a obrigação prescrita, não pode recorrer à
restituição do indevido, nos termos do artigo 304º/2, na medida em que não se admite que a
extinção da obrigação por prescrição tivesse por efeito permitir ao devedor adquirir o exercício
pleno de direitos sobre a contraparte, que anteriormente se encontrariam dependentes do
cumprimento da obrigação. A prescrição é renunciável, mas apenas após ter decorrido o prazo
prescricional (302º/1), podendo renunciar a essa quem puder dispor do benefício que a
prescrição tenha criado (302º/3). Para além do devedor, podem invocar a prescrição os seus
credores e quaisquer terceiros com legítimo interesse na sua declaração, ainda que o devedor a
ela tenha renunciado (305º/1), ficando nesse último caso a invocação da prescrição dependente
da demonstração dos requisitos da impugnação pauliana (305º/2).
Prazo de Prescrição: o lapso de tempo que tem de passar para que se forme o direito de invocar
a prescrição é denominado de prazo de prescrição e está sujeito a regras especificas quanto à
duração, início, suspensão e interrupção. O prazo ordinário de prescrição é de 20 anos, existindo
também um prazo especial de 5 anos para os casos presentes no artigo 310º. As prescrições
presuntivas têm prazos mais reduzidos- seis meses e dois anos. Os prazos especiais de prescrição
deixam de se aplicar se, passando a vigorar o prazo da prescrição ordinária, a partir do momento
em que o direito seja reconhecido por sentença transitada em julgado ou outro título executivo,
salvo se esse título se referir a prestações ainda não devidas. O prazo da prescrição inicia-se a
partir do momento em que o credor tem a possibilidade de exigir do devedor que realize a
prestação devida. Pode ocorrer a transmissão do prazo de prescrição se se verificar uma
transmissão do crédito ou da dívida (308º). O prazo de prescrição pode suspender-se quando a
sua contagem é paralisada durante a verificação de certos factos ou situações a que a lei atribui
esse efeito, contando-se após a sua cessação o lapso de tempo anteriormente decorrido (318º).
Por outro lado, ocorre interrupção quando não apenas a sua contagem é paralisada em virtude
de certos factos ou situações, mas também se inutiliza o prazo anteriormente decorrido (323º).
As causas de suspensão podem dizer respeito a todo o curso do prazo ou apenas ao seu termo,
sendo que no primeiro caso as causas impedem que o prazo da prescrição se inicie ou continue
a correr e no segundo caso impedem que se complete.
Natureza: a prescrição é uma exceção peremptória, visto que permite paralisar definitivamente
um direito da contraparte, que deixa de poder ser exigido, ficando a tutela do credor limitada
ao facto de a prescrição realizada espontaneamente em cumprimento da obrigação prescrita
não poder ser repetida. A situação jurídica do credor da obrigação prescrita é semelhante à do
credor da obrigação natural, o que significa que podemos considerar a prescrição como uma
hipótese de transformação da obrigação civil em obrigação natural (aplica-se à obrigação
prescrita as normas do 403º e 615º/2). A prescrição é considera causa de extinção das
obrigações, visto que ML não considera as obrigações naturais como verdadeiras obrigações
jurídicas.
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credor não haverá direito deste se exonerar da contraprestação, podendo apenas da sua
contraprestação ser descontado o benefício que o devedor possa vir a ter com a exoneração.
Risco nos contratos reais de alienação: a regra geral é a de que o risco pelo perecimento ou
deterioração da coisa cabe ao que for proprietário dela, no momento em que tal evento se
verifica. Assim, se já houve transmissão da propriedade sobre a coisa objeto da entrega, o seu
perecimento não importa a extinção do direito à contraprestação- 796º- ficando o devedor
exonerado da sua obrigação, mas o credor, suportando o risco, continua onerado com a sua
contraprestação. Isto decorre do facto de o devedor quando aliena a sua propriedade passa a
ser um mero depositário da coisa, não retirando qualquer benefício pela sua guarda, não sendo
correto que suportasse o risco, na medida em que este está associado ao proveito que dela se
retira (estando associado ao proprietário). Note-se a necessidade de atender às regras dos
artigos 408º/1, 408º/2, 540º e 541º relacionadas com a transferência da propriedade, na medida
em que só com a transferência da propriedade ocorrer a transferência do risco. Nos artigos
796º/2 e 3 e 797º a lei determina regras especiais de distribuição do risco: (i) 796º/2: sendo o
termo estabelecido a favor do alienante, este não pode considerar-se um mero depositário da
coisa, utilizando-a em proveito próprio, justificando-se que suporte o risco. A transferência do
risco ocorre quando o termo se vencer (o alienante passa a ser um mero depositário) ou quando
ocorrer a entrega da coisa (passa a ser o adquirente a utilizar a coisa) Note-se que, mesmo
depois do fim do termo, o alienante se constituir em mora quanto à obrigação de entrega, a
mora acarreta a inversão do risco (807º); (ii) 796º/3: sendo estabelecida uma condição
resolutiva, esta não impede a transmissão da propriedade durante a pendência da obrigação, o
que associado à entrega da coisa, faz supor que é o adquirente que se encontra a tirar proveito
da coisa, sendo normal que seja este a suportar o risco. Por outro lado, sendo estabelecida uma
condição suspensiva, a transmissão da propriedade não ocorre, não sendo possível atribuir o
risco ao adquirente, correndo este por conta do alienante; (iii) 797º: aplica-se manifestamente
apenas às obrigações genéricas, na medida em que a transferência do risco nas obrigações que
têm por objeto coisa determinada ocorre com a celebração do contrato. Assim, quando o
devedor se obriga (por força de convenção) a enviar a coisa para local diferente do local do
cumprimento, a transferência do risco ocorre antes da entrega ao credor no destino, operando-
se logo que se efetua a sua entrega ao distribuidor.
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Inês Godinho Turma A 2019/2020
tenha levado a um desequilíbrio das prestações gravemente lesivo para essa parte. A alteração
das circunstâncias está presente no artigo 437º6.
Requisitos:
Exclusão da aplicação deste regime em caso de mora da parte lesada (438º): é negado à parte
lesada o direito de resolução ou modificação do contrato se se encontrava em mora (efetiva,
excluindo-se o caso de impossibilidade temporária- 792º) no momento em que a alteração das
circunstancias se verificou, na medida em que a mora do devedor provoca a inversão do risco
da prestação (807º), passando a assumir o devedor o risco de verificação de posteriores
desequilíbrios contratuais não podendo impor ao credor uma distribuição de risco distinta. Por
outro lado, sem esta regra, estar-se-ia a premiar uma falta contratual, visto que se o devedor
tivesse cumprido a tempo o contrato estaria executado não se podendo recorrer à alteração das
circunstâncias. Este regime apresenta uma exceção no artigo 830º/3, visto que se permite na
ação de execução especifica, que a sentença, a requerimento do faltoso, determine a
modificação (mas não resolução) do contrato nos termos do artigo 437º, ainda que a alteração
seja posterior à mora.
Efeitos: a alteração das circunstâncias permite à parte lesada proceder à resolução do contrato
ou requerer a sua modificação segundo juízos de equidade. A parte não lesada tem ainda a
6Note-se o artigo 252º/2 que determina o erro sobre a base do negócio como fundamento da anulação do contrato,
remetendo para o artigo 437º (oposição a conceção objetivista e subjetivista sobre a base do negócio).
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O Cumprimento
Segundo o artigo 762º/1 o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação devida,
sendo o cumprimento a causa normal de extinção das obrigações, visto que a realização da
prestação satisfaz o interesse do credor, liberando o devedor da obrigação.
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legitimidade), formas de realização (lugar e tempo) e determinação dos seus efeitos (imputação
do cumprimento), sendo necessário que, para que haja cumprimento da obrigação, se respeite
toda a disciplina jurídica que regula o modo de realizar a prestação.
Capacidade para o cumprimento (764º): não se exige a capacidade do devedor, a menos que a
própria prestação consista num ato de disposição (cumprimento implique o cumprimento de
novo negócio jurídico ou dele resulte diretamente a alienação ou oneração do património do
devedor). Nesse sentido, a prestação pode ser realizada por um devedor incapaz, desde que o
negócio jurídico celebrado seja válido. Mas se a prestação consistir num ato de disposição, o
incapaz não pode cumprir a obrigação, devendo a prestação ser realizada pelo seu
representante legal. Se o devedor incapaz realizar a prestação, o credor por recusá-la, visto que
se a aceitar pode estar sujeito a um pedido de anulação do cumprimento, visto que esse
cumprimento está sujeito a ser anulado nos termos gerais. O pedido de anulação do
cumprimento pode ser paralisado pelo credor, se demonstrar que o devedor não teve prejuízo
com o cumprimento, através de uma expectio doli. No caso de a prestação ser realizada por
terceiro, ela consistirá sempre num ato de disposição, visto que o terceiro não se encontra
vinculado a realizá-la, o que leva a crer que a capacidade do terceiro será sempre exigida para a
realização da prestação. O credor deve ter capacidade para receber a prestação, o que significa
que se a prestação for realizada a credor incapaz, o seu representante legal poderá solicitar a
sua anulação e a realização de nova prestação pelo devedor. Nesta situação, o devedor pode
também opor-se ao pedido de anulação quanto à parte da prestação que tiver sido recebida
pelo representante ou ao enriquecimento por parte do incapaz que ocorra, sendo esta exceção
fundada no princípio da proibição do enriquecimento injustificado, visando-se impedir que o
incapaz fique enriquecido com a nova prestação.
Legitimidade Ativa: o autor do cumprimento pode ser qualquer pessoa, quer tenha
interesse direito no cumprimento ou não (767º/1). Nesse sentido, apesar de o credor só
poder exigir a prestação ao devedor, esta pode ser realizada por qualquer pessoa, sem
que o credor se possa opor. Veja-se que se recusar receber a prestação por terceiro,
incorre em mora perante o devedor, como se tivesse recusado a prestação desse
mesmo (768º/1 e 813º) Contudo, o terceiro não em legitimidade para realizar a
prestação se esta for infungível por natureza ou convenção das partes (267º/2),
podendo nesses casos o credor recusar a prestação e exigir que seja o devedor a realizá-
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la. Para além deste caso, a lei admite a recusa do credor se o devedor se opuser ao
cumprimento, desde que o terceiro não tenha interesse direto na satisfação do crédito,
por, por exemplo, ter garantido obrigação (768º/2 e 592º). Mas veja-se que a oposição
do devedor não obsta a que o credor validamente aceite o cumprimento, apenas lhe
permite, se o terceiro não tiver interesse direto, recusar a prestação sem entrar em
mora.
