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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Menezes Leitão
Direito das Obrigações II

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Volume I
A Complexidade Intra Obrigacional e os deveres acessórios de conduta

Um dos sentidos que se poderá atribuir à obrigação, sendo esse mais amplo, é o que abrange
todo o conjunto de situações jurídicas geradas no âmbito da relação entre o credor e o devedor.
Assim, a realidade da obrigação abrange:

 O dever de efetuar a prestação principal, sendo este ainda possível de subdividir em


sub-deveres relativos a diversas condutas materiais ou jurídicas;
 Deveres secundários de prestação, sendo estas prestações autónomas sendo
especificamente acordadas com o fim de complementar a prestação principal, sem a
qual não fazem sentido. Muitas das vezes estes deveres estão estabelecidos por lei (ex.
882º/2). Estão sujeitos à ação de cumprimento e existindo contrato sinalagmático
permitem ao credor utilizar a exceção do não cumprimento do contrato ou resolução
em caso de não cumprimento.
 Deveres acessórios, impostos através do princípio da boa fá, que se têm como objetivo
que a execução da prestação corresponda à plena satisfação do interesse do credor e
que essa execução não implique danos para qualquer das partes. O devedor não está
apenas vinculado ao dever de prestar, mas também a outros deveres de proteção,
informação e lealdade, que resultam do princípio da boa fé) perante o credor, em ordem
a permitir a satisfação do seu interesse e assegurar a não existência de danos. Por sua
vez, o credor também estaria vinculado a deveres acessórios perante o devedor, como
forma de não lhe causar danos (Menezes Cordeiro). Nestes deveres não existem
sujeição à ação de cumprimento, só outras sanções como a indemnização pelos danos
sofridos com a violação ou eventualmente resolução do contrato. Os deveres acessórios
são independentes da prestação principal, podendo surgir antes ou depois da sua
extinção (deveres pré-contratuais e pós-contratuais) e inclusiva tutelar a situação de
terceiros (eficácia de proteção em relação a terceiros).
 Sujeições, contrapondo a direitos potestativos que iram caber ao credor;
 Poderes ou faculdades que o devedor pode exercer perante o credor;
 Exceções que consistem na faculdade de paralisar eficazmente o direito de crédito:
prescrição, exceção de não cumprimento, benefício de excussão e direito de retenção.

“Relação Obrigacional Complexa”: Expressão que a doutrina utiliza para fazer referência ao facto
de a obrigação não poder ser reconduzível estruturalmente apenas aos elementos do direito de
crédito e do dever de prestação, mas incluir também um conjunto de situações jurídicas que se
unem num fim que é a realização do próprio interesse do credor, sendo este o fim da obrigação.
Esta conceção tem especial relevância em casos específicos como nas relações contratuais
duradouras.

Modalidades de obrigações

Obrigações naturais: o artigo 402º define estas obrigações, sendo possível perceber que estas
se caracterizam pela não exigibilidade judicial da prestação, resumindo-se a sua tutela jurídica à
possibilidade de o credor conservar a prestação espontaneamente realizada (403º). Assim,
exclui-se a repetição do indevido presente no artigo 476º, salvo no caso de o devedor não ter

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capacidade para realizar a prestação. Nesse sentido, se o devedor tiver capacidade para realizar
a prestação e a efetuar espontaneamente, isto é, sem coação1 (403º/2).

As obrigações naturais não podem ser convencionadas pelas partes, visto que isso equivaleria a
que o credor renunciasse ao direito de exigir o cumprimento, o que é afastado pelo artigo 809º.

Exemplos de obrigações naturais: obrigações prescritas (304º/2-com a diferença das outras por
não poder ser invocada oficiosamente pelo tribunal), o jogo e aposta (1245º) e o pagamento ao
filho de uma compensação pela obtenção de bens para os pais (1895º/2).

O artigo 404º apresenta que se aplica às obrigações naturais o regime das obrigações civis em
tudo o que não se relacione com a realização coativa da prestação, salvas das exceções da lei.
Ainda assim, não lhes é aplicado o regime de fontes das obrigações, nem a possibilidade de
estipulação de garantias ou do regime do cumprimento e não cumprimento (isso é incompatível
com a exigência de espontaneidade do cumprimento da obrigação) e, por outro lado, não se
podem extinguir por prescrição.

Qual a natureza das obrigações naturais?

 São relações de facto, isto é, é o próprio dever moral, a cuja prática realizada pelo
devedor, a lei, em certos casos, atribui efeitos jurídicos →Guilherme Moreira e Jaime
Gouveia.
 São obrigações jurídicas imperfeitas, sendo o que explica a não repetição do indevido o
facto de a divida existir realmente, embora não tenha plena eficácia jurídica por lhe
faltar algum requisito previsto na lei →José Tavares e Antunes Varela
 São obrigações jurídicas, sendo o seu regime diverso das restantes por a lei não permitir
a sua execução →doutrina dominante: Manuel de Andrade, Vaz Serra, Almeida Costa,
Menezes Cordeiro, seguindo a tese de José Tavares.
 São um dever oriundo de outras ordens normativas que, pelo facto de corresponder a
um dever de justiça, leva a que o direito atribua causa jurídica às atribuições
patrimoniais realizadas espontaneamente em seu cumprimento. O artigo 403º/1
funciona como uma tutela da aquisição pelo credor natural, em consequência da
prestação, à qual se atribui assim causa jurídica. Nas obrigações naturais não existe um
vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fique adstrita para com outra à
realização da prestação (397º). A lei nega ao credor a tutela jurídica desse direito ao
afastar-lhe a faculdade de exigir judicialmente o cumprimento e, visto que essa
faculdade integra o conteúdo do direito de crédito e dele não é conceptualmente
separável, não pode considerar-se uma verdadeira obrigação jurídica. Nas obrigações
civis o cumprimento da obrigação não aumenta o património do credor, contudo, nas
obrigações naturais, não havendo a faculdade de exigir o cumprimento, o direito de
crédito não tem conteúdo, não se podendo considerar como um valor no ativo
patrimonial do credor, sendo o cumprimento da obrigação um incremento do
património do credor à custa do património do devedor. O regime aproxima as
obrigações naturais às doações e afasta-as das obrigações civis. Nas obrigações naturais
não existe um direito primário à prestação, como direito de crédito, existindo apenas
um reconhecimento pela lei de uma causa jurídica à prestação realizada
espontaneamente. Ou seja, a lei reconhece que o cumprimento da obrigação natural é

1Exclui-se o erro ou o dolo do credor natural. Galvão Teles afirma que não há restituição mesmo que exista um erro
quanto à coercibilidade do vínculo.

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juridicamente não devido, mas sendo esse cumprimento espontaneamente realizado,


por corresponder a um dever de justiça, constitui causa jurídica para a receção da
prestação, afastando a aplicação do enriquecimento sem causa.

Classificações das obrigações em função dos tipos de prestações

 Prestações de Coisa: são aquelas cujo objeto consiste na entrega de uma coisa, dizendo
respeito ao fornecimento de bens. A atividade do devedor pode ser distinguida da coisa,
visto que esta última existe independentemente da sua conduta. O interesse do credor
verifica-se normalmente em relação à coisa e não à conduta do devedor, no entanto, o
direito de crédito incide sobre a conduta do devedor, exigindo-se sempre a mediação
da atividade do devedor para o credor obter o seu direito. Subdivide-se em prestação
de coisa presente e prestação de coisa futura- as coisas futuras são definidas no artigo
211º, havendo no entanto que atender a uma definição mais ampla apresentada por
Galvão Teles: “bens futuros são aqueles que, não tendo existência, não possuindo
autonomia própria ou não se encontrando na disponibilidade do sujeito, são objeto de
negócio jurídico na perspetiva de aquisição futura dessas características”. As obrigações
que tenham como prestação coisas futuras são em alguns casos proibidas pela lei, ainda
que o artigo 399º admita genericamente a sua possibilidade.
 Prestações de Facto: são aquelas que consistem em realizar uma conduta de outra
ordem, dizendo respeito à realização de serviços. Nestas, não é possível distinguir a
conduta do devedor e a realidade que exista independentemente dessa conduta, tendo
o direito do credor como objeto a prestação do devedor. Podem ser subdivididas em
prestações de facto positivo (o devedor deverá praticar uma ação) ou prestações de
facto negativo (o devedor deverá praticar uma omissão, subdividindo-se esta naquelas
situações em que o devedor não deva realizar certa conduta (prestação de non facere)
ou naquelas em que deve tolerar a realização de uma conduta por outrem (prestações
de pati)). Pode ainda ser subdivididas em prestações de facto material (o devedor
pratica uma conduta puramente material, não destinada a produzir efeitos jurídicos) e
em prestações de facto jurídicas (a conduta do devedor tem como objetivo a produção
de efeitos jurídicos).
 Prestações Fungíveis: são aquelas em que a prestação pode ser realizada por outrem
que não o devedor, podendo assim este fazer-se substituir no seu cumprimento. O
artigo 767º/1 determina que a regra geral é as prestações serem fungíveis. As
prestações fungíveis permitem ao credor a possibilidade de execução especifica da
obrigação, isto é, o credor pode obter a realização da prestação de qualquer pessoa e
não apenas do devedor, podendo requerer ao tribunal que determine a realização da
prestação por outra pessoa às custas do devedor: pode requerer que a coisa lhe chega
entregue (827º), requerer a realização por outrem da atividade que o devedor se tinha
comprometido a realizar (828º), no caso de realização de uma atividade jurídica, o
tribunal pode emitir uma sentença com os mesmos efeitos do contrato prometido
(830º).
 Prestações Infungíveis: são aquelas em que só o devedor pode realizar a prestação, não
sendo permitida a sua realização por terceiro. O artigo 767º/2 apresenta as situações
em que as prestações serão infungíveis: quando a substituição do devedor prejudica o
credor (infungibilidade natural-ex. pintor famoso contratado para fazer um quadro que
é feito pelo seu aprendiz, o que diminui o valor do quadro) ou quando as partes tenham
expressamente acordado que a prestação só pode ser realizada pelo devedor, quando
naturalmente a prestação não é infungível (infungibilidade convencional). A

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infungibilidade da prestação não impede, contudo, que o devedor se socorra de


auxiliares. A lei não permite que exista execução especifica da obrigação quando as
prestações são infungíveis. No entanto, admite-se em alguns casos a aplicação de uma
sanção pecuniária que visa coagir o devedor a cumprir a obrigação (829º-A). Neste tipo
de prestações, a impossibilidade relativa à pessoa do devedor acarreta a extinção da
obrigação, pois não é admitida a sua substituição no cumprimento (791º).
 Prestações Instantâneas: são aquelas cuja execução ocorre num único momento.
Subdividem-se em prestações instantâneas integrais (são realizadas de uma só vez) e
instantâneas fracionadas (o seu montante é divido em várias frações, a realizar
sucessivamente. O decurso do tempo não influi no conteúdo da obrigação, mas apenas
determina o seu vencimento).
 Prestações Duradouras: são aquelas cuja execução se prolonga no tempo, em virtude
de terem por conteúdo ou um comportamento prolongado no tempo ou uma repetição
sucessiva de prestações isoladas por um período. O essencial nestas é que a sua
realização global dependa sempre do decurso de um período temporal, durante o qual
a prestação deva ser continuada ou repetida. Podem subdividir-se em prestações
duradouras continuadas (a prestação não sofre qualquer interrupção) e duradouras
periódicas (a prestação é sucessivamente repetida em certos períodos. Distinguem-se
das instantâneas fracionadas por se verificar nestas uma pluralidade de obrigações
distintas, embora emergentes de um vínculo fundamental que sucessivamente as
origina, pelo que, em principio não pode ser fixado inicialmente um montante global-
como nas instantâneas fracionadas- sendo o decurso do tempo que determina o
conteúdo da obrigação, isto é, número de prestações que é realizado). A lei assegura
uma delimitação temporal aos contratos de execução duradoura (por considerar que a
não delimitação temporal dos contratos duradouros pôr em causa a autonomia privada
e a liberdade de concorrência): as partes, através de acordo prévio, fixam um limite
temporal ao contrato ou quando não o façam permite-se a denúncia do contrato-
permite que qualquer das partes, quando não fixam a duração do contrato, proceda à
sua extinção para o futuro, através de um negócio jurídico unilateral recepticio. Assim,
estes contratos podem ser denunciados pelas partes quando forem celebrados por
tempo indeterminado. Se não o forem, é possível a aplicação da resolução do contrato,
para o qual se exigem fundamentos específicos, correspondentes à inexigibilidade de
manutenção por mais tempo do vínculo contratual (?) distintos do genérico
incumprimento das obrigações da outra parte. O artigo 434º/2 apresenta que a
resolução de um contrato duradouro não abrange as prestações já executadas (fugindo
à regra- 434º/1), a não ser que entre elas e a causa da resolução exista um vínculo que
legitime a resolução de todas elas. Como nestas prestações o decurso do tempo implica
o conteúdo da obrigação, o tempo em que o contrato vigorou constituiu nas partes o
direito às prestações recebidas que não é afetado pela resolução do contrato. Por fim,
nestes contratos vigoram com maior intensidade os deveres de boa fé, visto que,
atendendo à sua duração, pressupõe uma intensa relação de confiança e colaboração
entre as partes, o que pressupõe uma aplicação mais intensa da boa fé e dos deveres
acessórios de proteção, informação e lealdade como forma de se manter uma
permanente confiança recíproca. O lesar da confiança constitui uma justa causa para
que a parte tenha o direito de resolução do contrato.
 Prestações de meios: o devedor não estaria obrigado à obtenção do resultado, mas
apenas a atuar com a diligência necessária para que esse resultado seja obtido.

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 Prestações de resultado: o devedor vincular-se-ia a obter o resultado determinado,


respondendo por incumprimento se esse não fosse obtido. A distinção mostra-se pouco
relevante, visto que em ambas as prestações o devedor se visa a uma conduta tendo em
vista o resultado que é o interesse do credor, tendo o devedor sempre o ónus da prova
de que realizou a prestação (342º/2) ou que a falta de cumprimento não procede de
culpa sua (799º), sendo responsabilizado se não o provar2.
 Prestações Determinadas: são aquelas em que a prestação se encontra completamente
determinada no momento da constituição da obrigação.
 Prestações Indeterminadas: são aquelas em que a determinação da prestação ainda
não se encontra realizada, pelo que essa determinação terá de ocorrer até ao momento
do cumprimento. Para determinar a prestação a lei apresenta-nos as soluções dos artigo
883º (compra e venda) e 1158º/2 (mandato) que são extensíveis a outros contratos
onerosos de transmissão de bens ou de prestação de serviços respetivamente (939º e
1156º). Assim, a prestação será determinada atendendo aos valores do mercado que
normalmente são praticados. O artigo 400º apresenta a possibilidade de as partes não
determinarem a prestação, conferindo a uma das partes (ou terceiro, ou no caso de
estes não poderem determinar a prestação ou não o fizerem no tempo devido, o
tribunal) a faculdade de a determinar, pois só essa tem conhecimentos necessários para
o poder fazer adequadamente (ex. mecânico). Esta terá um poder potestativo para
determinar o objeto da prestação, no entanto, sempre limitada por juízos de equidade
(adequação ao que é comum nesses contratos e de acordo com as circunstâncias do
caso, atendendo ao interesse do credor e às suas especiais relações económicas), se
outros critérios não forem estipulados. A declaração da prestação tem natureza
negocial, mas não está sujeita a nenhuma forma especial. As obrigações com prestações
indeterminadas têm duas categorias com enorme relevância:
➢ Obrigações Genéricas: o artigo 539º define as obrigações genéricas como
aquelas em que o objeto da prestação se encontra apenas determinado quanto
ao objeto. Isto é, a prestação encontra-se determinada apenas por referência a
uma certa quantidade, peso ou medida de coisas dentro de um género, mas não
está ainda concretamente determinado quais as espécies daquele género que
vão servir para o cumprimento da obrigação. Esta difere da obrigação
especifica, em que tanto o género como a espécie da prestação se encontram
determinados. As obrigações genéricas são bastante comuns sempre que se
efetua uma negociação sobre as coisas fungíveis, não sendo, no entanto,
sempre assim. O facto de a obrigação ser genérica implica sempre que tenha de
se ocorrer a um processo de individualização da espécie dentro do género,
sendo em regra essa escolha competência do devedor (539º), com a ressalva
excecional de poderem ser o credor ou terceiro. O devedor é livre na escolha da

2 Acórdão Relação de Coimbra (5/7/2005): “A destrinça, no âmbito de um contrato de prestação de serviços, entre
uma obrigação de meios e uma obrigação de resultado, decorre de no primeiro caso o devedor se obrigar apenas a
usar de determinada diligência e não propriamente a fazer obter um certo resultado, distinção essa que releva no
âmbito do ónus da prova relativa à culpa.
Enquanto na primeira situação cabe ao credor fazer a demonstração em juízo de que a conduta do devedor não foi
conforme com as regras de atuação que, em abstrato, viriam a propiciar a produção de um determinado resultado,
na segunda situação a simples constatação de que certa finalidade não foi alcançada ( prova do incumprimento ) faz
presumir a censurabilidade ético-jurídica da conduta do devedor, podendo este, todavia, provar o contrário.
Tal distinção, porém, não tem razão de ser à luz do nosso direito, onde apenas há a considerar a prestação de
resultados, uma vez que só estes interessam ao credor – artigoº 398º, nº 2, do C. Civil. - , havendo apenas que saber
a natureza do resultado procurado, nas suas muitas graduações, pelo que cabe sempre ao devedor o ónus da prova
de que realizou a prestação ou de que a falta de cumprimento não procede de culpa sua.”.

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espécie? Menezes Cordeiro considera que deverá ter-se em conta o regime da


integração dos negócios jurídicos segundo os ditames da boa fé (239º). Menezes
Leitão considera que essa ideia resulta diretamente do artigo 400º, visto que ao
estabelecer que a determinação da prestação deve ser realizada segundo juízos
de equidade, implica que esta deve ser adequada à satisfação do interesse do
credor. Nas obrigações genéricas a transferência da propriedade não pode
ocorrer no momento da celebração do contrato, como resulta do artigo 408º/1
atendendo a coisas determinadas, visto que um direito real só pode ter por
objeto coisas corpóreas e determinadas. O artigo 408º/2 determina que a
transferência só ocorre quando a coisa é determinada com conhecimento de
ambas as partes, mas excetua as obrigações genéricas. Assim, a transferência
da propriedade nas obrigações genéricas só ocorre no momento da
concentração da obrigação, isto é, quando a obrigação passa de genérica a
especifica, não sendo necessário o conhecimento de ambas as partes. Quando
ocorre a concentração da obrigação?
a) Teoria da escolha (Thöl): a concentração ocorre quando o devedor procede
à separação dentro do género das coisas que pretende usar para o
cumprimento da obrigação.
b) Teoria do envio (Puntchart): a simples separação não basta, exigindo-se
antes que o devedor proceda ao envio para o credor das coisas.
c) Teoria da entrega (Jhering): a concentração da obrigação só ocorreria com
o cumprimento da obrigação. A lei consagra esta teoria, resultando esta
ideia do artigo 540º, apresentando que o devedor não fica exonerado pelo
facto de terem perecido, consagrando a irrelevância geral da escolha ou do
envio para efeitos de concentração.

No artigo 541º a lei admite certos casos em que a obrigação se concentra antes
do cumprimento:

 O acordo das partes: esse acordo constitui um contrato modificativo da


obrigação, através do qual as partes substituem uma obrigação genérica por
uma especifica, deixando de se colocar a questão da concentração;
 O facto de o género se extinguir a ponto de restar apenas a quantidade de
coisas que o devedor deve prestar: a concentração ocorre por mero facto
da natureza e se as coisas sobrantes do género desaparecessem, o devedor
estaria exonerado em virtude da impossibilidade da prestação;
 O facto de o credor incorrer em mora: se o credor, sem motivo justificado,
se recusa a receber a prestação ou não pratica os atos necessários ao
cumprimento da obrigação, a lei determina que a obrigação genérica se
concentra, sendo o credor que suporta o risco de perecimento das coisas.
Acaba por ser uma forma de estender às obrigações genéricas o regime do
artigo 814º/1, sendo o credor em mora que suporta dos riscos do
perecimento superveniente. Contudo, a obrigação mantém-se genérica (ex.
o devedor pode entregar outras coisas do mesmo género, que não aquelas
que o credor recusou, prestando coisa devida);
 A promessa de envio referida no artigo 797º: não consiste numa hipótese
de concentração da obrigação genérica antes do cumprimento, dizendo
respeito às dívidas de envio ou remessa, em que o devedor não se
compromete a transportar a coisa para o lugar do cumprimento, mas

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apenas a, no local do cumprimento, colocar a coisa num meio de transporte


destinado a outro local. Assim, as obrigações extinguem-se no próprio local
de envio ou da remessa, visto que foram cumpridas. Menezes Cordeiro
considera que estes casos são desvios à teoria da entrega, aproximando-se
à teoria da escolha ou do envio, o que Menezes Leitão refuta. A
concentração da obrigação quando a escolha compete ao devedor, apenas
se dá no momento do cumprimento, podendo até lá o devedor revogar
escolhas que anteriormente tenha realizado. Tal só não sucederá se tiver
perdido a possibilidade material de o fazer (perecimento das restantes
coisas do género) ou se a escolha tiver sido aceite. Quando a escolha
compete ao credor ou a terceiro, a lei adota no artigo 542º a teoria da
escolha, visto que uma vez realizada passa a ser irrevogável. Assim, a
escolha do credor ou terceiro concentra imediatamente a obrigação, desde
que ambas as partes sejam informadas. Se a escolha couber ao credor e este
não a fizer dentro do prazo estabelecido ou daquele que para o efeito lhe
foi fixado pelo devedor, passa este a ter a competência de escolha (542º/2),
aplicando-se as regras do artigo 540º e 541º como se o devedor fosse
competente para a escolha desde inicio.
➢ Obrigações Alternativas: caracterizam-se por existirem duas ou mais
prestações de natureza diferente, mas em que o devedor se exonera com a
mera realização de um delas que, por escolha, vier a ser designada. O devedor
tem apenas uma obrigação e o credor um direito de crédito. Na falta de
determinação em contrário a escolha cabe ao devedor (543º/2), mas pode
caber ao credor ou a terceiro (549º). O devedor não pode escolher realizar a
obrigação com uma parte de cada uma das prestações (544º). Ao contrário das
obrigações genéricas (e por o 408º/2 não excetuá-las do regime), a
determinação da prestação ocorre quando o devedor escolhe, desde que seja
conhecido da outra parte. A escolha é, portanto, irrevogável, tanto pelo
devedor, como pelo credor ou terceiro, só se exonerando o devedor quando
efetua a prestação escolhida. Se a escolha couber ao credor e este não a realizar
no prazo estipulado a escolha passa para o devedor. Pelo contrário, se o
devedor não escolher, a devolução da escolha ao credor ocorre na fase da
execução (714º CPC), tendo o credor na fase declarativa, que obter uma
condenação em alternativa através da formulação de um pedido alternativo.
Até à escolha, o devedor tem apenas um direito a receber em alternativa uma
ou outra prestação (AINDA NÃO TEM DIREITO DE CRÉDITO SOBRE AS DUAS?) e
não um direito sobre ambas as prestações isoladamente, pelo que não pode
exigir do devedor apenas uma das prestações antes de ser-lhe devolvido o
direito de escolha. Quando ocorra impossibilidade causal de uma das
prestações (não é imputável a nenhuma das partes- 545º), como ainda não
ocorreu a escolha, o devedor assume o risco e deverá exonerar-se realizando a
outra prestação possível, ocorrendo um fenómeno de redução da obrigação
alternativa à prestação que ainda seja possível. No caso de a impossibilidade ser
imputável a alguma das partes, há que perceber a quem pertence a escolha,
visto que a impossibilidade de uma das prestações pode afetar a escolha que
fosse pretendida. Se, segundo o artigo 546º, a impossibilidade for imputável ao
devedor: se ele detivesse a escolha, deve efetuar uma das prestações possíveis;
se a escolha fosse do credor, este pode escolher uma das prestações possíveis,

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exigir indemnização pelos danos de não ter sido possível realizar a prestação
tornada impossível ou resolver o contrato. Segundo o artigo 547º, sendo a
impossibilidade imputável ao credor: se a escolha se pertencia, a obrigação tem-
se como cumprida, visto que a atitude do credor, ao impossibilitar uma das
prestações, deve ser equiparada à situação de ele a escolher; se a escolha
pertencia ao devedor, a obrigação também se considera cumprida, a menos que
o devedor prefira realizar outra prestação e ser indemnizado dos danos que haja
sofrido. E nos casos em que a impossibilidade é imputada a uma das partes e a
escolha caiba a um terceiro? Antunes Varela considera que se for imputável ao
devedor, o terceiro pode escolher entre realizar uma das prestações possíveis
ou pedir indemnização pelos danos resultantes, não podendo resolver o
contrato (é uma faculdade exclusiva do credor). Se a impossibilidade for
imputável ao credor, o terceiro pode escolher entre considerar cumprida a
obrigação ou determinar que o devedor realize a prestação possível e peça
indemnização pelos danos. Menezes Cordeiro discorda, considerando que
quando ao obrigação se torna impossível, o terceiro perde a faculdade de
realizar a escolha, visto que apenas pode escolher entre duas prestações e não
entre uma prestação e uma indemnização. Assim, quando haja impossibilidade
imputável a uma das partes e a escolha cabe ao terceiro, a escolha passa a caber
às partes. Menezes Leitão concorda com este pensamento, visto que as partes
escolhem o terceiro para efeitos de determinação da prestação e não para
exercer os direitos que lhes competem quando a outra parte culposamente
impossibilita a realização da prestação. Por outro lado, o pedido de
indemnização envolve um juízo sobre os danos sofridos, que só a parte está em
condições de o fazer.
As obrigações alternativas não se confundem com as obrigações com faculdade
alternativa, onde a prestação já se encontra determinada, mas se dá ao devedor
a faculdade de substituir o objeto da prestação por outro (ex. 558º- o credor só
pode exigir do devedor a entrega de moeda estrangeira, mas o devedor pode
cumprir com moeda com curso legal no país). Ao contrário das obrigações
alternativas, em que o direito do credor abrange duas prestações em
alternativa, aqui o direito abrange apenas uma prestação, ainda que a outra
parte tenha a faculdade de a substituir.
 Obrigações Pecuniárias: obrigações que têm dinheiro por objeto, visando proporcionar
ao credor o valor que as respetivas espécies monetárias possuam (a obrigação visa
proporcionar ao credor o valor do dinheiro), sendo estes requisitos cumulativos. Podem
subdividir-se em 3 modalidades:
 Obrigações de quantidade (550º): é a categoria mais importante e
consistem nas obrigações que têm por objeto uma quantidade de moeda
com curso legal no país (em Portugal é o euro). O regime das obrigações
pecuniárias de quantidade é regido por dois princípios: princípio do curso
legal (o cumprimento das obrigações pecuniárias deve realizar-se apenas
com espécies monetárias a que o Estado reconheça função liberatória
genérica, cuja aceitação é obrigatória para os particulares. O objeto da
obrigação deverá ser uma quantia de unidades monetárias que nesse
momento tenham curso lega, ou seja, possam desempenhar a função da
entrega de dinheiro que consiste em permitir ao credor a receção de um
valor correspondente às espécies monetárias, em virtude da possibilidade

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de elas serem utilizadas como instrumento geral de troca) e princípio do


nominalismo monetário (a moeda tem um valor nominal/facial/extrínseco
que corresponde às unidades monetárias nela referidas e um valor e troca
correspondente à quantidade de bens que pode adquirir (valor de troca
interno) ou à quantidade em moeda estrangeira pela qual pode ser trocada
(valor de troca externa. O valor de troca pode sofrer alteração entre o
momento da constituição da obrigação e o momento do cumprimento, e
assim, a lei dá preferência ao valor nominal da moeda para efeitos de
cumprimento, apresentando no artigo 550º que o cumprimento das
obrigações pecuniárias se faz pelo valor nominal da moeda no momento do
cumprimento. O princípio do nominalismo monetário exprime que se deve
tomar em consideração somente o valor nominal da moeda,
independentemente de qual seja o seu valor de troca no momento do
cumprimento. Desse princípio resulta um risco de desvalorização da moeda,
com inerente perda do seu o poder de compra, sendo que esse risco é
suportado pelo credor. O artigo 550º é meramente supletivo, e, portanto,
as partes podem afastar este princípio e convencionar formas de atualização
da prestação e respetivos critérios de atualização. A própria lei pode
também estipular a atualização das obrigações pecuniárias, como acontece
nas situações de prestações periódicas ou certas obrigações restitutórias,
sendo adotado preferencialmente o critério do índice dos preços- 551º). As
obrigações de quantidade são obrigações genéricas, sendo o género de
referência todo o universo da moeda com curso legal no país, não sendo a
impossibilidade económica do devedor causa de extinção da obrigação,
visto que o género subsistirá enquanto existir moeda com curso legal.
 Obrigações em moeda especifica: correspondem a situações em que a
obrigação pecuniária é convencionalmente limitada a espécies metálicas ou
ao valor delas. A lei não exclui que as partes convencionem que o
cumprimento se fará em moeda especifica. Apesar de raras, estas
obrigações podem permitir a defesa das partes contra a desvalorização da
moeda, visto que as moedas metálicas possuem um valor intrínseco
correspondente ao das ligas metálicas de que são compostas, mantendo-se
este valor mesmo que o valor facial se desvalorize. Este tipo de obrigações
subdivide-se em obrigações de certa espécie monetária e obrigações em
valor de uma espécie monetária, consoante ter sido ou não estipulado
igualmente um quantitativo expresso em moeda corrente (553º e 554º).
 Obrigações em moeda estrangeira: são aquelas em que a prestação é
estipulada em relação a espécies monetárias que têm curso legal apenas no
estrangeiro. Esta modalidade permite que as partes se acautelem quanto a
uma eventual desvalorização da moeda europeia ou especulem com a
eventual subida de valor da moeda estrangeira (MAS INTERESSA QUE SE
VALORIZE?). As obrigações em moeda estrangeira subdividem-se em
obrigações valutárias próprias ou puras (o próprio cumprimento da
obrigação só pode ser realizado em moeda estrangeira, não podendo o
credor exigir o pagamento em moeda nacional nem o devedor entregar essa
moeda) e obrigações valutárias impróprias ou impuras (a estipulação da
moeda funciona apenas como uma unidade de referência para determinar,
através do câmbio, a quantidade de moeda nacional devida, sendo o

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

cumprimento obrigatoriamente realizado em moeda nacional). O artigo


558º tem sido visto como expressando um outro tipo de obrigação em
moeda estrangeira: obrigação valutária mista, que consiste na situação de
ser estipulado o cumprimento em espécies monetárias que possuem curso
legal no estrangeiro, mas admitir-se a possibilidade de o devedor realizar o
pagamento na moeda nacional com base no câmbio da data de
cumprimento- obrigação de faculdade alternativa, já que o credor apenas
pode exigir o cumprimento na moeda estipulada, sendo o devedor que pode
escolher pagar noutra moeda se entender. 558º/2 apresenta que se o
credor entrar em mora, a data para fixar o câmbio é a data da entrada em
mora. Contudo, o devedor tem esta possibilidade, não sendo obrigado a
escolher esta data se a diferença de câmbio lhe for favorável. Se for o
devedor a entrar em mora, deverá, segundo o 804º/2, o devedor indemnizar
o credor pelos prejuízos, sendo que essa abrangerá também os juros de
mora, que serão aqueles que resultem da taxa legal da moeda em causa ou
a taxa de mercado.
 Obrigações de Juros: correspondem à remuneração da cedência ou do
diferimento da entrega de coisas fungíveis por um certo lapso de tempo.
Pressupõe assim uma obrigação de capital e tem o seu conteúdo e extensão
delimitados em função do tempo, sendo uma prestação duradoura periódica. Os
juros são uma prestação devida como compensação ou indemnização pela
privação temporária de uma quantidade de coisas fungíveis denominada capital
e pelo risco de reembolso desta. A obrigação de juros tem assim como referência
uma outra obrigação e constitui um rendimento desse mesmo capital. São
obrigações distintas- o crédito de juros adquire autonomia em relação ao crédito
de capital- podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro
(561º). Os juros poderão ser legais (559º/1)- aplicando-se sempre que normas
legais atribuam juros em consequência do diferimento na realização de uma
prestação e ainda funcionando supletivamente quando as partes não
determinem a sua taxa, ao estipularem a atribuição de juros- ou convencionais-
sendo que a lei estipula nos artigos 1146º, por via do 559º-A limites à estipulação
de juros pelas partes, prevendo balizas que não sendo respeitadas levam à
existência de juros usuários, os quais serão afastados, fixando-se os limites
máximos possíveis. Poderemos encontrar juros remuneratórios (têm uma função
remuneratória, correspondente ao preço do empréstimo do dinheiro, visto que
o credor se privou do capital por o ter cedido por meio de mútuo), juros
compensatórios (destinam-se a proporcionar ao credor um pagamento que
compense uma temporária privação do capital que ele não deveria ter
suportado), juros moratórios (constituem uma indemnização pelos danos
causados pela mora, visando recompensar o credor pelos prejuízos sofridos, em
virtude do retardamento no cumprimento da obrigação) e juros indemnizatórios
(destinam-se a indemnizar os danos sofridos por outro facto praticado pelo
devedor). Existe, quanto aos juros, uma proibição do anatocismo, isto é, da
cobrança de juros sobre juros, uma vez que isso iria indiretamente violar a
proibição de juros usuários. O artigo 560º determina que não existem juros sobre
juros, a menos que haja convenção posterior ao vencimento, ou seja efetuada
uma notificação judicial ao devedor para capitalizar os juros ou proceder ao seu
pagamento sob pena de capitalização. Mesmo nesses casos, o número 2 desse

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

artigo, expressa que só pode haver capitalização de juros no período mínimo de


1 ano. Estas restrição não serão aplicáveis se forem contrárias a regras ou usos
particulares do comércio.