Efeitos do Cumprimento por Terceiro: o cumprimento por terceiro provoca a extinção
da obrigação e consequente liberação do devedor, mas pode ter outras consequências,
como: a)doação indireta do terceiro ao devedor, quando o cumprimento deste é
realizado com espirito de liberalidade (940º); b) transmissão do crédito para o terceiro,
o que sucede em todas as situações de sub-rogação (589º e seguintes), não se
verificando uma liberação do devedor, mas apenas uma mudança do credor pela
transmissão do crédito; c)obtenção de um direito ao reembolso de despesas, em caso
de gestão de negócios ou mandato (464º e seguintes e 1157º e seguintes). Aqui o
pagamento é considerado um ato jurídico alheio, realizado por conta do devedor,
podendo o seu autor demandar a restituição do que nele despendeu; d) restituição do
enriquecimento por prestação, no caso de o terceiro julgar erroneamente estar a
efetuar uma prestação ao credor (477º) ou ao devedor (478º); e) restituição do
enriquecimento por despesas, em caso de pagamento de dívidas alheia, sem se verificar
qualquer das situações acima referidas. Uma ação de enriquecimento intentada pelo
terceiro deve ser sempre contra o devedor e não o credor.
Legitimidade Passiva: tem legitimidade passiva o credor ou o seu representante, só
podendo estes receber a prestação (769º). Se o credor for incapaz, o devedor deverá
cumprir a obrigação ao seu representante legal, sob pena de a carência de capacidade
de exercício da receção da prestação por parte do credor, possa significa a anulação do
cumprimento (764º/2). Quanto à representação voluntária, o artigo 771º determina que
o devedor não é obrigado a satisfazer a prestação ao representante voluntário nem à
pessoa autorizada a recebê-la se não existir convenção nesse sentido. Para efeitos de
legitimidade, sem ser estes, todas as outras pessoas são consideradas terceiros, o que
significa, em princípio, que se a prestação for realizada a terceiros não ocorre a extinção
da obrigação, podendo o devedor ter que realizar a prestação outra vez e o autor da
prestação exigir a restituição com o fundamento no enriquecimento por prestação
(770º e 476º/2). Contudo, o artigo 770º apresenta-nos algumas situações em que se
verifica a extinção da obrigação quando a prestação é realizada a terceiro, ou seja,
situações em que o terceiro adquire legitimidade passiva: a) se tiver sido estipulado ou
consentido pelo credor, tendo o terceiro desde o inicio legitimidade para receber a
prestação, a qual extingue a obrigação; b) se o terceiro vier a adquirir legitimidade
superveniente para a sua receção, quando o credor ratifica o cumprimento. visto que a
ratificação tem efeito retroativo (268º/2) tudo se passa como se o terceiro tivesse
legitimidade inicialmente; c) se ocorrer posteriormente a junção na mesma pessoa das
qualidades de credor da prestação e de devedor da sua restituição, isto é, quando o
terceiro adquire posteriormente o crédito ou o credor for herdeiro de quem recebeu a
prestação, por cujas obrigações responde, considerando-se como liberatório o
cumprimento efetuado por terceiro em vez de atuar o instituto da compensação quanto
à obrigação de restituição e a obrigação inicial; d) se o credor não tiver interesse em
novo cumprimento da obrigação, o que acontece se ele vier a aproveitar-se do
cumprimento- exclui-se esta hipótese no caso de o devedor pagar ao credor do seu
credor, visto que o interesse do credor corresponde a puder decidir como aplicar a
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Inês Godinho Turma A 2019/2020
Tempo do Cumprimento: neste âmbito podemos distinguir entre a pagabilidade do débito, que
consiste no momento em que o devedor pode cumprir a obrigação, forçando o credor a recebê-
la, sob pena de entrar em mora; e exigibilidade ou vencimento do débito, isto é, o momento em
que o credor pode exigir do devedor a realização da prestação, sob pena de o devedor entrar
em mora. Regra geral, as partes nas suas estipulações contratuais estabelecem apenas a
segunda. O regime do prazo da prestação encontra-se regulado a título supletivo nos artigos
777º e seguintes, onde se determina a pagabilidade e exigibilidade da dívida. Importa atender à
distinção entre obrigações puras e obrigações em prazo, sendo as primeiras aquelas cujo
cumprimento pode ser exigido ou realizado a todo o tempo e as segundas aquelas em que a
exigibilidade do cumprimento ou a possibilidade da sua realização é diferida para momento
posterior, ainda que a sua constituição já se tenha verificado (ao contrário das obrigações
condicionais). Em regra, as obrigação não têm prazo sendo obrigações puras, o que leva a que o
credor possa exigir o cumprimento a todo o tempo, o devedor se possa exonerar-se a todo o
tempo e a que o devedor só entra em mora com a exigência do cumprimento pelo credor
(777º/1 e 805º/1). Contudo, as partes podem estabelecer um prazo para o cumprimento da
obrigação- obrigações com prazo certo (ex. todas as resultantes de remunerações de transações
comerciais)- o que leva a que o decurso do tempo constitua o devedor em mora (805º/2 a)). Em
certos casos, mesmo que a lei nem as partes estabeleçam um prazo, a obrigação não pode
considerar-se pura, na medida em que se torna necessário um praz pela própria natureza da
prestação quer pelas circunstâncias que a determinaram quer pelos usos. Nestes casos, as
partes deverão acordar quanto à determinação do prazo, cabendo ao tribunal fazê-lo se estas
não chegarem a acordo (777º/2). A determinação do prazo pode ser deixada igualmente a cargo
de uma das partes, sendo que o artigo 777º/3 determina que compete ao tribunal, a
requerimento do devedor, fixar um prazo de o credor competente não o fizer. Quando compete
ao devedor estabelecer o prazo, a lei distingue: obrigações cum potuerit, isto é, aquelas em que
o critério de determinação do prazo é um fator objetivo- o devedor ter nesse momento os meios
económicos necessários para realizar a prestação. Estas obrigações estão presentes no artigo
778º/1 que determina que quando se estipula que o devedor cumpre quando puder, o credor
só pode exigir o cumprimento se demonstrar que o devedor tem possibilidade de cumprir. No
caso de não conseguir demonstrar, depois da morte do devedor pode exigir o cumprimento da
prestação aos herdeiros do devedor, mas estes estão limitados aos bens da herança (2071º);
obrigações cum voluerit, ou seja, o critério para determinar o prazo é subjetivo- o devedor
realiza a prestação quando lhe aprouver. Estas estão previstas no artigo 778º/2 que estabelece
que se o prazo for deixado ao arbítrio do devedor a prestação só pode ser exigida dos seus
herdeiros após o falecimento. Estabelece-se um prazo incerto de pagamento coincidente com a
vida do devedor.
A quem cabe o benefício do prazo, isto é, a quem compete a possibilidade de a prestação ser
realizada ou exigida em momento posterior? O artigo 779º determina que em regra o benefício
cabe ao devedor, mas em certos casos, como no depósito, a lei atribui esse benefício ao credor
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ou então nos casos como o mútuo oneroso, estabelece-se o benefício a favor tanto do credor
como do devedor. Ao credor e ao devedor, quando têm este benefício, é possível que lhe
renunciem, podendo o devedor prestar antes do fim do prazo e o credor exigir a prestação a
todo o tempo. Contudo, é necessário uma renúncia efetiva, visto que se a prestação for prestada
antecipadamente por erro desculpável atua o artigo 476º/3 do enriquecimento sem causa. No
caso de o benefício sem estipulado a favor de ambas as partes, em princípio nenhuma lhe pode
renunciar, mas a lei prevê a possibilidade de antecipação do prazo pelo mutuário (devedor) no
caso de mútuo, desde que pague ao credor os juros por inteiro.
O prazo em benefício do devedor significa que o credor não pode exigir a prestação antes do
fim do prazo, mas o devedor pode proceder à sua realização a qualquer tempo, renunciando ao
benefício do prazo- existe pagabilidade, mas não exigibilidade. O prazo em benefício do credor
significa que o credor tem a faculdade de exigir a prestação a todo o tempo, mas o devedor só
tem a possibilidade de cumprir no fim do prazo- a dívida é exigível, mas não é pagável (ex.
1194º). Quando o prazo é estabelecido em benefício de ambas as partes, nenhuma delas terá a
faculdade de determinar a antecipação do cumprimento, o que significa que o decurso do tempo
determina a pagabilidade e a exigibilidade da dívida.
Perda do beneficio do prazo: quando é atribuído o benefício do prazo ao devedor, este pode
perder esse benefício, caso a sua situação patrimonial se altere ou pratique algum ato
considerado incompatível com a confiança do credor que determinou que lhe fosse concedido
o prazo para o pagamento. Veja-se que o artigo 780º estabelece que o credor pode exigir o
cumprimento imediato da prestação, se o devedor se tornar insolvente (ainda que não tenha
sido judicialmente declarada), se por causa imputável ao devedor diminuírem as garantias do
crédito, se não foram prestadas as garantias prometidas7 (nestes casos, o credor tem a
possibilidade de exigir do devedor a substituição ou o reforço das garantias, se estas sofrerem
diminuição (780º/2), desde que o perecimento das garantias seja culpa do devedor) ou se não
for realizada uma prestação nas dívidas a prestações (781º- só se aplica às prestações
instantâneas fracionadas e não às prestações periódicas; e o a compra e venda a prestações é
regulada quanto a esta matéria no artigo 934º). A perda deste benefício não se estende aos co-
obrigados do devedor nem aos terceiros que garantiram o cumprimento da obrigação, visto que
essa perda é pessoal (782º), o que significa que o credor tem de esperar pelo vencimento normal
para exigir o cumprimento aos codevedores ou a terceiros garantes. Esta regra tem exceções:
no caso de a obrigação ser solidária, a insolvência ou a responsabilidade pela diminuição de
garantias pode verificar-se em mais de um dos devedores, o que legitima que o credor exija o
cumprimento imediatamente a todos os codevedores relativamente aos quais se verificam estas
circunstâncias; e os terceiros garantes de hipoteca ou penhor podem causar, culposamente a
diminuição da garantia, sendo o devedor estranho à constituição da garantia, podendo o credor
neste caso exigir a substituição ou reforço da garantia, ou quando tal não aconteça, o
cumprimento imediato da obrigação (701º/2 segunda parte e 678º).
Lugar do Cumprimento: os artigos 772º e seguintes são regras supletivas quanto ao local onde
deve ser realizada a prestação, cedendo perante estipulação em contrário das partes e perante
normas especiais (885º, 1039º e 1195º). Importa distinguir 3 tipos de obrigações, consoante o
7 O credor pode exigir o cumprimento imediato mesmo que as garantias ainda existentes sejam mais do que
suficientes para assegurar a execução forçada da obrigação e não exista qualquer receito da insolvência, visto que o
devedor praticou uma infração contratual, pois implicitamente tinha-se obrigado a conservar ou, pelo menos, a não
prejudicar as garantias. Veja-se que é exigido a redução das garantias tenha um mínimo de relevância, sem o qual a
exigência do credor será contrária à boa fé (762º/2).
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280º), mas se for posterior à celebração do negócio determina a extinção da obrigação (790º),
com a consequente perda do direito à contraprestação nos contratos bilaterais (795º/1). Se, no
entanto, o local determinado para o cumprimento não se mostrar essencial à realização da
prestação, a prestação deverá ser realizada noutro lugar (776º), visto que não ocorre a extinção
da obrigação. A lei determina que nesse caso aplica-se as regras supletivas dos artigos 772º a
774º. Contudo, veja-se que no caso de a impossibilidade ocorrer quanto ao lugar que foi
determinado pelas regras supletivas, deverá integrar-se essa lacuna com a aplicação do 239º
(integração nos negócios jurídicos), sendo o lugar do cumprimento fixado de acordo com a
vontade hipotética das partes, se não for outra a solução imposta pelos ditames da boa fé.
8 Quando a quitação consta de documento avulso, costuma dar-se a esse documento o nome de recibo.
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se encontra quite para com ele). Esta é um direito atribuído por lei a qualquer pessoa que
cumpre uma obrigação, devendo constar de documento autêntico ou autenticado ou ser
provida de reconhecimento notarial se aquele que cumprir tiver nisso um interesse legitimo
(787º/1). Assim, pode sempre exigir-se o recibo do credor e, se este recusar, poderá recusar-se
o cumprimento legitimamente (787º/2). O recibo pode ser exigido também depois de a
prestação ter sido efetuada. Em certos casos, existem presunções de cumprimento, não sendo
exigido ao devedor provar que cumpriu a obrigação: a) se o credor prestou quitação do capital
sem reservar que faltava pagar juros e prestações periódicas, presume-se que estão pagos os
jutos e essas prestações; b) se forem devidos juros ou outras prestações periódicas e o credor
der quitação sem reserva de uma dessas prestações presumem-se realizadas as prestações
anteriores; c) se o credor entregar voluntariamente ao devedor o título original de crédito, a lei
faz presumir a liberação do devedor e dos seus condevedores, solidários ou conjuntos, bem
como do fiador e do devedor principal, se o título é entregue a algum destes. Para além destes
casos, noutros a lei presume que já ocorreu cumprimento da obrigação, em virtude de já ter
decorrido certo prazo sobre a sua constituição: prescrições presuntivas (312º e seguintes) em
que só pode ser ilidida a presunção por confissão do devedor de que ainda não cumpriu a sua
obrigação, a qual se for extrajudicial só releva quando efetuada por escrito.
A dação em cumprimento vem referida no artigo 837º e, esta causa de extinção das obrigações
tem dois pressupostos:
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f) Realização de uma prestação diferente da que for devida: o devedor realiza uma
prestação diferente daquela a que estava vinculado, o que significa que não ocorre
automaticamente a extinção da obrigação por força do artigo 762º/1. O artigo 837º
aplica-se tanto a obrigações de prestações de coisa, como a obrigações genéricas e
obrigações de prestação de facto, não existindo motivo para limitar este regime
apenas a certas obrigações. Quanto ao tipo de prestações, abrange tanto prestações
de coisa especifica como de coisa fungível e prestação de um facere. Excetua-se a
prestação que corresponda a nova obrigação assumida perante o credor, visto que
nesse caso estamos perante a figura da novação. A dação em cumprimento só se
verifica com a efetiva realização da prestação.
g) Acordo do credor relativo à exoneração do devedor com essa prestação: não faria
sentido forçar o credor a aceitar uma prestação diferente da devida, mesmo com
valor superior, visto que poderia não corresponder ao seu interesse. Se a obrigação
for solidária a dação em cumprimento pode ser realizada apenas por um dos
devedores (523º) e/ou apenas a um dos credores (532º), significando que a obrigação
se extingue nas obrigações externas se houver consentimento das partes, mas nas
relações internas a diferença de valor entre a prestação devida e a realizada não possa
ser oposta aos outros particulares na obrigação que não tenham dado o seu
assentimento à dação em cumprimento.
Forma: não é sujeita a nenhuma forma especial, beneficiando da liberdade de forma (219º).
Contudo, no caso de a dação em cumprimento abranger bens imóveis tem de ser celebrada por
escritura pública ou documento particular autenticado, salvo se as partes recorrerem ao
procedimento especial de transmissão, oneração e registo de imóveis.
Natureza: contrato oneroso, pelo qual se extingue uma obrigação através da realização perante
o credor de uma prestação diferente da devida como contrapartida da sua renúncia a receber a
prestação primitiva.
Dação Pro Solvendo: consiste na execução de uma prestação da devida para que o credor
proceda à realização do valor dela e obtenha a satisfação do seu crédito por virtude dessa
realização e, portanto, o crédito subsiste até que o credor venha a realizar o valor dele. Visa
proporcionar uma forma mais fácil de obter a satisfação do seu crédito, através da
transformação em dinheiro da prestação que foi realizada, e não visa, pelo contrário, obter a
imediata exoneração do devedor. Esta doação pro solvendo pode ser vista como um meio de
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Consignação em depósito
Pressupostos:
a) Ter a obrigação por objeto uma prestação de coisa, podendo ser uma quantia pecuniária
ou coisa e qualquer natureza. Veja-se que nas prestações de facto positivo não é
possível o depósito dessas e nas prestações de facto negativo não é necessária a
colaboração do credor.
b) Não ser possível ao devedor realizar a prestação por um motivo relativo ao credor
(impossibilidade de realizar a prestação ou de fazê-lo em segurança e mora do credor).
Efeitos:
Compensação
Segundo esta figura, quando duas pessoas estejam reciprocamente obrigados a entregar coisas
fungíveis da mesma natureza é admissível que as respetivas obrigações sejam extintas, total ou
parcialmente, pela dispensa de ambas de realizar as suas prestações ou pela dedução a uma das
prestações da prestação devida pela outra parte. A compensação facilita os pagamentos e
permite ao seu declarante extinguir a sua obrigação, mesmo que não tenha qualquer
possibilidade de receber o seu próprio crédito por insolvência do seu devedor, funcionando de
certa forma como garantia dos créditos
Pressupostos (847º):
a) Existência de créditos recíprocos, ou seja, cada uma das partes tem de possuir na sua
esfera jurídica um crédito sobre a outra parte, e só pode operar a compensação para
extinguir a sua própria dívida. Nesse sentido, o declarante só pode usar para efetuar a
compensação créditos seus sobre o credor, não podendo utilizar créditos alheios, ainda
que o titular respetivo dê o consentimento (851º/2) nem podendo utilizar créditos seus
sobre outras pessoas, ainda que ligadas por qualquer razão ao credor. É admissível,
segundo o artigo 532º, que o devedor de vários credores solidários invoque a
compensação dessa obrigação solidária com base no crédito de que disponha sobre
qualquer um dos credores. O declarante também não pode, em princípio, extinguir uma
dívida de outrem, através da compensação de um crédito, mesmo que pudesse em
razão da sua fungibilidade, realizar a prestação em lugar dele (851º/1). Apenas poderá
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fazer isso se estiver em risco a perda dos seus bens em consequência de execução por
dívida de terceiro.
b) Fungibilidade das coisas objeto das prestações e identidade do seu género: veja-se que
não é possível a compensação relativamente a prestações de facto ainda que a atividade
seja idêntica. No caso de caber às partes determinar o objeto da prestação, só se poderá
recorrer à compensação se a escolha implicar prestações fungíveis homogéneas para
ambos os créditos. O facto de as dívidas não serem de igual montante determina apenas
que a compensação seja parcial em relação à dívida de montante superior (847º/2). A
diversidade de lugares de cumprimento não constitui, em princípio, obstáculo à
compensação, ainda que o declarante esteja obrigado a reparar os danos sofridos pela
outra parte, em consequência de esta não receber o seu crédito ou não cumprir a sua
obrigação no lugar determinado (852º).
c) Exigibilidade do crédito que se pretende compensar, ou seja, é necessário que o crédito
do declarante seja judicialmente exigível e que o devedor não lhe possa por qualquer
exceção, peremptória ou dilatória, de direito material. Só podem ser compensados
créditos quanto aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coativa
da prestação. Assim, não há compensação quando o crédito ainda não se tiver vencido
ou se a outra parte puder recusar o cumprimento. Não podem por fim ser compensados
créditos de obrigação natural com dívidas respeitantes a uma obrigação civil, mas
podem ser compensadas dívidas de obrigação natural com créditos civis. A exigência
para o crédito do declarante vale também para o do declaratário. Contudo, não é exigido
para a compensação que o declaratário esteja em condições de poder exigir
judicialmente o cumprimento, podendo o declarante compensar dívidas ainda não
vencidas, se o prazo correr a seu benefício, ou dívidas em relação às quais se verifica
uma outra exceção peremptória ou dilatória, a que ele não pretenda recorrer. O
declarante pode também utilizar a compensação para extinguir dívidas naturais suas
com créditos civis que tenha sobre o declaratário.
Créditos não compensáveis (853º): a) créditos provenientes de factos ilícitos dolosos: a lei
pretende reprimir este tipo de comportamentos, querendo retirar os benefícios que deles
poderiam resultar. Nada impede que o lesado venha invocar a compensação para extinguir a
sua dívida, mas se ambos os créditos respeitarem a factos ilícitos dolosos nenhum dos seus
titulares poderá invocar a compensação; b) créditos impenhoráveis, exceto se ambos forem da
mesma natureza, na medida em que, se um crédito não pode ser penhorado, é devido à especial
importância que a sua prestação tem para o credor, designadamente para efeitos da sua própria
subsistência; c) créditos do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, exceto quando a lei
o autorize, pretendendo-se evitar as dificuldades que tal poderia provocar na contabilidade
pública.