A pluralidade de partes na relação obrigacional: o artigo 397º apresenta a definição de


obrigação singular (abrange apenas dois sujeitos- o credor e o devedor), mas existem, no
entanto, obrigações que se constituem abrangendo uma vinculação de várias coisas para com a
outra (pluralidade passiva) ou a vinculação de uma pessoa para com outras (pluralidade ativa)
ou ainda a vinculação de várias pessoas para com outras (pluralidade mista). O objeto da
prestação pode ser o mesmo, mas varia o número de pessoas que se vincula a esse
comportamento ou que tem o direito de o exigir. As obrigações plurais criam o problema de
saber como se processa a contribuição dos diversos devedores para a realização da prestação a
que estão vinculados e em que termos pode cada um dos credores exigir a prestação, sendo a
solução dependente da modalidade:

 Obrigações conjuntas ou parciárias: cada um dos devedores só está vinculado a prestar ao


credor ou credores a sua parte na prestação e cada um dos credores só pode exigir do
devedor ou devedores a parte que lhe cabe. O artigo 513º apresenta-nos que sendo a
solidariedade aplicada quando a lei o prevê ou quando as partes convencionam, a regra
subsidiária é a conjunção quando existe pluralidade de sujeitos na relação obrigacional.
 Obrigações solidárias: qualquer um dos devedores está obrigado perante o credor a realizar
a prestação integral, qualquer um dos credores pode exigir de devedor a prestação integral
e qualquer um dos credores pode exigir a qualquer um dos devedores a prestação devida
por todos os devedores a todos os credores. Na solidariedade passiva, o pagamento por um
dos devedores da divida integral libera todos os outros em relação ao credor, tendo este
devedor o direito de regresso sobre os outros devedores. Na solidariedade ativa, a
realização integral da prestação a um dos credores libera o devedor em relação aos outros,
tendo o credor que recebeu a prestação que satisfazer os outros credores. Na solidariedade
mista, concorrem as duas situações e, portanto, a realização integral por um dos devedores
a um dos credores libera todos os outros devedores em relação aos credores e assim, o
devedor que realizou a prestação tem o direito de regresso sobre os outros devedores e o
credor que recebeu tem de satisfazer os outros credores. A solidariedade tem como
características: identidade de prestação em relação a todos os sujeitos da obrigação (mesmo
que na relação interna assim não seja), a extensão integral do dever de prestar ou do direito
à prestação em relação a respetivamente todos os devedores ou credores e o efeito
extintivo comum da obrigação caso se verifique a realização do cumprimento por um ou
apenas a um deles. Raros são os casos em que a lei consagra a solidariedade ativa e, mesmo
quando a lei estabelece a solidariedade passiva, deverá presumir-se que não quer
solidariedade no lado ativo, sendo esse regulado pela conjunção. A solidariedade passiva
está presente em diversas normas (100º Código Comercial; 467º; 497º e 507º; 649º; 1139º;
1169º).
➢ Solidariedade passiva:
• Relações Externas: a solidariedade atribui maior eficácia ao direito de crédito do
credor visto que pode ser exercido contra qualquer um dos devedores tendo esse
que satisfazer a prestação integral. Contudo, a exigência da totalidade ou de
parte da prestação a um dos devedores impede o credor de exercer o seu direito
contra os restantes, exceto se houver razão atendível, como a insolvência ou o
risco de insolvência. Se um dos devedores opõe eficazmente ao credor um meio
de defesa pessoal, continua ele a poder reclamar dos outros a prestação integral

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

(519º/2). O credor pode demandar todos os devedores conjuntamente,


renunciando à solidariedade, ou então denunciar apenas a favor de um deles,
mantendo-se o direito sobre os outros. A satisfação do direito do credor apenas
por um dos devedores exonera igualmente os restantes. Se a prestação não vier
a ser cumprida por facto imputável a um dos devedores, todos eles são
responsáveis pelo seu valor, mas só o devedor ou devedores a quem o facto é
imputável respondem pelos danos acima desse valor. O devedor demandado
pode usar os seus meios próprios e os comuns a todos os devedores, mas não
pode usar meios de defesa pessoais de outros devedores (514º/1): a prescrição
que ocorra em relação a um não pode ser invocado por outros (521º), mas o caso
julgado entre o credor e um dos devedores pode ser oposto pelos restantes,
desde que não se baseie em fundamento pessoal daquele devedor (522º).
• Relações Internas: o devedor que realize a prestação adquire um direito de
regresso sobre os outros devedores pela parte que a estes compete (524º). O
devedor que pagou não suporta na totalidade o risco de insolvência ou de
impossibilidade subjetiva de cumprimento de cada um dos devedores, já que a
lei prevê que nesses casos a quota-parte do devedor que não cumpra é dividida
pelos restantes, incluindo o credor de regresso e os devedores que pelo credor
hajam sido exonerados da obrigação ou do vinculo de solidariedade (526º/1),
com a devida ressalva do nº 2 do artigo. Os meios de defesa que cada um dos
devedores tinha em relação ao cumprimento da obrigação, quer sejam comuns,
quer pessoais, podem ser opostos ao credor de regresso a menos que sendo um
meio comum de defesa, não tivesse sido oportunamente utilizado por culpa
desse devedor (525º/2).
➢ Solidariedade ativa:
• Relações Externas: só um credor pode exigir a prestação integral por si só,
liberando-se o devedor perante todos com a realização da prestação a qualquer
um dos credores (512º/1). Assim, a satisfação do direito de um dos credores
exonera igualmente o devedor perante os restantes (532º). Se a dívida se
extinguir apenas quanto a um dos credores (remissão concedida apenas por um
dos credores ou confusão apenas com o crédito deste), dá-se a extinção parcial
do crédito limitada à parte daquele credor. Se a prestação vier a ser não
cumprida por facto imputável ao devedor a solidariedade mantém-se em relação
ao crédito da indemnização (529º/1). Se a impossibilidade for imputável a um
dos credores, fica o devedor exonerado, mas o credor solidário é obrigado a
indemnizar os restantes credores (529º/2). O devedor pode opor ao credor
solidário os meios de defesa que lhe respeitem e os que são comuns aos outros
credores, mas não pode utilizar meios de defesa que respeitem exclusivamente
a outros credores (514º/2).
• Relações Internas: o credor cujo direito foi satisfeito tem a obrigação de
satisfazer os outros na parte que lhes cabe do crédito comum (533º)- esses têm
um direito de regresso ativo, limitado à parte que a cada um compete. A lei
presume que são iguais as partes dos credores na obrigação (516º), mas tal
poderá não ser, sendo essa repartição tomada em conta no direito de regresso.
 Obrigações Plurais Indivisíveis: Segundo o artigo 535º, salvo se for estabelecida a
solidariedade, a prestação tem de ser exigida de todos os devedores simultaneamente
quando se tratar de uma obrigação indivisível.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

➢ Obrigações indivisíveis com pluralidade de devedores: o facto de a obrigação se


extinguir em relação a algum ou alguns devedores não acarreta necessariamente a
sua extinção integral, sendo admitido um acréscimo da responsabilidade dos
restantes obrigados, desde que seja previamente compensado por uma
contraprestação de entrega do valor da parte do devedor ou devedores exonerados
(o credor terá um ónus- contraprestação- para exigir o cumprimento). Se a
prestação for impossível por facto imputável a um dos devedores, os restantes ficam
também exonerados, sendo apenas esse, no entanto que deverá ser
responsabilizado, cabendo-lhe a indemnização.
➢ Obrigações indivisíveis com pluralidade de credores: qualquer credor tem o direito
de exigir a prestação por inteiro, mas o devedor, enquanto não for judicialmente
citado, só relativamente a todos os credores em conjunto é que se exonera (538º).
Menezes Cordeiro: a citação judicial do devedor por um dos credores transforma a
obrigação conjunta em solidária. Quanto à hipótese de extinção da obrigação
quanto a um ou alguns dos credores, apesar de a lei nada dizer, deverá aplicar-se
analogicamente o artigo 536º, devendo os restantes credores entregar o valor da
parte que cabia à parte do crédito que se extinguiu para exigir o cumprimento (até
porque é o que é apresentado na questão da remissão e confusão- 865º/2 e 870º/2).
 Outras Modalidades de Obrigações Plurais:
➢ Obrigações correais: a obrigação e o direito de crédito apresentam-se como unos,
pelo que o crédito não se pode extinguir apenas em relação a um dos devedores ou
a um dos credores, extinguindo-se sempre globalmente quando ocorre uma
circunstância extintiva que afete os sujeitos da obrigação.
➢ Obrigações disjuntas: obrigações de sujeito alternativo, isto é, existe uma
pluralidade de devedores ou credores, mas apenas um virá, por escolha, a ser
designado sujeito da relação obrigacional.
➢ Obrigações em mão comum: ocorre uma pluralidade de partes na relação
obrigacional, mas essa resulta da presença da obrigação a um património de mão
comum, autonomizado do restante património das partes- situação de herança
indivisa e da comunhão conjugal de bens.

Fontes de Obrigações baseadas no princípio da autonomia privada

O contrato normalmente é um negócio jurídico bilateral, podendo ser também multilateral (ex.
contrato de sociedade). Segundo o autor, o contrato é o resultado de uma ou mais declarações
negociais contrapostas, mas integralmente concordantes entre si, de onde resulta uma unitária
estipulação de efeitos jurídicos, pressupondo assim uma proposta e uma aceitação, resultando
destas um consenso sobre todas as clausulas.

Modalidades de Contratos:

➢ Quanto à forma: Princípio do consensualismo (219º): a regra é a desnecessidade de


qualquer forma especial para a celebração do contrato, admitindo-se que a declaração
possa ser exteriorizada de qualquer meio, sendo assim excecionais as disposições que
exigem sobre pena de nulidade, a adoção de uma forma especial para a declaração
negocial (220º), não existindo aplicação analógica destas.
 Contratos Formais: a declaração negocial só pode ser exteriorizada por uma
determinada forma prevista na lei, designadamente por documento autêntico
(escritura pública) ou particular, podendo ser autenticado ou não.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

 Contratos não Formais: a declaração negocial pode ser exteriorizada por


qualquer meio, incluindo oralidade.
➢ Quanto ao modo de formação:
 Contratos reais quoad constitutionem: para que o negócio seja celebrado é
exigida a tradição ou entrega da coisa de que são objeto (ex. penhor de coisas,
comodato, mútuo, depósito, doação verbal de coisas móveis, parceria pecuária
e reporte). Hoje, poderiam as partes afastar esse requisito ao abrigo da
autonomia privada? Vaz Serra, Mota Pinto, Almeida Costa, Menezes Cordeiro e
Carvalho Fernandes consideram que sim, embora excluam o penhor desta ideia,
visto que nesse caso a tradição corresponde a uma situação de publicidade
constitutiva. Pires de Lima e Antunes Varela considera que não será possível
dispensar o requisito da tradição. Menezes Leitão considera que a dispensa da
tradição só poderia ocorrer nos contratos em que a referência à tradição ocorre
apenas na descrição do tipo legal, visto que nos casos em que a lei exige
imperativamente essa tradição (penhor, doação verbal de coisas móveis- sendo
neste caso possível que a coisa escrita dispense a tradição (947º/2)- e reporte),
as partes não a poderiam dispensar. O efeito útil da exigência da tradição está
relacionada com a ideia de não permitir que a execução do contrato ocorra numa
fase posterior à da declaração negocial, exigindo que a execução do contrato se
manifeste precisamente nessa declaração negocial. Evita assim a emissão de
declarações negociais precipitadas em contratos que podem implica a abdicação
do gozo das coisas de que são objeto. A tradição não pode ser dispensada pelas
partes, visto que admitir isso corresponderia a atribuir a eficácia constitutiva
destes contratos ao simples consenso, quando a lei determina que essa
constituição apenas ocorre com a tradição. Admitir que em certos casos poderia
haver dispensa de tradição e noutros não, levaria a que existissem dois regimes
contraditórios para o mesmo contrato, o que não é aceitável, recusando assim a
possibilidade dos contratos quoad constitutionem se constituem como
consensuais.
 Contratos consensuais: a entrega é dispensada.
➢ Quanto aos efeitos: a eficácia jurídica poderá classificar-se em constitutiva,
transmissiva, modificativa ou extintiva, consoante, a situação jurídica se constitua numa
esfera jurídica, transite de uma esfera para outra, se modifique ou se extinga, sendo que
as partes podem estipular qualquer destes tipos de eficácia jurídica. Contudo, a mais
importante distinção é a que distingue o tipo de situações jurídicas a que dão origem,
sendo os contratos reais ou obrigacionais, consoante a situação jurídica se reconduza a
um direito real sobre uma coisa corpórea ou apenas dê origem a direitos de crédito.
 Contratos obrigacionais: reconduzem-se à criação de direitos de crédito e de
obrigações, sendo a sua eficácia na esfera jurídica das partes imediata.
 Contratos reais: pode suceder que a sua eficácia não seja imediata, o que sucede
sempre que no momento da celebração do contrato, não estejam preenchidos
os requisitos necessários para que o contrato dê origem a uma situação de
natureza real. A regra geral (408º/1) é a de que a transmissão dos direitos reais
sobre coisa determinada ocorre por mero efeito do contrato- sistema do título,
isto é, a transmissão dos direitos reais ocorre apenas por virtude do próprio
contrato, não ficando dependente de qualquer ato posterior. Assim, o
adquirente da coisa, sendo considerado proprietário a partir do momento da
celebração do contrato, sofre o risco da sua perda ou deterioração a partir desse

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

momento (796º/1). Contudo, o direito real apenas pode ser constituído sobre
coisas presentes determinadas e autonomias de outras coisas, sendo que se não
estiverem preenchidos estes requisitos, a transferência da propriedade ocorre
num momento posterior ao da celebração do contrato (408º/2). Quanto a
coisas futuras (do 211º e coisas absolutamente futuras, isto é que ainda não
existem ao tempo da declaração negocial), a transferência ocorre no momento
da aquisição da coisa pelo alienante. Quanto a coisas indeterminadas, a
transferência ocorre quando a coisa é determinada com conhecimento de
ambas as partes, excetuando-se deste regime as obrigações genéricas. Quanto
a coisas ligadas a outras (frutos naturas e partes componentes ou integrantes)
a transferência ocorre no momento da colheita ou da separação. Nestes três
casos, a transmissão da propriedade continua a ser um efeito do contrato, sem
necessitar de qualquer segundo ato a praticar pelo alienante.
 Clausula de reserva de propriedade (409º): convenção pela qual o alienante
reserva para si a propriedade da coisa, até ao cumprimento total ou parcial das
obrigações da outra parte, ou até à verificação de qualquer outro evento. Esta
pode ser celebrada quanto a quaisquer bens, mas no caso de bens imóveis ou
móveis sujeitos a registo é necessário o registo para ser oponível a terceiros
(409º/2). Esta clausula tem como objetivo devedor o vendedor de eventuais
consequências do incumprimento e não permitir ao vendedor o a continuação
de gozo sobre o bem. Em caso de incumprimento por parte do comprador, o
vendedor continua a poder resolver o contrato (801º/2). A conservação da
propriedade impede os credores do comprador de executarem o bem. A partir
da entrega, o comprador fica integralmente investido nos poderes de uso e
fruição da coisa, servindo a manutenção da propriedade no vendedor apenas
para assegurar a recuperação do bem, quando haja incumprimento. Assim, o
risco deverá correr por conta de quem beneficia do direito, sendo esse o
comprador, que deverá responder pela perda ou detioração. O comprador com
o negócio passa a ter uma expectativa jurídica de aquisição do bem, oponível a
terceiros- expectativa real de aquisição.
➢ Contratos Sinalagmáticos e Não Sinalagmáticos:
 Contratos Sinalagmáticos: originam obrigações recíprocas para ambas as partes,
ficando ambas simultaneamente na posição de credores e devedores. O
surgimento de cada prestação aparece ligado ao surgimento da outra, que se
apresenta como sua contraprestação. Este nexo entre as duas prestações
denomina-se de sinalagma genético, que leva a que se imponha uma
interdependência entre as prestações: uma não deve ser executada sem a outra
e se uma das prestações se impossibilitar a outra também se deve extinguir-
sinalagma funcional- cada uma das partes pode recusar a sua prestação
enquanto a outra não efetuar o que lhe cabe ou não oferecer o cumprimento
simultâneo (428º- exceção de não cumprimento do contrato); o contraente fiel
pode resolver o contrato se a outra parte incumprir a sua obrigação (resolução
por incumprimento- 801º/2); impossibilidade de uma das prestações extingue
o contrato e determina a restituição da outra (caducidade do contrato
sinalagmático por impossibilidade- 795º/1). O sinalagma surge da exigência de
justiça comutativa que veda o desequilibro contratual que seria gerado pela
realização de apenas uma das prestações, sem que a outra fosse igualmente
realizada.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

 Contratos Não Sinalagmáticos: poderão distinguir-se em contratos unilaterais-


apenas uma das partes assume uma obrigação- e contratos bilaterais
imperfeitos- uma das partes assume uma obrigação, mas a outra apenas realiza
uma prestação em circunstâncias eventuais.
➢ Contratos Onerosos e Contratos Gratuitos:
 Contrato Oneroso: implica atribuições patrimoniais para ambas as partes (ex.
compra e venda). Um contrato pode ser oneroso, mas não ser sinalagmático,
como sucede com o mútuo oneroso que só faz surgir obrigações para o
mutuário. Os contratos reais quoad constitutionem podem ser onerosos, não
sendo sinalagmáticos, quando a atribuição patrimonial de uma das partes não
consiste com a assunção de uma obrigação, mas antes coincide com a
celebração do contrato. Contudo, os contratos sinalagmáticos são sempre
onerosos, visto que ao gerarem obrigações recíprocas implicam sempre
atribuições patrimoniais para ambas. Quando o contrato institui uma relação
triangular pode ser simultaneamente oneroso e gratuito, visto que são
conceitos de relação tendo por base as atribuições patrimoniais realizadas e não
os sujeitos do contrato.
 Contrato Gratuito: implica atribuições patrimoniais para apenas uma delas (ex.
doação e comodato). Nestes contratos, o regime atribui maior proteção À parte
que realiza a atribuição patrimonial: a constituição do contrato exige muitas
vezes um processo mais complexo; o regime quanto à responsabilidade por
perturbações da prestação é mais favorável; os contratos admitem formas mais
alargadas de extinção; e em caso de dúvida, a interpretação do contrato será
realizada de acordo com o sentido menos gravoso para o disponente.
➢ Contratos Comutativos e Contratos Aleatórios: é uma distinção restrita aos contratos
onerosos, visto que toma por base a possibilidade de existência de duas atribuições
patrimoniais.
 Contratos Comutativos: ambas as atribuições aparecem como certas.
 Contratos Aleatórios: pelo menos uma das atribuições patrimoniais apresenta-
se como incerta, quer quanto à sua existência quer quanto ao seu conteúdo (ex.
contratos de jogo e aposta- normalmente são ambas as atribuições patrimoniais
que se apresentam como incertas- de renda vitalícia e de seguro).
➢ Contratos nominados e inominados/ típicos e atípicos: o contrato é nominado quando
a lei o reconhece como categoria jurídica através de um nomen iuris, sendo, pelo
contrário, inominado se a lei não o designa através de um nomen iuris, não o
reconhecendo nas categorias contratuais. Por outro lado, o contrato é típico se o seu
regime se encontra previsto na lei e é atípico se tal não sucede. Os contratos nominados
podem ser típicos (compra e venda e doação- têm nome e regime jurídico) ou atípicos
(hospedagem, pois a lei reconhece-os, mas não estabelece o seu regime). O contrato
inominado é sempre atípico, visto que não será possível a lei estabelecer um regime
para certo contrato, sem lhe atribuir qualquer designação. Poderá ocorrer tipicidade
social, isto é, contratos que são amplamente reconhecidos na prática jurídica, levando
a que pela sua simples designação as partes identifiquem um regime (ex, concessão
comercial e franquia). A prática e convicção de obrigatoriedade poderá levar à criação
de direito consuetudinário que regula esses contratos.
➢ Contratos Mistos: são aqueles que reúnem em si regras de dois contratos total ou
parcialmente típicos, não correspondendo a nenhum tipo contratual regulado por lei,
sendo, portanto atípicos. Existem 4 categorias de contratos mistos: contratos múltiplos

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

ou complementares (as partes estipulam que uma delas deve realizar prestações de
contratos típicos distintos e a outra realiza uma prestação comum); contratos de tipo
duplo ou germinados (uma parte se obriga a uma prestação típica de um contrato e a
outra se vincula a uma prestação típica de outro contrato); contratos mistos em sentido
estrito, cumulativos ou indiretos (é usada a estrutura típica de um tipo contratual para
preencher uma função típica de outro tripo contratual); e contratos complementares
(são adotados elementos essenciais de um determinado contrato, mas aparecem
acessoriamente elementos típicos de outro ou outros contratos). Qual é o regime que
lhes deve ser aplicado, uma vez que há um conflito de regimes legais potencialmente
aplicáveis? Surgiram 3 teorias para resolver o problema: teoria da absorção, que
defende que o conflito deve ser resolvido pela opção a favor de um único regime
contratual, sendo o que se pudesse considerar predominante o que absorvia os
restantes regimes contratuais; teoria da combinação, que defende que o conflito deve
ser resolvido com a aplicação combinada dos dois regimes; teoria da analogia, que
sustenta que o contrato misto deve considerar-se como totalmente atípico, não sendo
regulado por nenhum tipo contratual, havendo, portanto, uma lacuna, a ser resolvida
através da integração analógica. Doutrina: Galvão Teles defende que os contratos
múltiplos e germinados deveriam reger-se pela teoria da combinação e os cumulativos
e complementares pela teoria da absorção; Antunes Varela considera que só perante
cada caso concreto é que se poderá escolher aplicar a teoria da absorção ou da
combinação; Menezes Cordeiro considera que deverá existir uma aplicação preferencial
pela teoria da absorção, admitindo subsidiariamente o recurso à combinação e analogia
quando a aplicação da teoria da absorção seja afastada por normas injuntivas, vontade
das partes em contrário ou se torne inviável; Menezes Leitão considera que se deve
afastar logo em principio a teoria da analogia, pois isso desvirtua a natureza do contrato
misto, que passa a ser considerado como um contrato totalmente atípico, o que não
corresponde à sua natureza, visto que é só uma junção de vários contratos típicos.
Importa observar a solução ditada pela lei nestas situações: 1065º, 1066º e 1028º, de
onde é possível retirar um critério geral: sempre que na economia do contrato misto, os
elementos pertencentes a um dos contratos assumirem preponderância, deve ser
aplicado essencialmente o regime desse contrato (teoria da absorção). Porém, se não
for possível estabelecer essa preponderância, a solução deve ser a aplicação simultânea
dos dois regimes (teoria da combinação). Neste sentido, parece que na maioria dos
casos a teoria de Galvão Teles se adequa, mas terá de se ter em conta casos em que tal
não é tão certo e evidente.
➢ União de Contratos: verifica-se a celebração conjunta de diversos contratos, unidos
entre si. Esta união poderá ser externa, quando a ligação entre os contratos resulte
apenas da circunstância de serem celebrados ao mesmo tempo, já que as partes não
estabeleceram qualquer nexo de dependência entre os contratos. Poderá ser também
interna, quando os contratos se apresentam ligados entre si por uma relação de
dependência, sendo que na altura da sua celebração um das partes estabeleceu que não
aceitaria celebrar um dos contratos sem o outro. Essa dependência poderá ser unilateral
ou bilateral, se apenas um dos contratos depende do outro ou se os contratos são
dependentes entre si. Nesta união, a validade e vigência de um ou de ambos ficará
dependente da validade e vigência do outro. A união pode ainda ser alternativa, quando
as partes declaram pretender ou um ou outro contrato, consoante ocorrer ou não a
verificação de determinada condição. A verificação dessa condição implica a produção
de efeitos de um dos contratos e ao mesmo tempo exclui a produção de efeitos do

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

outro. Os contratos encontram-se unidos ocasionalmente e essa união vai ser resolvida
a favor de permanência apenas de um dos contratos.

Contratos Preliminares: são aqueles contratos cuja execução pressupõe a celebração de outros
contratos. Assume especial relevo o contrato-promessa e o pacto preferência, nos quais se
verifica, respetivamente, a assunção da obrigação de celebração de um futuro contrato, ou da
obrigação de dar preferência a outrem na celebração de um contrato futuro. Por vezes, ocorrem
situações em que não há uma efetiva vinculação a uma obrigação, apesar de as partes
assumirem certos compromissos durante a fase de negociações- contratação mitigada.
Situações destas serão as cartas de intenção (expressão da intenção de celebração de um
contrato futuro, sem assunção de uma obrigação nesse sentido), acordo de negociação
(definição dos parâmetros em que devem decorrer as negociações, expressando a intenção de
as prosseguir), acordo de base (as partes referem o acordo existente sobre os pontos essenciais,
embora as negociações prossigam para acertar questões complementares), acordo-quadro (as
partes numa negociação que envolve múltiplos contratos estabelecem um enquadramento
comum a todos eles, podendo as partes fazer isto para contratos futuros) e o protocolo-
complementar (consiste na celebração de uma convenção acessória de um determinado
contrato, visando a sua complementação). Se de um desses compromissos não resultar a
assunção de uma obrigação, a responsabilidade será com base apenas na culpa in contrahendo
(227º).

Contrato-Promessa

O artigo 410º apresenta que o contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a
celebrar novo contrato. Este é um contrato preliminar do contrato definitivo. O contrato-
promessa tem como objeto uma obrigação de contratar/ celebrar um outro contrato, a qual
pode ser relativa a qualquer outro contrato. O objeto da obrigação neste contrato é a emissão
de uma declaração negocial (prestação de facto jurídico). Caracteriza-se normalmente por ter
uma eficácia meramente obrigacional, mesmo que o contrato definitivo tenha eficácia real.
Segundo o critério de equiparação o contrato-promessa segue em princípio o regime do
contrato definitivo. Contudo, este princípio é sujeito a duas exceções: (1) as disposições relativas
à forma, permitindo-se que ao contrato-promessa seja atribuída uma forma menos solene do
que a que seria exigida ao contrato definitivo; (2) disposições que pela sua razão de ser não
devam considerar-se extensivas ao contrato-promessa, afastando todas as disposições que
sendo atribuídas ao contrato prometido, por se justificarem atendendo à sua configuração, não
se harmonizam com a natureza do contrato-promessa (ex. efeitos do artigo 879º). Nada obsta a
que se celebre dois contratos-promessa incompatíveis sobre o mesmo bem, uma vez que há
apenas a constituição de dois direitos de crédito, os quais não se hierarquizam entre si pela data
da constituição, mas antes concorrem simultaneamente sobre o património do devedor
(604º/1).

Modalidades de Contrato-Promessa: o contrato-promessa pode ser unilateral ou bilateral,


consoante apenas uma das partes se vincule à celebração do contrato futuro ou essa vinculação
ocorra para ambas as partes. O contrato-promessa pode ser remunerado, consistindo isto na
assunção da obrigação de pagar ao promitente determinada quantia como contrapartida pelo
facto de se manter durante certo tempo vinculado à celebração de um contrato. No contrato-
promessa unilateral o promitente, através do tribunal, sempre que as partes não o estipularem,
pode fixar à outra parte um prazo para o seu direito ser exercido, caducando esse direito quando
terminar esse prazo (411º).

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Forma do Contrato-Promessa: este contrato segue o regime geral que se baseia na liberdade de
forma (219º). Contudo, o artigo 410º/2 apresenta que quando a lei exige um documento,
autêntico ou particular para o contrato prometido, é também exigido um documento para o
contrato promessa, bastando um contrato particular (ainda que seja exigido para o contrato
prometido um autêntico). Esse documento tem apenas de ser assinado pela parte que se vincula
à celebração do contrato definitivo. Mesmo no caso de contrato promessa bilateral parece que
apenas o promitente é que tem de assinar (Antunes Varela e Galvão Teles contra por
considerarem que é um contrato-promessa bilateral, visto que existe vinculação de ambas as
partes). Importa não esquecer o artigo 410º/3 que apresenta um conjunto de formalidades
exigidas em certos contratos promessa como forma de evitar a celebração desses em casos de
construção clandestina, impondo-se , no interesse do promitente adquirente, o reconhecimento
presencial das assinaturas e certificação no próprio documento, da existência de licença de
utilização ou construção. Quando isto não é cumprido, ocorre invalidade do contrato-promessa
que só poderá ser invocada pelo promitente adquirente, a menos que seja provada por sua culpa
exclusiva. Assentos de 1994 e 1995 consagraram que a invalidade não pode ser invocada por
terceiros, nem conhecida oficiosamente pelo tribunal, sendo uma invalidade mista, podendo só
promitente adquirente invocar a invalidade a todo o tempo (podendo ser a nulidade sanável,
mediante posterior obtenção de licença- acórdão 2008 STJ), admitindo-se que essa invocação
possa ser limitada com base no abuso de direito (acórdão 1998 STJ)

O que acontece com um contrato-promessa bilateral que seja assinado apenas por um dos
promitentes? Subsiste válido como promessa unilateral, permitindo a subsistência da obrigação
daquele que assinou ou não? A doutrina divide-se, podendo ser apresentadas as seguintes
posições:

a) Tese da transmutação automática desse contrato em promessa unilateral, isto é, em


caso de falta de assinatura de uma das partes de um contrato promessa bilateral, este
passaria a ser automaticamente um contrato promessa unilateral. Esta foi defendia pelo
Supremo Tribunal de Justiça em acórdãos de 1972 e 1977.
b) Tese da nulidade total do contrato, que veio a ser defendida, já numa segunda fase pelo
STJ a partir de 1977, passando a defender-se que a assinatura das duas partes é essencial
num contrato bilateral e, atendendo à natureza sinalagmática do contrato, a vicissitude
de uma das obrigações terá de afetar igualmente a outra. Galvão Teles defendeu
também esta tese, no seguimento de entender que o próprio contrato-promessa
unilateral tinha de ser assinado por ambos.
c) Tese da conversão, defendida por Antunes Varela e, posteriormente por Galvão Teles,
apresentando que não faria sentido não aproveitar o negócio, mas a redução também
não é possível ser aplicada, visto que pressupõe uma invalidade parcial e o contrato
promessa bilateral sem uma assinatura é nulo. Por outro lado, a natureza do contrato
promessa unilateral é diverso da do bilateral (natureza sinalagmática), existindo por isso
uma verdadeira transformação de um noutro, sendo a situação sujeita ao 293º.
d) Tese da redução, defendida por Almeida Costa e outros, apresentando que se a lei só
exige a assinatura para a declaração negocial do contraente que se vincula à promessa,
a nulidade por parte de forma será parcial se apenas uma das partes não assinar, sendo
justificada a redução (292º). Permite aproveitar o negócio e apenas é afastado quando

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

se demonstre que a vontade hipotética das partes seria em sentido contrário. A


jurisprudência maioritária tem decidido a favor da redução3.
e) Posição intermédia de Menezes Cordeiro: considera que a situação nunca pode ser de
invalidade parcial, visto que a promessa unilateral e bilateral são diversas, apenas sendo
de invalidade total, só sendo possível a aplicação da conversão. No entanto,
reconhecendo que a redução acautela melhor os interesses do contraente vinculado,
apresentando assim uma aplicação conjunta dos dois preceitos, remetendo ainda para
a boa fé (239º).
f) Menezes Leitão considera que deve procurar-se aproveitar o contrato promessa
bilateral a que falte uma das assinaturas como contrato-promessa unilateral, adotando-
se a tese que dê mais abertura a isto- a tese da redução- até porque esta atribui ao
interessado na nulidade total o ónus de provar que o contrato não teria sido celebrado
sem a parte viciada (292º). A tese da redução, ao contrário da tese da conversão (ao
considerar o contrato-promessa nulo, não permite manter a convenção do sinal
bilateral, considerando-o nula, não sendo essa abrangida pela conversão), permite
manter a articulação do contrato-promessa com o regime do sinal, visto que consegue
manter-se a sanção do sinal em relação à parte que permanecesse vinculada à
celebração do contrato-definitivo, mantendo-se os direitos do 442º. Qualificar esta
situação como invalidade parcial mostra-se adequado visto que se no contrato
promessa unilateral se admite que a assinatura é necessária para a constituição da
obrigação de contratar para uma das partes, mas a outra mantem o direito de celebrar
o contrato definitivo no futuro, não faria sentido não se admitir isso também no
contrato promessa bilateral, considerando-se que uma das assinaturas foi formalmente
válida e outra formalmente inválida- o que representa um casa de invalidade parcial.

Transmissão dos direitos e obrigações emergentes do contrato-promessa: o artigo 412º


apresenta que esses, que não sejam exclusivamente pessoais, se transmitem por morte aos
sucessores das partes, ficando a transmissão entre vivos sujeita às regras gerais. Assim, em
princípio a lei não reconhece a este contrato um cariz intuitu personae, podendo os sucessores,
em caso de morte de uma das partes, exigir ou requerido o cumprimento da obrigação respetiva.
No entanto, no caso em que as partes tenham celebrado esse contrato promessa tomando em
consideração especificamente a pessoa do outro contraente, a própria natureza da relação
impedirá a transmissão por morte (2025º).

Execução Especifica: no contrato-promessa as partes vinculam-se à realização de uma prestação


de facto jurídica, isto é, a emitir a declaração negocial. Contudo, esta é incoercível, não podendo
nenhuma das partes forçar a outra a emitir essa declaração. Então como se protege o credor? A
lei admite a execução especifica da obrigação: o devedor é substituído no cumprimento,
obtendo o credor a satisfação do seu direito por via judicial. Assim, o tribunal emite uma
sentença que produza os mesmos efeitos jurídicos da declaração negocial que não foi realizada-
opera a constituição do contrato definitivo (830º: o não cumprimento da promessa atribui à
outra parte o direito a recorrer à execução especifica). A execução deixa de ser possível quando
se verifique uma impossibilidade definitiva de cumprimento. Existem duas situações em que é
expressamente excluída a execução especifica do contrato-promessa: existência de convenção
em contrário, pois o regime da execução não é imperativo (exceto nos casos apresentados no
artigo 410º/3, como apresenta o artigo 380º/3, visto que o regime da execução especifica não

3 Não esquecer assento de 1989 do STJ, com força obrigatória geral na altura, que fixa que a falta de assinatura leva
à nulidade, mas pode considerar-se válido como contrato-promessa unilateral desde que essa tivesse sido a vontade
faz partes. Este levou a inúmeras divergências na doutrina.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

pode ser afastado pelas partes, nem estas podem estipular convenções contrárias à execução),
podendo as partes afastá-lo através por exemplo, de constituírem sinal ou estipularem uma
penalização para o incumprimento (830º/2), visto que se entende que no caso de
incumprimento apenas querem a indemnização e não a execução especifica. Esta presunção é
ilidível por prova em contrário, nada impedindo que as partes estabeleçam ambos os regimes,
podendo o credor escolher o que lhes for mais conveniente; e no caso de a execução especifica
ser incompatível com a natureza da obrigação assumida, como por exemplo, nos casos de
contratos reais quoad constitutionem, pois o tribunal não se pode substituir à parte na tradição
da coisa, ato cuja espontaneidade se pressupõe, ou o contrato de trabalho, devido ao caráter
pessoal da prestação. Nestes casos, o incumprimento do contrato-promessa apenas pode gerar
indemnização por via da responsabilidade contratual.

Da execução especifica podem surgir 2 problemas: hipótese de o bem ter sido prometido vender
livre de ónus ou encargos, mas encontrar-se presentemente hipotecado: admite-se que na ação
da execução especifica seja simultaneamente pedida a condenação do promitente faltoso na
quantia necessária para expurgar a hipoteca (830º/4); hipótese de o promitente faltoso poder
invocar a exceção de não cumprimento: a ação improcede se ele não consignar em depósito a
sua prestação no prazo que lhe foi fixado pelo tribunal (830º/5), para evitar que, nos casos em
que o promitente faltoso beneficia da exceção de não cumprimento, por as partes
convencionarem que o pagamento do preço ocorre antes ou no momento da celebração do
contrato definitivo, o tribunal viesse através da sentença transmitir a propriedade da coisa sem
que o pagamento preço fosse realizado. Assim, com o depósito prévio da prestação assegura-se
que o promitente faltoso continua a beneficiar da proteção conferida pelo sinalagma funcional,
mesmo que a ação de execução especifica seja julgada procedente.

Atribuição do direito de retenção ao promitente que obteve a tradição da coisa: a posição do


beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real, que obteve a coisa a
que se refere o contrato prometido é complementada segundo o artigo 755º f) por um direito
de retenção sobre essa coisa, pelo não cumprimento imputável à outra parte (de receber o sinal
em dobro e do aumento do valor da coisa), nos termos do 442º. Este beneficiário tem um direito
de crédito à celebração do contrato prometido e um direito real de garantia, oponível erga
omnes (até a um terceiro adquirente da coisa- STJ 2000), que justifica que possa conservar a
posse de dada coisa até ver satisfeito o seu crédito. Problema: o promitente comprador teria
uma posição vais favorável do que o comprador, visto que o direito real de garantia prevalece
sobre a hipoteca, mas ao comprador é oponível a hipoteca, respondendo os bens adquiridos em
caso de execução da hipoteca. Note-se ainda que o promitente comprador teria o direito de ser
pago pelo não cumprimento da obrigação, à frente do credor hipotecário. Portanto, sendo isto
muito criticado na doutrina, o artigo 755º f) deve ser interpretado restritivamente, de forma a
harmonizar-se o direito de retenção e os direitos do credor hipotecário. O artigo 755º f) apenas
atribui direito de retenção aos casos em que há crédito por incumprimento nos termos do artigo
442º, isto é, nos casos de restituição do sinal em dobro e no de direito ao aumento do valor da
coisa (e não a indemnização geral por incumprimento presente no 798º). Assim, o direito de
retenção do artigo pressupõe a tradição da coisa e estipulação de sinal. A interpretação restritiva
é apenas atribuir esse direito de retenção ao caso de aumento do valor da coisa, visto que o
caso de restituição do sinal em dobro não tem qualquer relação com a coisa, visto que ocorre
haja ou não tradição da coisa. Com isto conseguimos harmonizar este direito de retenção com
os direitos do credor hipotecário: este obteve a sua garantia quando o bem tinha determinado
valor e, tendo este obtido uma valorização enquanto se encontrava na posse do promitente
comprador, este pode utilizar o direito de retenção para obter o pagamento do aumento desse

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

valor, podendo o bem ser executado pelo credor hipotecário em relação ao valor remanescente
(MC concorda com esta doutrina).

Eficácia Real do Contrato-Promessa: a lei permite que se atribua eficácia real ao contrato-
promessa, no caso de a promessa respeitar a bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo, e
se as partes declararem expressamente a atribuição de eficácia real e procederem ao seu registo
(413º/1). Este tipo de contrato-promessa está sujeito a uma forma mais solene: escritura pública
ou documento particular autenticado, a menos que não seja exigida essa forma para o contrato
prometido, caso em que basta um simples documento particular com reconhecimento de
assinatura. A eficácia real significa que o direito à celebração do contrato definitivo prevalecerá
sobre todos os direitos reais que não tenham registo anterior ao registo da promessa com
eficácia real. Qual a natureza do direito de beneficiário da promessa com eficácia real? Galvão
Telles, Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro defendem que se trata de um verdadeiro direito
real de aquisição. Antunes Varela, Almeida Costa e Pessoa Jorge consideram que se trata de um
direito de crédito, sujeito a um regime especial de oponibilidade a terceiros, que admite a
anotação prévia no registo de certos direitos de crédito sobre imóveis para permitir que não
sejam afetados em caso de posteriormente serem praticados atos de disposição sobre esses
bens. Esta discussão advém do facto de a lei não estabelecer o que acontece e qual a forma de
obter o cumprimento da promessa com eficácia real em caso de ocorrer a venda do prédio a
terceiros: Antunes Varela considera que deve estabelecer-se da mesma forma a exceção
especifica contra o obrigado, aplicando-se ao terceiro o regime da venda de bens alheios,
permitindo exigir imediatamente a restituição do bem devido à nulidade da venda; Oliveira
Ascensão considera que se deverá interpor-se uma ação de execução especifica contra o
terceiro; Menezes Cordeiro considera que se deveria fazer uma reivindicação adaptada contra
o terceiro (1315º). O obrigado tem a titularidade do bem quando o vende, só sendo esta venda
posta em causa quando a eficácia real é exercida, tendo de se excluir a aplicação do regime de
venda de bens alheios. A execução especifica contra o obrigado também não faz sentido porque
ele não é já o dono do bem. A execução especifica contra o terceiro falha na questão de não
existir qualquer obrigação de este celebrar o contrato com o beneficiário da promessa. A ação
reivindicativa não se aplica aqui visto que esta se destina a reconhecer um direito e reclamar a
restituição da coisa que é sue objeto (1311º/1), não tendo natureza constitutiva, o que é
necessário aqui, visto que a eficácia real permite a aquisição potestativa do direito real. O
exercício da eficácia real corresponde a uma ação declarativa constitutiva, (eventualmente
cumulável com um pedido de restituição, a instaurar em litisconsórcio necessário contra o
promitente e o terceiro adquirente) destinada a fazer prevalecer o direito de aquisição do
promitente sobre o do terceiro.