Não poderá existir compensação ainda nos casos em que essa cause prejuízos a direitos de
terceiros, constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis (853º/2)- como o crédito
ter sido arrestado, penhorado ou objeto de usufruto ou penhor de créditos ou ainda havendo
insolvência do devedor. Não é ainda admitida a compensação sempre que o devedor a ela tenha
renunciado, podendo ser essa renúncia expressa ou tácita (217º), nem é admitida se as partes
expressamente afastam a possibilidade de compensação. No âmbito das clausulas contratuais
gerais, é proibida a exclusão da faculdade de compensação, quando legalmente admitida.
Regime: vigora o regime de que a compensação se torna efetiva mediante declaração (judicial
ou extrajudicial- 219º e 224º) de uma das partes à outra (848º), considerando-se os créditos
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Inês Godinho Turma A 2019/2020
Novação
Consiste numa causa de extinção de uma obrigação, em virtude da constituição de uma nova,
que a substitui. Esta novação será objetiva, se se manter o credor e devedor da obrigação antiga
(857º), e será subjetiva se se verifica a mudança de algum dos sujeitos da obrigação (858º). A
novação objetiva poderá substanciar uma mudança no objeto da obrigação ou uma alteração
na sua fonte. A novação subjetiva pode ocorrer por substituição do credor ou por substituição
do devedor. Terá sempre de existir a intenção das partes de extinguir a anterior obrigação,
criando uma nova em sua substituição, na medida em que, faltando essa intenção, as partes
estarão apenas a modificar ou transmitir a obrigação primitiva. Veja-se que na novação o facto
jurídico que desencadeia a extinção da obrigação antiga é simultaneamente o facto jurídico que
constitui uma nova obrigação- existe uma dependência da causa jurídica do facto extintivo da
obrigação antiga em relação ao facto constitutivo da nova obrigação e vice-versa.
Pressupostos da novação:
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Inês Godinho Turma A 2019/2020
Regime: salvo disposição em contrário, o novo crédito não recebe as garantias relativas à
obrigação antiga (861º), nem lhe podem ser opostos os meios de defesa desta (862º). As
garantias são sempre concedidas tendo em atenção uma concreta obrigação, pelo que, sendo
essa substituída por uma nova, não faz sentido que a garantia se mantenha, apenas
acontecendo se houver reserva expressa das garantias por declaração expressa do devedor ou
de terceiro (antes ou depois da novação). A novação, ao extinguir a obrigação anterior, extingue
também os meios de defesa que a ela respeitavam, a menos que as partes declarem
expressamente a manutenção das exceções.
Remissão
Consiste no perdão de dívida, ou seja, o credor pode abdicar do direito de exigir a prestação ao
devedor, determinando a extinção da dívida, sem que ocorra a realização da prestação. Assim,
a remissão é o acordo entre o credor e o devedor pelo qual aquele prescinde de receber deste
a prestação devida.
Pressupostos:
a) Existência prévia de uma obrigação: isto significa que não será remissão o
reconhecimento negativo de dívida, onde o credor se limita a declarar perante
determinada pessoa que não existe qualquer obrigação que este deva realizar perante
ele.
b) Um contrato entre o credor e devedor pelo qual aquele abdica de receber deste a
prestação devida: a remissão exige sempre um caráter contratual, sendo necessário que
o credor declare a abdicação, mas também que o devedor aceite essa abdicação9. A
remissão constitui sempre um ato de disposição do credor do seu direito e representa
uma atribuição patrimonial geradora de enriquecimento para o devedor. Normalmente
9Esta regra, tem suscitado criticas na doutrina, na medida em que a regra geral é os direitos extinguirem-se por ato
unilateral e, ainda que se queira proteger a posição do devedor, bastava que se lhe desse a possibilidade de rejeitar
o beneficio, até porque na prática, o credor não espera resposta à declaração nem o devedor vê necessidade de lhe
responder.
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Inês Godinho Turma A 2019/2020
Confusão
Pressupostos:
a) Reunião na mesma pessoa das qualidades de credor e devedor: tal acontece em virtude
da aquisição por uma das partes da posição que a outra ocupava no crédito ou no débito
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Inês Godinho Turma A 2019/2020
ou em virtude da aquisição conjunta por um terceiro das posições que ambas as partes
ocupavam.
b) Não pertença do crédito e da dívida a patrimónios separados: o artigo 872º exige este
pressuposto, sob pena de não se verificar a confusão, visto que havendo confusão no
caso de patrimónios separados estar-se-ia a por em causa a separação desses, a medida
em que se faz desaparecer valores ativos de um património em beneficio da extinção
de responsabilidades de outro património. É isto que justifica o artigo 2074º/1.
c) Inexistência de prejuízo para os direitos de terceiro (871º/1): se o vínculo obrigacional
se encontrar igualmente a funcionar em benefício de terceiro (Ex. existência de penhor
ou usufruto sobre o crédito), o vínculo subsiste, na justa medida em que o justifique o
interesse do usufrutuário ou do credor pignoratício (871º/2).
Regime: a confusão provoca a extinção da obrigação, assim como todos os acessórios do crédito,
todas as garantias que asseguravam o cumprimento quer essas garantias sejam prestadas pelo
devedor quer por terceiro. A lei admite que a confusão pode desfazer-se, renascendo a
obrigação com os seus acessórios, mesmo em relação a terceiro, quando o facto que a destrói
seja anterior à própria confusão (873º/1). As garantias prestadas por terceiro mantêm-se
extintas no caso de a confusão se desfazer por causa imputável ao credor, salvo se o responsável
pela garantia conhecia o vício, na data em que teve notícia da confusão (873º/2). Se na obrigação
vigorar o regime da conjunção ou parciariedade, extinguem-se as frações da obrigação em
relação às quais ocorreu a confusão, não sendo afetada a obrigação quanto aos restantes
sujeitos. Se vigorar o regime da solidariedade passiva, a obrigação extingue-se nessa parte da
dívida, ficando nesse âmbito os restantes devedores exonerados, os quais continuam a
responder solidariamente pela restante obrigação (869º/1). Se existir solidariedade ativa, o
devedor fica exonerado, mas apenas na parte relativa a esse credor (869º/2). Se se tratar de
uma obrigação plural indivisível com vários devedores, a reunião na mesma pessoa da posição
de credor e condevedor implica que este só possa exigir a prestação dos restantes condevedores
se lhes entregar o valor da parte da posição que adquiriu (870º/1 e 536º). Tratando-se de uma
obrigação plural indivisível com vários credores, se ocorrer a reunião na mesma pessoa da
qualidade de devedor e co-titular do crédito, este não fica exonerado perante os restantes
credores, mas estes só lhe podem exigir a prestação se lhe entregarem o valor da parte que
competia àquele credor (870º/2 e 865º/2).
O não cumprimento consiste na não realização da prestação devida por causa imputável ao
devedor, sem que se verifique qualquer outra causa de extinção. Ora, tal verifica-se quando o
devedor falta culposamente ao cumprimento da obrigação ou quando impossibilita
culposamente a prestação. Na primeira opção, a realização da prestação ainda é possível, mas
não ocorre por culpa do devedor. Na segunda opção a realização da prestação já não é possível,
o que deriva de culpa do devedor. O não cumprimento pode ser definitivo ou temporário,
consoante não seja já possível realizar a prestação por ela se ter impossibilitado ou porque o
credor perdeu interesse nela, ou então por não ter sido realizada a prestação no momento
devido (podendo o atraso ser imputável ao credo ou ao devedor), mantando-se contudo a
possibilidade de realização da prestação através de cumprimento retardado. O cumprimento
pode ser defeituoso, isto é, a prestação é realizada, mas em termos que não permitem a
adequada satisfação do credor. Neste cenário, a prestação pode ser realizada nos termos
adequados posteriormente, existindo apenas um retardamento do cumprimento ou, se a
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Inês Godinho Turma A 2019/2020
Mora do Devedor
O artigo 804º/2 apresenta que a mora do devedor consiste na situação da prestação, embora
ainda possível, não ser realizada no tempo devido, por facto imputável ao devedor. A prestação
tem de ser possível de realizar, sob pena de estarmos perante uma situação de impossibilidade
definitiva do cumprimento ou de incumprimento definitivo. Por outro lado, a não realização da
prestação tem de ser imputável ao devedor, sob pena de estarmos perante impossibilidade
temporária do 792º. Em certo tipo de obrigações, não é possível a realização futura da
prestação, como as obrigações de conteúdo negativo definitivamente violadas com a realização
de qualquer ação proibida e as obrigações em que seja estipulado um prazo essencial de
cumprimento e passado esse prazo sem o cumprimento, o credor perde o interesse na
realização da prestação, tornando-se esta inútil originando incumprimento definitivo da
obrigação. A determinação de uma situação de mora depende da averiguação das normas
relativas ao tempo do cumprimento, na medida em que se exige que a prestação não tenha sido
realizada no tempo devido. No caso das obrigações puras, isto é, não existindo prazo estipulado,
o devedor só entra em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para
cumprir, sendo que a interpelação consiste precisamente na comunicação pelo credor ao
devedor da sua decisão de lhe exigir o cumprimento da obrigação, a qual pode ser expressa ou
tácita. A mora que depende de um ato jurídico de natureza não negocial a praticar pelo credor
(interpelação) é denominada mora ex persona. Por outro lado, a morta poderá denominar-se
mora ex re, nos casos previstos no artigo 805º/2, dependendo de fatores objetivos, sendo
irrelevante a interpelação do credor: a) obrigação ter prazo certo: o decurso do prazo acarreta
o vencimento da obrigação, mas veja-se que isto apenas assim o é nas obrigações de entrega ou
de envio, visto que nas obrigações de colocação o cumprimento depende de uma atividade do
credor, que tem de se deslocar ao local para receber a prestação; b) obrigação provir de facto
ilícito: o devedor deve proceder imediatamente à reparação das suas consequência e, por isso,
a mora conta-se desde a prática do facto ilícito, independentemente de interpelação; c) devedor
impedir a interpelação: o devedor considera-se interpelado na data em que normalmente o teria
sido; d) devedor declarar que não tenciona cumprir a obrigação: o devedor torna a interpelação
inútil, devendo, por isso, considerar-se que neste caso a declaração do devedor acarreta a
constituição imediata em mora, mesmo que a obrigação tenha prazo certo, acarretando a perda
do beneficio do prazo. O artigo 805º/3 determina que para existir uma situação de mora, a
obrigação tem de ser liquida, isto é, o seu quantitativo tem de se encontrar determinado, salvo
nas seguintes situações: a) falta de liquidez imputável ao devedor, caso em que a mora se
verifica para que este não seja beneficiado por uma situação pela qual ele é responsável: b)
situação de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, considerando-se que ocorre mora a
partir da citação para a ação de responsabilidade, a menos que já ocorra mora com base na
situação anterior.
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Inês Godinho Turma A 2019/2020
responsabilidade obrigacional que concorre com o dever de prestar, visto que o credor
mantém o direito à prestação originaria. A indemnização moratória depende da
demonstração por parte do credor de que a não realização da prestação a tempo lhe
causou danos. Quanto às prestações pecuniárias, o artigo 806º determina que a
indemnização corresponde aos juros desde a data da constituição em mora, não sendo
possível ao credor exigir qualquer outra indemnização nem lhe sendo necessário provar
os requisitos do dano e do nexo de causalidade. Esta fixação legal está associada à
consideração de que o ano corresponde à perda de remuneração habitual do capital
durante esse período (juro). Na falta de estipulação das partes de uma taxa de juro mais
elevada ou um juro moratório diverso do legal, aplica-se o juro legal. No caso de
responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, permite-se ao credor provar que a mora
lhe causou dano superior aos juros e que exija a indemnização correspondente.
b) Inversão do risco pela perda ou deterioração da coisa devida: se o devedor estiver em
mora quando se verifica a impossibilidade superveniente da obrigação o risco desta
corre por sua conta (807º/1). No entanto, permite-se ao devedor provar que o credor
teria sofrido igualmente os danos se a obrigação tivesse sido cumprida em tempo-
relevância negativa da causa virtual (807º/2). A responsabilidade resulta da
consideração de que a mora do devedor funcionou como causa indireta dos danos
sofridos pelo credor, sendo uma responsabilidade objetiva, mas que se baseia em culpa
anterior do devedor na verificação da mora. Basta qualquer conexão causal entre a
mora e os danos para estabelecer a responsabilidade do credor, só podendo esta ser
quebrada se o devedor conseguir provar que o credor continuaria a sofrer os danos se
a obrigação tivesse sida cumprida em tempo.
A mora pode ser extinta por acordo das partes, purgação da mora e transformação da mora em
incumprimento definitivo. As partes podem acordar em deferir para momento posterior o
vencimento da obrigação, com a correspondente extinção da mora. Este acordo designa-se de
moratória, podendo ser ou não estabelecido com eficácia retroativa, sendo que no caso de ter
eficácia retroativa, a mora considera-se como retroativamente não verificada, e, no caso de a
mora não ter efeito retroativo, o credor tem direito à indemnização moratória devida até esse
momento. A purgação da mora consiste na situação em que o devedor se apresenta tardiamente
a oferecer ao credor a prestação devida e a correspondente indemnização moratória. Esta oferta
extingue a mora do devedor para o futuro, ainda que não se verifique a sua aceitação pelo
credor, visto que esta recusa produz uma inversão da mora, passando a ser qualificada como
mora do credor. Por fim, a mora extingue-se por transformação em incumprimento definitivo,
isto é, quando o credor objetivamente perde o interesse na prestação devido ao atraso na
prestação ou quando esta não é realizada num prazo suplementar que seja razoavelmente
fixado pelo credor (808º). No segundo caso, o credor mantém o interesse na prestação, mas não
é justificável a eternização da situação e, portanto, o credor pode transformar a mora em
incumprimento definitivo, através da fixação de um prazo suplementar, com a advertência de
que a obrigação se terá por definitivamente incumprida após o decurso deste (intimação
admonitória).
Mora do Credor
O credor incorre em mora sempre que sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é
oferecida nos termos legais ou não pratica os atos necessários ao cumprimento da obrigação.
Assim, a mora do credor tem como requisitos: a) recusa ou não realização pelo credor da
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Inês Godinho Turma A 2019/2020
10 Note-se, contudo, que pode ser desnecessária uma intervenção do credor para verificar do cumprimento da
obrigação (ex. prestação de facto negativo ou algumas de facto positivo. Na maioria dos casos esta colaboração é
necessária veja-se: o credor entra em mora quando não se desloca ao lugar do cumprimento nas obrigações de
colocação; entra em mora quando não determina a prestação, como deveria; entra em mora se não prestar quitação
no momento da receção da prestação.
11 Salvo nos casos em que a realização seja estipulada também no interesse do credor, no contrato de trabalho e no
contrato de mútuo. Por outro lado, a colaboração do credor pode impor-se como dever acessório resultante do
princípio da boa fé. Contudo, Menezes Cordeiro considera eu o credor está obrigado a colaborar no cumprimento e,
se não o fizer, atua ilicitamente.
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Inês Godinho Turma A 2019/2020
A mora do credor pode extinguir-se se este, ainda que tardiamente, vier a prestar a colaboração
necessária para o cumprimento, devendo o credor realizar imediatamente a prestação, sem o
que se verifica uma inversão da mora. A consignação em depósito extingue também a mora do
credor, na medida em que o devedor pode exonerar-se através da consignação em depósito da
coisa devida (841º). Menezes Leitão considera que o devedor, por força do artigo 808º e 411º
(em analogia), pode pedir ao tribunal que fixe um prazo para o credor colaborar no
cumprimento, sob pena de a obrigação de considerar extinta. Veja-se que em obrigações em
que se limita temporalmente a um certo momento a realização da prestação, atribui-se ao
credor o risco da sua não utilização naquele momento, pelo que a mora do credor acarreta
automaticamente a extinção do seu direito, mantendo naturalmente o devedor o seu direito à
contraprestação ao abrigo do 815º/2, ainda que possa nela ser eventualmente descontado um
beneficio obtido com a exoneração.
Incumprimento Definitivo
12 Menezes Leitão considera que a responsabilidade obrigacional e a responsabilidade delitual têm reduzidas
diferentes, sendo a responsabilidade civil a fonte de ambas.
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Inês Godinho Turma A 2019/2020
negligência são suscetíveis de gerar responsabilidade do devedor, contudo em certos casos a lei
limita essa responsabilidade aos casos de dolo (814º, 815º, 956º, 957º, 1134º e 1151º). A
apreciação da culpa é feita segundo a diligência do bom pai de família (487º/2 por remissão
799º/2); c) o credor tem de ter sofrido danos em virtude da não realização da prestação a que
o devedor se tenha vinculado. Em virtude do regime unitário da responsabilidade civil, o regime
da obrigação de indemnizar é também unitário, o que significa que deverá dar-se primazia à
restituição natural (562º), apenas se realiza a prestação em dinheiro quando a reconstituição
natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa
para o devedor (566º). O âmbito dos danos será tanto os danos emergentes, os lucros cessantes
assim como os danos futuros se forem previsíveis, devendo o tribunal remeter a fixação da
indemnização pra decisão ulterior sempre que não sejam determináveis.(564º). No entanto,
nesta modalidade de obrigação, a indemnização abrange o interesse contratual positivo ou de
cumprimento, isto é, todas as utilidades que se frustraram em virtude da não realização da
prestação, devendo a indemnização colocar o credor na situação em que estaria se a obrigação
tivesse sido voluntariamente cumprida (incluindo todas as consequências patrimoniais que o
não cumprimento teve, desde despesas com contratos, gastos tornados inúteis para a
celebração do negócio ou preparação do cumprimento, oneração com deveres de ressarcir
terceiros, lucro cessante do negócio, assim como outros danos concomitantes ou
consequenciais e vantagens concretas que se teria retirado da prestação). A maioria da doutrina
considera que o artigo 494º, que limita a indemnização em caso de mera culpa, não deve ser
transposto para a responsabilidade contratual. Menezes Leitão afirma que o 494º contraria um
dos princípios fundamentais da responsabilidade civil subjetiva, que é o do ressarcimento
integral dos danos sofridos pelo lesado, devendo só esta disposição ser utilizada
excecionalmente, tendo um âmbito de aplicação diminuto. Contudo, esta norma aplica-se
também à responsabilidade contratual, visto que não se justifica tratar de forma diferente o
lesante apenas por violar uma obrigação e não um dever geral de respeito, nem se compreende
que as legitimas expectativas do lesado em obter o ressarcimento integral dos danos tenham
menos consideração em sede delitual do que em sede contratual. A maioria da doutrina e
jurisprudência defende que existe ressarcibilidade do dano moral no âmbito da
responsabilidade contratual. Veja-se, por fim, que admite-se também a ressarcibilidade de
danos resultantes de perda de oportunidade na responsabilidade contratual nos mesmos
termos que na responsabilidade delitual; d) os danos sofridos pelo credor têm de ser
consequência da falta de cumprimento por pare do devedor, tendo de existir nexo de
causalidade, seguindo este as regras da responsabilidade delitual (563º).
Ónus da Prova na Responsabilidade Obrigacional: o artigo 799º determina que cabe ao devedor
provar que a falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação não procede de
culpa sua, estando neste artigo consagrada uma presunção de culpa em relação ao devedor de
que o incumprimento lhe é imputável, dispensando-se ao credor de efetuar a prova
correspondente (351º). A prova do dano e do nexo de causalidade cabe ao credor, nos termos
gerais apresentados para a responsabilidade delitual. Note-se que nos termos do artigo 342º/1
o credor tem de demonstrar a existência de direito de crédito e o devedor tem de demonstrar
o cumprimento (342º/2). Ora, se o credor prova a existência de crédito não tem de provar a
inexecução da obrigação, na medida em que é o devedor que tem de provar que cumpriu a
obrigação. Contudo, se a violação da obrigação ocorrer por a realização de uma prestação de
facto negativo ou por existir um cumprimento defeituoso, parece que é o credor que tem de
provar essa conduta.