Articulação com o regime do sinal:

 Sinal e Antecipação do Cumprimento: o sinal consiste numa clausula acessória dos


contratos onerosos, mediante a qual uma das partes entrega à outra, por ocasião da
celebração do contrato, uma coisa fungível (a lei não o exige, mas não faz sentido uma
sanção de restituição em dobro de uma coisa infungível), que pode ter natureza diversa
da obrigação contraída ou a contrair. O sinal funciona como estabelecer as
consequências do incumprimento: se a parte que constitui o sinal deixar de cumprir a
sua obrigação, a outra parte tem o direito de fazer sua a coisa entregue; se o
incumprimento for da parte que recebeu o sinal, este terá de o restituir em dobro
(442º/2 segunda parte). Se o contrato for cumprido, a coisa entregue é imputada na
prestação devida ou restituída se essa imputação não for possível (442º/1). O sinal pode

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

ser considerado um contrato simultaneamente como contrato real quoad


constitutionem e quoad effectum, pois só se constitui com a tradição da coisa que é seu
objeto e uma vez constituído a propriedade é transmitida, mas o titular pode ser
obrigado a restituí-la, em caso de não ser possível imputar o sinal à prestação devida.
Como no caso de incumprimento o sinal dá lugar à aplicação de efeitos como a perda
do sinal ou restituição em dobro, aproxima-se da clausula penal (810º/1), com a
diferença de pressupor a entrega prévia de uma coisa fungível. Segundo o artigo 440º,
quando no momento da celebração do contrato ou posterior um dos contraentes
entregar a outro coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica
adstrito, é a entrega havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo
se as partes quiserem atribuir a essa coisa o caráter de sinal. Portanto, há uma
presunção de cumprimento antecipado do contrato e não a constituição do sinal,
devendo ser expressamente atribuída essa natureza à coisa. No contrato-promessa, no
entanto, nunca se poderia considerar essa entrega da coisa como um cumprimento
antecipado, até porque sendo sempre a prestação uma prestação de facto jurídico, o
cumprimento nunca poderia ser a entrega de uma coisa. Assim, no artigo 441º exclui-se
a aplicação do artigo 440º ao contrato-promessa, apresentando que a entrega de uma
quantia é vista como sinal (há uma presunção), ainda que seja a título de antecipação
do pagamento do preço, pois àquela altura não existe ainda a obrigação de pagamento
do preço, não podendo isto ilidir a presunção do caráter de sinal. Pode ser presunção
ser ilidível (350º/2), sendo, no entanto, difícil, uma vez que a não estipulação de um
sinal é de demonstração complexa, não chegando a indicação de um título distinto para
a prestação para afastar a presunção. Se conseguirem provar, a quantia vale como
antecipação do pagamento sendo imputado à prestação devida da obrigação futura, ou
sendo restituída quando a obrigação não se constituir.
 Regime do artigo 442º/ Funcionamento do Sinal: os números 1 e 2 primeira parte do
artigo apresentam o funcionamento do sinal no regime geral: o sinal é imputado na
prestação devida em caso de cumprimento, mas se for impossível a imputação o sinal
deve ser restituído, o que acontece também nos casos em que se verificar a
impossibilidade não imputável a nenhuma das partes, visto que a parte que tem a posse
da coisa deixa de ter causa justificativa para a conservação do sinal. Se, por outro lado,
o não cumprimento foi de quem constituiu o sinal, esse perderá o sinal a favor da
contraparte e se for a parte que recebeu o sinal que incumprir terá de restituir o sinal
em dobro. Apesar de a lei não o apresentar, se o incumprimento for causado pelas 2
partes, ambas teriam segundo o 442º/2 o direito a indemnização, extinguindo-se pela
compensação (847º), devendo o sinal ser restituído à parte que o prestou. O artigo
442º/2 segunda parte apresenta agora o funcionamento do sinal no regime do contrato-
promessa: se existir tradição da coisa a que se refere o contrato-prometido, o
promitente adquirente pode optar, em vez de receber o sinal em dobro, por receber o
valor atual da coisa ao tempo do incumprimento, com dedução do preço
convencionado, acrescido do sinal e da parte do preço que tenha sido paga. Não fará
sentido que o promitente vendedor possa incumprir o contrato-promessa para seu
próprio benefício, conseguindo ficar com o bem, vendendo-o ao preço de mercado que
poderia ser mais elevado que o preço estipulado pela inflação, ficando vinculado a pagar
uma indemnização meramente simbólica comparativamente. A solução foi permitir que
a valorização da coisa entre o momento da celebração do contrato e o momento do não
cumprimento pudesse caber ao promitente comprador (valor atual menos o valor
convencionado), acrescendo a este montante a restituição do sinal e a parte do preço

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

que já tinha sido paga. Para que tal aconteça é necessário ou não a constituição do sinal?
Menezes Cordeiro considera que sim, visto que se não existir um sinal, a tradição da
coisa é um ato de mera tolerância do promitente vendedor, não podendo este ser
prejudicado por isso. Galvão Teles considera que o aumento do valor da coisa tem lugar
mesmo que não tenha sido estipulado sinal. Menezes Leitão considera que é exigido a
constituição do sinal, visto que o objetivo da norma é evitar que o funcionamento do
sinal se torne numa sanção platónica para o promitente vendedor- tem como objetivo
corrigir o funcionamento desvirtuado do sinal, e sendo uma norma excecional com esse
propósito não pode ser aplicada sem este. Pense-se, não existindo sinal, o promitente
comprador pode utilizar a execução especifica e ainda uma indemnização que cobra
todos os prejuízos causados com o incumprimento, não ficando limitado ao valor do
sinal convencionado. Por outro lado, se não existe sinal, o ato de tradição foi de mera
tolerância e gratuito visto que não constitui uma contrapartida da constituição do sinal.
O artigo 442º/3 primeira parte refere-se ainda ao regime especifico do sinal no contrato-
promessa, não permitindo em alternativa do sinal a execução especifica, mas já em face
do artigo 830º/2 se presume que a constituição do sinal se afigura como uma
estipulação contrária à execução especifica, só podendo isto ser afastado se a execução
for imperativa ou se as partes ilidirem a presunção. Assim, o artigo só pretende
apresentar que a execução especifica é possível haja ou não haja a tradição da coisa a
que se refere o contrato-prometido. O artigo 442º/3 segunda parte apresenta que o
promitente faltoso pode paralisar o direito ao aumento do valor da coisa ou do direito
pela outra parte oferecendo-se para cumprir a promessa- exceção do não cumprimento
do contrato-promessa- salvo o disposto no artigo 808º (que se refere aos casos em que
a mora se transforma em incumprimento definitivo).A perda do sinal ou a sua restituição
em dobro pressupõem o incumprimento definitivo, mas a opção pelo aumento do valor
da coisa, na medida em que admita ainda um posterior cumprimento, pode ocorrer em
caso de simples mora (Menezes Cordeiro e Antunes Varela concordam, mas não Galvão
Telles que exige o incumprimento definitivo nesta última parte). Qual a natureza do
direito ao aumento do valor da coisa? Antunes Varela considera que é uma sanção
pecuniária compulsória (esta deveria extinguir-se sempre que o devedor se dispõe a
cumprir, o que não acontece nos casos do 808º); Galvão Telles considera que é uma
indemnização compensatória, mas a atribuição do direito não depende da prova de
quaisquer danos sofridos nem nunca os toma como referência e a indemnização por
incumprimento é definida através da estipulação do sinal, a qual não é derrogada;
Menezes Leitão considera que serve de fundamento a este direito a restituição do
enriquecimento injustificado, visto que o promitente vendedor iria enriquecer pela
valorização da coisa, pagando em dobro o sinal (com um valor simbólico
comparativamente aos ganhos). O artigo 442º/4 apresenta que no caso de se fixar o
sinal, salvo disposição em contrário, não haverá lugar a qualquer outra indemnização, o
que mostra o sinal como fixação antecipada de indemnização. Se for estipulado em
contrário, o sinal funcionará como limite mínimo da indemnização. Este artigo não exclui
a indemnização decida por não cumprir a obrigação de restituição do sinal em dobro.
 Função do Sinal: para Galvão Telles o sinal não tem natureza penitencial, mas apenas
confirmatória-penal, já que a indemnização convencionada não funciona como preço
de arrependimento, mas antes como sanção por um ato ilícito (incumprimento); para
Menezes Cordeiro, o sinal tem função confirmatória-penal, pois dá consistência ao
contrato e funciona como uma indemnização (quando pode coexistir com a execução
especifica) e natureza penitencial quando funcione como preço de arrependimento

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

permitindo ao interessado resolver o contrato mediante o pagamento do sinal (quando


a estipulação é contrária à da execução especifica). Menezes Leitão considera que a lei
não considera o sinal como penitencial, mesmo quando admite a convenção contrária à
execução especifica, tendo apenas natureza confirmatório-penal por ser uma
predeterminação das consequências do incumprimento.

Pacto de Preferência

Encontra-se previsto no artigo 414º sendo definido como “convenção pela qual alguém assume
a obrigação de dar preferência a outrem na venda de determinada coisa”. Apesar da alusão
especifica ao contrato de compra e venda, o pacto de preferência pode ser utilizado para
diversos contratos onerosos, desde que não tenham cariz intuitu personae (423º). No pacto
preferência o obrigado à preferência não se obriga a contratar, mas apenas a escolher alguém
como contraente, no caso de decidir contratar, se esse alguém lhe oferecer as mesmas
condições que conseguiu negociar um com terceiro. Assim, é a convenção pela qual alguém
assume a obrigação de escolher outrem como contraente, nas mesmas condições negociadas
com terceiro, no caso de decidir contratar. É um contrato unilateral preliminar de outro
contrato, visto que apenas uma das partes assume a obrigação ficando o titular da preferência
livre e exercer ou não o seu direito. A forma do pacto de preferência segue o regime do contrato
promessa, com exceção das formalidades do 410º/3 que não são exigidas (415º), sendo que,
como o negócio é unilateral, apenas o obrigado à preferência tem de assinar. A estipulação do
pacto em principio só atribui ao seu beneficiário um direito de crédito, contudo, a lei admite que
seja atribuída real ao pacto de preferência (421º), desde que, respeitando a bens imóveis ou
móveis sujeitos a registo, as partes explicitamente o estipulem, celebrem o pacto por escritura
pública ou documento particular autenticado, ou quando não seja exigida a forma para o
contrato prometido, por documento particular com assinatura do obrigado, referindo a
entidade emitente, data e número do seu documento de identificação, e procedam à respetiva
inscrição no registo. Preferências legais são o caso comproprietário, arrendatário e proprietário
de solo por exemplo, e caracterizam-se por ter sempre eficácia real, permitindo aos que dela
disfrutam exercer o seu direito de preferência, mesmo perante o terceiro adquirente. No artigo
422º apresenta-se que o direito convencional de preferência não prevalece contra os direitos
legais de preferência.

Obrigação de preferência (416º a 418º): este regime também se aplica aos direitos legais de
preferência. O artigo 416º apresenta a forma de cumprimento da obrigação de preferência: a
forma adequada de cumprimento é efetuar uma comunicação, não sendo exigível para essa nem
para o exercício posterior do direito uma forma especifica (219º), o que implica problemas de
prova em tribunal, sendo a prática a comunicação por escrito. Por outro lado, a comunicação
não pode ser considerada como a emissão de uma proposta contratual ou convites a contratar
(se o titular da preferência recusar a proposta ou convite não perde o direito de preferência,
mesmo que o contrato preferível tenha o mesmo conteúdo que a proposta ou convite; se vier a
ser celebrado o contrato em consequência dessa proposta ou convite, o direito de preferência
extingue-se por inutilidade), tendo a comunicação que ter uma referência a existência de um
contrato preferível. A comunicação não é realizada logo que o obrigado queira vender, pois
exige-se antes uma negociação com terceiro, devendo ser acordadas as clausulas a comunicar,
como o preço e condições de pagamento. Qual o conteúdo da comunicação para preferência?
A lei esclarece que não basta indicar os elementos gerais do negócio, mas que terão igualmente
de ser comunicadas todas as estipulações particulares acordadas, que sejam relevantes para a
decisão de exercício de preferência. Deverá a comunicação conter o nome do terceiro com qual

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

foram negociadas as condições comunicadas? Oliveira Ascensão considera que a referência a


“clausulas do contrato” não abrange o nome do terceiro; Galvão Telles e Menezes Cordeiro
consideram que o principio da boa fé impõe que o nome do terceiro seja indicado na
comunicação; Pires de Lima e Antunes Varela consideram que o nome do terceiro não tem que
ser genericamente indicado na comunicação, devendo sê-lo nas situações em que o não
exercício da preferência implique que fiquem a subsistir relações jurídicas entre o terceiro o
titular da preferência (ex. arrendatário e comproprietário); Menezes Leitão considera que o
nome do terceiro desde que esteja determinado tem de ser indicado na comunicação para
preferência, havendo que mencionar a situação de indeterminação no caso contrário. Esta
exigência decorre da impossibilidade de o titular verificar a veracidade das condições
comunicadas se não houver menção do terceiro, não existindo o dever de o titular da
preferência exercer o seu direito nessas circunstâncias. Efetuada a comunicação para
preferência o titular tem de exercer o seu direito no prazo de oito dias, salvo se o pacto de
preferência o vincular a um prazo mais curso ou se o obrigado lhe assinalar um prazo mais longo.
Com a comunicação e exercício de preferência, as partes formularam uma proposta de contrato
e a respetiva aceitação, que em princípio deveria implicar sem mais a celebração do contrato
definitivo, desde que estejam preenchidos os seus requisitos de forma. Se esses não estiverem
preenchidos, as declarações poderão valer como promessas de contratar, caso tenha sido
respeitada a respetiva forma (podendo existir recurso à execução especifica, em caso de
incumprimento). Se nem essa forma for observada, existe responsabilidade pré-contratual
subsistido a obrigação de preferência que só é definitivamente incumprida com a celebração de
contrato incompatível com terceiro. O direito de preferência só surge caso o obrigado tome a
decisão de celebrar o contrato em relação ao qual tenha concedido a preferência, não havendo
naturalmente incumprimento da obrigação de preferência se o obrigado celebrar um contrato
de natureza diferente do contrato preferível, mesmo que esse contrato implique a não
celebração em definitivo do contrato preferível. A lei considera que nos casos de união de
contratos (417º) e contratos mistos (418º), ainda se justifica a manutenção da preferência. O
artigo 417º apresenta-nos a possibilidade de uma venda da coisa conjuntamente com outras,
por um preço global, sendo uma união entre diversos contratos de compra e venda, pela
estipulação de um preço comum para várias coisas vendidas simultaneamente. Se for uma união
interna, exige-se que a quebra da união interna acarrete prejuízos objetivamente apreciáveis
para uma das partes para que o titular do direito de preferência possa exigir que a preferência
se faça em relação a todas as coisas. Se for uma união externa, nada impede o titular do direito
de exercer a preferência pelo preço que for atribuído proporcionalmente à coisa. O artigo 418º
apresenta a situação de contrato misto complementar. Quanto aos contratos mistos múltiplos
e germinados não parece ser possível o exercício da preferência, visto que o contrato
efetivamente realizado não corresponde ao contrato em relação ao qual se concebeu a
preferência. Já quanto aos contratos mistos cumulativos é admissível uma vez que foi
efetivamente celebrado um contrato em relação ao qual se concedeu a preferência, mesmo que
no caso concreto as partes tenham utilizado a sua estrutura contratual para fins distintos dos
que lhes são típicos. O artigo 418º permite o exercício da preferência, determinando que essa
prestação acessória só deve ser compensada em dinheiro. Caso, porém, essa prestação
acessória não seja avaliada em dinheiro, é excluída a preferência, a menos que seja lícito
presumir que, mesmo sem a prestação estipulada, o contrato não deixasse de ser celebrado. À
estipulação da prestação acessória não se reconhece qualquer efeito, se ela tiver sido
convencionada para afastar a preferência. Nesse caso, o preferente pode ser exercer a
preferência sem ter de compensar a prestação, mesmo que seja avaliada em dinheiro.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Violação da obrigação de preferência: a obrigação de preferência é definitivamente incumprida


a partir do momento em que o obrigado à preferência celebra com terceiro um contrato
incompatível com a preferência, sem efetuar qualquer comunicação para preferência ou, tendo-
a efetuado, se o titular tiver comunicado, dentro do prazo, a intenção de exercer a preferência.
O titular da preferência obrigacional adquire o direito a uma indemnização por incumprimento
(798º), pois os direitos de crédito não prevalecem contra direitos reiais do terceiro. A situação
é diversa quando estamos presentes de direitos de preferência legais ou tenha sido atribuída
eficácia real ao pacto de preferência, visto que o titular do direito de preferência tem um direito
real de aquisição que pode opor erga omnes, mesmo a posteriores adquirentes da propriedade.
O processo adequado para o exercício do direito de preferência á ação de preferência presente
no artigo 1410º (a propósito do direito de preferência do comproprietário, mas que é extensível
a qualquer titular de direitos reais de preferência), a qual deve ser intentada no prazo de 6 meses
a contar da data em que o titular da preferência teve conhecimento dos elementos essenciais
da alienação, tendo como condição da procedência que ocorra o depósito do preço devido nos
15 dias posteriores à propositura da ação. Ao contrário de Galvão Telles e Menezes Cordeiro,
Antunes Varela e Menezes Leitão consideram que o obrigado à preferência deve ser parte da
ação de preferência, existindo uma situação de litisconsórcio necessário passivo entre o
obrigado à preferência e o terceiro adquirente, não sendo necessário que demande os
subadquirentes de direitos reais de gozo e garantia incidentes sobre o bem. O depósito do preço
abrange apenas o preço propriamente dito ou também as outras despesas que por lei, devem
ficar a cargo do comprador como os impostos de transmissão ou os emolumentos notariais e
registais? A solução correta é a de apenas exigir o depósito do preço propriamente dito, ainda
que o preferente deva reembolsar o terceiro pelas despesas por ele suportadas. Quando haja
simulação do preço declarado como se exerce o direito de preferência? Se o preço declarado
para a transmissão é superior ao preço efetivamente realizado, o titular pode exercer a
preferência pelo preço real, sendo o negócio simulado nulo e o dissimulado válido, pelo que a
preferência é exercido sobre este. Se o preço declarado para a transmissão é inferior ao
efetivamente praticado, parece que a lei veda a possibilidade de exigir que a preferência seja
efetuada pelo preço real. Menezes Leitão considera que existe nenhum investimento de
confiança por parte do titular da preferência, pois ele efetivamente tem de depositar o preço
devido, não fazendo sentido que no fim os simuladores possam invocar a simulação do preço.
Portanto, em caso de celebração de negócio simulado, o titular da preferência pode exercê-la
pelo preço simulado.

Natureza da obrigação de preferência: a obrigação de preferência pode ser encarada como uma
obrigação de contratar, como obrigação de conteúdo negativo (não celebrar com mais ninguém
o contrato, em relação ao qual deu preferência, a não ser que o titular do direito de preferência
renunciar a essa), obrigação de conteúdo positivo (escolher o titular da preferência como
contraparte se quiser contratar), como uma sujeição (adquirindo o titular da preferência um
direito potestativo). Menezes Leitão considera que a obrigação de preferência é uma obrigação
de conteúdo negativo, visto que só há violação dessa quando é celebrado um contrato
incompatível com a preferência.

Contrato da favor de terceiro

Este contrato vem regulado nos artigos 443º e seguintes e pode ser definido como o contrato
em que uma das partes (promitente) se compromete perante outra (promissário) a efetuar uma
atribuição patrimonial em benefício de outrem, estranho ao negócio (terceiro). Essa atribuição
patrimonial pode ser a realização de uma prestação, a liberação de uma obrigação, cessão de

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

um crédito, constituição, modificação ou extinção de um direito real. A atribuição patrimonial


é determinada pelo promissário, que tem de ter em relação a ela um interesse digno de proteção
legal (443º/1). Existe, neste contrato, uma atribuição patrimonial indireta do promissário ao
terceiro, que é executada pelo promitente. O terceiro não é parte do contrato, mas adquire um
direito contra o promitente. O contrato engloba 3 relações: a) relação de cobertura (promissário
e promitente) ; b) relação de atribuição (promissário e terceiro); c) relação de execução
(promitente e terceiro).

Modalidades: contratos a favor de terceiros verdadeiros e contratos a favor de terceiros falsos;


contratos a favor de pessoa determinada e contratos a favor de pessoas indeterminadas;
contratos a cumprir em vida do promissário e contratos a cumprir depois da morte do
promissário.

Regime paradigmático do contrato a favor de terceiro (verdadeiro, em beneficio de pessoa


determinada e a cumprir em vida do promissário): o direito que se forma na esfera jurídica do
terceiro é independente da aceitação desse (444º/1), sendo uma exceção ao regime da
ineficácia dos contratos em relação a terceiros (406º/2). Este direito surge imediatamente em
virtude do contrato celebrado entre o promitente e promissário, dispensando-se qualquer outra
declaração negocial para esse efeito. No entanto, o terceiro pode rejeitar, mediante declaração
ao promitente que deve comunicar ao promissário, extinguindo-se o direito (447º/1). O terceiro
pode aderir à promessa, significando isto que impede a revogação da promessa (salvo se a
promessa só dever ser cumprida após a morte do promissário ou se se tratado de liberalidade,
se se verificarem os pressupostos da revogação por ingratidão do donatário- 450º/2 e 970º), a
qual pode ser efetuada enquanto a adesão não for manifestada (447º/1 e 448º/1). A revogação
cabe em princípio ao promissário, a menos que tenha sido efetuada no interesse de ambos
(448º/2). O terceiro tem um direito de crédito face ao promitente e, portanto, tem legitimidade
para exigir o cumprimento da promessa. A lei afirma que para aplicação dos institutos como a
colação, imputação ou redução de doações ou impugnação pauliana, o valor a ser tomado em
conta é a diminuição patrimonial por parte do promissário e não a efetiva aquisição por parte
de terceiro (451º).

Regimes Especiais:

 Promessa de liberação de dívida como falso contrato a favor de terceiro: aparece


presente no artigo 444º/3, existindo nesta situação uma obrigação de resultado, isto é,
o promitente não se obriga a realizar uma prestação a terceiro, mas apenas a conseguir
obter a liberação da dívida do promissário. Contudo, terá na mesma que efetuar uma
prestação ao terceiro, mas essa é meramente instrumental em relação à obrigação do
promitente. Assim, só o promissário tem interesse na promessa. Como não é atribuído
qualquer direito ao terceiro, é considerado um contrato a favor de terceiro falso.
 Promessa em benefício de pessoas indeterminadas ou no interesse público: o
beneficiário da prestação é um conjunto indeterminado de pessoas ou mesmo o
interesse público, existindo uma legitimidade difusa para a exigência da prestação,
podendo ser exigida pelo promissário, mas também pelas entidades competentes para
defender os interesses em causa (445º). Estas, no entanto, não pode dispor do direito à
prestação ou autorizar qualquer modificação ao seu objeto, não tendo um verdadeiro
direito de crédito como o terceiro, mas apenas um mero direito de reclamar a prestação
do promitente para o fim estabelecido.
 Promessa a cumprir depois da morte do promissário: o terceiro não pode exigir o
cumprimento da promessa antes da verificação da morte do promissário. A lei

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

apresenta que presume que a estipulação das partes é no sentido de que o terceiro só
adquire o direito com a morte do promissário (451º/1), mas que, se aquele falecer antes
deste, os seus herdeiros são chamados no lugar dele à titularidade da promessa
(451º/2)- estes são designados como beneficiários subsidiariamente. Estas presunções
são ilidíveis mediante estipulação contrária. Esta promessa é revogável, expressa ou
tacitamente, enquanto o promissário for vivo, independentemente da adesão do
terceiro.

Contrato para pessoa a nomear

Verifica-se quando um dos intervenientes no contrato se reserva a faculdade de designar


outrem para adquirir os direitos ou assumir as obrigações resultantes desse contrato (452º/1).
Admite-se neste contrato a dissociação subjetiva entre a pessoa que celebra o contrato e aquela
onde vão repercutir-se os respetivos efeitos desse. A situação jurídica não se transfere, pois,
efetuada a designação e celebrado o contrato, os efeitos repercutem-se diretamente na esfera
do nomeado. A nomeação, tendo eficácia retroativa, faz com que tudo se passe como se o
nomeado fosse parte do contrato desde início. A lei prevê que se não ocorrer nomeação, os
efeitos do contrato verificam-se na esfera do contraente (455º/2). Contudo, as partes poderão
afastar isto, sendo o contrato, na falta de nomeação, ineficaz. A nomeação deve ser feita por
escrito no prazo fixado, ou na falta de convenção, dentro de 5 dias, a contar da celebração do
contrato (453º/1) e deve ser acompanhada de instrumento de ratificação (forma escrita ou
revestir a forma do contrato celebrado se este tiver sido celebrado por documento de maior
força probatória) do contrato ou de procuração anterior à celebração deste (453º/2). Note-se
que a lei exige para a nomeação a atribuição de poderes representativos por parte do nomeado.

Natureza Jurídica: a maioria da doutrina considera-o um contrato celebrado simultaneamente


em nome próprio e em nome alheio, sendo a sua celebração em nome próprio sujeita a uma
condição resolutiva e a sua celebração em nome alheio sujeita a uma condição suspensiva.
Menezes Leitão concorda com esta orientação.

Volume II

Transmissibilidade dos créditos e das dívidas

Os créditos e as dívidas correspondem a situações jurídicas de natureza patrimonial, pelo que


não deve existir obstáculos à sua transmissão quer por morte, quer por vida, em virtude da
verificação de qualquer dos factos que produzem esse efeito, como a cessão de créditos,
assunção de dívidas e a cessão da posição contratual.

Cessão de Créditos

Prevista nos artigos 577º e seguintes, consiste numa forma de transmissão de créditos que opera
por virtude de um negócio jurídico, normalmente celebrado entre o credor e terceiro. O regime
de cessão de crédito não constitui um tipo negocial autónomo, mas antes uma disciplina de
efeitos jurídicos, que podem ser desencadeados por qualquer negócio transmissivo. A cessão
opera sem o consentimento ou qualquer colaboração do devedor.

Requisitos:

a) negócio jurídico a estabelecer a transmissão da totalidade ou parte do crédito: a cessão


de crédito apresenta-se como um efeito desse negócio, e, portanto, a lei determina que

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

os requisitos e efeitos da cessão entre as partes se definem em função do tipo de


negócio que lhe serve de base (578º/1), nos termos do qual se estabelece ainda a
garantia quanto à exigência e exigibilidade do crédito (587º). É através do regime do
negócio-base que se determina qual a forma e o regime aplicável à cessão de créditos.
O artigo 578º/2 determina que, salvo o disposto em lei especial, é exigida escritura
pública ou documento particular autenticado para a cessão de créditos hipotecários,
quando esta não seja feita em testamento e a hipoteca recaia sobre bens imoveis. É
também em função dessa remissão que se resolve a questão da admissibilidade da
cessão de créditos futuros, mas parece que não é possível admitir de forma geral a
cessão gratuita de créditos futuros. Quanto aos créditos futuros, defende-se a doutrina
da transmissão, isto é, o crédito passa primeiro pelo património do cedente, visto que
o cessionário só virá a adquirir o direito, se o cedente, sem a cessão, o tivesse
igualmente adquirido, ficando assim o crédito sujeito ao mesmo regime que aquele que
teria na esfera do cedente (com base nos artigos 1058º e 821º). O negócio que serve de
base normalmente é o contrato, sendo necessária para a sua formação a declaração de
vontade de ambas as partes. No entanto, poderá ser um negócio jurídico unilateral a
base da cessão, sendo que a lei prevê essa possibilidade quanto ao testamento (2261º
e 2262º). Poderá ainda a cessão ter como base o contrato a favor de terceiro, não sendo
necessária a declaração do cessionário nesse caso. A posição inicial do cedente delimita
a posição jurídica obtida pelo cessionário através do negócio transmissivo (585º). O
negócio que serve de base à cessão é sempre causal, nunca a cessão sendo uma
transmissão abstrata do crédito. Se o negócio transmissivo for declarado nulo ou
anulado, a transmissão do crédito será anulada.
b) inexistência de impedimentos legais ou contratuais a essa transmissão: em certos casos
a lei proíbe que o crédito seja cedido, como por exemplo quando seja crédito de direito
de preferência ou de direito de alimentos. Outro caso especifico é a cessão de créditos
e direitos litigiosos, previstas no artigo 579º e seguintes: os direitos consideram-se
litigiosos quando tiverem sido contestados em juízo contencioso, ainda que arbitral, por
qualquer interessado, sendo proibida a cessão dos créditos litigiosos na situação do
artigo 579º/1, devido ao receio de as entidades referidas poderem atuar com fins
especulativos, levando os titulares a ceder-lhes os créditos por baixo preço, a pretexto
da sua influência no processo. Se for realizada a cessão quando proibida, é considerada
nula, mas a nulidade não pode ser invocada pelo cessionário (580º). Mas é plenamente
admitida nos restantes devendo processar-se a substituição processual do cedente pelo
cessionário. Note-se que a cessão não pode ocorrer se tiver sido convencionado entre
o devedor e credor que o crédito não seria objeto de cessão (577º), podendo isso ser
estipulado expressa ou tacitamente. Contudo, este acordo das partes só é oponível ao
cessionário se esse conhecesse no momento da cessão (577º/2). No ordenamento
português, o pacto entre as partes gera a obrigação do credor de não o transmitir, sendo
que essa obrigação não é oponível se o adquirente não tivesse conhecimento da
convenção no momento da cessão. Assim, o devedor só poderá reagir contra o
incumprimento da convenção, não se tratado de nulidade.
c) não ligação do crédito à pessoa do credor, em virtude da própria natureza da prestação,
pois se tal acontecer não faria sentido obrigar o devedor a prestar perante pessoa
diferente. Esses casos são aqueles em que os créditos se constituem para a satisfação
das necessidades pessoais do credor, com o direito a alimentos ou o apanágio do
cônjuge sobrevivo, os créditos de onde resulte uma dependência pessoal entre credor
e devedor, como contrato de serviço doméstico, e os créditos em que tomem em

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

consideração as qualidades ou condições do credor, como a prestação de serviços


médicos ou jurídica (advogados). Se a cessão for realizada na mesma, será nula (294º).

Efeitos de cessão de créditos

1. Efeitos em relação às partes:


a. Transmissão do crédito do cedente para o cessionário: a cessão opera por mero
efeito do contrato, determinando logo a transmissão do crédito, mas essa
cessão não é logo oponível a terceiros, uma vez que só produz efeitos em
relação ao devedor após a sua notificação, aceitação ou conhecimento. É
também a notificação ou aceitação pelo devedor que decide qual a cessão que
vai prevalecer em caso de dupla alienação do mesmo crédito (584º). A
transferência pode ocorrer em relação à totalidade, ou apenas em relação a
parte do crédito, sendo que neste último caso, ambos os créditos terão o
mesmo grau, nenhum prevalecendo no pagamento.
b. Transmissão das garantias e acessórios do crédito: a transmissão do crédito
verifica-se com todas as vantagens e defeitos que o crédito tinha, abrangendo,
portanto, garantias e outros acessórios (582º). O artigo 582º/1 determina que
as garantias se transmitem a menos que sejam inseparáveis da pessoa do
cedente, exceto se este as tiver reservado ao consentir a cessão, no caso em
que essas se extinguem (transmite-se a fiança, penhor, consignação de
rendimentos e hipoteca). Os privilégios creditórios, sendo a sua concessão
atendente especificamente à causa do crédito, desde que não constituam uma
garantia inseparável da pessoa do cedente, devem ser transmitidos para o
cessionário. A maioria da doutrina defende que o direito de retenção, sendo
uma garantia ligada intimamente à pessoa do cedente, só poderá ser
transmitida por acordo expresso entre cedente e cessionário. Quanto à reserva
propriedade, é duvidoso que possa ser transmitida com a cessão, pois para o
seu exercício seria necessária a resolução do contrato por falta de pagamento
do preço, e este é um poder que apenas no âmbito da cessão da posição
contratual poderia ser transmitido. Transmitem-se também para o cessionário
os outros acessórios ao crédito (ex. juros vincendos, mas não os vencidos,
devido à autonomia destes- 561º; clausulas penais para incumprimento).
c. A transmissão das exceções que o devedor possuía contra o cedente é
abrangida na transmissão do crédito, visto que a cessão do crédito não pode
colocar o devedor em pior situação do que aquele em que se encontrava antes
desta, podendo conservar as exceções e as possa invocar perante o cessionário,
mesmo que ele as ignorasse, não sendo tutelada a boa fé do cessionário. Ora, o
devedor pode opor ao cessionário as exceções que pudesse opor ao cedente
que impedissem o nascimento do crédito, produzissem sua extinção e
paralisassem o seu exercício, com exceção daquelas que resultem de facto
posterior à cessão ou do se conhecimento pelo devedor (583º/2).
d. Garantia prestada pelo cedente: o cedente tem de prestar o cessionário a
garantia de existência e exigibilidade do crédito ao tempo da cessão, nos termos
aplicáveis ao negócio gratuito ou oneroso em que a cessão se integra (587º/1),
isto é, tem de assegurar a subsistência e acionamento do crédito ao tempo da
cessão, com todas as suas garantias e acessórios. Contudo, o cedente só garante
a solvência do devedor se a tanto estiver expressamente obrigado (587º/2),
respondendo se for comprovada a insolvência do devedor e nos limites do

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

prejuízo sofrido pelo cessionário, limitando-se a indemnizar o prejuízo causado


pela insolvência, podendo essa garantia extravasar daquilo que foi recebido
pelo cedente da parte do cessionário. Se estivermos na situação de o contrato
base ser a compra e venda, o cedente se incumpre a garantia, tem de restituir
o preço do crédito e responde objetivamente pelos danos emergentes,
podendo ainda constituir-se em responsabilidade pelo incumprimento da
obrigação de convalidação. Se existir dolo da sua parte, responde por lucros
cessantes. No caso de o negócio base ser a doação, o cedente não responde
objetivamente pela existência da referida posição contratual, apenas tendo de
responder se se tiver expressamente responsabilizado ou houver atuado em
dolo (956º e 957º).
e. Obrigação de entrega de documentos e outros elementos probatórios do
crédito, em cuja conservação não tenha interesse legitimo4 (586º), pois devem
ser entregues ao cessionário todos os elementos necessários para que o crédito
possa ser acionado.
2. Efeitos em relação ao devedor: a cessão só produz efeitos em relação ao devedor,
desde que lhe seja notificada ou por ele aceite (até tacitamente), não estando estas
sujeitas a forma especial. Se o devedor antes da notificação ou aceitação por ignorar a
cessão pagar ao cedente ou celebrar com ele algum negócio relativo ao crédito, o
pagamento e o negócio têm efeitos sobre o crédito, podendo inclusivamente produzir
a sua extinção, sendo esses efeitos oponíveis ao cessionário, exceto se conseguir
demonstrar que o devedor tinha conhecimento da cessão (não mero desconhecimento
por negligência)- o conhecimento vai ter o mesmo efeito que a notificação. Se o
cessionário não conseguir demonstrar o conhecimento do devedor, pode instaurar uma
ação de enriquecimento sem causa contra o cedente (por intervenção através da
disposição eficaz de um direito alheio). Já sabemos que toda e qualquer exceção,
temporária ou definitiva, que o devedor, antes da cessão possuísse contra o cedente é
oponível ao cessionário.
3. Efeitos em relação a terceiros: produz efeitos em relação a terceiros
independentemente de qualquer notificação, pelo que a partir da sua verificação, os
credores do cessionário podem executar o crédito ou exercer a ação sub-rogatória.
Contudo, no caso de o crédito ser cedido a mais do que uma pessoa, é necessária a
notificação ao devedor ou aceitação deste para que a cessão tenha efeitos perante
terceiros, pois neste caso a lei determina que prevalece a cessão que primeiro tiver sido
notificada ao devedor ou por este aceite (584º), sendo esta notificação ou aceitação que
determina quais dos diversos cessionários irá adquirir o crédito. O que acontece se o
devedor conhecer a prioridade da primeira cessão e decidir aceitar a segunda? Se a
notificação do devedor for feita pelo segundo cessionário, mesmo que o devedor
conhecesse a prioridade da cessão anterior, não pode rejeitar a cessão que lhe foi
notificada. Se não existir notificação, a aceitação produz os mesmo efeitos. Deve
interpretar-se restritivamente o artigo 584º, considerando que a aceitação do devedor
de uma das cessões só releva para escolha do cessionário nos casos em que o devedor
desconhece a existência de várias cessões, pois se conhecesse, o primeiro cessionário
pode sempre invocar o 583º/2, para considerar oponível a aceitação da segunda cessão
por o devedor conhecer a prioridade da sua cessão. Portanto, a prioridade é atribuída
com base na notificação que primeiro vier a ser efetuada pelo devedor, salvo se ele

4 Como por exemplo haver cessão parcial.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

antes, desconhecendo a dupla alienação, tiver aceitado alguma das cessões. Se o


devedor tiver conhecimento de quem é o verdadeiro titular do crédito, não pode aceitar
outro como cessionário.

Sub-rogação

Conceito (589º e seguintes): consiste na situação que se verifica quando cumprida uma
obrigação por terceiro, o crédito respetivo não se extingue, mas antes se transmite por efeito
desse cumprimento para o terceiro que realiza a prestação ou forneceu os meios necessários
para o cumprimento. Esta é, tal como a cessão, uma forma de transmissão do crédito, mas estas
figuras distinguem-se pois: cessão tem por base um negócio jurídico e sub-rogação resulta de
um ato não negocial que é o cumprimento, sendo a medida deste que determina a medida na
sub-rogação (593º/1); cessão tem como função assegurar a circulação jurídica dos créditos
enquanto que a sub-rogação visa antes compensar o sacrifício suportado pelo terceiro que
cumpriu uma obrigação alheia; a sub-rogação, como pressupõe o cumprimento de uma
obrigação alheia, é insuscetível de se verificar em relação a prestações futuras, ao contrário do
que vimos suceder com a cessão de créditos; na sub-rogação não existe a garantia de existência
e exigibilidade do crédito, limitando-se a ocorrer a transmissão para o sub-rogado dos direitos
que cabiam ao sub-rogante. A sub-rogação não deve ser confundida com o direito de regresso,
pois no direito de regresso não ocorre uma transmissão dos direitos do credor, surgindo um
direito novo em virtude de uma relação especial já existente entre o autor do pagamento e o
devedor.