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Inês Godinho Turma A 2019/2020
Responsabilidade do devedor pelos atos dos seus auxiliares ou representantes: o artigo 800º
apresenta uma situação de responsabilidade objetiva do devedor que assenta na equiparação
da conduta do auxiliar ou representante legal à conduta do próprio devedor, de forma a evitar
que o devedor se possa exonerar da sua responsabilidade, imputando àqueles o
comportamento que conduziu à violação da obrigação. A representação legal é fixada para
suprir a incapacidade do devedor, só abrangendo atividades licitas, não se podendo estender ao
incumprimento das obrigações. Mas tal pensamento levaria a que o credor, face ao
incumprimento das obrigações, não pudesse exigir qualquer indemnização imputada ao
património do devedor, mas apenas ao do representante legal, o que poderia significar um
benefício do património do devedor. Nesse sentido, o artigo 800º considera os atos de
incumprimento realizados pelo representante legal como equivalentes aos atos determinados
pelo devedor, respondendo assim o património deste pelo incumprimento das obrigações.
Quanto aos auxiliares, estes são escolhidos pelo devedor para o auxiliarem na realização da
prestação devida, dilatando-se assim a capacidade de cumprimento por parte do devedor. Ora,
o credor nunca poderia exigir uma indemnização por incumprimento aos auxiliares visto que
não são deveres da obrigação, sendo necessário estender a responsabilidade do devedor aos
atos de incumprimento determinados pelos auxiliares. Esta extensão da responsabilidade
entende-se por existir uma extensão da capacidade do devedor, o que acarreta maior risco que
esse tem de suportar. Veja-se que os pressupostos do artigo 800º não coincidem com os do
artigo 500º: no artigo 800º não é necessária uma relação de comissão, bastando o vínculo de
representação legal ou a mera utilização do terceiro para a realização da prestação; no artigo
800º exige-se que a atuação do representante ou auxiliar represente uma violação do vínculo
obrigacional (dever de prestar principal e deveres conduta acessórios consoante cada caso
concreto, considerando que existe uma lacuna a integrar em cada caso). O artigo 808º/2
determina que a responsabilidade do devedor por atos dos seus representantes legais ou
auxiliares pode ser convencionalmente limitada ou excluída desde que essa exclusão ou
limitação não compreenda atos que representem a violação de deveres impostos por normas
de ordem pública. Esta determinação é admissível, visto que não confere ao devedor a
irresponsabilidade por factos próprios seus (isso seria inadmissível por constituir uma
autorização para não cumprir a obrigação proibida pelo 809º).
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Inês Godinho Turma A 2019/2020
constituição em mora pelo decurso do prazo (805º/2 alínea a)). O contraente obrigado
a cumprir em segundo lugar continua a poder usar da exceção de não cumprimento,
não entrando em mora se não realizar a sua prestação enquanto a contraprestação não
for realizada. Contudo, o artigo 429º permite a utilização da exceção de não
cumprimento do contrato, mesmo ao contraente que esteja obrigado a cumprir em
primeiro lugar, sendo essa a situação em que ocorra alguma das circunstâncias que
importem a perda do beneficio do prazo (780º- insolvência, diminuição das garantias do
crédito ou não prestação das garantias prometidas- sendo que a exceção pode ser
afastada mediante a prestação de garantias de cumprimento). Ainda que exista a
realização da prestação, se esta for defeituosa e esses defeitos prejudicam a integração
satisfação do interesse do credor, poderá ser invocada a exceção de não cumprimento.
Não se justifica a possibilidade de recurso à exceção se os defeitos da prestação
atendendo ao interesse do credor tiverem escassa importância (802º por analogia). A
aceitação da prestação constitui uma presunção da inexistência de defeitos, pelo que
caberá à parte que pretende utilizar a exceção perante o cumprimento defeituoso a
demonstração de que os defeitos existentes tornam inadequada a prestação em termos
que justificarem o recurso à exceção. Para que a invocação da exceção não seja contrária
à boa fé, exige-se uma tripla relação: a) relação de sucessão: pressupõe que quem
invoca a exceção não tenha sido o primeiro a cair em incumprimento, visto que a recusa
em cumprir tem de ser posterior e não anterior ao incumprimento da outra parte; b)
relação de causalidade: pressupõe que a invocação da exceção vise exclusivamente
compelir a outra parte à realização da sua prestação, sendo essa invocação ilegítima
quando seja determinada por outros fins; c) relação de proporcionalidade: pressupõe
que a invocação da exceção seja proporcional ao incumprimento que a legitima, não
sendo admitido o recurso à exceção sempre que esse incumprimento for de escassa
importância.
Resolução por incumprimento: encontra-se prevista no artigo 801º/2 relacionada com
a impossibilidade culposa, mas que é aplicável também ao incumprimento definitivo. A
resolução por incumprimento apresenta-se como alternativa à responsabilidade
obrigacional nos contratos bilaterais. Contudo, veja-se que o legislador determina que
a resolução não prejudica o direito à indemnização, o que se traduz na necessidade de
averiguar que situações podem ser abrangidas pela indemnização, caso o credor recorra
ou não à resolução do contrato: (i) posição tradicional13: considera que perante o
incumprimento de uma das partes num contrato sinalagmático, a outra parte tem duas
alternativas: a) exigir simplesmente uma indemnização por incumprimento,
abrangendo todos os danos suportados em virtude da não realização da prestação
(interesse contratual positivo), mantendo-se a obrigação; b) obter a resolução do
contrato, cuja eficácia retroativa lhe permite liberar-se da obrigação, pedido
eventualmente a restituição da sua prestação já realizada e de uma indemnização que
se limita aos danos derivados da não conclusão do contrato (interesse contratual
positivo). Não faz sentido, que com a resolução a indemnização possa abranger os danos
resultantes da não realização da prestação (seguimento também dos artigos 898º e
908º); (ii) posição contra a posição tradicional14, baseada na ideia de que a resolução
13 Galvão Telles, Antunes Varela, Almeida Costa, Mota Pinto e Pessoa Jorge.
14 Vaz Serra, Baptista Machado, Romano Martinez (considera que mesmo com a resolução, a indemnização deve
abranger todos os danos, sendo a devolução da contraprestação realizada descontada na indemnização), Mota Pinto
(viria a adotar esta conceção, considerando que nada obsta que o credor que resolve o contrato reclame uma
indemnização pelo interesse positivo, no cumprimento, o que é justificado pela proteção do credor, permitindo-se-
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Inês Godinho Turma A 2019/2020
não pode prejudicar a indemnização, pelo que esta deve continuar a abranger o
interesse contratual positivo; (iii) Menezes Leitão: considera que a tese que sustenta
que a indeminização abrange o interesse contratual positivo efetua uma quebra no
regime de resolução por incumprimento, tendo este a principal função de libertar o
credor do dever de prestar ou permitir-se obter a sua restituição. Nesse sentido, iria
ocorrer um desequilíbrio na estrutura sinalagmática do contrato, visto que o contraente
fiel obteria a exoneração da sua obrigação ou a restituição da prestação anteriormente
realizada, enquanto o contraente faltoso continuaria a responder integralmente pelo
interesse de cumprimento da outra parte- o promitente fiel tem a pretensão restitutória
da prestação e a pretensão indemnizatória, e o promitente faltoso não tem qualquer
pretensão. Não sendo o objeto do sistema este desequilíbrio, a indemnização terá de
ser limitada ao interesse contratual negativo, não abrangendo os danos resultantes da
frustração das utilidades proporcionadas pela própria prestação. Tal não exclui a
indemnização de lucros cessantes, desde que se prove segundo o artigo 564º/1. O autor
adere à tese tradicional e, portanto, se o contraente fiel quiser optar pela indemnização
pelo interesse contratual positivo é manifesto que não pode resolver o contrato.
Indemnização por incumprimento nos contrato sinalagmáticos: importa discutir se, no
caso de o credor ainda não tiver realizado a sua própria prestação, a indemnização do
credor, deverá ser proporcionada através da substituição da prestação não realizada
pelo seu valor integral, mantendo-se o credor obrigado a realizar a prestação (teoria da
sub-rogação)- consideram que o nexo de correspetividade entre as prestações se
mantém, apesar da impossibilidade culposa ou incumprimento definitivo da prestação,
sendo esta substituída pelo equivalente pecuniário, havendo necessidade de
indemnização do contraente fiel, mas este não se exonera da contraprestação. Veja-se
que esta teoria se aplica no caso de o credor ter já realizado a sua prestação e se optar
pela indemnização pelo incumprimento; ou proporcionada pelo pagamento ao credor
da diferença de valor entre a prestação não cumprida e a prestação devida pelo credor,
exonerando-se este da própria prestação (teoria da diferença)- consideram que a
indemnização corresponde a uma indemnização pela frustração do próprio sinalagma
contratual, não tendo o credor que realizar a sua contraprestação; a maioria da doutrina
alemã defende que o credor tem a vantagem de não realizar a sua própria prestação e
limita-se a reclamar a indemnização pela diferença de valor entre as duas, na maioria
dos casos. Mas em certos casos, pode haver vantagem para o credor em continuar a
realizar a sua prestação, devendo ser possível que o credor escolha entre a diferença ou
o valor da prestação incumprida, realizando a sua contraprestação (teoria da diferença
atenuada); Menezes Leitão considera que o ordenamento jurídico português não
permite determinar nenhuma das teorias, mas será preferível a escolha da teoria da
diferença, visto que obrigar o credor a realizar a sua contraprestação perante a falta ou
impossibilidade culposa da prestação que lhe é devida, implica reconhecer uma
desarmonia muito grande entre o regime do artigo 795º e 801º/2, quando no âmbito
da impossibilidade parcial, a diferença de regime entre os artigos 793º e 803º baseia-se
apenas no acrescer da indemnização, sendo o regime idêntico em relação à exoneração
do credor. Por outro lado, defende que a teoria da diferença deverá ser atenuada, ou
seja, o credor, quando não realizou ainda a prestação, pode optar pela não realização
dessa, descontando-a na indemnização por incumprimento, ou pela sua realização nos
lhe libertar-se do contrato sem ter para tal que renunciar os lucros frustrados pelo não cumprimento) e Menezes
Cordeiro.
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No caso de obrigações divisíveis admite-se que a impossibilidade da prestação possa ser parcial,
tendo o credor, nos termos do artigo 802º/1, a possibilidade de resolver o contrato (no caso de
o cumprimento parcial, atendendo ao interesse do credor, for de importância relevante, visto
que se for de escassa importância, o credor não pode resolver o contrato), ficando o credor e
devedor liberadas de qualquer prestação, ficando apenas o credor com o direito de exigir
indemnização pelo interesse contratual positivo, ou exigir o cumprimento do que for possível,
reduzindo a sua contraprestação, se for devida. Em ambas as situações o credor mantém o
direito à indemnização.