Modalidades:

 Sub-rogação pelo credor: está prevista no artigo 589º e esta verifica-se através da
declaração do credor, de que pretende que o terceiro que cumpre a obrigação venha
por virtude desse cumprimento, a adquirir o crédito. Pressupõe dois requisitos:
cumprimento da obrigação por terceiro e declaração expressa (embora não se exija
forma especial) anterior (para que a obrigação se transmita e não se extinga) do credor
a determinar a sub-rogação, sem os quais não se verifica.
 Sub-rogação pelo devedor: está prevista no artigo 590º e esta verifica-se através da
declaração do credor de que pretende que o terceiro que cumpre a obrigação adquira
o respetivo crédito, tendo a declaração de ser expressa e ser efetuada até ao
cumprimento. Esta sub-rogação é admitida por razões de ordem prática, na medida em
que se considerou merecedor de tutela o interesse do devedor em obter a intervenção
de terceiro em ordem de satisfazer o crédito reclamado, que sem a possibilidade da sub-
rogação dificilmente poderia ser conseguida. Por outro lado, o interesse dos garantes
não é prejudicada, pois as garantias acompanham o crédito.
 Sub-rogação em consequência de empréstimo efetuado ao devedor: está presente no
artigo 591º e verifica-se quando o devedor cumpre a obrigação, mas efetua-a com
dinheiro ou outra coisa fungível emprestada por terceiro, sendo admitida a sub-rogação,
desde que haja declaração expressa, no documento de empréstimo (forma especial
exigida, para proteger os outros credores e terceiros garantes do prejuízo que poderia
ser causado, pois nesta situação a mera declaração posterior bastaria para converter o
mutuante num credor de uma obrigação extinta com as garantias de que ela
beneficiava), de que a coisa se destina ao cumprimento da obrigação e de que o
mutuante fica sub-rogado nos direitos do credor. Veja-se que Galvão Telles (apoiado por
Menezes Leitão) considera que a consequência do mútuo é a constituição de um direito

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

de crédito sobre o devedor, não fazendo sentido que com a sub-rogação o terceiro fique
com dois créditos, e, portanto, a sub-rogação substitui o primeiro crédito pelo segundo.
 Sub-rogação legal: a sub-rogação pode resultar da lei, independentemente de qualquer
declaração do credor ou do devedor. Esta está apresentada no artigo 592º/1 e verifica-
se sempre que o terceiro tiver garantido cumprimento ou estiver por qualquer causa
diretamente interessado na satisfação do crédito. O requisito geral nesta sub-rogação é
que o terceiro tenha interesse direto no cumprimento (tendo este que ser um interesse
próprio com conteúdo económico prático, não bastando um interesse meramente
jurídico, por isso, não há sub-rogação se o cumprimento seja realizado exclusivamente
no interesse do devedor ou quando o interesse do terceiro seja meramente moral ou
afetivo), o que sucede sempre que a não realização da prestação possa acarretar
prejuízos patrimoniais próprios, independentes das consequências do incumprimento
para o devedor, ou o cumprimento se torne necessário para acautelar o seu próprio
direito. O caso mais comum é o do terceiro ser garante da obrigação, pois a não
realização do cumprimento implica execução dos seus bens pelo credor. Assim, se o
terceiro for fiador do devedor ou constituir um penhor ou hipoteca sobre bens seus para
garantir o cumprimento, a lei determina a sub-rogação como efeito direto do
cumprimento. Outros exemplos serão os casos em que o terceiro é subarrendatário ou
casos em que um credor decida pagar a outro credor que tenha preferência no
pagamento, por forma a evitar uma execução em termos que consideraria
desvantajosos para si.

Efeitos da sub-rogação

➢ Transmissão do crédito na medida da sua satisfação: o terceiro adquire segundo o


artigo 593º os poderes que competiam ao credor na medida da satisfação dada ao
direito desse. Note-se que se o credor quiser alienar o crédito por um montante inferior
ao seu valor ou mesmo gratuitamente terá de recorrer à cessão de crédito e não à sub-
rogação. Ocorre sub-rogação parcial se o terceiro cumpre a obrigação, mas não o faz
totalmente, sendo o resultado a divisão do crédito em dois, um do credor originário e
outro do sub-rogado. O artigo 593º/2 apresenta que o crédito do sub-rogado não
concorre com o crédito originário, uma vez que este tem preferência sobre aquele, pelo
que em caso de insolvência do devedor será satisfeito em primeiro lugar. A justificação
disto é o facto de ninguém conceder uma sub-rogação em seu próprio prejuízo, e por
isso, o credor não quererá conceder ao terceiro a faculdade de com ele concorrer na
cobrança do remanescente. Esta regra é aplicada também nos casos de sub-rogação
pelo devedor ou legal, visto que também é o credor que decide se quer ou não recusar
a prestação parcial (763º). Se existirem vários sub-rogados, por satisfações parciais do
crédito, ainda que em momentos diferentes, nenhum tem preferência sobre os demais
(593º/3).
➢ Transmissão das garantias e acessórios do crédito: o artigo 594º manda aplica a esta
matéria os artigos 582º e 584º relativos ao regime de cessão de créditos, o que significa
que a transmissão do crédito acarreta igualmente a transmissão de todas as suas
garantias e acessórios. No caso de sub-rogações parciais, parece que as garantias
passarão a beneficiar ambos os créditos, ainda que por força do princípio da
indivisibilidade, cada credor tenha de exercer o direito real de garantia por inteiro,
estabelecendo-se a preferência de acordo com as regras do 593º/2 e 3.
➢ Questão de transmissão das exceções: o 594º não faz nenhuma remissão para o 585º,
contudo, nos casos em que a sub-rogação se realiza sem intervenção do devedor

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

justifica-se defender que ela não o possa colocar em pior situação do que aquela em
que ele se encontrava antes, aplicando-se o regime do 585º por mera analogia, podendo
o devedor invocar contra o sub-rogado os meios de defesa que lhe era licito invocar
contra o credor com ressalva daqueles que provenham de facto posterior ao
conhecimento. Se a sub-rogação provir do próprio devedor, não pode este invocar
exceções que tinha contra o credor originário, a menos que tivesse comunicado a
exceção ao terceiro antes de ele proceder ao pagamento.
➢ Eficácia em relação ao devedor e a terceiros: aplicam-se à sub-rogação o regime dos
artigos 583º e 584º, devendo por isso, essa ser notificada ao devedor, ou por este aceite,
para que produza efeitos em relação a ele, sob pena de não lhe poder se oponível, a não
ser que seja demonstrado o seu conhecimento da sub-rogação. Por outro lado,
prevalece a sub-rogação que primeiro for levada ao conhecimento do devedor ou que
seja por este aceite. No entanto, na sub-rogação que provenha do devedor, faz pouco
sentido exigir notificação a este, visto que pode sempre provar-se que ele sabia.

Natureza da Sub-rogação: tese clássica que qualifica a sub-rogação como uma transmissão legal
do crédito baseada num ato jurídico não negocial que é o cumprimento. Normalmente, o
cumprimento por terceiro, leva à extinção da obrigação e exoneração do devedor. Contudo,
pode ocorrer uma circunstância que determine em lugar da extinção, a transmissão do crédito,
sendo essa circunstância na sub-rogação a declaração prévia do credor ou devedor, ou pelo
facto de o terceiro ter interesse direto na satisfação do crédito.

Assunção de Dívida

Consiste, segundo o artigo 595º, na transmissão singular de uma dívida através de negócio
jurídico celebrado com terceiro.

Modalidades:

 Assunção interna: a transmissão de dívida resulta do efeito conjugado de dois negócios,


o contrato entre o antigo e o novo devedor e o negócio unilateral do credor a ratificar
esse contrato (através de declaração expressa ou tácita), visto que se não existir
ratificação a transmissão não é eficaz em relação ao credor, não fincando o novo
devedor vinculado perante o credor. Note-se que até à ratificação tanto o antigo como
o novo devedor podem distratar o contrato, mas após essa, já não, pois a assunção
torna-se definitiva. Pergunta-se se a assunção de dívida não vinculada pode valer como
assunção de cumprimento, isto é, como promessa de liberação, vinculando-se o
assuntor perante o primitivo devedor a liquidar a dívida deste. Ora, na assunção
liberatória, a ratificação é retroativa e de forma plena, ou seja, são ineficazes todos os
atos conservatórios do crédito, pois não foram dirigidos ao verdadeiro devedor. Na
assunção cumulativa a lei estabelece uma solidariedade imperfeita entre o antigo e o
novo devedor (595º/2) o que significa que a interpelação realizada pelo credor ao
primitivo devedor, terá os efeitos previstos no 519º, não sendo o novo devedor
responsável pelos danos moratórios imputáveis ao primitivo devedor.
 Assunção externa: a transmissão da dívida resulta de um único negócio jurídico, o
contrato entre o novo devedor e o credor, independentemente do antigo devedor dar
ou não consentimento. Se o credor pode aceitar prestação de terceiro (767º) que
determina a liberação do devedor, pode também celebrar com ele uma assunção
externa, independentemente da oposição do devedor. Mas, contudo, também se
questiona se esta possibilidade não põe em causa o princípio do contrato.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

 Assunção Cumulativa: nesta modalidade, o antigo devedor não é exonerado da sua


obrigação, mantendo-se solidariamente obrigado perante o credor. Esta ocorrerá se o
credor não declarar expressamente a exoneração do antigo credor (595º/2 segunda
parte), ficando, portanto, o novo devedor obrigado a responder solidariamente com o
antigo obrigado.
 Assunção Liberatória: o antigo devedor, com a transmissão da dívida fica exonerado,
ficando o novo devedor obrigado exclusivamente. A exoneração do antigo devedor está
dependente da declaração expressa do credor de que o devedor se exonera (595º/2
primeira parte). Note-se que a ratificação não se confunde com esta declaração, pois a
ratificação apenas tem como objetivo consentir a transmissão impedindo que as partes
a distratem, mas não opera a extinção da obrigação que vinculava o antigo devedor. A
declaração expressa que extinga a obrigação não obsta a que a obrigação renasça por a
transmissão ser declarada inválida (597º) ou por o credor ter ressalvado a
responsabilidade do primitivo devedor para o caso de insolvência do novo devedor
(600º).

Requisitos da Assunção de dívida:

a) Consentimento do credor: justifica-se pelo facto de o credor ter em conta em princípio


só o património do devedor para garantir o cumprimento, pelo que, poderia causar-lhe
prejuízo, se o devedor pudesse transferir a dívida sem o consentimento, visto que o
novo devedor podia encontrar-se numa situação patrimonial do que a que detinha o
antigo devedor. O consentimento do novo devedor é também imprescindível, visto que
não varia sentido que alguém adquirisse uma dívida sem a sua vontade, sendo
necessariamente sempre uma das partes, tanto na assunção interna como na assunção
externa. Note-se que na assunção externa o consentimento do antigo devedor é
dispensada, até porque se o terceiro pode cumprir uma obrigação mesmo com oposição
expressa do devedor (768º/2, logicamente pode também assumir as suas dívidas sem
consentimento.
b) Existência e Validade do contrato de transmissão: para a transmissão da dívida, a lei
obriga que exista um contrato transmissivo que não seja nulo ou anulável. Nada obsta
que se transmita dívidas futuras, desde que sejam determináveis, quer estas resultem
de negócio já celebrado quer de negócio a celebrar (em que a assunção só produz
efeitos quando a obrigação se constituir- apoiando a teoria da transmissão, isto é, a
dívida ainda vai passar primeiramente pelo património do transmitente e depois é que
muda para o devedor novo). Se o negócio de transmissão não ocorrer por invalidade ou
impossibilidade legal, a obrigação renasce ainda que o credor tenha exonerado o
primitivo devedor. Apenas ficam extintas as garantias prestadas por terceiro, exceto se
este conhecia o vício na altura em que teve notícia da transmissão (597º). Em caso de
invalidade do contrato de transmissão, poderão aplicar-se as regras gerais relativas à
proteção do credor como declaratário, evitando que lhe sejam opostas causas de
invalidade relativas à relação de cobertura, e que o credor ignorasse e não devesse
conhecer- Teoria contratual (por oposição à teoria da disposição- novo devedor pode
opor ao credor os vícios na formação da vontade que o afetem relativamente ao
contrato de assunção de dívida, desde que esses vícios procedessem igualmente contra
o devedor originário, mas já não pode opor a nulidade ou anulação do contrato que
serviu de fundamento à assunção- Antunes Varela e Menezes Cordeiro) que considera
que se estende em relação ao credor, a proteção do declaratário no comum dos
negócios jurídicos. O artigo 597º aplica-se tanto à alínea a) como b) do artigo 595º.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Regime específico da Assunção Cumulativa: na relação interna entre devedores, a dívida é


transferida para o novo devedor e estas são reguladas pelo contrato que serve de base à
assunção (o que explica que a presunção do 516º não lhe seja aplicada). Na relação externa
para com credor, na ausência de declaração de exoneração por parte do credor, ambos os
devedores respondem solidariamente, e, portanto, o credor pode exigir o cumprimento da
obrigação indistintamente a qualquer um dos devedores. Contudo, veja-se que a solidariedade
é imperfeita, pois se o novo devedor realizar o pagamento, não lhe assiste nenhum direito de
regresso sobre o antigo devedor. Se for o antigo devedor a realizar o pagamento, terá direito de
regresso sobre o novo devedor. O novo devedor como beneficiou com a transmissão da dívida,
pode aproveitar os meios de defesa da obrigação, em termos mais amplos que aqueles que goza
o devedor solidário. Assim, se o antigo devedor invocar um meio de defesa pessoal contra o
credor, esse aproveitará ao novo devedor, extinguindo-se a obrigação quanto a esse também.
O caso julgado obtido pelo credor contra o primitivo obrigado é extensível ao segundo, podendo
esse invocar ainda contra o credor os meios de defesa pessoais de que seja titular.

Regime específico da assunção liberatória: o credor exonera o antigo devedor da dívida,


passando o novo devedor a ser o exclusivo devedor. É transmitida a dívida com o mesmo
conteúdo que vinculava o antigo devedor. A exoneração do antigo devedor traduz-se na
impossibilidade de ser chamado a responsabilizar-se pela dívida, sendo chamado a pagar ou
funcionando como garante da obrigação (600º), mesmo que a insolvência do novo devedor se
verificasse já no momento da liberação. Até porque a declaração de exoneração do credor parte
do pressuposto, em princípio, de que o património do novo devedor basta para a satisfação do
seu crédito, devendo, portanto, assumir o risco da insolvência do novo devedor, posterior ou
anterior à exoneração. Isto ocorre mesmo que a assunção seja interna. O credor pode, no
entanto, ressalvar expressamente que o antigo devedor não se libera totalmente da dívida,
apenas responde subsidiariamente no caso de o novo devedor entrar em insolvência.

Transmissão das garantias e acessórios: em princípio, a transmissão da divida envolve em


princípio igualmente a transmissão das garantias e acessórios (599º). As obrigações acessórias
são também transmitidas, desde que não sejam inseparáveis da pessoa do antigo devedor. As
garantias do crédito, em princípio não serão transmitidas, a menos que haja consentimento do
garante, pois quando alguém garante uma obrigação fá-lo em princípio em razão da pessoa e da
situação patrimonial do devedor, que lhe transmite confiança de que irá cumprir a obrigação.
Ora, mas mantêm-se as garantias que já tivessem sido pelo assuntor antes da transmissão da
dívida ou que resultem diretamente da lei.

Os meios de defesa do novo devedor: o novo devedor não pode opor ao credor os meios de
defesa que resultem da relação entre ele e o novo devedor (assunção como ato causal por dela
resultar a proteção do credor contra quaisquer exceções derivadas da relação causal entre o
antigo e o novo devedor). O novo devedor, pode, contudo, opor ao credor os meios de defesa
derivados da relação entre ele e o credor. Os meios de defesa que o antigo devedor podia opor
ao credor, podem em princípio ser oponíveis pelo novo devedor ao credor (mesmo que o antigo
já tivesse invocado esses meios) mas o fundamento dessas exceções tem de ser anterior à
assunção de dívida e não podem constituir meios de defesa do antigo devedor.

Natureza da assunção de dívida: adesão à teoria da oferta ou teoria contratual, que considera
que a assunção de dívida teria como fonte um negócio trilateral, formado através da oferta
coletiva do primitivo devedor e do assuntor e de uma aceitação dessa oferta pelo credor.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Cessão da posição contratual

A posição contratual consiste na situação jurídica vasta que engloba o conjunto de direitos e
deveres, faculdades, poderes, ónus e sujeições que resultam para uma parte da celebração de
determinado contrato. A existência de uma posição contratual não importa que não se possa
transmitir isoladamente os créditos e as dívidas. A figura da cessão da posição contratual traduz-
se na transmissão da própria posição contratual globalmente considerada, isto é, situação
jurídica complexa de que era titular o cedente.

Figuras afins da posição contratual:

a) Subcontrato: sempre que alguém celebra determinado contrato com base na posição
jurídica que lhe advém de outro contrato do mesmo tipo, já previamente celebrado com
outrem. Um dos contraentes, com base na posição jurídica que lhe é atribuída por um
contrato já existente, contrata com terceiro um contrato com conteúdo total ou
parcialmente idêntico, de onde resultará necessariamente uma sua substituição total
ou parcial no exercido da referida posição jurídica, que passará a caber ao
subcontratante. Afasta-se da cessão da posição contratual porque a primitiva relação
do subcontrato se mantém inalterada, apenas se constitui um novo vínculo que se
coloca em relação ao anterior numa situação de dependência.
b) Adesão ao contrato: um terceiro vem a constituir-se parte numa relação contratual
existente entre duas pessoas, participando da posição jurídica já atribuída a uma delas,
sem que esta perca a titularidade dessa posição- aderente torna-se co-titular dos
créditos, instituindo-se uma pluralidade de sujeitos na relação obrigacional. É
necessário que o outro contraente dê, antes ou depois, o seu consentimento à adesão.
Nesta figura ocorre a agregação de outro sujeito a uma posição que lhe é conservada,
não existindo uma transmissão.
c) Sub-rogação legal forçada (manifestações: 1057º CC e 285º CT): a transmissão é imposta
por determinação legal, que é independente de estipulação das partes.

Requisitos da cessão da posição contratual (424º):

(1) Contrato a estabelecer a transmissão celebrado entre cedente e terceiro: tem de existir
um negócio unitários que tem por objeto a transmissão da posição global em globo.
Note-se que esse negócio pode ser uma compra e venda, doação, sociedade (…),
devendo ser um negócio causal. Os elementos da cessão da posição contratual vão
definir-se consoante o tipo de negócio que lhe serve de base (425º).
(2) Consentimento a essa cessão por parte do outro contraente: para a cessão é exigido
que haja consentimento do outro contraente, antes ou depois da celebração do
contrato e da outra parte no contrato transmitido. O outro contraente pode dar
previamente o seu consentimento a toda e qualquer cessão, sendo esse irrevogável.
Ainda assim nesse caso, o negócio de transmissão só produz efeitos após a notificação
ou reconhecimento da transmissão da posição contratual pela outra parte no contrato
(424º/2). Como a transmissão da posição não ocorre sem o consentimento desse outro
contraente, deve considerar-se que a cessão é um produto de um contrato trilateral,
exigindo-se para a sua perfeição o concurso de três declarações negociais.
(3) Inclusão da referida posição contratual no âmbito dos contratos com posições
recíprocas: Menezes Leitão considera que não há razão para restringir a cessão da
posição contratual aos contratos bilaterais ainda não executados, sendo igualmente
admissível a sua celebração nos contratos unilaterais ou nos contratos bilaterais

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

executados por uma das partes. Mesmo os contratos reais em que a entrega da coisa e
o efeito translativo do direito real já ocorreu, poderá ocorrer a cessão da posição
contratual, uma vez que o ato de disposição da posição contratual é naturalmente
diferente de um ato de disposição de direito real, até porque se mantém a posição
contratual de outras situações jurídicas, mesmo que ocorra a transferência do direito e
entrega da coisa.

Efeitos da cessão da posição contratual:

 Relação entre cedente e cessionário: A) transmissão da posição contratual: o


cessionário adquire todos os créditos, poderes potestativos, exceções, ficando
vinculado pelas obrigações, deveres acessórios e sujeições resultantes desse contrato.
Se o contrato era de execução continuada ou periódica, a cessão apenas abrange as
situações jurídicas correspondentes ao período do tempo posterior à celebração do
negócio. A cessão abrange a transmissão da faculdade de anulação do negócio? Questão
que só se coloca se a cessão não for vista como uma conformação tácita do negócio, por
ser anterior à cessão do vício ou ao seu conhecimento pelo cedente. Parece não ser
transmitida a faculdade de anulação, pois esta é estabelecida no especial interesse
daquele que viu a sua declaração negocial viciada, sendo por isso uma faculdade
inseparável da pessoa do cedente, que não pode ser objeto de transmissão. No entanto,
o cedente pode após a cessão invocar a anulação do negócio, sendo nula a cessão da
posição contratual por impossibilidade do seu objeto (280º). É possível, no entanto, que
o cedente constitua em responsabilidade civil por ter culpa na celebração do contrato
de cessão que veio a ser invalidado, ou por abuso de direito no caso de o seu interesse
na anulação do contrato ser de menor importância do que o prejuízo causado ao
cessionário; b) garantia prestada pelo cedente relativamente à posição contratual
transmitida (426º/1): o cedente garante ao cessionário, no momento da cessão, a
existência da posição contratual transmitida nos termos aplicáveis ao negócio, gratuito
ou oneroso, em que a cessão de integra. A garantia do cumprimento das obrigações só
existe se for expressamente convencionada nos termos gerais (426º/2). Em princípio, o
cedente não responde perante o cessionário se o contraente cedido deixa de cumprir
as suas obrigações contratuais ou se torna insolvente, pois o concessionário assume o
risco de incumprimento e insolvência quando realiza a cessão da posição contratual.
 Relação entre cessionário e contraente cedido: o cessionário torna-se, com a cessão da
posição contratual, no único titular da posição, sendo perante ele que o contraente
cedido deve exercer os seus direitos e cumprir as suas obrigações. Assim, não haverá
efeito liberatório se o contraente cedido cumprir a obrigação ao cedente, a menos que
este ainda não tenha sido notificado ou existido reconhecido, quando previamente
tenha dado o consentimento (424º2). A posição do cessionário pode não ser
exatamente igual à posição do cedente, imagine-se por exemplo, o caso de já ter sido
cumprida uma das obrigações ou até todo o contrato já ter sido integralmente
executado, visto que isso não obsta à cessão da posição contratual (ex. garantias contra
vícios das coisas ou direitos transmitidos). Nas relações contratuais duradoura presume-
se que os créditos e obrigações já vencidos, mas que ainda não tinham sido satisfeitos
se mantêm na titularidade do cedente. Como se transmitem poderes potestativos e
sujeições, pode o cessionário invocar a exceção de não cumprimento ou o direito de
retenção e resolver o contrato com base em incumprimento ou alteração das
circunstâncias. Poderá invocar para o exercício dos poderes potestativos situações que
ocorreram anteriormente à cessão da posição contratual? Se estiver em causa o

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

incumprimento de obrigações pelo cedente não poderá o contraente cedido exercer


esses direitos perante o cessionário. Se se tratar do incumprimento de uma obrigação
duradoura que sobreviva à cessão, o contraente cedido pode exercer perante o
cessionário os direitos correspondentes, mesmo que o seu fundamento tenha ocorrido
em data anterior à cessão. Quanto às garantias, aplica-se analogicamente o artigo 599º,
e por isso, mantém-se as garantias que tiverem sido prestadas pelo cedente ou pelo
cessionário, salvo se o contraente cedido consentir na sua extinção. Se a garantia tiver
sido prestada por terceiro, extingue-se a menos que o terceiro tenha dado o seu acordo
à transmissão da posição contratual (599º/2). A cessão da posição contratual não
implica que a outra parte conserve integralmente as exceções que possuía contra o
cedente, apenas passando a poder invocar contra o cessionário as exceções que
resultam da própria relação contratual. Admite-se que o contraente cedido possa como
condição de consentir na cessão, reservado outros meios de despesa de que disponha,
ou que o cessionário reserve exceções resultantes de outras relações com o cedente
antes de ter prestado ou requerido o consentimento do cedido. O cessionário não pode
opor ao contraente cedido exceções resultantes do próprio contrato que determinou a
cessão da posição contratual, devido aos artigos 427º e 598º. A justificação está na ideia
de que não seria correto que o contraente cedido, que se limitou a consentir na
transmissão, pudesse ficar sujeito a ver recusado o cumprimento ou resolvido o
contrato, com fundamento de que o cedente não cumpriu perante o cessionário alguma
das obrigações que determinaram a transmissão. Pode ser oposto ao contraente cedido
a invalidade do próprio contrato de cessão? Sendo a cessão um contrato trilateral,
haverá que aplicar ao contraente cedido as regras relativas à proteção do declaratário,
que exigem para a procedência do pedido de invalidade determinado estados subjetivos
da sua pessoa. Só pode ser invocada a invalidade se o contraente cedido conhecesse ou
devesse conhecer o vício. Só poderá proceder a anulação se se verificar em relação ao
contraente cedido os requisitos subjetivos exigidos para proteção da confiança do
declaratário, isto é, quando ele os conheça.
 Relação entre o cedente e o contraente cedido: a transmissão libera o cedente em
princípio quanto a todas as obrigações, deveres acessórios e sujeições emergentes do
contrato. Contudo, existem exceções: se o cedente já tiver causado danos em relação à
outra parte em virtude do incumprimento da obrigação principal ou de deveres
acessórios, a obrigação de indemnizar mantém-se na sua titularidade. As partes podem
estipular que a cessão da posição contratual se fará sem liberar o cedente das suas
obrigações. Não deixa por isso de se tratar de uma cessão da posição contratual, não
deixando o cedente de perder a sua qualidade de parte no contrato, mas assume-se
perante o cedido com um novo vínculo de garantia de cumprimento de uma obrigação
alheia.

Natureza da cessão da posição contratual: teoria unitária, isto é, o crédito e a dívida não surgem
isoladamente no âmbito da posição contratual, mas antes esta constitui uma situação jurídica
complexa cuja transmissão constitui precisamente o objeto do negócio de cessão da posição
contratual. Dispõem-se a relação obrigacional complexa em bloco.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Extinção das Obrigações

Causas de Extinção dos Negócios Jurídicos

A extinção das obrigações que resultam da autonomia privada verifica-se quando o negócio
jurídico que lhes serve de base é destruído, ou por negócio jurídico posterior (revogação,
resolução e denúncia), ou através de um facto jurídico em sentido estrito (caducidade) ou ainda
por um efeito conjugado dos dois (oposição à renovação)

 Revogação: consiste na extinção do negócio jurídico por virtude de uma manifestação


da autonomia em sentido oposto àquela que o constituiu. Estando em causa um
contrato, o distrate é bilateral, isto é, é necessário o consenso dos contraentes em
relação à extinção do contrato (406º/1). Se estiver em causa um negócio jurídico
unilateral, a revogação é igualmente unilateral, baseando-se unicamente numa segunda
declaração negocial do autor. Os efeitos da revogação ficam na disposição das partes,
podendo estas decidir pela sua retroatividade ou não. Note-se que a retroatividade não
é possível se se tiver criado uma situação em benefício de terceiro ou se o ato estiver
sujeito a registo e tiver sido este efetuado, sendo que nesse caso as partes apenas
podem realizar novo negócio de sentido inverso.
 Resolução: vem prevista nos artigos 432º e seguintes consistindo na extinção da relação
contratual por declaração unilateral de um dos contraentes, baseado num fundamento
ocorrido posteriormente à celebração do contrato. Em princípio5, a resolução é de
exercício vinculado, ou seja, só pode ocorrer se se verificar um fundamento legal ou
convencional que autorize ao seu exercício. O fundamento legal mais comum é o
incumprimento da outra parte. Os fundamentos contratuais são determinados nas
cláusulas resolutivas expressas. A lei exclui a possibilidade de resolução, quando não
existe possibilidade de restituir o que houver sido recebido (432º/2), tentando impedir-
se um enriquecimento injustificado da parte que exerce a resolução. Nos termos do
artigo 433º aplica-se o artigo 289º à resolução, com base na equiparação da resolução
ao regime da nulidade e anulabilidade, o que determina que a resolução tem como
consequência a tentativa de colocar as partes na situação em que estariam se o contrato
não tivesse sido celebrado, estipulando-se que deverão ser restituídas as prestações já
efetuadas, que devem ser realizadas simultaneamente. Esta equiparação tem exceções:
a) a possibilidade de a resolução não ter eficácia retroativa: se a eficácia retroativa
contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução (434º/1); b) tutela de
terceiros: a resolução não pode, mesmo que expressamente convencionada, prejudicar
terceiros (435º). A lei adotou o sistema da resolução por declaração (436º), mas a parte
que pretende contestar a resolução pode sempre recorrer ao tribunal para que este
verifique se existe realmente fundamento para a resolução. Se se verifica o fundamento
resolutivo, a parte poderá decidir se exerce ou não o direito de resolução, mas a
contraparte poderá fixar um prazo para o exercício desse direito de resolução, dentro
do qual a resolução deverá ocorrer, sob pena de caducidade (436º/2). Pretende-se com
isto evitar que o titular do direito de retenção adquira a faculdade de se desvincular do
contrato a todo o tempo.
 Denúncia: resulta de um negócio unilateral, bastando-se com a decisão de apenas uma
das partes. Não se baseia num fundamento, sendo de exercício livre e a todo o tempo,
tendo o seu campo de aplicação limitado aos contratos de execução continuada ou

5 É de exercício discricionário, por exemplo, na venda a retro.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

duradoura em que as partes não estipularam um prazo fixo de vigência. A denúncia não
é retroativa, limitando-se a extinguir o contrato para o futuro.
 Caducidade: consiste na extinção do contrato em virtude da ocorrência de um facto
jurídico em sentido estrito. O exemplo mais comum é o decurso do tempo, na medida
em que um contrato com prazo de vigência, caduca passado esse período. Outros
exemplos serão a caducidade por verificação da condição resolutiva, a morte ou
extinção de uma das partes nos contratos intuitu personae e a extinção do objeto do
contrato. Apesar dos artigos 328º e seguintes se referirem à caducidade como forma de
extinção dos direitos, são igualmente aplicáveis à caducidade dos negócios jurídicos. A
caducidade ocorre de forma automática, resultando imediatamente do facto jurídico
que a desencadeia, não dependendo de declaração negocial das partes. É apreciada
oficiosamente pelo tribunal. Não tem, em princípio eficácia retroativa, apenas
determinando a extinção do negócio jurídico para o futuro, salvo a caducidade
resultante da verificação de uma condição resolutiva (276º) e o facto de as partes
estipularem eficácia retroativa da caducidade (330º/1).
 Oposição à renovação: conjuga as figuras da caducidade (contrato previsto para um
certo período de tempo, sendo o decurso do tempo necessário para que ocorra a sua
extinção) de da denúncia (extinção, ainda assim fica dependente de uma declaração
negocial contrária à renovação, com as mesmas características que a denúncia) e
consiste na declaração de não renovação de um contrato, sendo de exercício livre, não
retroativa e que só pode ser exercida num certo período de lapso antes de ocorrer a
renovação do contrato (diferença com a denúncia que pode ser exercida a todo o
tempo).

A Prescrição

Ocorre a prescrição quando alguém adquire a possibilidade de se opor ao exercício de um


direito, em virtude de este não ter sido exercido durante um determinado lapso de tempo
(304º/1). É uma exceção, visto que o seu titular consegue paralisar eficazmente um direito da
contraparte. O artigo 298º separa as figuras da caducidade, uso e prescrição.

Podemos distinguir entre prescrição comum e prescrição presuntiva, sendo a primeira aquela
que se funda simplesmente no não exercício do direito durante um certo período, sendo esse
decurso que dá automaticamente a faculdade do devedor de recusar o cumprimento, enquanto
que a segunda é aquela que se funda na presunção de que, após um período, já se deve ter
verificado o cumprimento da obrigação (312º), visando dispensar o devedor de provar que já
efetuou o cumprimento. Estas últimas prescrições são destruídas pela confissão do devedor de
que ainda não realizou o cumprimento, só relevando extrajudicialmente se for efetuada em
documento escrito. A lei considera casos de confissão tácita: se o devedor se recusa a depor ou
prestar juramento no tribunal ou se praticar em juízos atos incompatíveis com a presunção de
cumprimento (ex. impugnação da existência de obrigação ou a invocação da compensação). Em
tudo o resto, aplica-se às prescrições presuntivas as regras da prescrição ordinária (315º). Os
artigos 316º e 317º apresentam-nos prescrições presuntivas de seis meses e de dois anos, tendo
estas como objetivo proteger o devedor que adquiram e pagam produtos e serviços fora da sua
atividade profissional (consumidores).

Regime: o artigo 300º apresenta imperativamente que são nulos os negócios jurídicos que
modifiquem os prazos legais de prescrição ou que facultem ou dificultem as condições em que
a prescrição opera os seus efeitos. O artigo 303º apresenta que a prescrição não pode ser
conhecida oficiosamente, tendo de ser invocada judicial ou extrajudicialmente para ser eficaz

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para a quem aproveita, o que significa que não atua automaticamente e, portanto, se não for
invocada, o devedor se for demandado judicialmente pelo credor, será obrigado pelo tribunal a
cumprir a obrigação. A prescrição é uma exceção peremptória, visto que extingue um direito de
crédito. Mas veja-se que, se o devedor cumprir a obrigação prescrita, não pode recorrer à
restituição do indevido, nos termos do artigo 304º/2, na medida em que não se admite que a
extinção da obrigação por prescrição tivesse por efeito permitir ao devedor adquirir o exercício
pleno de direitos sobre a contraparte, que anteriormente se encontrariam dependentes do
cumprimento da obrigação. A prescrição é renunciável, mas apenas após ter decorrido o prazo
prescricional (302º/1), podendo renunciar a essa quem puder dispor do benefício que a
prescrição tenha criado (302º/3). Para além do devedor, podem invocar a prescrição os seus
credores e quaisquer terceiros com legítimo interesse na sua declaração, ainda que o devedor a
ela tenha renunciado (305º/1), ficando nesse último caso a invocação da prescrição dependente
da demonstração dos requisitos da impugnação pauliana (305º/2).

Prazo de Prescrição: o lapso de tempo que tem de passar para que se forme o direito de invocar
a prescrição é denominado de prazo de prescrição e está sujeito a regras especificas quanto à
duração, início, suspensão e interrupção. O prazo ordinário de prescrição é de 20 anos, existindo
também um prazo especial de 5 anos para os casos presentes no artigo 310º. As prescrições
presuntivas têm prazos mais reduzidos- seis meses e dois anos. Os prazos especiais de prescrição
deixam de se aplicar se, passando a vigorar o prazo da prescrição ordinária, a partir do momento
em que o direito seja reconhecido por sentença transitada em julgado ou outro título executivo,
salvo se esse título se referir a prestações ainda não devidas. O prazo da prescrição inicia-se a
partir do momento em que o credor tem a possibilidade de exigir do devedor que realize a
prestação devida. Pode ocorrer a transmissão do prazo de prescrição se se verificar uma
transmissão do crédito ou da dívida (308º). O prazo de prescrição pode suspender-se quando a
sua contagem é paralisada durante a verificação de certos factos ou situações a que a lei atribui
esse efeito, contando-se após a sua cessação o lapso de tempo anteriormente decorrido (318º).
Por outro lado, ocorre interrupção quando não apenas a sua contagem é paralisada em virtude
de certos factos ou situações, mas também se inutiliza o prazo anteriormente decorrido (323º).
As causas de suspensão podem dizer respeito a todo o curso do prazo ou apenas ao seu termo,
sendo que no primeiro caso as causas impedem que o prazo da prescrição se inicie ou continue
a correr e no segundo caso impedem que se complete.

Natureza: a prescrição é uma exceção peremptória, visto que permite paralisar definitivamente
um direito da contraparte, que deixa de poder ser exigido, ficando a tutela do credor limitada
ao facto de a prescrição realizada espontaneamente em cumprimento da obrigação prescrita
não poder ser repetida. A situação jurídica do credor da obrigação prescrita é semelhante à do
credor da obrigação natural, o que significa que podemos considerar a prescrição como uma
hipótese de transformação da obrigação civil em obrigação natural (aplica-se à obrigação
prescrita as normas do 403º e 615º/2). A prescrição é considera causa de extinção das
obrigações, visto que ML não considera as obrigações naturais como verdadeiras obrigações
jurídicas.

Impossibilidade Superveniente da Prestação e Problema do Risco nos Contratos Bilaterais e


nos Contratos Reais

Regime da Impossibilidade causal da prestação (790º e seguintes): para que a impossibilidade


da prestação possa acarretar a extinção da obrigação ela tem de ser: a) superveniente, ou seja,
tem de ocorrer após a constituição da dívida, visto que sendo impossibilidade originária o
negócio considera-se nulo por impossibilidade do objeto (401º e 280º); b) objetiva, ou seja, quer

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

dizer respeito à prestação em si, independentemente da pessoa que a realizar. No entanto, no


caso das prestações serem infungíveis ou porque o facto que impossibilitou o devedor de
realizar a prestação impossibilitou igualmente um terceiro de providenciar a sua substituição, a
impossibilidade relativa à pessoa do devedor produz efeito extintivo da obrigação (791º): c)
absoluta, no sentido de que a prestação se torne efetivamente irrealizável, não bastando uma
impossibilidade relativa, correspondente à maior dificuldade de realização da prestação,
podendo esta apenas determinar o instituto da alteração das circunstancias se se verificarem os
pressupostos; d) definitiva, na medida em que se for apenas uma impossibilidade temporária, o
devedor não responde pelo atraso no cumprimento, mas continua adstrito à realização da
prestação (792º/1). Note-se que a impossibilidade temporária é convertida em definitiva se o
credor perder o interesse na realização da prestação (792º/2). Assim, verificadas estas
características, a impossibilidade termina a extinção da obrigação, ficando o devedor exonerado
e suportando o credor o risco, através da perda do seu direito de crédito. A impossibilidade
poderá apenas dizer respeito a uma parte da prestação e, nesse caso, a lei determina que o
devedor se exonera mediante a prestação do que for possível devendo a contraprestação ser
proporcionalmente reduzida (793º). No caso de o credor não tiver interesse justificadamente na
prestação parcial pode resolver o contrato. Se o devedor adquirir, em consequência do facto
que tornou impossível a prestação, um direito sobre certa coisa ou contra terceiro em
substituição do objeto da prestação, o credor pode exigir a prestação dessa coisa ou substituir-
se ao devedor na titularidade do direito que este tiver adquirido contra terceiro (794º)-
commodum de representação, na medida em que se pretende corrigiu o enriquecimento do
devedor obtido através da extinção da obrigação e de outro beneficio que advém do mesmo
facto.

Situações equiparáveis à impossibilidade de prestação: que regime se aplica às situações em


que ainda é possível realizar a conduta a que o devedor se vinculou, mas já não é possível através
desta satisfazer o interesse do credor, visto que ou a prestação se tornou inidónea para esse fim
ou o interesse do credor já se encontra satisfeito por outra via? Estas situações não se
reconduzirão a hipóteses de impossibilidade de prestação, visto que a ação de prestar se
mantém abstratamente possível. Contudo, o credor não vai retirar qualquer benefício da ação
do devedor, não fazendo sentido a realização da prestação (na medida em que esta deve
corresponder necessariamente a um interesse do credor- 398º/2), justificando-se equiparar
estas situações à impossibilidade para efeitos de exoneração.

O risco nos contratos sinalagmáticos

Distribuição do risco em caso de verificação da impossibilidade da prestação: nos contratos


sinalagmáticos, o princípio da interdependência das prestações, impede que uma prestação
possa ser realizada sem que a outra o seja e, portanto, a impossibilidade da prestação vai afetar
tanto o credor como o devedor. Assim, segundo o artigo 795º o credor fica desobrigado da
contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos
previstos para o enriquecimento sem causa (desaparecimento superveniente da causa para a
receção da prestação). Veja-se que neste tipo de contratos, a impossibilidade de uma prestação
implica a extinção de todo o contrato, acarretando a caducidade deste, sendo distribuído o risco
por ambas as partes, através da extinção recíproca das suas obrigações. O credor pode optar
pela exoneração da sua obrigação ou pelo exercício do commodum de representação,
mantendo-se vinculado (794º), na medida em que, o devedor através dessa figura mantêm-se
vinculado, ainda que com diferente objeto, não se podendo admitir que o credor fique
exonerado de contraprestação. É obvio que se a impossibilidade da prestação for imputável ao

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credor não haverá direito deste se exonerar da contraprestação, podendo apenas da sua
contraprestação ser descontado o benefício que o devedor possa vir a ter com a exoneração.

Problema da frustração do fim da prestação ou a realização do interesse do credor por outra


via: consideramos que existe uma lacuna na lei, havendo de proceder à integração analógica da
regra cuja aplicação ao caso omisso se apresente como mais adequada, sendo que consideramos
que esta é o artigo 1227º que determina que o devedor suporta a perda da sua remuneração
(contraprestação), mas tem o direito a ser indemnizado pelo trabalho efetuado e despesas
realizadas, na medida em que o devedor só não realiza a prestação por facto externo à sua
conduta.

Risco nos contratos reais de alienação: a regra geral é a de que o risco pelo perecimento ou
deterioração da coisa cabe ao que for proprietário dela, no momento em que tal evento se
verifica. Assim, se já houve transmissão da propriedade sobre a coisa objeto da entrega, o seu
perecimento não importa a extinção do direito à contraprestação- 796º- ficando o devedor
exonerado da sua obrigação, mas o credor, suportando o risco, continua onerado com a sua
contraprestação. Isto decorre do facto de o devedor quando aliena a sua propriedade passa a
ser um mero depositário da coisa, não retirando qualquer benefício pela sua guarda, não sendo
correto que suportasse o risco, na medida em que este está associado ao proveito que dela se
retira (estando associado ao proprietário). Note-se a necessidade de atender às regras dos
artigos 408º/1, 408º/2, 540º e 541º relacionadas com a transferência da propriedade, na medida
em que só com a transferência da propriedade ocorrer a transferência do risco. Nos artigos
796º/2 e 3 e 797º a lei determina regras especiais de distribuição do risco: (i) 796º/2: sendo o
termo estabelecido a favor do alienante, este não pode considerar-se um mero depositário da
coisa, utilizando-a em proveito próprio, justificando-se que suporte o risco. A transferência do
risco ocorre quando o termo se vencer (o alienante passa a ser um mero depositário) ou quando
ocorrer a entrega da coisa (passa a ser o adquirente a utilizar a coisa) Note-se que, mesmo
depois do fim do termo, o alienante se constituir em mora quanto à obrigação de entrega, a
mora acarreta a inversão do risco (807º); (ii) 796º/3: sendo estabelecida uma condição
resolutiva, esta não impede a transmissão da propriedade durante a pendência da obrigação, o
que associado à entrega da coisa, faz supor que é o adquirente que se encontra a tirar proveito
da coisa, sendo normal que seja este a suportar o risco. Por outro lado, sendo estabelecida uma
condição suspensiva, a transmissão da propriedade não ocorre, não sendo possível atribuir o
risco ao adquirente, correndo este por conta do alienante; (iii) 797º: aplica-se manifestamente
apenas às obrigações genéricas, na medida em que a transferência do risco nas obrigações que
têm por objeto coisa determinada ocorre com a celebração do contrato. Assim, quando o
devedor se obriga (por força de convenção) a enviar a coisa para local diferente do local do
cumprimento, a transferência do risco ocorre antes da entrega ao credor no destino, operando-
se logo que se efetua a sua entrega ao distribuidor.

Alteração das Circunstâncias

A alteração das circunstâncias expressa uma contradição entre o princípio da autonomia


privada, que exige o cumprimento pontual dos contratos livremente celebrados, e o princípio
da boa fé, segundo o qual não será licito a uma das partes exigir da outra o cumprimento da
obrigação sempre que uma alteração do estado da coisas posterior à celebração do contrato

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tenha levado a um desequilíbrio das prestações gravemente lesivo para essa parte. A alteração
das circunstâncias está presente no artigo 437º6.

Requisitos:

a) Alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, ou


seja, relevam as alterações das circunstâncias efetivamente existentes à data da
celebração do contrato e que tenham sido causais em relação à sua celebração pelas
partes (“base do negócio objetiva”).
b) Caráter anormal dessa alteração, ou seja, que a verificação da alteração seja
imprevisível para as partes, como, por exemplo, revolução, estado de guerra,
alteração legislativa inesperada ou mudança radical nos pressupostos de facto que
determinaram a celebração do negócio (crise económica). Excluem-se desta
anormalidade a alteração dos preços dos produtos comercializados ou a não
obtenção das autorizações administrativas necessárias.
c) Que essa alteração provoque uma lesão para uma das partes, levando ao surgimento
de um desequilíbrio entre as prestações contratuais.
d) Que a lesão seja de tal ordem que se apresente como contrária à boa fé a exigência
do cumprimento das obrigações assumidas: pode considerar-se a alteração das
circunstâncias se apresenta como uma modalidade de abuso de direito, neste caso de
abuso de direito de crédito, na medida em que, por força da boa fé, se torna ilegítimo
ao credor a exigência da prestação. Assim, esta figura não pode ser aplicada a
contratos já executados, correndo o risco das alterações de valor que a prestação
venha a sofrer por conta do recetor da prestação.
e) E que não se encontre coberta pelos riscos próprios do contrato: veja-se que disto
resulta que a alteração de circunstâncias se apresenta como subsidiária em relação
às regras de distribuição do risco, cessando a sua aplicação sempre que exista uma
regra que atribua aquele risco a uma das partes (ex. impossibilidade da prestação-
795º e 796º). Portanto, nos limites aleatórios, em que não haja limites aos riscos
assumidos pelas partes fica de todo excluída a aplicação do regime da alteração das
circunstâncias.

Exclusão da aplicação deste regime em caso de mora da parte lesada (438º): é negado à parte
lesada o direito de resolução ou modificação do contrato se se encontrava em mora (efetiva,
excluindo-se o caso de impossibilidade temporária- 792º) no momento em que a alteração das
circunstancias se verificou, na medida em que a mora do devedor provoca a inversão do risco
da prestação (807º), passando a assumir o devedor o risco de verificação de posteriores
desequilíbrios contratuais não podendo impor ao credor uma distribuição de risco distinta. Por
outro lado, sem esta regra, estar-se-ia a premiar uma falta contratual, visto que se o devedor
tivesse cumprido a tempo o contrato estaria executado não se podendo recorrer à alteração das
circunstâncias. Este regime apresenta uma exceção no artigo 830º/3, visto que se permite na
ação de execução especifica, que a sentença, a requerimento do faltoso, determine a
modificação (mas não resolução) do contrato nos termos do artigo 437º, ainda que a alteração
seja posterior à mora.

Efeitos: a alteração das circunstâncias permite à parte lesada proceder à resolução do contrato
ou requerer a sua modificação segundo juízos de equidade. A parte não lesada tem ainda a

6Note-se o artigo 252º/2 que determina o erro sobre a base do negócio como fundamento da anulação do contrato,
remetendo para o artigo 437º (oposição a conceção objetivista e subjetivista sobre a base do negócio).

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possibilidade de se opor à resolução do contrato se aceitar a sua modificação segundo juízos de


equidade. Não é imperativo o recurso a juízo para a resolução do contrato por alteração das
circunstâncias. A expressão “requerer a resolução” explica-se pela necessidade de a parte lesada
averiguar se a outra parte não lhe impõe a modificação segundo juízos de equidade, não
podendo decretar imediatamente a resolução. Se a parte não impuser a modificação, a
resolução é decretada, seguindo o regime normal (439º). Se for escolhida a modificação, as
partes podem acordam extrajudicialmente a modificação do contrato (atendendo à necessidade
de repor o equilíbrio contratual, tomando em atenção qual a vontade das partes no contrato e
qual a eficácia concreta que a alteração teve na esfera da parte lesada), só necessitando de
recorrer a juízo no caso de ocorrer conflito quanto a isso.

O Cumprimento

Segundo o artigo 762º/1 o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação devida,
sendo o cumprimento a causa normal de extinção das obrigações, visto que a realização da
prestação satisfaz o interesse do credor, liberando o devedor da obrigação.

O regime do cumprimento obedece a dois princípios gerais: a) princípio da pontualidade


(406º/1): exige-se uma correspondência integral em todos os aspetos e não apenas no temporal,
entre a prestação efetivamente realizada e aquela a que o devedor se encontra vinculado, sob
pena de incumprimento, ou pelo menos, cumprimento defeituoso. É, por isso, proibida qualquer
alteração á prestação devida, não podendo o credor ser constrangido a receber do devedor coisa
ou serviço diferente, mesmo que possuam um valor superior à coisa prestada. Não existe,
portanto, a possibilidade de o devedor alterar a prestação devido à sua má situação económica,
sendo esta completamente irrelevante para o cumprimento da obrigação (veja-se 601º e 604º),
salvo nos casos, por exemplo, das obrigações de alimentos e indemnizações de renda; b)
princípio da integralidade (763º/1): o devedor deve realizar a prestação de uma só vez, ainda
que se trate de prestação divisível. Esta norma é supletiva, podendo ser afastada por estipulação
em contrário (ex. obrigações fracionadas e venda a prestações, devendo nestes casos o
cumprimento ser realizado em prestações, existindo enriquecimento em causa do credor se o
devedor realizar a prestação integralmente- 476º/3), pela lei (ex. regime das letras, livranças e
cheques e no caso da imputação do cumprimento prevista no 784º/2, no caso de pluralidade de
fiadores que gozem de beneficio da divisão e quando exista compensação com dívida de menor
montante) ou por usos (ex. situações em que a não permissão do cumprimento parcial se possa
considerar como contrária à boa fé (762º/2). Este princípio tem como consequência a
possibilidade de o credor recusar receber apenas uma parte da prestação, mas se este decidir
exigir apenas parte da prestação, o devedor não deixa de poder oferecer a prestação por inteiro
(763º/2); c) princípio da boa fé (762º/2): tanto no cumprimento da obrigação como no exercício
do direito correspondente devem as partes proceder de boa fé, o que significa que para o
cumprimento da obrigação não basta uma mera realização da prestação devida em termos
formais, sendo necessário o respeito dos ditames da boa fé, tanto por parte do devedor como
do credor. Os deveres acessórios de conduta (proteção, informação e lealdade) aplicam-se na
fase de cumprimento das obrigações, não podendo a conduta do devedor nem do credor causar
sacrifícios excessivos para qualquer das partes, devendo procurar satisfazer plenamente o
credor. O não seguimento dos deveres acessórios de conduta podem levar a responsabilidade
civil e fundamentar o direito a uma indemnização, se essa violação causar danos a qualquer uma
das partes; d) princípio da concretização: significa que a vinculação do devedor deve ser
concretizada numa conduta real e efetiva, sendo esta atuação regulada quanto aos pressupostos
para o cumprimento (capacidade das partes, disponibilidade da coisa dada em prestação,

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

legitimidade), formas de realização (lugar e tempo) e determinação dos seus efeitos (imputação
do cumprimento), sendo necessário que, para que haja cumprimento da obrigação, se respeite
toda a disciplina jurídica que regula o modo de realizar a prestação.

Capacidade para o cumprimento (764º): não se exige a capacidade do devedor, a menos que a
própria prestação consista num ato de disposição (cumprimento implique o cumprimento de
novo negócio jurídico ou dele resulte diretamente a alienação ou oneração do património do
devedor). Nesse sentido, a prestação pode ser realizada por um devedor incapaz, desde que o
negócio jurídico celebrado seja válido. Mas se a prestação consistir num ato de disposição, o
incapaz não pode cumprir a obrigação, devendo a prestação ser realizada pelo seu
representante legal. Se o devedor incapaz realizar a prestação, o credor por recusá-la, visto que
se a aceitar pode estar sujeito a um pedido de anulação do cumprimento, visto que esse
cumprimento está sujeito a ser anulado nos termos gerais. O pedido de anulação do
cumprimento pode ser paralisado pelo credor, se demonstrar que o devedor não teve prejuízo
com o cumprimento, através de uma expectio doli. No caso de a prestação ser realizada por
terceiro, ela consistirá sempre num ato de disposição, visto que o terceiro não se encontra
vinculado a realizá-la, o que leva a crer que a capacidade do terceiro será sempre exigida para a
realização da prestação. O credor deve ter capacidade para receber a prestação, o que significa
que se a prestação for realizada a credor incapaz, o seu representante legal poderá solicitar a
sua anulação e a realização de nova prestação pelo devedor. Nesta situação, o devedor pode
também opor-se ao pedido de anulação quanto à parte da prestação que tiver sido recebida
pelo representante ou ao enriquecimento por parte do incapaz que ocorra, sendo esta exceção
fundada no princípio da proibição do enriquecimento injustificado, visando-se impedir que o
incapaz fique enriquecido com a nova prestação.

Disponibilidade da coisa dada em cumprimento: o devedor para poder cumprir eficazmente a


obrigação que tenha por objeto uma prestação de coisa, tem de ser titular da coisa dada em
prestação e ter capacidade e legitimidade para proceder à sua alienação. O cumprimento de
uma obrigação com coisa aleia ou coisa própria de que não pode dispor, leva a que o credor
esteja sempre exposto à possibilidade de ver a coisa reivindicada pelo seu legitimo proprietário
ou o cumprimento ser anulado, o que permite que este possa impugnar o cumprimento
realizado (765º), não obstante poder também ser ressarcido pelos prejuízos que sofra. Não faz
sentido que o devedor possa invocar a seu próprio benefício a ausência de disponibilidade da
coisa para impugnar o cumprimento, a menos que possa imediatamente oferecer nova
prestação em substituição.

Legitimidade para o cumprimento: normalmente, o cumprimento verifica-se com a realização


da prestação pelo devedor ao credor, ou seja, as partes no cumprimento são as mesmas na
relação obrigacional. Contudo, nem sempre é assim, podendo ser realizada por um terceiro ou
efetuada a um terceiro, havendo a necessidade de averiguar a legitimidade desse, visto que sem
legitimidade não há extinção da obrigação.

 Legitimidade Ativa: o autor do cumprimento pode ser qualquer pessoa, quer tenha
interesse direito no cumprimento ou não (767º/1). Nesse sentido, apesar de o credor só
poder exigir a prestação ao devedor, esta pode ser realizada por qualquer pessoa, sem
que o credor se possa opor. Veja-se que se recusar receber a prestação por terceiro,
incorre em mora perante o devedor, como se tivesse recusado a prestação desse
mesmo (768º/1 e 813º) Contudo, o terceiro não em legitimidade para realizar a
prestação se esta for infungível por natureza ou convenção das partes (267º/2),
podendo nesses casos o credor recusar a prestação e exigir que seja o devedor a realizá-

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la. Para além deste caso, a lei admite a recusa do credor se o devedor se opuser ao
cumprimento, desde que o terceiro não tenha interesse direto na satisfação do crédito,
por, por exemplo, ter garantido obrigação (768º/2 e 592º). Mas veja-se que a oposição
do devedor não obsta a que o credor validamente aceite o cumprimento, apenas lhe
permite, se o terceiro não tiver interesse direto, recusar a prestação sem entrar em
mora.
 Efeitos do Cumprimento por Terceiro: o cumprimento por terceiro provoca a extinção
da obrigação e consequente liberação do devedor, mas pode ter outras consequências,
como: a)doação indireta do terceiro ao devedor, quando o cumprimento deste é
realizado com espirito de liberalidade (940º); b) transmissão do crédito para o terceiro,
o que sucede em todas as situações de sub-rogação (589º e seguintes), não se
verificando uma liberação do devedor, mas apenas uma mudança do credor pela
transmissão do crédito; c)obtenção de um direito ao reembolso de despesas, em caso
de gestão de negócios ou mandato (464º e seguintes e 1157º e seguintes). Aqui o
pagamento é considerado um ato jurídico alheio, realizado por conta do devedor,
podendo o seu autor demandar a restituição do que nele despendeu; d) restituição do
enriquecimento por prestação, no caso de o terceiro julgar erroneamente estar a
efetuar uma prestação ao credor (477º) ou ao devedor (478º); e) restituição do
enriquecimento por despesas, em caso de pagamento de dívidas alheia, sem se verificar
qualquer das situações acima referidas. Uma ação de enriquecimento intentada pelo
terceiro deve ser sempre contra o devedor e não o credor.
 Legitimidade Passiva: tem legitimidade passiva o credor ou o seu representante, só
podendo estes receber a prestação (769º). Se o credor for incapaz, o devedor deverá
cumprir a obrigação ao seu representante legal, sob pena de a carência de capacidade
de exercício da receção da prestação por parte do credor, possa significa a anulação do
cumprimento (764º/2). Quanto à representação voluntária, o artigo 771º determina que
o devedor não é obrigado a satisfazer a prestação ao representante voluntário nem à
pessoa autorizada a recebê-la se não existir convenção nesse sentido. Para efeitos de
legitimidade, sem ser estes, todas as outras pessoas são consideradas terceiros, o que
significa, em princípio, que se a prestação for realizada a terceiros não ocorre a extinção
da obrigação, podendo o devedor ter que realizar a prestação outra vez e o autor da
prestação exigir a restituição com o fundamento no enriquecimento por prestação
(770º e 476º/2). Contudo, o artigo 770º apresenta-nos algumas situações em que se
verifica a extinção da obrigação quando a prestação é realizada a terceiro, ou seja,
situações em que o terceiro adquire legitimidade passiva: a) se tiver sido estipulado ou
consentido pelo credor, tendo o terceiro desde o inicio legitimidade para receber a
prestação, a qual extingue a obrigação; b) se o terceiro vier a adquirir legitimidade
superveniente para a sua receção, quando o credor ratifica o cumprimento. visto que a
ratificação tem efeito retroativo (268º/2) tudo se passa como se o terceiro tivesse
legitimidade inicialmente; c) se ocorrer posteriormente a junção na mesma pessoa das
qualidades de credor da prestação e de devedor da sua restituição, isto é, quando o
terceiro adquire posteriormente o crédito ou o credor for herdeiro de quem recebeu a
prestação, por cujas obrigações responde, considerando-se como liberatório o
cumprimento efetuado por terceiro em vez de atuar o instituto da compensação quanto
à obrigação de restituição e a obrigação inicial; d) se o credor não tiver interesse em
novo cumprimento da obrigação, o que acontece se ele vier a aproveitar-se do
cumprimento- exclui-se esta hipótese no caso de o devedor pagar ao credor do seu
credor, visto que o interesse do credor corresponde a puder decidir como aplicar a

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prestação recebida; e) se a lei considerar liberatória a prestação feita a terceiro por


outro motivo (ex. insolvência do devedor, constituição de penhor (685º) ou penhora
sobre o crédito, em caso de exercício de ação de sub-rogação indireta (606º) ou direta
(1181º/2), situações em que o terceiro é credor aparente do devedor, como casos de
ignorância por este da cessão de créditos ou do pagamento feito pelo fiador ou no
contrato de agência- não existe contudo um principio geral de eficácia liberatória do
pagamento antecipado a credor aparente, sendo estes casos excecionais)- exceção ao
principio da pontualidade do cumprimento (406º).

Tempo do Cumprimento: neste âmbito podemos distinguir entre a pagabilidade do débito, que
consiste no momento em que o devedor pode cumprir a obrigação, forçando o credor a recebê-
la, sob pena de entrar em mora; e exigibilidade ou vencimento do débito, isto é, o momento em
que o credor pode exigir do devedor a realização da prestação, sob pena de o devedor entrar
em mora. Regra geral, as partes nas suas estipulações contratuais estabelecem apenas a
segunda. O regime do prazo da prestação encontra-se regulado a título supletivo nos artigos
777º e seguintes, onde se determina a pagabilidade e exigibilidade da dívida. Importa atender à
distinção entre obrigações puras e obrigações em prazo, sendo as primeiras aquelas cujo
cumprimento pode ser exigido ou realizado a todo o tempo e as segundas aquelas em que a
exigibilidade do cumprimento ou a possibilidade da sua realização é diferida para momento
posterior, ainda que a sua constituição já se tenha verificado (ao contrário das obrigações
condicionais). Em regra, as obrigação não têm prazo sendo obrigações puras, o que leva a que o
credor possa exigir o cumprimento a todo o tempo, o devedor se possa exonerar-se a todo o
tempo e a que o devedor só entra em mora com a exigência do cumprimento pelo credor
(777º/1 e 805º/1). Contudo, as partes podem estabelecer um prazo para o cumprimento da
obrigação- obrigações com prazo certo (ex. todas as resultantes de remunerações de transações
comerciais)- o que leva a que o decurso do tempo constitua o devedor em mora (805º/2 a)). Em
certos casos, mesmo que a lei nem as partes estabeleçam um prazo, a obrigação não pode
considerar-se pura, na medida em que se torna necessário um praz pela própria natureza da
prestação quer pelas circunstâncias que a determinaram quer pelos usos. Nestes casos, as
partes deverão acordar quanto à determinação do prazo, cabendo ao tribunal fazê-lo se estas
não chegarem a acordo (777º/2). A determinação do prazo pode ser deixada igualmente a cargo
de uma das partes, sendo que o artigo 777º/3 determina que compete ao tribunal, a
requerimento do devedor, fixar um prazo de o credor competente não o fizer. Quando compete
ao devedor estabelecer o prazo, a lei distingue: obrigações cum potuerit, isto é, aquelas em que
o critério de determinação do prazo é um fator objetivo- o devedor ter nesse momento os meios
económicos necessários para realizar a prestação. Estas obrigações estão presentes no artigo
778º/1 que determina que quando se estipula que o devedor cumpre quando puder, o credor
só pode exigir o cumprimento se demonstrar que o devedor tem possibilidade de cumprir. No
caso de não conseguir demonstrar, depois da morte do devedor pode exigir o cumprimento da
prestação aos herdeiros do devedor, mas estes estão limitados aos bens da herança (2071º);
obrigações cum voluerit, ou seja, o critério para determinar o prazo é subjetivo- o devedor
realiza a prestação quando lhe aprouver. Estas estão previstas no artigo 778º/2 que estabelece
que se o prazo for deixado ao arbítrio do devedor a prestação só pode ser exigida dos seus
herdeiros após o falecimento. Estabelece-se um prazo incerto de pagamento coincidente com a
vida do devedor.

A quem cabe o benefício do prazo, isto é, a quem compete a possibilidade de a prestação ser
realizada ou exigida em momento posterior? O artigo 779º determina que em regra o benefício
cabe ao devedor, mas em certos casos, como no depósito, a lei atribui esse benefício ao credor

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

ou então nos casos como o mútuo oneroso, estabelece-se o benefício a favor tanto do credor
como do devedor. Ao credor e ao devedor, quando têm este benefício, é possível que lhe
renunciem, podendo o devedor prestar antes do fim do prazo e o credor exigir a prestação a
todo o tempo. Contudo, é necessário uma renúncia efetiva, visto que se a prestação for prestada
antecipadamente por erro desculpável atua o artigo 476º/3 do enriquecimento sem causa. No
caso de o benefício sem estipulado a favor de ambas as partes, em princípio nenhuma lhe pode
renunciar, mas a lei prevê a possibilidade de antecipação do prazo pelo mutuário (devedor) no
caso de mútuo, desde que pague ao credor os juros por inteiro.

O prazo em benefício do devedor significa que o credor não pode exigir a prestação antes do
fim do prazo, mas o devedor pode proceder à sua realização a qualquer tempo, renunciando ao
benefício do prazo- existe pagabilidade, mas não exigibilidade. O prazo em benefício do credor
significa que o credor tem a faculdade de exigir a prestação a todo o tempo, mas o devedor só
tem a possibilidade de cumprir no fim do prazo- a dívida é exigível, mas não é pagável (ex.
1194º). Quando o prazo é estabelecido em benefício de ambas as partes, nenhuma delas terá a
faculdade de determinar a antecipação do cumprimento, o que significa que o decurso do tempo
determina a pagabilidade e a exigibilidade da dívida.

Perda do beneficio do prazo: quando é atribuído o benefício do prazo ao devedor, este pode
perder esse benefício, caso a sua situação patrimonial se altere ou pratique algum ato
considerado incompatível com a confiança do credor que determinou que lhe fosse concedido
o prazo para o pagamento. Veja-se que o artigo 780º estabelece que o credor pode exigir o
cumprimento imediato da prestação, se o devedor se tornar insolvente (ainda que não tenha
sido judicialmente declarada), se por causa imputável ao devedor diminuírem as garantias do
crédito, se não foram prestadas as garantias prometidas7 (nestes casos, o credor tem a
possibilidade de exigir do devedor a substituição ou o reforço das garantias, se estas sofrerem
diminuição (780º/2), desde que o perecimento das garantias seja culpa do devedor) ou se não
for realizada uma prestação nas dívidas a prestações (781º- só se aplica às prestações
instantâneas fracionadas e não às prestações periódicas; e o a compra e venda a prestações é
regulada quanto a esta matéria no artigo 934º). A perda deste benefício não se estende aos co-
obrigados do devedor nem aos terceiros que garantiram o cumprimento da obrigação, visto que
essa perda é pessoal (782º), o que significa que o credor tem de esperar pelo vencimento normal
para exigir o cumprimento aos codevedores ou a terceiros garantes. Esta regra tem exceções:
no caso de a obrigação ser solidária, a insolvência ou a responsabilidade pela diminuição de
garantias pode verificar-se em mais de um dos devedores, o que legitima que o credor exija o
cumprimento imediatamente a todos os codevedores relativamente aos quais se verificam estas
circunstâncias; e os terceiros garantes de hipoteca ou penhor podem causar, culposamente a
diminuição da garantia, sendo o devedor estranho à constituição da garantia, podendo o credor
neste caso exigir a substituição ou reforço da garantia, ou quando tal não aconteça, o
cumprimento imediato da obrigação (701º/2 segunda parte e 678º).

Lugar do Cumprimento: os artigos 772º e seguintes são regras supletivas quanto ao local onde
deve ser realizada a prestação, cedendo perante estipulação em contrário das partes e perante
normas especiais (885º, 1039º e 1195º). Importa distinguir 3 tipos de obrigações, consoante o

7 O credor pode exigir o cumprimento imediato mesmo que as garantias ainda existentes sejam mais do que
suficientes para assegurar a execução forçada da obrigação e não exista qualquer receito da insolvência, visto que o
devedor praticou uma infração contratual, pois implicitamente tinha-se obrigado a conservar ou, pelo menos, a não
prejudicar as garantias. Veja-se que é exigido a redução das garantias tenha um mínimo de relevância, sem o qual a
exigência do credor será contrária à boa fé (762º/2).

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

lugar do cumprimento: a) obrigações de colocação: o devedor deve apenas colocar a prestação


à disposição do credor em algum local, cabendo ao credor o ónus de ir levantar a prestação fora
do seu domicilio, não podendo o devedor ser responsabilizado por o credor não proceder ao
levantamento, o que será mora do credor; b) obrigações de entrega: o devedor tem
efetivamente que entregar a coisa ao credor no domicilio deste ou no lugar com ele acordado,
só sendo a obrigação totalmente realizada se chega ao domicilio do credor dentro do prazo
acordado, havendo mora do devedor no caso contrário; c) obrigações de envio: o devedor não
se limita a colocar a coisa à disposição do credor, mas também não tem que lhe assegurar a sua
entrega efetiva, apenas estando obrigado a enviar a coisa para o domicilio do credor, sendo o
transporte da conta e risco deste. Veja-se que neste caso o local do cumprimento é aquele onde
o devedor procede à entrega ao transportador, tendo só que assegurar o envio nas condições e
prazo acordados e, por isso, se o transporte se atrasa ou a coisa se perde ou deteriora no seu
curso, o risco corre por conta do credor- neste caso há uma diferenciação entre o lugar da
prestação e o lugar do resultado da mesma, visto que a obrigação só se extingue quando o
credor recebe a coisa enviada, mas a partir do momento em que realiza o envio, a obrigação fica
atenuada, pois o devedor só não pode impedir o transporte para o devedor.

Regras Relativas ao Lugar da Prestação: a determinação do lugar da prestação compete às


partes em princípio, podendo resultar de convenção, expressa ou tácita (deriva da própria
natureza da prestação). Assim, as partes podem livremente estipular que tipo de obrigação
quanto ao lugar de cumprimento querem constituir. Na falta de convenção das partes, a
obrigação deve ser cumprida no domicílio do devedor (772º/1), ou seja, a regra geral supletiva
é as obrigações serem de colocação. Se a obrigação tem por objeto a entrega de coisa móvel
(determinada, genérica ou coisa a ser produzida em certo lugar) a obrigação deve ser cumprida
no lugar onde a coisa se encontrava ao tempo da conclusão do negócio- não deixa de ser uma
obrigação de colocação, visto que o credor tem de se deslocar ao lugar e o devedor apenas tem
de lhe disponibilizar a coisa nesse lugar. Se a obrigação tiver por objeto certa quantia em
dinheiro a regra é de que deve ser cumprida no domicilio em que o credor tiver ao tempo do
cumprimento (774º)- obrigações de entrega, visto que o devedor poderia proceder à
transferência do dinheiro facilmente e não o fazendo não deve o credor ser onerado com ter de
ir ao domicilio do devedor. Note-se que estes casos o risco de perda do dinheiro durante o
transporte até à entrega corre por conta do devedor. Veja-se que deverá ter-se sempre em
conta as regras especiais de cada tipo de contrato quanto ao lugar (ex. 1195º, 885º e 1039º).

O que acontece se depois da constituição da obrigação as partes mudarem de domicílio


(relevância para o do devedor nas obrigações de colocação e do credor nas obrigações de
entrega), visto que isto pode lesar legitimas as expectativas das partes? Essa alteração não
determina a alteração do lugar para o cumprimento, sempre que a parte lesada sofra prejuízos
com essa alteração. Nas obrigações de colocação, alterar-se o domicílio do devedor, o
cumprimento é feito no novo domicílio, exceto se isso acarretar prejuízos para o credor (772º/2).
Nas obrigações de entrega, a alteração do domicílio do credor, implica que a obrigação passe a
poder ser cumprida no domicílio do devedor, o que significa que se possa tornar uma obrigação
de colocação. Tal só não acontece se o credor se comprometer a indemnizar o devedor pelo
prejuízo causado pela mudança (775º).

Impossibilidade de prestação no local fixado: como muitas vezes o local de cumprimento


aparece como essencial em relação à própria prestação, a impossibilidade de realizar a
prestação naquele local equivale à impossibilidade da sua realização em absoluto. Assim, se a
impossibilidade já existia no momento da conclusão do negócio, este é tido como nulo (401º e

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

280º), mas se for posterior à celebração do negócio determina a extinção da obrigação (790º),
com a consequente perda do direito à contraprestação nos contratos bilaterais (795º/1). Se, no
entanto, o local determinado para o cumprimento não se mostrar essencial à realização da
prestação, a prestação deverá ser realizada noutro lugar (776º), visto que não ocorre a extinção
da obrigação. A lei determina que nesse caso aplica-se as regras supletivas dos artigos 772º a
774º. Contudo, veja-se que no caso de a impossibilidade ocorrer quanto ao lugar que foi
determinado pelas regras supletivas, deverá integrar-se essa lacuna com a aplicação do 239º
(integração nos negócios jurídicos), sendo o lugar do cumprimento fixado de acordo com a
vontade hipotética das partes, se não for outra a solução imposta pelos ditames da boa fé.

Imputação do cumprimento: consiste na operação pela qual se relaciona a prestação realizada


com uma determinada obrigação, quando existam várias dívidas entre as partes e a prestação
efetuada não chegue para as extinguir a todas. Ou seja, é necessário que se faça a imputação da
prestação à dívida que aquela vai extinguir. O artigo 783º/1 determina que é ao devedor que
cabe, sem necessidade de acordo do credor, escolher a dívida ou dívidas a que o cumprimento
se refere. Contudo, existem certas situações em que a imputação designada pelo devedor
necessita do assentimento do credor, pela possibilidade de a designação afetar certos interesses
do credor: 1) o devedor não pode imputar o cumprimento, contra a vontade do credor, numa
dívida ainda não vencida, se o prazo tiver sido em beneficio do credor (783º/2)- e também no
beneficio de ambas as partes segundo o ML, visto que o credor tem a mesma faculdade de
recusar a prestação antecipada e consequentemente não é permitido ao devedor, sem o acordo
do credor, efetuar a imputação antes do vencimento da dívida; 2) o devedor não pode imputar
o cumprimento, contra a vontade do credor, numa dívida de montante superior à prestação
efetuada sempre que o credor tenha a faculdade de recusar o pagamento parcial (783º/2); 3) o
devedor não pode, contra a vontade do credor, imputar o cumprimento numa dívida de capital,
enquanto estiver obrigado a pagar também despesas, indemnização moratória ou juros
(785º/2), visto que a imputação no capital significa a redução ou extinção dos juros futuros, o
que não acontece com o pagamento das despesas, juros ou indemnização moratória- iria contra
o interesse do credor (??). Se o devedor não efetuar a designação, o credor deve seguir as regras
do artigo 784º para a imputação: a imputação do cumprimento efetua-se em primeiro lugar na
dívida vencida; se existirem várias dívidas vencidas, opta-se pela que oferece menor garantia
para o credor; se as dívidas tiverem idênticas garantias, escolhe-se a que for mais onerosa para
o devedor; se as dívidas forem igualmente onerosas, escolhe-se a que primeiro se tiver vencido;
se as dívidas se tiverem vencido simultaneamente, imputa-se o cumprimento na dívida que se
constitui em primeiro lugar. Se estas regras não chegarem, a prestação considera-se realizada
por conta de todas as dívidas rateadamente, sem que o credor possa recusar o pagamento
parcial (784º/2). O artigo 785º apresenta um regime supletivo para o caso de o devedor estar
vinculado a pagar simultaneamente com a dívida, despesas, juros ou a indemnizar o credor em
consequência de mora: a prestação têm-se por sucessivamente feita por conta das despesas, da
indemnização, dos juros e do capital. As regras relativas a imputação do cumprimento cedem
perante um regime especial (ex. contrato de conta corrente e situação de insolvência).

Prova do cumprimento: esta compete em princípio ao devedor, visto que o cumprimento


constitui um facto extintivo do direito do credor e deve ser demonstrado pela parte contra quem
o crédito é invocado (342º/2). O cumprimento não pode ser provado por testemunhas (395º),
sendo o mais benéfico para provar a existência de uma declaração escrita do credor declarando
que recebeu a prestação em dívida- Quitação8 (o credor exprime na declaração que o devedor

8 Quando a quitação consta de documento avulso, costuma dar-se a esse documento o nome de recibo.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

se encontra quite para com ele). Esta é um direito atribuído por lei a qualquer pessoa que
cumpre uma obrigação, devendo constar de documento autêntico ou autenticado ou ser
provida de reconhecimento notarial se aquele que cumprir tiver nisso um interesse legitimo
(787º/1). Assim, pode sempre exigir-se o recibo do credor e, se este recusar, poderá recusar-se
o cumprimento legitimamente (787º/2). O recibo pode ser exigido também depois de a
prestação ter sido efetuada. Em certos casos, existem presunções de cumprimento, não sendo
exigido ao devedor provar que cumpriu a obrigação: a) se o credor prestou quitação do capital
sem reservar que faltava pagar juros e prestações periódicas, presume-se que estão pagos os
jutos e essas prestações; b) se forem devidos juros ou outras prestações periódicas e o credor
der quitação sem reserva de uma dessas prestações presumem-se realizadas as prestações
anteriores; c) se o credor entregar voluntariamente ao devedor o título original de crédito, a lei
faz presumir a liberação do devedor e dos seus condevedores, solidários ou conjuntos, bem
como do fiador e do devedor principal, se o título é entregue a algum destes. Para além destes
casos, noutros a lei presume que já ocorreu cumprimento da obrigação, em virtude de já ter
decorrido certo prazo sobre a sua constituição: prescrições presuntivas (312º e seguintes) em
que só pode ser ilidida a presunção por confissão do devedor de que ainda não cumpriu a sua
obrigação, a qual se for extrajudicial só releva quando efetuada por escrito.

Direito à restituição do título ou à menção do cumprimento: se a obrigação aparece referida a


determinado documento, quando o devedor realiza o cumprimento tem o direito de exigir a
restituição desse documento (788º/1), visto que após a extinção da dívida, o credor deixa de ter
causa jurídica para a sua retenção, pois a causa é a de possibilitar a cobrança da dívida. No caso
de o título lhe conferir outros direitos, o credor tem interesse legitimo na conservação deste e,
portanto, o devedor poderá exigir que o credor mencione no título o cumprimento efetuado,
inviabilizando a possibilidade de o utilizar novamente para a cobrança daquela obrigação. Note-
se que o devedor pode legitimamente recusar-se a efetuar a prestação, se o credor não fizer
essa menção, e ainda pode exigir a restituição posteriormente do título. Se, por algum motivo,
o credor não possa restituir o documento nem mencionar nele o cumprimento, o devedor pode
exigir quitação passada em documento autêntico ou autenticado ou com reconhecimento
notarial, correndo o encargo por conta do credor (789º). Se for um terceiro a cumprir a
obrigação, só goza dos mesmos direitos se ficar sub-rogado nos direitos do credor (788º/2).

Efeitos do cumprimento: o cumprimento produz a extinção do crédito do credor e,


normalmente, produz a liberação do devedor da sua obrigação, tendo eficácia extintiva da
obrigação a que respeita. Sabemos que noutros casos, o cumprimento desencadeia a sub-
rogação do crédito, continuando o devedor vinculado, mas agora perante terceiro.