15Alguma doutrina (Antunes Varela, Mora Pinto e Menezes Cordeiro) considera que não se dá a extinção da
obrigação, mas sim uma modificação da prestação primitiva.
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16Veja-se outros (artigo 703º CPC): documentos exarados ou autenticados pelo notário que importem constituição
ou reconhecimento de qualquer obrigação; títulos de crédito, desde que, os factos constitutivos da relação subjacente
constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo; e documentos a que por disposição
especial seja reconhecida força executiva.
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Nesse sentido, as partes podem celebrar clausulas de renúncia a uma indemnização que
já tenham adquirido, mas não podem efetuar essa renúncia antecipadamente.
Cláusulas de limitação da responsabilidade: parecem ser admitidas, ao abrigo do
princípio da autonomia privada e por argumento a contrário do 809º. Por outro lado, a
fixação de um limite máximo não se traduz numa renúncia, sendo até relevante para
efeitos de segurança e contratação. Veja-se o artigo 602º que admite a limitação de
responsabilidade do devedor a alguns do seus bens, desde que não seja matéria que se
encontre subtraída à disponibilidade das partes, como por exemplo, as obrigações de
alimentos.
Cláusula de fixação de responsabilidade (ou cláusula penal): é possível as partes
fixaram o montante da indemnização a ser realizada no caso de incumprimento, mas
este montante não pode ser meramente simbólico, sob pena de funcionar na prática
como uma derrogação da proibição do 809º. A clausula penal tem de ser estipulada num
montante pecuniário, sob pena de ser nula por indeterminabilidade do objeto (280º/1).
Se ficar na disponibilidade das partes a determinação do montante será nula por
contrariedade aos bons costumes (280º/2). A clausula penal é acessória em relação à
obrigações principal, na medida em que atua se houver incumprimento da obrigação
principal. Essa acessoriedade traduz-se na exigência de forma igual à da obrigação
principal para a clausula penal e no facto de ser nula se a obrigação principal também o
for (810º/2). Por outro lado, a clausula penal é transmissível para o adquirente do
crédito ou da dívida principal (582º, 594º e 599º) e extingue-se se existir extinção da
obrigação principal. A clausula penal deve ser considerada como uma clausula que se
destina a estabelecer uma penalização por incumprimento, visando incentivar o
devedor a cumprir (clausula penal estrita) ou deve ser considerada como uma clausula
que visa apenas liquidar antecipadamente os danos exigíveis em caso de
incumprimento (clausula de liquidação de danos)? Menezes Leitão considera que o
artigo 811º/3 não se aplica à clausula penal estrita, sob pena de o 812º não fazer
sentido, havendo a necessidade de restringir esse artigo aos casos em que as partes
tenham estipulado uma clausula de liquidação de danos e não uma clausula penal
estrita. No artigo 811º/1 é possível distinguir entre a cláusula penal compensatória e
cláusula penal moratória (ex. multas aplicadas aos empreiteiros pelos atrasos na
execução da obra), sendo a primeira estabelecida para o incumprimento definitivo e a
segunda para a mora no cumprimento, sendo nesta última possível cumular a clausula
penal e o cumprimento do devedor. O artigo 811º/2 determina que nem o devedor pode
pagar menos do que o montante acordado, nem o credor pode exigir mais do que o
montante acordado, ainda que o valor dos danos seja superior. No entanto, é possível
que as partes convencionem que a clausula penal não prejudique a possibilidade de o
credor reclamar indemnização pelo dano excedente, sendo nesse caso fixada a
indemnização apenas como limite mínimo. O artigo 812º determina injuntivamente a
possibilidade de a cláusula ser reduzida pelo tribunal de acordo com a equidade: a)
quando seja manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; b) quando
a obrigação tiver sido parcialmente cumprida. Este artigo pretende evitar que uma das
partes seja constrangida de ter de liquidar a cláusula penal que se encontra em
manifesta desproporção com o prejuízo sofrido pelo credor. Não parece possível que o
tribunal decrete oficiosamente a redução da cláusula penal sem que para tal seja
solicitado (tal como acontece no 282º e 437º). O artigo 19º c) LCCG determina que são
nulas as clausulas contratuais que consagrem clausulas penais desproporcionadas em
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relação aos danos a ressarcir, o que significa que não é necessário o mecanismo do 812º
e há uma derrogação do 811º/2.
Garantia Geral
A garantia das obrigações consiste na atribuição ao credor, pela ordem jurídica, dos meios
necessários para esse realizar o seu direito, em caso de incumprimento por parte do devedor. A
garantia geral é aquela que é representada pelo património do devedor e as garantias especiais
são aquelas que reforçam essa garantia, podendo ser garantias pessoais, isto é, atribui-se a outra
pessoa a responsabilidade pela dívida, ou garantias reais, ou seja, atribui-se a um dos credores
a preferência na satisfação do seu crédito sobre determinado bem, que pode pertencer ou não
ao devedor. A garantia geral é comum a todos os credores, traduzindo-se na possibilidade de
estes se pagarem, em pé de igualdade, à custa do património do devedor. Assim, se o património
do devedor não chegar para todos os credores se pagarem, esse é rateado, recebendo cada um
dos credores uma parte proporcional ao montante do seu crédito (604º/1). Em regra, os
credores contam apenas com a possibilidade de executar o património do devedor e proceder
à venda judicial dos seus bens para se pagarem com o produto dessa marca. Assim, se um dos
credores tiver uma garantia especial (ex. penhora), terá o direito de ser pago antes dos outros
(604º/2). Visto que a garantia geral é o património do devedor, a lei atribui aos credores diversos
instrumentos destinados a evitar qualquer diminuição do património do devedor- meios de
conservação da garantia geral, tal como a declaração de nulidade, sub-rogação do credor ao
devedor, impugnação pauliana e arresto.
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os credores do repudiante aceitarem a herança em nome deste nos termos dos artigos
606º e seguintes. Contudo, no artigo 2067º há uma substituição por um ato (repúdio) e
não por uma omissão, e a ação não produz a reversão dos bens ao património do
devedor, visto que, sendo pagos os credores do repudiante, o remanescente da herança
aproveita aos herdeiros imediatos (2067º/3). Pressupostos da ação sub-rogatória
indireta: a) omissão pelo devedor de exercer os seus direitos contra terceiros, excluindo-
se assim o exercício da ação relativamente a simples expectativas jurídicas. O artigo
607º permite que o credor, se demonstrar que tem interesse em não aguardar pela
verificação da condição ou pelo vencimento do crédito, pode exercer a ação em relação
a direitos sujeitos a condição ou a prazo. Por outro lado, pode existir ação sub-rogatória
de segundo grau, isto é, o credor substitui-se ao devedor, exercendo direitos que este
devedor tem perante terceiro- ação de sub-rogação em relação à faculdade de sub-
rogação; b) conteúdo patrimonial desses direitos e não atribuição do seu exercício
exclusivo, por natureza ou disposição da lei, ao seu titular- excluem-se os direitos de
natureza pessoal ou aqueles em que a lei reserve o seu exercício ao respeito titular; c)
essencialidade do exercício desses direitos para a satisfação ou garantia do direito do
credor- pressupõe a demonstração de que sem o exercício daqueles direitos se verifica
a impossibilidade de satisfação da obrigação, ou de que o património do devedor se
encontra insolvente, permitindo a ação eliminar ou reduzir essa situação. A ação sub-
rogatória pode ser exercida judicial ou extrajudicialmente (608º a contrário). No caso de
ser exercida judicialmente, terá de ser citado o devedor para a ação (608º), existindo
uma situação de litisconsórcio necessário passivo, sob pena de ilegitimidade do réu. O
terceiro só pode exercer os meios de defesa que tem contra o devedor e não contra o
credor, visto que este só se limita a exercer o direito em substituição do verdadeiro
titular (devedor). O artigo 609º determina que a ação aproveita a todos os credores,
sendo os bens obtidos ingressados no património do devedor, ficando aí sujeitos ao
poder de execução de todos os credores.
Impugnação Pauliana: permite aos credores reagir contra atos do devedor que se
apresentam como lesivos dessa garantia, sendo a reação legitima tanto em relação à
primeira alienação pelo devedor (610º e seguintes) como em relação a alienações
subsequentes efetuadas pelo adquirente dos bens (613º). Pressupostos da impugnação
pauliana em relação à primeira alienação:
a) Realização pelo devedor de um ato que diminua a garantia patrimonial do
crédito, que não seja de natureza pessoal: estão em causa atos que tenham
efeitos negativos no património do devedor, quer por diminuição do ativo quer
por aumento do passivo. Veja-se que o artigo 615º/1 admite a impugnação
quanto a atos nulos, como por exemplo, os atos simulados, uma vez que se
reconhece a dificuldade de prova de certos fundamentos da nulidade, que
podem levar à improcedência da ação de nulidade e note-se o facto de esta ação
de nulidade pode ser até menos benéfica para o credor que a impugnação
pauliana. Não é possível a impugnação pauliana em relação ao cumprimento de
obrigações, visto que, ainda que o pagamento a um dos credores possa implicar
o beneficio desse credor face aos restantes, enquanto o devedor não estiver na
iminência da insolvência, pode gerir livremente o seu património, não fazendo
sequer sentido obrigar um dos credores a restituir aquelo que lhe é efetivamente
devido. No entanto, não está excluída a impugnação face a obrigações não
exigíveis e a obrigações naturais, visto que, no primeiro caso, estaria a beneficiar
o titular desse crédito em relação aos demais credores, diminuindo a garantia
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Regime:
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do crédito, visto que nesse caso, qualquer dos réus pode provar o que se refere no
611º; C) quando passe o prazo de caducidade de 5 anos a contar da data do ato
impugnável (618º). Apesar de o prazo ser mais longo que o anterior, este começa a
contar desde a prática do ato e não do seu conhecimento pelo credor e, sendo um
prazo de caducidade, em princípio, não se suspende nem interrompe (328º).