Natureza do Cumprimento: a nossa doutrina defende a teoria da realização real da prestação,


assim como a lei no artigo 762º/1, visto que o cumprimento é uma mera realização real da
prestação não exigindo a emissão de uma declaração negocial ou sequer uma atuação
finalisticamente orientada. O cumprimento basta-se com a simples realização material da
prestação pelo devedor, ainda que nas prestações de coisa essa atuação pressuponha a
colaboração do credor para a sua receção. Veja-se que o cumprimento em si é sempre um ato
jurídico simples na medida em que constitui uma manifestação de vontade que produz o efeito
jurídico da extinção do vínculo obrigacional.

Dação em Cumprimento e Dação Pro Solvendo

A dação em cumprimento vem referida no artigo 837º e, esta causa de extinção das obrigações
tem dois pressupostos:

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

f) Realização de uma prestação diferente da que for devida: o devedor realiza uma
prestação diferente daquela a que estava vinculado, o que significa que não ocorre
automaticamente a extinção da obrigação por força do artigo 762º/1. O artigo 837º
aplica-se tanto a obrigações de prestações de coisa, como a obrigações genéricas e
obrigações de prestação de facto, não existindo motivo para limitar este regime
apenas a certas obrigações. Quanto ao tipo de prestações, abrange tanto prestações
de coisa especifica como de coisa fungível e prestação de um facere. Excetua-se a
prestação que corresponda a nova obrigação assumida perante o credor, visto que
nesse caso estamos perante a figura da novação. A dação em cumprimento só se
verifica com a efetiva realização da prestação.
g) Acordo do credor relativo à exoneração do devedor com essa prestação: não faria
sentido forçar o credor a aceitar uma prestação diferente da devida, mesmo com
valor superior, visto que poderia não corresponder ao seu interesse. Se a obrigação
for solidária a dação em cumprimento pode ser realizada apenas por um dos
devedores (523º) e/ou apenas a um dos credores (532º), significando que a obrigação
se extingue nas obrigações externas se houver consentimento das partes, mas nas
relações internas a diferença de valor entre a prestação devida e a realizada não possa
ser oposta aos outros particulares na obrigação que não tenham dado o seu
assentimento à dação em cumprimento.

Forma: não é sujeita a nenhuma forma especial, beneficiando da liberdade de forma (219º).
Contudo, no caso de a dação em cumprimento abranger bens imóveis tem de ser celebrada por
escritura pública ou documento particular autenticado, salvo se as partes recorrerem ao
procedimento especial de transmissão, oneração e registo de imóveis.

Regime: a dação em cumprimento tem como consequência a extinção da obrigação e


consequente exoneração da obrigação (veja-se nas obrigações solidárias- 523º e 532º; e o caso
de a dívida não existir- 476º/1). O autor da dação em cumprimento tem, nos termos do artigo
838º, que conceder ao credor uma garantia pelos vícios da coisa ou do direito transmitido nos
termos determinados para a compra e venda (892º, 905º, 913º, 587º). Ao contrário desta
solução, o credor pode optar pela prestação primitiva e pela reparação dos danos sofridos, o
que implica o renascimento da obrigação, com todas as suas garantias e acessórios. Se ocorrer
invalidade da dação em cumprimento, a obrigação primitiva continua a existir , com todas as
suas garantias (exceto se tiver ocorrido um facto extintivo autónomo). Contudo, se a dação em
cumprimento for considerada nula ou anulada por causa imputável ao credor, não renascem as
garantias prestadas por terceiros, exceto se estes conheciam o vício na data em que tiveram
notícia da dação (839º). Isto justifica-se com a proteção da confiança de terceiros garantes que,
ignorando o vício da dação, deixaram de contar com a eventualidade de responder pela garantia
que prestaram.

Natureza: contrato oneroso, pelo qual se extingue uma obrigação através da realização perante
o credor de uma prestação diferente da devida como contrapartida da sua renúncia a receber a
prestação primitiva.

Dação Pro Solvendo: consiste na execução de uma prestação da devida para que o credor
proceda à realização do valor dela e obtenha a satisfação do seu crédito por virtude dessa
realização e, portanto, o crédito subsiste até que o credor venha a realizar o valor dele. Visa
proporcionar uma forma mais fácil de obter a satisfação do seu crédito, através da
transformação em dinheiro da prestação que foi realizada, e não visa, pelo contrário, obter a
imediata exoneração do devedor. Esta doação pro solvendo pode ser vista como um meio de

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

facilitar o cumprimento das obrigações e, por isso, um negócio preparatório do cumprimento. A


obrigação extingue-se por uma atuação do credor, em cumprimento de um encargo que lhe é
conferido pelo devedor. Pode ser qualificada como um mandato conferido pelo devedor ao
credor para proceder à liquidação da prestação realizada e se pagar com o dinheiro obtido por
essa, que por ser conferido a favor de ambas as partes, não é livremente revogável pelo devedor,
salvo justa causa (1170º/2). Se a dação tem por objeto a cessão de um crédito ou a assunção de
uma dívida presume-se igualmente feita pro solvendo (840º/2).

Consignação em depósito

Consiste na possibilidade reconhecida ao devedor nas obrigações de prestação de coisa de


extinguir a obrigação através do depósito judicial da coisa devida, sempre que não possa realizar
a prestação com segurança por qualquer motivo relacionado com a pessoa do credor ou
quando o credor se encontre em mora (841º/1). Esta faculdade não é obrigatória (841º/2). A
consignação em depósito é necessariamente judicial, seguindo o regime referido nos artigos
916º e seguintes do CPC (neste processo avalia-se a justificação de consignação em depósito e
a sua idoneidade para a extinção da obrigação), o que significa que o depósito realizado
extrajudicialmente não tem efeito de extinção de obrigação.

Pressupostos:

a) Ter a obrigação por objeto uma prestação de coisa, podendo ser uma quantia pecuniária
ou coisa e qualquer natureza. Veja-se que nas prestações de facto positivo não é
possível o depósito dessas e nas prestações de facto negativo não é necessária a
colaboração do credor.
b) Não ser possível ao devedor realizar a prestação por um motivo relativo ao credor
(impossibilidade de realizar a prestação ou de fazê-lo em segurança e mora do credor).

Efeitos:

 Instituição de uma relação processual entre o consignante e o credor: o processo da


consignação em depósito inicia-se com a petição do devedor onde estabelece o motivo
pelo qual requer o depósito, sendo esse depósito em regra realizado na Caixa Geral de
Depósitos. Após o depósito, o credor é citado para contestar, levando a falta de
contestação a que o tribunal considere a obrigação extinta. O depósito só pode ser
impugnado: a) por ser inexato o motivo invocado; b) se for maior ou diversa a quantia
ou coisa devida; c) se o credor tiver qualquer outro legítimo fundamento para recusar o
cumprimento. Se a impugnação não proceder é declarada extinta a obrigação, mas se
proceder, o depósito é considerado ineficaz, sendo o devedor condenado a realizar a
prestação. No caso de o litígio ser relativo ao objeto da prestação o credor tem de
deduzir em reconvenção o seu pedido, levando a procedência deste à condenação do
devedor em completar o depósito no caso de a prestação devida ser de maior
quantidade, ou à ineficácia do depósito no caso de a prestação for diversa, condenando-
se o devedor no cumprimento da obrigação. No caso de o litígio respeitar aos outros
fundamentos de impugnação, o devedor é condenado ao cumprimento e a pagar as
custas do processo, mas o pagamento ao credor é efetuado pelas forças do depósito,
correndo por conta do devedor também as despesas que o credor tenha que suportar
com o levantamento.
 Instituição de uma relação substantiva triangular entre o consignante, o consignatário
da coisa devida e o credor: esta relação tem grandes semelhanças com o contrato a
favor de terceiro, tendo as mesmas 3 relações entre os sujeitos, adquirindo o credor um
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direito à entrega da coisa por parte do consignatário. O consignante é normalmente o


devedor, mas o terceiro também tem legitimidade para a consignação em depósito
(842º). O credor adquire imediatamente o direito de exigir a prestação do consignatário,
independentemente de aceitação (844º), podendo o devedor, sempre que tenha a
faculdade de não cumprir senão contra uma prestação do credor, exigir que a coisa
consignada não seja entregue ao credor, enquanto este não efetuar aquela prestação
(845º). O consignante pode revogar a consignação mediante declaração feita no
processo e pedir a restituição da coisa consignada (845º/1). O direito de revogação
apenas se extingue se o credor aceitar a consignação por declaração feita no processo
ou esta for julgada válida por sentença passada em julgado (845º/2). A consignação em
depósito deve ser equiparada ao cumprimento das obrigações para efeitos de
impugnação pauliana e não parece ser possível a sub-rogação dos credores do devedor
para efeitos do direito de revogação da consignação.
 Eficácia da consignação sobre a obrigação: durante o processo, a obrigação subsiste,
mas recai sobre o credor o risco da perda ou deterioração da coisa, deixando também a
dívida de vencer juros, sempre que se verifique que o devedor tem motivo válido para
proceder à consignação (no caso contrário a consignação não produz esses efeitos, pois
não é eficaz). A pendência do processo atribui ao devedor uma exceção dilatória, ou
seja, pode recusar a prestação enquanto não for julgada definitivamente a ação e, por
isso, o credor até lá apenas pode exercer o seu direito sobre a coisa depositada. Sendo
a consignação aceite pelo credor ou declarada válida por decisão do tribunal, o devedor
é exonerado como se tivesse realizado a prestação na data do depósito (846º)- eficácia
extintiva da consignação retroage a essa data. O devedor exonera-se com a realização
da prestação a terceiro (770º). O credor vê o seu direito de crédito extinto, mas adquire
outro crédito à entrega da coisa por parte do depositário.

Compensação

Segundo esta figura, quando duas pessoas estejam reciprocamente obrigados a entregar coisas
fungíveis da mesma natureza é admissível que as respetivas obrigações sejam extintas, total ou
parcialmente, pela dispensa de ambas de realizar as suas prestações ou pela dedução a uma das
prestações da prestação devida pela outra parte. A compensação facilita os pagamentos e
permite ao seu declarante extinguir a sua obrigação, mesmo que não tenha qualquer
possibilidade de receber o seu próprio crédito por insolvência do seu devedor, funcionando de
certa forma como garantia dos créditos

Pressupostos (847º):

a) Existência de créditos recíprocos, ou seja, cada uma das partes tem de possuir na sua
esfera jurídica um crédito sobre a outra parte, e só pode operar a compensação para
extinguir a sua própria dívida. Nesse sentido, o declarante só pode usar para efetuar a
compensação créditos seus sobre o credor, não podendo utilizar créditos alheios, ainda
que o titular respetivo dê o consentimento (851º/2) nem podendo utilizar créditos seus
sobre outras pessoas, ainda que ligadas por qualquer razão ao credor. É admissível,
segundo o artigo 532º, que o devedor de vários credores solidários invoque a
compensação dessa obrigação solidária com base no crédito de que disponha sobre
qualquer um dos credores. O declarante também não pode, em princípio, extinguir uma
dívida de outrem, através da compensação de um crédito, mesmo que pudesse em
razão da sua fungibilidade, realizar a prestação em lugar dele (851º/1). Apenas poderá

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

fazer isso se estiver em risco a perda dos seus bens em consequência de execução por
dívida de terceiro.
b) Fungibilidade das coisas objeto das prestações e identidade do seu género: veja-se que
não é possível a compensação relativamente a prestações de facto ainda que a atividade
seja idêntica. No caso de caber às partes determinar o objeto da prestação, só se poderá
recorrer à compensação se a escolha implicar prestações fungíveis homogéneas para
ambos os créditos. O facto de as dívidas não serem de igual montante determina apenas
que a compensação seja parcial em relação à dívida de montante superior (847º/2). A
diversidade de lugares de cumprimento não constitui, em princípio, obstáculo à
compensação, ainda que o declarante esteja obrigado a reparar os danos sofridos pela
outra parte, em consequência de esta não receber o seu crédito ou não cumprir a sua
obrigação no lugar determinado (852º).
c) Exigibilidade do crédito que se pretende compensar, ou seja, é necessário que o crédito
do declarante seja judicialmente exigível e que o devedor não lhe possa por qualquer
exceção, peremptória ou dilatória, de direito material. Só podem ser compensados
créditos quanto aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coativa
da prestação. Assim, não há compensação quando o crédito ainda não se tiver vencido
ou se a outra parte puder recusar o cumprimento. Não podem por fim ser compensados
créditos de obrigação natural com dívidas respeitantes a uma obrigação civil, mas
podem ser compensadas dívidas de obrigação natural com créditos civis. A exigência
para o crédito do declarante vale também para o do declaratário. Contudo, não é exigido
para a compensação que o declaratário esteja em condições de poder exigir
judicialmente o cumprimento, podendo o declarante compensar dívidas ainda não
vencidas, se o prazo correr a seu benefício, ou dívidas em relação às quais se verifica
uma outra exceção peremptória ou dilatória, a que ele não pretenda recorrer. O
declarante pode também utilizar a compensação para extinguir dívidas naturais suas
com créditos civis que tenha sobre o declaratário.

Créditos não compensáveis (853º): a) créditos provenientes de factos ilícitos dolosos: a lei
pretende reprimir este tipo de comportamentos, querendo retirar os benefícios que deles
poderiam resultar. Nada impede que o lesado venha invocar a compensação para extinguir a
sua dívida, mas se ambos os créditos respeitarem a factos ilícitos dolosos nenhum dos seus
titulares poderá invocar a compensação; b) créditos impenhoráveis, exceto se ambos forem da
mesma natureza, na medida em que, se um crédito não pode ser penhorado, é devido à especial
importância que a sua prestação tem para o credor, designadamente para efeitos da sua própria
subsistência; c) créditos do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, exceto quando a lei
o autorize, pretendendo-se evitar as dificuldades que tal poderia provocar na contabilidade
pública.

Não poderá existir compensação ainda nos casos em que essa cause prejuízos a direitos de
terceiros, constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis (853º/2)- como o crédito
ter sido arrestado, penhorado ou objeto de usufruto ou penhor de créditos ou ainda havendo
insolvência do devedor. Não é ainda admitida a compensação sempre que o devedor a ela tenha
renunciado, podendo ser essa renúncia expressa ou tácita (217º), nem é admitida se as partes
expressamente afastam a possibilidade de compensação. No âmbito das clausulas contratuais
gerais, é proibida a exclusão da faculdade de compensação, quando legalmente admitida.

Regime: vigora o regime de que a compensação se torna efetiva mediante declaração (judicial
ou extrajudicial- 219º e 224º) de uma das partes à outra (848º), considerando-se os créditos

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis, depois de efetuada a declaração


(854º). O momento relevante para a extinção da obrigação é a do momento da
compensabilidade dos créditos e, portanto, se após essa data um dos créditos for cedido a
terceiro, arrestado ou penhorado, o declarante pode continuar a invocar a compensação
(853º/2 a contrário). Se algum dos créditos vencer juros, deixam de ser contados a partir desse
momento, como também não se tomará em consideração a mora do devedor depois de ocorrida
essa data. A prescrição da obrigação também só releva se aconteceu até à data de referência
(850º). A declaração de compensação é ineficaz se for feita sob condição ou a termo (848º/2),
na medida em que é necessário conferir à extinção da obrigação um certo grau de certeza
quanto aos seus efeitos. Poderá, no entanto, invocar subsidiariamente a compensação quando
se contestar a existência da obrigação para atuar se a dívida existir. É o declarante que escolhe
os créditos que ficam extintos com a compensação, na existência de vários compensáveis, mas
na ausência de estipulação vigoram as regras relativas à imputação do cumprimento (855º).A
outra parte não tem possibilidade de manifestar oposição à escolha, salvo se esta se referir a
uma dívida de capital, quando existam juros, despesas ou indemnização, sendo a norma 785º/2
aqui aplicável.

Compensação convencional: ao lado da compensação legal, tem vindo a ser admitida a


compensação convencional, com base no princípio da liberdade contratual. Esta consiste na
compensação que, em vez de ocorrer através de uma declaração unilateral, resulta de um
acordo celebrado entre as partes (contrato de compensação), não estando as partes, portanto,
sujeitas à maior parte dos pressupostos e limites estabelecidos para a compensação legal: não
se exige créditos recíprocos, que sejam exigíveis nem que tenham por objeto prestações
homogéneas; admite-se compensação de créditos por factos ilícitos dolosos, do Estado ou de
outras pessoas coletivas públicas ou de créditos em que tenha havido renuncia da faculdade de
compensação. Contudo não se admite a compensação convencional de créditos impenhoráveis
ou de créditos cuja compensação envolva prejuízos para os direitos de terceiro. Parece que o
contrato de compensação constitui um tipo contratual autónomo, através do qual se vem suprir
reciprocamente o cumprimento de duas obrigações.

Novação

Consiste numa causa de extinção de uma obrigação, em virtude da constituição de uma nova,
que a substitui. Esta novação será objetiva, se se manter o credor e devedor da obrigação antiga
(857º), e será subjetiva se se verifica a mudança de algum dos sujeitos da obrigação (858º). A
novação objetiva poderá substanciar uma mudança no objeto da obrigação ou uma alteração
na sua fonte. A novação subjetiva pode ocorrer por substituição do credor ou por substituição
do devedor. Terá sempre de existir a intenção das partes de extinguir a anterior obrigação,
criando uma nova em sua substituição, na medida em que, faltando essa intenção, as partes
estarão apenas a modificar ou transmitir a obrigação primitiva. Veja-se que na novação o facto
jurídico que desencadeia a extinção da obrigação antiga é simultaneamente o facto jurídico que
constitui uma nova obrigação- existe uma dependência da causa jurídica do facto extintivo da
obrigação antiga em relação ao facto constitutivo da nova obrigação e vice-versa.

Pressupostos da novação:

a) Declaração expressa da intenção de constituir uma nova obrigação em lugar da antiga


(859º): não se pode, portanto, inferir uma novação através de simples modificação da
obrigação, do reconhecimento da obrigação ou da sua confirmação quando resulte de

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

negócio anulável nem quando há transmissão do crédito ou da dívida. Não existem,


portanto, presunções de novação nem esta pode resultar de declarações tácitas.
b) Existência e validade da obrigação primitiva: a novação é ineficaz se a obrigação
primitiva não existia, estava extinta ao momento em que a segunda foi constituída, ou
vem ser declarada nula ou anulada (860º/1). Nesse seguimento, a novação não é um
negócio abstrato, pressupondo sempre a existência prévia de uma obrigação, sendo
ineficaz quando essa não existe. Ocorrendo ineficácia da novação, se ainda não se
verificou o cumprimento desta nova obrigação, o devedor pode recusar a sua realização,
invocando a ineficácia da novação. Se o cumprimento já se tiver realizado, o devedor
terá pretensão restitutória, aplicando-se o regime da repetição do indevido se a
obrigação primitiva for inexistente ou o regime da nulidade e anulabilidade se a
obrigação for, nula ou anulável.
c) Constituição válida da nova obrigação: se a nova obrigação não foi constituída
validamente, a constituição primitiva subsiste. Essa subsistência pode prejudicar os
terceiros garantes, que deixaram de contar com a eventualidade de terem de satisfazer
essa obrigação e, portanto, se a invalidade da nova obrigação for imputável ao credor,
o artigo 860º/2 determina que não renascem as garantias prestadas por terceiro, salvo
se ele na data em que teve notícia da novação, conhecia o vício da nova obrigação.

Regime: salvo disposição em contrário, o novo crédito não recebe as garantias relativas à
obrigação antiga (861º), nem lhe podem ser opostos os meios de defesa desta (862º). As
garantias são sempre concedidas tendo em atenção uma concreta obrigação, pelo que, sendo
essa substituída por uma nova, não faz sentido que a garantia se mantenha, apenas
acontecendo se houver reserva expressa das garantias por declaração expressa do devedor ou
de terceiro (antes ou depois da novação). A novação, ao extinguir a obrigação anterior, extingue
também os meios de defesa que a ela respeitavam, a menos que as partes declarem
expressamente a manutenção das exceções.

Remissão

Consiste no perdão de dívida, ou seja, o credor pode abdicar do direito de exigir a prestação ao
devedor, determinando a extinção da dívida, sem que ocorra a realização da prestação. Assim,
a remissão é o acordo entre o credor e o devedor pelo qual aquele prescinde de receber deste
a prestação devida.

Pressupostos:

a) Existência prévia de uma obrigação: isto significa que não será remissão o
reconhecimento negativo de dívida, onde o credor se limita a declarar perante
determinada pessoa que não existe qualquer obrigação que este deva realizar perante
ele.
b) Um contrato entre o credor e devedor pelo qual aquele abdica de receber deste a
prestação devida: a remissão exige sempre um caráter contratual, sendo necessário que
o credor declare a abdicação, mas também que o devedor aceite essa abdicação9. A
remissão constitui sempre um ato de disposição do credor do seu direito e representa
uma atribuição patrimonial geradora de enriquecimento para o devedor. Normalmente

9Esta regra, tem suscitado criticas na doutrina, na medida em que a regra geral é os direitos extinguirem-se por ato
unilateral e, ainda que se queira proteger a posição do devedor, bastava que se lhe desse a possibilidade de rejeitar
o beneficio, até porque na prática, o credor não espera resposta à declaração nem o devedor vê necessidade de lhe
responder.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

esta atribuição patrimonial é realizada a título de liberalidade (devendo seguir as regras


da doação- 940º e seguintes), mas poderá ocorrer que o credor, por exemplo, se tenha
comprometido a remitir a dívida uma vez verificações certos pressupostos. Contudo, a
remissão não pode ser feita como contrapartida da realização de uma prestação ou da
constituição de uma nova obrigação por parte do devedor (dação em cumprimento e
novação) ou da abdicação por ele de um crédito que tinha sobre o devedor
(compensação convencional).

Efeitos: a remissão produz a extinção da obrigação, ficando o devedor liberado e o credor


perdendo definitivamente o seu direito de crédito. Se existir uma pluralidade de partes, a
remissão só se refere a toda a dívida se foi concedida a todas ou por todas as partes (remissão
in rem). No caso de ser concedida a algumas partes ou por algumas partes só produz efeitos em
relação às partes a que foi concedida ou às que concederam no caso (Remissão in personam).
No caso desta última situação, se o regime aplicável for o da conjunção, extinguem-se as frações
das obrigações em relação às partes em que ocorreu remissão, não sendo afetada o resto da
obrigação. Se o regime aplicável for o da solidariedade passiva, a obrigação do devedor a quem
foi remitida a dívida extingue-se mantendo-se os restantes devedores que ficam apenas
exonerados pela parte relativa ao devedor exonerado (864º/1). O credor pode, contudo,
declarar que reserva o seu direito por inteiro contra os outros devedores, caso em que eles
conservarão também o seu direito de regresso por inteiro contra o devedor exonerado (864º/2).
Se aplicar-se o regime da solidariedade ativa, o devedor a quem um dos credores concede
remissão fica exonerado, mas apenas na parte relativa a esse credor (864º/3). Se a obrigação
plural for indivisível, a remissão concedida pelo credor a um dos devedores implica que só ele
possa exigir a prestação dos restantes se lhes entregar o valor da parte que compete ao devedor
exonerado (865º/1 e 536º). Se a remissão, nesse plano, for concedida por um dos credores ao
devedor, este não fica exonerado perante os restantes credores, mas estes só podem exigir-lhe
a prestação se lhe entregarem o valor da parte que competia àquele credor (865º/2). A remissão
implica a extinção da obrigação e de todas as garantias que asseguravam o seu cumprimento. A
extinção das garantias mantém-se no caso de remissão ser declarada nula ou anulável por causa
imputável ao credor, salvo se o responsável pela garantia conhecia o vício (866º/3). Veja-se que
a renuncia às garantias da obrigação não faz presumir a remissão da dívida (867º).

Confusão

Consiste na extinção simultânea do crédito e da dívida em consequência da reunião, na mesma


pessoa, das qualidades de credor e devedor (868º). A obrigação pressupõe a alteridade dos
sujeitos que estão na posição de credor e devedor e, portanto, desaparecendo esta alteridade
deixa de haver necessidade jurídica de manter a obrigação, visto que o adstrito à prestação e o
beneficiário dela são o mesmo. Não constituem casos de confusão em sentido técnico aquelas
em que se verifica a reunião na mesma pessoa das qualidades de proprietário e titular de um
direito real menor (aqui há recuperação da propriedade plena) ou a denominada confusão
imprópria, em que se reúnem na mesma pessoa as qualidades de devedor e garante da
obrigação (aqui há a extinção da garantia, a menos que o credor tenha interesse na manutenção
dessa- 871º/3 e 4).

Pressupostos:

a) Reunião na mesma pessoa das qualidades de credor e devedor: tal acontece em virtude
da aquisição por uma das partes da posição que a outra ocupava no crédito ou no débito

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

ou em virtude da aquisição conjunta por um terceiro das posições que ambas as partes
ocupavam.
b) Não pertença do crédito e da dívida a patrimónios separados: o artigo 872º exige este
pressuposto, sob pena de não se verificar a confusão, visto que havendo confusão no
caso de patrimónios separados estar-se-ia a por em causa a separação desses, a medida
em que se faz desaparecer valores ativos de um património em beneficio da extinção
de responsabilidades de outro património. É isto que justifica o artigo 2074º/1.
c) Inexistência de prejuízo para os direitos de terceiro (871º/1): se o vínculo obrigacional
se encontrar igualmente a funcionar em benefício de terceiro (Ex. existência de penhor
ou usufruto sobre o crédito), o vínculo subsiste, na justa medida em que o justifique o
interesse do usufrutuário ou do credor pignoratício (871º/2).

Regime: a confusão provoca a extinção da obrigação, assim como todos os acessórios do crédito,
todas as garantias que asseguravam o cumprimento quer essas garantias sejam prestadas pelo
devedor quer por terceiro. A lei admite que a confusão pode desfazer-se, renascendo a
obrigação com os seus acessórios, mesmo em relação a terceiro, quando o facto que a destrói
seja anterior à própria confusão (873º/1). As garantias prestadas por terceiro mantêm-se
extintas no caso de a confusão se desfazer por causa imputável ao credor, salvo se o responsável
pela garantia conhecia o vício, na data em que teve notícia da confusão (873º/2). Se na obrigação
vigorar o regime da conjunção ou parciariedade, extinguem-se as frações da obrigação em
relação às quais ocorreu a confusão, não sendo afetada a obrigação quanto aos restantes
sujeitos. Se vigorar o regime da solidariedade passiva, a obrigação extingue-se nessa parte da
dívida, ficando nesse âmbito os restantes devedores exonerados, os quais continuam a
responder solidariamente pela restante obrigação (869º/1). Se existir solidariedade ativa, o
devedor fica exonerado, mas apenas na parte relativa a esse credor (869º/2). Se se tratar de
uma obrigação plural indivisível com vários devedores, a reunião na mesma pessoa da posição
de credor e condevedor implica que este só possa exigir a prestação dos restantes condevedores
se lhes entregar o valor da parte da posição que adquiriu (870º/1 e 536º). Tratando-se de uma
obrigação plural indivisível com vários credores, se ocorrer a reunião na mesma pessoa da
qualidade de devedor e co-titular do crédito, este não fica exonerado perante os restantes
credores, mas estes só lhe podem exigir a prestação se lhe entregarem o valor da parte que
competia àquele credor (870º/2 e 865º/2).

Não Cumprimento das Obrigações

O não cumprimento consiste na não realização da prestação devida por causa imputável ao
devedor, sem que se verifique qualquer outra causa de extinção. Ora, tal verifica-se quando o
devedor falta culposamente ao cumprimento da obrigação ou quando impossibilita
culposamente a prestação. Na primeira opção, a realização da prestação ainda é possível, mas
não ocorre por culpa do devedor. Na segunda opção a realização da prestação já não é possível,
o que deriva de culpa do devedor. O não cumprimento pode ser definitivo ou temporário,
consoante não seja já possível realizar a prestação por ela se ter impossibilitado ou porque o
credor perdeu interesse nela, ou então por não ter sido realizada a prestação no momento
devido (podendo o atraso ser imputável ao credo ou ao devedor), mantando-se contudo a
possibilidade de realização da prestação através de cumprimento retardado. O cumprimento
pode ser defeituoso, isto é, a prestação é realizada, mas em termos que não permitem a
adequada satisfação do credor. Neste cenário, a prestação pode ser realizada nos termos
adequados posteriormente, existindo apenas um retardamento do cumprimento ou, se a

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

realização defeituosa levar a uma perda de interesse do credor, ocorre incumprimento


definitivo.

Não cumprimento temporário

Mora do Devedor

O artigo 804º/2 apresenta que a mora do devedor consiste na situação da prestação, embora
ainda possível, não ser realizada no tempo devido, por facto imputável ao devedor. A prestação
tem de ser possível de realizar, sob pena de estarmos perante uma situação de impossibilidade
definitiva do cumprimento ou de incumprimento definitivo. Por outro lado, a não realização da
prestação tem de ser imputável ao devedor, sob pena de estarmos perante impossibilidade
temporária do 792º. Em certo tipo de obrigações, não é possível a realização futura da
prestação, como as obrigações de conteúdo negativo definitivamente violadas com a realização
de qualquer ação proibida e as obrigações em que seja estipulado um prazo essencial de
cumprimento e passado esse prazo sem o cumprimento, o credor perde o interesse na
realização da prestação, tornando-se esta inútil originando incumprimento definitivo da
obrigação. A determinação de uma situação de mora depende da averiguação das normas
relativas ao tempo do cumprimento, na medida em que se exige que a prestação não tenha sido
realizada no tempo devido. No caso das obrigações puras, isto é, não existindo prazo estipulado,
o devedor só entra em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para
cumprir, sendo que a interpelação consiste precisamente na comunicação pelo credor ao
devedor da sua decisão de lhe exigir o cumprimento da obrigação, a qual pode ser expressa ou
tácita. A mora que depende de um ato jurídico de natureza não negocial a praticar pelo credor
(interpelação) é denominada mora ex persona. Por outro lado, a morta poderá denominar-se
mora ex re, nos casos previstos no artigo 805º/2, dependendo de fatores objetivos, sendo
irrelevante a interpelação do credor: a) obrigação ter prazo certo: o decurso do prazo acarreta
o vencimento da obrigação, mas veja-se que isto apenas assim o é nas obrigações de entrega ou
de envio, visto que nas obrigações de colocação o cumprimento depende de uma atividade do
credor, que tem de se deslocar ao local para receber a prestação; b) obrigação provir de facto
ilícito: o devedor deve proceder imediatamente à reparação das suas consequência e, por isso,
a mora conta-se desde a prática do facto ilícito, independentemente de interpelação; c) devedor
impedir a interpelação: o devedor considera-se interpelado na data em que normalmente o teria
sido; d) devedor declarar que não tenciona cumprir a obrigação: o devedor torna a interpelação
inútil, devendo, por isso, considerar-se que neste caso a declaração do devedor acarreta a
constituição imediata em mora, mesmo que a obrigação tenha prazo certo, acarretando a perda
do beneficio do prazo. O artigo 805º/3 determina que para existir uma situação de mora, a
obrigação tem de ser liquida, isto é, o seu quantitativo tem de se encontrar determinado, salvo
nas seguintes situações: a) falta de liquidez imputável ao devedor, caso em que a mora se
verifica para que este não seja beneficiado por uma situação pela qual ele é responsável: b)
situação de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, considerando-se que ocorre mora a
partir da citação para a ação de responsabilidade, a menos que já ocorra mora com base na
situação anterior.

Consequências da mora do devedor

a) Obrigação de indemnizar o danos causados ao credor: o devedor fica obrigado a


indemnizar os danos (ex. despesas para satisfazer utilidades que seriam proporcionadas
pela prestação ou lucros cessantes ou prejuízos) decorrentes do atraso na prestação, no
âmbito da responsabilidade obrigacional, sendo este caso uma hipótese de

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

responsabilidade obrigacional que concorre com o dever de prestar, visto que o credor
mantém o direito à prestação originaria. A indemnização moratória depende da
demonstração por parte do credor de que a não realização da prestação a tempo lhe
causou danos. Quanto às prestações pecuniárias, o artigo 806º determina que a
indemnização corresponde aos juros desde a data da constituição em mora, não sendo
possível ao credor exigir qualquer outra indemnização nem lhe sendo necessário provar
os requisitos do dano e do nexo de causalidade. Esta fixação legal está associada à
consideração de que o ano corresponde à perda de remuneração habitual do capital
durante esse período (juro). Na falta de estipulação das partes de uma taxa de juro mais
elevada ou um juro moratório diverso do legal, aplica-se o juro legal. No caso de
responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, permite-se ao credor provar que a mora
lhe causou dano superior aos juros e que exija a indemnização correspondente.
b) Inversão do risco pela perda ou deterioração da coisa devida: se o devedor estiver em
mora quando se verifica a impossibilidade superveniente da obrigação o risco desta
corre por sua conta (807º/1). No entanto, permite-se ao devedor provar que o credor
teria sofrido igualmente os danos se a obrigação tivesse sido cumprida em tempo-
relevância negativa da causa virtual (807º/2). A responsabilidade resulta da
consideração de que a mora do devedor funcionou como causa indireta dos danos
sofridos pelo credor, sendo uma responsabilidade objetiva, mas que se baseia em culpa
anterior do devedor na verificação da mora. Basta qualquer conexão causal entre a
mora e os danos para estabelecer a responsabilidade do credor, só podendo esta ser
quebrada se o devedor conseguir provar que o credor continuaria a sofrer os danos se
a obrigação tivesse sida cumprida em tempo.

Extinção da mora do devedor

A mora pode ser extinta por acordo das partes, purgação da mora e transformação da mora em
incumprimento definitivo. As partes podem acordar em deferir para momento posterior o
vencimento da obrigação, com a correspondente extinção da mora. Este acordo designa-se de
moratória, podendo ser ou não estabelecido com eficácia retroativa, sendo que no caso de ter
eficácia retroativa, a mora considera-se como retroativamente não verificada, e, no caso de a
mora não ter efeito retroativo, o credor tem direito à indemnização moratória devida até esse
momento. A purgação da mora consiste na situação em que o devedor se apresenta tardiamente
a oferecer ao credor a prestação devida e a correspondente indemnização moratória. Esta oferta
extingue a mora do devedor para o futuro, ainda que não se verifique a sua aceitação pelo
credor, visto que esta recusa produz uma inversão da mora, passando a ser qualificada como
mora do credor. Por fim, a mora extingue-se por transformação em incumprimento definitivo,
isto é, quando o credor objetivamente perde o interesse na prestação devido ao atraso na
prestação ou quando esta não é realizada num prazo suplementar que seja razoavelmente
fixado pelo credor (808º). No segundo caso, o credor mantém o interesse na prestação, mas não
é justificável a eternização da situação e, portanto, o credor pode transformar a mora em
incumprimento definitivo, através da fixação de um prazo suplementar, com a advertência de
que a obrigação se terá por definitivamente incumprida após o decurso deste (intimação
admonitória).

Mora do Credor

O credor incorre em mora sempre que sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é
oferecida nos termos legais ou não pratica os atos necessários ao cumprimento da obrigação.
Assim, a mora do credor tem como requisitos: a) recusa ou não realização pelo credor da

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

colaboração necessária para o cumprimento10; b) ausência de motivo justificado para essa


recusa ou omissão, na medida em que em certos casos existe motivo para a recusa da prestação
(como prestação parcial, realização do cumprimento por terceiro não interessado diretamente
no cumprimento ou prestação defeituosa). Importa destacar que a mora do credor é
independente de culpa (ao contrário da do devedor), derivando apenas na circunstância de não
ter existido colaboração. Portanto, no caso de se tornar impossível ao credor prestar a
colaboração necessária, aplica-se o regime da mora do credor, tendo este que continuar a
realizar a contra prestação (porque não se aplica a impossibilidade)- a mora inclui todos os casos
de falta de colaboração, seja quais forem os motivos porque esta ocorreu. O devedor quando se
obriga a prestar não assume o risco de a prestação não se realizar por ausência de colaboração
do credor, não se justificando, por isso, que o credor se exonere de realizar a contraprestação,
como resultaria do regime de impossibilidade.

Efeitos da mora do credor:

a) Obrigação de indemnização por parte do credor: este fica obrigado a indemnizar o


devedor das maiores despesas que este seja obrigado a fazer com o oferecimento
infrutífero da prestação e a guarda e conservação do respetivo objeto (816º). A doutrina
maioritária defende que não há um dever de o credor aceitar a prestação11, não atuando
o credor ilicitamente quando não colabora. Nesse sentido, esta obrigação de indemnizar
não tem como fonte um facto ilícito, mas é uma responsabilidade por ato licito ou pelo
sacrifício, visto que o credor quando entra em mora provoca o sacrifício de interesses
do devedor, sujeitando-o a maiores despesas de que aquelas que se vinculou a suportar
ao assumir a obrigação.
b) Atenuação da responsabilidade do devedor: se o credor entra em mora, o devedor passa
a responder, quanto ao objeto da prestação, apenas pelo seu dolo e, quanto aos
proventos da coisa, apenas responde pelos que efetivamente tenha percebido (814º/1).
Por outro lado, durante a mora do credor, a dívida deixa de vencer juros, quer legais
quer convencionados (814º/2). Assim, no caso de mora do credor, o devedor não
responde por negligência, mas apenas pela sua atuação intencional (padrão de
diligencia quase nulo). Veja-se que não se aplica a presunção do artigo 799º, tendo de
ser o credor a demonstrar que o devedor atuou intencionalmente na destruição ou
deterioração do objeto da prestação.
c) Inversão do risco pela perda ou deterioração da coisa pela impossibilidade
superveniente da prestação, quando esse risco resulte de facto não imputável a dolo do
devedor (815º). Apesar de a regra ser a de que o credor assume o risco, ocorrendo mora
do credor, o risco passa a correr sempre por conta do credor, mesmo que a lei
anteriormente o atribuísse ao devedor. Para além disso, por força da atenuação da
responsabilidade do devedor, o risco da prestação abrange também as situações em

10 Note-se, contudo, que pode ser desnecessária uma intervenção do credor para verificar do cumprimento da
obrigação (ex. prestação de facto negativo ou algumas de facto positivo. Na maioria dos casos esta colaboração é
necessária veja-se: o credor entra em mora quando não se desloca ao lugar do cumprimento nas obrigações de
colocação; entra em mora quando não determina a prestação, como deveria; entra em mora se não prestar quitação
no momento da receção da prestação.
11 Salvo nos casos em que a realização seja estipulada também no interesse do credor, no contrato de trabalho e no

contrato de mútuo. Por outro lado, a colaboração do credor pode impor-se como dever acessório resultante do
princípio da boa fé. Contudo, Menezes Cordeiro considera eu o credor está obrigado a colaborar no cumprimento e,
se não o fizer, atua ilicitamente.

65
Inês Godinho Turma A 2019/2020

que a impossibilidade superveniente da prestação resulta da negligência do devedor


(815º/1). Assim, tratando-se de contrato bilateral, a perda do crédito do credor em
mora, em virtude da impossibilidade superveniente da prestação, não exonera o credor
da contraprestação, mas é possível que, se o devedor tiver algum benefício com a
extinção da obrigação, o valor desse benefício seja descontado na contraprestação
(815º/2).

Extinção da mora do credor

A mora do credor pode extinguir-se se este, ainda que tardiamente, vier a prestar a colaboração
necessária para o cumprimento, devendo o credor realizar imediatamente a prestação, sem o
que se verifica uma inversão da mora. A consignação em depósito extingue também a mora do
credor, na medida em que o devedor pode exonerar-se através da consignação em depósito da
coisa devida (841º). Menezes Leitão considera que o devedor, por força do artigo 808º e 411º
(em analogia), pode pedir ao tribunal que fixe um prazo para o credor colaborar no
cumprimento, sob pena de a obrigação de considerar extinta. Veja-se que em obrigações em
que se limita temporalmente a um certo momento a realização da prestação, atribui-se ao
credor o risco da sua não utilização naquele momento, pelo que a mora do credor acarreta
automaticamente a extinção do seu direito, mantendo naturalmente o devedor o seu direito à
contraprestação ao abrigo do 815º/2, ainda que possa nela ser eventualmente descontado um
beneficio obtido com a exoneração.

Incumprimento Definitivo

Incumprimento e Responsabilidade Obrigacional12

Verifica-se o incumprimento definitivo da obrigação quando o devedor não a realiza no tempo


devido por facto que lhe é imputável, mas já não lhe é permitida a sua realização posterior, em
virtude de o credor ter perdido o interesse na prestação ou ter fixado, após a mora, um prazo
suplementar de cumprimento que o devedor desrespeitou. O incumprimento definitivo leva a
que o devedor se constitua em responsabilidade obrigacional pelos danos causados ao credor
(798º). A obrigação extingue-se, mas constitui-se uma nova obrigação (de indemnização, com
fonte na responsabilidade obrigacional), por a extinção assentar numa conduta ilícita e culposa
do devedor. A responsabilidade obrigacional do devedor segue os pressupostos gerais de
responsabilidade: a) facto ilícito, sendo este a violação de uma obrigação, pela não realização
da prestação a que o devedor estava obrigado. O devedor atua ilicitamente sempre que se
verifique uma situação de desconformidade entre a sua conduta e o conteúdo do programa
obrigacional. A doutrina defende a exceção de não cumprimento do contrato e o direito de
retenção como causas de exclusão da ilicitude, visto que nesses casos a lei confere ao devedor
uma causa legítima para não cumprir a sua obrigação; b) a não realização tem de ser imputável
ao devedor, exigindo-se o requisito da culpa no incumprimento para que o devedor se constitua
em responsabilidade contratual. A culpa do devedor é presumida (799º), cabendo-se
demonstrar que não teve culpa na violação do vínculo obrigacional, isto é, que não lhe pode ser
pessoalmente censurável o faco de não ter adotado o comportamento devido, o que acontecerá
sempre que esse não cumprimento seja devido a facto do credor, de terceiro ou a caso fortuito
ou de força maior. A culpa poderá revestir a modalidade de dolo direito, dolo necessário, dolo
eventual, negligência consciente ou negligência inconsciente. Em regra, tanto o dolo com a

12 Menezes Leitão considera que a responsabilidade obrigacional e a responsabilidade delitual têm reduzidas
diferentes, sendo a responsabilidade civil a fonte de ambas.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

negligência são suscetíveis de gerar responsabilidade do devedor, contudo em certos casos a lei
limita essa responsabilidade aos casos de dolo (814º, 815º, 956º, 957º, 1134º e 1151º). A
apreciação da culpa é feita segundo a diligência do bom pai de família (487º/2 por remissão
799º/2); c) o credor tem de ter sofrido danos em virtude da não realização da prestação a que
o devedor se tenha vinculado. Em virtude do regime unitário da responsabilidade civil, o regime
da obrigação de indemnizar é também unitário, o que significa que deverá dar-se primazia à
restituição natural (562º), apenas se realiza a prestação em dinheiro quando a reconstituição
natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa
para o devedor (566º). O âmbito dos danos será tanto os danos emergentes, os lucros cessantes
assim como os danos futuros se forem previsíveis, devendo o tribunal remeter a fixação da
indemnização pra decisão ulterior sempre que não sejam determináveis.(564º). No entanto,
nesta modalidade de obrigação, a indemnização abrange o interesse contratual positivo ou de
cumprimento, isto é, todas as utilidades que se frustraram em virtude da não realização da
prestação, devendo a indemnização colocar o credor na situação em que estaria se a obrigação
tivesse sido voluntariamente cumprida (incluindo todas as consequências patrimoniais que o
não cumprimento teve, desde despesas com contratos, gastos tornados inúteis para a
celebração do negócio ou preparação do cumprimento, oneração com deveres de ressarcir
terceiros, lucro cessante do negócio, assim como outros danos concomitantes ou
consequenciais e vantagens concretas que se teria retirado da prestação). A maioria da doutrina
considera que o artigo 494º, que limita a indemnização em caso de mera culpa, não deve ser
transposto para a responsabilidade contratual. Menezes Leitão afirma que o 494º contraria um
dos princípios fundamentais da responsabilidade civil subjetiva, que é o do ressarcimento
integral dos danos sofridos pelo lesado, devendo só esta disposição ser utilizada
excecionalmente, tendo um âmbito de aplicação diminuto. Contudo, esta norma aplica-se
também à responsabilidade contratual, visto que não se justifica tratar de forma diferente o
lesante apenas por violar uma obrigação e não um dever geral de respeito, nem se compreende
que as legitimas expectativas do lesado em obter o ressarcimento integral dos danos tenham
menos consideração em sede delitual do que em sede contratual. A maioria da doutrina e
jurisprudência defende que existe ressarcibilidade do dano moral no âmbito da
responsabilidade contratual. Veja-se, por fim, que admite-se também a ressarcibilidade de
danos resultantes de perda de oportunidade na responsabilidade contratual nos mesmos
termos que na responsabilidade delitual; d) os danos sofridos pelo credor têm de ser
consequência da falta de cumprimento por pare do devedor, tendo de existir nexo de
causalidade, seguindo este as regras da responsabilidade delitual (563º).

Ónus da Prova na Responsabilidade Obrigacional: o artigo 799º determina que cabe ao devedor
provar que a falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação não procede de
culpa sua, estando neste artigo consagrada uma presunção de culpa em relação ao devedor de
que o incumprimento lhe é imputável, dispensando-se ao credor de efetuar a prova
correspondente (351º). A prova do dano e do nexo de causalidade cabe ao credor, nos termos
gerais apresentados para a responsabilidade delitual. Note-se que nos termos do artigo 342º/1
o credor tem de demonstrar a existência de direito de crédito e o devedor tem de demonstrar
o cumprimento (342º/2). Ora, se o credor prova a existência de crédito não tem de provar a
inexecução da obrigação, na medida em que é o devedor que tem de provar que cumpriu a
obrigação. Contudo, se a violação da obrigação ocorrer por a realização de uma prestação de
facto negativo ou por existir um cumprimento defeituoso, parece que é o credor que tem de
provar essa conduta.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Responsabilidade do devedor pelos atos dos seus auxiliares ou representantes: o artigo 800º
apresenta uma situação de responsabilidade objetiva do devedor que assenta na equiparação
da conduta do auxiliar ou representante legal à conduta do próprio devedor, de forma a evitar
que o devedor se possa exonerar da sua responsabilidade, imputando àqueles o
comportamento que conduziu à violação da obrigação. A representação legal é fixada para
suprir a incapacidade do devedor, só abrangendo atividades licitas, não se podendo estender ao
incumprimento das obrigações. Mas tal pensamento levaria a que o credor, face ao
incumprimento das obrigações, não pudesse exigir qualquer indemnização imputada ao
património do devedor, mas apenas ao do representante legal, o que poderia significar um
benefício do património do devedor. Nesse sentido, o artigo 800º considera os atos de
incumprimento realizados pelo representante legal como equivalentes aos atos determinados
pelo devedor, respondendo assim o património deste pelo incumprimento das obrigações.
Quanto aos auxiliares, estes são escolhidos pelo devedor para o auxiliarem na realização da
prestação devida, dilatando-se assim a capacidade de cumprimento por parte do devedor. Ora,
o credor nunca poderia exigir uma indemnização por incumprimento aos auxiliares visto que
não são deveres da obrigação, sendo necessário estender a responsabilidade do devedor aos
atos de incumprimento determinados pelos auxiliares. Esta extensão da responsabilidade
entende-se por existir uma extensão da capacidade do devedor, o que acarreta maior risco que
esse tem de suportar. Veja-se que os pressupostos do artigo 800º não coincidem com os do
artigo 500º: no artigo 800º não é necessária uma relação de comissão, bastando o vínculo de
representação legal ou a mera utilização do terceiro para a realização da prestação; no artigo
800º exige-se que a atuação do representante ou auxiliar represente uma violação do vínculo
obrigacional (dever de prestar principal e deveres conduta acessórios consoante cada caso
concreto, considerando que existe uma lacuna a integrar em cada caso). O artigo 808º/2
determina que a responsabilidade do devedor por atos dos seus representantes legais ou
auxiliares pode ser convencionalmente limitada ou excluída desde que essa exclusão ou
limitação não compreenda atos que representem a violação de deveres impostos por normas
de ordem pública. Esta determinação é admissível, visto que não confere ao devedor a
irresponsabilidade por factos próprios seus (isso seria inadmissível por constituir uma
autorização para não cumprir a obrigação proibida pelo 809º).

Não cumprimento nas obrigações de prestações recíprocas

Nos contratos sinalagmáticos, existindo uma reciprocidade entre as prestações de ambas as


partes, não deve permitir-se a execução de uma das prestações sem que a outra também o seja.
Assim, o não cumprimento das obrigações de prestações recíprocas está sujeito a um regime
especial:

 Exceção de não cumprimento do contrato: encontra-se prevista no artigo 428º e


determina que, nos contratos sinalagmáticos, a lei permite a qualquer dos contraentes
recusar a realização da sua prestação enquanto não ocorrer a prévia realização da
prestação da contraparte ou a oferta do seu cumprimento simultâneo. Assim, é licita a
recusa do cumprimento, impedindo a aplicação do regime de mora e o do
incumprimento definitivo mesmo que exista interpelação da contraparte. Veja-se que
se as duas obrigações forem puras a exceção de não cumprimento é sempre invocável,
nem sequer podendo ser afastada mediante a prestação de garantias (428º/2). Se houve
estipulação de prazos diversos para o cumprimento das obrigações, e um dos
contraentes obriga-se a cumprir em primeiro lugar, essa estipulação implica uma
renúncia da sua parte à exceção de não cumprimento do contrato e a consequente

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

constituição em mora pelo decurso do prazo (805º/2 alínea a)). O contraente obrigado
a cumprir em segundo lugar continua a poder usar da exceção de não cumprimento,
não entrando em mora se não realizar a sua prestação enquanto a contraprestação não
for realizada. Contudo, o artigo 429º permite a utilização da exceção de não
cumprimento do contrato, mesmo ao contraente que esteja obrigado a cumprir em
primeiro lugar, sendo essa a situação em que ocorra alguma das circunstâncias que
importem a perda do beneficio do prazo (780º- insolvência, diminuição das garantias do
crédito ou não prestação das garantias prometidas- sendo que a exceção pode ser
afastada mediante a prestação de garantias de cumprimento). Ainda que exista a
realização da prestação, se esta for defeituosa e esses defeitos prejudicam a integração
satisfação do interesse do credor, poderá ser invocada a exceção de não cumprimento.
Não se justifica a possibilidade de recurso à exceção se os defeitos da prestação
atendendo ao interesse do credor tiverem escassa importância (802º por analogia). A
aceitação da prestação constitui uma presunção da inexistência de defeitos, pelo que
caberá à parte que pretende utilizar a exceção perante o cumprimento defeituoso a
demonstração de que os defeitos existentes tornam inadequada a prestação em termos
que justificarem o recurso à exceção. Para que a invocação da exceção não seja contrária
à boa fé, exige-se uma tripla relação: a) relação de sucessão: pressupõe que quem
invoca a exceção não tenha sido o primeiro a cair em incumprimento, visto que a recusa
em cumprir tem de ser posterior e não anterior ao incumprimento da outra parte; b)
relação de causalidade: pressupõe que a invocação da exceção vise exclusivamente
compelir a outra parte à realização da sua prestação, sendo essa invocação ilegítima
quando seja determinada por outros fins; c) relação de proporcionalidade: pressupõe
que a invocação da exceção seja proporcional ao incumprimento que a legitima, não
sendo admitido o recurso à exceção sempre que esse incumprimento for de escassa
importância.
 Resolução por incumprimento: encontra-se prevista no artigo 801º/2 relacionada com
a impossibilidade culposa, mas que é aplicável também ao incumprimento definitivo. A
resolução por incumprimento apresenta-se como alternativa à responsabilidade
obrigacional nos contratos bilaterais. Contudo, veja-se que o legislador determina que
a resolução não prejudica o direito à indemnização, o que se traduz na necessidade de
averiguar que situações podem ser abrangidas pela indemnização, caso o credor recorra
ou não à resolução do contrato: (i) posição tradicional13: considera que perante o
incumprimento de uma das partes num contrato sinalagmático, a outra parte tem duas
alternativas: a) exigir simplesmente uma indemnização por incumprimento,
abrangendo todos os danos suportados em virtude da não realização da prestação
(interesse contratual positivo), mantendo-se a obrigação; b) obter a resolução do
contrato, cuja eficácia retroativa lhe permite liberar-se da obrigação, pedido
eventualmente a restituição da sua prestação já realizada e de uma indemnização que
se limita aos danos derivados da não conclusão do contrato (interesse contratual
positivo). Não faz sentido, que com a resolução a indemnização possa abranger os danos
resultantes da não realização da prestação (seguimento também dos artigos 898º e
908º); (ii) posição contra a posição tradicional14, baseada na ideia de que a resolução

13 Galvão Telles, Antunes Varela, Almeida Costa, Mota Pinto e Pessoa Jorge.
14 Vaz Serra, Baptista Machado, Romano Martinez (considera que mesmo com a resolução, a indemnização deve
abranger todos os danos, sendo a devolução da contraprestação realizada descontada na indemnização), Mota Pinto
(viria a adotar esta conceção, considerando que nada obsta que o credor que resolve o contrato reclame uma
indemnização pelo interesse positivo, no cumprimento, o que é justificado pela proteção do credor, permitindo-se-

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

não pode prejudicar a indemnização, pelo que esta deve continuar a abranger o
interesse contratual positivo; (iii) Menezes Leitão: considera que a tese que sustenta
que a indeminização abrange o interesse contratual positivo efetua uma quebra no
regime de resolução por incumprimento, tendo este a principal função de libertar o
credor do dever de prestar ou permitir-se obter a sua restituição. Nesse sentido, iria
ocorrer um desequilíbrio na estrutura sinalagmática do contrato, visto que o contraente
fiel obteria a exoneração da sua obrigação ou a restituição da prestação anteriormente
realizada, enquanto o contraente faltoso continuaria a responder integralmente pelo
interesse de cumprimento da outra parte- o promitente fiel tem a pretensão restitutória
da prestação e a pretensão indemnizatória, e o promitente faltoso não tem qualquer
pretensão. Não sendo o objeto do sistema este desequilíbrio, a indemnização terá de
ser limitada ao interesse contratual negativo, não abrangendo os danos resultantes da
frustração das utilidades proporcionadas pela própria prestação. Tal não exclui a
indemnização de lucros cessantes, desde que se prove segundo o artigo 564º/1. O autor
adere à tese tradicional e, portanto, se o contraente fiel quiser optar pela indemnização
pelo interesse contratual positivo é manifesto que não pode resolver o contrato.
 Indemnização por incumprimento nos contrato sinalagmáticos: importa discutir se, no
caso de o credor ainda não tiver realizado a sua própria prestação, a indemnização do
credor, deverá ser proporcionada através da substituição da prestação não realizada
pelo seu valor integral, mantendo-se o credor obrigado a realizar a prestação (teoria da
sub-rogação)- consideram que o nexo de correspetividade entre as prestações se
mantém, apesar da impossibilidade culposa ou incumprimento definitivo da prestação,
sendo esta substituída pelo equivalente pecuniário, havendo necessidade de
indemnização do contraente fiel, mas este não se exonera da contraprestação. Veja-se
que esta teoria se aplica no caso de o credor ter já realizado a sua prestação e se optar
pela indemnização pelo incumprimento; ou proporcionada pelo pagamento ao credor
da diferença de valor entre a prestação não cumprida e a prestação devida pelo credor,
exonerando-se este da própria prestação (teoria da diferença)- consideram que a
indemnização corresponde a uma indemnização pela frustração do próprio sinalagma
contratual, não tendo o credor que realizar a sua contraprestação; a maioria da doutrina
alemã defende que o credor tem a vantagem de não realizar a sua própria prestação e
limita-se a reclamar a indemnização pela diferença de valor entre as duas, na maioria
dos casos. Mas em certos casos, pode haver vantagem para o credor em continuar a
realizar a sua prestação, devendo ser possível que o credor escolha entre a diferença ou
o valor da prestação incumprida, realizando a sua contraprestação (teoria da diferença
atenuada); Menezes Leitão considera que o ordenamento jurídico português não
permite determinar nenhuma das teorias, mas será preferível a escolha da teoria da
diferença, visto que obrigar o credor a realizar a sua contraprestação perante a falta ou
impossibilidade culposa da prestação que lhe é devida, implica reconhecer uma
desarmonia muito grande entre o regime do artigo 795º e 801º/2, quando no âmbito
da impossibilidade parcial, a diferença de regime entre os artigos 793º e 803º baseia-se
apenas no acrescer da indemnização, sendo o regime idêntico em relação à exoneração
do credor. Por outro lado, defende que a teoria da diferença deverá ser atenuada, ou
seja, o credor, quando não realizou ainda a prestação, pode optar pela não realização
dessa, descontando-a na indemnização por incumprimento, ou pela sua realização nos

lhe libertar-se do contrato sem ter para tal que renunciar os lucros frustrados pelo não cumprimento) e Menezes
Cordeiro.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

casos em que tenha interesse em o fazer, reclamando nesse caso a totalidade da


indemnização.

Impossibilidade Culposa da Prestação e a sua Equiparação ao Incumprimento

Se a impossibilidade da prestação é devida a facto imputável ao devedor, a extinção da


obrigação15 em virtude da impossibilidade constitui o devedor na obrigação de indemnizar o
credor pelos danos causados, como se ele faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação
(801º/1), desde que estejam preenchidos os requisitos da responsabilidade obrigacional. Assim,
em termos de responsabilidade é idêntico o devedor não realizar culposamente uma prestação
possível ou não realizar uma prestação que culposamente tornou impossível. A impossibilidade
da prestação por facto imputável ao devedor pode implicar igualmente que o devedor venha a
obter um direito sobre certa coisa ou contra terceiro em substituição do objeto da prestação, o
que atribui ao credor o exercício do commodum de representação, isto é, exigir a prestação da
coisa ou do direito que o devedor obteve contra terceiro em substituição do objeto da prestação
impossível. Para que o credor exerça esse commodum de representação, tem de manter a sua
contraprestação. O credor tem, por isso, que optar entre exercer o commodum da
representação, em que a indemnização é reduzida na medida correspondente ao valor do
commodum (803º/2) ou exigir indemnização pelo seu interesse contratual positivo (de acordo
com a teoria da sub-rogação).

No caso de obrigações divisíveis admite-se que a impossibilidade da prestação possa ser parcial,
tendo o credor, nos termos do artigo 802º/1, a possibilidade de resolver o contrato (no caso de
o cumprimento parcial, atendendo ao interesse do credor, for de importância relevante, visto
que se for de escassa importância, o credor não pode resolver o contrato), ficando o credor e
devedor liberadas de qualquer prestação, ficando apenas o credor com o direito de exigir
indemnização pelo interesse contratual positivo, ou exigir o cumprimento do que for possível,
reduzindo a sua contraprestação, se for devida. Em ambas as situações o credor mantém o
direito à indemnização.

Cumprimento Defeituoso da Obrigação

O cumprimento da prestação será defeituoso quando o devedor, embora realizando a


prestação, essa prestação não corresponde integralmente à obrigação a que se vinculou. Nessa
situação, o devedor não se libera, visto que não existe cumprimento da obrigação, como é
exigido pelo 762º/1. Podem ocorrer 3 situações face ao cumprimento defeituoso: a) mora do
devedor; b) incumprimento definitivo da obrigação; c) se o cumprimento se verificar antes do
vencimento da obrigação, o devedor pode reparar os defeitos ou substituir a prestação antes
do vencimento, não entrando em mora nem ocorrendo incumprimento definitivo. O CC não
apresenta um regime geral para o cumprimento defeituoso, mas nos contratos em especial este
é regulado. Nesse sentido, é possível estabelecer-se um regime geral com base nesses regimes
especiais, integrando a lacuna da parte geral. Assim, o cumprimento defeituoso consubstancia
uma ilicitude pela violação de deveres secundários da prestação ou de deveres acessórios de
conduta, que acompanham o dever de prestação principal. Ao cumprimento defeituoso é
aplicável a presunção de culpa do artigo 799º/1, o que se explica por não existir justificação para
distinguir o regime probatório relativamente a danos derivados da violação do dever de prestar
principal ou da violação de outros deveres. Se os danos causados corresponderem à frustração
das utilidades causadas pela prestação, o credor tem direito a uma indemnização por

15Alguma doutrina (Antunes Varela, Mora Pinto e Menezes Cordeiro) considera que não se dá a extinção da
obrigação, mas sim uma modificação da prestação primitiva.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

incumprimento podendo, no caso de contratos sinalagmáticos, exercer ainda as alternativas


conferidas ao credor nesses contratos. Se os danos extravasarem o âmbito dos danos
anteriormente determinados, a indemnização é completamente exterior ao dever de efetuar a
prestação, pelo que parece que poderá ser cumulada com a ação de cumprimento. Para além
da indemnização ou da resolução do contrato, o cumprimento defeituoso pode ainda atribuir
outros direitos específicos ao credor (ex. direito à reparação ou eliminação dos defeitos da
prestação ou a nova realização da prestação em conformidade com o contrato ou ainda redução
da contraprestação).

Realização Coativa da Prestação (CPC)

 Ação de Cumprimento e a execução: o credor, perante a não realização da prestação,


tem a possibilidade de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o
património do devedor (817º). A exigência judicial de cumprimento efetua-se
normalmente através da ação de condenação, na qual se exige a prestação de uma coisa
ou de um facto. No caso de essa condenação não ser realizada pelo devedor, o credor
instaura uma ação executiva, que tem como pressuposto um título executivo, no qual
se determina o fim e os limites da ação executiva (isto, os termos em que pode ser
executado o património do devedor). Um dos títulos executivos16 é a sentença
condenatória, sendo a decisão proferida uma permissão ao credor para executar o
património do devedor dentro dos limites em que este foi condenado. A ação executiva
pode ter 3 fins diversos, aos quais correspondem processos específicos: pagamento de
uma quantia certa (mais comum, na qual se penhora bens do executado, isto é,
apreende-se bens para se satisfazer o direito do credor), entrega de coisa certa (se for
encontrada, entrega-se ao credor e, se não for, o credor pode pedir indemnização,
transformando-se o processo em execução para pagamento de quantia certa) e
prestação de facto (se for facto positivo fungível, o credor pode requerer que a
prestação seja realizada por outra pessoa e exigir a indemnização moratória a que tenha
direito ou indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação e a quantia
eventualmente devida a título de sanção pecuniária compulsória, sendo que no caso de
optar por indemnização a execução converte-se em execução para pagamento de
quantia certa; se for facto negativo, o credor pode requerer, em caso de violação, a
demolição da obra, indemnização do pagamento sofrido e a quantia devida a título de
sanção pecuniária compulsória. O juiz decide entre a demolição da obra e a
indemnização ao exequente). Na execução executiva a satisfação do direito do credor
faz-se através da atribuição de uma indemnização em dinheiro- execução por
equivalente/sucedâneo, que tem como pressuposto o incumprimento definitivo da
obrigação.
 Execução Especifica das obrigações: o credor pode obter a satisfação do seu crédito na
forma originária, por via judicial, através da produção do mesmo resultado que lhe
proporcionaria o cumprimento voluntário da obrigação (execução especifica). A
execução especifica tem como pressuposto a simples mora, visto que pressupõe a
manutenção do direito à prestação original na esfera do credor. Quanto a obrigações
que têm como prestação a entrega de coisa determinada (exclui-se as coisas genéricas,
visto que o credor não pode suprir a faculdade de escolha que compete ao devedor), a

16Veja-se outros (artigo 703º CPC): documentos exarados ou autenticados pelo notário que importem constituição
ou reconhecimento de qualquer obrigação; títulos de crédito, desde que, os factos constitutivos da relação subjacente
constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo; e documentos a que por disposição
especial seja reconhecida força executiva.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

execução especifica segue o processo de execução para entrega de coisa certa. Se a


prestação for de facto fungível, o credor pode requerer que o facto seja prestado por
outrem à custa do devedor (828º), sendo que o tribunal vende em execução dos bens
do devedor para que com o produto dessa venda contrate a realização da prestação por
terceiro. Se a prestação for de facto negativo (segue-se o processo de execução para
prestação de facto negativo), o credor requer ao tribunal a demolição apenas se essa
faculdade não impõe prejuízos consideravelmente superiores ao devedor, sendo que
nessa opção o credor tem direito apenas a uma indemnização. No caso de a obrigação
ser de contratar, o credor requer ao tribunal a emissão de uma sentença que produza
os efeitos de contrato que o devedor se obrigara a realizar, realizando-se a execução
especifica através de uma ação declarativa constitutiva.
 Sanção Pecuniária Compulsória: nos casos em que não é possível recorrer à execução
especifica, o credor pode coagir o devedor ao cumprimento através da sanção
pecuniária compulsória (829º-A). Esta figura aplica-se às prestações de facto infungível,
positivas ou negativas, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas
do obrigado, e traduz-se no requerimento do credor ao tribunal (não pode ser decretada
oficiosamente) para que este condene o devedor no pagamento de uma quantia
pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for
mais adequado às circunstâncias do caso. Veja-se que o artigo 829º-A/2 determina uma
independência da sanção em relação à indemnização e consequente cumulabilidade
com esta, mesmo que essa tenha sido fixada através de clausula penal. Os beneficiários
da sanção são credor e o Estado em partes iguais, devido à sua utilização para tutelar o
interesse particular do credor no cumprimento da obrigação, mas também o interesse
coletivo de as obrigações serem regularmente cumpridas. Veja-se que o artigo 829º-A/4
apresenta uma sanção compulsória aplicável às obrigações pecuniárias, reconduzindo-
se a um adicional de juros à taxa de 5%, o que resulta diretamente da lei, não sendo
necessária qualquer decisão judicial, sendo que a taxa é automaticamente devida desde
a data da sentença.

Cláusulas de limitação e exclusão da responsabilidade e a cláusula penal

As partes podem regular antecipadamente a indemnização em caso de incumprimento,


podendo esta estipulação ter 3 configurações:

 Cláusulas de exclusão de responsabilidade: o artigo 809º proíbe o credor de renunciar


antecipadamente à indemnização por incumprimento da obrigação, pela
impossibilidade culposa de cumprimento ou pela mora no cumprimento, à resolução
por incumprimento ou ao commodum de representação. Apesar de não expressamente
determinado está também proibida a renúncia ao direito de exigir o cumprimento, a
execução especifica e ainda os direitos conferidos em caso de cumprimento defeituoso.
Tal é percetível, visto que a renuncia antecipada é contrária à própria natureza da
obrigação, convertendo-a praticamente numa obrigação natural. Veja-se, no entanto,
que se permite a exceção do artigo 800º/2, isto é, a possibilidade de excluir a
responsabilidade do devedor por atos dos seus auxiliares. Menezes Leitão (seguindo
Antunes Varela e Ribeiro de Faria), considera, contrariamente a Pinto Monteiro e
Almeida Costa que não é possível aceitar a exclusão da responsabilidade por culpa leve
do devedor, visto que isto levaria a que a posição do credor ficasse debilitada e permitir-
se-ia ao devedor atuar com incúria no cumprimento das obrigações, só sendo
responsabilizado em caso de comportamentos intencionais ou gravemente negligentes.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Nesse sentido, as partes podem celebrar clausulas de renúncia a uma indemnização que
já tenham adquirido, mas não podem efetuar essa renúncia antecipadamente.
 Cláusulas de limitação da responsabilidade: parecem ser admitidas, ao abrigo do
princípio da autonomia privada e por argumento a contrário do 809º. Por outro lado, a
fixação de um limite máximo não se traduz numa renúncia, sendo até relevante para
efeitos de segurança e contratação. Veja-se o artigo 602º que admite a limitação de
responsabilidade do devedor a alguns do seus bens, desde que não seja matéria que se
encontre subtraída à disponibilidade das partes, como por exemplo, as obrigações de
alimentos.
 Cláusula de fixação de responsabilidade (ou cláusula penal): é possível as partes
fixaram o montante da indemnização a ser realizada no caso de incumprimento, mas
este montante não pode ser meramente simbólico, sob pena de funcionar na prática
como uma derrogação da proibição do 809º. A clausula penal tem de ser estipulada num
montante pecuniário, sob pena de ser nula por indeterminabilidade do objeto (280º/1).
Se ficar na disponibilidade das partes a determinação do montante será nula por
contrariedade aos bons costumes (280º/2). A clausula penal é acessória em relação à
obrigações principal, na medida em que atua se houver incumprimento da obrigação
principal. Essa acessoriedade traduz-se na exigência de forma igual à da obrigação
principal para a clausula penal e no facto de ser nula se a obrigação principal também o
for (810º/2). Por outro lado, a clausula penal é transmissível para o adquirente do
crédito ou da dívida principal (582º, 594º e 599º) e extingue-se se existir extinção da
obrigação principal. A clausula penal deve ser considerada como uma clausula que se
destina a estabelecer uma penalização por incumprimento, visando incentivar o
devedor a cumprir (clausula penal estrita) ou deve ser considerada como uma clausula
que visa apenas liquidar antecipadamente os danos exigíveis em caso de
incumprimento (clausula de liquidação de danos)? Menezes Leitão considera que o
artigo 811º/3 não se aplica à clausula penal estrita, sob pena de o 812º não fazer
sentido, havendo a necessidade de restringir esse artigo aos casos em que as partes
tenham estipulado uma clausula de liquidação de danos e não uma clausula penal
estrita. No artigo 811º/1 é possível distinguir entre a cláusula penal compensatória e
cláusula penal moratória (ex. multas aplicadas aos empreiteiros pelos atrasos na
execução da obra), sendo a primeira estabelecida para o incumprimento definitivo e a
segunda para a mora no cumprimento, sendo nesta última possível cumular a clausula
penal e o cumprimento do devedor. O artigo 811º/2 determina que nem o devedor pode
pagar menos do que o montante acordado, nem o credor pode exigir mais do que o
montante acordado, ainda que o valor dos danos seja superior. No entanto, é possível
que as partes convencionem que a clausula penal não prejudique a possibilidade de o
credor reclamar indemnização pelo dano excedente, sendo nesse caso fixada a
indemnização apenas como limite mínimo. O artigo 812º determina injuntivamente a
possibilidade de a cláusula ser reduzida pelo tribunal de acordo com a equidade: a)
quando seja manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; b) quando
a obrigação tiver sido parcialmente cumprida. Este artigo pretende evitar que uma das
partes seja constrangida de ter de liquidar a cláusula penal que se encontra em
manifesta desproporção com o prejuízo sofrido pelo credor. Não parece possível que o
tribunal decrete oficiosamente a redução da cláusula penal sem que para tal seja
solicitado (tal como acontece no 282º e 437º). O artigo 19º c) LCCG determina que são
nulas as clausulas contratuais que consagrem clausulas penais desproporcionadas em

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

relação aos danos a ressarcir, o que significa que não é necessário o mecanismo do 812º
e há uma derrogação do 811º/2.

Garantias das Obrigações

Garantia Geral

A garantia das obrigações consiste na atribuição ao credor, pela ordem jurídica, dos meios
necessários para esse realizar o seu direito, em caso de incumprimento por parte do devedor. A
garantia geral é aquela que é representada pelo património do devedor e as garantias especiais
são aquelas que reforçam essa garantia, podendo ser garantias pessoais, isto é, atribui-se a outra
pessoa a responsabilidade pela dívida, ou garantias reais, ou seja, atribui-se a um dos credores
a preferência na satisfação do seu crédito sobre determinado bem, que pode pertencer ou não
ao devedor. A garantia geral é comum a todos os credores, traduzindo-se na possibilidade de
estes se pagarem, em pé de igualdade, à custa do património do devedor. Assim, se o património
do devedor não chegar para todos os credores se pagarem, esse é rateado, recebendo cada um
dos credores uma parte proporcional ao montante do seu crédito (604º/1). Em regra, os
credores contam apenas com a possibilidade de executar o património do devedor e proceder
à venda judicial dos seus bens para se pagarem com o produto dessa marca. Assim, se um dos
credores tiver uma garantia especial (ex. penhora), terá o direito de ser pago antes dos outros
(604º/2). Visto que a garantia geral é o património do devedor, a lei atribui aos credores diversos
instrumentos destinados a evitar qualquer diminuição do património do devedor- meios de
conservação da garantia geral, tal como a declaração de nulidade, sub-rogação do credor ao
devedor, impugnação pauliana e arresto.