Natureza: a impugnação pauliana é uma ação pessoal, que visa restituir ao credor, na
medida do seu interesse, os bens com que ele contava para a garantia do seu crédito. A
procedência da ação faz surgir uma pretensão à restituição do enriquecimento por
desconsideração do património contra o terceiro. Considera-se que a aquisição por
terceiro não constitui uma causa de retenção legítima, a partir do momento em que se
verifica a impugnação, o que permite ao credor o uso da ação de enriquecimento por
desconsideração do património. Se a aquisição for gratuita a explicação consiste no
facto de a aquisição gratuita ser considerada uma causa menor de aquisição, que não é
considerada causa legitima de retenção quando se processa à custa de outrem que não
o próprio doador, sendo isso que justifica a restituição do enriquecimento, mesmo que
o terceiro esteja de boa fé. No caso da aquisição onerosa, sendo uma causa legitima de
aquisição, a impugnação é justificada pela má fé do devedor e adquirente, que leva a
que não se possa considerar legitima a causa de aquisição. Nesse sentido, com base no
enriquecimento injustificado do terceiro à custa do credor, deverá ocorrer a restituição,
visto que o negócio de aquisição implicou um desvio de bens de uma função que lhes
estava legalmente atribuída: a de servirem como garantia patrimonial dos créditos.
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Estas são situações em que a posição do credor aparece reforçada para além do que resultaria
simplesmente da responsabilidade patrimonial do devedor. Este reforço poderá ser quantitativo
ou qualitativo, sendo que no primeiro caso a garantia implica que outros patrimónios para além
do devedor sejam sujeitos ao poder de execução do credor, no caso de incumprimento do
devedor (garantias pessoais) e no segundo caso o credor adquire o direito de ser pago com
preferência sobre os outros credores, em relação a bens determinados ou rendimentos desses
bens (garantias reais17). A garantia especial pode ou não (como na separação de patrimónios e
privilégios gerais) passar pela atribuição de um direito subjetivo com fins de garantia ao credor.
Veja-se que é essencial à garantia especial que um dos credores, se encontre em comparação
com os outros, numa posição de benefício, ocorrendo a quebra da igualdade normal entre os
credores.
Nas garantias pessoais, os terceiros assumem uma obrigação própria através da qual ficam
subsidiária e solidariamente responsáveis pelo cumprimento da obrigação do devedor principal-
ex. fiança, incluindo subfiança e o mandato de crédito e o aval.
Nas garantias reais, o credor pode obter o pagamento preferencial do seu crédito pelo produto
da venda de bens determinados ou de rendimentos desses bens, ainda que eles venham a ser
transmitidos para terceiro (credores preferenciais opondo-se a credores comuns ou
quirográficos, tendo os primeiros o direito de se fazerem pagar em primeiro lugar sobre os bens
objeto da garantia, passando à frente dos segundos que só se podem fazer pagar pelo
remanescente dos bens). São, por isso, categorias de direitos reais de garantia- ex. consignação
de rendimentos, penhor, hipoteca, privilégio e direito de retenção.
Veja-se que a separação de patrimónios, a prestação de caução e a cessão de bens aos credores
não se reconduzem nem a garantias pessoais nem a garantias reais.
17Estas também constituem um reforço quantitativo quando são constituídas por terceiro, da separação de
patrimónios e da cessão de bens aos credores.
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regulado nos artigos 906º e seguintes do CPC. A caução de fonte legal está presente nos
casos dos artigos 614º/2, 648º, 673º, 1468º alínea b), 93º CC e 704º/3 e 733º/1 alínea
a) CPC. O artigo 613º/1 determina que a caução imposta ou autorizada por lei, sempre
que esta não especifique a espécie que ela deva revestir, pode ser prestada por meio de
depósito de dinheiro, títulos de crédito, pedras ou metais preciosos ou por penhor,
hipoteca ou fiança bancária. Apenas se nenhum destes meios puder ser utilizado será
licita a prestação de outra espécie de fiança, desde que o fiador renuncie ao benefício a
excussão (623º/2), cabendo ao tribunal apreciar a idoneidade da caução sempre que
não haja acordo por interessados (623º/3). A caução com fonte judicial está presente
nos artigos 107º, 620º, 707º, 1898º, 2236º e 2246º. Tanto a caução com fonte judicial
como a caução com fonte negocial (quando as partes, ao abrigo da autonomia privada
a fixam) obedecem a requisitos menos exigentes que a caução com fonte legal, visto
que o artigo 624º admite a sua prestação por qualquer garantia, pessoal ou real,
continuando o tribunal a apreciar a idoneidade da caução sempre que não haja acordo
dos interessados (624º/2 e 623º/3). Se a pessoa obrigada a prestar caução não o fizer,
o credor tem o direito de requerer registo de hipoteca sobre os bens do devedor ou
outra cautela idónea (ex. apreensão de coisas móveis ou direitos não suscetíveis de
hipoteca), salvo se for diferente a solução prevista na lei (ex. 1470º e 2238º/2). Note-se
que a garantia limita-se aos bens suficientes para assegurar o direito do credor. Se, após
prestada, a caução se tornar insuficiente ou imprópria por causa não imputável ao
credor, a lei atribui-lhe o direito de exigir que esta seja reforçada ou seja prestada outra
forma de caução (626º).
Cessão dos bens aos Credores: o devedor permite que os credores exerçam poderes de
administração e disposição do seu património por forma a obterem o pagamento dos
seus créditos, sem terem de recorrer à ação executiva. Está presente nos artigos 831º e
seguintes. A cessão dos bens está sujeita a forma especial (832º/1): tem de ser realizada
por escrito, estando sujeita à forma exigida para a validade da transmissão dos bens
nela compreendidos. Por outro lado, a cessão deverá ser registada sempre que envolva
bens sujeitos a registo (832º/2). Veja-se, no entanto, que o registo consolida a cessão,
permitindo opô-la a terceiros não sendo uma condicionante de eficácia absoluta. Com
a cessão: transmite-se para os cessionários os poderes de administração e disposição
dos bens objeto da cessão (834º/1), ficando o devedor apenas com a possibilidade de
fiscalizar a gestão e exigir a prestação de contas (834º/2); restringe-se a possibilidade
de se instaurarem execuções sobre esses bens, visto que só os titulares de créditos
anteriores à cessão podem executar os bens até à data da sua alienação, não sendo
possível aos cessionários ou credores posteriores à cessão instaurar qualquer execução
sobre os bens cedidos (833º). Note-se que a lei não veda a possibilidade de os
cessionários executarem outros bens do devedor. Os bens objeto de cessão são também
apreendidos no processo de insolvência. A cessão extingue-se com o cumprimento, que
ocorre com a liquidação do património e pagamento aos credores, visto que o artigo
835º determina que o devedor só fica liberado em face dos credores, a partir do
recebimento da parte que a estes compete no produto de liquidação, e na medida do
que receberam- há um efeito liberatório diferido (como na dação pro solvendo), em que
só se extingue os débitos a partir do momento em que os cessionários recebem o
montante que lhes é devido em resultado da liquidação do património do devedor. Por
outro lado, a cessão extingue-se, para além das formas gerais de extinção do contrato,
por meio da desistência unilateral do devedor, sendo este meio apenas possível se
cumprir as obrigações a que está adstrito para com os concessionários- a desistência
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pode impedir o credor de executar o seu património enquanto não tiver tentado sem
sucesso a execução do património do devedor. O artigo 639º determina que a
subsidiariedade opera ainda que existam garantias reais constituídas por terceiro antes
da fiança, visto que o fiador por exigir na mesma a execução prévia das coisas sobre as
quais recai a garantia real. Assim, o benefício da excussão visa evitar a execução judicial
de bens do fiador enquanto a garantia concedida pelo património do devedor ou por
outras garantias reais prestadas por terceiro anteriormente à fiança (o fiador teve em
conta a existência destas garantias) não se mostre insuficiente para assegurar o
cumprimento. Veja-se, no entanto, que o fiador pode renunciar à subsidiariedade (640º
a)- basta que o fiador se apresente como principal pagador) ou que esta poderá ser
excluída quando o devedor ou dono dos bens onerados com garantia não puder, em
virtude de facto posterior à constituição da garantia ser demandado no território do
continente ou ilhas adjacentes (640º b)) ou quando a fiança respeitar a obrigação
comercial (101º CComercial). A existência de excussão não impede que o credor
instaure imediatamente ação judicial contra o fiador, podendo demandá-lo, isolada ou
conjuntamente com o devedor, como forma de obter um título executivo contra aqueles
dois. Se o fiador for demandado sozinho tem sempre a possibilidade de chamar o
devedor à demanda (incidente de intervenção principal provocada passiva), sob pena
de se considerar que renuncia ao benefício (641º/2).
• Relações entre credor e fiador: o credor pode exercer perante o fiador os
mesmos direitos que tem perante o devedor, quer eles respeitem à ação de
cumprimento, quer à indemnização por incumprimento, mora ou cumprimento
defeituoso. Por outro lado, o fiador pode opor ao credor meios de defesa que
lhe são próprios e ainda exceções que competem ao devedor (não produzindo
qualquer efeito em relação ao fiador a renuncia do devedor a estas exceções),
salvo se forem incompatíveis com a sua obrigação. O caso julgado entre credor
e devedor não é oponível ao fiador, mas pode ser invocado por esse em seu
benefício, salvo se respeitar a circunstâncias pessoais do devedor, que não
excluam a responsabilidade do fiador (635º). O caso julgado entre o credor e
fiador aproveita ao devedor, mas não o prejudica o caso julgado desfavorável
(635º/2). Quanto à prescrição e sua interrupção, suspensão e renúncia, a lei
estabelece a independência da obrigação do fiador quanto à obrigação do
devedor, o que significa que as causas de interrupção, suspensão ou renuncia à
prescrição de uma não se estendem à outra. No entanto, no caso da
interrupção, admite-se que se o credor interromper a prescrição contra o
devedor e der conhecimento ao fiador, se considere a prescrição interrompida
contra este na data da comunicação (636º). O fiador, para além do beneficio da
excussão, tem outros meios de defesa: recusar o cumprimento enquanto o
direito do credor puder ser satisfeito por compensação com um crédito do
devedor ou se este tiver a possibilidade de se valer da compensação com uma
dívida do credor (642º/1); recusar o cumprimento, enquanto o devedor tiver a
possibilidade de impugnar o negócio (642º/2).
• Relações entre devedor e fiador: o cumprimento da obrigação por parte do
fiador, implica a transmissão do crédito para o fiador, com todos os seus
acessórios e garantias. Existe uma sub-rogação legal (592º). Assim, podem
continuar a ser opostas ao fiador as mesmas exceções que poderiam ser
invocadas perante o credor. Veja-se que se o devedor tiver consentido no
cumprimento pelo fiador ou, avisado por este, não lhe tiver dado
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