 Declaração de Nulidade (605º): faculdade de os credores, que nisso tiverem interesse,


poderem vir invocar em tribunal a nulidade de atos praticados pelo devedor. Veja-se
que, de qualquer das formas, qualquer interessado pode invocar a nulidade (286º), o
que significa que, mesmo sem esta norma, já era possível aos credores invocar essa
nulidade. O legislador procurou, no entanto, resolver a questão de saber se a declaração
de nulidade pode abranger atos anteriores ao crédito, respondendo afirmativamente, e
se a legitimidade depende da circunstância de o ato produzir a insolvência do devedor
ou se existe apenas com a ocorrência de prejuízo para o credor, sendo esta última opção
consagrada, isto é, a legitimidade depende do simples interesse nessa declaração, não
se exigindo que esses atos venham a produzir ou agravar a insolvência do devedor.
Assim, os credores podem declarar a nulidade de qualquer ato praticado pelo devedor
que os possa prejudicar, independentemente do momento em que esse ato ocorra ou
das suas consequências para o património do devedor. Veja-se que a declaração de
nulidade aproveita a todos os demais credores e, não só, ao que a invoca.
 Ação Sub-rogatória (606º): esta poderá ser classificada como direta ou indireta, sendo
a indireta prevista nos artigos 606º e seguintes. Assim, a ação sub-rogatória indireta
consiste num meio de conservação da garantia geral, representando a possibilidade que
os credores têm de exercerem contra terceiro os direitos de conteúdo patrimonial que
competem ao devedor, mas que não atribui qualquer preferência no pagamento aos
credores que a ela recorram, uma vez que é exercida em proveito de todos os credores.
Por outro lado, a ação sub-rogatória direta consiste na possibilidade conferida a algum
ou alguns credores de exercerem em proveito próprio os direitos que competem ao
devedor, para obterem imediatamente a satisfação dos seus créditos, o que lhes atribui
preferência no pagamento sobre os restantes credores- não é uma garantia geral. A
situação prevista no artigo 2067º é qualificada como ação sub-rogatória, consistindo de

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

os credores do repudiante aceitarem a herança em nome deste nos termos dos artigos
606º e seguintes. Contudo, no artigo 2067º há uma substituição por um ato (repúdio) e
não por uma omissão, e a ação não produz a reversão dos bens ao património do
devedor, visto que, sendo pagos os credores do repudiante, o remanescente da herança
aproveita aos herdeiros imediatos (2067º/3). Pressupostos da ação sub-rogatória
indireta: a) omissão pelo devedor de exercer os seus direitos contra terceiros, excluindo-
se assim o exercício da ação relativamente a simples expectativas jurídicas. O artigo
607º permite que o credor, se demonstrar que tem interesse em não aguardar pela
verificação da condição ou pelo vencimento do crédito, pode exercer a ação em relação
a direitos sujeitos a condição ou a prazo. Por outro lado, pode existir ação sub-rogatória
de segundo grau, isto é, o credor substitui-se ao devedor, exercendo direitos que este
devedor tem perante terceiro- ação de sub-rogação em relação à faculdade de sub-
rogação; b) conteúdo patrimonial desses direitos e não atribuição do seu exercício
exclusivo, por natureza ou disposição da lei, ao seu titular- excluem-se os direitos de
natureza pessoal ou aqueles em que a lei reserve o seu exercício ao respeito titular; c)
essencialidade do exercício desses direitos para a satisfação ou garantia do direito do
credor- pressupõe a demonstração de que sem o exercício daqueles direitos se verifica
a impossibilidade de satisfação da obrigação, ou de que o património do devedor se
encontra insolvente, permitindo a ação eliminar ou reduzir essa situação. A ação sub-
rogatória pode ser exercida judicial ou extrajudicialmente (608º a contrário). No caso de
ser exercida judicialmente, terá de ser citado o devedor para a ação (608º), existindo
uma situação de litisconsórcio necessário passivo, sob pena de ilegitimidade do réu. O
terceiro só pode exercer os meios de defesa que tem contra o devedor e não contra o
credor, visto que este só se limita a exercer o direito em substituição do verdadeiro
titular (devedor). O artigo 609º determina que a ação aproveita a todos os credores,
sendo os bens obtidos ingressados no património do devedor, ficando aí sujeitos ao
poder de execução de todos os credores.
 Impugnação Pauliana: permite aos credores reagir contra atos do devedor que se
apresentam como lesivos dessa garantia, sendo a reação legitima tanto em relação à
primeira alienação pelo devedor (610º e seguintes) como em relação a alienações
subsequentes efetuadas pelo adquirente dos bens (613º). Pressupostos da impugnação
pauliana em relação à primeira alienação:
a) Realização pelo devedor de um ato que diminua a garantia patrimonial do
crédito, que não seja de natureza pessoal: estão em causa atos que tenham
efeitos negativos no património do devedor, quer por diminuição do ativo quer
por aumento do passivo. Veja-se que o artigo 615º/1 admite a impugnação
quanto a atos nulos, como por exemplo, os atos simulados, uma vez que se
reconhece a dificuldade de prova de certos fundamentos da nulidade, que
podem levar à improcedência da ação de nulidade e note-se o facto de esta ação
de nulidade pode ser até menos benéfica para o credor que a impugnação
pauliana. Não é possível a impugnação pauliana em relação ao cumprimento de
obrigações, visto que, ainda que o pagamento a um dos credores possa implicar
o beneficio desse credor face aos restantes, enquanto o devedor não estiver na
iminência da insolvência, pode gerir livremente o seu património, não fazendo
sequer sentido obrigar um dos credores a restituir aquelo que lhe é efetivamente
devido. No entanto, não está excluída a impugnação face a obrigações não
exigíveis e a obrigações naturais, visto que, no primeiro caso, estaria a beneficiar
o titular desse crédito em relação aos demais credores, diminuindo a garantia

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

patrimonial dos restantes e, no segundo, está a satisfazer um credor natural à


custa da lesão da garantia patrimonial dos credores civis. Veja-se que se o
devedor extinguir a dívida através de outras causas de extinção, sem ser o
cumprimento, como a dação em cumprimento, dação pro solvendo ou novação,
os restantes credores podem recorrer à impugnação pauliana, visto que essas
causas beneficiam aquele credor em relação aos outros.
b) Anterioridade do crédito em relação ao ato ou, sendo ele posterior, prática do
ato dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor:
é a situação patrimonial do devedor no momento da constituição do crédito que
deve ser tomada como garantia geral, visto que é aquela que o credor toma em
consideração. Nesse sentido, dificilmente se concebe que o credor possa reagir
contra atos anteriores à constituição do crédito. Contudo, a lei prevê uma
exceção: situação de o ato ser realizado dolosamente com o fim de prejudicar a
satisfação do direito do futuro credor. Nesta situação de fraude ao credor quanto
à garantia permite-se a impugnação pauliana do ato anterior à constituição do
crédito. O artigo 614º determina que o facto de o crédito não ser ainda exigível
não obsta ao exercício da impugnação, sendo a questão da anterioridade
considerada quanto à constituição do crédito e não à sua exigibilidade. Se o
crédito estiver sujeito a condição suspensiva exclui-se a impugnação, apenas se
admitindo que o credor pode exigir a prestação de caução, se os requisitos da
impugnação se verificarem (614º/2).
c) Natureza gratuita do ato, ou sendo ele oneroso, ocorrência de má fé tanto do
alienante como do adquirente: em relação a atos gratuitos, a impugnação
procede ainda que o devedor e o terceiro estejam de boa fé, na medida em que
se entende que os interesses em causa num ato gratuito (incluem as doações
modais ou onerosas, visto que mesmo impondo encargos não deixam de ser
liberalidades) não podem prevalecer contra os direitos do credor. Se a alienação
é a título oneroso, a impugnação só procede se tanto o devedor como o credor
estiverem de boa fé, isto é, se tiverem consciência do prejuízo que o ato causa
do acredor (612º)- abrange tanto os casos de dolo como de negligência
consciente em relação à verificação do prejuízo, visto que não parece correto
que o terceiro veja frustrada uma aquisição que efetua a título oneroso, se
ignorava, ainda que por negligência, os danos (impossibilidade prática de
satisfação do crédito) causados em credor (exclui-se a negligência inconsciente).
Note-se que o credor tem de provar a má fé tanto do devedor como do
adquirente, para que a impugnação possa ser procedente.
d) Impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do crédito ou
agravamento dessa impossibilidade: este requisito abrange, não apenas os
casos em que o ato implique a colocação do devedor numa situação de
insolvência ou agrave a situação, se ela já se verificava, mas também os casos em
que, embora não ocorrendo insolvência, o ato produz ou agrave a
impossibilidade fáctica de o credor obter a execução judicial do crédito (ex.
devedor aliena todos os imóveis que possui, ficando com o dinheiro da sua
venda, que facilmente pode ocultar ou dissipar). Note-se que cabe ao devedor
ou terceiro interessado na manutenção do ato provar que o obrigado possui bens
penhoráveis de igual ou maior valor, sob pena de a impugnação ser julgada
procedente (611º), no seguimento de o credor provar o montante das dividas.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Vejamos agora os pressupostos da impugnação pauliana em relação a transmissões


posteriores (613º):

a) Verifiquem-se em relação à primeira transmissão os requisitos de


impugnabilidade referidos:
b) A nova transmissão ser a título oneroso e ocorra má fé tanto do alienante como
do posterior adquirente: veja-se que se for a título gratuito, basta apenas que
em relação à primeira transmissão se verifiquem os requisitos da
impugnabilidade referidos. O artigo 3º/2 alínea a) Código Registo Predial
determina que as ações de impugnação pauliana estão sujeitas a registo e,
portanto, o impugnante deixa de ter de demonstrar os pressupostos do 613º
para ter de recorrer a uma segunda impugnação, produzindo a sentença efeitos
em relação a qualquer adquirente dos bens, salvo se este registar a sua aquisição
antes do registo da ação.

Regime:

 Os efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido


(616º/4), não existindo com a impugnação qualquer retorno dos bens ao património
do devedor (ação tem uma natureza individual).
 Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na
medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à
restituição e praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados
por lei. Se o adquirente estiver de boa fé, responde na medida do seu
enriquecimento (616º/3). Pelo contrário, se o adquirente estiver de má fé é
responsável pelo valor dos bens que tenha alienado, bem como dos que tenham
perecido ou que se hajam deteriorado por caso fortuito, salvo se provar que a perda
ou deterioração se teriam igualmente verificado no caso dos bens se encontrarem
no poder do devedor (616º/2).
 A impugnação pauliana atribui ao credor uma pretensão direta contra o terceiro
tendo por fonte o enriquecimento sem causa do terceiro à custa do credor
(enriquecimento por desconsideração de património).
 O beneficiário da impugnação é um credor do adquirente como outro qualquer, não
tendo uma posição privilegiada face aos restantes credores (diverso entendimento
de Antunes Varela).
 O negócio entre o terceiro e o devedor mantém-se válido, existindo apenas uma
situação de responsabilidade do devedor perante o terceiro, em virtude de o credor
ter adquirido sobre o terceiro um direito à restituição dos bens na medida do seu
interesse. Se o negócio for gratuito o devedor é responsável nos termos do 957º,
isto é, se se tiver expressamente responsabilizado ou houver procedido com dolo.
Se o ato for oneroso, o terceiro tem o direito de exigir aquilo com que o devedor se
enriqueceu (enriquecimento por pagamento de dívidas alheias, na categoria de
enriquecimento por despesas). Note-se que o artigo 617º/2 determina que a
responsabilidade do devedor perante terceiro não pode ser inovada por este como
exceção para não satisfazer os direitos do credor, tendo a satisfação do direito do
credor primazia sobre a satisfação do direito do credor contra o devedor.
 O direito à impugnação pauliana perde-se quando: A) ocorra a satisfação do direito
de crédito, quer por cumprimento, quer por outra causa de extinção; B) se o
devedor vier a adquirir novos bens, suficientes para assegurar a garantia patrimonial

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

do crédito, visto que nesse caso, qualquer dos réus pode provar o que se refere no
611º; C) quando passe o prazo de caducidade de 5 anos a contar da data do ato
impugnável (618º). Apesar de o prazo ser mais longo que o anterior, este começa a
contar desde a prática do ato e não do seu conhecimento pelo credor e, sendo um
prazo de caducidade, em princípio, não se suspende nem interrompe (328º).

Natureza: a impugnação pauliana é uma ação pessoal, que visa restituir ao credor, na
medida do seu interesse, os bens com que ele contava para a garantia do seu crédito. A
procedência da ação faz surgir uma pretensão à restituição do enriquecimento por
desconsideração do património contra o terceiro. Considera-se que a aquisição por
terceiro não constitui uma causa de retenção legítima, a partir do momento em que se
verifica a impugnação, o que permite ao credor o uso da ação de enriquecimento por
desconsideração do património. Se a aquisição for gratuita a explicação consiste no
facto de a aquisição gratuita ser considerada uma causa menor de aquisição, que não é
considerada causa legitima de retenção quando se processa à custa de outrem que não
o próprio doador, sendo isso que justifica a restituição do enriquecimento, mesmo que
o terceiro esteja de boa fé. No caso da aquisição onerosa, sendo uma causa legitima de
aquisição, a impugnação é justificada pela má fé do devedor e adquirente, que leva a
que não se possa considerar legitima a causa de aquisição. Nesse sentido, com base no
enriquecimento injustificado do terceiro à custa do credor, deverá ocorrer a restituição,
visto que o negócio de aquisição implicou um desvio de bens de uma função que lhes
estava legalmente atribuída: a de servirem como garantia patrimonial dos créditos.

 Arresto (619º e seguintes CC e 391º e seguintes do CPC): consiste na apreensão judicial


de bens, que sendo semelhante à penhora está sujeita ao seu regime. O arresto pode
ser solicitado sempre que o credor tenha justo receio de perda da garantia patrimonial
do seu crédito, bastando que exista um risco de o devedor proceder à ocultação,
alienação ou disposição dos seus bens ou que se verifiquem quaisquer outras
circunstancias que indiciem a possibilidade de futuro desaparecimento dos bens que
constituem garantia patrimonial do crédito. Se forem requeridos em mais bens do que
os suficientes para segurança normal do crédito, reduzir-se-á a garantia aos justos
limites, não podendo o devedor ser privado dos rendimentos estritamente
indispensáveis aos seus rendimentos e da sua família. O arresto pode ser decretado em
relação ao adquirente dos bens do devedor, exigindo-se nesse caso que tenha sido
judicialmente impugnada a transmissão (619º/2) ou, não tenho tal ocorrido ainda, que
se demonstrem factos que tornem provável a procedência dessa impugnação. Se o
arresto for julgado injustificado ou caducar, o requerente é responsável pelos danos
causados ao arrestado, quando não tenha agido com a prudência normal (621º).
Admite-se que o requerente seja logo obrigado a prestar caução, se tal lhe for exigido
pelo tribunal (620º). Decretado o arresto os bens ficam apreendidos para a garantia do
cumprimento da obrigação (como se tivessem sido penhorados), o que implica a
ineficácia em relação ao requerente dos atoa de disposição dos bens arrestados (622º/1
e 819º) e atribuição de preferência sobre os mesmos bens a partir da data do arresto,
que é convertido em penhora na execução do crédito de que constitui garantia. A
preferência fica em efeito se for decretada a falência do devedor, para se assegurar a
igualdade entre os credores.

Garantias Especiais das Obrigações

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Estas são situações em que a posição do credor aparece reforçada para além do que resultaria
simplesmente da responsabilidade patrimonial do devedor. Este reforço poderá ser quantitativo
ou qualitativo, sendo que no primeiro caso a garantia implica que outros patrimónios para além
do devedor sejam sujeitos ao poder de execução do credor, no caso de incumprimento do
devedor (garantias pessoais) e no segundo caso o credor adquire o direito de ser pago com
preferência sobre os outros credores, em relação a bens determinados ou rendimentos desses
bens (garantias reais17). A garantia especial pode ou não (como na separação de patrimónios e
privilégios gerais) passar pela atribuição de um direito subjetivo com fins de garantia ao credor.
Veja-se que é essencial à garantia especial que um dos credores, se encontre em comparação
com os outros, numa posição de benefício, ocorrendo a quebra da igualdade normal entre os
credores.

Nas garantias pessoais, os terceiros assumem uma obrigação própria através da qual ficam
subsidiária e solidariamente responsáveis pelo cumprimento da obrigação do devedor principal-
ex. fiança, incluindo subfiança e o mandato de crédito e o aval.

Nas garantias reais, o credor pode obter o pagamento preferencial do seu crédito pelo produto
da venda de bens determinados ou de rendimentos desses bens, ainda que eles venham a ser
transmitidos para terceiro (credores preferenciais opondo-se a credores comuns ou
quirográficos, tendo os primeiros o direito de se fazerem pagar em primeiro lugar sobre os bens
objeto da garantia, passando à frente dos segundos que só se podem fazer pagar pelo
remanescente dos bens). São, por isso, categorias de direitos reais de garantia- ex. consignação
de rendimentos, penhor, hipoteca, privilégio e direito de retenção.

Veja-se que a separação de patrimónios, a prestação de caução e a cessão de bens aos credores
não se reconduzem nem a garantias pessoais nem a garantias reais.

 Separação de Patrimónios: situação em que a lei prevê a sujeição de certos bens do


devedor a um regime próprio de responsabilidade por dívidas (ex. bens adquiridos pelo
mandatário no mandato sem representação, meação dos bens comuns do casal, em
relação aos bens próprios dos cônjuges, e o património da herança em relação ao do
herdeiro). Nesse sentido, estabelecesse um património autónomo na esfera do
devedor, podendo este relacionar-se com o património principal do devedor pela
atribuição de preferência aos credores do património autónomo sobre os outros
credores; pela exigência da prévia excussão dos bens do património autónomo antes da
execução de outros bens do devedor; ou pela restrição de responsabilidade dos bens do
devedor pertencentes ao património autónomo pelas obrigações que sobre este
recaiam. Os credores que beneficiam do património autónomo, vêm a sua posição
reforçada, na medida em que concorrem genericamente com os outros credores no
âmbito do património geral do devedor e beneficiam da circunstância de o património
autónomo aparecer primordialmente afeto à satisfação dos seus créditos.
 Prestação de Caução: está consagrada nos artigos 623º e seguintes e resulta de uma
obrigação ou autorização conferida por lei, decisão judicial ou negócio jurídico que pode
concretizar-se tanto através de garantias pessoais como através de garantias reais.
Assim, a caução é toda e qualquer garantia, que por lei, decisão judicial ou negócio
jurídico, é imposta ou autorizada para assegurar o cumprimento de obrigações
eventuais ou de amplitude indeterminada. O processo de prestação de caução está

17Estas também constituem um reforço quantitativo quando são constituídas por terceiro, da separação de
patrimónios e da cessão de bens aos credores.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

regulado nos artigos 906º e seguintes do CPC. A caução de fonte legal está presente nos
casos dos artigos 614º/2, 648º, 673º, 1468º alínea b), 93º CC e 704º/3 e 733º/1 alínea
a) CPC. O artigo 613º/1 determina que a caução imposta ou autorizada por lei, sempre
que esta não especifique a espécie que ela deva revestir, pode ser prestada por meio de
depósito de dinheiro, títulos de crédito, pedras ou metais preciosos ou por penhor,
hipoteca ou fiança bancária. Apenas se nenhum destes meios puder ser utilizado será
licita a prestação de outra espécie de fiança, desde que o fiador renuncie ao benefício a
excussão (623º/2), cabendo ao tribunal apreciar a idoneidade da caução sempre que
não haja acordo por interessados (623º/3). A caução com fonte judicial está presente
nos artigos 107º, 620º, 707º, 1898º, 2236º e 2246º. Tanto a caução com fonte judicial
como a caução com fonte negocial (quando as partes, ao abrigo da autonomia privada
a fixam) obedecem a requisitos menos exigentes que a caução com fonte legal, visto
que o artigo 624º admite a sua prestação por qualquer garantia, pessoal ou real,
continuando o tribunal a apreciar a idoneidade da caução sempre que não haja acordo
dos interessados (624º/2 e 623º/3). Se a pessoa obrigada a prestar caução não o fizer,
o credor tem o direito de requerer registo de hipoteca sobre os bens do devedor ou
outra cautela idónea (ex. apreensão de coisas móveis ou direitos não suscetíveis de
hipoteca), salvo se for diferente a solução prevista na lei (ex. 1470º e 2238º/2). Note-se
que a garantia limita-se aos bens suficientes para assegurar o direito do credor. Se, após
prestada, a caução se tornar insuficiente ou imprópria por causa não imputável ao
credor, a lei atribui-lhe o direito de exigir que esta seja reforçada ou seja prestada outra
forma de caução (626º).
 Cessão dos bens aos Credores: o devedor permite que os credores exerçam poderes de
administração e disposição do seu património por forma a obterem o pagamento dos
seus créditos, sem terem de recorrer à ação executiva. Está presente nos artigos 831º e
seguintes. A cessão dos bens está sujeita a forma especial (832º/1): tem de ser realizada
por escrito, estando sujeita à forma exigida para a validade da transmissão dos bens
nela compreendidos. Por outro lado, a cessão deverá ser registada sempre que envolva
bens sujeitos a registo (832º/2). Veja-se, no entanto, que o registo consolida a cessão,
permitindo opô-la a terceiros não sendo uma condicionante de eficácia absoluta. Com
a cessão: transmite-se para os cessionários os poderes de administração e disposição
dos bens objeto da cessão (834º/1), ficando o devedor apenas com a possibilidade de
fiscalizar a gestão e exigir a prestação de contas (834º/2); restringe-se a possibilidade
de se instaurarem execuções sobre esses bens, visto que só os titulares de créditos
anteriores à cessão podem executar os bens até à data da sua alienação, não sendo
possível aos cessionários ou credores posteriores à cessão instaurar qualquer execução
sobre os bens cedidos (833º). Note-se que a lei não veda a possibilidade de os
cessionários executarem outros bens do devedor. Os bens objeto de cessão são também
apreendidos no processo de insolvência. A cessão extingue-se com o cumprimento, que
ocorre com a liquidação do património e pagamento aos credores, visto que o artigo
835º determina que o devedor só fica liberado em face dos credores, a partir do
recebimento da parte que a estes compete no produto de liquidação, e na medida do
que receberam- há um efeito liberatório diferido (como na dação pro solvendo), em que
só se extingue os débitos a partir do momento em que os cessionários recebem o
montante que lhes é devido em resultado da liquidação do património do devedor. Por
outro lado, a cessão extingue-se, para além das formas gerais de extinção do contrato,
por meio da desistência unilateral do devedor, sendo este meio apenas possível se
cumprir as obrigações a que está adstrito para com os concessionários- a desistência

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está condicionada à satisfação do interesse de cumprimento em relação aos


cessionários. Note-se que a desistência não tem efeito retroativo, não prejudicando, por
isso, quaisquer atos de administração ou disposição que tenham sido praticados.
Menezes Leitão considera que a cessão dos bens aos credores constitui uma modalidade
de mandato sem representação para alienar no interesse comum da ambas as partes.
Estão presentes os traços da figura do mandato: credores estão encarregues de praticar
atos jurídicos e o devedor pode fiscalizar a gestão e exigir a prestação de contas. O
mandato é sem representação, visto que a lei tem a necessidade de investir
formalmente os credores de poderes de administração e disposição, deles excluindo o
devedor, o que não seria necessário se o mandato fosse com representação. O mandato
é pensado no interesse de ambas as partes, visto que serve para extinguir o débito do
devedor e pagar aos credores através da liquidação, o que significa que se verificam as
mesmas regras de revogação do contrato (835º e 1170º/2).
 Fiança: é a garantia pessoal típica, sendo regulada nos artigos 627º e 655º. A situação
do fiador é a de garante da obrigações com o seu património pessoal. Apesar da
divergência doutrinária, Menezes Leitão, Menezes Cordeiro e Antunes Varela
consideram que a fiança envolve a constituição de uma obrigação própria do fiador, o
que tem como consequência o facto de, se o fiador cumprir a obrigação do devedor, é
considerado um caso de realização da prestação por terceiro, ainda que sujeita por esse
motivo a sub-rogação legal (644º). O valor da fiança como garantia encontra-se
dependente do valor do património do fiador, sendo que, normalmente abrange todo o
património do fiador, mas pode por limitação convencional ser restringida a alguns dos
seus bens (602º). Normalmente, a fiança restringe-se a algumas dívidas do devedor,
embora possa abranger todas as dívidas presentes e até futuras, desde que
determináveis (sob pena de indeterminabilidade do objeto, sedo nulo o negócio- 280º).
Apesar do silêncio da lei, a fiança tem um caráter necessariamente bilateral, resultando
de um negócio entre o fiador e o credor ou entre o fiador e o devedor (será um contrato
a favor de terceiro) ou ainda entre as três partes. Mesmo, originada num negócio entre
duas partes, esta é sempre um elemento de uma relação trilateral entre o devedor,
credor e fiador. O artigo 628º/1 determina que a forma da declaração de prestação de
fiança (declaração do fiador) é a forma exigida para a obrigação principal, ainda que
exija declaração expressa do fiador, sob pena de invalidade. A declaração da outra parte
no contrato de fiança segue o regime da consensualidade (219º). A acessoriedade e a
subsidiariedade são as duas principais características da fiança. A acessoriedade,
presente no artigo 627º, consiste no facto de a obrigação do fiador se encontrar na
dependência estrutural e funcional da obrigação do devedor, sendo determinada por
essa em termos genéticos, funcionais e extintivos. Esta dependência reflete-se na forma
(628º), no âmbito da fiança (631º- fiança não pode exceder a dívida principal nem ser
concedida em condições mais onerosas), no facto de a extinção da obrigação principal
acarretar também a extinção da obrigação de fiança (651º), na possibilidade de o fiador
poder por os meios de defesa próprios do devedor ao credor, salvo se forem
incompatíveis com a sua obrigação (637º) e no facto de a invalidade da obrigação
principal significar a invalidade da fiança. Porém, no caso de anulabilidade, o facto
constitutivo da obrigação tem de ser efetivamente anulado para que a fiança deixe de
subsistir e, no caso de o fiador conhecer a causa de anulabilidade, a fiança mantém-se,
visto que deverá a fiança ser considerada uma garantia de que a obrigação principal não
será anulada, respondendo o fiador pelo incumprimento da garantia. A subsidiariedade
traduz-se na possibilidade de o fiador invocar o benefício da excussão (638º), isto é,

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pode impedir o credor de executar o seu património enquanto não tiver tentado sem
sucesso a execução do património do devedor. O artigo 639º determina que a
subsidiariedade opera ainda que existam garantias reais constituídas por terceiro antes
da fiança, visto que o fiador por exigir na mesma a execução prévia das coisas sobre as
quais recai a garantia real. Assim, o benefício da excussão visa evitar a execução judicial
de bens do fiador enquanto a garantia concedida pelo património do devedor ou por
outras garantias reais prestadas por terceiro anteriormente à fiança (o fiador teve em
conta a existência destas garantias) não se mostre insuficiente para assegurar o
cumprimento. Veja-se, no entanto, que o fiador pode renunciar à subsidiariedade (640º
a)- basta que o fiador se apresente como principal pagador) ou que esta poderá ser
excluída quando o devedor ou dono dos bens onerados com garantia não puder, em
virtude de facto posterior à constituição da garantia ser demandado no território do
continente ou ilhas adjacentes (640º b)) ou quando a fiança respeitar a obrigação
comercial (101º CComercial). A existência de excussão não impede que o credor
instaure imediatamente ação judicial contra o fiador, podendo demandá-lo, isolada ou
conjuntamente com o devedor, como forma de obter um título executivo contra aqueles
dois. Se o fiador for demandado sozinho tem sempre a possibilidade de chamar o
devedor à demanda (incidente de intervenção principal provocada passiva), sob pena
de se considerar que renuncia ao benefício (641º/2).
• Relações entre credor e fiador: o credor pode exercer perante o fiador os
mesmos direitos que tem perante o devedor, quer eles respeitem à ação de
cumprimento, quer à indemnização por incumprimento, mora ou cumprimento
defeituoso. Por outro lado, o fiador pode opor ao credor meios de defesa que
lhe são próprios e ainda exceções que competem ao devedor (não produzindo
qualquer efeito em relação ao fiador a renuncia do devedor a estas exceções),
salvo se forem incompatíveis com a sua obrigação. O caso julgado entre credor
e devedor não é oponível ao fiador, mas pode ser invocado por esse em seu
benefício, salvo se respeitar a circunstâncias pessoais do devedor, que não
excluam a responsabilidade do fiador (635º). O caso julgado entre o credor e
fiador aproveita ao devedor, mas não o prejudica o caso julgado desfavorável
(635º/2). Quanto à prescrição e sua interrupção, suspensão e renúncia, a lei
estabelece a independência da obrigação do fiador quanto à obrigação do
devedor, o que significa que as causas de interrupção, suspensão ou renuncia à
prescrição de uma não se estendem à outra. No entanto, no caso da
interrupção, admite-se que se o credor interromper a prescrição contra o
devedor e der conhecimento ao fiador, se considere a prescrição interrompida
contra este na data da comunicação (636º). O fiador, para além do beneficio da
excussão, tem outros meios de defesa: recusar o cumprimento enquanto o
direito do credor puder ser satisfeito por compensação com um crédito do
devedor ou se este tiver a possibilidade de se valer da compensação com uma
dívida do credor (642º/1); recusar o cumprimento, enquanto o devedor tiver a
possibilidade de impugnar o negócio (642º/2).
• Relações entre devedor e fiador: o cumprimento da obrigação por parte do
fiador, implica a transmissão do crédito para o fiador, com todos os seus
acessórios e garantias. Existe uma sub-rogação legal (592º). Assim, podem
continuar a ser opostas ao fiador as mesmas exceções que poderiam ser
invocadas perante o credor. Veja-se que se o devedor tiver consentido no
cumprimento pelo fiador ou, avisado por este, não lhe tiver dado

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conhecimento, injustificadamente, dos meios de defesa que poderia opor ao


credor fica impedido de opor esses meios contra o fiado (647º)- razões de tutela
da boa fé do fiador. A lei prevê deves específicos de aviso entre o devedor e
fiador, de forma a evitar que o cumprimento por um acabe por lesar o outro
(645º e 646º). Nos casos previstos no 648º, a lei admite que o fiador possa exigir
a sua liberação ou prestação de caução (ocorre nos casos previstos no 623º),
sendo estes casos correspondentes a situações em que o fiador vê aumentarem
os riscos de ser demandando em virtude da prestação da fiança (alínea a) e b)),
ou se torna mais difícil a sub-rogação contra o devedor (alínea c)) ou a
vinculação do fiador se tornar excessiva, ou por ultrapassar o evento ou
estender-se para além do prazo em que o devedor deveria proceder à sua
exoneração (alínea d)) ou ainda por vigorar em termos indefinidos ou muito
prolongados (alínea e)). A liberação do fiador ocorre com o cumprimento da
obrigação do devedor perante o credor ou com qualquer outra forma de
alternativa de satisfação do direito deste. A prestação de caução ocorre por
qualquer das formas do 623º.
• Pluralidade de fiadores: se cada fiador decidiu isoladamente afiançar o
devedor, em princípio (salvo se for convencionado o benefício da divisão- 649º),
cada fiador responde pela satisfação integral da dívida, sendo aplicável o regime
das obrigações solidárias. Assim, se um dos fiadores cumprir integralmente, fica
na posição de credor, através da sub-rogação, e tem direito de regresso quanto
aos restantes fiadores. Mas, no entanto, só pode exercer um desses direitos: se
exercer s sub-rogação e o devedor prestar aquilo que o fiador cumpriu, não
existe direito de regresso; e se exercer primeiro o direito de regresso, o devedor
só responde perante do credor, através do exercício da sub-rogação, em relação
à parte do crédito à qual o fiador/credor não tenha exercido o direito de
regresso (650º). Se os fiadores se obrigaram conjuntamente, ainda que em
momentos diferentes, cada um deles pode invocar o benefício da divisão
respondendo apenas pela sua parte na obrigação. Se um dos fiadores se
encontrar insolvente ou não puder ser demandado no Continente ou nas RA,
respondem os restantes proporcionalmente pela quota daquele (649º). Se o
fiador, judicialmente demandado, decidir cumprir integralmente a sua
obrigação ou uma parte superior à que lhe competia goza, para além do direito
de sub-rogação sobre o credor, do direito de regresso sobre os outros fiadores,
pela parte que lhes compete, ainda que o devedor não esteja insolvente
(650º/2). Se não tiver ainda sido judicialmente demandado, não tem direito de
regresso sobre os outros fiadores, sem estar previamente excutido o património
do devedor (650º/3)- AV: há um benefício de excussão concedido pela lei aos
outros fiadores.
• Extinção da fiança: a fiança extingue-se logo que a obrigação principal se
extingue, visto que perde o seu objeto (garantir o cumprimento pelo devedor
da obrigação) devendo extinguir-se também. A lei prevê meios de extinção da
fiança por causas referentes ao credor (pretende-se que o fiador não veja
prejudicada a possibilidade de excussão do património do devedor pela inação
do credor em proceder atempadamente contra o devedor): a) se a obrigação
for a prazo e o fiador gozar do beneficio da excussão pode exigir, vencida a
obrigação, que o credor proceda contra o devedor no prazo de 2 meses, a contar
do vencimento, sob pena de a fiança caducar, não terminando, no entanto, esse

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prazo sem que tenha decorrido um mês desde a notificação (652º/1); b) se a


obrigação for pura, o fiador que goza do beneficio da excussão tem a
possibilidade, sob a mesma cominação, de exigir a interpelação do devedor, a
partir do momento em que haja decorrido mais de um ano sobre a assunção da
fiança (652º/2); c) o fiador fica exonerado pelo facto de, em virtude da conduta
do credor, ter perdido a possibilidade de sub-rogação nos direitos do credor
(nomeadamente garantias reais) contra o devedor, ocorrendo essa exoneração
mesmo que se verifique a solidariedade entre fiadores (653º). Se a
impossibilidade da sub-rogação for apenas parcial a fiança não se extingue,
ocorrendo apenas a redução da obrigação do fiador. A fiança pode ainda
extinguir-se por qualquer causa geral de extinção, independentemente da
subsistência ou não da obrigação principal (ex. prescrição, caducidade). O artigo
654º apresenta prazos supletivos para a obrigação do fiador, caso a fiança seja
para garantia de obrigação futura. Assim, o fiador pode liberar-se se decorrerem
5 anos sobre a prestação da fiança ou ainda, enquanto a obrigação da fiança
não se constituir, tem a possibilidade de se liberar da garantia se a situação
patrimonial do devedor se agravar em termos de pôr em risco os seus direitos.
 Subfiança (630º): consiste numa segunda fiança que é prestada para garantia da
obrigação do fiador, estabelecendo-se um segundo nível de garantia (o subfiador
garante perante o credor a obrigação do fiador). A esta figura são aplicáveis as
disposições da fiança mas veja-se regimes especiais: a) 643º: o subfiador tem o beneficio
de excussão tanto em relação ao fiador como ao devedor (duplo beneficio); b) 650º/4:
no caso de a subfiança ser prestada numa situação de pluralidade de fiadores, o
subfiador não responde perante os outros fiadores, pela quota do seu afiançado que se
mostre insolvente, salvo se isso resultar do ato da subfiança- o subfiador apenas afiança
o fiador perante o credor, não se estendendo a garantia a outros fiadores.
 Retrofiança: consiste numa fiança destinada a garantir o eventual crédito que o fiador
venha a adquirir sobre o devedor em consequência da sub-rogação legal que se opera
caso venha a satisfazer o crédito. O retrofiador não assume qualquer vinculação perante
o primitivo credor, mas apenas perante o fiador e apenas se este vier a ser sub-rogado
no crédito sobre o devedor. O regime da fiança é aplicável a esta figura.
 Mandato de Crédito (629º): trata-se de um contrato em que uma das partes
(encarregado) assume perante outra (autor do encargo) a obrigação de conferir crédito
a um terceiro, em nome e por conta própria, passando o autor do encargo a garantir
esse crédito como fiador. O autor do encargo tem a possibilidade de revogar o mandato
enquanto o crédito não for concedido, podendo denunciá-lo a todo o tempo sem
prejuízo da responsabilidade por danos causados (629º/2). O encarregado não pode em
princípio renunciar ao mandato, a menos que a situação patrimonial do autor do
encargo ou do terceiro vier a sofrer alteração que coloque em risco a futura satisfação
do crédito do encarregado, podendo nesse caso legitimamente recusar o cumprimento
do encargo (629º/3). Esta figura deve ser considerada um negócio típico que recolhe
elementos tanto do mandato (há uma obrigação de praticar atos jurídicos, mas o
encarregado fá-lo por conta e em nome próprio) como da fiança para garantia de
obrigação futura (o encarregado responde como fiador, mas também é ele próprio que
determina o surgimento da obrigação principal), seguindo o seu regime em tudo o que
não seja incompatível (exclui-se aplicação dos artigos 1181º e seguintes e 628º/1).
 Garantia Autónoma (garantia bancária autónoma): ocorre quando determinada
entidade vem garantia pessoalmente a satisfação de uma obrigação assumida por

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terceiro, independentemente da validade ou eficácia desta obrigação e dos meios de


defesa que a ela possam ser opostos. Não está prevista na lei, mas é admissível ao abrigo
da autonomia privada (405º) e permite afastar a elevada proteção que o princípio da
acessoriedade concede ao fiador na fiança, pois permite-se a invocação de todo e
qualquer meio de defesa oriundo da obrigação principal o que não se ajusta às
necessidades do tráfego comercial. Assim, esta garantia está autónoma da principal,
permitindo-se ao credor assegurar a subsistência da obrigação do garante, mesmo nos
casos em que não pode por qualquer razão demandar o devedor principal. A garantia
autónoma tem também uma função de garantia (é um negócio causal não acessório),
sendo uma obrigação que promete o resultado da prestação na hipótese de não se
verificar o cumprimento por parte do devedor principal, mas a obrigação do garante não
se molda sobre a obrigação principal, nem quanto ao objeto, nem pressupostos de
exigibilidade, sendo uma obrigação autónoma e própria. Saber se as partes estipularam
uma fiança ou uma garantia autónoma depende da interpretação negocial, sendo que
no caso de dúvida presume-se a estipulação de fiança.
• Garantia Autónoma Simples: nesta modalidade a estipulação desta garantia
limita-se a derrogar a regra da acessoriedade da fiança, não dependendo a
obrigação de garantia da obrigação principal. Nesta situação, admite-se apenas
a oponibilidade de exceções próprias da relação de garantia. Nestas obrigações,
o garante não pode opor ao beneficiário exceções oriundas da relação de
cobertura (ex. facto de não lhe ser paga a retribuição ou de o garante ter
ordenado a não prestação da garantia). Por outro lado, o beneficiário tem de
provar que ocorreu constituição do seu direito, sem a qual o garante pode
legitimamente recusar o cumprimento.
• Garantia Autónoma à Primeira Solicitação: estipula-se que o garante não oporá
qualquer exceção à exigência da garantia, mas antes a satisfará imediatamente
logo que tal seja solicitado pelo credor, sendo limitadas as exceções que pode
invocar (ex. extinção da garantia por cumprimento, resolução ou caducidade,
existência de fraude manifesta e abuso de direito por parte do credor). Nesta
situação deve distinguir-se entre garantia com ou sem justificação documental,
consoante o pedido de pagamento tenha de ser acompanhado de
documentação comprovativa do evento que desencadeia a garantia, caso no
qual o credor tem de demonstrar que ocorreu o facto que determina a exigência
da garantia para que o garante tenha que realizar a prestação; ou possa ser
realizado independentemente da junção de qualquer documentação, bastando
ao credor exigir simplesmente a garantia, tendo o garante que liquidar a
garantia independentemente de prova- a obrigação do garante é
imediatamente exigível com a simples interpelação do beneficiário. Nestas
situações o garante tem algumas exceções, já enunciadas, que pode invocar e
pode instaurar ação ou providência cautelar em ordem em evitar que a garantia
seja exigida nessa situação, que só será procedente se existir prova clara e
indubitável da existência de fraude ou for evidente o aviso manifesto, não
bastando o juízo de probabilidade.
• Forma: Menezes Leitão considera que deverá ser exigida forma escrita para a
declaração do vinculado à garantia autónoma, o que já não é necessário para a
declaração de aceitação por parte do beneficiário, podendo esta aceitação ser
até meramente tacita.
• Regime:

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▪ Relação de cobertura: entre o garantido (dador da ordem) e o garante,


no âmbito do qual o garante se compromete, normalmente, mediante
remuneração (pagamento de comissão) a prestar a garantia a favor de
pessoa que venha a ser designada pelo garantido. Para além disso, o
garantido compromete-se a pagar a contraprestação e a reembolsar
imediatamente o garante, caso este venha a ter que efetivamente que
efetuar ao beneficiário da garantia a prestação a que se comprometeu.
▪ Relação de atribuição: entre o garantido e o beneficiário da garantia,
que justifica a sua concessão.
▪ Relação de execução: entre o garante e o beneficiário da garantia, que
consiste na prestação da garantia nos termos exatos em que se obrigou
perante o garantido. Existe um verdadeiro contrato, visto que se exige
a aceitação do beneficiário, ainda que este seja de cariz unilateral por
criar obrigações para o garante apenas.
▪ O credor, em alternativa à realização do cumprimento, pode contentar-
se com a prorrogação do prazo de vigência inicial da garantia, de forma
a evitar que a caducidade da garantia pelo decurso do prazo inicial de
vigência, sendo o interesse do credor não satisfeito. Se o pedido de
prorrogação não for concedido pelo garante é qualificado com o
exigência de pagamento. Nos termos do 592º, após a efetivação da
garantia, o garante fica sub-rogado nos direitos que o beneficiário tinha
contra o garantido. Nas garantias à primeira solicitação, o reembolso do
garante é também à primeira solicitação, não podendo o devedor opor
ao garante as exceções relativas ao crédito que sobre ele tinha o
beneficiário, devendo efetuar automaticamente o pagamento e
reclamar do beneficiário posteriormente o que ele obteve do garante,
caso tenha acionado indevidamente a garantia. O garante, para
assegurar o reembolso, exige a entrega de letras aceites ou licenças
assinadas em branco por parte do dador da ordem ou permite ao
garante obter o reembolso por levantamentos em depósitos que o
dador da ordem tenha no próprio banco.

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